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Sábado, 14 de Fevereiro de 2004 I Série - Número 52

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE FEVEREIRO DE 2004

Presidente: Ex.mª Sr.ª Maria Leonor Couceiro P. Beleza M. Tavares

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Ascenso Luís Seixas Simões
Henrique Jorge Campos Cunha

S U M Á R I O


A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.
Na generalidade, foi discutido o projecto de lei n.º 392/IX - Prescrição médica de cannabis para cuidados paliativos nos casos de doença crónica grave e doença terminal (BE), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Miguel Coleta (PSD), Luísa Portugal (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Bruno Dias (PCP), Isabel Castro (Os Verdes) e Luís Fazenda (BE).
Procedeu-se também à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 121/IX - Regime especial de reformas antecipadas para os bailarinos profissionais de bailado clássico ou contemporâneo (BE), tendo proferido intervenções, a diverso título, os Srs. Deputados João Teixeira Lopes (BE), Gonçalo Capitão e Ricardo Almeida (PSD), Luísa Mesquita (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Luiz Fagundes Duarte (PS), Henrique Campos Cunha e Diogo Feio (CDS-PP), e Francisco Louçã (BE).
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 20 minutos.

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves

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Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade

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José da Conceição Saraiva
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Helder do Amaral
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias

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Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação do projecto de lei n.º 392/IX - Prescrição médica de cannabis para cuidados paliativos nos casos de doença crónica grave e doença terminal (BE).
Para apresentar o projecto de lei tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, o projecto de lei que admite e organiza as regras para a prescrição médica de derivados de cannabis a doentes terminais ou que sofram de doença crónica grave foi apresentado pelo Bloco de Esquerda há alguns meses e é hoje trazido a Plenário.
Começarei pela evidência científica, visto que parece ser ela a que provoca maior confusão a uma maioria que começou por anunciar que iria apoiar este projecto e a um Governo que a secundou nessa aprovação. Por isso mesmo, talvez importe começar por fazer este esclarecimento.
O editorial de 1988 da revista New England Journal of Medicine, diz o seguinte: "Acreditamos que uma política que proíba aos médicos aliviar o sofrimento pela prescrição de derivados da cannabis é errada e desumana." - repito, errada e desumana - "Pode haver efeitos de longo termo em relação ao uso destes derivados, mas nem a adição nem os efeitos de longo prazo são uma questão relevante para doentes terminais. É hipócrita proibir aos médicos a prescrição de derivados da cannabis quando se lhes permite a prescrição de morfina para os casos de doença extrema."
A 17 de Março de 1999, respondendo a um pedido da Casa Branca, o Instituto de Medicina dos Estados Unidos declarou que a utilização da cannabis tinha, comprovadamente, efeitos benéficos para os doentes em estado terminal. O Supremo Tribunal de Ontário, em 30 de Agosto de 2000, disse exactamente o mesmo.
No dia 1 de Setembro de 2003, o governo holandês decidiu autorizar a venda de cannabis para efeitos médicos.
Em 1998, o Comité de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Lordes do Parlamento do Reino Unido tomou a mesma posição e The Lancet, a mais importante revista científica, publicou igualmente um editorial, em Maio de 2003, defendendo a mesma prescrição.
The Journal of the American Medical Association, o jornal oficial da Ordem dos Médicos dos Estados Unidos da América, veio defender, em 1995, que era indispensável a introdução dos medicamentos com base nos canabinóides.
Por isso mesmo, em função desta evidência, muitas personalidades vieram apoiar esta proposta. Eduardo Maia Costa, Procurador-Geral Adjunto, perguntado se concorda com a utilização de cannabis para fins terapêuticos, respondeu: "concordo". João Goulão, médico, anterior dirigente do Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência - "concordo". Alexandre Quintanilha, biofísico - "concordo". Júlio Machado Vaz - "concordo em absoluto". Luís Fernandes, psicólogo - "concordo em absoluto". Lourenço Martins, juiz de direito - "concordo".
É esse acordo que estamos aqui a discutir e a considerar.
Talvez tenha sido por isso que o PSD veio dizer, no jornal Público de 10 de Janeiro, que admitia a prescrição médica da cannabis, seguindo, aliás, as palavras avisadas de um dos seus Deputados, que veio sugerir a aprovação deste projecto de lei.
No mesmo jornal, no dia 16 de Janeiro, o Governo, agora o Governo, veio anunciar que avançaria com a prescrição médica da cannabis e Fernando Negrão, o Presidente do IDT (Instituto da Droga e da Toxicodependência) veio dizer que ele próprio organizaria as diligências para garantir que passasse a ser possível a prescrição médica de cannabis para estes efeitos terapêuticos.

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Estamos, portanto, perante um consenso muito representativo na comunidade científica, baseado em estudos longos - alguns casos derivam de 1988 e antes - que permitiram que países como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Holanda, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, viessem a determinar legislação no sentido daquela que é aqui proposta.
Por isso mesmo, por cima do debate político e por cima das proibições da maioria, insistimos na adopção de uma medida que, como dizia o primeiro texto que citei, é fundamental para o cuidado médico de doentes que estão em estado de extrema vulnerabilidade e de extremo sofrimento e a quem será extremamente desumano recusar esta possibilidade de prescrição sob o controlo do seu médico.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coleta.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresenta-nos hoje uma proposta de lei visando a introdução do uso médico da cannabis e seus princípios activos para cuidados paliativos no caso de doença crónica grave e doença terminal.
Como facilmente se percebe, esta discussão devia ser moldada pelo conhecimento científico sobre o uso clínico destas substâncias ou produtos, suas vantagens ou desvantagens relativamente às terapêuticas existentes e sobre os riscos eventuais que esta prática possa implicar.
Como facilmente se percebe, esta não é matéria onde nós, políticos, possamos dar contributo. Aliás, se cada vez que surge a hipótese de introduzir um tratamento para uma determinada doença esta Assembleia corresse a fazer uma lei e o fizesse com a ligeireza que o Bloco colocou na elaboração deste projecto, coitados de nós, coitados dos doentes deste país… Já pensaram o que seria se vivêssemos num mundo com medicamentos de esquerda e com medicamentos de direita?!
Assim como o Bloco de Esquerda considera que é apenas um preconceito de direita que proíbe o uso de canabinóides, provavelmente iríamos descobrir um preconceito de esquerda sobre o uso de uma qualquer dimetoxiflavona. Quem sabe se um dia, no meio de um acalorado debate, não descobriríamos que, afinal, o ácido acetilsalissílico, a vulgar aspirina, que, segundo sabemos, facilita a circulação do sangue, é um perigoso agente subversivo ao serviço do neoliberalismo e da abolição das barreiras à livre circulação!?…
Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: O enquadramento legal português não proíbe a utilização de estupefacientes, incluindo a cannabis, para usos terapêuticos ou científicos, apenas condiciona a sua utilização à satisfação de um conjunto de requisitos e à fundamentação médica, caso a caso.
Todas as indicações terapêuticas que se pretenda requerer para qualquer produto ou substância deverão ser sempre alvo de uma adequada avaliação prévia, que documente, com base em princípios e normas cientificamente actualizados, a qualidade e segurança do produto ou substância em causa e que permitam verificar a eficácia da sua utilização nas situações clínicas a que se destinam.
Consensualmente, a comunidade científica reconhece que o problema relativo ao uso desta e de outras plantas na prática clínica convencional é a falta de conhecimento objectivo relativamente a algumas questões fundamentais que eu não posso deixar aqui de referir.
Quais são os princípios activos de que o Sr. Deputado Francisco Louçã fala no seu projecto de lei? Qual é a proporção relativa desses constituintes que condiciona o efeito terapêutico que proclama? Qual é a dose óptima que recomenda? Qual é, de facto, a relação risco/benefício que existe? Qual é a via de administração adequada para este fármaco?
A maior parte dos estudos publicados apresenta grandes limitações quanto à qualidade metodológica. Quando falamos de uma planta, ou de um extracto obtido a partir desta, falamos de milhares de substâncias, muitas delas importantes para a actividade terapêutica (algumas concorrem para a estabilização da preparação, outras facilitam a permeação através de membranas, outras, ainda, actuam indirectamente através de receptores e podem, assim, facilitar a acção dos tais princípios activos) e aquilo que sabemos como facto é que a alteração, por exemplo, da proporção relativa das moléculas presentes no local da acção altera profundamente a actividade farmacológica. Ora, nos casos que tivemos oportunidade de analisar, não há sequer uma clara identificação do produto utilizado, nem VV. Ex.as fazem essa identificação no vosso projecto. Sem isto, como é que podemos ter certeza de qualquer espécie?
Já ouvimos o Sr. Deputado Francisco Louçã dizer que os benefícios terapêuticos da cannabis são conhecidos - ele lá saberá do que fala - mas a verdade não é assim tão simples. Mesmo de entre os dois ou três estudos que são citados no projecto em discussão, constatamos imensas dúvidas. E posso

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citar o mesmíssimo estudo que V. Ex.ª referiu ainda há pouco. Passo a ler: "Os estudos até agora publicados relativos a esta patologia…" - e estamos a falar da dor crónica - "… não conseguem resolver um problema fundamental no que concerne ao uso da cannabis como fármaco: os receptores cuja activação desencadeia esta actividade são simultaneamente aqueles que originam as reacções adversas." Estas são as certezas do Dr. Francisco Louçã!
Aqui está o falso rigor com que pretende iludir os portugueses. Pois este artigo que acabo de citar foi um dos poucos que VV. Ex.as incluíram no vosso projecto. Imaginem o que dirão os milhares de artigos que escolheram ignorar…!
A verdade é que, desta vez, disfarçado de um interesse altruísta, o Bloco de Esquerda pretende lançar mais uma controvérsia. Pretende iludir milhares de portugueses que sofrem, insinuando uma cura milagrosa. Isto é injusto. Isto é desonesto.
Também na Índia dos tempos antigos, os Shamans, interessados em controlar espiritualmente os seus acólitos, apregoavam o uso da cannabis para dar coragem e aumentar os desejos sexuais, para além de curar a malária e um sem número de outras doenças.
Milhares de anos depois, com oráculo montado na Assembleia da República, o Dr. Louçã - que nestes tempos é o equivalente aos Shamans dos tempos antigos! - adopta a mesma técnica e, sem qualquer outra certeza para além daquela que é colhida pelo uso recreativo desta planta, decide advogar o seu uso para curar as maleitas deste mundo.
Sr. Deputado, fique sabendo que violaria os meus princípios, violaria o meu código deontológico, se impedisse alguém necessitado de aceder à sua cura ou ao alívio de uma doença de que padecesse. Portanto, desde que a planta, um seu extracto ou compostos dela isolados cumpram os critérios técnicos e científicos normalmente exigidos, não há razão para que não seja usada.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Fiz toda a minha formação académica orientada para o estudo da química e dos usos medicinais de algumas plantas, particularmente plantas com acção a nível do sistema nervoso central. Digo isto sem qualquer vaidade ou pretensiosismo, apenas para tornar claro que não tenho qualquer espécie de preconceito relativamente ao uso de plantas medicinais. As plantas foram, são e serão uma fonte inesgotável de novas moléculas e produtos de inestimável valor terapêutico. A cannabis, em particular - sabemo-lo -, possui compostos com elevado valor farmacológico e terá seguramente alguma importância terapêutica que ainda teremos de averiguar no futuro.
Mas se alguma coisa aprendi durante estes anos foi a duvidar daqueles que têm sempre só certezas e que opinam com a mesma convicção e à-vontade sobre a criação do universo ou sobre interacções medicamentosas. O Sr. Deputado Francisco Louçã não tem dúvidas. Aliás, não tem dúvidas e acha que normalmente nunca se engana!…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Esse é o vosso!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Relativamente a esta matéria, aquilo que sabemos é que existem muitas dúvidas que permanecem ainda por esclarecer. O projecto que nos é hoje apresentado a discussão não reúne, a nosso ver, um conjunto mínimo de qualidades práticas ou de requisitos técnicos para que o possamos viabilizar. E, porque temos dúvidas e porque não temos as certezas que o Dr. Louçã apregoa, não lhe podemos dar o nosso apoio.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, o Sr. Deputado Miguel Coleta utilizou a acusação de desonestidade e eu pretendo responder-lhe em termos de defesa da honra da bancada.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, o Sr. Deputado Miguel Coleta entendeu que esta proposta é desonesta. Não lhe responderei sobre o Shamans, porque, enfim, é uma graçola parlamentar que terá, certamente, curta duração. Mas não lhe aceitarei a acusação de desonestidade em relação a esta proposta, e vou explicar-lhe detalhadamente porquê.
Começo, aliás, por salientar, Sr. Deputado, que tenho alguma solidariedade e pena de si.

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Protestos do PSD.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - O quê? Isso é inaceitável!

O Orador: - Considero sempre extraordinário que sejam sacrificados para o debate aqueles Deputados que põem acima da sua própria opinião, do que escreveram e do que disseram, a conveniência da lealdade partidária.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Cada um entende como quer o controlo da sua consciência e está no seu direito dizer que respeita sempre as ordens dos "chefes". Está no seu inteiro direito.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - O facto é que o Sr. Deputado defende que em qualquer posto de venda público neste país, segundo regras que ainda nos há-de explicar, se vendam derivados de cannabis. É o que o Sr. Deputado defende! No entanto, para a prescrição em doentes terminais sob controlo de um médico num hospital, exactamente como já se faz nos Estados Unidos, na Holanda, no Canadá, em Inglaterra, já não permite. No quiosque, pode vender-se cannabis, mas um médico não a pode administrar a quem dela considerar que precisa com o controlo que precisa.
Essa é a nossa diferença, Sr. Deputado,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - … e essa é a sua falta de seriedade neste debate político.
Pergunta-nos, depois, no meio de toda essa invenção, sobre o risco da proibição da aspirina - veja lá, Sr. Deputado, que coisa extraordinária de que se havia de lembrar.
Imagino que a todas as questões que nos colocou - qual é a prescrição, qual é o princípio activo que deve ser utilizado, como é que deve ser prescrito, em que doses - um comité científico, composto pelos Srs. Deputados Miguel Coleta e João Pinho de Almeida, seja suficiente para nos garantir resposta satisfatória.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Está completamente enganado!

O Orador: - Diz que não pode aprovar o projecto. Diz que o projecto é desonesto, inaceitável. Diz que não há experiência científica. Vou ler uma declaração de um colega seu, Sr. Deputado, e pedir-lhe que a comente na sua resposta.
O Deputado Jorge Nuno Sá, perguntado se é favorável ao projecto do Bloco de Esquerda sobre prescrição médica de cannabis, responde: "Sim." - repito, sim (ésse i éme)! - "A JSD tem defendido também essa matéria e até a liberalização do consumo da cannabis. Mesmo responsáveis do Governo e dos institutos ligados ao Governo, como Fernando Negrão,…" - diz ele, que sabe! - "… vieram já dizer que era possível admitir o uso da cannabis para a prescrição médica. Há mesmo algumas doenças…" - e ele sabe que há doenças! - "… em que a prescrição da cannabis tem resultados muito bons." - ele sabe que os resultados são muito bons! -…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha terminou. Conclua, por favor.

O Orador: - Vou concluir, Sr.ª Presidente.
… "Haverá aqui algum entendimento do PSD e do Governo para que possa avançar a prescrição médica."
Pergunto-lhe, Sr. Deputado: onde é que está a desonestidade?

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coleta.

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O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, não creio que tenha ofendido a sua honra nem era essa a minha intenção.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Pois não…!

O Orador: - Agora, uma coisa posso garantir-lhe: é que se eventualmente se sentiu ofendido na sua honra, isso não lhe dá o direito de, na sua resposta, tentar ofender-me.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A sua insinuação de que a minha posição nesta matéria é condicionada por qualquer outra consideração que não seja a minha consciência e o meu conhecimento sobre esta matéria é profundamente injusta e absolutamente descabida, e o Sr. Deputado sabe isso. Inclusive, citou um conjunto de escritos que gostaria, já agora, que entregasse à Câmara para poder provar aquilo que diz e para que não fique a dúvida de que, de facto, o Sr. Deputado insiste em ter uma postura desonesta relativamente a esta matéria.
Se eu disse que o vosso projecto era desonesto, referia-me precisamente à forma como VV. Ex.as pretenderam debater este assunto.
Ainda nesta semana, tivemos oportunidade de, em contacto com o vosso grupo parlamentar, reconhecer que em termos de princípio existem alguns estudos que nos permitem, neste momento, pensar que existe algum interesse terapêutico sobre o uso ou da planta, da cannabis, ou de compostos a partir dela isolados, ou de extractos que combinem conjuntos de compostos a partir dela isolados.
VV. Ex.as entenderam que assim não deviam proceder. Entenderam que deviam avançar com a discussão e votação deste projecto. Entenderam que, em Portugal, ao contrário daquilo que aconteceu em todos os outros países, podíamos avançar para legislação sobre esta matéria sem ter reunido, de uma forma sistematizada e credível, toda a informação necessária para que esta decisão fosse baseada em critérios técnicos e científicos. Pretendem instituir para a cannabis que, como sabe, é um estupefaciente, um regime especial, diferente de todos os outros. Não sustentam porquê, não indicam, no vosso projecto de lei, qual é a tal bibliografia que tanto apregoam e que se refere aos benefícios terapêuticos da planta. O vosso projecto de lei não preenche o conjunto mínimo de requisitos para que, de alguma forma, possamos entrar em acordo com VV. Ex.as e tentar perceber como é que estas substâncias podem funcionar. Aliás, nem as situações a que se destina nem o que pretendem que seja administrado está claramente definido no projecto de lei que hoje nos apresentam.
Contudo, não se inibem de proclamar, para a cannabis, seja lá ela o que for, um extracto ou um derivado, não sabemos, propriedades miraculosas.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.

O Orador: - Sr. Deputado, quanto a mim, essa é uma atitude profundamente desonesta para com as pessoas que sofrem e que, perante as insinuações de V. Ex.ª, a única coisa com que ficarão é com dúvidas sobre o que realmente se passa relativamente a esta matéria.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputadas: O Bloco de Esquerda propõe, no seu projecto de lei n.º 392/IX, que se admita no quadro legal a prescrição terapêutica da cannabis em natureza ou seus derivados sintéticos, no caso de doença crónica grave e doença terminal, com vários argumentos baseados nas capacidades terapêuticas da cannabis, em sintomatologia de doentes oncológicos terminais, em doentes com SIDA ou com doenças crónicas neuromusculares, no facto de doentes terminais a usarem sem prescrição legal possível e, ainda, na experiência internacional que, apesar de tudo, já vai existindo.
Considerando a pertinência desta discussão e retirando todos os aspectos de "modernidade" e alguns fantasmas moralistas que podem existir por se falar desta substância ainda para muitos vista como tabu, pretendemos discutir a mais-valia e a utilidade desta terapêutica no contexto do nosso sistema de saúde.
A verdade é que a informação disponível com evidência científica sobre a utilidade da cannabis e, principalmente, dos diferentes canabinóides naturais ou sintéticos ainda é escassa, algumas vezes

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contraditória, no mínimo sempre controversa.
Ainda que se conheçam, e com grande consenso, as indicações terapêuticas e os efeitos favoráveis sobre alguns processos patológicos, nomeadamente no controlo da dor, como miorelaxante e na redução de efeitos secundários induzidos pela quimioterapia antineoplásica, a sua eficácia e entrada no arsenal terapêutico com utilidade clínica terá de ser demonstrada em ensaios clínicos duplamente cegos, eventualmente, que estabeleçam a relação entre benefícios e risco, até porque a sua utilização se prevê em doentes polimedicados, havendo sempre subjacentes possíveis interacções medicamentosas. A sua validação não pode ser demonstrada em experiências isoladas em alguns pacientes ou por constatação acidental.
Apesar desta controvérsia, países como o Canadá aprovaram o uso terapêutico da cannabis em casos específicos mas, ao mesmo tempo, destinaram milhões de dólares canadianos para financiar projectos de investigação nesta matéria.
A Califórnia, em 1997, legalizou a utilização medicamentosa da cannabis. Por aprovação da FDA, está autorizado, nos Estados Unidos, o uso medicinal de dronabinol, um dos derivados sintéticos da cannabis já comercializados.
Em Portugal, esta substância também tem autorização de introdução no mercado, com o nome comercial de Marinol, desde 1999, estando sujeita a receita médica especial. Neste momento, não conhecemos o seu perfil de utilização.
Na Holanda, há dispensa, através de receita médica, para pacientes que não respondam a outras terapêuticas.
No Reino Unido, desenvolveram-se estudos para a possível introdução no mercado da cannabis para terapêutica adjuvante nos sintomas dolorosos de doentes terminais.
O Tribunal Constitucional alemão já autorizou o uso de cannabis fumado em oito pacientes sob controlo médico, não proibindo aos médicos que a receitassem, por entenderem ser uma forma de minimizar o sofrimento do seu doente num período terminal da vida, mas também garantindo ao doente a possibilidade de decisão, à semelhança do que já se faz na utilização de outros estupefacientes, como a morfina e a meperidina.
Em Portugal, existem outros medicamentos com indicações terapêuticas semelhantes, actuando sobre sintomas adversos, dos quais se conhece bem as doses a utilizar, a forma de administração adequada, a sua forma de eliminação, a resposta esperada e os efeitos secundários. Em relação à cannabis e seus derivados, há um desconhecimento destes parâmetros quanto à maioria dos seus múltiplos compostos e, portanto, não podemos saber se, de facto, existe uma mais-valia na sua utilização comparada com a qualidade dos medicamentos que já possuímos.
Torna-se importante realçar, neste momento, que estes países que citámos, à semelhança do que é feito no preâmbulo do projecto de lei em apreço, têm um traço comum. Há muito que, nos seus sistemas de saúde, foram introduzidos como prioridade os cuidados paliativos e a assistência coordenada e regulada aos doentes terminais, com legislação específica, medidas concretas de implementação, profissionais formados e motivados e regras claras de articulação entre serviços.
Foi assumido, pelos políticos, pelos profissionais e pela sociedade desses países, que a dor e o sofrimento na fase terminal da vida não são uma fatalidade do destino e que há que fazer a sua prevenção para uma morte digna. Veja-se o exemplo do Canadá em que existe uma ministra para os cuidados paliativos e que esteve há bem pouco tempo a ser recebida nesta Assembleia da República.
Em Portugal, pelo contrário, temos informação que medicação opiácea em cuidados terminais, gratuita, em ambiente familiar, passa a ser paga pelo doente, na sua totalidade, quando este se encontra no domicílio.
Estamos ainda longe do que importa de facto. Estamos ainda longe de assumir que a qualidade de vida deve existir até ao seu momento final. Viver e envelhecer com qualidade não chega. Sabemos que se morre, embora não gostemos de falar nisso, e será necessário preparar a melhor forma de o fazer. São estas, em nosso entender, as dimensões do problema que importaria discutir neste momento.
Voltando ao projecto de lei n.º 392/IX que hoje está em apreciação, muitas questões ficam ainda por explicitar e a discussão havida anteriormente não as clarificou de maneira nenhuma.
Há evidência positiva da sua utilização em alguma sintomatologia, mas será que há necessidade da sua introdução no arsenal terapêutico já existente? Essa introdução irá trazer ganhos de efectividade comparados com as alternativas já testadas e experimentadas? Há condições, em Portugal, para desenhar estudos clínicos que suportem as decisões a tomar?
Para o Partido Socialista, não se opondo a uma futura utilização médica da cannabis e seus derivados, será necessário encontrar respostas para estas questões e pensamos que só poderão surgir do INFARMED, como instituto que tutela a introdução de novos medicamentos.
Para concluir, afirmamos a nossa disponibilidade para, de uma forma positiva, encontrar a melhor

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solução, em sede de comissão parlamentar, após garantir que todos os intervenientes neste processo sejam ouvidos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A discussão do projecto de lei do Bloco de Esquerda que hoje fazemos tem uma história. Tal discussão começou já há algum tempo, pronunciaram-se vários partidos e também o CDS-PP, tendo dito, desde o primeiro momento em que analisou esta matéria, que tinha abertura para discutir não só a matéria de fundo, essa, sim, verdadeiramente importante, como o próprio projecto de lei do Bloco de Esquerda. Abordou a matéria de uma forma séria, a que deu sequência; quis ir investigar.
Na altura, dissemos muito claramente que estávamos disponíveis para ter abertura em relação a um avanço em matéria de prescrição terapêutica de cannabis se obtivéssemos da parte da comunidade científica, nomeadamente da portuguesa, um sinal claro de que, por um lado, esta utilização terapêutica de cannabis era sustentada do ponto de vista científico e, por outro, trazia aos doentes crónicos uma nova solução a que não era possível estes acederem, nomeadamente quanto ao alívio da dor. Fomos consequentes com esta atitude.
Promovemos audições, não apenas em termos privados mas também, esta semana, em termos públicos, para saber exactamente o que diziam alguns especialistas e outras pessoas da sociedade com opinião sobre esta matéria, não só sobre o projecto de lei do Bloco de Esquerda como sobre a realidade internacional no que diz respeito à prescrição médica de cannabis.
Portanto, não temos uma posição maniqueísta nesta matéria, não somos a favor nem contra a cannabis, única e exclusivamente, porque não se pode ser a favor ou contra uma planta, não faz qualquer sentido. Não sabemos se alguma outra força política nesta Câmara é a favor da cannabis, ou contra a alfazema, ou a favor da camomila, mas isso não faz qualquer sentido. Temos de ser sérios. O que está em causa não é a promoção de uma planta, o que está em causa é o seu uso específico, e temos de ser consequentes se, de facto, é isso que queremos discutir.
Como já disse, não somos contra a cannabis. Como também já disse, nem sequer somos contra a administração terapêutica da cannabis. Temos dúvidas e temos direito a tê-las. Temos dúvidas porque, politicamente, entendemos que devemos dar sequência a muitas dúvidas que também existem na comunidade científica e, ainda, entre quem estudou aprofundadamente esta matéria.
O problema não está na cannabis, o problema não está na administração terapêutica da cannabis, o problema está na consistência do projecto de lei que o Bloco de Esquerda hoje aqui nos apresenta.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Vamos, então, ao projecto de lei que o Bloco de Esquerda hoje apresenta.
O diploma prevê a prescrição médica de cannabis e seus princípios activos. Era fundamental sabermos que princípios activos são estes.
A cannabis tem mais de 400 compostos e o Bloco de Esquerda não se preocupa em concretizar esta matéria, deixa vago - "cannabis e seus princípios activos"… Pode ser tudo e pode não ser nada.
Já foi perguntado objectivamente quais são os princípios activos a que se referem e não foi obtida qualquer resposta por parte do Bloco de Esquerda, o que, aliás, seria estranho, porque se o Bloco de Esquerda tivesse resposta para esta matéria, então, responsavelmente, teria de inclui-la no texto do projecto de lei.
Uma outra questão que fica pendente é a da dosagem e da forma de administração. Nada de concreto é dito no projecto de lei em relação às possíveis dosagens e à forma de administração da cannabis ou, eventualmente, dos seus princípios activos, sejam quais forem, e a questão fica em aberto. Diz-se que é o médico que deve ter essa responsabilidade, o que faria sentido. No entanto, depois, não faz sentido que o Bloco de Esquerda não queira ouvir a Ordem dos Médicos sobre esta matéria. Então, se, segundo o diploma, são os médicos que vão ter essa responsabilidade, não faria todo o sentido que os ouvíssemos para saber o que, à partida, pensam sobre isto?

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Claro que sim!

O Orador: - O mais grave está noutros artigos deste projecto de lei, que não têm sido falados,

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nomeadamente no artigo 4.º, n.º 2, alínea b), em que se diz que o doente tem de ser responsável pelos eventuais inconvenientes resultantes da administração de cannabis - e di-lo textualmente. Ou seja, o doente tem de responsabilizar-se pelas eventuais consequências que para si tenha o uso desta substância. Então, se o uso desta substância é tão sustentável, por que é que se exige ao doente a sua responsabilização pelas eventuais consequências?
Mas vai-se mais longe. O projecto de lei contém, também, um artigo relativo à investigação nesta área. Ora, podemos dizer: "é investigação complementar, é positivo que se faça investigação complementar". Mas não! A investigação que o Bloco de Esquerda prevê no seu projecto de lei é investigação sobre as potencialidades da utilização terapêutica da cannabis. Então, se ainda precisamos de investigar sobre as potencialidades terapêuticas da cannabis é porque ainda não estamos em condições de introduzi-la, nos termos em que o mesmo projecto de lei prevê.
Mas é também importante analisar qual a base de sustentação desta matéria para o Bloco de Esquerda. Fala-se, obviamente, de artigos de opinião, de investigação e de estudos aprofundados, mas fala-se pouco de ensaios clínicos, e era fundamental que houvesse profundidade, nomeadamente ao nível dos ensaios clínicos, para que se pudesse assumir um passo deste tamanho. Fala-se também de outros estudos, alguns dos quais são relatórios parlamentares. Ora, sabemos o que valem os relatórios parlamentares. Aconteceria o mesmo se, de hoje para amanhã, algum partido, num qualquer país, da União Europeia ou não, invocasse um relatório parlamentar feito por um Sr. Deputado do Bloco de Esquerda (com todo o respeito) sobre qualquer matéria. Isso não me vinculava a mim, nem a esta Assembleia, não vinculava o Parlamento português, nem Portugal.
Os relatórios, em muitos parlamentos, como inclusivamente no nosso Parlamento, reflectem a posição do relator e não as posições dos Estados, nem sequer dos parlamentos.
Mas diz mais o BE: um dos estudos apresentado é da GW Pharmaceuticals. É extraordinária a invocação deste estudo pelo Bloco de Esquerda! É que esta empresa é nada mais do que a companhia que está autorizada a comercializar os derivados de cannabis em Inglaterra. Ou seja, é quem, no mercado, utiliza a licença que existe em Inglaterra, ou seja, transpondo para Portugal, era a mesma coisa que invocar, nas palavras do Bloco de Esquerda, um relatório do Grupo Mello sobre os hospitais SA. É, de facto, extraordinária esta capacidade que o Bloco de Esquerda tem para a polivalência e para a utilização daquilo que dá jeito.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não sou naturalmente capaz de referir isto de olhos arregalados e com ar de lobo mau, dizendo que paira sobre nós uma suspeita de que o Bloco de Esquerda está a servir os interesses da indústria farmacêutica. Não tenho jeito para isso, mas que os factos são idênticos, são!
Não temos, como disse, qualquer complexo sobre esta matéria, mas também não somos irresponsáveis. Queremos uma solução segura e eficaz e estamos disponíveis para ir ao encontro dela.
O Bloco de Esquerda invoca a condição de milhares de portugueses que beneficiariam com a introdução da prescrição médica de cannabis. Damos o benefício da dúvida - apesar de as termos, damos o benefício da dúvida. Portanto, se a questão do Bloco de Esquerda é resolver o problema de milhares de portugueses, então, com certeza que não é o dia da aprovação de um projecto de lei que vai condicionar a solução para esses milhares de portugueses. É uma óptima oportunidade para vermos se o Bloco de Esquerda é consequente com aquilo que diz quando apresenta os seus projectos, é uma óptima oportunidade para sabermos da responsabilidade do Bloco de Esquerda quando apresenta essas iniciativas.
Propusemos audições à Ordem dos Médicos, à Ordem dos Farmacêuticos e ao INFARMED, porque são instituições que nos merecem credibilidade. Queremos saber se também merecem essa credibilidade ao Bloco de Esquerda, queremos saber qual é o problema que o Bloco de Esquerda tem em sujeitar o seu projecto ao sufrágio destas instituições credíveis.
Queremos, de facto, resolver problemas. E porque queremos resolver problemas, vamos querer discutir e vamos querer, até à última hora e até à votação deste projecto de lei, saber se o Bloco de Esquerda também quer discutir esta matéria.
Não podemos ter, nesta matéria, conservadorismos perfeitamente inconsequentes, mas também não podemos ter vanguardismos que são inconsistentes.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E este projecto de lei do Bloco de Esquerda é manifestamente inconsistente. Se os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda quiserem continuar e quiserem aprofundar esta discussão, contarão

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connosco; se não quiserem, continuaremos sem vós.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para, utilizando a figura da interpelação à Mesa, lhe pedir, Sr.ª Presidente, que seja distribuído um documento que vou providenciar à Mesa. Trata-se da conclusão - e não de um relatório de um Deputado - do Comité da Câmara dos Lordes, que, como saberá quem seja versado em jurisprudência britânica, tem valor de lei.
Agradecia, pois, que este documento fosse distribuído.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado fará o favor de fazê-lo chegar à Mesa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ninguém nesta Assembleia pretenderá certamente (ou, pelo menos, não de forma assumida) impedir ou evitar que um investigador científico ou um profissional de saúde tenha, enquanto cidadão, enquanto trabalhador, as suas próprias opções, tome partido, defenda causas e valores. E ninguém defenderá, por princípio, que essas causas e valores sejam abandonadas ou que delas se abdique.
Sabemos que a ciência não é "neutra", nem esperamos que o seja. Tal como não queremos que sejam "neutros" aqueles que a ela se dedicam ou sobre ela intervêm.
É com esta indispensável consideração prévia que partimos para este debate, começando por dizer que uma das mais perigosas situações que pode acontecer na condução de uma política de saúde é precisamente a tentação do uso táctico e instrumental de objectivos, práticas e princípios deontológicos da ciência ou da medicina, procurando dar cobertura a causas e combates políticos - sejam eles quais forem! - através de argumentação de base supostamente técnica e científica.
O que pretendemos com isto sublinhar é, desde logo e tão-somente, que o preconceito é perigoso, e mais ainda se ele aparece em discussões (como esta) sobre saúde e práticas terapêuticas.
Daí que, para nós, tenha sido de estranhar, e, porventura, de lamentar, este clima de fervorosa exaltação que tem vindo a envolver o debate que agora fazemos. É que não queremos de boa fé acreditar que o debate que agora fazemos tenha alguma coisa a ver com qualquer tentativa de combater, ou sequer questionar, o que está legalmente consagrado em matéria de consumo de drogas.
Se tal acontecesse, seria naturalmente grave, desde logo, porque seria política e intelectualmente desonesto e contaria com a nossa mais veemente oposição. Até porque nem estaríamos, nem estamos, disponíveis para manobras de diversão que sirvam para apoiar em abstracto o consumo e o uso recreativo de substâncias em concreto, como um fim em si mesmo, à boleia de discussões sobre a sua aplicação específica em procedimentos médicos.
Se nada disto se coloca, então, a questão que se coloca neste debate é, específica e rigorosamente, a utilização terapêutica da cannabis enquanto substância passível de prescrição médica para determinados casos, ou seja, a cannabis não enquanto droga mas enquanto medicamento.
Trata-se, no fundo, de legislar, ou não, no sentido de a cannabis passar a ser receitada em casos de doença terminal, cancro, HIV/SIDA, epilepsia ou formas extremas de artrite. E é neste aspecto que registamos a nossa estranheza.
É que, em nosso entender, esta é uma questão essencialmente técnica e científica e não uma questão essencialmente política. Em nosso entender, estamos perante uma decisão que deve depender fundamentalmente da comunidade dos investigadores e dos profissionais de saúde e não das maiorias que, conjunturalmente, se constituam nesta Assembleia.
Colocar-se-ia a necessidade de avaliar até que ponto, e em que condições, este sistema poderá abrir a porta a um acesso mais facilitado à substância, em determinados círculos e com uma nova figura de protecção legal. Mas isso seria matéria para abordar na especialidade.
Pela nossa parte, PCP, naturalmente não colocamos objecções de princípio quanto ao alargamento das respostas terapêuticas às situações concretas que as possam exigir - era o que faltava! Mas é para nós desconcertante que a razão que poderá levar o subscritor deste diploma a defender a proposta seja a mesmíssima razão que leva a maioria de direita a recusá-la, ou seja, o facto de estarmos a falar de cannabis!

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Dizemos o contrário disso!

O Orador: - Entretanto, não podemos deixar de registar que o próprio preâmbulo do projecto de lei em apreço traz referências, por um lado, à matéria concreta do uso terapêutico da cannabis e, por outro, à afirmação genérica de juízos de valor sobre o seu consumo, o que acaba por não resolver, em definitivo, a tal confusão que todos afirmamos querer evitar.
Já no tocante ao uso terapêutico da substância em causa, subsiste, quanto a nós, a necessidade de esclarecer esta questão da utilização dos seus componentes.
Ou seja, se, por um lado, se afirma que a cannabis, enquanto substância, é constituída por cerca de 500 componentes químicos, por outro, fala-se em dois ou três desses componentes como aqueles que poderão proporcionar os efeitos terapêuticos desejados - o preâmbulo do diploma refere dois, o tetrahydrocannabinol (THC) e o cannabidiol (CBD).
Agora, estabelecida e clarificada que esteja a utilidade terapêutica desses dois ou três componentes, a questão que se coloca tem a ver com os efeitos dos outros 497. É nesses que está a diferença para o paciente? São prejudiciais e perigosos? São benéficos? São inócuos?
São aspectos que interessará esclarecer, no tocante à eficácia do medicamento. Até lá, naturalmente, pela nossa parte, não nos parece que possa haver grandes opiniões.
Entretanto, nada disto é, para nós, razão para qualquer objecção de fundo nesta matéria, pela simples razão de, nos termos do Decreto-Lei n.º 15/93, mais conhecido por lei da droga, a definição das substâncias sujeitas ao regime de controlo incluir a cannabis da mesma forma como inclui, por exemplo, a codeína ou a morfina. Falamos, designadamente, da Tabela I, anexa ao decreto-lei.
Ora, a codeína e a morfina (substâncias relativamente às quais presumimos que ninguém fará campanhas) são, há muito tempo, administradas como medicamentos, apesar de serem substâncias cuja venda livre é proibida. A prescrição da morfina, aliás, normalmente até se destina aos casos de doença terminal, mencionados neste projecto de lei.
De resto, o preâmbulo refere, nos Estados Unidos, "a prescrição de dronabinol, um dos derivados da cannabis, aos doentes infectados com HIV". Ao que sabemos, no nosso país, já hoje está autorizado, para uso terapêutico, pelo menos um outro canabinóide, designado Marinol.
E é aqui que voltamos a entrar nos terrenos do desconcertante.
Há duas semanas, a 29 de Janeiro, discutimos nesta Câmara a proposta de lei n.º 92/IX, que veio aditar novas substâncias às tais tabelas anexas à lei da droga. Uma dessas substâncias é a GHB (normalmente designada por ecstasy líquido e também conhecida por easy date), que está associada a relatos impressionantes de neutralização do sistema nervoso e estado de coma, a vários casos de morte, etc.
Então, vejamos: a GHB apresenta todo esse terrível cortejo de consequências, já chegou a ser citada como uma das substâncias potencialmente mais problemáticas, no futuro próximo, em Portugal, e motivou uma nova actualização da lei. E esta mesma substância é ao mesmo tempo administrada, em condições específicas e determinadas, a doentes em tratamento de saúde mental.
Por isso, é com espanto que vemos um debate sobre o uso terapêutico da cannabis provocar tantas e tão fortes paixões, quando o próprio uso terapêutico da codeína, da morfina ou mesmo da GHB passou por um normal processo de decisão em sede do INFARMED - como, aliás, seria de esperar - sem chamar a atenção de ninguém.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a menos que nos esteja a falhar aqui alguma informação, tudo isto se tem passado sem que tenha sido necessário a Assembleia da República aprovar leis para o uso terapêutico destas ou de outras substâncias. Aí, de facto, não nos parece que o critério seja político.
Mas fica o testemunho da nossa plena disponibilidade e do nosso empenho em continuar a acompanhar e a participar, de forma responsável e construtiva, no necessário debate, que, pelos vistos, terá de continuar de modo aprofundado, abrangente, democrático e, acima de tudo, responsável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

O Sr. Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República está, hoje, a discutir um projecto de lei do Bloco de Esquerda que nos remete para aquilo que, num debate desta natureza, é essencial. E o que é essencial para Os Verdes é saber em que medida a introdução ou não de um determinado produto é aceitável para um objectivo que, do nosso ponto de vista, não é de esquerda nem de direita mas um objectivo civilizacional, que é o de contribuir para a melhoria

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das condições de vida das pessoas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - É disso que se trata e não há aqui visões nem de modernidade nem de arcaísmo. O que é suposto haver é uma discussão racional sobre algo que é extremamente importante, que é saber como se pode minorar o sofrimento humano e em que medida o conhecimento disponível e a utilização desse conhecimento deve ser suporte para decisões políticas, precisamente para um objectivo que nos deveria unir.
Por isso, parecem-nos absurdas e lamentáveis discussões à margem do que está em debate, sobre outras matérias em relação às quais as posições que cada um de nós tem são conhecidas, são respeitáveis mas só por hipocrisia são convocadas para este debate.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Estamos a falar da prescrição médica de cannabis, estamos a falar da possibilidade de utilizar cannabis e seus derivados para minorar o sofrimento de pessoas com determinadas patologias e estamos a fazê-lo, tal como foi feito noutros domínios, com base na investigação disponível, naquilo que ela já permitiu concluir e em experiências já avançadas noutros países.
Gostaria de dirigir-me à bancada do Partido Popular porque o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, a propósito da conclusão de um relatório da Câmara dos Lordes, veio dizer que, enfim, é um relatório de um Parlamento, minorando assim a questão.
Ora, isto leva-me a ficar com uma enorme dúvida, porque se para Os Verdes seria razoável que a Assembleia da República aprovasse este diploma, na generalidade, e procurasse, em sede de especialidade, aprofundar o conhecimento, concluo por antecipação, por aquilo que o Sr. Deputado disse, que qualquer que fosse a conclusão ela seria para "despachar", seria para filtrar por outro olhar político e estigmatizante sobre isto.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Conclui pessimamente!

O Orador: - Isto porque, quando se procura desvalorizar um trabalho como este, é dar por adquirido que se, porventura, a conclusão do relatório e do aprofundamento desta discussão, em sede de especialidade - que, do ponto de vista de Os Verdes, a Assembleia deveria tomar nas suas mãos -, não agradasse à sua bancada (e, por tabela, ao PSD também) abdicaria da sua posição sobre este assunto.

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Isso é ridículo!

A Oradora: - É ridículo, mas é verdade e, portanto, esse é um problema com que o Sr. Deputado terá de se confrontar!
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A questão da utilização de cannabis, neste caso, mas também de outras substâncias que ao longo da História e da evolução da sociedade se revelaram benéficas para a melhoria do bem-estar das pessoas foi sempre, nalguns sectores da sociedade, olhada com reserva.
Hoje, a morfina - e isso já foi referido neste debate - é usada pelos doentes terminais e, tristemente, não é comparticipada quando esses doentes terminais optam por acabar os seus dias junto da família, o que do nosso ponto de vista é escandaloso. Mas a verdade é que é totalmente absurdo que se negue o património de conhecimento milenar, se negue a aplicação e o uso daquilo que o conhecimento permite em relação a um objectivo que, para nós, é demasiado importante para poder ser secundarizado, ou seja, como é que se consegue melhorar a qualidade de vida das pessoas quando determinado tipo de patologias as remetem para o sofrimento. Do nosso ponto de vista, é nosso dever minimizar o sofrimento humano.
Em conclusão, a opinião de Os Verdes sobre este projecto é no sentido do seu apoio e valorização. Portanto, votaremos favoravelmente, não obstante considerarmos que a própria Comissão deveria, em sede de especialidade, alargar a discussão a todos aqueles que sobre esta matéria se devem pronunciar. É essa a nossa posição e lamentamos que não haja condições para que assim seja.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tivemos uma discussão em que todas as bancadas apresentaram o seu ponto de vista. Gostaria de voltar àquilo que estamos a discutir originalmente, que é o projecto de lei proposto pelo Bloco de Esquerda.
Este projecto prevê a prescrição médica da cannabis em condições medicamente controladas, seguindo as melhores práticas clínicas de investigação e aplicação.
Restringe-a a alguns casos concretos: doença terminal, dores crónicas e graves, náuseas graves, anorexia, subnutrição, perda de peso, nos casos de cancro e infecção com HIV, dores musculares crónicas e espasmos ou dores crónicas graves, em casos de esclerose múltipla, lesões ou doenças da medula espinal, acessos de epilepsia e dores crónicas em casos de formas extremas de artrite.
É um universo de patologias extremamente bem delimitado ao qual se pretende aplicar, seguindo o que outros países já fazem, a possibilidade de o médico, no seu melhor discernimento, aplicar medicamentos que possam diminuir a dor em relação a estas situações.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - A partir daqui gera-se uma discussão em que se confundem opções políticas com opções estruturantes do sistema de saúde.
Vários Deputados e Deputadas disseram que nenhuma planta tem uma cor política. Nada de mais verdadeiro! A escolha das políticas medicamentosas deve basear-se, única e exclusivamente, em boas práticas de investigação e conhecimento científico. Não reivindicamos nem mais, nem menos! O critério para que possa ser prescrito um medicamento com base em canabinóides é o mesmo que deve nortear a utilização, ou não, de um opiáceo em relação a estes casos. O critério que a agência pública de controlo da introdução de medicamentos deve determinar em relação a estes casos é exactamente o mesmo do que em relação a qualquer outro, e não é sobre isso que importa haver uma intervenção legislativa do Parlamento. Não é sobre isso!
Aquilo a que o Parlamento tem de olhar é para o quadro da informação disponível e para as decisões legislativas que estão aplicadas em países de referência, que, certamente, não estão mais atrasados que Portugal, pelo contrário, estão muito mais avançados do ponto de vista da investigação científica e da prática clínica, e saber se essa experimentação, essa capacidade e esse cuidado nos dão um caminho, ou não.
Citei a evidência científica, e vou repeti-la: três revistas científicas da área medicina, que são, não por acaso, as três mais importantes (não há nenhuma outra que se compare, em termos de significado científico, com estas): Lancet, New England Journal of Medicine e o Journal of the American Medical Associations. Estas revistas concluem, a partir de ensaios clínicos, em editoriais, em tomadas de posição formais, que comprometem os seus organismos, que esta mudança é indispensável.
Por isso, tribunais destes países, ou legisladores destes países, caminharam no sentido que aqui é proposto - por exemplo, o Supremo Tribunal de Ontário.
Gostaria de chamar a atenção para um outro detalhe: há um tribunal que dirige e verifica toda a actuação da agência pública federal norte-americana sobre a aplicação de drogas, a DEA. Esse tribunal decidiu intimar a estrutura federativa a aplicar a correcção das tabelas de substâncias, de tal modo que passasse a ser possível compor medicamentos na base de derivados canabinóides.
E o mesmo acontece com o relatório da Câmara dos Lordes, que não é o relatório de um Deputado individual, não é uma opinião avulsa, é uma decisão substancial, colectiva, do Comité Científico de Tecnologia, que diz o seguinte: "recomendamos que o Governo deve tomar medidas para retirar a cannabis e a resina canabinóide da proibição do uso de drogas, para permitir aos médicos prescrever medicamentos com base nos preparados de cannabis". Isto é o que temos à nossa frente.
Dito isto, perguntam-nos: quais princípios activos? Qual a dosagem? Qual a forma de administração? Não compete à lei determinar a dosagem, não compete à lei determinar a forma de administração, isso é uma decisão do médico e é tutelada pelo INFARMED e pelos organismos competentes para escolher que tipo de medicamentos, que posologia, como é que deve ser aplicada. Não é a lei que tem de o fazer!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - O que a lei tem de determinar é se sim ou não quebra um tabu absurdo, que é contestado e posto em causa pela experiência de ensaios clínicos e pela experiência terapêutica e que nós só podemos homologar, porque corresponde às melhores práticas científicas nestes países que acabei de citar.
É certo que não conhecemos todos os princípios activos da cannabis, como não conhecemos os de muitas outras plantas. Conhecem-se razoavelmente dois: o THC (tetrahidrocanabinol) e o CBD

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(cannabidiol). São esses conhecimentos que mudam a aplicação que hoje é possível no mercado português.
O Marinol só permite utilizar um destes princípios activos, que é o THC. O INFARMED recusa qualquer investigação, qualquer experiência, qualquer prática que possa combinar derivados e maximizar assim a sua potencialidade clínica, como é proposto pela Câmara dos Lordes inglesa, conforme vos citei, ou pela agência federal de drogas e de medicamentos, nos Estados Unidos da América.
É exactamente por isso que é preciso não esperar que o INFARMED mude de opinião, mas convocar as opiniões científicas que hoje estão fundamentadas a nível internacional e poder começar a fazer esta mudança.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - O problema é político, porque é o Governo que agora pede, pela voz dos Deputados João Almeida e Miguel Coleta, que esperemos, que ouçamos. Mas este Governo dizia-nos antes "aprovamos". Este é o Governo de Fernando Negrão, que dizia: "Estou de acordo, estou a preparar, está pronto".
O que é que mudou? Mudou a confusão da maioria. O problema é que a maioria não quer ter a coragem de tomar uma decisão política. Quer "enterrar numa gaveta" as suas próprias incertezas e as suas próprias dúvidas, porque começou por dizer que sim, que tinha de ser, que sabia que era útil, que sabia que era correcto do ponto de vista médico e agora, por pressão da extrema-direita parlamentar, entende que nunca se pode tocar nesta matéria, nunca se pode fazer nada e tem de se esperar até ao fim dos tempos para que se possa mudar de opinião.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Consideramos, pelo contrário, que hoje há boas razões para começar este debate. Se querem o debate na Comissão, pois então viabilizem o projecto de lei. Esperaremos todo o tempo que for necessário, na Comissão, para que se proceda a todas as audições, para que todo o trabalho na especialidade seja feito, porque é assim que trabalha o Parlamento. Não se tenha medo de tomar decisões políticas.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coleta.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, creio que ninguém pode acusar o PSD e esta maioria de terem medo. Aliás, o trabalho que o Governo está a desenvolver nas mais diversas áreas comprova-o abundantemente.
O que está aqui em causa não é falta de coragem, mas sim a honestidade com que nos colocamos perante a decisão de um determinado problema que nos preocupa e sobre o qual consideramos existirem dúvidas legítimas que merecem ser esclarecidas.
Aliás, através da Mesa, aproveito para perguntar ao Dr. Francisco Louçã se não houve um engano na distribuição das folhas do famoso relatório da Câmara dos Lordes. Com certeza que houve, porque aquilo que leio no primeiro parágrafo da mesma folha que V. Ex.ª acaba de distribuir pelas bancadas diz o seguinte: "Reconhecemos que de toda a evidência que temos recebido até agora não existe prova científica rigorosa que demonstre conclusivamente que a cannabis tem ou não valor médico de qualquer ordem".

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Ora bem, este é o famoso relatório da Câmara do Lordes que o Sr. Deputado Francisco Louçã insistentemente referiu nas suas intervenções.
Referiu também inúmeros ensaios clínicos, inúmeros estudos publicados. Curiosamente, não percebo por que é que selecciona apenas as três revistas que citou. Certamente, é por desconhecimento dos mecanismos da publicação na área científica a que se refere. Mas existem muitas outras credíveis. Aquelas que referiu são-no, mas existem muitas outras.
Por exemplo, o British Medical Journal - seguramente, também merecerá respeito - publicou, em 2001, dois artigos importantes. Depois de ter publicado, em editorial, posições relativamente a esta

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matéria, teve o cuidado, em 2001, de publicar dois artigos importantíssimos, onde é feita uma análise sistemática recorrendo a modelos matemáticos de todos os ensaios clínicos que foram realizados sobre o uso de canabinóides, quer para o uso da náusea induzida pela quimioterapia quer para o tratamento da dor nos casos de cancro que lhe estão associados.
Ora, as conclusões desses estudos apontam, em algumas situações, para o eventual interesse do uso destas substâncias, mas para a necessidade absoluta de controlar a matéria de que elas são obtidas.
Aponta também para o completo desinteresse que existe no uso destas substâncias no caso em que o paciente responde à terapêutica pelo uso dos fármacos mais modernos.
O Sr. Deputado Louçã prefere ignorar estas considerações. Inclusive, citou um relatório do Instituto de Medicina Americano, mas ignora que o mesmo relatório, a mesma recomendação reconhece que, para este procedimento poder ser adoptado e poder ser credível, temos de conhecer a química desta planta e ela tem de ser reprodutível de forma a que possa ter resultados práticos aceitáveis; que devem existir estudos de segurança adequados; que devem existir estudos clínicos que, definitivamente, provem a sua eficácia por comparação com outras substâncias.
Enfim, poderia continuar nas contradições que podemos encontrar na literatura citada pelo Bloco de Esquerda, mas termino, dizendo que estamos de boa fé nesta matéria e anunciamos à Câmara que apresentámos ontem um requerimento à Mesa para que, através da 8.ª Comissão parlamentar, se solicite ao INFARMED que faça um estudo e apresente um relatório detalhado onde sejam analisados todos os aspectos relativos aos procedimentos adoptados nos países onde esta questão foi considerada e os ensaios clínicos onde foi testado o uso da cannabis.
Repito que estamos de boa fá nesta matéria. O que nos preocupa são as pessoas que neste momento estão em sofrimento.
Se VV. Ex.as estão imbuídos deste mesmo espírito, com certeza têm tempo, até quinta-feira, para mudar de posição e para aceitar que este projecto possa baixar, sem votação, à respectiva Comissão para que, em data determinada, possamos ouvir as instituições que referimos e possamos analisar detalhadamente o relatório sobre esta matéria, permitindo-nos tomar uma decisão sustentada sobre o assunto.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, em tempo cedido pelo Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr.ª Presidente, agradeço ao Partido Socialista a cedência de tempo.
Sr. Deputado Miguel Coleta, para quem vem aqui falar de honestidade e de desonestidade, devo dizer que o seu último procedimento foi bastante capcioso, porque quis fazer-se valer do documento que distribuímos pelas bancadas relativo à opinião do comité científico da Câmara dos Lordes, lendo o primeiro ponto, mas não o segundo.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Só leu a conclusão! Não leu o relatório!

O Orador: - Se me permitir e se tiver a urbanidade de me ouvir, no primeiro ponto diz-se que não está rigorosamente reconhecida a evidência científica, mas logo a seguir diz-se que, contudo, receberam suficientes evidências, provas, que os convencerem que o uso da cannabis certamente terá genuínas aplicações médicas, tais como no tratamento de dores musculares, de espasmos, de outros sintomas, etc. Logo a seguir, no ponto 8.6. recomenda ao Governo britânico - o que já aconteceu, porque o Governo britânico já o fez - retirar as substâncias proibidas para haver utilização médica.
Sr. Deputado, em matéria de processos de honestidade, de citação ou de lisura e lealdade no debate político, dir-lhe-ei, sem qualquer acinte, que não comprovou coisa alguma.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - A questão que aqui se coloca não é a de pedir relatórios ao INFARMED; não é a de que não avance a investigação científica; não é que as instituições que superintendem nesta área não devam desenvolver o seu trabalho. O que nos motiva é a possibilidade de concorrer para o bem-estar de muitos milhares de portugueses que se encontram em situações terminais, é a possibilidade de se tomar decisões políticas para que essas instituições avancem.
Não vale a pena pedir relatórios ao INFARMED apenas para simular uma tentativa de abertura - a abertura que o CDS-PP aqui reclamou. Então o CDS-PP tem "uma enorme abertura"?! É uma abertura de

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um grau, mas consideram ser uma enorme abertura!
Não vale, pois, a pena simular essa situação. O que valeria a pena era, no debate de especialidade, ouvir todas as instituições, todas as entidades e depois tomar uma decisão política. E o que ficou absolutamente comprovado neste debate é que os senhores da maioria mudaram de opinião - vá-se lá saber porquê! - e não querem tomar qualquer decisão política.

Aplausos do BE.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Está completamente enganado!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, também em tempo cedido pelo PS, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, agradeço ao Partido Socialista a cedência de tempo.
Estamos, de facto, num processo político em que temos de nos pronunciar sobre um projecto de lei em concreto.
A questão é tão simplesmente esta: não pode o Sr. Deputado Francisco Louçã dizer que se a maioria quer discutir aprofundadamente esta matéria que viabilize o projecto de lei, quando o Sr. Deputado só admite essa viabilização pelo voto a favor. Ora, não podemos votar a favor quando temos dúvidas; não podemos abstermo-nos quando temos dúvidas substanciais.
Consideramos, por isso, que devemos aprofundar a discussão. Queremos resolver o problema. Já dissemos, inclusivamente, que vamos aprofundar a discussão, ainda que os senhores só se preocupem com esta questão até quinta-feira. Nós continuaremos a preocuparmo-nos depois de quinta-feira.
Os senhores queriam fazer o "número" político, e fizeram-no. Devem estar satisfeitos. Nós não estamos satisfeitos, porque enquanto tivermos dúvidas e enquanto essas dúvidas tiverem a ver com a solução da dor de muitos portugueses, continuaremos a lutar. Não nos basta uma votação. Queremos ir muito mais longe que isso.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Lamentamos que os senhores condicionem essa questão a um determinado tipo de voto e que não a condicionem a um aprofundamento sério.
Se é por ser o INFARMED, então proponham outras instituições, então proponham outras audições, então estabeleçam um prazo, que estamos dispostos a aceitar um prazo justo.
Se o problema é esse, então vamos trabalhar em conjunto. Mas se o problema é de "números" políticos, não contem connosco!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Foram vocês que trouxeram o Dr. Pinto Coelho ao Parlamento! Não se esqueçam disso!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminada a apreciação do projecto de lei n.º 392/IX, passamos à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 121/IX - Regime especial de reformas antecipadas para os bailarinos profissionais de bailado clássico ou contemporâneo (BE).
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, apesar de não estar aqui connosco, gostaria de, no início deste debate, saudar expressamente o empenho que o Sr. Presidente da Assembleia da República colocou na discussão desta questão e gostaria ainda de dizer, com grande convicção, que esse foi um contributo para uma causa justa.
A profissão de bailarino é uma profissão de desgaste rápido, de treino intensivo e extraordinariamente exigente em termos de aptidões físicas e psicológicas. É que, Sr. as e Srs. Deputados, aos 40 anos há lesões irreversíveis, do ponto de vista do esqueleto e das articulações, que impedem a continuação desta actividade profissional a um nível de qualidade.
Existe já um regime especial para os bailarinos, mas que os penaliza, porque, se optarem por antecipar a sua reforma, receberão uma soma extraordinariamente reduzida. Posso referir-vos que, se seguirmos o regime actual, aos 45 anos de idade, com 25 anos de contribuições, um bailarino receberá pouco mais de

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60 contos mensais.
Por isso mesmo, defendemos, à semelhança do que acontece em ordenamentos jurídicos de outros países da União Europeia, um regime especial de antecipação em que a reforma seja concedida aos 45 anos de idade, sem penalização.
Sabemos também que é um esforço conjunto aquele que pedimos, um esforço aos próprios bailarinos, que participariam com maiores descontos para a segurança social, mas, evidentemente, também, um esforço ao orçamento da segurança social e ao Orçamento do Estado, porque um Estado que não se compromete com a cultura e com a qualidade da vida e das condições de trabalho dos seus artistas é um Estado que não se dignifica.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, consideramos perfeitamente admissível este regime, tanto mais que a carreira contributível dos bailarinos começa extraordinariamente cedo, a partir dos 18 anos, e, infelizmente, também acaba demasiado cedo. Mas, mesmo assim, na maior dos casos têm 20 ou 25 anos de carreira contributiva.
Está também em causa a própria sustentabilidade das companhias, como a Companhia Nacional de Bailado.
Gostaria de referir, a este propósito, o protocolo celebrado com o ministério da segurança social do anterior governo, e que, aliás, num Estado de direito deveria continuar a valer, porque se trata de um protocolo entre o Estado, entidade abstrata, e a Companhia Nacional de Bailado, os seus trabalhadores. Por isso, este Governo deveria honrar também este compromisso, tanto mais que está presente no seu Programa de Governo e foi apresentado como bandeira e promessa eleitoral do PSD.
A responsável da Companhia Nacional de Bailado na altura chamava a atenção para o facto de, na actual conjuntura de restrições orçamentais, não ser possível proceder à substituição de muitos bailarinos que já não estão em condições físicas de poderem actuar, de poderem dançar, de poderem fazer aquilo que gostariam de fazer, e que, por isso mesmo, a Companhia estava numa situação de difícil sustentabilidade e, além do mais, via-se impossibilitada de contratar novos bailarinos.
Há estudos de viabilidade económica que mostram claramente que a própria segurança social não perderia, ou até talvez ganhasse dinheiro, com este novo sistema. Porquê? Porque deixaria de ter de pagar os próprios salários até mais tarde, porque, obviamente, um bailarino que aufere 60 contos não se reforma aos 45 anos de idade.
A questão que aqui está em causa, Sr.ª Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, é muito simples: queremos ser, uma vez mais, o País da excepção negativa? Relembro que na Ópera de Paris as mulheres reformam-se aos 40 anos e os homens aos 45; na Dinamarca aos 40 anos; na Suécia aos 41; e na Finlândia aos 44, sem penalização!
Queremos continuar a ser este País adiado? Ou seremos, finalmente, capazes de honrar os nossos compromissos? Pela nossa parte, respondemos de forma clara: nós honramos os nossos compromissos.

Aplausos do BE e do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, peço-lhe que responda a algumas perguntas que lhe vou colocar de forma sincera e digo-lhe já que esta sexta-feira/13 pode ser o seu dia de sorte se quiser fazer parte da solução e não do cerne do problema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O tema que estamos a tratar é sério, versa sobre bailarinos profissionais, sejam do ballet clássico ou do ballet contemporâneo, e estamos perante uma actividade profissional com características especiais: começa cedo, também acaba cedo tendo em conta a generalidade das profissões, tem exigências físicas e também da própria gestão da vida muito rigorosas e é de uma enorme relevância social. Até aqui estamos de acordo.
Por outro lado, parece-me que o diploma em análise consagra uma solução provisória. Primeiro, porque resolve apenas o problema daqueles que, por não terem recebido formação complementar (porque ninguém previu isso antes), não tenham possibilidade de continuar a sua vida profissional activa noutro domínio. Segundo, porque prevê a reforma a partir dos 45 anos, mas o Sr. Deputado sabe bem que a

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partir dos 35, por exemplo, há bailarinos do ballet clássico, mas não só, que, pela sua exigência, não podem executar todos os movimentos com a mesma qualidade e perfeição com que o faziam. Portanto, que solução é que prevê para estes casos?
Este diploma parece-me também consagrar uma solução incompleta. Por isso, aquando da posse do Presidente do Instituto das Artes, o Sr. Ministro da Cultura disse que tínhamos de encontrar uma solução, e este Governo prometeu já, num prazo bastante razoável, que para nós tem de ser até ao final deste ano, a elaboração de um estatuto para os profissionais das artes do espectáculo que abranja os bailarinos, os músicos, os actores, os coreógrafos, os cenógrafos, os sonoplastas…
Concordará ou não - esta é outra pergunta - que há que encontrar uma solução mais global e, portanto, mais satisfatória?
Mesmo quanto aos bailarinos, o diploma não prevê algumas situações. Não prevê, por exemplo, como no Reino Unido, uma fortíssima ligação ao ensino artístico que permita prosseguir uma actividade lectiva. Porquê?
O projecto de lei não prevê também formação profissional complementar para aqueles que não querem seguir a via lectiva. Ora, não vale a pena tratarmos os bailarinos, depois da idade em que dançam com toda a perfeição, como gente assistida - nem eles querem ser conhecidos como tal. Portanto, o que é que prevê, Sr. Deputado, para que eles possam continuar uma vida profissional activa, apesar de estarmos de acordo que tem de haver um regime especial para a sua aposentação?
O Sr. Deputado mencionou o exemplo dos países escandinavos e da Ópera de Paris, mas sabe muito bem que estava a mencionar casos excepcionais, casos particularmente bons para os bailarinos.
Sabe também que hoje em dia as contratações são feitas produção a produção e não propriamente para um quadro profissional. Portanto, não receia que a sua solução possa afastar as entidades empregadoras, porque lacónica? Imagine que um empregador pensa: "E se o bailarino ou a bailarina não conseguem dançar até aos 45 anos?" O que é que prevê para que os empregadores não optem pela precaridade?
Os senhores viram o problema, mas transformaram-no em maneira de fazer uma aparição mediática.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.

O Orador: - Vou concluir, Sr.ª Presidente.
A última pergunta, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, é um repto: aceita ou não que o diploma baixe, sem votação, à respectiva comissão parlamentar? Tem o nosso compromisso de que trabalharemos as vossas, as nossas e as soluções do Governo até final deste ano num diploma muito mais amplo. Mas não use desculpas capciosas ao dizer que o diploma pode ficar na comissão imenso tempo, porque isso pode acontecer com ou sem votação. Não podemos é dar o nosso voto favorável, porque, como já disse, pensamos que este projecto é lacónico.
Temos excelentes bailarinos - e não somos nós que o dizemos: por exemplo, em relação à Companhia Nacional de Bailado, a revista Dance disse-o há não muito tempo. Mas queremos uma solução que honre as suas reivindicações e a sua profissão.
Nós só sabemos fazer política responsável, e esse é o desafio que lhe deixo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. ª Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Capitão, gostaria de lhe dizer que se hoje este projecto fosse aprovado o dia de sorte não seria para mim, mas para os bailarinos.
Gostaria ainda de dizer, Sr. Deputado, que se considera este projecto provisório e incompleto estamos abertos a que os senhores contribuam com um outro que o melhore.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, existiu outro projecto, que foi entregue aos bailarinos e que, inclusivamente, tinha um âmbito mais alargado do que o nosso, pois previa a existência de um seguro e a reinserção profissional. Por que razão o retiraram?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Venha ele!

O Orador: - Sabemos também de fonte segura que os Ministérios da Cultura e das Finanças não se

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opunham a esta solução. Por que razão é que os senhores o retiraram? Será que foi por haver apenas uma pessoa, uma só, o Ministro Bagão Félix, que se opôs a esta medida? É que se foi essa a razão é caso para ficarmos preocupados, porque, mais uma vez, Sr. Deputado, vemos que, mesmo as causas mais justas, mesmo aquelas que à partida não seriam objecto de uma divisão ideológica, acabam por ser eliminadas devido a qualquer preconceito ou birra.
Gostava também de lembrar Sr. Deputado que, no que diz respeito aos prazos e a esperar até ao final do ano, e por muito que respeito que me mereça a equipa da cultura, tenho de dizer que a sua inacção legislativa é tremenda e que não podemos correr o risco de adormecer numa gaveta até à eternidade, enquanto o Ministério da Cultura se decide a elaborar um diploma.
Além do mais, o Sr. Deputado Ricardo Almeida, aqui presente, afirmou à comunicação social que não iriam recuar, mesmo com a posição de Bagão Félix, e que aprovariam o projecto de lei do Bloco de Esquerda,…

Aplausos do BE.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - … que desceria à especialidade e que, dentro de dois meses, voltaria, talvez para ser aprovado por unanimidade. E agora o Sr. Deputado fala-me já no final do ano?! Em que ficamos?
Parece-me que há aqui um grave problema de coerência e também um grave problema em relação a honrar compromissos.

Vozes do BE e do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Almeida.

O Sr. Ricardo Almeida (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: É inegável a importância da dança como expressão artística no panorama cultural.
As exigências físicas inerentes a esta profissão restringem de forma muito significativa o número de bailarinos que atingem o estatuto de bailarino profissional.
Contrariamente à maioria das profissões, esta implica uma planificação desde muito cedo, tratando-se de um investimento de uma vida. Um bailarino profissional tem no mínimo 10 anos de intensa preparação técnica e, considerando tratar-se de uma profissão de elevado risco, todo o investimento pode repentinamente perder-se pela ocorrência de um problema de ordem física.
Acresce o factor de instabilidade durante o exercício da profissão. A irregularidade de rendimentos conjuga-se à certeza de um futuro incerto.
A carreira profissional de um bailarino é curta, todos o sabemos. É uma profissão de desgaste rápido e altamente especializada, com poucas hipóteses de reinserção profissional. A docência é uma das hipóteses mais frequentes, mas, ainda assim, estes profissionais são normalmente preteridos em função de licenciados com formação pedagógica.
Tendo em conta a importância deste assunto, o PSD tem em conta a função desempenhada por estes profissionais no sector cultural e artístico português, bem como em representação externa do nosso país. O PSD tem também em conta as dificuldades inerentes à prossecução e concretização de uma carreira artística profissional, dificuldades essas ligadas a muitos factores de instabilidade. O PSD tem ainda em conta a inexistência de seguro de acidentes de trabalho específico associado ao elevado risco profissional.
O PSD assume o facto de esta ser uma profissão de desgaste rápido. Assume a necessidade de reconversão profissional, caso seja essa a vontade do profissional, e também que não existe qualquer diploma legal que preveja essa reinserção. Assume ainda que a elevada experiência profissional e o conhecimento especializado destes profissionais em final de carreira não são utilizados em proveito da sociedade. Finalmente, o PSD assume que não existe uma reforma antecipada compatível com os níveis de exigência de uma profissão muito particular.
Em relação a este assunto, e indo de encontro ao apelo do Sr. Presidente da Assembleia da República, julgo que deveríamos ir mais longe. Era essa a intenção do PSD: ir mais longe!
Deparámo-nos com o agendamento do Bloco de Esquerda. E, aliás, uma as primeiras pessoas a ser informada da intenção de o PSD apresentar um projecto abrangente sobre esta matéria foi, precisamente, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
Houve, portanto, uma lealdade institucional, baseada nos princípios do Sr. Presidente da Assembleia da República que apelavam ao consenso sobre esta matéria.

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Então, onde está o projecto de lei?

O Orador: - Penso que deveríamos ir mais longe e falar do seguro de acidentes de trabalho e da reinserção profissional. Mas obviamente que não podemos apresentar um projecto de lei quando não conseguimos ter, em tempo útil, a dimensão do impacto financeiro face à questão da reforma. Por isso, não houve divergência nenhuma, Sr. Deputado, e estamos disponíveis para enriquecer o vosso projecto de lei em sede de Comissão. Por conseguinte, o desafio que lanço ao Bloco de Esquerda é que deixe este diploma ir à Comissão, altura em que apresentaremos todas as nossas propostas.
Repito que não apresentámos o nosso projecto de lei relativamente a esta matéria porque não tivemos tempo de o fazer, o debate já estava agendado. Mas, como foi referido, existe intenção do Governo de debater este assunto através da criação do estatuto do artista.
Em suma: queremos fazer parte da solução. Será que o Bloco de Esquerda quer fazer parte do problema ou quer fazer parte, como nós, da solução?

Risos da Deputada de Os Verdes Isabel Castro.

Existe, pois, boa vontade e abertura do Governo, nomeadamente da própria segurança social onde vocês inventam muitas vezes problemas que não existem.
Reafirmo: há vontade de encontrar uma boa solução, há um apelo generalizado ao consenso. Daí que as pessoas lá fora, nomeadamente os bailarinos e a Companhia Nacional de Bailado, a quem a saúdo pela sua presença neste debate a acompanhar a discussão, não percebam como é que (apesar de estarmos a falar de um partido que ideologicamente não tem nada a ver connosco) podem existir divergências processuais.
Por conseguinte, estamos aqui de boa fé e queremos que o vosso projecto de lei baixe à Comissão para ser enriquecido.
Imagine o seguinte cenário hipotético, Sr. Deputado: se o projecto de lei for aprovado na generalidade, ele também baixará à Comissão. Pode demorar tanto tempo sendo votado ou não, por isso não compreendo por que é que os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda se opõem a que o diploma baixe directamente à Comissão.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Então explique por que é que tem de baixar à Comissão.

O Orador: - Para terminar a minha intervenção, gostaria ainda de dirigir uma palavra de apreço à Companhia Nacional de Bailado, que tem sido uma embaixadora fundamental do bailado português no mundo inteiro e tem liderado este processo reivindicativo.
Os bailarinos dedicam toda a sua vida à sua profissão, sofrendo um grande desgaste, e não estão preparados, muitas das vezes, para desempenhar outra profissão numa fase da sua vida em que mais necessitam de um emprego. Estamos a falar de um problema que surge em relação a pessoas dos 30 aos 45 anos, numa altura em que necessitam desse mesmo emprego.
Devo dizer que a questão do desgaste rápido na profissão está no programa eleitoral do PSD, portanto não há aqui qualquer divergência em relação a este princípio. E assumimos, com toda a humildade, que não tivemos tempo suficiente para apresentar em tempo útil o nosso projecto.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Por isso vão votar contra!?

O Orador: - Pergunto: os Srs. Deputados estão a favor de continuarmos a discussão, ou não? É este o desafio que gostaríamos de lançar, reafirmando que os nossos bailarinos - os bailarinos da Companhia Nacional de Bailado e outros - são do melhor de há no mundo, e devem ser acarinhados, devem receber uma palavra de incentivo, devendo esta Assembleia, indo ao encontro do apelo do Sr. Presidente da Assembleia da República, apresentar soluções de compromisso e soluções abrangentes.
Em suma, estou aqui com a melhor das fés. Poderia não estar a fazê-lo, mas estou aqui "a dar a cara" por estes princípios, de forma séria e construtiva. Gostaria que os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda tivessem essa mesma perspectiva, e estou esperançado de que assim será.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

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A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: A iniciativa que é neste momento objecto de discussão pretende melhorar o regime especial de reformas antecipadas para os bailarinos profissionais de bailado clássico ou contemporâneo. Nem mais nem menos, uma das propostas enunciadas no Programa do Governo para a área da cultura!
Comprometeu-se o Governo a aprovar um estatuto dos profissionais das artes do espectáculo, do artista. Comprometeu-se o Governo a criar um quadro legal especial que permitisse soluções não previstas na legislação geral do trabalho. Comprometeu-se o Governo a criar um regime de segurança social específico. Comprometeu-se o Governo a definir como profissão de desgaste rápido para a dança e outras áreas de contorno similar. Comprometeu-se, e aqui ficou!
Ao que se sabe, e até hoje, já lá vão quase dois anos, tudo continua em estudo, sem concretização à vista.
Ainda recentemente apreciámos o decreto-lei relativo aos apoios financeiros às artes do espectáculo, que remetia para os profissionais um conjunto de deveres e responsabilidades, sem que se enquadrasse ou definisse esse conceito de profissional. Até porque a única e última certificação profissional dos trabalhadores do espectáculo constitui o sistema e atribuição de carteiras profissionais que data de 1939.
Hoje, falamos de novo de profissionais de artes do espectáculo, particularmente da dança, e mais uma vez sem que se saiba qual o estatuto que o Governo, em sigilo, há mais de um ano, parece estar a produzir em banho-maria, a lume lento.
Naturalmente que se este trabalho de casa estivesse concluído teria sido menor a confusão que nesta semana reinou no seio da maioria - entre a maioria e o Governo e, sobretudo, entre o PSD e o Ministro Bagão Félix.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - É inexplicável que o Parlamento assuma, através de declarações públicas de Deputados do PSD, a sua disponibilidade para resolver o objecto da iniciativa que agora apreciamos, criando expectativas aos profissionais do bailado que há anos procuram consensos relativamente à formulação de um texto que enquadre um regime especial de reformas antecipadas e que, num golpe de mágica, a maioria dê o dito por não dito ou o PSD se sujeite às determinações do CDS-PP.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Ora aí está!

A Oradora: - Já estamos habituados, mas vale a pena referir sempre: mais um para a lista!

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Essa é que é essa!

A Oradora: - Nem a intervenção do Sr. Presidente da Assembleia da República conseguiu demover a má vontade do Ministro do CDS-PP.
Enquanto o PSD produzia um texto, que não chegou a ver a "luz do dia", o Sr. Deputado que produziu o relatório sobre o projecto de lei, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, já propunha como conclusão da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais no que se refere a esta iniciativa que "(…) não se justifica a alteração proposta (…) uma vez que já estão assegurados de uma forma bastante abrangente, no ordenamento jurídico português, um regime especial de segurança social para os bailarinos profissionais de bailado clássico ou contemporâneo".

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, não vemos aqui o Sr. Deputado do CDS-PP, apesar de ser o relator da iniciativa legislativa.
É sempre possível equacionar a hipótese de que o CDS-PP não conhece, nem subscreve, o Programa do Governo na área da cultura, como não subscreverá, com certeza, as preocupações manifestadas pelo Sr. Deputado Telmo Correia, que, perante o diploma em vigor, datado de 1999, afirmava que o seu conteúdo não satisfazia os intervenientes desta área e que, a manter-se a situação profissional dos bailarinos, se poria em risco o funcionamento da Companhia Nacional de Bailado, "pelo menos com a qualidade que merece a nossa cultura", solicitando, então, ao governo do Partido Socialista medidas que visassem a resolução do problema. O Sr. Deputado Telmo Correia também não está cá hoje, naturalmente

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entende-se porquê.
Mas, mudam-se os governos, mudam-se as vontades do CDS-PP. De facto, pior do que foi público nos últimos dias era difícil.
O projecto de lei em avaliação pretende, como já aqui foi dito pelo Bloco de Esquerda, definir um regime especial de antecipação da idade da pensão por velhice dos bailarinos profissionais, atendendo à natureza específica da profissão exercida.
Prevê o projecto de lei a reforma para os 45 anos, quando os profissionais tenham completado 20 anos civis de actividade em território nacional, seguidos ou interpolados, desde que, em metade desse período, tenham exercido a profissão a tempo inteiro, ou para os 55 anos, quando tenham completado pelo menos 20 anos civis, seguidos ou interpolados, com registo de remunerações correspondente ao exercício a tempo inteiro da profissão de bailarino no bailado clássico ou contemporâneo.
Sendo este o objecto fundamental da iniciativa, consideramos que, a ser aprovada - e duvidamos que assim aconteça -, ela poderia ser melhorada em sede de Comissão, aperfeiçoamento que se justifica, integrando até outros princípios que nos parecem adequados e justos, como já aqui foi dito também pelo Sr. Deputado do PSD.
Reconhecendo que se trata de uma profissão de desgaste rápido, de risco, de natureza intermitente, e, por isso mesmo, de rendimentos irregulares, justifica-se, na nossa opinião, a criação de um seguro de acidentes de trabalho e a introdução de mecanismos de reconversão profissional - que serão bem-vindos, com certeza - que garantam o exercício da actividade com menos incerteza e mais segurança, mas, para isso, é preciso aprovar o projecto de lei do Bloco de Esquerda.
Finalmente, também em sede de especialidade, dever-se-ia reflectir ainda sobre o âmbito desta iniciativa e procurar encontrar outras soluções ou soluções similares para os muitos bailarinos - que também estão hoje aqui, Srs. Deputados -, que, sendo trabalhadores independentes, sem contratos com as entidades empregadoras, sem descontos para a segurança social, dependentes de um trabalho muito irregular, a que é preciso acrescentar permanentemente a polivalência profissional, e sem direito à protecção na saúde e a um estatuto socioprofissional, exercem uma actividade, e, com esta opção, dão uma importante resposta cultural ao País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Muito, de facto, é preciso ainda fazer, mas os Srs. Deputados da maioria não querem fazer rigorosamente nada. Pela nossa parte, a disponibilidade é total. Assim a maioria e o Governo fossem capazes de se entender, o que parece que cada vez mais difícil.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje a discutir uma iniciativa que nos remete para uma lacuna gravíssima no nosso ordenamento jurídico e que visa preenchê-la, dando resposta a um sector profissional cuja especificidade exige uma resposta especial do ponto de vista da protecção social.
Estamos a falar de bailarinos, de pessoas cuja formação, vida, exigência, disciplina, rigor e intensidade de actividade é sinónimo de um fim de carreira prematuro, o que significa que estamos a falar de pessoas que têm o direito de ter uma resposta diferenciada do ponto de vista da sua protecção social e, concretamente, de tempos diferenciados para acesso ao direito à pensão dita de velhice, numa idade que, manifestamente, ainda não o é, mas na qual já estão impossibilitadas de continuar a exercer a sua actividade profissional.
Estamos a falar deste grupo de cidadãos num contexto preciso, em que a maioria, cada vez mais visivelmente uma maioria de bloqueio, vem alegar não ter tido possibilidade de apresentar, em tempo útil, o seu projecto de lei, para, pura e simplesmente - e pasme-se! -, concluir que ele devia ficar "pendurado",…

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Não é nada disso! Não sabe o que diz!

A Oradora: - … ou seja, remetido a uma não votação. Mas as não votações, Sr.as e Srs. Deputados, nesta Câmara têm uma história por parte desta maioria, que é os diplomas serem remetidos ao esquecimento. Porque, Srs. Deputados da maioria, que têm responsabilidades particulares neste debate, se

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há domínios em relação aos quais as promessas do Governo foram claras, este foi um deles - há domínios onde foram omissos, mas nesta matéria não foram -…

Protestos do Deputado do PSD Gonçalo Capitão.

… e a maioria que foi a votos, como o Sr. Deputado Gonçalo Capitão está a dizer, comprometeu-se a resolver este problema. Acontece que, passados dois anos, ainda não o fez, e agora, se tem a possibilidade de o fazer, na qual o Sr. Presidente da Assembleia da República se envolveu directamente, por que é que o não faz, alegando que, em sede de especialidade, este projecto de lei deveria ser aprofundado e melhorado? Do ponto de vista de Os Verdes, ele pode, seguramente, ser aprofundado e melhorado.
É importante criar condições para que estas pessoas que são prematuramente impedidas de exercer a sua actividade em determinados moldes o possam fazer diferentemente, e poderiam fazê-lo, desde logo, se, em Portugal, o ensino artístico fosse uma realidade, que, manifestamente, não é. E há, seguramente, outros domínios que podem ser densificados do ponto de vista da protecção e da resposta a dar a estes cidadãos.
Srs. Deputados, é precisamente o vosso argumento de que este projecto de lei pode ser melhorado em sede de especialidade que justifica que o aprovem na generalidade, porque é o que, em primeiro lugar, tem de ser feito, para, depois, poderem contribuir com as ideias que têm, que não fizeram sair do papel em tempo útil, dando corpo àquele que foi o vosso compromisso com os eleitores, que era suposto ser um compromisso de honra, contribuindo, assim, para se preencher uma lacuna legislativa, que, manifestamente, e até pelas intervenções feitas, todos assumem existir.
Não me refiro ao Partido Popular, porque ele, no relatório que elaborou sobre esta iniciativa, foi de uma enorme clareza: este problema não carece de solução, este problema pode dispensar um outro enquadramento jurídico; no fundo, a explicação típica da encomenda que o seu ministro no Governo sistematicamente sugere.
Agora, em relação ao Partido Social Democrata, penso que a única saída honrosa que tem neste debate é viabilizar, na generalidade, este projecto de lei e, em sede de especialidade, cumprir aquele que foi o seu compromisso eleitoral e dar sentido às palavras, para que elas não sejam mais um elemento descredibilizador do Parlamento, e, no fundo, permitir a reforma, que só existirá com acções concretas, porque, de outro modo, será uma inútil reforma de papel.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não podemos perder mais tempo.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei agora apresentado pelo Bloco de Esquerda tem uma história que pode muito bem ilustrar o quanto a actividade governativa e administrativa do Estado se encontra muitas vezes desfasada da realidade a que se refere. A bem dizer, o processo legislativo que desembocou neste projecto de lei iniciou-se em Março de 1994, com um projecto de lei preparado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que não teve seguimento. Vivia-se, então, numa maioria absoluta do PSD.
Porém, em Janeiro de 1999, já com um governo do PS, o Decreto-Lei n.º 9/99 veio definir claramente regimes e medidas especiais no que diz respeito à idade de acesso à pensão por velhice "(…) por motivo da natureza especialmente penosa ou desgastante da actividade profissional exercida, expressamente reconhecida por lei". Ora, em 9 de Novembro do mesmo ano, o Decreto-Lei n.º 482/99 viria a referir-se, no seu preâmbulo, à profissão de bailarino clássico ou contemporâneo, como tendo esta natureza, embora o não reconhecesse expressamente no articulado.
Neste diploma, entendia-se os 55 anos como a idade mínima para os bailarinos profissionais terem direito à pensão de velhice, mediante determinadas condições, nomeadamente, como já foi referido várias vezes, terem cumprido 10 anos de exercício da profissão a tempo inteiro, com registo de remunerações, ou, então, os 45 anos de idade, com 20 anos de exercício da profissão, com registo de remunerações, neste caso aplicando-se um factor de redução, que teria em conta o número de anos de antecipação em relação à idade de 55 anos.
Esta situação, não agradando aos profissionais - e muitos deles encontram-se hoje nesta Sala -,

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mereceu dos Deputados do Partido Socialista que então se ocuparam da matéria, entre os quais eu próprio, a elaboração de um relatório, datado de 19 de Janeiro de 2000, onde se propunha uma alteração ao Decreto-Lei n.º 482/99, no sentido de ser reconhecida à profissão de bailarino clássico ou contemporâneo o estatuto de "profissão de desgaste rápido" e de ser dada uma nova redacção ao articulado, recuperando-se o texto do já referido projecto de lei de 1994.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas esta preocupação não foi então sentida - e registo, Srs. Deputados, com saudade - apenas pelos Deputados do PS. Com efeito, em 14 de Março de 2000, o Sr. Deputado Telmo Correia, do CDS-PP, que não está hoje aqui presente, porque se encontra em Timor, mas vai, com certeza, ler este relato,…

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Já chegou!

O Orador: - Ah! Se já chegou, então, deveria estar aqui!

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - E o Deputado Rodeia Machado?! Está cá?!

O Orador: - Como estava a dizer, em 2000, o Sr. Deputado Telmo Correia, em requerimento ao Governo, reconhecia a justeza da pretensão dos bailarinos em verem a sua profissão considerada como de "desgaste rápido", o que não acontecia - reconheça-se! - com o Decreto-Lei n.º 482/99, que, na sua opinião, não satisfazia os intervenientes nesta área, ou seja, os bailarinos profissionais, e considerava que, a manterem-se as condições impostas pelo referido Decreto-Lei, criar-se-ia uma situação insustentável para as companhias de bailado, incluindo a Companhia Nacional de Bailado, porquanto elas seriam obrigadas a manter ao seu serviço um número de profissionais efectivos muito superior ao necessário, pois muitos deles, com mais de 45 anos de idade e já não tendo condições para exercer a profissão, devido ao desgaste imposto pela idade e pelo tipo de actividade, eram obrigados a manter, improdutivos, o vínculo de trabalho até aos 55 anos.
Foi neste contexto que deu entrada, na Assembleia da República, o projecto de lei n.º 171/VIII, do Bloco de Esquerda, o qual, tendo sido admitido a Plenário e discutido na generalidade, não o viria a ser na especialidade, mercê da subsequente dissolução da Assembleia. O texto deste projecto era, mutatis mutandis, o mesmo que agora se discute e que o PS, então, viabilizou.
Mas não foi só o PS que entendeu viabilizar esse projecto de lei, nas suas duas encarnações. É do nosso conhecimento, e da comunicação social, que o divulgou, como já foi aqui referido, que a actual maioria do PSD/CDS-PP preparou um projecto de lei que não só assumia como suas as preocupações de base do projecto do Bloco de Esquerda, hoje em discussão, como até ia mais longe - e ufanaram-se disso! -, criando, por exemplo, um seguro especial para os profissionais do bailado clássico e contemporâneo. E o PSD, como também já foi referido, incluiu esta matéria no seu Programa do Governo.
Confesso que nunca vi esse projecto anunciado pela maioria, mas, se ele fosse como foi dito que era, o PS não teria qualquer dúvida em votá-lo favoravelmente.
Ao mesmo tempo, conhecendo, como julgo conhecer, a generosidade dos Srs. Deputados da maioria que se ocupam destas matérias,…

Risos do PCP, do BE e de Os Verdes.

… e tendo presentes as preocupações que o actual líder parlamentar do CDS-PP manifestou, no seu já referido requerimento,…

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem! Bem lembrado!

O Orador: - … estou convencido de que esses Srs. Deputados, que, pelos vistos, foram impedidos de trazer a debate o seu projecto, não hesitariam em votar favoravelmente o projecto do Bloco de Esquerda.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É incrível!

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O Orador: - Desconfio, no entanto, que o Sr. Ministro da Segurança Social e do Trabalho terá descido, do seu Gabinete, ao terreiro parlamentar,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - … para dar as suas instruções aos Deputados, no sentido de evitar, a todo o custo e, provavelmente, em nome da salvação do malfadado défice, que se reconheça, finalmente, à profissão de bailarino clássico e contemporâneo o estatuto de profissão de desgaste rápido e se crie um regime especial de segurança social para os seus profissionais, como acontece, de resto, e muito bem, com os jogadores de futebol. Mas, neste caso, trata-se, claramente, de outra matéria.
Mas esta minha desconfiança, Sr.as e Srs. Deputados, não é vã, ela baseia-se no relatório, que também já foi referido, sobre a admissibilidade do projecto do Bloco de Esquerda, elaborado pela Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, o qual foi aprovado apenas com os votos da maioria, no passado dia 10 de Fevereiro, em cujas conclusões se lê que, e cito, "Parece não se justificar a alteração proposta no presente projecto de lei uma vez que já estão asseguradas…" - e aqui há um erro de gramática -…

Risos do PCP, do BE e de Os Verdes.

… "… de uma forma bastante abrangente, no ordenamento jurídico português um regime especial de segurança social para os bailarinos profissionais de bailado clássico e contemporâneo".
Este relatório foi assinado pelo Sr. Deputado João Pinho de Almeida, que, segundo consta, foi um dos autores do gorado projecto de lei da maioria, que os Deputados da maioria terão sido proibidos de entregar a esta Assembleia…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - … e que, segundo veio na comunicação social, ultrapassaria, para melhor, o projecto do Bloco de Esquerda. E, curiosamente, o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, do CDS-PP de hoje, o que está no poder, considera "(…) não se justificar a alteração (…)" ao Decreto-Lei n.º 482/99, que é o mesmo Decreto-Lei relativamente ao qual o Sr. Deputado Telmo Correia, do CDS-PP de há quatro anos, então, na oposição, entendia, em requerimento, que não satisfazia e que, por isso, deveria ser alterado.
O PS, que votará favoravelmente o projecto de lei do Bloco de Esquerda, disponibilizando-se para colaborar no seu aperfeiçoamento em sede de comissão, não pode deixar de manifestar a sua solidariedade e compreensão para com os Deputados da actual maioria, nomeadamente os Srs. Deputados Ricardo Fonseca de Almeida, Telmo Correia e João Pinho de Almeida e até com o Sr. Presidente da Assembleia Mota Amaral, que, nesta, como em outras matérias, em dado momento, prometeram aos cidadãos que, estando no poder, lhes resolveriam problemas concretos como os que aqui estamos a tratar e que, depois de os cidadãos terem confiado nas suas promessas, são agora obrigados, pela incrível e inaceitável atitude de um Ministro que se arroga o direito de desautorizar os Deputados e a maioria que o sustenta, são agora, repito, obrigados a dar o dito por não dito, o resolvido por adiado e o prometido por esquecido.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - É caso para dizer, Sr.as e Srs. Deputados da maioria, e recordando o que, nesta mesma Sala, foi dito, há algum tempo, à laia de aviso, com o dedinho em riste, pelo Ministro da Segurança Social e do Trabalho - e peço desculpa pela vulgaridade da expressão, mas foi o próprio Ministro que a utilizou, referindo-se a ele próprio - Sr.as e Srs. Deputados, "Cuidado com o Bagão!".

Aplausos do PS e do BE.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Campos Cunha.

O Sr. Henrique Campos Cunha (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apresenta o Bloco de Esquerda, nesta Câmara, o projecto de lei n.º 121/IX, que cria um regime especial de reformas antecipadas para os bailarinos profissionais de bailado clássico ou contemporâneo.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda, agora em apreciação, procura esconder, a não ser com uma

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referência muito sucinta no seu artigo 9.º, a existência de legislação, concretamente o Decreto-Lei n.º 482/99, de 9 de Novembro, aprovado na anterior Legislatura e que contempla, em grande parte, o pretendido pelo Bloco de Esquerda. Aliás, este Decreto-Lei é da autoria do PS, designadamente do ex-Ministro Manuel Maria Carrilho, que não se encontra aqui presente.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Assim, o projecto de lei em apreciação visa reconhecer as condições particularmente exigentes na formação destes profissionais, assim como no exercício da profissão, o que é reconhecido pelo Decreto-Lei n.º 482/99.
Refere ainda que a vida de um bailarino profissional exige aptidões físicas, treino intensivo e permanente e uma grande capacidade de sacrifício, o que também é reconhecido pelo Decreto-Lei n.º 482/99, sacrifício, este, que vai além do sacrifício físico, traduzindo-se num misto de incerteza social e desgaste físico e psicológico, tal como também é reconhecido pelo Decreto-Lei n.º 482/99.
Para além do mais, os bailarinos profissionais de bailado clássico ou contemporâneo iniciam a sua actividade muito cedo, quando ainda crianças, conforme também está reconhecido pelo Decreto-Lei n.º 482/99.
Entende o Bloco de Esquerda que, pelo facto de desempenharem um papel relevante na sociedade, quer no plano artístico, quer no plano cultural, para além do desgaste físico e psicológico já referido, deve ser reconhecido aos bailarinos profissionais de bailado clássico ou contemporâneo o direito à antecipação da pensão de velhice, ao perfazerem 45 anos, desde que tenham completado 20 anos de actividade, seguidos ou interpolados, em território nacional, o que também está contemplado no Decreto-Lei n.º 482/99.
Entende, igualmente, o Bloco de Esquerda que podem usufruir de uma pensão de velhice, desde que se verifique o exercício da profissão, a tempo inteiro, pelo menos durante 10 anos seguidos ou interpolados.
Para viabilizar financeiramente o projecto de lei n.º 121/IX, do Bloco de Esquerda, é proposto que os encargos resultantes da aplicação do diploma sejam suportados pelo Orçamento do Estado e pelo orçamento da segurança social.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Não leu o projecto!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Não teve tempo!

O Orador: - Para além da contribuição normal, os bailarinos profissionais de bailado clássico ou contemporâneo e as respectivas entidades patronais contribuirão para o financiamento do regime especial de reforma com uma taxa de 6% do total das retribuições efectivamente devidas ou convencionalmente atribuídas, sendo 2% suportados pelos bailarinos profissionais e 4% pela entidade patronal.
Ainda relativamente a esta matéria, no referido projecto, os bailarinos profissionais que se encontrem a exercer a tempo inteiro a profissão e que não possam constituir carreira contributiva de 15 anos, com o pagamento da taxa suplementar, podem proceder ao pagamento retroactivo da taxa até perfazerem os 15 anos.
No projecto de lei do Bloco de Esquerda, a pensão de velhice não poderá ser acumulada, a qualquer título, com a actividade exercida como bailarino profissional de bailado clássico ou contemporâneo, o que também é reconhecido no Decreto-Lei n.º 482/99.
A verificação das condições de obtenção da pensão de velhice é feita por uma entidade a designar por despacho conjunto dos Ministros da Cultura e da Segurança Social e do Trabalho, o que, mais uma vez, também está contemplado no Decreto-Lei n.º 482/99.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como procurei demonstrar e explicar, e ao contrário do que o Bloco de Esquerda faz crer, os profissionais de bailado clássico ou contemporâneo já dispõem de um regime de protecção social especial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 482/99, de 9 de Novembro, o qual reconhece a natureza desgastante da actividade desenvolvida e considera as especificidades próprias da referida actividade.
Tal diploma já prevê o direito à pensão de velhice dos profissionais de bailado clássico ou contemporâneo que cumpram, aos 55 anos de idade, pelo menos 10 anos de actividade, seguidos ou interpolados.
Prevê ainda que esta idade possa ser antecipada para os 45 anos, embora sujeito à aplicação do factor de redução previsto no artigo 38.º-A do Decreto-lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 9/99, de 8 de Janeiro, para beneficiários que tenham completado pelo menos 20 anos de

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carreira contributiva, seguidos ou interpolados, e possuam 10 anos, seguidos ou interpolados, de exercício a tempo inteiro da profissão.
Em certos casos, o Decreto-Lei n.º 482/99 é ainda mais generoso do que o projecto de lei do Bloco de Esquerda, como acontece relativamente ao financiamento de encargos resultantes da sua aplicação - a taxa de formação da pensão, no caso do Decreto-Lei aprovado, é só de 2%, enquanto que no projecto de lei do Bloco de Esquerda é de 3,5%, acrescidos de 10% de aplicação.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Adivinhe-se lá porquê!

O Orador: - O Grupo Parlamentar do CDS-PP acompanhou e tomou conhecimento das pretensões de uma comissão de profissionais de bailado clássico ou contemporâneo que, globalmente, lhe parecem merecedoras de levar a alterações do regime especial de segurança social já existente.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Na nossa opinião, parte dos considerandos apresentados pelo Bloco de Esquerda ficam aquém daquilo que o Governo pretende fazer.

Vozes do CDS-PP: - Pois é!

O Orador: - Neste sentido, o Governo anunciou a apresentação, no prazo de seis meses, de uma proposta de lei para a revisão do Estatuto dos Profissionais das Artes e Espectáculos de forma a abranger o regime de aposentação dos bailarinos profissionais. Aliás, tal medida enquadra-se no Programa do Governo apresentado à Assembleia da República no início desta Legislatura e que, para além dos bailarinos, abrangerá outros grupos profissionais, tais como actores e músicos.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Pois é!

O Orador: - O CDS-PP entende também que a legislação sobre esta matéria terá de estar em articulação com o Código do Trabalho, recentemente aprovado nesta Câmara, e de ser consentânea com medidas a tomar no âmbito da segurança social, dentro da política do Governo relativa à reorganização das carreiras contributivas das diferentes profissões.
Por outro lado, será conveniente que o novo estatuto dos profissionais das artes e espectáculos, onde se enquadram os profissionais de bailado, seja precedido de um conjunto de estudos de impacto financeiro e de direito comparado com os outros países da União Europeia por forma a encontrar uma solução global, sistemática e coerente.
A título de exemplo, posso dizer que a França já adoptou o estatuto especial de aposentação para os bailarinos profissionais, enquadrado num conjunto de políticas sectoriais interligadas com vista à aproximação dos vários sistemas de segurança social. É este o caminho que o CDS-PP perfilha; é este o rumo que entendemos dever tomar-se nesta matéria.
Esta iniciativa do Bloco de Esquerda acaba por ser uma medida desgarrada do contexto das políticas do sector cultural e artístico. Assim, face ao exposto e à existência de legislação específica e actual, que prevê e regula o regime especial da antecipação da idade legal de acesso à pensão de velhice dos profissionais de bailado, entendemos que não há urgência na aprovação do projecto de lei n.º 121/IX, do Bloco de Esquerda, devendo-se aguardar pela iniciativa enquadradora do sector, a apresentar pelo Governo no prazo máximo de seis meses.
Ainda para terminar, e porque foram aqui feitas referências a pessoas do meu partido que não estão presentes, nomeadamente ao Sr. Deputado Telmo Correia, quero dizer que o Sr. Deputado Telmo Correia está em missão, juntamente com o Sr. Presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, que também não está presente, e o Sr. Deputado Rodeia Machado, entre outros. E, portanto, o Sr. Deputado Telmo Correia não pode estar presente por se encontrar ainda em missão, como poderão verificar nas folhas de presença.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
Quero também referir-me à atitude do Partido Socialista. Por que é que também não está presente o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho, autor do Decreto-Lei n.º 482/99, e teve de ser o Sr. Deputado Luiz

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Fagundes Duarte a defender a posição do PS, ou seja, uma posição incoerente?

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Henrique Campos Cunha, vem V. Ex.ª falar de coerência e dizer que o Decreto-Lei n.º 482/99 é suficiente quando, ao mesmo tempo, umas palavras adiante, refere que o Governo vai apresentar uma medida precisamente porque a situação, ao que parece, não serve.
Diz o Sr. Deputado que não era necessário o projecto de lei do Bloco de Esquerda; curiosamente, o PSD diz o oposto.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Não ouviu bem! Não foi isso o que ele disse!

O Orador: - Diz o Sr. Deputado que o Decreto-Lei n.º 482/99 já prevê um regime especial. Por que será que os bailarinos não o querem adoptar?! Por que será que nenhum deles se reforma aos 45 anos, sofrendo a penalização que sofrem?! Será por masoquismo?!
Já agora, não leu o requerimento que o Sr. Deputado Telmo Correia escreveu e que já aqui foi abundantemente citado? Não se entendem?!
O Sr. Deputado Telmo Correia está, de facto, em Timor-Leste ou a regressar de viagem, mas as palavras dele estão neste documento, e ele está presente pelas suas palavras! Volto a dizer-lhe o que ele escreveu sobre o Decreto-Lei n.º 482/99, o mesmo que o Sr. Deputado Henrique Campos Cunha considera já prever tudo, que é mais do que suficiente e que é, provavelmente, a pedra-de-toque de toda a questão. Segundo Telmo Correia, este diploma é algo que fica muito aquém das pretensões quer dos bailarinos quer da Companhia Nacional de Bailado, estes não vêem a sua profissão reconhecida como profissão de desgaste rápido e pode levar à extinção da Companhia Nacional de Bailado.

Protestos do Deputado do CDS-PP Miguel Paiva.

Sr. Deputado, mas que incoerência é esta?! Como ousa atacar outros pela sua incoerência quando foi o exemplo acabado da total falta de sintonia entre as posições do seu próprio partido?! Francamente, deu-nos um mau exemplo do que deveria ser a coerência parlamentar.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Entrou aqui de pára-quedas!

O Orador: - Por outro lado, gostava de referir também que o PSD, reconhecendo a pertinência do projecto de lei do Bloco de Esquerda, disse, em primeiro lugar, que tinha um projecto, que o melhoraria e que iria ampliá-lo. Sempre respondemos: "Excelente! Venha esse projecto! Vamos incorporá-lo e, depois de aprovados, vamos certamente discuti-los na especialidade!".
Gostava também de relembrar que o PSD, durante esta semana, foi dizendo que havia contra-informação, que iriam aprovar o nosso projecto de lei. Hoje, finalmente, depois da dita intervenção superior do Ministro Bagão Félix, tudo muda. E tudo muda porque o PSD está refém do Ministro Bagão Félix nesta questão concreta; e o Ministro Bagão Félix, nesta questão concreta, como noutras, revela uma falta de sensibilidade social gritante. Aliás, convém dizer que o PSD, na anterior Legislatura, se absteve em relação a um projecto de lei sobre a mesma matéria.
Ora, o Bloco de Esquerda incorporou neste projecto de lei sugestões do PSD. Se, na altura, o projecto de lei, que era pior, mereceu a abstenção, agora, que está melhorado e que incorpora as suas sugestões, nem a abstenção merece?! É este também um exemplo de coerência?!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - Já agora, Srs. Deputados, permitam-me ler a carta que o Deputado e Presidente da Assembleia da República Mota Amaral enviou, por exemplo, ao Sr. Deputado Guilherme Silva, Presidente do Grupo Parlamentar do PSD: "Peço a atenção de V. Ex.ª e do grupo parlamentar a que dignamente preside, tendo em vista o apoio ao diploma referido ou eventual apresentação de projectos

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convergentes ou alternativos, de modo a que o Parlamento possa responder positivamente às justas pretensões envolvidas."
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, nem temos o apoio ao nosso diploma, nem temos um projecto convergente, nem temos um projecto alternativo e certamente o Parlamento não vai responder, se mantiver estas posições, às justas pretensões aqui envolvidas.
Desta forma a maioria desautoriza o próprio Presidente da Assembleia da República.

Vozes do BE e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr.as e Srs. Deputados, o nosso projecto não propõe um privilégio; propõe o reconhecimento de um direito! Não propõe uma probenda; propõe que se reconheça uma especificidade! Os bailarinos que, com extremo trabalho, muito talento e paixão, nos oferecem os seus espectáculos, não são devedores de qualquer assistencialismo. Eles não vão "ao Paço receber a pensa";…

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - … eles actuam e vivem com paixão!! Um Estado que não reconhece essa paixão é um Estado que não se dignifica a si próprio e é um País que fica adiado.

Aplausos do BE, do PS, do PCP e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado Diogo Feio, está a pedir a palavra para que efeito?

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, para uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, escutei com extraordinária atenção a intervenção do Sr. Deputado João Teixeira Lopes e fiquei com uma dúvida. Ouvi um conjunto de pedidos de esclarecimento ao Deputado Henrique Campos Cunha, ouvi até pedidos de esclarecimento a um Deputado que não está presente porque acompanhou o Sr. Presidente da República numa missão a Timor e a minha dúvida é se a intervenção feita pelo Sr. Deputado foi um pedido de esclarecimento ou uma segunda intervenção.
Assim, peço à Sr.ª Presidente que me dê essa informação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Fale de coisas sérias, deixe-se de diversões! O assunto é demasiado sério para isso.

Protestos do BE e do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Foi uma segunda intervenção, Sr. Deputado.
Tem agora a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida.

O Sr. Ricardo Fonseca de Almeida (PSD): - Sr.ª Presidente, eu não respondo às provocações dos Deputados da oposição, mas agradeço as referências que me fizeram e quero reafirmar aqui alguns princípios.
O primeiro de todos é que não queremos qualquer mediatismo em relação a esta questão. Queremos, sim, contribuir para a proposta do Bloco de Esquerda…

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Vê-se!

O Orador: - … e vamos contribuir também para a proposta do Governo.
O Bloco de Esquerda quis, mais uma vez, fazer o "número" da intriga e da divisão, um fenómeno que abarca as suas intervenções.
Quero ainda reafirmar que já existe um regime especial, o qual queremos melhorar introduzindo novas questões e tornando-o mais abrangente, e assinalar que com o Governo, nomeadamente com o Sr. Ministro Bagão Félix não existe qualquer tipo de divergência,…

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O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Pois não!

O Orador: - … que, pelo contrário, existem reafirmações e aproximações de princípios que irão, por certo, resolver esta questão.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Vocês têm é medo dele!

O Orador: - De qualquer modo, é com particular interesse que vejo que o Sr. Deputado João Teixeira Lopes não respondeu a uma única das pertinentes questões que o Sr. Deputado Gonçalo Capitão lhe colocou sobre esta matéria.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.

O Orador: - Termino, Sr.ª Presidente.
Por último, quero aqui referenciar uma questão que nos deixa completamente atónitos: como conseguem todos os partidos da oposição fazer intriga com este assunto?
Srs. Deputados, a estratégia e a intriga ficam com quem as promove. Afirmo-vos que este assunto vai ser resolvido - mais cedo ou mais tarde vai ser resolvido -, mas resolvê-lo agora, tenho a certeza, está nas mãos do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã. Dispõe de tempo cedido pelo PCP e pelo PS.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Antes de mais, Sr.ª Presidente, agradeço ao Partido Comunista e ao Partido Socialista a cedência de tempo.
Não sei se é por hoje ser sexta-feira, dia 13, mas o certo é que o debate se tornou particularmente azedo por parte da maioria e é surpreendente, e até chocante, que o Deputado Ricardo Fonseca de Almeida, que na sua primeira intervenção manifestou tanta preocupação com a solução do problema, acabe a falar de intriga. Sr. Deputado, os jornalistas e os bailarinos que consigo falaram sabem que, ontem, o PSD comunicou que a proposta de lei seria rejeitada de manhã, que seria aprovada à tarde e que seria de novo rejeitada à noite.
Mas sobre intriga, Sr.as e Srs. Deputados da maioria, quero lembrar-vos que é a primeira vez que este Parlamento discute uma lei em condições em que o seu agendamento foi proposto pelo Presidente da Assembleia da República. Não foi o Bloco de Esquerda que sugeriu à Conferência de Líderes o agendamento desta proposta, foi o Presidente Mota Amaral. Certamente por se lembrar do compromisso eleitoral do seu próprio partido e tendo ouvido os profissionais do bailado clássico e contemporâneo que reclamam um estatuto de reconhecimento das suas características profissionais específicas - por tudo isso -, propôs este agendamento.
Falar de intriga é uma baixaria.

Aplausos do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

Como disse o Deputado João Teixeira Lopes, na legislatura anterior o PSD absteve-se sobre esta matéria. Tinha razões para as abstenções formuladas no debate, que eram a apresentação de alterações.
O Bloco de Esquerda, em conjugação com representantes das bailarinas e dos bailarinos, introduziu essas alterações no actual projecto. Sabemos agora que as razões críticas que levavam à abstenção do PSD são as mesmas razões que, quando está de acordo com o projecto, o levam agora ao voto negativo em relação a esta proposta.
Na verdade estamos numa situação extraordinária: há muito boa vontade, mas se a proposta for apresentada será rejeitada. Essa é a medida da boa vontade.
O Governo e a sua maioria já não estão aqui para fazer propostas, nem sequer para respeitar aquilo que defenderam em campanha eleitoral; estão aqui para fazer oposição à oposição, para rejeitar tudo o que a oposição proponha. Por várias vezes, não tinha sido o Presidente da Assembleia da República a propor a iniciativa, não tinha havido um consenso tão amplo, por várias vezes vários projectos de lei de partidos da oposição, perante críticas da maioria, foram aprovados com abstenção ou com votos a favor e discutidos em detalhe na Comissão, que é para isso que serve a especialidade. Mas aqui temos uma proibição - "abrenúncio Satanás!" - nunca se pode aprovar este projecto de lei, mesmo que proposto pelo Presidente, mesmo que haja consenso profissional, mesmo que todos os parlamentares se

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pronunciem também nesse sentido. Nunca se pode aprovar esse projecto! É uma nova política da maioria… A maioria não tolera, não aceita, proíbe, não cuida sequer dos conteúdos, não se preocupa com o que está em discussão; só sabe que, se for a oposição a apresentar, não vai aprovar - tenham-no dito na véspera, tenham-no dito na antevéspera, não vai aprovar.
Talvez proponha que os bailarinos se possam tornar futebolistas em part-time para utilizarem outros regimes que já existem na segurança social… Talvez essa seja a solução.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Dizem-nos para esperarmos um ano?! Srs. Deputados, daqui a um ano, Pedro Roseta já não é Ministro da Cultura. Por que razão é que havíamos de esperar um ano para um ministro - que há-de vir outro - depois fazer uma outra proposta? É sempre um ano! Adia-se sempre! No próximo ano, é mais um ano… Já passaram três desde que os senhores deixaram passar esta lei e a viabilizaram para o debate na especialidade. A razão pela qual não o fazem agora é a vergonha deste debate.
Contudo, queremos manifestar toda a nossa abertura. Estamos disponíveis para toda a discussão na especialidade e, se os Srs. Deputados quiserem apresentar o vosso projecto de lei - que é um bom projecto de lei -, estamos disponíveis para adiar por uma semana a votação do projecto que fizemos para que, entretanto, dê entrada o vosso projecto e seja naturalmente considerado como um conjunto de propostas de emenda, na especialidade, na comissão.
Aqui têm um bom projecto. Telefonem ao Ministro Marques Mendes, peçam-lhe licença que ele está a ouvir-nos.. e talvez vos responda rapidamente. E com isso faça-se o debate na comissão, porque são precisas soluções e não a recusa, o autismo e a incapacidade de cumprir as próprias promessas que fizeram aos portugueses.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado Gonçalo Capitão pediu a palavra para defesa da consideração da bancada. Pode, por favor, explicar por que é que a bancada se sentiu agravada?

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Com certeza, Sr.ª Presidente. Porque o Sr. Deputado Francisco Louçã, de uma e de outra maneira, mas explicitamente, qualificou a nossa atitude como "baixaria".

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, sem acrimónia alguma, porque não devemos fazer aquilo que não gostamos que nos façam a nós e não devemos desprestigiar o Parlamento como o Bloco de Esquerda tanto gosta de fazer,…

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … queria dizer-lhe que se qualificasse alguma atitude sua como "baixaria" - e não o vou fazer -, diria que "baixaria" é estar aqui a aproveitar um problema sério e que diz respeito a gente tão nobre e que se esmera tanto, como os bailarinos profissionais, e não dar resposta às questões que coloquei ao Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É fazer intriga política!

O Orador: - Vou repetir as perguntas, porque este é um debate que se faz com honra e entre cavalheiros, e é assim que sei debater.

Risos do Deputado do BE Francisco Louçã.

Não me responderam o que é que fazem aos Srs. Bailarinos e às Sr.as Bailarinas que têm de abandonar a sua profissão mais cedo. Não me responderam que esquema de formação profissional e de formação académica prevêem para os bailarinos. Não me responderam qual é a solução que dão para a precariedade laboral, que suspeito que uma solução como a vossa proporciona. E também não explicaram qual é o vosso problema em que o diploma baixe, sem votação, à comissão e aguarde um diploma que o Governo já prometeu.
Não temos problema algum em ser os "maiores" e em ficar como "heróis" dos bailarinos. Sabemos

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que o Governo tem uma solução coerente e estamos à espera dela para a melhorar na especialidade.
Agora, os senhores, mais uma vez, tentaram aproveitar-se de um momento mediático, mas falharam, porque os bailarinos sabem que a vossa solução é incompleta. Os senhores tentaram capitalizar novamente com uma minoria, só que esta minoria é acarinhada pela maioria do povo português e, por isso, vamos dar uma solução consistente às suas reivindicações, não desprezando qualquer outra minoria.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A democracia, para o Sr. Deputado Francisco Louçã, é qualificar a atitude de quem não concorda como baixaria. Quem não perfilha os ditames que o Sr. Deputado constantemente aqui expressa e dita para a bancada de trás não é democrata e faz "baixaria"..!.
Sr. Deputado, rejeito lições de moral de quem pratica a ética do golpe mediático…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e devo dizer-lhe que, no PSD, não pedimos licença nem ao Ministro Marques Mendes nem a ninguém, e não precisamos da sua licença para continuar a ser o partido que sempre fomos e que os portugueses sempre sufragaram.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, registo que o PSD, quando quer elevar o debate, chama o Deputado Gonçalo Capitão. Fica-lhe muito bem essa função.
Sr. Deputado, utilizei o termo baixaria - e repito-o e reitero-o - em relação a uma afirmação que foi a de que o agendamento deste projecto e a sua discussão era uma manobra de intriga. Isso é baixaria!
Este projecto foi agendado porque o Presidente da Assembleia da República, o Deputado Mota Amaral, insistiu e propôs, porque entendeu que com este projecto se poderia construir um consenso na Assembleia, que é o que desejamos.
Se os Srs. Deputados entenderem que sempre que uma bancada da oposição apresenta uma proposta é porque quer ganhar algum protagonismo mediático ou aproveitar-se de algumas pessoas, bem podem aprovar uma alteração à Constituição - se para isso tivessem os votos -, segundo a qual a oposição é proibida.
A oposição, com certeza, preocupa-se com pessoas e só fizemos este projecto de lei porque os bailarinos e as bailarinas da Companhia Nacional de Bailado e outros profissionais da dança assim nos vieram propor, dando testemunho concreto das dificuldades que tinham e que nós tínhamos de ajudar a resolver.
Não pretendemos qualquer protagonismo específico do Bloco de Esquerda. Tomáramos nós que todas as bancadas, aquelas, que construtivamente apresentaram propostas e as outras que vão votar contra este projecto de lei, tivessem apresentado iniciativas legislativas.
Aliás, temos conhecimento da proposta que os Deputados do PSD e do PP apresentaram. É um boa proposta, repito, e a resposta às suas perguntas está na vossa proposta, no vosso projecto de lei - sobre formação, sobre seguro. Têm boas soluções, estamos de acordo com elas, não pomos qualquer obstáculo em relação a elas. Valorizamos o que são boas ideias, boas iniciativas e boas soluções.
O que nos perguntamos é quem é que manda nesta maioria para lhe dizer, uma vez, que o Governo tem soluções e está tudo resolvido, outra vez, que apresente projectos de lei porque, necessariamente, o Governo não tem soluções e, por isso, o Parlamento deve legislar, tirando como conclusão que tem de votar contra um outro projecto de lei acerca do qual, no passado, já se absteve porque o achava importante.
Há aqui um bloqueio político, uma incapacidade, uma inconstância democrática dos Deputados do PSD. Nem sequer estão preparados para ouvir ministros do vosso próprio Governo, porque o Ministério das Finanças concordou, nem mesmo para ouvir o Presidente da Assembleia da República.
O que era preciso aqui era um sinal de abertura que nós próprios estamos totalmente disponíveis para dar. Querem mais uma semana? Avancem o vosso projecto de lei. Ele terá o selo do PSD e do PP, discuti-lo-emos na comissão, em sede de especialidade, com ele faremos uma boa lei. Estamos disponíveis para isso!
Não estamos é disponíveis para jogos políticos de quem ontem prometeu fazer e, amanhã, desfaz,

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querendo fugir à responsabilidade política que assumiu perante o povo português e perante estes profissionais. Não aceitamos que o País estabeleça uma regra para os futebolistas e não pense que, no domínio da cultura, estes profissionais merecem o respeito e a competência de uma lei que atenda às suas necessidades. Eles merecem mais. É por eles que essa lei tem de ser feita. É com eles que essa lei vai ser determinada.

Vozes do BE e do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por terminada a discussão do projecto de lei n.º 121/IX (BE).
A próxima sessão plenária terá lugar na quarta-feira, dia 18, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: um debate sobre saúde, ao abrigo do artigo 77.º, n.º 2, do Regimento, seguido da discussão conjunta das propostas de resolução n.os 39 e 40/IX.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Daniel Miguel Rebelo
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Santos Pereira
João Manuel Moura Rodrigues
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José Manuel dos Santos Alves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Mário Patinha Antão
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
José Manuel de Medeiros Ferreira
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosalina Maria Barbosa Martins

Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes

Partido Socialista (PS):
António Fernandes da Silva Braga

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Maria Amélia do Carmo Mota Santos

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António João Rodeia Machado

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Joaquim Almeida Henriques
Eduardo Artur Neves Moreira
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António Bessa Guerra
José Manuel de Lemos Pavão
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Pedro Filipe dos Santos Alves

Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
Carlos Manuel Luís
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
João Barroso Soares
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Luís Manuel Carvalho Carito
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Rui António Ferreira da Cunha
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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