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Sábado, 11 de Outubro de 2003 I Série - Número 11

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE OUTUBRO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.
Em debate mensal com o Parlamento, sobre a posição de Portugal face ao futuro da União Europeia no quadro da Conferência Intergovernamental, o Sr. Primeiro-Ministro, após uma intervenção inicial, deu resposta a questões colocadas pelos Srs. Deputados Eduardo Ferro Rodrigues (PS), Guilherme Silva (PSD), Telmo Correia (CDS-PP), Carlos Carvalhas (PCP) - que também defendeu a honra da sua bancada -, Francisco Louçã (BE) - que também defendeu a consideração da sua bancada -, Heloísa Apolónia (Os Verdes), Augusto Santos Silva (PS), António Nazaré Pereira (PSD), Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), António Costa (PS) e João Moura (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves

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José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Augusto Ernesto Santos Silva
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho

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João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Fernando Barbosa Alves Pereira
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):

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António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, hoje não há expediente a comunicar à Câmara.
Da ordem do dia consta, nos termos do artigo 239.º do Regimento, o debate mensal do Sr. Primeiro-Ministro com o Parlamento. O debate de hoje é sobre a posição de Portugal face ao futuro da União Europeia no quadro da Conferência Intergovernamental.
Vamos aguardar alguns minutos até que se encontrem presentes os membros do Governo.

Pausa.

Srs. Deputados, já se encontram presentes os membros do Governo, pelo que vamos dar início à ordem do dia.
Este é o primeiro debate mensal que tem lugar nesta 2.ª sessão legislativa. Penso não ser necessário recordas as regras, de qualquer forma menciono-as de novo: o Sr. Primeiro-Ministro dispõe de 12 minutos para fazer a sua intervenção inicial, seguindo-se uma primeira volta de perguntas, na qual participarão todos os grupos parlamentares, cabendo 5 minutos a cada pergunta e a cada resposta, com direito de réplica e de tréplica, tendo, nesse caso, cada interveniente direito a 3 minutos.
A segunda volta envolverá os quatro maiores partidos parlamentares, dispondo cada um de 3 minutos para as suas perguntas e o Governo igualmente de 3 minutos para a respectiva resposta. Neste caso, não haverá réplica.
Na terceira volta, só os dois maiores partidos parlamentares poderão intervir, cabendo a cada um 3 minutos para as perguntas e para o Governo igual tempo de resposta.
Para proferir a sua intervenção inicial, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Durão Barroso): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Iniciou-se, no passado dia 4 de Outubro, a Conferência Intergovernamental para a revisão dos Tratados da União Europeia. É um momento de particular significado para a Europa e para Portugal. A vida da União Europeia vai mudar. Serão, ao que tudo indica, mudanças profundas, mudanças que terão reflexos importantes na vida dos europeus ao longo das próximas décadas, mudanças com particular relevância para Portugal e para a vida futura dos Portugueses.
Um cenário desta natureza exige de Portugal clareza de posições e o reforço do importante consenso europeu que há anos tem existido no nosso País. Numa altura decisiva do nosso futuro colectivo só pode haver uma atitude: afirmar o projecto europeu, defender o interesse nacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Há três princípios fundamentais que orientam a posição de Portugal e que devem ser especialmente sublinhados nesta nova fase da construção europeia.
Primeiro, o princípio da igualdade entre todos os Estados-membros da União. É um princípio que releva do facto indiscutível de, na base da União Europeia, estar a vontade de Estados que constituem a primeira organização política para nações que não prescindem da sua identidade.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Segundo, o princípio da coesão e da solidariedade, sem o qual não pode haver qualquer forma de integração política. O projecto europeu não é meramente técnico ou económico. Sem coesão e sem solidariedade, a União Europeia careceria de sentido.

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Terceiro, o princípio do método comunitário, verdadeiro motor do processo de integração europeia. Queremos uma União Europeia que funcione - é do nosso interesse que realmente funcione -, de modo a termos uma Europa mais pujante e mais forte. Não aceitamos uma Europa paralisada, sem capacidade de decisão e, muito menos, uma Europa de meros jogos de poder entre os seus Estados-membros.
À luz destes princípios fundamentais, consideramos uma boa base de trabalho o projecto de tratado constitucional recentemente aprovado pela Convenção Europeia, mas desejamos esclarecer, debater e aperfeiçoar matérias que, legitimamente, nos suscitam ainda dúvidas ou reservas.
Desde logo, a questão da figura do futuro Presidente do Conselho Europeu. São legítimas algumas apreensões iniciais à consagração deste novo cargo. Trata-se agora de procurar assegurar que a Presidência do Conselho Europeu seja uma mais-valia para o bom funcionamento da União Europeia.
Por essa razão, bater-nos-emos para que as funções do Presidente do Conselho Europeu fiquem claramente definidas por forma a minimizar potenciais conflitos inter-institucionais e de modo a evitar qualquer deriva no sentido de um directório europeu.
Parece-nos essencial que o titular deste novo cargo seja eleito de acordo com o princípio de "um Estado um voto" e não por maioria qualificada.
É uma questão de respeito pela igualdade entre todos os Estados-membros, mas é também uma questão de respeito pela igualdade entre todos os cidadãos da União Europeia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Os mesmos princípios enformam a posição de Portugal em relação à criação de um Ministro dos Negócios Estrangeiros da União. Esta figura poderá trazer maior coerência à acção externa da União Europeia, mas é essencial que fique dependente não só do Conselho Europeu como também da Comissão. Assim se preservará a sua natureza de modo a estar ao serviço da União Europeia e dos Estados-membros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A repartição do poder entre os Estados-membros no processo da tomada de decisão é outra questão essencial e é mesmo aquela que tem dominado o debate europeu em alguns dos nossos parceiros .
É importante relembrarmos a verdadeira natureza da União: uma União de Estados, mas também uma União de cidadãos.
Sejam quais forem os critérios utilizados, a verdade é que o poder relativo de Portugal não permanecerá o mesmo. É uma evidência: a União Europeia vai passar de 15 para 25 Estados-membros. Se quisermos pôr a questão assim, "as fatias" de poder a distribuir serão necessariamente menores, mas ganhamos com o acréscimo de poder no seu conjunto.
Mas, atenção, o poder não é uma questão quantitativa, o poder não é uma questão aritmética; é uma questão política!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas mais importante que o cálculo ou ponderação de votos em que os ganhos ou perdas de um país com a nossa dimensão são, ao fim e ao cabo, marginais, é a qualidade da nossa influência no processo de decisão.
Srs. Deputados, eu sei que talvez alguns gostassem, mas nós temos a dimensão demográfica que temos, não podemos ser maiores, mas podemos e devemos ser melhores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É assim no plano externo, afirmando o reforço do projecto europeu e evitando uma posição marginal ou periférica, estando sempre no eixo de formação da vontade do plano europeu, mas é também assim - e convém lembrá-lo - no plano interno, porque aqui também se joga a questão do nosso poder no âmbito europeu, fazendo de Portugal um país credível, um país realmente moderno, um país verdadeiramente competitivo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A composição da Comissão é outra questão de especial relevância. É essencial garantirmos um Comissário para Portugal. Estamos abertos a todos os aperfeiçoamentos, há várias soluções que nos servem, mas não podemos prescindir da consagração deste princípio elementar: o princípio da representação de todos os Estados-membros na Comissão Europeia.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Na área da política de segurança e defesa somos igualmente claros. Esta é uma dimensão da União Europeia que queremos ver reforçada. Queremos uma Europa aberta ao Mundo, nunca uma Europa fechada sobre si própria. Todos os Estados-membros que o queiram devem poder participar em cooperações com um número limitado de parceiros, tanto quanto possível segundo o modelo conhecido por cooperação reforçada. A União Europeia deve ser um pólo de inclusão e de aglutinação e nunca o seu contrário.
Por último, entre muitas outras questões que poderia invocar, e que, com certeza, durante o debate haverá tempo para tratarmos, quero fazer uma consideração sobre o preâmbulo do novo Tratado.
Consideramos importante uma referência à herança judaico-cristã na formação da identidade europeia. É uma questão de verdade e de rigor histórico.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Recusar reconhecer uma verdade histórica não é apenas uma questão de falta de objectividade, é, sobretudo, abrir uma polémica inútil e contribuir para dividir os europeus.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E a nossa atitude é outra: queremos unir em vez de dividir.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E se falamos de princípios e de valores devemos reconhecer, sem quaisquer problemas, aqueles que estão na base da união da Europa, valores cristãos de que nos devemos orgulhar de reconhecer.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: As mudanças que se antevêem na União Europeia são, de facto, profundas e este tipo de mudanças exige debate público e legitimação popular. É importante que o debate se faça, que os Portugueses participem, que a nossa sociedade não passe ao lado de opções essenciais para o seu futuro. Mas não basta debater; chegará o momento de os portugueses serem chamados a decidir.
É desejável que se faça em Portugal um referendo sobre a nossa posição face à Europa. Não devemos ter medo de ouvir o que pensam os portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E é absolutamente desejável que o referendo europeu ocorra em simultâneo com as próximas eleições para o Parlamento Europeu.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por várias razões.
Em primeiro lugar, porque as eleições europeias são o momento, por excelência, do grande debate europeu.
Em segundo lugar, porque essa é a forma mais eficaz de garantir uma ampla participação popular no referendo, assim criando as condições para o seu carácter vinculativo.
E também por uma questão de elementar bom senso, sobretudo num ano - 2004 - em que Portugal terá, pelo menos, dois actos eleitorais: as eleições europeias e as eleições regionais dos Açores e da Madeira.
Mas para que isto possa ser assim, não haja qualquer dúvida ou ilusão, é necessário um consenso no sentido da alteração da Constituição. Fazer o referendo europeu no mesmo dia das eleições europeias só depende do apoio do Partido Socialista.
Por isso, faço aqui um apelo ao maior partido da oposição: é, de facto, importante o seu espírito de abertura e de cooperação. Poucos compreenderiam a sua recusa.
E não me digam que é menos transparente ou menos democrática a solução de fazer coincidir num mesmo dia referendo europeu e eleições europeias. É a solução que será adoptada por vários países europeus, por exemplo na nossa vizinha Espanha, que, justamente, está a alterar a lei (uma lei orgânica) de modo a tornar possível tal simultaneidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Por isso, Srs. Deputados, eu disse - e penso que, ao dizê-lo, reforcei muito a capacidade negocial de Portugal -, agora, no início dos trabalhos da Conferência Intergovernamental, em Roma, que em Portugal, provavelmente, haverá um referendo europeu. Quero que a nossa adesão convicta ao projecto europeu não seja feita nas "costas" dos portugueses, quero sentir, quando assinar esse Tratado, em nome de Portugal, que os portugueses nos apoiam e que directamente exprimiram o que sentiam acerca do futuro de Portugal na Europa.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A solução do futuro não reside em menos Europa, mas sim em mais e melhor Europa. O interesse de Portugal é estar no centro do processo de construção europeia, como aliás tem estado, e nunca numa posição periférica ou marginal.
Afirmar o projecto europeu e defender o interesse nacional não são posturas contraditórias, são atitudes convergentes, boas para a Europa e boas para Portugal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É esta a orientação que nos anima. Estamos a fazer de Portugal um país mais próspero, mais justo, um país com credibilidade, com confiança no seu presente e com esperança no seu futuro; um país moderno e desenvolvido, disposto a dar um contributo positivo para uma Europa mais competitiva mas também mais solidária.
É assim que se afirma o ideal europeu, é assim que se defende o interesse nacional: com firmeza e com ambição, com vontade e com determinação, com o apoio da maioria dos portugueses, como sempre, em nome de Portugal.

Aplausos, de pé, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, segue-se o debate. Conforme expõe o Regimento, a primeira pergunta cabe ao líder do maior partido da oposição.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, dispondo para o efeito de 5 minutos.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro, a posição de Portugal, face ao futuro da União europeia, no quadro da Conferência Intergovernamental, tem, evidentemente, de ser debatida de forma séria, de forma profunda, de forma rigorosa.
É isso que o PS tem feito. Ainda na sexta-feira passada, divulgámos a nossa posição. Reafirmámos a avaliação positiva global que fazíamos do projecto de Constituição e chamámos a atenção para algumas melhorias, algumas das quais o Sr. Primeiro-Ministro também aqui citou: a necessidade de eleição do Presidente do Conselho Europeu por consenso; a clarificação das suas competências, para evitar confusões com o Presidente da Comissão e o Ministro dos Negócios Estrangeiros; a Comissão Europeia se composta por um comissário por cada membro; as presenças rotativas em todas as formações do Conselho de Ministros, numa base igualitária; a valorização do princípio da igualdade entre os Estados, na definição da maioria qualificada, de forma a evitar que a democracia tenha um peso excessivo e a evitar qualquer caminho que conduzisse à redução do número de Deputados portugueses no Parlamento Europeu.
Ora, até à semana passada, curiosamente, as posições que o Governo, através do Sr. Primeiro-Ministro e de altos responsáveis do Governo, referia iam no seguinte sentido: o Sr. Primeiro-Ministro dizia que o referendo pode reforçar a posição portuguesa na negociação, tendo já verificado que em Portugal não só as forças que integram o Governo, como o maior partido da oposição, defendem publicamente que deve haver um referendo no caso de o tratado constitucional se traduzir numa mudança importante - é aquilo que nós continuamos a dizer; outras questões, como o tempo, o modo e o conteúdo concreto, dizia o Sr. Primeiro-Ministro que ainda era prematuro referir, mas tratavam-se de ideias que seriam apresentadas e que deveriam ser assumidas no diálogo com outras forças políticas e democráticas.
Ora, numa noite de um Conselho Nacional do PSD, foi apresentada de supetão, sem qualquer diálogo, uma nova posição do PSD, tão contraditória, por exemplo, com a posição que na véspera tinha sido apresentada pelo Sr. Secretário de Estado Carlos Costa Neves, que ainda faz parte do Governo, que admitia a possibilidade de referendo se houvesse alterações significativas do texto final: "Sem saber qual vai ser o resultado, é cedo para ser mais concreto" - dizia ele, e bem. E dizia também: "A CIG tem um papel a fazer, eu não sei qual é, nem qual vai ser o resultado final, nem quando vai acabar. Como se define um referendo se não se conhece o conteúdo do tratado? Vamos ter de esperar mais dois/três meses.". Isto foi tudo dito na véspera do tal Conselho Nacional do PSD, altura em que era necessário virar uma página mediática e tentar criar um facto político.
Lamento que à volta das questões europeias se criem factos políticos, porque, do meu ponto de vista, não existem razões de fundo suficientemente fortes para que o Governo altere a sua posição nesta matéria tão relevante, como é a questão do referendo.
Nós também somos a favor do referendo, mantemos é as posições anteriores, não as alteramos numa qualquer noite de quarta-feira.

Aplausos do PS.

As alterações foram, evidentemente, determinadas, em parte, pela necessidade de esconder uma aliança contra natura, que, como se sabe, é muito contestada por companheiros do Dr. Durão Barroso, como o Dr. Pacheco Pereira, o qual, aliás, diz que é positivo que haja um referendo em Portugal, mas que se o referendo se realizar na mesma data das eleições europeias pode não conseguir-se a mobilização cívica necessária e que o referendo ganha em ter um espaço próprio, para que suscite a intervenção organizada dos cidadãos para além dos partidos políticos.

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Portanto, a questão que se coloca é a seguinte: porquê a mudança de posição naquela noite?
E por que é que o Primeiro-Ministro, nos dias anteriores, se manteve calado como se nada de grave se estivesse a passar, contribuindo assim para uma remodelação governamental dirigida pela televisão e não por si próprio?
E como é que o Primeiro-Ministro avalia o que foi dito ontem ao País pelo ex-ministro Dr. Martins da Cruz, isto é, que tinha apresentado a sua demissão na quinta-feira passada?
É que aqui coloca-se uma questão a que o Sr. Primeiro-Ministro vai ter de responder hoje: por que é que se o Dr. Martins da Cruz apresentou a sua demissão na quinta-feira passada o Sr. Primeiro-Ministro não a aceitou se, na sexta-feira, quando o Dr. Pedro Lynce apresentou a sua demissão a aceitou? Por que razão aceitou uma demissão e não a outra? Penso que, hoje, os Portugueses têm o direito de saber porquê.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, sobre a questão que colocou relativa às demissões dos membros do Governo, quero dizer-lhe, bem como a todos os Deputados, o seguinte: dois ministros apresentaram os seus pedidos de demissão,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Quando?

O Orador: - … e eu aceitei-os. Fi-lo pelo modo e no tempo que considerei adequados.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quero, aliás, lembrar-lhe que, durante esse período, teve precisamente início a Conferência Intergovernamental, na qual participam apenas o Primeiro-Ministro e o Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quando aceitei a decisão da demissão dos ministros, fi-lo por uma razão muito clara: entendi que havia responsabilidades políticas e que elas deviam ser assumidas, salvaguardando assim a credibilidade e a autoridade do Governo, ficando salvaguardados os princípios, e assegurando também o respeito pelas pessoas. Os ministros, pelo facto de serem ministros, não deixam de ser pessoas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A demissão ou a não demissão de qualquer ministro é uma competência exclusiva do Primeiro-Ministro. Eu não quero os poderes de outros órgãos, mas não aceito que me substituam nas minhas próprias competências.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nesta questão agi com equilíbrio, com ponderação e com sentido de responsabilidade, como se impõe a um Primeiro-Ministro com sentido de Estado!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Passo a referir-me à questão do referendo, Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
Fiquei agradavelmente surpreendido por o Sr. Deputado não ter dito já que não.

O Sr. José Magalhães (PS): - O que é que estava à espera que dissesse?

O Orador: - O que lhe peço é que não diga já que não. Nós também desejamos o debate sobre esta questão, e fazêmo-lo de modo transparente: podia tê-lo convidado para um encontro comigo, mas pensei que era correcto pôr a questão na Assembleia da República.

Risos do PCP, do BE e de Os Verdes.

Sr. Deputado, nós estamos num regime de democracia representativa em que, naturalmente, os partidos políticos que compõem a coligação devem ser ouvidos numa matéria como esta. Por isso, depois de ter consultado sobre a matéria o líder do outro partido da coligação, apresentei a questão ao meu próprio partido. Eu não me envergonho do partido que tenho a honra de liderar.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Naturalmente, tudo o que disse é se houver alterações que justifiquem o referendo, é se a Conferência Intergovernamental chegar a conclusões. Em teoria, até poderemos admitir que não haja sucesso da Conferência Intergovernamental, não havendo, nesse caso, razões para qualquer ratificação, seja ela feita pelo Parlamento ou por consulta popular directa.
Peço-lhe, Sr. Deputado, que considere seriamente esta proposta, porque sei que o Sr. Deputado é, como eu, convictamente a favor da Europa. E penso que seria um erro dramático, para aqueles que em Portugal defendem o projecto europeu, abordarmos esta questão na defensiva por termos alguém, na extrema-direita ou na extrema-esquerda do espectro político, a desafiar-nos, dizendo que não queremos consultar directamente os portugueses.
Nesta matéria, penso que aqueles que acreditam que o futuro de Portugal passa por uma posição afirmativa na Europa não devem estar na defensiva, não devem ter medo dos portugueses! E, de facto, por todas as razões, a melhor ocasião para organizar um grande debate sobre a Europa é fazendo-o coincidir com as eleições europeias, e eu ainda espero o consenso do Partido Socialista em torno desta nossa proposta construtiva, séria e feita de boa fé!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Usando do seu direito de réplica, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, voltemos às duas questões que referiu na sua resposta.
Quanto à primeira questão, há que relembrar, para quem já tenha esquecido, que o Sr. Primeiro-Ministro, ao lado do ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros, disse, exactamente no sábado, que lhe reiterava toda a confiança e que ele iria estar na Conferência Intergovernamental (presumo que não só naquele dia) para defender os interesses nacionais "intransigentemente" - foi a expressão que utilizou.
Portanto, a questão que coloco mantém-se: por que razão aceitou, num dia, a demissão do Dr. Pedro Lynce e não aceitou, num dia, a demissão do ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros?

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Sei que este é um problema que incomoda muito a bancada do PSD, mas vão ter que ouvir mais vezes a pergunta até haver uma resposta satisfatória!

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Também não tem mais nada para fazer!

O Orador: - Sobre o referendo, Sr. Primeiro-Ministro, a questão fundamental é a questão de princípio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sejamos sérios, a questão fundamental é a de saber quem quer verdadeiramente o referendo. E nós comprometemo-nos há muito tempo, havendo alterações significativas na partilha de soberania entre Portugal e a União Europeia, a sermos a favor do referendo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, a questão da data é meramente instrumental. Diria mesmo, depois da sua intervenção, que suspeito seja uma mera questão táctica, que não tem nenhuma espécie de base, porque ao a Constituição Portuguesa prever que os referendos não devem coincidir não só com a data das eleições como também não devem realizar-se desde o momento em que as eleições são marcadas é para dar a importância merecida aos actos eleitorais que se praticam, por um lado, e aos referendos que se venham a praticar, por outro lado, para poder haver uma total clareza naquilo que os portugueses votam.
Votar a reboque de eleições europeias não faz sentido, Sr. Primeiro-Ministro, tal como já aqui foi dito e como foi dito pelo seu companheiro Pacheco Pereira e também pelo seu Governo até há bem pouco tempo. Até este momento não há nenhuma informação relevante que o Sr. Primeiro-Ministro tenha trazido à Assembleia da República que legitime qualquer alteração da posição do Partido Socialista nessa matéria. Ficamos, portanto, conversados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para responder.

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0537 | I Série - Número 011 | 11 de Outubro de 2003

 

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, em relação às minhas declarações sobre a questão referida na sua pergunta, como V. Ex.ª saberá, quem governa sabe, por definição, que qualquer ministro, enquanto está no Governo, tem a plena confiança do Primeiro-Ministro.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Risos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Orador: - No que diz respeito à questão do referendo, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, não chega dizer apenas, em termos gerais, que se quer ou não o referendo; é preciso concretizar se se aceita mesmo esse referendo, porque no passado já se adiou muitas vezes esta questão.
E quanto aos sinais que nos chegam do seu partido, esses sim são muito contraditórios. Deixe-me dizer-lhe que não considero que um instituto como o referendo, consagrado na Constituição da República, é ou pode ser considerado uma paródia democrática!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Por isso, a nossa proposta é séria.
Está agora aberto um período de revisão constitucional ordinária. Provavelmente, teremos sempre que rever a Constituição em matéria europeia, porque, como o Sr. Deputado sabe, embora estejam divididos, há constitucionalistas que sustentam que o artigo 10.º do projecto de tratado europeu é inconstitucional.
Por isso, há todas as razões a favor de uma alteração pontual da Constituição, para permitir o referendo simultâneo. Lembro que a Espanha está também a mudar uma lei de natureza paraconstitucional, que a Holanda prepara aquele que será o primeiro referendo europeu na sua História e que o Primeiro-Ministro francês já admitiu como provável a realização de um referendo.
Sr. Deputado, eu quero Portugal na primeira linha do debate europeu.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas quando?

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, não se trata de uma questão táctica, trata-se de uma questão séria. E era importante que os portugueses ficassem a saber se o maior partido da oposição quer mesmo esse debate, se o quer a sério, ou se tem medo dele e da vontade dos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Quero, antes de mais, saudar V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, pela escolha do tema que trouxe a esta Assembleia para debate mensal: as questões europeias e o Tratado Constitucional Europeu.
Ouvimos de todos os quadrantes a crítica de que em Portugal não se debate a questão europeia e a importância e incidência que as alterações aos Tratados trarão para o nosso país. É, pois, um exemplo de grande pedagogia o facto de V. Ex.ª, nesta ocasião, quando está a decorrer a Conferência Intergovernamental, trazer esta matéria ao debate mensal na Assembleia da República. Bem-haja por esta sua opção, Sr. Primeiro-Ministro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A sua preocupação, Sr. Primeiro-Ministro, de envolver a Assembleia da República neste processo está também patente na circunstância de o Governo, sem que a isso fosse obrigado, ter feito questão de envolver uma representação da Assembleia no acompanhamento dos trabalhos da Conferência Intergovernamental. Bem-haja V. Ex.ª por ter uma prática coincidente com o discurso, o que, infelizmente, não aconteceu no passado com outros primeiros-ministros e com outros governos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, gostaríamos que estes debates se repetissem e sabemos que V. Ex.ª, nessa mesma linha de coerência, também como líder do Partido Social Democrata, fez questão de realizar - estão a decorrer neste momento -, pelo País fora, uma série de conferências e de colóquios subordinados a este tema. V. Ex.ª sente a necessidade de esclarecer os portugueses, sente a necessidade de que não se dê este passo na Europa nas costas dos portugueses. E era sobre o problema do referendo que eu queria centrar-me.

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Sr. Deputado Ferro Rodrigues, faço-lhe um apelo: não deixe que passe para a opinião pública a ideia de que o maior partido da oposição, que tem sido, em princípio, responsável nesta matéria europeia, quer ter a fachada de defensor da realização do referendo mas de, na realidade, não querer realizá-lo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Qual é a pergunta ao Primeiro-Ministro?

O Orador: - Seria mau para as instituições, seria mau para o nosso país que essa ideia sobre o maior partido da oposição passasse.
Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª já disse publicamente que não estamos a discutir um mero tratado burocrático e administrativo, mas sim algo que tem de obter o apoio dos nossos cidadãos. E eu quero aqui saudá-lo não só pela clarividência e coerência com que defende a realização de um referendo em Portugal, mas também pela circunstância de fazer esse apelo e essa opção no sentido de realizá-lo em simultaneidade com as eleições para o Parlamento Europeu. E a minha pergunta centra-se fundamentalmente aí: para além do que já disse na sua intervenção, poderá V. Ex.ª explicitar-nos ainda melhor as vantagens, a conveniência e as virtualidades da realização deste referendo em simultaneidade com as eleições europeias?
Sr. Primeiro-Ministro, ouvimos o líder da oposição fazer referência a uma eventual posição diferenciada de companheiros nossos sobre esta matéria. Sr. Deputado Ferro Rodrigues, pergunte a opinião sobre a realização do referendo em simultaneidade com as eleições europeias ao Sr. Deputado Alberto Costa, ao Sr. Deputado Luís Marinho, e pergunte-lhes também o porquê das suas opções, dada a envolvência que têm nas instituições europeias.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, esteja atento ao que acontece em Espanha, como já referiu o Sr. Primeiro-Ministro, onde o referendo irá realizar-se em simultâneo com as eleições europeias, apesar de, para isso, ser necessário alterar uma lei. Sabe qual é a posição do Partido Socialista espanhol sobre esta matéria? O PSOE é favorável a essa solução, está com o governo, porque esse partido tem a noção do que é o interesse nacional espanhol.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O que lhe peço, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, é que tenha também a noção do que é o interesse nacional português nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Queira terminar.

O Sr. José Magalhães (PS): - É espantoso, não coloca uma só pergunta!

O Orador: - Acabo já, Sr. Presidente.
Sr. Primeiro-Ministro, ouvimos, durante anos, políticos de todos os quadrantes reclamarem a necessidade de se fazer um referendo europeu, mas na hora da verdade arranjam sempre pretextos processuais, calendários e outros argumentos para que não se realize.
Desta vez, Srs. Deputados, temos um Primeiro-Ministro responsável, que, na verdade, quer profundamente o referendo, porque sabe que é esse o interesse dos portugueses. E é em bem dos portugueses que se deve caminhar na Europa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ferro Rodrigues pediu a palavra para interpelar a Mesa.
Qual é a matéria da sua interpelação, Sr. Deputado?

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - É apenas para pedir ao Sr. Presidente que confirme junto do Sr. Deputado Guilherme Silva que a ordem do dia não tem a ver com perguntas ao líder do principal partido da oposição, mas sim com um debate com perguntas ao Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - A não ser que seja uma antecipação!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a essa pergunta é simples responder. De facto é disso que se trata, no entanto, recordo a antiga tradição da Casa, que tem um conteúdo diferente. Lamento-a, mas também não a posso mudar de um dia para o outro.
Sr. Deputado Guilherme Silva, pretende também interpelar a Mesa?

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pretendo sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, mas peço-lhe que seja brevíssimo. A minha resposta também será brevíssima.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, é para, através da Mesa, solicitar a V. Ex.ª que peça ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues que tenha mais atenção ao debate, porque eu fiz uma pergunta ao Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Não se ouviu nada!

O Orador: - Naturalmente, o Sr. Deputado Ferro Rodrigues gostaria que essa pergunta não envolvesse críticas ao líder da oposição, mas não é esse o meu papel como líder desta bancada.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, interpretei a sua referência ao líder do maior partido da oposição como meras alusões de natureza retórica. E assim a questão se encerra.
Srs. Deputados, vamos fazer uma pequena pausa, de forma a que se corrija o sistema de som na Sala, que está a funcionar mal.

Pausa.

Srs. Deputados, estamos já em condições de continuar os nossos trabalhos.
Apelo a todos, inclusive a quem se encontra nas galerias, para que desliguem os telemóveis, pois a sua utilização interfere com o sistema de som da Sala.
Para responder à pergunta que lhe foi dirigida pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Muito obrigado, Sr. Deputado Guilherme Silva, pelas suas palavras sobre a atitude do Governo na sua relação com a Assembleia da República.
Na verdade, nós iniciámos um processo inovador no relacionamento do Governo com a Assembleia da República em matéria europeia. Por nossa proposta, foi criado um grupo de contacto permanente para acompanhar a Conferência Intergovernamental e propusemos também a realização de debates conjuntos, em todo o País, organizados pelo Governo e pela Assembleia da República.
Quero sublinhar este aspecto porque, no nosso país, é comum a crítica de que não há debate, como se o debate devesse resultar de uma directiva do Governo. Não é essa a minha visão da relação do Governo com a sociedade. Na minha opinião, não é o Governo quem tem de dirigir o debate, o debate deve estar na sociedade.
De qualquer modo, o Governo está a procurar dar impulso a esse debate, dar o exemplo na sua iniciativa. Desejo sinceramente esse debate por uma razão muito simples: a de que, só assim, os portugueses poderão compreender aquilo que está verdadeiramente em jogo no actual momento europeu. E o que está verdadeiramente em jogo é muito importante, muito importante mesmo, para Portugal. A Europa está a transformar-se.
Sr. Deputado, tive o privilégio de, há alguns anos atrás, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, participar nas questões europeias - portanto, posso comparar o ambiente que se vivia então com o ambiente que se vive hoje - e posso assegurar-lhes que, hoje, o ambiente é muito mais difícil, é extremamente mais exigente. Hoje temos a coincidência não apenas da reforma institucional mas também do alargamento, que produzirá os seus efeitos plenos a partir do próximo dia 1 de Maio de 2004, mas também a negociação das perspectivas financeiras. Ora - e desculpem que coloque assim a questão -, discutir dinheiro e poder ao mesmo tempo é demais!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Por isso, é que fazem muita chantagem!

O Orador: - Portanto, o momento que vivemos é extremamente exigente e eu penso que nós, responsáveis políticos, temos de explicar aos portugueses, com verdade, as alternativas que existem, e é preciso que os portugueses entendam que vai ser cada vez mais difícil esse processo. Foi por isso que disse, no meu discurso inicial, que a questão não é meramente quantitativa, é uma questão qualitativa. Não é pelo facto de, matematicamente, Portugal contar 3% ou 4% na ponderação de votos! Contamos mais, por exemplo, do que a Suécia, do que a Áustria ou do que a Finlândia, porque demograficamente somos maiores. Não, a questão é qualitativa. Trata-se de saber se Portugal está no acesso à decisão e na formulação da vontade europeia ou se Portugal se remete para uma posição secundária ou periférica. É por isso que eu acredito que o referendo é importante! Garanto-vos que, a partir do momento em que anunciei que Portugal iria promover um referendo, subiu o interesse dos nossos parceiros pela posição de Portugal. E é por isso que também do ponto de vista nacional estrito defendo a realização de um referendo europeu.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, deseja replicar?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Primeiro-Ministro, as questões que vou colocar são dirigidas a V. Ex.ª, até porque, pessoalmente, do que vi aqui hoje, tenho algumas dúvidas sobre a utilidade de uma pergunta dirigida ao líder do maior partido da oposição. Portanto, como gosto que as minhas perguntas sejam úteis, é a V. Ex.ª que as dirigirei.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, em primeiro lugar, gostaria de o felicitar e, não querendo entrar na suspeição de ser um líder da bancada de um dos partidos da maioria a felicitá-lo por esse facto, queria fazê-lo nas palavras de alguém que não é da nossa área política, ainda que seja uma pessoa de bom senso. Passo a citar: "Portugal sempre se posicionou nesta negociação no sentido de manifestar as suas opiniões, mas também de procurar contribuir para encontrar soluções". Trata-se de um elogio óbvio à posição do Governo português nesta matéria que foi feito pelo Comissário António Vitorino. Penso que é, por si mesmo, esclarecedor do trabalho que o Governo tem feito.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à substância destas matérias, uma questão tem sido levantada, por exemplo, por uma outra figura de referência, essa da minha área política, que dizia que há dois ou três pontos essenciais, entre os quais, em primeiro lugar, está a questão da filosofia de segurança. Nesse âmbito, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de o questionar sobre a questão do atlantismo e da consagração do atlantismo nesta visão europeia, que, do ponto de vista de Portugal, deve ser uma questão substancial, como sublinhava, ontem mesmo, o Prof. Adriano Moreira, sublinhando ainda que a ausência e a omissão de uma referência ao cristianismo não é, obviamente, um bom sinal do ponto de vista da leitura da identidade europeia.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, queria dizer-lhe que, quando V. Ex.ª coloca a questão no princípio da igualdade dos Estados, esse é um ponto nevrálgico e essencial. É o ponto fundamental para Portugal, porque, como sabemos, a Europa não é só uma Europa de Estados. A Europa é uma Europa de cidadãos, é uma Europa de povos e é também uma Europa de Estados.
Contudo, do ponto de vista de Portugal, o que é que nos interessa?
É evidente que a cidadania é importante, é relevante, mas se seguirmos o conceito da cidadania ou estritamente o conceito dos povos, essa, no limite, será a vitória da demografia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Se seguirmos a lógica dos povos, obviamente que há mais espanhóis, mais alemães, mais franceses do que portugueses.
Por isso, o conceito que nos interessa é, natural e logicamente, o conceito dos Estados e de uma Europa de Estados e a consagração do princípio da igualdade dos Estados.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Existem, nesta matéria, divergências de opinião, que V. Ex.ª conhece melhor do que eu. Há, por exemplo, quem entenda que um sistema rotativo entre comissários pode até ser mais vantajoso para Portugal, porque teríamos, de quatro em quatro anos, um comissário com mais peso, por assim dizer. O CDS-PP considera - e peço a V. Ex.ª que reafirme a sua posição nessa matéria - que "cada país/um comissário" é o que interessa a Portugal. É nessa matéria que nos devemos posicionar e é esse o princípio que devemos defender.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado ainda, Sr. Primeiro-Ministro, sabemos que todas estas matérias são negociais e dependem de alianças. Nesse sentido, e tendo V. Ex.ª participado nos trabalhos da CIG, pergunto-lhe qual a visão que tem sobre as alianças existentes neste momento no contexto europeu.

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É que as alianças e até as posições relativas dos países vão mudando. Há uns tempos atrás, pertencíamos a um grupo, no qual se integravam, logicamente, a Espanha e a Irlanda, que era visto como um grupo de coesão, por assim dizer. É evidente que hoje, quer a Espanha quer a Irlanda, estão numa situação diferente da nossa, designadamente têm uma situação económica diferente da de Portugal, e sabemos por que é que isso aconteceu.

Vozes do PSD: - Sabemos bem!

O Orador: - Aconteceu por uma razão simples: a Espanha e a Irlanda têm sete, oito anos de bom governo de centro-direita. E nós, obviamente, não conseguíamos fazer em ano e meio o que a Espanha e a Irlanda fizeram em sete ou oito anos, dado que, nos seis anos anteriores, andámos autenticamente a marcar passo.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isso é perfeitamente compreensível.
Qual é, então, Sr. Primeiro-Ministro, a lógica de alinhamentos, a lógica de relação e, sobretudo, nessa lógica, a relação dos pequenos países?
Por último, Sr. Primeiro-Ministro, refiro a questão do referendo, que é, para nós, importante e fundamental. Sempre dissemos que mudanças substanciais implicariam a realização do referendo. Creio, inclusivamente, ter sido eu a fazer-lhe a primeira pergunta nessa matéria num debate realizado, se não estou em erro, em meados de Junho.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Em relação ao referendo, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de saber se a sua posição está relacionada com o próprio desenvolvimento dos trabalhos da CIG, e em que matéria.
Sobre este tema, gostaria ainda de sublinhar que a oposição, designadamente a extrema-esquerda, que há pouco tempo atrás escrevia uma carta dizendo "Referendo o mais cedo possível", agora não quer o referendo; ou seja, quer o referendo desde que não seja proposto nem defendido por nós. É perfeitamente inaceitável, Sr. Primeiro-Ministro!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, agradeço as perguntas que fez e também as felicitações.
Em relação ao preâmbulo, sejamos claros, um preâmbulo deve servir para unir e não para dividir, e a verdade é que hoje há um debate na Europa por causa do preâmbulo.
Tive ocasião de dizer, na reunião de Roma, que era preferível não haver preâmbulo a haver um com uma omissão tão significativa à herança cultural cristã.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Isto não quer dizer que estejamos a favor de uma instituição europeia com qualquer carácter confessional. Defendemos, naturalmente, o carácter laico das instituições, mas entendemos, do ponto de vista da história e da cultura, que seria faltar ao rigor e objectividade não afirmar com clareza o património cultural cristão na formação da identidade europeia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Quanto à questão atlântica que V. Ex.ª referiu, Sr. Deputado Telmo Correia, somos a favor de um reforço da identidade europeia de segurança e defesa, porque sem esta identidade Portugal também perde, pois é um país europeu. Parece-nos que não é prudente duplicar estruturas numa matéria tão sensível, porque isso poderá enfraquecer a solidez do vínculo transatlântico.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - Por isso, é que vemos o reforço da identidade europeia de segurança e defesa no quadro de um pilar europeu mais forte, para reforçar também a própria relação transatlântica. É esta a orientação que estamos a defender no âmbito da Conferência Intergovernamental.
No que diz respeito aos comissários, a minha posição é inequívoca: todos os países deverão estar representados na Comissão. Portugal não abdica de ter um comissário permanente na Comissão Europeia.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Com direito a voto?

O Orador: - Agora, quanto ao desenho concreto, há várias hipóteses com as quais, sinceramente, penso que Portugal pode trabalhar, porque uma Comissão Europeia com, pelo menos, 25 membros obviamente que poderá ter problemas de funcionalidade, e queremos que as instituições funcionem. Devemos ser pragmáticos e construtivos.
O modelo da convenção não me agrada, mas não objectaria a um modelo em que existisse alguns comissários com poder executivo, desde que houvesse uma rotação igualitária de todos os comissários nessa responsabilidade. Ao fim e ao cabo, seria um modelo como o que existe em muitos conselhos de administração de empresas, onde todos votam mas só alguns têm, naquele momento, pasta ou pelouro directamente atribuído.
Uma outra modalidade é a de terem todos também esse próprio pelouro, mas neste caso há um risco de estratificação da Comissão.
Por isso, a nossa preocupação ao longo deste processo será garantir não só que todos os Estados-membros tenham um comissário na Comissão (Portugal terá o seu comissário) mas também que, enviesadamente, não se proceda a uma estratificação, ou seja, a comissários de primeira e de segunda categoria.
Quanto à questão das nossas alianças no âmbito desta negociação, vou ser totalmente franco com os Srs. Deputados. A verdade é que não há, hoje, um acordo generalizado entre os chamados pequenos e médios países. Não há! Há diferentes percepções, o que, aliás, se explica por várias razões, nomeadamente pelo facto de, quando entraram para a União Europeia, serem países neutros ou não, de serem países relutantes no processo europeu ou não. Há, de facto, diferenças.
Neste aspecto, tenho de dizer, com alguma mágoa, que os Estados de maior dimensão conseguiram conciliar posições melhor do que a generalidade dos outros países.
Durante a convenção, Portugal, várias vezes, esteve na linha da frente, em termos de conjugar a vontade de todos aqueles que evitaram a formação de um directório europeu. E, hoje, se os resultados da convenção são aqueles e não outros, deve-se, em grande parte, ao esforço dos representantes de Portugal nos trabalhos da convenção - e incluo não apenas os representantes do Governo mas também os diferentes representantes portugueses na convenção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Por isso, a questão que se coloca agora é a de saber, em termos de estratégia, o que é melhor: colocarmo-nos numa posição de frente na recusa de qualquer esforço de integração - uma posição, por assim dizer, marginal ou periférica - ou, pelo contrário, procurar construtivamente, a partir daquilo que é o acquis da convenção, melhorar aquilo que podemos melhorar.
A nossa estratégia está a ser esta, porque queremos continuar a estar no centro da decisão, no núcleo duro da decisão no âmbito europeu.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para formular a sua pergunta, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, é a primeira vez que vem à Assembleia da República depois da crise ministerial,…

Protestos do PSD.

… e a maioria disse aqui, ontem, que o Governo estava disponível para prestar todos os esclarecimentos. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro já aqui afirmou, numa resposta, que não demitiu simultaneamente os dois Ministros, porque precisava do Ministro dos Negócios Estrangeiros para a CIG.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Percebeu! O PS é que não percebeu!

O Orador: - Mas, Sr. Primeiro-Ministro, se isso é assim, como explica, então, que só tenha demitido o Ministro Martins da Cruz na terça-feira, depois de terem aparecido novos factos, depois da opinião pública ter tido conhecimento de novos acontecimentos?

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

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O Orador: - Não houve aqui, por parte do Sr. Primeiro-Ministro, uma tentativa de sacrificar um ministro, deixando ficar o seu amigo?!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A nossa lógica é outra: é o interesse do País!

O Orador: - Tal como em relação a altos funcionários do Ministério e também, até, a um chefe de gabinete, que estará envolvido em processos pouco claros de violação de normas de ética, o Sr. Primeiro-Ministro nada disse.

Protestos do PSD.

Creio que deve explicações à Assembleia da República e ao País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - E é sobre isto que gostaríamos de o ouvir, com toda a clareza, porque não são questões menores, como o Sr. Primeiro-Ministro disse. Tratam-se de questões de Estado.
O Sr. Primeiro-Ministro também deve explicações ao País, quero lembrar-lhe, sobre afirmações peremptórias que fez aqui, fazendo suas as afirmações do Sr. Bush, no sentido de que o Iraque tinha armas de destruição massiva.
Onde é que estão essas armas, Sr. Primeiro-Ministro?

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Foi na base deste argumento que o Sr. Primeiro-Ministro envolveu Portugal numa guerra injusta e ilegítima!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E agora quer, inclusivamente, enviar um contingente da GNR para o Iraque. Com que argumentos? Não lhe peço que dê aqui a sua palavra de honra sobre a sua boa fé, ou que nos diga que está de consciência tranquila, mas deve uma explicação ao País, deve essa explicação ao País. As afirmações foram feitas aqui, na Assembleia da República!

Aplausos do PCP.

Quanto à União Europeia e à CIG, estamos de acordo com os princípios que enunciou, mas, em relação aos comissários, não ficou bem clara a posição do Governo português, ou seja, não sabemos se defende, com toda a clareza, que não haja de facto comissários de primeira e de segunda.
Por outro lado, nada nos disse sobre a língua, que é uma questão que começa agora a ser suscitada, e gostaríamos também de o ouvir sobre a mesma.
Já quanto à votação, parece-nos que o Governo parte com uma posição de vencido,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Exactamente!

O Orador: - … com a argumentação de que o que conta não é o número de votos mas, sim, o peso político, a possibilidade política, o enquadramento político. Sr. Primeiro-Ministro, isto é dizer o seguinte: nós vamos aceitar aquilo que os grandes resolveram propor na CIG - entre França e Alemanha - e não aquilo que tinha sido decidido em Nice.
Relativamente ao referendo, Sr. Primeiro-Ministro, desculpe que lhe diga mas o Sr. Primeiro-Ministro acabou por dizer que não tem qualquer convicção quanto ao referendo. Veio aqui dizer-nos, inclusivamente, que decidiu o referendo para aumentar o poder negocial na CIG, não porque entenda que os portugueses devam ser consultados. Aliás, decidiu-o numa noite, numa fuga para a frente, para ver se saía do atoleiro da crise ministerial. É isto que fica!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não foi nada disso!

O Orador: - E, depois, vir propor que o referendo se faça no mesmo dia das eleições europeias é, pura e simplesmente, defender uma paródia de referendo,…

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0544 | I Série - Número 011 | 11 de Outubro de 2003

 

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - … é querer amalgamar tudo, confundir tudo. E o Sr. Primeiro-Ministro e a maioria sabem que o que está na Constituição foi aprovado por unanimidade!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, a questão que lhe coloco é a seguinte: o senhor quer, de facto, um referendo a sério, ou quer uma paródia de referendo?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para os senhores o referendo é sempre uma paródia!

O Orador: - E, já que os senhores bloquearam o referendo sobre um tratado, porque não é possível fazer um referendo sobre um tratado, diga-nos também, Sr. Primeiro-Ministro, quais são as consequências de uma resposta a este referendo. Isto é, que consequências políticas e práticas tem uma resposta que diga "sim" ou "não"? Ou seja, se ganhar o "sim" no referendo, ou se ganhar o "não" no referendo, quais são as consequências? Que consequências é que isto terá? É que, se não tiver consequências, temos de lhe dizer que estamos aqui, pura e simplesmente, perante uma paródia de referendo,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Outra vez?!

O Orador: - … à qual o Sr. Primeiro-Ministro aderiu agora, rapidamente, para arranjar um facto político que faça esquecer a crise ministerial e aumentar o poder negocial na CIG.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, como lhe disse aqui isto, é evidente que, na CIG, também sabem do que aqui se diz, e o poder negocial ficará muito fraquinho.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, sobre a primeira questão que me colocou, já expliquei o que tinha a explicar; são razões de tempo e de modo, da responsabilidade do Primeiro-Ministro, e não vou ficar aqui, com a oposição, a resolver problemas já explicados e já resolvidos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mal explicados!

Protestos do PCP e do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

O Orador: - Quando há uma dificuldade, deve ser enfrentada. Governar é isto: enfrentar a dificuldade, resolver o problema e seguir em frente. E sigo em frente!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Quanto à questão do Iraque, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas lembra-se, com certeza, da posição que, várias vezes, assumi aqui, nesta Assembleia. A nossa lógica foi sempre - passo a relembrar - a seguinte: não queremos a guerra, não gostamos de guerra,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Não parece!

O Orador: - … mas, se vier a haver uma guerra entre os Estados Unidos, de um lado, e o regime de Saddam Hussein, do outro, obviamente, estaremos com os nossos aliados. Sempre foi esta a fundamentação essencial da nossa posição.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PCP, do BE e de Os Verdes.

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0545 | I Série - Número 011 | 11 de Outubro de 2003

 

Sempre defendemos, e continuamos a defender, que é desejável uma participação crescente das Nações Unidas na questão iraquiana. Lamentamos que não tenha sido possível alcançar um consenso no Conselho de Segurança e continuamos a lamentar que, infelizmente, não se chegue agora a um consenso para a reconstrução e a estabilização no Iraque.
Quanto à questão das armas de destruição maciça, que nunca constituíram - sejamos sérios! - o fundamento ou a causa principal da nossa argumentação,…

Protestos do PCP e de Os Verdes.

… quero deixar claro o seguinte: o Governo português, o Primeiro-Ministro de Portugal, de um lado, tinha as informações que lhe eram transmitidas pelo Governo norte-americano e pelo Governo britânico,…

Protestos do PS e do PCP.

… do outro lado, tinha a versão apresentada pelo Sr. Saddam Hussein e pelo seu ex-Ministro da Informação.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, se o nosso pecado é dar mais valor à palavra do Primeiro-Ministro britânico do que à do ditador Saddam Hussein, assumo esse pecado sem qualquer dificuldade, pois não acredito no que dizia o ditador Saddam Hussein.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Quero, aliás, dizer, em relação ao Iraque, da nossa determinação e dar, em primeira mão, à Assembleia da República, uma notícia relevante. Ontem mesmo, o Governo português, em conjugação com o Governo norte-americano, garantiu que o conselheiro principal para os expatriados imigrantes, no governo de transição do Iraque, será um português, uma relevante personalidade socialista: o Dr. José Lamego.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do Deputado do BE Francisco Louçã.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Nem do PS recebe aplausos!

O Orador: - Na questão do Iraque, que é hoje a mais relevante questão internacional, pretendemos garantir que Portugal esteja presente e procuramos fazê-lo com sentido de Estado, incluindo personalidades de partidos da oposição, pois entendemos que, apesar de todas as dificuldades - e são muitas e sérias e graves -, não devemos esquecer o apelo final de Sérgio Vieira de Mello, quando estava a morrer, no seu último pedido: não abandonem o Iraque!

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Quanta demagogia!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Está a brincar!

O Orador: - Portugal não vai abandonar o Iraque! Portugal fará aquilo que estiver à sua altura para ajudar aquele País a estabilizar-se e a ser uma democracia!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Relativamente à questão do referendo, Sr. Deputado, desculpe que lhe diga mas verdadeira paródia é ver hoje o Partido Comunista Português, que sempre foi contra o referendo, ao longo da sua história, a defender um referendo europeu.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - Isto é que não tem qualquer espécie de credibilidade! Mas, se agora o defendem, muito bem, vamos a isso, bem-vindos ao consenso, vamos discutir, com seriedade e frontalidade, uma questão tão decisiva para o futuro de Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para exercer o seu direito de réplica, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

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0546 | I Série - Número 011 | 11 de Outubro de 2003

 

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a única desculpa que V. Ex.ª pode ter é a falta de memória, ou os seus conselheiros não lhe terem dado a informação.
O Sr. Primeiro-Ministro não se lembra de que fomos nós, aqui, sozinhos, que defendemos um referendo sobre Maastricht…

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - … e sobre a entrada de Portugal para o euro?!

Aplausos do PCP.

Os senhores recusaram esse referendo! Os senhores e o Partido Socialista fizeram, inclusivamente, aquela vergonha de, em 1998, arranjarem uma pergunta que foi, a tempo e horas, invalidada pelo Tribunal Constitucional, porque era uma mascarada. E o que o Sr. Primeiro-Ministro pretende fazer agora é, outra vez, uma mascarada de referendo!

Aplausos do PCP.

Mas o Sr. Primeiro-Ministro não disse para que serve o referendo. Quais são as consequências de uma resposta "sim" ou "não"? Então, o Sr. Primeiro-Ministro vem dizer que nós é que estamos contra o referendo?! Nós sempre defendemos o referendo, e defendemo-lo agora, mas que seja um referendo a sério, que não seja uma vigarice,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Peça desculpa!

O Orador: - … que não seja uma comédia, que não seja uma paródia!
O Sr. Primeiro-Ministro faltou à verdade, como também faltou à verdade em relação à crise ministerial - neste caso, anda a "meter as mãos pelos pés" - e às armas de destruição massiva.
O Sr. Primeiro-Ministro disse aqui, na Assembleia da República, o seguinte: "Portugal deve ter uma posição intransigente contra um regime como o Iraque que promove armas de destruição maciça.";…

Vozes do CDS-PP: - "Que promove"!…

O Orador: - … "(…) a verdade, nua e crua, é esta: a paz passa pelo desarmamento do Iraque.".
Mas o Sr. Primeiro-Ministro disse mais, disse que o Iraque era um perigo para a comunidade internacional, porque tinha armas de destruição massiva.

Vozes do CDS-PP: - E muito bem!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro estava convicto do que disse?!
Agora, veio aqui dizer-nos uma coisa espantosa: entre as informações do Bush e do Sr. Blair - essa avestruz! -…

Risos do PCP, do PS, do BE e de Os Verdes.

… e as informações do ditador Saddam, nós optámos pelos primeiros dois. Então, Sr. Primeiro-Ministro, e em relação aos seus aliados?! Em relação à França?! Em relação à Alemanha?! Em relação ao Luxemburgo?! Em relação ao relatório dos inspectores da ONU?!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Não o leu?!

Vozes do PCP: - Não leu!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro envolveu Portugal numa guerra injusta, numa guerra de ocupação, e mentiu aos portugueses, faltou à verdade aos portugueses. Diga aqui, ao menos, que, de facto, na altura, não viu bem as coisas e quis ficar na fotografia, nos Açores, Sr. Primeiro-Ministro!
O que o Sr. Primeiro-Ministro disse aqui agora é uma vergonha para Portugal e para o Governo português!

Aplausos do PCP.

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0547 | I Série - Número 011 | 11 de Outubro de 2003

 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, desculpe-me que lhe diga mas não julgo que seja parlamentar comparar o chefe de um governo de um país amigo e aliado de Portugal a um animal, qualquer que ele seja,…

Vozes do PCP: - Era uma metáfora, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - … mesmo que de uma forma, certamente, metafórica.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A avestruz é uma ave muito bonita!

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, anoto que não gostou da figura de retórica, mas creia que não quis ofender o animal.

Risos.

O Sr. Presidente: - Registo o seu respeito pelos animais não humanos, Sr. Deputado.
Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Vai pedir desculpa?

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, em relação à questão do referendo, a posição do PCP é clara: em 1989, na revisão constitucional, o Partido Comunista Português opôs-se ao referendo de tratados internacionais e a qualquer referendo europeu. Veja, pois, a posição do seu próprio partido em 1989.
A tradição do seu partido foi sempre a de se posicionar contra referendos de tratados europeus,…

Vozes do PCP: - Não, não!

O Orador: - … com o tal argumento plebiscitário, com a tal retórica anti-fascista, hoje em dia, completamente ultrapassada.
De qualquer modo, congratulo-me pelo facto de o Partido Comunista Português, agora, defender o referendo.

Vozes do PCP: - Não é "agora"!

O Orador: - Quanto às consequências do referendo, Sr. Deputado, depende da pergunta que se fizer. E, nesse caso, sim, considero prematuro desenharmos já a pergunta, pois dependerá das conclusões ou do sentido em que se encaminhar a Conferência Intergovernamental. Mas posso adiantar que quero que seja uma pergunta clara e que haja consequências em relação à vontade dos portugueses. É precisamente por isto que queremos garantir que o referendo tenha carácter vinculativo, ao contrário dos referendos que já se realizaram e que não tiveram a participação popular desejável.

O Sr. António José Seguro (PS): - Mas foram respeitados!

O Orador: - E é também por isso, para que o referendo tenha carácter vinculativo, que entendemos ser útil que haja simultaneidade da realização do referendo com as eleições europeias. Por isso, se vê a nossa coerência na defesa do princípio da consulta popular directa dos portugueses nesta matéria.
No que diz respeito à questão do Iraque, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, eu disse, e mantenho, que o Iraque teve armas de destruição maciça. Disse-o e mantenho! Infelizmente, há muitas provas dadas por dezenas de milhar de curdos e dezenas de milhar de iranianos, durante a guerra Irão/Iraque.

Protestos do PCP e do BE.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Tenha vergonha! O senhor vendia as armas!

O Orador: - O que é extraordinário é nunca se ouvir, da parte de V. Ex.ª,…

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos que deixem ouvir o orador.

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O Orador: - O que é extraordinário é nunca se ouvir da parte de V. Ex.ª, nem dos seus agitados, nervosos e ansiosos companheiros de bancada, uma condenação exemplar, uma palavra em relação às vítimas daquela atroz ditadura.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É falso!

O Orador: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, utilizou a palavra "vergonha". Vergonha é a defesa da ditadura! Vergonha é a defesa de um do regimes mais ignóbeis que existiram ao longo do século XX.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - E que vocês defenderam!

O Orador: - A verdade é que VV. Ex.as têm uma visão muito selectiva em relação às ditaduras. Se, porventura, estivesse um qualquer Pinochet à frente do Iraque, V. Ex.ª não teria, de certeza, essa posição.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A nossa posição é a da recusa da ditadura.
Acreditamos, temos fé em que, independentemente das dificuldades, e são muitas, independentemente dos custos, e são muitos, é um progresso para a Humanidade a queda de ditadores. Acredito que, seja em que país for, mesmo islâmico, nenhum homem nem nenhuma mulher quer manter-se escravo, se lhe derem essa possibilidade, e todos têm direito a ser livres.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Primeiro-Ministro ultrapassou as marcas!

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para defesa da honra da bancada, Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, podia começar por dizer que congratulo-me por o seu Governo e as bancadas da maioria terem aderido agora ao referendo. Mas já vimos que o que pretendem é uma palhaçada de referendo.

Vozes do CDS-PP: - Oh!…

O Orador: - Passemos à questão dos ditadores e à dos curdos.
Sr. Primeiro-Ministro, não fale nos curdos, porque estes estavam a ser massacrados pelo ditador Saddam com o apoio dos Estados Unidos da América,…

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - … com os "cumprimentos" do Sr. Rumsfeld…

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - … e com o governo português a tomar uma posição muito pouco clara.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah!…

O Orador: - Se, no Iraque, há vítimas da ditadura de Saddam, são os comunistas!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E nunca ouvi uma palavra sobre esta questão, nem sua, quando era Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

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O Orador: - … nem do PSD, nem do CDS-PP. Nunca ouvi!
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, não venha falar em Pinochet, em ditadores… Nós somos contra as ditaduras!

Risos do PSD e do CDS-PP.

Mas também somos contra guerras injustas, somos contra guerras de ocupação e contra o envolvimento de Portugal em guerras inaceitáveis.

Protestos do PSD e do CDS-PP e contraprotestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço, mais uma vez, que criem condições para que se possa ouvir quem está no uso da palavra.

O Orador: - Não temos quaisquer lições a dar, mas também não recebemos lições de alguns que conviveram com o fascismo.
Nós próprios lutámos contra o fascismo em Portugal, e podemos dizer que somos o partido que mais lutou e mais se sacrificou. Não temos lições a receber nem do Sr. Primeiro-Ministro nem das bancadas da maioria.

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro para dar explicações, dispondo, no máximo, de 3 minutos.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, uma coisa lhe garanto: quando se me dirige, vejo em si uma agressividade que nunca lhe vi quando fala na ditadura de Saddam Hussein!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Deputado, não vale a pena tanta agressividade, tanto nervosismo!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Não faça teatro! Isso é hipocrisia!

O Orador: - Sr. Deputado, apesar de todas as dificuldades, e são muitas, considero um progresso que, hoje, os comunistas iraquianos possam exprimir-se em liberdade, coisa que não podiam fazer sob a ditadura de Saddam Hussein. Considero isto um progresso.
Considero que toda a transição de regimes naquelas condições é necessariamente dolorosa, como o foi, por exemplo, a libertação dos povos sujeitos a regimes coloniais. E nem por isso passámos a defender o regime colonial, só porque havia mais estabilidade nessa época.

O Sr. António Filipe (PCP): - Há aí quem defenda!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, sejamos claros. A meu ver, a queda das ditaduras constitui um progresso e devemos fazer o que estiver ao nosso alcance para ajudar a "nascer" um Iraque estável e democrático.
Ainda relativamente à questão do referendo - visto que V. Ex.ª quis referir o referendo -, recordo-lhe que, em 1998, quando se discutiu a possibilidade de um referendo ao Tratado de Amesterdão, foram o PS, o PSD e o CDS-PP que defenderam o referendo, com o voto contra do PCP.

Vozes do PCP: - Não, não! Isso é falso!

O Orador: - Esta é a história, e está absolutamente documentada.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Isso é falso! A pergunta a fazer no referendo é que foi "chumbada" pelo Tribunal Constitucional!

O Orador: - O Sr. Deputado diz que é a favor do referendo. Ora, eu fiz uma proposta concreta em termos de data para a realização do mesmo. Queremos que haja referendo, por isso, ajude à formação do consenso nacional no sentido de haver referendo.
A verdade é que a questão europeia vos causa algum embaraço. Digo-o, porque calculo que ver aderir à Europa livre e democrática países como a Polónia, a República Checa, a Hungria, durante tanto tempo submetidos ao totalitarismo comunista, deve ser um assunto que não deve dar grande prazer em discutir ao Partido Comunista Português.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Qual é a matéria da sua interpelação, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É sobre a condução dos trabalhos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, a interpelação é no sentido de saber se estamos aqui a ouvir o Sr. Primeiro-Ministro, ou se continuamos a ouvir um reciclado maoísta.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa sua interpelação não tem resposta.
Tem a palavra, para formular a sua pergunta, o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, naquele que é o primeiro de todos os debates mais difíceis da sua vida, V. Ex.ª tem de responder a uma questão, que é a que o País coloca: o País está melhor ou está pior consigo como Primeiro-Ministro?
Sr. Primeiro-Ministro, o senhor é o recordista do desemprego em Portugal. Nunca a política de um primeiro-ministro fez tanto mal a tanta gente, nunca prometeu tanto aos mais fracos, aos mais idosos, e tanto os enganou, nunca revoltou tanto os jovens e os estudantes, como se está a ver.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, talvez o pior da política portuguesa seja a falta de credibilidade. Hoje, sabemos que o Primeiro-Ministro Durão Barroso é um homem que, em vez de enfrentar dificuldades, foge em frente, não toma decisões, decide pelos amigos.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - A falta de credibilidade é o cancro da política portuguesa. E, em três matérias fundamentais, reafirmou-nos a sua falta de credibilidade.
O Sr. Primeiro-Ministro quer levar Portugal para uma guerra colonial. No passado, como reafirmou agora mesmo, fez parte do "eixo da mentira".
Sei que a verdade é cruel, mas quero recordar-lhe o que disse aqui, em primeiro lugar, o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, em 14 de Setembro de 2002: "Nós não demos luz verde aos americanos para irem para a guerra,…" - imagino o mesmo, na Casa Branca, a dizer "Dear George, não damos luz verde para irem para a guerra"! - "… deixámos claro que o objectivo deve ser o desmantelamento das armas de destruição, não uma mudança de regime". O Ministro mentiu então, ou o Governo mente agora?

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Muito bem!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - No dia 20 de Setembro, o senhor veio dizer-nos que tinha visto um dossier - não sabemos de quem, não sabemos com quê - que provava que havia armas biológicas, químicas e iminência de armas nucleares. Mentiu a sua mentira, ou mentiu a mentira dos outros, Sr. Primeiro-Ministro?
No dia seguinte à Cimeira dos Açores, veio dizer ao País: "ao longo dos meses, fui sempre claro e coerente…" - imaginem! - "… o objectivo é desarmar o Iraque". Mentiu agora, ou mentiu nessa altura, Sr. Primeiro-Ministro?
Aliás, considero extraordinário que, em desespero, para se proteger, fale dos massacres contra os curdos.
O último grande massacre sobre os curdos foi em 1988, o massacre de Halajba. Nessa altura, o senhor fazia parte do governo e, em 1988, o governo vendeu armas a Saddam Hussein; em 1989, apesar do massacre dos curdos, continuou a vender armas a Saddam Hussein; em 1990, apesar do massacre dos curdos, continuou a vender armas. O senhor indignou-se?! Saiu do governo?! Era o número dois do Ministro que assinava os despachos de venda de armas a Saddam Hussein, que era um bom cliente!

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - E, agora, vem "tirar da cartola" o nome de José Lamego?! José Lamego, que já foi proposto, por uma cimenteira, para a Administração do Iraque - e com o seu apoio! -, que foi proposto, por si próprio, para elaborar a

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Constituição do Iraque e que, agora, acaba caído em comissário para os repatriados?! É a terceira função para José Lamego que os senhor nos anuncia. É esta a notícia que tem a dar-nos a este respeito?!
Como é que pode falar-nos, neste contexto, em Sérgio Vieira de Mello que, na sua última entrevista, veio dizer ao mundo que nunca o povo iraquiano tinha sido tão humilhado?

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - O senhor fazia parte do "eixo da humilhação" e continua a fazer.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - A segunda razão para a falta de credibilidade é a questão do referendo.
Percebo que, para proteger, com esta invenção plebiscitária, o prolongamento da sua coligação governamental com a extrema-direita fazendo uma lista comum para as eleições europeias, o Governo tenha de propor uma impossibilidade constitucional e uma impossibilidade política. No entanto, nada nos disse sobre a matéria fundamental: sem um Comissário ou com um Comissário sem poderes - e parece ser a sua grande questão actualmente -, vota contra este Tratado? Opõe-se a ele?
O que temos de saber é o que Portugal deve fazer, em tempo útil, para mandatar o Governo para decidir e intervir nas matérias fundamentais que estão em discussão - a política económica, a política social, as instituições, o Orçamento. É por isto que lhe anuncio, Sr. Primeiro-Ministro, que será trazido a voto nesta Assembleia da República o projecto de resolução do Bloco de Esquerda sobre um referendo, em tempo útil, acerca das questões fundamentais, sem esperar por uma impossibilidade.
É que, Sr. Primeiro-Ministro, acuso-o de não querer o referendo, acuso-o de querer proteger a coligação com o PP, com uma "inventona" de uma terça-feira à noite, e de não querer o referendo a não ser que o mesmo possa efectuar-se na única data impossível. O senhor sabe que não vai haver referendo se mantiver essa proposta, e quer mantê-la porque não quer referendo. Isto é uma absoluta falta de seriedade.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O Governo está aflito e, aflito, vai buscar as questões mais importantes do País para proteger a confusão da "crise de família" em que se meteu nos últimos dias.
É lamentável e é o princípio e o fim da crise da credibilidade.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para responder.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Francisco Louçã, como de costume, usa palavras categóricas, juízos peremptórios, juízos sumários. Pela minha parte, não vou entrar nesse tipo de acusações dirigidas às pessoas, à sua boa fé. A falta de credibilidade que hoje existe, por vezes, em Portugal, deve-se, em larga medida, à banalização de acusações sem fundamento,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … ao próprio modo como os responsáveis políticos - e V. Ex.ª na dimensão do seu partido, também é um responsável político, é um Deputado eleito pelos portugueses - se tratam e à suspeição que sistematicamente lançam sobre os outros.

O Sr. José Magalhães (PS): - E a verdade!

O Orador: - O facto de termos opiniões diferentes não nos autoriza, Sr. Deputado, a ver sistematicamente, por detrás do que os outros dizem, intenções, mentiras ou suspeitas, sobretudo quando não podemos provar essas suspeitas ou essas intenções.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - De qualquer modo, em relação à questão do Iraque, Sr. Deputado, a informação que recebi foi a informação que, aliás, veio posteriormente a ser publicada pelos serviços oficiais britânicos. Era esta a informação a que me referia, foi esta a informação que me foi transmitida. E digo-o sem qualquer espécie de complexos: acredito mais na

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palavra de Tony Blair do que na de Saddam Hussein. V. Ex.ª, provavelmente, acredita mais na palavra de Saddam Hussein,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … V. Ex.ª acredita que não havia armas de destruição maciça no Iraque; eu, pela minha parte, continuo a dar mais crédito aos governantes eleitos de democracias nossas amigas do que aos de uma ditadura horrenda como a de Saddam Hussein.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Em relação à questão do Iraque, V. Ex.ª invoca Sérgio Vieira de Mello, representante das Nações Unidas no Iraque. Porém, quero lembrar que o Bloco de Esquerda disse aqui, na Assembleia da República, que era contra qualquer intervenção no Iraque, sem ou com resolução das Nações Unidas. Esse é o vosso respeito pelo direito internacional! Mesmo que houvesse uma nova resolução das Nações Unidas, prevendo expressamente a intervenção, o Bloco de Esquerda era contra essa intervenção. Ou seja, se a política que mandasse - felizmente, não é, nem nunca será - fosse a do Bloco de Esquerda, Saddam Hussein continuaria à frente da atroz ditadura a que presidiu durante tantos anos;…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… se a política que manda é outra - e a política, em Portugal, é outra -, Portugal está ao lado da democracia contra o ditador Saddam Hussein.
Esta é toda a diferença entre o seu partido e a maioria que apoia este Governo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Quanto à questão do referendo, Sr. Deputado, pensei sinceramente que V. Ex.ª, embora com as críticas que são inevitáveis no seu discurso, até me ia felicitar pela posição que tomei. V. Ex.ª escreveu-me uma carta - uma carta aberta, que, aliás, recebi e foi até publicada num jornal, dirigida a mim e ao Sr. Presidente da República -, dizendo basicamente isto: não tenham medo de ouvir os portugueses. Façam um referendo!
E foi isto que fiz. Até estou a seguir o seu conselho:…

Risos do PS e do Deputado do BE Francisco Louçã.

… estamos a querer organizar um referendo. Mas precisamente porque dou valor às preocupações que o Sr. Presidente da República e muitos (em todos os partidos) têm, quanto aos perigos de um referendo europeu - porque um referendo europeu também tem a sua delicadeza, é uma questão complexa para ser tratada em referendo, e eu não quero ir para populismos -, precisamente por isso, procurei encontrar uma solução que já estava no meu espírito há muito tempo (não pense que a tomei à pressa, inclusivamente já tinha obtido o assentimento do líder do outro partido da coligação), para garantir uma participação. Eu não quero um referendo para votarem apenas os militantes de um lado e do outro, não quero um referendo com baixa participação. Quero chamar os portugueses, na sua maioria, a dizer se querem ou não estar na Europa, se querem ou não continuar no projecto europeu.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E Sr. Deputado Francisco Louçã, talvez seja bom aproveitar esta oportunidade para, finalmente, dar a perceber e percebermos aquilo que o Bloco de Esquerda quer acerca da Europa, porque eu, sinceramente, ainda não percebi.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para replicar, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, ainda bem que colocou o debate nos termos que ele tem. Este é, de facto, um debate sobre credibilidade e forma de fazer política.
Diz-nos, em primeiro lugar, que não acredita em Saddam Hussein. Lamento dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, mas o senhor está sob suspeita,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Oh!…

O Orador: - … porque o senhor fez parte do governo que acreditou nos cheques de Saddam Hussein.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E o senhor acreditou no Estaline!

O Orador: - Não se incomodou nada, viveu tranquilamente, dormiu calmamente, durante todos esses anos em que o negócio das armas falava mais alto…

Vozes do BE e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - … do que qualquer princípio dos direitos humanos e do respeito por aquelas populações. Era meramente o interesse de Estado, o interesse mesquinho dos negociantes de armamento…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - … e de quem, aliás, dava ordens, que eram os Estados Unidos da América.
Quero lembrar-lhe que o Conselho de Segurança não condenou o massacre dos curdos, porque os Estados Unidos da América ameaçaram vetar essa resolução.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Devo dizer-lhe, além disso, que nos deu uma notícia: afinal, sempre viu um "relatoriozinho"! Esse "relatoriozinho" é o relatório britânico que deu origem a uma comissão de inquérito dirigido por Lord Huttone e que foi desfeito na opinião pública e nas instituições pela justiça britânica.

Aplausos do BE, do PCP e de Deputados do PS.

Sabemos, agora, portanto, que nos deve uma desculpa, ou, pelo menos, que deve uma desculpa aos portugueses por ter acreditado nessa mentira que lhe "venderam". E isto é evidentemente muitíssimo importante.
Sobre a questão das Nações Unidas, repare, Sr. Primeiro-Ministro: estamos a falar de um direito internacional que é viciado, que é destroçado. E o senhor fez parte do eixo de todos aqueles que queriam impedir qualquer princípio que fosse de direito, em nome da coligação guerreira.
Isto leva-nos à questão fundamental. Diz que seguiu o nosso conselho. Pois claro, deve haver um referendo em condições que permitam aos portugueses pronunciar-se. Toda a gente percebe, aliás, que é uma brincadeira a conjugação com as eleições europeias, em que há 65% de abstenção. Não há qualquer condição, Sr. Primeiro-Ministro, na base da criação dessa confusão, de ter uma decisão vinculativa. A decisão é a que deriva da clarificação, que até agora o senhor não fez, acerca do que quer fazer nesse referendo e das consequências que esse referendo deve ter.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Mas devo dizer-lhe uma última palavra. Falou-nos de pessoas. O Sr. Primeiro-Ministro vem aqui, depois da vingança "a frio" do Ministro Martins da Cruz, depois de ele ter dito que é sua responsabilidade - sua, pessoal - a gestão de uma crise que se arrastou ao longo do tempo, até tornar inevitáveis duas remodelações em menos de uma semana. Este é o problema. Sr. Primeiro-Ministro, o País, hoje, sabe que Daniel Campelo não fazia o que se faz no seu Governo. Daniel Campelo não tinha, que se saiba, um sobrinho na Suíça, com operações de centenas de milhares de contos num offshore do Luxemburgo. E, que se saiba, Daniel Campelo, que fez o que fez e que enfraqueceu a credibilidade da democracia portuguesa, por uma falta de princípios e de responsabilidade, também não tinha nenhum chefe de gabinete para "meter cunhas" para a família e para mudar leis a seu favor.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Esse é o seu problema, Sr. Primeiro-Ministro. E o Sr. Primeiro-Ministro sai daqui "manchado" pela dificuldade de ter aquele mínimo de credibilidade que se espera e desejaria de um Primeiro-Ministro.

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, V. Ex.ª continua incorrigível.

Risos do PSD, do PCP e do BE.

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Sempre com uma linguagem que é uma linguagem de processos de intenção, utilizando expressões como "sob suspeita" e outras do género.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - É um virtuoso!

O Orador: - Este tipo de fundamentalismo e de alegada superioridade moral,…

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - … isto sim, suscita-me as maiores dúvidas.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Francisco Louçã, que não aceito, em matéria de seriedade, lições de ninguém!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Faz mal!

O Orador: - Não procuro dar lições a ninguém, mas não aceito lições de ninguém.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Quanto à credibilidade política das nossas propostas, dos nossos programas, os portugueses respondem - responderam nas últimas eleições e responderão nas próximas e, aí, veremos quem tem credibilidade em termos de propostas, de programas e de políticas para o nosso país.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É que, quando não se têm políticas, nem propostas, nem causas, criam-se casos. E esta não é a minha via; por aqui, não vou, Sr. Deputado Francisco Louçã.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Quanto ao Iraque, Sr. Deputado Francisco Louçã, já uma vez falámos aqui sobre a questão da venda de armas ao Iraque e até tive ocasião de corrigir elementos falsos que constavam de um relatório do Instituto Nacional de Estatística, que tinha, por lapso, confundido "Iraque" com "Chile", numa publicação periódica portuguesa.
De qualquer modo, é verdade que, no passado, houve venda de armas por parte de Portugal, de vários governos, ao Iraque.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Incluindo o seu!

O Orador: - O Governo a que tenho a honra de presidir não o fez e a orientação que dou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas e ao Ministério da Defesa Nacional é a de não praticar qualquer cumplicidade com regimes daquele tipo.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - E a Arábia Saudita?!

O Orador: - É verdade que, no passado, Portugal o fez, mas orgulho-me de pertencer a um Governo que esteve na primeira linha da condenação internacional do regime iraquiano.
Quanto à questão do referendo, mais uma vez, o Sr. Deputado faz um processo de intenção. Isso é desonesto do ponto de vista político, Sr. Deputado. É que eu também poderia fazer processos de intenção, mas, então, nunca mais sairíamos daqui.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - E é essa a imagem que degrada os políticos.
Venho aqui propor um referendo e fazer uma sugestão que releva, aliás, do bom senso. V. Ex.ª até tem o direito de discordar, mas não tem o direito de ver aqui qualquer intenção oculta. Tem o direito, isso sim, de aceitar, ou não, a proposta. Pela minha parte, continuo sem saber se o Bloco de Esquerda quer verdadeiramente um referendo, ou não, e continuo, aliás, sem saber se, no caso de haver referendo, o Bloco de Esquerda é a favor do "sim" ou do "não" à Europa, o que, julgo, ninguém ainda compreendeu.

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Na verdade, os senhores não sabem discutir a questão europeia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro acusou-nos de fundamentalismo e de desonestidade, pelo que pretendo defender a consideração da bancada.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Oh!…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, mas peço-lhe que seja breve.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a sua explicação sobre o Iraque é lamentável. O senhor, no Governo actual, não tem cumplicidade com regimes daquele tipo; no governo anterior, tinha.
A sua explicação sobre os erros do Instituto Nacional de Estatística refere-se a dados de 1990 e 1991; eu falei-lhe de 1988, do massacre de Halajba, e de 1989. Nesse período, o senhor era o número dois do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Pode utilizar a estratégia - triste seria! - de dizer "a culpa foi do meu chefe", porque o seu chefe assinou a venda de armas a Saddam Hussein. Mas o senhor sabia e não teve aquele levantamento de indignação moral, que seria de esperar,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mais uma lição!

O Orador: - … de quem, respeitando os direitos e indignado com a ditadura, saísse do governo.

Vozes do BE: - Muito bem!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Tudo aquilo que são bons critérios para si neste Governo, não se aplicavam anteriormente…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe, mas a sua intervenção não é manifestamente uma defesa da consideração.

O Orador: - É!

O Sr. Presidente: - Não me parece…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - É, Sr. Presidente, porque foi sobre esta matéria que o Sr. Primeiro-Ministro me acusou de desonestidade. E compreenderá que é no exercício do direito de expressão de opinião que o faço.
Em segundo lugar,…

O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado, seja mais concreto, por favor.

O Orador: - Intervirei como entendo, Sr. Presidente.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Em segundo lugar, Sr. Primeiro-Ministro e Sr. Ministro Luís Marques Mendes, a questão do referendo é uma questão política importantíssima.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - É verdade!

O Orador: - Mas deste debate ficou claro que não existirá referendo no dia 13 de Junho de 2004. Não existirá! Nós proporemos - e a direita terá de votar contra, ou a favor - um referendo em tempo útil.
O Sr. Primeiro-Ministro veio dizer-nos aqui: é preciso não irmos na defensiva (cito-o, exactamente)…

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Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma vez mais lhe digo: isto é uma defesa da honra e eu tirar-lhe-ei a palavra, se não se concentra na defesa da honra ofendida.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Sr. Presidente, eu percebo que haja grande tumulto na base da direita,…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço o favor de fazerem também silêncio, porque esta troca de conversas prolonga o debate: o Sr. Deputado já podia ter terminado a sua intervenção e o Sr. Primeiro-Ministro respondido, e o caso estaria encerrado!
Queira prosseguir, Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente!
Como eu dizia, o referendo em tempo útil será submetido, por proposta do Bloco de Esquerda, e veremos as alternativas.
Deixámos completamente claro - e bastaria o Sr. Primeiro-Ministro ter lido a carta que lhe dirigi - que votaremos "não!" à actual proposta de tratado de Giscard d'Estaing,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é que é a defesa da honra?!

O Orador: - … por muitas e boas razões: não foi um processo constituinte, não se baseou num processo democrático e o texto é inaceitável. O Sr. Primeiro-Ministro, aliás, veio-nos dizer aqui que não o aceitava em alguns pontos fundamentais. E a clarificação política que deve resultar deste debate é sabermos se, sim, ou não, vota a favor: esta é a dúvida.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas isto é que é a defesa da honra?!

O Orador: - E a dúvida é: se permite aos portugueses que votem, ou não, nas circunstâncias possíveis deste debate referendário. Isto, sim, Sr. Primeiro-Ministro, é aquilo que o senhor tem de esclarecer ao País.

Vozes do BE: - Muito bem!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, manifestamente, V. Ex.ª não fez qualquer defesa da honra!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A Mesa cometeu um erro, ao ter-lhe dado a palavra. Não lhe dará outra vez a palavra. E também não darei outra vez a palavra ao Sr. Primeiro-Ministro, porque, manifestamente, esta intervenção não é defesa da honra, é um prolongamento do debate, além do que estava regimentalmente previsto!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Francisco Louçã, que, ao invocar a defesa da honra perante as afirmações do Sr. Primeiro-Ministro, eu manifestamente cometi um erro, e disso peço desculpa à Câmara!
Depois da intervenção de V. Ex.ª e do tom que usou, fica claro, as palavras que ouvi ao Sr. Primeiro-Ministro não ofendiam ninguém! Peço desculpa, mas é assim! Esta é a minha interpretação.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Se quer interpelar a Mesa, Sr. Deputado Francisco Louçã, tem a palavra para esse efeito.

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, registei as suas palavras. Considero a sua opinião, mas, como compreende, depois de o Sr. Primeiro-Ministro ter considerado que o fundamento da minha intervenção era desonestidade política…

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

… entendi, no exercício do direito de opinião de cada Deputado e em representação desta bancada, fundamentar politicamente aquilo que me pareceu necessário. Nunca foi tradição, e não será, certamente, com o Sr. Presidente, que as intervenções sejam censuradas, comentadas, ou filtradas, por qualquer presidência…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu havia era de ser presidente!…

O Orador: - Portanto, desse ponto de vista, exerci os meus direitos regimentais!

Aplausos do BE.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, a Mesa não tem evidentemente qualquer poder, nem envida qualquer empenho, para censurar as intervenções dos Srs. Deputados, mas é obrigada, firmemente, a fazer aplicar o Regimento. É esta a minha função, foi para isso que fui eleito, não sei se com o voto de V. Ex.ª, mas, em todo o caso, pela maioria da Câmara.

Risos do CDS-PP.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, não vou fazer qualquer intervenção, mas penso que tenho o direito e o dever de dizer que não ofendi, de maneira nenhuma, a honra do Sr. Deputado Francisco Louçã, e considero que o Sr. Deputado Francisco Louçã, com estes incidentes processuais, quer ter um tempo e uma representatividade na Câmara que os portugueses não lhe deram nas urnas!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Gostaria, em primeiro lugar, de referir que aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro disse, hoje, e as explicações que deu, relativamente à guerra do Iraque, são extremamente graves. Aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro acabou de referir foi: fosse a guerra por que motivo fosse, aceitaria esta guerra!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Primeiro-Ministro acabou de confirmar uma das críticas que Os Verdes lhe lançaram, muitas vezes, quando discutimos esta matéria na Assembleia da República: a crítica da submissão vergonhosa e incondicional aos Estados Unidos da América.
O Sr. Primeiro-Ministro acabou de confirmar que mentiu aos portugueses. Acreditou que havia um motivo, que lhe foi alegado, o da presença de armas de destruição maciça, de ameaça ao mundo, no Iraque, pretexto este levantado pelos Estados Unidos da América, relativamente a esta matéria, obviamente, para legitimar esta guerra aos olhos do mundo. Afinal, essa hipotética legitimidade não existia!
Portanto, o Sr. Primeiro-Ministro mentiu aos portugueses, mentiu ao mundo e tem, naturalmente, que responder e assumir as responsabilidades, relativamente a esta questão.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sobre a crise do Governo, eu gostaria de dizer o seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro tem razão quando diz que os Ministros, por serem Ministros, não deixam de ser pessoas. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, as pessoas, por serem Ministros, também não têm direito a regalias especiais!

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Nem os portugueses compreenderiam que fosse de outra forma.

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, não se compreende que o Sr. Primeiro-Ministro, que tinha a obrigação óbvia de tirar tudo a limpo, tenha acabado por se deixar sujeitar à pressão da comunicação social para determinar a sua acção no sentido de aceitar, ou não, um pedido de demissão.
Esteve a ver se o Sr. Ministro "passava"... Não passou! Por isso, o Sr. Primeiro-Ministro deve também assumir essa responsabilidade, por eventualmente procurar deixar uma situação perfeitamente vergonhosa para Portugal.
Quanto à questão da União Europeia, eu gostaria de dizer-lhe o seguinte: um Governo, neste caso, o português, que, logo à partida, leva para a Conferência Intergovernamental a ideia de que contestar princípios, contidos num dito tratado constitucional, é deixar de estar no eixo da formação europeia, é reservar-se a uma posição de periferia, a uma posição marginal, é, desde logo, admitir, Sr. Primeiro-Ministro que não tem absolutamente força alguma para orientar seja o que for naquela Conferência Intergovernamental.
Um Primeiro-Ministro e um Governo que consideravam que era inadmissível aceitar um presidente para o Conselho Europeu, que era inadmissível aceitar o fim das presidências rotativas…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - … e, agora, acaba por aceitar tudo isto, de uma forma condicional, não se percebe bem como, mas acaba por aceitar estes princípios...!
Relativamente à questão das maiorias qualificadas e ao fim da unanimidade em muitas matérias, o Sr. Primeiro-Ministro parece que leva também já uma posição extremamente fragilizada, neste assuntos.
No que concerne ao número de comissários, também sem direito de voto, o Sr. Ministro também já está completamente fragilizado pelas sucessivas posições que tem tido, em relação à questão da composição da Comissão. Por isso, a nossa grande preocupação prende-se com a fragilidade da posição, ou da defesa das posições, no que respeita ao interesse de Portugal, nomeadamente, no processo decisório da União Europeia que, agora, está em causa.
Portanto, é isto que o Sr. Primeiro-Ministro deve ter em conta. E está, de facto, extremamente fragilizado devido às sucessivas posições incongruentes que tem tido nesta matéria.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Sobre o referendo, em concreto, gostava de dizer-lhe: não tenha dúvidas, absolutamente nenhumas, Sr. Primeiro-Ministro, de que Os Verdes defendem o referendo, nesta matéria, como o defenderam, no passado.

A Sr.ª Isménia Franco (PSD): - Ah! Ainda bem!…

A Oradora: - Agora, o referendo não vale assim, por si só, e aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro está a fazer, ou a querer fazer, associando o referendo às eleições europeias, é a procurar dar a entender que aquilo que está em causa, neste momento é o fim, ou não, da integração de Portugal na União Europeia. Esta é a questão, Sr. Primeiro-Ministro!
Mas o Sr. Primeiro-Ministro não se quer ainda pronunciar sobre a questão da pergunta que será feita. Considera que isso ainda é extremamente prematuro. Ora, é óbvio que temos de ter em conta que as perguntas que forem feitas terão de ser sobre aquilo que, em concreto, está em causa, relativamente a Portugal, nomeadamente, o fim ou a fragilização de Portugal no processo decisório da União Europeia. E eu relembro-lhe que há países que também estão na União Europeia por forma diversificada e que nem por isso deixam de estar na União Europeia, como a Dinamarca ou a Suécia. Portanto, o que está em causa não é o fim, ou não, da integração de Portugal na União Europeia!!
Em suma: aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro, repito, pretende, com esta simultaneidade das eleições e do referendo é procurar associar esse objectivo para que, depois, procure, com as já célebres histórias das inevitabilidades referir que, caso exista um refendo, ou não, que Portugal necessariamente estará numa posição de desintegração, o que não é obviamente o caso.
Portanto, o que se pede, relativamente a esta negociação que está em causa na Conferência Intergovernamental, é força. E a pergunta concreta que faço ao Sr. Primeiro-Ministro, para ver também se, afinal, concorda ou não com o referendo, é esta: e se o referendo não for em simultâneo com as eleições europeias, concorda, ou não, com o referendo?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

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O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em relação à questão do Iraque, eu já disse tudo o que tinha a dizer e consta das minhas intervenções, aqui feitas, abundantemente.
Hoje, abordei um ponto, mas não é o único ponto. Quero recordar à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia que a obrigação de provar que não havia armas de destruição maciça era do regime de Saddam. Foi assim que foram desenhadas, redigidas e aprovadas 16 resoluções das Nações Unidas. É um caso em que o ónus da prova recaía sobre aquele regime, e o regime nunca provou, até ao fim, como e quando tinha eliminado essas armas de destruição maciça.
Por isso, não pode a Sr.ª Deputada dizer que a minha posição era a de, em qualquer caso, apoiar uma intervenção no Iraque.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Foi o Sr. Primeiro-Ministro que o disse!

O Orador: - O que eu disse - sejamos precisos e rigorosos - foi que o essencial da nossa fundamentação nunca esteve na questão das armas de destruição maciça. É verdade, nunca esteve! Mas não quer dizer que não existissem. E existe o problema das armas de destruição maciça.
Quanto à questão da União Europeia e da fragilização de Portugal alegada pela Sr.ª Deputada, é precisamente para debater esse aspecto que me parece útil um referendo, até para que haja alguma pedagogia.
Tenho tido um discurso extremamente sério, franco sobre estas questões. É preciso que os portugueses saibam que a 25 será cada vez mais difícil, se não o fizermos melhor, a defesa do interesse nacional. É óbvio que sim!
Sr.ª Deputada, nunca pretendi que tudo o que se consegue na União Europeia é o resultado da iniciativa ou da liderança portuguesa - nunca o disse. Também há questões de poder no âmbito europeu e a verdade é que vamos ganhar nalguns pontos e perder noutros.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Diga um em que vamos ganhar, Sr. Primeiro-Ministro, um só!

O Orador: - Penso, aliás, que é pouco comum que isto seja dito por responsáveis políticos.
É precisamente para ponderar as questões positivas e negativas que deve haver um referendo.
A Sr.ª Deputada, mais uma vez, faz-me um processo de intenção, agora em relação à pergunta do referendo. Mas se eu viesse aqui com uma pergunta hipotética, provavelmente diria que ela era errada. Estou disponível para discutir com todas as formações políticas, incluindo Os Verdes, o conteúdo dessa pergunta - podemos discuti-la! É uma questão difícil e não uma questão fácil.
Nunca disse que a pergunta seria: "Concorda ou não que Portugal seja União Europeia?" Nunca o disse, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Mas está a querer associar!

O Orador: - É a sua opinião e, mais uma vez, a estratégia da insinuação que parece tornar-se, hoje, a regra em tantas intervenções de alguns Deputados da oposição.
Estou disponível para discutir construtivamente a pergunta que vamos colocar no referendo europeu, referendo europeu, repito, que deve realizar-se na data das eleições europeias, porque é a melhor forma de garantirmos uma participação, de centrarmos a atenção dos portugueses. Aliás, é uma questão de bom senso: os portugueses não querem participar num referendo no dia 13 de Junho e, no mês seguinte, estarem a votar nas eleições regionais.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Os portugueses não querem? Já lhes perguntou?

O Orador: - Parece-me ser uma razão de bom senso. E se queremos, como parece ser o caso, uma participação e um debate alargados, vamos travar esse debate!!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Estou de espírito plenamente aberto, por isso não há razão para as suas sistemáticas suspeitas.
Vou responder a algumas questões concretas.
Perguntou-me a Sr.ª Deputada se somos a favor ou contra as maiorias qualificadas e eu digo-lhe que, regra geral, sou a favor, porque quero que a União Europeia funcione. É evidente que, se fosse a favor da decisão por unanimidade, paralisava a União Europeia. Eu conheço a União Europeia, Sr.ª Deputada!
A Sr.ª Deputada julga que é fácil com Quinze e que vai ficar mais fácil com Vinte e Cinco?...
É muito demagógico vir defender a unanimidade, dizer que Portugal tem sempre de dar o seu acordo. Portugal vai perder, muitas vezes, em votações da União Europeia, não tenha a menor dúvida!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Pois não!

O Orador: - Votam 25 países e nós não podemos ter sempre vencimento.

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Como quero que a União Europeia funcione, porque entendo que é bom para Portugal que a União Europeia funcione, sou a favor, regra geral, das maiorias qualificadas. Estou a ser absolutamente franco e esperava que a Sr.ª Deputada não continuasse a defender posições absolutamente "nacionalistas", no mau sentido da palavra,…

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

… porque também há um bom sentido da palavra, o sentido da defesa da identidade nacional. Em suma, esperava que a Sr.ª Deputada não recorresse a esse tipo de demagogia.
A nossa posição é pró-europeia e, naturalmente, por vezes teremos de ceder em alguns pontos, mas estou seguro de que, entre ganhos e perdas, a posição portuguesa sairá reforçada.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para replicar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, registo que não respondeu à pergunta concreta que formulei para o caso de o referendo não se realizar em simultâneo com as eleições para o Parlamento Europeu. Se assim for, quer ou não quer o referendo? Julgo que tem de responder a esta questão para que se perceba se, de facto, quer ou não o referendo, ou se essa é uma condição necessária para a realização do referendo, na perspectiva do Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Assim como ainda não respondeu, nesta Câmara, a diversas questões que lhe foram colocadas sobre a matéria do referendo. Afinal, o que resultará de um "não" ou de um "sim" no referendo?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Responda concretamente, Sr. Primeiro-Ministro, porque só assim saberemos qual é a sua posição relativamente a esta matéria!!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Por outro lado, o Sr. Primeiro-Ministro referiu que é evidente que vamos perder nalgumas questões e ganhar noutras. Ora, relativamente ao que está em discussão na Conferência Intergovernamental, queria perceber onde é que o Sr. Primeiro-Ministro não admite perder, e essa resposta o senhor não dá! Vai, passo a passo, até à proposta final que está em cima da mesa neste momento, reduzindo sempre mais a sua contestação em relação ao que é objecto de discussão na Conferência Intergovernamental.
E, Sr. Primeiro-Ministro, sobre a defesa de posições "nacionalistas", não venha com essa conversa para cima de mim, por amor de Deus! Aliás, esta "história" da União Europeia e da Conferência Intergovernamental faz-me lembrar, claramente, a questão da política comum de pescas, em que comecei por ouvir o Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas referir que se demitia se se pusesse a hipótese da concretização daquela proposta da entrada de embarcações de outros Estados-membros na nossa Zona Económica Exclusiva e hoje já o oiço dizer que se conseguirmos reduzir o número de embarcações espanholas a entrar já não é nada mau… Afinal, o que é isto? Estamos ou não a defender os interesses de Portugal?
Os outros países vão defendendo os seus interesses. Por exemplo, já ouvimos por aqui dizer que a Alemanha e a França já recorreram a um processo até "chantagista" relativamente a fundos comunitários para concretizarem algumas posições na Conferência Intergovernamental. De facto, estamos a falar de questões muito sérias e penso que o Sr. Primeiro-Ministro só veio confirmar a fragilidade que leva para a Conferência Intergovernamental.
Relativamente à agressão do Iraque, peço desculpa, mas vou ter de dizer que o Sr. Primeiro-Ministro devia ter vergonha de mentir a esta Câmara da forma como o faz. Deveria ter vergonha!

Protestos do PSD.

Por favor, leia o Diário da Assembleia da República de anteriores debates em que participou e veja a contradição em que está a entrar e de como está a mentir, de forma clara, aos portugueses!
Uma última questão que gostaria de colocar ao Sr. Primeiro-Ministro, e que ainda não foi tratada, prende-se com o seguinte: foi anunciada, por parte do Ministério do Ambiente, uma taxa sobre o metano e o dióxido de carbono, a fim de criar um fundo financeiro em Portugal para a compra de créditos de emissões e de quotas de poluição para, desse modo, cumprirmos o Protocolo de Quioto.

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Ora, através desta atitude, o Governo declara-se claramente incompetente no sentido de aplicar políticas e medidas internas em Portugal, nomeadamente nos sectores da energia e dos transportes para cumprimento do Protocolo de Quioto; através desta medida, o Sr. Primeiro-Ministro e este Governo estão a fazer os portugueses pagar duplamente a inacção e a incompetência do Governo, porque vão pagar mais uma taxa em nome da concretização do princípio do poluidor/pagador que nada tem de poluidor/pagador,…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de terminar.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
… porque o princípio do poluidor/pagador tem de ter um mecanismo de prevenção associado, o que não acontece com o pagamento desta taxa. Além do mais, pagam para mais poluição que Portugal vai comprar para Portugal.
Sr. Primeiro-Ministro, este comportamento é extremamente vergonhoso e peço a sua compreensão nesta matéria, no sentido de um cumprimento sério do Protocolo de Quioto.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, as palavras "vergonhoso" e "vergonha" fazem parte do vosso vocabulário normal. Vou dar-vos um conselho: quando se banaliza e radicaliza excessivamente a crítica, ela deixa de ter qualquer valor. É o que está a passar-se hoje, as pessoas já não vos ouvem e não tem qualquer importância o que dizem do ponto de vista da substância, porque é de tal maneira excessivo…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Dizem-me que a questão do Iraque é uma "vergonha", que a posição em relação à taxa é "vergonhosa"…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - E não é?!

O Orador: - Por amor de Deus, Sr.ª Deputada! Peço-lhe um pouco de bom senso, até porque em relação a esta última questão não está tomada qualquer decisão.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Já o estou a alertar, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - Apenas foi feito o anúncio de que há um estudo em curso no Ministério do Ambiente, por isso não pode falar em "vergonhoso". Fazer um estudo não é vergonhoso, Sr.ª Deputada!
Tenha um pouco de bom senso!!
No que diz respeito à questão do Iraque, reafirmo tudo o que disse e a coerência da posição que assumimos, bem como o orgulho pela posição de um Governo que esteve do lado dos valores da democracia e contra os valores - que são não-valores - da tirania. Reafirmo tudo o que disse e orgulho-me dessa posição.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Responda à minha pergunta sobre o referendo!

O Orador: - No que diz respeito à questão do referendo, a Sr.ª Deputada saberá, com certeza, que a decisão final é do Presidente da República e que, contudo, a iniciativa é do Governo ou da Assembleia da República. Ora, falando como líder do Governo e como líder da maioria da Assembleia da República, posso adiantar qual é a proposta que queremos que seja aprovada. E, quando se faz uma proposta, do ponto de vista democrático, não faz qualquer sentido estar a responder a questões hipotéticas com julgamentos de intenção!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Mas quer que nós respondamos!

O Orador: - Não, Sr.ª Deputada, faço uma proposta e agora estou atento à vossa resposta. A vossa resposta - já se sabia - é sempre "não"; aliás, antes de ouvirem qualquer proposta, a vossa resposta é "não", sempre "não".
Fiquei com interesse na posição do Partido Socialista, porque apesar de haver diferenças no Partido Socialista… - e há muitas, não em relação à data! A diferença no Partido Socialista é se são contra ou a favor do referendo, porque há grandes personalidades do Partido Socialista, designadamente os Drs. Almeida Santos e Jaime Gama, que, pura e simplesmente, são contra o referendo. Esse é, de facto, o problema do Partido Socialista: há duas posições radicalmente diferentes, e não me refiro à data do referendo. Há gente com muito peso na direcção e na própria vontade do Partido Socialista que é contra o referendo, qualquer referendo. Essa é que é a questão relevante.
Desculpar-me-á, Sr.ª Deputada, mas dou mais importância à posição do Partido Socialista do que à de Os Verdes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso parece razoável!

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O Orador: - Fiz uma proposta de boa fé, de bom senso, de princípio, de convicção, proposta essa que tem o apoio, obviamente, do Governo e da maioria parlamentar, e tenho o direito de saber se há ou não condições, nesta Assembleia e no País, para obtermos um consenso que possibilite aos portugueses exprimirem-se sobre a matéria.
Pela minha parte, ainda não desisti dessa ideia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para iniciar a segunda volta de perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª apresenta-se a este debate fragilizado por uma seriíssima crise que passou o seu Governo…

Protestos do PSD.

… e da qual resultou a demissão, "a conta-gotas", de dois ministros e uma remodelação forçada comandada não por si mas pela comunicação social.

Vozes do PS: - Verdade!

O Orador: - Esta questão é essencial em termos de qualidade da democracia e de funcionamento do Estado de direito. Recordo que os factos principais nunca foram desmentidos até hoje, factos principais que configuram uma situação, primeiro, de flagrante violação da lei, segundo, de violação deliberada da lei, terceiro, para retirada de benefícios pessoais e, quarto, organizada em conluio ao mais alto nível do aparelho de Estado, começando pelo seu Governo.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - É sobre estes factos que o Sr. Primeiro-Ministro tem de pronunciar-se, sendo que - acresce - o Sr. Primeiro-Ministro não teve nem autoridade nem liderança para responder a esta crise do seu Governo.
E esta não é uma questão que se esgote aqui, porque a falta de coesão, a falta de solidariedade, o não entendimento entre membros do seu Governo não se esgota na questão da manipulação de regras para entrada num curso superior.
Ainda ontem a Sr.ª Ministra dos Negócios Estrangeiros - que saúdo - teve oportunidade de dizer, a propósito da proposta do referendo, que o referendo é sempre positivo, mas que é prematuro ter uma posição sobre essa matéria.

O Sr. António Costa (PS): - Exactamente!

O Orador: - É caso para dizer: entendam-se! Entendam-se, Srs. Membros do Governo! Sr. Primeiro-Ministro, conduza o seu Governo!!

Aplausos do PS.

Voltemos, então, a esta crise, que é gravíssima! Basta ler a imprensa nacional, basta ler a imprensa internacional, basta ouvir a opinião pública. O que pensa o Sr. Primeiro-Ministro desta crise? Que esclarecimentos tem a dar? O Sr. Primeiro-Ministro acredita na palavra do Sr. ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, que "chutou" as responsabilidades, numa tentativa de alteração da lei, para o então Sr. Secretário de Estado, ou acredita no Sr. Secretário de Estado que se mantém em funções? O que pensa o Sr. Primeiro-Ministro acerca desta sucessão de acontecimentos? O Sr. Primeiro-Ministro, como líder do PSD, "enxameou" o País com cartazes eleitorais como o que está aqui nesta fotocópia: "Mãe, por que é que a avó precisa de cunhas para ser operada?".

O Sr. José Magalhães (PS): - Que giro!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro tem consciência de que agora as pessoas estão a pensar noutra pergunta? "Mãe, por que é que há quem ache agora que basta a cunha para entrar em medicina?". O que tem o Sr. Primeiro-Ministro a dizer a estas pessoas?

Aplausos do PS.

Quando é que o Sr. Primeiro-Ministro pede desculpa aos portugueses pela actuação do envolvimento directo de membros de um Governo de que o Sr. Primeiro-Ministro é responsável? Quando é que o Sr. Primeiro-Ministro assume as suas responsabilidades políticas em relação a esta questão fundamental do exercício da democracia?

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo terminou.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O que nos pode garantir o Sr. Primeiro-Ministro sobre o comportamento futuro dos seus Membros do Governo? É uma questão de ética e de credibilidade política que está aqui em causa e é sobre essa questão que o Sr. Primeiro-Ministro deve dar, a esta Assembleia e a todo o povo português, respostas claras, respostas inequívocas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Santos Silva, em relação à questão que colocou, não deve ter ouvido a minha primeira resposta.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Muito bem!

O Orador: - Fui bastante claro. Obviamente, quando Ministros apresentam a sua demissão e quando o Primeiro-Ministro aceita essa demissão, isso quer dizer que o Primeiro-Ministro retirou todas as consequências políticas e o Governo assumiu, desse modo, as suas responsabilidades políticas. V. Ex.ª não devia ter ainda chegado quando respondi a esta questão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Estava ali sentado!

O Orador: - Sr. Deputado, em matéria de fugir às responsabilidades não aceito nenhuma lição, sobretudo do partido cujo Primeiro-Ministro fugiu à própria responsabilidade de governar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

No que diz respeito à questão europeia e ao referendo, esperava uma posição do Partido Socialista,…

O Sr. António Costa (PS): - Já a conhece!

O Orador: - … embora admita que é necessário algum tempo para procurarmos chegar a um acordo até sobre outras questões para além do referendo, porque está aberto - não esqueçamos - um processo de revisão constitucional. Penso que em termos de regime e de Estado é útil chegarmos a algumas convergências. Continuamos sem saber a posição do Partido Socialista porque relevantes figuras do Partido Socialista são, pura e simplesmente, contra qualquer referendo. Todavia, quero lembrar que o vosso representante na Convenção Europeia, e que por isso tem uma legitimidade e uma autoridade especiais - que nesta matéria são superiores às suas, desculpar-me-á, Sr. Deputado...! -, o Sr. Deputado Alberto Costa defendeu concretamente a simultaneidade da realização das eleições europeias com o referendo europeu.

Protestos do PS.

Por isso, ainda não perdi a esperança de chegarmos a acordo com o Partido Socialista, embora lamente que em algumas matérias o Partido Socialista queira aplicar, em relação ao Governo, juízos severos que nem sempre aplica relativamente a si próprio.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, a Mesa está em condições de demonstrar ao Sr. Primeiro-Ministro que me encontro presente neste debate desde o seu primeiro minuto. Este debate não é uma questão de horários, mas uma questão de credibilidade política.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está atestado que o Sr. Deputado está presente na Sala desde o princípio.
Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mais interpelações à Mesa?! Não pode ser!

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O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, esta interpelação resulta do facto de sucessivas intervenções do Sr. Primeiro-Ministro demonstrarem que o Sr. Primeiro-Ministro desconhece que houve um debate aqui, na Assembleia da República, suscitado, aliás, por uma intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, na passada quarta-feira, onde o Partido Socialista respondeu já muito claramente qual é a sua posição sobre esta matéria: não dará acordo a que haja revisão constitucional para viabilizar a simultaneidade de referendos com eleições…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto não é uma interpelação, é uma declaração.

O Orador: - … e, portanto, no próximo dia 13 de Junho, não haverá referendo em simultâneo com as eleições europeias. O PS já esclareceu este assunto na quarta-feira passada. Não percebo por que razão o Sr. Primeiro-Ministro ainda hoje não sabe qual é a posição do PS sobre essa matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, certamente, o Sr. Primeiro-Ministro terá tido conhecimento da intervenção de V. Ex.ª. Acontece é que quererá fazer um apelo para uma reconsideração. Este é o modo como interpreto a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro.
Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, com todo o respeito por esta Assembleia e pelo modo como são conduzidos os trabalhos, verifico que, mais uma vez, é usada a figura da interpelação para fazer intervenções.
Sr. Deputado, em relação à questão de fundo, não é a primeira vez, e talvez não seja a última, que o Partido Socialista, em matéria de revisão constitucional, toma uma posição e mais tarde modifica-a.

Protestos do PS.

Por isso, quero esperar que prevaleça o bom senso, nomeadamente quando vejo posições tão diferentes como aquelas que aqui tive ocasião de anunciar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não vi na intervenção inicial do líder do seu partido -que, permitir-me-á, tem mais autoridade nesta matéria que V. Ex.ª - essa convicção que V. Ex.ª aqui manifestou agora. Poderia, eventualmente, tê-lo feito para que não houvesse dúvidas. Por isso, insisto e faço mais uma vez um apelo ao Partido Socialista: não digam "não" peremptoriamente. É importante para o País que haja um referendo europeu e a ocasião ideal para esse debate é o momento das eleições europeias.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Bom, vamos ter de acertar aqui procedimentos porque manifestamente o Regimento estar a ficar demasiado flexível e a Mesa é a culpada. Temos de "acertar agulhas" neste domínio.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um esclarecimento à Câmara, visto que fui citado agora pelo Sr. Primeiro-Ministro e não queria que houvesse qualquer confusão a este respeito.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, a posição que foi hoje, aqui, defendida por mim é uma posição absolutamente convergente com a posição defendida pelo meu camarada António Costa no debate aqui referido. Essa é a posição do Partido Socialista e, por consequência, quem mudou de posição não foi o PS, foi o PSD, no quadro de uma crise interna a que nos temos referido abundantemente durante o debate de hoje.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, quis V. Ex.ª trazer a esta Câmara, e bem, o tema europeu, na sequência dos trabalhos da Conferência Intergovernamental que se iniciaram no dia 4 de Outubro.
De facto, Sr. Primeiro-Ministro, este assunto é da maior importância para Portugal. Acompanhando atentamente este debate, verifico que quem não está interessado em debater a Europa encontra aqui uma enorme dificuldade e aproveita esta ocasião para falar de outros assuntos, fugindo àquilo que essencialmente está em cima da mesa.

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Aplausos do PSD.

Sr. Primeiro-Ministro, nesta fase, verifica-se que, afinal, a iniciativa que o PSD tomou (a iniciativa que agora o Sr. Primeiro-Ministro aqui traz a esta Câmara em nome do Governo) de realizar um referendo é extremamente profícua. Lembra à sociedade portuguesa que temos um debate pela frente e falar-se de referendo, como, aliás, o Sr. Primeiro-Ministro já hoje aqui referiu ou em outras ocasiões, é também um excelente momento para que a sociedade portuguesa comece a falar da Europa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tenho muita esperança, como o Sr. Primeiro-Ministro, que todos os que são convictamente europeístas, que todos os que pensam que o futuro de Portugal passa necessariamente pela sua afirmação na Europa vão repensar posições para que não tomem decisões a quente e para que reflictam naquilo que é de maior importância para Portugal e para todos os que desejam um futuro melhor para os seus filhos.
Sr. Primeiro-Ministro, nesta Assembleia da República, acompanhámos muito atentamente os trabalhos da Convenção Europeia. Através dos mecanismos institucionais existentes e através de mecanismos que o Sr. Primeiro-Ministro já aqui apontou, como a proposta da criação de um grupo de acompanhamento, esta Assembleia irá seguir de perto os trabalhos da Convenção Europeia.
Depois de enunciados alguns princípios, princípios esses bem acentuados e bem marcados pela representação do Governo na Convenção Europeia, onde a igualdade entre os Estados-membros, a coesão e solidariedade e a defesa do método comunitário foram claramente defendidos, pergunto: na medida em que for possível, mantendo os aspectos relativos a uma certa discrição - que em questões negociais são sempre importantes -, qual vai ser a estratégia do Governo português durante a próxima Conferência Intergovernamental?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, tenha a bondade de concluir.

O Orador: - É certamente, uma estratégia de aprofundamento da vontade de Portugal ser liderante na Europa; é certamente a vontade de aproveitar este momento para continuar a aprofundar os grandes desafios que Portugal tem internamente pela sua frente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nazaré Pereira, muito obrigado pela sua questão.
Este ponto do estilo e do posicionamento da negociação é importante porque, por vezes, na opinião publicada, pensa-se que é pelo facto de um país "fazer mais músculo" ou "falar mais alto" que consegue mais ganho de causa, o que não é verdade para quem conhece a posição europeia e a negociação europeia.
Ao longo dos tempos, temos tido - e aí até quero ser justo -, independentemente dos governos, um posicionamento relativamente próximo em relação à questão europeia. Desde 1986, quando aderimos à então Comunidade Europeia, até hoje, passando já por vários governos, a posição portuguesa tem sido a de querer afirmar-se no centro da construção europeia, acompanhando às vezes com grande esforço a "primeira divisão" europeia, como aconteceu quando aderimos ao euro. Muita gente não acreditava que Portugal pudesse aderir ao euro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Foi algo iniciado por um governo do PSD - de que me orgulho de ter pertencido - e já concluído por um governo do Partido Socialista. É pena que o Partido Socialista actualmente não ponha o mesmo empenho no respeito do pacto de estabilidade que pôs quando colocou Portugal no euro, mas essa é outra questão.
A verdade é que tem havido, da parte portuguesa, um posicionamento que é: vamos tentar estar no núcleo mais duro da integração europeia; por exemplo, até em matérias que não são estritamente comunitárias, como a questão Schengen, em que Portugal também aderiu a Schengen, para além de ter aderido a outras cooperações reforçadas ou algo que se assemelha a cooperações reforçadas. Penso que este é o posicionamento que serve o interesse de Portugal.
Obviamente, do ponto de vista mediático, talvez fosse mais fácil dizer "não" em voz alta, sempre, e jogar com um discurso radical ou periférico. Mas, do ponto de vista da defesa dos interesses nacionais, não é aquilo que tem sido feito e penso que devemos manter este tipo de posicionamento. Porque estou absolutamente convencido de que, no passado e, cada vez mais, no futuro, sobretudo a Vinte e Cinco, vai haver, naturalmente - é da física do poder, é da própria gramática das relações entre governos e até, diria, entre pessoas -, um núcleo mais forte da decisão.
Se Portugal se colocasse numa posição vista como de recusa, de resistência, isso tirava-nos capacidade negocial. Portanto, é esta a nossa estratégia, em linhas gerais, é o que estamos a seguir.

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Obviamente que poderei até dar mais detalhes ao Srs. Deputados. Vou receber todos os partidos na próxima quarta-feira, a partir das 9 horas - antes do próximo Conselho Europeu, conto dar aos Srs. Deputados, um documento bastante extenso acerca das posições sobre todas as matérias relevantes que o Governo está a defender no âmbito da Conferência Intergovernamental.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia.

O Sr. Miguel Anacoreta Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, em primeiro lugar, queria salientar a seriedade e a franqueza com que o Sr. Primeiro-Ministro respondeu e apresentou os pontos de vista do Governo sobre a questão europeia, em geral, e, em particular, sobre o problema da Conferência Intergovernamental que agora começou.
Quero dizer-lhe do meu apoio à resposta que foi dada há momentos à pergunta do nosso Colega António Nazaré Pereira sobre o posicionamento em geral de Portugal nesta questão. Ou Portugal, efectivamente, está no núcleo que é catalisador e dinamizador das posições europeias - e assim teremos a defesa de posições que são conformes aos nossos interesses - ou, então, remeter-nos-emos a uma posição de país de protesto e de país de contestação, que não serve, obviamente, os nossos interesses.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Na passada sexta-feira, Sr. Primeiro-Ministro, a Assembleia da República aprovou, quase por unanimidade - apenas com algumas abstenções -, a ratificação do Tratado de Adesão de novos países.
Nessa altura, tive ocasião de referir a posição do meu partido, que é sempre seguida com muito interesse pela classe política, designadamente pelos jornalistas, e que foi sintetizada em cinco pontos que eu aqui resumiria: primeiro, somos pela discussão do texto apresentado, o texto da convenção; segundo, somos favoráveis à igualdade jurídica dos Estados e a um comissário por país; terceiro, estamos na posição de entender que o actual preâmbulo não serve a verdade técnica ao não pôr em evidência o legado do cristianismo na Europa; em quarto lugar, somos adeptos de que, efectivamente, a segurança e a defesa da Europa não podem ser feitas "apesar de" ou "contra" os nossos aliados de sempre, os Estados Unidos da América. Somos firmemente atlantistas nesta matéria.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Uma quinta questão, não teve ainda, da parte do Sr. Primeiro-Ministro, embora o Governo já tenha dado uma resposta induzida quando propôs a criação de um grupo de acompanhamento da CIG, que é efectivamente o reforço do papel dos parlamentos no controlo da subsidiariedade e da proporcionalidade no processo europeu.
Sr. Primeiro-Ministro, penso saber qual é a sua resposta mas como hoje foi o dia em que houve muitas questões que se tornaram claras e, a partir de agora, entramos no tal debate e na acção pedagógica que nos interessa para a preparação do referendo que tem de ser exercido com responsabilidade, eu perguntar-lhe-ia se, além destas quatro questões de que hoje aqui tivemos o conforto das posições do Governo, na quinta questão o Governo também vai defender o reforço do papel dos parlamentos no controlo da proporcionalidade e da subsidiariedade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia, agradeço a explicitação tão clara das posições do partido que integra a maioria, que V. Ex.ª representa e que V. Ex.ª, aliás, representa especialmente bem dado o seu conhecimento tão vasto e tão profundo da matéria europeia.
Sobre esta questão, aliás, eu queria dizer o seguinte: é bom que a favor da integração europeia estejam várias sensibilidades. Há alguns que estão muito incomodados com o facto de, na nossa maioria, haver mais do que uma sensibilidade europeia. Mas penso que é muito bom isso,...

O Sr. António Costa (PS): - Pois... Dá muita "consistência"!...

Risos do PS.

O Orador: - ... porque permite que, no quadro das novas instituições, nomeadamente no quadro do Parlamento Europeu, em várias formações políticas do Parlamento Europeu, haja a cumplicidade nacional que penso que, independentemente de diferenças políticas, deve sempre existir. Acho isso bastante desejável. E penso que é útil que sejam

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explicitadas - e por que não dizê-lo? - algumas nuances em relação àquilo que é uma linha de fundo, essa sim, assumida, solidária, convergente e coerente.
No que diz respeito à ratificação do Tratado de Adesão, quero dizer-lhe que foi um dos argumentos que utilizei, precisamente, na Conferência Intergovernamental quando disse que tinha acabado de ser aprovada em Portugal, nesta Câmara, sem um único voto contra, apenas com a abstenção de um partido, enfim, mais pequeno, essa ratificação.
Mas disse que a nossa posição europeísta se baseia naqueles princípios que aqui referi há pouco e que, se esses princípios fossem postos em causa, então, provavelmente, não seria essa a nossa posição tão clara a favor da Europa. Portanto, dei como testemunho da nossa convicção europeia em Portugal o facto de, praticamente por unanimidade, ter sido aprovado o Tratado de Adesão dos novos Estados-membros.
No que diz respeito à questão concreta que me coloca, do reforço do papel dos parlamentos, aqui está exactamente a minha posição: a de valorizar o Parlamento português - como, aliás, tenho feito em todas as ocasiões - também na questão da política externa.
Quero, aliás, lembrar que várias decisões, que são da competência exclusiva do Governo, vieram aqui à Assembleia da República e têm o apoio não apenas do Governo como o desta Assembleia, deste órgão de soberania de que o Governo depende - a propósito, a questão do Iraque, que aqui foi também, incidentalmente, trazida.
Portanto, Sr. Deputado, o Governo português vai continuar a defender o reforço do papel dos parlamentos nacionais em tudo aquilo que tenha a ver com o processo de construção europeia, nomeadamente o controlo da subsidiariedade e da proporcionalidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: De facto, as questões europeias que hoje aqui discutimos são da maior importância para o presente e para o futuro do País. Nesta matéria, o que se vai passar na Conferência Intergovernamental, a posição do Estado português, do Governo português, é de relevantíssima importância e não pode ser menorizada nesta discussão.
É evidente que estamos perante um perigo real de introdução de uma acentuada desigualdade entre os Estados membros, de amputação de soberania dos Estados, e de Portugal, com consequências directas na defesa dos interesses nacionais, e é evidente que o processo de decisão e as suas regras são uma matéria fundamental nesta questão, porque as regras ditam, muitas vezes, consequências negativas para o povo português e para Portugal e temos vários exemplos: na política económica, na política agrícola, na política das pescas.
Aliás, gostaria de perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro se é verdade que, no complexo processo das pescas e da protecção das águas portuguesas, está já ensejado um acordo entre o Governo português e o governo espanhol que permitirá mais do que duplicar a frota espanhola, ao fim de um breve período de transição, nas nossas águas territoriais, se é verdade que a frota espanhola poderá, daqui a poucos anos, aumentar de 181 para 400 barcos a pescar nas águas portuguesas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente! Boa pergunta!

O Orador: - Sendo certo que esta é uma decorrência concreta da forma como funcionam os processos de decisão, daqui se retira também como é importante termos em conta essa questão na negociação, na Conferência Intergovernamental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O referendo e a participação democrática, indispensável em todo este processo, deve ser tomado com seriedade. É evidente que tudo isto parte de uma convenção que, para além de exorbitar o seu mandato e de lhe faltar pluralismo, não tem legitimidade democrática e tenta impor um texto que é o mais favorável às grandes potências, pelo que não serve os interesses dos países mais pequenos.
Por isso, o referendo aparece como uma questão ainda mais decisiva, e cada vez mais decisiva, à semelhança de momentos anteriores. O Sr. Primeiro-Ministro sabe perfeitamente que foi o PCP o único que propôs nesta Assembleia, então, o referendo do Tratado de Maastricht e que essa proposta foi chumbada, designadamente pelos partidos hoje da maioria mas também pelo PS; sabe que foram o PS e o PSD que introduziram uma norma na Constituição para dificultar a obtenção de resultados concretos que vinculassem a posição do País num eventual referendo sobre as questões europeias, e sabe também que aquela pergunta feita em 1998 é uma pergunta deliberadamente inviável.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

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Há duas perguntas a que o Sr. Primeiro-Ministro continua a não querer responder: a primeira é a de nos dizer qual a consequência que pode resultar do referendo, quais são as consequências para o Estado português, para a sua posição, que o referendo pode vincular. Isto para as pessoas poderem saber em que é que vão votar.
A segunda pergunta é a de saber se, não havendo, como parece não haver, disponibilidade para fazer coincidir o referendo com as eleições europeias, o Sr. Primeiro-Ministro quer o referendo ainda assim, ou não quer e este foi só um subterfúgio para que ele não existisse.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, responderei às questões concretas que me colocou; quanto às outras talvez não valha a pena insistirmos nelas.
Relativamente à questão das pescas, estão a decorrer negociações entre o Governo português e o governo espanhol; praticamente todos os dias o Sr. Ministro da Agricultura fala com o seu homólogo espanhol e eu próprio já falei no assunto ao presidente do governo espanhol no que diz respeito às chamadas águas ocidentais.
V. Ex.ª falou em águas territoriais, deve estar a querer referir-se também à zona económica exclusiva, que, como sabe, é uma matéria muito difícil porque, de acordo com o Direito Comunitário, sustenta-se que a zona económica exclusiva não é apenas matéria de cada país, é de jurisdição comunitária, como aliás o mercado interno, o próprio território, em sentido estrito, da União Europeia.
De qualquer forma, o Sr. Deputado pode estar tranquilo, porque não é de forma alguma essa a orientação da actual fase de negociação. Esperamos, desejamos, mas não podemos neste momento garantir, chegar a um acordo com as autoridades espanholas que garanta princípios que os espanhóis consideram essenciais, mas que garanta também a defesa da economia portuguesa, concretamente das pescas por parte dos armadores e pescadores.
No que diz respeito às outras questões, quanto às consequências de uma eventual resposta negativa no referendo,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Negativa ou positiva!

O Orador: - … Sr. Deputado, só posso falar da resposta depois de conhecer a pergunta e essa é precisamente uma matéria em relação à qual estou disponível para discutir convosco, ou seja, sobre propostas de perguntas.

Risos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

Mas se a pergunta for relativamente à prossecução ou não do projecto de Portugal na integração europeia, quero dizer-lhe, sem margem para dúvidas, que seria gravíssimo, repito, gravíssimo, para Portugal que a resposta fosse negativa. Tenho de o assumir claramente!

Vozes do PCP e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia: - Ah!

O Orador: - E se houver um referendo, como desejo, é isso que vou dizer, não tenho medo de o dizer! Não fiquem quaisquer dúvidas quanto a isso. Não quero um referendo para fazer de conta, quero um referendo para decidir. E o que está em causa é saber se Portugal aceita, ou não, o caminho que a União Europeia está a seguir, pois, a meu ver, as consequências seriam gravíssimas se Portugal ficasse de fora do projecto europeu. É por isso que estou convicto de que, contrariando a vossa posição, os portugueses vão estar a favor.
Quanto à segunda pergunta que o Sr. Deputado Bernardino Soares me colocou, quanto ao que eu faria se fosse noutra data, é curioso: antigamente, eram Os Verdes que faziam as perguntas a seguir aos comunistas; agora, são os comunistas que as fazem depois.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Que falta de argumento!

O Orador: - Há pouco, já respondi à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia. Fiz uma proposta em nome do Governo, da maioria. A iniciativa do referendo é do Governo ou da maioria. Preciso de saber a vossa posição, sem quaisquer ambiguidades, na certeza de que queremos um referendo com poder vinculativo. Por isso é que queremos que este referendo coincida com a data das eleições para o Parlamento Europeu.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Não querem é referendo nenhum!

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O Sr. Presidente: - Para iniciar a terceira ronda de perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, perante um País afundado na recessão e no desemprego, …

Protestos do PSD e do CDS-PP.

… o Governo prossegue de forma cega uma política de corte estruturante e desincentivo ao investimento privado.
Ainda esta semana, a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, em declarações que proferiu a propósito do projecto de TGV, deu a indicação de que o Governo se prepara para desaproveitar a iniciativa da Comissão para o crescimento, que permite não só aumentar a comparticipação comunitária em projectos transnacionais e de redes transeuropeias mas também descontar esses investimentos para o apuramento do défice.
Não me refiro, Sr. Primeiro-Ministro, às floreiras, que tanto apoquentam a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças. Refiro-me a projectos estruturantes, de relevância estratégica para um País com a localização geográfica de Portugal, projectos que nos aproximem do centro do mercado europeu e que valorizem o nosso território como plataforma atlântica da Europa.
Trago-lhe, hoje, Sr. Primeiro-Ministro, uma fotografia de uma bonita paisagem alentejana, de seara e azinheira. É uma fotografia a uma paisagem que o Sr. Primeiro-Ministro conhece bem e que foi tirada no dia 26 de Setembro último. Mas o Sr. Primeiro-Ministro deve recordar-se que, no dia 13 de Junho de 2002, se deslocou a Beja, aquando da presidência aberta do Sr. Presidente da República, e anunciou aquilo que foi publicado na manchete do jornal Público: "Durão promete aeroporto internacional para Beja". Diz ainda o mesmo jornal: "Ontem anunciou, após um encontro com o Presidente da República, a transformação da base militar de Beja num aeroporto internacional já no próximo ano".
O Diário Económico diz: "O aeroporto de Beja via ser utilizado pela aviação civil já a partir de 2003, garantiu ontem o Primeiro-Ministro".
Diz A Capital: "O Primeiro-Ministro Durão Barroso garantiu, ontem, em Beja, que a Base Aérea n.º 11, localizada a poucos quilómetros, será utilizada, a partir do segundo semestre do próximo ano, como aeroporto internacional para transporte de passageiros e de mercadorias".
Diz o Jornal de Notícias: "Indo de encontro às preocupações, o Sr. Primeiro-Ministro quis dar aproveitamento ao aeroporto civil de Beja durante 2003".
Diz o Diário de Notícias: "Na manga, o Chefe do Executivo levava o anúncio de transformar, já em 2003, a base aérea de Beja".
Sr. Primeiro-Ministro, esta é a fotografia da paisagem onde devia estar, já em 2003, segundo as suas palavras, um aeroporto e onde estão as azinheiras e a seara.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, tenha a bondade de terminar.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
O Sr. Primeiro-Ministro não confiou no Sr. Hans Bliks e faltou à verdade perante a Assembleia da República. O Sr. Primeiro-Ministro confiou no Dr. Martins da Cruz e foi desmentido pelas televisões. O Sr. Primeiro-Ministro prometeu um aeroporto civil em Beja já em 2003 e temos lá as azinheiras. Pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro: quando é que poderemos começar a acreditar na sua palavra e quando é que o Sr. Primeiro-Ministro deixa de nos vender sistematicamente ilusões?!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, o Sr. Deputado falou do TGV.

Neste momento, o Sr. Deputado António Costa expôs em cima da bancada a fotografia a que se referiu na intervenção.

Já estamos habituados aos seus "números", Sr. Deputado! O senhor é especialista em "números"!

O Sr. António Costa (PS): - É para o Sr. Primeiro-Ministro não se esquecer do aeroporto!

O Orador: - A propósito do aeroporto, há uma coisa que lhe vou garantir, Sr. Deputado: o aeroporto de Beja estará aberto à utilização civil durante um governo nosso e não foi aberto durante nenhum governo vosso! Essa é a grande diferença que vai haver entre os dois governos!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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Protestos do PS.

A verdade é que trabalhámos nesta matéria, mas é também verdade que houve alguns atrasos e neste momento está previsto que se consiga essa abertura ao tráfego em Junho de 2004. Houve problemas, que foram apresentados pela Força Aérea, em termos de resistência da pista, houve análises, houve testes. V. Ex.ª, que esteve no governo, sabe que, neste tipo de execução, é natural que às vezes haja alguns atrasos. Não me custa nada reconhecê-lo, mas garanto-lhe, Sr. Deputado, que será um governo nosso que vai fazer aquilo que VV. Ex.as não fizeram. Porque, Sr. Deputado, se já estivesse feito, naturalmente, nós não tínhamos necessidade de o fazer!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Em relação ao TGV, aspecto também referido por V. Ex.ª, aí está exactamente mais um caso de pesada herança, porque, quando chegámos ao Governo, quisemos encontrar um traçado comum com os espanhóis. Só que havia uma diferença: os espanhóis não só já tinham planos como já existia o TGV, e Portugal nem sequer planos tinha. Essa é a questão!

O Sr. António Costa (PS): - Tinha, tinha!

O Orador: - Por isso, a negociação é naturalmente mais difícil. Portugal partiu para essa negociação com Espanha na posição delicada em que VV. Ex.ª nos deixaram. Mesmo assim, espero que o assunto seja resolvido até à próxima cimeira, que é previsível que se realize do início de Novembro, na Figueira da Foz. Obviamente que esse é um projecto a que conferimos grande prioridade, incluindo a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Isso é uma grande falta de rigor! Estão com um ano e meio de atraso!

O Orador: - Eu próprio já discuti o assunto várias vezes com a comissária responsável, procurando garantir o grau de prioridade em termos de financiamento, e estamos a negociar com os espanhóis algumas contrapartidas em termos de equilíbrio na ligação a Espanha e também procurando assegurar que haja a comparticipação adequada por parte de Bruxelas.
A grande questão deste debate, a que o Sr. Deputado não respondeu e teve de fugir para as suas fotografias (aproveito para lhe dar os parabéns pelos dotes fotográficos, se foi V. Ex.ª que a fez a fotografia), prende-se com a posição do PS sobre o referendo. Essa é que é a conclusão! Qual é a vossa posição? É a do Dr. Almeida Santos e a do Dr. Jaime Gama ou é a do Dr. Alberto Costa, aliás, do Dr. António Costa (é uma questão de "costas") que é diferente? Qual é a posição? São a favor da simultaneidade ou não? Qual é a vossa a posição? É a que timidamente aqui foi arrancada ao Dr. Ferro Rodrigues?
Sobre esta matéria, espero que VV. Ex.as corrijam a vossa indefinição e poderemos, apesar de todas as diferenças, estar juntos a fazer campanha pelo "sim" ao projecto de Portugal na construção europeia.

O Sr. Presidente: - Para fazer uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado João Moura.

O Sr. João Moura (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de começar por felicitá-lo pela escolha do tema que nos trouxe, hoje, a este Parlamento e também pelo seu discurso inicial, um discurso feito pela positiva sobre a sua ideia clara daquilo que pretende dos portugueses e de Portugal para uma Europa séria e para um Portugal de crescimento.
Infelizmente, Sr. Primeiro-Ministro, durante o debate que tivemos nesta Assembleia, quanto aos eurocépticos, mais esquerdistas, deste Parlamento não seria de esperar ideias para a Europa, mas dos euromedrosos, como o Partido Socialista, seria de esperar, neste debate sério, que trouxessem uma ideia clara para a Europa que querem e para a Europa em que desejam que Portugal esteja inserido.
Porém, aquilo que vimos hoje foram manobras de diversão contínuas, com exibição de fotografias e recortes de jornais e com a abordagem de assuntos que já foram debatidos anteriormente, como é o caso do Iraque. Enfim, foi uma série de manobras aquilo que aqui deixaram, num dia em que os portugueses estiveram atentos, em que precisavam de uma mensagem deste Parlamento e, principalmente, de uma atitude responsável do PS, no dia em que os portugueses precisavam de ouvir uma palavra de esperança e de alento.
Os desafios que se aproximam com esta nova Europa e com este alargamento não são fáceis para Portugal. E, não sendo fáceis, é preciso explicar aos portugueses que vão ter algumas dificuldades, é preciso explicar que temos de ser mais competitivos e mais produtivos. É esta a atitude responsável que o Sr. Primeiro-Ministro tem incutido nos portugueses e era necessário que o Partido Socialista se associasse a esta mensagem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - A pergunta que lhe deixo, Sr. Primeiro-Ministro, é a seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro não sente uma certa desilusão com a oposição que temos, aqui, neste Parlamento,…

O Sr. António Costa (PS): - Sente, sente!

O Orador: - … que deveria ser uma oposição colaborante, num País que pretendemos que seja maior e mais afirmativo no seio da Europa?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Moura, respondendo concretamente à sua pergunta, embora hoje não seja o dia para debatermos esta questão, deixe-me dizer-lhe que estou preocupado com o tom político que se vive em Portugal e com o modo como responsáveis políticos se dirigem a outros responsáveis políticos.

O Sr. António Costa (PS): - Ainda bem que começa a preocupar-se com isso!

O Orador: - Acho que há um clima de degradação, um clima de excessos em determinadas declarações.
Quero, contudo, ressalvar que, até agora, uma das poucas questões em que tem sido possível estabelecer algum consenso com o maior partido da oposição tem sido a questão europeia.

O Sr. António José Seguro (PS): - E manter-se-á!

O Orador: - Espero e desejo que tal se mantenha, apesar de, pelos vistos, haver aqui uma diferença - que, aliás, começa dentro do próprio Partido Socialista - em relação à questão do referendo. Mas, nas grandes linhas, espero e desejo que se mantenha o consenso existente.
Assim, o aspecto que quero sublinhar no final deste debate é que, apesar de todas as peripécias, dos casos e das insinuações, foi possível manter o debate, no essencial, centrado sobre a questão europeia, foi possível chamar a atenção do País para aquilo que está em causa nesta conferência intergovernamental, foi possível explicitar aquilo que pensamos.
É verdade que há algumas dúvidas que preocupam os portugueses. Hoje, a maioria dos portugueses já entendeu que o seu futuro se decide, em grande medida, fora do nosso estrito território nacional. É assim e será assim!
A questão é a de saber se somos capazes, como País, de ser melhores cá dentro e na nossa capacidade de afirmação nas instituições comunitárias, como no Parlamento Europeu, que vai ter, provavelmente, um poder muito acrescido depois da próxima revisão dos tratados.
É por isso que desejo sinceramente que haja, apesar de todas as peripécias (até aquelas peripécias a que o Dr. António Costa nos habitua), algum consenso.
Ainda agora o Sr. Deputado António Costa me ofereceu uma placa a dizer: "Não queremos Portugal parado!". Há uma coisa que lhe garanto, Sr. Deputado: Portugal não vai voltar para trás! Isso garanto-lhe! Portugal não vai voltar ao seu tempo!

Protestos do PS.

Neste debate, vimos uma coisa: vimos um Partido Socialista ainda inseguro em determinadas matérias, e vimos (e quero felicitá-los por isso) uma maioria que sobre estas questões tem posições claras e inequívocas, que sabe aquilo que quer, que sabe aquilo que deseja. Por essa razão, o País tem um rumo!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Nota-se!

O Orador: - Por isso, a minha palavra é de felicitação à maioria. A todos e a cada um dos Srs. Deputados, muito obrigado pela vossa posição clara e firme em defesa de uma linha de rumo para Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate e, com ele, dos nossos trabalhos de hoje.
Na próxima terça-feira o Partido Social Democrata terá as suas jornadas parlamentares no Funchal. Desejo-lhes bom trabalho e bom sucesso.
Na quarta-feira de manhã haverá reuniões de comissões e conferência de líderes, às 12 horas. Às 15 horas, haverá sessão plenária, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, a que se seguirá o período da ordem do dia, de que constará a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 85/IX - Exclui os empréstimos a contrair para a reparação dos danos provocados em equipamentos e infra-estruturas municipais de relevante interesse público, destruídos pelos incêndios ocorridos desde Julho de 2003, a financiar por recurso a linha de crédito bonificado, dos limites do endividamento

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municipal, e do projecto de lei n.º 343/IX - Estabelece regras de segurança no transporte colectivo de crianças (Os Verdes).
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados, a todos desejo uma boa-tarde e bom fim-de-semana.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Fernando Jorge Pinto Lopes
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho

Partido Socialista (PS):
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa
Maria Odete dos Santos

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António Joaquim Almeida Henriques
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Eduarda de Almeida Azevedo

Partido Socialista (PS):
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
José da Conceição Saraiva
Maria Amélia do Carmo Mota Santos

Partido Popular (CDS-PP):
Henrique Jorge Campos Cunha
Narana Sinai Coissoró

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Eduardo Artur Neves Moreira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel Pereira da Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso

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0573 | I Série - Número 011 | 11 de Outubro de 2003

 

Partido Socialista (PS):
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Carlos Manuel Luís
Fausto de Sousa Correia
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Paulo José Fernandes Pedroso
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Miguel Pinheiro Paiva

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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