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Quinta-feira, 5 de Junho de 2003 I Série - Número 129

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE JUNHO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. Narana Sinai Coissoró

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da interpelação n.º 6/IX.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) deu conta das conclusões e recomendações do relatório da Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA, criticando a falta de uma política de prevenção adequada e de medidas que impeçam a discriminação de portadores de HIV/SIDA ou de deficiência.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Fernando Penha (PSD) referiu-se ao pré-relatório elaborado pela Comissão Europeia acerca da agricultura portuguesa e apoiou a posição do Governo nas negociações com vista à reforma da política agrícola comum, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rodeia Machado (PCP) e Miguel Ginestal (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) considerou que os objectivos traçados por aquele projecto de relatório vêm pôr em causa as orientações da política agrícola nacional, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Costa e Oliveira (PSD) e Miguel Ginestal (PS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado João Cravinho (PS) contestou a decisão do Governo de manter a Portela como aeroporto principal de Lisboa e de não optar já pela construção de um novo aeroporto na Ota. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho (PSD), Diogo Feio (CDS-PP) e Duarte Pacheco (PSD).
O Sr. Deputado João Teixeira Lopes (BE), também em declaração política, criticou os compromissos saídos da Cimeira dos G8, realizada em França, entre 1 e 3 do corrente mês, e o Ministro de Estado e da Defesa Nacional por propor cooperação militar com a Arábia Saudita, após o que respondeu e deu explicações ao Sr. Deputado Telmo Correia (CDS-PP), que também exerceu o direito de defesa da honra da bancada.

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 57/IX - Altera o Código Civil, a Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, o Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, e a Organização Tutelar de Menores, revendo o regime jurídico da adopção, e dos projectos de lei n.os 275/IX - Reforça os direitos das crianças na adopção (BE) e 295/IX - Altera o regime jurídico da adopção (PS). Usaram da palavra, a diverso título, além da Sr.ª Ministra da Justiça (Maria Celeste Cardona), os Srs. Deputados Isabel Gonçalves (CDS-PP), Paula Carloto (PSD), Odete Santos (PCP), Joana Amaral Dias (BE), Teresa Morais (PSD), Maria do Rosário Carneiro (PS), Leonor Beleza (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes) e Ana Catarina Mendonça (PS).
Foi ainda debatido, na generalidade, o projecto de lei n.º 243/IX - Alteração à Lei Orgânica da Assembleia da República (PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes). Após o Sr. Deputado José Magalhães (PSP), na qualidade de relator, ter apresentado o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias acerca do diploma em apreço, usaram da palavra o Sr. Deputado João Moura de Sá (PSD), Rodeia Machado (PCP), Fernando Serrasqueiro (PS) e João Rebelo (CDS-PP).
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 72 e 73/IX e 75 a 77/IX e, ainda, do projecto de lei n.º 310/IX.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Jorge Fidalgo Martins
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa

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Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Vicente José Rosado Merendas

Bloco de Esquerda (BE):
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para proceder à leitura do expediente, tem a palavra o Sr. Secretário da Mesa.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, unicamente para anunciar a interpelação n.º 6/IX - Sobre política geral para o ensino superior, apresentada pelo BE.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, vamos dar início aos trabalhos começando pelas declarações políticas. Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ontem foram apresentados na Assembleia da República o relatório e as recomendações da Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA, resultantes do ciclo de quatro conferências sobre "ser positivo no combate ao estigma e à discriminação". Pena é que esse documento não tenha sido elaborado de forma participada com as ONG, crítica ontem afirmada no debate realizado na sala do Senado.
Os títulos dos jornais continuam a alertar-nos para realidades como "A SIDA entre os jovens é alarmante em Portugal" ou "SIDA sem combate adequado em Portugal", remetendo-nos para a falta de uma política de prevenção adequada, que conduz à incapacidade de atingir objectivos de diminuição da doença em Portugal. O programa ONUSIDA também é claro nas suas conclusões: Portugal é dos países da Europa Ocidental que apresenta um crescimento mais elevado de casos de pessoas infectadas com o VIH.
Mas se a forte aposta na prevenção eficaz é uma política adequada, a pergunta que se impõe é: e no caso de uma pessoa ser infectada pelo VIH? Aí, a resposta tem sido maioritariamente a da discriminação, o que leva essas pessoas a silenciar a sua situação. Não há dúvida de que ainda temos um longo caminho a percorrer no combate ao estigma em relação às pessoas infectadas com o VIH e o relatório ontem apresentado dá-nos bem conta disso.

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Os doentes com SIDA continuam ainda a ser vítimas de actos de discriminação nas unidades de saúde, como a recusa de tratamentos ou internamentos, espera mais prolongada de actos cirúrgicos, realização de testes sem o consentimento dos doentes, quebras de confidencialidade, só para citar alguns exemplos.
Os portadores de VIH continuam também a ser discriminados no trabalho, estando os trabalhadores sujeitos muitas vezes a rastreios indevidos e sistemáticos, por forma a detectar a infecção pelo VIH, e, quando detectada, sujeita os trabalhadores a graves discriminações.
Os portadores de VIH continuam a ser discriminados na escola. Um País onde há escolas que, sem daí lhes advir qualquer consequência, recusam crianças deficientes, é bem elucidativo do estado de intolerância em que vivemos.
Os portadores de VIH continuam a ser discriminados pelas seguradoras quando lhes recusam, sem mais, acesso à compra de habitação própria ou a outros bens necessários, algo que é profundamente injusto e reprovável. O acesso das pessoas infectadas com VIH à sua plena cidadania, ao exercício dos seus direitos, é o que nos deve mover para a tomada de medidas concretas para alterar esta situação.
Este relatório da Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA diz-nos, no fundo, que existem questões básicas contra a discriminação que continuam por resolver em Portugal, levando à marginalização de pessoas que estão aptas para viver o seu dia-a-dia, para planear o seu futuro e para contribuir para a sociedade da qual são parte integrante, ou à marginalização de pessoas que precisam de tratamento e que vêem a sua doença estigmatizada pelos próprios profissionais de saúde. A discriminação retira-lhes esses direitos.
O relatório dá-nos conta de que os métodos de luta contra a discriminação por VIH/SIDA que têm sido aplicados são manifestamente insuficientes e que é fundamental tomar medidas, incluindo legislativas, no combate ao estigma nos sectores da saúde, da educação, do trabalho e dos seguros.
É aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que quero manifestar uma profunda preocupação relativamente a medidas que têm sido tomadas e que vão radicalmente contra aquilo que é recomendado no relatório e que afinal promovem a discriminação. O Código de Trabalho é um claro exemplo de uma dessas medidas, quando prevê a possibilidade de qualquer trabalhador ou candidato a emprego, por determinação do empregador, ser obrigado à apresentação de exames médicos para confirmação sobre a sua situação de saúde. Esta foi, aliás, uma das disposições que levaram o Sr. Presidente da República a pedir a apreciação da constitucionalidade deste diploma.
Mas também a procura de privatização do Serviço Nacional de Saúde, através da empresarialização de unidades de saúde, contribui para que o tratamento de doentes com SIDA seja secundarizado, criando margem de manobra para mais discriminação.
A impunidade daquelas escolas que continuam a recusar a frequência de ensino por crianças deficientes leva também a facilitismos de discriminação, e à generalização de uma prática inaceitável. É isto que não podemos aceitar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um discurso tolerante seguido de uma acção totalmente diferente, facilitadora e às vezes fomentadora de práticas discriminatórias.
Mas há recomendações que constam do relatório que estão já traduzidas em propostas concretas nesta Casa. Os Verdes têm apresentado um conjunto de propostas, quer relativamente à garantia de direitos para deficientes, (lembram-se dos projectos de lei de Os Verdes relativos ao acesso de deficientes auditivos à televisão, da integração de associações de deficientes no Conselho Económico e Social, do projecto de deliberação de Os Verdes, do acesso de pessoas com deficiência ao Parlamento?), quer também de medidas relativas ao combate a doenças infecto-contagiosas. Lembram-se, por certo, também dos projectos de lei que apresentámos com vista a tomar medidas concretas nas prisões portuguesas para prevenção de transmissão de doenças infecto-contagiosas.
Há duas iniciativas legislativas que gostaria de realçar: primeiro, que pena ter sido rejeitada uma proposta de revisão constitucional, apresentada por Os Verdes, que previa a inclusão no artigo 13.° de uma cláusula contra a discriminação por motivos de saúde! Ontem, foi a Comissão de Luta Contra a SIDA que veio apresentar a necessidade dessa inclusão na Constituição da República. Pode ser que assim os grupos parlamentares que, na altura, rejeitaram a proposta de Os Verdes já fiquem sensibilizados e conscientes da necessidade da aprovação dessa proposta.
Segundo, queria também realçar aqui o projecto de lei apresentado por Os Verdes que proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde, que concretiza um conjunto muito significativo de medidas como a proibição de discriminações por parte da entidade empregadora, nas ofertas de emprego, no fornecimento de fruição de bens ou serviços, no acesso ou exercício de actividade económica, na venda ou arrendamento de imóveis, no acesso a locais públicos ou abertos ao público, no acesso aos cuidados de saúde, a estabelecimentos de ensino, entre outras, mas que prevê também uma questão fundamental: é que se alguém se considerar alvo de discriminação por motivo de deficiência ou de risco elevado de saúde, há uma presunção de discriminação e cabe à parte requerida o ónus de provar que não houve violação do princípio da igualdade.
Sr. Presidente, este projecto de lei, como outros relativos a discriminação de deficientes, de outros grupos parlamentares, foi aprovado, na generalidade, há cerca de cinco meses. Está há todo este tempo retido na Comissão de Trabalho e de Assuntos Sociais, onde é preciso que seja trabalhado com urgência, por forma a que a Assembleia da República possa prestar um contributo positivo, necessário e emergente no que se refere ao estigma e à discriminação também a pessoas portadoras de VIH. E o tão falado e desejado prestígio da Assembleia da República, Sr. Presidente, não se compadece com estes vetos de gaveta!
O levantamento de algumas medidas necessárias para combater o estigma da SIDA está feito. Haja, pois, vontade política no sentido de as concretizar. E essa vontade política não se coaduna com "o jogo do empurra" para a dita sociedade civil ou para a lógica da mudança de mentalidades. O poder político tem uma responsabilidade que é a de não aceitar actos discriminatórios e tudo deve fazer para que eles não existam, estabelecendo normas que promovam a igualdade e que repudiem a discriminação. Se deixarmos de actuar assim, pactuamos com esses actos discriminatórios. Só de uma forma activa e nunca passiva construiremos uma sociedade de maior igualdade.

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Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Igualmente para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo português continua a lutar por melhores condições na PAC para a agricultura portuguesa. Portugal aderiu à Comunidade Europeia em 1986, com o sector agrícola em evidente estado de subdesenvolvimento e atraso em relação ao dos restantes Estados-membros. Com notável esforço por parte dos agricultores e de todos os agentes envolvidos, o sector tem tentado, de forma inglória, ultrapassar as suas debilidades e subsistir ao impacto de integração perante agriculturas mais desenvolvidas, economicamente mais rentáveis e com níveis de ajuda mais elevados.
A agricultura portuguesa tem sido obrigada a uma missão quase impossível de recuperação de atrasos e à obrigatoriedade de competir e convergir com condições e ajudas inferiores às das agriculturas dos restantes países. Por isso, Portugal produz apenas cerca de 50 % dos produtos agrícolas que consome. A balança comercial agrícola portuguesa apresenta um saldo negativo de 2 800 milhões de euros.
As ajudas do 1º pilar da PAC, atribuídas aos agricultores portugueses, são inferiores às dos restantes Estados-membros, limitando e penalizando Portugal. Dois vectores do 1º pilar da PAC penalizam e limitam à estagnação a agricultura portuguesa: quotas de produção e nível de ajudas que se reflectem na insuficiente produção, produtividade e baixo rendimento dos agricultores portugueses.
Nestas circunstâncias, conjugando a aplicação destes dois vectores do 1º pilar da PAC em Portugal, o efeito é adverso ao sector agrícola português que fica impossibilitado de alcançar níveis de rendimento que permitam gerar condições para melhorar a capacidade tecnológica e de competitividade.
A agricultura portuguesa, nos anos após a integração na União Europeia, apesar de melhorias sensíveis, continua a necessitar de apoio para convergir para os níveis médios da agricultura Europeia. Nestas circunstâncias, a proposta de reforma da PAC apresentada pela Comissão Europeia iria colocar em piores condições o futuro do sector em Portugal, com a agravante da adesão de 10 novos Estados-membros. O Governo português assumiu com vigor e determinação a defesa dos interesses do sector agrícola português e dos nossos agricultores, sendo nisso apoiado por todas as organizações representativas da lavoura e por todos os partidos políticos representados na Assembleia da República, exceptuando o Partido Socialista.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - Portugal tem mostrado desagrado pelos pontos desfavoráveis da proposta Fischler, desenvolvendo esforços negociais no sentido de defender o futuro da nossa agricultura. Neste sentido, e considerando que existem problemas específicos em Portugal, provenientes da forma de aplicação da PAC, o Governo português solicitou ao Conselho Europeu que fosse elaborado um relatório de análise ao sector, conhecendo-se agora o documento preliminar, sujeito ainda a discussão, rectificação e aprovação, que vem demonstrar a justeza das preocupações apresentadas por Portugal, servindo de apoio aos esforços negociais desenvolvidos pelo Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desde logo, o simples facto de Portugal ter conseguido o acordo do Conselho Europeu para a elaboração deste relatório de análise pela Comissão vem premiar a orientação, determinação e insistência do Primeiro-Ministro, Dr. Durão Barroso, em defesa da agricultura portuguesa, da melhoria das suas condições no âmbito da política agrícola comum e do incremento de rendimento para os nossos agricultores.

Aplausos do PSD.

Sublinho a insistência e tenacidade do Primeiro-Ministro, que foi coroada de êxito porquanto esta pretensão apresentava elevadas dificuldades de aceitação por parte do Conselho, havendo mesmo, em Portugal, quem a tivesse considerado ser missão impossível.
Sobre o projecto de relatório e suas conclusões, atento e relido, repara-se que é reconhecido que Portugal investiu no sector agrícola com evidência para as infra-estruturas, que se modernizou, melhorou a produtividade, a competitividade e a qualidade dos seus produtos, atingindo em alguns deles os níveis médios comunitários. Todavia, o ajustamento estrutural continua a ser uma necessidade no sector.
Os indicadores de análise mostram um aumento de rendimento por unidade de trabalho, todavia a agricultura continua a evidenciar diversas dificuldades específicas, apesar da melhoria do rendimento de trabalho, este continua a ser baixo, e recomenda a continuação do esforço nos seguintes eixos: relançamento e aceleração do ajustamento estrutural; desenvolvimento da agricultura com orientação de mercado baseada na qualidade; aumento da sustentabilidade e competitividade das áreas rurais. Manifesta ainda a predisposição da Comissão para o possível reforço do apoio a Portugal através do desenvolvimento rural e recomenda atenção específica para o impacto da Reforma da PAC nas regiões desfavorecidas, nomeadamente na bovinicultura e ovinicultura. Por outro lado, manifesta ainda disposição para avaliar e encorajar a continuação da transferência de áreas de culturas arvenses de baixa produtividade para a produção animal extensiva, seguindo uma tendência verificada em Portugal nos últimos anos.
O relatório prevê que o prolongamento das quotas do leite até 2014 e os previsíveis aumentos em 2007 e 2008 beneficiarão, eventualmente, Portugal. Todavia, reconhece que o caso dos Açores merece especial atenção e necessita solução. Fica a abertura para a autorização definitiva do aumento de quota de produção de leite nos Açores em mais 72 000t.
Este relatório é favorável aos interesses portugueses, dando suporte à estratégia negocial do Governo, merecendo já aceitação por parte das organizações representativas do sector agrícola. Nele não se vislumbra qualquer declaração que arrase a agricultura portuguesa, antes pelo contrário: é reconhecido o ancestral atraso na época de adesão e evolução positiva, embora insuficiente para convergir com a média europeia. Fica expressivamente reconhecida a especificidade e dificuldades da agricultura portuguesa, a

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necessitar de especial atenção e apoios por parte da Comissão.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, por nós, manifestamos total apoio ao Governo para continuar o esforço negocial em relação à União Europeia, para melhoria das condições da agricultura portuguesa relativamente à política agrícola comum.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Penha, veio V. Ex.ª trazer à colação hoje, aqui, na Câmara, o pré-relatório da União Europeia sobre a agricultura portuguesa. E é um pré-relatório sobre os 20 anos da agricultura portuguesa, com particular responsabilidade para os governos do PSD e também para os governos do PS, que, ao longo dos anos, vieram discutindo as melhorias, os significativos ganhos da agricultura em Portugal face à União Europeia.
Mas é bom não esquecer que este pré-relatório vem dar razão ao PCP nas críticas que, ao longo dos anos, tem vindo a fazer sobre a questão da política agrícola comum e aquilo em que ela se traduziu em Portugal: na perda de postos de trabalho na agricultura, com mais de 130 000 explorações agrícolas que se perderam ao longo destes 20 anos, com mais de 100 000 postos de operários agrícolas que se perderam em definitivo.
Esta reforma da PAC não serviu, efectivamente, a agricultura portuguesa e, em particular, a agricultura familiar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta PAC serve os interesses dos países do norte, está para aí direccionada, e não reconhece a especificidade da agricultura portuguesa e, como tal, não subsidia, como deveria fazer, os produtos agrícolas e, sobretudo, a agricultura familiar, sustentáculo da agricultura em Portugal, como V. Ex.ª certamente reconhecerá.
Não é por acaso que V. Ex.ª trouxe à colação exactamente a situação da segurança alimentar em Portugal, dado que não se produz hoje em Portugal mais do que 50% daquilo que se consome, o que é manifestamente preocupante.
Sr. Deputado, pergunto se o Governo está ciente de todas estas situações - e está, porque é que aceitou o alargamento de mais 10 países da União Europeia, na Cimeira de Copenhague -, quando sabia que o mesmo orçamento para a agricultura de 15 seria para 25? Porque é que o aceitou, sabendo que, naturalmente, Portugal não iria ser beneficiado, antes pelo contrário, iria ser prejudicado face a essa situação?
As quotas de leite são uma realidade que aí está: quis-se modernizar a agricultura e incentivá-la, mas esse é um obstáculo total e permanente para os agricultores portugueses, que são penalizados por isso, tal como são penalizados noutras situações que V. Ex.ª reconheceu.
Assim, perguntar-lhe-ia, Sr. Deputado, qual vai ser a posição do Grupo Parlamentar do PSD em relação ao alargamento a mais 10 países sem orçamento que o suporte, face àquilo que foi dito, em Bruxelas, pelo Sr. Primeiro-Ministro e pelo Sr. Ministro da Agricultura, ou seja, que se não fosse reconhecida a especificidade da agricultura portuguesa e não houvesse contrapartidas financeiras, quando se votasse aqui a questão do alargamento, pediria que fosse votada contra, sabendo-se que a especificidade da agricultura é reconhecida mas não há contrapartidas financeiras.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Deputado Fernando Penha tem mais um pedido de esclarecimento, mas a Mesa tem a informação de que responde no fim. Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Penha, gostaria de começar por precisar algo que disse nesta Câmara, e que já ontem tinha dito na Comissão, realçando aquilo que, supostamente, teria sido uma vitória do seu Governo e que dizia respeito ao reconhecimento por parte da União Europeia, em concreto, da Comissão, da especificidade da agricultura portuguesa.
Quero lembrar-lhe, Sr. Deputado, que quem, pela primeira vez, conseguiu, na sequência de um Conselho de Primeiros-Ministros da União Europeia, o reconhecimento da especificidade da agricultura portuguesa, isto é, da riqueza e da importância do mundo rural para a agricultura portuguesa, foi o anterior governo, não foi este, o que foi uma vitória de Portugal. Trata-se de interesses do Estado, do país, da agricultura portuguesa.
Temos hoje consciência de que os dois pilares da política agrícola comum têm de ser reformulados nos seus critérios e, como sabe, Sr. Deputado, nessa ocasião, foi possível duplicar as verbas destinadas ao desenvolvimento rural de Portugal.
É justamente essa a ilação que este Governo deve tirar da mensagem que lhe foi transmitida no relatório que a Comissão hoje nos apresenta. Do nosso ponto de vista, este relatório traduz claramente uma mensagem ao Governo português por parte da Comissão, que é a seguinte: a estratégia assumida pelo Governo português está errada, em primeiro lugar, porque o Governo defende o aumento de quotas e a Comissão diz muito claramente, nas conclusões do relatório, que não é com o aumento de quotas que se vão resolver os problemas estruturais da agricultura portuguesa. E como é possível resolver estes problemas? É justamente - como já foi dito pelo Sr. Deputado Rodeia Machado e como o Partido Socialista têm dito também insistentemente - pela assunção, de acordo com os critérios de distribuição de ajudas ao rendimento, no âmbito da política agrícola comum, de um apoio efectivo ao mundo rural.
A este propósito, quero lembrar ao Sr. Deputado que apenas 1% dos agricultores portugueses recebe quase metade das ajudas ao rendimento que todos os anos entram no nosso país. É esta situação que, pelos vistos, o PSD não quer mudar. Ou seja, quer continuar a insistir numa política errada, que está a provocar não só a desertificação do interior mas também o fim da actividade agrícola tradicional no nosso país.
Para terminar, lembro ainda ao Sr. Deputado que, em 1995, quando chegámos ao governo, não existia rigorosamente nada no que diz respeito ao desenvolvimento rural e à certificação de produtos agrícolas e quando o vosso Governo foi eleito, no ano passado, os senhores encontraram,

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como sabe, ao nível da certificação de produtos agrícolas, cerca de 100 produtos. E é por aí que o Governo deve ir, pela defesa da pequena agricultura e do mercado onde somos competitivos: no vinho, nos hortofrutícolas, no azeite, nas frutas, nas produções amigas do ambiente, da qualidade e do emprego.
É que o que está em causa, no futuro, é dividir o mesmo "bolo", as mesmas verbas, não só por 15 países mas por mais 10, e as respostas que o seu Governo tem de dar passam por saber como é que vai ser possível, com o mesmo "bolo", Portugal não perder mais do que já perdeu neste momento, com a posição do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, V. Ex.ª fez a sua intervenção com correcção, sendo verdade algumas das declarações que fez.
Com efeito, esta política agrícola comum tem ajudado mais os países ricos do norte da Europa do que os países do sul, sendo que têm sido insuficientes os apoios à agricultura dos países mediterrânicos. Esta é uma realidade.
De facto, esta é uma das matérias que o Governo português vem contestando, por ser prejudicial ao desenvolvimento da agricultura portuguesa.
Na realidade, conjugam-se dois aspectos: a insuficiência de quotas nos produtos mais ajudados pela PAC e, por outro lado, a insuficiência de ajudas nos produtos mais importantes no sistema produtivo português.
Relativamente às quotas de leite, verifica-se uma insuficiência nos quantitativos atribuídos a Portugal. O nosso país perdeu uma oportunidade soberana em 1999, na negociação da Agenda 2000. Como bem sabe, o governo socialista de então veio satisfeito apenas com o aumento pro rata que foi distribuído, passando ao lado da distribuição de 1,4 milhões de toneladas que foi feita à Irlanda, à Itália, a Espanha e à Grécia, cujas capacidades chegaram a atingir os 6,9%.
É evidente que temos de suportar a situação existente, porque, mesmo relativamente às quotas de leite, tendo sido anunciada uma vitória pelo Partido Socialista, que teria consagrado um aumento de 72 000t para os Açores, isso não foi mais do que a autorização temporária de uma franquia que termina justamente este ano. Ou seja, o problema dos Açores, nesta matéria, não está resolvido, mas tem de o ser.
Sr. Deputado, relativamente à matéria, também politicamente importante, de uma eventual posição portuguesa vetando a aceitação do alargamento, devo dizer que a posição portuguesa continua a ser muito clara, no sentido de uma Europa que convirja, de uma Europa de qualidade, de equidade e de solidariedade. E Portugal continua a manter para com os novos países a sua solidariedade, sem deixar de defender os interesses portugueses e da agricultura portuguesa.
Sr. Deputado Miguel Ginestal, se me permite, começo por referir-me à palavra "vitória", que o Sr. Deputado citou, dizendo que o Governo português considera uma vitória o facto de ter conseguido que o Conselho aceitasse a elaboração do relatório. Nós, sociais-democratas, não utilizamos esse termo. Fizemos isto como uma prestação de serviço obrigatória, dentro da nossa missão que é governar Portugal a favor dos interesses dos portugueses. Não o fizemos para levantar a bandeira, o que foi um costume vosso. Mesmo quando não as havia, gritavam que tinham conseguido vitórias, mas não é este o nosso espírito.
A especificidade da agricultura portuguesa vem desde 1978, da época de pré-adesão. Simplesmente, ela foi aplicada no QCA I, com o governo do PSD, concretamente com o Programa Específico de Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (PEDAP), e voltamos a evocar a especificidade da agricultura portuguesa e as debilidades ainda existentes para podermos obter o apoio por parte da União Europeia de que necessitamos e que merecemos.
Não temos dúvidas que o caminho a seguir é o que temos percorrido. Não temos dúvidas que a não aceitação total da proposta da PAC da Comissão Europeia, que mereceu o apoio, repito, de todos os partidos representados na Assembleia da República e de todas as organizações da lavoura, é o caminho certo. Lamentamos que o Partido Socialista não tenha aderido a esta causa, que é uma grande causa nacional. Temos a certeza de que o poderão corrigir, se quiserem, mas por agora o Partido Socialista está a ver a questão ao contrário e pelo lado errado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi esta semana divulgado o que se afirma ser o projecto de relatório da Comissão Europeia sobre a agricultura portuguesa, na sequência da decisão tomada no Conselho Europeu de Copenhaga, de Dezembro de 2002.
O "presente envenenado" que constituiu aquela decisão, para mascarar a derrota do Governo nas propostas de reforma da PAC que então apresentou, está agora bem à vista.
A Comissão Europeia vem pôr em causa as orientações da política agrícola nacional seguidas praticamente desde a nossa adesão à Comunidade. É matéria que não nos surpreende, críticos que temos sido dessas orientações. Só que a Comissão Europeia resolveu "esquecer-se" das próprias e altíssimas responsabilidades da sua política agrícola comum.
De facto, primeiro, a PAC foi, desde o início, concebida para as grandes produções dos países fundadores, particularmente a cerealicultura e a pecuária de carne. As ajudas directas, que constituem, no caso dos cereais e em Portugal, mais de 60% do seu rendimento líquido, não existem para as produções mediterrâneas, o que dificulta - para não dizer inviabiliza - a modificação dos sistemas culturais.
A verdade é que Portugal e outros países da bacia mediterrânea com condições específicas para a produção de produtos mediterrâneos nunca conseguiram assegurar o mesmo tipo de apoios das produções continentais, e ao longo dos anos a Comissão Europeia sempre se tem recusado a reorientar as políticas e o modelo de ajudas iniciais.
Tal quadro está na base de Portugal ser o país que menos recebe da PAC - 1,6% do total das ajudas directas e 1,4% do total do FEOGA-Garantia, contra, por exemplo, a Grécia, que recebe 6,8% de cada uma daquelas ajudas, ou a Irlanda, que recebe 3% e 3,7%, respectivamente.

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Logo, é preciso dizer que a PAC é também, em grande medida, responsável pela consolidação, em Portugal, de um modelo de agricultura sem futuro e que serve sobretudo os grandes proprietários e as grandes explorações agrícolas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Portugal é o único país da coesão que apresenta transferências líquidas negativas para a política agrícola comum.
Em segundo lugar, o facto de, em Portugal, sucessivos governos não terem introduzido critérios de reorientação e redistribuição das ajudas faz com que, face à nossa estrutura fundiária e modelo de produção, se tenham ampliado as próprias distorções da PAC: 59% do total das ajudas directas têm ido para as culturas arvenses e 1% dos agricultores recebem 44% do total das ajudas directas. Ou, dito de outra maneira, os 100 maiores proprietários agrícolas recebem 6% de todas as ajudas directas quando a média na União Europeia não ultrapassa 1,8%.
Em terceiro lugar, Portugal é um dos países menos produtivos da União Europeia, com mais fragilidades face à liberalização do comércio agroalimentar, situação que, no âmbito da União Europeia, se agravará ainda mais com o alargamento aos novos Estados-membros. Somos deficitários na balança comercial agrícola, temos um valor acrescentado bruto que não vai além dos 2,3% do total da União Europeia, temos um nível de quotas que, excepto no tomate, no arroz e na banana, oscila entre 1% e 3% do total da Comunidade e temos produtividades que são 1/3 das produtividades médias dos Quinze.
Não contribuímos para os excedentes da União Europeia, pelo contrário. O problema do País não é produzir demais, é produzir de menos.
As quotas foram sendo atribuídas a Portugal tendo por base as nossas muito baixas produtividades históricas. Não querendo alterar nem as quotas nem a base de cálculo (e mantendo-as na proposta actual de reforma da PAC, adicionadas a uma nova imposição administrativa de baixa de preços), a Comissão Europeia amarra o atraso da agricultura portuguesa ao seu próprio atraso, impede o País de modernizar e desenvolver a sua agricultura e penaliza ainda mais os rendimentos dos agricultores portugueses. É por isso que pequenos incrementos de produtividade e produção em Portugal, como no caso do leite, dão lugar à aplicação de multas absurdas.
Em quarto lugar, é consensual que Portugal tem potencialidades para a produção de regadio. Alqueva multiplica essa capacidade nos seus 110 000 ha de área possível de rega. Mas mantendo-se as quotas anteriores (designadamente na beterraba), vai gerar-se o absurdo de o País não poder aproveitar as potencialidades do regadio de Alqueva, cuja construção é financiada pela própria União Europeia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Em quinto lugar, é neste quadro que também devemos apreciar a proposta de desvinculação das ajudas da produção. Para os agricultores receberem as ajudas bastará, no futuro, manterem a terra preparada de modo a assegurar condições mínimas de produção. Nas condições concretas da agricultura portuguesa, tal conduzirá, inevitavelmente, à aceleração do processo de abandono da produção e do mundo rural, especialmente nas zonas mais desfavorecidas, pondo em causa a existência de uma política agrícola com funções de orientação, fomentando a concorrência desleal entre produções com e sem direito a ajudas e não contribuindo para reduzir as desigualdades na distribuição das ajudas directas.
Em sexto lugar, estando de acordo com a necessidade de as ajudas à produção serem cruzadas com as políticas de desenvolvimento rural, a verdade é que não existem na proposta de reforma da PAC recursos adicionais para este pilar. Sendo as medidas do desenvolvimento rural co-financiadas pelos Estados-membros, tal implica um esforço acrescido dos orçamentos agrícolas nacionais, penalizando por isso os agricultores de países economicamente mais frágeis como Portugal.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta de reforma da PAC da Comissão Europeia esconde três objectivos centrais: permitir à União Europeia apresentar, nas reuniões da Organização Mundial do Comércio, uma posição mais favorável à liberalização total do comércio agroalimentar; manter numa União Europeia a 25 o orçamento para a PAC idêntico ao da União Europeia a 15, isto é, gastar o mesmo dinheiro com mais países e abrir caminho à renacionalização da PAC.
Estes objectivos são obviamente incompatíveis com as necessidades da agricultura portuguesa, designadamente porque, ao longo dos últimos 17 anos, a PAC e as políticas agrícolas nacionais optaram por desbaratar apoios em subsídios que têm sido, objectivamente, um suporte fundamental dos rendimentos dos agricultores portugueses (e sobretudo da grande clientela agrária dos sucessivos ministérios da agricultura), mas que em pouco contribuíram para uma alteração estrutural dos sistemas produtivos e para a melhoria da produtividade e da competitividade da agricultura.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Não venham, pois, agora, queixar-se ou reclamar contra as consequências da sua própria política, que praticamente só o PCP criticou e denunciou ao longo dos anos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se a isto juntarmos as recentes propostas da Comissão para a liberalização do acesso das frotas aos recursos pesqueiros nacionais situados entre as 12 e as 200 milhas, bem podemos afirmar que se o sector primário em Portugal, a agricultura e as pescas, está hoje mal, razões acrescidas têm para temer o futuro.
O combate a estas propostas lesivas dos interesses nacionais tem de passar por uma posição firme do Governo português nas negociações em Bruxelas, suportada por uma forte mobilização social em Portugal, que está longe de acontecer e que o Governo não impulsiona. Pelo contrário, as primeiras reacções do Sr. Ministro Sevinate Pinto, e agora do Sr. Deputado Fernando Penha, em nome do PSD, condescendentes com o relatório, deixam antever a forte possibilidade de o Governo estar a preparar-se para aceitar a proposta de reforma da PAC depois de tanto a criticar e de o Ministro da Agricultura ter afirmado que a Assembleia da República não deveria ratificar o alargamento da União se os interesses nacionais não fossem acautelados.

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Suspeito que vamos ter, não tarda muito, "saídas de sendeiro para entradas de leão"!
Da nossa parte, PCP, profundamente críticos da actual PAC e da orientação que anos a fio têm seguido as políticas agrícolas nacionais, manifestamos o nosso permanente empenhamento para, na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, na rua e nas instituições, lutarmos ombro a ombro com quem tenha disponibilidade para se opor às decisões de Bruxelas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa e Oliveira.

O Sr. Costa e Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, ouvi-o com atenção e penso que fez bem em fazer a sua análise crítica e apreciativa ao comportamento da União Europeia face à agricultura portuguesa e a todas as políticas agrícolas comuns, às quais Portugal tem tido que se cingir ao longo destes anos.
O Sr. Deputado referiu, com alguma exaustão, a problemática das quotas, e estou de acordo consigo, pois, neste aspecto, Portugal tem sido maltratado. Mas há um outro aspecto em que, na minha opinião, o relatório da Comissão é omisso, ou praticamente omisso, e que tem a ver com o baixo nível das ajudas que têm sido atribuídas ao nosso país.
A determinada altura da sua intervenção, o Sr. Deputado referiu que havia apoios para os países do norte da Europa e não para os do sul, mas, se me permite a opinião, penso que deveria ter sido mais acutilante em relação a esta problemática do baixo nível de ajudas que têm sido atribuídas à agricultura portuguesa. No meu entendimento, radica aí bastante do problemático do que tem sido a agricultura portuguesa nestes últimos anos. E a crítica que a Comissão Europeia agora nos dirige acaba por ser tanto mais injusta, como defendeu também o Sr. Deputado Fernando Penha, quanto a própria Comissão é culpada por muito do que pode estar a acontecer entre nós.
Como não tenho tempo para colocar mais questões, nem o Sr. Deputado teria tempo para lhes responder, questões que considero importante serem analisadas neste contexto da agricultura portuguesa e deste relatório, cingirei a minha pergunta ao seguinte: o Sr. Deputado está de acordo com a minha análise de que o baixo nível das ajudas concedidas à agricultura portuguesa, quando comparado com os outros Estados, está em larga medida na base de algumas dificuldades que atravessamos?
Se, porventura, esse for também o seu entendimento, gostaria que desenvolvesse um pouco mais o seu raciocínio e enquadrasse esta matéria no relatório da Comissão, para que tentássemos, em conjunto, perceber por que é que a Comissão não foi mais clara ao fazer esta análise comparativa, desculpabilizando um pouco aquilo que se possa estar a passar em Portugal.
É, pois, sobre este aspecto que peço a gentileza de o Sr. Deputado tecer alguns comentários.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, permita-me que, numa breve nota introdutória, chegue à seguinte conclusão: todos os partidos com representação parlamentar fazem o mesmo diagnóstico há muitos anos, ou seja, todos dizem que a política agrícola comum não serve os interesses da agricultura portuguesa.
Sobre esta matéria existe, portanto, um consenso absolutamente claro. Mas o que é espantoso é que, chegado o momento de ultrapassar uma postura que faça a descrição de um diagnóstico com o qual todos concordamos, não exista uma posição clara sobre a estratégia que o País deve seguir, ou seja, sobre o desiderato que há relativamente à avaliação deste diagnóstico.
O único partido que assumiu a posição de que se a PAC não serve é preciso alterá-la - e alterá-la profundamente! - foi, de facto, o Partido Socialista.
Além disso, se é referido neste relatório que houve 20 anos de oportunidades perdidas para a agricultura portuguesa, creio que deverá fazer-se justiça ao governo do PS por ter sido o único governo que propôs uma estratégia e elaborou uma proposta concreta para a alteração global das orientações e dos critérios de distribuição de ajudas ao rendimento no âmbito da política agrícola comum. Foi o único governo!
Este Governo, espantosamente, diz-nos algo que é surpreendente. Diz ao País que esta PAC não serve, mas que o que aí vem é ainda pior.
Ora, isto ainda é pior do que uma posição conservadora. É andar para trás! Se se assume que a PAC não serve, então é preciso também assumir quais são as propostas alternativas no sentido de Portugal salvaguardar os seus interesses. E, nesta medida, gostava também de saber qual é a proposta do PCP para alterar a PAC.
A proposta do PS é clara: alterar os critérios de distribuição de ajudas ao rendimento da produção. Isto porque já chegámos à conclusão que a política produtivista que foi encetada no fim da Segunda Guerra Mundial para resolver o problema da fome que grassava nos Estados europeus - era necessário incrementar políticas que levassem a maior produção - ao fim de quatro ou cinco décadas teve efeitos perversos, efeitos esses que tiveram implicações graves ao nível da saúde animal e repercussões ao nível da saúde pública.
Portanto, a nossa proposta é a seguinte: em primeiro lugar, que sejam alterados os critérios de distribuição das ajudas da produção para a exploração, justamente o que interessa a uma estrutura fundiária tão pequena como aquela que caracteriza o mundo rural português; em segundo lugar, que sejam reformulados três pilares fundamentais - o pilar da qualidade e da segurança alimentar, o critério da promoção das culturas amigas do ambiente e o critério de apoio às explorações que gerem emprego.
Creio que esta é uma proposta razoável. De resto, foi assumida, em parte, na reforma que o Comissário apresentou para debate.
Mas o que é espantoso é que sobre estas matérias não exista um consenso entre os partidos representados nesta Assembleia, porque esse consenso, estou em crer, demarcaria claramente aquilo com que estamos de acordo - e tenho a certeza de que também o PCP está de acordo com isso, assim como os outros partidos - e aquilo em que nos devemos bater contra a proposta da Comissão, mas, naturalmente, procurando um novo paradigma. Esse novo paradigma deve traduzir-se no fomento de uma política agrícola

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comum que seja solidária, que seja amiga do ambiente e que provoque a coesão social no espaço comunitário, não só dos 15 Estados-membros, mas, expectavelmente, de mais 10 Estados e, quem sabe, de mais 2 Estados, a médio prazo.
Portanto, Sr. Deputado, deixo-lhe a questão seguinte: qual é contributo do PCP para concretizar, no mais curto espaço de tempo possível, a reforma da PAC pela qual o País e os agricultores portugueses continuam a ansiar?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, os meus agradecimentos pelas questões colocadas.
Sr. Deputado Costa e Oliveira, estou obviamente de acordo com o facto de que um dos problemas que existe tem a ver com o baixo nível das ajudas atribuídas à agricultura portuguesa.
Pergunta o Sr. Deputado por que é que a Comissão não altera esta situação. Penso que a resposta é simples: é porque alterar esse baixo nível, aumentando, significaria reorientar as ajudas entre produções e entre países, o que poria em causa, hoje, o nível de ajudas que recebem grandes países produtores exportadores da União Europeia e grandes explorações agrícolas.
Obviamente, a União Europeia tem aqui uma opção, a de manter esse modelo, para não entrar em confronto com os actuais beneficiários da PAC. É por isso que quando os países da bacia mediterrânica entraram na União Europeia ela não teve capacidade (não quis) para alterar o modelo das ajudas e reorientar as ajudas para os produtores mediterrânicos. Outras razões haverá, mas, seguramente, esta é a questão nuclear que explica este procedimento.
Mas, Sr. Deputado, o problema não é só da Comissão, é também dos governos portugueses, que nunca usaram a margem de manobra que tinham para reorientar as ajudas cá dentro, tendo presente a nossa estrutura fundiária e a nossa estrutura agrícola.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Essa é que é essa!

O Orador: - É por isso que, desde 1986 até agora, temos um sistema de ajudas que privilegia, sobretudo, as regiões da grande propriedade do Alentejo e do Ribatejo e os grandes produtores cerealíferos, em detrimento da pequena agricultura e das produções ditas mediterrânicas, que têm hoje pouco, mas que, apesar de tudo, poderiam ter mais, num quadro de uma reorientação interna.
Recordo que mesmo as propostas tímidas de modulação que o Partido Socialista tinha avançado - que depois minimizou e suspendeu - foram revogadas pelo actual Governo do PSD, pondo fim a um instrumento que, apesar de limitado, poderia ser uma porta aberta para uma reorientação interna das ajudas.
Portanto, as responsabilidades estão, neste caso, repartidas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Diz o Sr. Deputado Miguel Ginestal que todos os partidos fazem o diagnóstico e estão de acordo.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sim!

O Orador: - Dou de barato que sim! Mas o problema não é esse. O problema é saber por que é que, fazendo nós todos o mesmo diagnóstico, aqueles que têm estado no governo não têm procurado que estes diagnósticos se traduzam em políticas diferentes ao nível da União Europeia e mesmo ao nível da política agrícola nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, é preciso alterar a política agrícola comum?! Claro que é! Desde 1986, somos nós que dizemos que esta política agrícola comum não interessa à política agrícola nacional.
Diz o Sr. Deputado Miguel Ginestal que o governo do Partido Socialista foi o único que, ao longo destes anos, apresentou uma proposta de reorientação global das ajudas! Mais: o anterior Ministro da Agricultura, agora nosso colega no Parlamento, até disse que esta proposta da Comissão vinha muito ao encontro daquilo que tinha sido a proposta apresentada pelo anterior governo português. Se essa é a questão, Sr. Deputado, então bem se pode "limpar" à proposta...
De facto, é preciso reorientar a PAC! O problema é saber em que sentido é que se deve reorientar a PAC!
O que esta proposta de relatório visa é reorientar as ajudas do primeiro para o segundo pilar do desenvolvimento rural, que precisa de ser co-financiado, reduzindo as ajudas à produção onde Portugal tem mais défice, o que significa sobrecarregar o orçamento nacional e abrir caminho à renacionalização da política agrícola comum.
É isso que o PS apoia? É isso que propõe? Então é uma má proposta!
Em segundo lugar, Sr. Deputado, a proposta actual da Comissão, como sabe, mantém as nossas produtividades históricas. Isto é, se entrámos na Comunidade com produtividades baixíssimas não podemos fazer aumentos de produtividade e consequentes aumentos de produção porque o nível de quotas não é alterado! Isso significa que com esta política agrícola o País fica amarrado, para sempre, ao seu atraso! Não pode promover aumentos de produtividade, não pode modernizar as suas explorações! É esta a proposta que o PS aceita? Não percebo como e não percebo em que condições!
Por outro lado, Sr. Deputado, temos o problema do desligamento das ajudas à produção. Nós estamos de acordo, como sistema, que o agricultor possa reorientar as suas ajudas, por exemplo, do sistema cerealífero ou da produção de carne para produções mais competitivas, produções mediterrânicas, levando atrás de si as ajudas directas. Ou seja, se as ajudas forem o instrumento de reorientação do modelo cultural, nós estamos de acordo. Mas não é essa a proposta da política agrícola comum! Não é essa a proposta que vocês fizeram!
A proposta que existe actualmente é a seguinte: para combater o tal produtivismo que existe nalguns países da Europa - mas que não existe em Portugal (o nosso problema é produzir de menos) -, o que vocês disseram foi: "Os senhores podem deixar de produzir, não precisam de produzir...; basta que mantenham a terra preparada e

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arroteada para poder produzir que recebem as ajudas à mesma".
O que significa que, com a nossa estrutura social, com uma população agrícola envelhecida e em zonas desfavorecidas, com explorações de fraquíssimos rendimentos, a tendência vai ser a de dizer: "Se eu recebo o mesmo tipo de ajudas sem necessidade de produzir, se me basta manter a terra pronta para agricultar, então não faço nada, tenho as terras abandonadas e recebo as ajudas". Ora, isso vai levar à diminuição da produção e ao abandono do mundo rural.
É essa a proposta que fazem?! É essa a proposta que apoiam?! Mas essa não é, seguramente, a proposta que interessa a Portugal!
Nós temos propostas, Sr. Deputado! Desde sempre! Entendemos que é preciso reorientar o sistema das ajudas. Isto é, é preciso redistribuir na União Europeia o modelo existente, reorientado as ajudas também para as produções mediterrânicas. É preciso atribuir às produções mediterrânicas o mesmo modelo de ajudas directas que têm as produções continentais. Propomos que seja desenvolvido o sistema de modulação, o sistema de tectos, de subsídios, que permitam reorientar os excedentes para a pequena agricultura familiar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Propomos, Sr. Deputado, uma articulação entre as políticas de apoio à produção e as políticas de desenvolvimento rural.
O que não propomos é a separação das duas políticas e a transferência dos apoios à produção para os apoios ao desenvolvimento rural, que significa apoios para um pilar em que Portugal tem de despender mais do seu orçamento, fragilizando-se em relação a outros países que têm melhores orçamentos, o que significa uma porta aberta para a renacionalização da PAC.
Tem aqui três propostas, Sr. Deputado, mas, se quiser, podemos enunciar outras mais. Propostas, aliás, que o Sr. Deputado sabe que o PCP tem. Se alguém, neste país, tem propostas sustentadas, que põem em causa o modelo da PAC, é seguramente o PCP.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Governo é uma pena. É uma pena flutuando ao vento, ora da demagogia eleitoralista, ora das conveniências dos poderes que o comandam de facto.
A Ota é o espelho dessa insustentável leveza. Em pouco mais de um ano, é a quarta cambalhota política do Governo. E a mais violadora das obrigações do Estado que cumpre ao Governo respeitar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Depois do difícil trabalho de restauração do bom uso e de reequilíbrio de ponderação mental levado a cabo pelo Ministro Valente de Oliveira, vem agora o novo Ministro das Obras Públicas enterrar a política aeroportuária abaixo da estaca zero.
A quarta cambalhota política do Governo na matéria é verdadeiramente sinistra: nem mais, nem menos que manter a Portela como aeroporto principal de Lisboa indefinidamente.
Esta eventualidade é absolutamente insustentável, porque é um crime contra a segurança física, a saúde e o bem-estar de quase duas centenas de milhar de habitantes da Grande Lisboa. Manda o mais elementar princípio de precaução retirar, o mais urgentemente possível, um aeroporto internacional do interior da cidade.
Sr. Primeiro-Ministro, essa localização não é uma vantagem competitiva. É um perigo intolerável. A competitividade não se faz à custa do risco de morte, da insegurança de escolas, universidades, hospitais, grandes estádios, bairros e bairros inteiros. Um homem de Estado não pode estar ao lado da ganância do lucro fácil e rotineiro, contra o direito à segurança física de dezenas e dezenas de milhar de pessoas.
Se alguma vez houver um desastre - que Deus não o permita! -, ninguém lhe perdoará, Sr. Primeiro-Ministro. Tal como ninguém lhe deve perdoar hoje a sua actual cumplicidade activa com a subalternização da segurança dos cidadãos à pressão gananciosa de poderosos interesses que pensam que o principal dever do Estado é proteger o seu lucro, custe o que custar.
Por outro lado, o Ministro das Obras Públicas acaba de anunciar, sem se dar conta, que o Governo está apostado em violar a lei, uma, duas, n vezes, para manter a Portela como aeroporto principal de Lisboa.
De facto, a Portela é uma fonte de poluição sonora, e também atmosférica, que provoca frequentemente níveis de ruído duas vezes superiores ao máximo tolerável legalmente. Já hoje, as vagas de aterragens e descolagens nocturnas excedem os 90 decibéis no Campo Grande, Avenida do Brasil, segundo medições da QUERCUS. O máximo é de 45 decibéis. Amanhã, quem aceitará vagas de aterragens e descolagens à cadência de minuto e meio?
Por toda a Europa o mais decisivo factor impeditivo da expansão dos aeroportos próximos das cidades é o protesto invencível dos cidadãos. Dentro de alguns anos, Lisboa juntar-se-á de certeza ao que já hoje é o impedimento número um em toda a Europa. Terá o Governo o "topete" de querer violar deliberadamente e para sempre as directivas comunitárias e a própria lei portuguesa, como o Decreto-Lei n.º 292/2000, de 14 de Novembro?
Digo mais, coisa que o Governo não pensou: nenhum licenciamento de obras de expansão do aeroporto da Portela poderá ser autorizado contra a directiva comunitária de prevenção do ruído e não haverá operadores de aeroporto que queiram tomar uma concessão nesses termos. Os exemplos que vêm da Europa são claros. Por exemplo, o The Independent, de 27 de Maio último, anuncia que o Governo britânico poderá obrigar o operador aeroportuário de Londres a pagar 800 milhões de contos de indemnização às populações por excesso de ruído. Em Lisboa, estamos a falar de várias centenas de milhões de contos. Persista o Governo na sua leviandade e essa factura será certa. Quem a pagará? Os contribuintes, certamente!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Os outros argumentos são igualmente falaciosos. Não haverá quem financie à sua própria responsabilidade uma infra-estrutura na Ota se o tráfego principal for para o aeroporto da Portela. Para além do mais,

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estando o futuro aeroporto ancorado no conceito de hub, não será possível operar com dois aeroportos. Isto é elementar. Sr. Primeiro-Ministro! A ANA - Aeroportos de Portugal, S.A. sabe isto, com certeza, e o Sr. Ministro não a consultou, porque se o tivesse feito teria uma resposta clara.

O Sr. José Magalhães (PS): - Espantoso!

O Orador: - Quanto ao argumento do abrandamento de tráfego, poupem-nos essa infantilidade. Então, a quebra de tráfego de 2002 e 2003, a pneumonia atípica, a guerra do Iraque e a crise económica vão durar 10 anos ou 15 anos?! Com este Governo a crise económica vai durar, isso é verdade, mas não até 2015!

Risos do PS.

Que haja, ao menos da parte do Sr. Primeiro-Ministro, consciência de que não pode vir aqui pôr o seu subconsciente à mostra de todos.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Em Fevereiro deste ano, a ANA indicou à Comissão de Obras Públicas que o aeroporto da Portela estará saturado dentro de 12 a 13 anos. A IATA, em 2 de Junho, ou seja, anteontem, previu uma taxa de crescimento de 4% nos próximos cinco anos e, em Fevereiro deste ano, previu a duplicação do tráfego de passageiros na Europa em 2020. Entre 1986 e 2001, em 15 anos, o tráfego em Portugal aumentou 2,6 vezes. Se apenas duplicar nos próximos 20 anos, nessas condições Lisboa, em 2020, terá pelo menos 20 milhões de passageiros. Ora, esses 20 milhões de passageiros não cabem no aeroporto da Portela, como reconheceu o Ministro Valente de Oliveira.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Levar o aeroporto da Portela até aos 14 milhões de passageiros é possível e necessário, mas tudo o que for para além disso será o custo da irresponsabilidade deste Governo, será o custo da sua demagogia, que já está em centenas de milhões de euros. Ninguém nos livrará dessa factura, mas, como será paga dentro de sete ou oito anos, o Governo já nem perde tempo a pensar nela.
Como o Ministro Valente de Oliveira explicou neste Parlamento, na reunião Plenária de 29 de Janeiro de 2003, levar a Portela até aos 18 milhões de passageiros, máximo dos máximos possíveis, teria um custo exorbitante a pagar pelo sector público, custo esse que, só por si, seria superior à participação pública na construção do aeroporto da Ota. Ele próprio rejeitou por completo essa ideia neste Parlamento e fixou o máximo da expansão em 16 milhões de passageiros. E foi taxativo ao dizer: "Prevê-se que a Ota entre em funcionamento com uma capacidade inicial de 19 milhões de passageiros/ano, passando, numa segunda fase, para 35 milhões. Se estabelecermos como meta o ano de 2015 para a abertura do novo aeroporto, teremos 2006 como o ano de arranque das obras." Ou seja, a abertura do concurso público internacional seria ainda este ano. Assim pensava Valente de Oliveira, com o aplauso dos Srs. Deputados que agora vão aplaudir exactamente o contrário.

Risos do PS.

Mas este Governo é uma pena flutuando ao vento, ora da demagogia eleitoralista, ora das conveniências dos poderes que o comandam de facto. E hoje quem manda é a Câmara Municipal de Lisboa.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - O aeroporto da Portela seria a municipalização do Governo central. Só que a população não deixará o Governo ser cúmplice da violação da sua segurança. Também não haverá qualquer possibilidade de expandir o aeroporto da Portela, a não ser como capacidade transitória a caminho do aeroporto da Ota.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já esgotou o seu tempo.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
A ignorância da lei ambiental comunitária não aproveitará à municipalização do Governo central.
A ironia desta história é que o aeroporto da Ota vai ser o grande tropeção ambiental de um Ministro das Obras Públicas que queria ser, que quase foi, Ministro do Ambiente.
Este Governo é uma pena, é uma pena flutuando ao vento municipal!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, por uma questão de lealdade, tenho aqui as suas declarações proferidas no debate anterior.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado João Cravinho, faça o favor de ouvir o pedido de esclarecimento.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cravinho, por momentos pensei que V. Ex.ª não tivesse exercido as funções de ministro,…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É que o senhor foi Ministro das Obras Públicas, das obras que ficaram por fazer e das obras que outros vão ter de pagar.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, ainda há poucos dias veio a público o relatório do Tribunal de Contas sobre as SCUT. O Sr. Deputado recorda-se do que dissemos na altura? E agora também percebemos quanto vamos ter de pagar - esta e a próxima geração de portugueses - por um projecto que, claramente, não foi bem avaliado e pelo qual o senhor é responsável político.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Deputado, hoje, quer dar uma lição a este Governo e a esta maioria sobre o aeroporto da Ota. Quer! Mas não consegue! É que o Sr. Deputado não consegue justificar como é que, com 9,4 milhões de passageiros no aeroporto da Portela em 2002, prevê um aeroporto para hoje ou para amanhã com uma capacidade claramente excedentária, e sabe com que custos! De facto, o Sr. Deputado consegue a proeza de imaginar obras e de criar despesas, mas o que ainda não conseguiu demonstrar é como se arranjam as receitas para pagar essas obras.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Exacto!

O Orador: - Este Governo tinha prioridades quando tomou posse, ainda hoje tem prioridades e vai ter de as levar até ao fim.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ora, o aeroporto da Ota, manifestamente - já o tinha dito o Sr. Primeiro-Ministro antes da campanha eleitoral -, não era uma prioridade para esta Legislatura.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, V. Ex.ª também sabe, tal como nós, que o aeroporto da Ota necessita sempre de um conjunto de estudos muito amplo, coisa a que V. Ex.ª, enquanto ministro, podia, de facto, ter dado o devido desenvolvimento. Ora, hoje em dia ainda se fala, por exemplo, de estudos hidrológicos da zona da Ota e de outros estudos que já deveriam ter sido elaborados sobre a compatibilização do crescimento do tráfego aéreo com a entrada em funcionamento de um TGV, por exemplo, e também sobre a quota de mercado doméstico do aeroporto da Portela.
Sr. Deputado, vale a pena ter o aeroporto da Ota a funcionar antes de haver passageiros para esse aeroporto?! Ou pensa que os portugueses andam a nadar em dinheiro, que foi coisa que vocês não deixaram a este Governo nem ao País?!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Deputado, gostava de ter visto da sua parte maior esperança e, sobretudo, maior empenho e que tivesse pedido ao Governo melhores estudos sobre o desenvolvimento do tráfego aéreo e ainda sobre a implementação e as acessibilidades do aeroporto da Ota, mas nem V. Ex.ª os fez enquanto ministro nem os pediu ao Governo, e era isso que hoje devia estar a pedir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado João Cravinho, há mais dois Srs. Deputados inscritos para pedidos de esclarecimento. Pergunto-lhe se deseja responder já ao Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho ou no final de todos os pedidos de esclarecimento.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, por uma questão de substância, faça o favor de agregar à resposta seguinte.

Risos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cravinho, V. Ex.ª trouxe a Plenário o tema do aeroporto da Ota, que é, naturalmente, importante, estruturante, e em relação ao qual se podem sempre aduzir argumentos a favor e argumentos contra, sendo certo que em relação à Portela se colocam questões de ruído e é preciso atender às importantes questões de segurança, mas também há outras questões a que é preciso atender.
Desde logo, V. Ex.ª falou da Câmara Municipal do Porto e eu, como Deputado eleito pelo Porto, gostava de saber o que acontecerá às ligações internas quando existir um aeroporto na Ota. V. Ex.ª, que é eleito por Aveiro, não está também, com certeza, a imaginar um cidadão de Aveiro a ir para o aeroporto do Porto, viajar para o aeroporto da Ota para, daí, ir para Lisboa!
Mas há um conjunto de questões que lhe quero colocar. Desde logo, pergunto-lhe se não considera que existia uma realidade em relação ao tráfego aéreo em 1998 e em 1999, em que a perspectiva era de um claro e sustentado crescimento, e que, após os trágicos acontecimentos do 11 de Setembro, a perspectiva é totalmente diferente. Falo, desde logo, da questão do terrorismo e da influência que ele tem a nível dos números do tráfego aéreo.
Pergunto-lhe também se estas mesmas referências não fazem com que seja preciso repensar a forma como um determinado projecto poderá aparecer. Porque não é o projecto que está em causa mas, sim, o facto de ele ser ou não uma prioridade no curto prazo e a necessidade ou não de reponderar alguns dos seus aspectos essenciais.
Em relação ao aeroporto da Portela, quero perguntar-lhe se conhece estudos internacionais, como, por exemplo, um estudo do aeroporto de Manchester, que refere a possibilidade de na Portela termos um tráfego de 20 a 21 milhões de passageiros, quando, actualmente, estamos com metade desse volume, com alguns investimentos, desde logo, num conjunto de infra-estruturas, o que permitirá que a solução do aeroporto da Portela seja exequível até 2020.
Também lhe quero perguntar se, sabendo que o custo estimado para o aeroporto da Ota, a preços de 2002, é, no mínimo, da ordem dos 2500 milhões de euros, podendo ser mais, não acha necessário em relação a uma matéria como esta ter todos os cuidados, porque, se não, quase sou levado a crer que o Partido Socialista vê sempre ao contrário: quando é preciso estudar não estuda e quando não é preciso estudar diz que está a estudar. E isso, Sr. Deputado, deixe-me que lhe diga, utilizando as suas palavras, é uma "pena".

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. João Cravinho (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Ainda há mais um Sr. Deputado inscrito para pedir esclarecimentos.

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O Sr. João Cravinho (PS): - Eu sei, Sr. Presidente. Permita-me, no entanto, que responda imediatamente ao Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Mas o Sr. Deputado disse que respondia em conjunto a todos os pedidos de esclarecimento…

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, pretendo responder já ao Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Não quer responder ao Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho?

O Sr. João Cravinho (PS): - Eu quero, tenho é dificuldade! Mas farei um esforço!

Risos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - É uma arrogância!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, escutei com toda a atenção as suas críticas e objecções e, em primeiro lugar, devo dizer-lhe o seguinte: quanto à questão do tráfego interno Lisboa/Porto, como sabe, hoje em dia, existe, de facto, quase que uma ponte aérea entre Lisboa e Porto e se se atrasarem tanto com o projecto do TGV como se estão a atrasar com o aeroporto da Ota, ela continuará por muitos anos e a sua pergunta perde o objecto.
Mas, admitindo que o projecto do TGV será feito antes do aeroporto da Ota, provavelmente passará a haver muito poucas carreiras aéreas Lisboa/Porto, porque os passageiros utilizarão preferencialmente o TGV. Foi isso que sucedeu quando passou a haver TGV até Sevilha, isto é, as ligações aéreas entre Madrid e Sevilha praticamente acabaram, o que significa que, na Europa, 300 km não são para tráfego aéreo, são para ferrovia de alta velocidade.
O que se pergunta é que o que vai trazer, digamos assim, de grande diferença no tráfego. O Sr. Deputado tem uma ideia do que é o tráfego Lisboa/Porto, não é verdade? Isso traz o crescimento de um ano!
Portanto, o seu argumento poderá ser válido para adiar por um ano a entrada em funcionamento do aeroporto da Ota, porque é isso que equivale, digamos assim, ao tráfego Lisboa/Porto, mas não mais. Ora, quando estamos a falar de uma infra-estrutura que vai durar 50 anos e o Sr. Deputado apresenta como um grande "ponderador" o tráfego de um ano, dada a aleatoriedade, que também reconheço, do tráfego, com certeza que aí não existe fundamento para a objecção.
Depois, diz o Sr. Deputado: "Bom, este é um investimento que vai custar 2500 milhões de euros…"

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Pode ser o dobro!

O Orador: - Vai custar 2500 milhões de euros pelo menos! Sabemos que vai custar mais, até porque este preço foi feito por estimativas de 1998. E o Sr. Ministro Valente de Oliveira aceitou-o aqui, neste Parlamento - consta do Diário da Assembleia da República!
Portanto, já somos dois a errar, eu e o Sr. Ministro Valente de Oliveira. Não estou em tão má companhia como isso.
Nessas circunstâncias, é preciso ponderar isto muito cuidadosamente. E é exactamente por isso que estou a dizer que aquilo que o Governo acaba de anunciar nem me preocupa sequer do ponto de vista dos custos. Sabe porquê? Porque não se vai fazer. Não é possível, com a legislação ambiental - este é um dado novo, e o Sr. Ministro, que é Professor de ambiente, e o Governo deveriam conhecer -, licenciar grandes obras no aeroporto da Portela, a não ser como medida transitória, de 5 ou 10 anos, por absoluta necessidade de aumento de capacidade, na medida do possível, enquanto não se fizer o aeroporto da Ota. Agora, o licenciamento permanente é uma violação completa, total e radical das directivas comunitárias. Nem vale a pena pensar nisso! E, portanto, quando chegar essa ocasião, se alguém tiver essa ilusão, daqui a 5 anos, nichts!
Mas repare no seguinte: 2500 milhões de euros, dos quais 20%…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já esgotou o seu tempo.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Deputado disse que só respondia ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Diogo Feio.

Vozes do PS: - Não!

O Orador: - Não, Sr. Presidente! Quero responder também ao Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho! A não ser que o Sr. Presidente tenha dúvidas…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Ó Sr. Deputado, perguntei-lhe, logo no início, se queria responder aos dois pedidos de esclarecimento, mas V. Ex.ª quis fazer a blague de dizer que, depois, veria se responderia ou não.
O que sucede é que o senhor, neste momento, está a responder a um Deputado, dispondo, para o efeito, de 3 minutos. Foi exactamente para saber o tempo que teria para a resposta que, logo no início, lhe perguntei se desejava responder de imediato ou no fim. À minha pergunta o Sr. Deputado disse que respondia individualmente,…

Vozes do PS: - Não disse, não!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - … razão por que apenas dispõe de 3 minutos, tempo que já ultrapassou largamente.

O Orador: - Sr. Presidente, permita-me o esclarecimento.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Faça favor.

O Orador: - Sr. Presidente, da primeira vez, pedi para que o pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho fosse agregado; mas, da segunda vez, eu disse que responderia aos dois pedidos de esclarecimentos.

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Protestos do PSD.

Mas não me importo de responder no fim.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O Sr. Deputado não disse isso.

O Orador: - Não?! Não disse?!

Protestos do PSD e do CDS-PP e contraprotestos do PS.

Sr. Presidente, estou plenamente entregue nas suas mãos. O senhor ditará o que devo fazer.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, faça favor de terminar rapidamente, porque ainda há mais um pedido de esclarecimento. Depois, então, dar-lhe-ei 5 minutos, se me disser que vai responder ao Deputado Fernando Pedro Moutinho, a quem ainda não respondeu, e ao Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Assim, vou terminar já, dizendo que, efectivamente, no modelo que o Sr. Ministro Valente de Oliveira aqui trouxe, que é o tal modelo que já estava trabalhado e que, como disse o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, "saiu do céu", mas levou-se 3 anos a trabalhar nele, 20% do financiamento é público ou parapúblico, incluindo fundos do Fundo de Coesão, e 80% é privado. No modelo do aeroporto da Portela, é tudo público!

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): -É "virtual"!

O Orador: - É tudo público, não haverá um tostão privado! E não haverá sequer expansão definitiva.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cravinho, permita-me dizer que estou a dar-lhe uma segunda oportunidade para poder responder ao Partido Social Democrata.
O Sr. Deputado fugiu à primeira questão, depois de ter trazido uma intervenção carregada de azedume,…

O Sr. João Cravinho (PS): - Azedume?!

O Orador: - … de arrogância, de alguma maneira pouco hábil de ter fair play em política, como resultado de estar ainda agastado com o modo como saiu do Governo…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … depois de uma grande incompetência à frente deste Ministério.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Permita, Sr. Deputado, que lhe transmita uma informação, para a qual, penso, o senhor terá despertado há pouco, pois ainda não se tinha apercebido, que é a seguinte: houve eleições e o governo mudou.

Protestos da Deputada do PS Rosa Maria Albernaz.

Portanto, a "pena", que era o governo do Partido Socialista, já desapareceu, Sr. Deputado, por vontade própria dos portugueses.

O Sr. António Filipe (PCP): - Mas só falam dele!

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Fale da Ota!

O Orador: - E hoje estamos perante um governo, com o qual o senhor pode concordar ou discordar, que tem um rumo, uma linha e é inabalável nas suas convicções.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, aquilo que está no Programa do Governo, de que esta obra não seria prioridade para esta Legislatura, é reafirmado, tanto pelo Governo como por esta bancada.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Exacto!

O Orador: - Gostaríamos que tivesse sido feita antes? Sr. Deputado, quando nós, em nossa casa, temos de ter em conta os fundos de que dispomos, temos de pensar duas vezes antes de avançar com todos os projectos.
Permita, ainda, que lhe pergunte: onde está a conclusão dos itinerários principais do plano rodoviário nacional, que estava previsto ter terminado há muito e que, pela sua responsabilidade e pela do Partido Socialista, ainda está muito por fazer? Onde está a conclusão daquele monumento, um "monumento" à falta de planeamento e rigor das obras públicas, que é a Ponte Europa,…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … e que tanto tem de ser apontado ao Partido Socialista?
Onde está, Sr. Deputado, a sua palavra, uma resposta séria e (permita-me) serena às críticas do Tribunal de Contas, à gestão da Brisa, à gestão das SCUT, onde são claramente apontados erros gravíssimos à gestão das obras públicas durante os governos socialistas?

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Fale do aeroporto!

O Orador: - Sr. Deputado, não é esse tipo de planeamento e de gestão que queremos. Nós queremos que haja uma prioridade neste País. E há obras, por exemplo, na região onde este aeroporto está instalado, que podiam estar concluídas há muito, mas o seu governo nada fez para que elas fossem uma realidade. Onde está o IC11? A A10 era para estar pronta em 1998, antes da EXPO, mas os senhores saíram e deixaram tudo por acabar.

O Sr. António Costa (PS): - A A10?!

O Orador: - Sr. Deputado, quem assim actuou neste dossier, era melhor que não voltasse a intervir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco, com toda a consideração que tenho por si, que é muita, e sabe isso, lembrando-me de conversas que tivemos, quando foi das concessões das portagens do Oeste… De qualquer modo, se àquilo que acabei de dizer aqui sobre a Ota, sobretudo quanto à violação das leis ambientais e à impossibilidade de vir a requerer o licenciamento de uma expansão definitiva da Portela, ao nível a que se quer, se a isto o Sr. Deputado só tem a dizer que sou um incompetente e que deveria ter concluído a A10, a A4 e a A20, devo dizer-lhe que nem sequer lhe vou responder. Por uma razão: isso é um outro assunto. Eu poderia ser incompetente, poderia ter feito tudo isso que o Sr. Deputado diz. Não fiz! Mas isso nada tem a ver com o assunto.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - Há-de reconhecê-lo! É completamente fora da marca e é, de facto, revelar uma fragilidade total, uma absoluta incapacidade de alinhar um argumento que seja, mesmo mau! Portanto, sobre isto, estamos falados.
Agora, quanto às tais obras e a essa história toda, vou dizer-lhe uma coisa que o Sr. Deputado pode perguntar ao Prof. Carmona Rodrigues, como pode perguntar ao Prof. Valente de Oliveira, como pode perguntar ao nosso colega que foi secretário de Estado das obras públicas. Hoje, constroem-se três vezes mais auto-estradas do que se construía até 1995. Três vezes mais! E o Sr. Deputado anda por auto-estradas, as mais variadas, no seu distrito, na A8 e em outras do género, que foram feitas e que nunca teriam sido feitas… Os Srs. Deputados de Castelo Branco nunca teriam uma auto-estrada na vossa vida, e vão tê-la toda e completíssima dentro de dois ou três meses. Portanto, a isso, respondo com a obra. Triplicação do ritmo de crescimento das auto-estradas…

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - … chega, ou não chega?! Queriam quatro vezes mais? Tenho pena, mas não cheguei lá.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Agora, quanto às SCUT, à Brisa e ao Tribunal de Contas, vou dizer-lhe, serenamente, que temos, aqui, uma Comissão de Execução Orçamental onde vai ser examinada essa matéria. E o Sr. Deputado é membro da Comissão - isto também serve para responder sobre as SCUT.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - A questão é muito simples: um Tribunal de Contas que não faz contas, talvez não esteja a cumprir exactamente aquilo que deveria fazer. E, sobre se faz ou não faz contas,…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

… vou pedir ao Sr. Deputado, muito encarecidamente, que leia no relatório das SCUT as três páginas emanadas do Ministério das Finanças - do seu! -, emanadas do Ministério das Obras Públicas - do seu! -, em que dizem ao Tribunal de Contas que não tem razão alguma e fazem um grande elogio das SCUT. Sr. Deputado, decida-se! Convém-lhe muito estará aí a fazer parangonas de coisas que não têm a menor importância.

Aplausos do PS.

Quando chegarmos à Comissão de Execução Orçamental, talvez o Sr. Deputado tenha de chegar à conclusão, triste, de que todos nós somos humanos, inclusive os membros do Tribunal de Contas. E um Tribunal de Contas que não faz contas, melhor fora que as fizesse primeiro… Como o Sr. Deputado sabe, está mais ou menos feito, pela Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças e pelo Ministro das Obras Públicas - não por mim, por eles! - o elogio das SCUT.
Em relação ao Sr. Deputado que me interpelou, também em termos das SCUT, está a resposta dada.
Quanto ao facto de eu nada ter feito… Na verdade, fui como os passarinhos, ou, se quiser, como aquelas cigarras, porque, enquanto estive no Ministério, não fiz rigorosamente nada. Mas isso é a sua grande vantagem! E o senhor queixa-se disso?!

Aplausos do PS.

Risos do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Esperava melhor!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As cimeiras dos países mais industrializados do mundo costumam ser ocasiões propícias para a demonstração de poderio dos "grandes" deste pequeno mundo. Mas, para além da ostentação dos sinais exteriores de domínio, estes encontros arriscam-se a ser, cada vez mais, acontecimentos perigosos para o Planeta.
Houve algum acordo substantivo para fomentar a cooperação estrutural - e não caritativa! - com os países pobres? Países afundados numa miséria que se reproduz e agrava? Países toldados por uma colossal dívida externa e pela desordem internacional na distribuição de recursos e de possibilidades de desenvolvimento? Afirmou-se a consciência de que é aí que reside a principal matéria-prima que alimenta o terrorismo internacional? Convenceram-se os Estados Unidos a ratificar o Protocolo de Quioto e a reduzir a emissão de gases tóxicos? Verificou-se algum avanço na moratória sobre a disseminação dos organismos geneticamente modificados, que, só no ano transacto, se expandiram em mais de 10%?
Não, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados! Nada disto aconteceu!
Como dizia alguém dos movimentos por uma globalização alternativa, "definitivamente, o G8 não serve para nada". Engana-se, no entanto, quem assim pensa…
Esta Cimeira serviu, entre outras coisas, para lançar um violento ataque sobre as bases do Estado-providência, com os países europeus a enterrarem alegremente o modelo

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social europeu. Afinal, um dos compromissos mais consensuais desta Cimeira consistiu na reiterada necessidade de "reformas estruturais" - eufemismo, cujo significado real bem conhecemos no nosso País…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Exactamente!

O Orador: - … - nos mercados de trabalho, de mercadorias e capitais, sempre com a "flexibilidade" (outro eufemismo) como palavra de ordem. O que implica, bem entendido, novos e redobrados recuos sociais na segurança social, em particular no sistema de pensões, e nos serviços públicos. Insistem, ainda, no horror económico, na estratégia onde, precisamente, reside a crise económica e social actual, no neo-liberalismo puro e duro, considerado já um fracasso por alguns dos seus mais destacados e pioneiros arautos. E Blair - o mesmo Blair que, sem qualquer pudor, estende o braço à extrema-direita americana - afirma, angelical: "Não se trata de ser de esquerda ou de direita. Temos de compreender que, se não mudarmos, não sobreviveremos". Convinha lembrar ao Sr. Blair e à sua doce e falsa neutralidade ideológica que, infelizmente, há muitos e muitas que dificilmente sobrevivem, ou não sobrevivem de todo!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, é no interior mesmo dos tais países mais "poderosos" que se constata também um aumento exponencial das desigualdades sociais, a fragilização de vastas camadas da população e um fosso crescente entre os poucos que estão integrados, que beneficiam da sua qualificação e que possuem um emprego socialmente protegido e uma grande massa que balança no limbo da exclusão e que se vê arredada das formas mais elementares de participação social e política.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a Cimeira consagrou, definitivamente, apesar das subtilezas diplomáticas das nuances, a vitória da visão do "novo século americano", secundando a estratégia americana da escalada, por ora verbal, da "guerra infinita". Ontem o Iraque; amanhã, quem sabe, a Síria ou o Irão!
Bem pode, no entanto, descansar a ditadura saudita. Um país onde, de acordo com a Amnistia Internacional, uma mulher não pode conduzir, é obrigada a vestir-se de forma estritamente codificada e, no caso de ousar caminhar sozinha ou na companhia de um homem outro que não o seu marido ou familiar próximo, corre o sério risco de ser presa, acusada de prostituição ou ofensas morais e ser mesmo vítima de tortura. Um país onde, ainda segundo a Amnistia Internacional, a detenção arbitrária é a regra, onde os imigrantes são escravizados, onde existe uma polícia religiosa e de onde nos chegam relatos aterradores de práticas de tortura: bastonadas, choques eléctricos, arrancar de unhas, abusos sexuais, prisão de parentes ou de amigos.
Nesse mesmo país, no ambiente exótico do Oriente, o Ministro de Estado e da Defesa Nacional, Paulo Portas, propõe o aprofundamento da cooperação militar com uma das mais sanguinárias ditaduras mundiais,…

O Sr. António Filipe (PCP): - É verdade!

O Orador: - … dominada por uma oligarquia cujo nome de família dá nome à própria nação!
Ao vender serviços de reparação de aviões de combate o Ministro de Estado vende a dignidade do nosso país!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Que moral, que legitimidade, que decência poderá este Ministro alguma vez invocar a seu favor nas relações internacionais?! Como se compadece este inqualificável comportamento com as recentes loas à implantação da democracia no Iraque e ao respeito pelos direitos humanos nesse país?

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Não é esta a prova cabal da mais miserável hipocrisia e despudor nas relações internacionais?!
Triste País este, onde o Ministro de Estado sorri à mesa dos ditadores, oferecendo-lhes cooperação militar, e onde, em simultâneo, o Governo implora, junto da Casa Branca, as migalhas do povo iraquiano como prémio de bom comportamento por um dos mais graves episódios da História portuguesa contemporânea - episódio que nos tornou, aos olhos do mundo, um país sem legitimidade na arena internacional, reduzido à condição de acólito pressuroso do império!

Aplausos do BE.

Vozes do CDS-PP: - Lamentável!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que V. Ex.ª acaba de perder mais uma oportunidade. E a oportunidade que V. Ex.ª acaba de perder é clara e óbvia: este era o momento certo e adequado para o Bloco de Esquerda reconhecer que a intervenção militar no Iraque abre, finalmente, uma perspectiva de paz para o Médio Oriente que, ontem, se iniciou em Sharm el-Sheikh e que, hoje, está a ser discutida na Cimeira de Aqaba.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - Ou seja, o vosso inimigo principal, o vosso ódio de estimação, que são os Estados Unidos da América, está, juntamente com a Rússia e a União Europeia, a liderar, neste momento, um processo de paz fundamental para garantir a tranquilidade naquela zona. Não esperávamos que o Bloco de Esquerda o fizesse, mas, pronto, só podemos registar que V. Ex.ª perdeu a oportunidade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Deputado, quero dizer-lhe também que, felizmente, o Bloco de Esquerda não dirige a nossa política externa, nem a possibilidade de condução da política externa portuguesa, porque, se o fizesse, a posição de Portugal seria exactamente contrária àquela que é a posição sensata, mais uma vez, de todo o mundo. Aquilo que resultou de Sharm el-Sheikh, ontem, e de Aqaba,

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hoje, é que é fundamental envolver os países árabes que não estão comprometidos com o terrorismo nesta luta global contra o terrorismo e no processo de paz do Médio Oriente.
O que os senhores deveriam fazer, hoje, era saudar o facto de a Arábia Saudita, o Bahrein, a Jordânia e outros países árabes se estarem a juntar a este esforço pela paz no Médio Oriente e de combate ao terrorismo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Este é que é o ponto certo!
É evidente que Portugal tem relações comerciais com países que não são democracias, e eu não me engano sobre o que é ou não uma democracia.
A Arábia Saudita não é uma democracia - eu não sou o líder parlamentar que se costuma enganar nessa matéria, são outros os líderes parlamentares que se costumam enganar em relação a isso -, mas nós também temos relações comerciais com outros países que não são democracias. Sabe V. Ex.ª bem que, por exemplo, a República Popular da China também não é uma democracia, nem um modelo em matéria de direitos humanos.
Agora, o que se passa é o seguinte: ou há embargo, ou há condenação internacional ou esse Estado é um Estado que promove e fomenta o terrorismo, ou esse Estado é, como sucede na verdade, uma vítima do terrorismo. E V. Ex.ª devia lembrar-se dos recentes atentados na própria Arábia Saudita, que são fundamento de preocupação para todos nós.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à questão concreta, sabe V. Ex.ª que a Arábia Saudita é um país que tem relações com o Ocidente e que, de resto, ao que sei, tem uma das mais significativas frotas de C-130. Ora, nesta matéria, V. Ex.ª devia preocupar-se com o interesse de Portugal, com o interesse nacional.
Sabe, V. Ex.ª, e aqui vão perguntas concretas, qual era a situação das OGMA, quando este Governo tomou posse? Tem, V. Ex.ª, noção disso? Sabe que o passivo das OGMA era de qualquer coisa como 34 milhões de contos? Sabe, V. Ex.ª, que as OGMA têm 1800 trabalhadores em situação económica difícil?

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Não sabe!

O Orador: - É capaz, V. Ex.ª, de condenar a atracção de investimento da Arábia Saudita para resolver o problema das OGMA e dos seus trabalhadores?
É que os senhores têm a boca cheia de trabalhadores, mas, quando se chega a esta questão, submetem o interesse nacional e o interesse dos trabalhadores aos vossos ódios políticos de estimação.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, de facto, nunca pensei que a sua - perdoar-me-á - demagogia chegasse a tal ponto.

Protestos do CDS-PP.

Nós não trocamos a salvaguarda dos direitos dos trabalhadores pelos direitos humanos e foi isto que o senhor acabou de advogar agora mesmo. Para salvar a situação das OGMA, como se não houvesse outros mercados, como se não houvesse outras fontes para aquisição de material às OGMA, o Sr. Deputado acaba de dizer que é defensável negociar com uma das mais sanguinárias ditaduras que existe, actualmente, na Humanidade.
Sr. Deputado, nós não trocamos direitos dos trabalhadores pelos direitos humanos! Defendemos ambos em qualquer situação!
Mas gostava também de lhe dizer que o Sr. Deputado ensaiou hoje, aqui, algo semelhante ao que fez a bancada do PSD, face à intervenção do Deputado João Cravinho, a chamada "fuga em frente". Isto é, falava-lhe eu da concreta submissão, neste caso, aos interesses da real politik do Sr. Ministro Paulo Portas e falava-me o Sr. Deputado do Iraque, do roteiro de paz, etc.

Protestos do CDS-PP.

Falaremos disso noutra ocasião e tomaremos posição a esse propósito, como, aliás, é bastante conhecido, porque sempre defendemos os direitos de autodeterminação do povo da Palestina e o direito de dois Estados coexistirem pacificamente.
Sr. Deputado Telmo Correia, não confunda - por favor! - relações comerciais com relações militares. O Sr. Deputado está a falar da reparação de aviões de combate de uma ditadura que, por exemplo - vem no site da Amnistia Internacional -, prende e condena cidadãos filipinos, sem culpa formada, sem poderem consultar um advogado, sem poderem ter qualquer garantia de defesa, prende-os e tortura-os por praticarem o culto católico. Sr. Deputado, isto passa-se na Arábia Saudita!
Em todo o caso, podemos ver o Sr. Ministro Paulo Portas, em fotografia publicada num órgão de comunicação social, e tenho aqui cópia, num ambiente de luxo asiático, rindo-se, calorosamente, com o seu homólogo saudita - mais um desses senhores, um desses príncipes, de uma das mais odiosas dinastias que reinam, actualmente, no Médio Oriente.
A Arábia Saudita é uma ditadura e ainda há bem pouco tempo, devo lembrar-lhe, os próprios serviços secretos americanos diziam que a Arábia Saudita financiava directamente o terrorismo internacional - isto, como sabe, foi bastante comentado na imprensa internacional.
Mais uma vez, há dois pesos e duas medidas e por aqui se vê também que os senhores não têm qualquer legitimidade, repito, qualquer legitimidade, para defenderem os direitos humanos quando se trata do Iraque, pois, agora, procuram vantagens comerciais, esquecendo-se completamente desses direitos humanos, na venda de reparações de aviões ao serviço de uma ditadura brutal e sanguinária.
Sr. Deputado Telmo Correia, ficou bem claro qual é, sobre esta matéria, o pensamento do partido que dirige e do seu líder.

Aplausos do BE.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, para defender a consideração da minha bancada relativamente à expressão usada pelo Sr. Deputado João Teixeira Lopes de uso, excesso, ou seja o que for, de demagogia, que creio não ter utilizado na minha intervenção.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, quero dizer-lhe, com toda a calma e tranquilidade, que não aceitamos lições em matéria de direitos humanos de grande parte da esquerda, sobretudo da extrema-esquerda,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e muito menos de quem, há algum tempo atrás, pertenceu a uma formação política que continha - ou contém, pois nunca consegui perceber muito bem, aliás, foi uma outra questão que aqui tivemos -, dentro de si, formações defensoras, entre outras coisas, do modelo albanês.

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

Protestos do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

O Orador: - Portanto, esqueça as lições de direitos humanos.
Nesta matéria, Sr. Deputado, o que lhe digo é que temos um único critério: o critério da lei e, se quiser, o do direito internacional. Ou seja, há países que estão sujeitos a sanções, com os quais não se pode contratar, e nós consideramos que não se deve contratar; há países que não estão sujeitos a sanções e nós não vemos limitação a que esses contratos possam ser feitos. Este é o nosso critério!
É evidente que apoiamos sinais, existentes no mundo árabe, designadamente na própria Arábia Saudita, de necessidade de reformas e de avanço para a democracia. Temos esta posição claríssima! Mas a Arábia Saudita é um país que não é inimigo de Portugal, é um país que, neste momento, é um aliado do mundo ocidental - e nós também só temos um critério em relação aos nossos aliados - e é um país que, ainda recentemente, teve uma delegação parlamentar recebida nesta mesma Assembleia da República com todas as honras. E V. Ex.ª está a insultar todos os grupos parlamentares que estiveram a receber essa delegação da Arábia Saudita?! Certamente, não o está a fazer!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Não!

O Orador: - Quanto ao critério, Sr. Deputado, V. Ex.ª entende que as OGMA são importantes; V. Ex.ª entende - espero eu - que os trabalhadores das OGMA são importantes, mas, para resolver o problema das OGMA, só se pode contratar com quem o Bloco de Esquerda considera - também, provavelmente, no seu site - politicamente correcto.

Risos do Deputado do CDS-PP Diogo Feio.

Ou seja, no limite, tínhamos de andar à procura de um qualquer país, mais ou menos "esquerdófilo", mais ou menos antiglobalização, em que o consumo de drogas leves fosse livre.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, por amor de Deus, visite o hangar, tome conhecimento das dificuldades que existem nas OGMA e, se calhar, começa a pensar de outra forma.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Telmo Correia perdeu, de vez, o tino e a serenidade.

Protestos dos Deputados do CDS-PP Diogo Feio e João Pinho de Almeida.

Dão-me licença que consiga dar explicações ao vosso colega de bancada?

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Dou-lhe eu, Sr. Deputado. Faça favor de prosseguir.

O Orador: - Agradeço-lhe, Sr. Presidente. De facto, por vezes, a sua intervenção é providencial.
Gostava de lhe dizer, Sr. Deputado Telmo Correia, que colocar, uma vez mais, os trabalhadores das OGMA nesta balança é algo que não faremos. Digo-o e repito-o! Haja imaginação suficiente, por parte do Sr. Ministro da Defesa Nacional, para encontrar outros países democráticos com os quais as OGMA possam contratar negócios, que aí, sim, serão justos e legítimos!
Sr. Deputado Telmo Correia, o seu raciocínio parte precisamente da base que sempre criticámos ao actual Governo, quando tentou escudar-se no direito internacional para justificar o papel de alguns governantes, num passado recente, designadamente o do Sr. Primeiro-Ministro: não há embargo internacional, vendem-se armas ao Irão e ao Iraque. Precisamente as armas que, provavelmente, estiveram agora a ser usadas nesta ofensiva; provavelmente, as armas que foram vendidas aos talibã; e, provavelmente, também, as armas que foram utilizadas na guerra do Afeganistão.
O que o Sr. Deputado quer dizer é que vale tudo, desde que não haja um embargo internacional. Vale tudo!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não!… Vale o direito!

O Orador: - Vale tudo, inclusivamente a cooperação militar com países que utilizam métodos de tortura como arrancar unhas, dar choques eléctricos, abusar sexualmente de pessoas. Vale tudo, Sr. Deputado! É o que o Sr. Deputado diz!
O Sr. Deputado, a partir deste momento, perdeu toda a legitimidade para se arvorar defensor de quaisquer tipo de

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direitos humanos, porque ficou patente, à vista de todos, que o senhor tem dois pesos e duas medidas.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não é verdade!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, segundo a nossa agenda, deveria agora seguir-se as intervenções para eventual tratamento de assuntos de interesse político relevante, mas o tempo disponível para o período de antes da ordem do dia está largamente ultrapassado. Assim, peço desculpas à Sr.ª Deputada Isilda Pegado, que estava inscrita para usar da palavra, e informo-a de que fica, desde já, inscrita para uma próxima oportunidade.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 50 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, antes de mais, chamo a atenção das direcções dos grupos parlamentares para providenciarem no sentido de o quórum de funcionamento estar garantido.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 57/IX - Altera o Código Civil, a Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, o Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, e a Organização Tutelar de Menores, revendo o regime jurídico da adopção, e dos projectos de lei n.os 275/IX - Reforça os direitos das crianças na adopção (BE) e 295/IX - Altera o regime jurídico da adopção (PS).
Os tempos previstos para este debate foram definidos na Conferência de Líderes.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça, a quem cumprimento pessoalmente.

A Sr.ª Ministra da Justiça (Maria Celeste Cardona): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: A lei muda-se quando a realidade social mudou, ou quando a lei não conseguiu mudar a realidade social.
No caso da adopção, a lei está desadequada à realidade social e não a conseguiu modificar.
Queremos proteger os menores, dar-lhes um projecto de vida e a oportunidade de ter uma família e, no entanto, há cerca de 15 000 crianças carecidas de um projecto de vida, quando muitas podiam, e deveriam, estar adoptadas.
Queremos que o tempo entre a perda de laços com a família biológica e o começo de uma vida nova com a família de adopção seja tão rápido quanto possível e, no entanto, passam-se meses e anos até que uma criança esteja em condições de ser adoptada. E há situações em que se passam tantos meses e tantos anos que, quando a criança pode, finalmente, ser adoptada, já não encontra quem a queira ou possa adoptar.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Queremos proteger as crianças e, no entanto, prejudica-se o seu direito a ter uma família e não se cumpre o dever do Estado de ser rápido a encontrá-la.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando falamos de adopção, falamos, acima de tudo, dos direitos das crianças. São elas que estão em causa e é o seu interesse que nos move.
Todas as crianças têm de ter direito a ter uma família.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Todas as crianças, sem família natural que cuide delas, têm de ter o direito a ser adoptadas.
Adoptar é uma opção de amor e de enorme generosidade. Ser adoptado tem de ser uma oportunidade.
As convenções, os estudos e o mais elementar bom senso mandam que se reconheça a adopção como uma das vias para salvar uma criança abandonada ou vítima de maus tratos, como um dos caminhos desejáveis para proteger o interesse das crianças.
É por isso que, entre todos os direitos e deveres aqui em causa, o mais importante de todos é o direito de ser adoptado, porque esse é o único direito que é apenas da criança.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É a pensar nela, e sempre no seu interesse, que a lei deve ser feita e a prática deve ser conduzida.
Mais do que dar a uns pais o filho que não puderam ter ou que querem encontrar, o que nos move é a oportunidade de dar a um filho a família que não pôde ter, e dá-la em tempo útil.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tempo de uma criança não é o nosso. As semanas de uma criança não passam à nossa velocidade e os primeiros meses na vida de um bebé marcam mais do que o passar dos anos na vida de um adulto. Temos, pois, de agir depressa e de agir bem.
O Estado não sabe ser pai nem mãe, o Estado não tem vocação para amar. O que o Estado sabe, aquilo para que tem vocação é para identificar os menores em risco, é para agir sobre as famílias, ajudando-as a recuperar o equilíbrio e as condições sociais necessárias à educação de um filho, ou, em última alternativa, tem vocação e tem de saber encaminhar uma criança para a adopção.
O Estado, as misericórdias, as instituições de solidariedade social que recebem menores em risco, crianças abandonadas, cumprem o enorme serviço de acolher crianças entre dois momentos da sua vida. Mas o Estado, as misericórdias, as instituições de solidariedade social que acolhem menores em risco, crianças abandonadas, têm de ser uma ponte, nunca um destino e menos ainda um depósito.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Disse, e repito, que a lei se muda quando não consegue mudar a realidade social e essa mudança é necessária.
Tenho dito, e repito aqui, que a realidade que temos é intolerável.
A duração média da selecção de candidatos a adoptantes é de cerca de 15 meses; a duração média de concretização de uma adopção, desde o acolhimento da criança em instituição até ao decretamento da adopção, é de cerca de 38/39 meses; a duração média dos processos de confiança

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administrativa ou judicial é de cerca de dois anos. É muito tempo! E, na vida de uma criança, cada dia que passa sem um projecto de vida é sempre tempo demais!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo vem hoje a esta Assembleia apresentar uma proposta de lei de revisão do regime jurídico da adopção com objectivos muito claros: agilizar o processo e proteger a criança.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O interesse tem de ser o do menor; o tempo tem de ser o da criança; o direito tem de ser o do adoptado!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Haverá outros caminhos, haverá quem considere sempre preferível a família biológica e quem pense primeiro no interesse de quem quer adoptar. Nós não vamos por aí, vamos por onde vai quem quer modificar a realidade e consagrar um verdadeiro direito ao colo.
A lei, tal como está, apenas se refere às reais vantagens para o adoptando do decretamento da adopção. Na proposta do Governo o critério fundamental para decidir a adopção passa a ser o superior interesse da criança.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - É nela, e sempre nela, que o legislador, o juiz e os técnicos devem, em primeiro lugar, pensar.
Actualmente, espera-se seis meses para verificar o desinteresse dos pais biológicos, um dos pressupostos do decretamento da decisão de confiança judicial. O tempo é excessivo e o conceito é insuficiente. Por isso, a proposta do Governo desenvolve o conceito de manifesto desinteresse, definindo que o que está em causa é o comprometimento dos vínculos próprios da filiação pela falta de continuidade e qualidade da relação estabelecida com a criança, e determina que o prazo de verificação desse desinteresse seja reduzido para três meses.
Na lei, tal como está, não se extraem consequências do decretamento da confiança judicial relativamente ao exercício do poder paternal, havendo quem considere que se mantém e quem considere o contrário. A proposta do Governo não tem essa dúvida e entende que a decisão de confiança judicial implica a inibição do exercício do poder paternal por parte dos pais biológicos.
Apesar de ser evidente que se pode ser pai ou mãe cada vez mais tarde, de acordo com a lei em vigor, e salvo raras excepções, só pode adoptar quem tem menos de 51 anos.
No proposta do Governo é elevado para 60 anos o limite etário máximo para adoptar plena ou restritamente uma criança, exigindo-se apenas que a partir dos 50 anos a diferença de idades entre o adoptante e o adoptado não seja superior a 50 anos.
Também aqui estamos mais perto da realidade e mais próximos de dar uma família às crianças mais velhas.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Com a lei que temos é possível os pais revogarem o consentimento prestado independentemente do processo de adopção no prazo de dois meses ou, decorrido este prazo, enquanto o menor não se encontrar acolhido por alguém que pretenda adoptá-lo.
Na proposta de lei que hoje apresentamos, ao eliminar a possibilidade de revogação do consentimento prestado pelos pais, optamos pela seriedade da declaração e pela celeridade da adopção.
Hoje em dia, espera-se tempo demais para dar início à adopção porque a lei não consegue fazer correr procedimentos distintos em simultâneo, determinando que os procedimentos de averiguação e investigação da maternidade ou da paternidade levem à suspensão do processo de adopção e dos procedimentos preliminares.
Na proposta de lei que o Governo aqui apresenta os processos de averiguação e investigação da maternidade ou paternidade deixam de revestir carácter de prejudicialidade face ao processo de adopção e respectivos procedimentos preliminares.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Isso é importante!

A Oradora: - Por último, vou referir-me a uma das medidas que mais poderá contribuir para a rapidez do adopção.
Neste momento, como já disse, é, em média, cerca de dois anos o tempo que o menor é colocado à guarda de pessoa ou instituição (o chamado processo de confiança judicial) e o período de pré-adopção, entre o decretamento de confiança judicial ou administrativa e a adopção, pode durar mais de um ano.
O que o Governo vem propor é que seja dispensado o processo de confiança judicial sempre que for aplicada à criança a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para adopção e que o período de pré-adopção passe a ter a duração máxima de seis meses.
Se a Assembleia aprovar a proposta de lei do Governo é possível uma redução do tempo médio das fases antecedentes da adopção entre os dois meses e os dois anos e seis meses.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo sabe que a lei, por si só, não muda a realidade. O Governo sabe que encurtar prazos, definir conceitos e assumir a defesa do interesse do menor como princípio fundamental não basta para mudar a realidade. Mudar a lei é o primeiro passo, mas queremos chegar ao fim deste caminho, e só lá chegaremos se formos acompanhados.
A entrada em vigor de um novo regime jurídico que obriga juízes, magistrados do Ministério Público, Segurança Social e demais técnicos a interiorizar novos conceitos e a assumir novos comportamentos não se faz apenas com a aprovação de uma lei. Venho, por isso, dizer hoje à Assembleia da República que o Governo decidiu criar uma comissão de avaliação e acompanhamento do novo regime jurídico da adopção.
A partir deste dia, cabe à Assembleia da República aprovar a legislação e cabe ao Governo tudo fazer para que ela seja eficaz, para que ela, como disse no início, seja capaz de mudar a realidade social.
Juízes, magistrados do Ministério Público, Segurança Social e demais técnicos vão ter ao seu lado uma comissão preparada para formar, informar e, sobretudo, acompanhar

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na realidade as mudanças que viermos a consagrar na lei.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O primeiro sinal de que algo ia de facto mudar foi dado pelo Governo ao cumprir os prazos previstos para o trabalho do Comissão Interministerial para a Adopção. Sejamos, agora, todos capazes de agir depressa e bem, porque as crianças não podem esperar nem têm muito tempo para perder!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.

A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, antes de mais, deixe-me cumprimentá-la e, muito especialmente, felicitá-la por ter trazido hoje a debate uma proposta de lei de revisão do Regime Jurídico da Adopção atentando no princípio do superior interesse da criança, pois todos queremos tornar mais ágil e célere o processo de adopção; todos queremos reduzir o número de crianças em instituições; todos queremos que os dias dessas crianças sejam mais seguros e mais felizes, no seio de uma família, que é o elemento natural e fundamental da sociedade, o meio natural de desenvolvimento harmonioso da personalidade dessas crianças.
As crianças desprovidas de um meio familiar têm direito, como todas as outras, ao desenvolvimento pleno e equilibrado da sua personalidade num ambiente de amor e compreensão.
Embora se reconheça que a vinculação de uma criança numa relação afectiva segura deve ser precoce para que os laços entre o adulto e a criança sejam sólidos e contínuos, sabe-se também que nem sempre o período em que a criança está institucionalizada é o mínimo desejável. Sabe-se que há hoje mais de 11 000 crianças acolhidas legalmente, na sua esmagadora maioria sem um projecto de vida que não seja o de simplesmente crescer.
Visto que para estas crianças é sempre muito melhor uma família do que uma instituição, assentando no pressuposto da defesa do superior interesse da criança, aliás, um princípio já com larga tradição no nosso sistema legislativo, pois já em 1911, com a criação dos tribunais de menores, era este o princípio que lhe estava subjacente, é urgente um projecto de vida para essas crianças.
Assim, Sr.ª Ministra, a questão que gostaria de colocar-lhe é a seguinte: em que medida a elevação para 60 anos do limite etário máximo para adoptar plena ou restritamente pode potenciar a adopção de crianças de mais idade, desprovidas de meio familiar, de forma a poderem ter um projecto de vida no seio de uma nova família, de uma boa família, que lhes dê todos os cuidados e afectos de que necessitam?

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Uma vez que a Sr.ª Ministra pretende responder a todos os pedidos de esclarecimento conjuntamente, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Carloto para formular a sua pergunta.

A Sr.ª Paula Carloto (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, depois de ouvir a sua intervenção e de identificar o empenhamento e a firme vontade de potenciar uma solução criando um novo rumo para o processo de adopção em Portugal só me ocorre uma palavra: justiça! Justiça em nome de todos os que se preocupam e, mais do que isso, em nome de todos aqueles que anseiam por soluções.

O Sr. Rodrigo Ribeiro (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Justiça traduzida num sorriso de criança, que vê colocada no centro das preocupações governativas a sua nova esperança de vida feliz.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Quando o tema é a adopção as emoções e os afectos surgem inesperada e repentinamente. Trata-se de um modo de potenciar um projecto de vida para as crianças a que, por infortúnio, a mesma vida não deu direito a serem felizes e enquadradas, em relação às quais cumpre potenciar a noção de pai e/ou mãe enquanto referências, no masculino e no feminino, essenciais à sua história, ao seu bem-estar e ao seu desenvolvimento integral.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - A proposta de lei que hoje se discute tem de ser assumida claramente como um ponto de partida. As alterações legais têm obrigatoriamente de ter consequências práticas imediatas e significativas, como a Sr.ª Ministra já referiu.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Se a redução de prazos é fundamental, é também preciso reestruturar os serviços para que, no âmbito de todas as entidades que se pronunciam sobre este assunto, se agilizem os procedimentos e se tomem medidas concretas que permitam que estas crianças estejam institucionalizadas o menor tempo possível.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - A questão que gostaria de colocar a V. Ex.ª, Sr.ª Ministra, prende-se exactamente com este aspecto. Como é que, na prática, se pretendem ultrapassar os estrangulamentos do sistema e garantir o sucesso desta reforma? É que ao Estado compete conseguir uma solução eficaz para poder legitimamente apelar à sociedade civil para que partilhe esta responsabilidade e este esforço de criação de uma sociedade mais justa e equilibrada. Aliás, começa nesta Câmara o sinal de que esta matéria é supra partidária e que todos devemos, queremos e podemos participar activa e empenhadamente nesta urgência social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O nosso contributo começa na tolerância e na boa vontade com que, no superior interesse destes meninos e meninas, superarmos as divergências e adoptarmos, sem hesitações, a reforma hoje proposta.

O Sr. Rodrigo Ribeiro (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Num momento difícil da vida portuguesa, em que existe uma profunda crise de valores e de confiança, cumpre-nos dar sinais positivos à sociedade, afirmando,

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de forma inequívoca, que é possível acreditar nas reformas legais e na justiça e que vale a pena acreditar nas pessoas e na sua capacidade de serem solidárias. É essa a nossa responsabilidade colectiva e, portanto, não exagero se disser que temos essa obrigação moral, social e política.

O Sr. Rodrigo Ribeiro (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Por nós, Grupo Parlamentar do PSD, estamos convictos dos nossos deveres e cientes da generosidade e do mérito da proposta apresentada.
Sr.ª Ministra da Justiça, num apelo singelo à participação activa de todos neste renovado Estado de direito que se quer de rosto humano, num apelo singelo à solidariedade com todos estes meninos e meninas, e porque o assunto são crianças, permita-me que termine com a expressão da minha filha de quatro anos que, após o relato triste que lhe fiz sobre uma visita a um centro de acolhimento, me disse simplesmente: mãe, traz os meninos todos cá para casa!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, porque a questão da adopção tem de concertar-se com as medidas de promoção de direitos e de protecção que constam da lei de protecção de crianças e jovens em risco, entre as quais medidas de apoio à família biológica (medidas de apoio económico, de apoio psicológico, de apoio psíquico, de educação parental), gostaria de saber, uma vez que nestas questões há sempre uma ruptura, muitas vezes violenta, e é preciso que tudo isto se passe o mais possível sem essas rupturas, como pensa conciliar isto, que a certa altura tem uma redução do prazo para três meses, com essas medidas.
Aliás, eu até lhe pergunto se pensa pôr em execução aquelas medidas, porque tenho muitas dúvidas relativamente ao que aqui é apresentado! Recordo-lhe que até a Convenção de Haia, no que diz respeito à adopção, aí internacional, refere que em primeiro lugar se devem aplicar medidas de apoio à família biológica, só depois pensar no recurso à adopção e só depois prever o recurso à adopção internacional.
E sobre a adopção internacional também lhe pergunto: não pensa que a proposta que faz irá abrir as portas à adopção internacional e torná-la menos excepção do que seria desejável, na medida em que diz que, quando houver confiança judicial e se a criança não puder ser adoptada em tempo útil em Portugal vai para adopção internacional? Sr.ª Ministra, conhece ou não as reservas com que a UNICEF encara a adopção internacional?
V. Ex.ª, quando Deputada, aprovou uma resolução proposta pelo seu grupo parlamentar, que foi publicada em 6 de Março de 2001, no sentido de que o Governo procedesse à regulamentação urgente do regime de execução das medidas de promoção e de protecção das crianças e jovens em risco, que tem a ver com algumas daquelas medidas de que falei há pouco sobre educação parental. Sr.ª Ministra, o que é que este Governo já fez no sentido da publicação da regulamentação destas medidas, que as comissões de protecção das crianças e jovens e risco estão impedidas de aplicar, como, aliás, foi suscitado por um membro dessas comissões num debate a que fui?
Tinha muitas outras perguntas a colocar-lhe, mas paro por aqui e guardá-las-ei para a próxima intervenção, em que tocarei outros pontos, nomeadamente a questão de inibição de poder paternal, com o que poderão estar a violar a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça: - Sr. Presidente, começo com o meu muito obrigada às Sr.as Deputadas pelas questões que me colocaram e a que vou procurar responder…

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi muito simpático.

A Oradora: - Foi e não tem mal algum, Sr. Deputado, antes pelo contrário. Por isso é que eu também simpaticamente estou a agradecer as questões que me foram colocadas pelas Sr.as Deputadas.
Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves, de facto a elevação para 60 anos da idade de adopção, que consta da proposta do Governo, tem a ver com o conhecimento da realidade e com a vontade que o Governo tem de encontrar soluções para o elevadíssimo número de crianças que carecem de uma família. E recordo-lhe apenas alguns números: só 6% das crianças acolhidas em instituições têm projectos de adopção e elas são cerca de 12 000, mais exactamente 12 499, segundo a última estatística; 44% das crianças acolhidas têm entre 13 e 18 anos de idade e 39% dessas mesmas crianças situa-se na faixa etária dos 7 aos 12 anos.
E se cito estes números é para que se veja que, da análise da realidade concreta das nossas crianças nos centros de acolhimento, era necessário aumentar a possibilidade de essas crianças serem adoptadas. Este foi o objectivo fundamental que nos levou a apresentar esta proposta de lei; julgamos que também por isso deve merecer o acolhimento da Assembleia da República.
Sr.ª Deputada Paula Carloto, agradeço muito sentidamente as suas palavras. Disse a Sr.ª Deputada que a sua filha lhe tinha dito para levar todas as crianças para sua casa e o que o Governo quer com esta proposta é que muitas - cada vez mais - das nossas crianças que estão em centros ou famílias possam ter uma família de adopção, possam ter um colo. É por isso que eu aqui estou, é em nome de todas as nossas crianças que o Governo, e eu própria, nos batemos profundamente por esta reforma. Por isso, Sr.ª Deputada, partilho consigo e com a sua filha a ideia de que todas as nossas crianças têm direito a ser adoptadas, têm direito a um colo, têm direito a uma família.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Quero dizer-lhe também, Sr.ª Deputada, que, naturalmente, vamos ter de contar com os centros de acolhimento existentes. Aliás, as percentagens que acabei de enunciar revelam isso mesmo.
O Governo sabe que não basta escrever uma lei, que é preciso no terreno, junto dos técnicos, formar, acompanhar e avaliar em cada dia a aplicação prática de tal reforma e é isso o que fará em estreita colaboração com o Ministério da Segurança Social e do Trabalho, com quem trabalha activamente. Foi por isso que anunciei a criação de uma comissão, é por isso que nós, Governo, sabemos haver

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ainda muito que fazer na área da formação de técnicos, da criação de equipas no âmbito da segurança social e também junto dos Srs. Juízes que se dedicam a esta nobre tarefa. E vamos fazê-lo, mais uma vez, em nome das nossas crianças.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ª Deputada Odete Santos, agradeço-lhe também, naturalmente, as questões que me colocou. Devo dizer-lhe que procurámos, o Governo e eu própria, salvaguardar em todas as circunstâncias as convenções de que Portugal é subscritor e em nenhum momento, em nenhuma matéria, subvertemos ou queremos subverter tais convenções. Pelo contrário, obedecemos-lhes rigorosamente.
Quero dizer-lhe também que de uma coisa o Governo não tem dúvidas, Sr.ª Deputada Odete Santos: o que tem e deve fazer é cuidar das crianças.
Já o disse e, perdoar-me-á, não me cansarei de repetir: é em nome do superior interesse da criança, é para defender o seu direito à família, que procuramos legislar e que na prática iremos acompanhar esta legislação.
Sr.ª Deputada Odete Santos, peço-lhe para verificar o corpo do artigo 1978.º! Aliás, se reparar na proposta do Governo verificará que não revogámos qualquer das medidas de promoção e protecção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas não as aplicam!

A Oradora: - Pelo contrário, Sr.ª Deputada, acrescentámos a entrega da criança a pessoa seleccionada para a adopção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Para a adopção! E as outras?

A Oradora: - Claro!

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

E sabe uma coisa, Sr.ª Deputada? E fizemos muito bem, porque as crianças precisam de uma família. Se houver manifesto desinteresse pela quebra da continuidade e da qualidade do vínculo biológico, Sr.ª Deputada Odete Santos, este Governo e eu própria, não temos qualquer hesitação: é da criança que temos de cuidar, é dela que nos ocupamos, é para ela que temos de trabalhar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Uma última palavra, para lhe dizer…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Ministra, o seu tempo esgotou-se, tem de abreviar a resposta.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada, por aquilo que acabei de dizer-lhe, é este Governo - não foi o anterior - que está a cumprir a resolução que V. Ex.ª mencionou.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não está não! Onde é que está a regulamentação? Não têm!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para apresentação do projecto de lei n.º 275/IX, do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É hoje consensual, quer do ponto de vista psicológico e sociológico quer sob o prisma da vontade política, como fica bem demonstrado pelo conjunto de iniciativas que hoje se discutem nesta Câmara, que as crianças crescem e se desenvolvem em melhores condições quando inseridas numa família.
A importância do estabelecimento das relações vinculativas privilegiadas e precoces tem sido amplamente estudada e investigada, não restando dúvidas sobre a relevância destes laços, os quais dificilmente, por mais meritória e exemplar que seja, uma instituição substituirá.
Contudo, reflectir e repensar o regime jurídico da adopção é, inevitavelmente, matéria complexa e delicada, já que tal apreciação e iniciativas legislativas decorrentes terão sempre de se edificar sobre o difícil equilíbrio entre a prioridade dos direitos da criança - ainda que historicamente nem sempre assim tenha sido -, assegurando o melhor futuro afectivo e material, e o próprio tempo de ser criança. Ou seja, é incontornável a necessidade de se conciliar a celeridade de um processo desta natureza com a seriedade e a elevadíssima responsabilidade da tutela.
Os processos de adopção em Portugal não têm garantido, de forma plena, o direito de a criança viver num ambiente familiar estável do ponto de vista afectivo. As políticas de protecção de crianças em risco, especialmente no caso de crianças que, por razões diversas, não têm uma referência familiar que garanta as condições básicas para um desenvolvimento saudável, assentam mais numa cultura de institucionalização do que numa cultura que garanta o efectivo direito da criança a uma referência familiar saudável.
É urgente, por isso, um regime jurídico de adopção que contribua para que a institucionalização não seja a única saída para estas crianças. Esta premência está bem espelhada neste debate, que se constitui numa excelente oportunidade de apuramento das soluções mais adequadas para um processo de adopção célere e eficaz, na prossecução dos objectivos de garantia do direito das crianças a viver e a crescer num ambiente familiar saudável.
Desse ponto de vista, consideramos que as três iniciativas hoje em discussão - a proposta de lei e os projectos de lei do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda - têm elementos positivos para a construção de um quadro legal que responda, efectivamente, à necessidade de consagração do instituto da adopção como um instrumento de integração familiar, baseado na sobreposição do interesse do adoptando a qualquer outro.
Foi, aliás, por esta razão que o Bloco de Esquerda retomou uma iniciativa apresentada na anterior legislatura e da qual se destacam três medidas fundamentais:
Em primeiro lugar, clarificar um conjunto de responsabilidades a exigir aos pais biológicos de crianças institucionalizadas.
Actualmente, para que as crianças institucionalizadas ou em família de acolhimento possam ser adoptadas, terá de existir o consentimento dos pais biológicos ou a declaração da situação de abandono, que se caracteriza, segundo a actual lei, por um tempo mínimo de seis meses sem manifestação de interesse por parte dos familiares.

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Este é um núcleo fundamental no que concerne aos processos de adopção, porque é a incerteza quanto à natureza dos vínculos com a família biológica e quanto à possibilidade de estes se reconstituirem a breve prazo que contribui para deixar perpetuar vínculos familiares que não correspondem aos reais interesses e necessidades da criança.
Visitas, mesmo que realizadas de três em três meses, serão sinal suficiente de que os pais acarinham um projecto de vida para quem deles depende e respondem às necessidades da criança? Parece-nos que não.
Cuidar não é "picar o ponto"!... Os afectos não se organizam em obrigações de secretaria!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, reduzir o prazo não é suficiente. Há que clarificar o que é que se entende por manifesto desinteresse, porque a urgência de uma correcta avaliação da real situação sócio-familiar da criança não se coaduna com acções que não exprimem, necessariamente, laços afectivos sólidos.
Defendemos, por isso, que se insira na actual legislação um conjunto de responsabilidades a exigir aos pais biológicos no sentido de clarificar a sua disponibilidade e as suas condições para zelar pelas necessidades afectivas e materiais das crianças na altura em que as crianças mais precisam dos pais.
Para nós, manifestar interesse pela criança, acarinhá-la de forma verdadeira significa manifestar a vontade inequívoca de tornar a viver com os filhos, demonstrando, para tal, empenhamento em providenciar as condições materiais e afectivas que permitam uma vida em comum, acompanhar a situação da criança, procurando informações ou respondendo a solicitações das pessoas ou entidades de acolhimento sobre a situação dos seus filhos e, por último, manter contactos regulares, pessoais, directos e/ou indirectos com os menores, de forma a não quebrar os vínculos afectivos próprios da filiação.
Uma vez não cumpridas essas responsabilidades, torna-se evidente a necessidade de conceder a confiança judicial, o que poderá facilitar a inserção da criança numa nova família, evitando tempos de espera lesivos dos seus direitos, necessidades e expectativas e propiciadores de processos ambivalentes de vinculação.
Num outro nível de propostas, salientamos a necessidade de reforçar a coordenação dos organismos responsáveis pela adopção.
Consideramos necessária a criação de um organismo com efectivos poderes em matéria de adopção - e registamos a vontade, aqui hoje expressa pela Ex.ma Ministra da Justiça -, que estabeleça a articulação entre as várias áreas da justiça e da solidariedade social, coordenando o funcionamento dos serviços de adopção, numa perspectiva interdisciplinar, com as funções de coordenar a actividade dos núcleos interdisciplinares de menores e adopção existentes em cada distrito, de definir grandes linhas de orientação em matéria de adopção, de estabelecer a articulação com todos os ministérios, de coordenar uma base nacional de dados da adopção, de desenvolver meios que possibilitem, no mais curto espaço de tempo, a entrega das crianças adoptáveis aos candidatos adoptantes, de simplificar os procedimentos e de planear e implementar a criação de novos centros de acolhimento transitório e de emergência para crianças em risco, na perspectiva do seu encaminhamento para adopção.
A criação desta comissão providenciaria suporte institucional que permitisse ultrapassar a actual situação de dispersão e inconsistência de procedimentos adoptados pelos diferentes centros distritais de segurança social e do trabalho, detectar lacunas de meios e actuações, recomendar medidas a implementar e reforçar a coordenação e organização das actuações no terreno.
Por último, fazemos algumas propostas no sentido de ampliar o leque de pessoas que podem adoptar, passando a poder adoptar plenamente as pessoas com menos de 55 anos, ou menos de 60 anos, desde que a diferença de idades entre adoptante e adoptado não seja superior a 55 anos, as pessoas casadas, deixando de impor o mínimo de 4 anos de casamento previsto na anterior lei, e as pessoas a viver em união de facto, se uma delas tiver, pelo menos, mais de 25 anos de idade.
A ampliação do universo de potenciais casais adoptantes, aliada a mecanismos de avaliação e acompanhamento dos candidatos à adopção, são essenciais para a concretização do instituto da adopção enquanto instrumento eficaz de integração familiar e de protecção dos direitos da criança.
Neste leque de propostas defendemos que seja retirada a restrição anteriormente imposta aos casais homossexuais na Lei das Uniões de Facto. Temos consciência de que esta proposta causa algum alvoroço, porque os estereótipos e preconceitos têm contribuído para que paradigmas de identidades normalizadores se tenham sobreposto ao que são actualmente os paradigmas desenvolvimentais que devem ser utilizados na compreensão dos factores propiciadores do bem-estar biopsicossocial da criança.
Mais do que perceber se uma determinada concepção de família é ou não dita "normal", é importante perceber se é um elemento positivo para um desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e social saudável.
Deste ponto de vista, um conjunto considerável de estudos realizados em diversos países demonstra que não há diferenças significativas de desenvolvimento social e psíquico entre crianças em famílias homossexuais e as outras.

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Não é verdade!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É preciso"ter lata"!...

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Estes estudos desmistificaram, por exemplo, as ideias de que existam diferenças nestas crianças em termos de desenvolvimento da sua identidade de género, da sua orientação sexual ou nas suas relações sociais seja com outras crianças seja com adultos.
Não faltam famílias disfuncionais entre as ditas famílias normais e também não faltam famílias sãs entre os muitos tipos de famílias não tradicionais.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Cada caso é um caso e assim deve ser avaliado.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há, actualmente, mais de 11 000 crianças institucionalizadas, os processos de adopção têm-se demonstrado morosos e existe um grande nível de descoordenação e incoerência nos procedimentos. Esta situação não se coaduna com o imperativo de priorizar o superior interesse da criança, para quem o futuro pode não ser muito tempo. Só podemos reforçar os direitos da criança na adopção. Fica aqui hoje o desafio.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para formular um pedido de esclarecimento à Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Morais.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias, o projecto de lei do Bloco de Esquerda aqui apresentado merece-nos, naturalmente, em termos gerais, todo o respeito que nos devem merecer os contributos que tenham como objectivo e intenção melhorar o regime jurídico da adopção.
Julgo, no entanto, Sr.ª Deputada, que não a surpreenderei se lhe disser que o Grupo Parlamentar do PSD não a acompanha em algumas das soluções que propõe e, designadamente, não a acompanha no que se refere à possibilidade de adopção por casais homossexuais.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Gostaria de frisar que não está, para nós, obviamente em causa o direito à livre orientação sexual de cada um.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - O que aqui está em causa é uma outra e absolutamente distinta questão: a de saber se é aceitável, do ponto de vista do estrito interesse da criança e do seu direito a crescer no seio de uma família, defender hoje a adopção por casais homossexuais e se é aceitável fazê-lo como uma saída para o problema da institucionalização das crianças.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Poderia limitar-me, naturalmente, a invocar um argumento de oportunidade, como o fez, ainda há poucos dias, uma organização de defesa dos direitos dos homossexuais, a Opus Gay, quando disse: "Não nos parece que esta seja uma questão oportuna, no sentido em que não existe maturidade política e na opinião pública portuguesa que permita defender esta proposta com sucesso", acrescentando, essa organização, que considera extemporânea a proposta do Bloco de Esquerda.
Este não é, no entanto, o tipo de argumentação em que nos apoiamos, pela simples razão de que não resolve o fundo da questão, sobre a qual não deve haver ambiguidades.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Afirma o Bloco de Esquerda que um conjunto considerável de estudos realizados em diversos países demonstra que não há diferenças significativas de desenvolvimento social e psíquico entre crianças em famílias homossexuais e outras.
Eu diria, Sr.ª Deputada, que, apesar de cautelosa, esta conclusão é francamente contestável.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - A esta afirmação que o Bloco de Esquerda faz, baseada em estudos, nalguns casos claramente conotados e de uma parcialidade questionável, contraponho a afirmação seguinte: "Ninguém de bom senso pode, do ponto de vista clínico, afirmar a priori que esta situação não traz danos para a criança".

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - Quem o diz é o Professor Eduardo de Sá, cujo curriculum me dispenso de invocar aqui, sobretudo a si, Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.
Cito a saudosa Teresa Ferreira e com elas tantos especialistas que salientam a importância da diferença dos sexos e da diferença de gerações como correlativas e ambas ligadas ao sentimento da realidade. Dizia Teresa Ferreira: "Não conhecer estas diferenças seria voltar ao indiferenciado".
Cito, por fim, Jean LeCamus que dizia: "Até prova em contrário, o trio de origem - entenda-se: pai, mãe e criança - é a configuração que oferece melhores oportunidades de desenvolvimento para a criança e que põe convenientemente em prática o princípio da diferenciação fundamental dos sexos".

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - A verdade é que a prova em contrário não está feita. E, apesar das cautelas com que o Bloco de Esquerda faz a defesa de uma suposta teoria científica, não me parece que encontre, com seriedade científica, quem afirme que a melhor solução para uma criança não seja a triangulação pai, mãe e filho.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Dir-me-ão que, na prática, muitas crianças crescem sem um pai ou uma mãe. É, naturalmente, verdade. O que já não é naturalmente verdade é que as crianças cresçam com dois pais ou duas mães.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Dir-me-ão, ainda, que muitas crianças encontrariam num casal homossexual uma possibilidade de vida melhor do que a que têm nalgumas das instituições onde se encontram. Até pode ser verdade, mas essa é uma questão absolutamente distinta…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Oradora: - Compreendo, Sr. Presidente, mas peço-lhe um segundo para terminar.
Esta proposta é, para mim, a adulteração da própria filosofia da adopção, que é a de imitar a natureza e criar um

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vínculo tanto quanto possível idêntico ao que a criança teria se tivesse nascido no seio dessa família.
Responda, Sr.ª Deputada, se puder - e, certamente, pode -, àquele casal de mulheres homossexuais ao qual, um dia destes, na televisão, se perguntava qual delas deveria apresentar-se à criança como pai e qual delas deveria ser conhecida como mãe.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para formular um pedido de esclarecimento à Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, por tudo quanto vai já dito, e bem, pela Sr.ª Deputada Teresa Morais, prescindo da minha questão.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Morais, ao contrário do que a Sr.ª Ministra da Justiça disse, parece que há, efectivamente, algumas mudanças sociais que não são acompanhadas pelas evoluções verificadas na ciência nem mesmo pelas ditas evoluções que deveriam verificar-se a nível legislativo.
A Sr.ª Deputada Teresa Morais vai permitir-me que, de facto, a corrija. E esta correcção…

Risos do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada, é a Mesa que lhe dá a palavra exactamente para que as questões não fiquem sem resposta. Simplesmente, peço-lhe que o faça em 2 minutos.

A Oradora: - Sim, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada, os autores que citou não realizaram qualquer estudo científico, pelo que, como muito bem a Sr.ª Deputada se referiu, é matéria de opinião clínica. Bem diverso são, contudo, os estudos experimentais já realizados, nomeadamente estudos transversais, com resultados quantitativos. Se quiser, farei chegar à Mesa…

Protestos da Deputada do PSD Teresa Morais.

A Sr.ª Deputada dá-me licença que lhe responda? Isto se quiser ouvir.
Farei chegar à Mesa uma série de estudos que demonstram exactamente o contrário. Demonstram que as famílias de homossexuais têm elevados níveis de coesão e de adaptabilidade,…

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Não é verdade!

A Oradora: - … mais elevados do que outras famílias, nomeadamente como resposta aos processos de discriminação e de segregação; que as práticas educativas e os interesses parentais dos pais homossexuais não diferem rigorosamente em nada e de um ponto de vista significativo dos pais heterossexuais; que as próprias crianças, que cresceram em famílias homossexuais - e, por exemplo em França, estima-se que existam cerca de 7% de crianças que se desenvolveram com mães lésbicas e 11% com pais homossexuais - não revelam, na sua maturidade, qualquer confusão ao nível da identidade sexual, da popularidade, ou da adaptação social, bem pelo contrário!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - O que resulta da investigação - e podia citar-lhes aqui vários especialistas internacionais nesta matéria, como Zacks, Green, Miller, etc. - é que é, justamente, a discriminação o processo mais complicado para as famílias homossexuais que têm filhos adoptados.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o tempo cedido pela Mesa já esgotou.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Além disso, esta matéria está bem reflectida na legislação de vários países, onde é permitida a adopção por casais homossexuais, nomeadamente em cinco Estados norte-americanos, na Holanda, na Suécia e no Reino Unido, e está em estudo em vários sítios como Navarra, Catalunha e Valência.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - O modelo identitário que propõe homem e mulher vem por terra quando é dada a possibilidade de adopção a famílias monoparentais ou a uma pessoa singular, como muito bem está reconhecido na lei.
Sr.ª Deputada, é melhor que repense e reflicta sobre as suas próprias contradições e preconceitos.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - É sobre a condução dos trabalhos, seguramente.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - É!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Então, com essa convicção, tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de pedir à Mesa que lembre a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias que não respondeu à questão. E a questão era a de saber numa situação em que duas mulheres ou dois homens adoptam uma criança qual deve ser assumidamente o pai e qual deve ser assumidamente a mãe.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, como sabe os Srs. Deputados são livres de responder às questões…

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A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Sr. Presidente, só mais uma…

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, tem de reconhecer que, manifestamente, não pediu a palavra para interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Sr. Presidente, não queria usar a figura da defesa da honra, que, às vezes, é usada excessivamente, mas também posso dizer que o facto de me ter sido recomendado que estudasse e que resolvesse as minhas próprias contradições pode ser considerado uma desonra.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - A Sr.ª Deputada quer pedir a palavra para defesa da honra?

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Quero, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Então, como é defesa da honra pessoal, dou-lhe a palavra no final do debate, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente. Muito obrigado.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias, pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Já não é necessário, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Muito bem. Então, vamos continuar.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: "Não pertencer a ninguém é não ser ninguém".
A intensidade desta afirmação, ouvida no decurso das audições sobre o projecto de lei do PS, traduz com grande nitidez o espírito desta iniciativa - a defesa do interesse da criança, que é central e superior.
A adopção é um instrumento, entre outros, na defesa do direito da criança à família.
É uma solução, a última solução, que deverá ser sempre enquadrada num quadro mais amplo de políticas articuladas que têm por objecto a família, a criança, a juventude.
A dispersão das leis e das políticas não é favorável à formulação das melhores decisões. Só uma perspectiva integrada e sistemática permite a sinalização precoce de situações de risco.
Muitas das situações de ruptura familiar seriam evitadas se se fosse capaz de intervir antes da disfunção instalada - seria bem menor o número de crianças institucionalizadas.
Contudo, "aprende-se a andar, andando", e as sucessivas alterações que o instituto da adopção tem sofrido são expressão desta afirmação de Agostinho da Silva. Desde 1966, a adopção é reconhecida como fonte jurídica de relações familiares; em 1977, 1993, 1997, através de modificações sucessivas, procura-se aperfeiçoar o modelo de adopção, encontrando as formas mais adequadas, expeditas e céleres para dotar as crianças privadas de meio familiar natural de uma família.
Contudo, a informação disponível revela um número elevado de crianças institucionalizadas que não são susceptíveis de serem adoptadas, longas permanências em instituição, um elevado número de processos pendentes assim como de procedimentos bem morosos, um elevado número de casais candidatos a adoptantes e uma extraordinária "ausência" de crianças para adoptar.
Face a este quadro, tendo bem presente que a lei não muda as práticas, mas acreditando que a definição mais precisa de instrumentos e de procedimentos pode levar a uma melhor prática da lei, o projecto de lei do PS propõe:
Um primeiro conjunto de medidas que, centradas na criança e no seu direito a ter família, alarga as situações de dispensa de consentimento dos pais biológicos e permite, assim, que a adopção ocorra no tempo mais próximo do interesse da criança - a comprovada ausência de vínculos afectivos próprios da filiação ou a manifesta incapacidade parental;
Um outro conjunto de medidas que valoriza o processo de adopção, eliminando a interferência entre os diversos tipos de procedimentos judiciais - o processo de protecção e promoção poderá ser de imediato convertido em confiança judicial para adopção, eliminando a existência de dois processos sobre a mesma criança;
Um outro grupo de medidas que visa qualificar, agilizar e acelerar a intervenção administrativa e social pela definição de padrões mínimos de qualidade e de procedimentos a serem adoptados pelos serviços de adopção, exigindo uma qualificação especializada, uniformizando critérios,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - … pela criação da base de dados nacional de candidatos a adoptantes e de crianças a adoptar, pela obrigatoriedade de apresentação à Assembleia da República de um relatório anual que descreva e avalie a situação das crianças institucionalizadas;

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

Por último, a exigência de uma formação especializada como requisito para a colocação dos magistrados judiciais e do Ministério Público, bem como dos funcionários judiciais nos tribunais de família e crianças.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Finalmente, gostaria de referir a alteração da designação do Tribunal de Família e Menores para tribunal de família, crianças e jovens. Já não se entende a referência aos menores como se tivessem menos direitos - há uma convicção enraizada de que a criança é um sujeito pleno de direitos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As audições realizadas no âmbito da apreciação prévia da proposta de lei e dos projectos de lei sobre adopção permitiram reunir um conjunto de informações de grande riqueza e de especial relevância. Gostaria de, a título de exemplo, citar duas áreas que devem merecer reapreciação no trabalho de especialidade.

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Por um lado, a introdução da dispensa do consentimento dos pais por ausência durante três meses deve merecer alguma reflexão. Esta dispensa deverá ser dada mediante uma ponderação criteriosa, na medida em que nem sempre a ausência dos três meses é sinónimo de desinteresse nem tão-pouco é permanente. É o caso de uma mãe, que tem uma depressão e precisa de mais do que três meses para recuperar. Esta mãe não é incapaz nem desinteressada, está doente e precisa de algum tempo para recuperar.
Por outro lado, e sendo certo que há limites etários para os adoptantes que não devem ser ultrapassados, sob pena de não ser possível o estabelecimento de uma saudável relação parental, há, contudo, excepções que deveriam ser ponderadas. É o caso do casal de 55 anos que recebe três irmãos, de 8, 6 e 4 anos, e está disposto a adoptá-los. A aplicação rígida do limite impede que a fratria permaneça unida como uma família.
A lei não pode, por isso, estar divorciada da vida e especial atenção terá de ser dada para que uma excessiva definição de critérios não se torne em redução e exclusão da diversidade que é a vida.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Há, no entanto, limites que não deverão ser alterados: o alargamento dos limites de idade inferiores e superiores por parte dos adoptantes; o alargamento a pares que não correspondem ao modelo natural parental.
A alteração de limites tem de decorrer sempre de circunstâncias que o imponham, tendo sempre presente o superior interesse da criança.
Durante a audição sobre estes projectos, foi dito, na 1ª Comissão, que a democracia permite que se questionem as leis e os procedimentos e que importaria, então, perguntar se foram boas as alterações entretanto introduzidas e se permitiram mais adopções.
Estas são, também, as questões que nós colocamos ao proceder a uma nova alteração do instituto da adopção e de leis complementares. Nós queremos que estas sejam boas alterações e que mais meninos encontrem as suas famílias.
Considerando o que aprendemos e o que queremos, poderá ser feito um esforço no trabalho em especialidade para obter o necessário consenso alargado nesta matéria.
Que o nosso trabalho contribua para a redução dos "meninos de ninguém".

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Discutimos hoje uma reforma da lei da adopção porque sentimos a necessidade de encontrar projectos de vida para muitas crianças a quem não foi dada uma família natural que as possa cuidar, educar e acarinhar.
Fazemo-lo num tempo em que fomos e somos violentamente interpelados pela nossa manifesta incapacidade de proteger muitas crianças para quem a sociedade organizada e o Estado têm de ser o garante de que essa protecção acontece.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Os problemas da adopção questionam o relacionamento mútuo da família e do Estado e mexem, como poucas realidades, com as forças e as fraquezas da família.
A adopção é, com efeito, uma espécie de percurso - a Sr.ª Ministra usou a palavra "ponte" - entre duas famílias: parte de uma família que falhou e chega a uma família que fornece a solução. No meio está, necessariamente, a intervenção do Estado, que constata aquele falhanço e sanciona, para aquela criança, a escolha de uma nova família.
O Estado cumpre, num processo de adopção, simultaneamente, as funções que a Constituição lhe assinala nos artigos 67.º e 69.º: protege a criança no interior da família em situações em que deve intervir, promove a constituição de família e protege a família quando a criança encontra ou se integra numa nova.
Não há forma de menosprezar, num processo destes, a importância e a responsabilidade da sociedade e do Estado.
Teremos seguramente subestimado, há anos atrás, e por mais do que uma vez, os conflitos, as concepções e até os preconceitos que rodeiam este instituto, ao reduzi-lo excessivamente aos seus contornos legais. E sabemos que, por muito perfeito que seja o texto legal, ele embate numa prática deficiente se a Administração Pública, os tribunais e as instituições de acolhimento não estiverem organizados e coordenados, se não tiverem os meios necessários, se não actuarem com rapidez e segurança.
A abordagem da adopção deve agora ser feita neste contexto. Existem dados e números sobre a situação actual, estudos sobre os bloqueamentos de carácter legal, administrativo ou organizacional, propostas que pretendem chegar aos obstáculos identificados.
Hoje, em Portugal, não se faz sequer, em média, uma adopção por dia. Sabemos que há muitas crianças acolhidas em instituições ou por particulares, sem definição de projecto de vida - a Sr.ª Ministra disse que, actualmente, são 11 499. Sabemos que muitas crianças são acolhidas em lares em idades muito baixas e que a maior parte delas por lá ficam por períodos superiores a dois anos. Sabemos que uma adopção leva, em média, muito tempo a concretizar. É muito tempo para quem quer adoptar, mas é uma eternidade para uma criança.
O Governo trouxe a adopção para o primeiro plano da importância política ao anunciar uma reforma preparada sob a coordenação do Dr. Luís Villas-Boas, em quem reconhecemos autoridade e experiência para nos ajudar a encontrar caminhos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Voltou a fazê-lo, de forma mais visível ainda, quando o Primeiro-Ministro aqui falou na adopção como uma das grandes reformas que o Governo pretende levar a cabo na área da justiça.
As questões da política de infância foram trazidas para o grande debate público por uma porta que gostaríamos não tivesse tido de ser aberta. Essa porta, com o estrondo que sabemos, acabará um dia por passar.
Aquilo que interessa que fique é o tratamento das políticas de protecção da infância como preocupação política de primeira grandeza. E isso deve acontecer por via da

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discussão dos grandes temas que supõem a nossa intervenção legislativa e por via da actuação do Governo que nos cabe a nós, Deputados, fiscalizar.
Em todo o caso, a primeira coisa que queremos estabelecer é que a protecção da infância é um assunto que deve inquietar permanentemente os que têm as maiores responsabilidades.
Os três textos que estão perante a apreciação da Assembleia da República partem todos da consciência do número baixo de adopções face às necessidades e do número altíssimo de institucionalizações.
O texto do Governo, como o do Partido Socialista, vão direitos aos bloqueios detectados na lei e, em parte, na organização do sistema, ao passo que o Bloco de Esquerda prefere fazer propostas no domínio do alargamento, a meu ver, muito exagerado, dos requisitos legais da adopção, como que imputando a preconceitos do legislador o que vê como um excesso de preocupação com a família natural - excesso que, do meu ponto de vista, existe, mas não na lei.
Ao contrário do que aconteceu com anteriores reformas, o Governo não se limitou a fazer uma proposta de autorização legislativa para emitir ele próprio, em decreto-lei, a regulamentação. Preferiu submeter a escrutínio minucioso e decisão da Assembleia da República o texto novo, também nos co-responsabilizando mais pelo mesmo e elevando a importância que atribui ao que está em causa.
A proposta de lei centra-se no sublinhar de princípios fundamentais no que diz respeito à adopção, utilizando a expressão de que a adopção visa o "superior interesse da criança", feliz forma de dizer uma coisa muito importante e que consta da Convenção sobre os Direitos da Criança, justamente a propósito da adopção. Centra-se, também, no esclarecimento de dúvidas, no abreviar de prazos e no dispensar de formalidades, sem custos para o essencial do que há a proteger, assim removendo uma boa parte dos obstáculos que foram sendo detectados.
Não vou tentar formular em pormenor as propostas que são apresentadas, mas queria responder a uma questão agora mesmo levantada pela Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro e que tem a ver com a diminuição do tempo mínimo de manifestação de desinteresse para com o filho que está entregue a terceiros para que possa constatar-se a quebra de vínculos e tal situação conduzir a uma adopção judicial.
Apenas quero lembrar que esse prazo de três meses é um tempo mínimo de verificação da não existência de vínculos e que a verificação desta é um requisito autónomo. Isto é, esse tempo mínimo junto a uma efectiva verificação do desvincular da criança em relação à família natural é que pode permitir uma confiança judicial.
As propostas feitas com este tipo de objectivo são assentes na realidade da observação das coisas e na consciência de dificuldades que podem ser removidas. Precisam, para terem sucesso, de bom senso e de meios de qualidade para a sua aplicação. E precisam, muito, de coordenação e de acompanhamento.
Julgo que a reforma da adopção na prática supõe alguém que intervenha, impulsione, oriente, faça andar as coisas. Alguém com autoridade que fale com candidatos ansiosos, que desinquiete as instituições e pressione os serviços, que vigie a forma como as crianças são tratadas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Estou certa de que a comissão que a Sr.ª Ministra disse que o Governo viria a criar constituirá este rosto visível a quem as pessoas têm de sentir que podem dirigir-se. Como julgo que é importante que, em cada processo concreto de definição de um projecto de vida orientado para a adopção, haja um responsável, uma espécie de "gestor", que faça andar o emaranhado de procedimentos e de entidades.
O Partido Socialista acompanha a filosofia e várias das propostas do Governo. Avança com a necessidade de formação de magistrados, de regulamentação de procedimentos e de formulação de relatórios à Assembleia da República, medidas com que, na generalidade, estamos de acordo e que discutiremos na especialidade.
A Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro acaba de avançar também a necessidade de haver maior abertura no que respeita à possibilidade de adopção de fratrias, medida com a qual também estamos de acordo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Já o Bloco de Esquerda acha que é no alargamento muito significativo da capacidade para adoptar, incluindo tornar irrelevante, em caso de adopção conjunta, que se procure um pai e uma mãe.
A proposta de que casais de homossexuais possam adoptar não é, para nós, aceitável, como já bem se percebeu.
Eu sou apenas jurista e não vou tentar aventurar-me em terrenos de apreciação profissional que me escapam. Mas reclamo a capacidade de saber onde está o bom senso. E é do mais elementar bom senso dizer "não" à proposta do Bloco de Esquerda.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Estamos a tratar de crianças que já foram vítimas das condições da sua família natural. As crianças, sobretudo estas, não podem ser objecto de experiências incertas na definição do seu projecto de vida.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - As crianças, sobretudo estas, não devem ser instrumento de afirmação de direitos de terceiros. As crianças, sobretudo estas, não podem ser meio de luta contra eventuais preconceitos existentes na sociedade.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Estamos a tratar de crianças fragilizadas por falta de atenção e de carinho e, às vezes, por coisas ainda muito piores. É dos direitos delas, e não dos de mais quem quer que seja, que estamos a tratar. É bom que dêmos passos seguros em terrenos conhecidos. É bom que só conte aqui, verdadeiramente, o superior interesse da criança.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Ontem, o País foi alarmado, se é que ainda conserva capacidade para se alarmar, pela história, contada na televisão, de duas gémeas raptadas pelos próprios país da maternidade onde tinham nascido, maternidade essa a que um tribunal tinha confiado judicialmente as duas gémeas.

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Naturalmente, não conheço a história concreta destas gémeas nem faço a mais pequena ideia de qual é o projecto de vida em concreto que deve ser formulado em relação a elas. Mas sei que são situações como esta que nos interpelam como sociedade adulta e madura que precisamos de aprender a ser.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é uma questão que preocupa muito o meu grupo parlamentar. De resto, é conhecida uma recente iniciativa, um colóquio, realizada a este propósito, com conclusões que, vê-se agora, estão vertidas pelo menos em algumas das iniciativas legislativas em apreço.
No entanto - devemos dizê-lo -, a análise de todas elas terá de ser efectuada em planos distintos. Num plano, a análise da proposta de lei do Governo e do projecto de lei do Partido Socialista; noutro plano, a análise do projecto de lei do Bloco de Esquerda.
No primeiro caso, pesem embora naturais divergências, falamos de duas iniciativas legislativas que coincidem no essencial e, principalmente, no propósito da salvaguarda efectiva do superior interesse das crianças.
No segundo caso, falamos de um exercício de pseudo-vanguardismo social para consumo interno da esquerda mais radical, não cuidando, precisamente, do superior interesse das crianças.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

O Orador: - Comecemos pela análise das iniciativas legislativas do Governo e do Partido Socialista.
Em ambos os casos, para além da já referida salvaguarda do superior interesse das crianças, são visíveis outras preocupações comuns.
Ambas as iniciativas tratam de acelerar a tramitação dos processos de adopção de modo a conseguir um menor tempo de espera para as crianças que sejam candidatas.
Ambas as iniciativas se propõem criar uma base de dados de candidatos à adopção e de candidatos a adoptantes, no sentido de facilitar as adopções que não se realizam, muitas vezes por deficiência de informação.
Ambas as iniciativas se propõem estabelecer uma efectiva e eficaz ligação entre os processos de adopção e os processos de promoção e protecção de crianças e jovens em risco.
Ambas as iniciativas se propõem reduzir o tempo de institucionalização de crianças que se encontrem ao abrigo de processos de promoção e protecção de crianças e jovens em risco.
Ambas as iniciativas se propõem densificar as situações de facto que podem conduzir ao juízo de abandono do menor institucionalizado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - De todo o modo, são evidentes, ainda assim e salvo melhor opinião, alguns erros do projecto de lei do Partido Socialista: a nova redacção sugerida para o artigo 1978.º do Código Civil é menos clara do que a do Governo; esta proposta dispensa o processo de confiança administrativa relativamente aos filhos de pais incógnitos e falecidos; a conversão do processo de promoção e protecção em processo de confiança judicial apresenta incongruências ao não remeter para o regime da citação, prescindindo aparentemente do contraditório, e ao remeter novamente para a instrução, com a implicação da repetição da prova; esta proposta socialista refere, ainda, que, decorridos seis meses sobre a adopção, se extinguem os procedimentos legais de averiguação e investigação da maternidade e da paternidade, quando isso já decorre necessariamente do artigo 1987.º do Código Civil.
Não obstante, repete-se, muito deste projecto de lei poderá e deverá ser considerado, em sede de especialidade, como contributos válidos que certamente serão tidos em conta por todas as bancadas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Outro tanto não se diga relativamente à iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda. Não que alguns aspectos como os que acabei de referir, comuns às iniciativas legislativas do Governo e do Partido Socialista, não sejam também tratados na do Bloco de Esquerda. Sucede, no entanto, que apenas o são acessoriamente e, salvo melhor opinião, sem que o interesse das crianças seja devidamente salvaguardado.
Falemos claro.
A preocupação fundamental do Bloco de Esquerda está na afirmação dos direitos das uniões de facto, mesmo que entre pessoas do mesmo sexo, deslocando para aqui toda a prioridade da discussão.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O Bloco de Esquerda é incapaz de perceber que o que está em causa, nesta discussão, não é o combate a quaisquer tratamentos discriminatórios de quem quer que seja mas, antes, considerar que, com fundamento no interesse das crianças, o Estado pode e deve restringir legitimamente o direito de quem pode adoptar, sem com isso questionar em nenhum momento as opções de vida dos adultos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Bloco de Esquerda esquece a Convenção sobre o Direito das Crianças, que expressamente considera a família como o elemento natural e fundamental da sociedade e como o meio natural para o desenvolvimento harmonioso das crianças e da sua personalidade.
O Bloco de Esquerda esquece até decisões recentes do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que não consideram este entendimento discriminatório ou violador da Convenção, atento, por um lado, o superior interesse das crianças mas, por outro, Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias, a própria divisão da própria comunidade científica - e mais especificamente de especialistas em questões relativas a crianças, psiquiatras e psicólogos - quanto às consequências que poderão advir da colocação de uma criança à

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à guarda de pessoas do mesmo sexo que vivam em união de facto.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Estas são conclusões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, não de qualquer debate político, reportando-se certamente aos estudos que referiu.
Por tudo isto, não resisto a citar, a terminar, partes do que, a propósito, escreveu um jornalista, insuspeito, de resto, Miguel Sousa Tavares, na edição do Público de 16 de Junho de 2000, tendo por base, precisamente, uma iniciativa equivalente do Bloco de Esquerda: "A proposta de lei do BE (…) é um exemplo de como uma proposta que se pretende apresentar como progressista e corajosa não passa, afinal, de uma ideia profundamente retrógrada e injusta (…)".

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - "(…) Vejam que moderno: morreu o modelo de família praticado na natureza desde que o mundo é mundo. Morreu a noção de mãe, de pai, de irmãos, de avós,…"

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - O conceito de família é que é diferente!

O Orador: - "… da família como lugar natural de protecção, de crescimento, de aprendizagem e de preparação para a liberdade, isto é, para a condição de adulto.
Em seu lugar, fica a via aberta para todas as formas de experimentalismo familiar e paternal, em obediência às regras de comportamento actual dos adultos nas quais é suposto as crianças aprenderem a adaptar-se e a sobreviver.
Porque, mais uma vez, são os interesses dos adultos que devem prevalecer e as crianças que têm de servir de cobaias ao experimentalismo familiar politicamente correcto", para esta esquerda, naturalmente.
Pois bem, seria assim se fizesse vencimento este ideal bloquista de sociedade. Sucede que dele não partilhamos e, no que de nós dependa, nunca o permitiremos, desde logo em relação a esta questão específica da adopção.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Volto a citar: "(…) É que uma sociedade que acha que tudo, incluindo o impossível direito da paternidade dos casais homossexuais, passa à frente do direito dos filhos é uma sociedade que está pronta a abdicar de tudo e de quaisquer valores e a abraçar a lei do 'salve-se quem puder'. Uma sociedade assim não será progressista nem moderna, será, simplesmente, decadente e sem esperança".

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, pelas crianças que, nesta matéria, pomos em primeiro lugar, pela família que não hipotecamos a qualquer tipo de experimentalismo social, pelo futuro que queremos para Portugal, naturalmente que estaremos contra este projecto de lei do Bloco de Esquerda, mas estaremos a favor dos outros que hão-de ser apreciados em sede de especialidade.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É claro que a adopção é um vínculo familiar reconhecido constitucionalmente. Importa, porém, que a adopção seja usada com a devida finalidade que ela tem. Isto é, não pode o instituto da adopção ser recurso para a desresponsabilização do Estado para com os seus deveres relativamente à família biológica. Esse deveres estão consagrados na Constituição.
Através das perguntas que já formulei à Sr.ª Ministra e das respostas que foram dadas e não dadas, pôde verificar-se que, de facto, este Governo não pretende pôr em execução as medidas de promoção dos direitos e de protecção das famílias biológicas, que constam da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo.
De maneira que alguns mecanismos que surgem nesta proposta de lei têm uma única finalidade: a de encontrar uma criança para uma família que queira adoptar - e este objectivo é errado - e não o contrário, ou seja, a de encontrar uma família para uma criança em condições de ser adoptada.
Apontarei alguns dos mecanismos que, de facto, me causam não só perplexidade mas mesmo repúdio. Causa-me repúdio verificar que o pai ou a mãe biológicos, pelo facto de terem problemas de saúde mental, perdem definitivamente a possibilidade de, quando melhorarem, poderem refazer a vida em família. E causa-me repúdio porque a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem estudos - e tenho aqui na minha mão uma parte do relatório da OMS de 2001 - que provam que os mais pobres são, de facto, os que estão mais sujeitos a perturbações mentais. Chama-lhe a OMS o "círculo vicioso da pobreza e das perturbações mentais", devido ao fraco nível de recursos, ao baixo grau de instrução e ao desemprego, que, depois, vai, outra vez, através de um percurso de cada vez maior degradação, conduzir ao aumento da pobreza.
Este mecanismo que VV. Ex.as propõem na lei é um mecanismo contra os mais pobres e o problema das crianças pobres não pode resolver-se desta maneira. VV. Ex.as têm, sim, de seguir outra política e de criar outros mecanismos de apoio. E até quiseram diminuir - e diminuíram - o rendimento mínimo garantido, o, agora chamado, rendimento social de inserção, para os mais pobres.
Portanto, o que consta desta proposta de lei, relativamente à saúde mental, é próprio… nem sei bem de quê - talvez outrora, num país nórdico, houvesse uma solução destas! Mas é uma solução nada humana.
O facto de não poder ser revogado o consentimento, nomeadamente nos casos em que a mulher, na sequência de um parto difícil, tem perturbações mentais - e diz-se também aqui neste relatório da OMS que é fácil que as perturbações mentais aconteçam na sequência do parto que dá origem a perturbações depressivas -, não permitir isso, não permitir que seja revogado um consentimento dado em circunstâncias em que a pessoa, nomeadamente a mãe, não está na plena posse das suas faculdades mentais, é desumano. Repito, é desumano.
Não disponho de muito mais tempo para intervir, mas gostaria ainda de dizer que a redução do prazo para três meses é também uma maneira - em vez de irem ver onde é que os mecanismos actuais falharam, porque falharam, e

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por que é que falharam - de, a todo o custo, mandar crianças para a adopção, o que não se coordena com a execução das tais medidas de promoção dos direitos.
Ouvi a Sr.ª Ministra, fora daqui, dizer que estava muito preocupada com o facto de os candidatos a adoptantes só poderem adoptar na área da residência - tudo bem. Então, e preocupou-se em saber qual era o código de boas maneiras das instituições privadas de solidariedade social? Preocupou-se?! Sabe que há algumas que não funcionam aos fins-de-semana e que não tornam possível as visitas dos pais biológicos? Sabe?!

A Sr.ª Ministra da Justiça: - Sei!

A Oradora: - Ah, sabe! E que remédios deu para pôr cobro a isso? E sabe que isso pode contribuir para que a criança seja considerada em estado de abandono?!
Querem terminar com as famílias de acolhimento até aos 6 anos. Isso já foi proclamado. Porquê? Porque é a idade até à qual mais facilmente se adopta. Ou seja, querem facilitar, à força, a adopção.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Não é nada disso!

A Oradora: - Por fim, quando prevêem que, com a confiança judicial, há logo a inibição do poder paternal, estão a violar o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. E tenho aqui comigo acórdãos do Tribunal Europeu, nos quais, a propósito da discussão da questão do direito a visitas em casos de adopção, se conclui que, por exemplo, no Reino Unido e na Noruega, tinha havido violação desse artigo 8.º, porque não tinha sido permitido ou tinha sido dificultado o direito a visitas.
A inibição do pode paternal, aí existente, não é para a questão da administração dos bens da criança porque, para isso, há lá o curador provisório; é precisamente para cortar definitivamente o contacto entre a família biológica e a criança. Ora, isto viola a Convenção.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha terminou.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, é inadmissível que, desta maneira, se tente resolver a questão das crianças pobres, porque não é assim que ela se resolve.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Aquilo para que este debate nos remete, desde logo, é para os direitos das crianças, ou seja, o direito de todas as crianças poderem crescer e ter um ambiente familiar e um desenvolvimento harmonioso para a sua personalidade. E é este direito, desde logo, e as condições, que, por vezes, falham, para que este desenvolvimento harmonioso possa ocorrer que determinam a obrigatoriedade de a comunidade encontrar soluções alternativas e assegurar a todas as crianças, sem excepção, desprovidas desse meio familiar condições para uma resposta alternativa, nomeadamente através do direito a uma família de adopção.
Dito isto, gostaria de sublinhar dois aspectos, que, parece-me, até agora, têm estado ausentes desta discussão.
O Governo diz - e julgo que isso é incontornável - que é importante retirar as crianças das instituições. Ora, como é óbvio, todos estão de acordo com isto; designadamente para Os Verdes, essa necessidade é evidente. Mas há uma questão que, para nós, é essencial: a saída das crianças das instituições deve ter como orientação primeira a criação de condições para que os meninos possam voltar para as suas famílias biológicas. Esta deve ser, do nosso ponto de vista, a responsabilidade do Estado. O que significa e nos remete a responsabilidade de criar condições e apoios - tal como o PP referia no passado - para que as crianças e os jovens em risco tenham, preferencialmente no seio das suas famílias, condições para o pleno desenvolvimento. Ora, essa não me parece ser a prioridade a que o Governo atribui maior importância política, desde logo porque não regulamentou aquilo que, no passado, defendia ser fundamental.
Em segundo lugar, em relação aos meninos que devem ser adoptados, parece-nos que os mecanismos têm de garantir que a adopção só acontece quando o Estado, a comunidade, a sociedade, desistiu e manifestamente não foi capaz de encontrar soluções alternativas. E parece-me que essa ponderação não pode prejudicar a importância da ligação à família, a troco de desburocratizar e acelerar procedimentos, o que é, de algum modo, aquilo que o Governo diz pretender e está muito nítido no projecto de lei do Partido Socialista. Esse objectivo, que é importante, não pode ser, de forma simplista, secundarizado, com processos que, de tão ágeis, podem ultrapassar, de uma forma totalmente inaceitável para Os Verdes, etapas do ponto de vista dos procedimentos. Donde, o prazo de três meses nos parecer um período manifestamente curto.
Gostaria de chamar ainda a atenção, Sr.ª Ministra e Srs. Deputados, para um outro aspecto. A Sr.ª Ministra, na sua intervenção, refere, a dado momento, que o Estado, enfim, as instituições e as misericórdias têm de ser a ponte e não o destino ou, muito menos, o "depósito" de crianças. Estamos obviamente de acordo com isto. Mas penso que não vale a pena ter ilusões, nem fazer o discurso do faz-de-conta, porque nós sabemos que há muitos meninos que vão estar nas instituições e que jamais alguma família vai querer adoptar. Julgo, aliás, que, se o Governo estivesse a fazer esta discussão com uma caracterização daqueles meninos que sistematicamente são recusados pelas famílias, das crianças com deficiência, dos meninos com incapacidades profundas, dos meninos que, por exemplo, não são de raça branca, concluiríamos que há permanentemente meninos que são rejeitados. Ora, em relação a esses meninos que são rejeitados, o Estado tem uma obrigação, que é a de criar condições para que, num espaço que não é o ideal nem o desejável, essas crianças tenham direito à felicidade e não estejam sujeitas a risco, porque elas estão à guarda da sociedade e a sociedade não pode - como, aliás, tristemente aconteceu no nosso país -, estando elas nessa situação e encontrando-se particularmente vulneráveis e fragilizadas, pura e simplesmente esquecê-las, como tem sucedido.
Daí entendermos que tem de haver uma rotina de avaliação sobre o modo como estas instituições estão a funcionar, tem de haver mecanismos que permitam dar voz a estes meninos, tem de haver mecanismos que não permitam

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que estes meninos, só porque não são atraentes para algumas famílias para serem adoptados, sejam, pura e simplesmente, esquecidos nesse chamado "depósito".

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha terminou.

A Oradora: - Por último, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostava de me pronunciar sobre a questão da adopção feita por casais do mesmo sexo. Para nós, este debate deve ser feito, única e exclusivamente, na perspectiva dos direitos das crianças. E, nessa perspectiva, julgo que é um debate que importaria aprofundar em sede de especialidade.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: A evolução legislativa do instituto da adopção, em Portugal, tem como marco histórico o Código Civil de 1966, diploma onde ficou reconhecido como fonte de relações jurídicas familiares.
O Programa de Adopção 2000 e a consequente aprovação de um novo regime em 1998 trouxeram ao processo de adopção mais rapidez, uma melhoria da intervenção administrativa, o recurso à participação das IPSS no processo e à criação de mais de 80 centros de acolhimento de emergência, o que permitiu, mais facilmente, encaminhar para adopção as crianças em perigo.
Nos últimos seis anos, para cumprir os imperativos constitucionais e como meio de promover de forma efectiva os direitos das crianças consagrados na Convenção das Nações Unidas de 1990, estabeleceu-se a promoção da família e dos direitos da criança e a protecção das crianças e jovens em risco como uma das prioridades políticas.
O novo modelo de protecção de crianças e jovens em risco apela à promoção dos direitos das crianças e à participação activa da comunidade numa nova relação de parceria com o Estado concretizada nas Comissões de Protecção de Menores.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar desse longo e profícuo trabalho, subsistem ainda alguns bloqueios que é necessário eliminar, de modo a aproximar o tempo de intervenção administrativa e judicial da adopção do tempo de crescimento das crianças.
Decorridos que vão mais de quatro anos da aprovação do novo regime de adopção, a prática continua a evidenciar um processo moroso em tudo desfavorável à conclusão do processo de adopção em prazo satisfatório, quer para o adoptado quer para os adoptantes.
Por outro lado, há que responder, inevitavelmente, à tendência da sociedade portuguesa para a institucionalização das crianças. É assim necessário identificar os bloqueios que ainda subsistem ou que surgiram após a reforma de 1998, procedendo às necessárias alterações que permitam aproximar o tempo de duração da intervenção social, administrativa e judicial da adopção ao tempo de crescimento das crianças.
A questão fundamental é hoje a de saber quais as crianças que foram retiradas do perigo e que podem ser encaminhadas para a adopção e qual o modo mais célere possível de resolver o seu problema.
O Partido Socialista, consciente desses bloqueios, responsável enquanto oposição, hoje, apresenta o projecto de lei n.º 295/IX como contributo para o consenso político necessário em matéria de adopção, porque, para o Partido Socialista, o que está em causa é o interesse superior da criança e a posição do seu projecto de vida.
O projecto que o Partido Socialista apresenta a esta Câmara funda-se, como já aqui foi referido, em três ideias estruturantes com formas de agilizar e simplificar o processo de adopção.
Permitam-me, apenas, recordar as ideias mestras deste nosso diploma. Primeiro: qualificar, agilizar e separar a intervenção administrativa e social entre o momento da retirada da criança do perigo e o momento de encaminhamento para a adopção.
Segundo: valorizar o processo de adopção e eliminar a interferência dos diversos tipos de processos, destacando-se a questão da prejudicialidade, permitindo que o processo de protecção e promoção possa ser, de imediato, convertido em confiança judicial para adopção, eliminando a existência de dois processos sobre a mesma criança.
Terceiro: criar uma lei e uma cultura judiciária mais favorável à adopção. Uma aposta clara e decisiva na formação especializada dos magistrados judiciais, do Ministério Público e dos técnicos da segurança social é essencial para a melhoria do processo de adopção.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, o historial jurídico e social do instituto da adopção requer um amplo consenso político.
Por isso, não podemos perceber algumas das medidas consagradas no diploma do Governo, que se evidenciam, apenas, na possibilidade de se adoptar aos 70 anos. O projecto de vida da criança deve ser do seu interesse e a procura de pais é uma necessidade para o seu equilíbrio emocional e para o seu crescimento estável.
A proposta de lei do Governo, apesar de em algumas matérias convergir com as propostas e as matérias do projecto de lei do PS, não realça o grande eixo de toda esta questão. Não realça uma verdadeira política integrada de família.
O Governo apresenta, do ponto de vista da forma do processo de adopção, uma visão útil e necessária, neste momento, mas uma visão menos abrangente que a do Partido Socialista e que não altera significativamente a prática que deve ser, essa sim, ser alterada.
Há, no entanto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, condições para que, em sede de Comissão, possamos alcançar um bom diploma, convergindo, trabalhando articuladamente nas duas perspectivas e considerando aquilo que é essencial, que é a agilização e a simplificação do processo de adopção em Portugal.
Termino, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, dizendo o seguinte: para o Partido Socialista o que está em causa é o superior interesse da criança, é a definição do seu projecto de vida e, como tal, o contributo do PS é o de uma posição construtiva, responsável, atenta aos sinais da sociedade portuguesa na construção de um verdadeiro projecto de vida para estas crianças, tantas e tantas vezes esquecidas.
Sabemos que não se mudam comportamentos e mentalidades por decreto, mas este pode ser o início de uma nova cultura judiciária, de uma nova mentalidade para a não institucionalização das crianças.

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O PS, como sempre, está empenhado na construção de uma sociedade para todos, assente nos valores da justiça e da igualdade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de esclarecer o sentido de algumas das alterações que são propostas e que foi aqui questionado.
Em primeiro lugar, quanto às condições em que pode ser determinada uma confiança judicial, nenhuma confiança judicial pode ser determinada sem uma verificação autónoma do requisito de que estão seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação. Nenhuma confiança judicial pode ser decidida sem que essa verificação seja autonomamente feita.
Por isso, não fazem sentido alguns dos alarmes de que alguns colegas fizeram eco, nomeadamente quando referiram o problema, que seria menos considerado, das pessoas que teriam problemas de saúde mental ou a questão dos três meses.
Assim, vamos ver em que circunstâncias é que a saúde mental dos pais ou os três meses de manifesto desinteresse podem ser revelados e dar lugar a confiança judicial.
De facto, em todos esses casos é preciso verificar autonomamente se os laços com a família de origem estão seriamente comprometidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas não é "definitivamente comprometidos"! Isso não está lá!

A Oradora: - Repito: é preciso demonstrar autonomamente que os laços com a família de origem estão seriamente comprometidos.
Depois, é preciso demonstrar, num caso, que os pais, por acção ou omissão, com culpa ou sem ela, puseram em perigo a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor e a proposta do Governo diz que mesmo que isso se verifique por manifesta incapacidade de vida ou razões de saúde mental.
Não é a saúde mental dos pais que termina a relação com a família natural, é, isso sim, um problema de saúde mental que provocou perigo para os menores, para os filhos, e que, além disso, comprometeu seriamente os vínculos próprios da filiação.
Quanto aos três meses em relação à situação de abandono, para usar uma palavra mais simples, também necessitam que, simultaneamente, se verifique que houve uma situação em que os vínculos próprios da filiação estão comprometidos.
Em relação à irrevogabilidade do consentimento, a proposta de lei do Governo propõe que seja irrevogável o consentimento prévio que está previsto. Lembro que a mãe só pode prestar esse consentimento seis semanas…

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, o seu tempo terminou.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Dizia eu que a mãe só pode prestar esse consentimento seis semanas após o parto e que o consentimento é sempre prestado na frente de um juiz. Era o que faltava que algum juiz permitisse que uma mãe prestasse o consentimento sem ter a certeza de que ela o fazia com plena liberdade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E era o que faltava não haver casos em que a pessoa não está em condições!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para defesa da honra pessoal, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Morais.

A Sr.ª Teresa Morais (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias, se bem me lembro, aconselhou-me a repensar esta matéria no sentido de resolver algumas contradições em que teria caído, tendo revelado, de caminho, os meus preconceitos nesta questão.
Disse ainda que os autores que citei não têm qualquer estudo sobre esta matéria e, portanto, não são credíveis para contestar as afirmações que entende cientificamente baseadas nos estudos que cita.
Sobre tudo isto, gostaria de dizer-lhe o seguinte: em primeiro lugar, não identifico contradições em nada do que disse e por uma razão simples: referi que não está em causa o direito à livre orientação sexual das pessoas, o que mantenho. Disse que consideramos que a única verdade que está suficientemente afirmada é a de que não há melhor solução para uma criança do que a de uma família com pai e mãe, e mantenho. Disse também que existem outras formas de fazer crescer as crianças de uma forma saudável, e com certeza que as há, mas, muitas vezes, a vida encarrega-se de que a fórmula não seja esta. Ainda bem que elas existem, mas isso não põe em causa que este seja o melhor modelo. Portanto, não encontro aqui qualquer contradição e não me parece que pelo facto de uma criança poder, apesar de tudo, apreender a distinção dos sexos olhando para o lado vendo o avô ou o vizinho, isto impugne que o melhor modelo para essa criança é ter um pai e uma mãe.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Também lhe digo que não entendo porque é que me acusa de preconceituosa, porque, no rigor das coisas, preconceito significa conceito prévio e eu, de facto, tenho alguns preconceitos, como todos nós temos. E um dos preconceitos que tenho a este respeito é o de que o modelo que vale a pena defender é o que for mais saudável para o crescimento equilibrado das crianças e estou convicta de que o modelo que a Sr.ª Deputada aqui propõe não é.
Além disso, também lhe poderia dizer que a Sr.ª Deputada tem preconceitos, por exemplo, quando se limita a citar os estudos supostamente científicos para comprovar o seu ponto de vista, não citando nenhum dos estudos que poderia citar - e que certamente conhece - em que esse ponto de vista não é perfilhado.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

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A Oradora: - Portanto, conceitos prévios todos temos, não são é todos iguais.
Quanto ao facto de os autores que citei não terem nenhum estudo sobre esta matéria, queria dizer-lhe que o Prof. Eduardo Sá, quando proferiu a frase que aqui citei, foi ex professo sobre esta questão, foi directamente sobre a questão da possibilidade de adopção por casais homossexuais, não foi acidentalmente, em qualquer artigo de opinião ou em quaisquer escritos académicos que tem sobre outras matérias, foi sobre isto que eu disse.
Ainda quanto ao facto de a Sr.ª Deputada entender que eu entrei no seu "terreno" quando fiz considerações que não são da área do direito e sim da área da psicologia, quero dizer-lhe que respeito inteiramente a separação dos terrenos científicos, académicos, profissionais de cada um…

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr.ª Deputada, tem de terminar, o seu tempo esgotou-se.

A Oradora: - Termino, Sr. Presidente, dizendo apenas que o facto de não ser jurista nunca impediu a Dr.ª Deputada Joana Amaral Dias de comentar leis.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para dar explicações, tem a palavra a Sr. Deputada Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, confesso-lhe que acabei por não perceber…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Isso é que é pior!

A Oradora: - … em que é que se sentiu ofendida na sua honra.
Começo, porém, por dizer, a propósito das suas intervenções e não só, que é pena que o debate do projecto de lei do Bloco de Esquerda - e parece que já vem sendo uma estratégia comum nesta Câmara, não fazendo a devida elevação do debate político - tenha sido centrado neste aspecto e que se tenha passado completamente ao lado de outros pontos do mesmo projecto de lei que me parecem essenciais.
Sr.ª Deputada Teresa Morais, digo-lhe isto porque confio na sua sensibilidade quanto a alguns pontos que colocou.
Independentemente de qual é a especialidade de cada um, não a aleguei, a senhora é que a subentendeu e por algum motivo terá sido, ficando à sua consideração saber justamente qual foi esse motivo. Mas quanto aos papéis sexuais, a Sr.ª Deputada parece que faz uma confusão muito grande entre papel, identidade sexual e divisão sexual dos papéis. E quando referi as suas próprias contradições foi no sentido de saber como é que alguém, como a Sr.ª Deputada (e foi aí lhe disse que os seus argumentos caíam por terra), defende a possibilidade da adopção por famílias monoparentais, onde, obviamente, só está representado um dos sexos, mas depois diz que, por motivos de identidade e de identificação das crianças, não pode haver a adopção por parte de casais homossexuais, embora, provavelmente, estejamos de acordo em que há um melhor modelo.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Mais vale ter um só do que dois do mesmo sexo!

A Oradora: - Ora, esta é uma contradição que a Sr.ª Deputada não explicou, mas com a qual, curiosamente, se sente-se ofendida.
Depois, fez ainda aqui outras alegações que urge esclarecer. A Sr.ª Deputada Teresa Morais colocou a questão de saber por que é que eu não cito outros estudos. Em primeiro lugar, esse argumento devia rebater sobre si, porque de todas, repito, todas, as organizações de gays e lésbicas deste País a única que declarou que não era oportuno discutir, do ponto de vista da conjuntura política-social que o País atravessa, neste momento, esta questão foi a que a senhora citou. Todas as outras deram uma conferência de imprensa justamente em sentido contrário…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E daí?!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Isso, para nós, é irrelevante, não nos interessa!

A Oradora: - … e a Sr.ª Deputada veio aqui fazer declarações induzindo interpretações erradas.
Quanto aos estudos, independentemente da área ser direito, psicologia ou outra qualquer, a Sr.ª Deputada reconhecerá, com certeza, que uma coisa são opiniões clínicas, como aquela que a Sr.ª Deputada referiu aqui do Prof. Eduardo Sá, outra coisa são estudos experimentais, quer longitudinais, quer transversais, que têm um valor científico e técnico diferente. E não interessa se a matéria é de direito, de psicologia ou outra qualquer. Agora, ciência é neutra?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Neutra, não, mas convinha que fosse séria!

A Oradora: - Sr.ª Deputada, não vamos discutir aqui questões político-filosóficas, a ciência nunca foi neutra e se calhar esta não é a sede para o fazer.
Para terminar, refiro ainda um outro aspecto e quase que diria que a Sr.ª Deputada, hoje, parece que padece do anti-americanismo primário, porque quanto à vigência da lei de protecção dos casais homossexuais, em relação à possibilidade de adopção, não comentou experiências felizes, nos Estados Unidos, pois aí também há estudos e a Sr.ª Deputada preferiu, de facto, abster-se.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, terminou o debate do primeiro ponto da ordem do dia. Vamos passar ao segundo ponto, que consiste no debate do projecto de lei n.º 243/IX - Alteração à Lei Orgânica da Assembleia da República (PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes).
Para apresentar o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de sublinhar que a 1.ª Comissão, quando aprovou, por unanimidade, este relatório, teve ocasião de apreciar a forma como decorreu o seu próprio processo de preparação. Este é um projecto de lei com um regime sui generis, especial, e tudo justifica esse regime.
Quando se trata de pensar, ou de repensar, a organização e funcionamento dos serviços da Assembleia da República e, portanto, todo o conjunto de meios de que o Parlamento dispõe para levar a cabo as suas atribuições e competências, o processo deve ser especialmente cuidadoso,

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e foi cuidadoso neste caso. E o resultado que colheu de todos os quadrantes foi uma apreciação positiva - digo-o com a certeza decorrente do facto de ter feito diligências tendentes a acautelar a possibilidade de dizer o que acabo de afirmar.
Não é surpreendente esse resultado. A Assembleia da República, em legislatura anterior, tinha encetado o processo de reforma dos seus serviços, processo que chegou a trazer a Plenário e a ver aprovado, na generalidade, um diploma, mas foi impossível prolongar ou completar esse trabalho. No entanto, a reflexão então encetada encontrou desenvolvimento natural e amadurecimento nesta legislatura. E a linha de reforma que, no fundo, começou a despontar no século passado e que hoje é aqui trazida é uma linha de reforma extremamente positiva.
Julgo que uma lei como a que temos em vigor, lei que foi objecto de uma reforma moderada em 1993, tinha de ser revista hoje e é positivo que o seja nestas condições. Também a colaboração dos serviços, manifestada, designadamente, através da participação qualificada da Sr.ª Secretária-Geral, que, com larga experiência neste domínio, permitiu refinar os resultados, permitir-nos-á a todos, na especialidade, melhorar drasticamente o nosso quadro legal.
Há mais "vida" além da Lei Orgânica, obviamente! Por isso, foi possível à Assembleia da República, mesmo no actual quadro legal, modernizar-se, e muito, nestes anos. Foi assim que ela entrou na Internet; foi assim que criou novas ferramentas de trabalho que hoje as Sr.as Deputadas e os Srs. Deputados não dispensam e que os serviços utilizam; foi assim que foi criada uma nova componente audiovisual; foi assim que se criou um Canal Parlamento; foi assim que a Assembleia da República projectou os seus trabalhos, em vídeo e som, também via Internet, em todo o mundo. Tudo isso se fez no actual quadro legal e, todavia, é necessário aperfeiçoá-lo, que é o que está a fazer-se agora.
As opções da reforma não suscitaram em nenhum quadrante discussão ou dissenção, pelo contrário, sublinho, suscitaram geral aplauso.
Por um lado, prevalece a ideia de esvaziar a Lei Orgânica dos aspectos atinentes à própria composição das unidades orgânicas, domínio em que há uma grande reflexão a fazer. A Assembleia da República tem unidades orgânicas que datam de há muitos anos, o seu reajustamento à experiência de trabalho é, também, uma inevitabilidade e há todas as condições para o fazermos da forma adequada, através de resolução.
Por outro lado, resolvem-se e afirmam-se condições de modernidade no comando da gestão das questões administrativas da Casa. Aí, o reforço das competências do Secretário-Geral, como órgão, do Conselho de Administração, com as suas responsabilidades específicas, e o modo de gerir os dinheiros públicos devem - e é uma opção, a terceira, fundamental desta reforma - reconhecer a individualidade, o carácter sui generis do Parlamento como órgão de soberania. Não se trata de um serviço público directo nem de um instituto público mas, sim, de uma Câmara, com características originais que têm de ser plasmadas na sua própria lei de organização e funcionamento.
Tal eliminará por completo dúvidas, designadamente no relacionamento com o Tribunal de Contas, e há um largo rastreio, cuidadosamente feito, sobre quais os pontos de dúvida e de tudo o que é preciso clarificar. E tudo vai ser clarificado.
Sr. Presidente, permita-me que sublinhe que são adoptadas medidas de correcção de alguns dos instrumentos de gestão do pessoal de que a Assembleia da República hoje dispõe. Nesse sentido, foi travado um diálogo com o Sindicato dos Funcionários Parlamentares, que, julgo, continuará em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. É possível, julgo eu, reforçar o consenso que rodeia esta lei de organização e funcionamento.
Por último, há que deixar de chamar-lhe "lei orgânica", porque leis orgânicas são aquelas a que a Constituição reserva essa denominação. Esta deve ter o nome de "lei de organização e funcionamento dos serviços da Assembleia da República", ou outra denominação similar.
Julgo que, na especialidade, Sr. Presidente, haverá todas as condições para que este excelente trabalho se torne em lei da República com um consenso alargado e com condições para ser uma boa reforma dos serviços da Assembleia da República.
As minhas felicitações a todos aqueles que participaram até agora neste processo e votos de que ele tenha um êxito à altura da contribuição dada.

Vozes do PS, do PSD, do CDS-PP e do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Moura de Sá.

O Sr. João Moura de Sá (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 243/IX, subscrito por todos os grupos parlamentares, propõe uma alteração à Lei Orgânica da Assembleia da República.
Aprovada em 1988, com uma primeira alteração em 1993, a Lei Orgânica da Assembleia da República revela-se, nalguns pontos, desajustada das necessidades actuais. A realidade é que, desde a década de 80, mudou o enquadramento da generalidade dos serviços públicos, com a criação de novas formas de autonomia, a flexibilização de procedimentos e mais eficazes instrumentos de cooperação com entidades externas. Mas mudou também o ambiente tecnológico em que se processa o trabalho parlamentar, com a disponibilização de poderosos instrumentos de acesso à informação à escala global e novas formas de contacto com os cidadãos.
É neste contexto que surge este projecto de lei. Trata-se de uma alteração ao mesmo tempo inovadora e de extensão limitada. Aparentemente contraditória, a realidade é que esta afirmação faz todo o sentido.
É inovadora porque assume uma perspectiva realista face ao papel e impacto das estruturas na utilização dos recursos humanos e financeiros. Propõe-se que a estrutura orgânica da Assembleia da República possa ser objecto de proposta de resolução elaborada pelo Conselho de Administração a submeter ao Plenário. Está, deste modo, garantida a intervenção política, a sua publicitação e eficácia externa, evitando-se a rigidez de uma estrutura aprovada em lei. Os novos tempos, a evolução tecnológica, as solicitações internas e externas não são compatíveis com a excessiva rigidez das estruturas fixadas em diploma legal.
No entanto, é de extensão limitada porque não rompe radicalmente com a actual estrutura dos serviços do Parlamento nem altera substancialmente a Lei Orgânica. Optou-se propositadamente por clarificar competências, ajustar

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níveis de responsabilidade e desbloquear disfuncionalidades.
Em suma, esta revisão visa assegurar que: a Assembleia da República tenha um estatuto de autonomia patrimonial e financeira assegurada, consagrando explicitamente que os dispositivos que regulam as formas de tutela por parte do Governo em relação aos institutos públicos não se aplicam à Assembleia da República; o reforço da autonomia parlamentar no que toca à elaboração do Orçamento da Assembleia da República (o Orçamento da Assembleia da República é aprovado pelo Plenário previamente à aprovação do Orçamento do Estado, alterando-se também o regime de despesas); a actualização das normas sobre o património e instalações da Assembleia da República, de forma a incluir o novo edifício e o parque de estacionamento, construídos e pagos pela Assembleia da República; a reformulação das competências do Conselho de Administração, propiciando uma gestão mais moderna e eficaz; o ajustamento das competências do cargo de Secretário-Geral aos de outras instituições da República (importa aqui realçar a transformação do cargo de Adjuntos do Secretário-Geral, sujeitando-os a processo de nomeação análogo ao do Secretário-Geral, de forma a permitir-lhes receber competências delegadas e a garantir a substituição adequada do Secretário-Geral); a alteração do regime das comissões de serviço e das requisições, já que os regimes actuais continham limites que impunham substituições cegas que se podem revelar perturbadoras para os serviços e a sua eficácia.
Estas são as principais alterações preconizadas, alterações que, importa sublinhar, não significam um aumento da estrutura nem do quadro, regendo-se, pois, por princípios de contenção orçamental. Não constituem uma ruptura com a lei actualmente em vigor mas são alterações fundamentais, tendo em vista uma gestão mais moderna e eficaz da Assembleia da República.
Sr. Presidente, nesta fase, gostaria de elogiar e sublinhar o trabalho da Sr.ª Secretária-Geral e dos serviços…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … na elaboração da proposta que apresentaram ao Conselho de Administração relativamente à Lei Orgânica da Assembleia da República.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do BE.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria começar por felicitar o Sr. Deputado José Magalhães pelo excelente relatório que fez sobre esta matéria.
O Conselho de Administração debateu consensualmente esta reforma de alteração da lei Orgânica da Assembleia da República, órgão no qual também têm assento a Sr.ª Secretária-Geral e o representante dos trabalhadores. Naturalmente, por não ser possível fazê-lo de outro modo, tiveram de ser os Deputados a subscrever este projecto de lei e a remetê-lo à 1.ª Comissão, depois de admitido pelo Sr. Presidente.
A alteração da Lei Orgânica da Assembleia da República, aprovada nos anos 80 e alterada em 1993, visa, em nosso entender, objectivos que são fundamentais para seu funcionamento. O tempo encarregou-se de exigir essas alterações em matéria de organização interna e de normas que clarificam as relações com o Tribunal de Contas no que às auditorias dizem respeito.
Desde logo, a questão do estatuto de autonomia patrimonial e financeira da Assembleia da República apresenta uma nova e clara configuração. Na própria fundamentação do projecto de lei refere-se que "da autonomia administrativa, financeira e patrimonial da Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, resulta que os dispositivos que consagram formas de tutela por parte do Governo em relação aos institutos públicos não se aplicam à Assembleia da República" e que "tais princípios resultam da circunstância de a Assembleia ser um órgão de soberania e não um instituto público sob a tutela do Governo, como já propugnou o Tribunal de Contas" em várias situações de auditoria.
De facto, a Assembleia da República não é um organismo típico da Administração Pública; antes pelo contrário, é um organismo atípico e, acima de tudo, um órgão de soberania e não um instituto público que deva estar sujeito às mesmas regras, em termos de tutela do Governo, em matérias de administração. Aliás, isso mesmo tem sido propugnado pelo Tribunal de Contas em diversos acórdãos que assentaram nas várias auditorias já realizadas às contas da Assembleia da República.
Quanto aos planos de actividade, não faz sentido que os mesmos estejam consignados na Lei Orgânica, pelo que se propõe a sua eliminação.
A elaboração do Orçamento da Assembleia da República é, em nosso entender, a "pedra de toque" desta reforma, para além de outras, naturalmente. O calendário da sua elaboração, que é feita pelos serviços e coordenada pela Sr.ª Secretária-Geral, de acordo com os princípios e orientações do Conselho de Administração e a ele sujeito para eventuais alterações e aprovações para envio a Plenário, é alterado, passando o Orçamento da Assembleia da República a ser aprovado pelo Plenário previamente à aprovação do Orçamento do Estado, para que a verba a inscrever neste seja a definida pela Assembleia da República e não a fixada pelo Governo, situação que tem criado algumas dificuldades ao Conselho de Administração.
No que respeita aos saldos de gerência, é reforçado o princípio da transferência automática dos mesmos, não ficando sujeito a qualquer interpretação redutora da autonomia da Assembleia da República.
Também é alterado o regime de despesas, clarificando-se que não é aplicável à Assembleia da República o regime do Decreto-Lei n.º 155/92 e acaba-se assim - esperemos! - com a divergência de entendimento que tem existido entre a Assembleia da República e o Tribunal de Contas sobre esta matéria.
Faz-se a integração plena do património, como já aqui foi referido, designadamente do edifício novo, do parque de estacionamento e de outros edifícios comprados pela Assembleia da República e onde estão sedeadas entidades dependentes da Assembleia da República, ainda que apenas para efeitos de financiamento.
Sublinho ainda a questão da modernização da direcção da Assembleia da República. O próprio Presidente da Assembleia da República, o Conselho de Administração e a Conferência de Líderes têm toda a possibilidade de intervir sobre estas matérias e não faz sentido que não se modernize exactamente neste domínio. Tal passa pela atribuição de novas competências ao Secretário-Geral e pela

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criação de dois cargos novos - adjuntos do Secretário-Geral -, que deverão estar sujeitos, dentro da mesma linha, a proposta e parecer favorável do Conselho de Administração para nomeação pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, o que é correcto em nosso entender.
Faz-se ainda uma adaptação às novas realidades e às exigências do trabalho parlamentar, para que as questões das unidades orgânicas e do próprio quadro de pessoal, que deverão obter proposta e parecer favorável do Conselho de Administração para envio a Plenário, assegurem a garantia da estabilidade sem levantar qualquer problema.
Também o Sindicato dos Funcionários Parlamentares se debruçou sobre este projecto de lei e as alterações que forem consideradas convenientes, por proposta do Sindicato, deverão ser acolhidas em sede da 1.ª Comissão e colocadas em debate na especialidade.
É esta a disposição do Grupo parlamentar do PCP, para que, em sede de Comissão, trabalhemos para melhorar ainda mais a proposta oriunda do Conselho de Administração.

Vozes do PCP, do PS, do BE e do Deputado do PSD Luís Marques Guedes: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos hoje a tratar de matéria sobre a qual consideramos ser necessário debruçarmo-nos. Aliás, já na anterior legislatura, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tinha apresentado uma proposta, na qual este projecto de lei foi "beber" algumas soluções.
Tal como já aqui foi dito hoje, o corpo fundamental da Lei Orgânica da Assembleia da República, oriundo de 1988, para se tornar actual, já teve de incorporar muitas medidas avulsas e, portanto, urgia debatermos e alterarmos esta matéria.
Queria apenas sublinhar os aspectos fundamentais que foram consensualizados no Conselho de Administração.
Desde logo, um primeiro aspecto é o da flexibilização da própria estrutura legislativa, no sentido de abandonar o modelo de gestão das unidades orgânicas através de lei, dando liberdade para que a gestão administrativa, de pessoal e a própria organização possa ser feita através de resolução, garantindo que o Plenário não é afastado dessa solução.
Um segundo aspecto é que esta não é uma proposta de ruptura com a anterior, mas sim, sobretudo, de melhoramento e modernização, procurando incorporar novos aspectos de gestão decorrentes das necessidades que o tempo foi sugerindo, apontando, desde logo, para uma nova configuração das competências do Secretário-Geral e para a possibilidade de ele poder ser substituído e delegar competências nos seus adjuntos. Trata-se de uma nova solução em termos de gestão, com a qual concordamos plenamente, bem como com algumas alterações no âmbito das comissões de serviço e das requisições de pessoal que pode apoiar a Assembleia da República, mantendo a audição dos órgãos representativos dos trabalhadores, mas adequando estas figuras à própria legislatura e não a processos autónomos decorrentes da lei geral.
Um terceiro aspecto, já aqui referido, tem a ver com a autonomia, que era uma zona cinzenta em diferentes aspectos - o Tribunal de Contas, por várias vezes, fazia-nos remeter como para um órgão tutelado pelo próprio Governo -, querendo realçar que não estaremos sujeitos à cativação de verbas que é determinada pelo Governo para os seus órgãos dependentes, passando a haver autonomia no aspecto financeiro e noutros (que agora não vale a pena sublinhar), uma caracterização de perfeita autonomia e não de paralelismo com qualquer outro órgão tutelado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - No que respeita às modernizações que entretanto foram introduzidas, queria sublinhar o que diz respeito ao património da Assembleia e às novas competências ou, pelo menos, à adequação das competências que o Conselho de Administração já tinha mas que não estavam, nalguns casos, devidamente clarificadas, tendo esse aspecto ficado agora totalmente esclarecido. Importa sublinhar que zonas de dúvida e de lacunas que vinham sendo assinaladas procuram agora estar, pelo menos aquelas que já tinham sido detectadas, totalmente salvaguardadas, designadamente um aspecto peculiar e que esta Legislatura veio determinar: a responsabilidade financeira do período entre o momento em que cessa a gestão de um Conselho de Administração e o dia em que toma posse o novo Conselho de Administração. Esta é matéria que não estava totalmente esclarecida e que, actualmente, fica clarificada, assim como o regime do pessoal de apoio, quer aos grupos parlamentares, quer aos gabinetes dos respectivos órgãos da Assembleia, permitindo-lhes uma situação que penso protegê-los melhor do que a actual situação.
Em suma, o que se pretendeu, no fundo, com este diploma foi modernizar, actualizar e dar melhores condições. Por isso, o Grupo Parlamentar do PS apoia esta linha de força.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou ser muito breve dado que as referências que pretendia fazer já foram feitas por outros Srs. Deputados, aliás melhor do que seriam feitas por mim.
Subscrevendo, pois, aquilo que foi dito, quero apenas elogiar o relatório elaborado pelo Sr. Deputado José Magalhães, que é um trabalho magnífico, sendo de realçar o trabalho das Comissões quando tem essa qualidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Desejo igualmente realçar o trabalho da Sr.ª Secretária-Geral da Assembleia da República e dos serviços, que elaboraram uma primeira proposta, depois trabalhada no Conselho de Administração.
Esta alteração melhora substancialmente a Lei Orgânica da Assembleia da República, que pode, no futuro, voltar a ser alterada de forma a ficar ainda melhor.
Concluo, dizendo que esta alteração reúne o consenso de todos os partidos e resulta de um trabalho positivo dos serviços e da Sr.ª Secretária-Geral, pelo que estou muito feliz.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, chegou ao fim este ponto da ordem de trabalhos.
Antes de anunciar a ordem do dia da sessão de amanhã e de encerrarmos os trabalhos, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para anunciar à Câmara a entrada na Mesa de vários diplomas.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 72/IX - Adapta a legislação penal portuguesa ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional, tipificando as condutas que constituem crimes de violação do direito internacional humanitário, que baixa à 1.ª Comissão; 73/IX - Estabelece o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, que baixa à 1.ª Comissão; 75/IX - Aprova o regime da prevenção e repressão de actos ilícitos praticados a bordo de aeronaves civis, em voos comerciais, que baixa à 1.ª Comissão; 76/IX - Altera a Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro - Lei da Nacionalidade, que baixa à 1.ª Comissão; e 77/IX - Autoriza o Governo a legislar sobre a Casa do Douro, aprovando os novos estatutos e respectivo regulamento eleitoral, que baixa à 10.ª Comissão; e o projecto de lei n.º 310/IX - Alteração da Lei-Quadro da Criação de Municípios (PSD), que baixa à 4.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, a ordem de trabalhos da reunião plenária de amanhã consta da discussão do projecto de lei n.º 112/IX - Adopta medidas legais tendentes a instituir e viabilizar o cartão do cidadão, apresentado pelo PS, tratando-se de um agendamento potestativo deste partido.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Eduardo Artur Neves Moreira
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Henrique José Monteiro Chaves
Maria Assunção Andrade Esteves
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Socialista (PS):
António José Martins Seguro
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
José António Fonseca Vieira da Silva
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves

Partido Popular (CDS-PP):
Luís José Vieira Duque

Bloco de Esquerda (BE):
Joana Beatriz Nunes Vicente Amaral Dias

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
António Fernandes da Silva Braga
Francisco José Pereira de Assis Miranda

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Carlos Jorge Martins Pereira
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José Manuel Pereira da Costa
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
João Barroso Soares
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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5417 | I Série - Número 129 | 05 de Junho de 2003

 

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