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Sábado, 8 de Maio de 2004 I Série - Número 86

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE MAIO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Ascenso Luís Seixas Simões
Henrique Jorge Campos Cunha

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.
Foram anunciados os resultados das eleições para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (foram proclamados eleitos António Paulo Duarte de Almeida, Cláudio Ramos Monteiro, Mário António de Sousa Aroso de Almeida e Fernando Manuel Azevedo Moreira) e para o Conselho de Opinião da Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, SA (foram proclamados eleitos Salvato Amador Seabra Teles de Menezes, António Fernando Marques Ribeiro Reis, José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro, Fernando José Cipriano Correia e Pedro Miguel Xavier Cid).
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 397/IX - Cria o Provedor da Saúde (PS), 398/IX - Lei das Associações de Defesa dos Utentes de Saúde (PS), 400/IX - Estabelece medidas que visam assegurar em tempo útil o acesso à prestação de cuidados de saúde pelo Serviço Nacional de Saúde (PS) e 437/IX - Consagra as associações de defesa dos direitos de interesses de utentes do sector da saúde (BE). Usaram da palavra os Srs. Deputados Afonso Candal (PS), Alda Sousa (BE), José Manuel Pavão (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Bernardino Soares (PCP), Isabel Gonçalves (CDS-PP), José António Silva (PSD), João Rui de Almeida e Afonso Candal (PS).
A Câmara apreciou ainda, na generalidade, o projecto de lei n.º 356/IX - Definição do novo regime jurídico das farmácias privadas (BE), tendo-se pronunciado, a diverso título, os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Carlos Andrade Miranda (PSD), Luís Carito (PS), Paulo Veiga (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP) e Luísa Portugal (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 11 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Fernando de Pina Marques
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Casimiro de Deus Pereira da Silva
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes

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Manuel Alves de Oliveira
Maria Aurora Moura Vieira
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Pereira Serrasqueiro
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte

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Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Botelho Correia Sousa
Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Álvaro José de Oliveira Saraiva
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta dos resultados das eleições para órgãos externos realizadas ontem pelo Parlamento.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a acta da eleição de quatro membros para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais é do seguinte teor:

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Aos seis dias do mês de Maio de dois mil e quatro, procedeu-se à eleição de quatro membros para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Votantes - 191
Candidatos propostos:
Efectivos
António Paulo Duarte de Almeida (PS)
Votos "sim" - 150
Votos "não" - 9
Abstenções - 8
Votos brancos - 24

Cláudio Ramos Monteiro (PS)
Votos "sim" - 149
Votos "não" - 9
Abstenções - 9
Votos brancos - 24

Fernando Manuel Azevedo Moreira (PSD/CDS-PP)
Votos "sim" - 134
Votos "não" - 15
Abstenções - 14
Votos brancos - 28

Mário António de Sousa Aroso de Almeida (PSD/CDS-PP)
Votos "sim" - 138
Votos "não" - 16
Abstenções - 9
Votos brancos - 28

Suplentes
Carlos Manuel de Andrade Miranda (PSD/CDS-PP)
Votos "sim" - 127
Votos "não" - 17
Abstenções - 11
Votos brancos - 36

Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo (PSD/CDS-PP)
Votos "sim" - 124
Votos "não" - 17
Abstenções - 13
Votos brancos - 37

Luís Carlos Guimarães de Carvalho (PS)
Votos "sim" - 135
Votos "não" - 10
Abstenções - 10
Votos brancos - 36

Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro (PS)
Votos "sim" - 140
Votos "não" - 8
Abstenções - 10
Votos brancos - 33
Face ao resultado obtido, declaram-se eleitos os seguintes candidatos:
António Paulo Duarte de Almeida
Cláudio Ramos Monteiro
Mário António de Sousa Aroso de Almeida
Fernando Manuel Azevedo Moreira.

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Para constar se lavrou a presente acta, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores, Manuel Oliveira - Henrique Campos Cunha - Ascenso Simões.

Procedeu-se também à eleição de cinco representantes para o Conselho de Opinião da Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, SA, cuja acta é do seguinte teor:

Aos seis dias do mês de Maio de dois mil e quatro, procedeu-se à eleição de cinco representantes para o Conselho de Opinião da Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, SA.
Foram presentes a sufrágio duas listas designadas, respectivamente, por A, proposta pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata e pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular, e B, proposta pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
A Lista A apresentou os seguintes candidatos:
Efectivos
Salvato Amador Seabra Teles de Menezes
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro
Pedro Miguel Xavier Cid
Manuel Sobral Jorge Carreira Maltez
Paulo Jorge Rabanal da Silva Assunção
Suplentes
Daniel Fernando Lopes Ferreira Gomes Gaspar
Sandra Maria Santos Gameiro Henriques de Jesus de Brito Pereira
Nuno Miguel Pantoja Nazaret Almeida Conde

A Lista B apresentou os seguintes candidatos:
Efectivos
António Fernando Marques Ribeiro Reis
Fernando José Cipriano Correia
Nuno José Dias Teixeira
Maria Estrela Ramos Serrano Caleiro
Rui Manuel Munster Teixeira da Motta
Suplentes
Alexandre António Cantigas Rosa
António José Delgado Colaço
Maria José de Jesus Ribeiro.
Os resultados obtidos foram os seguintes:
Votantes - 191
Votos Lista A - 93
Votos Lista B - 73
Votos brancos ou nulos - 25
Nos termos legais aplicáveis, e face ao resultado obtido, declaram-se eleitos para o Conselho de Opinião da Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, SA, os seguintes candidatos:
Salvato Amador Seabra Teles de Menezes
António Fernando Marques Ribeiro Reis
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro
Fernando José Cipriano Correia
Pedro Miguel Xavier Cid.
Para constar se lavrou a presente acta, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores, Manuel Oliveira - Henrique Campos Cunha - Ascenso Simões."

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de seguida, vamos apreciar conjuntamente, na generalidade, os projectos de lei n.os 397/IX - Cria o Provedor da Saúde (PS), 398/IX - Lei das Associações de Defesa dos Utentes de Saúde (PS), 400/IX - Estabelece medidas que visam assegurar em tempo útil o acesso à prestação de cuidados de saúde pelo Serviço Nacional de Saúde (PS) e 437/IX - Consagra as associações de defesa dos direitos de interesses de utentes do sector da saúde (BE).
Para apresentar os projectos de lei do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma vez mais, e por iniciativa do Partido Socialista, a saúde vem hoje a debate neste Plenário.
A saúde, como é público e notório, não está bem, está mesmo mal: hospitais que não abrem, como é o

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caso do Hospital do Litoral Alentejano; centros de saúde que não são construídos, como em Cabeceiras de Basto; listas de espera que não param de aumentar, o que, inclusivamente, já é assumido pelo próprio Ministro, que se vê na contingência de avançar com um novo programa para tentar uma outra hipótese de cumprir a sua promessa de acabar com as listas de espera, apesar de ser manifestamente impossível; o problema grave que existe nas maternidades, como, por exemplo, na maior maternidade do País, a Alfredo da Costa;…

O Sr. António José Seguro (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - … as demissões e as destituições das administrações de hospitais SA, e agora, também, do responsável pela Unidade de Missão Hospitais SA.
O PS, como partido responsável da oposição, apresenta, pois, aqui hoje vários projectos de lei com propostas construtivas que visam melhorar todo o sistema.
Visam, desde logo, uma mais forte participação por parte dos utentes, consagrando a existência, com uma lei própria, das associações de utentes da saúde. Também visam a transparência do sistema, em especial no que respeita às listas de espera, questão que tanto diz aos portugueses, impondo a obrigatoriedade da prestação de informação clara e inequívoca periodicamente à Assembleia da República e em termos públicos, de informação ao utente e de informação global disponibilizada, nomeadamente na Internet, para que todos conheçam em pormenor a sua situação e possam ter expectativas fundadas na verdade para a resolução da mesma.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Visam ainda a salvaguarda dos interesses dos utentes e da fiscalização, com a criação de um provedor da saúde, que olhará pelo bom andamento de tudo o que diz respeito à saúde dos cidadãos.

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas, infelizmente, não é só ao nível da política de saúde que as coisas não estão a correr bem a este Governo.
A função da oposição não é só a de ter uma atitude construtiva e de propor projectos de lei, que, infelizmente, a maioria tem vindo a reprovar um atrás de outro, tendo inclusivamente já anunciado que as iniciativas que estamos a discutir não merecerão sequer ponderação da sua parte, estando-lhes reservado, mais uma vez, um chumbo, o que é absolutamente incoerente com o discurso que a maioria faz de que a oposição, sobretudo o PS, não tem um projecto alternativo, não tem propostas. Isso é falso! O PS apresenta aqui as suas propostas; a maioria é que, de forma cega, chumba, reprova e vota contra todos os projectos que não tenham as suas cores!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Já está tudo feito!

O Orador: - Como dizia, não é só ao nível das políticas de saúde que as coisas não estão bem, tendo a oposição também responsabilidades em termos de fiscalização da actuação do Governo.
São diversas as notícias que vêm a público relativamente a áreas sob a tutela do Sr. Ministro da Saúde com contornos que não são nem de perto nem de longe claros e transparentes. Portanto, também a seu tempo, o PS tomará a iniciativa de, de forma consistente, poder aprofundar estas matérias no sentido do seu cabal esclarecimento.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Muito bem!

O Orador: - A documentação já é muita, no que toca, por exemplo, ao processo de informatização dos hospitais SA, com avanços e recuos, mas nitidamente com contornos pouco claros, bem como à informatização de outros organismos sob a tutela do Sr. Ministro da Saúde e no que se refere a questões que se prendem com as empresas de auditoria e de consultoria que trabalham para o Ministério, não se sabendo exactamente que tipo de contratos existem, quais são os objectivos, sendo que, depois, multiplicam as suas acções com outras empresas contratadas pelos próprios hospitais.

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O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Muito bem!

O Orador: - Temos ainda o dossier Netsaúde, que também tem vindo a público e em relação ao qual estamos a recolher informação.
Portanto, Srs. Deputados da maioria e da oposição, o Partido Socialista está atento às mais diversas vertentes, à vertente política, que é aquela que mais diz respeito à vida diária e quotidiana dos cidadãos, não sendo o cenário muito positivo, mas também no que se refere à fiscalização da acção do Governo, que se quer de contornos claros, transparente e acima de qualquer suspeição. Não é nosso objectivo levantar suspeições sobre o que quer que seja mas tão-só garantir que todos os comportamentos do Governo são claros e transparentes.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa para apresentar o projecto de lei do seu partido.

A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de apresentar o projecto de lei da autoria do Bloco de Esquerda, que consagra as associações de defesa dos direitos e interesses dos utentes do sector da saúde.
A constituição de associações cuja natureza se relaciona com a defesa dos direitos e dos interesses dos utentes em questões relacionadas com a saúde é uma prática consolidada na sociedade portuguesa, como, aliás, em muitos outros países europeus e também nos Estados Unidos. Já há dezenas de organizações deste tipo na sociedade portuguesa, tendo as mesmas um papel muito importante no quadro democrático. É essencial que o continuem a ter no sentido de tornar esse quadro democrático mais participado e abrangente.
A contribuição e a intervenção das associações de utentes consubstanciou-se em passos importantes na área da saúde no nosso país, passos geradores de maior justiça e igualdade no acesso aos cuidados por parte da população. Tem sido, na maior parte dos casos, uma intervenção voluntária de homens e mulheres, que se tem direccionado para défices manifestados no Serviço Nacional de Saúde ou para contestação de algumas linhas de orientação política geradas no complexo sistema da saúde.
Poderia destacar, a título de exemplo, alguns objectos da intervenção associativa dos utentes de saúde: a defesa de direitos adquiridos; a exigência de direitos legitimamente desejados pelos utentes; a criação de sistemas assistenciais complementares ao Serviço Nacional de Saúde; a realização de iniciativas que permitam a informação da opinião pública; ou mesmo a formação técnico-científica de profissionais.
Do nosso ponto de vista, o projecto que agora apresentamos não visa responder apenas à conjuntura em que vivemos, embora seja de salientar que a complexidade das transformações que a saúde atravessa em Portugal tem tornado mais premente quer a intervenção das próprias associações de utentes quer também a consagração dos seus direitos; pretende, antes, reconhecer o papel de cidadão que essas associações, já existentes ou a formar, possam ter na sociedade e, portanto, consagrar um quadro de direitos e de deveres, dando visibilidade a um leque cada vez mais alargado de associações que intervêm de uma forma participada na sociedade.
Este projecto foi elaborado depois de uma consulta a várias associações do sector e, portanto, procuramos com ele valorizar o trabalho e a intervenção das associações de defesa dos direitos e interesses dos utentes do sector da saúde, enfatizando a sua utilidade pública, enquadrando o seu funcionamento pela definição da sua natureza e delimitação dos fins a que se destina.
Pensamos também que é útil definir, pela especificidade em si contida, os direitos de participação e de intervenção das associações de utentes, conferindo-lhes direito de representação em estruturas de consulta e também de definição de políticas que prevejam, na sua constituição, a presença de representantes dos utentes.
Consideramos ainda que é útil atribuir às associações, enquanto representantes legítimas dos direitos e interesses dos utentes, direito de tempo de antena, definir o regime de apoio do Estado, nomeadamente ao nível da cooperação, das isenções e de outros benefícios, e somos de opinião que este projecto contribui para aprofundar o estatuto dos membros dos órgãos das associações de utentes em regime de voluntariado.
Portanto, do nosso ponto de vista, este projecto sistematiza uma série de aspectos dispersos pela legislação, condensa os direitos e deveres que são consignados às associações de utentes e acrescenta-lhes outros que até agora não tinham, tais como o direito de representação em organismos consultivos, nomeadamente no Conselho Económico e Social - uma das propostas concretas que apresentamos é a de que essa participação deverá ser feita por representantes designados pelas próprias associações - e o

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direito ao estatuto do mecenato, que era, até agora, mais exclusivo de certos tipos de associação, como as IPSS e outras. Além disso, consagra direitos aos que trabalham em regime de voluntariado nestas associações, nomeadamente alargando, por exemplo, o estatuto de equiparação a bolseiro às pessoas que trabalham para alcançar os objectivos destas instituições e para o bem comum.
Portanto, procura-se valorizar e reforçar o papel das associações de utentes, criando-se uma legislação específica e explícita para as enquadrar.
Esta não é uma prática isolada, há outros casos similares, tais como os das associações de famílias, das associações de consumidores, das associações de pessoas portadoras de deficiência, das associações de mulheres e outras, que também têm visto serem consagrados alguns dos seus direitos e deveres específicos, para que estes não fiquem diluídos nos direitos e deveres gerais do direito de associação.
Evidentemente que este nosso projecto converge, em muitos aspectos, com o projecto que o Partido Socialista também apresenta. Pensamos, no entanto, que alarga o âmbito dos direitos e torna-os mais explícitos, o que pode constituir um aspecto importante para que a participação cidadã destas organizações de utentes possa ser, de facto, alargada e tenha uma visibilidade e um direito de cidadania que não tem tido até agora.
A terminar, direi que o projecto do Partido Socialista tendo em vista a criação do provedor da saúde merece também o nosso apoio. Somos de opinião que é importante o reforço dos mecanismos que possam permitir aos utentes em geral, de uma forma organizada ou de uma forma individual, terem meios de fazer chegar aos órgãos consultivos e aos órgãos de poder quer as suas opiniões sobre políticas de saúde, como é o caso que propomos para as associações de utentes da saúde, quer também as suas queixas, os seus descontentamentos, para que a sua voz se faça ouvir, de uma forma mais forte, na sociedade portuguesa.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pavão.

O Sr. José Manuel Pavão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, abordarei o projecto de lei n.º 397/IX, do Partido Socialista, que visa a criação do provedor da saúde.
O que se pretende com este projecto é criar um órgão independente, a funcionar junto da Assembleia da República, cuja função principal consiste na defesa e garantia dos direitos dos utentes de saúde consagrados na lei, competindo-lhe ainda a emissão de pareceres, recomendações e propostas com base em pedidos ou queixas que lhe tenham sido dirigidas.
Em síntese, o que a presente iniciativa pretende é instituir um órgão independente e específico na área da saúde, que, no quadro das transformações em curso no sistema, possa apoiar e promover os direitos de cidadania e contribuir para garantir a equidade no acesso aos cuidados de saúde, independentemente da natureza jurídica das entidades prestadoras destes serviços.
Convém recordar, a propósito, que têm sido numerosas e várias, desde 1975, as tentativas de criação de provedores especiais, ou dos também chamados provedores sectoriais, de que aponto como exemplos, dentro da matéria que consultei, o provedor das forças armadas, o provedor ecológico o provedor da criança, o provedor do animal, o provedor dos idosos, cargos que, não obstante o respectivo debate, nunca chegaram a merecer aprovação por parte desta Assembleia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que acontece é que o resultado da multiplicação dos pretensos provedores sectoriais, ou provedores especiais, seria, logicamente, o inverso do alegadamente pretendido, que era dar voz ao respectivo sector.
De facto, um provedor sectorial ou especial tenderia sempre a ser confundido com um órgão de pressão, teria uma expressão política muito diminuída e, naturalmente, uma legitimidade muito condicionada. E, sob o ponto de vista constitucional, o modelo de unidade impede qualquer subtracção ao âmbito de intervenção atribuída ao Provedor de Justiça.
Perante isto, devemos, de facto, interrogar-nos sobre que papel e qual o respectivo âmbito que restaria ao Provedor de Justiça se, porventura, fossem criados e postos a funcionar os múltiplos provedores sectoriais ou especiais que, desde 1975, como disse, têm sido propostos e rejeitados.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que existem hoje mecanismos que asseguram a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos, em geral, e dos utentes dos serviços de saúde, em particular, que é destes que estamos agora a falar. Referimo-nos à figura do Provedor de Justiça, que é defensor e promotor dos direitos, liberdades e garantias e interesses legítimos dos cidadãos, podendo estes apresentar-lhe queixas

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por acção ou omissões dos poderes públicos. É isto o que reza o artigo 23.º da Constituição.
De igual modo, também recentemente - para o que chamo a atenção da Câmara -, a Entidade Reguladora da Saúde, criada pelo Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, centra a sua actuação na defesa dos utentes e tem por objectivo a regulação, a supervisão e o acompanhamento da actividade desenvolvida pelos estabelecimentos, instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde, cabendo-lhe, fundamentalmente, defender os interesses dos utentes e garantir a concorrência entre operadores.
Com efeito, esta entidade é já, de facto, um verdadeiro provedor, que para além de constituir uma autoridade administrativa independente, na medida em que se propõe assegurar o direito de acesso universal e igual a todas as pessoas ao serviço de saúde, garante os adequados padrões de qualidade dos serviços de saúde e ainda assegura os direitos e interesses legítimos dos cidadãos.
Por conseguinte, merece-nos a maior reserva a criação desta nova figura, não só porque se apresenta como uma duplicação mas, sobretudo, por estar na dependência, no que respeita ao apoio técnico e financeiro, desta Assembleia da República.
Face ao exposto, e dado já existirem na área da saúde mecanismos e práticas que asseguram a promoção ao diálogo e à participação dos cidadãos no acompanhamento do serviço de saúde, e estando previsto o funcionamento, para breve, da Entidade Reguladora da Saúde, pensamos que esta iniciativa é inoportuna e desajustada.
Passo, de seguida, a abordar o projecto de lei n.º 398/IX, também do Partido Socialista - Lei das Associações de Defesa dos Utentes de Saúde -, que visa a aprovação do enquadramento jurídico de base aplicável às associações dos utentes de saúde a nível nacional, regional e local.
Pretende este projecto de lei consagrar o direito de participação e de intervenção das associações de utentes na definição e acompanhamento das políticas de saúde, reconhecendo-lhes um estatuto de parceiro social, concedendo-lhes a faculdade de indicar representantes para órgãos de consulta e participação que funcionem junto de entidades que tenham competência no domínio da saúde.
Estas associações, como é sabido, constituem uma forma de organização das populações e são estruturas com reconhecida importância para os utentes, mormente na promoção e defesa dos serviços públicos que (sei) todos desejamos de elevada qualidade.
Refiro, a título de exemplo, as associações dos doentes crónicos, algumas das quais tenho acompanhado, vivido por dentro e apoiado nas suas dificuldades e problemas e que, a meu ver, são o testemunho real de como é importante agir e articular com a sociedade, tendo em vista não apenas tratar tais doenças mas também reduzir ao máximo o seu carácter limitativo, que, como se adivinha, tem uma repercussão negativa na capacidade produtiva.
É, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na minha modesta opinião, uma luta de todos profissionais e utentes, enfim, de todos os cidadãos com sentido de responsabilidade social.
Reconhecemos, entretanto, o seu papel importante e por esta razão têm estado a ser aprovados programas nacionais de combate às doenças crónicas mais incapacitantes e aquelas que, afinal, têm maior peso social. Por isso, no Ministério da Saúde, está a proceder-se, depois de terem sido já ouvidas as associações de doentes, à reflexão e ao desenho da revisão da abordagem global do doente crónico, em termos de garantia de uma maior equidade no acesso aos meios de auto-vigilância e controlo na evolução da doença.
De facto, as associações de defesa dos utentes da saúde e até mesmo as próprias ligas de amigos dos hospitais sempre viram reconhecido e valorizado o seu abnegado trabalho em prol dos doentes e são frequentemente consultadas e chamadas a colaborar pelos responsáveis das instituições de saúde quando o seu parecer e colaboração são julgados importantes para o desenvolvimento de medidas no interesse dos próprios doentes e algumas vezes até no esquema assistencial dos próprios estabelecimentos de saúde.
É na exacta medida em que estas transformações estão a ocorrer no sector da saúde, especialmente na adopção de novas regras de gestão reconhecidamente mais céleres e menos complexas, e que, portanto, significam mais diálogo com todos aqueles que voluntariamente estão dispostos a colaborar, que aqui saliento a inconsistência desta iniciativa.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não devemos cair no equívoco de decidir a obrigação jurídica de as instituições públicas de saúde ouvirem as já referidas associações de cidadãos transformando-as numa espécie de sindicato dos doentes e despojando-as daquilo que mais as valoriza, mais as dignifica, mais as enobrece, que é a grandeza do humanismo e a essência do seu voluntariado.
Por isso, e em face do que aqui pretendi expor de um modo racional, metódico e organizado, pensamos que não merece aprovação o diploma que acabei de analisar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vou fazer uma análise global dos dois conjuntos de projectos de lei que hoje são submetidos a discussão no Plenário e que têm implícito e remetem para um domínio de enorme sensibilidade social, que é o das questões da saúde.
Em primeiro lugar, as razões que estão implícitas na apresentação do projecto de lei do Partido Socialista que propõe a criação do provedor de saúde são claras e, naquilo que é a preocupação que veiculam, têm o nosso inteiro apoio, ou seja, no sentido da compreensão da necessidade de garantir equidade no acesso aos cuidados de saúde, de garantir os direitos dos cidadãos neste domínio tão sensível, direitos que são da maior importância e que a evolução ocorrida neste sector torna hoje cada vez mais precários. Os sinais inquietantes que se têm vindo a somar nalgumas unidades de saúde permitem indiciar que este é um problema que tende a ampliar-se e que a qualidade, a rapidez e a humanização dos serviços prestados nos diversos serviços que fazem parte de todo o sistema da saúde podem vir, no futuro, a discriminar os cidadãos, designadamente entre os hospitais SA - os hospitais sem alma - e os outros para as quais tendencialmente tenderão a ser atirados os cidadãos que não têm alternativa, os mais desfavorecidos e os mais pobres.
Apesar de concordarmos inteiramente com isto, há uma pergunta que poderia fazer ao Partido Socialista, porque o próprio parecer da 1.ª Comissão, apresentado pela Sr.ª Deputada Adriana de Aguiar Branco, na retrospectiva histórica que faz ao situar este diploma, chama a atenção para um facto que durante muitos anos foi, nomeadamente por parte da bancada do Partido Socialista (mas houve a oposição também de outras bancadas nesta Câmara, porque sempre estivemos isolados neste domínio), a razão da oposição a um velho projecto de Os Verdes, que era a criação do provedor ecológico. Uma questão retomada durante anos e anos e que, lamentavelmente, nunca colheu apoio de nenhuma das bancadas. Recordo-me das várias intervenções de alguns ilustres Deputados da bancada do Partido Social Democrata que, sustentados juridicamente, arrasavam a criação de um outro provedor especificamente orientado, neste caso para a defesa dos valores ambientais, a pretexto de que isso fragilizaria aquilo que o próprio Provedor de Justiça, que tem suporte constitucional, hoje significa.
Por isso, penso que há aqui uma contradição na procura que se faz de um objectivo, que, em todo o caso, partilhamos inteiramente.
O Partido Socialista apresenta um outro projecto de lei que propõe a criação da Lei das Associações de Defesa dos Utentes de Saúde. Em nosso entendimento, este projecto e o do Bloco de Esquerda, que é no essencial coincidente, visam, no fundo, encontrar um suporte jurídico e sistematizar um aspecto importante e um movimento que tem emergido na nossa sociedade por parte de utentes do sistema de saúde que têm procurado organizar-se em defesa não só do direito constitucional de acesso de todos os cidadãos à saúde, mas muitas vezes especificamente em defesa e contra a discriminação que nalguns domínios pontualmente surge. Foi apontado por um colega do Partido Social Democrata o exemplo da associação dos doentes crónicos, que surge com uma razão de ser que tem na sua origem problemas específicos que necessitam de respostas específicas, que lamentavelmente o sistema não tem dado, e o acumular de situações que configuram inaceitáveis discriminações.
É por isso, do nosso ponto de vista, positiva a possibilidade de sistematizar aquilo que são direitos de participação destes cidadãos não só em defesa dos seus interesses, mas também sendo eles próprios mais um espaço de parceria e de envolvimento nas tomadas de decisão em relação à saúde.
Chamo a atenção que deu entrada há mais de um ano nesta Câmara um diploma tendo em vista a não discriminação das pessoas com base na deficiência e em risco agravado de saúde que foi condenado a veto de gaveta. Este diploma tinha também como objectivo prever, prevenir e combater situações de discriminação, designadamente em relação aos doentes crónicos. Penso, pois, que discutir este diploma hoje lembra que há outro em relação ao qual a maioria está em falta e que tem a obrigação de desbloquear.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação aos vários temas hoje em presença é preciso começar por dizer que a participação dos utentes de saúde na gestão e no acompanhamento da gestão das unidades de saúde foi sempre uma miragem.
A verdade é que mesmo mecanismos previstos na lei sobre esta matéria nunca tiveram aplicação efectiva - e refiro-me concretamente aos conselhos gerais, aos conselhos consultivos, às unidades de saúde que, na prática, não tiveram qualquer relevância efectiva no acompanhamento da gestão destas unidades.
Com a situação que hoje se vive nos hospitais SA e noutras unidades devido à política deste Governo

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mais se acentua essa ausência de participação efectiva por parte dos utentes de saúde. Mesmo o diploma que recentemente criou a Entidade Reguladora da Saúde não prevê esses mecanismos de participação. Aliás, é extraordinário que a Entidade que se propõe, nas palavras do Governo - às quais, evidentemente, damos o valor que damos - defender os direitos dos utentes não tenha nenhum mecanismo de participação dos próprios. De facto, é uma prova de que esta matéria continua a ser um parente pobre da política dos governos.
Penso que são importantes os projectos de lei aqui apresentados, tanto pelo Partido Socialista como pelo Bloco de Esquerda, relativamente a um regime jurídico para as associações de defesa dos utentes de saúde. Penso que é de valorizar tal regime específico, embora, evidentemente, aquelas associações já pudessem constituir-se ao abrigo das regras gerais do associativismo, mas, nesta matéria, têm um âmbito específico de intervenção que merece este tratamento particular.
Creio que nada disto deve excluir uma realidade que existe, e certamente continuará a existir, a de haver associações, comissões informais de utentes que, junto dos centros de saúde e de serviços hospitalares, se organizam em torno desta ou daquela necessidade ou desta ou daquela carência para darem um contributo positivo, muitas vezes até em ligação com as direcções dessas unidades, na procura de soluções para os problemas que afectam as populações. Em meu entender, a admissibilidade dessas organizações informais deve continuar a manter-se e penso que esta questão é muito importante, sobretudo se, como defendemos, continuarmos a ver a questão da saúde e dos seus utentes como tal, isto é, como utentes dos cuidados de saúde e não como clientes, porque há uma diferença entre um direito fundamental, que é como deve ser entendido o direito à saúde, e uma mercadoria transaccionável ou de mero consumo, como alguns pretendem fazer do direito à saúde.
A obscuridade e a não transparência na gestão das unidades de saúde são aliadas da incompetência e da política contra os direitos dos cidadãos. Quanto maior for a participação dos utentes de saúde mais garantias haverá de que os problemas principais são apontados e de que se encontram soluções para a sua resolução.
Quanto à figura do provedor da saúde, não pomos em causa a necessidade de defender os interesses dos utentes, não pomos em causa que haja uma preocupação nula, como é afirmado, quanto a esta matéria por parte do Governo, não pomos em causa a necessidade de informação, o direito de reclamação e a necessidade de alguma entidade produzir recomendações sobre esta matéria, mas consideramos, não por causa da questão concreta da figura do provedor da saúde mas, numa abordagem mais geral, das figuras de provedoria, que o melhor caminho a seguir não é o de multiplicar os provedores - e temo-lo expressado noutros momentos de debates, incluindo o da revisão constitucional -, porque pode constituir uma desvalorização da importante figura de Provedor de Justiça, embora os proponentes afirmem não ser esta a sua intenção.
Há certamente necessidade de criar, mesmo fora da figura do Provedor de Justiça, mecanismos que possam, na área da saúde, aumentar os direitos de reclamação, de pedido de informação, mas julgo que isto não justifica a criação de um provedor da saúde especificamente designado como tal.
Finalmente, julgo que também é muito importante e positiva a ideia de haver uma muito maior transparência, por exemplo, em relação às situações de listas de espera.
Pensamos que um dos mecanismos porventura mais eficazes para combater a perpetuação de listas de espera, para combater o segredo com que são tratadas tantas destas matérias é a transparência, proposta no projecto de lei do Partido Socialista; é a possibilidade de cada utente saber qual é a sua situação concreta, quais são as situações em cada unidade de saúde e em cada patologia. Afinal, é o que, nesta Assembleia, todos nós, salvo talvez os Srs. Deputados da maioria, andamos a procurar saber há muitos meses junto do Governo, ou seja, que este nos diga algo tão singelo quanto isto: quantos utentes, por patologia e por hospital, estão em lista de espera no Serviço Nacional de Saúde. É esta informação, imprescindível para a análise da situação, que o Governo nega à Assembleia da República e que gostaríamos que também não fosse negada a cada utente per si, que tem o direito de saber e de poder reclamar, de poder intervir e de, com base nessa informação, defender o seu direito à saúde constitucionalmente garantido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.

A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saudamos esta preocupação do Partido Socialista na defesa da qualidade de prestação dos serviços de saúde. Mas lembramos que, enquanto governo, as listas de espera cirúrgicas eram a sua imagem de marca.

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Protestos do PS.

Lembro que o tempo médio para submeter um utente à operação de que carecia era de seis anos. Porém, é esse mesmo partido que apresenta agora três iniciativas a demonstrar grande preocupação pela qualidade e celeridade com que os cuidados de saúde são prestados.

Vozes do CDS-PP: - Estão baralhados!

A Oradora: - No projecto de lei n.º 397/IX o Partido Socialista propõe a criação de um provedor da saúde, órgão independente a funcionar junto da Assembleia da República, cuja principal função seria a defesa e a garantia dos direitos dos utentes de saúde consagrados na lei.
Ora, esta matéria foi amplamente debatida aquando da discussão do processo legislativo da Entidade Reguladora da Saúde.
A Entidade Reguladora da Saúde, criada pelo Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, centra a sua actuação na defesa do utente dos serviços de saúde. Ela assume a forma de uma autoridade administrativa independente instituída para reforço das garantias ao cidadão no acesso aos cuidados de saúde, cabendo-lhe, enquanto regulador, defender os interesses e os direitos dos utentes.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - O facto é que existem actualmente mecanismos que já asseguram a defesa dos direitos dos utentes dos serviços de saúde em particular.
Mas, ao debatermos o mérito desta iniciativa do Partido Socialista, convém sublinhar uma questão que não pode ser ignorada: a constitucionalidade desta iniciativa.
Em bom rigor, a Constituição da República Portuguesa, no artigo 23.º, prevê a figura de apenas um provedor, o Provedor de Justiça, defensor e promotor dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Ora, esta figura constitucional não é passível de sectorialização, pelo que a proposta do Partido Socialista se torna indefensável.
A criação de um provedor da saúde, atenta a dimensão social e individual do bem jurídico a proteger (a saúde), implicaria, em nossa opinião, uma incompatibilidade com o Provedor de Justiça.
No que se refere à lei das associações de defesa dos utentes de saúde, que se consubstancia nos projectos de lei n.os 398/IX, do Partido Socialista, e 437/IX, do Bloco de Esquerda, importa referir que estes vêm propor a criação de mais um sistema que, em vez de ser eficaz para a regulação e o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, vem criar mais burocracia e mais entraves a um sistema que se pretende eficaz e desburocratizado. Para além destas razões, os utentes não carecem de associações nos moldes previstos nestes diplomas.
A representação dos utentes já está acautelada por outros mecanismos previstos na lei geral, pelo que, em nossa opinião, estas iniciativas são desnecessárias. O órgão por excelência onde os utentes poderão defender os seus direitos e apresentar as suas sugestões para a política de saúde é o Conselho Nacional de Saúde, eleito pela Assembleia da República e previsto na Base VII da Lei de Bases da Saúde.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Previsto, mas não existe! Onde é que ele está?

A Oradora: - Na lei da gestão hospitalar, que veio alterar a Lei de Bases da Saúde, o Governo optou por assumir que o Conselho Nacional de Saúde será em breve uma realidade.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, é o projecto de lei n.º 400/IX, que estabelece medidas que visam assegurar em tempo útil o acesso à prestação de cuidados de saúde pelo Serviço Nacional de Saúde, que nos espanta mais, porque consegue a proeza de não trazer nada de novo, nem nenhum conceito, nem nenhuma ideia verdadeiramente nova,…

O Sr. Digo Feio (CDS-PP): - Isto é que é escandaloso! É uma vergonha!

A Oradora: - … referindo-se apenas a procedimentos que já estão na prática corrente das administrações regionais de saúde (ARS), no que respeita à gestão das listas de doentes inscritos para as cirurgias.
O objectivo de estabelecer medidas que visam assegurar a todos os cidadãos em tempo útil o acesso à prestação de cuidados de saúde já consta da Lei de Bases da Saúde e foi novamente introduzido nos diplomas adoptados por este Governo, ao criar as redes de prestação de cuidados primários, hospitalares e de cuidados continuados.

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A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Onde estão?

A Oradora: - De facto, as administrações regionais de saúde já hoje procedem ao recenseamento dos utentes em espera para intervenção cirúrgica, assim como enviam ao Ministério da Saúde o recenseamento actualizado dos utentes em espera, bem como outras informações relativas à evolução das listas de espera para cirurgia, de avaliação e previsão.
Convém também lembrar a recentemente anunciada criação do novo Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), que irá substituir progressivamente o Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas (PECLEC).
No projecto de lei vertente, pretende-se reforçar o montante das verbas destinadas à recuperação de listas de espera, concedendo-lhes um carácter ordinário.
Ora, Sr.as e Srs. Deputados, não é saudável tomar o recurso a dotações extraordinárias numa medida ordinária, dado que os estabelecimentos hospitalares poderiam cair na tentação de aumentar as respectivas listas de espera de forma a ver os seus orçamentos reforçados.
Assim sendo, continuamos convictos de que o recurso a este tipo de programas especiais deve permanecer, de facto, extraordinário.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O grande desafio para o qual convidamos, desde já, os partidos da oposição consiste em encontrar novos modelos de gestão que possibilitem o aumento da capacidade instalada com os recursos disponíveis, tal como foi previsto na nova lei de gestão hospitalar. Ou seja, inovar de forma a que, à semelhança do que este Governo tem feito, e bem, os portugueses possam continuar a beneficiar de uma prestação de cuidados de saúde cada vez melhor.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José António Silva.

O Sr. José António Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O problema do acesso à prestação de cuidados de saúde está directamente relacionado com o problema das listas de espera nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

O Sr. Afonso Candal (PS): - Está cada vez pior!

O Orador: - Este quadro foi, até há pouco tempo, um dos mais relevantes problemas em Portugal, motivado pelo difícil acesso aos cuidados de saúde, especialmente dos grupos sociais mais desfavorecidos, económica e geograficamente.
Consciente deste grave problema, este Governo e este Ministro da Saúde assumiram o compromisso de realizar reformas urgentes que visassem atribuir aos destinatários do SNS um atendimento de qualidade em tempo útil, contribuindo, assim, para acabar com as listas de espera para as consultas e cirurgias, algumas com 9 a 10 anos de espera.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Então, é do vosso tempo!

O Orador: - O Governo do Partido Socialista, o mesmo Partido Socialista que hoje apresenta este projecto de lei, durante os quase sete anos em que teve a responsabilidade de governar este País, o que é que fez para solucionar este problema?

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Nada!

O Orador: - Nada! Bem, nada, nada, não, sejamos justos: inventaram e puseram em execução o Programa para a Promoção do Acesso (PPA). Infelizmente, para os utentes do SNS, não teve o êxito que todos desejavam e era esperado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este Governo deparou-se, no início do mandato, com uma lista de espera para cirurgias que rondava os 123 000 utentes. Teve de tomar medidas urgentes e pôs em curso o Programa Específico de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas (PECLEC), recorrendo para isso a entidades públicas, privadas ou sociais prestadoras de cuidados de saúde.
Num ano e meio de execução deste programa específico, foram operados cerca de 115 000 utentes,…

Risos de Deputados do PS.

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… havendo cerca de 8000 que não viram ainda a sua situação resolvida…

O Sr. Afonso Candal (PS): - Mais ficção!

O Orador: - … e cujo problema é anterior a Junho de 2002. Para estes, o limite temporal é antes dos finais de Junho de 2004.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde Junho de 2002 até ao momento actual, período de tempo que o Ministro da Saúde definiu como o necessário para eliminar a lista de espera que encontrou quando assumiu a responsabilidade do Ministério, compreensivelmente começou a haver uma nova lista de espera -…

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - … aquela de que o Partido Socialista tanto fala -…

O Sr. Afonso Candal (PS): - Por acaso até maior!

O Orador: - … esta agora com uma demora média de um ano,…

O Sr. Afonso Candal (PS): - Começou há ano e meio!

O Orador: - … quando, anteriormente, havia uma demora média de 9 a 10 anos, que os senhores não resolveram.
Para resolver o problema destes doentes e de outros que venham a precisar de cirurgia, vai ser implementado pelo Ministério da Saúde um novo Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), com início já em Junho de 2004.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Pensei que fosse em 2010!

O Orador: - O Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia, que entrará em vigor no Alentejo e no Algarve, como regiões-piloto, é um programa contínuo e regular, com vista à redução sustentada dos tempos de espera.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 400/IX, apresentado pelo PS, é um projecto carecido de oportunidade e de mérito, pois, não trazendo qualquer ideia ou conceito verdadeiramente novos, refere procedimentos que já estão na prática corrente das ARS no que respeita à gestão das listas de doentes inscritos para cirurgias.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Mais ficção!

O Orador: - De facto, já hoje as ARS, como VV. Ex.as reconhecem: procedem ao recenseamento dos utentes em espera para intervenções cirúrgicas; enviam mensalmente ao Ministério da Saúde o recenseamento actualizado, bem como outras informações relativas à evolução das listas de espera para cirurgias;…

O Sr. Afonso Candal (PS): - Se o fazem, não dizem a ninguém!

O Orador: - … constituem o elo essencial entre a procura de uma cirurgia e a oferta disponível aos doentes para estes serem operados nos estabelecimentos da sua escolha, logo que o tempo clinicamente aceitável seja excedido; têm um papel essencial na transferência de doentes entre hospitais públicos e entre estes e estabelecimentos do sector privado e social; e possuem competências que lhes permitem realizar os concursos públicos necessários à satisfação das necessidades da respectiva região em termos de cirurgias.
Tudo isto, Srs. Deputados, já foi feito com este Governo e com este Ministro da Saúde.
Para terminar Sr. Presidente e Srs. Deputados, importa referir que já existe uma dotação orçamental especial para dar resposta às listas de espera para cirurgias.
No projecto de lei em análise, pretende-se reforçar o montante das verbas destinadas à recuperação de listas de espera, concedendo-lhes um carácter ordinário. Como disse a Deputada Isabel Gonçalves, não é saudável tornar o recurso a dotações extraordinárias numa medida ordinária, pois os estabelecimentos

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hospitalares poderiam cair na tentação - como, aliás, fizeram no tempo dos governos de VV. Ex.as - de aumentar as respectivas listas de espera, de forma a ver os seus orçamentos reforçados.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Ah, sim, sim!…

O Orador: - Continuamos convictos de que o recurso a este tipo de programas especiais deve permanecer, de facto, extraordinário.
Continuamos convictos de que estamos no caminho certo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados da oposição aos diplomas:…

Risos do PS.

… Os Srs. Deputados perderam uma oportunidade, uma oportunidade óptima de participar na melhoria dos cuidados de saúde. Os senhores nem sequer leram bem os diplomas do PS.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Muito bem!

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Não leram!

O Orador: - Os senhores nem sequer estudaram bem a lição. E, mais grave do que isto, os senhores, hoje, aqui, demonstraram que não têm conhecimentos à altura para debater esta questão. Não têm!

Vozes do CDS-PP: - Oh!…

O Orador: - Perderam esta oportunidade.
As propostas do PS tinham um traço comum, de extrema importância e que vai ao encontro das actuais e modernas teorias na área da saúde, que é o de os doentes participarem nas políticas de saúde. E os senhores perderam esta oportunidade, hoje. Nomeadamente no que diz respeito às listas de espera, os senhores não perceberam a questão central deste problema, que só se resolve se os doentes forem eles próprios a colaborarem e a controlarem a sua situação.

Vozes do PS: - Muito Bem!

O Orador: - E o Sr. Deputado José António Silva não leu bem o diploma do PS e a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves também não. É que só a partir do momento em que sejam os próprios doentes a controlarem a sua situação…

O Sr. José António Silva (PSD): - O tempo dos "controleiros" já passou!

O Orador: - … e a terem acesso a essa informação é que se resolve o problema. E os senhores têm de dizer hoje e aqui se estão ou não de acordo em que devem ser os doentes a controlar a sua própria situação, quando e onde devem ser operados, bem como outras situações que se possam resolver.

Aplausos do PS.

Há ainda uma outra questão que os senhores não entenderam. Dizem que é através de uma associação dos doentes e também da comissão nacional de saúde, que a Sr.ª Deputada se esqueceu… A Sr.ª Deputada não leu bem, porque a comissão nacional de saúde…

Protestos da Deputada do CDS-PP Isabel Gonçalves.

Sr.ª Deputada, não existe comissão nacional de saúde. Está prevista, mas não existe! Nós propusemos, mas os senhores "chumbaram" a proposta!

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Vozes do PS: - "Chumbaram-na"!

O Orador: - Portanto, perderam hoje aqui uma oportunidade soberana para poderem participar na melhoria dos cuidados de saúde.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já foi dito, e farei um resumo em palavras simples mas significativas, estas nossas três iniciativas visam três questões essenciais: a participação dos utentes, a transparência nos processos e a fiscalização da actuação de todos os agentes na área da saúde.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A isto a maioria diz que não interessa, pelo que vai reprovar estas iniciativas. Bom, nós já sabíamos que, infelizmente, a esta maioria não interessa a participação, não interessa a transparência e ainda menos interessa a fiscalização.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Infelizmente, por aquilo a que assistimos hoje, há uma crescente necessidade de reforçar estes três pilares da vida política e cívica no País, daí a nossa iniciativa.
Há situações evidentes que necessitam de clarificação, porque, ao não haver participação, a transparência vai-se perdendo, havendo, portanto, necessidade de reforçar a fiscalização.
Fiz referência a vários processos em curso sob a tutela do Sr. Ministro da Saúde, mas há, de facto, um com contornos absolutamente obscuros, ou pouco claros, se quisermos, que é a questão da empresa NetSaúde.
A semana passada, no debate que aqui tivemos, também promovido pelo Partido Socialista, sobre questões de política de saúde, o Sr. Ministro disse que não havia fundos públicos envolvidos no processo de candidatura da NetSaúde ao programa comunitário Saúde XXI, o que é muito estranho, porque é o programa que apoia as candidaturas com 75% de fundos comunitários, sendo 25% de fundos nacionais, da entidade pública promotora da candidatura. E, portanto, haverá sempre 75% de fundos comunitários. O Sr. Ministro entende que não são públicos?! Há aqui coincidências estranhas, porque também o representante da empresa NetSaúde disse, no jornal Médico de família do mês passado, que não há fundos públicos e que, questionado pelos jornalistas sobre se os fundos comunitários não eram públicos, os fundos comunitários são públicos para os alemães, franceses e ingleses e todos os demais que os abonam.

Risos do PS.

Bem, não sei se o Sr. Ministro da Saúde tem a mesma perspectiva sobre os fundos comunitários, de que não são públicos porque são pagos pelos cidadãos dos outros países europeus, o que, enfim, não é verdade, porque Portugal também contribui para esses mesmos fundos públicos.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Também é verdade!

O Orador: - Mas, em termos de declarações, a questão mais estranha neste processo é quando, num comunicado, já de Maio do ano passado, o responsável da empresa NetSaúde diz: "não fosse o caso de no programa Saúde XXI apenas estar previsto expressamente a promoção das candidaturas por entidades públicas e, neste particular, nem seria necessária qualquer referência no protocolo às candidaturas que o Ministério se propõe apoiar, porquanto o acesso seria livre". Ou seja, está a admitir que o acesso a este programa não é livre, que é só para entidades públicas, e estamos a falar de uma empresa privada que foi buscar o cabeçalho da sua candidatura e o papel timbrado ao Ministério da Saúde, através das administrações regionais de saúde, para poder aceder a fundos comunitários.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Aldrabice!

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O Orador: - Os fundos comunitários são dezenas de milhões de euros entregues a uma empresa privada através de um programa ao qual não tem acesso. Portanto, há aqui muitas questões por esclarecer, porque tudo isto está envolto numa grande confusão. E quem diz este processo diz o processo de informatização dos hospitais SA, o qual também não teve concurso - felizmente, aquilo que já estava apresentado publicamente pela Unidade de Missão Hospitais SA foi obrigado a ter um recuo. Mas há outros processos de informatização, no âmbito do Ministério da Saúde, também muito pouco claros. E nós, não querendo levantar à cabeça suspeição sobre qualquer tipo de comportamento de qualquer um dos responsáveis, não podemos permitir que estas situações menos claras se perpetuem ou que, eventualmente, se multipliquem.
Portanto, é fundamental, e o Partido Socialista sempre pugnará por isto, que haja participação, transparência e fiscalização, e, Srs. Deputados da maioria, nós estamos atentos e teremos sempre o mesmo comportamento, iniciativas consistentes no sentido de aprofundar estes três pilares. VV. Ex.as insistem em não querem nenhum destes pilares reforçados, o que é muito mau para o País, é muito mau para a saúde e, infelizmente, também não será bom para qualquer dos partidos da maioria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate dos projectos de lei n.os 397, 398, 400/IX, apresentados pelo Partido Socialista, e 437/IX, apresentado pelo Bloco de Esquerda.
Passamos, agora, à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 356/IX - Definição do novo regime jurídico das farmácias privadas (BE).
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda já tinha apresentado uma iniciativa legislativa no sentido do presente projecto; no entanto, propunha, então, um conjunto de iniciativas sobre política de distribuição do medicamento e de desenvolvimento das farmácias sociais, públicas e a alteração do regime jurídico das farmácias privadas.
Procurámos neste projecto de lei isolar, agora, aquilo que é um problema crucial, que é o carácter abstruso, porventura inconstitucional e certamente disparatado, do regime actual das farmácias.
Na verdade, temos uma legislação que vem de 1933 e que foi completada em 20 de Março de 1965 por uma lei que está, actualmente, em vigor. É uma lei muito curiosa - é feita de acordo com os grémios e com os sindicatos nacionais, o que à época se percebe bem - em cujo preâmbulo se explica que a interdição da propriedade de farmácias a não farmacêuticos se justifica por uma razão: a falta de profissionais.
Diz-se, por exemplo, que se procurou "facilitar a aquisição da farmácias aos novos farmacêuticos, através da criação de partidos farmacêuticos" e que "Os farmacêuticos de partido serão ainda chamados a dar a sua colaboração em matéria de salubridade política, o que tem o maior interesse, atendendo (…) à conhecida falta de técnicos com que lutamos." Foi, portanto, por uma razão, à época valorizada - não havia farmacêuticos -, que se garantiu que a propriedade da farmácia só poderia ser dos farmacêuticos.
Mas esta lei tem outros detalhes interessantes, e é curioso que fique em vigor.
Ao farmacêutico é vedado, designadamente: "Aviar medicamentos de fórmula secreta", "Usar de embustes, especialmente prática de charlatanismo, susceptível de afectar o prestígio da profissão" ou vender contraceptivos. O farmacêutico tem deveres, entre outros, de "solidariedade, lealdade e auxílio mútuo" para com os seus colegas.
O disparate de orientação desta lei permite perguntar por que é que ela é mantida em vigor se tantas das suas normas já caducaram.
Vale, então, perguntar: porquê, em particular, esta norma, que é única no País? Na nossa ordem jurídica, não existe, rigorosamente, outra norma parecida. O proprietário da padaria tem de ser padeiro? O proprietário do supermercado tem de ser um vendedor grossista ou retalhista de legumes? O proprietário de um cinema tem de ser realizador de cinema? No caso das farmácias, temos a única profissão, mais nenhuma outra assim determina, em que a propriedade, distinta da competência da direcção técnica, é associada necessariamente imposta a uma determinada profissão, o que tem uma leitura constitucional que não pode suscitar dúvidas.
Assim sendo, o princípio constitucional da igualdade não é respeitado, o princípio da liberdade de escolha da profissão não é respeitado e o princípio da liberdade de iniciativa económica não é respeitado.
Esta legislação de 1933, e completada em 1965, determina que nas famílias em que um dos membros seja proprietário de uma farmácia se imponha necessariamente aos filhos ou às filhas, a um deles, a escolha da profissão de farmacêutico. Não há liberdade de escolha da profissão entre todos os membros

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desta família, se quiser manter esta propriedade.
Perguntemo-nos por um momento qual a razão para esta imposição. Porque se a razão fosse técnica, a resposta já está dada na legislação. A direcção da farmácia só pode ser de um farmacêutico, não pode ser de outra forma. Mas é a direcção científica, técnica, clínica de toda a actividade da farmácia e não a sua propriedade.
Aliás, a lei de 1965 introduziu regras de transição para 400 farmácias, que estão fora deste regime, e que continuam, 40 anos depois, fora deste regime. Temos dois regimes: um regime hereditário em que não é preciso ser farmacêutico (nas excepções, que se mantêm) e um regime obrigatório que, evidentemente, suscita que haja muitos "testas de ferro" de pseudo-farmacêuticos, pseudo-directores, pseudo-proprietários de farmácias que não o são.
Por isso, o projecto de lei do Bloco de Esquerda pretende que a farmácia dependa de um alvará passado pelo INFARMED, depende da atribuição de uma direcção técnica a licenciado em farmácia, com avaliação curricular e estágio certificado e com a existência de farmacêutico-adjunto ou técnico de farmácia com 10 anos de prática comprovada curricularmente para exercer as funções de direcção efectiva.
Mas admite que o alvará possa ser propriedade de qualquer pessoa que cumpra as condições legais no exercício da propriedade em Portugal. Impede que haja um alvará para mais do que uma entidade e impõe que as entidades proprietárias de distribuição de medicamentos, produtores de medicamentos, proprietários de laboratórios de análises, sócios dessas entidades, licenciados em medicina, médicos veterinários, enfermeiros que exerçam a sua profissão no concelho onde se situa a farmácia não possam ser proprietários dessa farmácia.
Determina, ainda, como se faz noutros países, uma avaliação periódica por parte do INFARMED da qualidade dos serviços prestados. Mas retira este resquício fascista, que é uma determinação absurda, única no nosso país, excepcional, inexplicável, incompreensível e inaceitável em relação a este regime de propriedade.
Ora, é esta proposta de modernização sensata que aqui vos fazemos, Sr.as e Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, gostaria de lhe colocar algumas questões sobre a sua intervenção mas, sobretudo, sobre o diploma que o Bloco de Esquerda nos trouxe hoje aqui e da qual V. Ex.ª se desviou de uma forma quase contínua no seu discurso.
O Bloco de Esquerda aparece-nos hoje com umas vestes estranhas de paladino da liberalização, da iniciativa económica privada, da liberdade de estabelecimento e de empresa. Exige a liberalização da propriedade das farmácias quando esta Assembleia, ainda há muito pouco tempo, assistia da parte do Bloco de Esquerda - em 1999 com o projecto de lei n.º 37/VIII e em 2002 com o projecto de lei n.º 75/IX - a propostas de nacionalização das farmácias.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Falava na criação de farmácias nos hospitais, nos centros de saúde, na distribuição gratuita dos medicamentos… Agora, em "looping" político, abandona a bandeira da nacionalização das farmácias e agarra na bandeira da liberalização desregulamentada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dá mais jeito!

O Orador: - Naturalmente, qualquer observador atento lhe formulará a pergunta sobre o porquê de tão radical mudança.
Uma segunda questão prende-se directamente com a "Exposição de motivos" do vosso projecto de lei. Interrogo-me onde foram buscar os dados, onde foram buscar os elementos de facto que expressaram na "Exposição de motivos" do vosso projecto de lei.
Em terceiro lugar, gostava de lhe recordar o aviso que, em 27 de Maio de 1982, o meu ilustre colega e amigo Dr. António Arnaut, então Deputado do Partido Socialista, fez nesta Assembleia. Dizia ele: "Se se quiser optar por uma concepção ultraliberal, então que se extraiam daí todas as consequências, incluindo o risco ou a certeza de que por tal via não se estará, no caso presente, a salvaguardar a saúde dos portugueses, não se alcançará a eficiente cobertura medicamentosa do País, abrir-se-ão as portas à concentração das farmácias nos grande grupos económicos, nacionais e multinacionais, com os prejuízos das pessoas que se pretende, precisamente, proteger."

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São estas as três questões que por agora me sugeriram.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Carito.

O Sr. Luís Carito (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, gostaria de lhe colocar algumas questões em relação ao projecto de lei que o Bloco de Esquerda nos apresenta.
Primeira, não questionando o objectivo deste projecto de lei, não vejo plasmado neste diploma o que defendem quer em relação às farmácias públicas - não está plasmado neste documento, embora sejam referidas no articulado -, quer em relação às farmácias sociais. Este projecto de lei dirige-se unicamente às questões da propriedade das farmácias privadas. Qual é a perspectiva do Bloco de Esquerda em relação às primeiras situações que referi?
Segunda, como é que o Bloco de Esquerda pretende condicionar as situações de falsa propriedade ou, eventualmente até, as situações de monopolização com o articulado que apresenta, uma vez que refere, no artigo 3.º, que "O alvará pode ser concedido individualmente ou a sociedades em nome colectivo ou por quotas.". Como é que V. Ex.ª pretende evitar que, por exemplo, uma sociedade anónima constitua algumas subsidiárias e que essas subsidiárias sejam sócias de uma sociedade por quotas? Como é que evita que não haja uma monopolização ao fazer essa abertura em termos da propriedade das farmácias? Como é que pretende que um laboratório de medicamente, por exemplo, possa ser dono de n farmácias?
Por último, gostaria de lhe perguntar se sim ou não abre a hipótese de os licenciados em Medicina, os médicos veterinários e os enfermeiros poderem ser proprietários de farmácia. É que no n.º 5 do artigo 3.º do projecto de lei abre essa hipótese, desde que não seja no local onde exercem actividade. Portanto, abre a hipótese de, no concelho ao lado, um médico ou um médico veterinário poderem ter uma farmácia.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, parte das questões classificam-se na pequena polémica ideológica. Tem muito pouca importância para esta matéria. Enfim, é um divertimento do PSD. Fica-lhe muito bem… A outra parte tem que ver com as questões práticas e de fundo.
A minha intervenção foi rigorosamente uma motivação deste projecto. Lamento que incomode os Srs. Deputados do PSD, que querem manter uma lei de 1933 na sua versão de 1965, chamar a atenção para o que é essa lei, mas têm que ouvir. Os senhores querem manter a lei de 1965, 40 anos depois, pensam que esta lei está muito bem, estão satisfeitíssimos com ela. Portanto, se querem ficar com ela, fiquem! Não levantem é o problema da liberalização, porque os senhores é que têm de explicar porque é que entendem que neste sector - o único sector de actividade económica no País onde isto acontece - tem de haver uma regra medieval e fascista, que é a determinação de que a propriedade está associada a uma profissão. Em nenhum outro caso vão defender isto. Ou vão? Vão defender em algum outro caso? Não vão. Neste caso, defendem, entendem que este princípio é salutar.
A razão única que mereceria algum segundo de atenção é, evidentemente, aquela que já está tratada pela lei: a farmácia tem de ter a direcção técnica, a responsabilidade técnica de um farmacêutico. Mas donde é que daqui decorre que a propriedade tem de ser de um farmacêutico? Essa é que é a "cambalhota" ideológica do PSD. Se o PSD está contente com a nossa herança fascista, assim seja, lance foguetes e cá estaremos nós para vos aplaudir.
No passado, não propusemos qualquer nacionalização, mas que houvesse farmácias públicas, que já existem, e farmácias sociais, que já existem, e, em, resposta, devo dizer que também propusemos que elas fossem sensatamente ampliadas. Tal como já existe - não sei se o Sr. Deputado sabe - distribuição gratuita de medicamentos. Quer dizer-nos que essa distribuição não deve existir, no caso de consultas, no caso de doenças crónicas? Claro que tem de haver, tem de haver essa política de apoio.
Mas a discussão que temos de fazer é a desta lei. Sr. Deputado, fuja para o debate ideológico quando está atrapalhado porque não quer defender uma lei fascista, mas o debate hoje é sobre esta lei em concreto. Deve ou não ser modificado o regime de propriedade das farmácias privadas que impõe - caso único no País! - que o proprietário de uma farmácia privada tenha de ser um farmacêutico? Sim ou não? Se sim, trabalharemos na lei o melhor possível. Se não, continuamos com uma lei fascista e os senhores ficam contentes. Esta é que é a alteração.
A saúde dos portugueses, evitando a concentração, faz-se com regras universais e sérias - é o que propomos.
Por isso, respondo com muito gosto às perguntas do Sr. Deputado Luís Carito, à primeira das quais já me referi brevemente.

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O tema deste projecto de lei não é o das farmácias públicas e sociais, mas evidentemente vemos com muita atenção o que pode ser feito e apoiámos projectos de lei do PS e do PCP nesse sentido, porque vão no bom caminho.
Do que se trata neste caso é de um risco de monopolização. Entendamo-nos: o Sr. Deputado sabe, porque conhece muito este sector, que falsa propriedade já existe. Hoje, já temos monopolização em alguns sectores. Já temos falsa propriedade, já temos "testas de ferro", já temos proprietários de várias farmácias que não são farmacêuticos, estão disfarçados.
O que podemos fazer a este respeito, num regime como noutro, é perceber que quanto mais transparente e verdadeiro for o sistema económico destas farmácias mais controlável ele se torna. Nenhuma lei impede que haja vícios ou que haja uma aldrabice proprietária que leve a esse caminho errado da concentração a que nos queremos opor. Mas o que dizemos é que se o sistema for mais transparente e mais verdadeiro mais controlável ele se torna, e estamos disponíveis para tudo o que permita um reforço desta capacidade de controlo e de verificação no âmbito de uma lei moderna que possa resultar do trabalho na especialidade.
Neste contexto, estamos totalmente com esse princípio, mas entendemos que ele só é possível se fizermos a alteração. Se formos conservadores, reaccionários, se mantivermos tudo como está, como quer o PSD - e certamente o CDS-PP -, de certeza que nunca haverá qualquer fiscalização e continuaremos alegremente com uma lei disparatada e sobre a qual não há qualquer controlo.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Veiga.

O Sr. Paulo Veiga (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos perante uma iniciativa desadequada à realidade portuguesa no que se refere ao regime jurídico das farmácias.
A opção jurídica que o Bloco de Esquerda propugna consubstancia-se numa solução adoptada em Portugal até 1987. Ou seja, desde há 17 anos que Portugal entendeu que este sistema estava desajustado.
A presente iniciativa prevê que seja novamente o interessado a pedir o alvará ao INFARMED, enquanto que hoje, no nosso ordenamento jurídico, cabe às autarquias e às autoridades de saúde fazer esse pedido, que está sempre sujeito às regras transparentes e igualitárias do concurso público.
Esta opção concretizou-se na nossa lei em 1987, porque se entendeu que o concurso público era a forma mais transparente e a que melhor servia o interesse público. E o interesse público aqui quer dizer que se sobrepõe aos interesses dos particulares, mais concretamente os farmacêuticos.
O Bloco de Esquerda ignora que tem havido alterações à legislação que regula as farmácias. Houve alterações legislativas em 1992, em 1999 e em 2002, ou seja, reconheceu-se que a mesma continuava a revestir as qualidades adequadas a salvaguardar o serviço público, tendo, inclusivamente, no que diz respeito às alterações de 1999 e de 2002, estendido a lógica do concurso público à abertura de postos farmacêuticos móveis.
O projecto de lei em análise não teve por base qualquer levantamento de problemas realmente existentes ao nível da dispensa de medicamentos ao público e da assistência farmacêutica. Além de mais, a sua "Exposição de motivos" não identifica qualquer verdadeiro problema a que se pretenda pôr cobro.
Uma vez mais, de resto à semelhança de muitas outras matérias, limita-se a pôr em causa o actual sistema sem lhe contrapor uma alternativa minimamente credível.
Há determinados factos que não podemos ignorar, como os que resultam do programa FARMA 2001, ou as dezenas de farmácias já abertas ao público desde a sua entrada em vigor, ou, também, as centenas de pedidos de instalação de postos farmacêuticos móveis.
Outro facto que nos parece evidente é o da capitação de 3800 habitantes por farmácia, uma das mais baixas a nível europeu.
Refere o Bloco de Esquerda que esta iniciativa pretende reduzir carências nos centros urbanos de média dimensão e em pequenas freguesias, para além da redução do número das falsas propriedades de farmácias. Salvo devido respeito, não se vislumbra como é que este projecto poderá alcançá-los.
Como se sabe, as carências actualmente existentes dizem respeito a localidades isoladas de concelhos onde não existe capitação para 4000 habitantes efectivos, pelo que com este projecto de lei verão necessariamente a sua situação agravada.
Estas situações só poderão ser resolvidas com eficácia com a política que o Governo está a desenvolver neste sector, que se traduz na transformação dos cerca de 300 postos de medicamentos em farmácias e com a abertura de postos móveis onde aquela transformação seja impossível.
No que se refere ao condicionamento de uma farmácia por pessoa ou sociedade, prevista no projecto, terá exactamente o mesmo efeito que os seus autores criticam na actual lei. Se um titular de alvará de

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farmácia pretender adquirir outro alvará poderá socorrer-se exactamente dos mesmos meios que o projecto de lei em análise enuncia.
A abolição da reserva da propriedade a favor dos farmacêuticos, associada ao princípio de um alvará de farmácia por titular, não obsta a situações de falsas propriedades e de domínio de uma ou mais farmácias por parte de sociedades do subsector do fabrico e distribuição grossista de medicamentos ou de qualquer outro sector de actividade. Bem pelo contrário, a solução preconizada no projecto favorece este tipo de concentração.
Ao contrário do defendido no projecto de lei, não é o exclusivo da reserva de propriedade a favor de farmacêuticos que gera as situações de falsa propriedade mas, sim, o condicionamento de um alvará de farmácia por titular.
Neste sentido, pelo facto de ir contra todo o espírito e tradição da nossa legislação neste sector e por todas as razões aduzidas, a iniciativa do Bloco de Esquerda não colhe a nossa concordância e apoio.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputada Carlos Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pedindo a tolerância do Sr. Presidente, vou procurar explicar por que razão o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata entende que o regime actual se deve manter. E, Sr. Deputado Francisco Louçã, não se trata de um regime baseado numa lei fascista de 1965, como o Sr. Deputado disse. Isso não é verdade. Radica numa fase muito anterior. Em 1924, em plena 1.ª República, já era esse o regime. Aliás, vem do tempo do Regimento do Físico-Mor do Reino, de 1521, que estabelecia que só os "boticários" podiam "assentar botica".

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Que grande argumento!

O Orador: - Mas debrucemo-nos sobre o projecto de lei, que é isso que interessa.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda é a cópia integral de outras iniciativas apresentadas por este partido quer na VIII Legislatura quer já na IX Legislatura, sendo contraditório com o que apresentavam em 1999, e contém, a nosso ver, todos os condimentos necessários para ser frontalmente rejeitado por esta Assembleia da República, por razões que se prendem directamente com o interesse público e não tanto por razões de ordem conjuntural ou de natureza político-partidária.
É, antes de mais, um projecto temerário, atirado para a frente com toda a ligeireza, que evidencia um profundo desconhecimento da realidade histórica e actual da cobertura farmacêutica, sendo evidente que não assenta em qualquer estudo ou levantamento sério das necessidades da assistência farmacêutica às populações.
O Bloco de Esquerda busca, mais uma vez, a criação do facto político espectacular, desinteressando-se dos malefícios que poderia causar aos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Começa por se insurgir quanto ao facto de, desde 1965, o regime jurídico da actividade farmacêutica manter-se o mesmo, quando já vimos que não é verdade.
O princípio da indivisibilidade da propriedade e da direcção técnica da farmácia, associado a outros traços do nosso ordenamento jurídico, tem alcançado resultados altamente satisfatórios. É disto que os senhores se esquecem, abstraindo-se deste elemento absolutamente essencial.
Ainda recentemente, em Junho de 2002, um estudo nacional sobre a avaliação dos serviços de saúde, subordinado ao tema "O que os portugueses pensam dos serviços de saúde", concluía que as farmácias, sendo o equipamento mais frequentado pelos portugueses, obtêm as avaliações de qualidade mais elevadas.
Mas o projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda é também absolutamente inconsequente. A sua "Exposição de motivos" enuncia um conjunto de problemas sem que os seus autores digam como se propõem resolvê-los, sendo certo que as soluções propostas não só não resolvem esses problemas como criam vários outros.
Os dados, de facto, em que o projecto de lei assenta - 29 concelhos com apenas uma farmácia e localidades onde funciona apenas uma farmácia para 11 000 habitantes - não estão correctos, não correspondem à realidade, são ficção e pertencem, eventualmente, a um passado já muito remoto.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aqueles dados não levam em conta as largas dezenas de transferências de farmácias que têm tido lugar nos últimos anos, desde a entrada em vigor das portarias de Outubro de 1999.
Igualmente não consideraram as várias dezenas de farmácias (cerca de 170) já abertas ao público no âmbito do programa FARMA 2001.
Esqueceram-se, ainda, das centenas de pedidos de instalação de postos farmacêuticos móveis que irão permitir assegurar a cobertura farmacêutica nas localidades mais afastadas e com reduzida capitação.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda ignora completamente que a capitação real em Portugal é inferior, actualmente, a 3800 habitantes por farmácia e que esta é das mais baixas da Europa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao limitar a capitação a 4000 pessoas por farmácia, este projecto de lei introduz um factor de retrocesso. Esquece que a lei, desde 22 de Outubro de 1999, permite já a instalação de mais uma farmácia, independentemente da capitação, repito, independentemente da capitação, nos concelhos onde existe apenas uma farmácia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como também já ouvimos, este projecto de lei regressa a uma solução de afastamento do concurso público na instalação e na transferência das farmácias.
Esta solução do concurso público foi ratificada pelos sucessivos governos, melhorada e aperfeiçoada em 1992, em 1999, em 2002 e já no corrente ano de 2004, em Fevereiro passado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma coisa é certa: se fosse adoptado o regime de liberalização da propriedade da farmácia nos termos pretendidos pelo Bloco de Esquerda, era altamente provável que nesses concelhos onde só existe uma farmácia deixasse de existir qualquer farmácia, porque aquela que lá funcionava se transferiria para o local com maior densidade populacional e mais próximo dos postos emissores de receituário.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Essa é que é essa!

O Orador: - Só a conjugação perfeita da indivisibilidade da propriedade e da direcção técnica, da capitação, da distribuição geográfica e do concurso público é que tem permitido assegurar uma boa distribuição das farmácias pelo território nacional.
Por outro lado, o Bloco de Esquerda, no seu projecto de lei, não prevê, deliberadamente, qualquer norma que obrigue os interessados a abrir farmácia nos locais alegadamente mais carenciados.
Sabe-se lá porquê, o Bloco de Esquerda passou a advogar um estranho regime que permitiria: a prevalência do interesse particular dos farmacêuticos sobre o interesse público; a desregulamentação das farmácias; o acesso da propriedade das farmácias aos médicos com residência nos concelhos vizinhos, o que hoje é proibido; a verticalização do domínio sobre o sector farmacêutico; a concentração da propriedade das farmácias nas mãos de grupos económicos nacionais e internacionais, a exemplo do que se passa na Inglaterra e na Irlanda.
Era muito importante que, hoje, a Assembleia da República reafirmasse aqui, com amplo consenso, aquele conjunto de princípios cuja materialização tem permitido alcançarem-se tão elevados níveis de satisfação quanto à qualidade dos serviços das nossas farmácias. A saber:
Que os farmacêuticos exercem uma actividade sanitária de interesse público muito relevante em defesa da saúde pública;
Que desempenham uma importante acção pedagógica na disciplina do uso dos medicamentos;
Que os farmacêuticos exercem a sua profissão como uma profissão liberal, com elevada independência técnica e profissional e não como simples comerciantes;
Que este modelo de profissão liberal é melhor servido se o farmacêutico for independente e proprietário do próprio estabelecimento - e faço um parêntesis para dizer ao Sr. Deputado que este não é exemplo único em Portugal. Por exemplo, nós, advogados, não podemos ter uma entidade que nos seja alheia como proprietária do nosso escritório de advocacia;
Que o farmacêutico se deve interpor não só entre o fabricante de medicamentos e o doente mas

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também entre o médico e o doente, com a inerente exigência da garantia da responsabilidade global da farmácia;
Que o regime da reserva da propriedade da farmácia e a concomitante indivisibilidade da propriedade e da direcção técnica impedem a formação de trusts farmacêuticos, impedindo também a indesejável integração vertical da actividade da distribuição e comercialização farmacêutica.
Finalmente, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não podemos perder de vista que o regime actualmente em vigor tem merecido a reflexão permanente quer desta Assembleia da República, quer dos múltiplos governos que desta Assembleia emanaram e, sobretudo, foi objecto de verificação constitucional por dois Acórdãos de grande conteúdo normativo e jurisprudencial para os quais chamo a atenção de VV. Ex.as, em particular para o Acórdão n.º 187/2001, de 2 de Maio.
Tudo isto sem prejuízo do indispensável esforço de correcção de quaisquer anomalias que se venham a detectar, de eliminação de eventuais injustiças e de aperfeiçoamento das regras, como ainda no passado mês de Fevereiro o Governo fez com a publicação da Portaria n.º 168-B/2004, que visa melhorar o acesso à propriedade de farmácia aos jovens farmacêuticos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No debate deste projecto de lei, temos dois problemas diferentes - um, é, sem dúvida, o problema da propriedade das farmácias e o outro, é a questão da boa distribuição geográfica da rede de farmácias junto da população.
Quanto ao segundo problema, é evidente que existem carências, designadamente em concelhos do interior e em zonas suburbanas em que o aglomerado populacional não tem resposta suficiente em termos de unidades de farmácia, o que corresponde, aliás, a uma concentração sucessiva nas cidades de Lisboa e Porto e nalgumas das suas zonas, em particular, em detrimento de outros pontos mais carenciados.
Julgamos que estas carências não derivam, no fundamental, do problema da propriedade, mas são, de facto, um problema para muitas populações e para o acesso a medicamentos, designadamente em horários fora do horário normal de expediente e também em situações em que a não existência de transportes colectivos que possam permitir uma deslocação mais fácil entre povoações ou entre localidades significa um real obstáculo ao acesso à compra de medicamentos.
No que diz respeito à questão da propriedade da farmácia, ela tem sido discutida em vários momentos nesta Assembleia, havendo várias perguntas que se podem fazer a propósito desta matéria, as quais devem ter respostas.
A primeira é a de saber se em boa parte a legislação em vigor não padece de um arcaísmo desajustado dos dias de hoje. Sim. É evidente que, em parte, a legislação em vigor é verdadeiramente arcaica.
A segunda pergunta é a de sabermos se este regime de propriedade exclusiva por uma determinada profissão - os farmacêuticos - é ou não um afloramento de corporativismo de uma determinada classe profissional. E a resposta também tem de ser "sim", é verdade que assim é.
A terceira pergunta é a de sabermos se a propriedade da farmácia é indispensável para garantir a idoneidade deontológica na direcção técnica da mesma. Evidentemente que não é. O que é fundamental para garantir essa idoneidade deontológica é que a direcção técnica seja exercida por profissional habilitado, que é o farmacêutico.
Podemos também perguntar se existirão ou não situações de falsa propriedade por farmacêuticos. Provavelmente existirão.
Mas, respondidas todas estas questões, também é preciso olhar para este problema de um outro ponto de vista.
Sendo necessário e possível combater o corporativismo e a influência que muitas vezes as farmácias e a sua associação - a Associação Nacional de Farmácias - têm sobre a política de saúde, com interesses, porventura, muitas vezes contrários aos interesses públicos da saúde, é preciso olhar para o problema da possível concentração e verticalização deste sector. E é aí que, como sempre temos dito, se nos levantam dúvidas sobre esta questão da retirada da propriedade exclusiva das farmácias por farmacêuticos, porque consideramos que é preciso evitar que, como aconteceu na Irlanda e na Inglaterra, estes estabelecimentos passem a ser controlados, também eles, como a maioria do sector da distribuição dos medicamentos, pela indústria dos medicamentos, pelas multinacionais dos medicamentos.
Este é um sector muito específico, em que esse controle vertical tem consequências desastrosas para a saúde pública e para, digamos assim, a determinação do funcionamento deste mercado, sem que o Estado possa influir em boa parte do seu funcionamento.
Embora o projecto de lei tenha a intenção correcta de acautelar essa situação, de propor uma solução

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legal que evite essa concentração ou essa verticalização, na verdade suspeitamos que, a aplicar-se, mesmo assim, essas regras, a prática ultrapassaria a lei, como ultrapassou noutros países.
Por isso, embora sendo um mal este resquício de corporativismo, com a propriedade exclusiva por uma só profissão, que, de facto, nas mesmas circunstâncias, não encontra paralelo semelhante no nosso país, teremos de, para já e enquanto não encontrarmos melhor solução, continuar a considerá-lo um mal menor neste sector específico, face ao mal maior que seria a concentração, a verticalização e o controle completo de toda a cadeia do medicamento pelas multinacionais farmacêuticas.

Vozes do PCP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por cumprimentar o Sr. Deputado Carlos Miranda pelo grande esforço que fez aqui para nos tentar explicar a posição do PSD. No entanto, tenho de lhe dizer que, apesar de tudo, pelo menos eu, continuo sem perceber porque é que este é o único sector que os senhores, ao contrário de muitas das perspectivas do seu partido e da maioria em termos de liberalização, continuam a defender, quando sabemos que se trata de um sector altamente regulado, como é todo o sector farmacêutico e do medicamento e, portanto, muitos dos argumentos que trouxe, provavelmente, não colhem.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com o projecto de lei n.º 356/IX, hoje em discussão, visa o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda a aprovação de um novo regime jurídico de abertura e transferência das farmácias privadas, que assenta, sobretudo, na eliminação do princípio da indivisibilidade ou da reserva da propriedade das farmácias, enquanto direito exclusivo dos licenciados em Farmácia ou de sociedades de farmacêuticos.
Como é sabido, este princípio da indivisibilidade ou da reserva da propriedade das farmácias constitui um princípio basilar do edifício jurídico nacional que disciplina e rege a actividade farmacêutica de dispensa de medicamentos e cuja origem remonta à década de 60.
Com efeito, o edifício jurídico que disciplina a actividade farmacêutica é constituído essencialmente por dois diplomas estruturantes, a saber: a Lei n.º 2125 - até o número é difícil de dizer -, de 10 de Março de 1965, que consagra o regime da actividade de farmácia, e o Decreto-Lei n.º 48 547, de 20 de Agosto de 1968, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214/90, de 28 de Junho, atinente ao exercício da profissão farmacêutica.
É no âmbito da aludida Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, que o legislador consagrou expressamente como regra geral e estruturante do regime jurídico da actividade de farmácia que "O alvará apenas poderá ser concedido a farmacêutico ou a sociedade em nome colectivo ou por quotas, se todos os sócios forem farmacêuticos e enquanto o forem".
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 48 547, de 27 de Agosto de 1968, na sua actual redacção, que regula o exercício da profissão farmacêutica, veio acolher o mesmo princípio de reserva da propriedade das farmácias ou do licenciamento nas situações de transmissão de farmácia entre vivos ou por morte do farmacêutico, daqui resultando que nem todos os cidadãos podem ser proprietários de farmácias.
A opção do legislador ordinário pelo reconhecimento do monopólio da propriedade das farmácias aos farmacêuticos, como se pode inferir do preâmbulo dos diplomas legais citados - e que também aqui foram citados pelo Sr. Deputado Francisco Louçã -, radicou nas especificidades em torno da actividade farmacêutica e da sua estreita conexão com a defesa da saúde pública, bem como, numa resposta "(…) às solicitações dos respectivos organismos corporativos".
Em suma, é este o regime jurídico da actividade das farmácias, que, não sendo um exclusivo de Portugal - também é verdade -, vigora entre nós e que o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda pretende ver alterado, rompendo claramente com o princípio da reserva da propriedade da farmácia para os farmacêuticos, consagrando um novo modelo que assenta na liberdade de exercício da actividade farmacêutica, nomeadamente através da possibilidade de concessão do alvará a título individual ou a pessoa colectiva, mantendo, contudo, a exigência da direcção técnica a cargo de licenciado em farmácia devidamente certificado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A actividade farmacêutica e o papel do farmacêutico, enquanto agente de saúde, tem vindo, ao longo das últimas décadas, a ganhar cada vez maior importância e visibilidade junto dos cidadãos.
No sistema de cuidados de saúde, o farmacêutico ocupa um lugar privilegiado entre o prescritor e o doente, cabendo-lhe a tarefa de contribuir para a protecção e promoção da saúde pública, e reconhece-se que o sistema farmacêutico tem, no nosso país, uma prestação equilibrada e satisfatória.

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Reconhecemos este facto, congratulamo-nos com ele, mas não nos parece argumento suficiente para que, 40 anos depois da aprovação do regime jurídico da actividade das farmácias, não consideremos necessária a possibilidade da sua revisão, da sua actualização e da sua eventual adequação à evolução entretanto operada na sociedade e ao maior grau de exigência que os cidadãos colocam no acesso aos cuidados de saúde em geral e aos cuidados medicamentosos em particular.
Com efeito, sem colocar em crise o princípio da indivisibilidade ou da reserva da gerência técnica a cargo dos licenciados em farmácia, importa questionar e reflectir sobre as vantagens da manutenção jurídico-legal do princípio da indivisibilidade da propriedade à luz dos princípios constantes, por exemplo, na Constituição da República Portuguesa e de critérios da sua oportunidade, proporcionalidade e actualidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso está complicado!

O Orador: - Na opinião do Partido Socialista, o que, de facto, importa assegurar é a garantia da saúde pública, a qualidade do serviço farmacêutico do ponto de vista dos interesses dos cidadãos e a sua racionalidade no plano dos recursos que exige do erário público.
O que importa e o que de facto é fundamental é que a direcção técnica da farmácia esteja a cargo de um farmacêutico e que sejam observados os princípios referidos.
Quem detém a propriedade da farmácia, seja farmacêutico, não farmacêutico, pessoa colectiva do sector público, privado, social ou cooperativo, não deverá ser tido como o eixo central do exercício da actividade das farmácias.
Foi, de resto, com estes fundamentos que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou recentemente um projecto de lei sobre o regime de instalação e funcionamento das denominadas farmácias sociais, que, embora rejeitado pelos partidos da maioria, deixou bem patente, se atendermos às diversas reacções que o mesmo suscitou, a necessidade de a sociedade portuguesa e de o Parlamento voltarem à discussão em torno da problemática da propriedade das farmácias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Neste contexto, o Partido Socialista reitera a sua disponibilidade e abertura para continuar a discutir em profundidade esta e outras questões que possam contribuir para a modernização dos regimes jurídicos,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mais uma comissão ou um grupo de trabalho!

A Oradora: - … nomeadamente numa perspectiva de reforço dos mecanismos de acesso aos medicamentos, da qualidade da actividade farmacêutica e da racionalidade económica do sistema.
Srs. Deputados, não precisam de estar tão nervosos!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Pensei que a Sr.ª Deputada lhes receitaria um calmante imediatamente!

Risos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao longo deste debate, o PSD lembrou-se de duas novidades.
A primeira foi evocar a história, a história dos boticários. Grande tradição que é esse espírito corporativo novecentista que nos traz até aos tempos de hoje com os bons princípios dos boticários!
A segunda foi dizer que havia um outro exemplo, o dos advogados. Ou seja, uma profissão liberal, exercida naturalmente pelo próprio, é comparada com um estabelecimento comercial, como é a farmácia. Magnífica comparação, Sr. Deputado! Deve merecer uma estátua, por essa fantástica alusão que fez.
Mas, depois, o PSD está preocupado com a concentração: em saúde, é tão importante a concentração… Vê-se: centros de saúde, de análises clínicas, hospitais privados - como se detestassem a concentração! Tem de haver concentração em todos: é a política do PSD.
Os Mellos, quantos hospitais é que vão ter? Quantos é que vão fazer?
Quanto aos centros de análises clínicas, quer mais concentração?

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Os senhores defendem a concentração em tudo: a vossa política é a concentração. Nas farmácias, querem manter uma fixação, fingir que não há concentração, porque sabem que existe mas querem disfarçá-la…

Vozes do CDS-PP: - Isso não é verdade!

O Orador: - … através de uma regra que é uma vergonha, através de uma lei que é uma vergonha!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Repito, de uma lei que é uma vergonha!
Porque o problema não é o acesso aos alvarás, Sr. Deputado do Partido Popular, o problema é a herança dos alvarás. Mas é claro: à maioria, como se ilustrou com a defesa da hipótese da herança do poder, com a restauração da monarquia na revisão constitucional, nada lhe custa introduzir, agora, de caminho, a herança dos alvarás.
Por que é que numa família se tem de determinar que o filho ou a filha têm de ser farmacêuticos?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Agradeço que conclua.

O Orador: - Concluirei, Sr. Presidente, dizendo que a regra, dessa forma, o que introduz é uma tal distorção que faz com que o preço dos alvarás tenha um mercado tal que se vendam a 100 000 contos ou a 150 000 contos. Isto é absolutamente uma vergonha!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Quero, pois, terminar, dizendo, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que muito discutimos agora. No entanto, na altura de votar saberemos, como sabemos agora, a força dos argumentos da Associação Nacional de Farmácias.
Que se lembrem todos os Deputados, na altura em que faremos a votação, de que, pelo menos, temos um estatuto de Deputado a cumprir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 356/IX.
Com isto, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje. A próxima reunião plenária realizar-se-á na próxima quarta-feira, dia 12, às 15 horas, constando a ordem de trabalhos de um período de antes da ordem do dia, seguindo-se-lhe o período da ordem do dia com o debate relativo à nova apreciação do Decreto-Lei n.º 157/IX - Aprova o regime jurídico do contrato individual de trabalho da Administração Pública e a discussão da proposta de lei n.º 121/IX - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico das armas e suas munições.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 11 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Henriques de Pinho Cardão
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Henrique José Monteiro Chaves
João Manuel Moura Rodrigues
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
Judite Maria Jorge da Silva
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro

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Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Fernando Ribeiro Moniz
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira

Partido Socialista (PS):
António Fernandes da Silva Braga
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Eduardo Artur Neves Moreira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
João José Gago Horta
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Mário Patinha Antão
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Socialista (PS):

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Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António Luís Santos da Costa
Augusto Ernesto Santos Silva
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Francisco José Pereira de Assis Miranda
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
José da Conceição Saraiva
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Luís Manuel Carvalho Carito
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Nelson da Cunha Correia
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Popular (CDS-PP):
Narana Sinai Coissoró

Partido Comunista Português (PCP):
Lino António Marques de Carvalho

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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