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Quinta-feira, 12 de Fevereiro de 2004 I Série - Número 50

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE FEVEREIRO DE 2004

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria Leonor Couceiro P. Beleza M. Tavares

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 112/IX, dos projectos de lei n.os 410 a 412/IX, das apreciações parlamentares n.os 71 e 72/IX, dos projectos de resolução n.os 218 e 220/IX, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado João Soares (PS) deu conta dos problemas sociais que hoje se vive no País e teceu crítica pela falta de estratégia e de política do Governo.
A Sr.ª Deputada Luísa Mesquita (PCP), também em declaração política, criticou a Sr.ª Secretária de Estado da Educação por ser contra a educação sexual nas escolas, tendo em conta a realidade vivida pelos adolescentes em matéria de saúde sexual e reprodutiva. No fim, respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Nuno de Almeida (CDS-PP), Sónia Fertuzinhos (PS) - que também deu explicações ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), que exerceu o direito regimental da defesa da honra da bancada -, Jorge Nuno Sá (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes (BE) acusou a Sr.ª Secretária de Estado da Educação pela política seguida na área da educação sexual.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 84.º do Regimento, o Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes (Henrique Rocha de Freitas) fez uma intervenção sobre o tema "Participação de Portugal nas Forças Multinacionais no Afeganistão", tendo-se seguido no uso da palavra, a diverso título, além daquele orador, os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), António Filipe (PCP), João Rebelo (CDS-PP), José Vera Jardim (PS), Rui Gomes da Silva (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Vitalino Canas (PS).

Ordem do dia. - Foram apreciados, na generalidade, a proposta de lei n.º 105/IX - Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, e o projecto de lei n.º 407/IX - Estabelece as bases gerais da política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência (PS). Intervieram no debate, além do Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho (António Bagão Félix), os Srs. Deputados Ana Manso (PSD), Celeste Correia (PS), João Teixeira Lopes (BE), Bernardino Soares (PCP), Álvaro Castello-Branco (CDS-PP), Luísa Portugal (PS) - que fez a apresentação do relatório da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais -, Vieira da Silva (PS), Goreti Machado (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
A proposta de lei n.º 110/IX - Possibilita a inscrição no recenseamento eleitoral de nacionais dos novos países aderentes à União Europeia legalmente residentes em Portugal, por forma a assegurar o exercício efectivo do direito de voto na eleição para o Parlamento Europeu a ocorrer em Junho de 2004 foi debatida na generalidade, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Nuno Miranda Magalhães), os Srs. Deputados Adriana Aguiar Branco (PSD), Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Miguel Paiva (CDS-PP) e António Filipe (PCP).
Foi também debatida a proposta de resolução n.º 56/IX - Aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade organizada transnacional, o Protocolo Adicional relativo à prevenção, à repressão e à punição do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, e o Protocolo Adicional contra o tráfico ilícito de migrantes por via terrestre, marítima e aérea, adoptados pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de Novembro de 2000. Usaram da palavra, a diverso título, além da

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Sr.ª Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (Manuela Franco), os Srs. Deputados José Vera Jardim (PS) - que também procedeu à apresentação do relatório da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa -, Narana Coissoró (CDS-PP), Teresa Morais (PSD), Luís Fazenda (BE) e António Filipe (PCP).
A terminar, a Câmara apreciou, na generalidade, o projecto de lei n.º 408/IX - Regime especial para a reparação dos danos provocados pelos incêndios do Verão de 2003 (PSD e CDS-PP), tendo proferido intervenções os Srs. Deputados Luís Gomes (PSD), Ascenso Simões (PS) - que apresentou o respectivo relatório da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente -, Miguel Paiva (CDS-PP), José Manuel Medeiros (PS), Honório Novo (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 35 minutos.

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Estavam presentes os seguinte Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira

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José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís

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Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha

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Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Helder do Amaral
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 112/IX - Estabelece o Estatuto do Administrador da Insolvência, que baixou à 1.ª Comissão; projectos de lei n.os 410/IX - Altera a Lei n.º 38/98, de 4 de Agosto (Estabelece medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestações de violência associadas ao desporto) (BE), que baixou às 1.ª e 7.ª Comissões, 411/IX - Estabelece a obrigatoriedade de submissão à Assembleia da República da revisão anual do Programa de Estabilidade e Crescimento, fixa o respectivo prazo de apreciação e determina o envio à Assembleia da República da comunicação final do Governo (PS), que baixou à 5.ª Comissão, e 412/IX - Altera a Lei n.º 170/99, de 18 de Setembro (Adopta medidas de combate à propagação de doenças infecto-contagiosas

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em meio prisional) (Os Verdes), que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões; apreciações parlamentares n.os 71/IX (PS) - Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de Fevereiro (Estabelece o novo regime jurídico de protecção social na eventualidade doença, no âmbito do subsistema previdencial de segurança social) e 72/IX (PS) - Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de Janeiro (No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 7/2003, de 9 de Maio, transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno); e os projectos de resolução n.os 218/IX - Recomenda ao Governo a aquisição de material ferroviário circulante produzido pela indústria nacional (PCP) e 220/IX - Contra a instalação de um cemitério nuclear junto à fronteira portuguesa (Os Verdes).
Foram apresentados na Mesa vários requerimentos.
Nas reuniões plenárias de 28, 29 e 30 de Janeiro: aos Ministérios da Cultura, da Educação, da Ciência e do Ensino Superior e dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados Manuela Melo, Augusto Santos Silva e Luísa Mesquita; a diversas câmaras, formulados pelo Sr. Deputado Diogo Feio; aos Ministérios da Administração Interna, da Saúde, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, da Economia e da Educação, às Secretarias de Estado do Ambiente e da Juventude e Desportos, à Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, ao Presidente da Federação Portuguesa de Futebol, ao Presidente da Assembleia de Futebol de Santarém, ao Conselho Vitivinícola Regional das Beiras e a diversas câmaras e assembleias municipais, formulados pelos Srs. Deputados António Galamba, João Rui de Almeida, José Junqueiro, Miguel Paiva, Herculano Gonçalves, Bernardino Soares, Lino de Carvalho, Rui Miguel Ribeiro e Rodeia Machado; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulados pelos Srs. Deputados Victor Baptista e José Apolinário; ao Ministério da Administração Interna, ao Governo Civil de Viseu, à Comissão Vitivinícola Regional do Dão e à Câmara e Assembleia Municipal de Viseu, formulados pelo Sr. Deputado Helder Amaral; ao Ministério da Segurança Social e do Trabalho e ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, formulados pelos Srs. Deputados António Filipe e Fernando Cabral; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Nelson Correia; e ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Francisco Louçã.
No dia 2 e na reunião plenária de 3 de Fevereiro: à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; aos Ministérios da Administração Interna, das Obras Públicas, Transportes e Habitação, da Economia e da Segurança Social e do Trabalho, formulados pelos Srs. Deputados António Galamba e Honório Novo; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Bruno Dias; ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado José Vera Jardim.
Entretanto, o Governo respondeu, no dia 3 de Fevereiro, a requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Honório Novo, Bruno Dias, António Filipe, Rodeia Machado, António Braga, Lino de Carvalho, Joana Amaral Dias, Álvaro Castello-Branco, António Galamba, Maria Manuela Aguiar, José Junqueiro, Isabel Castro e Miranda Calha.
Foram ainda respondidos, no dia 3 de Fevereiro, os requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Manuel Oliveira, e Fernando Cabral.
Em termos de expediente, é tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Soares.

O Sr. João Soares (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer-vos que não tenho da vida uma visão maniqueísta, redutora, em que de um lado estão os bons e do outro lado estão os maus.
Tenho consciência, até a partir da minha experiência de homem de acção e de gestor da coisa pública, de que os problemas, os nossos e os do mundo em que vivemos, são difíceis e complexos e de que, também por isso, é preciso fazer-lhes face com determinação, empenho, coragem e muito, muito, trabalho.
Portugal está a viver um mau momento, talvez o mais duro e difícil de quantos viveu depois do 25 de Abril. De uma forma geral, haverá que reconhecer que o Governo não tem estado à altura dos problemas, em vez de os reduzir tem-nos, em muitos casos, agravado, sobretudo neste clima de acentuado desânimo, drama social e falta de auto-estima em que de há dois anos a esta parte vamos vivendo.
Sente-se a falta de uma estratégia para o País, de uma visão global, que resulte de um conhecimento dos problemas, do estudo e da ponderação das soluções possíveis, de imaginação e audácia para as desenhar e, sobretudo, para as pôr em prática.
Este Governo, confrontado com os problemas dramáticos que o País atravessa, ou os ignora por trás

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de uma cortina de fumo de faits divers do Big Brother mediático, ou lhes procura responder à bruta, sem qualquer sensibilidade social, ou com projectos de leis e mais leis e projectos, que tantas vezes nem sequer é capaz de fazer passar do papel.
O nosso país está a viver uma situação dramática: o emprego ou, melhor, o desemprego é hoje, de longe, a principal preocupação dos portugueses.
Os valores de desemprego actuais são dos mais elevados dos últimos anos, as empresas fecham umas atrás de outras sem que nada seja feito pelo actual Governo, a situação económica das famílias está cada vez mais comprometida, em muitos casos com situações de miséria em que numa família o desemprego já toca, em simultâneo, pai, mãe e outros membros do agregado familiar. Há uma completa ausência de planos de emprego para os mais jovens e, sobretudo, não se vislumbram nem incentivos para que as empresas empreguem jovens nem qualquer vontade dos os conceber e criar.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estamos a transformar-nos num País de desempregados, num País que vive mal dos subsídios de desemprego recebidos tarde e a más horas.
O que podem esperar, neste quadro terrível, os ainda jovens trabalhadores da Brax, há poucos dias postos, implacavelmente, na rua? O que podem esperar estes trabalhadores, viver durante 20 anos do fundo de desemprego?!
Acresce a esta situação o drama que se está a viver no sector da educação.
Onde está a tão prometida e propagandeada reforma do ensino? Persiste um baixo nível escolar sem rendimento, com fragilidades no ensino do português, com taxas de abandono escolar que são as mais elevadas da União Europeia.
Governos anteriores, socialistas e não só, apostaram no pré-escolar, na ciência, na investigação e na cultura e procuraram dotar as escolas de computadores. O que tem feito este Governo para além de aumentar as propinas?

O Sr. António Costa (PS): - Bem perguntado!

O Orador: - Olhemos para os nossos vizinhos e apostemos em fórmulas simples, tais como garantir um computador com ligação à Internet para cada dois alunos, assegurar o funcionamento de escolas com menos alunos em cada sala de aula, sobretudo nas zonas mais problemáticas e desfavorecidas, e garantir escolas abertas mais tempo durante o dia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Olhemos para o que se passa no sector da saúde, outra das mais sentidas preocupações dos portugueses.
O que fez este Governo? Onde está a sua política de saúde, que ninguém a vê? Onde estão os hospitais construídos por este Governo? O que se passa com as listas de espera, que aumentam a cada dia, como ainda há bem pouco aqui demonstrou, com límpida clareza, o Sr. Deputado, e meu querido amigo, Jorge Coelho?
Mas passemos para a área do ambiente e perguntemo-nos: o Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente existe?! Onde está a política de ambiente deste Governo?
Nós, socialistas, quando fomos poder, quando fomos governo, construímos estações de tratamento de lixo,…

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - O aterro do oeste é o melhor exemplo!

O Orador: - … avançámos com a recolha selectiva, acabámos com as lixeiras a céu aberto, fizemos centrais de incineração. Tínhamos uma política de ambiente coerente!
O que fez este Governo senão manter a situação dramática dos resíduos perigosos ou arranjar uma tremenda confusão à volta da tutela das florestas! E em matéria de segurança? As condições de trabalho das forças de segurança não melhoraram, pelo contrário, pioraram!
Os governos do PS abriram esquadras e quartéis da GNR por todo o País. Levámos segurança onde ela não existia.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Reforçámos os quadros da PSP e da GNR com novos efectivos, numa lógica que foi, nos grandes aglomerados urbanos, a de uma segurança de proximidade e vizinhança, que até teve reflexos na própria arquitectura das novas instalações.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - E o que fez este Governo? A situação, em matéria de segurança e de criminalidade, é, hoje, francamente pior, e os números aí estão,…

Aplausos do PS.

… infelizmente - e, sublinho, com a maior sinceridade, infelizmente -, para o comprovar.
E na Administração Pública? Lembram-se das Lojas do Cidadão? Quem as criou? E da importância que elas tiveram no aumento de qualidade dos serviços e na descentralização? E o que fez este Governo, para além de destabilizar e "precarizar" as condições de trabalho da Administração Pública?

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Governo, enquanto mobilizador de uma estratégia nacional, não existe; é o Governo do défice da Ministra Manuela Ferreira Leite,…

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - … um garrote colocado no pescoço dos portugueses, lançando-os no desemprego, paralisando a economia e as empresas, afastando Portugal de todos os indicadores dos seus parceiros da União Europeia.
Estamos, como nunca, a afastar-nos dos nossos parceiros da União Europeia. O País está parado, sem estratégia e sem políticas. Não há uma política integrada de desenvolvimento, porque não houve vontade ou capacidade de a conceber e porque não há nada para além da cegueira do défice.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Este é o Governo do défice cego, é um Governo de pesadelo,…

Aplausos do PS.

… de que, estou certo, os portugueses em breve se fartarão.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi deselegante falar sem a presença do Dr. Jorge Coelho na Sala.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: Já sabíamos que a Sr.ª Secretária de Estado da Educação batia o recorde das barbaridades científicas e pedagógicas quando vinha a este Parlamento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Talvez por isso o Governo tenha optado pelo seu silêncio, ou pela sua ausência. Mas a estratégia falhou…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Inteligente, o Governo!

A Oradora: - … e agora o País e, sobretudo, os jovens passaram a saber quem toma decisões e como as toma na área da educação.

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Aqueles de nós que frequentaram os ensinos básico e secundário antes do 25 de Abril reviveram, decerto, ao lerem a entrevista da Sr.ª Secretária de Estado a um órgão da comunicação social, o pesadelo do obscurantismo e da barbárie da desinformação de que fomos alvo.
Hoje, a escassos dias da comemoração dos 30 anos de regime democrático, esta senhora governante, militante do Partido Popular, com responsabilidades na área educativa, reproduz um discurso que apela aos mais primários comportamentos de risco para a saúde pública dos jovens portugueses,…

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - … que faz jus ao retrocesso científico e do processo de ensino aprendizagem, que a Humanidade tem produzido ao longo dos séculos, tábua rasa.
É pouco, muito pouco mesmo, Sr.ª Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, afirmar que a senhora é só conservadora ou retrógrada; a Sr.ª Secretária de Estado é muito mais do que isso.
Já sabíamos que não gostava dos professores que defendiam a informação científica, em matéria de saúde reprodutiva, aos jovens portugueses.
Já sabíamos que não gostava que as crianças e os jovens com necessidades educativas especiais tivessem direito a integrar uma escola pública para todos e com apoios pedagógicos e técnicos especiais.
Já sabíamos que preferia ver as crianças em instituições.
Já sabíamos que preferia a exclusão à inclusão e que, naturalmente, não teria assinado a Declaração de Salamanca.
Já sabíamos que suspeitava da idoneidade dos professores portugueses.
Já sabíamos também que se fosse só ela a mandar obrigaria todas as crianças e jovens a frequentar a educação moral e religiosa, até porque a Sr.ª Secretária de Estado ainda pensa que há uma religião oficial em Portugal.

Vozes do PCP: - Exactamente!

A Oradora: - Ficámos agora a saber que se ela "quisesse não havia educação sexual" nas escolas portuguesas.

O Sr. António Filipe (PCP): - Ora bem!

A Oradora: - E foi exactamente isto que aconteceu a partir de Abril de 2002, porque, para além da Sr.ª Secretária de Estado, o Sr. Ministro da Educação e o Governo também o quiseram.
A Sr.ª Secretária de Estado, com a cumplicidade do Sr. Ministro e do Governo, destruiu todo o trabalho que estava no terreno, sobretudo nas escolas, e fechou a sete chaves esta matéria tão complexa para os seus sentidos.
Reduziu as verbas que vinham a ser disponibilizadas para a Associação de Planeamento Familiar, que, há décadas, produzia um trabalho reconhecido, nacional e internacionalmente, nesta área, junto de diversos públicos-alvo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Impediu qualquer articulação entre os intervenientes, para avaliação e reflexão do trabalho, que era imprescindível realizar e a que a legislação em vigor obrigava.
Destruiu, por esvaziamento, a Comissão de Coordenação para a Promoção e Educação para a Saúde.
Assume, com toda a naturalidade de quem não sabe do que está a falar, que a lei aprovada há 20 anos e reforçada há 5 anos está a ser cumprida.
A verdade é que, nestes últimos 20 anos, se negou a sucessivas gerações de jovens portugueses a formação e informação sobre as questões da sexualidade. Optou-se pela política da negação do esclarecimento.
Temos a mais alta taxa de SIDA da União Europeia e a segunda mais alta percentagem de gravidez na adolescência. Mas estas informações têm excessivo rigor científico e excessiva modernidade para a Sr.ª Secretária de Estado e não lhe causam qualquer incómodo.
Incomodada, sim, ficaria a senhora se, à semelhança do que se faz em outras escolas estrangeiras, os jovens aprendessem, por exemplo, a utilizar um preservativo e a ele tivessem acesso. Incomodada ficaria a Sr.ª Secretária de Estado se a lei fosse cumprida, contra a sua vontade, porque, de acordo com o seu ponto de vista, "O Estado não tem o direito de impor um modelo de educação sexual, como não tem o direito de impor uma religião".

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Sr.ª Presidente, peço desculpa mas, com o barulho que está na Sala, torna-se um pouco difícil prosseguir a leitura da intervenção.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, peço o favor de se fazer o silêncio suficiente na Sala para que a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita possa continuar a sua declaração política.

Pausa.

Faça o favor de prosseguir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Como eu estava a dizer, incomodada ficaria a Sr.ª Secretária de Estado se a lei fosse cumprida, contra a sua vontade, porque, de acordo com o seu ponto de vista, "O Estado não tem o direito de impor um modelo de educação sexual, como não tem o direito de impor uma religião". E explicita melhor, para os mais desatentos, provavelmente alguns parceiros da coligação, que "(…) uma coisa não se pode desligar da outra.", ou seja, a educação sexual e a religião, a "oficial", naturalmente, sabendo das preferências da Sr.ª Secretária de Estado.
Diz o Sr. Deputado do PSD que "a educação sexual é uma causa justa" e que "só os burros não aprendem". É, com certeza, um optimismo desmesurado, lançado para o seio da coligação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas o que incomoda verdadeiramente a Sr.ª Secretária de Estado é que, mais uma vez, a sociedade portuguesa e, sobretudo, o julgamento das mulheres em Aveiro tenham colocado na ordem do dia e em cima da mesa do Governo a exigência da discussão da actual legislação relativa à interrupção voluntária da gravidez, por inadequada e injusta,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - … porque a Sr.ª Secretária de Estado é contra, diz ela. E não se sabe ainda se não terá, face à delegação de competências, a mesma capacidade de decisão que tem como mandatária da educação sexual nas escolas portuguesas.
Claro, Sr.ª Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, que não constitui nenhuma surpresa que, ao discutir-se a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, surjam, supostamente, defensores da educação sexual no meio escolar. É pouco criativo! É só repetência! Sempre assim fizeram desde 1984. De repente, emergem como adeptos e militantemente empenhados na informação e formação de uma sexualidade consciente e, tão rapidamente quanto aparecem, logo que possível desaparecem, envoltos em nevoeiro e poeira de séculos de ignorância.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, há uma lei da República e para ela contribuímos desde 1984, não ignorando a realidade. Realidade que não se compadece com hesitações e muito menos com oportunismos, hipocrisia e ignorância.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A mais recente Resolução do Parlamento Europeu sobre direitos em matéria de saúde sexual e reprodutiva, recentemente publicada, no que se refere à educação sexual dos adolescentes, solicita aos Governos dos Estados-membros que "(…) recorram a diferentes métodos para chegar aos jovens - educação formal e informal, campanhas publicitárias, comercialização social para o uso de preservativos e projectos como serviços confidenciais de ajuda por telefone - e que tenham em conta as necessidades de grupos especiais, (…)" e exorta ainda os Estados-membros "(…) a melhorarem e alargarem o acesso dos jovens aos serviços de saúde (centros de jovens de planeamento familiar, nos estabelecimentos de ensino, etc.), adequando-os às suas preferências e necessidades; (…)".
Portanto, Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, o que se exige é que se cumpra o diploma em vigor.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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2781 | I Série - Número 050 | 12 de Fevereiro de 2004

 

A Oradora: - Formulem-se políticas nacionais de saúde sexual e reprodutiva de qualidade. Disponibilizem-se aos jovens portugueses, através dos estabelecimentos de ensino, das unidades de saúde, toda a informação e formação no âmbito da educação sexual, sem discriminações nem tibiezas puritanas. A saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes e as suas necessidades, no que respeita à sexualidade e à reprodução, diferem das dos adultos. Claro que a Sr.ª Secretária de Estado não sabe destas coisas!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, já terminou o tempo de que dispunha. Por favor, conclua.

A Oradora: - Vou terminar, Sr.ª Presidente.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português está, como sempre esteve, disponível para introduzir melhorias na legislação existente, até porque, na nossa opinião, ficou-se aquém das necessidades que a realidade diagnosticada exigia.
Agora, o PCP não pactuará com processos de diversão destinados a fazer crer que a consciência da necessidade da promoção da educação sexual nas escolas deu à luz recentemente, nas bancadas do PSD, com a ajuda de algum golpe de mágica.
O PCP não pactuará com aqueles que pretendem transformar o planeamento familiar e a educação sexual na única resposta à trágica realidade do aborto clandestino e à medieval humilhação das mulheres que a ele recorrem.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Pinho de Almeida, Sónia Fertuzinhos, Jorge Nuno Sá e Isabel Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, ouvi a intervenção de V. Ex.ª com muita atenção, até porque tive de fazer o esforço de tentar retirar dela um sentido substancial.

Protestos do PCP.

E, analisando a intervenção, no final, há, de facto, duas conclusões substanciais que se retiram, uma das quais é a de que a Sr.ª Deputada não consegue fugir daquilo que acontece, hoje em dia, à oposição, nomeadamente à oposição mais à esquerda neste Parlamento, que é, qualquer que seja o tema ou a discussão, puxarem para o aborto, porque é a única coisa que parecem saber discutir neste momento.

Protestos do PCP.

Por outro lado, a Sr.ª Deputada não foi capaz de dizer nada sobre a educação sexual.
A Sr.ª Deputada fala sobre educação sexual, mas não fala sobre o modelo que está, neste momento, implementado, nem fala sobre um modelo alternativo,…

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

… preferindo ir por outro caminho, o de dizer que a Sr.ª Secretária de Estado da Educação é militante do Partido Popular. Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada: é contra o pluralismo partidário em Portugal?

Risos do PCP.

Tem todo o direito de ser!
A Sr.ª Deputada diz que as opiniões da Sr.ª Secretária de Estado são primárias. A Sr.ª Deputada é contra a liberdade de opinião e de expressão em Portugal?

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O Sr. Marco António Costa (PSD): - É, é!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Tenha vergonha!

O Orador: - O que está em causa é exactamente a concepção que o Partido Comunista tem das coisas: não há direito de ser de outro partido que não seja o Partido Comunista,…

Vozes do PCP: - Há, há!

O Orador: - … não há direito de ter opinião que não seja a do Partido Comunista!
Nós temos outro conceito de liberdade e de democracia, Sr.ª Deputada, e queremos saber a vossa opinião. Queremos saber a opinião do Partido Comunista, nomeadamente em relação àquele que é, hoje em dia, o modelo transversal de educação sexual, se entende que funcionou, se entende que é interrompendo aulas de Matemática, de Física ou de Química, porque algum aluno tem uma dúvida sobre educação sexual e entende colocá-la ao professor de Matemática, de Física ou de Química, que se consegue dar boa educação sexual aos jovens em Portugal.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Esteja calado! Tenha vergonha!

Risos da Deputada do PCP Luísa Mesquita.

O Orador: - É que foi precisamente isto que a Sr.ª Secretária de Estado questionou, na entrevista que deu: o modelo que fracassou e que não tem qualquer sentido. O que pergunto ao Partido Comunista é qual o modelo que defende.
Mas pergunto-lhe ainda uma outra coisa muito simples, que tem a ver com o seguinte: esta maioria e o Governo nunca tiveram qualquer problema em responder a todas as questões suscitadas pela oposição. A maioria apresentou um requerimento, na Comissão de Educação, para que toda a equipa ministerial esteja presente e responda a todas as questões que sejam colocadas.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - A Sr.ª Deputada quererá ouvir?!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Esta pequena intervenção fica na história do Parlamento! O Sr. Deputado não tem vergonha?!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, ia começar por lhe dizer que as declarações da Sr.ª Secretária de Estado Mariana Cascais são preocupantes, mas, depois do que ouvimos do Sr. Deputado João Almeida, parece-me que elas são ainda mais preocupantes. Pensei que as declarações da Sr.ª Secretária de Estado eram, de alguma forma, isoladas, que tinham vindo criar um problema óbvio na maioria, mas, afinal, não, porque, de facto, ficámos a perceber que, com o CDS-PP, não vai haver educação sexual em Portugal.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Eu não disse nada disso! Disse o contrário disso!

A Oradora: - E este não é um problema da esquerda, é um problema da direita! É que os senhores, quando se fala da interrupção voluntária da gravidez, como não têm resposta, vêm sempre com o combate às causas;…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - O quê?!

A Oradora: - … quando se trata de falar do combate às causas, os senhores não querem nada.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não ouviu o que eu disse?!

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A Oradora: - E está hoje provado que o falso consenso que se gerou, em 1998, à volta da educação sexual não foi nada a não ser um falso consenso.
A Sr.ª Secretária de Estado vem dizer que, com ela, não vai haver educação sexual; o PSD diz que vai apresentar um projecto sobre uma disciplina obrigatória e aplaudiu o Sr. Deputado João Pinho de Almeida. Aliás, ainda hoje tive oportunidade de ir a um debate numa escola secundária, onde o Sr. Deputado Jorge Nuno Sá, líder da JSD, teve imensa dificuldade - e ele tem assumido, em tudo isto, um papel progressista, digamos assim - em representar o PSD e, muito mais, a maioria, porque, de facto, a maioria não se entende.
Mas indo ao essencial das questões, o que temos de perceber, de uma vez por todas, é que não estamos a partir do zero. Já muita coisa foi feita, em Portugal, em matéria de educação sexual. Começou, aliás, do ponto de vista das coisas concretas, com o Sr. Ministro Roberto Carneiro, que permitiu um projecto-piloto, o qual deu origem a linhas orientadoras e, depois, à lei que instituiu a educação sexual, proposta pelo PCP, que foi regulamentada pela Sr.ª Secretária de Estado Ana Benavente. Portanto, há um caminho que está percorrido e a sua avaliação tem de ser feita. Não é porque a maioria tem um problema em relação à próxima discussão do referendo sobre o aborto que vem, agora, "descobrir a pólvora", com uma disciplina desgarrada de "Educação para a Saúde" - como se a educação para a sexualidade fosse a educação para a saúde -, não tendo uma visão global do que é ensinado nas escolas e fazendo, portanto, nada mais nada menos do que uma proposta de fuga para a frente que não vai levar-nos a nada.
Por isso, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, pergunto-lhe se não entende que tem de ser avaliado o que foi feito, perceber-se o que falhou e por que falhou e do que os professores, as escolas, a comunidade educativa precisam para que, de uma vez, haja educação sexual nas escolas.
Agora, o que o PS não pode permitir e não vai deixar que aconteça é que passe a ideia de que é a direita que defende o combate às causas, porque, quando se trata do combate às causas, a direita não quer nada, rigorosamente nada!

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, permite-me o uso da palavra?

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Pode especificar por que é que a bancada se sentiu agravada, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos afirmou aqui, para quem a quis ouvir, que o CDS-PP é contra a educação sexual nas escolas, o que, para nós, é uma falsidade e, de resto, vai contra o que sempre temos dito em matéria de educação, ofendendo, naturalmente, a consideração e a honra da nossa bancada.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos sabe que a tenho até como uma pessoa moderada, tolerante e sensata.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - E é!

O Orador: - Daí que tenha sido com alguma surpresa que ouvi este pedido de esclarecimentos que formulou, com um radicalismo…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Radicalismo?!

O Orador: - … que, devo dizer-lhe, não lhe assenta e, ainda por cima, leva a que diga coisas que não correspondem minimamente à verdade, quer quanto àquela que é a posição desta bancada, quer, inclusivamente, quanto àquilo que foi dito pela Sr.ª Secretária de Estado, na entrevista que referiu.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Exactamente!

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O Orador: - E isto leva-nos, desde logo, a considerar que, porventura, a Sr.ª Deputada não leu o que a Sr.ª Secretária de Estado disse e, querendo fazer aqui, sobre uma questão muito importante, um número estritamente político, afirmou o que, efectivamente, ela não disse. Mas vou dizer-lhe o que disse a Sr.ª Secretária de Estado.
A Sr.ª Deputada afirmou que a Sr.ª Secretária de Estado não quer a educação sexual nas escolas, é contra a educação sexual nas escolas. Bom! Foi exactamente o contrário que foi dito pela Sr.ª Secretária de Estado. A Sr.ª Secretária de Estado, como foi muito bem dito pelo Sr. Deputado João Pinho de Almeida, questionou o modelo,…

Vozes do CDS-PP: - Claro!

O Orador: - … porque não temos de ter apenas um modelo de educação sexual nas escolas.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - É o único que faz essa interpretação!

O Orador: - Há vários modelos, e entende a Sr.ª Secretária de Estado que há um modelo que não está a ser bem aplicado, que não está a dar resultados. E o que é que diz a Sr.ª Secretária de Estado? Vou citá-la, Sr.ª Deputada, para que não haja equívocos. Diz o seguinte: "(…) não concordo com a actual fórmula, a da transversalidade, em que nada se aprofunda. A nossa estratégia será construir uma área curricular de prevenção do risco, 'Formação e Desenvolvimento Pessoal', abrangendo a toxicodependência, o tabagismo, o alcoolismo, etc., tudo o que faz parte da promoção para a saúde, incluindo a educação sexual.". Repito, incluindo a educação sexual!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Ouviu?!

O Orador: - Sr.ª Deputada, o que nos custa, até tendo por base a boa-fé da sua intervenção, é que afirme aqui que a Sr.ª Secretária de Estado é contra a educação sexual nas escolas invocando, para isso, uma entrevista onde ela expressamente diz que é a favor dessa educação sexual numa lógica curricular, que defende e que tentará implementar!
Em segundo lugar, Sr.ª Deputada, se quiser ter a boa-fé - sei que normalmente a tem - de consultar intervenções antigas e mais recentes de vários Deputados sobre esta matéria, verificará que, também neste ponto, a conclusão é exactamente a contrária: esta bancada é favorável o mais possível, numa lógica pedagógica, à educação sexual, mas de forma curricular e abrangente, tendo em conta até o desenvolvimento futuro de crianças de forma harmoniosa e responsável, num Estado que tem de ser responsável, principalmente em matéria de educação.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr.ª Deputada, se assim o entendesse, agradecia que tivesse ao menos a amabilidade de reconhecer que se enganou e que fez injustíssimas imputações a esta bancada.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Só cá falta o Deputado Morgado!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, lamento imenso dizer que não vou retirar o que eu disse, porque na entrevista da Sr.ª Secretária de Estado é dito que com ela não haverá educação sexual.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

Vozes do CDS-PP: - Não ouviu?!

A Oradora: - Ela disse isto mesmo! E depois fala no tabagismo, na toxicodependência e no alcoolismo, etc. É uma entrevista altamente contraditória e associa, aliás, a sexualidade ao vício, o que é

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uma coisa extraordinária do ponto de vista pedagógico.
Mais, se o CDS-PP é tão a favor da educação sexual - e não sei se o próprio PSD acredita nisso, porque também já ouvi dizer que o PSD apresentará um projecto de resolução que visa promover o combate às causas, que será só do PSD por não conseguir acordo com o CDS-PP…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Onde é que ouviu dizer isso?!

Vozes do CDS-PP: - Ouviu dizer!

A Oradora: - Aliás, registei com muita preocupação o PSD ter batido palmas às declarações do Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado, não basta dizer que se é favor. E não é por agora pensarem numa disciplina única que vão resolver o problema, porque a Sr.ª Secretária de Estado também disse que não fez a avaliação, que não precisa de a fazer e que, por isso, parte do zero para tudo aquilo que intencionalmente poderá vir a fazer.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, é bom que o CDS-PP clarifique… Aliás, compreendo que a entrevista deixe muito mal no registo, sobretudo, o PSD, mas é bom para o País ter uma entrevista da Sr.ª Secretária de Estado onde ela fala com espontaneidade e verdade. O problema não é o que ela diz, porque ela di-lo convictamente,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Não percebeu!

A Oradora: - … o problema é ela estar num Governo que tem obrigações para com o País, para com os jovens!

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O PS não se contenta com as vossas declarações de boa-fé. O PS exige que da boa-fé resulte qualquer coisa. E por este caminho, da vossa boa-fé, estará o inferno cheio ou, melhor, estarão os portugueses cheios, porque,…

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Muito bem!

A Oradora: - … por este caminho, não vão levar o País a lado algum e vamos continuar a ter, de acordo com os resultados dos estudos feitos, os jovens com um desconhecimento enorme sobre as questões da sexualidade, sobre questões importantíssimas.
Já agora, deixem-me que vos diga, em tom de desabafo: chega de associar a sexualidade aos vícios e ao risco!

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do CDS-PP: - Ao quê?! Onde é que ouviu isso?!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Deve ter lido na Maria!

A Oradora: - Foi o que o Sr. Deputado disse!
É uma componente, mas não faz sentido algum uma disciplina do 3.º ano ao 10.º ano, porque é nessa altura que os jovens têm problemas. A educação para a sexualidade ensina-nos a ser melhores seres humanos, melhores homens e mulheres, e, portanto, não começa nem aos 10 anos nem aos 15 anos, é desde o início!

Vozes do PS: - Muito bem!

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A Oradora: - Exigimos, de facto, uma educação sexual a sério. É para esta exigência que podem contar connosco!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Nuno Sá.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Sr.ª Presidente, se a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita mo permitir, gostaria de fazer um ligeiro comentário à intervenção da Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.
Sr.ª Deputada, de facto, estivemos num debate hoje de manhã, onde não tive qualquer dificuldade em representar o PSD. Simplesmente, quando me fizeram questões pessoais respondi pessoalmente. Se calhar, isto faz alguma confusão à esquerda parlamentar, que neste momento anda muito agitada e nervosa com estas questões.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Não ando nervosa, ando preocupada!

O Orador: - É preciso trazer alguma serenidade, alguma calma ao debate!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A prova provada disto é a intervenção da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
Ontem, o Bloco de Esquerda ameaçou, na rádio, que faria hoje uma intervenção. O PCP, com medo de ser ultrapassado,…

Risos do PCP.

… toca logo a fazer, a correr, uma intervenção para ocupar o espaço à esquerda, não vá o Bloco de Esquerda roubar-lhes mais eleitorado. Mas esse é um problema vosso, no qual não me meto!
Este estilo de oposição, da trica, da "fulanização", da pequena intriga, não vos fica bem. É tempo de arrepiar caminho e de começar a resolver os verdadeiros problemas, se para isso quiserem contribuir, porque se o não quiserem cá está a maioria para o fazer, aliás, foi isso o que os portugueses determinaram nas últimas eleições.
Este percurso sinuoso da trica, da intriga e do "ouvi dizer" palaciano não fica bem a ninguém,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - A notícia não foi no palácio, veio publicada no Diário de Notícias!

O Orador: - … muito menos a um partido com representação parlamentar.
Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, como a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos disse, estivemos num debate hoje de manhã, no qual o PCP, infelizmente, não pôde fazer-se representar, em que verifiquei que não é só a Sr.ª Secretária de Estado que critica o actual modelo, também os professores e os alunos presentes criticaram o actual modelo da transversalidade. Ora, é com isso que estamos preocupados, ou seja, em pegar no actual modelo, ver quais são os resultados, ver qual o trabalho conseguido, criticá-lo, questioná-lo e, se calhar, melhorá-lo.
Sr.ª Deputada, "somos presos por ter cão e por não ter"!… Primeiro, a Sr.ª Deputada diz que estamos a cultivar o obscurantismo e, depois, diz que o PSD, num golpe de mágica, arranjou um projecto, que a Sr.ª Deputada, se calhar, conhece mais profundamente do que eu porque ainda está em discussão, para iludir as pessoas.
Sr.ª Deputada, entendamo-nos: o que quer o PCP fazer neste caminho, concretamente? Quer resolver os problemas que existem ou quer apenas fazer chicana política…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Essa agora!

O Orador: - … e um número parlamentar, que lhe fica bem mas que não resolve nada e em nada ajuda o País?
Sr.ª Deputada, por exemplo, qual a opinião do PCP sobre o actual modelo? Considera que tem funcionado? Pensa que está a dar resultados concretos? Eram perguntas interessantes para debater, em vez de ir buscar aquilo que foi dito, o que não foi dito e mais o que ouviu no corredor.

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Protestos do PCP.

São questões muito concretas, mas, se calhar, o PCP fica sem resposta por um motivo: não estou aqui a arranjar uma polémica e uma bandeira política para agitar convosco, estou a dizer que há um problema na sociedade portuguesa que queremos resolver; vocês apenas querem sound bytes. É esta a principal diferença!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, julgo que traz ao Parlamento uma questão da maior importância e oportunidade, porque, efectivamente, o Partido Popular, na coligação,…

Vozes do CDS-PP: - Já cá faltava esta!

A Oradora: - … fazendo-se herdeiro do melhor da tradição do Deputado Morgado,…

Vozes do PS e do PCP: - Exactamente!

Vozes do CDS-PP: - Oh!…

A Oradora: - … vem retomar uma visão, relativamente à educação sexual, que é lamentável.

Protestos do CDS-PP.

E julgo que é verdadeiramente preocupante ver a bancada do PSD abdicar daquilo que durante muitos anos foram os seus combates.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Mas abdicar do quê?!

A Oradora: - Aquilo que está em discussão não é a opinião pessoal da Sr.ª Secretária de Estado da Educação…

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - É a opinião dos alunos e dos professores!

A Oradora: - … sobre a contracepção, em relação à qual ela adianta ser contra. A questão que se coloca, que é gravíssima e de uma enorme responsabilidade, é a Sr.ª Secretária de Estado estar, neste momento, a pôr em causa a educação sexual nas escolas. O que é gravíssimo é descurar o importante problema de saúde pública que faz com que Portugal se situe na frente em termos do número de gravidezes em mães adolescentes.

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Isso é verdade!

A Oradora: - O que é gravíssimo é aquilo que está a ser feito, sabendo-se, como se sabe, que muitos jovens não têm estado a aprender a lidar com a sua sexualidade e os seus afectos, nem têm, por exemplo, em relação à prevenção do HIV/SIDA, os comportamentos que deveriam ter, porque a escola está, pura e simplesmente, a demitir-se do seu papel, pois os senhores estão de facto a boicotar aquela que é uma questão essencial nas escolas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Nós estamos a boicotar?!

A Oradora: - Não é por acaso também, seguramente, que agora alguns sectores, alimentados pela extrema direita parlamentar, vêm até pôr em causa a venda de contraceptivos em farmácias públicas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É uma vergonha!

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A Oradora: - Em nossa opinião, é uma tristeza e uma enorme irresponsabilidade o PSD, que teve entre si pessoas importantíssimas, depois do 25 de Abril, para o planeamento familiar e a garantia de direitos sexuais e reprodutivos, estar a reboque do CDS-PP e deixar de ter posição própria.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - É um disparate!

A Sr. Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, muito obrigada pelas questões colocadas.
Começo por citar o Sr. Deputado Massano Cardoso: "Ainda o Sr. Deputado tem esperança que até os burros aprendam"! Sr. Deputado Jorge Nuno Sá, é, de facto, uma boa vontade muito grande!
Relativamente ao modelo que, neste momento, deveria estar a funcionar em Portugal no que à educação sexual e planeamento familiar diz respeito, naturalmente que muitos e bons resultados ele poderia ter trazido na área da saúde dos jovens portugueses.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Mas não trouxe, e o melhor processo de avaliação são os resultados da área da saúde que são conhecidos de Portugal na Europa, para vergonha dos portugueses.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Está a ver, Sr. Deputado Jorge Nuno Sá!

A Oradora: - Essa é a melhor avaliação!
Vamos ao modelo.
Por que o modelo não funcionou? Foi porque a maioria se empenhou no seu funcionamento e não conseguiu pô-lo a funcionar? Não, foi porque o Governo PSD/CDS-PP não só nada fez como destruiu tudo quanto estava feito.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Vou dar alguns exemplos: não fizeram nada não formando professores nesta área; não fizeram nada destruindo e esvaziando a Comissão Coordenadora de Promoção e Educação para a Saúde; não fizeram nada destruindo todo o planeamento familiar e toda a educação sexual que existia nas escolas; não fizeram nada impedindo que as organizações não governamentais fizessem chegar gratuitamente às escolas material informativo sobre o planeamento familiar e a educação sexual.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, tudo aquilo que fizeram foi destruir o que estava feito, nada trazendo de novo.
É de lamentar que, nada tendo feito e não tendo capacidade para avaliar e reflectir sobre matéria alguma, permitam que, em nome do obscurantismo, da ignorância, uma Secretária de Estado venha dizer as aberrações científicas e pedagógicas que disse. E isto não tem a ver com a esquerda e com a direita, Sr. Deputado, são aberrações de natureza científica e pedagógica!
Naturalmente, a história colocará no sítio a Sr.ª Secretária de Estado,…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

… como colocou no sítio Giordano Bruno, por exemplo, independentemente da sua prisão. Portanto, a história colocará no sítio a Sr.ª Secretária de Estado.
Mas, antes que a história coloque no sítio a Sr.ª Secretária de Estado, em nome do rigor e da ciência, os Srs. Deputados, principalmente os mais jovens, poderiam não permitir ser tolhidos por tamanha ignorância e obscurantismo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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2789 | I Série - Número 050 | 12 de Fevereiro de 2004

 

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Está a ofender-me, Sr.ª Deputada!

A Oradora: - Termino dizendo que não foi nenhuma novidade; não foi com surpresa que ouvimos a Sr.ª Secretária de Estado dizer o que disse. A mesma Secretária de Estado que apela à exclusão das crianças e jovens deficientes, que considera que os professores não são idóneos e que ainda está convencida de que há religião oficial do Estado em Portugal é natural que de educação sexual e planeamento familiar nada saiba. E, portanto, é natural que o conteúdo da entrevista que deu ao órgão de comunicação social tenha sido daquela ausência de rigor e de "cientificidade" que todos conhecemos.
O que é de lamentar é que ainda hoje, três ou quatro dias após a entrevista, a Sr.ª Secretária de Estado ainda continue no Governo, em nome da maioria, e que os senhores ainda não tenham feito a "limpeza", em termos da sanidade intelectual, que seria desejável.

Aplausos do PCP e do BE.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

A Sr. Presidente (Leonor Beleza): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Deputado Jorge Nuno Sá, mais sound bytes do que aqueles que Mariana Cascais produz seria tarefa impossível!

O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): - Oh!…

O Orador: - Por isso, raramente fala; por isso, já lhe retiraram, na prática, funções; é "ostracizada" no Ministério da Educação, quer pelo Ministro David Justino, quer pelo Secretário de Estado da Administração Educativa. É certo que, durante uns meses, o Ministério da Educação respirou de alívio, porque a Secretária de Estado esteve calada.
A Secretária de Estado, que consegue a proeza de, sempre que fala, ser notícia, deu, durante algum tempo, descanso ao Ministro Luís Marques Mendes, só que Mariana Cascais é um dos maiores pesadelos deste Governo, e agora vamos falar a sério.
Já disse de tudo, já disse que os professores não têm ética para leccionar educação sexual e que Portugal tem uma religião oficial. Houvesse pudor neste Governo e ela teria sido demitida. Não espanta, por isso, que o Governo a queira esconder. Porém, neste Governo, por mais que isso custe - e sei que custa - a vários Deputados do PSD, os Ministros e os Secretários de Estado ocupam lugares por quotas partidárias, sendo que nos Ministros e Secretários de Estado do CDS-PP ninguém mexe, por mais risíveis ou preocupantes que sejam as suas posições.
Mariana Cascais voltou então à carga. Numa entrevista ao Diário de Notícias e ao Notícias Magazine contradisse a lei e disse mesmo que se ela quisesse não haveria educação sexual em Portugal.
Há 20 anos que existe legislação no nosso país sobre a educação sexual em contexto escolar, há 20 anos que as leis aprovadas por esta Assembleia não são cumpridas. O resultado, infelizmente, está à vista.
Há números que deviam fazer o Governo reflectir. No entanto, se fosse preciso fazer um retrato da indigência de meios destinados, pelo Ministério da Educação, à aplicação desta matéria, bastaria um simples exemplo: há um ano que o Ministério da Educação está a tratar os dados estatísticos do questionário que fez às escolas, um questionário entregue por via postal e ao qual apenas metade dos estabelecimentos de ensino responderam.
É esta a política do Ministério que mais nos fala em avaliação e escrutínio público. Um ano passado, ainda não tem os dados escrutinados e tratados. Do que conhecemos, sabemos que 75% das escolas que responderam ao inquérito de 2002 consideravam "não ter agentes educativos com formação adequada para promover a educação sexual".
Relembro que este Governo está em funções desde 2002.
O programa de promoção da saúde que, em 2000, estava a ser aplicado por 667 escolas está em banho-maria, retrocedeu. A política deste Governo, temos de ser francos, tem como principal aposta o reforço da participação do Movimento de Defesa da Vida nas acções de formação a professores para a educação sexual de adolescentes.
Ver o que este movimento quer que se ensine aos jovens é esclarecedor. Nas suas acções de formação - isto veio publicada numa entrevista dada por alguns dos seus dirigentes - o movimento começa por explicar que o sexo é como os bebés e as tomadas eléctricas, que a tomada é perigosa, mas que nem por

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isso se ponha lá a mão do bebé para ele saber que ela é perigosa.
O movimento modernizou-se, é certo. Já não fala das abelhinhas! Mas convenhamos que dizer aos jovens que o sexo é perigoso e depois nada lhes dizer sobre como minorar os perigos, não era o que o legislador tinha em mente quando decidiu criar a educação sexual em meio escolar.
O movimento não aconselha a pílula. Diz que "o adolescente é uma pessoa naturalmente desorganizada, por isso, não se pode esperar que tome a pílula todos os dias, a uma determinada hora".
Também não aconselha o preservativo, antes diz que "temos de ter em consideração que o adolescente está a sentir, pela primeira vez, determinado tipo de sensações e tem dificuldade de controlo" e que, por isso, não "vai colocar o preservativo correctamente". O ideal, diz o movimento, é que os professores que vão falar com os adolescentes os aconselhem o método natural de auto-observação, o do calendário e das temperaturas. E diz mais: que "está cientificamente comprovado que é dos mais eficazes, ao mesmo nível que a pílula".
Mas o Movimento em Defesa da Vida não está sozinho. Tem a clara companhia de Mariana Cascais. Diz ela que a choca ver "os exemplos, a terminologia que se utiliza, as imagens que se projectam".
Não imagino como quer Mariana Cascais que se explique a um adolescente como se usa o preservativo. Será com metáforas? Será com sombras chinesas?
Mas Mariana Cascais sossega-nos: não vai proibir que se fale do preservativo. Falar pode-se, mas baixinho. Falar pode-se, mas sem se ver.
É que Mariana Cascais, apesar da lei dizer o contrário, não quer preservativos nas escolas secundárias e não há uma única escola secundária que preste o serviço de dar, de forma contextualizada, acesso aos preservativos.
A Secretária de Estado considera que os preservativos da escola "podem incentivar os miúdos, tendo à disposição esse instrumento, a agir com mais confiança". Por isso, dizemos nós, Mariana Cascais parece achar melhor não lhes dar confiança. Se tiverem vontade, pelo menos arriscam a vida e, assim, não repetem o erro.
Dar a esta senhora a pasta da educação sexual, é o mesmo que dar o Ministério da Justiça a alguém que não pague à segurança social os descontos dos trabalhadores. É um exemplo infeliz, eu sei.
Tudo isto daria muita vontade de rir se Mariana Cascais não fosse Secretária de Estado; tudo isto daria imensa vontade de rir se Portugal não fosse o segundo país europeu com maior número de grávidas adolescentes, se não fosse o país da União Europeia onde o número de infectados por doenças sexualmente transmissíveis - HIV e hepatite - continuam a crescer; tudo isto daria vontade de rir se, em Portugal, não houvesse milhares de raparigas a abortar todos os anos. Ninguém lhes mostrou as imagens que tanto chocam Mariana Cascais. E é pena.
São estas pessoas que, em Portugal, batalham contra a legalização do aborto. Também são contra a educação sexual, o preservativo, a pílula. O que querem então? A resposta é dada pelo movimento que Mariana Cascais apoia, nas suas acções de "formação": a abstinência. E assim temos as acções para a educação sexual transformadas em aulas de catequese. O resultado está à vista.
É este o preço que o país paga pelos acordos entre o PSD e o CDS-PP. Temos o único partido que votou contra a educação sexual nas escolas com a tutela da educação sexual nas escolas. Temos o fundamentalismo taliban a tratar da educação sexual dos nossos adolescentes.
Assim, infelizmente, não vamos lá.

Aplausos do BE.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, o Governo informou a Assembleia da República de que o Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes pretende usar da palavra ao abrigo do n.º 2 do artigo 84.º do Regimento, sobre o tema "Participação de Portugal nas Forças Multinacionais no Afeganistão".
Assim, o Governo vai usar da palavra após o que, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 84.º, será aberto um período de debate.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes.

O Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes (Henrique de Freitas): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo honra-se, e preza-se, de ter uma atitude de respeito democrático e institucional pela Assembleia da República.
Por isso, e apesar de não se tratar de qualquer nova missão, aqui está o Governo, perante a Assembleia da Republica, a tomar a iniciativa de explicar qual o nosso contributo futuro na operação no

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Afeganistão.
Fazemo-lo cinco dias após a reunião da NATO, em que se ultrapassavam as lacunas da importantíssima missão que pretende estabilizar o país que se libertou da tirania dos talibãs.
Fazemo-lo prontamente, logo na primeira sessão plenária do Parlamento, cerca de cinco meses antes de qualquer militar português estar integrado na missão da ISAF (International Security Assistance Force), em que participam já 32 países de nações NATO e de nações não NATO, envolvendo um efectivo de cerca de 5000 homens.
Fazemo-lo, enfim, com a consciência de que este contributo foi responsavelmente ponderado, quer do ponto de vista da legitimidade internacional quer nos planos institucional e operacional.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na última reunião informal dos Ministros da Defesa da Aliança Atlântica, realizada em Munique no passado dia 6, o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional, com o acordo do Sr. Primeiro-Ministro e depois de consultado o Sr. Presidente da República, deu conta da disponibilidade de Portugal para participar na operação actualmente em curso no Afeganistão, com a seguinte contribuição: dois a três controladores aéreos; dois meteorologistas; uma equipa de bombeiros da Força Aérea (um sargento e quatro praças); um oficial para o Estado-Maior da operação.
Trata-se da nossa participação por um período de seis meses, prorrogável, numa missão de construção, restabelecimento e manutenção da paz, uma missão cuja operacionalização será agora definida entre o Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas e o Comando Estratégico Operacional da NATO, em Mons.
Foi, assim, com muita estranheza que o Governo constatou as reacções de algumas forças políticas da oposição ao anúncio desta disponibilidade, as quais traduziram um surpreendente desconhecimento do enquadramento da situação no Afeganistão quando da atitude que o nosso País tem vindo a adoptar face a esta questão.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Estranheza, desde logo, porque a presença, civil e militar, no Afeganistão da comunidade internacional se encontra perfeitamente enquadrada pelas Resoluções do Conselho de Segurança n.os 1386 e 1453, respectivamente dos anos 2001 e 2002, as quais autorizaram a criação e delimitaram o mandato da ISAF.
Mais estranheza ainda porque a presença de Portugal no Afeganistão não é nova, encontrando-se há muito decidida.
Efectivamente, na sequência do 11 de Setembro e no decurso das operações militares dos Estados Unidos e dos seus aliados no Afeganistão, o governo liderado pelo Eng.º António Guterres, sendo ministro da Defesa o Dr. Rui Pena, autorizou que as Forças Armadas portuguesas integrassem a ISAF II.
Efectivamente, e em resposta a um pedido norte-americano, o governo de então aprovou uma portaria, de 22 de Fevereiro de 2002, disponibilizando uma equipa médica constituída por oito pessoas, um C-130, envolvendo aqui 15 militares, uma decisão que certamente reconheceu que a reorganização do Afeganistão constituía, na sequência da intervenção das Nações Unidas, no âmbito do combate ao terrorismo, um imperativo de natureza humanitária.
O objectivo central da estratégia da NATO é apoiar os esforços da autoridade transitória afegã, bem como da comunidade internacional, na implementação dos acordos de Bona, no sentido de alcançar um Estado de governo auto-sustentado, moderado e democrático, capaz de exercer a sua autoridade e operar em todo o Afeganistão.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Através de quê? Através do reforço do Governo central e das instituições relacionadas com a segurança interna, no desenvolvimento e implementação de actividades eficazes, contra o tráfico de droga, na realização de eleições livres e no progresso no combate à ameaça terrorista no país.
Naturalmente, passo importante nesta estratégia foi a aceitação, na sua generalidade, do projecto de Constituição, o qual garante as bases para a criação de instituições democráticas e abre caminho para as eleições ainda em 2004.
Merece também relevo aqui, nesta Câmara, a aprovação, pela autoridade transitória afegã da primeira lei antidroga, que tem como principal objectivo mostrar formas alternativas de rendimento.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Agosto de 2003, registou-se uma alteração na estrutura de comando da ISAF, que passou a ser assumido pela NATO.
Portugal não deu, até ao momento, qualquer contributo nacional para esta nova fase da operação. Somos mesmo o único - e sublinho a palavra "único" - país da Aliança Atlântica que não o fez. A

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própria Islândia, que, como sabem, não dispõe de forças armadas, vai assegurar a coordenação do aeroporto de Cabul, justamente o local onde também nós iremos estar presentes.
A contribuição portuguesa é reduzida em número, mas vale, sobretudo, pela sua importância qualitativa, pois vai ajudar a colmatar parte das lacunas que a NATO vem sentindo no Afeganistão.
Ao mesmo tempo, estaremos a dar cumprimento às obrigações de solidariedade, colaboração e cooperação que caracterizam a relação entre a NATO e os seus membros, bem como a corresponder a vários apelos do actual e do anterior Secretário-Geral e das autoridades militares aliadas.
E o Governo queria ainda sublinhar, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, que é também num espírito de missão humanitária e de ajuda que se insere a decisão do Governo português.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - Na verdade, ao colaborarmos no esforço destinado a garantir a plena operacionalidade do aeroporto de Cabul, estaremos a contribuir para que o auxílio humanitário chegue às populações mais necessitadas e, assim, para que o desenvolvimento e a estabilidade do Afeganistão sejam uma realidade cada vez mais próxima.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal está na NATO porque acredita na importância do vínculo transatlântico, porque vê na Aliança Atlântica um instrumento essencial para a garantia da paz e da estabilidade internacional, porque valoriza o seu contributo determinante para a sua segurança e defesa, aceitando também como natural que a nossa qualidade de membro da NATO implica deveres e obrigações.
Foi por isso que participámos e participamos nas suas operações no Kosovo e na Bósnia. E é isso que vamos continuar a fazer no Afeganistão, dando o nosso contributo para o combate contra o terrorismo internacional.
O Governo orgulha-se da contribuição das Forças Armadas e dos seus militares na construção da paz, segurança e estabilidade no Afeganistão e está convicto de que, assim, cumpre a sua responsabilidade perante a comunidade internacional.
Hoje o Governo cumpriu também a sua responsabilidade perante este Parlamento.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Dando início ao debate, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Secretário de Estado, transmita, por favor, ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, que não pôde vir à Assembleia, os sinceros votos de parabéns do Bloco de Esquerda. Nos termos da Constituição, o Governo "só precisou" de cinco dias para vir ao Parlamento apresentar justificação por esta decisão, cinco dias depois de ter comunicado à Casa Branca a sua obediência…!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Isto é inacreditável!

O Orador: - Importa, por isso, apreciar o fundamento desta decisão, Se o Sr. Secretário de Estado abrir a imprensa britânica de segunda-feira lerá uma afirmação espantosa do Ministro da Defesa russo Sergei Ivanov. Diz ele que "é compreensível que, ao permitir o tráfico de droga no Afeganistão, a NATO assegure, deste modo, a lealdade dos chefes de guerra e dos líderes afegãos".
É claro que é um ministro russo, não se pode confiar nele... Mas se o Sr. Secretário de Estado abrisse a revista The Economist, de 27 de Setembro do ano passado, leria a declaração, mais espantosa ainda, do Ministro das Finanças do governo afegão, o Sr. Ashraf Ghani, que dizia que é certo que o Afeganistão já produz 77% do ópio mundial e que a culpa é dos seus colegas ministros, porque (diz ele no The Economist) os outros ministérios são os centros da narcomafia!!...
Parabéns, Sr. Secretário de Estado, ainda bem que se vai envolver com as forças portuguesas na defesa do governo da narcomafia.
E vale a pena ainda acrescentar que o elogio que aqui fez à Constituição afegã deve ser medido pelo conhecimento dessa Constituição que estabelece o princípio da República islâmica de que - e cito-lhe a

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Constituição - "nenhuma lei pode ser aprovada se for contrária às crenças e às práticas do Islão".
Parabéns, Sr. Secretário de Estado, acabou de enviar uma equipa "expedicionária colonial" para uma guerra norte-americana e britânica de um país que é uma República fundamentalista islâmica, responsável pela maior produção de droga à escala mundial!... O Governo está de parabéns!!...

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes, a Lei n.º 46/2003, que foi aprovada por unanimidade nesta Assembleia - mas ainda que o não fosse! - estabelece, no seu artigo 3.º, que a decisão do Governo de envolver contingentes militares portugueses no estrangeiro é comunicada previamente à Assembleia da República para efeitos de apreciação e posterior acompanhamento. Diz ainda, no artigo seguinte, que a informação do Governo à Assembleia da República sobre o envolvimento de contingentes militares portugueses no estrangeiro deverá, designadamente, incluir os pedidos que solicitem esse envolvimento, acompanhados da respectiva fundamentação, e os projectos de decisão ou de proposta desse envolvimento.

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

O Orador: - Pois bem, Sr. Secretário de Estado, o que é que aconteceu? Aconteceu que lemos todos no Expresso, no passado fim-de-semana, que Portugal ia enviar militares para o Afeganistão e vimos, depois, o próprio Sr. Ministro da Defesa Nacional a confirmar à comunicação social que, de facto, Portugal ia enviar militares - e até disse quantos é que enviava e para fazer o quê!...
Espantosamente, vem hoje aqui o Sr. Secretário de Estado dizer que não sabe do que é que a oposição se queixa.
Sr. Secretário de Estado, a oposição reclama, muito justamente, que as leis aprovadas nesta Assembleia sejam cumpridas pelo Governo, que, em primeira linha, tem a obrigação de cumprir a lei!

Aplausos do PCP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estão a ser cumpridas!

O Orador: - O Governo tem a obrigação, ainda que mais não fosse ao abrigo do estatuto da oposição, de informar os partidos da oposição dessa sua opção. O Governo não cumpriu nem o estatuto da oposição nem a lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é falso!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Isso não é verdade!

O Orador: - A lei é aprovada na Assembleia da República e, na primeira oportunidade em que a lei devia ser aplicada, o Governo dá o péssimo exemplo de não a cumprir e de não dar à Assembleia da República a informação que tinha a estrita obrigação de dar!
Sr. Secretário de Estado, a estratégia que o Governo português tem vindo a revelar em matéria de envolvimento das forças militares portuguesas no estrangeiro é, pura e simplesmente, dizer que sim às solicitações que nesse sentido lhe são feitas pelo governo de Washington.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Tem sido essa a orientação do Governo. Os Estados Unidos não querem continuar na Bósnia, dizem que se vão retirar e o Governo português, pressurosamente, diz que, se os americanos saírem, vamos para lá nós. Os Estados Unidos envolveram-se na guerra do Iraque, agora pretendem que outros países venham a ocupar posições enquanto forças de ocupação e Portugal, prestimosamente, oferece um contingente da GNR para lá ir. Agora, aparece mais uma vez Portugal, pressurosamente, a oferecer-se para participar no envolvimento no Afeganistão…!
É essa a estratégia do Governo português, tanto mais quando se sabe que nem sequer paga ao exército português os custos dessas operações, pelo que, mais uma vez, o exército português terá de "ir ao Totta" para encontrar formas de financiar esta participação no Afeganistão.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, acompanhamos, com preocupação, as notícias que vieram a público dizendo que o Governo português se prepararia, inclusivamente, para reduzir a presença de tropas portuguesas em Timor. Muito nos preocupa que esse desígnio, que é efectivamente consensual no nosso país, possa vir a ser alienado a favor da participação em missões que têm como único propósito ceder aos objectivos em que os Estados Unidos nos querem envolver.
Entendemos que essa não é uma estratégia para Portugal e gostaríamos que o Sr. Secretário de Estado desse aqui uma explicação muito clara a esse respeito.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministros dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes, Srs. Deputados: Estava à espera de ouvir todos os argumentos da parte do Bloco de Esquerda, mas com este de que a NATO anda a promover o tráfico de droga, de facto, o Sr. Deputado Francisco Louçã bateu o recorde absoluto da demagogia.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de informar o Sr. Deputado Francisco Louçã de que, ainda recentemente, em Dezembro, o Sr. Ministro da Defesa Nacional foi à Comissão de Defesa apresentar a avaliação da missão da NATO e das Nações Unidas no Afeganistão feita por estas duas entidades, visto que é uma missão ao abrigo das Nações Unidas (que os senhores sempre defenderam, mas agora, pelos vistos, estão contra).
É relevante realçar que, graças à presença de forças militares de vários países aliados no Afeganistão, se registaram vários sucessos, nomeadamente o regresso à escola de meninas estudantes que não o podiam fazer por causa do regime talibã, um conjunto de desenvolvimentos culturais, como a reinstituição da televisão e da rádio, melhorias em relação à construção de infra-estruturas, o desenvolvimento e a constituição e democratização das instituições do Afeganistão. Mas isso não interessa, nada!…
Nesse relatório havia um facto que era assumido pela própria NATO, Sr. Deputado Francisco Louçã, que era o fiasco no combate ao narcotráfico, porque isto preocupa não só as organizações internacionais de defesa dos direitos humanos mas toda a comunidade internacional. A própria NATO e as Nações Unidas fizeram agora do combate ao narcotráfico o grande projecto no Afeganistão. Isso não nos devia dividir. É graças à presença internacional que se poderá resolver o problema. Não podemos deixar de ajudar o Afeganistão neste momento essencial.
Gostaria de realçar que, de facto, como aqui foi dito pelo Sr. Secretário de Estado, esta missão é feita ao abrigo de resoluções das Nações Unidas.
Sr. Deputado António Filipe, isto não foi um apelo dos americanos, mas um pedido das Nações Unidas, com base em decisões tomadas por unanimidade!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Foi uma ordem do Sr. Bush!

O Orador: - Considero extraordinário que os Srs. Deputados que, no debate sobre o Iraque, falaram dez mil vezes nestes assuntos agora, que as Nações Unidas apelam aos vários países da comunidade internacional para ajudarem o Afeganistão na sua pacificação, façam comentários deste género. É extraordinário este argumentário da esquerda radical do Parlamento.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Gostaria também de realçar que Portugal não pode, obviamente, ficar à margem como mero observador deste combate contra o terrorismo internacional e da pacificação e reconstrução das instituições democráticas no Afeganistão.
Esse esforço colectivo também tem de ter, na medida dos possíveis, a participação portuguesa e, assim como nós, na oposição, apoiámos o governo do Partido Socialista quando tomou a decisão de

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enviar uma equipa médica e um C-130 para o Afeganistão, hoje, na maioria, temos exactamente a mesma posição no sentido de apoiar o Governo neste esforço que está a ser feito.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Convém realçar que tudo se processou no estrito respeito pela Constituição, pelo que o Sr. Deputado António Filipe não tem razão. Esta declaração por parte do Governo é feita cinco dias depois de ter tomado a decisão sobre o pedido da NATO a Portugal. O Governo decidiu, informou previamente o Sr. Presidente da República…

O Sr. António Costa (PS): - Informou o Expresso!

O Orador: - … como é, aliás, obrigado - houve aqui uma colaboração institucional notável -, e depois vem ao Parlamento passados cinco dias. E estamos a falar de uma força de 10 militares, o que não é, como disse o Bloco de Esquerda, um esforço brutal para as forças armadas portuguesas.

O Sr. António Costa (PS): - Nós sabemos ler o Expresso!

O Orador: - Esta declaração é feita antes da partida dos militares, que só ocorrerá dentro de 4 ou 5 meses, que é exactamente o que a lei obriga: a que a Assembleia da República seja informada da missão antes das forças militares serem enviadas.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo está a cumprir essas obrigações, mas os senhores criticam e dizem que a lei não está a ser cumprida. Considero extraordinário!
Portanto, a lei foi cumprida, houve respeito e cooperação institucional com o Sr. Presidente da República e o Governo está a respeitar um apelo das Nações Unidas. Os senhores deviam estar todos a aplaudir, felizes e contentes.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para uma interpelação à Mesa, Sr.ª Presidente, porque o Sr. Deputado João Rebelo, na sua intervenção, atribuiu-me uma frase que eu, na minha intervenção, citei com referência ao autor.
Por isso, Sr.ª Presidente, vou pedir-lhe que permita a distribuição do artigo do The Guardian de segunda-feira, que tem a referência da intervenção do Ministro da Defesa russo que citei e onde o Sr. Deputado João Rebelo poderá encontrar também os dados das Nações Unidas sobre o progresso da produção de ópio no Afeganistão, que é espantosa.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Mas eu disse que sim! Disse que foi um fiasco!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado fará chegar à Mesa o documento.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, o Partido Socialista teve sempre a mesma posição nestas matérias e reitera-a agora: defendemos a legalidade internacional, designadamente na base das decisões tomadas no foro próprio, que são as Nações Unidas, pelo que a presença de forças da NATO, e sob o "chapéu" da NATO, no Afeganistão não nos merece reparos, bem pelo contrário!
Mas já nos merece reparo o facto de o Sr. Secretário de Estado vir aqui com oito dias, pelo menos, de atraso e em substituição de quem devia aqui estar, que era o Sr. Ministro da Defesa.
É sabido que durante a conferência informal de Munique vários países, não só Portugal, decidiram reforçar ou iniciar apoios à presença de forças da NATO no Afeganistão.
O que não é sabido - e gostaríamos de saber - é como é que o Governo, sem dar a mínima palavra seja a quem for, "embrulha" de repente em Munique, fazendo um telefonema à pressa ao Sr. Presidente

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da República para Oslo, ou seja, tudo ali arranjado à pressa…

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - À pressa?...

O Orador: - O Sr. Ministro ou o Sr. Secretário de Estado poderão explicar-me a seguir.
Não percebo, a falta deve ser minha, como é que isto tudo é "embrulhado" à pressa, certamente para que Portugal pudesse ter uma presença - que, como já disse, é legítima e mostra que não fugimos aos nossos deveres para com as organizações internacionais, designadamente a NATO de que somos membros - que é, no mínimo, atabalhoada e feita com desrespeito pelas regras mínimas de convivência no Parlamento e, a nosso ver, também para com o Sr. Presidente da República.
Então, nada estava preparado?! Não há o mínimo de preparação para uma decisão destas?! É de uma quarta para uma quinta-feira que se inventa a participação de Portugal na NATO?!...
É isto que nos preocupa, porque já não é a primeira vez que nos deparamos com acções atabalhoadas da parte do Ministério da Defesa. Não é a primeira vez! Lembremos os episódios da força de segurança da Guarda Nacional Republicana que ia mas não ia para o Iraque, ia amanhã mas já não ia, já ia no percurso mas ainda não se sabia para onde…

O Sr. António Costa (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, o que pretendemos é que estas decisões sejam tomadas tendo em conta a Assembleia da República e aquilo que consideramos como um mínimo de preparação para que as coisas sejam feitas com dignidade.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - A situação no Afeganistão não é brilhante, mas não subscrevemos inteiramente o discurso do Bloco de Esquerda.

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - A situação é difícil, mostra que tem sido muito mais fácil até agora fazer a guerra do que operações de manutenção de paz e de reconstrução do Estado e da sociedade e mostra também que é preciso alargar, tanto quanto possível, a colaboração a todos os países interessados neste caminho, o que não foi feito noutras situações e noutros locais.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes: Muito sucintamente, gostaria de cumprimentar o Governo pela forma como veio à Assembleia da República, cumprindo a lei e a Constituição, colocar a participação e a presença de Portugal no Afeganistão.
De facto, Portugal, sendo membro fundador da NATO e muito especialmente desde o 25 de Abril, sempre teve uma opção clara em relação a estas matérias. E teve-a mesmo quando o Partido Socialista estava no Governo, pelo que não compreendemos que agora meros argumentos logísticos sirvam para discutir o fundo da questão, isto é, o envolvimento numa força da NATO e a presença ao lado de outros países que connosco têm feito o percurso - alguns desde 1949, outros desde 1952, outros ainda desde 1955 e os últimos desde 1999, mas todos membros da NATO.
Essa opção, Sr. Deputado José Vera Jardim, tem um largo consenso e um largo apoio não só nesta Assembleia como em todo o País. É por isso que compreendemos, desculpamos e até, de alguma maneira, lamentamos que partidos como o Bloco de Esquerda e como Partido Comunista encontrem questões meramente laterais para justificar uma opção que não têm e de que de alguma maneira discordam. Poderá ser o tráfico de droga ou outras questões, são preocupações legítimas, mas servem apenas para disfarçar a questão central, que é a de que se opõem a qualquer participação na NATO e ao cumprimento das obrigações que daí decorrem.
Portugal, sobre esta matéria, sabe de que lado está a sua opção: do lado da liberdade, do lado da democracia, do lado dos direitos humanos - até ao fim da década de 90 foi, porventura, a Guerra Fria; do outro lado estaria a União Soviética com tudo aquilo que representava. Hoje, essa ameaça tem a ver

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com o terrorismo, com os Estados-pária, com o tráfico de droga, com as armas nucleares, biológicas e químicas. Portanto, esta é a maneira de mantermos a nossa relação transatlântica, de honrarmos os valores e os princípios que defendemos.
Não entendemos que a participação na NATO deva trazer só benefícios. Ela deve ser operada na base da solidariedade e da cooperação. Temos para nós que esta é a posição que deve ser tomada, com o apoio do Presidente da República, independentemente de este ser consultado em Belém ou em Oslo. O Sr. Presidente da República foi consultado, o Governo está agora a dar conhecimento à Assembleia da República,…

Protestos do PS.

… com cinco meses de antecedência, Srs. Deputados, o que, Srs. Deputados Vera Jardim e António Costa, não aconteceu no tempo de um governo em que os senhores participaram,…

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - … quando o Sr. Eng.º António Guterres veio aqui anunciar - não comunicar com antecedência mas anunciar - que tinha participado numa missão, 12 dias depois de a mesma ter acontecido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Concluo, dizendo que o Governo cumpriu a lei, por muito que isso custe ao Partido Comunista Português, cumpriu a Constituição, ao ter vindo anunciar à Câmara a sua intenção.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em relação a esta matéria, apenas tecerei dois comentários.
Em primeiro lugar, para dizer, Sr. Secretário de Estado, que depois do que aconteceu no Iraque relativamente ao escandaloso engano histórico quanto à certeza provada da existência de armas de destruição massiva que, afinal, não existiam, Os Verdes consideram que o Governo português deveria meter a mão na consciência e afastar-se de tudo o que está relacionado e que decorre de ocupações e de guerras preventivas. É o mínimo, Srs. Membros Governo, que o Governo poderia fazer por Portugal e pela paz no mundo. Mas não, a opção do Governo continua a ser a de se envolver nestas missões e a de uma total subjugação aos Estados Unidos da América.
Ouvimos o Sr. Primeiro-Ministro dizer que temos de ajudar a NATO para recebermos contrapartidas. Mas que contrapartidas, Sr. Secretário de Estado?! Esta subjugação total aos Estados Unidos da América a única contrapartida que nos dá é maior insegurança no mundo, é a criação de um mundo mais perigoso.
Sr. Secretário de Estado, penso que os portugueses não conseguem compreender como é que o Governo continua, de uma forma tão determinada, a desinvestir na saúde, a desinvestir na educação e, inclusivamente, a atingir níveis tão baixos de ajuda ao desenvolvimento e continua, tão prontamente, a esbanjar na defesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas, para uma intervenção.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Gostaria de acentuar que o que nos divide neste debate não é a questão de fundo mas, sim, a forma ligeira como o Governo toma estas decisões.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - O Governo já tinha demonstrado que toma estas decisões de forma ligeira relativamente ao Iraque e está, de novo, a demonstrar a mesma ligeireza quando esta não deveria verificar-se.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Uma coisa lhe recordo, Sr. Deputado Rui Gomes da Silva: o líder do seu partido, quando estava na oposição, nunca tomou conhecimento pelos jornais de decisões com a importância e a dimensão desta, mas, agora, isso sucedeu.
Portanto, o que está em causa não é a questão de fundo mas, sim, Sr. Secretário de Estado, que o Governo perdeu uma nova oportunidade de mostrar que não toma estas decisões com ligeireza.
Chamo a atenção de que, porventura, estará em preparação, neste momento, uma outra decisão sobre a qual também começamos a tomar conhecimento através dos jornais e, sobretudo, através de declarações que nem sequer são proferidas em Portugal.
Na verdade, o Sr. Primeiro-Ministro comunicou que poderia haver uma missão da NATO no Iraque, na qual poderiam ser envolvidos militares portugueses. Esta seria uma nova oportunidade de o Governo mostrar que pretende obter, junto desta Assembleia, um consenso mais alargado do que o que conseguiu relativamente à intervenção no Iraque, mas, Sr. Secretário de Estado, tal oportunidade não está a ser utilizada.
É necessário termos sentido de Estado e é necessário sabermos que estas decisões são importantes para o País - não importa a dimensão da missão nem do envolvimento dos militares - e deveriam merecer uma discussão que não fosse travada através dos jornais.
Portanto, para terminar e reforçando o que já foi dito, quero lamentar o facto de estarmos a ter uma discussão que não é novidade porque já tinha tido início há uns dias atrás.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes.

O Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional não se encontra em Portugal pelo que o Governo, por respeito e consideração para com a Assembleia, optou por vir prestar esclarecimentos na primeira sessão plenária que se seguiu à reunião informal de Ministros da Defesa.
Eu próprio fui Deputado nesta Câmara, membro da Comissão de Defesa Nacional, e, que me lembre, era apenas nessa sede que o governo dava conhecimento aos Srs. Deputados em matéria de envolvimento externo dos militares portugueses.
Esta é a primeira vez que um governo, em Plenário, a cinco meses de se iniciar uma missão, explica com clareza o que pretende.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Cumprimos a lei. Penso que damos um exemplo de cultura de democrática. Não peço ao Sr. Deputado Francisco Louçã que dê parabéns ao Governo - embora, neste caso, pense que teriam sido merecidos.
Começo, aliás, por responder ao Sr. Deputado Francisco Louçã.
Quis ser irónico na sua intervenção,…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Factual!

O Orador: - … mas confesso-lhe que a ironia não teve graça porque estamos a falar de matéria séria.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Estamos a falar de um povo que, durante décadas, foi oprimido por uma tirania encabeçada por um senhor, o Mullah Omar - e, porventura, a este o Sr. Deputado gostaria de dar parabéns! A verdade, Sr. Deputado, é que, para além de não ter tido graça, estamos a falar de algo muito sério, de um povo que foi oprimido durante décadas pela tirania dos talibãs.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado não tem razão factual.

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A NATO não está sozinha no Afeganistão já que também está presente uma agência das Nações Unidas e a União Europeia que, através de verbas avultadas, tem contribuído de uma forma decisiva para a reconstrução de escolas, de centros de saúde e para o saneamento em muitas daquelas cidades.
Significa isto, Sr. Deputado, que, se quiser discutir a NATO, é livre de o fazer, se quiser discutir o Direito Internacional e as Nações Unidas, também pode fazê-lo, não pode é afirmar, como fez, que o Governo português está ao lado do narcotráfico. Essa sua afirmação, permita que lhe diga, tolhe toda a sua argumentação!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado António Filipe, estamos a cumprir a lei no Plenário e não apenas na Comissão de Defesa Nacional. O Sr. Deputado gostaria que assim não tivesse sido para poder dizer que só tínhamos ido à Comissão. Não lhe demos esse gosto.

O Sr. António Filipe (PCP): - É a lei que o diz, não sou eu!

O Orador: - Mas tenho muito gosto em falar sobre a nossa participação em Timor, até porque essa também foi uma preocupação expressa pelo Partido Socialista.
Como sabe, a situação de segurança em Timor está a alterar-se positivamente e as Nações Unidas entendem que, no final do primeiro semestre deste ano, pode ser possível uma retracção do dispositivo de segurança. Ora, é exclusivamente na base de uma tal retracção, por orientação das Nações Unidas, que o contingente português também será reduzido. Que fique, pois, claro que a orientação nesse sentido vem das Nações Unidas.
Dirigindo-me agora ao Sr. Deputado José Vera Jardim, saliento e reafirmo a ideia de que o que aqui se debate é uma missão dentro da legalidade internacional, pelo que, nessa medida, estamos de acordo.
Mas, Sr. Deputado, permita-me dizer-lhe que não me fale em ziguezagues nem do Governo nem do Ministério da Defesa. Quem é que, na véspera da partida dos soldados da GNR para o Iraque, perante um atentado em Nassyria, quis, uma vez mais, reapreciar o envio das tropas portuguesas para aquele país?

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Foi o Dr. Ferro Rodrigues, lembro-me perfeitamente!
Permita-me que lhe diga, ainda, Sr. Deputado, que vim a esta Assembleia, cinco dias após a reunião, referir-me a uma missão que terá lugar daqui a cinco meses. O Eng.º António Guterres, no caso da questão do Kosovo, esteve nesta Câmara 12 dias depois de os primeiros soldados portugueses estarem já no Kosovo!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Dito isto, o Governo português tem orgulho em que o País participe nesta missão da ISAF, no Afeganistão; está ciente de que está a contribuir para o combate ao tráfico de droga naquele país; está consciente de que está a contribuir para a estabilidade e a segurança da região; está consciente de que está a contribuir para o combate contra o terrorismo internacional; e espera que esta Câmara também se lhe associe no sentido do cumprimento do Direito Internacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, o Sr. Secretário de Estado entendeu sugerir que, de algum modo, a minha bancada tinha relações de simpatia com o Mullah Omar…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, perguntei-lhe para que efeito estava a pedir a palavra.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, estava a transmitir-lhe a razão pela qual entendo que devo defender a consideração da bancada.

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra para o efeito.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, há várias formas de fazer o debate político e a melhor é a da clareza absoluta.
A sua graça sobre os nossos parabéns ao Mullah Omar é grotesca.

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - Por isso mesmo, em prol dos factos, quero lembrar-lhe as relações dos seus aliados com o Mullah Omar.
Dois dos comandantes talibãs que, hoje, estão a ser perseguidos, o Comandante Heikmatyar e o Comandante Hagani, foram recebidos pelo Presidente Ronald Reagan e elogiados como "combatentes da liberdade"... Um deles, Hagani, um dos principais apoiantes militares do Mullah Omar, era quem tinha a responsabilidade de receber no território afegão todos os voluntários islamistas que foram organizar a guerra. Por isso mesmo, foi quem recebeu e apoiou um voluntário que se chama Osama bin Laden. Nessa altura, aqueles que, hoje, ocupam o Afeganistão, ou seja, a coligação britânica-norte-americana e, actualmente, mais as forças da NATO, apoiavam, financiavam e desenvolviam a guerrilha que deu origem às forças talibãs. É entre os seus aliados e não entre aqueles que criticavam a violência que decorria no Afeganistão, nomeadamente a violência étnica, a violência religiosa e a violência contra os direitos da mulheres, que o Sr. Secretário de Estado pode encontrar quem teve simpatia para com o Mullah Omar.
Mas ainda lhe lembro mais, Sr. Secretário de Estado: em Maio de 2001, quatro meses antes dos atentados que destruíram as Torres Gémeas, uma representação diplomática do Mullah Omar foi recebida na Casa Branca, quando estava em curso uma negociação acerca dos pipelines que a empresa Unocal ia construir para atravessar o Afeganistão.
Sr. Secretário de Estado, deveria pensar duas vezes porque os aliados, os financiadores e os apoiantes do Mullah Omar foram aqueles que o senhor hoje entende serem os seus aliados na região.
Por isso mesmo, corrijo-o sobre uma matéria. Não afirmámos nunca e, em particular, eu próprio não afirmei que o Governo português protegesse o narcotráfico no Afeganistão.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Disse, disse!

O Orador: - O que disse, repito e continuarei a repetir foi que o governo afegão que o Governo português quer proteger é a sede do narcotráfico no Afeganistão.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes.

O Sr. Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, V. Ex.ª é tão conhecedor das matérias do Afeganistão que, na altura, achei que terminaria a sua intervenção em pachtun ou em dari…

Aplausos e risos do PSD e do CDS-PP.

Mas como não utilizou qualquer destas línguas oficiais, há duas coisas que gostaria de tê-lo ouvido dizer: em primeiro lugar, que o regime talibã foi um regime que a comunidade internacional fez muitíssimo bem em derrubar. Não ouvi o Sr. Deputado dizer isso!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, já não lhe pedia que elogiasse a NATO - enfim, posso perdoar-lhe esses seus enganos históricos -, mas, pelo menos, que tivesse elogiado o esforço das Nações Unidas - porque há, de facto, por parte das Nações Unidas, a aprovação de mandato em Conselho de Segurança - de estabilização do Afeganistão. Também não ouvi o Sr. Deputado dizer isso!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

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O Orador: - Tenho pena. E limito-me a reafirmar o que disse há pouco: o Governo português orgulha-se de participar numa missão que tem em vista a estabilização do Afeganistão e a luta contra o tráfico de droga, contribuindo, assim, para a melhoria da situação daqueles que, no Afeganistão, sofreram, durante décadas, sob o regime dos talibãs e que, hoje em dia, merecem viver, como se vive no Ocidente, em liberdade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 105/IX - Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, e do projecto de lei n.º 407/IX - Estabelece as bases gerais da política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência (PS).
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho.

O Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho (Bagão Félix): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao apresentar nesta Câmara uma proposta de lei de bases da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, o Governo cumpre o objectivo de estabelecer um novo quadro normativo para a área da deficiência.
A proposta de lei de bases assenta no conceito internacional da pessoa com deficiência, adoptado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2001, e compreende um elenco de princípios nucleares e decisivos para a integração e participação plena daquelas pessoas nas mais diversas áreas da sociedade, promovendo a sua maior autonomia e assegurando a defesa dos seus direitos.
Importa lembrar que promover a igualdade de oportunidades e proporcionar as condições para o reconhecimento e a valorização das pessoas com deficiência é uma responsabilidade transversal e uma incumbência partilhada que pressupõe o contributo de todos.
Falar das questões relacionadas com a deficiência é tratar, na sua essência, de direitos humanos e da consequente dignidade da pessoa.
Por isso, mais do que em qualquer outro campo de acção, precisamos de encarar a solidariedade, de expressão pública ou social, como um valor e não como uma técnica, como um princípio e não apenas como um instrumento.
Como tal, é inalienável o primado da responsabilidade pública, como o deve ser o da plena concertação e da cooperação de todos, das famílias, em primeiro lugar, das associações, das empresas, das escolas e das igrejas.
A política de deficiência pode e deve dar saltos qualitativos. Sabemos que, nesta área, nem tudo se faz com dinheiro, nem tudo fica resolvido com leis e mais departamentos governamentais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas muito se pode vir a fazer com a sociedade e as organizações não governamentais (ONG's).
É necessária uma clara mudança de paradigma na política de reabilitação para que a deficiência seja encarada como um processo interactivo entre os factores individuais, familiares e ambientais ou envolventes das pessoas com deficiência, centrada não nas limitações mas nas capacidades e nas funcionalidades das pessoas, espelhada nos avanços técnicos e científicos de toda a natureza, que permitam acalentar, neste domínio, novas e acrescidas esperanças.
Assim, melhor se pode alcançar o objectivo integrado de atender simultaneamente às necessidades individuais, tais como a reabilitação e as ajudas técnicas, e às necessárias mudanças na sociedade em geral, que vão desde a supressão dos obstáculos físicos e ambientais ao exercício pleno da participação.
Srs. Deputados, a proposta de lei consagra os princípios mais actuais, tendo em vista a prossecução efectiva de uma política para as pessoas com deficiência, nomeadamente: o da singularidade, enquanto

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reconhecimento das especificidades próprias das pessoas com deficiência; o da não discriminação e da diferenciação positiva; o da cidadania; o da informação e participação das pessoas com deficiência no desenvolvimento e acompanhamento das políticas que lhes digam respeito.
Estes princípios salvaguardam e reflectem, igualmente, a transversalidade, a universalidade e o carácter global destas políticas.
Salientam-se, como matérias inovadoras e relevantes da proposta de lei de bases, as seguintes:
- a prossecução de medidas que assegurem a protecção patrimonial da pessoa com deficiência;
- o apoio e a valorização da família da pessoa com deficiência;
- a adopção de medidas para promover a conciliação entre as responsabilidades familiares e profissionais das pessoas com deficiência e dos seus familiares;
- a instituição de quotas de emprego (até 2%, nas empresas, e, igual ou superior a 5%, na Administração Pública);
- o fomento do recurso ao auto-emprego, teletrabalho, trabalho a tempo parcial e no domicílio;
- a aprovação de um plano nacional de promoção da acessibilidade, na área do meio edificado, dos transportes e da sociedade de informação;
- a adopção de medidas para assegurar o acesso à educação e ao ensino inclusivo;
- o desenvolvimento de acções para assegurar a prática do desporto de alta competição pela pessoa com deficiência, mediante, nomeadamente, a criação de estruturas adequadas e formas de apoio social;
- a colocação à disposição da pessoa com deficiência, em formato acessível, designadamente em Braille, caracteres ampliados, áudio, língua gestual ou registo informático adequado, informação sobre os serviços, recursos, direitos, deveres e benefícios que lhes são destinados;
a instituição de uma rede descentralizada de apoio de serviços e equipamentos sociais às pessoas com deficiência, privilegiando o apoio domiciliário e as unidades residenciais;…

A Sr.ª Goreti Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … a aplicação sistemática da diferenciação positiva nas prestações sociais (cabe aqui referir que, há dias, foi estabelecida uma majoração, no rendimento social de inserção, de 50% para os familiares com deficiência, bem como a majoração para os mesmos casos de 5%, no subsídio de doença);
- o reconhecimento do papel fundamental que as respectivas organizações representativas desempenham no fomento da participação plena daquelas pessoas;
- a valorização do voluntariado e do mecenato e o reconhecimento de estímulos fiscais;
- a existência de uma entidade coordenadora da política para a deficiência;
- a possibilidade de constituição de um fundo de apoio, que visa contribuir para o desenvolvimento da política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, para o qual reverterá, entre outros aspectos, o produto das coimas aplicadas por incumprimento da legislação em vigor.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Refira-se ainda que apresentaremos, em breve, uma nova lei das organizações não governamentais, na área da deficiência, e que o projecto do plano nacional de promoção de acessibilidades vai ser aberto à discussão pública, a partir da próxima semana. Trata-se de documentos essenciais para a promoção efectiva da participação das pessoas com deficiência.
Termino com a ideia central que nos deve mover neste domínio: a ideia de desassossego e de insatisfação, tendo em vista alcançar novas metas sociais, o que passa por esforço, leis, recursos financeiros e institucionais, mas, repito, sobretudo pela renovação das nossas atitudes e mentalidades. Para que haja uma amadurecida consciência colectiva, uma irrepreensível responsabilidade cívica e empresarial, uma profunda sensibilidade social e uma inabalável vontade de, dia-a-dia, construir uma sociedade de plena inclusão.
Por outras palavras, do que se trata é de um incessante desafio de inclusão e não de exclusão, de aproveitamento humano de capacidades e não de desvantagens, de um exercício saudável de participação e não de dispersão de esforços, de intervenção tão precoce e preventiva quanto possível e não apenas de reparação e compensação monetárias.
Queremos também uma política que seja construída com as pessoas com deficiência, para as pessoas com deficiência.
Em suma, Srs. Deputados, somando, através da diferença, isto é, estimulando a nossa diferença, para dar igualdade de oportunidades a todos.

A Sr.ª Goreti Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ou, como há dias vi escrito numa visita a uma exemplar instituição, "diferentes são os

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que compreendem a diferença".

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Ana Manso, Celeste Correia, João Teixeira Lopes, Bernardino Soares, Álvaro Castello-Branco e Isabel Castro.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, permita-me, antes de mais, que saúde os dirigentes das ONG, aqui presentes, que tratam das pessoas com deficiência.
Efectivamente, os objectivos principais do Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, de incentivar a reflexão e o debate sobre as medidas necessárias à promoção da igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência, são uma questão prioritária para este Governo. E, a este respeito, Sr. Ministro, gostava de citar uma frase paradigmática, existente numa ONG que tive o prazer de visitar e que trabalha em prol da defesa dos direitos das pessoas com deficiência, que dizia o seguinte: "Há os que sonham com o passado e perguntam porquê; há os que sonham com o futuro e perguntam por que não".
Julgo poder afirmar, sem qualquer dúvida, que V. Ex.ª, tal como nós, se revê nesta mensagem de futuro. Todavia, Sr. Ministro, na acção política, nem sempre as pessoas com deficiência foram objecto do tratamento a que têm, justa e legitimamente, direito. Mas V. Ex.ª, com a lei de bases que acabou de nos apresentar, prova, mais uma vez, que está aberto à diferença, à diferença que envolve 10% da nossa população, ou seja, 1 milhão de portugueses. E, como o caminho se faz caminhando, este, hoje, é, de facto, um passo de gigante contra a deficiência.
Assim, porque não temos pressa, mas não podemos perder tempo, quero felicitar V. Ex.ª por esta iniciativa. E principalmente, por três razões: primeiro, pela coerência e sensibilidade nesta matéria da deficiência; segundo, pela credibilidade e confiança que transmite às famílias, nomeadamente, às mais desfavorecidas; terceiro, pela esperança que transmite às pessoas portadoras de deficiência.
Por outro lado, sei que V. Ex.ª não esqueceu o drama dos jovens com deficiência na sua integração no trabalho e as suas necessidades específicas. E, por isso, gostava de colocar-lhe duas questões: em primeiro lugar, até onde vão a coragem e a vontade política deste Governo para promover uma efectiva e plena integração das pessoas portadoras de deficiência, aos níveis social, económico, educativo e cultural, designadamente através da instituição de quotas de emprego?
Em segundo lugar, quais são as medidas e os próximos passos a dar no âmbito do plano nacional de promoção da acessibilidade, acessibilidade não só ao meio físico edificado, quer público quer privado, mas também aos transportes e à sociedade de informação? Esta é uma questão que nos preocupa, preocupa os jovens portadores de deficiência e também as famílias que têm nos seus agregados jovens portadores de deficiências e de deficiências profundas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Ministro informou a Mesa que vai responder em conjunto aos três primeiros oradores inscritos e, depois, também em conjunto, aos restantes três.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, no PS, congratulamo-nos com todas as iniciativas que tenham como objectivo melhorar a qualidade de vida dos cidadãos portadores de deficiência. Colaboramos sempre em iniciativas que tenham como meta situar este tema no plano dos direitos humanos. Mais: para nós, os interesses dos cidadãos portadores de deficiência devem estar acima de querelas político-partidárias. E temos para com esses cidadãos um compromisso, Sr. Ministro: o de contribuirmos para a cidadania inclusiva, que todos nós almejamos.
Vejo que foi essa a postura que o Sr. Ministro trouxe para este debate e quero felicitá-lo por isso. Não nos trouxe aquele discurso, já estafado, de "os outros não fizeram nada, nós estamos a fazer tudo pela primeira vez".
Esta iniciativa do Governo é merecedora do nosso apoio. Aliás, também não podia deixar de o ser, já que trata de direitos, de grandes princípios, muito gerais.
Mas quero perguntar-lhe, Sr. Ministro, se a vossa iniciativa representa, de facto, uma mudança - e uma mudança com significado, porque uma lei que não muda nada não serve para nada - relativamente à Lei n.º 9/89, de 2 de Maio, que marcou um tempo, e marcou bem, mas que precisa de alterações qualitativas adequadas a este tempo. Os tempos mudaram, as concepções e os conceitos mudaram, e há

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que caminhar para o reforço e o aprofundamento dos direitos das pessoas com deficiência e para uma maior responsabilização, quer do Estado quer da sociedade.
Portanto, a iniciativa do Governo tem o nosso apoio, embora sejamos da opinião de que ela fica aquém das expectativas criadas no texto, no preâmbulo desta iniciativa, e, fora do texto, em intervenções de alguns responsáveis, como a que acabou de fazer aqui.
Há aspectos positivos, como o de - e vou dar só um exemplo - assegurar o acesso da pessoa com deficiência à sociedade de informação, mas achamos que há alguns retrocessos, omissões e ausência de orientações políticas, aspectos estes que, no entanto, julgamos poderem ser melhorados e limados, em sede de especialidade.
Por isso mesmo, não vou colocar-lhe questões que me parecem ser de especialidade e que teremos ocasião de trabalhar, ouvidas que forem as associações representativas das pessoas portadoras de deficiência, que gostaríamos de saudar.
No entanto, gostaria de colocar-lhe duas questões. Primeiro, o que acha da obrigatoriedade, que prevemos na nossa iniciativa, de o Governo enviar ao Parlamento, até Março de cada ano, um balanço sobre a avaliação das políticas deste sector? É que há sectores do Governo que têm obrigações similares e que não as cumprem, nomeadamente na área de igualdade de oportunidades. E como já estamos em meados de Fevereiro e creio que o senhor já deve ter feito a avaliação do Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, gostaria de perguntar-lhe se está satisfeito com os resultados desse ano e, muito mais importante, se houve avanços concretos para uma política inclusiva.
Para terminar, Sr. Ministro, espero que me acompanhe num desejo…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha terminou. Conclua, por favor.

A Oradora: - Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Sr. Ministro, creio que me acompanha no desejo de que possamos todos vir a ter uma boa lei de bases gerais das políticas - e este plural é uma homenagem à Associação Portuguesa de Deficientes - a adoptar para garantir a igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência, lei de bases essa da qual todos nos possamos orgulhar.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, o Bloco de Esquerda é da opinião que o princípio da integração não está devidamente enquadrado nestas bases gerais. Aliás, como não estão - e gostava de questioná-lo sobre isso - os princípios da igualdade de direitos e da igualdade de oportunidades, como pode constatar-se pela análise do Capítulo II.
Gostávamos de saber qual a razão, por parte do Governo, de secundarizar princípios como a integração, a igualdade de oportunidades e a igualdade de direitos.
Gostava também - e não posso deixar passar a oportunidade que tenho de o questionar sobre esta matéria, porque diz respeito a 7000 crianças - de saber se o Governo já regularizou a situação das 7000 crianças e jovens deficientes que estão sem receber os respectivos subsídios de educação especial desde Setembro do ano passado.
Como o Sr. Ministro sabe, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social do Porto não deu resposta a estes pedidos que englobam casos de crianças com problemas motores, comportamentais e sensoriais, inclusivamente crianças com paralisia cerebral. Aos protestos dos pais destas crianças o Sr. Ministro veio com o argumento do costume, argumentos que já lhe conhecemos: o da fraude, ou seja, a conspiração permanente.
Gostava de saber se o Governo já deu instruções para que esta flagrante violação de direitos essenciais seja imediatamente colmatada.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder a este primeiro conjunto de perguntas, tem a palavra o Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho.

O Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, vou ser muito breve dada à escassez de tempo de que disponho.
Começo por responder à Sr.ª Deputada Ana Manso, que colocou duas questões muito concretas e a

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quem agradeço as palavras de estímulo que nos transmitiu.
Quanto à questão das quotas, entendo que, neste caso concreto, é a última das soluções, não é a preferível, digo-o com toda a sinceridade.
Creio que, no plano da integração das pessoas com deficiência, é, sobretudo, fundamental uma grande alteração de mentalidades, de responsabilidade social das empresas, dos agentes empregadores, e, apesar de tudo, tem havido uma evolução, embora não tão rápida quanto a sociedade portuguesa e os deficientes o reclamam, e bem. Outro aspecto importante são os estímulos de natureza fiscal e parafiscal, os apoios do Instituto de Emprego e Formação Profissional, quer em termos de isenção temporária ou parcial da taxa social única, quer de outros estímulos, geralmente apoios à contratação.
Mas o que é certo é que com todos esses instrumentos há ainda um longo caminho a percorrer. Então, entendemos que as quotas podiam ser mais um impulso no sentido da plena integração das pessoas com deficiência. E nós não descobrimos nada: na Alemanha, há essa obrigatoriedade até 6% nas empresas com mais de 16 trabalhadores; na Espanha, há essa obrigatoriedade de 5% nas empresas com mais de 50 trabalhadores; na França, há essa obrigatoriedade de 6% nas empresas com mais de 25 trabalhadores.
Quanto ao Plano Nacional de Promoção de Acessibilidades, devo dizer que está pronto para discussão pública. Resultou de um grupo de trabalho interministerial que analisou a bondade da lei de 1997, uma lei positiva e que tem de ser mais activada em termos da sua efectividade.
Os principais aspectos inovadores deste Plano são: em primeiro lugar, o não tratar apenas do meio edificado mas tratar também dos meios informacionais e comunicacionais da sociedade de informação, assim como as vias públicas, portanto todo o património público; em segundo lugar, a aplicação de coimas, um dos aspectos em que houve lacuna na actual legislação e que, de algum modo, permitiu uma maior permissividade na sua aplicação; em terceiro lugar, a circunstância do seu carácter integrado através de uma entidade que seja, de facto, superintendente e que faça o controlo rigoroso deste Plano.
À Sr.ª Deputada Celeste Correia direi que também entendo que este é um domínio em que não devemos fundamentar as nossas políticas nas querelas, estamos inteiramente de acordo. O problema é sério demais, está em causa a dignidade de pessoas com iguais direitos de oportunidades às de qualquer português e, portanto, a nossa preocupação foi a de contribuir para a mudança.
Eu disse há pouco na intervenção - e creio que concorda - que não bastam leis para mudar as mentalidades. Porém, a lei tem de ser pró-activa no sentido de provocar alterações, de acrescer responsabilidades cívicas, sociais, educacionais, familiares, num plano onde os nossos deveres nunca são demais para cumprir este objectivo.
Estamos de acordo com a avaliação anual das medidas, até porque a política de reabilitação é uma política integrada, não se confina a um departamento governamental e, portanto, creio que a Assembleia da República é a sede por excelência para dar um carácter de controlo integrado, global, coerente e congruente da política de reabilitação.
Finalmente, quanto ao Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, quero dizer que já tenho comigo o relatório e entregá-lo-ei em breve à comissão parlamentar respectiva. Se me perguntar quais são os principais aspectos positivos, direi que foram, sobretudo, a nível autárquico. Houve muitas manifestações autárquicas que perpassaram por todos os quadrantes políticos: iniciativas ao nível da supressão de barreiras arquitectónicas, bibliotecas e meios de conhecimento baseados nas novas tecnologias… Enfim, evoluiu-se em muitos aspectos que podem servir de paradigma e de exemplo polinizante para práticas em todo o País.
Ao Sr. Deputado João Teixeira Lopes gostava de dizer que a nossa proposta de lei é clara quanto ao princípio da igualdade de oportunidades. Aliás, eu próprio o acentuei na intervenção que fiz quando, ao falar de igualdade de oportunidades, disse: "Em suma, somando, através da diferença, isto é, estimulando a nossa diferença, para dar igualdade de oportunidades a todos."
Quanto à questão muito concreta que pôs, a do subsídio de educação especial, direi o seguinte: como sabe, de um modo geral, a escola tem de fornecer, dentro de uma perspectiva de educação inclusiva, os meios adequados para os alunos com necessidades educativas especiais. Acontece que em algumas circunstâncias isso não é possível e, então, há apoio de entidades externas, tais como psicólogos, especialistas nas diversas matérias. Aí o que se faz? Há um processo que é co-financiado pela segurança social, que depende de um parecer prévio do Ministério da Educação, e, de facto, neste caso concreto, a Direcção Regional de Educação, segundo o parecer que elaborou, entendeu que havia esses meios alternativos e mais inclusivos na própria escola.
Mas, Sr. Deputado, nós não estamos a falar de uma questão nova. Por exemplo…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Ministro, chamo a sua atenção para o facto de apenas dispor de 5 minutos para responder, já com tempo cedido pelo PSD, e ter ainda de responder a mais três pedidos de esclarecimento.

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O Orador: - Com certeza, Sr.ª Presidente.
No ano lectivo de 2000/2001, no Porto, houve 5900 pedidos e foram indeferidos 2013; em 2002, houve 6600 pedidos e foram indeferidos 2400; em 2003, houve 6963 pedidos e foram indeferidos 2475; curiosamente, neste ano já houve menos pedidos, 5700 e, neste momento, apenas estão com projecto de indeferimento 1571.
Dentro desta perspectiva, e depois de uma reunião com os familiares destes jovens e crianças, decidi fazer uma reavaliação junto do Ministério da Educação dessas necessidades, de maneira a que quem tem de ser apoiado o seja mas quem não deva ser apoiado não o seja.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro, penso que a principal linha orientadora desta proposta de lei é a da flagrante contradição entre a teoria que expende e a prática da acção governativa que temos no dia-a-dia.
Pegando numa das questões a que o Sr. Ministro deu relevo, a do Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade, devo dizer que é a terceira vez que o Governo vem prometer este Plano.
Olhe, Sr. Ministro: em 3 de Dezembro de 2002, num comunicado do Conselho de Ministros, era prometida a revisão do Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade.
Depois, em 16 de Outubro de 2003, o próprio Sr. Ministro disse nesta Casa, e cito, "será igualmente concluído, em breve, o Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade".
Quatro meses depois, o Sr. Ministro vem prometer, novamente, o Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade. Isto já para não falar, em relação às barreiras arquitectónicas, da promessa feita em Setembro de 2002 pela então Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social de que, rapidamente, haveria medidas nesta área por parte do Governo. Não foi a tempo de impedir que, ainda há poucos dias, o Sr. Primeiro-Ministro e a Sr.ª Ministra da Justiça tivessem inaugurado um tribunal, novo, em Penafiel com barreiras arquitectónicas, um escândalo para coroar o fracasso que foi a participação do Governo no Ano Europeu das Pessoas com Deficiência!…

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Uma vergonha!

O Orador: - Concretamente, coloco as seguintes questões: como é que o Governo pretende fazer aplicar a quota de emprego no sector privado? Isto porque, estando de acordo de que ela pode ser um instrumento importante, é preciso que não seja um instrumento de papel. E se olharmos para a não aplicação, na prática, da quota de emprego pública, cuja obrigação já existia e que o Governo quer manter nesta lei, teremos de ficar cépticos em relação à extensão dessa aplicação para o sector privado.
Quero também perguntar-lhe se o Governo pode garantir que esta aposta tão específica nas situações de teletrabalho, trabalho a tempo parcial e trabalho domiciliário vai fazer-se para aqueles que hoje não têm acesso ao trabalho e para os quais estas opções podem ser uma oportunidade ou se vai significar fazer regressar a casa aqueles que hoje têm postos de trabalho integrados nas empresas com muito melhores condições de integração.
A terminar, Sr. Ministro, quanto à explicação que deu ao Sr. Deputado João Teixeira Lopes em relação às crianças com subsídio de educação especial no Porto, gostaria de saber se tem a certeza de que há meios na escola para fazer face a estas necessidades. É que, certamente, há uma orientação do Governo nesta matéria, porque já perguntámos, através de requerimento - e no distrito de Viana do Castelo passa-se exactamente a mesma coisa…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou. Conclua, por favor.

O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
Como dizia, no distrito de Viana do Castelo, dos 600 processos analisados, só 11 foram deferidos. Passou-se dos processos deferidos, que eram 90% em 2002/2003, para menos de 2% em 2003/2004. Portanto, há aqui uma orientação do Governo no sentido de limitar estes apoios. É isto que o Governo tem de explicar e imediatamente revogar.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, a perspectiva da realização pessoal e social das pessoas com deficiência é um dos principais objectivos desta iniciativa consubstanciada na proposta de lei que hoje aqui discutimos, assim como permitir uma verdadeira mudança de mentalidade, instaurando uma nova doutrina que passa pela maior autonomia que as pessoas com deficiência devem ter, pela inclusão na sociedade, pelo reconhecimento das aptidões das pessoas com deficiência e, também, pela estimulação das mesmas, valorizando e desenvolvendo as capacidades que permitam o pleno exercício da cidadania.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E para que este desígnio seja possível o papel da família é imprescindível. Neste sentido, é preciso fomentar no seio das próprias famílias capacidade de resposta efectiva às necessidades das pessoas com deficiência, assegurando a conciliação harmoniosa entre responsabilidades pessoais, familiares e profissionais.
Neste sentido, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro que papel decisivo entende que a família da pessoa com deficiência poderá ter para que este objectivo seja coroado de pleno sucesso e, também, qual a ideia concreta para se desenvolver, na prática, este princípio tão importante para toda esta questão.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho.

O Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, é verdade que esta é a terceira vez que falo do Plano Nacional de Promoção de Acessibilidades.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Que promete!

O Orador: - Posso dizer-lhe - e neste momento, já tenho o próprio Plano…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Que promete!

O Orador: - Não, não. Aliás, creio que já foi enviado para as organizações não governamentais, que o devem estar a receber, de forma a, durante cerca de dois meses, estar em discussão pública.
Reconhecerá que se trata de um projecto ambicioso e bem difícil, onde não nos limitámos a aspectos relacionados com o meio edificado, mas também com a sociedade de informação e com a área dos transportes. Daí a maior dificuldade. Mas mais vale ser um trabalho completo do que parcelar e mais rápido.
Quanto à questão que colocou sobre as quotas, não percebi se os senhores são ou não a favor das quotas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Se não percebeu é porque não ouviu, porque nós dissemos que estávamos a favor!

O Orador: - O que posso dizer-lhe é que a ideia é a de que as quotas sejam para cumprir e o devam ser o mais possível. No entanto, temos de o fazer com razoabilidade. E uma das razoabilidades é considerar que este preceito só irá aplicar-se, de acordo com legislação especial e regulamentar, se a proposta de lei vier a ser aprovada, para as empresas a partir de uma determinada dimensão, que são aquelas que têm uma maior responsabilidade social e comunitária.
Em segundo lugar, é instituído um sistema de coimas que pode ser dissuasor do não cumprimento da lei.
Quanto à questão do subsídio de educação especial, a orientação do Governo é muito clara em todos os distritos. O dinheiro, como todos sabemos, não cai do céu. É escasso. É nosso dever político e imperativo ético canalizá-lo para as situações que são elegíveis e que, do ponto de vista social e do ponto

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de vista humano, o justificam e não, como se pode verificar pelas estatísticas dos últimos anos, situações de indeferimento elevadíssimas, algumas das quais não se justificavam claramente e onde há pressões das próprias entidades fornecedoras de apoio aos deficientes, como o Sr. Deputado também sabe, e não apenas das suas famílias.
Ao Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco devo dizer o seguinte: penso que o papel da família é basilar e, portanto, devem ser concedidas à família, dentro das necessidades, um maior papel e uma maior capacidade para proteger as pessoas, promovendo-as e possibilitando que elas superem as suas desvantagens. Creio que o Código de Trabalho é um bom exemplo ao nível do aumento de licenças para apoio a filhos com deficiência. Creio que a aposta em lares residenciais só no caso de os progenitores da criança deficiente falecerem é uma solução de último recurso. De salientar, ainda, um aspecto inovador na nossa proposta de lei qual seja o de um estatuto de defesa do património que os pais deixam aos filhos, crianças e jovens deficientes.
Estes são apenas três exemplos dessa preocupação nuclear que perpassa por toda esta proposta de lei.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o relatório da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais sobre a proposta de lei n.º 105/IX, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal. Dispõe de 3 minutos.

A Sr. Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através da proposta de lei n.º 105/IX, que define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, hoje em discussão, visa o Governo aprovar uma nova lei de bases, prevendo, nomeadamente, os princípios fundamentais que regem a política global, integrada e integradora das pessoas com deficiência, as incumbências do Estado quanto à definição e execução daquela política, o papel das entidades públicas, privadas e não governamentais no seu acompanhamento e execução, bem como as medidas e políticas transversais de prevenção, habilitação, reabilitação e participação a levar e a promover pelo Estado.
Prevê, ainda, a regulação da Lei n.º 9/89, de 2 de Maio, denominada Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência.
No quadro parlamentar, têm sido apresentadas e discutidas, sobretudo a partir da VII Legislatura, diversas iniciativas legislativas na área das pessoas com deficiência.
No plano dos objectivos que encerra, a proposta de lei n.º 105/IX afigura-se-me globalmente positiva e meritória. No plano da sistematização e das soluções normativas que espelha, deve, no entanto, a proposta de lei vertente ser objecto de uma aturada reflexão em sede de especialidade, com a participação de todas as forças políticas e das associações representativas das pessoas com deficiência e aos que com elas trabalham, por forma a que o Parlamento possa adoptar um enquadramento jurídico equilibrado, adequado e conforme os interesses que importa tutelar.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O que, aliás, nos parece de acordo com a "Exposição de motivos" que antecede a proposta de lei. E cito: "(…) a definição de um quadro normativo actualizado, através da proposta de lei de bases da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, constitui um contributo preponderante para a formação da consciência colectiva. (…) a apresentação da presente proposta de lei assume uma importância acrescida, pois constitui não só um momento e um espaço privilegiado para o debate e para a busca de soluções integradoras mais adequadas, mas sobretudo porque representa uma garantia de coordenação e de coerência na prossecução da política da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência."
No plano constitucional, a tutela dos direitos e interesses dos cidadãos com deficiência encontra-se assegurada nas normas contidas no artigo 71.º da nossa Lei Fundamental.
Este direito das pessoas com deficiência a gozarem dos mesmos direitos dos restantes cidadãos e estarem sujeitos aos mesmos deveres comporta, na opinião dos constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, "(…) duas dimensões essenciais: por um lado, uma vertente negativa, que consiste no direito dos deficientes a não serem privados de direitos ou isentos de deveres, e que se analisa, portanto, num específico direito de igualdade. Por outro lado, uma vertente positiva, que consiste no direito de exigir do Estado a realização das condições de facto que permitam o efectivo exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres."

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O reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência, assim como a criação de condições adequadas, são questões que devem mobilizar a sociedade em geral e o Estado em particular.
Neste contexto, entendemos que estabelecer um novo enquadramento da lei de bases constitui um sinal positivo, repito, e um caminho que importa percorrer, na convicção de que do debate que será travado em torno da mesma e do projecto de lei do PS com o mesmo objectivo resultará um quadro legal mais equilibrado e melhor adequado para dar resposta aos problemas que atingem as pessoas com deficiência, bem como as suas famílias e as organizações representativas.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira da Silva.

O Sr. Vieira da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Cabe-me apresentar o projecto de lei do Partido Socialista referente à lei de bases das políticas para as pessoas com deficiência.
Um dos problemas mais sérios de inserção social em Portugal é vivido pelos muitos milhares de pessoas com deficiência e pelas suas famílias.
Apesar dos progressos registados nas últimas décadas, são as pessoas com deficiência que se defrontam com as mais dramáticas dificuldades para acederem a uma vida plena e feliz.
De entre os muitos problemas que ainda marcam a vida destes nossos concidadãos, destaco, pela sua complexidade, em primeiro lugar, a angústia de milhares de famílias que temem pelo futuro dos seus filhos deficientes quando deixarem de poder apoiá-los, especialmente ao nível da deficiência mais profunda. Em segundo lugar, a significativa disparidade de cobertura territorial da nossa rede de serviços e equipamentos sociais. Em terceiro lugar, a dificuldade de tantas pessoas com deficiência em acederem a uma inserção profissional a que legitimamente ambicionam e com a qual reforçariam a sua autonomia. Finalmente, a dificuldade de atingir níveis educativos e de qualificação para os quais possuem, tantas vezes, todas as condições de partida. A educação e a qualificação, servidas pelos instrumentos adaptados à situação concreta das pessoas com deficiência, são não apenas os meios de reforçar a empregabilidade mas também a forma de fugir a um ciclo penoso que relega as pessoas com deficiência para uma vida profissional desqualificada e precária.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Muito bem!

O Orador: - A melhoria, tão rápida quanto possível, da qualidade da inserção social das pessoas com deficiência tem de ser um objectivo maior, quer das políticas públicas quer do conjunto da sociedade portuguesa.
Permito-me destacar - porque, infelizmente, o tempo não dá para mais - quatro grandes dimensões desse caminho a percorrer.
Em primeiro lugar, há que olhar para a inserção social das pessoas com deficiência como um desafio de cidadania. O que todos temos de exigir é não apenas o reconhecimento dos direitos de cidadania mas a sua plena concretização. Tal não pode deixar de assentar na eliminação de todas as discriminações, mas tem de, igualmente, exigir uma diferenciação positiva a favor das pessoas com deficiência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, as acções para esta integração têm de ser uma responsabilidade colectiva da sociedade, partilhada por todos os agentes, mas onde a dimensão pública não se pode demitir nem minimizar.
Em terceiro lugar, importa ter o reconhecimento pleno de que não há pessoas com deficiência mas pessoas com distintas deficiências que exigem respostas também elas diferenciadas e especializadas, servidas por profissionais cuja qualificação corresponda a essa mesma diferenciação das necessidades.
Finalmente, é condição de sucesso de qualquer política o reforço da auto-organização e representação das pessoas com deficiência - e aproveito esta oportunidade para saudar os representantes de algumas dessas organizações, aqui presentes. Para tal, é necessário apoiar essas organizações e os seus dirigentes, por forma a garantir a estabilidade e a eficácia da sua acção.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

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O Orador: - O Partido Socialista apresenta um projecto de lei de bases para adicionar soluções e não para criar polémicas artificiais. Mas acreditamos que há princípios e convicções que não podem ser ignorados.
É positivo melhorar o enquadramento legal. E um dos objectivos dessa melhoria tem de passar pela criação de condições para a mobilização de todos os recursos disponíveis, sejam eles públicos, privados ou sociais.
Mas nada de bom resultará de mudanças que desresponsabilizem o Estado do seu papel fulcral. Se o fizermos, estaremos a dar um inaceitável passo atrás. Recuaremos na cidadania e ficaremos dependentes da velha lógica assistencialista.
É positivo melhorar o enquadramento legislativo, mas tal pouco significará se não criarmos as condições para uma aplicação efectiva da lei.
É por isso que a lei de bases que o País necessita tem de incluir instrumentos que expressem claramente os seus modos de concretização e de avaliação.
É por essa razão que o projecto de lei que apresentamos dá relevância aos princípios da lei, mas inclui, igualmente, uma opção pela identificação das linhas de força das políticas sectoriais que têm de contribuir para uma acção integrada destinada às pessoas com deficiência.
É para reafirmar o compromisso da concretização desses objectivos que se propõe uma arquitectura elementar de instrumentos de política (planos integrados e planos sectoriais) que garantam a visibilidade dos compromissos e metas e que viabilizem a sua séria avaliação, nomeadamente em sede de Assembleia da República.
Para nós, uma nova lei de bases implica a identificação de objectivos claros no domínio das áreas sectoriais.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Dou apenas três exemplo, porque o tempo não dá para mais.
Seja reforçando o papel da educação na afectação de recursos e instrumentos adequados às necessidades específicas de aprendizagem de cada grupo de pessoas com deficiência; seja na regulamentação das necessidades de tutela das pessoas desintegradas do meio familiar, problema que tem vindo a ganhar relevância; seja numa política fiscal que garanta o princípio da diferenciação positiva e reconheça o papel da família como instrumento e suporte da educação e da autonomia das pessoas com deficiência, a lei de bases que o País necessita não pode ser um repositório de princípios vagos ou uma mera reafirmação de direitos constitucionais. Tem de ser um instrumento de operacionalização e concretização desses direitos. Só assim será um instrumento de mudança da qualidade de vida dos cidadãos com deficiência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Goreti Machado.

A Sr.ª Goreti Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Todos os seres humanos, incluindo as pessoas com deficiência, nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, por isso mesmo, têm o direito de gozar plenamente e, de forma igual, todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais. Para tanto, a dignidade e a liberdade dos deficientes tem de ser reconhecida e tutelada.
Assim consignam a Carta dos Direitos Fundamentais; aprovada na Cimeira de Nice pelos Estados da União Europeia, em Dezembro de 2000, bem como a Constituição da República Portuguesa que, no seu artigo 71.º, n.º 1, reconhece a igualdade dos direitos dos cidadãos com deficiência, dispondo, claramente, do seguinte modo: "Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados."
Na mesma linha, o Programa do XV Governo Constitucional, bem como os documentos das Grandes Opções do Plano para 2003 e 2004 destacam, como sendo uma medida essencial, "a revisão da Lei de Bases da Reabilitação, de modo a agilizar o apoio e integração da pessoa deficiente".
Foi neste contexto que o Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei n.º 105/IX, que hoje aqui discutimos e que define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência.
A presente proposta de lei assume uma importância acrescida, pois constitui não só um espaço

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privilegiado para o debate e para a busca das soluções integradoras mais adequadas mas, sobretudo, porque representa uma garantia de coordenação e de coerência da política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência.
Com esta proposta de lei, pretende-se prosseguir uma política global, integrada e integradora, que valorize o desenvolvimento de acções continuadas, conjuntas e complementares, em contraposição às iniciativas pontuais, esporádicas e isoladas que pouco têm contribuído para a plena participação das pessoas com deficiência.
Definido o âmbito da iniciativa e os seus principais objectivos, importa lembrar que estamos perante uma lei de bases e que, como tal, à presente proposta compete somente definir grandes princípios e traçar linhas gerais orientadoras. Um maior nível de concretização ficará para a legislação regulamentar para que remete o artigo 50.º da proposta de lei.
Trata-se de uma iniciativa legislativa com 51 artigos, distribuídos por seis capítulos.
A prevenção é o primeiro objectivo desta iniciativa como forma de evitar o aparecimento ou agravamento da deficiência e eliminar ou atenuar as suas consequências. Isto mesmo estabelece o artigo 24.º da proposta de lei num claro reconhecimento da importância das políticas de prevenção que o Estado deve promover, utilizando como canais privilegiados a informação e a sensibilização para a formação de uma consciência colectiva em ordem a reconhecer que prevenir é preciso para que se crie uma sociedade mais igual e mais homogénea.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Mas a habilitação e reabilitação, objectivos de que a iniciativa se ocupa de seguida, são tão importantes quanto a prevenção. São medidas que têm em vista a aprendizagem e o desenvolvimento de aptidões, a autonomia e a qualidade de vida das pessoas com deficiência.
Deste modo, esta proposta de lei, nos respectivos artigos 26.º a 39.º, procede à enunciação exaustiva de direitos das pessoas com deficiência nos diversos sectores da vida, a que correspondem, paralelamente, obrigações do Estado de promover e criar condições para a respectiva efectivação.
Assim, consagram-se expressamente como obrigações do Estado o desenvolvimento de acções que asseguram o direito ao emprego, ao trabalho, à formação, à habitação e urbanismo, à prática de desporto de alta competição, à prestação de cuidados de saúde; a adopção de um plano nacional de promoção da acessibilidade com vista à eliminação de barreiras arquitectónicas; a adopção de medidas que assegurem o acesso ao ensino e à educação; a adopção de medidas que assegurem a protecção social da pessoa com deficiência, todas políticas sectoriais com importância na vida das pessoas com deficiência.
Finalmente, na área da participação, garante-se a participação das pessoas com deficiência e das suas organizações representativas em todos os processos de tomada de decisão, em especial naqueles que dizem respeito às questões relacionadas com as pessoas com deficiência, obrigando, ainda, no artigo 40.º o Estado a tomar medidas que assegurem a participação das pessoas com deficiência e/ou as suas organizações representativas na execução e avaliação das políticas referidas.
Esta proposta de lei de bases é, acima de tudo, o início de um caminho na definição de um quadro jurídico-normativo que se pretende actual e adequado e que considera a realidade das pessoas com deficiência e atenda às suas necessidades específicas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Assim, ao terminar esta intervenção, felicito o Governo por esta proposta de lei que, em nosso entender, serve efectivamente as pessoas com deficiência e que corresponde à execução dos compromissos assumidos perante os portugueses, merecendo, por isso, a aprovação dos Deputados do PSD.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, na opinião do Bloco de Esquerda, a proposta do Governo representa um retrocesso na lei que define as bases gerais da reabilitação da pessoa com deficiência.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Que novidade!

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O Orador: - Esta proposta opta por fazer tábua rasa do quadro legislativo actualmente em vigor, revogando a Lei n.º 9/89, de 2 de Maio, e apresentando retrocessos a vários níveis.
Em primeiro lugar, deixa cair a perspectiva da integração como um elemento primordial de qualquer política dirigida às pessoas com deficiência.
Em segundo lugar, como já tive ocasião de referir, deixa também cair princípios que seriam estruturantes, como o da igualdade de direitos ou, mesmo, igualdade de oportunidades.
Por outro lado - e este é um aspecto da maior importância -, a demissão do Estado na garantia do acesso a direitos fundamentais pela pessoa deficiente está subjacente a esta proposta. Vejamos o que o diz a lei actual, que salvaguarda esse compromisso do Estado na prestação de serviços às pessoas portadoras de deficiência: "O Estado garante a observância dos princípios consagrados na presente lei, em estreita colaboração com as famílias e organizações não governamentais". Ora, na proposta do Governo, a única competência clara do Estado é a de "coordenação e articulação das políticas, medidas e acções sectoriais", podendo atribuir a identidades públicas e privadas a promoção e o desenvolvimento da política nacional. Mais uma vez, se verifica o uso perverso do princípio da subsidiariedade, que é o da desresponsabilização do Estado.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Pensamos que faz todo o sentido salvaguardar uma perspectiva de cooperação com organizações não governamentais - para nós, isso é evidente -, mas uma coisa é a cooperação, outra, bem diferente, é, de facto, a demissão do Estado, uma vez mais, nesta área.
Por outro lado, ao apostar no auto-emprego, no teletrabalho, no trabalho a tempo parcial e domicílio como formas privilegiadas de promoção do acesso ao emprego, o Governo valoriza medidas de isolamento social. A reabilitação, a integração, a reintegração, a adaptação devem ser feitas nos postos de trabalho como formação qualificante e não como medidas que aumentem o isolamento pessoal e social. O local de trabalho - não esqueçamos - é um local privilegiado de socialização e por isso mesmo estas medidas contribuem para uma espécie de gueto.
Perante o cansaço geral sentido nesta área, resultante da falta de investimento e de meios e na incapacidade de fazer aplicar a lei anterior, optou-se por uma concepção débil de promoção de igualdade que dá espaço à "guetização", ao isolamento, à estigmatização, à mediocridade dos conceitos, dos princípios e das perspectivas de acção.
Já agora, Sr. Ministro, permita-me que lhe diga que, no que diz respeito à questão que lhe coloquei, as 7000 crianças que estão sem receber o subsídio a que têm direito instruíram os seus processos nos centros pedopsiquiátricos que funcionam sob a tutela do Instituto de Solidariedade e Segurança Social e, em muitos casos, esses pareceres foram também dados pelos funcionários qualificados das respectivas escolas. O que significa, Sr. Ministro, que temos aqui um conflito entre a Direcção Regional de Educação do Norte e o Instituto de Solidariedade e Segurança Social do Porto, o qual tem de ser clarificado, pois, caso contrário, estas crianças ficarão sem o apoio a que têm direito.
Além de mais - é preciso também dizê-lo -, na maior parte, diria na esmagadora maioria, das escolas do Grande Porto não existem técnicos de ensino especial, o que significa que estas crianças, caso não se corrija o erro que está a ser cometido, ficarão desamparadas, como desamparados ficarão os deficientes se esta proposta de lei de bases for aprovada.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta, hoje, à Assembleia da República a sua lei de bases relativa à prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência. Fá-lo com um significativo atraso em relação ao calendário a que se tinha proposto e que, aliás, tinha assumido publicamente com as associações e fá-lo, fundamentalmente, num contexto preciso. Ou seja, um ano depois do Ano Europeu da Pessoa com Deficiência, em que, manifestamente, a invisibilidade do Governo e a sua incapacidade prática de concretizar medidas para a integração destes cidadãos foi notória.
Diz o Governo que esta lei é o início, é um novo paradigma, e, mais, anuncia um conjunto de medidas, ainda no domínio da ficção, em relação a um plano geral de mobilidade e outras ainda mais alargadas, supostamente para favorecer a integração plena dos cidadãos deficientes na vida da sociedade.

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Gostaria de dizer que, para nós, Os Verdes, teria andado melhor o Governo se, mais do que projectar para o futuro documentos abstractos e acções que não têm qualquer sustentabilidade, tivesse garantido, no ano findo, acções concretas para dar corpo a alguns diplomas que há anos foram aprovados e que são da maior importância para estes cidadãos. Refiro, desde logo, a questão das barreiras arquitectónicas, em relação às quais o Governo foi incapaz, até hoje, de fazer um balanço daquilo que desde 1997 foi ou não conseguido para eliminar barreiras físicas, as quais, como se sabe, não forem eliminadas, constituem desde logo uma impossibilidade real para que as pessoas possam ter acesso a direitos tão elementares como moverem-se, trabalharem e passearem.
Portanto, isto é seguramente negativa, como, aliás, não deixa de ser negativo e simbólico que o próprio Ministério, até hoje, não tenha eliminado as barreiras arquitectónicas no seu espaço. Teria sido um acto pedagógico, teria tido significado e teria significado, seguramente, uma intenção diferente de garantir igualdade de oportunidades.
Nós, Os Verdes, entendemos, que quando estamos a falar de pessoas com deficiência, qualquer que seja o grau de deficiência, estamos a falar de direitos humanos. E direitos humanos não são uma abstracção com diferentes leituras em função de diferentes latitudes, mas que têm conteúdos práticos, sendo que só há direitos humanos quando há condições para o seu exercício. Ora, a inexistência destas condições remete os direitos humanos para um slogan totalmente desprovido de significado e que é manifestamente ofensivo quando estamos a falar de pessoas deficientes, que, em termos do que está a desenhar-se em relação ao sistema de ensino, de acordo com a proposta de lei em discussão, serão retiradas do sistema regular. Trata-se de um retrocesso que nos remete para o período anterior ao 25 de Abril. Com uma perspectiva de institucionalização destas crianças e destes jovens, que é seguramente a negação da escola inclusiva, há um retrocesso muitíssimo grande, muitíssimo grave, que colide com todas as orientações internacionais e que é, seguramente, um factor de enorme preocupação para muitos e muitos cidadãos e para muitas e muitas famílias que se nos têm dirigido.
Esta é uma lei que aparece num momento em que se sabe que muitos dos meninos que estão nas nossas escolas não têm apoio específico ou garantia de condições de acompanhamento das aulas. É bom lembrar que há crianças surdas-mudas que estiveram, e ainda estão, nalgumas regiões do País sem acompanhamento. É bom lembrar, Sr. Ministro, que não basta dizer, de uma forma generalista, que a integração dos cidadãos implica a responsabilidade de todos. É óbvio que tem de haver uma responsabilidade de todos, é óbvio que o fim de um olhar estigmatizante pressupõe uma outra abordagem cultural do problema da deficiência, é óbvio que a sociedade tem responsabilidade, mas também é evidente que essa responsabilidade não isenta o Estado. Ora, aquilo que vemos, de modo preocupante, nesta proposta é um acto de descartar da responsabilidade em relação a cerca de 1 milhão de pessoas que têm direitos, que querem participar com autonomia na sociedade e que têm de ver criadas condições para que essa participação possa ocorrer.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a terminar, gostaria de alertar para aspectos preocupantes em relação aos quais gostaria que o Governo se pronunciasse.
Há mais de um ano, concretamente a 16 de Janeiro do ano passado, a Assembleia da República aprovou por unanimidade uma lei anti-discriminatória. Há cerca de um ano a maioria, escandalosamente, "pôs na gaveta" essa lei. É tempo - e hoje será o momento oportuno - de dizerem às pessoas que confiaram no Parlamento e que depositaram esperança nessa lei por que é que permanece "na gaveta".

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha esgotou-se.

A Oradora: - Assim como é tempo de dizerem com clareza o que é que hoje a maioria pretende em relação ao direito de participação e à inclusão dos representantes das organizações das pessoas com deficiência no Conselho Económico e Social. É um escândalo que as associações não sejam consideradas parceiras sociais e é um escândalo o relatório que nesse sentido foi ontem imposto pela maioria!

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Ex.mo Sr. Presidente, Ex.mo Sr. Ministro, Ex.ma Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, aproveito para esclarecer a Sr.ª Deputada Isabel Castro que, relativamente à questão que colocou sobre os diplomas que baixaram à 8.ª Comissão, a maioria sempre defendeu que só fazia sentido que eles fossem discutidos em sede de especialidade após a aprovação do diploma que está hoje em discussão.

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A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - É mentira! É falso!

O Orador: - Assim, na reunião da Comissão da próxima semana, a maioria apresentará um requerimento para que seja iniciada a discussão, na especialidade, desses cinco diplomas, de entre os quais se encontra um projecto de lei da autoria do CDS-PP. Esta é a realidade!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - É falso!

O Orador: - Sempre afirmámos que só depois da aprovação do diploma em apreciação, assim como só depois da reforma da legislação laboral, é que discutiríamos em sede de especialidade os diplomas. Só isso é que faria sentido.

A Sr.ª Ano Manso (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ex.mos Srs.as e Srs. Deputados, todos os cidadãos portadores de deficiência, cerca de 10% da população nacional, já experimentaram várias formas de discriminação, directa ou indirecta. Muitas destas pessoas já se viram impedidas de exercer a sua cidadania. Muitos foram condenados à mais completa ignorância, propiciadora de desconhecimento sobre os direitos que lhes assistiam, e sujeitos à vontade e decisão da família, da sociedade e dos legisladores, que decidiam sobre a sua participação na vida em sociedade, o que, no limite, se traduzia na sua vida.
É inacreditável mas, no início do século XXI, ainda há homens e mulheres que vêem a sua vida confinada às paredes de sua casa ou, então, que estão completamente abandonados em instituições que se limitam a deixá-los viver.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A evolução política e a abordagem social em matéria de deficiência passou, ao longo dos tempos, da prestação de cuidados elementares à educação das crianças com deficiência e à reabilitação das pessoas que ficaram deficientes na vida adulta.
Graças a esta mudança na aplicação destes conceitos, estas pessoas, homens e mulheres, foram progressivamente ficando mais dinâmicas e interventoras na sociedade activa.
Mais preocupante, ainda, é a multiplicidade, diversidade e heterogeneidade das deficiências e incapacidades, o que torna ainda mais complicado o combate pela melhoria da qualidade de vida destas pessoas.
As consequências objectivas da deficiência podem comportar limitações, não sendo impeditivas de um quotidiano normal, assim como não deverão ser geradoras de desigualdades, nem, em caso algum, fundamento de injustiças.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A realização pessoal e social das pessoas com deficiência passa pela aquisição da maior autonomia possível, a qual se concretiza com a consagração de medidas positivas e o desenvolvimento de forma coerente e integrada das mesmas.
Estes factos o CDS não ignora. Estes factos o Governo não ignora.
Na sequência desta doutrina, o Governo e os partidos que o apoiam têm vindo a trilhar o caminho rumo a um Estado cada vez mais solidário, que assenta os seus valores no humanismo, consciencializando e sensibilizando a sociedade para o contributo potencial das pessoas com deficiência, para quem as escolas e as empresas desempenham igualmente um papel fundamental na real promoção da igualdade de oportunidades.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP). - Muito bem!

O Orador: - Esta proposta de lei, que consubstancia uma nova legislação determinante para o futuro dos cidadãos portadores de deficiência, ajuda a formar uma consciência colectiva e cria um envolvimento da sociedade na promoção efectiva de oportunidades. Para tal, cria um quadro normativo global e actualizado em matéria de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência. Esta visão global e integrada valoriza o desenvolvimento de acções continuadas, conjuntas e complementares, em vez de iniciativas esporádicas, isoladas e ocasionais, que, se bem que meritórias,

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pouco têm contribuído para a plena participação das pessoas com deficiência.
Esta proposta de lei do Governo, que define as bases gerais deste novo regime jurídico, vem dotar o ordenamento jurídico nacional de um quadro normativo moderno e adequado, que considera a realidade própria das pessoas com deficiência e atenta às suas necessidades específicas.
Esta iniciativa legislativa vem definir os objectivos da política nacional de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, assim como consagra o elenco de princípios basilares que a estruturam e orientam.
Os princípios consagrados nesta proposta de lei reiteram e reforçam a transversalidade e a globalidade da política de prevenção, habilitação e reabilitação da pessoa com deficiência, ao mesmo tempo que reconhecem o primado da responsabilidade pública, sem descurar a co-responsabilização das pessoas, das famílias, das instituições, das empresas e de toda a sociedade na prossecução bem sucedida da política em causa.
Para além destas medidas, esta proposta de lei centra a política para a deficiência nas capacidades da pessoa, reconhecendo-as, estimulando-as e apoiando-as de diversas formas, nomeadamente no seio da família, fomentando uma capacidade de resposta às necessidades das pessoas com deficiência e assegurando a conciliação harmoniosa entre as responsabilidades pessoais, familiares e profissionais das pessoas com deficiência e das suas famílias.
Por tudo isto, o Grupo Parlamentar do CDS-PP não só apoia como saúda de forma convicta esta iniciativa do Governo consubstanciada na proposta de lei ora em discussão, a qual define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência. Com a sua aprovação, dá-se nesta Câmara um importante e decisivo salto qualitativo no que se refere à importante questão da deficiência.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como era de esperar, o Governo trouxe-nos hoje mais um exercício de retórica e demagogia, que se traduz, no que diz respeito a avanços na garantia dos direitos das pessoas com deficiência, "numa mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma".
Senão, vejamos: a proposta de lei parte de uma perspectiva ultrapassada em relação aos direitos das pessoas com deficiência, continuando a pôr o acento tónico nas limitações da pessoa e não nas insuficiências da sociedade face aos deficientes e, por outro lado, mantém uma ideia limitada de melhoria da qualidade de vida, quando o que está verdadeiramente em causa é a plena integração e concretização de direitos destes cidadãos. Mantém-se, pois, a tónica fundamental na deficiência e não na igualdade de oportunidades.
O Governo, porventura, ignora os avanços dos últimos anos nesta matéria, incluindo a reflexão e os documentos já produzidos pela Comissão ad hoc no âmbito das Nações Unidas para a elaboração de uma convenção internacional que vincule os Estados-membros em relação aos direitos dos deficientes? Provavelmente, o Governo português nem participa activamente!
A proposta de lei assenta, em geral, num conjunto de princípios vagos, sem objectivação e com escasso efeito de facto na alteração real da situação das pessoas com deficiência em Portugal. Aliás, ela não respeita um dos aspectos fundamentais das orientações internacionais nesta matéria: o de que é indispensável o envolvimento e a participação plena dos deficientes e das suas organizações na definição das políticas. Ora, com esta proposta de lei, isso não se encontra no texto, para além de referências genéricas e inconsequentes.
Mas, para além disso, o processo de elaboração desta lei denuncia o desrespeito do Governo por estes princípios. Na verdade, a proposta de lei é hoje aqui debatida sem que tenha terminado o período de discussão pública que o próprio Governo estabeleceu; a proposta de lei não teve em conta os contributos relevantes de organizações de pessoas com deficiência, alguns dos quais com quase um ano; a proposta de lei, para cúmulo, foi alvo de um parecer do Conselho Nacional para a Reabilitação e Integração da Pessoa com Deficiência, que foi convocado sem a antecedência obrigatória, fazendo o Governo aprovar um parecer numa reunião sem quórum para o poder exibir na proposta de lei apresentada.
A proposta de lei, atrás de uma falsa capa de responsabilidade partilhada, consagra uma evidente desresponsabilização do Estado em matéria de combate à discriminação e de garantia da igualdade.
Senão vejamos o que dizem os artigos 16.º, 17.º e 18.º, onde, para além de competências de coordenação e de promoção, o Estado, na opinião do Governo, não deve ter outras obrigações, retirando-

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se de facto da garantia da prestação, no concreto, de apoios para a igualdade de oportunidades destes cidadãos. Aliás, o Governo diz muito claramente que "as entidades públicas e privadas têm o dever de realizar todos os actos necessários para a promoção (…)" - seja lá isto o que for -, dizendo no número seguinte que "o Estado deve apoiar as entidades públicas e privadas que realizem os actos previstos no número anterior". Não se sabem quais são estes actos, porque de conceitos vagos está a proposta de lei cheia!
Por outro lado, o Governo apresenta também um supostamente inovador fundo de apoio à pessoa com deficiência. Mas veja-se o que é este fundo de apoio: primeiro, não é certo que exista, porque se diz apenas que a lei poderá prever a sua constituição. Mas este fundo vai funcionar com o produto das coimas do processo de contra-ordenação por violação dos direitos da pessoa com deficiência. São só estes os recursos que o Governo pretende atribuir a um fundo com a importância que este parece ter, no discurso do Sr. Ministro?!
A proposta de lei fala de transversalidade, e existe de facto uma transversalidade na política do Governo para a deficiência, só que é uma transversalidade de políticas negativas. Na verdade, encontramo-la na educação, onde cada vez mais se põe em causa o ensino especial e os apoios educativos, como ainda hoje aqui vimos, e encontramo-la na área da saúde, com as exíguas e cada vez mais diminutas comparticipações face aos custos reais, como é o caso das próteses e de ajudas técnicas. Esta transversalidade negativa existe ainda no emprego, com uma quota de emprego público que continua a não ter aplicação prática, e uma miragem de quota de emprego privado que o Governo continua a não esclarecer como é que vai aplicar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Depois, Sr. Presidente, gostaria também de salientar que não são suficientes as explicações que o Governo deu em relação ao subsídio de educação especial. O que está a acontecer não é um mero combate à fraude, é a negação a estes milhares de crianças - pelo menos, dos distritos do Porto e de Viana do Castelo - do direito a um apoio especial para a sua integração no sistema de ensino.
Finalmente, disse o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco que a lei anti-discriminatória agora é que vai avançar. É falso que a lei tenha estado à espera com a justificação de estar a aguardar esta proposta de lei do Governo! Nunca foi essa a argumentação utilizada! E eu bem vi que o Sr. Deputado, quando ia a subir para a tribuna para fazer a sua intervenção, pediu autorização ao Sr. Ministro para poder anunciar que essa lei agora de facto ia avançar.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - É uma falta de respeito para com as pessoas com deficiência e as suas organizações,…

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - O tempo de que dispunha terminou, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Dizia eu que é uma falta de respeito para com as pessoas com deficiência e as suas organizações, que durante mais de um ano pediram à Assembleia da República que aprovasse esta lei, que agora se venha dizer que afinal estavam à espera da proposta de lei do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Goreti Machado (PSD): - Isso não é verdade, Sr. Deputado! Não diga o que não sabe!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Eu não sei?!

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Para repor a verdade, Sr. Presidente, uma vez que o Sr. Deputado Bernardino Soares se referiu à minha pessoa dizendo que o que eu tinha dito não era verdade. Peço portanto à Mesa que me dê a oportunidade de defender a minha honra.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, em primeiro lugar, gostaria de dizer-lhe que não sou membro do Partido Comunista e, portanto, não peço autorização a ninguém para falar!

Aplausos do CDS-PP do PSD.

Protestos do PCP.

No meu partido, e no Governo que apoio, todos temos opiniões, todos falamos, e não precisamos da autorização de ninguém para falar!

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Não! Que ideia!…

O Orador: - Relativamente à questão da não discriminação, eu próprio, na minha intervenção - e o Sr. Deputado pode consultar as Actas nesta Assembleia -, defendi, assim como outras pessoas, que não era oportuno, antes desta lei de bases da deficiência ser aprovada,…

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - É falso!

O Orador: - … que se fizesse a discussão, em sede de especialidade, dos projectos de lei relativos à não discriminação,…

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - É falso!

O Orador: - … na medida em que estes projectos poderão agora, neste enquadramento, ser muito mais úteis do que se tivesse feito a discussão antes, ou seja, seria extemporâneo.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - É falso!

O Orador: - Estou a dizer-lhe isto com o à-vontade de estar a falar em nome de um grupo parlamentar que apresentou um projecto de lei relativo à não discriminação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, se tivesse aqui a querer que esses projectos de lei não fossem discutidos, estava a jogar contra mim próprio, coisa que também não é meu hábito, porque o meu hábito é ser eficiente e trabalhar para o meu país.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco, não vou evidentemente responder à catilinária anticomunista com que o Sr. Deputado iniciou a sua intervenção.

Risos do CDS-PP.

Aliás, a bancada do CDS-PP vê-se muitas vezes, no seu desespero, forçada a recorrer a esse tipo de argumentação.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - É enorme o desespero!

Risos do CDS-PP.

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O Orador: - Mas vou responder-lhe à questão concreta. O que os Srs. Deputados da maioria invocaram algumas vezes na Comissão, para justificar a não votação da lei em sede de especialidade, foi a discussão do Código do Trabalho, não foi a discussão desta proposta de lei!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Exactamente!

O Orador: - Digo-lhe mais, Sr. Deputado: quando por várias vezes, na Conferência de Líderes, diversos grupos parlamentares instaram o Sr. Presidente da Assembleia da República para que esta votação, na especialidade, se fizesse, essa justificação não foi apresentada, nem podia ser, porque a proposta ainda não estava entregue na Assembleia da República.
Agora, o que é inaceitável, Sr. Deputado, é que há mais de um ano se tenha iniciado este processo legislativo e que durante um ano as leis tenham estado paradas na Comissão sem poderem ser votadas na especialidade.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - É verdade!

O Orador: - Não há razão alguma para isso! A não ser que a maioria e o Governo pretendam agora vir dizer que as parcas normas anti-discriminatórias presentes nesta proposta de lei são suficientes para dispensar uma verdadeira lei anti-discriminatória! Mas, se for essa a vossa intenção, digo-lhes já, Sr. Deputado, que não vai contar com o nosso apoio.

Aplausos do PCP.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Oh!

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Peço a palavra para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco, gostaria que o "pingue-pongue" entre os Srs. Deputados não invocasse figuras regimentais desnecessárias.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Sr. Presidente, é mesmo uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para requerer à Mesa a informação, logo que possível, sobre se o Partido Comunista alguma vez apresentou um requerimento para a discussão, na especialidade, dos diplomas que aqui foram referidos.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, os requerimentos são publicados no Diário da Assembleia da República. De modo que não precisa de pedir essa confirmação à Mesa, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Peço a palavra para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço para, através da Mesa, esclarecer a Câmara que sim, ou seja, que pedimos. Mais do que isso, solicito que sejam facultadas ao Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco as súmulas da Conferência de Líderes- aliás, disponíveis na intranet -, onde pode verificar que também suscitámos a questão em sede da Conferência de Líderes.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Está a ver! Está desatento!

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, dispondo para o efeito de 32 segundos cedidos pelo Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Agradeço ao Sr. Presidente, bem como ao Bloco de Esquerda.
Sr. Presidente, gostaria de dizer, telegraficamente, que a questão do escândalo que é haver veto de gaveta em relação ao diploma aprovado em 16 de Janeiro foi suscitada várias vezes em sede da Conferência de Líderes, tendo mesmo sido suscitada na própria Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais - aliás, o grupo de trabalho chegou a reunir uma ou duas vezes.
Além disso, gostaria de dizer que nunca o argumento de uma nova lei foi invocado pela maioria para justificar este bloqueio, tão-só o do Código do Trabalho, que há muito está ultrapassado, nem foi essa, aliás, nunca, a explicação dada pelo Sr. Presidente da Assembleia da República na Conferência de Líderes,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - … nem pelo Sr. Presidente da Assembleia da República às associações que já se lhe dirigiram directamente, chamando a atenção para o desprestígio da situação que se está a viver.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, dou por encerrado o debate.
Vamos passar à discussão da proposta de lei n.º 110/IX - Possibilita a inscrição no recenseamento eleitoral de nacionais dos novos países aderentes à União Europeia legalmente residentes em Portugal, por forma a assegurar o exercício efectivo do direito de voto na eleição para o Parlamento Europeu a ocorrer em Junho de 2004.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Nuno Miranda Magalhães): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nos termos do tratado de adesão assinado em Atenas no dia 16 de Abril de 2003, a partir do próximo dia 1 de Maio, vão aderir à União Europeia 10 novos países: República Checa, Estónia, Chipre, Letónia, Hungria, Malta, Polónia, Eslováquia e Eslovénia.
Assim, estes novos cidadãos europeus ficam abrangidos pelo direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu, gozando do direito de eleger e de serem eleitos no Estado-membro da residência nas mesmas condições dos nacionais desse Estado.
Relembre-se que os direitos de eleger e de ser eleito constituem direitos políticos fundamentais de todos os cidadãos da União Europeia, reconhecidos pela Carta Europeia dos Direitos Fundamentais.
Por outro lado, foi expressamente assumido o compromisso por todos os países da União Europeia de esses direitos serem respeitados nas primeiras eleições imediatamente após o alargamento, que, como VV. Ex.as sabem, vão ter lugar em Junho próximo.
Nestes termos, e tendo em atenção que todos os procedimentos eleitorais são da competência exclusiva de cada país, cabe a cada Estado-membro adoptar as medidas legislativas necessárias para garantir a inscrição dos nacionais dos novos países aderentes, residentes legalmente no seu território, nos cadernos eleitorais para as eleições do Parlamento Europeu.
Sucede, porém, que, nos termos previstos na legislação portuguesa, concretamente o n.° 3 do artigo 5.° da Lei n.° 13/99, de 22 de Março, por razões, aliás compreensíveis, de segurança jurídica, são suspensas as inscrições e outras actualizações do recenseamento eleitoral no 60.° dia que antecede cada eleição ou referendo, ou seja, em momento anterior à adesão oficial, impedindo, na prática, o exercício do direito de voto aos cidadãos destes países residentes legalmente em Portugal.
É neste contexto, no quadro do empenhamento de Portugal no processo de construção europeia, e, ao mesmo tempo, para dar corpo ao compromisso assumido anteriormente, que o Governo apresenta hoje à Assembleia da República a presente proposta de lei, que visa admitir, de forma condicional e a título excepcional, a inscrição dos cidadãos daqueles países legalmente residentes em Portugal em momento anterior à adesão oficial à União Europeia dos citados Estados.
Por isso mesmo, e na hipótese, pouco provável e até indesejável, de não se concretizar a adesão de alguns Estados na data prevista, nos termos da presente proposta lei, as inscrições dos respectivos cidadãos serão eliminadas pelas comissões recenseadoras antes do período de inalterabilidade do recenseamento previsto no artigo 59.° da citada lei, ou seja, 15 dias antes de qualquer acto eleitoral ou

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referendo.
Solução idêntica a esta que hoje vos apresento, foi adoptada pelo Reino Unido, pelos Países Baixos e pela Grécia, que aprovaram legislação específica que permitiu a estes cidadãos efectuarem o seu recenseamento antecipadamente, condicionando-o, no entanto, tal como hoje vos apresentamos, à efectiva adesão dos seus países de origem.
Por outro lado, e no sentido de garantir uma ampla e eficaz publicitação, o Governo tomará as medidas necessárias para permitir aos destinatários o conhecimento atempado da data e da forma de inscrição no recenseamento eleitoral, bem como da capacidade eleitoral activa nas eleições.
Neste contexto, vai ser elaborado um folheto em várias línguas comunicando a todos os cidadãos nacionais e não recenseados, incluindo os dos novos Estados-membros, toda a informação necessária. Este mesmo folheto será remetido a todas as embaixadas acreditadas e juntas de freguesia, ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e ao Alto Comissariado para a Emigração e Minorias Étnicas.
Por outro lado, refira-se que, de acordo com dados de Dezembro último, existem cerca de 650 cidadãos abrangidos pela presente proposta de lei, o que representa um número reduzido a abranger para efeitos desta publicitação, que se pretende seja eficaz.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com o presente diploma, o Governo português assume de forma clara o seu empenhamento num processo de construção europeia que torne a Europa num espaço cada vez mais plural, mais próspero e, por isso mesmo, mais justo. É este o sinal claro que, aqui e agora, desejamos dar, na convicção de que este diploma merecerá de todos os grupos parlamentares a concordância quanto aos seus fundamentos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Adriana Aguiar Branco.

A Sr.ª Adriana Aguiar Branco (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como é sabido, no dia 1 de Maio de 2004, 10 novos Estados, que me vou dispensar de enunciar, uma vez que o Sr. Secretário de Estado acabou de o fazer, vão aderir à União Europeia, de acordo com o estabelecido no Tratado de Adesão celebrado em Atenas em 16 de Abril de 2003.
Alargar a União Europeia sempre representou, para nós, um desígnio estratégico e um imperativo ético.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Desígnio estratégico, por consubstanciar a reunificação política do continente europeu, violenta e artificialmente dividido, sobretudo após a II Guerra Mundial, estendendo o espaço de paz, estabilidade e prosperidade que criámos nas últimas décadas aos países europeus que o desejem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - A União será mais forte dentro das suas fronteiras, que se estenderão até à Rússia, e mais capaz de se afirmar para além daquelas como parceiro na cena internacional.
Imperativo ético, por devermos aos países candidatos a mesma solidariedade que nos foi demonstrada aquando da nossa adesão há 18 anos atrás.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - A adesão à União trará aos futuros Estados-membros vantagens similares às por nós granjeadas, ao proporcionar-lhes a consolidação das respectivas estruturas democráticas e ao abrir caminho ao desenvolvimento económico e social, baseado numa economia de mercado em vias de solidificação.
Acresce que a dimensão geográfica e humana da grande maioria dos novos Estados-membros é muito próxima da de Portugal e isso torna-os potenciais aliados em negociações de relevo que se realizam no quadro comunitário, como, por exemplo, as reformas institucionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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A Oradora: - Como a História tão bem tem demonstrado, nas relações internacionais há movimentos inevitáveis, e os que se lhes juntam inserem-se no processo e tiram dele proveito, mas os que lhes resistem saem quase sempre como perdedores absolutos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 110/IX, hoje em apreciação, visa possibilitar a inscrição no recenseamento eleitoral de nacionais destes novos países aderentes legalmente residentes em Portugal. O objectivo é assegurar-lhes o exercício efectivo do direito de voto na eleição para o Parlamento Europeu, a ocorrer em Junho de 2004.
São já alguns os cidadãos destes novos Estados aderentes que, actualmente, residem em Portugal. Não permitir que os mesmos pudessem exercer o direito de voto no País onde residem seria, antes de mais, violar manifestamente a aplicação do princípio da igualdade e da não discriminação entre nacionais e não nacionais previsto no artigo 19.º do Tratado CE. É, pois, da mais elementar justiça conferir-lhes esse direito de voto.
Acontece, porém, que, para tornar possível alcançar tal desiderato, é necessário criar um regime de excepção. Efectivamente, por motivos de segurança jurídica, o n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 13/99 prevê a suspensão das inscrições e outras actualizações do recenseamento eleitoral no 60.º dia que antecede cada eleição, ou seja, em momento anterior à concretização da referida adesão oficial.
A aprovação de um diploma legal transitório que admita, de forma condicional e a título excepcional, a inscrição dos cidadãos daqueles países legalmente residentes em Portugal, ainda antes de efectuada a adesão oficial à União Europeia dos citados Estados, foi - e muito bem! - a forma encontrada pelo Governo para contornar a situação descrita.
Pelo que fica dito, o PSD votará favoravelmente a presente proposta de lei.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Srs. Deputados: Duas palavras apenas para, naturalmente, exprimir a nossa concordância relativamente a esta iniciativa legislativa.
As razões da sua apresentação já foram aduzidas vastamente pelo Sr. Secretário de Estado, mas trata-se de dar pleno cumprimento à Recomendação de 8 de Abril de 2003, e, nesse sentido, este mecanismo excepcional visa, no fundo, garantir, como também já foi dito, o princípio da igualdade e da não discriminação relativamente aos cidadãos nacionais dos novos países aderentes à União Europeia.
Julgo, no entanto, que este Parlamento não deve proceder a esta aprovação sem fazer, como tem feito, uma breve reflexão sobre a importância do alargamento e sobre o facto de este Parlamento ter sido daqueles que mais clara e inequivocamente aprovou esse alargamento.
Em segundo lugar, devemos ter a percepção de que o alargamento constitui uma oportunidade, um desafio e, sobretudo, Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, um factor de paz, de desenvolvimento e de diversidade cultural. É disso que se trata.
Naturalmente que o tema que aqui hoje nos ocupa é o tema da cidadania europeia, uma vez que, na eleição do Parlamento Europeu, tratamos todos os cidadãos europeus como factores fundamentais que constituem a legitimidade de um poder que, neste momento, está claramente definido na União e, no futuro, será ainda reforçado no contexto dos desenvolvimentos a seguir à Convenção para o Futuro da Europa. Esta questão da legitimidade é extraordinariamente importante e é, naturalmente, o cerne do tema que aqui hoje nos ocupa.
Este mecanismo excepcional e transitório irá permitir que, no dia 13 de Junho próximo, nas eleições para o Parlamento Europeu, possamos ter a participação activa destes cidadãos.
E, ao falar do dia 13 de Junho, não posso, naturalmente, neste Parlamento, deixar de referir a necessidade de haver uma participação de todos os cidadãos portugueses e de todos os cidadãos que têm direito de voto, para legitimar o Parlamento Europeu e, ao legitimar o Parlamento Europeu, legitimar também as instituições europeias num momento crucial da vida da União.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Muito bem!

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: No próximo mês de Junho ocorrerá, em toda a União Europeia, a eleição de Deputados ao Parlamento Europeu, como já foi referido e, nos termos da lei, são eleitores os cidadãos recenseados em Portugal, ainda que não sejam nacionais do Estado português.
Ora, num momento em que, como já foi referido, se perspectiva a adesão de novos países à União Europeia, pretende o Governo assegurar essa participação aos cidadãos desses países residentes em Portugal. Tal preocupação decorre, como, de resto, foi já explicado pelo Sr. Secretário de Estado, das particularidades da legislação nacional nesta matéria, que impede a actualização do recenseamento a partir do 60.º dia anterior à realização do próprio acto eleitoral.
Ou seja, estando prevista a adesão formal destes países a partir de 1 de Maio do corrente ano, não poderiam os mesmos inscrever-se, isto é, recensear-se a tempo de votarem no referido sufrágio. Deste modo, o que o Governo propõe à Assembleia da República é a aprovação de um regime transitório que permita, excepcional e condicionalmente, a inscrição destes cidadãos no recenseamento eleitoral antes da adesão.
Transitório porque, realizadas as eleições para o Parlamento Europeu em 2004, se esgota o objecto da iniciativa legislativa em apreço; condicional porque os efeitos sobre a inscrição destas pessoas cessarão caso a adesão dos países de que são nacionais não se concretize na data prevista, ou seja, 1 de Maio.
Independentemente disso, a verdade é que vivemos hoje em sociedades cada vez mais plurais, que acolhem, muitas das vezes clandestinamente, uma grande variedade de pessoas, numa plêiade de raças, línguas e culturas, que não pode senão enriquecer culturalmente as sociedades.
A sociedade portuguesa, porque inserida no contexto da União Europeia, tornou-se, também ela, um destino privilegiado de um considerável número de imigrantes, que buscam sobretudo os grandes centros urbanos, designadamente pelas maiores possibilidades de aí encontrar trabalho. O nosso país deixou, assim, de ser apenas uma fonte de emigração e passou a ser também país de imigração.
Recorde-se que, com a entrada em vigor do regime legal das autorizações de permanência, decorrente do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, o número de estrangeiros legalizados aumentou substancialmente, atingindo, no final do ano de 2001, cerca de 346 000.
Em finais de 2002, os imigrantes a residir legalmente em Portugal ascendiam a 400 000, aproximadamente, o que representava 3,5% da população activa do País. Neste momento, os imigrantes constituem já cerca de 10% da população activa de Portugal.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Chegados e este ponto do debate, importa recordar que os conceitos de cidadania e nacionalidade têm andado estreitamente associados, de tal forma que muitas vezes são utilizados como sinónimos. Tradicionalmente, de facto, os direitos políticos, nomeadamente os eleitorais, são atribuídos exclusivamente aos nacionais. A justificação de tal associação reside no facto de a soberania residir na Nação, logo o cidadão detém uma parcela dessa soberania e tem o direito de participar na formação da vontade geral. Ou seja, reconhecer ao estrangeiro a qualidade de eleitor significa reconhecer-lhe a qualidade de representante da Nação, quando, tradicionalmente, se entende que, pela sua própria condição, o estrangeiro não pode falar em nome da Nação.
Tal associação entre nacionalidade e cidadania tem vindo, contudo, a ser posta em causa pelos próprios Estados, por força de circunstâncias várias, das quais posso citar, a título meramente exemplificativo, o aprofundamento de processos de integração política e económica, como é, desde logo, o caso da própria União Europeia; a consagração de cláusulas de reciprocidade; o reconhecimento aos estrangeiros do direito de votar nas eleições locais e de ser eleito e a atribuição de um estatuto especial a certos estrangeiros.
Estes são exemplos que se concretizam no Tratado da Comunidade Europeia, mais propriamente no seu artigo 17.º, que institucionaliza a cidadania europeia, sendo considerado como cidadão da União Europeia qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-membro. Concretiza-se, igualmente, em várias outros artigos e diplomas legais, que me dispenso de mencionar para não maçar, ainda mais, V. Ex.as.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Concluo constatando que a presente iniciativa legislativa acautela a possibilidade de exercício de um direito de participação política por parte de cidadãos que, se tudo correr de acordo com o programado, serão cidadãos comunitários como nós a partir de 1 de Maio do ano em curso, data a partir da qual passam a exercer tais direitos em

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plenitude.
A presente iniciativa reveste-se, portanto, de pertinência e actualidade. É, pois, em nossa opinião, uma proposta avisada e, como tal, merece a nossa concordância e merecerá, obviamente, a nossa aprovação.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos perante uma iniciativa legislativa muito simples e óbvia, que terá, evidentemente, a nossa concordância.
Há eleições para o Parlamento Europeu em Junho de 2004, há 10 países que vão aderir à União Europeia, nos termos dos respectivos tratados de adesão, no dia 1 de Maio de 2004, e, como é evidente, nessa altura já está suspenso o recenseamento eleitoral. Portanto, para que os cidadãos dos novos países integrantes da União Europeia que residam em Portugal possam obter capacidade eleitoral activa através da sua inscrição voluntária no recenseamento eleitoral no nosso país é preciso que lhes seja permitido procederem a essa inscrição antes da data prevista para a adesão formal dos respectivos países à União Europeia. E a única solução que temos é aprovar um diploma que permita que esses cidadãos procedam à sua inscrição ainda antes de os seus países serem oficialmente membros da União Europeia.
Portanto, é isso que o Governo propõe e parece-nos que é uma solução óbvia. Por essa forma, os cidadãos nessas condições que residam em Portugal podem, efectivamente, votar, em Junho de 2004, nos Deputados ao Parlamento Europeu a eleger em Portugal. Obviamente que é um direito que deve assistir a estes cidadãos e que o Estado português deve reconhecer, criando condições para o garantir, razão pela qual daremos a nossa aprovação a esta proposta de lei.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, chegámos ao fim da apreciação da proposta de lei n.º 110/IX.
Vamos passar, agora, à apreciação da proposta de resolução n.º 56/IX - Aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade organizada transnacional, o Protocolo Adicional relativo à prevenção, à repressão e à punição do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, e o Protocolo Adicional contra o tráfico ilícito de migrantes por via terrestre, marítima e aérea, adoptados pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 15 de Novembro de 2000.
Para apresentar a proposta de resolução, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.

A Sr.ª Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (Manuela Franco): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Apresentando a proposta de resolução n.º 56/IX, para a ratificação da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Transnacional Organizada, gostaria de vos dizer o que esteve por detrás da posição do Governo.
Consideramos que vivemos num mundo marcado pelas comunicações além fronteiras e por avanços tecnológicos de impacto imediato na vida quotidiana. E as mesmas forças que unem o nosso planeta a um ritmo por vezes surpreendente oferecem, por outro lado, oportunidades únicas para aqueles que pretendem utilizar esses benefícios para fins criminosos. O desenvolvimento da criminalidade organizada e o aparecimento de novas formas de expressão desse fenómeno, caracterizado pelo aproveitamento das novas tecnologias, constituem uma das principais ameaças ao Estado de direito, à segurança e ao bem-estar dos cidadãos.
A criminalidade organizada transnacional, justamente porque protagonizada por grupos criminais homogéneos, organicamente estruturados e hierarquizados, com uma actividade diversificada e tentacular que não conhece fronteiras, constitui uma séria ameaça às condições de vida em liberdade, que são a base das sociedades democráticas, e, por isso, à paz e à estabilidade internacional.
Mais grave ainda é a circunstância de essas actividades estarem invariavelmente associadas ao branqueamento de capitais, à corrupção e ao tráfico de influências, visando atingir os alicerces das sociedades, minar os poderes políticos dos Estados e condicionar não só os processos de decisão política e de actuação operacional dos organismos oficiais de controlo mas também o normal funcionamento dos sistemas judiciais.
As fronteiras nacionais não constituem obstáculos à acção destes grupos organizados. Eles formam alianças que vão além de regiões ou países, estão cada vez mais envolvidos em mercados lícitos e ilícitos, recorrendo frequentemente a especialistas não-criminosos para o cumprimento das suas actividades.
Estas actividades do crime organizado têm cada vez mais uma natureza dinâmica e uma capacidade

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quase empresarial, altamente flexível, conforme se adaptam e respondem às situações que são criadas. Conseguem assim explorar lacunas na legislação para levarem avante os seus projectos, buscando as oportunidades que os vários sistemas jurídicos lhes vão oferecendo.
Tornou-se já mais do que evidente a dimensão do desafio que se coloca aos governos chamados a dar resposta adequada a estes problemas novos que constantemente surgem. Tanto os Estados como as organizações internacionais competentes vêm assumir o mesmo combate imperioso e todas as responsabilidades inerentes, sob pena de poderem ser postos em risco os importantíssimos avanços que já se conseguiram nos domínios da promoção do Estado de direito e da defesa dos Direitos do Homem.
Aquando da negociação desta Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade transnacional organizada, assim como dos seus Protocolos adicionais, a questão que se colocou perante a comunidade internacional foi a de como demonstrar, não apenas em termos simbólicos mas em termos verdadeiramente práticos, a vontade de reagir com vigor à ameaça do crime organizado.
Portugal aderiu desde a primeira hora a este projecto, que culminou na sua adopção pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Novembro de 2000, e na sua assinatura por cerca de 150 Estados-membros. Tratou-se de um processo complexo, que, no entanto, demonstrou o sentido de responsabilidade dos países envolvidos, que se juntaram também com o objectivo primordial de debelar o fenómeno do tráfico de seres humanos.
Este tráfico de seres humanos, que está hoje contemplado no Protocolo Adicional, em particular o de mulheres e crianças, para fins económicos ou sexuais, é dos mais terríveis com que nos deparamos neste limiar do século XXI. Não se trata de um fenómeno episódico, como todos sabem, na verdade, tem uma natureza estrutural, com implicações muito grandes no tecido social e económico das nossas sociedades.
O tráfico de pessoas, ao nível mundial, rivaliza já com os tráficos de armas e de drogas, calculando-se que, no último ano, terá atingindo a importância astronómica de 12 000 milhões de dólares. Calcula-se entre 700 000 e 2 milhões o número de mulheres e de raparigas que são traficadas por ano em todo o mundo; só na União Europeia esse número eleva-se a cerca de 0,5 milhões. Cerca de 200 000 crianças são anualmente transaccionadas na África Ocidental, quer para exportação para a Europa, quer para fins de autêntica escravatura a nível de trabalhos domésticos.
Portanto, concluiu-se que este combate não se poderia limitar aos métodos tradicionais, terá de haver uma estratégia dupla, que às medidas repressivas junte medidas preventivas que venham inibir a proliferação do crime organizado e a sua infiltração na sociedade e na economia.
Os instrumentos agora diante desta Assembleia da República têm também o mérito de terem sabido ultrapassar as dificuldades colocadas pelas diferentes ordens jurídicas dos países aderentes, o que apenas prova a vontade de colaborar para encontrar um espaço em que se afirmem valores que a todos nós são comuns.
Sublinho ainda que esta é a primeira Convenção das Nações Unidas que, conjuntamente com os protocolos adicionais, estabelece um quadro normativo completo para fundamentar uma estratégia mundial contra a criminalidade organizada transnacional e outras actividades criminosas.
Também pela primeira vez é prevista a obrigação de os Estados partes estabelecerem mecanismos jurídicos de responsabilização das pessoas morais - sociedades, empresas, associações - que participem no cometimento de infracção grave imputada a um grupo criminoso organizado ou dela retirem qualquer benefício ou proveito.
Para além disso, esta Convenção estabelece um quadro normativo adequado a reforçar a cooperação internacional em matéria penal entre todos os Estados partes, mesmo quando estes não estejam vinculados por tratados ou convenções bilaterais ou multilaterais.
Esta Convenção marca ainda uma nova etapa na cooperação entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, porque institui mecanismos de assistência técnica e de financiamento aos Estados partes que reconhecidamente revelem maiores dificuldades na implementação das medidas previstas.
Gostaria também de sublinhar que estes textos não constituem um ponto de chegada mas, antes, um ponto de partida para uma caminhada difícil que todos nós, tanto na União Europeia como à escala global, precisamos agora de fazer.
O combate bem sucedido à criminalidade organizada transnacional depende necessariamente da definição de princípios e normas universalmente aceites e juridicamente vinculativas para os Estados; da actualização e aproximação das legislações nacionais; do reequacionamento e da reestruturação dos organismos formais de controlo e do sistema de justiça penal de cada Estado; do desenvolvimento e aperfeiçoamento dos mecanismos de cooperação internacional em todos os domínios, tais como o político, o administrativo, o policial, o judicial e o penitenciário; e da assistência técnica dos países mais desenvolvidos aos países com maiores dificuldades.
Este passo que agora se dará reflecte a vontade de Portugal contribuir para este combate.

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Secretária de Estado, o tempo do Governo já terminou.
Peço-lhe para concluir, por favor.

A Oradora: - Estamos cientes de que é uma tarefa imperativa, que exige a mobilização e a cooperação em várias frentes, que nos é exigida pelo cidadão e para a qual contaremos com o seu apoio.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado José Vera Jardim inscreveu-se para fazer um pedido de esclarecimento, mas o Governo não tem tempo para responder e eu estou a tentar resolver esta questão.
Entretanto, agradeço ao Sr. Deputado o favor de intervir fora do seu lugar, porque o sistema de som, neste momento, não está a funcionar nas duas primeiras filas do PS. Portanto, agradeço a boa vontade de falar noutro sítio, porque assim não é preciso interromper a sessão para reparar os microfones.
Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr.ª Presidente, a última coisa que poderia imaginar era que nos "tirassem o pio" ou, pelo menos, que nos mandassem juntar-nos à bancada de Os Verdes…

Risos do PCP e de Os Verdes.

… ou tomar o lugar de uma Sr.ª Deputada de Os Verdes.
Sr.ª Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, antes de mais, os meus cordiais cumprimentos. É a primeira vez que tenho o prazer de dialogar consigo e tenho duas perguntas para lhe fazer, sendo a primeira a seguinte: como sabe, há três Protocolos a esta Convenção. Ora, o Governo só mandou para a Assembleia da República dois Protocolos e eu queria perguntar-lhe se isso se deve a lapso ou se - coisa que não admito - o Governo não está na disposição de sujeitar a ratificação o terceiro Protocolo. É que ele não é uma coisa de somenos, trata-se, nem mais nem menos, do Protocolo relativo ao tráfico de armas, de que V. Ex.ª falou na tribuna. Assim, gostaria que a Câmara fosse esclarecida disto, tanto mais que admito que um lapso se tenha dado, porque a assinatura deste terceiro Protocolo teve uns meses de diferença em relação à dos outros dois.
A segunda pergunta que quero fazer-lhe, Sr.ª Secretária de Estado, tem a ver com o seguinte: falamos muito contra a criminalidade organizada e ouvi com atenção e com gosto o discurso que V. Ex.ª fez, mas, às vezes - e isto não é consigo, não estou a fazer-lhe essa injustiça -, há muita retórica e depois, na prática, as coisas não caminham com a celeridade e, sobretudo, a eficácia que se pretende.
Gostaria de lhe perguntar, Sr.ª Secretária de Estado, o que pensa, no âmbito desta matéria da criminalidade organizada, da continuação da existência de dezenas de offshore pelo mundo fora, alguns na Europa, que todos conhecemos e que são claramente denunciados por toda a literatura que se ocupa desta matéria como locais em que a criminalidade organizada se apoia para fazer "lavagem de dinheiro". Gostaria de saber qual é a posição do Governo sobre esta matéria.

Vozes do PS, do PCP e do BE: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, dispondo de 2 minutos para o efeito, um dos quais cedido pelo PS e outro concedido pela Mesa.

A Sr.ª Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, começo por agradecer as perguntas que me fez.
Em relação ao terceiro Protocolo, é um facto que ele não está mencionado na proposta de resolução e que esse atraso, ao que estou informada, deriva do facto de ter sido assinado num momento posterior, mas a informação de que disponho é a de que tudo será tratado em conjunto.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Já foi assinado há dois anos!

Pausa.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares pode falar!

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Risos.

A Oradora: - Sou eu que não deixo, Sr. Deputado.
Relativamente à sua segunda questão, a dos offshore, é evidentemente uma preocupação partilhada por vários países. O combate à criminalidade organizada conheceu um ímpeto extraordinário desde o 11 de Setembro e os esforços actualmente feitos em conjunto, a nível governamental, a nível de Estado a Estado, a nível de polícias, orientam-se nesse sentido. A expectativa do Governo, na medida em que partilha essa informação com outros governos, é a de que se consiga fazer um esforço significativo no debelar dessa criminalidade. É um esforço colectivo e os resultados serão também, com certeza, uma conquista quotidiana.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Ficou esclarecido?

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Mais ou menos!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para apresentar o relatório da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa relativo a esta proposta de resolução, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim, que dispõe, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr.ª Presidente, tenho uma dúvida, não é existencial mas, de qualquer modo, é uma dúvida. É que sou relator mas também quero intervir. Porventura, não será necessário fazer esta distinção tão claramente, mas não sei como é que V. Ex.ª entende.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado sabe tão bem ou melhor do que eu que a apresentação do relatório se cinge àquilo que consta do mesmo, enquanto que a intervenção é feita, porventura, nos termos em que entender.
Em todo o caso, como sabe, há uma diferença no que respeita à utilização do tempo e, portanto, se o Sr. Deputado me diz que não vamos ter qualquer problema de tempo, então, intervenha como desejar que eu não faço questão quanto ao aspecto formal.

O Orador: - Muito obrigado, Sr.ª Presidente.
Esta Convenção tem uma grande importância, não só pela matéria que trata, que é uma preocupação da comunidade internacional, aliás, diria mesmo que é, hoje, juntamente com o terrorismo, uma das principais preocupações da comunidade internacional, dos Estados e das nossas sociedades.
A Convenção foi assinada, como já foi dito, por um conjunto muito amplo de países, mas o mesmo não se passa, no entanto, com as ratificações, o que, muitas vezes, nos leva à conclusão de que é muito bonito assinar as convenções em cerimónias muito aparatosas, como foi o caso - uma cimeira convocada pelas Nações Unidas, uma reunião de alto nível, em Palermo, que, a meu ver, também é um local…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Simbólico!

O Orador: - … simbólico para essa cerimónia, aliás, penso que foi mesmo propositadamente por isso -, o pior são as ratificações. Neste caso, passados mais de dois anos ou quase dois anos, há muitos Estados que ainda não ratificaram a Convenção, curiosamente, pelas informações que consegui recolher, a maioria dos quais da União Europeia.
Dir-se-á, e bem, aliás, no relatório faz-se uma referência a este facto, que a União Europeia conseguiu, finalmente, pôr de pé, mercê do grande impulso que lhe foi dado pelo Comissário António Vitorino, um conjunto de instrumentos importantes e mesmo decisivos para a luta contra a criminalidade organizada, mas a verdade é que ficaria bem à generalidade dos Estados da União - a União assinou, ela própria, a Convenção - apressar os processos de ratificação desta Convenção.
Mas esta Convenção é importante também porque há muitos Estados do mundo que não têm um sistema tão aperfeiçoado e, digamos mesmo, tão avançado como a generalidade dos países da União, no que diz respeito à tipificação criminal destas acções e também, talvez até sobretudo, quanto a um conjunto de medidas de protecção que vêm compreendidas nesta Convenção, designadamente no Protocolo contra o tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças.
Devo, aliás, referir que, procurando fazer um cotejo das soluções da Convenção com o direito interno português, deparei-me com, pelo menos e visivelmente, uma discrepância, que não é menor e à qual teremos de ter atenção. É que a definição de "criança" da Convenção assenta na menoridade de 18 anos,

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ou até aos 18 anos, quando é sabido que, na legislação penal portuguesa, a generalidade das disposições respeitantes a crimes contra crianças tem como limite os 16 anos. É uma questão à qual penso que a Assembleia deve estar atenta.
No relatório, chamo ainda a atenção para um outro ponto, que é o seguinte: entendo que, porventura, estamos a chegar à altura de pensar se o esquema do nosso direito penal, na sua generalidade, e, em especial, do Código Penal, continuará a estar adaptado às circunstâncias modernas da criminalidade. É certo que aí se encontram disposições relativas às associações criminosas e, portanto, estamos à vontade, não há uma falha do sistema, mas defrontamo-nos hoje com um tipo de criminalidade que pratica uma série de actos que vindo, quase todos, eu diria mesmo todos, tipificados na lei penal, no Código Penal ou em legislação avulsa, como é o caso do branqueamento, da corrupção, dos tráficos ilícitos e dos seus resultados, a verdade é que aparecem dispersos e não há uma linha muito clara de perseguição para este tipo de criminalidade.
Ora, começamos a ser invadidos por um conjunto de diplomas desta índole - convenções e, sobretudo, legislação da União Europeia - e penso que é, porventura, chegada a altura de o Parlamento fazer o cômputo geral da situação e ver se não será necessário trabalhar numa unificação da legislação relativa às associações criminosas, nas suas várias vertentes e, sobretudo, nos seus vários instrumentos.
Naturalmente, é bom que Portugal tenha ratificado esta Convenção, mas não chega ratificar convenções, é preciso, depois, pô-las em prática, concretizá-las, ou seja, não só tipificar crimes, mas sobretudo persegui-los.
Dispomos de uns números sobre a criminalidade organizada no mundo, mas ainda não ouvi ninguém referir-se àquilo que é o espelho da criminalidade organizada em Portugal. Bem sei que hoje - e é esse o objecto da Convenção - a criminalidade organizada assume, na maior parte dos casos, ou, porventura, nos casos mais graves, características transfronteiriças, transnacionais, mas também a há dentro dos países. E não dispomos, pelo menos que eu conheça, nenhum estudo ou indicação minimamente concreta sobre o volume e a gravidade deste tipo de criminalidade entre nós.
É bom também que, a propósito destas convenções e destes instrumentos internacionais, possamos fazer, nós próprios, a análise do que se passa em Portugal nesta matéria. Uma coisa é a retórica, outra coisa são as consequências práticas daquilo que assinamos. Penso que é perante isso que todos nós, a Assembleia, mas sobretudo o Governo, estamos mais uma vez confrontados.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Já aqui foi dito pelos oradores que me precederam que, através da presente Convenção e seus Protocolos Adicionais, se visa principalmente promover a cooperação entre os Estados-partes para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional.
Com efeito, só uma ampla cooperação entre os Estados signatários, baseada em procedimentos comuns e numa harmonização mínima das normas jurídicas, permitirá levar a cabo um combate mais eficaz contra a criminalidade transnacional, assim se evitando que as redes criminosas possam tirar vantagens das divergências e lacunas existentes nas legislações de vários Estados. Esse esforço de cooperação implica a criminalização de certos comportamentos, como a corrupção, o branqueamento de bens ou produtos, o tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, ou o tráfico de migrantes.
Esta Convenção e seus Protocolos Adicionais passarão a acolher definições universais de certas noções fundamentais de Direito Penal em matéria de luta contra o crime organizado, harmonizando definições de infracções nos diversos sistemas jurídicos nacionais, de forma a permitir que uma determinada infracção praticada num Estado signatário seja igualmente reconhecida como tal nos outros Estados signatários.
Estabelecem-se, igualmente, quatro tipos de infracções graves, a saber: a participação numa rede de criminalidade organizada; o branqueamento de capitais; os entraves ao bom funcionamento da justiça; e a corrupção.
A cooperação entre os Estados signatários implica igualmente a prestação recíproca de todo o auxílio judiciário possível no âmbito de investigações, processos e outros actos relativos às infracções ali previstas, designadamente uma autoridade central, competente para receber pedidos de cooperação judiciária e para os executar ou transmitir às autoridades competentes para execução, de modo a que os mecanismos adequados sejam accionados com maior facilidade e rapidez. Entidade essa que, no caso português, é sem dúvida a Procuradoria-Geral da República.

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A Convenção contra a criminalidade organizada internacional é o primeiro instrumento global em matéria de luta contra a criminalidade organizada transnacional, sendo possível afirmar que estabelece um quadro multilateral muito útil e várias normas mínimas importantes para todos os Estados participantes da Convenção e respectivos Protocolos Adicionais. É, além disso, o primeiro instrumento das Nações Unidas juridicamente vinculativo nesta área e o primeiro instrumento global de luta contra a criminalidade e respectivas redes organizadas.
A Convenção é aplicável, de facto, às actividades de organizações criminosas e à cooperação internacional no combate a essas mesmas organizações. Não se limita, no entanto, a grupos dotados de uma estrutura altamente desenvolvida ou de natureza duradoura, como é o caso das organizações mafiosas, inclui igualmente as actividades de pessoas envolvidas em qualquer organização criminosa que disponha de uma estrutura - é o que decorre da conjugação das alíneas a) e c) do artigo 2.º da Convenção.
Se bem atentarmos nessas disposições, veremos que o conceito de "grupo criminoso organizado", constante da alínea a), implica a existência de um grupo estruturado de três ou mais pessoas, a sua existência durante um período de tempo, a actuação concertada no sentido da prática de um ou mais crimes graves ou infracções estabelecidas na Convenção e a intenção de obter um benefício económico ou simplesmente material.
Já o conceito de "grupo estruturado", que é diferente, constante da alínea c), basta-se com a formação não fortuita de um grupo de pessoas, mesmo que os seus membros não tenham funções definidas, e com a prática de uma única infracção às disposições constantes da Convenção, dispensando-se a continuidade da composição do grupo.
É certo que estas disposições foram objecto de aturadas negociações, conduzidas, por parte da União Europeia, pela Comissão, com um mandato perfeitamente definido pelo Conselho. Aliás, esta especificidade de incluir, sob a alçada da Convenção, organizações criminosas "mínimas" - se assim lhes pudemos chamar - decorreu do mandato que o Conselho traçou à Comissão, no entanto entendemos que poderia ter-se ido mais longe.
No nosso entender, não faz sentido que o "grupo estruturado" esteja sob a alçada da Convenção pela prática de uma única infracção e não o esteja quando se tratar de um único crime grave, conceito com o alcance que lhe é definido pela alínea b) do já referido artigo 2.º da Convenção.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Todos estamos conscientes da expansão transnacional da criminalidade, potenciada pela emergência de novos bens jurídico-penais, como a informática. Ainda ontem ouvimos notícias preocupantes sobre a utilização que está a ser dada a um portal português, o Terravista, após a sua aquisição por uma empresa pertencente, se não estou enganado, ao grupo de telecomunicações estatal alemão: a difusão de conteúdos especificamente destinados a pedófilos.
Como português, nada me indigna mais que ouvir estas notícias. São organizações criminosas transnacionais que adquirem estes "negócios" não só para os explorarem com lucros avultados como também para financiarem, com tais lucros, actividades igualmente criminosas e indignas e - não custa admiti-lo - bem mais perigosas, como o terrorismo.
Tudo quanto permita aos Estados aliarem-se para combater estes fenómenos criminosos ou para melhorarem a sua eficácia nesse combate não pode senão recolher o aplauso e o incentivo do CDS-PP, razão pela qual daremos o nosso voto favorável à proposta de resolução em debate.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Morais.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os instrumentos internacionais que hoje analisamos resultam da avaliação feita pela Nações Unidas de que a dimensão e sofisticação atingidas pela criminalidade internacional organizada tornaram obsoleta e insuficiente a regulamentação pré-existente, exigindo uma convenção específica de aplicação parauniversal.
Analisando em grandes traços o seu conteúdo, encontra-se, como primeiro propósito, "promover a cooperação entre Estados, que permita prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional".
Estabelece-se a tipificação obrigatória das infracções relativas à "participação num grupo criminoso",

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"branqueamento do produto do crime", "corrupção" e "obstrução à justiça".
A Convenção define como crime grave o acto que constitua infracção punível com pena privativa da liberdade igual ou superior a quatro anos.
Considera-se crime transnacional não apenas o que for cometido em mais do que um Estado mas ainda aquele que, praticado num só país, teve parte significativa da sua "preparação, planeamento, direcção ou controlo noutro Estado" ou produziu os seus efeitos substanciais num Estado diferente.
Da análise comparada do regime vigente em Portugal e das disposições da Convenção resulta, relativamente às definições de associação criminosa, expendida no artigo 299.º do Código Penal, e de grupo criminoso organizado, tal como consta da alínea a) do artigo 2.º da Convenção, que a norma vigente no nosso ordenamento é mais restritiva e deve, por isso, ser redesenhada.
Quanto à noção de crime grave, definido na Convenção, a legislação interna aprovada relativamente ao branqueamento de capitais, em resultado da transposição de uma directiva comunitária, consagra já este conceito de forma bastante.
A Convenção obriga ainda os Estados-partes à incriminação da obstrução à justiça. É certo que o Código Penal português prevê já, nos artigos 359.º a 371.º, os crimes contra a realização da justiça, que parcialmente cobrem a matéria tratada na Convenção, no entanto é desejável que exista uma previsão completa e autónoma do tipo penal aqui previsto.
O Protocolo Adicional relativo ao tráfico ilícito de migrantes destina-se, naturalmente, a conseguir um instrumento universal e unitário que garanta uma adequada segurança e protecção das vítimas deste tipo de tráfico.
São diárias as notícias que nos chegam sobre migrantes transportados dos países mais pobres, em condições degradantes, desumanas e ofensivas da sua dignidade, o que frequentemente termina em tragédia para aqueles que, explorados por traficantes das formas mais hediondas, não chegam com vida aos seus destinos.
O direito interno português prevê já os crimes de auxílio à imigração ilegal e de associação de auxílio à imigração ilegal. Haverá, no entanto, que verificar detalhadamente a sua plena conformidade com os requisitos incriminadores da Convenção.
É já clara a necessidade de consagração, na lei portuguesa, das agravações previstas no n.º 3 do artigo 6.º da Convenção, a saber: os actos que ponham em perigo ou ameacem pôr em perigo a vida ou segurança; o tratamento desumano ou degradante desses migrantes, incluindo a sua exploração. Devem estas circunstâncias ser consideradas como agravantes.
Refira-se, por fim, o Protocolo Adicional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças, que menciono por último com o objectivo deliberado e confesso de o realçar aos olhos desta Câmara e, por seu intermédio, do País.
A Convenção define como tráfico de pessoas "o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coacção, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade, ou de situação de vulnerabilidade (…)".
Aspecto fundamental a destacar é o da irrelevância do consentimento da vítima se tiver sido utilizado qualquer dos meios previstos no tipo incriminador. É ainda essencial notar que, se a vítima for uma criança (para este e para todos os instrumentos internacionais relevantes, "criança" é o menor de 18 anos), então estaremos perante um crime de tráfico sempre que exista recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento dessa criança para fins de exploração ainda que não tenha sido utilizado qualquer dos meios de coacção ou violência antes referidos.
A UNICEF estima em 1,2 milhões as crianças traficadas em cada ano no mundo. Só da Guatemala saem 1000 a 1500 crianças por ano, traficadas para pretensa adopção.
Um número assustador de crianças alimenta o mercado de trabalho infantil e de exploração sexual. Por razões que não nos podem escapar, a verdade é que 90% destas crianças são raparigas. Em muitos países que constituem fonte deste tráfico o papel atribuído às raparigas e a atitude que se assume perante a sua educação acaba por colocá-las em maior risco. Em muitas famílias, a pobreza não lhes manda uma filha para a escola, manda-a partir, ainda criança, para ser explorada noutro país.
As mulheres, obrigadas à prostituição, em condições desumanas, com frequente ou absoluta privação da liberdade, enclausuradas em autênticos buracos, são sujeitas a trabalhos forçados e a castigos corporais vários.
As crianças, arrancadas às suas famílias ou simplesmente às ruas, frequentemente compradas por criminosos da pior estirpe, sofrem abusos de toda a espécie: são fotografadas, filmadas, abusadas e frequentemente espancadas para deleite dos seus abusadores.
Ainda há poucos dias, um canal de televisão, num programa de um modelo que pessoalmente reprovo, teve no entanto o mérito de constituir um testemunho que julgo fiel do que se passa neste tipo de criminalidade. Um traficante de mulheres, que as considerava como propriedade sua, admitia ter visto

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mulheres portuguesas e espanholas dormindo dentro de arcas frigoríficas e contentores. Uma dessas mulheres contava ter perdido até hoje um filho de seis anos que levou consigo e que simplesmente alguém comprou aos seus exploradores.
O tráfico de pessoas, e especialmente de mulheres e crianças, que alimenta o hediondo comércio da exploração sexual e da sujeição a trabalhos forçados é verdadeiramente uma nova forma de escravatura!
O Direito Penal português prevê, naturalmente, o crime de escravidão; ele não basta, no entanto, para cobrir toda a matéria prevista na Convenção. Deve agora o legislador alargar a previsão do artigo 176.º do Código Penal, relativo a lenocínio e tráfico de menores, designadamente cobrindo a faixa etária entre os 16 e os 18 anos, alteração já proposta no projecto de lei n.º 220/IX, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Deve ainda o legislador consagrar o crime de tráfico de menores para outros fins que não o da exploração sexual, preenchendo assim todos os requisitos da Convenção.
Assinala-se, por fim, a necessidade de uma maior protecção às vítimas de tráfico. É nossa convicção que deve centrar-se mais detalhadamente na vítima a atenção tanto do legislador como dos agentes judiciários e policiais, não só porque dessas vítimas depende, em boa medida, o resultado das investigações, mas, sobretudo, por razões de humanidade e sensibilidade que se impõem perante a sua particular vulnerabilidade.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A luta contra este tipo de crime é um combate irrenunciável para a garantia dos direitos fundamentais da humanidade e mesmo para a sobrevivência dos Estados de direito! É tudo isto que os instrumentos convencionais que hoje analisamos se propõem alcançar. É por tudo isto que Portugal, em boa hora, os ratificará!

Aplausos do PSD, do CDS-PP e do BE.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda acompanha a aprovação, para ratificação, dos instrumentos em causa.
Na Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, apesar das suas insuficiências e limitações, sublinhamos aquilo que é verdadeiramente decisivo, ou seja, o avanço de um caminho de cooperação penal judiciária e administrativa, a prevalência da internacionalização dos princípios do Estado de direito, uma via civilista para combater o crime e a sua sofisticação, que é bem contrária de outras vias que são preconizadas, que são expeditivas, que são paramilitares, que são interrupções no quadro do direito internacional.
Apontando insuficiências, entendemos não estar claro - e isso já foi aqui referido - o que acontece no território dos offshores. Sabemos hoje que perto de 60% dos activos financeiros da banca estão sediados nos offshores, sabemos como é rarefeita a capacidade de supervisão dos Estados nos offshores - é até um eufemismo falar de rarefação - e sabemos que tudo isso condiciona extraordinariamente a repressão, a vigilância do produto criminal bruto, tantas vezes conexo ao terrorismo.
Mas queremos sublinhar que, apesar de parecer insuficiente aquilo que é previsto para o combate ao branqueamento de capitais, apesar de sabermos que entre a aproximação dos Estados, a ratificação final e a prática concreta destes instrumentos vai uma enorme distância, há que sublinhar a positividade deste caminho na conturbação da cena internacional e das várias vias para combater estes fenómenos globalizados, quer do crime organizado quer do terrorismo. Esta é a via a escolher e não qualquer outra que se afaste dos princípios do Estado de direito.
Gostaria de referir, muito em particular, sublinhando a nossa concordância com os Protocolos Adicionais que nos foram presentes, o Protocolo Adicional relativo à prevenção, à repressão e à punição do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, para sublinhar algo que também já aqui foi dito, ou seja, que a lei penal portuguesa precisa de acompanhar o que está previsto neste Protocolo. O nosso Código Penal prevê a repressão do tráfico de pessoas relativamente à exploração sexual, mas nós precisamos de uma previsão legal bem mais ampla, que cubra tudo o que tem a ver com o conjunto do tráfico das pessoas.
A esse título, apresentámos, há alguns meses, um projecto de lei, que foi reprovado pela maioria. Cumpre, pois, que agora me regozige por a Sr.ª Deputada Teresa Morais, do PSD, falar em avançarmos para a melhoria da previsão legal do nosso Código Penal em relação aos crimes de tráfico. É estraordinário, é excelente; qualquer que seja a tecnicalidade, era isso exactamente que pretendíamos e que a maioria reprovou.
Só posso congratular-me com isso e também com o que a Sr.ª Deputada referiu, com proporiedade e

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emoção, em relação à visão que devemos ter das vítimas. As vítimas têm de ser protegidas, não se pode supor que são infractoras. Para quebrar a cadeia dos traficantes é necessário passar para o lado do direito as vítimas, é preciso tratá-las como vítimas em toda a dimensão da palavra, porque são pessoas reprimidas, oprimidas, violentadas, frequentemente espancadas, que sofrem sevícias de toda a ordem, quer físicas quer psicológicas.
A garantia dada no Protocolo Adicional de que à vítima, independentemente da colaboração mais ou menos interessada com a justiça, poderá ser garantida a permanência provisória ou definitiva no país onde se encontra é absolutamente decisiva para que a vítima tenha exactamente o estatuto de vítima e não o de alguém que pode denunciar terceiros e traficantes, podendo sofrer, inapelavelmente, uma punição por isso.
Como é evidente - também o propúnhamos no projecto de lei que apresentámos -, isso não levará a uma colaboração com a justiça, com as entidades competentes, para erradicar, limitar e combater o tráfico de pessoas.
Sublinho, pois, o nosso apoio e o acompanhamento que fazemos destes instrumentos internacionais e insistimos - hoje bem acompanhados - que é necessário que a nossa lei penal e um conjunto de outras disposições legais acompanhem estas orientações, estas prescrições que nos vêm da Convenção e dos Protocolos Adicionais.
O desafio que o Governo agora tem é o de, rapidamente, nos trazer aqui propostas nesse sentido ou, então, aproveitar o debate que a Câmara está a fazer relativamente à reforma da lei penal para introduzir dispositivos que acompanhem estas normas.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, já muito foi dito acerca desta Convenção das Nações Unidas que nos é apresentada para ratificação. Concordamos, no essencial, com tudo o que foi dito e salientamos também a importância que atribuímos a esta ratificação por parte do Estado português.
Não repetindo palavras que já foram ditas, e com as quais concordamos plenamente, queríamos chamar a atenção para alguns pontos dos Protocolos Adicionais a esta Convenção, cuja ratificação também se propõe, contidos, designadamente, no estatuto das vítimas.
Relativamente ao Protocolo Adicional sobre o tráfico de pessoas sublinhamos o facto de referir a necessidade de dar uma adequada assistência e protecção às vítimas do tráfico de pessoas e de prever, inclusivamente, que cada Estado-parte deva considerar a possibilidade de aplicar medidas que permitam a recuperação física, psicológica e social das vítimas do tráfico de pessoas, devendo para isso facultar-lhes alojamento adequado, aconselhamento e informação, em particular quanto aos direitos que a lei lhes reconhece, numa língua que compreendam, assistência médica, psicológica e material e oportunidades de emprego, de educação e de formação.
Prevê também, mais adiante, que devem ser tomadas as medidas adequadas que permitam às vítimas de tráfico de pessoas permanecer no seu território, se for caso disso, temporária ou permanentemente.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Exactamente!

O Orador: - Refere ainda este Protocolo que cada Estado-parte deverá ter devidamente em conta factores humanitários e compassivos. Isto no que se refere às vítimas de tráfico de pessoas.
Relativamente ao tráfico de migrantes, o respectivo Protocolo Adicional refere expressamente, no seu preâmbulo, a "(…) necessidade de tratar os migrantes com humanidade e de proteger plenamente os seus direitos".
Mais adiante, já no seu articulado, refere que "O presente Protocolo tem como objecto prevenir e combater a introdução clandestina de migrantes, bem como promover a cooperação entre os Estados-partes com esse fim, protegendo ao mesmo tempo os direitos dos migrantes introduzidos clandestinamente" - sublinho particularmente este ponto.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Mais adiante, o artigo 5.º deste Protocolo tem uma disposição a que atribuímos uma enorme importância, segundo a qual "Os migrantes não estarão sujeitos a procedimentos criminais nos termos do presente Protocolo, pelo facto de terem sido objecto dos actos enunciados no artigo 6.º", que são os actos que devem ser criminalizados e que têm que ver, obviamente, com o tráfico de cidadãos migrantes.

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Portanto, esta Convenção e os respectivos Protocolos contêm algo de muito importante: distinguir o criminoso da vítima. Ora, o que nos parece é que a lei portuguesa de imigração não distingue o criminoso da vítima. Pelo contrário, aquilo a que temos vindo a assistir ultimamente em Portugal, aliás com testemunhos impressionantes por parte de muitos cidadãos imigrantes, é ao desencadear de um pseudo combate contra a imigração clandestina, que incide, precisamente, na repressão da vítima, na repressão do elo mais fraco. Isto é, não temos notícia de que tenham sido tocadas as redes, que obviamente existirão - toda a gente sabe que se trata de uma actividade de alta criminalidade muitíssimo organizada -, e aquilo a que assistimos é a acções de intimidação desencadeadas precisamente contra as vítimas, contra as pessoas que foram introduzidas clandestinamente em Portugal e cuja protecção deveria ser feita nos termos deste Protocolo.
Em Portugal, um cidadão que seja vítima de uma rede de tráfico de migrantes fica numa situação ilícita, porque a lei portuguesa não prevê a forma de distinguir a sua situação, não prevê a forma de o proteger. Ele fica sob a alçada das forças policiais e sujeito a uma medida administrativa de expulsão.
Saudamos, pois, a ratificação dos Protocolos Adicionais a esta Convenção que, para que as suas disposições sejam cumpridas pelo Estado português, deve obrigar à necessária adaptação da lei de imigração, que é hoje extremamente injusta, iníqua e que não protege minimamente os direitos das vítimas, tal como devem ser protegidos segundo esta Convenção.
Esperamos que o Governo seja coerente e retire as devidas ilações da ratificação desta Convenção, fazendo com que o Estado português, em matéria de política de imigração e na sua relação para com as vítimas das redes de imigração ilegal, tenha em conta aquilo que este Protocolo Adicional dispõe e passe a tratar estas vítimas de uma forma completamente diferente da que tem utilizado até aqui.

Aplausos do PCP e do BE.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, concluído o debate da proposta de resolução n.º 56/IX, passamos a apreciar, na generalidade, o projecto de lei n.º 408/IX - Regime especial para a reparação dos danos provocados pelos incêndios do Verão de 2003 (PSD e CDS-PP).
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Gomes.

O Sr. Luís Gomes (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os incêndios florestais do passado Verão devastaram o património de milhares de famílias portuguesas, assim como também colocaram em perigo um conjunto de valores ambientais e patrimoniais insubstituíveis e dos quais não nos podemos esquecer.
O actual Governo assumiu, de imediato, as suas responsabilidades e, em 13 de Agosto de 2003, apresentou um pedido de auxílio à União Europeia, ao abrigo do Fundo de Solidariedade, que de resto foi concedido em 17 de Novembro do mesmo ano, no montante de 48 539 000€.
Este fundo destina-se à concretização de um conjunto de intervenções com vista à reparação dos danos provocados em equipamentos e em infra-estruturas de relevante interesse público e à realização de estudos técnicos para suporte de projectos de protecção imediata do património cultural e ambiental.
Todos sabemos a gravidade dos danos causados pelos incêndios florestais e, neste quadro, também estamos certos e conscientes da necessária rapidez das intervenções, no sentido de assegurar a normalidade do quotidiano de inúmeras famílias e empresas, de forma a repor, dentro do possível, a dignidade da paisagem de milhares de hectares de território afectados pelos incêndios.
Contudo, temos a consciência que o tempo e a celeridade das intervenções constituem hoje factores críticos de sucesso, que naturalmente devem ser assegurados, de modo a se atingirem os objectivos que todos esperamos e que, estamos certos, serão concretizados.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos, porém, o dever, visto afinal tratarem-se de dinheiros públicos, de conciliar a celeridade da aplicação do Fundo com as necessárias medidas de fiscalização.
É neste contexto que apresentamos, hoje, o presente projecto de lei.
Este diploma visa, acima de tudo, simplificar os mecanismos de fiscalização prévia dos actos e contratos relativos às obras necessárias à reparação dos diversos danos causados pelos incêndios florestais do passado Verão.
Pretende-se, assim, que os actos e contratos sejam dispensados da fiscalização prévia do Tribunal de Contas, pois tais procedimentos não se compadecem com o prazo de vigência deste Fundo, que termina a 2 de Dezembro de 2004.
Contudo, é bem claro - e importa, de resto, sublinhar - que tais actos de fiscalização não podem nem poderão ser em qualquer circunstância dispensados, pelo que estão sujeitos a fiscalização concomitante e sucessiva por parte do Tribunal de Contas bem como pela Comissão Europeia.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta iniciativa reveste-se de extrema e vital importância, pois

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constitui um instrumento para que as verbas postas à disposição através do Fundo de Solidariedade sejam gastas na totalidade, com rigor, mas acima de tudo porque estabelece as bases e as condições necessárias para que os territórios e as suas gentes, grandemente fustigados pelos incêndios, retomem em breve a sua normalidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para apresentar o relatório da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente sobre este projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Ascenso Simões. Dispõe de 3 minutos.

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr.ª Presidente, há poucos momentos nesta Câmara em que todas as bancadas parlamentares se podem mostrar de acordo. Penso que o projecto de lei n.º 408/IX, que determina o regime especial para a reparação dos danos provocados pelos incêndios do Verão de 2003, é um momento de acordo nesta Assembleia.
Sr.ª Presidente, o relatório que apresentei à Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente analisa os pressupostos desta iniciativa legislativa, enquadra-os, dá-lhes a possibilidade de determinarem o objecto, sustenta-os sob o ponto de vista constitucional e regimental.
Este diploma corresponde a um anseio das populações expresso pelos autarcas, corresponde a uma exigência de actuação por parte da Assembleia da República perante a disponibilidade da União Europeia de contribuir para que Portugal rapidamente resolva os seus problemas no âmbito desta calamidade.
Contudo, Sr.ª Presidente, o relatório vai mais longe nesta apreciação. Faz uma leitura do que é hoje o regime de verificação da despesa sob o ponto de vista do visto prévio, prevê a possibilidade de a Assembleia da República, em altura própria, poder fazer uma leitura sobre a necessidade de alteração dos regimes de visto prévio concomitante e sucessivo, de os poder adoptar às novas realidade da Administração Pública e de poder encontrar novas formas através de auditorias internas em cada um dos serviços e em cada um dos departamentos de administração, seja administração directa, indirecta ou autónoma, para permitir uma maior capacidade de resposta aos problemas que se lhe coloquem.
Faço também neste relatório uma leitura do regime legal referente à declaração de calamidade pública. Entende este relatório e também a Comissão que deveremos progredir no sentido de uma alteração profunda do diploma que sustenta o regime legal da declaração de calamidade pública, porque esta declaração deveria, à partida, eliminar os procedimentos que hoje utilizamos. Se actualizarmos este regime legal, poderemos introduzir a faculdade de isentar dos vistos prévios do Tribunal de Contas, a flexibilização em termos de contratação pública e um ou outro comportamento por parte da parte da administração perante situações de urgência ou de calamidade.
Sr.ª Presidente, a Comissão entendeu estas notas como importantes e relevantes para o debate parlamentar, deixando abertas portas para regressarmos a estes temas.
Penso que a Comissão fez um bom trabalho ao analisar não só aquilo que se propunha ao nível do diploma que hoje discutimos, mas também um conjunto de iniciativas que podem vir a ser tomadas pelos partidos no âmbito desta Assembleia.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Falamos hoje, mais uma vez, nesta Câmara, de incêndios florestais, mais propriamente das consequências causadas pelos incêndios ocorridos no transacto Verão.
Analisamos, desta vez, um projecto de lei da autoria da maioria que cura de agilizar procedimentos e simplificar mecanismos de fiscalização prévia de actos e contratos tendentes a reparar danos ocasionados pelos incêndios ocorridos, precisamente, no Verão de 2003.
A bondade desta solução afigura-se-nos inquestionável não só pelo que já aqui foi dito, mas, designadamente, pelo pragmatismo da própria medida com base num pressuposto por demais evidente: a necessidade de actuar com a máxima rapidez.
De facto, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, não basta carpir mágoas sobre o sucedido. A solidariedade não resolve, por si só, os problemas, a nossa consternação não atenua as privações. Importa, isso sim, agir. Importa, isso sim, criar condições para que as infra-estruturas sejam repostas, para que os equipamentos sejam reconstruídos, para que os danos sejam reparados.

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Só que o êxito deste esforço depende da celeridade com que é executado, e a rapidez de execução está na razão inversa das dificuldades burocrático-adminitrativas do percurso, a par, obviamente, de outras razões.
Portanto, ao propor um regime excepcional, que dispensa de fiscalização prévia do Tribunal de Contas obras e estudos tendentes a reparar os danos, a maioria demonstra estar atenta e perceber as dificuldades de quem, no terreno, tem a incumbência de enfrentar as dificuldades e de as resolver.
Esta medida não é, obviamente, a solução para todos os problemas; por si só, não os resolve. É, no entanto, um contributo importante, diria mesmo que é um contributo muito importante para o êxito dessa tarefa, tanto mais quanto não se trata de uma proposta isolada. Bem ao contrário, a medida vem inserida num contexto mais amplo no qual se vê um esforço abrangente e concertado para responder às carências identificadas no sector, concebendo e instalando uma espécie de teia de medidas e acções que assume a tarefa ingente de reparar os efeitos da calamidade e encetar a reforma do sector florestal.
Falo da tutela e de um adequado modelo orgânico para o sector das florestas, como falo, de um modo geral, da definição de um quadro jurídico que consagre soluções eficazes de gestão, palavra esta utilizada no seu sentido mais amplo.
É que, nunca é demais recordá-lo, os incêndios do último Verão e a dimensão que atingiram deveram-se a condições climatéricas extremas - é verdade! - mas também por força de deficiências sistemáticas e ineficiências há muito identificadas no sector florestal a que, só agora, se começa a pôr cobro, criando mecanismos aptos a promover o ordenamento dos espaços florestais e a sua gestão sustentável, a agilizar o serviço da Administração Pública com atribuições no sector, a garantir o envolvimento activo dos cidadãos na defesa e na preservação dos espaços florestais, a reestruturar os sistemas de prevenção, detecção e primeira intervenção nos fogos florestais, a imprimir coerência a um sector que é de particular importância para o País.
A medida consubstanciada no projecto de lei da maioria decorre, pois, desta amplitude de percepção e de medidas. Está, assim, bem acompanhada. É, também ela, uma peça importante dessa engrenagem. Merecerá, estou certo, o consenso desta Câmara, até porque a eliminação da obrigação de visto prévio não prejudica a fiscalização sucessiva e concomitante da despesa em causa.
Não queremos aliviar garantias nem aligeirar sistemas de controlo, queremos, apenas e só, resolver atempadamente problemas existentes. Com certeza que todos concordam com este nosso propósito e com esta nossa medida.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Medeiros.

O Sr. José Miguel Medeiros (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, saudar o Sr. Deputado relator pelo trabalho desenvolvido que nos apresentou aqui hoje e pelo rigor posto na sua formulação.
O Partido Socialista, como, aliás, se depreendeu pela nossa posição em sede de apreciação do relatório, está de acordo com este diploma e votá-lo-á favoravelmente, aprovando esta medida que considera complementar de outras que já estão em execução e que foram aprovadas no final do ano passado, designadamente em sede de endividamento municipal, e outras, ainda, que foram tomadas a fim de aligeirar processos. É que estamos em presença de uma calamidade pública de grandes proporções cuja reparação não se compadece com burocracia nem com demoras.
Ora, sabendo que estão garantidos os mecanismos de fiscalização sucessiva e outros que garantem a possibilidade de, em tempo útil, se ter conhecimento da boa aplicação dos dinheiros públicos, inclusivamente estando em causa fundos que a própria União Europeia coloca à disposição do País, parece-nos que não faria qualquer sentido que não os aproveitássemos e não lhes déssemos uma boa aplicação, como é nossa obrigação.
Posto isto, devo dizer, quanto ao rigor e à preocupação expressos pelos Srs. Deputados da maioria, designadamente pelo Sr. Deputado Miguel Paiva, a cuja intervenção me reporto - e saúdo a tónica posta na necessidade de, rápida e urgentemente, se acudir aos problemas, preveni-los, etc. -, que seria bonito que passassem de retórica a que, infelizmente, temos assistido por parte da actual maioria.
Estamos em 11 de Fevereiro de 2004 e já conhecemos todos os calendários que o Governo se impôs cumprir em matéria de política de prevenção para 2004, a qual esperamos que nos dê garantias reais de que o que aconteceu em 2003 não se repetirá pelo menos por razões de incúria da Administração Pública. Por isso, parece-nos quase surrealista e deixa-nos perplexos que se façam profissões de fé diárias e sistemáticas na bondade das medidas que estão a ser tomadas quando, afinal, o que vemos é que a maior

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parte do que está a ser propagandeado - e este é o termo adequado! - pelo Governo e pela maioria não passa de mera retórica e de mera propaganda política.
Senão, vejamos.
Quanto às medidas preconizadas pelo Ministério da Administração Interna, ainda há poucos dias esteve nesta Casa o Presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil que disse que tudo estava a ser preparado e que o trabalho estava a ser iniciado desde, salvo erro, o mês de Dezembro de 2003. No entanto, não se tem visto grandes evoluções na maior parte das áreas e verificamos, inclusive, que a maior parte dos contactos interministeriais para a passagem de competências de uns ministérios para outros, com vista à nova centralização de competências no Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, mais concretamente nas autoridades florestais e na Secretaria de Estado das Florestas, se encontra num autêntico emaranhado e que, até ao momento, não passa de documentos e mais documentos, de retórica e mais retórica.
Na última semana, um comunicado do Conselho de Ministros anunciou um conjunto de medidas, mas sucedeu que foram adiadas para Junho três das medidas previstas, uma das quais importantíssima, que tem a ver com a regulamentação das queimadas, que nos parece da maior relevância face à posterior importância deste processo na eclosão dos fogos florestais.
De entre as outras seis medidas que foram anunciadas, três ainda estão em fase de audição pública, ou seja, o respectivo processo legislativo não está concluído, pelo que terão de regressar a Conselho de Ministros, ainda não se sabendo, portanto, quanto tempo o processo vai demorar, embora se estime que será curto. Estamos em Fevereiro e, provavelmente, tal processo nunca estará concluído antes de Março ou Abril.
Há, pois, uma série de matérias relativas, designadamente, a sapadores florestais, à direcção-geral dos recursos florestais e à agência nacional de prevenção dos fogos florestais que não podem ser constituídas nem podem começar a trabalhar com vista à prevenção dos fogos em 2004, porque, pura e simplesmente, não têm existência legal.
De entre as outras medidas aprovadas, há ainda uma que está tardiamente no terreno - aliás, a este propósito, o Partido Socialista, nesta mesma sede, já alertou para esse problema: a das comissões municipais de defesa da floresta, que estão sem qualquer orientação e que, na prática, não estão instaladas em nenhum concelho.
Ora, nesta altura, tal como acontecia no tempo das extintas CEF (Comissões Especializadas em Fogos Florestais) municipais e da CNEFF (Comissão Nacional Especializada em Fogos Florestais), era normal que todo o planeamento relativo a limpeza de aceiros, de mato e de pontos de água já estivesse em execução e que, nalguns casos, esse trabalho estivesse mesmo completamente terminado.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Por favor, conclua.

O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
Deixo, pois, uma palavra de apoio e de apreço por este diploma, mas temos de lamentar que, quanto ao restante, que é tão ou mais importante do que a matéria que hoje estamos a discutir, o Governo, até agora, tenha feito zero.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Na sequência dos incêndios do Verão passado, que destruíram vastas zonas florestais e que, para além das vítimas mortais que ocasionaram, provocaram a destruição de múltiplas infra-estruturas de interesse público, o Governo decretou, como é sabido, a situação de calamidade pública nos municípios e nos concelhos mais afectados e atingidos pela catástrofe. Tal declaração, como é público, ocorreu em Agosto de 2003, com efeitos a partir de Julho desse mesmo ano.
Seguidamente, quer no âmbito do Governo quer no âmbito da Assembleia da República, foram accionados alguns mecanismos legislativos destinados a fazer face à urgente necessidade de reparar os danos, reconstruir património público e privado, suportar acções de recuperação ambiental e paisagística, que, no conjunto, se impunham.
Sucessivamente, é criada uma linha de crédito bonificado; é, depois, facultada a contratação expedita pelos municípios, através de mecanismos de ajuste directo, de obras de reparação e reconstrução; é determinado que os empréstimos contraídos para fazer face à situação de calamidade não fossem

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contabilizados para os limites de endividamento do poder local; e é, finalmente, já em Novembro de 2003, atribuído um financiamento comunitário de emergência, ao abrigo do Fundo de Solidariedade da União Europeia.
Em nenhuma altura, porém, ao longo destes quatro ou cinco meses, se determinou a possibilidade de dispensa do visto prévio por parte do Tribunal de Contas, fosse para a celebração de contratos de reconstrução ou de construção de património municipal ou outro, fosse para contratar projectos ou estudos de protecção urgente na esfera ambiental.
E é por isso, para suprir esta lacuna, a qual, em nosso entender, já deveria ter sido suprida, que o projecto de lei da maioria, hoje em discussão, surge, determinando, portanto, a dispensa da fiscalização prévia do Tribunal de Contas para os actos e contratos relativos a obras e demais aquisições financiadas pelo Fundo de Solidariedade da União Europeia.
Para além disso, determina-se - é naturalmente exigível, nestas circunstâncias, e colhe o nosso favor - que essa dispensa não elimine a realização da fiscalização sucessiva e concomitante das despesas efectuadas ao abrigo deste tipo de contratos.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde Agosto de 2003, perante a tragédia e a devastação ocasionada pelos incêndios, o PCP tem pautado a sua posição por uma intervenção activa e participativa na aprovação célere de todos os mecanismos considerados úteis para permitir a recuperação e reconstrução de tudo aquilo que foi destruído em função dos incêndios. Esta posição é naturalmente reiterada hoje, mas hoje é igualmente reiterada a nossa exigência para que se determinem as responsabilidades políticas e outras, todas as responsabilidades que estiveram na origem da criação de condições para que os incêndios do Verão de 2003 tivessem tido consequências tão catastróficas.
É este o trabalho que está a ser feito, e tem de prosseguir, no âmbito da comissão eventual, criada, aliás, como é público também, por proposta e iniciativa do PCP.
Neste aspecto, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, importa sublinhar a necessidade de, também no âmbito desta comissão eventual, mas não só, serem bem avaliadas as medidas de prevenção e de ordenamento, que o Governo, designadamente os Ministérios da Agricultura (através da Secretaria de Estado das Florestas) e da Administração Interna, esteja ou não - sublinho "ou não" - a implementar para evitar que novas catástrofes assolem o País.
O tempo passa e o PCP considera, neste contexto, que bem menos do que seria desejável e do que seria necessário está a ser feito para prevenir atempadamente a ocorrência de condições propícias à deflagração de novos incêndios no Verão que já começa a aproximar-se.
Como sempre dissemos ao longo de anos, como dissemos há pouco mais de um ano e de novo dizemos agora importa agir de forma coerente e atempada nesta matéria. Só assim se evitarão novas catástrofes e só assim se evitarão novas situações de calamidade pública.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

O Sr. Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os Verdes concordam totalmente com o projecto de lei em discussão e que visa criar um regime excepcional de simplificação dos mecanismos de fiscalização prévia dos actos e contratos relativos a obras de reparação de equipamentos e infra-estruturas danificadas pelos incêndios, bem como a simplificação dos processos de protecção do património cultural e ambiental.
Concordamos, por isso, com a dispensa de fiscalização prévia do Tribunal de Contas, tal como é proposto, sem prejuízo da fiscalização sucessiva.
Quero até referir que nas diferentes deslocações que fizemos a vários dos concelhos afectados pelos incêndios, logo após o Verão de 2003, e em conversa com diferentes autarcas, tivemos oportunidade de ouvir frequentemente um apelo, justamente no sentido da desburocratização, da aceleração de processos de reparação e de se garantir maior eficácia e rapidez nos processos de reparação desses equipamentos e dessas infra-estruturas, sob pena de essa reparação não ser feita atempadamente e de, inclusivamente, se arrastar no tempo.
Por isso, criaram-se diferentes mecanismos de facilitação da reparação de danos decorrentes dos incêndios - este que agora estamos a discutir é mais um deles -, para além das já criadas linhas de crédito não contabilizadas para o endividamento das autarquias, entre outros mecanismos que fomos inclusivamente conhecendo na Assembleia da República.
De qualquer modo, quero aqui sublinhar o facto de não nos podermos também esquecer que alguns esquemas de financiamento e de contribuições financeiras estão a falhar. Lembro-me, por exemplo, de

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alguns corpos de bombeiros, que realizaram com grande dificuldade algumas despesas extra pela dimensão que atingiram os fogos florestais em algumas zonas do País e que entregaram ao Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil os seus processos, no sentido de lhes serem devolvidas essas quantias extra que tiveram de dispensar, tendo verificado, com grande espanto, que os seus processos foram devolvidos, estando todo esse processo a ser atrasado e a criar um estrangulamento financeiro em alguns corpos de bombeiros, o que está inclusivamente a dificultar o seu funcionamento e a sua preparação para que no Verão de 2004 estejam, de uma forma plena e eficaz, preparados para eventuais emergências a que tenham de acorrer.
Gostava, pois, de deixar este alerta, na medida em que me parece - e julgo que todas as bancadas o sublinharam - fundamental pensar já no próximo Verão, já que sabemos haver questões que são estruturantes e que não vão ser resolvidas para o próximo Verão, pelo que continuamos com riscos de novos incêndios. É, pois, fundamental que todos os mecanismos de prevenção e de combate a incêndios estejam a funcionar da melhor forma e do modo mais eficaz no próximo Verão, porque não nos podemos esquecer que o Verão de 2003, para além da grande catástrofe em que se saldou, deu-nos, por outro lado, uma grande lição (e Os Verdes já sublinharam isso em diferentes matérias, nesta Assembleia, mas penso que nesta também é importante referi-lo): é fundamental ter consciência de que fica muito mais caro reparar danos do que prevenir, tem muito mais custos financeiros.
Por isso, penso que um grande investimento na floresta portuguesa era fundamental para prevenir para os próximos anos. Penso que é fundamental termos essa noção de médio e de longo prazo e que o investimento, agora, vai colher grandes frutos no futuro, nomeadamente em termos financeiros, que é um factor no qual muitos Srs. Deputados gostam de pensar em primeiro lugar.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminámos a apreciação do projecto de lei n.º 408/IX (PSD e CDS-PP) e, com isso, os nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, dela constando um período de antes da ordem do dia e tendo como ordem do dia a discussão conjunta da proposta de lei n.º 107/IX e dos projectos de lei n.os 186/IX (PCP) e 317/IX (PS) e o debate conjunto dos projectos de lei n.os 246/IX (PCP) e 247/IX (PCP).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Francisco José Fernandes Martins
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Mário Patinha Antão
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro

Partido Socialista (PS):
Fernando Ribeiro Moniz
Luís Manuel Carvalho Carito
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves

Partido Comunista Português (PCP):
Bruno Ramos Dias

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):

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Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
João Bosco Soares Mota Amaral
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes

Partido Socialista (PS):
António Fernandes da Silva Braga
Maria Amélia do Carmo Mota Santos

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António João Rodeia Machado

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Eduardo Artur Neves Moreira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo

Partido Socialista (PS):
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura

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