O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 5443

Sábado, 7 de Junho de 2003 I Série - Número 131

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE JUNHO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Fernando Santos Pereira
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado


S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 305 a 307/IX, 309/IX e 311/IX e do projecto de resolução n.º 153/IX.
Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 288/IX - Reconhece o estatuto de Panteão Nacional à Igreja de Santa Cruz, em Coimbra (PSD), tendo feito intervenções os Srs. Deputados Miguel Coleta (PSD), Fausto Correia (PS), Luís Duque (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Luís Fazenda (BE).
Procedeu-se à apreciação do Decreto-Lei n.º 57/2003, de 28 de Março - Altera pela segunda vez o Decreto-Lei n.º 122/98, de 9 de Maio, que aprova as 1.ª e 2.ª fases de reprivatização indirecta do capital social da sociedade Transportes Aéreos Portugueses, S. A. [apreciação parlamentar n.º 48/IX (PCP)]. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado das Obras Pública (Jorge Costa), os Srs. Deputados Bruno Dias (PCP), Fernando Pedro Moutinho (PSD), Nelson Baltazar (PS), Luís Fazenda (BE) e Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP).
O Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de Abril - Cria a rede de cuidados primários [apreciações parlamentares n.os 49/IX (PCP) e 50/IX (PS)] foi também apreciado, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Saúde (Carlos Martins), os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), Luís Carito (PS), José António da Silva (PSD), Joana Amaral Dias (BE), Paulo Veiga (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes) e Luísa Portugal (PS).
A Câmara apreciou o Decreto-Lei n.º 69/2003, de 10 de Abril - Estabelece as normas disciplinadoras do exercício da actividade industrial [apreciação parlamentar n.º 51/IX (PS)], tendo usado da palavra, a diverso título, além da Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços (Maria do Rosário Ventura) e do Sr. Secretário de Estado do Ambiente (José Eduardo Martins), os Srs. Deputados Pedro Silva Pereira (PS), Almeida Henriques (PSD), Miguel Paiva (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 35 minutos.

Página 5444

5444 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Jorge Fidalgo Martins
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Augusto Clemente de Carvalho
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte

Página 5445

5445 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís José Vieira Duque
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Vicente José Rosado Merendas

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Fernando Santos Pereira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 305/IX - Altera a Lei de Bases do Sistema Educativo (BE), que baixou à 7.ª Comissão, 306/IX - Aprova a Lei de bases da educação (PS), que baixou à 7.ª Comissão, 307/IX - Aplicação efectiva dos suplementos, compensações e outros regalias de risco, penosidade e insalubridade (PCP), que baixou à 8.ª Comissão, 309/IX - Lei de bases das comunicações electrónicas (PS), que baixou à 9.ª Comissão, e 311/IX - Define um sistema nacional de coadjuvação docente especializada nos estabelecimentos públicos do ensino básico (BE), que baixou à 7.ª Comissão; e projecto de resolução n.º 153/IX - Sobre a aplicação da lei de protecção de crianças e jovens em risco e da Lei da adopção (PCP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o primeiro ponto da ordem do dia de hoje consta da apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 288/IX - Reconhece o estatuto de Panteão Nacional à Igreja de Santa Cruz, em Coimbra (PSD).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coleta.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção, quero deixar uma pequena nota. Creio não ter sido essa uma praxe parlamentar muito comum nesta Câmara, mas é bom lembrar que os projectos que aqui chegam normalmente têm pessoas por detrás deles, pessoas que trabalharam para que eles aqui chegassem. Por isso, começo por agradecer aos meus colegas de bancada de Coimbra, que comigo trabalharam na pesquisa deste projecto, ao grupo parlamentar, mas muito particularmente ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, que está aqui hoje connosco numa das tribunas e que, desde o início, acarinhou esta ideia e, de algum modo, apadrinhou a iniciativa, e também ao Sr. Vereador Nuno Freitas, que foi quem primeiro me falou desta ideia.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ao longo do tempo, o percurso da existência nacional foi revelando a sua natureza esquizofrénica.
A forma como cuidamos da História, a interpretação que fazemos dos factos históricos e a valorização que lhe atribuímos no nosso plano de referências podem ser relacionadas com o amor-próprio colectivo.
O misticismo nacionalista, presente ao longo de toda a nossa História, corresponde a uma fuga ao encontro com a realidade e é inerente ao comportamento de um povo, que, desde cedo, se achou sob protecção divina e, naturalmente, possuidor de um destino singular.
No século passado, este traço do nosso carácter foi abusivamente explorado em nome de uma desprezível ideologia totalitária, através do culto patológico da lusitanidade.
No entanto, como consequência de acções deliberadas, orientadas com fins políticos, ou somente de degeneração económica, social ou cultural, sobrevieram a esse abuso o desprezo e o esquecimento.
Um país moderno, confiante no seu futuro, deve viver em paz com o seu passado e saber honrar a sua História.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Hoje, o Plenário da Assembleia da República discute um projecto de lei, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, que visa atribuir o estatuto de Panteão

Página 5446

5446 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

Nacional à Igreja de Santa Cruz, em Coimbra, onde repousam os restos mortais do primeiro rei de Portugal.
Numa formulação particularmente feliz, Kant afirmou que a mitologia sem história é vazia e que a história sem mitologia é cega.
Apesar de toda a historiografia mítica da fundação, D. Afonso Henriques é um exemplo paradigmático das oscilações da nossa auto-estima colectiva. Apesar de assumir um lugar único e indisputável como fundador da nacionalidade, estranhamente esse facto não se tem reflectido na importância histórica e simbólica que lhe tributamos. Prova material disso mesmo é o local onde se encontra sepultado: a Igreja de Santa Cruz, em Coimbra.
Este templo, mandado erigir pelo próprio monarca, assumiu um papel crucial na afirmação da identidade nacional e na consolidação do seu poder político. Santa Cruz foi, ao mesmo tempo, o centro político e cultural de uma nova entidade político-administrativa. Este templo constituía a expressão sólida do vínculo do monarca com o poder divino.
Segundo José Mattoso, ao fixar a sua residência em Coimbra, D. Afonso Henriques tomou, talvez, "a mais transcendente de todas as suas decisões para a sobrevivência de Portugal como nação independente".
Segundo o mesmo autor, as consequências complexas desta deslocação espacial concorreram, todas elas, para o alargamento e consolidação do seu poder, mas também para a definição de uma identidade nacional.
Hoje em dia, esta Igreja passa despercebida no, felizmente vasto, conjunto dos monumentos nacionais. A maioria das pessoas desconhece que D. Afonso Henriques aí se encontra sepultado por sua vontade e ignora que o mosteiro é a herança material dos momentos mais significativos da fundação e, portanto, símbolo da nossa independência e da nossa identidade.
Não deixa de ser significativo que tenha sido D. Manuel I, durante um período excepcional de afirmação do nosso destino singular e universal, a indignar-se com as condições do sepulcro do nosso rei fundador e a promover uma grandiosa reabilitação.
Actualmente, apesar da recuperação da fachada e da limpeza dos claustros, o interior da Igreja atingiu níveis de degradação física absolutamente incompatíveis com a dignidade que o espaço deve merecer.
No seu testamento, D. Afonso Henriques deixou bem expressa a sua vontade, com as seguintes palavras: "(…) ao Mosteiro de Santa Cruz onde desejo sepultar o meu corpo (…)".
Este espaço é, portanto, o seu panteão há mais de oito séculos. Hoje, pretendemos apenas que este facto seja reconhecido pela força das leis de um país democrático, numa homenagem que se projecta também num tributo a todas as gerações que a História distinguiu pela sua grandeza.
D. Afonso Henriques, pela independência na determinação do seu próprio destino, pelo empenho que colocou na concretização dos seus planos, pela tolerância que evidenciou no relacionamento com as diferentes culturas das novas áreas conquistadas, é um símbolo elementar dos valores que constituem a matriz da nossa identidade nacional.
Termino, como comecei, citando Eduardo Lourenço, que escreveu que "a hora de nascimento de um povo não se compara a nenhuma outra. A de Portugal foi ao mesmo tempo simples e interminável".

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fausto Correia.

O Sr. Fausto Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Deputado Miguel Coleta, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, cumpre-me saudá-lo pelo projecto de lei que, em nome do seu grupo parlamentar, acaba de aqui apresentar, visando atribuir o estatuto de Panteão Nacional à Igreja de Santa Cruz, em Coimbra, com a consequente prestação de honras ao primeiro rei de Portugal e aos seus sucessores aí sepultados.
Quero dizer-lhe, de modo claro, que o seu projecto de lei merece o nosso apoio, porque se trata efectivamente de uma referência da fundação de Portugal, matriz da identidade nacional e símbolo da nossa independência.
Ressalve-se, no entanto - e devemos fazê-lo -, o efeito repetitivo, mimético, de eventuais consequências multiplicadoras de iniciativas semelhantes - assim a jeito de quem queria, e propõe, todos os anos, a criação de novas freguesias e de novos concelhos -, que não merecerão naturalmente o acordo que hoje aqui prestamos.
Sr. Deputado Miguel Coleta, a melhor homenagem que posso render-lhe é afirmar que estou certo de que V. Ex.ª tem como único e firme propósito o de homenagear D. Afonso Henriques e seus descendentes e não, naturalmente, o de fazer ressaltar ou ressurgir a sua figura de Deputado eleito pelo Círculo Eleitoral de Coimbra.
Uma outra homenagem que posso prestar-lhe é a de acreditar que esta iniciativa legislativa não procura esconder a hemorragia dos serviços descentralizados do Estado, que se tem verificado, nos últimos meses, em Coimbra. Recordo-lhe o encerramento do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), com sede em Coimbra, que, como sabe, foi uma iniciativa concreta de descentralização dos serviços no nosso país, levada a cabo pelo anterior governo; o encerramento do Instituto da História da Ciência e da Técnica - Museu Nacional da Ciência e da Técnica Doutor Mário Silva, com o ataque que se verificou ao patrono deste Instituto, por verbas ridículas; o encerramento do Centro de Medicina Desportiva de Coimbra, numa cidade com 45 000 estudantes universitários; o encerramento da delegação regional do IAPMEI…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fausto Correia, desculpe-me chamá-lo à ordem, mas a ordem do dia de hoje não é o encerramento dos serviços do Estado em Coimbra, tema muito digno, que certamente poderá tratar numa intervenção no período de antes da ordem do dia. A ordem do dia de hoje é a discussão do projecto de lei sobre as honras do Panteão Nacional à Igreja de Santa Cruz, em Coimbra.
Chamo-o à ordem e peço-lhe que acate o meu apelo.

O Orador: - Com o devido respeito que tenho por V. Ex.ª, quem formata a minha intervenção de Deputado, eleito pelo Círculo Eleitoral de Coimbra, sou eu próprio.

O Sr. Presidente: - Mas quem impõe o respeito pela ordem do dia sou eu, Sr. Deputado.

Página 5447

5447 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

O Orador: - Então, refiro só que, surpreendentemente, Sr. Presidente, nos últimos dias, fechou também as portas a delegação regional do Instituto Nacional do Desporto.
Ora, estou certo, Sr. Deputado Miguel Coleta, de que V. Ex.ª e os Deputados do PSD eleitos pelo Círculo Eleitoral de Coimbra naturalmente não podem estar de acordo com esta política governamental para a cidade de Coimbra (cidade, concelho, distrito e região). Nós, pelo nosso lado, não estamos com certeza, porque nos recordamos das promessas feitas em pré-campanha e campanha eleitoral pelo, então, candidato a Primeiro-Ministro, quando falava do ressurgimento da importância de Coimbra no contexto nacional. Pelos vistos, o ressurgimento traduz-se neste tipo de consequências.
Por isso mesmo, estou também certo e seguro de que, em momento oportuno, quando estes casos de desprestígio e de ataque à auto-estima de Coimbra forem discutidos na Casa da democracia, V. Ex.ª e os seus colegas Deputados do PSD eleitos pelo Círculo Eleitoral de Coimbra saberão estar do nosso lado contra este ataque à cidade de Coimbra, ao seu concelho, ao seu distrito e à sua região.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Duque.

O Sr. Luís Duque (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De templo consagrado aos deuses, na Antiguidade grega e romana, conservando-se o mais famoso, o de Roma, fundado no tempo de Augusto e onde se encontram os túmulos de Rafael e dos reis de Itália, é hoje um Panteão, monumento funerário devotado "aos grandes homens pela pátria reconhecidos", como dizia Eça de Queirós nas suas Notas Contemporâneas.
Em França, o primeiro da era moderna instalou-se na antiga Igreja de Santa Genoveva, laicizada pela Revolução, e nele repousam os restos mortais de personalidades tão distintas e controversas, mas todas notáveis de França, como Voltaire, Marat, Victor Hugo, Zola e alguns presidentes da República.
Seguiu-se a Inglaterra, que elegeu para Panteão Nacional a Abadia de Westminster.
Em Portugal, a ideia chega em 1836, abrindo-se logo uma discussão sobre a sua localização - aliás, à boa maneira portuguesa! Uns, defendiam uma construção nova, semelhante ao antigo Panteão romano; outros, sugeriam o aproveitamento de um dos edifícios que haviam recebido dos mosteiros religiosos.
Em 26 de Setembro desse ano, foi publicado um decreto da Rainha que destinava a Panteão um dos edifícios nacionais, dizendo, logo no seu artigo primeiro, que acolheria as cinzas dos grandes homens mortos depois de 24 de Agosto de 1920 e que "nenhum cidadão poderá receber esta honra, senão quatro anos depois da sua morte".
Aproveitou-se, na altura, para Panteão Nacional, o Mosteiro dos Jerónimos, onde têm o seu túmulo alguns reis, príncipes e outros notáveis portugueses.
Posteriormente, em 29 de Abril de 1916, o governo republicano, publicou, em Diário do Governo, a Lei n.º 520, destinando a Panteão Nacional a Igreja de Santa Engrácia, onde, hoje, permanece.
Fundado em 1568, este monumento teve uma construção cheia de percalços, foi pilhado, ruiu e foi reconstruído, num processo só terminado já em meados do século passado e sob orientação, de entre outros, de um grande arquitecto, Raul Lino, mantendo, todavia, a traça aprovada em 1653.
Já mais recentemente, a Lei n.º 28/2000, de 29 de Novembro, revogando o já referido Decreto de 26 de Setembro de 1836 e a Lei n.º 520, de 29 de Abril de 1916, vem dar novo regulamento às honras do Panteão Nacional.
É instalado, definitivamente, o Panteão na Igreja de Santa Engrácia e alargados os pressupostos para a concessão das honras do Panteão, diminuindo o prazo para a sua concessão, desde a data da morte dos cidadãos distinguidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, discutimos um projecto de lei, em boa hora apresentado por um grupo de Deputados do PSD, que, desde já, saúdo pela iniciativa, assim como o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, propondo a alteração da Lei n.º 28/2000 e visando alargar a instalação do Panteão Nacional à Igreja de Santa Cruz, em Coimbra, para, desta forma, honrar D. Afonso Henriques - fundador da Pátria e da Nacionalidade - e todos os seus sucessores aí sepultados, o que, por si só, merece todo o apoio da nossa bancada.
Sendo justíssima esta alteração à Lei, que tem a preocupação de delimitar a concessão da honra ao seu uso e fim exclusivo, salvaguardando o seu carácter extraordinário, ao Mosteiro de Santa Cruz, ela abre também, neste momento, a possibilidade de homenagear a memória de outros ilustres portugueses, que igualmente se distinguiram por serviços prestados ao País, sepultados noutros locais históricos e cuja trasladação está igualmente fora de causa, para o Panteão Nacional, seja por vontade própria, seja por outros motivos.
E lembro os que estão no Mosteiro dos Jerónimos, na Batalha, no Panteão Real de São Vicente de Fora e muito particularmente, por se tratar do distrito pelo qual fui eleito, recordo a belíssima Igreja de Santa Maria da Graça, em Santarém, onde se conserva o túmulo, em campa rasa, de Pedro Álvares Cabral.
Começado a construir em 1380, tem o Estado português investido muito na recuperação deste monumento gótico, reconhecendo-lhe o seu valor histórico e arquitectónico. É um ex-líbris da cidade de Santarém, que acolhe um dos vultos heróicos que mais ilustrou a sua Pátria e com grandes serviços prestados à humanidade. Portugal deve-lhe esta honra.
Por isso mesmo, a alteração proposta ao artigo 1.º do projecto de lei ora em discussão, merecia ser ponderada no sentido de, sem vulgarizarmos a distinção, estendermos a qualificação extraordinária que se pretende conceder ao Mosteiro de Santa Cruz aos outros monumentos que referi, nomeadamente à igreja onde repousam os restos mortais do grande descobridor do Brasil.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por saudar a presença do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Coimbra nesta Casa, que tão bem conhece, e, por seu intermédio, toda a vereação da Câmara e todos os munícipes da cidade de Coimbra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com gosto que apoiamos esta iniciativa. De facto, reconhecemos validade à

Página 5448

5448 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

proposta no sentido de considerar que os restos mortais do fundador da nacionalidade portuguesa tenham honra do Panteão Nacional, parece-nos que faz sentido, e, também, é óbvio para nós que, estando o primeiro rei de Portugal sepultado em Coimbra, por sua expressa vontade, na Igreja de Santa Cruz, não faz sentido haver uma transladação dos seus restos mortais para outro local.
Portanto, do nosso ponto de vista, tem toda a lógica que seja atribuída a honra do Panteão Nacional à Igreja de Santa Cruz e, nesse sentido, iremos apoiar esta iniciativa legislativa.
No entanto, queremos sublinhar como positivo o seu carácter excepcional, porque nos parece que não seria bom princípio se a Assembleia da República vulgarizasse quer a transladação dos restos mortais de personalidades de grande mérito (seguramente, há muitas personalidades de grande mérito na História de Portugal) para o Panteão Nacional, quer a atribuição de honras do Panteão a vários locais, a vários mosteiros, a várias instituições religiosas. Parece-me que não se deveria ir por aí. Portanto, sublinhamos a excepcionalidade desta iniciativa que, como disse, merece a nossa concordância.
Sr. Presidente, porque foi feita uma referência ao estado de degradação em que se encontra a Igreja de Santa Cruz, o que não será muito digno para um monumento em relação ao qual vai ser atribuída a honra do Panteão Nacional, particularmente, o Governo, que tem responsabilidades nesta área, deve tomar em devida conta a aprovação desta lei e fazer um esforço de recuperação deste monumento. É que não basta atribuir a honra, é preciso também, já agora, actuar em conformidade com a honra que se concede.

Aplausos do PCP e de Deputados do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo também por saudar o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Coimbra e, por seu intermédio, os seus munícipes.
Depois deste "míssil" teleguiado para o Palácio da Ajuda pelo Sr. Deputado António Filipe, quero sublinhar que apoiamos esta iniciativa e consideramos o seu mérito. De facto, ela é interessante a vários níveis: por um lado, descapitaliza o Panteão Nacional, que não fica apenas sediado em Lisboa, e, por outro, pelo seu significado.
Não sei exactamente o que se cruza, se uma identidade que ali se formou, se os alvores da nacionalidade; de qualquer forma, o proponente da iniciativa referiu as teses do Prof. Mattoso, mas referiu-se apenas em parte à consolidação da nacionalidade que foi possível gerar a partir de Coimbra e onde Santa Cruz foi uma plataforma logística muito importante e um centro cultural, já na altura, razoavelmente universalizado no sul da Europa com os intercâmbios que mantinha.
Mas a questão mais importante, e que o Prof. Mattoso também refere, é, talvez, o facto de Coimbra, Santa Cruz, praticamente por epígrafe, ter permitido uma evolução social decisiva para a consolidação da nacionalidade. E isso fez-se na medida em que se libertou dos cavaleiros galegos, minhotos, desse tipo de fidalguia mais fideicomissa, tendo, nesse aspecto, alargado uma base social de apoio importantíssima, porque, aí, Coimbra foi um precedente europeu na libertação do estatuto servil da terra.
Creio que é importante recordar estes pontos da História, porque terão, talvez, mais alguma intencionalidade do que o facto de se darem honras do Panteão, e explicar aquilo que foi a real politic de um nosso primeiro rei, aliás, quase um analfabeto, mas extraordinariamente iluminado, beneficiando agora de uma das consequências do Iluminismo, que são as honras do Panteão.
Ainda como interessante, recordo palavras de Aquilino Ribeiro, com muito humor, em Príncipes de Portugal, suas Grandezas e Misérias (lamentavelmente esgotado há muitos anos esse título), em que entre a lenda e a história, certamente de modo muito ficcional, são saborosas as páginas onde nos escreve, em Santa Cruz, o dissídio que teve com o emissário do Papa, e a lenda de O Bispo Negro, que, sendo uma lenda nunca confirmada, mostra, talvez, a verve, o talento, de Afonso Henriques e, sobretudo, e muito mais do que isso, o "braço de ferro" que teve com o "Conselho de Segurança" da época e a forma como regulou a partilha de soberania.

Risos.

São aspectos absolutamente decisivos na culturalidade e na projecção histórica do nosso país.
Sr. Presidente, reiterando o mérito desta iniciativa e dos seus proponentes, muito além de qualquer questiúncula política local e na arquitectura daquilo que soi designar-se as honras do Panteão, hoje entre Lisboa e Coimbra, finalizo, dizendo para não se desenvolverem como cogumelos pontos de Panteão, sendo que o País se reveja naqueles que têm a memória da sua História.

Aplausos do PCP e de Deputados do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições, antes de dar por encerrada a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 288/IX, também quero deixar uma saudação amistosa ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Coimbra e felicitar os Srs. Deputados eleitos pelo Círculo Eleitoral de Coimbra por esta iniciativa.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do Decreto-Lei n.º 57/2003, de 28 de Março - Altera pela segunda vez o Decreto-Lei n.º 122/98, de 9 de Maio, que aprova as 1.ª e 2.ª fases de reprivatização indirecta do capital social da sociedade Transportes Aéreos Portugueses, S. A. [apreciação parlamentar n.º 48/IX (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado das Obras Pública, Sr.as e Srs. Deputados: Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 57/2003, de 28 de Março, o Governo quis levar ainda mais longe as intenções, já antigas e mal disfarçadas, de segmentação, desmembramento e privatização da transportadora aérea nacional.
Estamos perante nada mais nada menos do que o diploma legal que consubstancia o alfa e o omega de toda a estratégia do Governo e da maioria para o transporte aéreo em Portugal.
Para além da venda a retalho da companhia aérea de bandeira, o que aparece são as consensuais e costumeiras declarações de louvor à TAP, aos seus trabalhadores, à sua importância enquanto empresa de bandeira, enquanto

Página 5449

5449 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

elo de ligação com as comunidades portuguesas, enquanto valor de modernidade, enquanto factor de promoção da imagem de Portugal.
Todas estas afirmações são verdadeiras. E podem ser levadas ainda mais longe: podem ir ao ponto de se afirmar que a TAP é, ela própria, um valor estratégico para a soberania nacional.
Mas depois de tudo isto, há que ser consequente e reconhecer essa verdade indesmentível (dolorosa para alguns, é certo, mas indesmentível) de que a TAP Air Portugal é tudo isto enquanto empresa de capitais exclusivamente públicos! É em grande medida graças a essa condição de empresa de capitais públicos que a TAP, hoje, avança no sentido da recuperação.
Enfrentando uma conjuntura internacional particularmente difícil, destacando-se pela positiva num contexto desfavorável, quando são várias as companhias aéreas privadas que fecham as suas portas, a transportadora aérea nacional demonstra, com a sua experiência concreta, que a viabilidade e a consolidação económicas não se alcançam com privatizações, antes pelo contrário.
Aliás, é essencial retirar as devidas conclusões e ensinamentos da experiência vivida a este respeito no passado recente da companhia - e não é isso que o Governo está a fazer. Senão, veja-se: a anterior tentativa de privatização da TAP, levada a cabo pelo Governo PS, quase conduziu ao desaparecimento da empresa. Agora, passado o testemunho ao PSD e ao CDS-PP, este Governo recupera os mesmos objectivos, a mesma receita e o mesmo discurso, apenas com uma diferença: agrava-se ainda mais a ofensiva na segmentação e alienação de sectores estratégicos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

O Orador: - É essa a essência do decreto-lei que estamos a apreciar. Retoma-se o diploma de má memória que desencadeou o processo Swissair, reafirma-se o seu propósito e leva-se ainda mais longe o que de mau já se consagrava. Desta feita, assume-se o corte definitivo e irreversível de toda a actividade da assistência em escala.
A TAP, enquanto empresa prestadora de serviços de handling, pura e simplesmente, desaparece! De tanto que o Governo e a maioria falam de imagem de marca, nem a marca nem o nome ficam nessa nova empresa. Mais: a assistência aos voos da própria TAP, determinante para garantir a sua autonomia operacional, fica, também ela, no domínio da nova sociedade Serviços Portugueses de Handling, S. A., que, nos termos deste Decreto-Lei, verá alienada a maioria do seu capital.
Ou seja, a TAP perde o negócio da assistência em escala a terceiros, que hoje apresenta equilíbrio financeiro e resultados positivos (citando o Eng. Cardoso e Cunha) e, como se não fosse bastante, ainda é forçada por este Governo a renunciar às suas próprias estruturas de apoio, cuja utilização depois terá de pagar a terceiros! É isto que se afirma textualmente no preâmbulo do Decreto-Lei e é isto que se concretiza no seu articulado, designadamente no artigo 19.º.
Entretanto, o Governo continua sem demonstrar que a TAP não ficará a perder (e muito) com este negócio obviamente tão apetecível para os interesses privados. E não o demonstra porque não tem condições de o fazer! Aliás, essa incapacidade de legitimar e sustentar estas medidas ficou bem à vista no debate de urgência em Plenário, sobre a situação da TAP, realizado no passado dia 30 de Abril por iniciativa do PCP.
O Governo e a maioria recorrem, desde o início, a dois argumentos.
O primeiro é o de que Portugal está em transgressão face à Directiva 96/67/CE e que a única maneira de cumprir essa Directiva é a alienação e a privatização do handling da TAP. E nós demonstramos que não é verdade.
Desde logo, porque a transposição dessa Directiva para o direito nacional consagrou um regime transitório que ainda se encontra em vigor - donde não há transgressão nenhuma.
Depois, porque é possível cumprir a Directiva em questão sem sacrificar a TAP. Basta o Governo vender 11% do capital da Portway, que é o segundo operador já existente em Portugal, com 60% de capitais públicos. Aliás, a este propósito, importa sublinhar que o Governo terá que assumir, mais cedo que tarde, a responsabilidade política pelo quadro de concorrência verdadeiramente fratricida que está a acontecer já hoje no handling, com a Portway a praticar uma política de preços, prejudicial não só para si própria mas também para a TAP.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, porque não há directiva nenhuma no mundo que impeça qualquer companhia aérea de garantir a sua própria assistência em escala, sem que para isso tenha que depender de terceiros.
Quando confrontado com isto, o Governo muda de argumento. Diz que afinal este não é o problema de fundo e que a razão principal para esta opção assumida é o buraco financeiro da TAP.
Vejamos, então, o quadro económico e financeiro, isto é, o segundo argumento do Governo e da maioria.
Diz o PSD que estas medidas, "se não forem tomadas, levarão ao fim desta companhia tal como hoje a conhecemos, senão mesmo à sua falência". No fundo, é a repetição inalterada do discurso do então Sr. Ministro Jorge Coelho, que afirmava que a TAP fecharia as portas no mês seguinte se a privatização não avançasse. Foi o que se viu…
A diferença é que, hoje, a situação financeira da companhia é efectivamente menos grave do que era naquele momento, o que só vem tornar ainda menos credível a argumentação recauchutada do actual Governo nesta matéria.
Os números não são nossos - são do Eng. Cardoso e Cunha e do Eng. Fernando Pinto. Nos últimos dois anos, a TAP passou de um prejuízo de exploração de 122 milhões de euros para uma expectativa de resultados positivos de 12 milhões de euros no ano em curso. Os resultados operacionais têm sido positivos e com tendência para subir. Apesar do efeito do 11 de Setembro, o tráfego de transporte aéreo cresceu 5%. O mês de Abril já veio confirmar essa tendência.
E tudo isto se verifica quando já vão longe os famosos 180 milhões de contos da última injecção de capitais na TAP. Quando o Governo e a maioria invocam a proibição comunitária de ajudas estatais às companhias aéreas, importa aqui recordar que há quase uma década que o Estado português não dá um centavo (ou um cêntimo) à empresa a título de injecções de capital.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Página 5450

5450 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

O Orador: - O que os trabalhadores da TAP vêm exigindo há muito tempo para a empresa não são ajudas financeiras, é, sim, uma gestão competente e uma actuação política responsável. Aliás, o próprio Administrador Delegado da TAP avançou já, nesta semana, com um exemplo claro dessa falta de responsabilidade do Governo.
Não há nenhuma regulamentação que impeça Portugal de apoiar a sua companhia aérea (à semelhança do que fazem outros Estados), desde logo nos investimentos obrigatórios para o reforço da segurança. Neste último ano, a factura foi de 25 milhões de euros. Só neste capítulo, se Portugal seguisse o exemplo de outros países, a TAP pouparia o equivalente a 62,5% de todo o seu défice de tesouraria.
É caso para perguntar: onde é que anda o Governo com a sua vontade de salvar a TAP?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, o Sr. Ministro preferiu vir dizer publicamente que o caderno de encargos para a privatização da TAP é para aprovar antes do Verão. Quanto à prudência que o Governo apregoou para este processo, estamos conversados.
Aqui, no Plenário, o Sr. Ministro produziu a esclarecedora afirmação de que "a alienação da sociedade criada no âmbito da holding TAP, SGPS, não é feita à pressa,…"

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não é "à pressa", é com pressa!

O Orador: - "… mas, sim, feita com carácter de urgência". Quem tinha dúvidas ficou esclarecido.
Perante este quadro tendencial de recuperação financeira da TAP, fica a desconcertante imagem de um Governo que mais parece querer arrombar a porta antes que o fogo se apague! O mesmo é dizer: ultrapassado que está o argumento da directiva comunitária, o Governo e a maioria usam o pretexto do défice de tesouraria para segmentar e privatizar rapidamente e em força, antes que chegue o equilíbrio financeiro e a falta de argumentos se torne demasiado confrangedora.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nosso entender, o Decreto-Lei n.º 57/2003 é ilegal e inconstitucional. As organizações representativas dos trabalhadores da TAP, que, nos termos dos artigos 54.º e 56.º da Constituição da República e do artigo 18.º da Lei n.º 46/79, de 12 de Setembro, têm o inalienável direito de acompanhar e participar nos processos de reorganização das respectivas empresas, não foram tidas nem achadas em todo este processo.
O Governo ouviu a Comissão de Acompanhamento das Privatizações e deu-se por satisfeito; decretou a segmentação da companhia, ao arrepio da lei das comissões de trabalhadores e do próprio texto constitucional; e quer impor "a toque de caixa" um processo de alteração estrutural da empresa, sabendo como sabe que está a comprometer o seu futuro.
Se os diplomas anteriores eram (e foram) merecedores de críticas profundas e da oposição do PCP, por concretizarem as opções por uma estratégia que já punha em causa o futuro da TAP enquanto companhia de bandeira, o presente Decreto-Lei vai mais longe nessa orientação, assumindo um carácter ainda mais gravoso e inaceitável.
O PCP, por não aceitar esta opção irresponsável do Governo, rejeita frontalmente este Decreto-Lei e as medidas por ele definidas. Nesse sentido, apresentámos na Mesa da Assembleia da República um projecto de resolução com vista à cessação de vigência daquele diploma. E continuaremos a combater com firmeza e determinação esta afronta à TAP, aos seus trabalhadores e ao interesse nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dirigir-me ao Sr. Deputado Bruno Dias, que ouvi com muita atenção, mas que, efectivamente, nada trouxe a este debate para além do que já tinha dito num anterior. Talvez até por isso valha a pena relembrar alguns dos argumentos que, na altura, foram expendidos pelo PSD.
Mas antes de iniciar a intervenção, queria fazer um intróito. O Sr. Deputado Bruno Dias fez referência a afirmações do Administrador Fernando Pinto e esqueceu-se de dizer que, por exemplo, os resultados dos primeiros quatro meses deste ano eram inferiores a 2001 - estas são palavras dele - quando já se esperavam outros resultados. E, inclusive, era referenciado como uma das causas para tal o pré-anúncio das greves de dois dias na TAP.
Sr. Deputado, a agitação social pela agitação social tem, por vezes, consequências e, pelos vistos, teve estas consequências, segundo as palavras do Sr. Eng.º Fernando Pinto.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - O Governo é que as está a provocar!

O Orador: - Não diga que ele não tem razão nesta situação, já que, há pouco, o invocou por outra razão, quando quis procurar nas palavras do Sr. Eng.º Fernando Pinto argumentos para justificar o que defendia.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - São declarações públicas!

O Orador: - Também queria dizer-lhe que, por vezes, ao se retirarem as frases do contexto, perde-se a legitimidade e a força das palavras.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tenho em mãos um artigo de jornal - do qual, se calhar, retirou alguma da sua informação -,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Não foi desse artigo!

O Orador: - … no qual a IATA fez referência, de facto, a um aumento das taxas aeroportuárias e aos tais 62% de que o Sr. Deputado falou.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - As contas quem as fez fui eu!

O Orador: - Está escrito neste artigo, Sr. Deputado! É bom relembrarmos e percebermos que, por vezes, o que é

Página 5451

5451 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

válido para o conjunto do mercado europeu não é necessariamente verdade para o mercado nacional.
Sr. Deputado Bruno Dias, porque o tema é o mesmo e aqui os argumentos não mudam, vou reler algumas das frases que o PSD proferiu num anterior debate sobre esta matéria.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Para quem nos critica por dizermos sempre o mesmo…!

O Orador: - Penso que vale a pena fazê-lo para que, de facto, o que é essencial se mantenha nesta discussão.
E passo a ler: "A diferença em relação a outros momentos é que, nessas ocasiões, o Estado podia intervir na TAP." - o Sr. Deputado lembra-se de eu lhe ter dito isto? "Isso aconteceu com sucessivas injecções financeiras, sendo a última mais significativa, no valor de 180 milhões de contos, assegurada pelo Governo do então Primeiro-Ministro Prof. Cavaco Silva, com vista a permitir a reestruturação e consolidação financeira da TAP e a reconversão da sua frota.
O 'negócio' com a Swissair, que o governo anterior defendeu, partiu de uma premissa, que era a existência de um parceiro com grande capacidade financeira numa aliança global com outras companhias aéreas. Como é sobejamente conhecido, esta opção foi desastrosa, tendo posto em risco a sobrevivência da TAP.
Apesar destas vicissitudes, a TAP, através dos seus trabalhadores, soube compreender os sinais e as dificuldades, pois, sendo pessoas conhecedoras da complexidade do transporte aéreo, tiveram, ao longo destes últimos tempos, a capacidade de não pôr em causa as condições para a subsistência da TAP como companhia de bandeira.
A TAP é hoje, indiscutivelmente, uma referência nacional, o que é motivo de orgulho dos seus funcionários e do País. Mas todos sabemos que a TAP precisa de medidas de fundo que, caso contrário, se não forem tomadas, levarão ao fim desta companhia tal como hoje a conhecemos,…" - fui eu próprio que o disse - "… senão mesmo à sua falência".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - "A Sabena faliu. Várias outras companhias tiveram o mesmo destino ou têm graves problemas de sobrevivência.
Dirão alguns mais optimistas, ou, na minha opinião, mais demagogos e irresponsáveis, que 'enquanto o pau vai e vem, folgam as costas'. Não creio que esta expressão popular se aplique, hoje, à situação da TAP.
Portugal estava em transgressão junto da União Europeia por causa da inexistência de um operador independente de handling. Hoje, esta situação está salvaguardada, esperando-se que, até ao fim do ano, seja concretizada esta nova realidade.
A TAP precisa de ter uma maior e imediata disponibilidade financeira (…). Esta solução assegura um encaixe financeiro para a companhia.
A TAP precisa de estabelecer parcerias. A solução encontrada para o handling permite encontrar um operador forte no aeroporto de Lisboa e um parceiro estratégico para a gestão e eventuais novas oportunidades em outros aeroportos (…).
A TAP não vai vender património mais vai robustecer-se, vai agregar meios externos e experiências.
A TAP, SGPS, vai permitir um comando estratégico único para as várias unidades deste negócio.
Os funcionários do handling da TAP, à semelhança de todos os outros, verão asseguradas, no concurso, cláusulas que preservam as suas regalias e direitos.
As dúvidas e preocupações terão de ser desfeitas nas várias peças contratuais e nos acordos parassociais, bem como na lei.
Assim consegue-se salvar a TAP, pela sua reestruturação, preparando-a para outras oportunidades e dificuldades que o futuro ofereça.
Os trabalhadores da TAP sabem, como ninguém, que a agitação pela agitação não traz a solução, antes pode contribuir para que se reduzam as condições de êxito desta companhia.
Portugal e os portugueses precisam da TAP. A TAP só faz sentido enquanto constituir um espaço de afirmação de Portugal. É, pois, com esperança que o PSD encara esta reestruturação, já que vai permitir evitar que a TAP desapareça.
Os trabalhadores da TAP estarão atentos e todos os agentes políticos, incluindo a Assembleia da República (…), acompanharão este processo, de forma a que tudo o que é essencial seja assegurado.
Por isso, e para terminar, pergunto-lhe, Sr. Ministro:…" - que hoje não está presente, mas está o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, que vai poder responder-nos - "… está em condições de garantir que esta reestruturação é a mais adequada para a TAP? Está em condições de garantir que os direitos e regalias dos trabalhadores estão salvaguardados pela lei e por outras disposições, neste processo que pretendemos que seja uma boa solução para a TAP?".
Sr. Deputado Bruno Dias, já que parece que é uma quimera a história da Portway,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Porquê uma quimera?!

O Orador: - … matéria de que já se falou várias vezes, quer em comissão quer em Plenário num debate anterior sobre a TAP, também vale a pena dizer que ela não é solução para a TAP, por duas razões: a primeira é porque não permite um encaixe financeiro para a TAP e a segunda porque não resolve o problema da Directiva comunitária.
Também vou reler-lhe um conjunto de ideias em relação à Portway, de que o Sr. Deputado já devia ter conhecimento - pensava eu que já o conhecia.
Nos termos da Directiva 96/67/CE, do Conselho, de 15 de Outubro de 1996, relativamente ao regime de acesso ao mercado da assistência em escala nos aeroportos portugueses de Lisboa e Porto, os Estados-membros não podem limitar o número de operadores a menos de dois para cada categoria de serviço.
Além disso, a partir de 1 de Janeiro de 2001, pelo menos um desses operadores autorizados não pode ser controlado directa ou indirectamente: nem pela entidade gestora do aeroporto (ANA); nem por um utilizador que tenha transportado mais de 25% dos passageiros ou de carga registados no aeroporto durante o ano anterior ao da selecção dos prestadores (TAP); nem por uma entidade que controle ou seja controlada directa ou indirectamente por essa entidade gestora (neste caso, a Portway, que tem 60% ANA e 40% Fraport) ou por esse utilizador.

Página 5452

5452 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

A solução de privatizar o handling da TAP é a que melhor defende o interesse público, motivo pelo qual não foi encontrada uma solução para o operador de handling independente no âmbito da Portway.
Infelizmente, não foi aproveitada a oportunidade à data da sua constituição para que a Portway tivesse uma configuração de operador independente."

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Nem naquela altura nem agora!

O Orador: - Era isso que o Sr. Deputado devia estar a criticar hoje!
"O acordo accionista baseou-se na possibilidade de, sendo uma empresa maioritariamente detida pela ANA, ter um acesso perpétuo e incondicional ao mercado de handling." Perpétuo e incondicional ao mercado de handling, sublinho!

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Ah!…, esse é que é o vosso problema!

O Orador: - "Assim, se esta situação se alterar, o mercado do handling não dispensaria a abertura por concurso para a entrada de um operador independente.
Acresce que a transformação da Portway em operador independente pela alienação da posição que a ANA detém na empresa tem os seguintes inconvenientes: não gera o encaixe financeiro indispensável para a reestruturação da TAP, tal como já referi há pouco; não dispensaria a abertura de um concurso público internacional para a entrada de um terceiro operador independente no mercado; implicaria a perda de mercado, o handling da TAP, desvalorizando fortemente esta unidade de negócio da empresa, com os consequentes prejuízos para a TAP; a perda de mercado iria gerar um excedente significativo de recursos humanos actualmente afectos a este sector de actividade da TAP; uma alteração das circunstâncias contratuais imposta pela ANA ao outro accionista da Portway, traduzida na perda do acesso incondicional ao mercado de handling, implicaria encargos significativos para a ANA, decorrentes da quebra da relação contratual.
A solução do caso da Portway deve ser encontrada pelos seus accionistas e não imposta pela tutela da ANA…", por esta Assembleia ou por qualquer um de nós, "… e deve cingir-se a critérios de estrita racionalidade de gestão, numa lógica empresarial, e não determinada por opções político-administrativas."
Sr. Deputado Bruno Dias, como pode constatar, não tem qualquer razão quando aponta este tipo de soluções.
Era, pois, importante que a discussão sobre a TAP se fizesse sempre com base no que pretende defender ou, pelo menos, afirma defender: a salvaguarda da TAP. É que a TAP só pode ser salvaguardada se não houver agitação que a assassine ou que a mate definitivamente.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - É o que a maioria está a provocar!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Importa reafirmar com toda a frontalidade que também o Partido Socialista está preocupado com a actual situação da TAP. Estamos preocupados porque, no passado recente, o actual Conselho de Administração da TAP, nomeadamente o seu Presidente, tem revelado uma falta de visão estratégica em relação a esta empresa.
Importa reafirmar que o Partido Socialista não se opõe à privatização de uma parte do capital da TAP, em coerência com o que defendeu e sustentou como necessário no passado. No entanto, sempre entendemos que o Estado, neste processo de procura de parcerias estratégicas em capital privado, deve continuar a ter uma posição maioritária que lhe possibilite o comando estratégico na gestão da TAP.
Perante as novas condições ditadas pelo último decreto-lei do Governo, tal situação não está garantida, com o que, como é evidente, não estaremos de acordo.
Queremos reafirmar neste debate que subscrevemos a solução de unidades de negócio autónomas na empresa, desde que sejam devidamente enquadradas pela voz de comando dos interesses do Estado, em que o objectivo principal seja reinvestir na melhoria da situação económica e financeira, na manutenção da qualidade de serviço e na afirmação deste grupo de empresas sob a sigla TAP.
Parece-nos que com a actual lei poderão não estar salvaguardadas estas condições, o que nos preocupa sinceramente.
Uma alienação que possa ser casuística e que vise "desnatar" a TAP nunca defenderemos. A TAP concretiza a sua estabilidade operativa em três grandes áreas de intervenção - operação aérea, manutenção e assistência em escala - que, com as suas sinergias, criam o equilíbrio financeiro necessário à empresa.
Estamos contra a ideia de privatizar sem efectuar primeiro a reestruturação da empresa. Só depois é possível avançar para o processo de parceria com capitais externos, sabendo que a assistência em escala dá resultados positivos e mantendo o Estado a sua posição maioritária.
Por outro lado, é preciso manter os níveis de qualidade da assistência em escala, porque o handling da TAP é um dos mais prestigiados e de melhor qualidade da Europa e porque só desta forma se conseguirão parceiros interessados e motivados em recuperar a estabilidade financeira.
Ao falar da TAP estamos a falar de uma companhia que, aquém e além fronteiras, granjeou um prestígio e uma importância assinalável para a economia nacional, uma companhia que constitui um património dos portugueses, em particular dos profissionais que nela trabalham, que daqui queremos saudar.
Têm sido os trabalhadores, também eles, que, nos últimos anos, têm desenvolvido e partilhado um esforço e uma participação activa durante o percurso que permitiu à TAP a assinalável recuperação, que é visível e noticiada por todos os órgãos de comunicação social.
Percebemos que a recomposição accionista seja necessária, de forma a assegurar a viabilidade de uma estrutura financeira equilibrada para a TAP. Sabemos que foi essa a razão que presidiu à definição do modelo avançado em 1998, sempre com o objectivo do controlo maioritário do Estado.
Sentimos que os momentos que se vivem no mercado de capitais e no sector do transporte aéreo aconselham e, sobretudo, exigem prudência, bom-senso no processo de privatização da companhia.

Página 5453

5453 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

Queremos manter uma orientação política que garanta a viabilidade da TAP como uma empresa de bandeira no contexto europeu e que hoje já injecta cerca de 600 milhões de euros na economia portuguesa.
Entendemos que é absolutamente necessário, mantendo o controlo do Estado: consolidar a operação aérea, fortalecendo as redes comerciais e melhorando a densidade e a qualidade da oferta; prosseguir a reestruturação da empresa e sanear a sua situação financeira; procurar parceiros estratégicos para a unidade de negócio que nesta fase é mais apelativa; motivar o acesso a novas capacidades tecnológicas, organizativas e de gestão do negócio a um nível superior ao actual; conseguir uma prestação de serviços de qualidade noutros aeroportos, abrindo novas frentes noutros mercados.
Em todos os passos apontados, é fundamental garantir os direitos dos trabalhadores, assumindo todos os mecanismos jurídicos e contratuais que assegurem o cumprimento da lei e o reconhecimento do esforço que por eles também já foi desenvolvido.
É fundamental garantir a hipótese de participação dos trabalhadores para subscrição preferencial do capital que vier a ser alienado. Qualquer parceiro externo de boa-fé entenderá que assim deverá ser, mantendo um nível de motivação, partilha e perseguição de objectivos modernos.
Hoje, já não é possível, nesta ou em qualquer empresa europeia que queira ser competitiva e que, para isso, necessite de promover uma reestruturação, atingir as metas a que se propõe, sem dialogar e partilhar os interesses, os objectivos e os benefícios com os seus profissionais.
É essencialmente por aqui que tem falhado o processo encetado por este Conselho de Administração: decidiu a segmentação sem consultar os seus naturais parceiros - os trabalhadores. Foi exactamente isso que nos disseram todos os seus representantes em audição na Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
Assim não! Assim, não é possível viabilizar de forma sustentada a TAP. Assim não é possível modernizar o seu modelo empresarial. Assim não é possível estabelecer um clima de paz social, imprescindível no caminho que é necessário percorrer e que aqui já foi invocado pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.
Até agora, e por força da actuação de quem tem conduzido este processo, nada nos garante que a TAP possa continuar a ser uma companhia una e uma companhia de bandeira.
Portanto, são legítimas as preocupações, as apreensões do que, na realidade, se esteja a tentar fazer nesta segmentação e que possa vir a comprometer a viabilidade de uma empresa como a TAP.
É absolutamente necessário resolver a situação da forma que hoje se apresenta como a mais acertada, assumindo que a solução exige perenidade, sustentabilidade para a TAP e sustentabilidade e perenidade para os profissionais que nela trabalham e que, até hoje, como todos sabemos, investiram vários anos de sacrifício e também de investimento pessoal na companhia.
A companhia TAP tem uma imagem no mercado e uma realidade operativa testada. Quer uma quer outra são de muita qualidade! Importa preservá-las.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas: Gostaria de abordar aquilo a que posso chamar "os tiques da maioria".
O Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho ainda há pouco referiu que este debate teria pouca utilidade, pouco interesse, era, mais coisa menos coisa, um remake de um debate que já se fez. Mas isso é uma profunda desvalorização de um dos principais instrumentos de fiscalização do Governo que esta Assembleia da República tem, porque este debate tem uma consequência: a possibilidade de interromper um processo legislativo do Governo, e por isso tem uma dignidade e uma eficácia própria. Portanto, não é compreensível que se desvalorize um instrumento de fiscalização do Governo, absolutamente essencial na separação e interdependência de poderes.
Um outro tique da maioria é o facto de o PSD e o CDS terem anuído à vinda a comissão, para prestar esclarecimentos, do Sr. Presidente do Conselho de Administração da TAP, o Eng. Cardoso e Cunha, antes de aqui vir o Sr. Ministro da tutela a um debate de urgência, em boa hora promovido, e, depois desse debate, terem dado o dito por não dito e agora já não quererem cá o Sr. Presidente do Conselho de Administração da TAP.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Está mal informado!

O Orador: - Porquê? Porque me parece óbvio que as declarações, no Plenário, do Sr. Ministro e as declarações, avulsas, que têm vindo a ser produzidas pelo Sr. Presidente do Conselho de Administração da TAP são razoavelmente discrepantes e, a bem de não se descobrir antes de tempo qual a verdade da estratégia (que não tranquiliza ninguém!) que está a ser seguida na TAP, há que impor aqui a impossibilidade do diálogo e do contraditório. É uma espécie de "lei da rolha" em relação à estratégia da empresa. Daí que eu, neste momento, repudie esses tiques da maioria que, aqui e além, vamos verificando na gestão deste dossier, como de outros.
No essencial, esta minha intervenção é para reafirmar a nossa oposição a um processo de segmentação e de privatização fatiada da empresa, questionando, inclusivamente, a oportunidade desta estratégia, para além da sua concepção de fundo.
Porém, aquilo que realmente nos inquieta hoje mais é não sabermos onde ficar: se nas declarações do Sr. Ministro feitas no Parlamento em relação à perenidade da companhia de bandeira e em relação a uma estratégia de salvaguarda da TAP; se naquilo que, de forma mais directa e, provavelmente, mais vinculativa, o Presidente do Conselho de Administração da TAP vai dizendo, ou seja, que a melhor estratégia de privatização é privatizar por partes e que a privatização é, ela própria, um encadeado.
Não que discutamos aqui a necessidade de parceiros estratégicos e de outras formas de associação e, até, de up-grading da TAP em relação à sua quota de mercado e ao seu desenvolvimento empresarial. Aquilo que parece estar ínsito numa estratégia que não está clara é exactamente aquilo que o Sr. Ministro da tutela aqui não disse, que é a privatização fatiada e a desalienação final de uma companhia de bandeira.
Face à incerteza das estratégias, face à ausência de explicações, nós só podemos estar de acordo com a suspensão deste Decreto-Lei e insistiríamos na necessidade de

Página 5454

5454 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

uma clarificação que permita, isso sim, tranquilizar todos os agentes na TAP - os trabalhadores -, porque, se Portugal perder alguns dos centros de decisão nacional e alguns dos seus símbolos mais importantes, fica com pouca capacidade de influenciar e de ter uma perspectiva de algum modo soberanista no contexto internacional. Como dizia o Sr. Presidente da República, e bem, sem centros de decisão nacional não há Nação. Mas esse é um problema que importaria, talvez bastante, ao CDS e ao PSD e não parece que venha a ocorrer nos tempos presentes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, permitir-me-ia corrigir uma afirmação feita há pouco pelo Sr. Deputado Luís Fazenda, a quem ouvi com toda a atenção, sobre a importância de um debate desta natureza. No que se refere ao pedido feito pelo PCP em 2 de Maio, anunciado em sessão plenária, no sentido de ser feito um conjunto de audições sobre o assunto da TAP envolvendo a Comissão de Trabalhadores e os sindicatos da TAP, envolvendo o Administrador Fernando Pinto, envolvendo o Presidente do Conselho de Administração, Eng. Cardoso e Cunha, e envolvendo um membro do Governo, queria informá-lo de que a Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações alterou, inclusivamente, o seu programa a fim de poder realizar essas audições em tempo útil, para o que obteve autorização do Sr. Presidente da Assembleia da República para prolongar os seus trabalhos para além de 3 de Julho. Estão, neste momento, agendadas essas audições e a única questão que há é a de saber - e será algo que decidirei em concertação com o PCP - se a vinda do Sr. Ministro ao Parlamento no dia 18 de Junho para fazer um balanço da situação do Ministério pode, por uma questão de economia, ser coincidente ou prolongada com este pedido de audição explícito do PCP sobre a questão da TAP.
Portanto, não houve qualquer tentativa, nem é dos meus hábitos, nem dos do meu partido, nem dos da maioria, de calar o debate. Da mesma maneira que não entendemos que se deva calar o debate, também entendemos que o debate só é válido quando se lhe dão inputs que são baseados em informações credíveis, e nem sempre é assim, mas a isso referir-me-ei mais adiante.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta Câmara foi convocada para apreciar o Decreto-Lei n.º 57/2003, que aprova as 1.ª e 2.ª fases de reprivatização indirecta do capital social da TAP.
Esta apreciação obriga-nos a compreender o melhor que pudermos o contexto em que a TAP actua, um contexto internacional difícil em termos de tráfego e custos, um contexto europeu marcado pelo respeito absoluto das regras do mercado aberto.
Durante muitos anos, o transporte aéreo foi um negócio fácil. Hoje, é um negócio difícil e exigente, de grande volatilidade e de grande concorrência. Este facto foi, aliás, o mote para a última reunião da IATA, em que se analisou os impactos do 11 de Setembro, do abrandamento da economia mundial, das guerras no Afeganistão e no Iraque e da pneumonia atípica, que tiveram um efeito devastador sobre a aviação civil comercial.
Segundo as conclusões do encontro da IATA, a que me referi, em 2002, os membros desta associação perderam cerca de 3800 milhões de dólares e diversos observadores referem claramente a falência do actual modelo de gestão das companhias aéreas. Companhias como a Swissair, a Sabena e a TWA, e muitas outras, mas refiro estas, que nos habituámos a ver voar, hoje já não existem.
A TAP não foge à regra em matéria de dificuldades. Ela é também uma empresa vulnerável, apesar de ter resistido melhor nestes primeiros meses de 2003 do que companhias como a KLM, a British Airways e a Lufthansa, o que nos dá uma grande satisfação, mas obriga-nos a olhar a situação e a sua envolvente com toda a atenção, porque a última coisa que a TAP precisa é que nos enganemos. Pior: do que a TAP não precisa é que enganemos a TAP! E isso nós nunca o faremos!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - No seguimento do que foi feito noutras companhias, em quase todas as companhias aéreas, a única saída para a TAP é uma profunda reestruturação que crie as condições para que esta se torne mais robusta, mais ágil, menos vulnerável e mais preparada para o futuro. A sobrevivência passará por mudanças profundas. De resto, os resultados que nos dão satisfação prudente devem-se a um acréscimo de tráfego, mas, sobretudo, os resultados da TAP devem-se a reduções de custos que se tornaram excessivos devido a ineficiências acumuladas ao longo dos anos.
O Programa do Governo refere a necessidade de privatizar a TAP, procurando as parcerias estratégicas que viabilizem o seu saneamento financeiro e lhe dêem uma posição mais segura num mercado extremamente competitivo.
O Governo não se limitou a inscrever a preocupação no seu Programa. Tem mantido uma linha coerente, de continuidade e determinação no que diz respeito à reestruturação da TAP. É clara a orientação política do Governo em garantir a viabilidade da TAP como empresa de bandeira. E a viabilidade passará por uma reestruturação adequada à nossa especificidade.
Enganam-se os que falam em desmembramento da companhia. Já aqui foi explicado que o que se pretende fazer com a reestruturação é autonomizar negócios distintos, optimizar gestões que são necessariamente diferentes e submeter esses negócios a uma estratégia comum, que os torne coerentes perante os interesses estratégicos da companhia.
Sr.as e Srs. Deputados, o Decreto-Lei resulta de uma urgência - e aqui, repito, não de uma pressa - em decidir com objectividade e realismo como garantir o futuro da TAP. A muito discutida questão do handling é disso o melhor exemplo. A entrada de um parceiro estratégico para essa unidade de negócio é naturalmente uma fonte geradora de um necessário encaixe financeiro. Mas, por outro lado, é uma oportunidade de solucionar a situação de incumprimento da Directiva comunitária de acesso ao mercado de assistência em escala nos aeroportos de Lisboa e Porto. Esta Directiva é perfeitamente clara!
É, obviamente, fundamental que a TAP mantenha a influência na gestão da nova empresa e que sejam acautelados

Página 5455

5455 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

os direitos e as regalias dos trabalhadores, bem como a imagem de marca da empresa.
Sobre a necessidade de cumprir a Directiva, sobre a garantia de manutenção dos direitos dos trabalhadores e sobre a manutenção da marca e da imagem da empresa nas diversas frentes de actividade, as garantias dadas pelo Sr. Ministro em 2 de Maio foram inequívocas.
Todavia, peço ao Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas (porque para estas questões, pelos vistos, a insistência é necessária) que hoje, na intervenção que vai fazer, nos dê as garantias reconfirmadas sobre os direitos dos trabalhadores, sobre a imagem de marca da empresa e sobre a manutenção nas várias frentes de trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A empresa TAP precisa que estes assuntos sejam tratados com rigor e precisa de avançar para pontos seguintes do debate. Não é, com certeza, alimentando suspeições ou meias verdades sobre o empenho da TAP em resolver o contencioso com a Swissair, sobre a natureza dos contactos que o Governo teve com o Vice-Presidente da Comissão Europeia, Loyola de Palácio, acerca do incumprimento da Directiva; não é, com certeza, mantendo a dúvida de que a tutela pode intervir na vida das empresas para evitar fenómenos de dumping entre a Portway e a TAP no que diz respeito ao handling, que, segundo informações que temos, já não existem; não é, com certeza, mantendo a expectativa, que é completamente falsa, de que em Lisboa poderiam ser fornecidos combustíveis a preços de favor à companhia, e, portanto, diferentes dos do exterior; não é, com certeza, pensando que, no cenário europeu, os custos inerentes às medidas de segurança poderiam ser suportados pelos governos sem serem consideradas ajudas de Estado; não é, com certeza, mantendo a ilusão de que o Governo pode intervir no mercado segurador que estamos a prestar um bom serviço à TAP. E não prestamos, com certeza, um bom serviço quando pensamos que a solução para o handling da TAP é o selfhandling, não dizendo cumulativamente o que se faria aos 40% de trabalhadores excedentes nessa actividade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Agradeço ao Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas a possibilidade de dar estas informações reconfirmadas.
Gostaria, ainda, de dizer que temos confiança nas medidas que o Governo vai tomar em relação à TAP e pensamos que o que a companhia TAP necessita é que se fale verdade, não se alimentem falsas esperanças, porque foram estas e o clima de facilidades que, no passado, tornaram esta empresa menos competitiva. E se ela, hoje, está a ter os resultados que tem é porque tem uma gestão baseada nos custos, porque tem uma gestão competente, o que nos permite averbar melhor resultados do que outras companhias que já estavam em modelos finais de economias possíveis.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, gostaria de prestar esclarecimentos sobre algo que pode criar perplexidade em relação aos nossos trabalhos.
Eu disse que a maioria não aceitou ouvir o Sr. Eng.º Cardoso e Cunha, Presidente do Conselho de Administração da TAP. No entanto, não me referi à comissão presidida pelo Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia - aliás, cuja probidade muito respeito, e o Sr. Deputado sabe-o -, mas, sim, ao que se passou em sede de Comissão de Economia e Finanças, onde, depois de ter sido aceite a vinda do Sr. Eng.º Cardoso e Cunha, mais tarde foi rejeitado pela maioria. Portanto, isto passou-se na Comissão de Economia e Finanças e não na Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
Está prestado o esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas.

O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas (Jorge Costa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resulta evidente que a situação da TAP a todos preocupa.
Quero começar por agradecer os contributos que deram relativamente a esta matéria, porque uma situação que a todos preocupa impõe a necessidade de encontrar uma estratégia para diminuir a vulnerabilidade da TAP - penso que ninguém tem dúvidas quanto à vulnerabilidade da TAP na situação existente - e garantir convenientemente os postos dos trabalhadores.
O Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 57/2003, de 28 de Março, pelo qual se desassociou da 1.ª fase de reprivatização da TAP, a constituição da TAP, SGPS, e permitiu a criação da sociedade com o objecto principal de prestação de serviços de assistência em escala ao transporte aéreo.
Com este diploma que hoje debatemos, foi também autorizada a TAP, SGPS, a proceder à alienação de uma participação maioritária do capital da sociedade de handling, a constituir através de concurso público internacional.
A presente reestruturação empresarial da TAP acontece num momento vital para a empresa e visa obter claras vantagens para o universo TAP, que passará de uma megaestrutura com negócios distintos para a forma de organização de um grupo empresarial.
Mantém-se intacta a sua imagem e unidade de gestão, bem como o contexto das relações e dos acordos laborais, permitindo-se aproveitar as vantagens da existência de negócios específicos, tendo como clientes quer a própria empresa de transportes aéreos quer terceiros.
O Programa do Governo, em matéria de transportes aéreos, preconiza a adopção de uma política clara e transparente de reprivatização da TAP, procurando as parcerias estratégicas que, numa base séria, viabilizem o seu saneamento financeiro a curto prazo e o aproveitamento económico das rotas tradicionais.
Importa, no entanto, ter presente que a TAP apresenta actualmente uma situação económica de grande vulnerabilidade, encontrando-se fortemente descapitalizada, o que constitui um risco para a empresa e para todos aqueles que dela dependem. Logo, é uma situação que importa ultrapassar de forma a permitir alcançar a sustentabilidade económica, garantindo, em simultâneo, os objectivos traçados para a transportadora portuguesa.
Contudo, o processo de viabilização da TAP está fortemente condicionado, desde logo pelas regras da concorrência. Sabe-se que não permitem a injecção de meios para o reforço dos capitais, sendo o Estado accionista único. A este propósito, o Sr. Deputado Bruno Dias citou declarações do administrador da TAP, Eng.º Fernando Pinto, mas tenho comigo a notícia e o que nela é dito é que está a ser negociada directamente junto da Comissão Europeia a

Página 5456

5456 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

possibilidade de o Estado assumir na Europa os custos relativos ao reforço de segurança decorrente do 11 de Setembro. Aliás, nos termos do artigo 87.º do Tratado, isso seria considerado um auxílio do Estado, incompatível com as regras comunitárias.
Assim, a única via passa pela recomposição accionista com a entrada de parceiros privados de forma a conferir à TAP a estrutura financeira que lhe permita assegurar a sua viabilidade. Esta solução já estava consagrada em 1998 pelo Decreto-Lei n.º 122/98, que definiu o modelo de reprivatização.
Fica, assim, patente que, face às condicionantes actuais do mercado aéreo, por todos conhecidas, a actual situação financeira da empresa obriga a reformas estruturais programadas.
Exigindo essas reformas meios financeiros que a tesouraria corrente não disponibiliza e que o accionista único está impedido de injectar, verifica-se que só num processo de recomposição accionista é possível dotar a empresa de uma estrutura económica sólida e capaz de garantir a viabilidade da TAP.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Recordo que, apesar de haver alguma recuperação, passámos, no último ano, de um resultado mau para um resultado menos mau, mas o resultado continua a ser negativo.
Para além disso, em 31 de Dezembro de 2002, verificou-se um défice de tesouraria de 40 milhões de euros, sendo esta a verdadeira situação da TAP.
Fica assim claro que a orientação política do Governo é a de garantir a viabilidade e a sustentabilidade da TAP como empresa de bandeira.
Por isso, importa promover desde já as seguintes acções: prossecução da reestruturação global da empresa e entrada de parceiro estratégico para a unidade de negócio de handling, gerando o necessário encaixe financeiro.
A entrada deste parceiro estratégico vai permitir também resolver a questão da directiva comunitária. Temos que ter presente que Portugal está em situação de incumprimento da directiva comunitária de acesso ao mercado de assistência em escala, designada por handling.
Esta directiva (96/67/CE) não está a ser cumprida, visto que estabelece a obrigatoriedade de pelo menos um dos prestadores desses serviços dever ser independente da entidade gestora do aeroporto ou do transportador com mais de 25% do movimento de passageiros.
A necessidade de sanar esta situação de incumprimento tem de ser encarada como factor de oportunidade para a TAP alavancar os seus activos e, simultaneamente, reestruturar o actual modelo económico da empresa.
Desta forma, entende o Governo que a única solução razoável e que permite preservar o potencial do negócio do handling é a de procurar um parceiro estratégico para esta actividade, de modo a, por um lado, potenciar o acesso a capacidades organizativas, possibilitando a prestação de serviços em condições de maior controlo, e, por outro, possibilitar a valorização do negócio do handling da TAP, gerando, de imediato, a capacidade financeira indispensável à reestruturação financeira da empresa.
É necessário ter presente que a actividade do handling é cada vez mais de dimensão mundial, permitindo aos operadores a celebração de contratos à escala global. Isto também vai ser possível com a TAP, de acordo com a nova reformulação.
Desta forma, a liberalização da prestação destes serviços teria efeitos desastrosos nos operadores existentes. A título de exemplo: os aeroportos com dimensão muito mais elevada, como Barcelona, Madrid, Bruxelas ou Berlim, têm apenas dois operadores.
Se, em alternativa à entrada de um parceiro estratégico para a unidade de negócio de handling, se optasse pela entrada de um terceiro operador de características internacionais e globalizadas, tal levaria à perda da quota de mercado do handling da TAP, com a forte desvalorização desta unidade de negócio e a consequente necessidade de redução significativa de pessoal.
Na reestruturação em curso, uma das principais prioridades do Governo é garantir os actuais postos de trabalho da TAP, aliás, tal como já oportunamente afirmei à Comissão de Trabalhadores.
Serão adoptados os mecanismos adequados para que a TAP tenha uma influência determinante na gestão da nova empresa. Nestes, naturalmente, estarão incluídas as condições de salvaguarda dos direitos e das regalias dos trabalhadores, bem como a qualidade do serviços prestados e a imagem de marca da empresa.
Releve-se ainda que nos diplomas que regem esta operação foi expressamente salvaguardada a situação dos trabalhadores ao serviço, dos pré-reformados e dos pensionistas da TAP que nela ficarem.
A orientação estrita do Governo é no sentido de serem garantidos os direitos dos trabalhadores, de acordo, aliás, com o estabelecido na lei especial que rege a reprivatização da TAP (artigo 16.º do Decreto-lei n.º 34/2000) e na Lei-Quadro das Privatizações.
No âmbito dos poderes da tutela, foram já dadas orientações ao Conselho de Administração da TAP para que este adopte todos os mecanismos jurídicos e contratuais para assegurar o cumprimento das referidas disposições legais.
É assim necessário, para o sucesso do presente e único modelo de reorganização possível a adoptar, alcançar a estabilidade social na empresa, e esta só se obtêm através da participação activa e empenhada das estruturas representativas da TAP.
A necessidade de criar mais-valias efectivas para o universo TAP, no contexto actual, resultou nas opções legislativas referidas anteriormente. Desta forma, num quadro de maximização estratégica dos benefícios financeiros para o futuro da TAP, resulta essencialmente a urgência da tomada de decisão relativamente ao handling.
Ao adoptar uma política clara e transparente no que diz respeito à TAP estamos também a cumprir o Programa de Governo, garantindo que a TAP seja uma verdadeira companhia de bandeira.
Sr. Deputado Bruno Dias, eis que é a altura de desmistificar algumas questões: não estamos a tratar de segmentação, mas de reestruturação global da TAP; estamos a tratar da criação de um grupo empresarial e de encontrar parceiros estratégicos que possam constituir uma enorme mais-valia para a TAP; estamos a tratar de evitar que situações menos claras possam trazer prejuízos para a TAP e estamos sobretudo a seguir o exemplo da Sabena e da Swissair, em que, apesar de as companhias terem falido, as empresas de handling continuam a operar no mercado com sucesso, exactamente porque estas unidades de negócio foram atempadamente separadas.

Página 5457

5457 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

A imagem de marca vai ser mantida, o que será possível através de contratos de prestação de serviços entre a nova empresa e a TAP e também através de acordos parassociais. Portanto, encontraremos as soluções para que assim seja.
Relativamente à Portway, é também altura de desmistificar esta questão, de uma vez por todas.
A Portway é detida em 60% pela ANA. A venda de 11% permitia que ela deixasse de ser maioritariamente detida por esta empresa, só que levava à perda da relação que tem com a ANA e que lhe permite o acesso incondicional e perpétuo à operação nos aeroportos da ANA.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Esse é que é o vosso problema.

O Orador: - Ficava assim um único operador, a TAP, sendo necessário abrir um concurso público para escolha de um operador independente, o que significava (e o exemplo dado há pouco é evidente) a possibilidade de existir uma política de preço baixo e de dumping, o que levava à desvalorização da empresa e também à desvalorização dos seus activos, com prejuízo para os seus trabalhadores. E esta é a nossa preocupação.
Com as soluções que preconizamos estamos confiantes de que os direitos do trabalhadores serão salvaguardados, porque esta também é a nossa preocupação.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: É confrangedor, para não dizer pior, que um debate que dá a esta Câmara a oportunidade de fazer uma pausa, ponderar e reflectir com vista a uma decisão mais acertada e mais reflectida sobre o futuro da TAP, seja tratado da forma como este foi pela maioria (principalmente pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho) e também pelo Sr. Secretário de Estado, que veio repetir declarações do tempo do Sr. ex-Ministro Valente de Oliveira. De facto, ouvi hoje, textualmente, as mesmas frases que tinha ouvido em sede de Comissão, no tempo em que o Sr. Eng.º Valente de Oliveira era Ministro. Exactamente a mesma coisa!

Vozes do PSD: - Isso é coerência!

O Orador: - O que só demonstra a flagrante incapacidade de desmontar e inverter os argumentos que foram aduzidos,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É a cassete!…

O Orador: - … que demonstraram claramente que o que está em causa não é defender o futuro da companhia, não é defender os trabalhadores, mas, sim, retalhar a empresa, vendendo, alienando uma parte significativa da sua operação e da sua actividade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nem o nome da TAP fica na empresa! Aliás, essa é uma das alterações do decreto-lei relativo à privatização que vem do tempo do governo PS, bem como a alienação da parte dominante do sector do handling da TAP.
De resto, quanto a esta matéria, estamos perante o reiterado discurso da agitação social. E aqui a parcialidade fica com aquele que a pratica, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, já que o Sr. Deputado falou na agitação social como sendo a razão que explica as perdas de receita nos últimos meses.
A propósito de agitação social, vale a pena dizer que se há alguém que pode falar de agitação e incerteza são os trabalhadores da TAP, que têm visto os seus postos de trabalhos desmantelados ao longo dos últimos anos, que estão há três anos sem aumentos salariais e que vivem numa absoluta incerteza quanto ao futuro da companhia e dos seus empregos. Querem acabar com a agitação social?…
Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, respeitem os trabalhadores e, desde logo, respeitem a lei e a Constituição, cuja violação não foi aqui desmentida (o que, aliás, seria impossível) relativamente à legislação sobre as comissões de trabalhadores e à Constituição. Efectivamente, as estruturas representativas dos trabalhadores não foram ouvidas neste processo, pelo que este decreto-lei é, por essa via, ilegal e inconstitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isto não foi desmentido, nem uma única referência se fez quanto a esta matéria.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, aquilo que o Eng.º Fernando Pinto referiu como causa para a situação de menor receita nos últimos meses (e que está a ser recuperada no mês de Abril) é a evolução do tráfego. "Mais do que a guerra no Iraque e o surto de pneumonia atípica, foi a situação económica que penalizou a evolução da procura, nomeadamente em Portugal", acrescentou. Temos, pois, a TAP também como uma das vítimas da política económica deste Governo e das consequências dessa política para a economia do nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, a diferença entre o tempo de hoje e o tempo em que a TAP podia receber dinheiro do Estado, em 1994, não é, Srs. Deputados, argumento nem sustentação para justificar a evolução que nos últimos três anos a TAP tem vindo a atravessar.
Quantos euros, quantos cêntimos recebeu a TAP do Estado para a sua recuperação, que a fez passar de um prejuízo de 122 milhões de euros para um resultado previsível para este ano, positivo e já corrigido, de 12 milhões de euros positivos, que, aliás, seria de 32 milhões de euros, se não fossem as dificuldades que a TAP atravessou, designadamente com o falhanço que ainda hoje se faz sentir do sistema de reservas da TAP, resultante da tentativa de privatização com a Swissair? Repito, quanto dinheiro recebeu a TAP para esta viabilização nos últimos três anos? Zero! Zero euros, zero escudos! É com isso que se está a contar nos próximos tempos.
Por isso, não se está à espera de uma injecção de capitais, não é isso que se está a defender. Defende-se para o

Página 5458

5458 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

nosso país, Sr. Secretário de Estado, aquilo que se está a fazer noutros países e que se negoceia internacionalmente para que o Estado português o possa fazer, designadamente aquilo que o próprio administrador delegado da TAP reivindica, que é o reforço da segurança e os meios necessários para isso, que, aliás, é obrigatório nos Estados Unidos e que, de resto, os Estados Unidos financiam em companhias como a TWA e a Continental. Em Portugal, pelos vistos, não se está a fazer a mesma coisa.
O acesso livre e irrestrito aos mercados de handling através de "cavalos de Tróia", como é o caso da Portway, acaba por ficar demonstrado como o objectivo fundamental de criação de empresas como estas. Afinal, o que está em causa é uma empresa que possa operar livremente no mercado, de forma irrestrita, isto é, não condicionada a um concurso público.
Na verdade, é isto que V. Ex.ª demonstra quando diz que não se pode alterar a estrutura accionista da Portway, porque a partir daí o privado que tomasse conta da Portway - e que já hoje toma, sejamos sinceros, porque a a Fraport manda na Portway - passaria a ter de concorrer ao mercado em condições circunstanciais de igualdade com as outras entidades em concurso. Ora, é isso que VV. Ex.as não querem fazer. Há, pois, uma opção clara quanto a quem é que se está a defender e ao lado de quem é que se está.
Portanto, Sr. Presidente, quando se afirma que não se enganará nunca a TAP, infelizmente, o que sucede é que já se está a enganar a TAP, os seus trabalhadores e o País, designadamente quando se defende que só há uma companhia de bandeira mais robusta quando é amputada uma parte significativa da sua viabilidade económica, da sua actividade, e quando a sua própria imagem de marca fica prejudicada para o futuro. Poderá ser uma companhia de bandeira, mas falta certamente descobrir que bandeira será essa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Na verdade, este debate nada trouxe de novo. Não é menosprezo pela Assembleia, mas haveria um maior respeito pela Assembleia se não se repetissem debates quando eles não trazem nada de novo. E, Sr. Deputado, o senhor nada trouxe de novo!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Olha quem fala!

O Orador: - Recordo as palavras do Eng.º Fernando Pinto, quando refere que, apesar da desconvocação das greves da TAP, houve desvio de passageiros para outras companhias.
Sr. Deputado, não vale a pena procurarmos argumentar de uma determinada maneira, esquecendo os outros argumentos.
O Eng.º Fernando Pinto fez um conjunto de afirmações para caracterizar uma situação no início deste ano, e espera-se, aliás, que a recuperação esteja em curso durante o mês de Abril. Mas, Sr. Deputado, este exemplo é elucidativo de quanto é sensível a questão da TAP, pelo que todos os passos que sejam dados têm de ser muito bem medidos, para preservar a TAP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Está a ouvir, Sr. Secretário de Estado?!

O Orador: - Sr. Deputado, aquilo que se pretende para a TAP é robustecer a empresa e encontrar-lhe um futuro, porque presente já dificilmente consegue ter.
Portanto, Sr. Deputado, não há possibilidade de qualquer alternativa de financiamento do Estado à TAP. O Sr. Deputado sabe isto, e nada acrescentou neste debate quando teria sido útil se o tivesse feito.
Mais: como sabe, em relação à TAP, o acesso à banca está limitado. O Sr. Deputado sabe perfeitamente que não há possibilidade de injecções financeiras na TAP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas quem é que está a falar nisso?

O Orador: - O Sr. Deputado sabe perfeitamente que uma solução tem de ser encontrada e que este é o caminho. Se tinha outro, devia tê-lo trazido a este debate e essa teria sido a novidade. Mas o Sr. Deputado não trouxe qualquer solução para a TAP, só disse: "Fique tudo como está, que nada vai acontecer".
Sr. Deputado, sabe tão bem como eu que isso não é verdade. Ambos sabemos, perfeitamente, que há soluções e decisões a tomar.
A TAP não é um oásis no panorama do transporte aéreo. Portanto, aquilo que lhe acontece interessa a todos nós.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas.

O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um facto que as declarações que prestámos aqui, hoje, são as mesmas que temos prestado noutras alturas e noutros lugares em relação a esta mesma matéria. Isto é assim porque somos coerentes.
Se tivéssemos vindo aqui prestar declarações diferentes daquilo que afirmámos em sede de Comissão, diferentes daquilo que o Sr. Ministro disse quando esteve aqui, no Plenário, naturalmente que os Srs. Deputados estariam agora a dizer: "Não sabem qual é a estratégia, porque um diz uma coisa e outro diz outra".
Estamos, pois, a reafirmar exactamente o mesmo princípio que consta do Programa do Governo e que foi traçado relativamente à estratégia para a TAP. Trata-se de uma estratégia não de segmentação, mas uma estratégia de grupo, sendo que um dos passos nesta estratégia de grupo é exactamente este que consta do decreto-lei ora em discussão.
Quanto às contas da TAP, Sr. Deputado, aconselho-o a vê-las bem. Já aqui referi que a TAP tinha, em 31 de Dezembro de 2002, um défice de tesouraria de 40 milhões de euros, apesar dos resultados menos maus do que no passado mas ainda negativos. Aconselho-o a ver bem como é que foi suprido o défice de tesouraria. Se calhar, vai concluir que alguns dos dogmas que o Sr. Deputado muito acarinha foram utilizados exactamente para suprir esse défice de tesouraria.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Dogmas?!

Página 5459

5459 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

O Orador: - Aconselho-o a avaliar bem como é que isso foi feito.
Finalmente, quero reafirmar aqui que os trabalhadores serão envolvidos no processo de elaboração do caderno de encargos, no processo de elaboração de toda a documentação necessária para o concurso e que os direitos dos trabalhadores serão integralmente protegidos, consoante está previsto, aliás, na legislação que há pouco referi.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a apreciação do Decreto-Lei n.º 57/2003, de 28 de Março, que altera pela segunda vez o Decreto-Lei n.º 122/98, de 9 de Maio, que aprova as 1.as e 2.as fases de reprivatização indirecta do capital social da sociedade Transportes Aéreos Portugueses, S. A. [apreciação parlamentar n.º 48/IX (PCP)].
Informo os Srs. Deputados que deu entrada na Mesa um projecto e resolução, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, visando revogar o Decreto-Lei n.º 122/98, que acaba de ser apreciado, e que irá ser votado em momento oportuno.
Posto isto, vamos passar à apreciação do Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de Abril - Cria a rede de cuidados primários [apreciações parlamentares n.os 49/IX (PCP) e 50/IX (PS)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apreciarmos o Decreto-Lei n.º 60/2003, podemos começar por dizer que poucas alterações legislativas terão existido em que se tenha verificado uma tão ampla e unânime rejeição do que é proposto pelos agentes da área da saúde. Pode mesmo falar-se numa insólita e original rejeição por unanimidade destas propostas do Governo, como, aliás, ficou bem patente da audição que a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais promoveu com várias entidades da área da saúde, ordens e sindicatos, e em que a rejeição foi absolutamente consensual.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E mesmo que o Ministro da Saúde atribua essa contestação a meros interesses corporativos, como é seu hábito, é impossível esconder a contestação geral que juntou todas estas principais organizações da saúde e a que se juntaram também vários dos anteriores ministros da saúde - o ex-ministro Maldonado Gonelha, o ex-ministro Luís Barbosa, o ex-ministro Paulo Mendo -, que qualificaram devidamente o carácter amplamente negativo desta reforma nos cuidados primários de saúde.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A alteração agora proposta ataca o cerne do Serviço Nacional de Saúde, aquela zona que está mais próxima dos cidadãos, mais distribuída por todo o território nacional, que deve dar resposta à maioria das suas necessidades de saúde, e que tem também a fundamental função de promover a saúde, de prevenir a doença, e não apenas de exercer a medicina curativa.
A valorização dos cuidados primários de saúde é determinante para a manutenção e elevação dos indicadores de saúde e de qualidade de vida da população. E quando se ataca este sector do Serviço Nacional de Saúde estamos a contribuir para criar problemas no futuro, no que diz respeito a estes indicadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Temos assistido, evidentemente - e a população sabe-o -, à degradação dos cuidados primários de saúde. É verdade!
Temos assistido, ao longo dos anos, à falta de novas instalações, mantendo-se dezenas de centros de saúde a funcionar em instalações impróprias para este tipo de actividade, com a ausência de equipamentos e de meios complementares de diagnóstico que possam resolver, logo aí, a maioria dos problemas da saúde das populações, com uma burocratização e uma centralização de decisões absolutamente contrária à necessidade de uma gestão rápida, flexível e eficaz destas unidades de saúde (a burocratização é, aliás, a principal razão de descontentamento dos utentes dos centros de saúde), e com a não responsabilização da gestão, mantendo-se um sistema de nomeação que não tem em vista a responsabilização por critérios de produtividade, de competência e de melhoria do funcionamento das instituições dos centros de saúde.
Mantém-se um investimento exíguo. Neste momento, o investimento em centros de saúde está parado, o Orçamento para 2003 consagrou uma diminuição de 11% no investimento nos cuidados primários de saúde, mas nem isso está a ser aplicado. E o que vemos por esse país fora é a falta de investimento em novos centros de saúde ou extensões.
Vemos novos centros de saúde já prontos e de porta fechada, à espera que um grupo privado venha tomar conta dessas instalações novas e desses novos equipamentos, como os casos dos centros de saúde da extensão de Miratejo ou da extensão de Torres Vedras em que isso acontece.
Vemos a desastrosa política de recursos humanos que coloca o país numa situação de especial fragilidade daqui para o futuro e já neste momento afecta especialmente os cuidados primários de saúde, que, na primeira linha, sofrem a falta de médicos, a falta de enfermeiros, especialmente se se situarem em zonas mais periféricas do país.
Falta também um incentivo à entrada para a medicina geral e familiar, que o Governo continua a não acarinhar, acentuando as dificuldades na prestação de serviços dos centros de saúde. Falta um incentivo à fixação em zonas mais carenciadas, prometido pelo Governo em Janeiro passado, na visita a um centro de saúde do interior, mas que, até agora, continua a não ver a luz do dia. Falta uma verdadeira política de recursos humanos que privilegie os cuidados primários de saúde e a sua importância para o País.
Por isso, temos sucessivos encerramentos de extensões e de centros de saúde, diminuições de horários e concentração de serviços, com prejuízo para as populações que precisam do seu serviço de saúde bem perto.
Há, segundo se estima, um milhão de portugueses sem médico de família, e, no entanto, todos ouvimos, repetidamente, a frase do Ministro da Saúde dizendo que queria dar um médico de família a cada português e que este era o objectivo desta reforma. Não se compreende como é que este objectivo pode ser alcançado se não se toma qualquer medida para aumentar o número de médicos de família no País, sabendo-se da grave situação em que se encontra

Página 5460

5460 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

esta especialidade e, em geral, os recursos humanos na saúde. A não ser que a alternativa para esta matéria seja o aumento dos utentes por médico de família, com os mesmos a ter mais pessoas em lista, o que não significa atender mais gente e resolver mais problemas.
Talvez por isso, neste diploma que hoje apreciamos, o Governo, que tem e mantém como limite para os médicos de família dos serviços públicos 1500 doentes na sua lista, já permite para os privados que vierem a tomar conta de alguns destes centros de saúde ou extensões 2500 utentes por médico, de onde resultará, certamente, um aumento da margem de lucro mas degradará, com certeza, a qualidade da prestação dos cuidados de saúde.
As alterações propostas por este decreto-lei subordinam, na prática, as necessidades de saúde às restrições de financiamento que o Governo quer impor, que são visíveis na porta aberta para os tão conhecidos no estrangeiro orçamentos clínicos, que põem a contabilidade do gasto à frente das necessidades de saúde. Nele também se prevê a abertura para a entrega de áreas potencialmente lucrativas ao sector privado, numa lógica de "desnatação", assim como a entrada de gestores exteriores ao Serviço Nacional de Saúde, como já aconteceu nos hospitais sociedades anónimas, certamente para repetir a proliferação de nomeação política partidária e incompetente que aconteceu nestes hospitais.
Vejamos, então, o que acontece nesta matéria. Até aqui, os directores dos centros de saúde e a sua direcção não recebiam qualquer remuneração adicional. Ora, este Governo, que tanto fala em poupança, decidiu que, a partir de agora, para além da remuneração, haverá um subsídio de função para cada director de centros de saúde e para três ou quatro dos coordenadores que estão previstos na lei. E, se tivermos em conta, por exemplo, uma distribuição de 50 centros de saúde de tipo A, 60 de tipo B e 200 de tipo C, para mero efeito de cálculo desta verba, conforme está previsto na lei, ficamos a saber que, com base neste exemplo, só em subsídios de função o Governo pagará por ano mais de 4 milhões de euros.
Por outro lado, não sabemos quantos serão os gestores que virão de fora do Serviço Nacional de Saúde, que, para além do acréscimo que está previsto na lei, também receberão a remuneração por inteiro. Mas, pelo menos, por ano, teremos mais 4 milhões de euros de subsídios de função para distribuir pela "rapaziada" dos partidos do Governo, que agora novamente será nomeada para os centros de saúde.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Não é nada mau!

O Orador: - Mas se fizermos as contas à remuneração de base e ao subsídio de função para os directores e para os coordenadores previstos nesta lei, que antes, repito, não recebiam, teremos uma verba entre 13 e 16 milhões de euros, que, certamente, não será do conhecimento da Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, que, segundo imagino, não permitiria tal gasto, nem das estruturas partidárias do PSD e do CDS-PP.
Esta lei ataca frontalmente as carreiras profissionais, com a velha lengalenga do Governo de que os direitos dos profissionais estão em oposição aos direitos dos utentes.
Esta lei ataca os direitos dos utentes, porque os exclui da participação na gestão das unidades e no controle das suas actividades e dos seus resultados.
Esta lei alarga a rede de cuidados de saúde aos prestadores privados, à custa da saúde pública e à custa da promoção da saúde e da prevenção da doença e impõe, por esta forma, a desregulamentação das relações laborais.
Não há, ao contrário do que diz o título do decreto-lei, qualquer nova rede de cuidados de saúde primários, o que há é a mesma rede mas com a desqualificação dos profissionais, que o ex-ministro Paulo Mendo qualificou como gravosa e perigosa; o que há é a transformação da medicina geral e familiar num obscuro médico assistente, que, porventura, não acautelará as necessidades de formação; o que há é o economicismo e o dogma do défice, o favorecimento do privado à custa da saúde dos portugueses.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Essa é que é essa!

O Orador: - Mas era possível ser de outra maneira. Pergunta-se: onde está o regime remuneratório experimental cujo balanço foi positivo e que devia ser alargado a outros centros de saúde? Onde está uma política de recursos humanos que resolva os problemas que temos? Onde está o investimento em novas instalações? Onde estão alterações à gestão pública que permitam maior flexibilidade e maior responsabilização?
Haverá, com estas alterações do Governo, profundas consequências nos indicadores de saúde e na saúde dos portugueses. E não se trata aqui, como gosta de dizer o Ministro da Saúde, de esquecer a ideologia e pôr as pessoas à frente da ideologia, porque esta é a cartilha do neoliberalismo, ideologia que o Governo professa e pratica em matérias de saúde e em muitas outras. É a ideologia do partis pris contra o sector público e a gestão pública e do favorecimento da pilhagem dos recursos públicos da saúde.
A solução para os problemas dos centros de saúde não é entregar o que for potencialmente lucrativo aos privados, é reformar a gestão pública e pô-la cada vez mais ao serviço das populações. Este decreto-lei vai em sentido inverso e, por isso, proporemos a cessação da sua vigência.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Carito.

O Sr. Luís Carito (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Saúde, Sr.as e Srs. Deputados: Os cuidados de saúde primários devem ter uma lógica organizacional que assente em comportamentos relacionais entre os profissionais e os indivíduos sãos ou doentes, as suas famílias e o ambiente em que se integram, ao contrário do que sucede, nomeadamente, nos cuidados hospitalares, que assentam muito mais em grandes infra-estruturas destinadas a suportar tecnologias elaboradas.
No que respeita a esta área de actividade, basilar no Serviço Nacional de Saúde, é evidente qual a nova filosofia implementada pelo actual Governo: o Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de Abril, que cria a rede de cuidados primários de saúde, que hoje está em apreciação parlamentar, ao abrir a porta à privatização de uma área-chave do Serviço Nacional de Saúde, mais não pretende que assentar mais uma pedra no edifício da política de privatização da saúde em Portugal.

Página 5461

5461 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

Este decreto-lei, no seu preâmbulo, denota uma preocupação de aprofundar e estimular o modelo de controlo centralizado, deixando para regulamentos ou decisões pontuais as intenções de abertura e contratualização com os outros sectores, privado, cooperativo e social.
Parece, assim, claro que esta argumentação, aliada ao facto de também classificar o Serviço Nacional de Saúde como ineficaz, o que, aliás, contraria a única avaliação externa credível, feita pela Organização Mundial de Saúde, que o classifica como o 12.° mais eficaz a nível mundial, à frente de muitos países europeus, mais não pretende do que descredibilizar e fundamentar a sua destruição, com a entrega de tudo o que possa ser rentável nas mãos da iniciativa empresarial e do sector financeiro.
Ora, os centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde, apesar de muitas dificuldades, que são amplamente conhecidas, têm conseguido resultados que não podem deixar de ser valorizados. Em relatório do Ministério da Saúde do 1.° trimestre 2002 verifica-se que os centros de saúde tiveram ganhos de eficiência sustentados e um claro aumento da produtividade entre 1985 e 2000, apesar da progressiva diminuição do número de profissionais no sector. Também nos últimos anos foram conseguidos ganhos de saúde importantes, entre os quais a diminuição da taxa de mortalidade infantil e a redução da incidência de problemas de saúde.
A experiência inovadora do regime remuneratório experimental e os centros de saúde de 3.ª geração, em início de instalação, constituíam, em nossa opinião, o caminho a seguir para uma maior e progressiva eficácia nos cuidados a prestar pela medicina familiar.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo, ao apresentar este decreto-lei, faz uma opção clara.
À aposta na prevenção da doença, o Governo contrapõe o alargar a rede de cuidados primários a prestadores privados, sem garantir a promoção dá saúde e a prevenção da doença.
À desejável proximidade entre médico e doente e ao reforço dessa relação de confiança, o Governo contrapõe a indiferenciação do acompanhamento, voltando ao sistema já enterrado do médico da caixa, numa perspectiva contabilística de consultas e numa indiferenciação no acompanhamento e na continuidade dos cuidados.
À dignificação da carreira de clínica geral e ao respeito pelas carreiras médicas, o Governo cria a figura do médico assistente, sem qualificação adequada à função, aliás violando de forma clara e inequívoca a Directiva n.º 93/16/CEE e o diploma que procedeu à sua transposição para a ordem jurídica portuguesa, permitindo, no futuro, a contratação de médicos sem formação especializada e específica em clínica geral.
Ao avanço de experiências inovadoras, como os centros de saúde de 3.ª geração, compostos por pequenas unidades funcionais, integrando equipas multidisciplinares de profissionais, próximas dos cidadãos, com maior agilização de procedimentos e cuidados de proximidade mais efectivos, o Governo, sem efectuar, mais uma vez - aliás, à semelhança do que fez na lei de gestão hospitalar com as experiências inovadoras em curso, como o Hospital da Feira e o Hospital do Barlavento Algarvio -, a necessária avaliação desta proposta e refugiando-se em razões puramente economicistas, contrapõe um esquema organizacional de total atomização dos centros de saúde, mantendo-os organizados em base concelhia, com uma filosofia extremamente redutora, porque o mesmo modelo funcional é aplicado a centros de saúde de grandes cidades, com 120 000 utentes, e a centros de saúde de zonas rurais, com 3000 utentes.
À gestão integrada e conhecedora dos serviços, com independência e autonomia jurídica e financeira dos centros de saúde, o Governo contrapõe um centralismo burocrático-administrativo do Ministério e das ARS, com dispersão da gestão e a nomeação política por conveniência. Aliás, neste ponto, a contenção de despesas tantas vezes propalada pelo Governo não foi a pedra de toque da sua acção, já que se propõe criar mais de 1000 lugares de direcção remunerados, gastando só com remunerações e subsídios mais de 66 milhões de euros por ano.
As razões evocadas pelo Governo para justificar a revogação do Decreto-Lei n.º 157/99, que criou os centros de saúde de 3.ª geração, que eram muito dispendiosos - cerca de 10 milhões de euros -, caem assim por terra. Como vão ser obtidos estes 66 milhões de euros? Certamente à custa do controlo que os novos gestores vão fazer sobre o orçamento clínico dos médicos de família e à custa da saúde dos portugueses, que vão sentir restrições na medicação e nos exames complementares de diagnóstico. Sobrepõe-se, assim, à contenção de custos e a uma organização mais eficaz, a clientela política concelhia do PSD e do PP.
Ao fortalecimento e dignificação das carreiras profissionais, estabelecendo regras de progressão baseadas em critérios de qualificação cientifica, técnica e profissional, o Governo, que, aliás, o define no seu Programa, contrapõe a precarização das relações de trabalho, ao introduzir o contrato individual de trabalho e ao destruir as carreiras médicas.
Por todas estas razões, pela grande preocupação de que a aplicação deste diploma traga mais dificuldades no acesso a cuidados de saúde de qualidade, o que, certamente, trará maior desigualdade nesses mesmos cuidados prestados aos cidadãos portugueses, e porque qualquer mudança organizacional não pode ser feita contra os profissionais e seus organismos representantes, que neste momento se encontram extremamente desmotivados e descrentes na política de saúde do Governo PSD/CDS-PP, o Partido Socialista não pode estar de acordo com este decreto-lei e com tudo o que o Governo pretende fazer para destruir a carreira da medicina geral e familiar e os cuidados de saúde primários, em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José António Silva.

O Sr. José António Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Carito, ouvi-o com muita atenção e esperava que, na sua intervenção, V. Ex.ª conseguisse, pelo menos, fazer um diagnóstico da situação dos cuidados de saúde primários no nosso país. Efectivamente, andaram durante sete anos a fazer diagnósticos, a enganarem os portugueses com os centros de saúde de terceira geração, que não sei onde estão, não sei qual era a política e os cuidados de saúde que iriam ser prestados nesses centros de saúde.
O Sr. Deputado dá-nos aqui um quadro negro dos cuidados de saúde primários, mas essa responsabilidade é exclusiva do partido a que V. Ex.ª pertence.

Página 5462

5462 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

V. Ex.ª está contra esta rede de cuidados de saúde primários mas não se preocupa com os problemas que se vivem lá fora, com os utentes, com aquele milhão de utentes que não tem médico de família.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Nem vai ter!

O Orador: - Não se preocupa com os problemas dos 1000 médicos de clínica geral, relativamente aos quais, durante o seu governo, não resolveram os problemas e que continuam com a sua situação profissional muito dúbia, porque efectivamente não sabem como é que hão-de progredir na carreira de clínica geral.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Que foi criada no vosso tempo!

O Orador: - Não foi criada no nosso tempo, Sr. Deputado!
Efectivamente, o que nos preocupa é a criação de condições para que os profissionais de saúde se sintam estimulados para poderem exercer aquilo que sabem, que é a prestação de cuidados de saúde a quem precisa, aos utentes, que é o que queremos com este decreto-lei de criação dos cuidados de saúde primários.
Na verdade, os senhores andaram sete anos a fazer que faziam e nada fizeram. Este novo decreto-lei visa, mas não só, criar condições de modo a garantir cuidados de saúde aos utentes e não é, como vieram aqui dizer, para privatizar os centros de saúde. Mas quem é que falou em privatizar os centros de saúde?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Oh!…

O Orador: - Quem foi que disse que ia alterar a gestão existente, ou que ia alterar o estatuto dos centros de saúde?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Diz o decreto-lei!

O Orador: - Os senhores conseguem ler ou entender as coisas à vossa maneira!

Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

Risos do BE.

Não há privatização dos centros de saúde, disse-o o Sr. Ministro da Saúde, por várias vezes, quer aqui quer na comissão. Portanto, ninguém fala em privatização dos centros de saúde senão os partidos da oposição.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Agradeço que termine.

O Orador: - Aqueles que durante todos esses anos tiveram a responsabilidade nada fizeram para alterar os problemas de saúde no nosso país, e o que eu queria que o senhor me dissesse era qual foi a política que implementaram para resolver os problemas dos cuidados de saúde primários aos utentes do nosso país.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está no Governo ou na oposição? Quer guiar e olhar para o retrovisor!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Carito.

O Sr. Luís Carito (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José António Silva, muito obrigado pelas questões que me colocou. Respondendo muito rapidamente, direi que aquilo que o governo do Partido Socialista estava a implementar, na altura em que saímos do governo,…

Vozes do PSD: - Em 1999!

O Orador: - … eram os centros de saúde de terceira geração. Estavam em fase de implementação e nós continuamos a entender que aquela era a melhor solução para resolver a realidade das dificuldades dos cuidados de saúde primários em Portugal.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - E não somos só nós! Outras pessoas também.

O Orador: - Ora, aquilo que se está a fazer, neste momento, com esta rede de cuidados primários de saúde, com esta precarização da situação e com esta atomização dos centros de saúde totalmente dependentes das ARS, não é, claramente, melhorar a sua eficácia.
Aquilo que propúnhamos para os centros de saúde de terceira geração, e que penso que o Sr. Deputado deve conhecer, é que deveriam ser unidades de saúde mais próximas dos cidadãos, constituídas por equipas de profissionais e não por um médico de família. A inexistência de médicos de família para cerca de 1 milhão de portugueses não se vai resolver com esta rede de cuidados de saúde primários, na nossa opinião. Resolver-se-ia, sim, se criássemos equipas multidisciplinares, com enfermeiros, com psicólogos, com fisioterapeutas, em articulação com os médicos, porque isso permitiria que os médicos de família pudessem ter muitos mais utentes nas suas listas e rapidamente esgotariam o número de utentes que estão neste momento sem médico de família.
Quero também dizer-lhe que vi claramente, no decreto-lei que foi publicado, no seu artigo 23.º, que os centros de saúde irão ser privatizados. Uma das hipóteses que aqui se prevê é a da realização de contratos de gestão, portanto, a gestão do centro de saúde será, com certeza, privatizada e não está garantido, ao contrário do que entendemos, que seja da melhor forma, porque aquilo que se prevê é que a privatização seja para os grandes grupos económicos e para os grandes grupos financeiros e não que haja uma gestão privada, por exemplo, cooperativa, de profissionais.

Aplausos do PS.

O Sr. José António Silva (PSD): - A questão era diferente!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José António Silva, a quem peço desculpa por o ter chamado à atenção para o tempo quando ele ainda não tinha terminado. Fui eu que vi mal o mostrador do relógio.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José António Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Saúde, Sr.as e Srs. Deputados:

Página 5463

5463 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

Os cuidados de saúde primários devem continuar a ser a porta de entrada e a principal via de acesso aos cuidados de saúde em geral.
Deve ser o Estado a assegurar e garantir a saúde a todos os cidadãos,…

Vozes do PS: - Ora bem!

O Orador: - … através da definição de um conjunto de prestações comuns, com critérios de equidade, eficiência, dignidade, bem como facilitar a acessibilidade de todos os cidadãos aos cuidados de saúde primários.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sistema Nacional de Saúde deve assegurar cuidados continuados integrados, globais e eficientes, ao longo de toda a vida do cidadão, através de oferta de serviços acessíveis, descentralizados, polivalentes e permanentes.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Só leu o preâmbulo!

O Orador: - Simultaneamente, deve ser assegurado a continuidade dos cuidados de saúde aos diferentes níveis, os quais devem ter funções bem definidas e coordenadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Podem aplaudir!

O Orador: - Para o PSD, o primeiro nível de cuidados deverá estar a cargo de equipas multidisciplinares dos centros de saúde.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os médicos de família, integrantes activos das equipas de cuidados de saúde primários, devem aumentar o seu poder de resolução dos problemas, organizar os cuidados de saúde prestados pelos outros especialistas e acompanhar os doentes ao longo de todo o seu percurso no Sistema Nacional de Saúde.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Comunista Português e o Partido Socialista pediram a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 60/2003, da iniciativa do Governo, certamente por acharem que as coisas, como estavam, estavam bem.
Não creio! Penso que também estes partidos reconhecem a necessidade de repensar a prestação dos cuidados de saúde primários. Como funcionam não é bom, nem para os profissionais de saúde nem para os utentes.
Entendeu este Governo promover as indispensáveis alterações legislativas, na perspectiva de evolução do actual sistema de organização dos cuidados de saúde primários para um novo modelo, mais próximo dos cidadãos, das suas famílias e comunidades, simultaneamente mais eficiente, socialmente mais justo,…

O Sr. Afonso Candal (PS): - Isso é que já não é verdade!

O Orador: - … criando a chamada rede de prestação de cuidados de saúde primários, e não para abrir a porta à privatização dos cuidados de saúde,…

Protestos do PS.

… não para subordinar as necessidades de saúde às restrições financeiras, não para demitir o Estado das suas responsabilidades.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Já disse isso ao Sr. Ministro da Saúde?

O Orador: - Pelo contrário, é intenção do Governo promover e melhorar os níveis de saúde do nosso país e dos portugueses, o que, no nosso entender, passa pelo reforço do Serviço Nacional de Saúde…

O Sr. Afonso Candal (PS): - Isso é verdade!

O Orador: - … sempre sob a tutela do Estado, cabendo ao sector privado, social,…

Vozes do PS, do PCP e do BE: - Oh!…

O Orador: - … e ainda ao cooperativo, um papel de complementaridade…

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Muito bem!

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - É preciso ter "lata"!

O Orador: - … em função das necessidades concretas dos cidadãos, através da celebração de contratos convenções e acordos de cooperação. E isto não significa privatizar!

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Pois não!

Protestos do Deputado do PS Afonso Candal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - O Estado paga e os outros lucram!

O Orador: - O que nos trás de novo a rede de prestação de cuidados de saúde primários? Para além de continuar a garantir cuidados de saúde abrangentes aos cidadãos, deverá constituir e assumir-se em articulação permanente com os cuidados de saúde hospitalares e os cuidados de saúde continuados. Aquilo que nunca fez o partido Socialista, enquanto governou o nosso país.

Protestos do PS.

Actualmente, os cuidados de saúde primários e os cuidados de saúde hospitalares funcionam de forma separada, muitas vezes de costas voltadas. Se a gestão for integrada, o sistema começará a funcionar com uma dinâmica diferente, acabando todos por ser elos da mesma cadeia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É esta rede integrada de serviços de saúde que o Governo quer implementar e que o PSD apoia,…

Protestos do PS.

Página 5464

5464 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

… em que, para além do papel fundamental do Estado, possam coexistir entidades de natureza privada e social, em atitude de complementaridade, substituindo o actual sistema público tradicional, centralizador e excessivamente burocratizado.
Sendo o doente a mesma e única pessoa, o sistema de saúde também deve responder como sendo uma única entidade, independentemente de os parceiros serem públicos, privados ou sociais.
O sistema tem que estar organizado de forma a responder a pessoa de acordo com as suas necessidades específicas em cada momento da sua vida. Por isso, entendemos as preocupações de uma oposição avessa à mudança, retrógrada e agarrada a dogmas e preconceitos, como também entendemos o nervosismo de quem teve responsabilidades na anterior governação e não teve a vontade nem a coragem política para ajustar e renovar o Serviço Nacional de Saúde.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Era o que faltava!

O Orador: - Mas, Sr.as e Srs. Deputados, o actual Governo não hesita quando estão em causa os direitos dos doentes e a saúde dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E o Grupo Mello!

O Orador: - Mais: este Governo tudo continuará a fazer para salvar o Serviço Nacional de Saúde, dando-lhe mais eficácia e eficiência, com qualidade e, acima de tudo, com o respeito e a dignidade que os doentes nos merecem.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: As apreciações parlamentares n.os 49/IX (PCP) e 50/IX (PS), relativas ao Decreto-Lei n.º 60/2003, que cria a rede de cuidados de saúde primários, têm, em nosso entender, todo o sentido e toda a pertinência, já que se trata, efectivamente, na lógica efectiva da vertigem do sector privado a que este Governo já nos vem habituando, de abrir a porta à privatização dos cuidados de saúde primários, entregando as áreas potencialmente lucrativas ao sector privado, convidando à gestão privada e atacando as careiras profissionais, claramente desregulamentando as relações laborais do sector.
Há aqui uma escolha (e, já agora, refiro-me também às palavras do Sr. Deputado José António Silva) que não vale a pena escamotear, se calhar há mesmo que a denunciar: em nosso entender, este Governo quer retroceder no que são liberdades, garantias e direitos fundamentais dos cidadãos,…

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - … optando pela privatização de sectores essenciais como são a saúde e a educação. Ora, em nosso entender, isto é um claro retrocesso civilizacional, sob o ponto de vista dos direitos humanos.
Tudo isto, ainda por cima, sem a avaliação das experiências anteriores, sem o processo de discussão pública e sem audiências, propondo, nomeadamente, cargos de gestão por nomeação política, preparando terreno, a nosso ver e uma vez mais, para a incompetência e para a corrupção.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - Perante um bem como a saúde, o Estado demite-se das suas responsabilidades, dando de bandeja ao sector privado um lugar que é uma peça chave, como já foi aqui dito, do Serviço Nacional de Saúde, como é a rede de cuidados de saúde primários.
O Bloco de Esquerda quer deixar aqui bem claro que se junta a estas iniciativas do Partido Comunista Português e do Partido Socialista. Contestamos sobretudo as opções de base deste Governo quanto à política de saúde e as nossas opções são claras: a saúde não é um bem de consumo como outro qualquer, Sr. Deputado José António Silva, e, por isso, não pode estar sujeito às regras e à lógica de mercado como qualquer outro bem de consumo.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - A saúde é um direito fundamental, é um direito constitucional, que o Estado deve provir reforçando o Serviço Nacional de Saúde e não fazendo justamente o oposto.
Deste decreto-lei do Governo resulta, sim, uma vez mais, a fragilização do Serviço Nacional de Saúde no nosso país e a desvirtuação do que, no nosso entendimento, é a própria missão e a própria natureza desse Serviço.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Veiga.

O Sr. Paulo Veiga (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Saúde, Sr.as e Srs. Deputados: Procedemos hoje à apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.° 60/2003, de 1 de Abril, que cria a rede de cuidados de saúde primários, da iniciativa do Partido Socialista e do Partido Comunista Português.
O primeiro e principal contacto do utente com o Serviço Nacional de Saúde é com os cuidados de saúde primários,...

Vozes do BE: - Claro!

O Orador: - … é com a rede de prestação de cuidados de saúde primários. É opinião geral que este é um dos pilares mais importantes do Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PSD: - É verdade!

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Devia ser!

O Orador: - Igualmente unânime é o sentimento geral que este sector da saúde carecia de uma mudança, de uma profunda mudança estrutural. Foi esta metamorfose que este Governo operou.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Esperei melhor!

Página 5465

5465 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

O Orador: - Mais uma vez, com a coragem que lhe é reconhecida, este Governo decidiu promover uma alteração profunda neste sector, alteração que há muito se impunha mas que a inércia obstaculizou.
Estas alterações, do ponto de vista do CDS-PP, eram inadiáveis e imperativas no plano estrutural e funcional. Um dos grandes princípios enformadores desta reforma baseia-se na diversidade na oferta caracterizada pela liberdade de escolha dos cidadãos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo afirmou, no seu Programa, que o seu compromisso político com os portugueses era o de nortear as reformas pela preocupação de dar às pessoas um atendimento de qualidade, em tempo útil, com eficácia e humanidade.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - É uma "lata" descomunal!

O Orador: - Esta eficácia e humanidade com que os utentes têm o direito de ser tratados só pode ser assegurada pela figura do médico de família.
Este diploma garante a todos os cidadãos e às suas famílias um médico de família assistente, de preferência e sempre que possível, com a especialidade de medicina geral e familiar, assegurando desta forma, em todas as áreas geográficas, o acesso universal, geral e tendencialmente gratuito, de resto, como está consagrado na Constituição Portuguesa.

Protestos da Deputada do BE Joana Amaral Dias.

Esta alteração introduz um novo modelo, mais ágil de organização, para que os utentes em lista de espera tenham sempre um médico designado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do PCP, do BE e de Os verdes.

Este médico de família assistente, a partir da entrada em vigor deste diploma, passará a funcionar como gestor da saúde do utente, integrado numa equipa multidisciplinar que serve de porta de entrada no Sistema de Saúde.
O CDS-PP entende que esta reforma é essencial para o País porque assegura maior liberdade de escolha pelo cidadão do seu médico assistente; aumenta e diversifica a oferta para que os utentes em lista de espera tenham um médico designado; estabelece o conceito de médico assistente como "gestor" da saúde do utente e porta de entrada no sistema de saúde; permite alcançar uma total articulação com as restantes redes de cuidados de saúde; garante a promoção da saúde, a prevenção, o diagnóstico e a terapêutica e reabilitação; prevê o financiamento global e progressivo por capitação; visa o alargamento dos horários de funcionamento dos centros de saúde sempre que isso se mostre necessário, e dá a possibilidade de marcação de consultas por telefone.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP). - Muito bem! É uma boa proposta! É uma boa reforma!

O Orador: - Estamos certos de que, com esta reforma, o Serviço Nacional de Saúde ficará mais ágil e mais próximo do cidadão e, sobretudo, garantirá ao utente uma maior qualidade dos serviços de saúde prestados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Não leu o decreto-lei!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Com as duas apreciações parlamentares, propostas pelos Grupos Parlamentares do Partido Comunista Português e do Partido Socialista, aquilo que a Assembleia da República, no fundo, está a debater é mais uma etapa daquele que tem sido o claro processo de esvaziamento do Serviço Nacional de Saúde por parte do Governo da actual maioria, com a entrega deste Serviço, naquelas que são as suas vertentes rentáveis, ao sector privado e, em conclusão desse objectivo político, com o esvaziamento daquele que constitui um direito fundamental dos cidadãos, que é o acesso aos cuidados de saúde.
Com efeito, a observação do diploma permite-nos entender não se trata de oferecer nada de novo aos cidadãos, não se trata de melhorar condições de acesso e humanização dos serviços, trata-se, tão-só, de atacar aquele que é, seguramente, um alicerce fundamental na prestação de cuidados de saúde aos cidadãos e aquela que é a rede mais próxima e, porque a mais próxima, a mais necessária, a que os cidadãos têm o direito de aceder no nosso país.
O diploma é, pois, ao contrário daquilo que disse o Sr. Deputado Paulo Veiga, não uma medida que venha trazer mais-valias aos cidadãos mas uma medida que, aliás, de uma forma não sustentada e não avaliada nas suas consequências, vem pôr em risco o acesso dos cidadãos a cuidados de saúde, sendo certo que, cada vez com mais nitidez, esse acesso fica condicionado à capacidade económica de cada um e a saúde deixa de ser considerada um direito fundamental de facto e passa a ser um bem de consumo como qualquer outro, cujo acesso implica as condições económicas de cada um ou, em última análise, determina a remissão dos cidadãos com menor capacidade económica para serviços de menor qualidade, residuais, sem alma, seguramente não humanizados e relativamente aos quais o investimento público não existe, pelo contrário, é gradualmente esvaziado.
Portanto, também aqui, desta forma, teremos cidadãos discriminados. De um lado, estarão aqueles que podem ter acesso a cuidados de saúde, se tiverem meios financeiros para o fazer, do outro estarão os que têm de recorrer a instituições de menor qualidade, porque o direito à igualdade e a universalidade do acesso a um bem e a um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, deixam de ser garantidos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Espero que tenha lido o decreto-lei!

Página 5466

5466 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

O Sr. Secretário de Estado da Saúde (Carlos Martins): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, permitam-me que agradeça aos Grupos Parlamentares do Partido Socialista e do Partido Comunista Português por terem concedido ao Governo esta excelente oportunidade de recordar as reformas e as mudanças em curso nas políticas de saúde e, em concreto, na área da medicina familiar e comunitária, vulgarmente denominada por cuidados de saúde primários.
Conforme é do vosso conhecimento, o Programa do XV Governo Constitucional, aprovado nesta Casa, afirma que a saúde é um bem e um direito dos cidadãos, constituindo um investimento nas pessoas e um poderoso factor de reforço da coesão e do desenvolvimento económico e social.
O compromisso político do Governo é, e será, o de que as reformas em curso e a realizar serão sempre, mas sempre, focalizadas nos utentes e norteadas pela preocupação de dar às pessoas um atendimento de qualidade, em tempo útil, com eficácia e com humanidade.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido do desafio, da modernidade e da mudança, entendeu e entende o Governo de coligação que o sistema nacional de saúde deve ser misto, combinado e integrado e todas as partes intervenientes - públicas, privadas e sociais - devem colaborar e participar.
Gerir com competência, premiar o mérito, responsabilizar com eficácia e incentivar a produtividade são, já hoje, palavras, princípios e valores do nosso quotidiano e serão cada vez mais os pilares essenciais da política de rigor na gestão e na administração do Serviço Nacional de Saúde. E importa recordar estes princípios e valores da mudança em curso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas vamos à matéria que deu origem a esta apreciação conjunta, não sem tecer alguns comentários, que entendo importantes, ao teor das posições de ambos os grupos parlamentares.
Sr. Deputado Luís Carito, ouvi-o com muita atenção, e dirijo-me a V. Ex.ª também na qualidade de primeiro subscritor do pedido de apreciação parlamentar do Partido Socialista, mas não resisto a confrontá-lo, no bom sentido, com algumas das suas afirmações proferidas ao longo dos últimos meses, seja em sede de comissão parlamentar, seja em Plenário.
No dia 21 de Maio de 2002, no decurso da primeira audição ao Sr. Ministro da Saúde, após ouvir o que o Governo pretendia para a rede ou o que o Governo entendia como uma rede de cuidados primários, V. Ex.ª afirmou que as ideias eram boas e que até as entendia - imagine-se! - como uma continuidade. Se me permite, seguramente, nessa altura, V. Ex.ª não acreditava que estava perante um Ministro e um Governo de acção e não de inacção, e daí falar em continuidade.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Afonso Candal (PS): - Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço!

O Orador: - Mas, no passado dia 29 de Abril do corrente, o Sr. Deputado subscreveu o documento que dá origem a esta apreciação parlamentar e, se me permite, esse documento não é mais do que uma crítica, de forma sub-reptícia, a um governo e a um ministro mas do Partido Socialista.
Sr. Deputado, defender o Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de Maio, é defender um exemplo de inacção, de incapacidade de fazer, de reformar e de mudar!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Recordo-lhe que, desde 10 de Maio de 1999 a 6 de Abril de 2002, passaram 3 anos e, pela Avenida João Crisóstomo, passaram três ministros do Partido Socialista.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - Fala, V. Ex.ª, em avaliação. Permita-me dizer-lhe que tenho muita dificuldade em avaliar aquilo que não existe.
Fala V. Ex.ª, agora, de opções mas, quando tiveram essa oportunidade, limitaram-se a excelentes, bonitos e politicamente correctos estudos, publicações e diplomas, deixando uma pesadíssima herança no plano financeiro e no plano da organização do Serviço Nacional de Saúde.
Em relação ao teor da intervenção e do pedido de apreciação parlamentar do Partido Comunista, lamentamos que VV. Ex.as continuem a ver um projecto de privatização num diploma que visa mais eficácia e eficiência e melhor humanização na prestação de cuidados de saúde.
Sr. Deputado Bernardino Soares, ao contrário do que V. Ex.ª afirma, não estamos a abrir a porta à privatização mas, sim, a apostar na modernização dos centros de saúde, na reorganização do seu actual funcionamento, centralizado e burocrático, na racionalização dos sempre finitos recursos e na satisfação das populações e dos próprios profissionais.
Aliás, V. Ex.ª afirmou, em certo momento da sua intervenção, que, em termos de cuidados de saúde primários ou em termos de medicina familiar - gosto mais desta expressão -, estávamos perante um sistema degradado, burocrático, onde não havia responsabilidade e, portanto, estávamos perante um sistema que gerava insatisfação. Este diagnóstico está feito há décadas e, mais do que o diagnóstico, importava a terapia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas a terapia tem de ser a adequada!

O Orador: - O diploma em apreciação visa, precisamente, responder à degradação, à burocracia e à desresponsabilização em termos desta rede, que é a porta de entrada no serviço e no sistema nacional de saúde.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr.as e Srs. Deputados: Ao iniciarmos a reforma do Serviço Nacional de Saúde, ao optarmos pela desejada e necessária mudança, ao mexermos com o imobilismo, sabíamos que teríamos determinadas reacções, mas fomos eleitos e empossados para decidir e para fazer reformas estruturantes, isto é, fomos eleitos e empossados para cumprir um programa de governo. E, recordando um

Página 5467

5467 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

provérbio árabe, não há dúvida de que "para conquistar é preciso saber resistir"…
Acima de tudo, acreditamos, sem reservas, que o Serviço Nacional de Saúde deve estar cada vez mais acessível às populações, com equidade e racionalidade, que não ao serviço de outros interesses e, acima de tudo, nunca, mas nunca, ao serviço daqueles que o entendem como uma arma de arremesso político-partidária.
Sr.as e Srs. Deputados: O XV Governo Constitucional elaborou e aprovou um decreto-lei que, de forma muito concreta e exequível, permitirá a reorganização dos centros e extensões de saúde, criando a já afirmada moderna e funcional rede de cuidados de saúde primários.
Só quem não conhece ou não quer conhecer a realidade é que pode defender a manutenção de uma organização ultrapassada versus reformas tão profundas como uma nova lei de gestão hospitalar ou a empresarialização hospitalar em curso.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Empresarialização, não, mercantilização!

O Orador: - Isso, sim, Srs. Deputados, seria o fim dos centros de saúde e da medicina familiar!
Mais do que ilações desajustadas ou reflexões despropositadas, importa, mais uma vez, recordar aquilo que está no diploma e não aquilo que alguns julgam ver no diploma.

Protestos do PS, do PCP e do BE.

E o que queremos com este diploma é assegurar maior liberdade de escolha pelo cidadão do seu médico de família,…

Protestos da Deputada do BE Joana Amaral Dias.

Sr.ª Deputada, ouvi-a com toda a atenção, pelo que gostaria que também me deixasse prosseguir.
Repito que temos como objectivos essenciais deste diploma os seguintes: a maior liberdade de escolha pelo cidadão do seu médico de família; aumentar e diversificar a oferta para eliminar a situação de cerca de 1 milhão de cidadãos em lista de espera para terem acesso a um médico de família;…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas como é que vão fazer isso?!

O Orador: - … estabelecer o conceito de que o médico assistente é o "gestor" da saúde do utente e a porta de entrada no sistema de saúde; alargar os horários de funcionamento; garantir a promoção da saúde, a prevenção, o diagnóstico, a terapêutica e a reabilitação, como, aliás, já foi dito nesta Câmara, hoje, pelo Sr. Deputado Paulo Veiga; alcançar a articulação que falta e de que tanto se falou, ao longo de décadas, entre os centros de saúde dos hospitais e, agora, a nova rede de cuidados continuados;…

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Como?!

O Orador: - … o financiamento global e progressivo por capitação dos centros de saúde; atribuir maior autonomia ao director do centro - e não se entende qual é a dúvida existente a este nível -, que terá competências alargadas, nomeadamente no que diz respeito à gestão de recursos humanos, financeiros e materiais; enfim, garantir, acima de tudo, a qualidade dos cuidados, a qual será avaliada por diversas entidades e a diversos níveis, com toda a transparência e com toda a independência.
Em suma, Srs. Deputados, queremos mais e melhores serviços junto das comunidades, essenciais para uma expressão tão cara, que é a dos reais ganhos de saúde no nosso país.
Claro que entendemos a incompreensão do Grupo Parlamentar do PCP, que anda arredado há décadas do "fazer" e que tem outra filosofia ideológica, em termos de políticas de saúde.
Naturalmente, também entendemos a angústia do Partido Socialista que, durante seis anos, teve a oportunidade de fazer e limitou-se a estudar, a conceptualizar e a adiar decisões estruturantes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.as e Srs. Deputados: Reconhecemos, sem pruridos e falando verdade, que grande parte do diagnóstico estava efectuado em Abril do ano passado.
Reiteramos que existimos não para fazer parte do problema mas, sim, para fazer parte da solução dos problemas.

Risos da Deputada do BE Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Fazer parte da solução não é complicar o problema!

O Orador: - Sobretudo, o nosso esforço e a nossa atenção continuarão a centrar-se no que não estava bem, no que estava mal e no que não estava feito. Portanto, não iremos gastar o nosso tempo com aquilo que estava bem, e também já reconhecemos que lhe iremos dar a devida continuidade.
Mas também vos quero afirmar que nem durante uma fracção de segundo hesitamos no rumo a seguir e, desde a nossa tomada de posse, iniciámos a terapêutica que se exigia e se impunha no Serviço Nacional de Saúde e também no sistema nacional de saúde.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Não têm dúvidas nem se enganam!

O Orador: - Acima de tudo, o que temos de garantir aos portugueses é a governabilidade da saúde, em Portugal, ao serviço dos cidadãos.
Naturalmente, não posso deixar de recordar a esta Câmara que não é difícil falar, não é difícil dizer, não é difícil estudar e, muito menos, filosofar, o difícil é decidir e, ainda mais difícil, é fazer.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Está à vista!

O Orador: - Dizem os sábios chineses, com razão, que "é mais fácil saber como se faz uma coisa do que fazê-la"… E é isso que distingue os homens e os governos: a capacidade de fazer, de realizar e de concretizar.

Protestos do PS, do PCP e do BE.

Hoje, tal como ontem, e sobretudo amanhã, continuamos empenhados e determinados em construir um sistema

Página 5468

5468 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

que proporcione melhor saúde aos nossos concidadãos e maior realização aos nossos profissionais de saúde. Sobretudo, acreditamos - continuamos a acreditar - que vamos ganhar estes desafios, ao serviço dos portugueses. Como sempre, a bem de Portugal!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado da Saúde, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, depois de ouvir as intervenções dos dois Srs. Deputados da maioria, parece-me que não leram muito mais do que o preâmbulo do decreto-lei em apreciação, não se tendo, portanto, apercebido das contradições entre o que está dito, em termos filosóficos, e que parece não ser uma grande abordagem, como o Sr. Secretário de Estado acabou de dizer. Fiquei até com uma dúvida sobre se não haveria uma nova versão deste decreto-lei. Aliás, pareceu-me que o Sr. Deputado José António Silva estava a falar de uma última versão,…

O Sr. Afonso Candal (PS): - É a 16.ª!

O Orador: - … que, definitivamente, ninguém conhece.
Mas, de facto, em relação ao Sr. Secretário de Estado, estava à espera de que, pelo menos, tivesse lido tudo, e penso que deverá ter lido, mas, no entanto, falou-nos apenas, em concreto, das epígrafes dos vários artigos e não do seu conteúdo e da forma de operacionalizar esse mesmo conteúdo.
Para terminar, vou abordar apenas mais uma questão, que gostaria que o Sr. Secretário de Estado, no pouco tempo de que ainda dispõe, nos dissesse como vai resolver.
No decreto-lei em apreciação há um artigo que prevê a liberdade de escolha pelo cidadão do seu médico de família, mas a verdade é que, logo a seguir, é dito que será dada prioridade aos residentes da área, nomeadamente em situações de carência. É este o discurso de princípio das poucas pessoas que estão a defender este decreto-lei, aliás, este debate já vale por isso, por termos tido aqui as três pessoas que, neste país e desde há um ano, defendem o diploma em apreciação, que são o Sr. Secretário de Estado e os Srs. Deputados que intervieram antes.
Sr. Secretário de Estado, gostaria que me dissesse como vai resolver a questão da liberdade de escolha dos cidadãos quando, em situação de carência, esta liberdade vai ficar limitada e quando toda a filosofia, apesar de o Sr. Secretário de Estado dizer que não se trata de filosofia mas, sim, da resolução de problemas, é levar toda a resposta assistencial para a noção de doença aguda, mantendo os serviços de atendimento e as urgências hospitalares como uma verdadeira porta de entrada dos serviços de saúde. Aliás, até tenho dúvidas se o decreto-lei em apreciação não transforma os cuidados primários de saúde num grande serviço de atendimento permanente.
Sr. Secretário de Estado, gostaria, então, que me respondesse a esta questão. Como é evidente, ficam muitas dúvidas por colocar, até porque - volto reforçar - o Sr. Secretário de Estado foi das primeiras pessoas que defenderam este decreto-lei, mas o agendamento, em termos de tempo, não dá para muito mais; ficará para outra ocasião.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Portugal, estive a olhar para o diploma, e até para a versão que V. Ex.ª tem em seu poder, a publicada em Diário da República, mas, de facto, continuo com uma dúvida, a de se estamos a falar do mesmo documento. De qualquer forma, responderei às duas questões objectivas que colocou.
A questão sobre a liberdade de escolha do médico de família pelos cidadãos deixou-me preocupado, pois esta é uma matéria em que houve alguma continuidade de pensamento e de posição entre o anterior e o actual Governo. Afinal, constatamos que os senhores a afirmaram mas não sabiam como fazê-lo. Aliás, esta como outras matérias são uma prova evidente disso.
O que é a liberdade de escolha?

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - O que pergunto é como vai fazer isso!

O Orador: - A liberdade de escolha é possível com uma melhor organização, acima de tudo com sistemas de informação. Não é possível fazê-lo distribuindo milhões de cartões de utente que não têm qualquer validade, que não têm qualquer valia em termos clínicos, de organização ou de permitir a liberdade de escolha.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Liberdade de escolha é o cidadão ter à sua disposição um médico de família, um gestor da sua saúde, seja no seu local de residência seja na sua área de trabalho.
Devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que continua a ver mal a questão quando fala do seu grande receio em ver no diploma em apreciação um grande serviço de atendimento permanente. Quero dizer-lhe que está absolutamente certa. Este diploma vai permitir que os centros de saúde deste país sejam um grande centro de atendimento permanente, não no horário burocrático, administrativo, mas, sim, num horário alargado, das 8 às 20 horas, isto é, durante 12 horas por dia, o que virá em muito responder àquelas velhas questões que não nos deixam, sem sombra de dúvida, orgulhosos. Naturalmente, estou a falar das filas de espera às 5 ou 6 horas da manhã à porta de muitos centros de saúde e do tal milhão de portugueses (foi este o número que vos dei) que não têm a garantia de um médico de família.

Aplausos do PSD.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É só demagogia!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, antes de mais, agradeço ao Partido Ecologista "Os Verdes" e ao Bloco de Esquerda o tempo que amavelmente me cederam.
Sr. Presidente, quero dizer ao Sr. Secretário de Estado da Saúde que não fica nada bem a um responsável político

Página 5469

5469 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

da área da saúde dizer que prefere a expressão "medicina geral e familiar" à expressão "cuidados de saúde primários". Não sei se o Sr. Secretário de Estado sabe que, nos cuidados de saúde primários, há mais do que os cuidados médicos. Essa filosofia demonstra bem a completa indigência com que o Governo trata a questão dos cuidados de saúde primários.
Quando diz que prefere a expressão "medicina geral e familiar", esquecendo que há algo mais para além disso neste âmbito - há os cuidados de enfermagem, os cuidados de saúde pública -, o Sr. Secretário de Estado está a menorizar este importante sector do Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

O Orador: - O Governo tem nesta área - noutras também, mas estamos agora a falar desta - uma acção tipo "Rambo". O Sr. Secretário de Estado repetiu várias vezes o discurso "nós não hesitamos!", "nós não pensamos, fazemos!", mais ou menos como o Rambo fazia, só que, tal como o Rambo, também o que o Governo faz é para destruir.

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

O Orador: - E, tal como o Rambo, a acção do Governo em relação aos centros de saúde é para a destruição do Serviço Nacional de Saúde e dos cuidados de saúde primários.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Exactamente!

O Orador: - É essa destruição maciça que o Governo quer levar a cabo com a sua política do "não pensa, mas age"; é para a destruição e para a menorização dos serviços de saúde.

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

O Orador: - Há, depois, nesta matéria alguns equívocos.
Primeiro, o Sr. Secretário de Estado não se referiu aos subsídios para os futuros nomeados nestes centros de saúde. Quanto espera o Governo gastar com isto? Vai ou não gastar em subsídios de função mais de 4 ou 5 milhões de euros/ano? Vai ou não recompensar os boys do PSD e do CDS-PP nomeados com mais esta benesse, à custa do Orçamento do Estado e sem qualquer exigência para o funcionamento do sistema?
O Sr. Secretário de Estado da Saúde fala muito na liberdade de escolha. Sr. Secretário de Estado, quando o Governo autorizar que um ou vários centros de saúde, que uma ou várias extensões, passem a ser geridos por privados, não é por o utente poder ir ao centro de saúde do concelho ou do distrito ao lado que passa a haver liberdade de escolha. O que acontece é que as populações que estão na zona do centro de saúde de gestão privatizada deixam de ter, na sua zona, liberdade de escolha, passam a ter a obrigação de escolha do centro de saúde cuja gestão está privatizada.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não é liberdade de escolha, é obrigatoriedade de escolher o privado onde o Governo impuser essa solução!

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

O Orador: - Como é que há liberdade de escolha, Sr. Secretário de Estado, se por esse País fora se encerram, sucessivamente, extensões e se diminuem horários por falta de médicos, de enfermeiros e de outros profissionais?! Que escolha é dada a estas populações, que sucessivamente ficam sem os serviços de saúde a que têm direito, os quais vão fechando por incúria dos governos, que não acautelaram a questão dos recursos humanos na saúde?!
Bem sei que não é só o PSD! Bem sei, Sr. Secretário de Estado, que nesta situação, que começou no tempo do PSD, a governação do PS teve amplas responsabilidades. Neste momento, para agravamento da situação, o Ministério da Ciência e do Ensino Superior já disse que as vagas na área da saúde não vão aumentar! Logo, o problema que temos será agravado ainda mais nos próximos anos.

Vozes do PCP e do BE: - Bem lembrado!

O Orador: - Diz o Sr. Secretário de Estado que não há privatização, querendo significar, com esta manobra semântica, que a propriedade dos edifícios não vai para o sector privado. Mas vai a gestão e o dinheiro de todos nós ser entregue aos privados, quando poderia ser bem gerido no sector público!
O Sr. Secretário de Estado fala em medidas que podiam, e deviam, como defendemos há muito (e o Sr. Secretário de Estado sabe disso, pois esteve nesta Câmara como Deputado), ser aplicadas na gestão pública (a produtividade, a remuneração por produtividade). Fala nessa inovação do financiamento por capitação - já não interessa se os cuidados de saúde são de qualidade, interessa, sim, a quantidade, quantos se fazem, quantas cabeças são tratadas. Este é um financiamento não por capitação mas de decapitação do Serviço Nacional de Saúde, da sua qualidade e da sua eficiência.

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Secretário de Estado fala da eliminação da burocratização. Sr. Secretário de Estado, antes havia uma direcção colegial de três elementos, agora há um director e mais quatro coordenadores, fora as extensões. É esta a sua ideia de desburocratização?!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como é que vai dar médicos de família a 1 milhão de utentes que não o têm se não forma mais médicos de família?
Finalmente, e termino rapidamente, Sr. Presidente, diz o Sr. Secretário de Estado que o diagnóstico já está feito e que, agora, resta aplicar a terapia. Só que a terapia tem de ser a adequada, e aquela que os senhores estão a aplicar é a terapia da destruição: vão matar o doente com a cura, e fazem-no não por negligência mas deliberadamente.

Aplausos do PCP e do BE.

Página 5470

5470 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção vai ser muito rápida, mas não quero deixar sem resposta as questões da remuneração e do subsídio de função focadas pelo Sr. Deputado Bernardino Soares.
Sr. Deputado, estamos a responsabilizar aqueles que ficarão à frente dos cuidados de saúde primários, dos cuidados de saúde integrados em cada um dos municípios. Acima de tudo, estamos a remunerar com transparência - esta situação está publicada em Diário da República. Não há aqui qualquer compensação; há aqui, de facto, uma remuneração, um subsídio de função inerente às responsabilidades que cada um vai assumir no seu concelho, ou na sua área supramunicipal.
Sr. Deputado Bernardino Soares, já agora, quero dizer-lhe que convém rever as suas contas, porque os centros de saúde que mencionou não são exactamente os que existem. O Sr. Deputado afirmou que fechámos alguns, no entanto, não são 310 os centros de saúde que existem no nosso país mas, sim, 360.
Por outro lado, em relação ao encerramento de edifícios e à diminuição de horários, devo dizer-lhe que, como afirmei na intervenção inicial, os recursos são finitos, o que exige, acima de tudo, que nos reorganizemos e potenciemos os recursos existentes, antevendo algumas situações que, essas sim, poderiam ser desagradáveis para a boa prestação de cuidados e para a qualidade na prestação de cuidados ao nível da medicina familiar e comunitária.
O Sr. Deputado fala de incentivos, mas não reparou que uma das mais-valias deste diploma é precisamente a de incentivar a produtividade, a qualidade e, acima de tudo, contornar, de forma transparente, a insatisfação crescente que encontrámos ao chegar ao Governo.
Por último, à sua palavra "destruição", quero dizer-lhe que o objectivo deste diploma, o objectivo desta reforma, a exemplo das outras reformas, em termos de política de saúde, é, acima de tudo, a satisfação, em primeiro lugar, dos cidadãos mas também, naturalmente, dos profissionais de saúde.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, para que fique claro, apesar de não sabermos, evidentemente, quantos gestores fora do Serviço Nacional de Saúde vai o Governo nomear, provavelmente só algumas estruturas o saberão, devo dizer que fizemos uma projecção destes gastos, calculando que 50 centros de saúde poderão ser classificados de tipo A, 60 de tipo B e mais 200 de tipo C,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não está a fazer uma interpelação à Mesa. Peço-lhe que conclua imediatamente.

O Orador: - … e chegámos ao número que referi, o qual, evidentemente, pode ser muito superior se forem mais os centros de saúde e os gestores fora do Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, dou por terminado o debate do Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de Abril [apreciações parlamentares n.os 49/IX (PCP) e 50/IX (PS)].
Informo os Srs. Deputados que deram entrada na Mesa um projecto de resolução, apresentado pelo PCP, que tem por objectivo revogar o Decreto-Lei n.º 60/2003, de 1 de Abril, o qual será votado em momento oportuno, e uma proposta de alteração, apresentada pelo PS, a qual, juntamente com o referido Decreto-Lei, baixará à comissão competente.
Srs. Deputados, à apreciação do Decreto-Lei n.º 69/2003, de 10 de Abril - Estabelece as normas disciplinadoras do exercício da actividade industrial [apreciação parlamentar n.º 51/IX (PS)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS suscita hoje a apreciação parlamentar do novo regime do licenciamento industrial. Entendamo-nos, porém: combater a burocracia, simplificar procedimentos administrativos, eliminar actos processuais inúteis, reduzir onde for possível o tempo de resposta da Administração Pública, tudo isto são objectivos meritórios que, naturalmente, partilhamos.
Fique, portanto, claro que o novo regime do licenciamento industrial, na parte em que serve estes objectivos, não tem a oposição do Grupo Parlamentar do PS mas, pelo contrário, o seu apoio.
Confundir a burocracia com a ponderação e a defesa dos valores ambientais e do ordenamento do território, isto sim, constitui um equívoco grosseiro e perigoso que tem de ser aqui denunciado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, é exactamente isto que acontece com algumas disposições do novo regime do licenciamento industrial. Só nos podemos ocupar aqui, pela natureza desta apreciação parlamentar, do decreto-lei que cuida do regime do licenciamento industrial. Outras questões haveria a suscitar a propósito do decreto regulamentar entretanto já publicado mas que não é objecto directo da presente apreciação parlamentar.
O Grupo Parlamentar do PS deseja suscitar cinco questões fundamentais, que consideramos ser cinco opções erradas do Governo nesta matéria.
A primeira consiste no facto de o Governo, neste novo regime, favorecer o deferimento tácito das indústrias mais poluentes, ao contrário, aliás, do que expressamente prometeu na Assembleia da República. Essa solução é consagrada por via da redução dos prazos do procedimento de avaliação de impacte ambiental para as indústrias mais perigosas, as do Anexo I do diploma sobre a avaliação de impacte ambiental, cujo prazo passa de 140 para 120 dias. Aliás, o diploma vai mais longe, prevê que se possa ainda reduzir para 80 dias o procedimento de avaliação de impacte ambiental.

Página 5471

5471 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

O incumprimento destes prazos, como é sabido, tem como consequência o deferimento tácito, e, portanto, estamos perante um perigo exactamente onde ele não deveria existir, isto é, nas indústrias mais perigosas para o ambiente.
A segunda questão que desejamos suscitar tem a ver com a circunstância de o diploma do Governo colocar agora sob a inteira disponibilidade do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente os prazos para a emissão da licença ambiental. Tais prazos, ao abrigo do Regime de Prevenção e Controlo Integrado de Poluição, estão previstos na lei, mas a alteração introduzida no diploma em análise permite ao ministro, por simples despacho, reduzir discricionariamente os prazos de emissão da licença ambiental.
Ora, estes prazos não são prazos do Sr. Ministro, são prazos fixados na lei pelo legislador em nome do interesse público e dos objectivos que visam acautelar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Terceira questão, o diploma que o Governo aprovou não assegura que as autorizações de localização das unidades industriais respeitem os instrumentos de ordenamento do território. E esta abertura, que é concedida na lei, foi já aproveitada pelo decreto regulamentar, que permite às direcções regionais do ambiente emitirem pareceres favoráveis, legitimando a instalação de unidades industriais em locais que contrariam instrumentos da gestão territorial em vigor.
Esta solução, além de manifestamente ilegal por contrariar o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, constitui manifestamente uma opção ofensiva dos valores do ordenamento do território, que importa clarificar ao abrigo do quadro geral, legal, aplicável, para impedir que tenha consequências práticas muito nefastas.
Mais, e é a quarta questão: o diploma do licenciamento industrial permite um mecanismo de regularização das unidades industriais ilegais, sem cuidar de acautelar que essa regularização se faça em estrita conformidade com os planos de ordenamento do território em vigor.
Conclusão: o decreto regulamentar, aproveitando esta abertura concedida pelo diploma, faz uma coisa extraordinária: permite que uma estrutura administrativa ad hoc legitime a consolidação de situações ilegais, mesmo nas situações em que elas contrariam planos directores municipais em vigor. Quer dizer, os cidadãos discutem um PDM, que é aprovado na assembleia municipal, e, depois, uma estrutura administrativa ad hoc vem permitir que se consolide uma situação ilegal, como se a existência de uma situação de facto ilegal pudesse agora valer como facto consumado, prevalecendo, enquanto direito adquirido, contra um plano de ordenamento do território.

O Sr. José Magalhães (PS): - É um absurdo!

O Orador: - Quinta e última questão, o regime de licenciamento industrial que o Governo adoptou consagra também a possibilidade de estes factos consumados se multiplicarem no futuro, porque vem agora prever uma disposição extraordinária que permite às câmaras municipais emitirem licenças de construção - portanto, licenças de obras - de unidades industriais, mesmo que ainda não tenham tido o licenciamento industrial.

O Sr. José Magalhães (PS): - É mau!

O Orador: - Na prática, isto significa que podemos ter construção de unidades industriais que, depois, não vêm a ser licenciadas, o que é meio caminho andado para a constituição de novos factos consumados, que irão condicionar, naturalmente, as decisões da Administração.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - São cinco questões básicas, outras haveria. No entanto, entendemos que é pertinente promover aqui um programa mínimo de recuperação deste regime de licenciamento industrial, de modo a assegurar que ele se articule melhor com as preocupações do ambiente e do ordenamento do território.
Portanto, não me parece que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista pretenda algo de mais. Queremos evitar deferimentos tácitos injustificados, sobretudo no caso das indústrias mais poluentes; queremos impedir a total discricionariedade quanto aos prazos de emissão da licença ambiental; não queremos permitir a instalação de unidades industriais que violem planos de ordenamento do território; não queremos permitir a legalização de unidades industriais que violem planos de ordenamento do território; e não queremos permitir factos consumados com obras de construção de unidades industriais que não estão ainda sequer licenciadas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - É o programa mínimo de correcção deste diploma, que, em sede de apreciação parlamentar, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista entende dever apresentar, e ficaremos a saber, com a resposta que o Governo e a maioria aqui derem, o que valem efectivamente os discursos sobre a importância da integração da política de ambiente e de ordenamento do território nas políticas sectoriais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero cumprimentar o Partido Socialista pela iniciativa, pois é uma boa oportunidade para nos debruçarmos sobre uma matéria desta importância. E, quando a analisamos, devemos apreciar os seus aspectos positivos e negativos, razão por que esperava da parte do Sr. Deputado uma atitude de apreciação global de um diploma com esta importância.
Ora, esta oportunidade permitir-nos-á aferir aqui por que é que uma matéria que foi objecto de um diagnóstico e de reivindicações permanentes ao longo de anos se quedou pelo imobilismo e por uma inacção, no que diz respeito ao licenciamento industrial.
Penso que esta iniciativa do Governo não vai resolver o problema do investimento - não será certamente o "ovo de Colombo" que irá resolvê-lo -, mas creio que se dá aqui um passo decisivo no sentido de se criar um ambiente favorável ao investimento e à dinamização empresarial. Eu diria que se cumpre mais uma etapa no desígnio do

Página 5472

5472 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

Programa do Governo, de promoção da produtividade e do aumento da eficiência da Administração Pública, visando a sua agilização, modernização e eficiência. Dá-se resposta a um regime criticado por todos, empresários, autarquias e serviços do Estado.
A palavra de ordem é, aqui, simplificar, desburocratizar e agilizar.
Procura-se, assim, aliviar os agentes económicos da carga administrativa e burocrática dos procedimentos, diminuindo os tempos de apreciação e decisão e minorando os custos desnecessários, resultantes da redundância dos diferentes níveis institucionais.
Procura-se compatibilizar a protecção do interesse colectivo com a prossecução dos interesses da iniciativa privada, bem como o desenvolvimento do interesse empresarial com a melhoria da qualidade de vida das populações.
Em suma, assume-se, ao mesmo tempo, uma nova atitude perante o empresário e estimula-se uma nova cultura na Administração Pública.
Olha-se para o empresário como um agente de desenvolvimento, co-responsabilizando-o, não se partindo do princípio, errado, de que ele é um prevaricador num quadro de responsabilidade social da empresa.
Assume-se que é, primeiro que tudo, ao industrial que compete tomar as medidas necessárias ou comunicar o facto à entidade coordenadora, sempre que detecte alguma anomalia no funcionamento da empresa.
Só se admite o processo depois de completo, devidamente instruído.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Exige-se a existência de um responsável de projecto, também interlocutor único da parte do empresário.
Exige-se um contrato de responsabilidade civil em actividades de maior grau de risco potencial - é um grande salto.
Obriga-se à existência de um processo organizado sobre o licenciamento.
Ao mesmo tempo que existe esta nova atitude, estimula-se também uma nova cultura na Administração Pública, que quero aqui sublinhar: maior transparência, parceria, incremento da qualidade e eficiência da intervenção.
Simplifica-se e moderniza-se o processo, procurando-se reduzir um prazo, que, em média, é actualmente de um ano e meio - todos nós sabemos o calvário que é para as empresas sempre que pretendem certificar ou licenciar os seus estabelecimentos e não conseguirem atingir este objectivo. A redução de prazos traduz esta nova atitude, que visa rigor, mas com celeridade, com resposta pronta dos serviços.
Da mesma forma, a redução do prazo para os projectos estruturantes para a economia nacional, é de grande relevo para que se cativem novos investimentos.
Só uma avaliação pouco consentânea com um pensamento moderno poderá pôr em causa que se venham a efectuar avaliações de impacte ambientais ligeiras, ou menos aprofundadas.
Alarga-se também o âmbito de aplicação, passando a abranger toda a indústria transformadora, incluindo a transformação da pesca em terra.
Cria-se um interlocutor único - este é um aspecto que eu gostaria que o Sr. Deputado tivesse realçado - da Administração perante o industrial, que verifica a instrução do processo e acompanha as suas várias etapas, bem como as reclamações, simplificando-se alguns procedimentos e harmonizando outros.
Institui-se a figura da entidade acreditada, o que é claramente um grande salto, a quem serão atribuídas ou delegadas competências no âmbito do sistema de licenciamento, acreditada pelo Sistema Português de Qualidade.
Adoptam-se quatro regimes, com graus de exigência diferenciados, a que correspondem quatro tipologias distintas de estabelecimentos industriais, consoante o risco potencial envolvido.
Esclarecem-se as competências das autarquias no sistema de licenciamento.
Definem-se as especificidades do processo de licenciamento das empresas nas áreas de localização empresariais, tema arrastado ao longo de muitos anos pelo governo socialista, simplificando-se os procedimentos ambientais, pelo facto de esta figura prever já o procedimento prévio da avaliação de impacte ambiental.
Aprofunda-se também a abordagem integrada de prevenção e controle de riscos, nomeadamente ambientais, articulando este sistema com medidas de ecoeficiência e de sustentabilidade empresarial.
Clarificam-se os critérios de localização do estabelecimento.
Reduzem-se os prazos para emissão de pareceres, estabelecendo-se o regime do deferimento tácito - e muito bem! -, porque, findo este prazo automático, não há necessidade de ser invocado pelo próprio interessado.
Cria-se ainda o parecer integrado, abrangendo a pronúncia de todos os serviços, no âmbito de uma mesma entidade coordenadora, e colocando em 10 dias o prazo para esclarecer todas as dúvidas, não dilatando indefinidamente estas mesmas decisões.
Em suma, também se simplificam os pedidos de alteração dos licenciamentos.
Penso, Sr. Deputado, que isto é, claramente, um passo decisivo.
Sr. Deputado, para melhor se perceber isto, faço-o percorrer um calvário. Imagine-se na posição de um investidor que inicia o processo de criação de uma empresa, desde o pedido do nome no Registo Nacional de Pessoas Colectivas até à morosidade da marcação da escritura, passando pela declaração de início de actividade nas finanças e na segurança social, passando pelo registo, para já não falar da incompreensão do complexo Plano Oficial de Contabilidade, passando pelo licenciamento industrial. Eu diria que um empresário chega ao fim pouco motivado para continuar.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Quais foram as questões que eu coloquei?

O Orador: - Se queremos criar condições que atraiam investimento que traga consigo valor acrescentado, inovação tecnológica e níveis mais elevados de gestão, temos de actuar nos diferentes níveis. É o que faz este diploma.
Por outro lado, a sobrevivência do Estado não é posta em causa com o mau funcionamento dos serviços e os atrasos nas decisões, mas o mesmo já não é verdade para as empresas, que se encontram sujeitas a concorrência do mercado. Tem muita relevância o mau funcionamento e o atraso nas decisões, que se reflecte negativamente na competitividade das empresas, constituindo um factor de bloqueio fundamental.

Página 5473

5473 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

Por último, nada do que consta do diploma é possível de atingir sem uma atitude pró-activa junto das pessoas dos diferentes serviços e de monitorização permanente dos prazos, contrariando a tradicional atitude reactiva de alguns organismos.
Penso que contribuirá para este objectivo a recente clarificação do papel das direcções regionais do Ministério da Economia, que, deixando de ter competências inspectivas, se transformam em verdadeiras entidades operacionais da regulamentação.
Para terminar, penso que um bom elogio é também um factor de motivação. Por isso, quero realçar aqui o bom exemplo da Direcção Regional do Centro do Ministério da Economia, que de moto proprio iniciou o seu processo de certificação, sendo hoje uma instituição do Estado acreditada pela norma ISO 9002. Esta, sim, é a forma de responder as verdadeiras situações: uma atitude diferente, uma motivação das pessoas e uma postura diversa de resolução dos problemas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Só não respondeu a nenhuma das questões que lhe coloquei!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Com vista à cessação da vigência, ou, mais propriamente, segundo percebi da intervenção do Sr. Deputado Pedro Silva Pereira, à introdução de algumas alterações, analisámos o sistema legal que disciplina o exercício da actividade industrial.
Tal regime de licenciamento consagra, segundo já foi aqui referido, aspectos importantes quer numa perspectiva de redução significativa de prazos quer na de simplificação e desburocratização de procedimentos. Isto enquanto se desenvolve e aprofunda uma entidade coordenadora de todo o processo de licenciamento como interlocutor único do industrial.
A anterior distribuição dos estabelecimentos industriais por quatro classes foi substituída, com inegáveis vantagens, em nossa opinião, por uma distribuição por quatro regimes tipo de licenciamento, agora em função dos riscos potenciais associados à actividade a instalar e com graus de exigência processual diferenciados. Numa lógica que me parece meritória e, de resto, de fácil percepção.
Também em matéria de descentralização administrativa se redefiniram as atribuições e competências no âmbito do licenciamento industrial, transferindo-as para as autarquias locais, a quem é cometido novo e importante papel.
Não menos importante, foi previsto o mecanismo transitório para a resolução de situações até agora insolúveis, nomeadamente o licenciamento de estabelecimentos industriais instalados antes da publicação dos actuais instrumentos de ordenamento do território e que se situem em zonas actualmente não autorizadas para a actividade industrial. Clarificaram-se os critérios de localização e definiram-se as condições em que é necessária, ou não, a prévia autorização de localização, com base nos instrumentos de ordenamento do território existentes, nomeadamente os planos directores municipais.
Foi, ainda, introduzida uma significativa simplificação dos elementos processuais requeridos, racionalizando e desburocratizando as exigências em função do regime-tipo de licenciamento, regime este assente numa efectiva redução do prazo para emissão de pareceres, com reforço da aceitação tácita no caso de ultrapassagem do prazo previsto, mas também na própria dispensa desses pareceres em alguns casos.
Contribui-se, deste modo, para a criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento das empresas e da indústria, assim como para a inovação.
As empresas, designadamente as empresas desenvolvidas e sólidas, são essenciais para o crescimento económico do País. Para construir uma economia de prosperidade e de bem-estar devemos criar condições para desenvolver o espírito empresarial e que incentivem práticas empresariais inovadoras conducentes ao crescimento e à criação de novas empresas.
É vital atingir estes objectivos, se pretendermos obter um crescimento económico sustentável, necessário para a apoiar o progresso social e proteger o ambiente.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É vital incentivar o verdadeiro espírito empresarial, apoiar aqueles que assumem riscos, clarificando o regime de licenciamento e melhorando as condições de instalação.
Ninguém questionará, por certo, ou, mais propriamente, ninguém de boa fé questionará que as empresas são indispensáveis ao desenvolvimento sustentável do País nos planos económico, social ou ecológico.
A fim de poder elaborar uma política sustentável, há que ter uma visão global dos objectivos estratégicos nestes domínios e assegurar que a regulamentação permita às empresas atingir o crescimento económico sustentável, necessário para atingir esses objectivos. A contribuição da política empresarial para esta visão global é uma questão de bom senso e de experiência.
A concretização deste bom senso empresarial na elaboração de uma política sustentável, na matéria em discussão, implica, desde logo: tornar o quadro legislativo previsível, de forma a evitar distorções ao nível das decisões em matéria de investimento; prever instrumentos de regulação flexíveis e, assim, mais facilmente adaptáveis a cada realidade e em cada momento; assegurar que as decisões sejam equilibradas e exequíveis em termos de custos; acolher a necessidade das empresas terem em conta o impacte ambiental ao longo de todo o ciclo de vida do produto e integrarem a sustentabilidade nas decisões relativas à concepção e à comercialização; e, por último, incentivar a intervenção das partes envolvidas numa fase precoce do processo de tomada de decisão, possibilitando-lhes, desse modo, apresentar as suas observações e transmitir a sua experiência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vivemos, decidida e assumidamente, numa economia de mercado. Não obstante, por vezes, alguns pensadores de vanguarda têm defendido, com certa frequência, políticas ambientais que vão contra os princípios básicos de funcionamento deste nosso sistema económico, designadamente quando propugnam soluções onde a legislação e o Estado têm um papel de excessiva e injustificada preponderância. A adopção deste tipo de políticas significaria, seguramente, que estas, por não levarem em conta a natureza humana e os legítimos

Página 5474

5474 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

interesses dos agentes económicos, acabariam por ter resultados contraproducentes e sempre muito aquém do esperado.
Os procedimentos administrativos, convém aqui recordar, foram criados não para dificultar, não para complicar, não para burocratizar, mas para permitir à administração formar a sua vontade de modo esclarecido no interesse geral.
Ora, está cabalmente demonstrado que os formalismos em excesso não constituem garantia alguma, seja de que género ou espécie for - se não agilizarmos, nunca teremos uma economia competitiva. Assim, não se percebe por que é que os prazos não podem ser encurtados. Não se percebe por que é que os procedimentos não podem ser simplificados. Não se percebe por que é que a tramitação não pode ser mais ágil e transparente. Só em Portugal se demora um mês para obter uma certidão, e dois anos para conseguir uma licença.
É não só um calvário, Sr. Deputado Almeida Henriques, mas uma verdadeira vergonha!
Falemos claro, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Todos reclamamos contra a morosidade do nosso sistema burocrático administrativo - e muito justamente o fazemos. Todos nos insurgimos contra o excesso de papéis, a duplicação de procedimentos, a manifesta complexidade da nossa teia administrativa, a abundância de regulamentação redundante ou desnecessária, a preponderância dos manga-de-alpaca. Não obstante, quando alguém altera esta situação, "cai o Carmo e a Trindade" (se me permitem a expressão), muito concretamente porque, alegadamente, ao reduzir-se o prazo se está a diminuir a garantia da audição, ao simplificar o processo se está a sacrificar a defesa do ambiente, ao forçar a tomada de decisões de forma expedita se estão a afastar formalidades essenciais ao controlo.
Afinal, pergunto, em que é que ficamos?
A resposta, para nós, é clara. Desde logo, porque rapidez não implica menos garantias ou transparência mas, sim, mais e melhor trabalho para a Administração e para os serviços. Depois, o conflito entre estas duas vertentes, de preocupação, só é verdadeiramente resolvido através de um regime equilibrado, de um sistema que, ponderando os interesses em causa, não sacrifique uns em detrimento de outros, mas, ao contrário, satisfaça estes sem comprometer aqueles.
Este é, em nossa opinião, o regime do diploma ora em apreciação. Até porque, convém não esquecer, os tempos são agora outros. Vivemos hoje num mundo de tecnologia que evolui a um ritmo admirável. É preciso, pois, que nos saibamos adaptar a esta mudança, quer nas empresas, quer nos serviços públicos, e uma das formas de o fazer é precisamente a de reduzir o número de interlocutores das empresas na Administração, o que traz vantagens para as empresas, mas também para os próprios serviços públicos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Também desta forma se incentiva uma cultura empresarial salutar e moderna, capaz de aproveitar as oportunidades e apta a enfrentar os desafios, receptiva à inovação e em permanente evolução, com preocupações de índole ambiental, preconizando o desenvolvimento sustentável e assumindo a responsabilidade social que lhe cabe.
Esta perspectiva empresarial exige-nos respostas prontas, adequadas, pragmáticas e justas. Todos preconizamos, e bem, eficiência económica e equidade social. São, de facto, conceitos preponderantes, mas - convém não esquecer - cuja concretização também depende de nós.
Assim, sejamos capazes de entender os ventos da história.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Esta apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 69/2003, requerida pelo Partido Socialista, é, porventura, na sua aparente simplicidade, o exemplo maior da concepção que este Governo tem do ambiente. Penso que a não alteração deste Decreto-Lei, se vier a acontecer - e estamos com alguma expectativa para ouvir o Sr. Secretário de Estado do Ambiente pronunciar-se sobre isto -, é a própria "declaração de morte" deste Ministério, cuja invisibilidade, cuja subalternização é constante e, aliás, visível na argumentação dos Srs. Deputados da maioria.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Muito bem!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A questão que estamos a discutir - que é legítima - não é saber se a Administração deve, ou não, ter procedimentos burocráticos. Não deve! Aliás, pretende-se saber por que é que os têm, sendo certo que os senhores detêm a Administração e têm condições para a tornar moderna, operativa e rápida. A questão que está colocada é a de saber se, como há 30 anos atrás se pensava (e este discurso voltou a conhecer a luz do dia neste Parlamento), a sociedade - o seu progresso e a sua transformação - tem de ser inimiga do ambiente e tem de o considerar um estorvo.
Aquilo que os senhores têm implícito neste Decreto-Lei é uma concepção que tem, pelo menos, três décadas - altura em que se pensava que só se conseguia desenvolver as sociedades destruindo o ambiente. Não é disso que se trata hoje.
Quando se diz - e presumo que será isto que o Governo virá dizer, através da Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços - que é preciso fazer atropelos grosseiros a instrumentos do ordenamento do território, que é preciso dispensar aquilo que, aparentemente, até é visto como um estorvo, que é a avaliação de impacte ambiental, por não ser compreendida como é modernamente, como um instrumento vital para uma boa e correcta ocupação dos solos, para a defesa do ambiente, da biodiversidade e do território; quando se multiplica, ao invés de limitar, aquilo que era criticado pelo PSD enquanto oposição, e nessa altura ouvia as críticas de Os Verdes, que são os usos e os abusos dos deferimentos tácitos; quando se permite, aliás, dispensar a regularização e se aumenta o poder discricionário a pretexto da necessidade de agilizar (que é a nova palavra que entrou no léxico do Governo) o processo de licenciamento, esta medida é, desde logo, o atestado de incompetência do Governo para conseguir desburocratizar-se e a prova da sua incapacidade de perceber que o ambiente não é um inimigo do desenvolvimento mas um aliado, porque não há seguramente desenvolvimento

Página 5475

5475 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

a prazo se os valores ambientais não foram entendidos diferentemente.
Reservo o resto do tempo de que disponho para perguntas que terei muito gosto em formular ao Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços.

A Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços (Maria do Rosário Ventura): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A situação da economia à escala global e europeia e, em particular, a realidade nacional exigem a melhoria do enquadramento regulamentar das actividades industriais, com vista a eliminar entraves administrativos à criação de empresas e de modo a potenciar condições para o progresso económico e a competitividade empresarial.
A criação das condições para tornar Portugal um país atractivo para investir e produzir, quer para empresas nacionais, quer para empresas estrangeiras, foi, por isso, nossa preocupação constante em todo o Programa para a Produtividade e Crescimento da Economia. É assim que, com o novo sistema de licenciamento industrial, se procura desenvolver um enquadramento favorável à promoção da competitividade industrial e do desenvolvimento sustentável, assegurando-se a compatibilização das diversas vertentes do interesse colectivo.
O objectivo fundamental é muito claro: melhorar o desempenho global do sistema de licenciamento e a eficácia da resposta às empresas, num quadro de reforço da responsabilidade destas em matéria de prevenção de riscos e cumprimento da regulamentação aplicável.
Este objectivo essencial foi prosseguido de várias formas, já hoje aqui referidas e das quais destaco: a consagração do reforço das atribuições e competências das autarquias locais, nos termos da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro; a articulação com os desenvolvimentos em matéria de cadastro industrial, visando um sistema mais eficaz de informação empresarial; o aprofundamento do papel da entidade coordenadora, a quem compete a coordenação do processo de licenciamento enquanto interlocutor único do industrial, contemplando a criação da figura do gestor do processo, conferindo-lhe assim maior capacidade de intervenção e decisão.
Destaco, ainda, por outro lado: a criação da figura da entidade acreditada, a quem serão atribuídas ou delegadas competências no âmbito do sistema, factor de simplificação de procedimentos e de celeridade de actuação, no respeito pela garantia da qualidade dos procedimentos; a criação de quatro tipos de regimes de licenciamento, com graus de exigência processual diferenciados em função do seu risco potencial, com a correspondente simplificação de procedimentos e redução dos tempos do processo de licenciamento; o reforço da qualidade do projecto industrial, instituindo a figura de "Responsável Técnico do Projecto" e de "Interlocutor Técnico", por parte do empresário; a instituição do arquivo de licenciamento, a ser mantido e actualizado nas instalações da empresa, e a sua interligação com alterações em que não é requerido o licenciamento, permitindo assim o controlo a posteriori em substituição da sistemática exigência de licenciamento prévio das alterações; a simplificação dos pareceres para os vários regimes de licenciamento, com a previsão da sua dispensa para as empresas que pretendam instalar-se em áreas de localização empresarial (ALE) ou com projectos validados por entidades acreditadas, considerando-se que tal não prejudica a qualidade das decisões, nem põe em causa os valores ambientais e de segurança a preservar; a redução dos prazos para emissão de pareceres, com reforço da aceitação tácita, no caso de ultrapassagem do prazo previsto, e a introdução do conceito de parecer integrado, por Ministério, e da obrigatoriedade da sua fundamentação, bem como das condições impostas, conjugada com o reforço da qualidade do projecto; a criação de um regime transitório, por forma a procurar solucionar casos, até agora insolúveis, de localização anteriores ao estabelecimento do instrumento de ordenamento do território que não permite a localização e a introdução da possibilidade de emissão de licença limitada no tempo; a introdução do reexame das condições de exploração para os estabelecimentos de maior risco potencial, de 7 em 7 anos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me, agora, responder directamente a algumas preocupações e questões suscitadas pelo Partido Socialista.
Quanto à redução dos prazos dos procedimentos de avaliação de impacte ambiental, devo dizer que a fixação do limite mais baixo do prazo já estabelecido na lei e a possibilidade de redução do prazo em certos casos, deve ser entendida como a adequação dos procedimentos e não como uma simplificação ou diminuição das exigências. Trata-se, de facto, de aumentar a eficiência dos processos.
A aplicação da lei não é feita em abstracto. E, pelo menos no que à actividade industrial diz respeito, poderão estar em causa iniciativas muito relevantes do ponto de vista da economia nacional, para as quais valerá a pena a mobilização da Administração Pública, por forma a contribuir para o crescimento e o desenvolvimento do País.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Quanto à discricionariedade admitida na redução dos prazos para a emissão da licença ambiental, devo dizer que, também neste contexto, a questão dos prazos parece ser o factor determinante da preocupação expressa. Considera-se, a este propósito, que os prazos previstos nos actos administrativos em causa não relevam de nenhuma metodologia científica que os deva assumir como imutáveis e como se, em si mesmos, eles fossem a essência do sistema em que se inserem.
Importa ter presente que, nos regimes ambientais conexos ao sistema de licenciamento e que nele convergem enquanto espaço de demonstração, se englobam situações muito diversas. Por outro lado, a celeridade da actuação administrativa, entendida, neste caso, como uma redução de prazos, não pode ou deve ser interpretada como um aliviar das exigências aquando da apreciação, dado esquecer os requisitos aplicáveis e que o industrial tem de demonstrar satisfazer. Acresce salientar que um prazo maior, por si só, não garante melhor decisão, ou decisão mais adequada.
Importa, por último, enfatizar que foram globalmente introduzidas melhorias ao nível dos princípios de segurança, prevenção e controlo de riscos, às exigências com o conteúdo dos projectos e à explicitação dos critérios de enquadramento nos regimes de licenciamento. Tudo isto concomitantemente com as exigências específicas das legislações ambientais aplicáveis, que se mantêm, obviamente.
Assim, limitar a análise crítica do Decreto-Lei em apreciação, nos termos efectuados, considera-se redutora e não

Página 5476

5476 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

valoriza todo o quadro de melhorias que foram introduzidas.
Quanto à marginalização do Ministério do Ambiente em relevantes processos de licenciamento, se esta "marginalização", no quadro do sistema de licenciamento, se refere às situações em que é dispensada a consulta de entidades nos casos em que os estabelecimentos industriais se localizam em áreas de localização empresarial previamente licenciadas e geridas por entidades devidamente habilitadas, ou quando os projectos são validados por entidade devidamente acreditada e especializada para o efeito, considera-se uma visão restritiva e desajustada da realidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - De facto, estas situações são resultantes da necessidade de adequar novos mecanismos que permitam respostas atempadas, na garantia do cumprimento rigoroso dos requisitos legais aplicáveis.
Importa salientar que, nos termos do sistema de licenciamento industrial anterior, já era possível a dispensa de parecer das entidades, procedimento que não se assinala ter constituído entrave ao cumprimento dos objectivos de prevenção e controlo de riscos decorrente do exercício das actividades industriais.
Quanto à autorização de obras de construção dos estabelecimentos antes de obtido o respectivo licenciamento, devo dizer que já o anterior regime de licenciamento industrial contemplava a possibilidade de a licença de obras para instalar ou alterar um estabelecimento industrial poder ser emitida pela câmara municipal respectiva, desde que o industrial demonstrasse ter apresentado o pedido devidamente instruído à entidade coordenadora, ficando a licença de utilização dependente da apresentação pelo industrial da cópia do deferimento do pedido de instalação.
Conclui-se, assim, que se trata de disciplina já em vigor desde há vários anos, sem que tal tenha constituído obstáculo aos valores ambientais a preservar.
Por fim, quanto à regularização dos estabelecimentos ilegais sem garantia do respeito pelas normas constantes dos instrumentos de gestão territorial em vigor, o que se afigura relevante ter presente neste âmbito é a possibilidade, criada pelo mecanismo previsto no regime transitório referido, de regularizar as situações passíveis de o serem de facto, tendo em consideração que, para os estabelecimentos industriais existentes, nem sempre os instrumentos de ordenamento do território tiveram em devida consideração as realidades, que já existiam, não nos podemos esquecer disso, como é o caso de estabelecimentos industriais, muitas vezes já autorizados, não foram, depois, contemplados no próprio plano director municipal (PDM).

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em suma, aquilo que pretendemos fazer com o novo sistema de licenciamento industrial foi criar um importante instrumento de suporte à prossecução de uma dinâmica empresarial mais competitiva, mais moderna.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços, enquanto os Deputados da maioria que intervieram neste debate optaram por desconversar, a Sr.ª Secretária de Estado teve a bondade de responder às questões que foram suscitadas, e quero cumprimentá-la por isso.
Referiu-se às intervenções do Ministério do Ambiente nestes processos de decisão como se constituíssem entraves administrativos, na linha, aliás, daquilo que, há pouco, o Sr. Deputado Miguel Paiva referia quando falava em "formalismos em excesso".
Ora, o Sr. Ministro do Ambiente ao tempo veio a esta Assembleia dizer que "os prazos relativos ao Ministério do Ambiente, designadamente aos estudos de impacte ambiental, não são afectados nem sequer um dia". Pois foram afectados em 20 dias!
A Sr.ª Secretária de Estado insiste na tese de que o prazo de 120 dias já estava previsto na lei. Mas, Sr.ª Secretária de Estado, tenho de recordar-lhe que o prazo de 120 dias previsto na lei era relativo aos projectos do Anexo II. O que este diploma faz é instituir um prazo de 120 dias para os projectos do Anexo I, e, portanto, alarga a aplicação deste prazo encurtado nos procedimentos de avaliação de impacte ambiental. A este propósito, aliás, não está em causa o problema da competitividade da nossa economia, porque, como bem sabe, estes procedimentos de avaliação de impacte ambiental estão sujeitos, em toda a União Europeia, a um regime comum, onde não há grandes diferenças em matéria dos prazos aplicáveis.
A Sr.ª Secretária de Estado diz que é possível, que tem de ser possível legitimar ou a construção de novas unidades industriais ou a regularização de unidades industriais ilegais contra os planos directores municipais em vigor, porque, no seu entender, no entender do Ministério da Economia, no entender dos vários que possam debruçar-se sobre esta questão, ou os planos foram mal feitos ou não previram a localização destas unidades industriais. Pergunto: qual é, então, o valor que os planos directores municipais têm? Qual é, então, o valor que tem a decisão tomada na assembleia municipal?

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Qual é, então, a confiança que os cidadãos podem ter quando, após terem participado na discussão pública de um plano director municipal, que recusou a instalação de uma unidade industrial na sua vizinhança, vêm a saber depois que, afinal de contas, uma decisão administrativa regulariza tudo e até vem permitir que novas unidades industriais se instalem em sítios onde os planos directores municipais não o permitem.
Sr.ª Secretária de Estado, o que está aqui em causa não são entraves administrativos, não são formalismos em excesso, nem são os ventos da história, que, neste caso, se sopram para algum lado, sopram para o passado. O que está em causa é uma visão que corresponde a um passado longínquo, deixe-me dizer, um pouco míope e atávico sobre a relação entre o desenvolvimento económico e o ambiente.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

Página 5477

5477 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

O Orador: - É isto que está em causa hoje devido à fragilidade do Ministério do Ambiente e da política de ambiente em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Secretária de Estado, há ainda um outro Sr. Deputado inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim, tendo em conta que já dispõe de pouco tempo?

A Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços, constato que há uma atitude permanente de contradição por parte da oposição, pois está sempre a exigir a reforma da Administração, mas, sempre que se começa a implementar medidas que visam precisamente uma nova atitude por parte da Administração, tem esta postura.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Por outro lado, Sr.ª Secretária de Estado, muitas vezes, dizemos que as leis que temos são boas e que o difícil é aplicá-las, e todos conhecemos as condições do licenciamento industrial no passado. Pergunto-lhe: que mecanismos vai implementar a sua Secretaria de Estado para monitorizar o cumprimento desta mesma lei?
Por último, quero dizer ao Partido Socialista que, se o resultado de uma apreciação parlamentar se traduz nestas duas alterações,…

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - São cinco!

O Orador: - … pelo menos, teve o mérito de se falar no assunto.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços.

A Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços: - Sr. Presidente, muito rapidamente, apenas quero dizer que, de facto, o Ministério da Economia não vê o Ministério do Ambiente como um entrave mas como um parceiro.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nestes termos, não!

A Oradora: - E é como um parceiro que o Ministério do Ambiente se tem constituído sempre, nestes e noutros processos.
O Sr. Secretário de Estado do Ambiente terá muito prazer em responder depois às questões específicas que suscitaram.
De facto, a questão é a de que temos tido entraves administrativos. Se não fossem os entraves administrativos, seria respeitado o prazo de 153 dias que estava estabelecido para uma indústria comum, mas, de facto, não é. Na verdade, actualmente, a média dos prazos de apreciação é de um ano e meio.
Sr. Deputado Almeida Henriques, também muito telegraficamente, começo por agradecer a questão que colocou, com a qual concordo, e por dizer-lhe que efectivamente, o Ministério da Economia, em conjunto com as direcções regionais, está a implementar um sistema de monitorização, controlo e acompanhamento para termos a certeza de que este diploma tem resultados e que obteremos as consequências que desejamos para o País.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente, dispondo de 1 minuto e 15 segundos.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente (José Eduardo Martins): - Sr. Presidente, em apenas 1 minuto e 15 segundos vai ser bastante difícil dizer tudo, mas vou procurar ser o mais conciso possível.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos aqui, hoje, a discutir este diploma por uma única razão: o Partido Socialista entende que, se fosse governo, não conseguiria cumprir estes prazos sem produzir deferimentos tácitos.

Protestos do Deputado do PS Pedro Silva Pereira.

O que tenho para dizer é muito simples: sou o responsável, no Governo, com competência delegada, pela avaliação de impacte ambiental.
Passou-se um ano e dois meses e, neste espaço de tempo, decidiram-se centenas de processos de avaliação de impacte ambiental, alguns dos quais não tinham andamento há 10 anos, como o da ligação do IP9, o da conclusão do IC1, o da duplicação do IP5, relativamente ao qual há 10 anos se procurava encontrar um traçado que não sofresse contestação. Sr. Deputado, durante este ano e dois meses, teve notícia de algum deferimento tácito? Um único que seja? Os senhores conseguem apontar um deferimento tácito que seja ao Ministério do Ambiente? Uma situação em que o Ministério se tenha demitido de analisar? Ou, mais ainda, Sr. Deputado, uma situação em que a avaliação do impacte ambiental feita pelo Ministério tenha sido contestada por alguém? Diga qual foi o processo? Qual foi a situação? Nenhum! Nenhum, Sr. Deputado!
Portanto, não presuma, não faça do paradigma da sua confessada incapacidade o da incapacidade alheia.
Uma das questões colocadas foi, por exemplo, a de serem as actividades industriais mais poluentes aquelas que vão poder ficar à mercê desse mirífico deferimento tácito.
O Sr. Deputado tem fama, reputação, de ser um jurista rigoroso, mas começo a perceber que entre o rigor e a demagogia o senhor escolheu o seu caminho. O Sr. Deputado não conhece a legislação sobre o controlo integrado de poluição, nem a transposição para o ordenamento jurídico português da Directiva Sevezo? Aqui, sim, porque é preciso ter mais cuidado com os processos das indústrias por serem mais poluentes e há, obviamente, imposição da União Europeia, mais do que na outra, presuma todas as intenções melífluas que quiser deste Governo, mas nessa matéria, pura e simplesmente, não acontece deferimento

Página 5478

5478 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

tácito. Aliás, em relação à directiva IPPC, se ler com rigor este regime do licenciamento industrial que aqui tem, verifica que tem, de facto, duas possibilidades: a de encurtar e a de aumentar prazos.
Quanto ao mais, Sr. Deputado, fica aqui a minha palavra de penhor à espera que o senhor me possa apontar o primeiro caso de deferimento tácito,…

Vozes do PS: - Isso é ridículo!

O Orador: - … porque a prática pode falar por nós, e a prática deste ano e meio foi de uma avaliação de impacte ambiental com rigor, como nunca se fez.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, a propósito da integração de políticas, tenho pena que o Ministério da Economia não tenha tido ocasião de a convidar para estar, na Rua da Horta Seca, na Estratégia Nacional do Desenvolvimento Sustentável que se discutiu a semana passada. Sr.ª Deputada, vê-se ministério a ministério, sector a sector, um élan de integração de políticas, um empenho, um esforço e um comprometimento de todos os ministérios da Administração que, de facto, nenhum ministro do Ambiente do Partido Socialista conseguiu suscitar; aliás, quando entrámos não tínhamos qualquer linha escrita sobre qualquer integração de políticas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Não gostaria de deixar de comentar a forma como a Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços colocou as questões.
Louvo a sua frontalidade, porque, ao contrário dos partidos da maioria, não foge a elas, é verdade, mas a sua clarividência de filosofia é evidente, porque tal como eu disse, e é isto que Os Verdes criticam, a senhora acaba por dizer que competitividade, emprego e desenvolvimento do país passam por simplificações, ou, dito de outro modo, por atropelos ambientais graves.
Essa competitividade não é tendo em conta os padrões da União Europeia, entendamo-nos; essa competitividade é dumping ambiental, como, noutros domínios, se faz dumping social para se fazerem coisas que, seguramente, não têm qualquer sustentabilidade, porque a sustentabilidade não é um rótulo, não é um "adorno" que se use só porque é politicamente correcto, porque vem nos diferentes diplomas ou está consagrado no texto constitucional. A sustentabilidade do desenvolvimento tem de ter conteúdos, e o problema é a falta deles.
Não posso deixar de registar aquilo que se disse, que no Ministério do Ambiente não há qualquer conflito. É evidente que não há conflito, desde logo, porque acontece algo que é muito triste: o Ministério do Ambiente deixou de ter visibilidade. O Ministério do Ambiente é actualmente, contrariando, aliás - e nós afirmámos isto com grande clareza na interpelação ao Governo -, tudo aquilo que foi a tradição do PSD na década de 80, uma entidade invisível, sem peso político e, sobretudo, sem qualquer filosofia minimamente adaptada àquelas que são hoje as exigências do desenvolvimento, àqueles que são hoje os desafios do ponto de vista da crise ecológica que temos. É por isto que, desde logo, não há tensão, não há conflito, porque, pura e simplesmente, o Ministério não existe.
O Sr. Secretário de Estado do Ambiente colocou a questão dos deferimentos tácitos e referiu a falta de Os Verdes ao evento social que foi o anúncio da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável. O Sr. Secretário de Estado conhece-nos o suficiente para saber que o problema de Os Verdes não são os anúncios dos vários documentos mas, sim, o da sua concretização, e aquilo que é claríssimo, decorrido mais de um ano de governo do PSD, passados 14 meses, independentemente das críticas e de o Sr. Primeiro-Ministro ter chamado a si a condução do processo, é apresentar um documento falho de conteúdos efectivos, falho de mecanismos, sem traços fixos, porque, como sabe, belas palavras sem estarem ancoradas em meios humanos, técnicos e financeiros, sem orçamento, sem definição de calendário, é um bom, ou mau, rol de intenções, mas não é mais do que isto.
Para finalizar, gostaria de dizer que nós não discutimos quantos deferimentos tácitos ocorreram ou não. O que discutimos é um governo, que é o seu, que o senhor integra sem se ouvir a sua voz crítica, como no passado, que se permite multiplicar as situações de dispensa de avaliação de impacte ambiental,…

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: - Cite uma!

A Oradora: - … que se permite multiplicar as situações de institucionalização de regimes de excepção,…

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: - Cite uma!

A Oradora: - … que se permite multiplicar as situações de excepção, nomeadamente nos famosos - estas situações já vinham de trás, não foram mexidas pelo Partido Socialista, mas os senhores, que as criticavam quando Os Verdes o faziam, agora, que estão no Governo, que têm uma oportunidade óptima para as transformar, mantêm-nas -, que são os chamados projectos de interesse nacional, em relação aos quais tudo pode ser permitido. Não é, seguramente, assim que há uma política com um mínimo de credibilidade em Portugal para o ambiente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, é muito curioso que a Sr.ª Secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços tenha optado - e bem! - por tentar responder às questões aqui suscitadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista e que o Sr. Secretário de Estado do Ambiente tenha preferido desconversar, de novo, neste debate. Isto mostra bem o modo como o Ministério do Ambiente está desconfortável com o resultado deste processo legislativo. Já não é possível esconder, Sr. Secretário de Estado do Ambiente, que o Ministério do Ambiente foi o derrotado no processo negocial, no interior do Governo, que conduziu à aprovação deste diploma.
No entanto, é sintomática a evolução que o Governo tem feito aqui.

Página 5479

5479 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

Primeiro, o Sr. Ministro do Ambiente, na altura o Dr. Isaltino de Morais, veio aqui garantir que não iria haver qualquer redução nos prazos de avaliação do impacte ambiental. Depois, numa interpelação suscitada pelo Partido Ecologista "Os Verdes", o Governo veio dizer que não, que os prazos até se mantinham nos 120 dias. Agora, o Governo, já na sua terceira fase, vem reconhecer que, para os projectos do Anexo I, houve mesmo uma redução de prazos, mas tenta justificá-la, dizendo que isso não tem grandes consequências, que o deferimento tácito não é muito importante, porque há outros instrumentos de garantia.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não há! Não vai haver!

O Orador: - Ora, Sr. Secretário de Estado do Ambiente, todos sabem, em Portugal, por que é que nas directivas comunitárias sobre a avaliação do impacte ambiental há o Anexo I e o Anexo II. O Anexo I corresponde àquelas actividades que, a nível comunitário, se decidiu, imperativamente, que tinham de ser sujeitas à avaliação do impacte ambiental, exactamente por serem as mais perigosas para o ambiente. Pois bem, foi exactamente em relação a estas, que são as que constam neste diploma, que o seu Governo aprovou e pelo qual o Sr. Secretário de Estado se confessa responsável, e ainda bem que assim faz, porque isso não permite que se esconda atrás de qualquer fragilidade dos ministros nesta área, que o Governo aceitou foi reduzir esses prazos, de 140 para 120 dias.
É extraordinário que o Governo, designadamente o Ministério do Ambiente, não argumente, sequer, no sentido de explicar, para que se compreenda, como é que se autoriza a instalação de novas unidades industriais em locais que contrariam o que está previsto nos planos directores municipais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é falso!

O Orador: - Como é possível que o Ministério do Ambiente, que se diz também do Ordenamento do Território, diga que o sistema de regularização das unidades ilegais pode admitir que se legalizem unidades industriais que contrariam planos directores municipais em vigor?
Sr. Secretário de Estado do Ambiente, Srs. Membros do Governo: Não estamos a falar de entraves administrativos, não estamos a falar de burocracia, o Partido Socialista deixou muito claro que não é esta a questão que nos move quando suscitamos a apreciação parlamentar deste diploma. O que está em causa é o facto de o Ministério do Ambiente estar hoje perante uma situação muito difícil, tendo em vista a fragilidade de que deu mostras nos últimos 14 meses. E esta situação difícil tem fundamento na circunstância de o Sr. Ministro da Economia, preocupado com as iniciativas que visam, e bem, de um modo geral, a revitalização da nossa economia, em nome da ideia da desburocratização, em nome da ideia da simplificação dos procedimentos administrativos, ter escolhido um alvo, e o alvo é a intervenção do Ministério do Ambiente nos processos de decisão. E é isto que está a acontecer no licenciamento industrial; é isto que está a acontecer, por esta via também, nos procedimentos de avaliação de impacte ambiental; é isto que está para acontecer no que diz respeito ao turismo.
Estamos perante uma situação da maior delicadeza para o futuro da política de ambiente e de ordenamento do território. O que o Partido Socialista aqui propôs, com estas alterações, é a salvaguarda do mínimo essencial, a salvaguarda dos processos de avaliação de impacte ambiental, das licenças ambientais e da integridade dos planos de ordenamento do território.
Isto é de mais para este Governo? Pelos vistos sim! Isto é de mais para esta maioria? Pelos vistos sim! Mas é exactamente esse o sinal dos tempos que vivemos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: - Sr. Presidente, de facto, fez bem o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira, em assinalar a minha responsabilidade neste diploma. A importância que isso tem para mim é nenhuma. Mas, de facto, estou solidariamente responsável na elaboração deste diploma.
Mais, esta Legislatura não vai ter nem um, nem dois, nem três anos, vai ter quatro anos. Há uma maioria estável, um Governo sólido, portanto, esta Legislatura vai ter quatro anos, e esta legislação vai entrar em vigor agora.
Sr. Deputado, de facto, vai ter muito tempo para, mais do que presumir o mal, constatar o mal, se ele vier a acontecer, e, nessa altura, cá estarei para, da mesma forma que lhe falei agora, responder pelo que acontecer. Porém, como tenho competência delegada sobre avaliação do impacte ambiental, posso dizer-lhe que o que vai acontecer doravante é o mesmo que aconteceu até aqui: um cuidado extremo que faz com que não haja qualquer deferimento tácito e com que passados um ano e dois meses…
Eu gostava que a Sr.ª Deputada Isabel Castro me pudesse dizer uma situação de dispensa de avaliação de impacte ambiental que tenha conhecido, um caso que a tenha chocado, um problema que a aflija, porque os senhores conseguiram gastar todo o tempo desta interpelação a falar do que não existe, a falar de problemas de que não conseguiram escolher um exemplo.
Sinceramente, e quem sou eu a não ser um ex-Deputado para me permitir dizer-vos que falar sempre, sempre, sempre no ar não ajuda à credibilidade da missão, que todos temos, de dignificar a política e de sermos responsáveis perante quem nos elege.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Sócrates (PS): - Não respondeu a nada! A nada!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pedro Silva Pereira disse que apresentariam propostas de emenda a este diploma. Já as entregou, Sr. Deputado?

Página 5480

5480 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Já as entregámos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Entregou-as, sim senhor, estavam já a seguir os seus trâmites, e elas baixam à Comissão competente para apreciação nos termos regimentais.
Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrada a apreciação do Decreto-Lei n.º 69/2003 [apreciação parlamentar n.º 51/IX (PS)].
A próxima reunião plenária será no dia 11 de Junho, entretanto, no dia 10 de Junho, temos o feriado do Dia de Portugal, e, por sinal, na véspera, será festejado o Dia dos Açores e o Sr. Presidente da República estará presente para assistir a estas comemorações. Por esta razão, não estarei presente na sessão da manhã do dia 11 de Junho, quarta-feira, cuja ordem do dia constará da interpelação n.º 6/IX - Sobre política geral para o ensino superior, apresentada pelo BE, a quem, desde já, peço desculpa.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
João Carlos Barreiras Duarte
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
José Apolinário Nunes Portada
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel de Medeiros Ferreira
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Teresa Maria Neto Venda

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Joana Beatriz Nunes Vicente Amaral Dias
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Hugo José Teixeira Velosa
Maria Eduarda de Almeida Azevedo

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
João Barroso Soares
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
José da Conceição Saraiva
Maria Amélia do Carmo Mota Santos

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Paulo Martins Pereira Coelho
Carlos Jorge Martins Pereira
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Manuel Carvalho Cordeiro
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Jaime José Matos da Gama
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
João Rodrigo Pinho de Almeida

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
José Honório Faria Gonçalves Novo

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Página 5481

5481 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

Página 5482

5482 | I Série - Número 131 | 07 de Junho de 2003

 

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×