Página 430
Quinta-feira, 9 de Outubro de 2003 I Série - Número 9
IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE OUTUBRO DE 2003
Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral
Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos, da resposta a alguns outros e da entrada das propostas de lei n.os 94 e 95/IX, dos projectos de lei n.os 355 a 361/IX e do projecto de resolução n.º 180/IX.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes) criticou a actuação do Sr. Primeiro-Ministro no tocante às demissões dos Ministros da Ciência e Ensino Superior e dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas e solicitou uma reflexão sobre os organismos geneticamente modificados.
O Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD), também em declaração política, deu conta das conclusões do Conselho Nacional do PSD no sentido de se proceder a um referendo sobre questões europeias e a uma revisão constitucional, e, no fim, respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Telmo Correia (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Francisco Louçã (BE) e António Costa (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) falou dos motivos que levaram à demissão dos Ministros da Ciência e do Ensino Superior e dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas e reclamou uma explicação ao País por parte do Primeiro-Ministro. Depois, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Marco António Costa (PSD) e Augusto Santos Silva (PS).
Também o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) produziu uma declaração política sobre o que considerou ser a crise de confiança suscitada pelo Governo com as recentes demissões ministeriais, após o que deu resposta aos pedidos de esclarecimento formulados pelo Sr. Deputado Telmo Correia (CDS-PP), que viria a dar explicações ao Sr. Deputado Augusto Santos Silva (PS), que usara da palavra para defesa da honra pessoal.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira (PS) anunciou à Câmara que ontem o seu Grupo Parlamentar apresentou na Mesa um projecto de revisão constitucional extraordinária limitado às questões autonómicas. No fim, respondeu aos pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD).
Por último e também em declaração política, o Sr. Deputado Fernando Alves Pereira (CDS-PP) abordou vários problemas que afectam as populações do concelho de Vila Nova de Gaia.
Ordem do dia. - Foi debatida, na generalidade, a proposta de lei n.º 84/IX - Autoriza o Governo a aprovar um regime excepcional de reabilitação urbana para as zonas históricas e áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística e a prever o regime jurídico das sociedades de reabilitação urbana. Produziram intervenções, além da Sr.ª Secretária de Estado da Habitação (Rosário Cardoso Águas) e do Sr. Deputado Luís Miranda (PS), que procedeu à apresentação do relatório da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente, os Srs. Deputados Pedro Silva Pereira (PS), Sérgio Vieira (PSD), Leonor Coutinho (PS), Paula Malojo (PSD), João Teixeira Lopes (BE), Luís Miranda (PS), Honório Novo (PCP), Isabel Gonçalves (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Por fim, a Câmara debateu, também na generalidade, o projecto de lei n.º 126/IX - Utilização de software livre na Administração Pública (BE), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Gonçalo Capitão (PSD), Ramos Preto (PS), Bruno Dias (PCP) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 35 minutos.
Página 431
0431 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Manuel da Cruz Silva
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
Página 432
0432 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Página 433
0433 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Página 434
0434 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Fernando Barbosa Alves Pereira
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 94/IX - Autoriza o Governo, no âmbito da transposição das directivas que compõem o regime jurídico aplicável às comunicações electrónicas, a estabelecer o regime de controlo jurisdicional dos actos praticados pela ANACON, de reforço do quadro sancionatório e de utilização do domínio público e respectivas taxas, bem como a revogar a Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto, baixou à 9.ª Comissão, e 95/IX - Autoriza o Governo a legislar sobre a criação do regime aplicável às contra-ordenações aeronáuticas civis, baixou à 9.ª Comissão; projectos de lei n.os 355/IX - Integração da medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde (BE), que baixou à 8.ª Comissão; 356/IX - Definição do novo regime jurídico das farmácias privadas (BE), que baixou à 8.ª Comissão; 357/IX - Altera as regras do sigilo bancário e garante a transparência fiscal (BE), que baixou à 5.ª Comissão; 358/IX - Cria o imposto sobre as operações cambiais (BE), que baixou à 5.ª Comissão; 359/IX - Cria mecanismos de controlo da importação e exportação de armas (BE), que baixou à 1.ª Comissão; 360/IX - Altera o artigo 6.º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de Novembro, na sua redacção actual) (PS), que baixou à 1.ª Comissão; e 361/IX - Criação da freguesia de Formoselha (PS), que baixou à 4.ª Comissão; e projecto de resolução n.º 180/IX - Visa a definição do quadro legal dos trabalhadores dos centros culturais e doas centros de língua portuguesa do Instituto Camões no estrangeiro (PCP).
Foram apresentados na Mesa diversos requerimentos.
No dia 23 e na reunião plenária de 24 de Setembro: ao Ministério da Educação e à Câmara Municipal de Palmela, formulados pelo Sr. Deputado Pedro Roque; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Alberto Antunes; ao Ministro da Presidência e aos Ministérios da Administração Interna, da Justiça, da Segurança Social e do Trabalho e das Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulados pelos Srs. Deputados Luiz Fagundes Duarte, Rui Miguel Ribeiro e Bruno Dias; ao Governo e aos Ministérios das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Vasco Cunha, José Magalhães, Rosa Maria Albernaz e Honório Novo; ao Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Laurentino Dias; aos Ministérios da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e da Economia, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário, Lino de Carvalho e Rodeia
Página 435
0435 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
; e ao Primeiro-Ministro e ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior, formulados pelo Sr. Deputado José Junqueiro.
Na reunião plenária de 25 de Setembro: ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Eduardo Moreira; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas e da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Luís e António Filipe; ao Ministro Ajunto do Primeiro-Ministro e aos Ministérios das Finanças e da Justiça, formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães e Lino de Carvalho; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário e Fernando Cabral; ao Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulados pelas Sr.as Deputadas Edite Estrela e Isabel Castro; e à Secretaria de Estado do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Honório Novo.
Nos dias 29 de Setembro e na reunião plenária de 1 de Outubro: ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; e a diversas câmaras, formulados pelo Sr. Deputado Manuel Oliveira.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
Nos dias 18 e 22 de Setembro: Jerónimo de Sousa, José Junqueiro, Heloísa Apolónia, Maria Santos, Jamila Madeira, Luís Fazenda, Luísa Mesquita e Leonor Coutinho.
Nos dias 23, 24 e 25 de Setembro: Honório Novo, Luísa Mesquita, Fernando Cabral, Bernardino Soares, Alberto Costa, António Filipe e Carlos Alberto Gonçalves.
Foram respondidos, nos dias 10, 19 e 25 de Setembro, os requerimentos apresentados pelo Sr. Deputado Jorge Nuno de Sá.
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A semana principia com o último acto do escândalo nacional, que abalou o Governo nos últimos dias, a ser pateticamente encenado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros Martins da Cruz, ao anunciar ontem, a meio da tarde, no Palácio das Necessidades, o seu pedido de demissão.
Uma demissão tardia feita após novos dados, altamente comprometedores para si, terem sido revelados pela imprensa no último fim-de-semana, dados estes que indiciam sistemáticas pressões e tentativas ao longo de meses no sentido de influenciar, noutro gabinete ministerial e em seu benefício, uma decisão em termos que contrariam a palavra e as explicações por si dadas, na passada semana, perante esta mesma Câmara.
A demissão de Martins da Cruz surge só cinco dias após a demissão do Ministro Pedro Lynce, que a apresentou e comunicou ao Parlamento e que ocorreu na sequência da tentativa que fez em mudar a lei a favor da filha do Ministro dos Negócios Estrangeiros, beneficiando-a no acesso a Medicina. Um recurso inaceitável, de abuso e manipulação de poder, para procurar um tratamento que se reconhecia ser excepcional, tentado de forma sinuosa e sistemática para resolver uma situação que se assumia, de antemão, não preencher qualquer dos dois requisitos legais cumulativamente exigíveis para recurso a esta forma especial de ingresso no ensino superior. Uma história tanto mais chocante e politicamente insustentável, sabido, como todos sabemos, quanto é cruel o nosso sistema de acesso ao ensino superior, em particular a cursos como o de Medicina, que, por meras décimas, deixa tantos bons alunos à porta das universidades, negando a entrada, os sonhos, as vocações e a formação técnica a jovens de que, ainda por cima e por absurdo, o País está carenciado.
Este episódio, encerrado ou não - e, do ponto de vista de Os Verdes, ainda o não está, faltando apurar o envolvimento do Director-Geral do Ensino Superior neste processo e as suas responsabilidades enquanto alto quadro da Administração Pública -, tem para nós uma leitura política clara.
Trata-se de um escândalo que atingiu o Primeiro-Ministro: que, neste processo, revelou dualidade nos critérios que adoptou em relação aos seus ministros; que evidenciou indiferença perante um problema melindroso que afecta a credibilidade das instituições e dos que intervêm politicamente e que contribuiu para a desconfiança dos portugueses no poder, de que têm uma percepção negativa (e este episódio, aliás, confirmou-a no abuso de poder e no chamado recurso à "cunha"); e, ainda, que demonstrou ser capaz de sobrepor a gestão da sua imagem ao interesse do País, mantendo-se comodamente na sombra, afastado de um problema do seu Governo que ele deveria ter, publicamente, assumido, explicado e procurado solucionar de imediato.
Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, e, em nossa opinião, não podemos aceitar este alheamento em relação a uma questão bem diferente desta que está colocada na ordem do dia e que pode vir, de modo irreversível, a prejudicar o interesse de Portugal. Refiro-me, em concreto, aos passos que têm sido dados nas últimas semanas no que respeita aos organismos geneticamente modificados (OGM), quer no âmbito da Organização Mundial de Comércio, quer no da União Europeia, em relação aos quais o Protocolo de Cartagena, subscrito pela União Europeia e em vigor, assume a maior importância, que é óbvia, tendo em conta a determinação nele prevista, de, em caso de risco para a diversidade, a importação de OGM poder ser recusada.
É uma posição de princípio que os Estados Unidos, o Canadá e a Argentina contestam mas que advém do direito soberano de os povos decidirem do seu próprio destino e de fazerem livremente as suas escolhas.
É uma posição de princípio que, na opinião de Os Verdes, merece ser colocada na agenda política para ser alvo de reflexão.
Uma reflexão que entendemos ser prioritária, num momento em que a Europa já decidiu, como Os Verdes, aliás, sempre defenderam, a existência de um processo de rastreabilidade e de etiquetagem nos produtos OGM comercializados.
Página 436
0436 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Uma reflexão que urge, do nosso ponto de vista, sabido que a União Europeia equaciona o levantamento da moratória e ainda que se torna essencial discutir a questão da coexistência entre os organismos geneticamente modificados e a manutenção da agricultura convencional e biológica.
Esta coexistência é uma questão fulcral, sabido que estão, de modo irreversível, em jogo riscos ambientais, a manutenção da biodiversidade, perigos para a saúde humana e questões éticas suscitadas pela manipulação de património genético, para além, obviamente, do direito fundamental de opção dos consumidores: a garantia de que livremente podem escolher a sua própria alimentação. De entre estas questões, que são múltiplas, a vontade dos consumidores atinge grandes proporções.
A posição dos consumidores na Europa é clara; e os últimos estudos realizados evidenciam que 71% dos cidadãos dos diferentes Estados europeus da União rejeitam totalmente a introdução de organismos geneticamente modificados na agricultura e na sua alimentação. Uma recusa frontal que não conflitua naturalmente com a investigação científica, a qual, em meios confinados e ao serviço do bem-estar humano, deve prosseguir mas que em nada se confunde, nem pode deixar de ser equacionada e incorporada no debate europeu e nacional em torno das decisões que irão ser tomadas.
Decisões que podem deixar-nos reféns de opções que poderão afectar as gerações vindouras e nos colocam, face à multiplicidade de incertezas e à história recente dos sucessivos riscos ambientais e de saúde ao longo destes anos - desde a BSE, às dioxinas e ao amianto -, perante a necessidade de dar prioridade, nas decisões políticas, ao princípio da precaução, o qual, como a nossa história recente demonstra, não pode ser negligenciado.
Decisões que nos colocam perante interrogações sobre a quem, afinal, se não às próprias multinacionais do sector agro-alimentar, serve a introdução dos OGM ao nível da agricultura e da nossa alimentação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Importa, pois, que o Governo português se abra ao debate, que aos cidadãos portugueses seja dada a palavra e que Assembleia da República não se alheie, não pare no tempo e acolha o debate, que Os Verdes hoje propõem que seja agendado, sobre os organismos geneticamente modificados, uma questão civilizacional que interfere com o nosso futuro e que, como tal, não pode ser ignorada.
Vozes de Os Verdes: - Muito bem!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cabe aos responsáveis políticos - a todos, aos do Governo, aos da maioria e aos da oposição -, numa sociedade tão fortemente mediatizada como é a nossa, ter nos lugares e sedes próprias a adequada intervenção para assegurar que, na voragem dos fait divers e do empolamento dos episódios menores, os portugueses não sejam marginalizados e esquecidos relativamente à discussão e debate das grandes questões nacionais, essenciais e decisivas para o nosso futuro colectivo.
Sem dúvida que as grandes mudanças que se desenham na arquitectura da União Europeia, em que nos integramos, pela sua profundidade, inovação e relevância, estão, ou devem estar, na primeira linha das preocupações da defesa dos interesses de Portugal, o que exige de nós todos convergência de esforços e maior debate democrático, com a necessária elevação, e por isso acima das pequenas querelas político-partidárias.
O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É nesta linha de preocupações que o PSD vem promovendo por todo o País colóquios e conferências centrados no texto apresentado no Conselho Europeu de Salónica, que está agora a ser objecto de discussão na CIG, recentemente iniciada.
Bem fez, aliás, ainda há poucos dias, o Sr. Presidente da República ao alertar para a necessidade de uma participação informada dos portugueses neste processo, referindo ainda que "só uma percepção clara da diversidade das questões que estão em jogo permitirá uma participação informada e uma decisão consequente".
Na verdade, não basta o debate que se deseja aberto, aprofundado e participado por todo o País. É preciso fazer um referendo europeu.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Não contem connosco para dar este passo, sem dúvida importante para a construção da Europa mas, também por isso, decisivo para o nosso futuro colectivo e a nossa afirmação no concerto europeu, sem a directa auscultação dos portugueses. Nunca tivemos medo de ouvir os portugueses, e não o temos também agora!
O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!
Risos de Deputados do PS.
Página 437
0437 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Orador: - Aliás, os deveres democráticos, e em especial os deveres democráticos elementares, não se compadecem, por parte de quem quer que seja, do menor medo pela livre expressão da vontade e opinião do povo português.
O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E foi exactamente com a mais genuína preocupação de esclarecer os portugueses e de forma consequente e coerente consultá-los sobre a nova construção europeia que o presidente do meu partido, e Primeiro-Ministro, propôs que se faça, em Portugal, um referendo em simultaneidade com as eleições para o Parlamento Europeu, que terão lugar no dia 13 de Junho do próximo ano.
Queremos que o referendo se faça no mesmo dia das eleições europeias.
O Sr. Almeida Henriques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É indispensável que todas as forças políticas se pronunciem sobre esta proposta e atentem em todas as suas vertentes, alcance e consequências.
A junção dos dois actos, eleições europeias e referendo, a exemplo do que acontecerá noutros países da União Europeia, como na nossa vizinha Espanha, será, sem dúvida, a forma mais adequada à legitimação popular do projecto político europeu e da nossa participação, de corpo inteiro, nesse projecto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Trata-se do momento, por excelência, mais adequado ao debate plural e aprofundado das questões europeias e, consequentemente, o mais propício ao esclarecimento dos portugueses.
Além do mais, há que acautelar ao máximo a garantia de uma participação de mais de 50% dos eleitores para que tal consulta seja válida, sendo certo que temos todos a obrigação de tudo fazer para evitar o vexame e a fragilização da posição de Portugal, face não só à União Europeia e às suas instituições como aos nossos parceiros europeus.
Sabemos que é eventualmente necessário proceder à alteração constitucional neste particular. Porém, num momento em que a Assembleia da República está investida de poderes de revisão constitucional e em que o Partido Socialista já desencadeou o processo ao apresentar na Mesa da Assembleia da República o seu projecto para rever a Constituição, por certo será o próprio Partido Socialista o primeiro a reconhecer que esta questão instrumental se resolve facilmente, desde que haja vontade política para tanto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. António Costa (PS): - Não há!
O Orador: - Foi neste sentido e com a preocupação de assegurar a auscultação dos portugueses que o Conselho Nacional do PSD de ontem mandatou o grupo parlamentar para propor a "alteração ao regime constitucional do referendo, por forma a permitir a realização de um referendo sobre o Tratado Constitucional, em simultâneo com as eleições para o Parlamento Europeu".
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
É este o nosso propósito, é este, responsavelmente, o nosso objectivo: partilhar com os portugueses a discussão do Tratado e obter deles a necessária legitimação popular para a nova arquitectura europeia e para os novos moldes em que Portugal continuará a participar activamente no projecto europeu.
Como referiu o Primeiro-Ministro, o que estamos a discutir não é um Tratado burocrático e administrativo, é algo que tem de ter o apoio dos nossos cidadãos.
O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O referendo, precedido dos debates necessários, em simultaneidade com as eleições europeias, não tem o risco de se transformar na "paródia democrática" que o Deputado Jaime Gama tanto receia e que indicia bem as reservas e reticências do Partido Socialista à livre consulta popular.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E não vale a pena virem com argumentos processuais ou dificuldades de calendário, que, na realidade, não existem e que mais não são do que pretextos e desculpas para esconder a falta de vontade política para colocar o interesse nacional acima de expedientes menores de mera estratégia político-partidária.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Página 438
0438 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tememos a democracia, tememos, sim, os que hesitam perante as soluções democráticas e receiam propiciar aos portugueses as melhores condições para, de forma esclarecida e consciente, expressarem a sua opinião e vontade sobre o futuro da Europa e a participação de Portugal no projecto europeu.
Quer em Portugal, quer na Europa, queremos estar com os portugueses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, vários Srs. Deputados. Por ordem de inscrição, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, o PSD entendeu por bem trazer hoje ao Plenário, como disse, a conclusão tomada ontem pelo seu Conselho Nacional de requerer a convocação de um referendo sobre as questões europeias, fazendo-o coincidir com as eleições europeias de 13 de Junho de 2004.
O Sr. Deputado sabe, com certeza, que essa decisão tomada pelo PSD era uma proposta que circulava, que, aliás, V. Ex.ª como muitos outros Srs. Deputados nesta Câmara receberam como tal, mas eu gostaria de lhe dizer, desde já, que tal proposta, que coincide com a do "Grupo dos Treze" - assim se designava ele -, é, do nosso ponto de vista, inaceitável e não contribui para aquilo que é essencial, que é discutir a Europa e envolver os cidadãos europeus num processo que, de uma forma antidemocrática, foi desenvolvido totalmente à sua margem, sem os envolver, sem os tomar como parceiros e sem o seu esclarecimento.
Para nós, é importante, em primeiro lugar - e é uma questão essencial -, dar aos cidadãos a possibilidade de se envolverem num processo de que foram afastados desde o primeiro momento. O Sr. Deputado diz que não serão os entraves do calendário que irão impedir quaisquer consultas, mas, é evidente, os próprios calendários jogam como jogam e determinam os momentos em que não pode haver consultas.
No entanto, para Os Verdes, em primeiro lugar e antes de qualquer consulta, há uma coisa que é fundamental: saber como é que uma discussão hermética, que foi feita por cidadãos que não receberam dos cidadãos europeus mandato expresso para fazer uma constituição e estão a decidir sobre matérias que, no fundo, vão não criar um Estado federal mas uma profunda desigualdade entre Estados… Portanto, o que quero saber, Sr. Deputado Guilherme Silva, uma vez que o PSD, como diz, quer uma consulta a sério, envolver os cidadãos, fazê-los participar e esclarecê-los, é se a pergunta deve incidir sobre o Tratado ou sobre as grandes questões que estão em jogo.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se, tenha a bondade de concluir.
A Oradora: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Pergunto-lhe também, Sr. Deputado, para terminar, se pensa que são os colóquios que têm sido feitos e nos quais se cruzam as mesmas pessoas, que invariavelmente se vão vendo, o meio de envolver os cidadãos e de recuperar um projecto que tem um tremendo défice de democracia, e, portanto, que não… (Neste momento, o Sr. Presidente desligou o microfone à oradora).
Aplausos de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, traz V. Ex.ª à Câmara um assunto que é, do nosso ponto de vista, da maior importância.
Nós atravessamos um momento decisivo do ponto de vista da construção europeia, da nova realidade europeia e, designadamente, desta nova Europa pós-alargamento e sabemos que a matéria que está em discussão pode significar alterações substanciais do ponto de vista europeu e do modelo europeu. Sabemos também - e sabemo-lo há muitos anos - que os portugueses nunca foram consultados sobre esta mesma matéria.
Lembro-lhe a posição do CDS-PP em relação a esta questão, com a qual tivemos ocasião, aqui mesmo nesta Câmara, de, em duas ocasiões, confrontar quer o Sr. Primeiro-Ministro de Portugal quer o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. A nossa tese, a nossa posição e a nossa doutrina, calma e tranquila, sobre esta matéria, como é sabido, é simples: deve existir uma consulta se deste avanço da União Europeia, designadamente o "Tratado Constitucional", resultarem mudanças significativas do ponto de vista da nossa soberania e da posição de Portugal face à União Europeia. Esta é a nossa posição, é a nossa doutrina, e tivemos ocasião de o dizer aqui por mais do que uma vez.
Por outro lado, também é sabido que o CDS-PP não tem qualquer tipo de problema com referendos, antes pelo contrário; há uma certa esquerda política que não gosta de referendos, que tem complexo em relação à ideia de referendo, mas nós temos uma doutrina assente.
Felizmente, existiram dois referendos em Portugal. Felizmente, um permitiu defender a unidade nacional, face à tentação regionalista, e o outro permitiu defender o direito à vida, face ao politicamente correcto. Portanto, ainda bem que existiram referendos em Portugal. Não temos qualquer problema com referendos, nem com esse tipo de consultas.
Página 439
0439 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Nesta questão concreta, o nosso problema é que o referendo a realizar seja um referendo útil,…
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … e, portanto, entendemos que ainda será necessário uma certa avaliação do resultado final dos trabalhos que estão a decorrer para que o referendo que venha a ser realizado possa ter uma natureza verdadeiramente útil. É esta a nossa posição de princípio.
No entanto, Sr. Deputado Guilherme Silva, a novidade fundamental que V. Ex.ª traz hoje a este Plenário, nesta declaração resultante dos trabalhos do Conselho Nacional do PSD, que vem ao encontro da nossa posição, é a possibilidade de esse referendo ser simultâneo com a realização das eleições europeias. Este é o dado essencialmente novo que V. Ex.ª nos traz. E sobre esta matéria, Sr. Deputado, quero questioná-lo, desde já, sobre as vantagens que V. Ex.ª vê nessa possibilidade…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, quero questioná-lo sobre as vantagens que V. Ex.ª vê nessa possibilidade de o referendo ser simultâneo e sobre a valorização ou não das próprias eleições europeias, na lógica, fundamental para nós, de que faz sentido que os portugueses sejam consultados, de que faz sentido valorizar a questão europeia e de que faz sentido dar importância às eleições europeias.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Guilherme Silva fez saber à Mesa que responderá imediatamente aos dois primeiros pedidos de esclarecimento e depois responderá aos seguintes em conjunto.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, dispondo, para o efeito, de 5 minutos.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Isabel Castro fez considerandos sobre a própria arquitectura actual da União Europeia e sobre o processo que vem conduzindo à elaboração do "Tratado Constitucional" Europeu, mas quero dizer-lhe que, neste particular, como compreenderá naturalmente, Portugal é um entre muitos e que o Governo português, reconhecidamente, tem-se empenhado na defesa dos interesses de Portugal e nas soluções que menos prejudiquem os actuais equilíbrios de igualização dos Estados no âmbito do funcionamento das instituições europeias e também teve o cuidado de que, nesta Assembleia, que teve representantes seus a participar na Convenção, fosse criado um grupo de trabalho, que integra Deputados, sem que nada obrigasse a isso, por forma a acompanhar também esta fase.
Portanto, da parte do Governo português a preocupação de que haja uma envolvência mais ampla e democrática das várias forças políticas neste processo está perfeitamente à vista.
Em relação à questão que me coloca de saber o que deve ser posto à consulta dos portugueses, se o Tratado, se as soluções, é óbvio que, há pouco, coloquei a questão de se fazer uma alteração constitucional porque há dúvidas sobre se no actual texto constitucional é possível conciliar estes dois actos - eleições europeias e referendo europeu - e não no sentido de alterar o que está hoje consagrado, que é impeditivo do referendo de Tratados. Entendemos também aqui que devemos propor à consulta dos portugueses as questões, as soluções e as inovações mais relevantes, e há-de encontrar-se, naturalmente, a pergunta ou perguntas adequadas à realização desse referendo.
Gostaria, no entanto, que a Sr.ª Deputada tivesse sido clara relativamente ao desafio que lhe é feito, que é o de dizer se quer o referendo europeu e se o quer em simultâneo com as eleições europeias.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - É óbvio que não!
O Orador: - Mas, sobre isto, V. Ex.ª nada disse, e era isto que eu esperava que dissesse.
Vamos continuar todos à espera que V. Ex.ª e todas as forças políticas com assento neste Parlamento sejam claras, para que os portugueses saibam quem quer fazer um referendo e quem o quer fazer nas melhores condições de participação dos portugueses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Deputado Telmo Correia, antes de mais, o meu registo e a minha felicitação pela circunstância clara também de o CDS-PP, como nosso parceiro de coligação, estar irmanado nesta preocupação de que a Europa não se construa nas costas dos portugueses e, consequentemente, de se fazer esta consulta.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
Página 440
0440 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Orador: - Pergunta-me V. Ex.ª quais as vantagens de fazermos esta consulta em simultâneo com as eleições europeias. Essas vantagens são várias e inequívocas, basta ver que há vários países europeus que estão a caminhar no mesmo sentido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É óbvio que esta oportunidade permitirá um debate aprofundado desta matéria. Indiscutivelmente, as eleições europeias vão fazer-se sob o signo destas transformações na arquitectura europeia, e, portanto, associar os dois actos é, a todos os títulos, uma solução adequada.
Além do mais, como eu também disse, é preciso tratar com algum cuidado esta matéria, de forma a termos um referendo o mais amplamente participado, e a junção dos dois actos consegue, efectivamente, o desiderato de apelar aos portugueses a uma participação mais activa e mais ampla, por forma a que não tenhamos o enxovalho de não termos o referendo com mais de 50% e ficarmos fragilizados e diminuídos perante a Europa e os nossos parceiros europeus.
Já agora, de passagem, digo-lhe que também há uma economia manifesta na junção destes dois actos. Não há que duplicar, porque estamos em tempo de dificuldades e em tempo de contenção. A democracia não se deve preocupar excessivamente com a questão dos preços, mas, aqui, não é prejudicada e o País é, efectivamente, poupado a um gasto desnecessário e duplicado,…
O Sr. João Pinho de Almeida (PS): - Também é importante!
O Orador: - … que a junção dos dois actos pode perfeitamente propiciar.
Existem, portanto, aqui dois partidos que têm uma posição clara: assumidamente, querem e aceitam o referendo no dia 13 de Junho.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, importa, em primeiro lugar, salientar que há uma questão na oportunidade de lançar esta matéria hoje aqui, no Plenário da Assembleia da República, e ontem no Conselho Nacional do PSD, que se "mete pelos olhos dentro": era necessário contrariar a imagem e a notícia pública e mediática da situação difícil em que o Governo estava…
O Sr. António Costa (PS): - Ora bem!
O Orador: - … e, por isso, foi preciso lançar uma outra questão para desviar a atenção da grave crise institucional e política em que o Governo está envolvido.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas vamos à questão que foi colocada, Sr. Deputado Guilherme Silva: é espantoso que o PSD venha assumir nesta Câmara a vontade de fazer um referendo, arvorando-se em grande defensor da consulta popular em relação às questões europeias e tratando todos os outros como os que não querem fazer a consulta popular.
Ora, a verdade é que, em todo o processo da construção europeia, o PSD foi um dos partidos que sempre impediu a consulta popular, por afirmação política, por criação de perguntas inviáveis, como, manifestamente, se via desde o início e se veio a verificar, e por inclusão na Constituição, juntamente com o Partido Socialista, de uma norma-travão que proíbe referendar a ratificação de Tratados. O PSD foi sempre uma força de bloqueio em relação à consulta popular sobre matérias europeias. Foi assim em Maastricht, foi assim em Nice e agora vejamos se não vai ser assim.
O Sr. Marco António Costa (PSD): - A ver vamos!
O Orador: - Esta ideia, que parece resultar da sua intervenção, de fazer o referendo no dia 13 de Junho ou, então, não há referendo pode ser, porventura, uma forma de o PSD se eximir dos seus compromissos, que publicamente o Primeiro-Ministro assumiu, de fazer uma consulta popular sobre esta matéria, não querendo pagar o preço e o ónus político sobre isso.
No passado, o PSD não quis fazer consultas populares com consequências e agora propõe que se faça uma amálgama junto com as eleições europeias, que prejudicará a eficácia do esclarecimento e do debate profundo do referendo sobre esta matéria e que não será benéfico para a verdadeira participação popular.
O PCP sempre defendeu, e continua a defender, o referendo de matérias de construção europeia, especialmente como as que agora estão em causa que amputam partes fundamentais da nossa soberania e que podem conduzir a um verdadeiro empobrecimento da nossa soberania. Repito, sempre o defendemos e continuamos a defendê-lo. Mas perguntamos aos
Página 441
0441 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
agora neófitos dos referendos se querem fazer um referendo onde, como disse o Sr. Deputado Guilherme Silva, se faça uma auscultação da vontade popular, ou se querem, como é exigível…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir, se não ser-lhe-á desligado o microfone.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como eu dizia, perguntamos se querem, como é exigível e como defendemos, fazer um referendo que tenha consequências, em que o resultado do referendo condicione a posição do País na União Europeia.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Os referendos não são só para a contabilidade estatística dos referendos feitos nos vários países da União Europeia, devem ser para o povo português decidir sobre esta matéria.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É para isso que é preciso fazer o referendo e não para amalgamá-lo com eleições europeias, como os senhores, pelos vistos, querem e como o País não precisa… (Neste momento, o Sr. Presidente desligou o microfone ao orador).
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Guilherme Silva veio dizer-nos, galhardamente, que nunca teve medo de ouvir os portugueses sobre esta matéria.
Começo por lembrar o seu papel destacado no referendo a propósito da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, do Tratado de Nice, do Tratado de Amesterdão ou, mais atrás ainda, a propósito do Tratado de Maastricht. Em todas estas matérias, a sua voz foi decisiva para que os portugueses fossem ouvidos, porque o PSD não tem medo.
Disse-nos, depois, que tem alguma dúvida sobre se é possível haver um referendo simultâneo. Sr. Deputado, quando ler o n.º 7 do artigo 115.º da Constituição verá que não pode haver qualquer dúvida nesta Câmara.
O debate é, portanto, político, não é sequer um debate sobre as taxas de participação expectáveis em função de uma alteração da Constituição. E o Sr. Deputado sabe como eu, como todos os que aqui estamos, que nas últimas eleições europeias houve 65% de abstenção. A possibilidade de fazer convergir a eleição europeia com o referendo, para, assim, garantir mais de 50%, é uma "quimera". Só através do debate público nacional, só através da responsabilização de todos os dirigentes políticos e de todos os eleitores portugueses é que pode haver um referendo que seja expressivo e decisivo nesta matéria. Nenhum artifício de calendário, muito menos a justaposição com as eleições europeias, atinge o objectivo que os senhores reclamam para viabilizar esta revisão constitucional casuística.
O problema central, Sr. Deputado, é a razão para nos propor esta política. Aparentemente, o PSD mudou de posição. O porta-voz do PSD, o Deputado Pedro Duarte, dizia há dias que não sabia se queria que houvesse referendo, dizendo: "Logo se vê. Logo se vê as conclusões da CIG". Agora, deixaram o "logo-se-vêzismo" para passarem a defender que já sabem, que já viram. Mas o que "já viram" tem a oposição de Lobo Xavier, que é contra a "Constituição" que está em cima da mesa, enquanto Telmo Correia e Paulo Portas a apoiam.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Quem é que lhe disse que eu era a favor?!
O Orador: - Em contrapartida, o PSD não ouve Jorge Miranda, que não aceita o carácter constitucional desta "Constituição", ou Vital Moreira, que, pelo contrário, argumenta que ela deve prevalecer sobre a Constituição portuguesa. Enquanto o Deputado e Presidente Mota Amaral contesta a ideia de que esta "Constituição" se sobreponha à portuguesa, o PSD, pelo contrário, aceita que ela assim o faça.
É, portanto, sobre o conteúdo que hoje tem de haver um debate, porque é ele que esclarece, é ele que faz a diferença, é ele que determina se os portugueses consideram ou não que esta matéria tem a relevância fundadora que tem de ter, e é, em função disso, que podem decidir.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - Como o Governo hoje diz que não se pode mexer no Tratado Constitucional,…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Peço-lhe que conclua.
Página 442
0442 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Orador: - … e com isto concluo, mas, em contrapartida, tem graves críticas ao directório, não sabemos qual é a posição do PSD, excepto que antes não sabia e que agora já sabe que quer fazer um referendo estritamente impossível.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, as circunstâncias dos últimos dias levaram o PSD a dar uma "pirueta", a procurar criar um facto político.
Até ontem, o PSD dizia algo de razoável, semelhante ao que temos dito e ao que o CDS-PP tem dito: se, no termo da CIG, se vier a confirmar que existe um novo Tratado da União Europeia com alterações substanciais, entendemos que se justifica o referendo - isto foi o que o PSD disse até ontem. Ontem, o PSD precisou de inventar um facto político para fugir da realidade da política nacional. Tal como o CDS-PP, para fugir dos eleitores, se converteu à "eurocalma" para "comprar" o direito à coligação com o PSD, o PSD, para fugir da política nacional, tornou-se "euronervoso" e vem dizer: "Queremos referendo! Referende-se já! Tudo ao molho, com as eleições europeias, e já no dia 13 de Junho!".
Protestos do PSD.
Sr. Deputado Guilherme Silva, a construção da unidade política europeia e da transparência da vida democrática em Portugal é incompatível com "truques de algibeira" para fugir à realidade.
Protestos do PSD.
Percebo que vossa realidade é muito difícil, mas não recorram a truques destes, porque não dignificam a vida política democrática.
Protestos do PSD.
Pela nossa parte, mantemo-nos europeístas e serenos,…
Vozes do CDS-PP: - Então, é "eurocalmo"!
O Orador: - … continuando a dizer, rigorosamente, o que temos dito ao longo do tempo.
Em primeiro lugar, se no fim dos trabalhos da CIG vier a resultar um tratado com alterações substanciais relativamente ao Tratado em vigor, admitimos que se possa justificar a convocação de um referendo,…
Vozes do PS: - Claro!
O Orador: - … mas de um verdadeiro referendo e não de um referendo que se misture com actos eleitorais.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Em segundo lugar, entendemos que as regras constitucionais são para cumprir e que elas não se alteram a nosso bel-prazer.
Sr. Deputado Guilherme Silva, isto não é a Direcção-Geral do Ensino Superior para contornar a lei por um despacho, mesmo que, depois, venha dizer que o despacho é aplicável a casos similares.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
As regras constitucionais são muito claras: não pode haver referendo em simultâneo com actos eleitorais. Como quer uma resposta clara, e ela depende desde logo da nossa vontade, fica já a saber que não terá revisão constitucional para viabilizar um referendo em simultâneo com um acto eleitoral. O facto político nasceu ontem e morreu agora! Não terá referendo em simultâneo com as eleições europeias do dia 13 de Junho.
Agora, o Sr. Deputado Guilherme Silva tem de se concentrar naquilo que está em cima da mesa. Está aberto um processo de revisão constitucional ordinário para fazer o que é possível e o que é necessário fazer hoje: a revisão na parte relativa às autonomias regionais…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Página 443
0443 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Como eu dizia, está aberto um processo de revisão constitucional ordinário para a revisão na parte relativa às autonomias regionais, de forma a que entre em vigor em Janeiro e em simultâneo com as novas leis eleitorais para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, a fim de acabar com o escândalo da distorção da proporcionalidade que vigora na Região Autónoma da Madeira.
Protestos de Deputados do PSD.
É sobre isto que o PSD tem de dizer se vem a "jogo" ou não, se viabiliza ou não a clarificação dos poderes autonómicos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, há uma nota comum à forma como colocam as questões. É que VV. Ex.as indiciam todos um tipo de comportamento de oportunismo político.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Vozes do PS: - Eh!…
O Sr. Honório Novo (PCP): - Ai é?! Vocês apresentam uma proposta inconstitucional e nós é que somos oportunistas?!
O Orador: - Vou esclarecer o porquê. VV. Ex.as tiveram todos esta ideia: tiveram problemas e inventaram agora uma questão nova.
Srs. Deputados, as matérias que foram discutidas ontem no Conselho Nacional do PSD estão agendadas há mais de 15 dias e não foram alteradas por qualquer razão oportunista, porque a nossa maneira de estar na política não é a vossa.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS e do PCP.
Sr. Deputado Bernardino Soares, sinto e sei qual é a dificuldade histórica do PCP em matéria de construção europeia. Sabemos dos vossos ziguezagues e das vossas dificuldades.
Vozes do PCP: - Essa agora!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E também em matéria de referendo!
O Orador: - E, então, em matéria de referendo, sabemos bem a resistência que VV. Ex.as fizeram à introdução do referendo na Constituição;…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!
O Orador: - … a imposição que VV. Ex.as fizeram no sentido de impedir o referendo aos Tratados na revisão da Constituição de 1989. V. Ex.ª esquece-se das posições.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - De 1989?!
O Orador: - Naturalmente, tem de pedir ao Deputado Lino de Carvalho que o lembre dessa parte da história constitucional que V. Ex.ª esqueceu, ou que não chegou a conhecer.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Deputado, como é natural, todos os governos têm momentos difíceis, mas o importante é saber ultrapassar esses momentos difíceis e o Governo soube ultrapassá-los, está a governar e vai continuar a governar, e bem, para os portugueses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Página 444
0444 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Sr. Deputado Francisco Louçã, primeiro, não é verdade que o Deputado Pedro Duarte tenha excluído a hipótese do referendo; pelo contrário, reafirmou a posição assumida aqui pelo Primeiro-Ministro, que admitiu desde logo a realização do referendo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
O Orador: - Quando estas questões são colocadas frontalmente ao Bloco de Esquerda, o Bloco de Esquerda, que tem uma facilidade mediática enorme, que tem sound bites, que tem uma penetração na comunicação social tão fácil, embatoca. Embatoca nestas coisas!
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: - Não é capaz de dizer "queremos o referendo", "não queremos o referendo", "concordamos que seja feito no dia 13 de Junho"… Diga, Sr. Deputado! Diga!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Por outro lado, quero lembrar que, ao contrário do que o Sr. Deputado diz, em 1997, logo que a Constituição o permitiu, propusemos um referendo ao Tratado de Amesterdão…
Vozes do PSD: - É verdade!
O Orador: - … que foi "chumbado" no Tribunal Constitucional. Também aqui precisa de uma ajuda de memória do seu parceiro mais próximo. Peça ao Sr. Deputado Lino de Carvalho para o lembrar destas coisas, embora mais recentes.
Aplausos do PSD do CDS-PP.
Sr. Deputado António Costa, quanto me lembro destas vossas certezas em matéria de revisão constitucional. Eram contra a reversibilidade das nacionalizações; eram contra a abertura de determinados sectores à iniciativa privada;…
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - … eram contra a privatização da comunicação social; eram contra a abertura das televisões aos privados; eram contra o referendo; eram contra o voto dos emigrantes para as eleições do Presidente da República. Veja lá, VV. Ex.as são sempre contra a mudança! São sempre contra a modernização!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Deputado, em matéria europeia, não acaba aqui a nossa proposta, nem fecha aqui com a vossa resposta de não à alteração constitucional para permitir a acumulação dos dois actos (eleições europeias e consulta por referendo aos portugueses). O que, hoje, é aqui notícia, Sr. Deputado, é que o Partido Socialista é "euromedroso"!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O escândalo dos favores ilegais feitos…
Vozes do PSD: - Eh!…
O Orador: - Tenham calma! Ainda agora comecei!
Vou começar outra vez.
O escândalo dos favores ilegais feitos pelo Ministro da Ciência e do Ensino Superior ao seu colega dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas está, e vai estar, na memória de todos nós, pelo que representa de uma cultura de privilégios no interior do Governo, entre os seus próprios membros, para favorecimento de interesses pessoais e familiares com utilização dos cargos públicos exercidos em seu próprio benefício, e também pelo que representa de um comportamento revelador de uma gritante falta de ética de serviço público, em que aqueles que circunstancialmente exercem cargos de Estado entendem poder beneficiar de privilégios interditos à generalidade dos cidadãos, neste caso aos milhares de alunos candidatos a um curso superior de Medicina (ou outro que fosse) que ficam de fora, porque, não cumprindo as elevadas exigências de admissão, também não tiveram a sorte de serem filhos de Ministro.
Página 445
0445 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Vozes do PCP: - Exactamente!
O Orador: - Este é o exemplo que o Governo dá ao País. É a mensagem não do mérito e da igualdade de todos os cidadãos perante o Estado e a lei mas da "cunha", do favor, da corrupção, como caminhos para se atingir o sucesso. Uma vergonha!
A sucessão de acontecimentos culminou com a demissão dos Ministros da Ciência e do Ensino Superior e dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, não por espontânea vontade própria mas empurrados pela multiplicação de factos tornados públicos pela comunicação social que o Governo não conseguiu abafar, apesar da protecção do Primeiro-Ministro, no que se refere ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, que se arrastou ao longo de cinco dias.
É hoje uma evidência que alguém mentiu e continua a mentir sobre a responsabilidade de todos os intervenientes, como é também uma evidente e gritante falta de solidariedade entre os membros do Governo e uma opção explícita do Primeiro-Ministro por um deles, porque a verdade é que Durão Barroso começou por sacrificar o elo mais fraco: o Ministro da Ciência e do Ensino Superior, que fez o favor ao seu colega de Governo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Enquanto isto, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, na declaração lida nesta Assembleia, anunciou o sacrifício da própria filha e, sob palavra de honra, afirmou que não tinha falado sobre o assunto com o Ministro Pedro Lynce. Talvez não! Mas é óbvio que, se não o fez, alguém o fez por ele; basta ler o embrulhado comunicado do próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas. E, sobre tudo isto, já estamos todos a ver que nunca foi dita uma palavra à mesa da sala de jantar de Martins da Cruz, que parecia querer continuar incólume e sereno, como se nada fosse com ele.
No rescaldo destas demissões, o Primeiro-ministro deve uma explicação ao País.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por que sacrificou um Ministro e protegeu outro?
O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Por que procurou abafar as responsabilidades do Ministro dos Negócios Estrangeiros? Por que não procedeu ele próprio à demissão simultânea dos dois Ministros, como o PCP oportunamente reclamou?
O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Por que é que os dois ex-Ministros, apesar de reclamarem inocência e continuarem, espantosamente e contra todas as evidências, a afirmar a correcção e a legalidade dos seus actos, se demitiram então? Há, pois, ainda muito por explicar e o Primeiro-ministro tem a estrita obrigação de o fazer; a questão atinge-o directamente.
Aplausos do PCP.
O Primeiro-Ministro, o Governo e a sua maioria parlamentar podem sempre, se quiserem, empreender o caminho fácil e reconfortante de pensarem que agora, como no caso de Isaltino Morais, ou foi simplesmente azar, ou foram os malefícios do veloz escrutínio mediático sobre os actos dos Ministros e a acção do Governo. Mas, neste caso, melhor será que tenham consciência de que muitos e muitos portugueses já perceberam que o que há é um problema e um conflito na convivência de parte dos titulares de cargos governativos que hoje dirigem o País, com valores e princípios sobre os quais não se tiram cursos, porque ou vivem, ou não vivem, na cultura política, nas concepções e nos actos dos agentes políticos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, é a credibilidade do Estado de direito que está em causa; são princípios éticos elementares no exercício de cargos públicos que foram questionados; é a promiscuidade entre funções públicas e interesses privados e pessoais que foi posta em relevo.
A rápida nomeação de dois novos titulares, mesmo que com uma imagem pessoal mais favorável, não faz esquecer estas questões de fundo, nem que o Primeiro-Ministro continua a dever explicações ao País. Se nada disser sobre isto é o próprio Governo e o que lhe resta de credibilidade institucional que fica em crise. Se o não fizer antes, tem essa oportunidade sexta-feira, aqui, na Assembleia da República, no debate sobre o Estado da Nação. Desafiamo-lo a que o faça.
Aplausos do PCP.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
Página 446
0446 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda este caso não está encerrado e já outros estão em cima da mesa. O que se está a passar com as privatizações exige também explicações urgentes do Governo.
A política de privatizações tem avançado sem qualquer atenção ao interesse nacional e às responsabilidades sociais do Estado; os únicos factores que orientam o Governo nesta matéria são o de dar resposta aos interesses dos vários grupos económicos e financeiros, é a teoria da desresponsabilização do Estado e da mercantilização da vida pública, é o encaixe financeiro que as privatizações proporcionam.
Privatizam-se os últimos sectores estratégicos, como a energia, a fileira florestal, ou o transporte aéreo, que tocam, aliás, de perto com a nossa própria soberania nacional; privatizam-se bens que, antes de mais, são bens sociais essenciais à vida dos cidadãos, como a água; privatiza-se ou diminui-se a responsabilidade das políticas públicas em áreas também elas essenciais para os direitos dos portugueses, como a educação, a saúde, a segurança social e a própria Administração Pública; encerram-se balcões de atendimento da EDP ou postos de correio dos CTT em nome da rentabilidade mercantil, atirando, cada vez mais, populações para o isolamento e acelerando o despovoamento de muitas regiões do País; até já se anuncia a privatização da cobrança de dívidas fiscais e da segurança social - é a entrada do "cobrador do fraque" no Conselho de Ministros.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Do bloco central de interesses, são três os casos paradigmáticos, como afirma, aliás, Henrique Neto, que atravessam as privatizações na área económica: o sector da energia, em particular da EDP, da Galp e do gás natural, com o então Ministro Pina Moura a entregar decisões estratégicas aos italianos da Eni e o Governo do PSD/CDS-PP a prosseguir a aposta na liberalização do mercado energético; o sector das águas, que começou com o PS e o Ministro José Sócrates e acaba agora com o PSD, substituindo o direito à água como direito social, reconhecido expressamente pela ONU, pela lógica do mercado e do lucro, com o inevitável aumento exponencial das tarifas; o sector da pasta e do papel, um dos poucos sectores onde Portugal poderia ter uma política de fileira.
Quanto a esta última, sucedem-se os ruídos de fundo dos vários interesses que se degladiam na tentativa de ganhar a licitação em curso: por um lado, Belmiro de Azevedo, que se recusou a cumprir as condições impostas na privatização da GESCARTÃO, quer a Portucel para aliviar as dificuldades financeiras e de liquidez do Grupo Sonae; por outro lado, o Grupo Cofina-Lecta, com quem o Governo tem vindo a organizar uma muito pouco transparente operação de engenharia financeira, feita à medida. Qualquer das soluções não serve os interesses nacionais, mas os dos grupos nelas envolvidos.
Quando tanto se ouve falar na preocupação dos centros de decisão serem preservados em Portugal, é preciso dizer que tal discurso não passa de um amontoado de palavras sem consequências, a menos que seja posto termo à irresponsável política de privatizações, que não serve os interesses do País, nem dos trabalhadores, não obedece a qualquer racionalidade económica, nem tão-pouco tem servido sequer para criar e consolidar grupos económicos e empresas nacionais.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tem de terminar.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Pelo contrário, com as privatizações, o que tem acontecido sistematicamente é a transferência da sua propriedade, da sua gestão, do seu controlo para mãos não nacionais, com os seus centros de decisão a serem transferidos para fora do País e a seguirem as estratégias de quem as comprou, que pouco têm a ver com os interesses do País.
O Governo vai mal, Srs. Deputados, seja ao nível do comportamento e da ética de muitos dos seus membros, seja pelas políticas que desenvolve.
Mas os últimos acontecimentos demonstraram que, apesar da sua maioria, o Governo não pode fazer tudo o que quer. É a altura de mais e mais portugueses partilharem de um vivo sobressalto… (Neste momento, o Sr. Presidente desligou o microfone ao orador).
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem palavra o Sr. Deputado Marco António Costa.
O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, obviamente não poderei colocar questões sobre a última parte da sua intervenção, mas a primeira parte merece da parte do Grupo Parlamentar do PSD um comentário muito concreto.
É verdade que os governos têm momentos de maiores facilidades e de maiores dificuldades, mas também é bem verdade que é nos momentos das dificuldades que se percebe se existe um rumo ou se não existe.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!...
O Orador: - E aquilo que tem de ficar muito claro para os portugueses é que, independentemente da saída de dois ministros e da entrada de duas novas ministras, segundo a informação que temos sobre esta matéria, a linha de rumo da política do Governo a nível do ensino superior e da ciência e dos negócios estrangeiros será mantida e não alterada!
Página 447
0447 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Essa linha de rumo será mantida e as reformas em curso no ensino superior, que são tão importantes para o futuro dos nossos jovens e de Portugal, não serão postas em causa, porque essas, sim, é que são verdadeiramente importantes para Portugal!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Mas, Sr. Deputado, há uma questão que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista não logrou responder nem conseguiu explicar na intervenção do Deputado Lino de Carvalho, que é a de saber se em matérias tão importantes como a que aqui, hoje, foi trazida pelo Grupo Parlamentar do PSD na sequência do Conselho Nacional do PSD, que ocorreu ontem,…
Risos do Deputado do PS António Costa.
… o Partido Comunista Português está ou não aberto…
Protestos do PCP.
… a aceitar uma alteração constitucional que permita um referendo simultâneo com as eleições europeias. Essa matéria é fundamental! É fundamental perceber, relativamente a matérias tão importantes para o futuro do País, que estão em curso na Europa, se o Partido Comunista tem uma posição concreta, frontal e clara para os portugueses!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado fez uma intervenção na qual teve oportunidade de responder aos desafios que aqui foram feitos pelo líder do Grupo Parlamentar do PSD…
Protestos do PCP.
… relativamente às posições que no passado o Partido Comunista teve sobre as matérias da revisão constitucional, nomeadamente sobre a introdução do referendo na Constituição. O Sr. Deputado teria tido uma boa oportunidade, nesta intervenção, de esclarecer essa matéria!
E, Sr. Deputado, não posso fugir à tentação do solicitar-lhe, independentemente do conteúdo da sua intervenção, da qual não ouvi a última parte, que aproveite esta oportunidade que estou a dar-lhe para esclarecer definitivamente essa matéria!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Lino de Carvalho tem pouco tempo para responder.
Dou a palavra, também para um pedido de esclarecimento, ao Sr. Deputado Augusto Santos Silva.
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, teve V. Ex.ª toda a razão em trazer a esta Assembleia uma reflexão política sobre os últimos acontecimentos ocorridos no Governo e nas instituições portuguesas.
E faço minhas as palavras iniciais do Sr. Deputado Marco António Costa: de facto, vê-se se um Governo tem rumo quando tem de enfrentar dificuldades. As perguntas que é preciso fazer são as de saber qual é a causa das dificuldades por que passou o Governo desde quinta-feira à noite e como é que o Governo respondeu a elas. E a minha resposta é muito simples!!
Quanto à primeira pergunta, a causa das dificuldades por que passou o Governo desde quinta-feira à noite é o descaramento da manipulação das regras, a desfaçatez, o compadrio elevado a um nível a que nunca a democracia portuguesa tinha assistido ou conhecido desde o 25 de Abril.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não há memória na democracia portuguesa de um nível de compadrio, de desfaçatez, de descaramento na manipulação das regras igual ao que assistimos nos últimos dias,…
Aplausos do PS.
… porque nenhum dos factos relatados pela comunicação social, nem sequer um único elemento desses factos, foi desmentido por qualquer dos envolvidos, fosse por qualquer dos ministros, fosse pelo próprio Primeiro-Ministro. E nós sabemos, hoje, que houve uma tentativa de mudar a lei ad hoc, para um caso particular; que falhada essa tentativa houve uma procura de manipulação descarada das regras; que nessa manipulação foi envolvido o gabinete de um dos ministros, em profunda deslealdade para com esse titular; e que tudo isto foi feito no consentimento da maior das impunidades. É
Página 448
0448 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
como se a maioria e os governantes envolvidos entendessem que por ter ganho umas eleições passaram a ser "donos do Estado".
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Ora, a democracia não dá a ninguém o título de dono do Estado por ter ganho umas eleições!!
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - As regras são universais e abstractas e este é um governo das leis e não um governo das maiorias circunstanciais. É isso que define a democracia!
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - E quanto à forma como o Governo lidou com este problema, ela diz tudo: o Primeiro-Ministro - que é o chefe do Governo, não é o presidente do Governo investido apenas de funções de representação! - respondeu a isto discriminando ministros entre si, admitindo uma profunda falta de solidariedade, de cultura ética, no interior do seu próprio Governo, foi atrás da comunicação social, não fez uma remodelação, foi enfraquecido pela remodelação. Esse é o ponto essencial!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Aquilo a que assistimos no sábado, na segunda-feira, ontem, não foi a um Primeiro-Ministro a comandar uma remodelação; foi a uma remodelação que desfez a credibilidade de um Primeiro-Ministro, enfraquecendo-o inevitavelmente!!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - O PS cede 1 minuto ao PCP, para poder responder.
Para responder, no tempo que lhe sobra, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Partido Socialista por me ter cedido mais 1 minuto e aos Srs. Deputados as questões colocadas.
O Sr. Deputado Marco António Costa bem se esforçou para cumprir a estratégia ontem definida no Conselho Nacional do PSD:…
O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito obrigado.
O Orador: - … procurar não discutir as questões que incomodam o PSD.
Vozes do PCP e do PS: - Exactamente!
O Sr. Marco António Costa (PSD): - Olhe que não!...
O Orador: - Mas a verdade, Sr. Deputado, é que é preciso discuti-las por muito que vos incomodem, e acredito que vos incomodem.
Sr. Deputado, é preciso, desde logo, esclarecer - e sexta-feira, como disse daquela tribuna, podemos ter essa oportunidade - as razões do silêncio do Sr. Primeiro-Ministro…
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - … e o envolvimento dele próprio, pelo menos entre quinta-feira e o dia de ontem.
Foi aqui dito pelo Sr. Deputado Augusto Santos Silva - e estou de acordo - que nós estamos perante um comportamento de quem, assumindo cargos públicos, se assume como "dono do Estado", das regras, das leis, para satisfação de interesses próprios. E isto, Sr. Deputado, é grave! Não é só grave para quem está no Governo: é grave para a imagem que as instituições dão ao País e aos cidadãos!
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que nós vimos membros do Governo a procurarem alterar legislação para benefício próprio e privado!
Página 449
0449 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O que nós vimos foi um Primeiro-Ministro que, como foi dito, não procedeu à remodelação por iniciativa própria, de imediato, condenando aqueles que usaram as funções do Estado para seu próprio benefício, mas que procurou adiá-la, indo atrás dos acontecimentos, e só a fez, em última instância, por força da comunicação social!
O Sr. Marco António Costa (PSD): - É a vossa versão dos factos.
O Orador: - E isso, Sr. Deputado, põe em causa a credibilidade institucional do Governo!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de terminar.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente!
É por isso, Sr. Deputado, que esta não é uma questão encerrada! É uma questão que exige ainda explicações, explicações sobre a forma como todo o processo se desenvolveu e explicações, sobretudo, do Primeiro-Ministro, sobre o seu envolvimento, sobre as razões por que não actuou quando devia actuar, sobre as razões por que discriminou ministros, sobre as razões por que tudo isto se passou, pelo menos dentro do Conselho de Ministros, entre ministros dentro do Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - São estas as questões que queremos ver respondidas, são estas as questões sobre as quais, seguramente, interpelaremos o Sr. Primeiro-Ministro na sexta-feira!
Aplausos do PCP.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD concedeu, num momento de rara sinceridade, que o Governo vive momentos de dificuldades - acabámos de o ouvir agora. Na verdade, é necessária uma reflexão mais distante e mais profunda sobre o que se tem passado.
Portugal está a viver uma crise grave de regime, estamos a viver um "envenenamento" da política, em que a intriga virtual entre os membros do Governo se tornou a regra da governação.
É como, Sr.as e Srs. Deputados, se nos aproximássemos daquele período do fim do cavaquismo, mas, agora, ainda não tivemos 10 anos de Governo e, no entanto, antes de cumprir metade do seu mandato, este Primeiro-Ministro submete-se à queda de dois ministros na mesma semana, sem esclarecer comportamentos, estratégias e políticas.
Trata-se de uma crise profunda, porque não só se demitem ministros mas também, como todos terão reparado, nunca ninguém tem responsabilidade. Um ministro e outro saem por razões pessoais, mas nenhum tem responsabilidade política...! O Primeiro-Ministro, esse, não tem autoridade; limita-se a transpirar para a comunicação social de qual dos ministros era mais amigo. E a regra das amizades é o que se torna decisivo no Governo.
Ficam, portanto, por esclarecer oito questões decisivas que esta matéria suscita.
Primeira: quem pediu ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas para propor a alteração da lei, alteração em benefício exclusivo da filha do Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas?
Segunda: quem tomou a decisão de que essa proposta fosse levada à reunião dos Secretários de Estado?
Terceira: como e por que é que o Ministro dos Negócios Estrangeiros, já depois de ter um despacho do Director-Geral do Ensino Superior a favor da sua filha, decidiu retirar a proposta que tinha no Conselho de Secretários de Estado, permitindo, assim, aliás, saltar por cima de 1630 candidatos à mesma vaga?
Quarta: como é que o Ministro dos Negócios Estrangeiros podia, porventura, desconhecer que era uma estrita ilegalidade o requerimento que a sua filha estava a apresentar e a decisão que o Director-Geral estava a tomar a seu favor?
Quinta: quando é que o Chefe de Gabinete de Pedro Lynce foi convidado para Chefe de Gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros?
Sexta: que relação tinha Rui Trigoso com Martins da Cruz e que papel teve, exactamente, na operacionalização destas alterações casuísticas à lei?
Sétima: que iniciativa tomou o Director-Geral, recebendo ordens de quem?
Oitava e não menor destas questões: quais são esses regimes excepcionais que o Director-Geral do Ensino Superior veio dizer à comunicação social que existiam, apesar da lei e contra lei? E, havendo regimes excepcionais na lei, quais eram esses tão excepcionais que exceptuavam a própria lei?
Sobre tudo isso ainda nada sabemos. E o País tem direito à transparência e ao princípio da verdade que obriga todos os responsáveis políticos. É que uma crise de confiança como esta que o Governo suscita não se resolve com uma demissão. Aliás, a estratégia demissionária foi a que o Primeiro-Ministro permitiu que Martins da Cruz utilizasse. Lembrem-se bem, Sr.as e Srs. Deputados: Martins da Cruz começou por vir a esta Assembleia, sob palavra de honra, "demitir" a vaga da sua
Página 450
0450 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
própria filha; continuou a dizer que a culpa era toda do Ministro Pedro Lynce - seu colega do Governo - e, portanto, "demitiu-o"; acabou por se "demitir" a si próprio... De demissão em demissão, até à queda final!...
Mas uma crise de Governo não se resolve com qualquer destas demissões; esclarece-se, tem de se esclarecer! Houve tanta palavra de honra dada em vão que talvez merecêssemos a verdade.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - E é o Primeiro-Ministro, que tem a responsabilidade directa de dizer a verdade ao País e à Administração Pública, que tem de esclarecer tudo, que tem de ser transparente! Com habilidades de última hora, com propostas tiradas da "cartola", como aquela que aqui vimos nascer e morrer sobre o referendo, pode desviar as atenções por um minuto mas nada resolve nas horas difíceis que o País atravessa.
Este caso tem de ter um tratamento exemplar e só uma comissão de inquérito permite esclarecer as oito questões a que fiz referência e todas as outras pertinentes.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - É por isso mesmo, Sr.as e Srs. Deputados, que vos queremos dizer também que o Bloco de Esquerda quer concentrar-se sobre o essencial e não está disponível para debates secundários ou para divertimentos de salão, quando o País precisa de respostas.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Os dois divertimentos de salão que tivemos até agora foram a revisão constitucional sugerida ontem e o referendo da "Constituição" europeia para nunca.
A revisão constitucional nasce do colapso da reforma do sistema político, em que nada de decisivo se trata, em que mesmo o fundamental que é a limitação de mandatos - um princípio essencial da Constituição republicana - está a ser posto em causa.
Disseram-nos, durante um tempo, que a revisão constitucional que a direita propõe tinha o objectivo de mudar a ideologia que está a mais... Sabemos agora que essa ideologia é o regime e que a ideologia não são ideias, a ideologia é a própria República.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
O Orador: - Já Paulo Portas prometera fechar as "torneiras" da imigração para satisfazer Manuel Monteiro, parece que, agora, Telmo Correia promete a hipótese da monarquia a D. Duarte Nuno. Isto é a "revisão" da Constituição! É uma revisão do princípio da República, do princípio constitutivo desta Assembleia Constituinte e da nossa vida política em democracia.
Em segundo lugar, temos o referendo da "Constituição" europeia. Percebo que a direita tenha um problema grave entre mãos, ou seja, não pode deixar de se aliar, mas, aliando-se, perderá sempre as eleições, se tiver um voto a menos de 50% dos votos. A derrota da direita verificar-se-á sempre que a coligação tiver menos do que 50% e, por isso, a direita propõe uma trapaça: propõe um referendo, que sabe que não quer e que quer que não aconteça, para tentar amarrar um partido da oposição, na sua ânsia indisfarçada de conseguir recusar a sua própria viabilidade.
Pensemos no que seria a contaminação das eleições se se aceitassem plebiscitos no momento eleitoral. Votaríamos a favor ou contra os touros de morte quando elegêssemos os Deputados da Assembleia da República? Votaríamos a favor ou contra o aumento da taxa de alcoolémia nas estradas portuguesas quando elegêssemos as câmaras municipais? Tem algum sentido "contaminar" os debates para, assim, os desfavorecer,…
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - … para assim os desvalorizar, para assim os destruir?!
Aplausos do Deputado do BE Luís Fazenda.
O Governo quer, hoje, um "Portugal dos pequeninos" e despreza o verdadeiro debate europeu, que é um debate essencial, que não pode ter medo dos portugueses e que, sim, tem de conduzir a um referendo, com respostas, com alternativas.
O Governo quer um "Portugal dos pequeninos" fechado sobre pequenas questiúnculas políticas, sobre diversões, sobre entretenimentos, sobre ideias que afundam muito mais depressa do que os próprios ministros.
Dizia Guilherme Silva que seria um vexame não haver uma votação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou-se o tempo de que dispunha. Tenha a bondade de concluir.
Página 451
0451 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Orador: - Concluo, Sr. Presidente.
Vexame será, evidentemente, não haver uma votação que permita esclarecer e escolher. E assim é em relação a todas as questões de política nacional, em que este Governo preferiu a pequenez dos debates e a insignificância das opiniões a uma estratégia para o País.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, ouvi-o, mais uma vez, com esse seu tom de "dono da verdade" e relativamente evangélico, dizer-nos uma série de coisas que, do nosso ponto de vista, não são aceitáveis.
Permita-me, porém, que comece primeiro com uma nota pessoal, agradecendo a referência e a bondade que teve na referência à minha pessoa. Mas, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que V. Ex.ª, que é uma pessoa tão atenta, tão observadora, tão senhora e dona de tudo, neste caso, chegou um bocadinho atrasado, porque, repare, não há qualquer inovação da minha parte. Lamento! Às vezes tento ser criativo, mas, neste caso concreto, não houve qualquer evolução, sinceramente, não descobri a pólvora. É que faz parte da doutrina constitucional do CDS-PP, assente, se não estou em erro, pelo menos, desde 1992 - seguramente desde 1995, mas, pelo menos, desde 1992 -, que unidade nacional, autarquias, poder local e democracia são limites materiais de revisão. Do nosso ponto de vista, pelo menos desde essa altura - e repare no tempo que já lá vai e em quantas direcções já passaram pelo CDS-PP -, a forma de Governo não é limite material de revisão. Desde então!
E isto, por uma razão simples, Sr. Deputado Francisco Louçã: é que nós consideramos que a União Europeia, de que fazemos parte, tem democracias que são repúblicas, como Portugal, e tem democracias que são monarquias, como o Reino Unido ou a Espanha,…
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - … e, portanto, os portugueses poderão escolher sobre a forma de Governo. É tão simples como isto! E isto é assim, independentemente de, nesta bancada, se sentarem pessoas, como eu, que não escondem as suas convicções e as suas simpatias nesta matéria e outras, que têm outras convicções ou outras simpatias opostas sobre a mesma matéria. Mas isto é doutrina assente desde 1990 e, portanto, escusa de descobrir essa grande novidade, essa grande maldade que eu fiz agora, porque, sinceramente, não a fiz, já vem de há muito tempo atrás.
Em relação à outra questão que o Sr. Deputado Francisco Louçã suscitou, quero dizer-lhe o seguinte: V. Ex.ª pegou nas palavras de um Sr. Deputado do PSD para dizer "reconhecem, estão a ver como admitem que estão a viver momentos difíceis", mas eu reconheço-lhe, a si, o efeito que o Sr. Deputado tem em toda a esquerda neste Parlamento. Basta ouvi-lo na rádio, basta ter ouvido o Sr. Deputado Augusto Santos Silva, na Comissão de Educação, na sexta-feira passada, e ouvi-lo hoje, aqui, para ver que o Sr. Deputado Francisco Louçã causa efeitos de dupla personalidade em toda a esquerda, designadamente no Partido Socialista. É que, de uma declaração sensata, ponderada, sublinhando a dignidade das pessoas, que na sexta-feira tive ocasião de ouvir ao Sr. Deputado Augusto Santos Silva, hoje, também ele já entrou no seu discurso do país de cima e do país de baixo, do compadrio, do manto negro e do não sei quê...!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Eu reconheço-lhe esse efeito, Sr. Deputado Francisco Louçã, mas não é por o senhor dizer que é verdade, não é por o senhor dizer que é verdade.
A questão subjacente a este processo é tão simples como isto: a realidade desta matéria é que houve, de facto, dois homens que deram a palavra de honra sobre os actos que cometeram. São dois homens sobre os quais nós repetimos, hoje, aqui, que os consideramos sérios,…
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - … que os consideramos dignos e cuja palavra de honra não está, nem hoje nem no passado, em causa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou-se o tempo de que dispunha. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Se este é um momento difícil para o Governo, sublinhe-se a dignidade do Dr. Martins da Cruz, a dignidade do Professor Pedro Lynce e, sobretudo, a capacidade de liderança do Primeiro-Ministro ao andar em frente e cumprir o programa da maioria.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Página 452
0452 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?
O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado Augusto Santos Silva?
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, quero apresentar um protesto.
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado Augusto Santos Silva, dar-lhe-ei a palavra depois de o Sr. Deputado Francisco Louçã responder ao pedido de esclarecimentos que foi formulado.
Tem a palavra, Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, verifico que, mais uma vez, insiste nas caracterizações teológicas, de que, certamente, é autoridade - uma vez evangélico, outra vez mefistofélico; aprecio que me diga que os monárquicos que existem no CDS-PP não têm pólvora - é sempre uma tranquilidade, em tempos de reforma da Constituição...! - e também que confirme que isso é uma "maldade" antiga que tem vindo a defender com coerência. Aprecio a coerência, mas apreciava melhor respostas directas, sobretudo a duas questões.
Em primeiro lugar, gostava de saber se o Grupo Parlamentar do CDS-PP, a maioria, porque fala, naturalmente, em nome da maioria, acorda ou não numa comissão de inquérito que permita esclarecer todas as questões - listei algumas mas, certamente, saberá de mais ou lembrar-se-á de mais -, que permita perceber todos os erros, toda a trapaça que foi feita na condução deste processo de valorização de vantagens privadas, com a tentativa da alteração da lei, e que permita, portanto, corrigir e impedir este processo para o futuro.
Em segundo lugar, Sr. Deputado Telmo Correia, quero dizer-lhe o seguinte: não é verdade que toda a gente esteja de boa fé neste processo. Não é possível! Alguém mentiu! Este Parlamento está confrontado com uma mentira, aliás, preocupante, porque a mentira de Estado parece ser regra, desde as armas de destruição massiva até este caso.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha já se extinguiu. Tenha a bondade de concluir.
O Orador: - Concluo, Sr. Presidente.
É óbvio que se o Ministro Pedro Lynce não mentiu - mentiu o Ministro Martins da Cruz! É absolutamente evidente e, sobre isso, o País tem o direito e até a obrigação de vos pedir responsabilidades.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Augusto Santos Silva, estive a analisar o seu pedido de palavra e o Regimento não me permite dar-lhe a palavra para um protesto, porque exclui expressamente os protestos a pedidos de esclarecimento e às respectivas respostas, bem como a declarações de voto. No entanto, posso dar-lhe a palavra para interpelar a Mesa. É mau, mas, a título excepcional, admito-o, porque não quero privá-lo do uso da palavra.
Darei, depois, a palavra ao Sr. Deputado Telmo Correia para o mesmo efeito ou, no fundo, para responder.
Tem a palavra, Sr. Deputado Augusto Santos Silva.
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, peço imensa desculpa de o meu domínio do Regimento ainda não ser aquele que deveria, mas o que acontece é que me senti ofendido na minha consideração pela referência do Sr. Deputado Telmo Correia, pelo que, então, se me permite, uso da palavra para defesa da consideração pessoal.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Telmo Correia, no seu pedido de esclarecimentos, referiu-se a mim próprio como tendo uma dupla personalidade e como estando sujeito à influência do Sr. Deputado Francisco Louçã, mesmo antes de ele falar. Parece ser uma influência magnética ou de outro estilo qualquer...
Por isso, gostaria de esclarecer esse ponto, que, para mim, é de extrema seriedade.
Fiz uma intervenção, na Comissão de Educação, na sexta-feira de manhã, perante um adversário que se tinha demitido e, para mim, em política, há uma coisa sagrada, que é o respeito absoluto pelos adversários demitidos.
Em segundo lugar, fiz essa intervenção baseado num conjunto de informações que remetiam para uma divergência entre mim próprio - que entendia que o Sr. ex-Ministro da Ciência e do Ensino Superior tinha cometido uma ilegalidade, ao dar seguimento a um requerimento apresentado por um familiar de um Sr. Membro do Governo - e o Sr. Ministro da Ciência e do Ensino Superior, que teve oportunidade de apresentar a sua própria interpretação. Ora, nessa altura, eu não sabia que tinha havido uma tentativa de mudar a lei, carreada por um secretário de Estado directamente dependente do Ministro de que é familiar a pessoa requerente, que a manipulação tinha envolvido o próprio Chefe de Gabinete do ex-Ministro da Ciência e do Ensino Superior, que o descaramento tinha chegado a esse nível, que o silêncio do Primeiro-Ministro ia prolongar-se até hoje e que novos factos viriam a lume, e não seriam desmentidos, e todos eles convergiam para a situação que caracterizei há pouco, e torno a caracterizar agora, como sendo a situação de compadrio mais grave que conheço no regime democrático português.
Página 453
0453 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Aplausos do PS.
É preciso remontar à ditadura para ter uma situação comparável!
Portanto, a questão é muito simples: pessoalmente, sinto-me indignado, porque o Governo é o Governo do meu país, é também o meu Governo. Mas sinto-me indignado por outra razão suplementar: é que, ao acontecer uma situação destas, ao virem aqui ministros sustentar, por palavra de honra, que não se verificaram factos que implicassem compadrio - quando todos nós percebemos que o advérbio "pessoalmente" era uma cortina de fumo atirada aos parlamentares para esconder movimentações concretas que, efectivamente, sucederam -, não é apenas a dignidade dos ex-ministros que está em causa, é a dignidade de todos nós, os que ocupamos funções públicas. E, pela minha parte, não estou disposto a ser metido nesse mesmo "saco"! Não é esse que entendo ser o compromisso que todos nós solenemente assumimos de respeitar a lei na democracia e, portanto, não me confundo com essas pessoas nem com esses problemas.
Portanto, onde viu dupla personalidade, Sr. Deputado Telmo Correia, peço-lhe que veja apenas seriedade pessoal e política.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Augusto Santos Silva, obviamente, não foi minha intenção ofendê-lo, muito menos do ponto de vista pessoal; a minha referência foi dirigida, lógica e naturalmente, ao Partido Socialista.
Sr. Deputado, não posso deixar de registar que na sua resposta foram referidos factos que não são verdade. V. Ex.ª fala e sublinha um silêncio do Sr. Primeiro-Ministro que não existiu. Eu próprio, apesar de estar ausente, nos últimos dias, numa delegação parlamentar, com uma sua colega e outros Srs. Deputados, e de não estar em Portugal, tive ocasião de ouvir o Sr. Primeiro-Ministro falar sobre esta matéria, tive notícia, informação desse facto. Portanto, o que o Sr. Deputado disse não é rigorosamente verdade.
Em relação aos outros aspectos da sua intervenção, mantenho a crítica, pois é um direito de observação meu sobre as suas posições, como compreenderá. Aliás, eu não lhe fiz uma crítica mas, sim, uma meia crítica. De facto, ouvi-o, na Comissão, ter precisamente a atitude de dizer que se tratava de um comportamento de grande dignidade, que sublinhava a dignidade do Professor Pedro Lynce, etc. Agora, ouvi-o aqui, segundo me pareceu, num tom e num registo completamente diferentes.
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Num tom de ainda maior dignidade!
O Orador: - Só o critiquei na segunda parte da minha intervenção, na primeira parte elogiei-o, como tive ocasião de fazer na altura, porque saí da Comissão e disse: "O Sr. Deputado Augusto Santos Silva esteve bem, este correcto, esteve muito rigoroso".
Registo que entre a sua primeira declaração e a última o Sr. Deputado Francisco Louçã falou várias vezes para as rádios, mencionado o compadrio, o manto negro, o rolo compressor e aquelas coisas todas de que ele gosta de falar. Portanto, deduzi que se aplicava uma coisa que do ponto de vista de onde me sento é muito observável: o "princípio do dominó". Ou seja, as coisas estão calmas, começam bem aí, parecem assentes, mas, depois, caem da bancada do BE para a do PCP, da bancada do PCP para a do PS e, pronto, lá está o "princípio do dominó"!…
Risos do PS.
Chegam à bancada do PS e param! Justiça seja feita!… Ali é solo!…
Pareceu-me, Sr. Deputado, que havia nessa sua declaração o "princípio do dominó". Não pode falar-se em respeito pelo adversário e, dois dias depois, estar a perder completamente o respeito em relação a esse mesmo adversário e a falar em compadrio, em comissão de inquérito, em mais "vampirização", em mais números à volta deste assunto!…
O grau mais elevado da responsabilidade política é a demissão do Ministro!
O Sr. Vicente Jorge Silva (PS): - Não é, não!
O Orador: - Aqui apuramos a responsabilidade política, sendo que o grau mais elevado é a demissão do Ministro! Os Ministros, cuja palavra respeitamos - repito -, demitiram-se! Do nosso ponto de vista, o grau de responsabilidade política foi apurado e o caso está encerrado! É isso o que temos a dizer, Sr. Deputado Francisco Louçã!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Página 454
0454 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Quanto ao mais, Sr. Deputado Augusto Silva, não deixe que em determinados momentos o Dr. Jekyl tome conta do Mr. Hyde,…
O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - É ao contrário!
O Orador: - Ou ao contrário, é indiferente!…
É que na conversa do compadrio e do manto negro o Sr. Deputado Francisco Louçã faz muito melhor que V. Ex.ª. Portanto, Sr. Deputado, não vá por aí, não vale a pena, porque o Sr. Deputado Francisco Louçã faz muito melhor. Tenha respeito pelos adversários, como demonstrou no outro dia, e mantenha-o sempre, porque lhe fica bem e é essa a ética que gostamos de ver na política.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o tempo do período de antes da ordem do dia está esgotado, mas temos de prolongá-lo ao abrigo do preceito regimental sobre declarações políticas. Aos oradores inscritos para outro tipo de intervenções não poderei dar a palavra. Portanto, depois de intervir o Sr. Deputado Medeiros Ferreira darei a palavra ao Sr. Deputado Fernando Alves Pereira, também para uma declaração política.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Creio ser pública e notória a minha reserva quanto à prática de revisões permanentes da Constituição. Cinco revisões em 20 anos não aconselha a manter o mesmo ritmo para o futuro,…
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - … a bem da estabilidade do regime democrático e do bom senso.
Por isso, não posso deixar de vir a esta Tribuna saudar a decisão tomada pelo Partido Socialista de considerar esgotada a necessidade de prever a realização periódica de revisões constitucionais ordinárias, conforme reza o artigo 284.º da Constituição da República Portuguesa, ainda para mais num ciclo tão curto. Este artigo, compreensível no início do regime democrático, é hoje em dia um autêntico convite ao reboliço constitucional,…
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - … tanto mais que há a tentação, já explicitada por alguns políticos de relevo, de um dia submeter Portugal a uma total subversão constitucional. Ora, a revisão permanente ajuda a esse propósito aventureiro pela volatilidade normativa que introduz na Lei Fundamental.
O Partido Socialista, consciente da existência de adversários, por enquanto marginais, da Constituição de 1976 não lhes facilitará a vida!!
Aplausos do PS.
Cada revisão deve, pois, passar a ter carácter extraordinário, conforme proposta do Partido Socialista para o futuro. É uma proposta que por si só vale uma reforma do sistema político e deve ser encarada com a maior seriedade.
O Partido Socialista sempre foi um partido eminentemente constituinte do regime democrático…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Conservador!
O Orador: - … e transporta consigo a dupla responsabilidade da consolidação do regime e da sua evolução. Repito: O Partido Socialista transporta consigo a dupla responsabilidade da consolidação do regime e da sua evolução. Por isso o Partido Socialista afirma que é inoportuna uma nova revisão geral da Constituição sem que esteja cumprido o programa legislativo que completa as revisões anteriores, nomeadamente a de 1997, e sem que se chegue a um novo tratado na União Europeia, previsto para o próximo ano.
Por isso o Partido Socialista já apresentou as principais iniciativas legislativas pertinentes para uma reforma do sistema político no actual quadro constitucional; por isso o Partido Socialista chamou a si a iniciativa de apresentar agora um projecto de revisão limitado às questões autonómicas, na perspectiva de aproveitar o pouco tempo que resta antes da temporada eleitoral regional, marcada para o segundo semestre do próximo ano.
Vozes do PS: - Muito bem!
Página 455
0455 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Orador: - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou ontem, a esta Assembleia da República, o seu projecto de revisão constitucional, confinado a matérias respeitantes às regiões autónomas. Esta iniciativa merece uma verdadeira explicação a esta Assembleia da República.
Em boa verdade, ela não é uma surpresa. Há muito que o Partido Socialista a havia anunciado, porque nestas matérias a técnica do contra-relógio não é a mais adequada à seriedade dos propósitos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Deste modo, o próprio Secretário-Geral do PS, Ferro Rodrigues, expôs a posição do Partido Socialista em conferência de imprensa realizada a 11 de Setembro. O projecto que agora se apresenta resultou de ponderados contributos de um grupo de trabalho coordenado por Carlos César durante cerca de seis meses.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Responsavelmente, o Partido Socialista sublinha as dificuldades que o calendário político suscita. Não fora as eleições regionais e tudo deveria ser tratado mais tarde. Temos consciência da questão, por isso apelamos à boa vontade dos outros partidos, nomeadamente do PSD.
É, porém, sensato manter as actuais leis eleitorais para as assembleias regionais em vigor ainda para as próximas eleições? A resposta é: "Não!"
Nos Açores essas leis não poderão ter resultados paradoxais em termos de não equivalência entre votos e mandatos? Não convirá acelerar, na Madeira, os procedimentos para uma mais equilibrada distribuição de votos e mandatos, com maior respeito pelo sistema proporcional, hoje em dia praticamente inexistente?
O Sr. António Costa (PS): - Um escândalo!
O Orador: - Daí a necessidade de acelerar a apresentação de novas leis eleitorais para as assembleias legislativas regionais, aliás, um dos pressupostos desta nossa revisão constitucional.
Mais: as maiorias parlamentares que saírem dessas eleições darão garantias de estabilidade governamental ou não será mais avisado prever desde já a existência de mecanismos de arbitragem e de resolução de impasses políticos, sempre prováveis? Daí as novas competências do Presidente da República na dissolução das assembleias regionais, ouvidos o Conselho de Estado e os partidos políticos.
O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!
O Orador: - Será possível manter a ambiguidade das competências das regiões, conformada pelo conceito de lei geral da República, sem prejudicar a capacidade legislativa já adquirida pelas assembleias regionais? Daí a sua proposta de eliminação.
Convirá manter zonas de indefinição entre as competências dos órgãos de soberania e as competências dos órgãos de governo próprio dos Açores e da Madeira? Daí a nova técnica de repartição de competências entre a República e as regiões, assente em três pilares.
Procura-se, assim, definir com maior precisão o âmbito das matérias de reserva dos órgãos de soberania, as competências legislativas próprias das regiões autónomas e um espaço fixado por autorizações legislativas da Assembleia da República para desenvolvimento de leis de base, bem como a capacidade de transposição directa de directivas comunitárias em matérias que apresentem uma especial configuração em cada região autónoma por razões de intensidade, diversidade ou exclusividade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Esperemos que esta nova caracterização da capacidade legislativa dos Açores e da Madeira venha a ser bem entendida pelo Tribunal Constitucional.
A nova figura de um Representante Especial da República para cada uma das regiões recebe as competências parapresidenciais do anterior Ministro da República.
O projecto de revisão constitucional do Partido Socialista limita-se, assim, às questões autonómicas regionais. Como cabeça de lista do Partido Socialista pelos Açores, que maior homenagem posso conceber por parte do meu grupo parlamentar em relação à experiência exaltante das autonomias insulares?
Seria bom que esta fase da revisão fosse rápida para que as eleições autonómicas já decorressem sob os novos normativos. Depois, Minhas Senhoras e Meus Senhores, haverá melhor tempo para tratar das questões da reforma do sistema político da nossa República.
O PS está pronto para o efeito e já tem a sua doutrina definida.
Aplausos do PS.
Página 456
0456 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Sr. Presidente: - Se me é permitido um aparte, espero não ser acusado de compadrio por ter dado mais tempo ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira comparativamente ao que aconteceu com outros oradores, mas o tema justificava-o.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva para pedir esclarecimentos.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, habituei-me a ter de si a visão de um Deputado com acentuadas preocupações institucionais. Vejo que na matéria da revisão constitucional e das autonomias, neste momento particular, V. Ex.ª perdeu um bocado dessa óptica a que nos habituou.
Primeiro que tudo, o Sr. Deputado diz que nada disto deve ser feito a contra-relógio. Ora, sabendo V. Ex.ª que quer o PSD quer o PS são indispensáveis reciprocamente para formar a maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções necessária para aprovar uma lei de revisão constitucional, e que, eventualmente, há aproximações, pelo menos na parte das regiões autónomas, considera procedimento correcto o PS ter tomado a iniciativa de apresentar um projecto de revisão sem ter tido uma abordagem prévia ao PSD?
O Sr. António Costa (PS): - Prévia??... Ora, essa!!
O Orador: - Nós não o faríamos, pois temos a preocupação de criar um espaço o mais possível aproximativo para uma negociação nesta matéria. É um dado evidente que é necessária uma maioria de dois terços, e para a obter é necessária uma negociação. Portanto, Sr. Deputado, com todo o respeito pela autonomia total que o PS tem, penso que este é um mau começo.
Há outras questões que me fazem confusão. Já hoje, a propósito da questão do referendo em simultaneidade com as eleições europeias, comecei a pensar se o Sr. Deputado Alberto Costa defenderá essa solução. Portanto, desde logo, há uma divergência no PS: um Deputado que teve uma intervenção relevante na matéria da convenção defende e empenha-se pela solução da simultaneidade das eleições europeias e do referendo.
Ainda na matéria da revisão constitucional das autonomias, o Sr. Deputado sabe que, correspondendo a um apelo do Sr. Presidente da República, a Assembleia Legislativa Regional da Madeira aprovou um texto consensualizado que só não teve o voto da CDU, portanto, teve o voto do seu partido, teve o voto do PSD, da UDP e do CDS-PP. Para mais, o Presidente da Assembleia Legislativa Regional veio ao Parlamento, com uma representação que integrava o líder parlamentar do PS da Assembleia Legislativa Regional, sensibilizar o Sr. Presidente da Assembleia da República e os grupos parlamentares, incluindo o seu, para serem fiéis àquela versão.
O Sr. Deputado considera razoável que o PS tenha feito letra morta desse texto e se tenha desviado das matérias essenciais?
O Sr. Presidente: - Sr. Presidente, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente. Espero que V. Ex.ª tenha a mesma benevolência insular que teve para com o Sr. Deputado Medeiros Ferreira...
O Sr. António Costa (PS): - É de outra região!
O Sr. Presidente: - Considero essa alusão um "golpe baixo"!
O Orador: - V. Ex.ª explique à Câmara a razão de terem desconsiderado o PS da Madeira, desviando-se das soluções votadas na Assembleia Legislativa Regional.
Uma última questão: falam VV. Ex.as muito em lei eleitoral para as assembleias legislativas regionais. Se há aqui uma boa-fé, quando apresentam VV. Ex.as, nas Assembleias Legislativas Regionais da Madeira e dos Açores, uma iniciativa para se saber o que querem nessa matéria? VV. Ex.as condicionam a revisão a um dado que ocultam! Consideram boa-fé esta forma de estar em matéria de revisão constitucional?
Por outro lado, vejo V. Ex.ª com uma preocupação de que não haja revisões constitucionais. V. Ex.ª diz que o PS tem uma visão constitucional ou constituinte. Digo que tem uma visão conservadora e que quer a todo o custo impedir que haja evolução constitucional que permita a modernização do País sem tabus ou preconceitos.
Sr. Deputado, pelo menos em matéria de revisão constitucional tenha esta abertura, porque vejo que V. Ex.ª se contenta com muito pouco, com as "migalhas" que o seu grupo parlamentar lhe quer dar em matéria de revisão constitucional para as regiões autónomas.
O Sr. António Costa (PS): - Migalhas?... Mas o que é isto?!...
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, deixe-me agradecer-lhe o tempo que me concedeu, certamente do ponto de vista institucional, para que eu pudesse terminar o que tinha a dizer à Câmara. Aliás, a minha
Página 457
0457 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
intervenção era no sentido de esclarecer a Câmara sobre a posição do PS, razão pela qual em grande parte não compreendo a atitude do Sr. Deputado Guilherme Silva neste momento. Bem sei que alia à condição de líder da bancada social-democrata uma outra, bem anterior, que é a de Deputado eleito pelo círculo eleitoral da Madeira - se posso fazer a distinção entre Região Autónoma da Madeira e círculo eleitoral para a Assembleia da República (nem sempre sei se estas distinções formais são bem acolhidas do lado insular madeirense)...
O Sr. Presidente: - Já agora, também do lado insular açoriano!
O Orador: - Para mim, é uma surpresa, neste momento, o seu comentário, Sr. Presidente!
Risos do PS.
De qualquer maneira, Sr. Deputado Guilherme Silva, as questões que levantou podem ser resolvidas em sede de uma futura comissão eventual de revisão constitucional que venha a ser aprovada por esta Câmara para tratar especificamente, pelas razões apontadas na minha intervenção, do alargamento das competências legislativas das regiões autónomas, nomeadamente numa nova técnica de distribuição dessas competências, uma capacidade nova das regiões autónomas poderem integrar na sua ordem jurídica interna as directivas da União Europeia e, ainda, de poderem propor a esta Assembleia da República novas leis eleitorais, uma menor interferência do Ministro da República no que diz respeito à gestão dos assuntos correntes, nomeadamente dos serviços do Estado nas regiões por parte do novo representante especial da República.
Sr. Deputado Guilherme Silva, eu não considero de maneira alguma que isto sejam "migalhas" e até estou convencido de que se o seu líder, Dr. Alberto João Jardim, estiver a falar a sério,…
O Sr. Honório Novo (PCP): - É difícil!
Risos do PCP e do PS.
O Orador: - … com a revisão proposta pelo Partido Socialista ele poderá cumprir a sua promessa de abandonar a Madeira e entregar-se, de alma e coração, à política mundial.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política em nome do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Alves Pereira.
O Sr. Fernando Alves Pereira (CDS-PP): - Sr. Presidente, permita-me que, pelo facto de ser a minha primeira intervenção nesta Câmara, o cumprimente especialmente e, por intermédio de V. Ex.ª, todas as Sr.as e Srs. Deputados.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No dia 17 de Março de 2002, apresentámo-nos a sufrágio e os portugueses confiaram o seu voto aos partidos que integram este Governo de coligação.
Temos consciência de que não podemos defraudar nem trair a confiança dos portugueses que em nós acreditaram nem a de todos quantos, com o tempo, tomaram igual posição.
A actividade politica, se é tarefa entusiasmante está também cheia de escolhos. Como em tudo na vida, desenvolve-se com altos e baixos: é feita dos momentos felizes em que vamos conseguindo dar à população o que lhes cabe por direito; causa-nos alguma frustração quando, pelo menos naquele que seria o tempo desejável, não conseguimos atender os seus justos anseios.
É nosso dever estarmos empenhados, atentos e conscientes, na defesa dos superiores interesses das nossas populações. Na consciência do cumprimento do mandato que me foi confiado, sinto-me no dever de trazer a esta Câmara os anseios da população de Vila Nova de Gaia, o concelho onde nasci, habito e exerço a minha actividade como autarca, que vive hoje em profunda transformação e que pretende abandonar definitivamente a sua condição de cidade periférica para se afirmar uma cidade com vida própria.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, deixemos o passado e olhemos para o futuro. E este passa pela instalação no seu território de equipamentos e infra-estruturas básicas, que respondam com eficácia às necessidades das populações.
Temos direito a ser um concelho do futuro, que tem de ser visto com outros olhos. Por isso, não podem ser adiados eternamente projectos que têm a ver com a segurança e a dignidade das pessoas, como a construção dos molhes do Douro. Até quando a comunidade piscatória de Afurada vai esperar para sair em segurança para o mar?
Em causa está gente de trabalho, gente de fé, que tem confiado a sua vida a uma Barra do Douro insegura, que os assusta, mas à qual não podem fugir porque esse é o seu ganha-pão. Até quando vão ser castigados por serem gente de bem, gente simples e de trabalho, gente amiga que não quer continuar a chorar o amigo, o familiar, o vizinho "engolido" pela Barra? A prioridade maior não será salvar vidas quando isso está na mão do homem?
A posição dos "notáveis" do Porto é muito respeitável, mas a vida das pessoas não tem preço. Que não se adie por mais tempo a esperança desta comunidade, que não se fique à espera de mais tragédias para se meter mãos à obra.
Página 458
0458 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Por outro lado, é imperioso que Vila Nova de Gaia, bem como outros concelhos adjacentes à cidade do Porto, tenham também pólos de ensino superior público.
Não estarão os nossos jovens cansados de tanto ouvir dizer que neles está depositada a esperança de um futuro melhor? Quem lhes prepara esse futuro somos todos nós e se não lhes dermos hoje condições para alcançarem a vida digna a que têm direito não teremos qualquer autoridade para lhes pedir que sejam responsáveis. O futuro faz-se hoje, começam a sua formação nas escolas de que guardarão, esperamos, boas memórias amanhã.
É por isto, e por muito mais, que consideramos tão importante a construção de um pavilhão na Escola EB 2/3 de Olival. A Câmara, para além de ter construído em quase todas as escolas do ensino primário pavilhões polidesportivos e cantinas, nelas implementou também um conjunto de disciplinas extra-curriculares. Mas a Câmara não pode substituir-se ao que legalmente é da competência do poder central.
Srs. Deputados, as nossas crianças precisam de se sentir seguras na escola e os pais precisam de sentir confiança quando as entregam num estabelecimento de ensino, pelo que os auxiliares de acção educativa são elementos fundamentais no complemento da actividade escolar.
Por outro lado, Gaia não conseguiu ainda erradicar todas as bolsas de pobreza que afligem os responsáveis autárquicos. É também por isso que centenas de crianças têm na escola a única oportunidade de fazer uma refeição decente. Importaria que, a nível normativo, fosse possibilitado um apoio ao primeiro ciclo do ensino básico que o aproximasse dos outros níveis de ensino.
É urgente rever esta matéria porque as reformas educativas não podem ser mais adiadas, sob pena de se alargar ainda mais o fosso que separa os que podem pagar o preço de uma refeição das tantas centenas para quem isso é incomportável.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gaia está no mapa, está na frente, e o CDS-PP sente-se responsável por isso. É reconhecido o seu trabalho no terreno, no contacto próximo com as populações. Sabemos do que falamos. E se somos parte responsável pelo surto de desenvolvimento em Gaia, temos de continuar a reivindicar o que ainda anda perdido nos corredores da burocracia e de um centralismo que, se nunca fez sentido cada vez menos o faz dados o ritmo e a capacidade de crescimento de Gaia.
Temos juntas de freguesia muito capazes, autarcas muito competentes, como o provam os protocolos de delegação de competências da Câmara, mas é preciso, com urgência, que o Governo descentralize e desconcentre para as Câmaras, para que estas possam confiar projectos de envergadura aos autarcas locais.
Longe vai o tempo em que um autarca local se sentava à secretária apenas para assinar atestados. Não queiram voltar atrás! O grau de exigência das populações é cada vez mais elevado - o que é justo, diga-se! -, mas é necessário que às câmaras e às juntas de freguesia sejam dados os mecanismos geradores de uma resposta eficaz aos seus anseios.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O desenvolvimento de qualquer região não se faz sem vias estruturantes. As vias impulsionam a economia, novas indústrias, mais proximidade, mais postos de trabalho. Esta é, sem dúvida, a mola do crescimento de uma região.
Vila Nova de Gaia anseia pela conclusão do IC1, com destaque para os troços entre Vilar de Andorinho e Serzedo, pelo IC24, uma via indispensável na orla fluvial, pela sua requalificação. Estes são "magros" exemplos do investimento, que tem sido coarctado a Gaia.
Já agora permito-me propor a revisão do traçado previsto para este itinerário complementar, que, tal como esta previsto, irá cortar a meio a já tão sacrificada freguesia de Lever.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vila Nova de Gaia é um concelho com alguns problemas de segurança, o que tem a ver com a escassez do número de efectivos da GNR. A Câmara tem desenvolvido todos os esforços para que às forças de segurança sejam dadas condições dignas de trabalho. Por isso aguardamos com confiança novas instalações para os homens da GNR dos Carvalhos, de Arcozelo, de Canidelo ou de Valadares; inaugurado que foi, recentemente, o quartel da GNR de Avintes.
Estamos certos de que Vila Nova de Gaia vai merecer por parte do Governo, a bem de todos, não uma atenção especial mas a atenção justa e merecida.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Vila Nova de Gaia o Programa Polis desenvolve-se em bom ritmo; está instalada uma rede de saneamento na ordem dos 100%, tendo sido inauguradas quatro estações de tratamento de aguas residuais e havendo uma outra em fase de construção; conquistou, fruto de árduo trabalho, 16 bandeiras azuis para as suas praias!!
Vila Nova de Gaia conseguiu, num espaço de 5 ou 6 anos, projectos que foram adiados durante décadas, está a recuperar de um atraso de muitos anos. Gaia é hoje um exemplo de perseverança, de luta pela conquista dos seus direitos.
Os cidadãos de Vila Nova de Gaia querem que o seu destino seja marcado pelo ritmo do progresso e da modernidade. Todavia, muito há a fazer! Mas isso depende da atenção e do investimento do poder central.
Esperamos a resposta que os gaienses anseiam e merecem.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 55 minutos.
Página 459
0459 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 84/IX - Autoriza o Governo a aprovar um regime excepcional de reabilitação urbana para as zonas históricas e áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística e a prever o regime jurídico das sociedades de reabilitação urbana.
Sr. Deputado Narana Coissoró, peço-lhe o favor de me substituir.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente, Narana Coissoró.
O Sr. Presidente: - Para iniciar o debate, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Habitação.
A Sr.ª Secretária de Estado da Habitação (Rosário Cardoso Águas): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei de autorização legislativa que hoje se apresenta visa autorizar o Governo a aprovar um regime excepcional de reabilitação urbana para as zonas históricas e áreas críticas de reconversão urbanística.
Esta iniciativa decorre da política do actual Governo de promover a reabilitação do edificado urbano.
De acordo com o Census de 2001, existem em Portugal 800 000 fogos a necessitar de obras de recuperação, dos quais cerca de 300 000 encontram-se degradados ou muito degradados.
De referir também que existem 325 000 alojamentos sem condições mínimas de habitabilidade, não possuindo água, luz ou instalações sanitárias.
Também o número de fogos não utilizados tem vindo a aumentar, registando-se um número de 544 000 fogos vagos no Census 2001, o que representa um aumento de 100 000 face ao Census anterior.
Esta situação não é nova e é do conhecimento público e do poder político. O Census de 1991 evidenciava já a existência de 440 000 fogos vagos, mas, passados 10 anos, a situação não só não melhorou como se agravou.
Quanto às causas desta situação, permito-me citar o Sr. Provedor de Justiça, que, no relatório emitido sobre a situação da degradação do património habitacional edificado, refere: "(…) O Estado, por razões históricas subverteu a relação de arrendamento urbano (…)" e "(...) o senhorio, desprovido de rendimentos para investir na conservação do seu imóvel, absteve-se de cumprir as suas obrigações (...)".
Quanto à consequências económicas e sociais desta situação, elas são conhecidas de todos: a desertificação dos centros urbanos; a degradação urbanística; o aumento dos riscos de segurança; a transferência das populações para a periferia; a ocupação urbana de solos de valência diversa; o investimento desnecessário em infra-estruturas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há que reconhecer que a política levada a cabo pelo anterior governo não cuidou de inverter com eficácia esta tendência, tendo-se antes centrado na promoção e incentivo à construção nova, como é evidenciado pelo número de fogos construídos, a um ritmo de cerca de 100 000 por ano.
No programa eleitoral de 1995, o Partido Socialista, invocando a existência de 300 000 fogos degradados, apresentava como linhas de força da sua política habitacional o apoio à reabilitação de zonas históricas e degradadas e o apoio à industria da construção, prevendo a necessidade de 500 000 fogos novos.
Contudo, a realidade mostra-nos que a política de reabilitação saiu frustrada e que a política de construção nova escapou por completo ao controlo do poder político, já que o número de fogos construídos ultrapassou em 300 000 a meta inicialmente prevista. Um desvio para mais de 60%.
A política de apoio à construção nova e de aquisição de casa própria levada a cabo pelo governo anterior está também evidenciada nos montantes de apoio concedidos pelo Estado, que totalizou, entre 1996 e 2002, uma verba de 4,5 mil milhões de euros, ou seja, quase 1000 milhões de contos.
Este montante é contrastante quando comparado com os apoios à reabilitação urbana e ao arrendamento privado, que totalizaram, no mesmo período, apenas 630 milhões de euros.
Não obstante o conhecimento do reduzido peso da reabilitação urbana em Portugal (4% contra a média europeia de 33,3%), o governo anterior entendeu privilegiar o incentivo à aquisição de casa própria, canalizando para esse fim praticamente 90% dos seus apoios.
Como é sabido, esta política teve igualmente consequências notórias no endividamento das famílias, que passou de 18%, em 1992, para 100%, em 2002.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é o actual cenário. Torna-se imprescindível que o Governo assegure a inversão desta tendência e desejamos que esta intervenção do Estado obtenha o consenso de todos os partidos com assento nesta Parlamento.
É determinante preservar o património edificado, contrariar o fenómeno de desertificação dos centros urbanos e, sobretudo, melhorar as condições de habitabilidade das famílias portuguesas.
A política de habitação do País não pode fazer-se à margem da realidade urbana existente. É preciso cuidar da recuperação do património degradado e devoluto, sob pena de se desperdiçarem os recursos habitacionais do País, com os inerentes custos sociais, ambientais e urbanos. O Governo tem como objectivo fundamental melhorar as condições de vida dos portugueses através da promoção da qualidade habitacional, dando sempre prioridade à utilização dos fogos vagos e degradados.
Foi em coerência com este propósito que se promoveu uma alteração ao Programa Especial de Realojamento, aprovada em Conselho de Ministros de 31 de Julho de 2003, que permite agora às câmaras municipais executar os seus programas
Página 460
0460 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
de realojamento por recurso à compra de fogos devolutos, sendo também comparticipadas as obras de recuperação realizadas.
Estamos convictos que para atingir tal objectivo é necessária a articulação harmoniosa de um conjunto de três iniciativas políticas: a modernização do arrendamento urbano, de forma a criar uma alternativa mais económica à aquisição de casa própria; a reforma dos actuais programas de apoio à reabilitação urbana, colmatando as deficiências que levaram ao seu recente insucesso; esta proposta de lei, que visa a criação de um instrumento empresarial dotado de regras que permita aos municípios uma intervenção urbanística planeada nas áreas degradadas que seja, em simultâneo, rápida e eficiente.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A construção deste modelo empresarial cuidou de concertar o imperativo público da reabilitação urbana com os interesses sociais directos daqueles que vão ser inevitavelmente abrangidos.
Assim, obedeceu a alguns princípios orientadores, dos quais me permito destacar: a reafirmação da competência dos municípios na promoção da recuperação do património habitacional; a garantia de que a operação de reabilitação é liderada e controlada pelos poderes públicos (daí que as sociedades previstas constituir tenham capital exclusivamente público); o respeito pela propriedade privada e a evidência de que cabe, antes de mais, aos proprietários a obrigação de zelar pelo bom estado de conservação, bem como da sua reabilitação do seu património; a protecção dos direitos dos arrendatários, prevendo-se um direito de preferência em caso de novo arrendamento e até o reforço da protecção social dos arrendatários com idade superior a 55 anos, que passa pela suspensão do contrato e pelo direito à reocupação; a garantia do interesse económico da operação de reabilitação, de forma a atrair investimentos dos agentes económicos, embora definindo claramente os limites entre as competências do poder público e a intervenção do sector privado; a simplificação dos procedimentos administrativos e a redução dos prazos processuais, não só para garantir a celeridade das intervenções mas também para reforçar a confiança dos agentes económicos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Caso venha a merecer a aprovação desta Assembleia, esta proposta de lei permitirá ao Governo criar um regime excepcional que atribui às sociedades de reabilitação urbana competência para, durante o processo de reabilitação e nas zonas de intervenção previamente delimitadas, poderem, designadamente, elaborar planos de pormenor, licenciar operações urbanísticas, expropriar e constituir servidões administrativas e, ainda, proceder ao realojamento.
O processo de reabilitação será da iniciativa dos municípios ou das sociedades de reabilitação por eles constituídas, que elaboram um "documento estratégico" onde será estabelecido um projecto base de intervenção, descritivo das opções estratégicas em termos de habitação, equipamentos, acessibilidades e espaço público.
Caberá, em primeiro lugar, ao proprietário promover a reabilitação do seu imóvel, podendo optar por fazê-lo directamente ou através de contrato a celebrar com as sociedades de reabilitação urbana. Caso os proprietários não exerçam o seu direito/obrigação de reabilitar, os seus prédios poderão ser expropriados, gozando do direito de preferência na alienação.
Nos casos de intervenção forçada, a indemnização será calculada de acordo com os critérios previstos no Código das Expropriações, mas sem contemplação pelas mais-valias resultantes da reabilitação da zona de intervenção e do próprio imóvel.
É importante admitir que a presente iniciativa pode alterar os direitos das partes abrangidas, razão que levou à introdução de mecanismos que minimizem os impactos que possam ocorrer.
Assim, uma vez que o Código das Expropriações prevê a caducidade do contrato de arrendamento, os arrendatários com idade superior a 55 anos terão uma protecção adicional, que lhes permite optar pela suspensão do contrato de arrendamento e reocupação em momento posterior à reabilitação e com renda actualizada, embora limitada em função do seu rendimento disponível.
Também o arrendatário comercial poderá optar pela reocupação do local, havendo, nesse caso, lugar à actualização de renda.
A sociedade de reabilitação urbana poderá realizar contratos de reabilitação urbana com entidades privadas para a execução das obras. Contudo, as entidades privadas serão seleccionadas por concurso público, garantindo a transparência de todo o processo.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses, a quem cabe, em primeiro lugar, a promoção da recuperação do património, deu o seu acordo ao presente diploma, apenas propondo uma maior clarificação de um artigo do decreto-lei, o qual prevê, desde já, que a aplicação do procedimento de reabilitação seja conduzido pelos municípios gozando das mesmas prorrogativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabemos que esta proposta de lei é de grande importância para o País e reveste-se de alguns aspectos inovadores, razão por que desejamos que ela reuna o maior consenso político nesta Assembleia, assim como sabemos que reune o total consenso político dos autarcas portugueses.
Nestes termos, solicitamos que o diploma baixe à Comissão respectiva, de forma a poder recolher todos os contributos possíveis e desejáveis para que esta seja uma iniciativa consequente.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Página 461
0461 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Sr. Presidente: - Para apresentar o relatório e parecer da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Miranda, que dispõe de um máximo de 5 minutos.
O Sr. Luís Miranda (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei que autoriza o Governo a aprovar o regime excepcional de reabiliotação urbana para as zonas históricas e áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística e a prever o regime jurídico das sociedades de reabilitação urbana.
Por despacho de 12 de Setembro de 2003, de S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República, a iniciativa vertente baixou à Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente para a emissão do competente relatório e parecer, tendo este sido atribuido ao relator na reunião de 30 de Setembro de 2003.
Ouvimos agora a Sr.ª Secretária de Estado pedir que o diploma volte a baixar à Comissão. Registamos com agrado esta sua disponibilidade, uma vez que, realmente, o prazo para apreciação do diploma foi escasso, tanto para nós como para as entidades consultadas.
A proposta refere, a título preambular, que a "degradação das condições de habitabilidade, de salubridade, de estética e de segurança de significativas áreas urbanas do País impõe uma intervenção do Estado de molde a inverter, em tempo urgente, a actual situação".
Pretende, assim, o Governo criar um regime jurídico excepcional de reabilitação daquelas áreas, regime esse que se norteia pelos seguintes princípios: no quadro dos poderes públicos, a responsabilidade pelo processo de reabilitação urbana cabe, primacialmente, a cada município; é necessário conceder aos poderes públicos meios efectivos de intervenção; os poderes públicos deverão controlar todo o processo de reabilitação; ponderar os direitos e obrigações dos proprietários e o equilíbrio na protecção dos direitos dos arrendatários; motivar economicamente os promotores privados para que se interessem e se empenhem no processo de reabilitação; e, por último, o princípio da necessidade de se obter uma celeridade de processos muito superior à que a legislação em vigor proporcionaria e, sobretudo, de se obter certeza quanto ao tempo que os procedimentos irão demorar, aspecto essencial para o empenhamento dos agentes económicos.
Por forma a cumprir estes desideratos, preconiza a proposta o estabelecimento de um regime jurídico excepcional para a criação das sociedades de reabilitação urbana enquanto empresas municipais ou, em casos de excepcional interesse público, das sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, a constituir nos termos a definir por lei, com atribuição de competências em matérias de: licenciamento e autorização de operações urbanísticas; expropriação de imóveis destinados à reabilitação urbana; constituição de servidões administrativas; realojamento; competências previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 42.°, no n.º 2 do artigo 44.° e no artigo 46.° da designada lei dos solos; isenção dos licenciamentos e autorizações previstos no Decreto-Lei n.º 555/99; estabelecimento de regras específicas para tornar céleres e eficazes os procedimentos de licenciamento e autorização para as operações urbanísticas promovidas nas zonas sujeitas a reabilitação urbana; estabelecimento do direito de preferência na venda dos bens reabilitados; estabelecimento de regras específicas no que concerne ao cálculo das indemnizações; estabelecimento de regras para atribuição de direitos específicos aos arrendatários habitacionais e comerciais; e fiscalização da execução das obras de reabilitação.
Não obstante ser referido na proposta de lei que foram ouvidas, no âmbito deste diploma, a Ordem dos Advogados, a Câmara dos Solicitadores e Associação Nacional de Municípios, somente esta última emitiu parecer. As restantes consideraram muito curto o prazo que lhes foi dado para a emissão de parecer.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses emitiu um parecer favorável, chamando, contudo, a atenção para o facto de a responsabilidade pelo processo de reabilitação urbana pertencer aos municípios, pelo que "quaisquer mecanismos que se criem com esse propósito têm de ter como destinatários primacialmente as câmaras municipais, sendo inaceitável que, para a prossecução das suas atribuições ou para beneficiar de um regime supostamente mais célere e eficaz, o município tenha que constituir uma empresa".
Esta proposta de lei tem como antecedente o projecto de lei n.º 56/IX, do PCP, que versa a "recuperação de edificações devolutas e degradadas em centros e núcleos históricos ou antigos", o qual, depois de discutido em Plenário, baixou novamente à Comissão, aguardando-se que seja reapreciado, tendo sido constituído um grupo de trabalho para análise na especialidade.
A reabilitação urbana, porque inserida no ordenamento do território e nas competências relativas ao licenciamento de obras e operações urbanísticas, é uma competência inequívoca dos municípios, nos termos da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro.
O diploma em apreço, ao conferir às sociedades de reabilitação urbana um leque alargado de competências, designadamente no domínio da elaboração de planos de pormenor, suscita igualmente um problema de sobreposição de competências entre tais sociedades e os municípios, o qual tem de ser reflectido por forma a não criar conflitos positivos de competências.
Importa ainda equacionar as competências atribuídas através do artigo 6.° do projecto de decreto-lei às sociedades de reabilitação urbana, designadamente em domínios como o da expropriação dos bens imóveis e dos direitos a eles inerentes.
Estamos, assim, perante um alargamento do poder de expropriação e uma alteração do artigo 13.°, n.º 2, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99.
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Relator, o seu tempo terminou. Peço-lhe que conclua.
Página 462
0462 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Este alargamento e estas atribuições de prerrogativas a estes entes devem, face ao disposto no texto constitucional e às eventuais dúvidas que pode motivar, ser devidamente ponderados.
Face ao exposto, foi parecer da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente que a proposta de lei n.º 84/IX se encontra em condições de subir a Plenário.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para formular um pedido de esclarecimento à Sr.ª Secretária de Estado da Habitação, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Habitação, permita-me que lhe sugira que, logo, mais à noite, releia o seu discurso, porque ele começa com a tradicional diatribe contra os governos do Partido Socialista, para logo a seguir apelar ao consenso de todas as bancadas parlamentares e terminar com a disponibilidade para os contributos de todos.
Estranha forma, Sr.ª Secretária de Estado, de construir um consenso, ainda para mais quando a verdade é que os governos do Partido Socialista tomaram iniciativas em matéria de reabilitação urbana com vários incentivos e programas, que, aliás, o vosso Governo está agora a estrangular financeiramente, como é o caso dos Programas PROQUAL (Programa Integrado de Qualificação das Áreas Suburbanas da Área Metropolitana de Lisboa), Polis (Programa Nacional de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades) e outros.
Sr.ª Secretária de Estado, a proposta que o Governo aqui apresenta corresponde a uma ideia, em si mesmo boa, de promover e facilitar a reabilitação urbana. Contudo, não estamos aqui para discutir apenas uma ideia geral, mas, sim, um projecto concreto. É por isso que lhe queria colocar algumas questões.
Estamos naturalmente disponíveis para regimes simplificados que permitam facilitar este tipo de intervenções, mas neste caso, ao contrário de outros regimes, o Governo propõe que estas intervenções em regime simplificado ocorram não apenas em áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, cuja delimitação está confiada ao Governo sob proposta das câmaras, mas também em simples áreas delimitadas pelas assembleias municipais. Quer dizer, não há nenhuma espécie de controlo nem de garantira de que este regime simplificado vai ser aplicado em zonas onde efectivamente se justifica, que são zonas históricas, e está confiado ao arbítrio das câmaras municipais limitá-las.
Em segundo lugar, a proposta do Governo não exige a pré-existência de planos de pormenor que enquadrem estas intervenções, o que é muito importante e pode ser muito grave. Ao contrário de outros regimes simplificados, há aqui uma amputação da jurisdição das câmaras municipais sobre a gestão do seu território e, pior do que isso, há uma exclusão dos cidadãos, porque não havendo planos de pormenor também não há participação dos cidadãos na discussão pública desses planos.
O que é que se vai fazer nas cidades, Sr.ª Secretária de Estado? Quem é que vai decidir aquilo que se vai fazer no interior das cidades? Não me parece nem que as câmaras municipais possam ser excluídas disso nem que os cidadãos possam ser excluídos dessa discussão. É certo que se prevêem documentos estratégicos, mas eles são elaborados pelas sociedades de reabilitação urbana, não são sequer aprovados, na proposta do Governo, pelas assembleias municipais.
A última questão tem que ver com a natureza da simplificação de procedimentos. Está previsto na proposta, designadamente, que estas sociedades possam conceder autorizações, ao abrigo do regime da urbanização e da edificação, no caso de pré-existência de plano de pormenor. Recordo à Sr.ª Secretária de Estado que, no regime geral, isso só é previsto para certo tipo de planos de pormenor que tenham determinado tipo de menções, porque, caso contrário, não se pode justificar uma tamanha simplificação de procedimentos.
Portanto, parece-me que, neste ponto, a proposta do Governo se encaminha para uma facilitação excessiva dos procedimentos, que não encontra guarida num plano de pormenor que tenha sido discutido pelos cidadãos e aprovado pelas suas instâncias representativas, designadamente as assembleias municipais.
É sobre estas questões que, para já, pretendíamos um esclarecimento do Governo. Gostaríamos de ver as condições que existem para melhorar a proposta do Governo, em sede de comissão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - A Sr.ª Secretária de Estado da Habitação informou a Mesa de que pretende responder aos pedidos de esclarecimento no fim.
Tem, assim, a palavra, para formular um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Sérgio Vieira.
O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Habitação, a degradação das condições de habitabilidade, de salubridade e, até, de segurança de áreas significativas no nosso país, nomeadamente áreas urbanas e zonas urbanas históricas, constitui, certamente, uma preocupação transversal a toda esta Assembleia, uma preocupação de todos os grupos parlamentares. Julgo mesmo que será consensual afirmar que é uma situação que exige a intervenção do
Página 463
0463 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Estado para inverter a degradação de zonas urbanas a que temos vindo a assistir no País, que também advém do fracasso da política do Partido Socialista nesta matéria, ao longo de seis anos.
É por isso que, em primeiro lugar, Sr.ª Secretária de Estado da Habitação, gostava de felicitar V. Ex.ª e o Governo por apresentarem esta proposta à Câmara, prevendo um regime jurídico excepcional de reabilitação destas áreas.
Das duas uma: podíamos continuar a assistir impávidos e serenos à degradação que existe por esse País fora, em muitas cidades, ou podíamos actuar, podíamos agir nesta matéria. E o Governo está a agir nesta matéria, está de parabéns pela proposta de lei que nos traz aqui e pela abertura para recolher contributos que outras bancadas queiram dar para esta discussão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr.ª Secretária de Estado, gostava de lhe colocar a seguinte questão: julgo que esta proposta de lei coloca um enfoque muito grande nos municípios, porquanto nela se estabelece que são os municípios que têm a iniciativa de avançar com a reabilitação urbana, são os municípios que ficam com o controlo.
Permita-me que traga à colação um exemplo de uma cidade do País, a cidade do Porto, onde esta proposta de lei foi aprovada, num Conselho de Ministros realizado a 31 de Julho. Nesta cidade, a recuperação e requalificação da Baixa é uma aspiração antiga de todos os portuenses e também um dos desejos centrais do actual executivo da Câmara Municipal do Porto. Por isso, a actual câmara tem feito um esforço grande na animação da Baixa da cidade; por isso, existe uma redução de taxas de compensação de 5% no centro histórico e de 80% na Baixa; por isso, há também uma isenção de taxas municipais para jovens que queiram remodelar habitação que exista na Baixa.
Assim, Sr.ª Secretária de Estado da Habitação, gostaria de lhe perguntar o seguinte: o Governo está aqui a cumprir o seu papel, aprovando este regime jurídico de reabilitação urbana, mas gostaria de saber se é ou não verdade que também compete - e bem - aos municípios, designadamente às câmaras municipais, um papel determinante e fundamental na reabilitação urbana das zonas históricas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Ainda para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Habitação, esta questão da recuperação do património edificado, designadamente do património antigo, histórico, das cidades, é uma questão importante que tem merecido a atenção do PCP e, como a Sr.ª Secretária de Estado sabe pelas suas anteriores funções de Deputada na presente legislatura, foi já debatida nesta Casa, em Junho do ano passado.
Apresenta-nos o Governo, neste momento, uma proposta de lei procurando tratar esta questão, mas gizando um processo e uma metodologia e criando uma série de instrumentos sobre os quais temos muitas dúvidas. O primeiro tem a ver com a criação das sociedades de reabilitação urbana (SRU), às quais o Governo coloca exclusivamente as competências e as responsabilidades por esta recuperação. Sei que o artigo 35.º do diploma diz que as câmaras também podem seguir esse regime, e isto suscita exactamente a primeira questão que queria ver aqui esclarecida, Sr.ª Secretária de Estado.
As câmaras municipais têm, de facto, todas as competências para exercer todos, repito, todos, sem excepção, os mecanismos previstos nesta proposta de lei para as SRU ou só alguns? E, se só alguns, quais?
No que diz respeito, por exemplo, aos meios financeiros, a Sr.ª Secretária de Estado considera que, com os meios financeiros actuais, as câmaras, se optarem por não criar as SRU, têm capacidade para enfrentar os problemas e assumir as responsabilidades desta reconstrução? Obviamente que todos que aqui estão não têm. Então, como é que se resolve esta questão na vossa proposta de lei?
É que se não têm essa capacidade, Sr.ª Secretária de Estado, somos inclinados a dizer que esta proposta, apesar de referir que as câmaras, como tal, também podem intervir, é, de facto, uma espécie de "gato escondido com o rabo de fora" e que só as SRU é que terão essa capacidade.
Sr.ª Secretária de Estado, no articulado do vosso projecto de diploma são transferidas competências de planeamento e de capacidade de expropriação para as SRU e, por sua vez, é criada a figura do "contrato de reabilitação urbana", que, por sua vez também, faz a transferência destas capacidades de expropriação para parceiros e promotores privados. Coloco-lhe esta questão, Sr.ª Secretária de Estado: tem a certeza de que estes dispositivos têm conformidade legal e constitucional? Está suficientemente estribada essa proposta para fazer estas transferências?
Finalmente, Sr.ª Secretária de Estado, consideramos que o princípio deveria ser recuperar, reconstruir, mas sempre com o realojamento dos anteriores moradores. Os senhores, nos instrumentos que criam, optam por outra via. In facto fazem cessar completamente todos os contratos de arrendamento comerciais e fazem cessar quase todos os contratos de arrendamento habitacionais. Isto é, vão promover, de facto, centenas ou milhares de despejos. Esta é que é a realidade!
Portanto, gostava de perceber se a Sr.ª Secretária de Estado tem a noção das consequências desta medida, se tem a noção de que, se levar isto para a frente desta forma, vai contribuir para alterar radicalmente o tecido económico e social dos bairros tradicionais, históricos e antigos das nossas cidades. Isto é gravíssimo, Sr.ª Secretária de Estado!
Espero que, na especialidade, haja disponibilidade para alterar isto tudo.
Página 464
0464 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, para formular um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Habitação, é aqui proposta uma lei para regimes de excepção. Evidentemente que os Srs. Deputados do PSD reconhecem que os regimes de excepção que foram aplicados não só na Expo como no âmbito do Programa Polis, no Porto ou em Guimarães, levaram, por exemplo, a que a UNESCO tivesse reconhecido como Património da Humanidade áreas urbanas que tinham sido sujeitas a recuperação urbana ao abrigo das leis anteriores.
Evidentemente, regozijamo-nos por este Governo vir anunciar agora alterações ao Programa PER, as quais já estavam previstas no diploma que instituiu o Programa REHABITA, em 1996.
No que diz respeito à presente proposta de lei, justifica-se uma legislação de excepção para dinamizar uma reabilitação urbana que é necessária. No entanto, há um problema, que tem a ver, essencialmente, com os exageros a que a mesma conduz. Todavia, neste momento, limitar-me-ei a relevar os que se relacionam com os poderes de expropriação.
Obviamente, compreende-se que haja declaração de utilidade pública para proceder à demolição de edifícios, à remodelação de espaços, à construção de infra-estruturas, à alteração do uso do solo. No entanto, quando uma declaração de utilidade pública recai sobre um imóvel cujo uso não vai ser alterado, destinando-se apenas a, compulsivamente, fazer obras que o proprietário não fez, não se percebe por que razão caducam os contratos de arrendamento, sendo salvaguardados apenas os direitos dos arrendatários idosos ou deficientes, o que me parece uma completa inconstitucionalidade.
O artigo 29.º do Código das Expropriações prevê que os arrendatários cujo contrato caduque por causa de expropriação possam optar por indemnização ou por habitação com as mesmas características de localização e renda. Não considera a Sr.ª Secretária de Estado que a melhor aplicação deste princípio deveria implicar que o arrendatário pudesse optar pela suspensão ou manutenção do contrato de arrendamento, conforme seja ou não necessária a sua permanência no local durante as obras? Ou seja, não considera que, de acordo com o artigo 29.º do Código das Expropriações, deveria aplicar-se, pura e simplesmente, o regime que nesta proposta de lei é considerado excepcional como um direito de todos os arrendatários?
Aliás, no que diz respeito aos proprietários, esta proposta de lei também altera o Código das Expropriações, alterando de modo arbitrário a valorização dos bens que são propriedade privada. Como pode explicar-se que, para expropriar um prédio, não se tenha em conta as mais-valias decorrentes do processo de reabilitação e que, depois, aquelas entrem em conta no processo de cálculo do preço do imóvel quando o proprietário quer exercer o direito de preferência?
Há, pois, contradições neste diploma e penso que o mesmo terá de ser revisto em sede de especialidade, para evitar que contenha inconstitucionalidades.
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se há muito.
A Oradora: - Então, Sr. Presidente, usarei da palavra mais tarde.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Não há mais pedidos de esclarecimento. Assim, para responder, em conjunto, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Habitação.
A Sr.ª Secretária de Estado da Habitação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação às perguntas colocadas pelo Sr. Deputado Pedro Silva Pereira e logo no que diz respeito à questão das zonas históricas, há que reconhecer que o conceito de "zona histórica" é utilizado há muito no País e na legislação existente, aliás, nos planos directores municipais. Evidentemente, tal não obsta a que se reconheça que o conceito deverá merecer mais especialização e mais desenvolvimento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - No entanto, também devo chamar a atenção de que, num projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista sobre intervenção em prédios devolutos, eram referidas precisamente as zonas históricas.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Quanto a isso, é o PS que levanta problemas! Nós não!
A Oradora: - Contudo, e não obstante estarmos abertos, em princípio, a que se faça a clarificação, entendemos que os municípios e, em especial, as assembleias municipais são as entidades que, com legitimidade, com bom senso, com equilíbrio mas, naturalmente, com alguma flexibilidade, podem propor a delimitação destas áreas.
Julgo que é tempo de parar de olhar sempre para os municípios como entidades incapazes de zelar pelo interesse público e pela recuperação urbana, ao contrário, aliás, do que se retira da intervenção do Sr. Deputado Pedro Silva Pereira. Na
Página 465
0465 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
verdade, sistematicamente, o Partido Socialista tende a considerar os municípios entidades menores, entidades irresponsáveis.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Não é nada disso que está aqui em causa!
A Oradora: - Por mim, penso o contrário, Sr. Deputado. Penso que são precisamente os municípios, são os autarcas portugueses quem melhor conhece a realidade e quem melhor está colocado para intervir nas zonas sob sua gestão, legitimados pelo voto das nossas populações.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Aliás, eu poderia aceitar e compreender essa intervenção vinda de outra pessoa, mas, Sr. Deputado, basta ver o que foi feito com a Expo, com o Programa Polis, o que foi feito em termos da adjudicação à Parque Expo e nos projectos Polis, a forma como foi feita a transferência de competências, como foi feito o ajuste directo…
Aplausos do PSD.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Não tem nada a ver com isto!
A Oradora: - Desculpe, mas tem!
Se calhar, os senhores estariam mais de acordo se eu propusesse não o recurso a um concurso público, com vista à selecção de privados para executarem estas obras, mas mais um ajuste directo à Parque Expo. Isto, se os senhores ainda estivessem no governo!…
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado Honório Novo, quero esclarecer, sem deixar dúvida nenhuma, que o espírito deste diploma é, precisamente, dar os mesmos mecanismos aos municípios - não faria sentido de outra forma…
O Sr. Honório Novo (PCP): - Mecanismos financeiros também?
A Oradora: - Mecanismos financeiros, não! É que não estamos a atribuir nenhum meio financeiro ou outro.
A questão é a de que a prerrogativa de constituir estas empresas cabe aos municípios. Não o querendo fazer, ou tendo possibilidade de proceder à reabilitação urbana sem ter de recorrer a estas empresas, então, poderão fazê-lo exactamente nas mesmas condições. Não faria sentido de outra forma. Aliás, julgo que isso está devidamente expresso no artigo 35.º da proposta de lei, mas, se for aconselhável, poderá clarificar-se ainda mais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Quanto à capacidade de expropriação por parte das sociedades de reabilitação urbana, o que está previsto neste diploma - e gostava de sublinhá-lo mais uma vez - é o modelo de sociedade exclusivamente pública. A nossa preocupação é, precisamente, a de estabelecer uma fronteira inequívoca entre o que são as competências e a intervenção do poder público e, por outro lado, a área de intervenção dos privados.
A Sr.ª Adriana de Aguiar Branco (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Foi aqui dito que, com esta proposta de lei, podemos fazer cessar os contratos de arrendamento existentes.
Ora, Srs. Deputados, o que hoje está previsto no Código das Expropriações é muito mais do que o que aqui propomos. Tudo o que foi introduzido nesta proposta de lei relativamente ao regime de expropriações corresponde a normas que aumentam a protecção dos cidadãos e não o contrário.
Protestos do Deputado do PCP Honório Novo.
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Secretária de Estado, chegou ao limite do seu tempo, pelo que agradeço-lhe que conclua.
A Oradora: - Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, uma das questões que mais acentuou diz respeito ao direito de preferência dos proprietários. Disse que o cálculo do valor de indemnização não tem em conta as mais-valias do prédio e,
Página 466
0466 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
depois, ao exercerem o direito de preferência após a reabilitação, não é utilizado o mesmo critério no cálculo do valor que hão-de pagar.
A resposta é muito simples. É que, a partir do momento em que os proprietários tiveram a oportunidade, a obrigação e o direito - porque trata-se de direitos e de obrigações em simultâneo - de executar a reabilitação e decidiram não o fazer, naturalmente não têm direito a usufruir das mais-valias que vão decorrer da reabilitação do edifício. Após a reabilitação, o valor que vão ter de pagar ao exercer o direito de preferência, naturalmente, já tem em conta o valor entretanto gasto na reabilitação. Portanto, a diferença entre um valor e o outro corresponde meramente ao investimento feito na reabilitação.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Malojo.
A Sr.ª Paula Malojo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. ª Secretária de Estado da Habitação, Sr.as e Srs. Deputados: Com a apresentação da presente proposta de lei, o Governo visa criar um regime jurídico excepcional de reabilitação para as zonas históricas ou áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística e, ainda, prever o regime jurídico das sociedades de reabilitação urbana.
Eu diria que o Governo dá hoje um passo importantíssimo para a reabilitação urbana, para a conservação, recuperação e readaptação dos espaços urbanos, criando um instrumento que, reconhecendo que cada município é responsável pelo processo de reabilitação urbana, lhe confere um mecanismo legal que lhe permite, finalmente, assumir de facto a assunção de tal responsabilidade.
É inegável que assistimos, hoje, a um crescimento da produção de habitação destinada à venda, descurando-se o mercado de arrendamento e o da recuperação de edifícios. Esta última, a recuperação de edifícios, representa, em Portugal, apenas 4% do total da produção habitacional. postura claramente desequilibrada que faz com que, neste campo, soframos um significativo atraso estrutural relativamente ao que se passa no restante espaço europeu.
Este Governo, no seu Programa, comprometia-se a orientar a sua actuação no sentido de favorecer e estimular "a reconstrução e manutenção de habitações, potenciando um aproveitamento adequado do património existente, facultando aos municípios instrumentos ajustados à concretização de acções que restituam à utilização o património subaproveitado, valorizando-o e integrando-o na oferta de habitação e, ainda, aperfeiçoando os mecanismos de expropriação de imóveis degradados, tendo por objectivo agilizar o processo de aquisição pelo Estado ou pelas autarquias de prédios em ruínas, combatendo a tendência especulativa dos terrenos onde se implantam".
Hoje, o Governo apresenta uma solução para aquilo a que poderíamos chamar a agonia que é a degradação do património habitacional, degradação que é comum a muitos dos nossos núcleos urbanos, degradação que não se confina apenas às zonas históricas.
As soluções até aqui gizadas passam muito pela canalização para o sector da habitação de verbas significativas (solução simplista e pouco eficaz), sem a garantia de se favorecer uma oferta estabilizada de habitação a preços acessíveis, sendo que cerca de 80% dessas verbas se destinam a apoios à aquisição, descurando a recuperação de património.
É verdade, também, que existe, desde os anos 50, legislação que faculta às autarquias a possibilidade de obrigar os proprietários à recuperação dos edifícios, mas, na prática, os resultados têm sido muito poucos. Existem diplomas dispersos que definem apoios pontuais nesta matéria que importa complementar. É disso que se trata, ou seja, de facultar aos municípios um mecanismo legal, eficaz e suficientemente agilizado que lhes permita minimizar a inoperância das normas legais existentes, por forma a possibilitar uma intervenção urgente no tecido habitacional que sofre uma degradação contínua, degradação que, a manter-se, provocará uma irreversível perda do nosso património urbanístico e o empobrecimento do espaço urbano.
Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Quanto à matéria da proposta de lei, não tenho dúvidas em afirmar que o mérito do regime jurídico proposto está nos princípios que o regem, de que destacarei: o da necessidade de conceder aos poderes públicos meios efectivos de intervenção na reabilitação urbana; o do controle por parte dos poderes públicos de todo o processo de reabilitação; o da ponderação dos direitos e obrigações dos proprietários e do equilíbrio na protecção dos direitos dos arrendatários; e o da necessidade de se obter a celeridade dos processos de reabilitação.
Na proposta, as áreas de intervenção são as chamadas áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística (conceito já definido legalmente) e as zonas históricas, classificadas em plano municipal de ordenamento do território ou, na falta deste, as zonas históricas delimitadas por deliberação da assembleia municipal.
Para a promoção da reabilitação urbanística destas áreas, os municípios podem criar empresas municipais de reabilitação urbana nas quais detenham a totalidade do capital social e, em casos de excepcional interesse público, a reabilitação urbana poderá competir a sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos com participação municipal e estatal. Conforme expressamente referido no artigo 3.º do diploma e no que concerne ao direito aplicável, as empresas assim constituídas reger-se-ão pelo regime das empresas municipais ou pelo regime do sector industrial do Estado.
Reconhecendo-se que, no quadro dos poderes públicos, a responsabilidade pelo processo de reabilitação urbana cabe, primacialmente, aos municípios, estes vêem reforçada a possibilidade de promover processos de reabilitação através de um instrumento empresarial, se assim o entenderem, sendo que, se assim não o entenderem, os municípios que promoverem processos de reabilitação urbana sem intervenção de uma sociedade de reabilitação urbana podem optar por seguir o
Página 467
0467 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
regime previsto pelo diploma agora apresentado para os procedimentos de reabilitação urbana a cargo das referidas sociedades.
Os municípios têm, assim, o seu poder de iniciativa reforçado, porque - e como refere o parecer favorável emitido sobre esta matéria pela Associação Nacional de Municípios Portugueses - "quaisquer mecanismos que se criem com esse propósito…" (entenda-se a reabilitação urbana) "… têm de ter como destinatários primacialmente as câmaras municipais (…)".
É de ressalvar do expresso pelo articulado em apreço que a acção das sociedades de reabilitação urbana e as competências que lhes são conferidas se confinam estritamente aos limites geográficos das zonas de intervenção e ao espaço de tempo de duração das operações urbanísticas realizadas no âmbito do processo de reabilitação.
Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A degradação do património edificado, tendo consequências directas naquilo que é o espaço urbano visível sob o ponto de vista dos valores estéticos e artísticos que o definem, é tanto mais preocupante quanto sabemos que atinge níveis graves do ponto de vista da segurança dos cidadãos. Assim, a acção cosmética que resulta de uma intervenção urbana para recuperação, reconversão e reocupação de uma área, sendo importante, é apenas uma pequena parcela daquilo que são os resultados dessa intervenção.
Muitas das edificações, hoje em avançado estado de degradação, estejam elas incluídas nas zonas históricas ou não, constituem documentos arquitectónicos, sociais e culturais únicos e são vestígios importantes das transformações significativas operadas nas nossas paisagens urbanas ao longo dos tempos, constituindo testemunhos dos modos de sentir e viver o espaço urbano entendido como um conjunto dinâmico e vivo que é matéria edificada, mas que também é matéria humana. Neste sentido, o processo de reabilitação, hoje, é também um imperativo na criação de melhores condições de habitabilidade, de salubridade e de segurança dos cidadãos.
Assim, os procedimentos, necessariamente complexos, que decorrem de um processo de reabilitação surgem, nesta iniciativa legislativa, simplificados, sendo que os prazos legalmente estabelecidos são reduzidos e a autoridade pública responsável disporá sempre do domínio e iniciativa dos procedimentos, por forma a garantir a não existência de vazios ou de paralisações no processo.
E porque a reabilitação do tecido urbano significa a criação de melhores condições de vida para o tecido populacional abrangido, são, em cada uma das fases do processo, acautelados os interesses dos proprietários e arrendatários, habitacionais ou outros, bem como estão compaginados os interesses sociais em jogo que o processo envolve. Não podemos esquecer que em cenários de degradação urbanística, quer se verifique em zonas históricas ou não (mas especialmente nestas), acresce à preocupação da perda dos valores históricos e artísticos que a ele estão associados o facto de, nas zonas históricas, o tecido urbano se traduzir, na prática, em áreas desertificadas, com um tecido populacional muito envelhecido, uma actividade comercial muito reduzida, logo um tecido económico fragilizado.
Deste modo, a recuperação do património habitacional das zonas históricas e das áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística tem de ser entendida num contexto de efectiva reabilitação populacional, económica, cultural e social das mesmas, promovendo a salvaguarda da nossa identidade e espelhando na norma legal, como é o caso, a perspectiva humanitária e humanizante do processo. Assim, são de realçar as preocupações expressamente evidenciadas na proposta de lei, como os direitos (nomeadamente os direitos de preferência) dos proprietários, dos arrendatários e, especificamente, dos arrendatários com 55 anos ou mais, dos arrendatários com deficiência ou que possuam descendentes ou ascendentes a seu cargo com deficiência, com grau de incapacidade total para o trabalho.
Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Programa do Governo, já aqui o referi, apresenta propósitos específicos relativamente à recuperação e preservação do património habitacional existente e, pela acção, adopta uma efectiva política de renovação urbana que todos reconhecem urgente, de forma a inverter aquilo que é perceptível por todos e que se tem arrastado sem solução à vista.
Já se perdeu demasiado tempo e património num país onde o património edificado degradado é muito mas onde os recursos não são ilimitados, como alguns pareciam crer, agindo em conformidade com tal crença. A reabilitação urbana, que, com esta proposta de autorização legislativa, ganha novo fôlego, é integrada numa política de habitação séria e eficaz, que passa também pela revisão da legislação do arrendamento, porque, se queremos eficácia, as políticas não podem estar dissociadas, tal como no tecido urbano não estão dissociados património arquitectónico, populacional, ambiental e artístico.
A reabilitação urbanística, sendo fundamental para a conservação, preservação e valorização de um vasto conjunto de património arquitectónico, artístico, científico, social e humano, sendo responsabilidade primacial dos municípios, é, hoje, um imperativo nacional.
O Grupo Parlamentar do PSD saúda esta iniciativa legislativa do Governo e, na sequência da proposta da Sr.ª Secretária de Estado de baixa à comissão da presente proposta de lei, contribuirá, em sede de comissão, para que, num curto espaço de tempo e em significativas áreas urbanas do País, se construa uma "nova cidade".
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Malojo, a manutenção dos habitantes e das actividades económicas nos centros históricos são essenciais à própria identidade da cidade. E são perfeitamente compatíveis com a viabilidade económica de operações de reabilitação urbana - assim o provam, aliás, todas aquelas que foram feitas
Página 468
0468 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
em Portugal e aquilo que é feito segundo as legislações europeias -, desde que as rendas sejam reajustadas com critérios objectivos, tendo em conta os custos, e os inquilinos tenham acesso a subsídio de renda.
Então, porquê prever nesta legislação que os contratos de arrendamento caduquem pela expropriação, quando uma sociedade de recuperação urbana intervém, mas se mantenham quando é o proprietário ou a câmara a intervir na mesma operação? Não será isto profundamente injusto?
Quando um proprietário não faça obras no seu edificado, a sociedade de recuperação urbana expropria e caducam os contratos de arrendamento; se o proprietário fizer a reabilitação de sua própria vontade, mediante um contrato ou encarregando a SRU de o fazer, não caducam os contratos. Assim, o proprietário não tem condições semelhantes à SRU. O proprietário pode ser expropriado sem que a operação que lhe é pedida tenha viabilidade económica, sendo esta oferecida a terceiros, porque lhes são oferecidas condições diferentes. Isto é profundamente injusto!
A segunda grande discricionariedade é esta: para contratos deste tipo, como é possível prever um valor de 1 milhão de contos, ou seja, o máximo previsto pela legislação europeia, para fazer ajustes directos de empreitadas?
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Ajuste directo!
A Oradora: - Isto é uma vergonha, face a todos aqueles construtores civis que gostariam de concorrer a estas obras e que se vêem afastados por uma disposição deste tipo. Por isso, o valor constante deste artigo tem de ser alterado, pois é completamente discricionário e obviamente leva a compadrios.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Malojo.
A Sr.ª Paula Malojo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, agradeço-lhe a questão colocada. Quase me apetecia dizer-lhe, Sr.ª Deputada, "bem-vinda ao debate sobre a reabilitação urbana!", pois, quando teve responsabilidades directas nesta matéria, passou seis anos a falar em reabilitação e os resultados estão à vista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Mentira! A senhora é que não sabe!
A Oradora: - A Sr.ª Secretária de Estado referiu aqui números assustadores: 800 000 fogos degradados e 300 000 muito degradados. É, de facto, notória a falta de resultados que a Sr.ª Deputada, enquanto membro do anterior governo, obteve nesta matéria.
Protestos da Deputada do PS Leonor Coutinho.
Falou a Sr.ª Deputada na questão dos direitos dos proprietários. Um processo deste tipo implica, por parte dos proprietários, como já foi aqui referido, direitos, mas também implica deveres. E o dever de preservar o património, que põe muitas vezes em causa a segurança não só dos residentes nos fogos de que aqui estamos a falar mas também de todos nós, implica obrigatoriamente medidas, que se definem aqui como medidas excepcionais. Que isto fique bem claro!
Quanto à questão da caducidade dos contratos, estamos aqui a falar da caducidade de contratos por efeito de declaração de utilidade pública…
O Sr. Honório Novo (PCP): - Para que efeitos? Para construir lá habitação e pôr lá outros a morar?!
A Oradora: - … e estamos a falar de medidas excepcionais. Não sei se apreenderam bem aquilo que é proposto na lei.
Por último, Sr.ª Deputada, relativamente à questão que pôs e à insinuação que a propósito dela fez, de compadrio, no final da sua intervenção, se calhar e propositadamente, omitiu o facto de o ajuste directo só estar previsto neste diploma legislativo no caso de o concurso público ficar deserto.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Então e o artigo 31.º, n.º 2?!
A Oradora: - Isto está muito claro no diploma.
De qualquer modo e para todos os efeitos, na apresentação do diploma pela Sr.ª Secretária de Estado foi feito um desafio a todos os grupos parlamentares para que, em sede de comissão, possam dirimir-se todos estes conceitos e daí resultar uma legislação consensual, que vai resolver problemas graves que têm vindo a arrastar-se e que urge resolver.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Página 469
0469 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que ora se discute abre caminho a um conjunto de alterações significativas à legislação que enquadra o ordenamento do território e a intervenção urbanística.
A aprovação do presente diploma implica a criação de mais uma situação-tipo de excepção. Grosso modo, é como se o regime de excepção que vigorou com a área de intervenção da Expo 98 fosse passível de ser estendido a todas as zonas históricas e áreas críticas de reconversão urbanística, espalhados por esse país fora, em todos os aglomerados urbanos de algum significado.
Esta operação tem um nome. Chama-se "atentado contra o ordenamento do território", mais um, se tivermos em conta o que o Governo aqui aprovou, com a maioria de que dispõe nesta Câmara, tendo como pano de fundo o "milagre dos pães", agora sob a forma do se poderia chamar de "milagre das áreas metropolitanas".
Assim, nesta mesma linha, contra o ordenamento do território, contra uma verdadeira política de descentralização e de desconcentração administrativa e contra o próprio poder local, o Governo vem aqui defender mais uma proposta que, na prática, vai amputar uma fatia do poder autárquico, designadamente das assembleias municipais, que deixam de ter, pura e simplesmente, poderes para discutir e aprovar os planos de pormenor, os quais, como se sabe, são instrumentos de planeamento determinantes para o ordenamento territorial e intervenção urbanística em concreto, em cada município.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Orador: - É a esta escala que, muitas vezes, se percebe qual é a verdadeira natureza e impacto de determinadas operações de reconversão urbanística e que se criam as condições susceptíveis de uma participação efectiva das populações no processo de reflexão alargada, que qualquer operação urbanística deve ter. Veja-se o caso do programa Polis: a legislação aprovada, por proposta do Bloco de Esquerda, abriu caminho para a instituição de comissões locais de acompanhamento, que têm por função acompanhar e discutir todos os projectos e soluções à escala do plano de pormenor, o qual, por sua vez, é aprovado pela assembleia municipal.
A este título, a presente proposta de lei propõe três medidas muito simples: em primeiro lugar, abre caminho para retirar da competência das autarquias (câmaras e assembleias municipais) todas as chamadas "zonas históricas" dos municípios, não se sabendo, com rigor, a delimitação geográfica precisa de nenhuma zona histórica de qualquer município, ou seja, aprova-se algo que nenhum Deputado, nem o Governo, sabe o que significa.
Em segundo lugar, retira aos executivos municipais a competência municipal de qualquer intervenção urbanística, que é a do "licenciamento e autorização de operações urbanísticas" (artigo 6.º, n.º 1, alínea b)), e retira também às câmaras municipais a competência de discutir e aprovar os planos de pormenor, entregando esse poder a sociedades que, embora formalmente de capitais públicos, vão funcionar e agir como se fossem autênticas sociedades de direito privado, na medida em que poderão, por exemplo, efectuar "contratos com parceiros privados", os quais, naturalmente, se regem pelo direito privado. Isto, para já não falar das juntas de freguesia, elas próprias também depositárias de algumas competências consagradas em lei, mas que, pura e simplesmente, são esquecidas no diploma. Para o "atento" legislador que produziu esta proposta as juntas de freguesia nem sequer existem!
Em terceiro lugar, em nenhum momento a presente proposta fala de "direito de participação popular", tal como acontece com o regime de elaboração, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial em vigor.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Ou seja, de uma assentada, as populações directamente afectadas pelas tais "operações urbanísticas" poderão, de um momento para o outro, ser confrontadas com opções que não tiveram oportunidade de discutir e, sobretudo, a que não tiveram oportunidade de se opor legalmente, pois esse poder será doravante exercido pelas tais "Sociedades de Reabilitação Urbana" (SRU).
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - É um escândalo!
O Orador: - A presente proposta de lei, Sr.as e Srs. Deputados, é também a extensão do processo privatizador que este Governo tem prosseguido sistematicamente, desde a sua tomada de posse, a toda a sociedade, mas aplicando-o agora à própria raiz, ou seja, à forma de ocupação e ordenamento do território. Só falta, para o processo ficar completo, que não sejam apenas as zonas históricas e as áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística a ser objecto das tais SRU, mas todo o município, e passarem a ser os próprios PDM da competência dessas sociedades. É que, afinal de contas, o famoso "argumento" pode servir para tudo: se as sociedades de reconversão urbanística vão ser mais eficazes que os municípios para reconverter as zonas históricas, por que não o hão-de ser também para todo o município? A actual maioria ficaria certamente mais satisfeita, até porque poderia mover os seus boys sem a incomodidade de ter de lidar com os técnicos das câmaras, com pareceres, ou mesmo de estar sujeita às assembleias municipais e ao seu escrutínio.
Vozes do BE: - Muito bem!
Página 470
0470 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Orador: - Estamos ainda um pouco longe desse cenário, e o Bloco de Esquerda não pode senão opor-se a este negócio encapotado, que o Governo e a sua maioria nos vêm propor para discussão.
De facto, a criação destas sociedades mais não é do que uma "oportunidade de negócio", que o Governo vislumbrou abrir à iniciativa privada e aos fundos imobiliários, que, como se sabe, têm tido "fraca" rentabilidade nas operações de especulação bolsista. Ao abrir a possibilidade de criar um mercado de subscrição de unidades de participação, através da entrega de prédios ou fracções, o Governo propõe que as operações de intervenção urbanística sejam encaradas como se, na verdade, se tratasse de um autêntico jogo do monopólio.
Como está bem de ver, num tal jogo não há lugar para a democracia, para a participação, para o debate; o poder que comanda é o poder financeiro. O que o Governo pretende é que a Assembleia da República legitime a possibilidade de venda a retalho dos núcleos urbanos mais importantes das nossas cidades pelo melhor preço, mesmo que através de concurso público, nem sequer cuidando das pessoas que lá vivem.
Note-se, por exemplo, que a única categoria de arrendatários que terão direito de preferência, nas casas reconvertidas ou recuperadas, são as pessoas com mais de 55 anos, ou os deficientes, ou quem sofre de incapacidade total, e mesmo assim sujeitando-se a um processo de actualização de rendas. Todas as outras categorias de arrendatários não existem para o legislador.
Desleixo? Esquecimento? Ambas as coisas, certamente, mas este Governo já não surpreende. Aa sua incompetência e insensibilidade social em matéria de ordenamento territorial e intervenção urbana já ficou demonstrada em ocasiões anteriores e esta não será certamente a última.
Aplausos do BE.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Miranda.
O Sr. Luís Miranda (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Deputado Sérgio Vieira acompanhou a Sr.ª Secretária de Estado na afirmação de que o fracasso da política do PS, nos últimos seis anos, parece explicar a degradação dos centros e dos núcleos históricos. Sejamos sérios: o problema da degradação dos centros e núcleos históricos não é apenas um problema português; é, com certeza, um problema que muitos países atravessam. Devemos, pois, ter uma atitude positiva e de concertação para atacar de frente este problema. Não é possível deitar anátemas sobre o passado para se ver o problema resolvido, quando, ainda por cima, não é verdade o que é dito. O PS tomou a iniciativa de variadíssimas políticas de reabilitação e recuperação urbanas, tais como com os programas RECRIA, REHABITA e Solaris.
Este Governo, no início da Legislatura, prometeu avaliar todos os projectos de lei existentes e a sua aplicação e elaborar um diploma enquadrador. Ora, onde está esse diploma enquadrador? Aliás, aquando da discussão do projecto de lei do Partido Comunista nesta Assembleia, a Sr.ª Deputada Paula Malojo disse que esse diploma do PCP não estaria em condições de ser votado e que deveria baixar à Comissão, porque o Governo tinha preparada uma nova lei do arrendamento e uma nova lei enquadradora de todo este conjunto de processos de reabilitação urbana. Onde é que está a nova lei do arrendamento?
Vozes do PS: - É uma lei fantasma!
O Orador: - Onde é que está a nova lei enquadradora de todos estes projectos? Onde está?
O que nós temos, de facto, é mais uma proposta pontual do Governo. Vamos, pois, falar sobre ela.
A Sr.ª Secretária de Estado disse que o conceito de zona urbana histórica é um conceito recorrente na legislação portuguesa, mas não creio que assim seja. Tanto quanto conheço, o que há são os conceitos de centro histórico, de núcleo histórico. Mas zona urbana histórica, Sr.ª Secretária de Estado?! Não conheço! Por isso, penso ser necessário definir muito bem o que é uma zona histórica.
As avenidas novas são uma zona histórica? O bairro de Alvalade é uma zona histórica? Ou zona histórica é só a Baixa Pombalina, o Castelo, a Madragoa e Alfama? Penso, pois, que devemos definir muito bem a que tipo de zonas é que se aplica este conceito.
Neste diploma, a discussão pública e a participação popular, como já disseram outros Deputados, foram completamente afastadas. E conviria perguntar se será mais eficaz, mais eficiente, fazer planos elaborados apenas com a preocupação de serem céleres ou executar planos que contêm medidas que resultam de procedimentos concertados e participados pela população.
Penso que a pressa não é boa companheira. Os prazos encurtados podem ser, aparentemente, bons, mas as facilidades redundam sempre em dificuldades.
Penso também que a reabilitação urbana é um assunto demasiado sério para ser deixado apenas ao encargo dos economistas e dos gestores.
Página 471
0471 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Tenho, por formação e desempenho profissionais, alguma experiência na área da reabilitação e recuperação urbanas e creio que os processos de facilidade na execução dos projectos, nos concursos e nas adjudicações por ajuste directo não são bons conselheiros e que não é por aí que a reabilitação urbana em Portugal poderá ver melhores dias.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: Há quase dezasseis meses que o PCP aguarda uma proposta de lei do Governo relativa à reabilitação urbana de zonas históricas ou antigas. Há quase ano e meio - foi no final de Junho de 2002 - que debatemos neste Plenário o projecto de lei do PCP com vista à recuperação de edificações devolutas e degradadas; há quase ano e meio que o projecto do PCP aguarda, calmamente, na comissão especializada, que a ele se junte uma proposta de lei do Governo sobre o mesmo tema.
Finalmente a proposta de lei do Governo chegou a esta Casa! Só que, infelizmente, Sr.ª Secretária de Estado, as soluções adiantadas na proposta de autorização legislativa não são as melhores, não são aquelas que julgamos necessárias para realizar uma autêntica recuperação patrimonial de centros históricos ou antigos de aglomerados urbanos.
Pelo contrário, a serem utilizados os instrumentos propostos, a recuperação do património construído poderá será acompanhada de uma fortíssima ruptura no tecido económico e social das zonas históricas e dos muitos bairros e quarteirões que povoam os núcleos antigos das nossas cidades.
E, Sr.ª Secretária de Estado, permita-me que lhe diga o seguinte: uma recuperação autêntica não tem apenas a ver com os edifícios, é também aquela que conserva os moradores nos seus bairros e nas suas ruas de origem.
Uma coisa consensual, pelo menos ao nível do discurso, é a necessidade de reabilitar e recuperar centros históricos e antigos; outra coisa são os procedimentos e métodos para lá chegar.
Uma coisa é recuperar e reconstruir sem expulsar os moradores e comerciantes que vivem nessas zonas históricas - essa é a postura que defendemos; outra coisa bem diferente são os instrumentos que o Governo propõe e que fazem caducar coercivamente a generalidade dos contratos de arrendamento habitacional e a totalidade dos contratos de arrendamento comercial existentes nas zonas de intervenção.
Com excepção dos arrendatários com idade superior a 55 anos ou dos arrendatários com deficiência - e mesmo estes apenas se aceitarem aumentos de renda posteriores, que podem atingir 20% -, todos os outros arrendatários serão despejados.
Ao que parece, a reboque desta proposta, o Governo pretende fazer uma espécie de alteração ou suspensão da Lei do Arrendamento. Trata-se, assim, de criar a possibilidade de poderem ser feitos milhares de despejos nas zonas históricas e antigas das nossas cidades.
Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Não é apenas a utilização destes instrumentos que nos afasta da proposta do Governo e que a afasta, profundamente, do projecto de lei do PCP que aqui debatemos há ano e meio. Há ainda outros aspectos centrais: com esta proposta, o Governo aponta uma via única para a recuperação do património edificado - aliás, é a própria Associação Nacional de Municípios quem o diz; impõe-se às câmaras a constituição de "Sociedades de Recuperação Urbana"; impõe-se às câmaras, na prática, a obrigatoriedade de constituir estas empresas sob pena de não poderem, de facto, intervirem na recuperação patrimonial.
Não é, pois, politicamente sério dizer que as câmaras municipais têm a faculdade de decidir não criar SRU quando depois, no articulado, não se clarifica nem se explicita que poderão, também, utilizar todos - mas todos - os mecanismos regulamentares que o Governo agora cria para as sociedades e, sobretudo, sem permitir que as câmaras disponham de mecanismos de acesso directo a meios de financiamento capazes de enfrentar os problemas e poderem elas assumir as responsabilidades na recuperação do património construído.
Noutro plano, o Governo propõe atribuir às SRU competências ao nível da elaboração e aprovação de instrumentos de planeamento - por exemplo, os planos de pormenor -, ao nível do licenciamento e do estabelecimento de servidões administrativas e sobretudo ao nível da gestão de processos expropriatórios, cujos contornos nos merecem muitas dúvidas quanto à sua conformidade legal e também constitucional, e que terão de ser esclarecidos rapidamente.
Tanto mais que o Governo propõe, também, que todas estas competências possam, por sua vez, vir a ser transferidas da posse das SRU para a mão de parceiros privados contratados para a execução das empreitadas. Ou seja, o Governo quer transferir, por exemplo, a condução de processos de expropriação para as mãos de promotores privados encarregados de obras de reabilitação. A ideia é politicamente inaceitável, mas é igualmente muito questionável do ponto de vista da sua conformidade com o quadro constitucional actual.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaríamos de contar com a disponibilidade do Governo para alterar aspectos centrais dos instrumentos propostos, gostaríamos de contar com a disponibilidade da maioria parlamentar para que a recuperação do património não se transforme numa monumental e inaceitável operação de expulsão de antigos moradores e comerciantes. Se assim não for, a nossa posição crítica será assumida em conformidade.
Página 472
0472 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Veremos, na especialidade, já que a Sr.ª Secretária de Estado anunciou aqui que aceita a sua discussão na Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente. Veremos!
Entretanto, assumiu a Presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.
A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A reabilitação urbana para zonas históricas e áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística é um problema actual que necessita de resolução urgente.
O certo é que a política dos últimos anos não cuidou de acautelar a preservação deste património, os centros históricos das cidades estão a cair, pelo que é preciso intervir e já.
A proposta de lei de autorização hoje em discussão é um importante passo, aliás é o passo que faltava de um impulso legislativo, que permitirá a resolução dos problemas com que se confrontam os municípios ao ver as suas zonas urbanas históricas em completa degradação, quer de condições de habitabilidade, quer de salubridade, quer ainda das condições de segurança de uma grande parte dos edifícios.
Actualmente, as normas que regulam a questão encontram-se dispersas em inúmeros diplomas: inicialmente, era o Regulamento Geral das Edificações Urbanas que continha parte do regime das obras coercivas; porém, como é sabido, o RGEU foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, e este, por sua vez, alterado pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho. Esses diplomas têm ainda de ser conjugados com a, ainda em vigor, Lei dos Solos, que estipula o regime jurídico aplicável às áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.
Estas alterações, introduzidas em 1999 e em 2001, não foram, contudo, bem sucedidas: a degradação agravou-se e aumentou a necessidade de recuperação e reconversão urbanísticas.
Ora, introduzindo um regime jurídico único, a proposta de autorização legislativa agora em discussão, ao agilizar os processos de reabilitação, recuperação e reconversão urbanística, contribuirá decisivamente para a reposição das condições de qualidade de vida nas áreas urbanas históricas do nosso país, com a vantagem, em nossa opinião, sobre o projecto apresentado pelo PCP, porque pretende introduzir um regime global para a questão dos imóveis degradados, quer estejam devolutos ou não.
Esta iniciativa do Governo apresenta-nos um projecto de decreto-lei completo e estruturado, no qual se opta, definitivamente, por possibilitar a criação de estruturas diferentes e juridicamente independentes das autarquias e do Estado, para prosseguir uma única atribuição e finalidade: a finalidade de reabilitação urbana para zonas históricas e áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, permitimo-nos aqui, e agora, salientar os importantes princípios estruturantes do decreto-lei já apresentado pelo Governo: o princípio segundo o qual a responsabilidade pelo processo de reabilitação urbana cabe, no quadro dos poderes públicos, primacialmente, a cada município, princípio esse que resulta do desenvolvimento e aceitação do princípio constitucional da descentralização, princípio constitucional que tem sido amplamente implementado por este Governo.
Outro, é o princípio da necessidade de conceder meios efectivos de intervenção, que supõe a transferência de competências municipais para as empresas de reabilitação urbana, nomeadamente poderes correspondentes ao exercício dos poderes de autoridade normalmente exercidos por entidades públicas, como são os de expropriar e de licenciar. Pretende-se, portanto, evitar que sejam criadas estruturas ineficazes e impotentes.
Refiro também o princípio do controlo por parte dos poderes públicos de todo o processo de reabilitação. Aliás há um reforço da posição dos municípios, pois é a eles que cabe iniciar o processo, e em toda a linha de desenvolvimento do processo cabe sempre ao município um controlo sobre o mesmo.
O quarto princípio é o da ponderação dos direitos e obrigações dos proprietários e do equilíbrio na protecção dos direitos dos arrendatários. Princípio importantíssimo, de salvaguardada de direitos, pois sempre que se atribuem poderes de autoridade a entidades públicas ou privadas de capitais públicos não podemos ignorar que do outro lado da relação jurídica se encontram os particulares, as pessoas singulares e colectivas administradas.
O quinto princípio é o da motivação económica para que promotores privados se interessem e se empenhem no processo de reabilitação, que é um outro princípio importante e que valoriza a iniciativa privada, chamando os particulares a colaborarem activamente na prossecução dos fins públicos.
O sexto princípio, o da celeridade, resulta da constatação da existência de um dever geral de boa administração: administrar bem significa administrar em tempo útil, tendo, para isso, o Governo proposto a simplificação administrativa, a redução de prazos e a consagração do deferimento tácito;
Com efeito, com o projecto de decreto-lei que acompanha a lei de autorização, podemos afirmar que este Governo, num futuro muito próximo, ao ser aprovada a lei de utorização agora discutida, contribuirá com mais um passo no sentido da desburocratização.
Dizemos "desburocratização" na medida em que as entidades que se vão dedicar a esta finalidade de recuperar e reabilitar zonas históricas e áreas críticas de recuperação e de reconversão, que são entidades públicas ou privadas de capitais públicos, vão-no fazer em exclusivo e será dada a oportunidade aos municípios de criarem entidades públicas ou privadas de capitais públicos que apenas se dedicam a esta actividade.
Página 473
0473 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Como é evidente, a especialização das atribuições, ou melhor, a deslocação das atribuições nestas matérias das autarquias para estas empresas especializadas contribuirá decisivamente para tornar todo o procedimento administrativo com vista à recuperação e reabilitação urbana mais célere, mais ágil e mais eficaz.
A política de arrendamento urbano, sobretudo no que respeita à proibição de aumentos de renda, contribuiu para a existência de um problema nacional e a falta de coragem política para alterar a situação prolongou-o durante décadas.
Efectivamente, só, agora, recentemente, foram sendo mitigados os mais significativos traços daquilo que a doutrina classifica de "vinculismo arrendatício".
Foi esse "vinculismo" imposto pelo Estado que condenou alguns proprietários/senhorios à dor de terem de assistir à degradação dos seus imóveis.
Precisamente por isso é que deve a responsabilidade da recuperação e reabilitação urbanas ser partilhada entre senhorios e Estado/autarquias locais.
Sr.ª Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Achamos, assim, que andou bem o Governo ao prever a adopção de um regime jurídico inspirado na vontade de eliminar essa injustiça feita a alguns proprietários e na vontade de revitalizar o tecido urbano edificado.
A reabilitação urbana para as zonas históricas e áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística contribuirá para uma melhoria da qualidade de vida das populações nos centros urbanos antigos do nosso país, para o enriquecimento desse espaço urbano e a sua devolução a uma melhor vivência das nossas cidades.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta hoje, nesta Câmara, um diploma a pretexto da necessidade de recuperar o património. Se é óbvia e inquestionável para todos a necessidade de criação de mecanismos que favoreçam a recuperação do património, já é questionável, discutível e manifestamente não pacífica uma proposta que vem impor - é disso que se trata, praticamente - a criação de mecanismos que retiram, de facto, aos municípios a capacidade de intervir no seu território, em domínios fundamentais como os do licenciamento e da intervenção em planos de pormenor e em planos urbanísticos, e que vão conflituar, de modo grave, com o poder hoje atribuído aos municípios de gerir o território pelo qual são politicamente responsáveis, designadamente permitindo intervenções que interferem com outros instrumentos de planeamento e gestão do território.
As chamadas "Sociedades de Reabilitação Urbana" (no seu figurino, segura e obviamente, passíveis de gerar todos os vícios de opacidade a que o PSD, no passado, parecia ser tão sensível), ao poderem intervir, nos moldes propostos, nas zonas históricas e nas áreas críticas de recuperação e reconversão urbana, vêm criar uma forma inovatória, sem dúvida, mas politicamente inaceitável de mexer na cidade. Tudo se passa como se a cidade e a sua recuperação pudesse ser feita à margem daqueles que a animam; como se a recuperação pudesse ser feita com o recurso a mecanismos que, tal como são propostos, irão modificar radicalmente a composição social das zonas históricas e das zonas mais antigas da cidade.
É essa concepção de recuperação de cidade que está implícita, isto é, uma recuperação feita à margem dos cidadãos que a animam, que lhe dão corpo e sentido; uma recuperação que mais não tem implícito do que a expulsão para as periferias das coroas e do centro da cidade dos mais pobres, mas que são hoje parte integrante da sua história, da sua cultura e do seu modo de viver.
Esta visão é politicamente inaceitável e, manifestamente, nada tem a ver com a recuperação e a procura de equilíbrio num tecido urbano que tem de ser pensado e recuperado de outra forma. Do nosso ponto de vista, isso não pode ser feito com a expulsão daqueles que o habitavam e, por conseguinte, introduzindo grandes alterações naquela que é hoje a sua composição social.
Trata-se, por isso, de uma proposta de lei que favorece a opacidade, que retira aos municípios capacidade de intervirem politicamente no território pelo qual são responsáveis, que - porventura, este é o aspecto mais negativo da proposta de lei - ignora os cidadãos e, numa visão claramente elitista, propõe recuperações e, no fundo, a criação de cenários imaginários onde aqueles que fizeram a cidade e a viveram não têm lugar, mas tão-só os que podem aceder, neste livre mercado, à ocupação de zonas que hoje são degradadas mas cuja recuperação irá ser feita de uma forma que não é aceitável, nem do ponto de vista social nem do ponto de vista urbanístico, tal como o entendemos.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Habitação, aproximamo-nos do final deste debate e é justo manifestar a seguinte perplexidade: por que é que um diploma sobre reabilitação urbana é motivo de tamanha controvérsia? Por duas razões, fundamentalmente.
Em primeiro lugar porque, de forma despropositada, a Sr.ª Secretária de Estado escolheu para este debate um rumo de conflito com todas as bancadas parlamentares, confortada na sua maioria absoluta.
Em segundo lugar porque, objectivamente, o Governo apresenta uma proposta com opções erradas e perigosas. E recusa-se, sequer, a discuti-las, ocupando verdadeiramente o seu tempo com acusações em relação ao governo anterior.
A Sr.ª Secretária de Estado falou dos ajustes directos feitos à Parque Expo, no âmbito do Programa Polis, e eu pergunto se é ou não verdade que a proposta de lei prevê a possibilidade de ajustes directos a parceiros privados, não a sociedades
Página 474
0474 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
de capitais públicos. É ou não verdade que afasta a aplicação do regime das empreitadas de obras públicas no âmbito da actividade destas sociedades de reabilitação urbana?
Por outro lado, confrontada com os planos de pormenor, com o facto de as intervenções no âmbito destas sociedades de recuperação, de readaptação urbana poderem desenhar as suas intervenções à margem das assembleias municipais, a Sr.ª Secretária de Estado faz uma "teoria geral" sobre a fé deste Governo a propósito da possibilidade de as autarquias locais gerirem bem o seu território. Mas, afinal de contas, o que faz a proposta de lei? Retira às assembleias municipais a soberania sobre a gestão do seu território, uma vez que estas intervenções podem decorrer à margem dos planos de pormenor.
Confrontada ainda com a questão de os cidadãos serem excluídos da discussão sobre o que vai acontecer nas cidades, a Sr.ª Secretária de Estado diz rigorosamente nada, como se essa questão não fosse fundamental do ponto de vista do princípio democrático e, até, dos princípios-base que estruturam a Lei de Bases do Ordenamento do Território e Urbanismo.
Sr.ª Secretária de Estado, o que esperávamos não era apenas uma declaração genérica quanto à disponibilidade do Governo em aceitar os contributos das demais bancadas; o que esperávamos era que, ao longo de todo este tempo de debate, a Sr.ª Secretária de Estado tivesse a humildade de dizer que há dois pontos nesta proposta de lei que merecem, pelo menos, uma consideração da parte do Governo e uma emenda em sede de comissão.
O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!
O Orador: - Até ao momento, o que temos são declarações pura e simplesmente genéricas quanto a essa disponibilidade do Governo, mas não vimos, até este momento - esperamos que, na intervenção final que a Sr.ª Secretária de Estado ainda irá proferir, essas novidades possam surgir -, disponibilidade da sua parte, em concreto, para reconhecer os tais erros e os tais perigos de algumas soluções que estão consagradas nesta iniciativa e que o Governo, efectiva e verdadeiramente, se disponha a rever em sede de comissão.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Habitação.
A Sr.ª Secretária de Estado da Habitação: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Parece-me altamente injusta a crítica que acabei de receber sobre a falta de abertura para a discussão e ponderação desta proposta de lei, uma vez que, há pouco, terminei a minha intervenção dizendo que reconhecia a complexidade, a inovação e a criatividade deste diploma, embora também a sua importância e urgência,…
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - … daí ter sugerido que ele baixasse à comissão competente para ser mais amplamente discutido, porque é genuína e sincera a minha vontade, o meu desejo de que esta matéria seja, de facto, consensual.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Gostava apenas de, muito resumidamente - porque as várias intervenções aqui proferidas, se ouvidas no exterior, podem criar e gerar algumas dúvidas quanto à filosofia de todo este documento -, reiterar que este diploma se rege por um conjunto de princípios orientadores que tem a ver com o respeito pelas competências dos nossos municípios; este diploma reforça as competências desses mesmos municípios,…
Vozes do PSD: - Muito bem!
Vozes do PCP: - Oh!
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Diga uma competência reforçada!
A Oradora: - …, cabendo aos municípios, se assim o entenderem, recorrer à criação das sociedades de reabilitação urbana; este diploma respeita os direitos dos proprietários; e este diploma respeita e protege, de uma forma mais ampla do que está hoje consagrado na lei, o caso dos arrendatários quando, eventualmente, possam ter de deixar as suas casas. Pela lei actual, eles têm direito a uma indemnização e a um realojamento e esta proposta de lei prevê uma protecção especial para aqueles que reúnam condições de excepção, tanto no que diz respeito à idade como no que se refere à sua capacidade para trabalhar.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
Página 475
0475 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Sr. Honório Novo (PCP): - E se for um casal jovem ou de meia-idade vai para a rua!
A Oradora: - O Sr. Deputado Silva Pereira referiu que apresentei a proposta de lei lançando opções erradas e perigosas e fazendo acusações ao governo anterior. Gostava de deixar bem claro que não tive qualquer propósito em fazer acusações ao governo anterior, mas não podia estar a apresentar um documento com esta complexidade e abrangência, como todos reconheceram, sem explicar as razões por que o fazia!
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Tive que apresentar o diagnóstico que encontrei. E o que encontrei foi uma situação de degradação do património do País, que tem vindo a agravar-se de forma impressionante.
Em 1994, a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho classificava e adjectivava como "assustadores" os números de 180 000 fogos vagos no País; hoje temos 540 000! Julgo que estes números são demonstrativos da situação. E só o fiz porque entendo que é o método correcto: não vamos elaborar diplomas sem estudar a realidade!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
E a realidade é esta, infelizmente.
Sei que foram feitos vários programas para reabilitação, mas todos temos de reconhecer - isto não é nenhuma acusação - que eles falharam por completo, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - O PSD nunca esteve no Governo antes!
A Oradora: - Falharam por completo.
Neste momento, os fogos devolutos nem sequer são comparticipados. E eu pergunto aos Srs. Deputados: os senhores querem ouvir a população, se calhar realizar um referendo, fazer intervir todos aqueles que estão envolvidos nestas situações? Peço desculpa, mas os senhores perguntem a estas pessoas se querem ser ouvidas ou se querem que lhes seja atribuída uma condição de habitação digna, porque a maior parte das pessoas que residem nestes centros históricos, Sr. Deputado, vivem em áreas inacreditáveis, em condições sub-humanas e sem o mínimo de condições de habitabilidade.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Gostava que lhes perguntassem se querem ser ouvidos sobre o plano de pormenor ou se querem, rapidamente, condições mínimas de habitabilidade nas suas casas.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Defenda a sua proposta!
O Sr. Honório Novo (PCP): - O que as pessoas não querem é ficar "debaixo da ponte"!
A Oradora: - Sr. Deputado Honório Novo, não se trata de expulsar pessoas. Partilho inteiramente da sua preocupação de manter o mais possível as populações residentes nas suas áreas, mas não é este diploma que está a "atirar" pessoas para a periferia. Quem "atirou" pessoas para a periferia foi a inépcia e a falta de intervenção dos anteriores governos, reabilitando os centros das cidades.
O Sr. Marco António Costa (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Não é, repito, este diploma que o está a fazer. Foram os milhares de fogos construídos na periferia, usando solos que não tinham indicação para construção, exactamente porque a opção foi construir mais e de novo, ao invés de se optar por um investimento na reabilitação dos centros históricos.
Portanto, não queira acusar um diploma que ainda nem sequer foi aprovado quando há um passado, uma história anterior responsável por toda esta situação.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Por último, gostava de reiterar aquilo que já disse sobre a assunção e a admissão da complexidade deste diploma. Temos a consciência de que as operações avulsas, que foram feitas ao abrigo dos programas anteriores, não tinham estas consequências, porque elas eram feitas isoladamente. Só que o facto de ter intervindo isoladamente nestas situações fez com que dos 440 000 fogos que estavam devolutos apenas se tivessem recuperado 20 000, em 10 anos. Esta é a questão!
Temos a consciência de que esta legislação intervém nos direitos das pessoas. É por isso que temos de ter cautela, é por isso que foram introduzidas essas cautelas e é por isso também que, desde o princípio, sugeri e me disponibilizei para que este diploma baixasse à Comissão para serem ponderadas algumas situações.
Página 476
0476 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 84/IX, que será votada no período regimental de votações de amanhã.
Da segunda parte da ordem de trabalhos de hoje consta o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 126/IX - Utilização de software livre na Administração Pública (BE).
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Outubro de 2002, o Bloco de Esquerda apresentou um projecto de lei prevendo as condições em que se devia generalizar a utilização de software livre na Administração Pública portuguesa.
Na verdade, em Portugal, o debate não é novo, mas vem suficientemente atrasado. Não é novo porque, na Cimeira de Lisboa da União Europeia foram aprovadas recomendações neste mesmo sentido; não é novo porque, à beira da conferência mundial sobre a sociedade de informação, que ocorrerá em Dezembro deste ano, se têm multiplicado em vários países iniciativas paralelas, sobretudo com força de lei, mas também por força de disposições de câmaras municipais e de associações regionais.
Constatamos, como se verifica no relatório que acompanha este projecto de lei, que estão em curso, ou já foram aprovadas, iniciativas legislativas em países tão diferentes como a Alemanha, a Espanha, a Finlândia, a França, o Brasil, a Itália, a Austrália, exactamente no mesmo sentido da nossa proposta.
Nenhum desses países, diga-se de passagem, esperou por qualquer decisão que fosse progredindo lentamente pela força da opinião deste ou daquele director-geral, mas organizou um programa de tal modo que a administração pública desse, no seu conjunto, passos importantes e rápidos na adopção de software livre. Com vantagens evidentes. Aliás, elas estão testemunhadas pelo facto de várias organizações, que respeitam critérios de alta exigência quanto à utilização de software, terem compartilhado o mesmo objectivo. É o caso da NASA, da Marinha dos Estados Unidos, do Ministério da Defesa de França, do Exército chinês, de cidades como Bruxelas ou Munique, ou da Junta da Andaluzia.
Em todos estes casos, as organizações estatais, organizações públicas ou câmaras municipais, entenderam que deviam fazer parte deste movimento de generalização do software livre. E fizeram-no por três razões, que são as que importa considerar neste debate. Aliás, a sorte deste projecto de lei (à partida chumbado pela maioria, como nos será anunciado já de seguida) dependeria, se houvesse um debate de conteúdo, da escolha sobre três matérias.
Em primeiro lugar, melhora a protecção dos sistemas informáticos esta adopção do software livre? A resposta é que sim.
O acesso ao código da fonte dá ao utilizador uma capacidade de intervenção num sistema que, até agora, é só dominado pelo fornecedor. E esta dependência do fornecedor é estratégica: as quatro grandes empresas que dominam o fornecimento de software (a IBM, a Oracle, a Sun e a Microsoft) têm não só a propriedade e o acesso exclusivo ao código da fonte, como têm também um controlo completo através das cláusulas de rescisão que, unilateralmente, podem utilizar em qualquer circunstância, qualquer que seja o cliente. Portanto, a aprovação desta iniciativa para se generalizar na Administração Pública é benéfica na medida em que, como outros países o fizeram, ela nos daria melhor capacidade de autonomia face ao fornecedor.
Em segundo lugar, é racional do ponto de vista económico. Não vou invocar as dificuldades orçamentais portuguesas, porque proporíamos na mesma esta iniciativa se elas não existissem. Mas é óbvio que, num caso como noutro, ou seja, em dificuldades, em "tempo de vacas magras" ou em "tempo de vacas gordas", é indispensável a racionalidade económica que é introduzida por uma medida deste tipo.
O Exército português, por exemplo, adoptou recentemente num dos seus main frames o software livre para gerir as suas fichas de registo e, com isso, conseguiu uma poupança de 80 000 contos/ano, o que certamente não é desprezível, muito menos para a Ministra Manuela Ferreira Leite ou para nós.
Mas se a protecção, a autonomia e a racionalidade são fundamentais, há uma terceira razão para adoptarmos este tipo de iniciativa, que é a adaptabilidade. A capacidade de haver uma ampla comunidade que trabalha com conhecimento partilhado sobre este software livre permite torná-lo adaptável a todas as circunstâncias. E é por isso que a França, a NASA, a Alemanha, o Exército chinês ou outras instituições escolhem a utilização desta tecnologia.
O projecto de lei prevê algumas excepções, porque elas são, aliás, indispensáveis. Nem em todos os casos existe já software adaptável para todas as necessidades da Administração Pública, e por isso, prevendo um regime de transição da utilização dessas excepções, programa um processo de integração, progressiva mas rápida, ou seja, determinada, da Administração Pública no universo, seguindo - nada mais do que seguindo! -, o que fazem tantos outros países, cuja modernidade nos dá alguma lição. E é por estas razões - protecção, autonomia, racionalidade e adaptabilidade - que o Bloco de Esquerda propõe ao Parlamento a adopção deste projecto de lei.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.
Página 477
0477 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, às vezes, estas perguntas são usadas para fazer política, mas eu não vou fazer isso e vou colocar-lhe uma pergunta sem qualquer espécie de adorno: é ou não verdade que o projecto de lei, como diz, aliás, o relatório, deu entrada a 1 de Outubro de 2002?
A seguir, pergunto-lhe, sem estabelecer para já a razão de ciência da minha pergunta, se é ou não verdade que, até 29 de Maio de 2003, o site do Bloco de Esquerda usou o sistema operativo Windows e os servidores eram da Microsoft?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, é certamente muito relevante para o debate saber em que altura é que o Bloco de Esquerda adoptou software livre...
Devo dizer-lhe que o adoptou no tempo escolhido pelo Bloco, com certeza, não poderia ser de outra forma, provando que é útil, como outros partidos o fizeram.
O que é talvez relevante saber, Sr. Deputado Gonçalo Capitão, é que o Bloco de Esquerda apresentou esta proposta em Outubro de 2002 e que o Governo, em Dezembro desse ano, fez uma série de recomendações genéricas, cuja apreciação se exige neste debate.
O que nós temos de saber é se Portugal tem, hoje, uma política para o desenvolvimento do software livre, ou se não tem. E talvez isso devesse interessar o Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.
O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): -Vamos, então, ver isso, Sr. Deputado Francisco Louçã.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde logo, penso que é importante começarmos por falar linguagem clara e explicar aos portugueses o que é que está em jogo. E o que está em jogo é que o Bloco de Esquerda, com excepções limitadas e burocraticamente justificáveis, como veremos, quer que o Estado passe a usar, obrigatória e quase exclusivamente, software livre, isto é aquele tipo de software, não usando linguagem técnica, que pode ser usado, modificado, copiado com e sem alterações, livremente, a partir da primeira transacção.
O que vou tentar demonstrar, democraticamente e com todo o respeito, é que para o PSD este projecto de lei do Bloco de Esquerda não só está mal explicado em algumas partes, como, por outro lado, é relativamente fundamentalista, e, por fim, é ideologicamente inconsistente.
Antes de mais, há uma coisa que eu gostava ficasse clara: o PSD não é contra o uso de software livre pela Administração Pública ou por quem quer que seja, desde que seja essa a solução que mais bem defende os interesses dos portugueses…
Risos do PCP.
E, de caminho, registamos a solidariedade do PCP com o Bloco de Esquerda, como se precisasse. Julgo que seria mais ao contrário.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Essa foi muito esperta!…
O Orador: - O espírito de quem quer servir bem os portugueses seria bem mais o da Resolução do Conselho de Ministros n.º 21/2002, de 31 de Janeiro, aliás aprovada ainda no tempo do Partido Socialista, que para a escolha estatal impõe apenas o critério da imparcialidade e da protecção da propriedade intelectual.
Mas vejamos, agora, aquela parte do projecto de lei em que me parece que abundam, na melhor das hipóteses, meias verdades. Desde logo, deixa-se entendido que nos casos do software de licença (precisamente o contrário do que se desenhava há pouco, ou seja, aquele em que quem concebe pode reservar-se o direito de modificar e copiar com intuitos lucrativos) o Estado está impossibilitado de ter acesso ao código da fonte, pois isso depende, desde logo, da forma como é celebrado o acordo a que se chega com o fornecedor. Por outro lado, nesses casos, há maneiras, como sabe, Sr. Deputado Francisco Louçã - e sei que o sabe -, de limitar o risco, desde logo, embora haja outros meios, através do mecanismo do depósito do código da fonte.
Outra coisa que fica desde já clara é que, apesar de terem referido isso apenas no vosso 12.º parágrafo, é bom tirar daqui a ideia que o software livre é gratuito. Ainda que o custo inicial do programa pudesse ser absolutamente nulo, a sua implementação, o seu desenvolvimento e a sua manutenção podem até sair mais caro. Isso depende dos problemas que se enfrente, depende da solução que se tenha encontrado.
Eu diria que as empresas deste sector se calhar deixariam de vender produtos, mas vão, com certeza, cobrar serviços. E quem se limite a conceber programação com o sistema de licenciamento que os senhores defendem, o General Public Licence (que impede a propriedade de programas concebidos a partir de programas licenciados da mesma maneira, isto é, impede a segunda, a terceira, a quarta transacção, e daí por diante), quem apenas se limitar a conceber programação neste domínio fica, na prática, sem meio de subsistência. E acredito que não seja isto o que o Bloco de Esquerda quer.
Mas também é aqui que se golpeia gravemente a competitividade. Por um lado, isto vai prejudicar as empresas portuguesas e os profissionais portugueses que estejam a operar no domínio do software de licença. Depois, diminui claramente
Página 478
0478 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
o incentivo à investigação e ao desenvolvimento. Evidentemente, a recompensa passa a ser mínima para quem invista muito do seu tempo a tentar encontrar soluções mais arrojadas. Mas eu acredito que é um estímulo poder ganhar alguma coisa com o trabalho que se tem!
Talvez num outro género de sociedade e com outro género de seres humanos isso fosse possível. Mas isso é uma utopia, não passa disso e o PSD, como sabe, é um partido com vocação de governo, e, portanto, tem de ser responsável naquilo que defende.
E se a transacção, para além disso, for livre, após a primeira solução encontrada, isto é, após a primeira venda, então teremos aqui um outro problema: é que tenderá a haver uma repercussão fenomenal dos custos no primeiro comprador. E se o primeiro comprador for o Estado, e se estiver forçado a fazer aquela compra, podemos ter um agravamento da situação de todos nós através de uma imposição geral e abstracta.
Acresce que o Estado não deixa de ficar numa dependência técnica neste caso, e com a agravante de que pode ficar na dependência técnica de pequenas empresas, sujeitas a maior vulnerabilidade. Depois das primeiras modificações introduzidas neste estilo de software que os senhores defendem, a perda de um profissional que esteja, por assim dizer, em linguagem corrente, a "mexer" na programação, pode significar o emperrar de todo o processo informático. Sabe bem disto.
Por outro lado, é utópico pensar que todos os serviços do Estado estarão habilitados a operar e, sobretudo, a modificar software deste estilo, e muito menos, como dizem no vosso projecto de lei, em três anos.
Mas este é também um projecto de lei que enferma, em minha opinião e na do Partido Social Democrata, de algum fundamentalismo na opção. Este é o erro fatal, eu diria, este é o vírus da vossa programação legislativa.
Ao obrigar todos os serviços do Estado a optar por software livre, com excepções a contado, geram uma situação complicada. Desde logo, pela imposição de justificação e de procura de alternativas que põem perante a Presidência do Conselho de Ministros e exigindo também a publicação dessa mesma autorização excepcional, burocratiza, atrasa e inviabiliza. Embora admitindo que os senhores estejam de boa fé, acabariam por causar, involuntariamente, uma espécie de "Babel electrónica".
Mas este é também um fundamento auto-destrutivo - se me permitem uma linguagem que não é ofensiva, eu diria que os senhores tentam ser amigos dos portugueses e, sobretudo, dos produtores de software livre, mas, mais uma vez e se calhar inopinadamente, acabam por ser, como diz o nosso povo (e, repito, sem qualquer propósito ofensivo), verdadeiros "amigos da onça" -, porque funciona ao contrário.
Em primeiro lugar, não permitem que os sistemas de software livre beneficiem da competitividade numa lógica de mercado. Nós entendemos (mas esta é uma barreira ideológica) que a competitividade estimula a busca de outras soluções.
Por outro lado, lesam o Estado e, por intermédio do Estado, todos os contribuintes, porque, eventualmente, podem estar a impedir o Estado de encontrar uma melhor solução. Quem lhe diz, a si, que a melhor solução não é software de licença para um caso concreto? Dir-me-á: têm de justificar! Lá entramos nós naquele processo de que falámos há pouco.
Por outro lado ainda, esquecem os empregos criados por esta indústria de software de licença.
Por fim, atacam os direitos de propriedade de quem a eles tem, legitimamente, direito: os pequenos produtores, os produtores independentes, que precisam da protecção da propriedade intelectual para sobreviver num mundo de grandes empresas, estão, assim, desprovidos dessa protecção, porque o Estado obriga a comprar precisamente a quem abdica dessa protecção, o que não nos parece, de todo em todo, conveniente. Dir-se-ia que, com amigos como os do BE, quem é precisa de inimigos!
O problema ideológico é que combinam matizes verdadeiramente estatizantes com matizes libertários que me parecem difíceis de conjugar, no caso concreto. Se eu estivesse aqui para fazer qualquer espécie de demagogia, dir-lhe-ia que isto parecia um capítulo parlamentar da obsessão anti-americana do BE. Assim como o Drácula foge da cruz, o Sr. Deputado Francisco Louçã parece fugir de tudo quanto comporte a bandeira norte-americana! Mas não vou por aí.
Sublinho, os senhores têm aqui verdadeiramente um "caldo cultural", um "caldo ideológico", que me parece pouco consistente: por um lado, a propriedade parece ser um roubo; e, por outro, parece que têm necessidade de um Leviatan, que regule todas as escolhas e esteja presente a todo o momento.
Sr. Deputado Francisco Louçã, o que pedimos é que o Estado possa, caso a caso, escolher a melhor solução, e, desde logo, não por uma operação exclusivista mas até reforçando aquilo que a unidade de missão já está a fazer, que é a inter-operatividade entre sistemas - reforçar isto.
Se for ver o programa e o campus virtuais, verá que isto já foi implementado, verá que há, inclusive, estabelecimentos de ensino que fizeram diferentes opções, opções livres - essas sim, livres -, por diferentes programas de gestão de conteúdos e de informação. Só pedimos a mesma liberdade de que, e bem - repito, e bem! -, o BE usou.
O BE deu entrada deste projecto de lei, como disse, em Outubro de 2002 e só após oito meses menos dois dias é que mudou o seu sistema operativo no servidor, que, como disse, era Windows, era Microsoft. Muito bem! Acharam que essa era a altura de mudar. Encontraram a solução que os satisfazia. Acho isso óptimo e só peço para os portugueses aquilo que o BE usou.
Portanto, eu diria que a nossa escolha, nesta matéria, é a que melhor servir os portugueses e a que melhor serve os portugueses, não pode ser decretada de forma geral e abstracta, pode ter uma orientação. Repito, não somos contra a adopção de software livre, simplesmente entendemos que não pode ser desta forma fundamentalista. E, por isso, com a sua inteligência, adivinhou, e bem, que o nosso voto será contrário.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Página 479
0479 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ramos Preto.
O Sr. Ramos Preto (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto da lei n.º 126/IX, que, hoje, apreciamos, permite à Assembleia da República um debate sobre a utilização de software livre na Administração Pública. Iniciando a nossa intervenção pela apreciação do articulado do projecto de lei, verifica-se que o mesmo subsume seis grandes premissas, que convêm recordar.
Em primeiro lugar, o projecto de lei procede à fixação de uma obrigação legal, logo imperativa, de utilização, em exclusivo, de software livre nos sistemas e equipamentos informáticos de todos os serviços do Estado.
Em segundo lugar, define como sujeitos dessa obrigação legal de utilização imperativa de software livre a Administração Pública, local e central, incluindo o poder Executivo, legislativo e judicial, e empresas públicas ou com maioria de capital público, salvo em casos devidamente justificados através de procedimento próprio.
Em terceiro lugar, define como software livre aquele cuja licença de uso garanta ao seu utilizador, sem custos adicionais, a possibilidade de executar o programa para qualquer fim, redistribuir cópias, estudar como funciona o programa e adaptá-lo às necessidades do utilizador e, ainda, melhorar o programa e publicar essas melhorias, sendo o acesso ao código-fonte, um requisito para estas faculdades.
Em quarto lugar, consagra um regime de excepção que possibilita a utilização devidamente justificada de software não livre que reúna um conjunto de condições priorizadas nas diversas alíneas do artigo 4.º do projecto de lei.
Em quinto lugar, prevê um período de transição que terminará, em todos os casos em que não haja autorização de excepção, três anos depois da entrada em vigor do novo quadro legal.
Por último, impõe ao Governo a obrigação de promover a regulamentação do diploma no prazo de 90 dias.
O projecto de lei, Sr. Presidente, cujo articulado referenciamos, é sustentado num extenso preâmbulo justificador e que pretende reflectir quanto se tem evoluído a nível mundial a favor do software livre, nas suas múltiplas expressões, obrigando os Estados a ponderar questões como a da patenteabilidade do software, a garantia de formatos livres para documentos públicos, a obrigatoriedade da documentação de "Interfaces de Programação", protocolos e formatos conexos e a oposição à adopção de mecanismos tecnológicos de protecção de obras sujeitos ao pagamento de direitos de autor, como se lê no bem fundamentado relatório e parecer elaborado pelo Sr. Deputado José Magalhães e aprovado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias.
Da análise das diversas dinâmicas mundiais de regulação do uso de programas de computador de fonte aberta na Administração Pública resulta que nos confrontamos com diferentes estratégias e formas de abordagem deste tema, como também é referido no relatório da 1.ª Comissão, a saber: uso pontual de software livre, sem enquadramento estratégico preciso; uma regulação por decisão governamental ou de instâncias especializadas dependentes do Executivo; ou regulação por instrumento legislativo, governamental ou parlamentar. Sendo certo ainda que, quanto às opções normativas a consagrar, o quadro muito variado de situações reais e de propostas de mudança oscila entre dois pontos situados em pólos opostos: de um lado, o regime de exclusão do uso de software livre na Administração Pública; de outro lado, o regime que aqui nos é agora proposto, de imposição do uso exclusivo ou absolutamente preferencial de software livre nos serviços públicos.
Em Portugal, Srs. Deputados, embora tal não seja referido no preâmbulo do decreto-lei, evoluiu-se de um modelo de exclusão total de software livre para uma solução mista, assente na avaliação em concreto de méritos e necessidades e gradualmente, de forma pontual e sem - é verdade - um sistema normativo regulador de natureza genérica, a Administração Pública foi incorporando soluções de código-fonte aberto, conjugando-as com o uso predominante das outras modalidades de software. De tal modo que o governo anterior, do Partido Socialista, no quadro do pensamento que agora enunciei, aprovou, em Conselho de Ministros, a Resolução n.º 21/2002, a qual fixou directrizes muito claras que apontam no sentido da promoção da utilização de sistemas abertos de software pela Administração Pública. Resolução esta que não foi, até ao presente, objecto de acto modificativo pelo actual Executivo e que, optando por uma solução mista, permite ao Executivo proceder à aquisição de software pela Administração Pública no quadro de uma solução de compromisso que assegure "a adequada selecção de programas, quer de entre os disponíveis no mercado dos produtos sujeitos a licença de uso, quer em regime de uso gratuito ou condicionado, designadamente freeware e shareware, bem como por recurso a sistemas abertos de software, que garanta a melhor relação custo/benefício dos programas a utilizar e que, no tocante à utilização pela Administração Pública de sistemas abertos de software, os serviços dêem cumprimento aos objectivos inscritos no plano de acção Europe 2002 e, naturalmente, os inscritos no plano de acção Europe 2005.
O projecto de lei n.º 126/IX enquadra, como disse, um modelo de fixação legal de uma obrigação de uso preferencial de software livre nos serviços públicos, com as excepções que dependam de justificação, segundo procedimento centralizado no Executivo, a quem cabe autorizar derrogações da regra geral. Ao Partido Socialista, atenta toda a filosofia inerente à Resolução do Conselho de Ministros n.º 21/2002, que é considerada, pela sua materialidade, uma resolução equilibrada e que permite ao Estado opções ponderadas sobre o tipo de software a usar, não repugna vazar em lei o sistema misto que implementou enquanto governo e que teve acolhimento na resolução supra referida. Seria uma lei que consagre a possibilidade de coexistência do sistema de software de fonte aberta e do software de fonte fechada, e este sistema parecer-nos-ia apropriado.
Uma lei que permita que ambos os protagonistas possam coexistir, com impacto significativo nos mercados, de modo a que, também por esta via, ocorram baixas de preços, condições de licenciamento mais abertas e acréscimo de concorrência entre produtores.
Página 480
0480 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Uma lei que permita que a Administração Pública, de forma gradual, vá incorporando soluções de fonte aberta, conjugando-as com o uso de outras modalidades de software.
Uma lei que possibilite à Administração uma escolha equilibrada e uma adequada selecção de programas nas suas diversas modalidades.
Uma lei que permita à Administração Pública a consideração da melhor relação custo/benefício dos programas a utilizar.
Uma lei que possibilite a gradual migração da maioria dos sistemas em vigor para outras realidades que se considerem úteis e não uma lei que imponha, em exclusivo, a utilização de um só sistema.
Uma lei que não revogue o quadro equilibrado criado pelo Partido Socialista e mantido pelo actual Executivo.
É esta a solução, Sr. Presidente, que nos parece mais razoável, porque permite encontrar um justo equilíbrio entre os diversos protagonistas em presença e salvaguarda o bem comum. Uma solução em consonância, aliás, com a resolução que hoje mesmo, em Berlim - por proposta de representantes desta Assembleia da República, os Srs. Deputados José Magalhães, do PS, e Campos Ferreira, do PSD -, na conferência que ocorreu com Parlamentos de todos os Estados da União, subordinada à análise do funcionamento dos Parlamentos e implementação de novas tecnologias, foi aprovada e que vai no sentido de que se permita o convívio, a nível parlamentar, a nível de funcionamento do Parlamento, de ambos os sistemas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Falar da utilização do software, qualquer software na Administração Pública, é falar de aplicações informáticas usadas pelo Estado, desde logo na prestação de serviços públicos, na prestação de funções de soberania, no tratamento de dados e de informação de confidencialidade indispensável e, embora em alguns casos ainda se verifiquem situações de falta de rentabilização do potencial do Estado em matéria de modernização e de informatização, muito por culpa do atraso e do congelamento de projectos da Administração Pública nesta área, a verdade é que as matérias envolvidas, os assuntos tratados, a informação processada nestas aplicações são demasiado sensíveis e estratégicas para que o Estado possa correr o risco de não ter a certeza do que poderá acontecer amanhã às aplicações informáticas que utiliza.
A questão que colocamos neste debate é justamente a de saber se o Estado, se a Administração Pública, se o Governo estão em condições de garantir que o software, os programas de computador que actualmente utilizam oferecem todas as condições de segurança, de fiabilidade, de privacidade, de protecção de dados, de pura e simples qualidade, de pura e simples exequibilidade de utilização. E, a nosso ver, nos casos do chamado software proprietário, nem o Governo nem praticamente nenhuma entidade, a não ser o construtor do próprio software, pode ter esse conhecimento. Simplesmente, porque praticamente ninguém sabe ao certo o que fazem, o que podem fazer esses programas, na medida em que é impossível conhecer fontes, códigos, algoritmos, descodificar e identificar o que acontece enquanto corre esse programa, na grande maioria dos casos. Para dar um exemplo: enquanto um director-geral tem o seu computador ligado, ele não sabe, ele nunca saberá, que tipo de acções esse computador poderá ser levado a fazer por comando directo e secreto da própria aplicação informática proprietária e de insondável funcionamento. Isto pode acontecer, nunca será possível descobrir-se ao certo.
O próprio acordo de licenciamento do utilizador final, sem cuja aceitação estes programas não começam a trabalhar, pura e simplesmente, estabelece que o fabricante é irresponsável pelos danos que possa causar no computador - é carregar no enter e "fazer figas", passe a expressão!
O Estado, a Administração Pública não podem ficar reféns, não podem ficar presos a este tipo de soluções. E, no plano da experiência concreta, quase podemos fazer apostas para encontrar na Administração Pública casos de utilização de soluções alternativas - existem, mas estão claramente bloqueados, estão estrangulados nesta matéria. E não podemos aceitar que a política do Estado seja baseada nesta matéria, em nenhuma matéria, numa linha de imposição de soluções.
O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Aqui, estamos de acordo com a ideia de não impor uma solução, muito menos quando essa imposição, quando essa discriminação está a favorecer, de facto, grupos económicos, numa lógica de concentração - não só de concentração de lucro e de mercado mas de concentração de poder, porque é de poder que estamos a tratar, e de um poder inaudito, no que está em causa nesta matéria!
O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!
Página 481
0481 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Orador: - Para nós, o que está em causa nesta discussão é o problema central da liberdade de escolha - uma liberdade que é afirmada pelo Estado na legislação que existe mas que não é exercida, visivelmente. Nós não pretendemos impor soluções, quaisquer que sejam, mas é preciso impedir a sistematização das más soluções, que é o que tem acontecido em muitos casos. Temos a convicção de que, na actualidade, desde que em igualdade de circunstâncias, desde que sem discriminações, o software livre tem demonstrado, hoje em dia, melhores respostas do que muitos casos, do que muitos exemplos do software proprietário.
Há, hoje em dia, é certo, aplicações informáticas de que a Administração Pública precisa e que nem sequer estão criadas - estão em curso processos de investigação, estão em curso processos de produção desse tipo de software, pelo que ainda não existe, mas, evidentemente, não podemos criar muros de separação a todos os níveis, de uma forma sistemática e sem excepções, e também não podemos entrar na lógica da excepção sistemática. E isto, para nós, merece a ponderação necessária.
Para concluirmos, é preciso tomar medidas, efectivamente, para que o Estado e a Administração Pública exerçam e cultivem essa liberdade, essa exigência, esse rigor na escolha de soluções, sem dualidade de critérios, não favorecendo o software proprietário, como tem, na prática, acontecido até agora. Portanto, temos de tomar medidas para que o estímulo e o incentivo à produção de sistemas abertos, independentes dos impérios económicos do sector, seja prática efectiva do Estado, trata-se de, através de soluções de necessário equilíbrio e eficácia, privilegiar o conhecimento, a independência, a confiança no software que estamos a utilizar - e, quando estamos a tratar de dados estratégicos para o País, de funções de soberania, evidentemente, esta dúvida não se pode colocar na utilização destes sistemas. Se não, quando esta discussão se colocasse ao nível da demagogia, que, felizmente, o Sr. Deputado Gonçalo Capitão exorcizou e quis recusar perante esta Câmara, obviamente, o argumento do anti-americanismo primário poder-se-ia colocar na boca de Deputados, como foi agora o caso, e, portanto, seríamos obrigados a considerar de um anti-americanismo primário quem afirma, por exemplo, que o domínio total da Microsoft no software desktop criou um risco global da segurança e que, em consequência do esforço concertado da Microsoft de endurecer e expandir os seus monopólios, firmemente integrando aplicações com o seu sistema operativo, as redes de computadores de todo o mundo são agora susceptíveis de uma falha global em cascata.
O autor de tão incendiária declaração anti-americanista foi também o autor de um processo de tribunal contra a Microsoft, nada mais nada menos que o Estado da Califórnia. Talvez agora o novo governador Schwarznegger resolva o problema do Deputado Gonçalo Capitão.
Aplausos do PCP.
Risos do Deputado do PSD Gonçalo Capitão.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O movimento do software livre, também designado software open-source, nasceu em 1984, nos Estados Unidos da América, e teve como objectivo precisamente terminar com a dependência dos consumidores em relação às grandes produtoras internacionais, uma vez que quase todo o software usado na época era proprietário, o qual não podia ser modificado livremente e o seu código-fonte não era fornecido. E, precisamente no intuito de modificar esta situação, Richard Stallman criou o Free Software Foundation e o projecto GNU.
O software livre tem de ser entregue com o código-fonte disponível, não tem limitações no uso e é, mediante o estudo do seu funcionamento, adaptável às necessidades do utilizador.
Por seu lado, a redistribuição de cópias e modificações deve ser livre.
Naturalmente, quando se fala de software livre é preciso ter em conta alguns dos parâmetros que fazem parte do próprio conceito: a distribuição livre, ou seja, a licença não pode impedir a venda ou a partilha do software ou de qualquer dos seus componentes; o código-fonte (o software tem de incluir o código-fonte e a sua partilha tem de ser permitida); os projectos derivados (a licença tem de permitir modificações e trabalhos derivados); a integridade do código-fonte do autor (a licença pode exigir que o código-fonte original seja distribuído junto com as modificações e que estas tenham um nome diferente do software original); a não descriminação de pessoas, grupos de pessoas ou áreas de trabalho (a licença que acompanha o software não pode ter qualquer discriminação sobre qualquer pessoa ou grupos de pessoas, não pode igualmente restringir os campos de aplicação do software; por exemplo, o caso da pesquisa genética, empresas, etc.); a distribuição de licença, de onde decorre que os direitos atribuídos com licença devem aplicar-se a todos aqueles a quem o software seja distribuído sem necessidade de licenças adicionais; a licença não específica por um produto, o que significa que os direitos atribuídos no software não podem depender de este fazer ou não parte de um conjunto de outros programas; e, finalmente, não se pode restringir outro software.
De todo o modo, é importante fazer uma distinção, que o Sr. Deputado Francisco Louçã não fez, entre o software livre e o software grátis. O software livre nem sempre é gratuito, ao contrário do que aqui quis fazer passar, mas os seus custos referem-se apenas à distribuição.
Por seu lado, os direitos de autor são protegidos pela General Public License, emitida pela Free Software Foundation e por outras entidades, sendo que este documento é um contrato comercial diferente das licenças tradicionais, pois apoia a cópia e a redistribuição dos programas. Trata-se, portanto, de uma realidade um bocadinho diferente daquela que o Sr. Deputado Francisco Louçã traçou.
Página 482
0482 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
A este propósito é de referir o que Richard Stallman defendia, ou seja, uma alteração do paradigma das legislações sobre protecção da propriedade intelectual, precisamente por constituir uma restrição às liberdades dos utilizadores e obrigar à sua vigilância.
Num primeiro passo, e face àquilo que vem sendo dito, tudo apontaria no sentido de que o projecto de lei do Bloco de Esquerda até faria sentido tout court, tal como está, e na solução que preconiza, tanto mais que existem alguns exemplos ao nível da União Europeia, nomeadamente em França e na Alemanha, e também fora da União Europeia, em alguns Estados brasileiros, no sentido da adopção do software livre.
Mais até: num relatório intitulado Pulling Open-Source Software, baseado num estudo realizado pela UNISYS e financiado pela Comissão Europeia, é recomendado que os governos partilhem e adoptem programas informáticos através do modelo de licenciamento do open-source.
Sucede que, em Portugal, tem vindo a trabalhar precisamente neste domínio a Unidade de Missão, Inovação e Conhecimento (um órgão criado pelo Governo português), que apoia - é claro, não hajam dúvidas quanto a isto - a existência de plataformas abertas e espera mesmo que surjam condições para a utilização do software livre na Administração Pública. E, se dúvidas houver, basta ver o comunicado da Unidade de Missão, Inovação e Conhecimento (UMIC) sumariado a págs. 27 do relatório da 1.ª Comissão.
Vejamos, então, o que pretende o Bloco de Esquerda no seu projecto de lei.
Em primeiro lugar, fixar por lei o uso obrigatório do software de fonte aberta pela Administração Pública, local e central, incluindo o poder Executivo, legislativo e judicial e empresas públicas ou com maioria de capital público, salvo em situações excepcionais, e determinar a migração obrigatória dos sistemas em vigor, de forma a adequar-se ao paradigma configurado no projecto. Ou seja, pretende o Bloco de Esquerda exactamente o inverso do que agora temos, mas condicionando, com essa solução, aquela que seria livre escolha, nomeadamente da Administração.
O que o Bloco de Esquerda pretende no seu projecto de lei é que os serviços públicos passem a utilizar software livre que garanta as seguintes possibilidades, sem custos adicionais: executar o programa para qualquer fim; redistribuir cópias; estudar como funciona o programa e adoptá-lo às necessidades do utilizador; melhorar o programa e publicar essas melhorias. Ou seja, o software livre passaria a ser a regra, após um período de transição e utilização de soluções alternativas, e passaria a ser a excepção mediante autorização do Conselho de Ministros.
Em bom rigor, referindo-me àquilo que, por seu lado, o Partido Socialista também suscitou, e bem, neste debate, a adopção deste projecto de lei implicaria a revogação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 21/2001, de 31 de Janeiro, que sujeitou precisamente - a nosso ver, bem - a escolha do tipo de software a utilizar em serviços públicos a um conjunto de critérios cuja aplicação (e este deve ser o único critério admissível) deve resultar da opção mais favorável ao interesse público.
Como é evidente, quando se fala de Administração Pública, central, local, dos serviços nos tribunais, de todos aqueles outros exemplos referidos pelo Bloco de Esquerda, o que tem de ser tido em conta é necessariamente o interesse público, a opção mais favorável a esse interesse público, o que é incompatível com a regra rígida que o Bloco de Esquerda pretende implementar.
Por isso, não podemos deixar de discordar com o carácter obrigatório da aquisição de software livre e não queremos com isto dizer que não haja aspectos positivos, mas há também aspectos negativos a considerar nesta utilização imposta, existindo nomeadamente, desde logo, grandes problemas no que respeita à propriedade intelectual, à patenteabilidade desse mesmo software, à sua utilização para fins alheios aos inicialmente previstos e à sua redistribuição sem quaisquer custos adicionais. Estes são aspectos a ter em conta, que o Bloco de Esquerda não teve.
Assim sendo, em conformidade com o que vem preconizado na citada Resolução de Conselho de Ministros, estaremos, naturalmente, de acordo com o que venha a ser legislado neste sentido; com a solução preconizada pelo Bloco de Esquerda manifestamente não estamos de acordo.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por constatar que o debate teve já alguns momentos surpreendentes e outros de confirmação.
O Sr. Deputado Gonçalo Capitão fez-me lembrar sempre aquela saudade imensa que tenho das intervenções fulgurantes do Deputado António Preto, porque na argúcia da sua argumentação apresenta sempre ideias sólidas. Neste caso, foram quatro: um refrão e três argumentos.
O refrão eu já conhecia, foi citado, aliás, pelo Deputado Nuno Teixeira de Melo: o relatório da UMIC, Unidade de Missão, de Inovação e Conhecimento, tinha chegado ao Parlamento antes e foi repetido pelos Srs. Deputados da maioria - pelos vistos, a patente foi barata, neste caso -, e, nesse relatório, diz-se que a maioria tem de se pronunciar contra o fundamentalismo. Temos o refrão: o fundamentalismo. Triste sina a dos Deputados cuja função é repetir aquilo que vem nos relatórios do Governo para os instruir nesta matéria.
Depois surgem três argumentos. Pode ser caro, atenção! Mas, Srs. Deputados, o software proprietário tem hoje mais de 80% dos custos do programa na manutenção. O software livre também pode ter custo, mas, como foi lembrado, e bem, é certamente um custo inferior, justamente porque há concorrência de esforços de tantos cientistas, programadores e intervenientes
Página 483
0483 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
diferentes que disponibilizam, pela vontade de fazer crescer este universo de conhecimento, com a sua contribuição.
Portanto, o argumento não colhe. É certamente mais barato. Se não fosse mais barato, por que é que o Exército português começa a utilizar esta iniciativa?! Por que é que outros organismos do Estado o fazem também?!
Segundo argumento, há uma dependência técnica. Bom, há sempre uma dependência do nível de conhecimento existente. O que resta saber é se a dependência técnica, que é estrategicamente interessante, é de um único fornecedor, ou se, pelo contrário, de uma comunidade que contribui desse ponto de vista.
Diz o Deputado Gonçalo Capitão: a patente protege as soluções mais arrojadas. O Sr. Deputado só consegue ver arrojo quando tem monopólio, o que, evidentemente, é coerente com o seu ponto de vista. Aliás, isto é extraordinariamente significativo: os senhores são sempre liberais desde que nenhum monopólio esteja a ser posto em causa, porque, nesse caso, são monopolistas; evidentemente, passam então a ser coerentes com a vossa visão.
Terceiro argumento, o regime das excepções burocratiza. É certo que se podem encontrar soluções mais práticas para o regime de excepções, e admito-o absolutamente. Poderíamos ter a solução expeditiva - este Governo sabe bem: na Direcção-Geral do Ensino superior, tudo passava pelo Director-Geral, e ele despachava tudo muito depressa. Poderia ser uma solução mais consistente do ponto de vista institucional; há outras soluções possíveis, mas não é esta a divergência que nos separa neste contexto.
A divergência que nos separa é justamente a de saber se o que interessa para o progresso do conhecimento é a ciência, a programação livre, a intervenção de uma comunidade alargada, ou se é a propriedade.
A revista The Economist publicava, há duas ou três semanas, um artigo sobre o que se passou em Munique. A Câmara Municipal de Munique - e aí estão liberais consequentes - tomou a decisão de aplicar nos seus 14 000 computadores software livre. O responsável da Microsoft na Europa viajou imediatamente para Munique para argumentar que isso era uma tragédia económica, para oferecer algum acesso ao código e para reduzir os preços dos serviços da Microsoft. A Câmara Municipal de Munique não aceitou. Argumentou com a racionalidade económica, eficiência, protecção e garantia - tinha razão!!
Talvez a diferença entre Portugal e a Alemanha seja a de que, em Portugal, como temos guardiães tão importantes como os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo ou Gonçalo Capitão, não precise de vir o chefe da Microsoft na Europa a correr convencer o Parlamento de que não deve fazer algo que todos os outros parlamentos estão a fazer.
A pergunta que temos que colocar é esta: por que é que os outros países e as outras organizações seguem o princípio de impulsionar, de planear, de dirigir, de concertar no sentido da expansão rápida do software livre onde seja possível? Porque ganham com isso! Porque têm benefícios a partir daí! O que em contrapartida aqui nos estão a dizer é que tudo corre bem se tivermos esta mansa lentidão portuguesa de ficarmos sempre parados a prometer que vamos muito longe! Os senhores ainda acreditam na fábula do cágado e da lebre, mas teriam boas razões para não acreditar! Essa é a tragédia do desenvolvimento português!…
Por isso vos damos exemplos de organizações em que o rigor do secretismo e da protecção é tão fundamental. Esperava que quando vos citamos a marinha americana ou a NASA os senhores tivessem a reacção não de comentar desfavoravelmente mas de se levantarem num impulso patriótico, de cantarem imediatamente as Stars and Stripes e de ficarem entusiasmados com isso.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Mas, pelos vistos, o debate mais fácil predomina quando a decisão que temos que tomar é saber se ficamos na mesma, lentamente na mesma, ou se Portugal se orienta para um progresso determinado, à semelhança do que fazem os restantes países que nos dão lições nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção no debate, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.
O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Bruno Dias: Não sei se o governador Schwarzenegger vai resolver o meu problema. O que lhe posso dizer é que, com certeza, não resolverá o problema da Internet como Fidel Castro resolveu em Cuba, controlando os acessos, e se calhar não vai usar a tecnologia como Kim Jong-il usou na Coreia do Norte, aplicando-a a um programa de desenvolvimento nuclear.
Risos do PCP.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Não sabe… Desconfia, mas não sabe!
O Orador: - Para começar queria apenas dizer ao Sr. Deputado Francisco Louçã duas coisas: a primeira é que deveria ser mais elegante neste debate. Que não me considere e que não me respeite é uma decisão sua que assumo, e estou aqui para assumir. Mas que enxovalhe o Dr. António Preto sem ele ter possibilidades de se defender, desqualifica-o a si!
Página 484
0484 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Enxovalhou?! Não diga disparates!…
O Orador: - Em segundo lugar, quanto ao que disse sobre a Direcção-Geral do Ensino Superior, isso revela bem a sua insensibilidade e para onde quer arrastar o debate político, mas por aí não entro!!
Quanto às questões substantivas, dir-lhe-ia que o Sr. Deputado desconfia da razoabilidade dos portugueses que exercem funções na Administração Pública, da sua capacidade para escolher o melhor.
Por outro lado, não provou por que é que devemos ter uma opção radical e definitiva. Não explicou como soluciona a quebra de competitividade no domínio da investigação e desenvolvimento. E agora estamos impedidos de concordar com o relatório do Governo?! Olhe, concordo mais com relatórios do Governo do que com qualquer leitura que já tenha feito - e já fiz! - de Lenine ou de Trotsky!!
Depois, disse que não se percebia a opção pelo sistema de software livre designadamente no exército… Mas não queremos inviabilizar isso! Queremos é que, para cada caso, se escolha a melhor solução.
E qual monopólio, Sr. Deputado?! Se o Estado puder optar, se vir que há um monopólio, com certeza, escolherá outra solução calmamente e com a razoabilidade que tem quem governa. Sei que não percebe isso. Sei que, como não tem responsabilidades de governar, e dizem os indicadores - que não sei se lhes atribui credibilidade - não terá no próximo milénio, não percebe, mas as pessoas que governam são razoáveis; falham como todas outras, mas são razoáveis.
Dir-lhe-ia que o Sr. Deputado Francisco Louçã entra num paradoxo, pois quer à viva força que lhe possamos dar razão. Mas, oiça!, se quer ter razão peça aos portugueses para lhe darem razão! Peça aos portugueses para votarem em si! Mas por que diabo é que os portugueses não lhe deram maioria absoluta se o senhor está sempre com a razão toda e nós nunca estamos certos?!!!
Talvez um dia possa ter responsabilidades que o impeçam de fazer este género de debates. Mas, para nós, falar destas matérias não é um jogo parlamentar nem é um jogo para Playstation. Isto não é o Tomb Raider, o senhor não é a Lara Croft, muito menos a Angelina Jolie e, portanto, não é com meia dúzia de habilidades jurídicas que se resolve o problema dos portugueses. O que queremos é servir bem os portugueses e isso passa por poder escolher o melhor em cada ocasião.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Francisco Louçã: Considera o Sr. Deputado triste sina a dos Deputados que citam o UMIC e que apoiam o Governo. Mas o que acho estranho é que o Sr. Deputado estranhe que Deputados da maioria apoiem o Governo que suportam. Isso é que sinceramente acho estranho. E até admito que, em circunstância inversa, o Sr. Deputado, com o treino que já vai tendo de dizer sempre mal de tudo e de contrariar sempre tudo o que é posição da maioria, porventura, apoiando o Governo, estar contra também por sistema.
Sr. Deputado, essa é uma regra que eventualmente poderia ser adoptada pelo Bloco de Esquerda, mas não é a regra que responsavelmente queremos adoptar!
Considera o Sr. Deputado estranho que, tendo a UMIC sido criada especificamente para trabalhar neste domínio, seja por nós citada? Então a UNIM tem os meios, tem os quadros, tem a razão de ciência para falar sobre isto, muito mais do que nós que temos que falar sobre os mais diversos assuntos, e acha o Sr. Deputado estranho que nestas circunstâncias citemos a UMIC? Não, Sr. Deputado, citamos efectivamente!
Como devo dizer que considero estranho o seu conceito de monopólio. Então, temos nós consagrada uma solução que parte, na base, de uma resolução do Conselho de Ministros, que permite a adopção, na base do interesse público, daquele que for o sistema de software mais favorável à Administração Pública, e o Sr. Deputado vem falar de monopólio?!... Então, que tipo de monopólio é este?
O Sr. António Filipe (PCP): - É aquele jogo…
O Orador: - Então, Sr. Deputado, não tem a Administração Pública todo o poder, todo o direito de optar pelo software livre?! O Sr. Deputado veio dizer que queríamos impor… O Sr. Deputado teria razão se argumentássemos, a contrario, no sentido de apenas ser utilizado software sem ser livre. Mas não é absolutamente isso! Por isso, o Sr. Deputado não tem razão!
O nosso critério é o do interesse público porque é o critério da resolução do Conselho de Ministros. E, Sr. Deputado, com muito respeito pela posição que toma e pelos argumentos que aduz, o nosso entendimento é outro e certamente o Sr. Deputado também será capaz de respeitar isso.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra ao Sr. Deputado Francisco Louçã, beneficiando de tempo cedido pelo Partido Socialista. Como o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo não tem tempo para responder a Mesa concede-lhe 1 minuto.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
Página 485
0485 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Melo, registo as suas palavras.
Partamos da realidade: e a realidade é que estamos numa situação de monopólio. O movimento de software livre é que tem contestado esta situação e tem-no feito com grandes vantagens. Aliás, para sermos exactos, temos um oligopólio das quatro empresas que fornecem 90% do software à escala internacional e que, articuladas, utilizam as mesmas cláusulas proprietárias e, portanto, têm a mesma capacidade de controlar o mercado, incluindo a possibilidade de rescisão unilateral mesmo no caso de serviços públicos. Ora, nesta situação, tem havido um movimento ao longo dos anos, a que o Sr. Deputado se referiu, aliás, na sua intervenção, no sentido de criar uma comunidade que intervém, que inventa, que desenvolve, que protege, com testes, com experiências absolutamente testada, e que assim faz desenvolver o software.
Desse ponto de vista não somos inovadores, olhamos para o que fez a Alemanha, a França, a Itália e nesses países vemos que há legislações com matizes diferentes, mas que deram um sinal de que a prioridade é não de um relatório de Estado, não de uma unidade governamental. Respeitamos que sigam os pontos de vista da maioria, compreendo que estejam agarrados à lógica argumentativa da posição do Governo; no entanto, como parlamentares, temos de decidir se esta é ou não uma matéria exclusiva do Governo e se as coisas continuam como vão continuando, isto é, se nos limitamos em Portugal a decisões casuísticas e ocasionais, ou se, pelo contrário, seguindo o que outros países fizeram, estabelecemos (e pode-se fazê-lo porque estamos em condições para o propor) o seguinte critério: que em prazos de transição razoáveis, segundo modalidades de decisão razoáveis, se dê um impulso forte no sentido de alargar o uso do software livre.
O que temos de nos perguntar, e com isto termino, é o seguinte: se daqui a três ou quatro anos (suponhamos que no fim do mandato deste Governo) fizermos uma avaliação do desenvolvimento da competência em software, da racionalidade económica, da eficiência e da protecção dos programas que utilizámos, estaremos substancialmente melhor ou estaremos a avançar lentamente, como uma lesma? É porque todas as indicações demonstram que, apesar das promessas, apesar dos títulos e apesar dos relatórios, vamos ficando sempre na mesma, se não houver este impulso fundamental com a aprovação desta lei.
O Sr. Presidente: - Para responder, dispondo de 1 minuto, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, o Sr. Deputado citou alguns exemplos que eu já tinha citado também. Designadamente, falou da França, falou da Itália e eu poderia, ainda, dar-lhe mais alguns exemplos como o da Alemanha, o de alguns Estados brasileiros e o do Governo Regional da Estremadura em Espanha, entre outros. Só que, Sr. Deputado, o senhor tem de citar estes exemplos pela plenitude. E aquilo que se verifica é que em muitos destes países não foi necessário impor pela via administrativa o software livre para que ele passasse a ser adoptado pela Administração Pública. Ou seja, a adopção resultou precisamente dos tais critérios de racionalidade e de qualidade que referiu, bem como o critério do interesse público (italiano e alemão, entre outros) que também referiu.
Portanto, Sr. Deputado Francisco Louçã, por que é que o senhor, que invoca estes países estrangeiros para fazer valer a sua argumentação nesses exemplos estrangeiros, não cita também que não foi preciso impor pela via administrativa?! Pois bem, Sr. Deputado Francisco Louçã, é nesses exemplos de outros países que o Sr. Deputado cita que nós também queremos ver a solução para Portugal. E se naqueles casos não foi preciso impor pela via administrativa, também nós não precisaremos de impor pela via administrativa para que a Administração Pública venha, no interesse público, a adoptar o sistema que seja mais favorável aos portugueses.
Vozes do CDS-PP e do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate do projecto de lei n.º 126/IX, que será votado amanhã.
Chamo a atenção da Câmara para o facto de que amanhã, pelas 14 horas e 30 minutos, no átrio principal do Palácio de São Bento, será inaugurada a segunda exposição documental comemorativa do centenário do Hemiciclo.
Nessa ocasião, irão ser assinados pela Assembleia da República e Conselho de Administração respectivo com algumas fundações que dispõem de grandes patrimónios de arte moderna protocolos que permitirão que os respectivos acervos sejam expostos na Assembleia da República, com isso também assinalando o centenário do Hemiciclo que aqui estamos a celebrar. Estão todos convidados para estes actos.
Para que se proceda com a necessária calma e dignidade a estas pequenas cerimónias ficou combinado entre todos os grupos parlamentares e a Mesa, que, amanhã, excepcionalmente, a sessão começará às 15 horas e 30 minutos. A ordem do dia consistirá no debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 354/IX - Regula os termos em que se processa a alienação do património imobiliário do Estado, apresentado pelo PS. Por ser quinta-feira, haverá ainda lugar a votações.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Página 486
0486 | I Série - Número 009 | 09 de Outubro de 2003
Carlos Jorge Martins Pereira
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Partido Socialista (PS):
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José António Fonseca Vieira da Silva
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Nelson da Cunha Correia
Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Social Democrata (PSD):
António Joaquim Almeida Henriques
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Partido Socialista (PS):
António Fernandes da Silva Braga
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
José da Conceição Saraiva
José Manuel Santos de Magalhães
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Partido Popular (CDS-PP):
Henrique Jorge Campos Cunha
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
José Manuel Carvalho Cordeiro
Partido Socialista (PS):
Ascenso Luís Seixas Simões
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Victor Manuel Bento Baptista
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL