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Sábado,3deJulhode2004 ISérie—Número104
IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)
REUNIÃOPLENÁRIADE2DEJULHODE2004
Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria Leonor Couceiro P. Beleza M. Tavares
Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira Ascenso Luís Seixas Simões Henrique Jorge Campos Cunha
SUMÁRIO
A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 5 minu- Morais (PSD), Maria do Rosário Carneiro (PS), Isabel Castro (Os tos. Verdes), Isabel Gonçalves (CDS-PP) e Alda Sousa (BE).
Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 378/IX — Por último, a Câmara discutiu conjuntamente os projectos de Alteração da imagem feminina nos manuais escolares (Os Verdes), resolução n.os 200/IX — Cria uma comissão eventual de acompanha-tendo usado da palavra os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), mento das medidas de combate às listas de espera (PS) e 201/IX — Aurora Vieira (PSD), Cristina Granada (PS), Alda Sousa (BE), Luísa Realização de um estudo de âmbito nacional sobre as listas de espera Mesquita (PCP) e Henrique Campos Cunha (CDS-PP). (PS), tendo intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Carito
Na apreciação do projecto de resolução n.º 67/IX — Medidas (PS), Patinha Antão (PSD), Afonso Candal (PS), Francisco Louçã para combate à violência doméstica (PCP), e após o Sr. Deputado (BE), Bernardino Soares (PCP), Álvaro Castello-Branco (CDS-PP) e Bernardino Soares (PCP) ter solicitado à Mesa que fossem considera- Isabel Castro (Os Verdes). das propostas de alteração entretanto apresentadas pelo seu partido, A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 10 minutos. usaram da palavra os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Teresa
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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Srs. Deputados, temos quórum pelo que declaro aberta a ses-são.
Eram 10 horas e 5 minutos. Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa Adriana Maria Bento de Aguiar Branco Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso António Alfredo Delgado da Silva Preto António Carlos de Sousa Pinto António da Silva Pinto de Nazaré Pereira António Edmundo Barbosa Montalvão Machado António Fernando de Pina Marques António Henriques de Pinho Cardão António Joaquim Almeida Henriques António Manuel da Cruz Silva Arménio dos Santos Bernardino da Costa Pereira Bruno Jorge Viegas Vitorino Carlos Alberto da Silva Gonçalves Carlos Manuel de Andrade Miranda Carlos Parente Antunes Diogo de Sousa Almeida da Luz Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Eduardo Artur Neves Moreira Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo Fernando António Esteves Charrua Fernando Jorge Pinto Lopes Fernando Manuel Lopes Penha Pereira Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho Fernando Santos Pereira Francisco José Fernandes Martins Francisco Manuel Coelho Ferreira Pimentel Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques Hugo José Teixeira Velosa Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo Jorge Tadeu Correia Franco Morgado José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira José António Bessa Guerra José António de Sousa e Silva José Luís Campos Vieira de Castro José Manuel Carvalho Cordeiro José Manuel de Lemos Pavão José Manuel de Matos Correia José Manuel dos Santos Alves José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro José Manuel Pereira da Costa José Manuel Álvares da Costa e Oliveira José Miguel Gonçalves Miranda João José Gago Horta João Manuel Moura Rodrigues Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho Luís Filipe Alexandre Rodrigues
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Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves Luís Filipe Soromenho Gomes Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira Manuel Alves de Oliveira Manuel Filipe Correia de Jesus Manuel Joaquim Dias Loureiro Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida Maria Aurora Moura Vieira Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho Maria Eduarda de Almeida Azevedo Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares Maria Manuela Aguiar Dias Moreira Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro Maria Teresa da Silva Morais Miguel Fernando Alves Ramos Coleta Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho Mário Patinha Antão Pedro Filipe dos Santos Alves Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro Rui Manuel Lobo Gomes da Silva Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro Salvador Manuel Correia Massano Cardoso Vasco Manuel Henriques Cunha Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho Alberto Bernardes Costa Alberto de Sousa Martins Alberto Marques Antunes Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes Ana Maria Benavente da Silva Nuno Antero Gaspar de Paiva Vieira António Alves Marques Júnior António Bento da Silva Galamba António Fernandes da Silva Braga António José Martins Seguro António Luís Santos da Costa Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho Artur Rodrigues Pereira dos Penedos Ascenso Luís Seixas Simões Augusto Ernesto Santos Silva Carlos Manuel Luís Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira Fausto de Sousa Correia Fernando dos Santos Cabral Fernando Manuel dos Santos Gomes Fernando Pereira Cabodeira Fernando Pereira Serrasqueiro Fernando Ribeiro Moniz Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
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Jaime José Matos da Gama Jamila Bárbara Madeira e Madeira Joaquim Augusto Nunes Pina Moura Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro José António Fonseca Vieira da Silva José Apolinário Nunes Portada José Augusto Clemente de Carvalho José Carlos Correia Mota de Andrade José Manuel Lello Ribeiro de Almeida José Manuel Santos de Magalhães José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa João Barroso Soares João Cardona Gomes Cravinho João Rui Gaspar de Almeida Júlio Francisco Miranda Calha Laurentino José Monteiro Castro Dias Leonor Coutinho Pereira dos Santos Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal Luís Alberto da Silva Miranda Luís Manuel Capoulas Santos Luísa Pinheiro Portugal Manuel Maria Ferreira Carrilho Maria Amélia do Carmo Mota Santos Maria Celeste Lopes da Silva Correia Maria Cristina Vicente Pires Granada Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta Maria Isabel da Silva Pires de Lima Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque Nelson da Cunha Correia Nelson Madeira Baltazar Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte Paulo José Fernandes Pedroso Renato Luís de Araújo Forte Sampaio Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz Rosalina Maria Barbosa Martins Rui António Ferreira da Cunha Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos Teresa Maria Neto Venda Victor Manuel Bento Baptista Vitalino José Ferreira Prova Canas Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves Henrique Jorge Campos Cunha Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
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Manuel de Almeida Cambra Manuel Miguel Pinheiro Paiva Narana Sinai Coissoró Paulo Daniel Fugas Veiga Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Comunista Português (PCP):
António João Rodeia Machado Bernardino José Torrão Soares Bruno Ramos Dias Jerónimo Carvalho de Sousa José Honório Faria Gonçalves Novo Maria Luísa Raimundo Mesquita Maria Odete dos Santos
Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Botelho Correia Sousa Francisco Anacleto Louçã Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro Álvaro José de Oliveira Saraiva
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Srs. Deputados, vamos dar início aos trabalhos com a discus-
são, na generalidade, do projecto de lei n.º 378/IX, da iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes», sobre a alteração da imagem feminina nos manuais escolares.
Para apresentar o diploma, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro. A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A igualdade entre
mulheres e homens é condição do desenvolvimento. É um princípio matricial da democracia, um direito constitucionalmente consagrado. Essa igualdade na lei e a sua evolução, porém, continuam na sua vivên-cia a revelar-nos por contraste, uma realidade bem diversa a qual, não obstante os progressos das últimas décadas, não deixa dúvidas sobre o longuíssimo caminho que, em Portugal, ainda está por trilhar…
Uma realidade marcada no nosso país pela presença e, mesmo, pela multiplicação, particularmente nos últimos anos, de sinais inquietantes de desigualdade e de discriminação, que é nossa responsabilidade política, assim o entendemos, contrariar.
Este facto está presente e é visível nas mais variadas esferas da vida social, quer no espaço público, quer no espaço privado, através de sinais muitíssimo diversificados.
Sinais que se traduzem na limitação humilhante de direitos sexuais e reprodutivos, na desigualdade de oportunidades em termos das condições de acesso e progressão no emprego, no tratamento discriminató-rio veiculado pelos media, no défice de participação das mulheres na vida pública e no exercício de car-gos de representação, designadamente política (apesar de deterem as maiores qualificações para o seu desempenho), na desequilibrada partilha de responsabilidade no espaço familiar em relação aos filhos e ao cuidado dos idosos, no desempenho diferenciado dos papéis sociais, na não integração, ainda — e lamentavelmente desperdiçada nos últimos dois anos —, da perspectiva do género nos diferentes territó-rios das políticas e da organização da nossa vida comunitária.
Ainda, na percepção social que o discurso, designadamente dos media, não obstante ajustamentos impostos pelo tempo, continua a veicular, construir e reproduzir, não só de modo sibilino, ideias conser-vadores em torno de valores tradicionais, como concepções as quais representam, de facto, aquilo a que alguns chamam «aniquilação simbólica das mulheres», e confirmando todos estes factos a enorme distân-cia que ainda separa hoje a lei da realidade, que era suposto ter modificado.
Uma realidade que, sem conformismos, se impõe, em nossa opinião, alterar. Uma alteração que requer a definição de uma estratégia activa e empenhada para a igualdade de oportunidades e de direitos, que permita, desde logo, de acordo com a nossa Carta Fundamental e com o estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre «Todas as Formas de Discriminação em Relação às Mulheres», eliminar todas as formas de discriminação que prevalecem. Esta alteração exige pôr termo a um sem número de interditos culturais cuja prevalência tem sido um entrave ao desenvolvimento equilibrado da nossa sociedade, um
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obstáculo, um empobrecimento à nossa democracia. Por fim, a mobilização de toda a sociedade, desde logo, que, em nossa opinião, não pode descurar
nem deixar de envolver o próprio sistema educativo que tem de ser um dos suportes essenciais para a mudança que urge operar, para podermos ter reflexos a médio e a longo prazos.
Razões que explicam a presente iniciativa política de Os Verdes e, lamentavelmente ao fim de tantos anos ainda, a sua oportunidade.
Uma mudança na imagem feminina nos manuais escolares, que, naturalmente, não pode deixar de ser entendida senão no contexto de uma estratégia integrada e de mudança em termos da igualdade efectiva e da não discriminação das mulheres.
Um projecto de lei no qual se propõe a despistagem de conteúdos sexistas e discriminatórios que, em razão única do sexo, tal como noutros domínios em razão única da raça, são um factor de discriminação e de tratamento desigual.
Uma visão que ainda subsiste nos manuais escolares, no discurso e na linguagem visual por eles vei-culada, através da apresentação de estereótipos baseados em diferenças em função do sexo.
Uma despistagem que propomos se faça com o desejável envolvimento da comunidade e a co-responsabilização das organizações representativas das mulheres, cujo papel, em nossa opinião demasia-do apagado, entendemos hoje ser preciso mobilizar e é cada vez mais necessário.
Um projecto que tem como objecto e alvo a atingir e transformar procurar uma mudança e uma vira-gem nas mensagens anti-pedagógicas dos manuais escolares, os quais, não raro, de modo descuidado, permanecem nas nossas escolas e são dirigidas aos alunos — no fundo, aqueles cuja mudança e cujo sentido de compreensão da mudança queremos fazer partilhar.
É nesse sentido proposto como ponto de partida — e assim entendemos o nosso projecto — que as comissões de avaliação que são constituídas e têm como missão proceder a escolhas dos manuais escola-res passem a integrar na sua composição representantes das organizações não governamentais de mulhe-res que integram o conselho consultivo da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres.
Uma proposta que, acreditamos, se enquadrada numa intervenção integrada no sistema educativo e numa estratégia para a igualdade de oportunidades (que, lamentavelmente, por imposição da maioria, foi perdida na última Lei de Bases do Sistema Educativo aprovada), entendemos que pode vir a acontecer.
Uma proposta que se dirige aos vários agentes educativos e que, com a sua participação e comprome-timento activos, poderá — assim acreditamos — aproximar e gradualmente resolver essa enorme discre-pância entre o discurso legislativo e a realidade construída na sociedade, nas diferentes instituições, desde logo e ainda, nalgumas escolas, cujo papel entendemos ser decisivo e determinante na construção dos processos formativos e das identidades individuais dos mais jovens cidadãos do nosso país.
Uma proposta que corresponde à necessidade de intervir nos sistemas educativos e de mobilizar toda a vasta gama de meios de que eles dispõem, com recurso a disposições legais e regulamentares que per-mitam a eliminação nos conteúdos de ideias dominantes instaladas, transmitidas pela tradição ou repro-duzidas pela cultura dominante, fundadas sobre a ideia de superioridade ou inferioridade de um sexo sobre o outro ou sobre o papel estereotipado de mulheres e homens.
Uma intervenção que, naturalmente — não temos ilusões — não se pode nem cremos se esgote neste domínio, o dos livros escolares e do seu conteúdo, mas que por aí passa, eliminando concepções sexistas e estereótipos baseados numa divisão tradicional de papéis entre mulheres e homens, e que deve ser alar-gada a outras orientações programáticas e pedagógicas, capazes de fazer despertar toda a comunidade para os direitos humanos, a sua plenitude de educar para a cidadania.
Um projecto, por fim, que reconhece a importância dos manuais escolares no processo de socialização das crianças e que, partindo do papel, positivo ou negativo, que podem desempenhar na formação de crianças e na mudança de atitudes, procura adequar o conteúdo deste instrumento de trabalho a um objec-tivo socialmente (pelo menos, teoricamente!) aceite, o da igualdade de direitos entre mulheres e homens, uma igualdade lamentavelmente mais longe.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, este é o objectivo do nosso projecto, um projecto que não é novo como nova também não é a investigação feita neste domínio e que, há cerca de um ano, veio confirmar tristemente aquilo que, em 1979, se tinha identificado, ou seja, o sexismo latente em muitos dos manuais escolares cuja utilização, por isso, acaba por ser anti-pedagógica.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, a igualdade entre mulheres e homens não é uma questão linear de igualdade numérica, não é uma questão de mulheres. É uma questão do desenvolvimento, é uma questão da democracia e é por ela que hoje continuamos a agir e a lutar.
O Sr. Álvaro Saraiva (Os Verdes): — Muito bem! A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Aurora
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Vieira. A Sr.ª Aurora Vieira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 378/IX,
do Grupo Parlamentar Os Verdes, tem por objectivo a alteração da imagem feminina nos manuais escola-res.
Nos considerandos, Os Verdes referem princípios constitucionais e convenções internacionais onde estão consagrados princípios de não discriminação e afirmam que, apesar disso, persistem factores de discriminação na sociedade portuguesa. Em particular, referem-se a imagens e a estereótipos veiculados pelos media e pelos manuais escolares.
Podemos afirmar que estamos de acordo que muito ainda há a fazer, mas também não é unicamente pela via legislativa que tudo muda. Se assim fosse, por via dessas convenções e dos princípios constitu-cionais, já não seria preciso fazer muito!
De referir que mesmo a Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986, que já apontava para princípios de não descriminação, ainda não cumpriu o seu papel.
De referir, ainda, que a Lei de Bases da Educação, recentemente aprovada neste Parlamento, por ini-ciativa do Grupo Parlamentar do PSD, incorporou em muitos dos seus artigos princípios explícitos de não discriminação e de igualdade entre os homens e as mulheres.
A escola enquanto instituição de ensino desempenha um papel fundamental em matéria de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, sendo a imagem da mulher transmitida não só pelos manuais escolares como também pelos professores e, até, pelo contexto de acção.
O projecto de parecer da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade de Oportunidades do Par-lamento Europeu, no Livro Branco Umnovo impulso à juventude europeia, refere expressamente: «Os jovens pronunciaram-se claramente a favor de, futuramente, ser prestada maior atenção às questões de género (…). A fim de alcançar uma maior igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na socie-dade é necessário criar, logo à partida, as bases na formação escolar e orientar os planos curriculares nesse sentido.»
No entanto, actualmente, e num contexto de sociedade educativa e de aprendizagem ao longo da vida, estas mensagens não são só veiculadas pelos manuais e pela escola, são também transmitidas pelos meios de comunicação, pela sociedade, pela família e pelos professores.
Vozes do PSD: — Muito bem! A Oradora: — Pergunto, por exemplo, qual seria a reacção de um aluno numa sala de aula quando
lhe fosse pedido para analisar a diferença de significado entre «um governante» e «uma governanta» ou para discutir a seguinte frase de Virgínia Woolf: «durante séculos, as mulheres foram os espelhos mági-cos e deliciosos em que se reflectia a imagem do homem, duplicada. Sem essa faculdade, a terra ainda seria, provavelmente, só pântano e selva (…). Uma vez que, se a mulher começa a dizer a verdade, a figura no espelho diminui, e o homem adapta-se à vida com maior dificuldade.»
Vozes do PSD: — Muito bem! A Oradora: — Muitos afirmam que estimular a reflexão sobre si próprio e a história é também uma
maneira de aproximar rapazes e raparigas para que possam até avaliar o que nos separa de outros tempos e, sobretudo, o que nos separa das boas práticas.
O Plano Nacional para a Igualdade de Oportunidades, no sistema escolar 93/95, afirmava assim: «uma visão antropológica mais rica: o ser humano é dúplice, macho e fêmea, desde sempre. Repercorrer e revi-sitar a cultura do passado e do presente, a partir deste ponto de vista, deve constituir um dos principais compromissos culturais e educativos da escola.»
Mas os rapazes e as raparigas da nossa sociedade deparar-se-ão, nas escolas, com estas abordagens? Estas abordagens são veiculadas pelos manuais ou pelos professores? Claro que não!
Muitos estudos se têm feito nos últimos anos sobre as questões de género, por exemplo, na família. Uma tese de doutoramento intitulada É menino ou menina? conclui pela forte influência familiar no
desenvolvimento das diferentes dimensões do género, contribuindo para melhor compreensão das impli-cações das diferenças sexuais para a educação que os indivíduos recebem ao longo da vida.
E, ainda, que os pais e os filhos têm opiniões mais conservadoras e tradicionais do que as mães e as filhas a respeito dos papéis e que os rapazes são o grupo mais conservador, sendo mais relevante o papel da mulher se a família tem melhores condições sócio-económicas, se vive em meio urbano e se tem mais escolaridade, mas, sobretudo, se a mulher desempenha uma função remunerada fora de casa.
Estão são também as conclusões de outros estudos, como o da Professora Benavente e de Mário Pinto
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sobre os efeitos da televisão. Um estudo do Departamento de Avaliação Prospectiva e Planeamento, do Ministério da Educação,
relativo ao género e à tecnologia, nomeadamente quanto à utilização das TIC por rapazes e raparigas, refere que se, por um lado, esta ainda é uma área mais «masculina do que feminina», por outro, eviden-cia, uma vez mais, a diferença comportamental de género quando afirma que as «raparigas recorrem mais ao computador para escreverem textos e para jogos educativos e os rapazes para jogar», sendo que estes recorrem à auto-aprendizagem e aquelas ao apoio familiar e dos professores. Isto para concluir que «os rapazes adoptam estratégias de aprendizagem consentâneas com modelo de masculinidade, assente em autonomia e individualismo, e as raparigas diversificam as formas de aprendizagem valorizando a coope-ração e o relacionamento pessoal e social.»
Neste estudo, como noutros, as condições familiares de repartição de tarefas, nomeadamente as domésticas, continuam a condicionar a utilização não só dos computadores mas, até, da televisão.
Aqui está uma área em que a escola pode ajudar a promover a equidade, pois a instituição das TIC como disciplina obrigatória ajudará a eliminar, por certo, algumas destas desigualdades.
Quanto às desigualdades de género nos manuais escolares, refiro, por exemplo, dois estudos, um, relativo a manuais escolares do 1.º ciclo de língua portuguesa e estudo do meio, e outro, relativo a manuais de língua inglesa dos 7.º e 8.º anos de escolaridade, os quais, embora para anos, situações e locais diferentes do nosso país, chegam às mesmas conclusões quando se analisa a dicotomia géne-ro/profissão.
Concluem as autoras destes estudos pela existência do sexismo explícito por representações desfasa-das da realidade social actual, e também implícito, veiculando estereótipos do que é ser homem ou mulher para o que contribuem para profissões que aparecem sobretudo no masculino, assim como a ausência de homens no mundo doméstico, pela utilização do género masculino como modelo genérico, apesar da interpretação se tornar o modelo específico.
Neste momento, registou-se burburinho na Sala. Sr.ª Presidente, sei que esta questão não interessa a muitos Deputados mas, como é interessante… A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Srs. Deputados, peço que façam silêncio. Aqueles que, even-
tualmente, não queiram ouvir, deixem, pelo menos, que aqueles que querem o possam fazer. Faça favor de continuar, Sr.ª Deputada. A Oradora: — Sei que é uma mulher que está a falar e que a Câmara é de homens, mas hoje, se
calhar, seria o dia ideal para mudar a imagem! Nas ilustrações surgem mais figuras masculinas do que femininas, representando as figuras masculi-
nas, do ponto de vista visual, a própria humanidade. O exercício do poder para as mulheres encontra-se confinado à esfera doméstica, surgindo só aqui
como agentes de acção, deixando assim a esfera de intervenção social macro para eles e a micro, da famí-lia, para elas.
As mulheres não são, nos livros, bombeiras, políticas, jogadoras de futebol, pilotos, juízas, mecânicas, gestoras ou jornalistas… Só que hoje vemos apenas mulheres na bancada dos jornalistas!
Vozes do PSD: — Muito bem! A Oradora: — Mas, nos livros, também nenhum homem é enfermeiro, bailarino ou doméstico. No masculino, cozinheiro diz-se «chefe» e o masculino de hospedeira de bordo é «comissário de bor-
do». Como podemos constatar não só pelo que conhecemos e percepcionamos mas, sobretudo, pelos estu-
dos, existem reais e grandes assimetrias desfavoráveis à mulher. Isto apesar de a população feminina ser maioritária socialmente e de na escola, apesar do equilíbrio entre rapazes e raparigas no ensino obrigató-rio, este ser progressivamente desequilibrado a favor das mulheres quando se passa para o secundário e, sobretudo, para o superior, com maior frequência e melhores resultados para as mulheres.
Este sentido torna-se a inverter quando analisamos a saída da escola para a vida activa, relevando mais uma vez aqui que a promoção de igualdade de oportunidades é dada pela escola mas ainda é negada pela sociedade.
Dizem os estudos que a escola é do género feminino (a frase é minha) no sentido que a profissão de professora é maioritária e os alunos são maioritariamente mulheres, mas que as mulheres se adaptam, dadas as suas condicionantes femininas resultantes do género (adaptabilidade, docilidade, disciplina),
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mais ao formato escolar, e daí terem menor abandono e melhores resultados! Diria eu que o sucesso masculino é «suor» e o feminino é de contexto! Mas, apesar das condicionantes de enquadramento social e das mensagens dos manuais escolares,
verificamos sobretudo que cada vez mais mulheres frequentam e têm sucesso escolar, escolhendo profis-sões não veiculadas nos manuais, pois estes também não são hoje o único veículo de informação, como a escola também não é o único lugar de formação e aprendizagem.
A educação é de importância vital na vida social, política e económica do País, é um instrumento bási-co para a aquisição de saberes e um elemento indispensável na construção da autonomia, da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres e, como tal, de cidadania e democracia.
Concordo, assim, com a necessidade de equilibrar o conteúdo dos manuais escolares, mas há que não esquecer a necessidade de alteração de atitudes, nomeadamente na área da docência, promovendo forma-ção com vista ao desenvolvimento de consciência crítica na área da igualdade de género.
Quanto ao projecto de lei, cabe-me dizer que idêntica iniciativa foi apresentada por Os Verdes em 1992, tendo sido votada em 1993. Tal como nessa altura, consideramos hoje que a matéria de substância a que se refere o projecto de lei em apreço é suficientemente consensual para que seja possível encontrar pontos de convergência a reunir numa solução que dê mais um passo no sentido de uma sociedade que, na diferença, seja mais igualitária nas oportunidades, mais justa e mais moderna.
Aplausos do PSD e do CDS-PP. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina
Granada. A Sr.ª Cristina Granada (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se é verdade que nas últi-
mas décadas se têm verificado progressos quanto ao princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres em vários domínios da sociedade portuguesa, também é verdade que este mesmo princípio enunciado na Constituição da República continua longe de ser assegurado.
Sinais evidentes de desigualdade entre homem e mulher continuam a emanar, quer do domínio priva-do, quer do domínio público, tanto no que respeita às carreiras profissionais e consequente progressão (ou não), à participação na vida pública ou expectativas quanto a desempenhos da esfera privada, ao exercício de cargos de representação, entre outras e muitas questões.
Estereótipos do que se espera venha a ser o desempenho do homem ou da mulher são perpetuados nas imagens a que se recorre para ilustrar um ou outra na comunicação, na publicidade e nos manuais escola-res aqui trazidos à reflexão.
Não é uma intervenção fácil a intervenção contínua, persistente e muitas vezes apelidada pejorativa-mente de feminista, julgada inútil e causa de reacções públicas adversas.
As imagens discriminatórias entre homem e mulher, rapaz e rapariga, mantêm-se. A imagem cons-truída e veiculada como modelo educativo para a reprodução e ilustração de modelos e desempenhos públicos e privados perpetua uma ocupação diferenciada dos diferentes domínios, como comprovam estudos variados onde se reflecte sobre a colocação da mulher na esfera doméstica e do homem nos espa-ços socialmente mais valorizados da profissão e da representação pública.
Vozes do PS: — Muito bem! A Oradora: — A educação não se confina ao exclusivo espaço escolar, o indivíduo aprende dentro e
fora da escola. A escola recorre inclusivamente às imagens do real como suporte exemplificativo para as aprendizagens pretendidas. O papel da imagem escolhida e veiculada por diversos meios e suportes, nomeadamente nos manuais escolares, passa assim a ser produtor e reprodutor de modelos sociais.
Num estudo recente sobre a mediação Escola — Trabalho, efectuado no contexto da Intercooperação e Desenvolvimento (INDE) — uma organização não governamental com financiamento do Fundo Social Europeu —, num projecto realizado com base no testemunho de múltiplos parceiros, verificou-se, num inquérito feito a alunos do 9.º e 10.º anos de escolaridade, a pais e a professores, que no perfil do candi-dato «ideal» ao emprego surgem privilegiados os seguintes itens como factores facilitadores de acesso ao mesmo emprego o facto de se ser: «rapaz», «português», «com curso superior», «residente no litoral» e, como acrescentam em final de recolha os pais, «de meio social privilegiado».
Ideias dominantes instaladas, transmitidas por uma tradição ou cultura dominante — maniqueísta — onde os papeis sociais continuam pautados por contraste de superioridade ou inferioridade, inclusivamen-te na conotação atribuída a tarefas e desempenhos, prolongam no tempo, nas mentes e na sociedade modelos discriminatórios com base nos géneros.
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Os estereótipos de desempenhos, com base numa leitura sexista, promovem modelos desajustados, condicionando os construtos mentais do indivíduo quanto ao seu espaço na sociedade, no emprego, na família e na escola.
A própria instituição escolar, para além do que é dito, explicitado e racionalmente assumido, continua a reproduzir estereótipos e representações sociais que discriminam com base no género.
Apesar dos inúmeros estudos, projectos e materiais produzidos nos últimos anos, as práticas dominan-tes permanecem inalteradas.
A vontade manifesta de responsáveis políticos, que recentemente ilustraram uma dificuldade patente na aceitação da maioria feminina em determinados sectores da vida académica —…
Aplausos do PS. … como se depreendeu das palavras do Sr. Ministro da Saúde, preocupado pelo número elevado de
médicas num futuro de médio prazo, mas não constrangido, por outro lado, pelo facto de sectores como a enfermagem ou a educação para a infância até muito recentemente terem sido, na prática, exclusivamente ocupados por mulheres —, apesar da aquisição do saber não poder cientificamente ser pensada discrimi-natoriamente em função do sexo, parece indicar que o problema da representação e da reprodução de um modelo social discriminatório não está resolvido.
Nem feminização, nem masculinização. Enquanto não houver mostra de mudança socialmente apreciável nos comportamentos discriminató-
rios com base no género, compete seguramente a quem tutela, legisla ou gere os desígnios sociais, numa perspectiva enquadradora, acompanhar tudo o que represente espaços de reprodução de modelos.
Vozes do PS: — Muito bem! A Oradora: — O universo educativo, e tudo o que a ele se associa, constitui um espaço privilegiado
tanto de mudança como de reprodução de modelos. É na escola e pela escola que passa o futuro, uma vez que ao sistema educativo — por períodos de
duração variável, conforme o número de anos de escolarização efectiva e os percursos individuais — recorrem todos os cidadãos.
À escola são solicitadas respostas educativas centradas nos saberes curriculares, mas igualmente nas competências para a vida e para a profissão.
Vozes do PS: — Muito bem! A Oradora: — Não se ensinam, exclusivamente, conteúdos programáticos, ensinam-se e aprendem-
se valores, desenvolvem-se competências do saber e para o saber, aprende-se a aprender e a usar devida-mente aquilo que se aprende. Aprende-se a ser cidadão e aprende-se cidadania. Aprende-se e ensina-se.
Vozes do PS: — Muito bem! A Oradora: — Tudo depende do modelo que se persegue, tudo depende do que, também politica-
mente, se projecta para ser ensinado e aprendido. Pela linguagem e pelas imagens usadas nos manuais escolares passa um manancial de informação,
explícita e implícita, marcado a diversos níveis. O manual escolar é um dos instrumentos mais poderosos no que toca à transmissão de saberes, daí que se considere relevante a preocupação respeitante à necessi-dade de o acompanhar na sua produção. Não podemos ficar pela atenção redobrada relativamente à inclu-são ou não de um autor estruturante para a identidade cultural nacional. Não basta especular sobre a pre-valência das questões linguísticas sobre as questões literárias ou vice-versa, ainda que a sua articulação seja legitimamente considerada e deva merecer o maior cuidado.
Importa também atendermos aos modelos sociais implícitos reservando-lhes o acompanhamento e cuidado necessários, pelo que, quanto ao que hoje aqui nos ocupa, importa senão definir, pelo menos, tornar mais aguda a consciência relativa à aquisição e subsequente reprodução dos referidos modelos sociais exibidos em discursos e imagens inseridos em manuais escolares.
Não é só na escola que se aprende, mas a escola está vocacionada para ensinar. Aprender modelos adequados, fundados na igualdade de géneros, no desenvolvimento de características sociais assentes no respeito pelo outro, sem discriminação de credo, etnia, sexo ou origem social depende também da escola, dos educadores, dos materiais que se utilizam; depende, com certeza, dos manuais escolares e das ima-gens e modelos a que recorrem.
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Uma sociedade que se quer livre promove a liberdade. Uma sociedade que se quer igualitária e «equi-tável» promove a igualdade e a justiça. Para que haja escolha livre tem de haver consciência da multipli-cidade de escolhas.
Vozes do PS: — Muito bem! A Oradora: — As crianças e os jovens têm o direito de conhecer e aprender as diferentes cambiantes
afectivas, pessoais, profissionais, sociais, etc., que a comunidade a que pertencem lhes sugere, sendo que tal aprendizagem não pode ser feita por estratégias enviesadas mas por reflexão e análise consciente de tudo o que se lhes fornece. Daí a importância da educação sexual e da educação para a cidadania, entre outras.
À escola compete desenvolver mecanismos de tomada de consciência da necessidade de mudança no que respeita à igualdade, à igualdade de géneros e ao respeito pelas escolhas em conhecimento real do que se escolhe.
Às tutelas políticas resta acompanhar, no contexto estrito da sua responsabilidade e competência, sem desrespeito pelas liberdades fundamentais e constitucionais, o uso que se faz da imagem feminina nos manuais escolares.
Por esta razão se entende que a presente iniciativa legislativa, da autoria dos Deputados do Partido Ecologista «Os Verdes», é justa, meritória e globalmente positiva.
Aplausos do PS. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda
Sousa. A Sr.ª Alda Sousa (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A reduzida presença de mulheres
em cargos de poder político e económico, as diferenciações salariais, a forte carga de horas de trabalho e a violência doméstica são alguns dos muitos sinais de que se é verdade que se verificaram evoluções «emancipatórias», também é verdade que a hierarquia de género ainda é, infelizmente, uma marca da sociedade portuguesa.
São persistentes as tentativas de recuo: vimo-lo no Código do Trabalho ou nas Leis de Bases da Famí-lia e da Educação; vimo-lo, repetidamente, na humilhação de mulheres em tribunal e nas declarações recentes do Ministro da Saúde, que representam uma visão medieval da sociedade.
Os estereótipos associados aos papéis de género parecem persistir como reflexo dos tempos e da sociedade. O combate a imagens e estereótipos que condicionam a liberdade de escolha das mulheres exige um debate de sociedade mas também um debate sobre o papel da escola.
Os manuais escolares, que actuam como um elemento socializador das crianças e dos jovens, contri-buindo para formação da sua identidade, não constituem, de modo algum, um elemento neutro de concei-tos e ideologias. Desde as ilustrações ao próprio texto e narrativas, os manuais reflectem uma forma de olhar e de construir a realidade, no que diz respeito a papéis de género no trabalho, no lazer e na família, e na ausência da mulher nas narrativas da história da humanidade ou, mesmo, nas descobertas científicas.
Já aqui foram citados hoje vários estudos que confirmam como numa grande parte dos manuais há, embora com cambiantes e variantes, formas estereotipadas de, quer na imagem quer no conteúdo do tex-to, descrever os homens e as mulheres, os pais e as mães, os próprios alunos e alunas.
Esta ausência das mulheres consubstancia-se na utilização do masculino como universal neutro (invi-sibilizando as mulheres, pois estas não são nomeadas mas incertas na ideia de universal), mas também através da inexistência de referências femininas na história e em todos os campos do saber. Não se trata só de combater o sexismo mas, igualmente, de resgatar o lugar a que as mulheres têm direito na História de uma forma geral, ou seja, o direito a existirem e a serem nomeadas.
O projecto de lei hoje em discussão representa, sem dúvida alguma, um esforço muito positivo na avaliação e no acompanhamento dos manuais a serem adoptados pelos grupos de professores da discipli-na das escolas. Mas seria importante também complementar com medidas a jusante que pudessem de alguma forma contribuir para a produção dos próprios manuais, uma vez que só em casos de erros gravís-simos é que os manuais são retirados do mercado.
Assim sendo, parece-nos que seria importante acrescentar outro tipo de medidas, desde logo, a inclu-são do princípio da igualdade na Lei de Bases da Educação. Nesta matéria, perdeu-se recentemente uma excelente oportunidade, pois a última revisão da Lei de Bases da Educação veio amputar da lei o princí-pio da igualdade.
Por outro lado, a introdução da questão da igualdade nos programas das disciplinas, como forma de
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combater o sexismo e a invisibilidade das mulheres no mundo e na ciência. A igualdade deve ser matéria dos programas escolares e não propriamente algo que faça parte de matérias opcionais, só assim poderá ganhar centralidade e dignidade.
Seria também importante a introdução de conteúdos para a igualdade na formação inicial e contínua dos professores e das professoras.
A Sr.ª Maria Manuela Aguiar (PSD): — Muito bem! A Oradora: — Além disso, parece-nos importante a criação de parcerias com as ONG no sentido da
construção daquilo que poderíamos chamar um guião para a elaboração de materiais não sexistas. Esta parceria poderia actuar em simultâneo com as comissões de elaboração dos programas para que, quando os programas são homologados, o guião possa ser enviado para os editores, autores e autoras eventual-mente acompanhado por um plano de formação — o que, com certeza, iria contribuir para haver uma forma integrada de discussão e de apresentação dos programas com outros conteúdos.
Perspectivar uma educação e uma escola capazes de reconhecer a igualdade na diferença e reconhecer na liberdade de projecção de sonhos e identidades uma mais-valia é, sem dúvida, um desafio dos nossos dias.
Pensamos que este projecto de lei representa um passo positivo neste sentido, que, com certeza, pode-rá vir a ser complementado e melhorado na especialidade.
Aplausos do BE e da Deputada do PSD Maria Manuela Aguiar. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa
Mesquita. A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A imagem feminina nos
manuais escolares, objecto da nossa discussão hoje, constitui só mais um exemplo, a aditar a muitos outros, onde continua a manifestar-se a discriminação de que são alvo as mulheres.
No entanto, a gravidade de esta prática ocorrer em textos educativos é quase provocatória. A cidada-nia está ausente na voz dos manuais escolares. Permite-se que a escola, através de diversos meios peda-gógicos, nomeadamente de um instrumento tão importante como é o manual escolar, constitua um espaço de frequente agressão ao princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente.
Há variadíssimas investigações sobre esta matéria denunciadoras de práticas que reproduzem visões conservadoras e sexistas, mas muito pouco se tem feito para impedir que o processo de ensi-no/aprendizagem das crianças e dos jovens não permaneça sujeito a estas representações discriminatórias de homens e mulheres.
É, no mínimo, absurdo que prevaleça ainda em textos que pretendem ser formativos e informativos o género feminino associado ao espaço privado, limitado às funções da maternidade e dos afazeres domés-ticos, cujas preocupações se limitam ao suposto bem-estar da célula familiar, na versão mais retrógrada do «filme», enquanto o género masculino, ocupante privilegiado do espaço público, emerge como o detentor do conhecimento e, por isso, o mentor do grupo.
Mas se o território oferecido à aprendizagem for a casa, o mais provável é que a criança ou o jovem identifique a personagem como o leitor do jornal ou o interessado consumidor da televisão.
A verdade é que estes estereótipos, pela rigidez e quase imutabilidade com que reproduzem imagens mentais padronizadas e redutoras do real, perpetuam representações desfasadas, anacrónicas temporal e socialmente e inviabilizam a reflexão, o estudo e a avaliação do contemporâneo, onde, apesar de tudo, o combate à discriminação e a luta pela igualdade têm tido alguns resultados positivos.
A escola é um espaço de socialização e, como tal, deveria assumir-se como promotora da igualdade do ser, porque esse objectivo é determinante na concretização das estratégias para a igualdade de oportu-nidades e sucesso escolares. Contudo, a escola, ao adoptar alguns manuais escolares, não só não cumpre a sua missão como privilegia, nas questões do género, determinado grupo em detrimento de outro.
Todos sabemos que a História oficial dos Estados não é a História dos povos. Essa, a verdadeira His-tória, temos de a procurar na ficção dos escritores. Blimunda ou o seu companheiro Baltazar Sete Sóis não são personagens da História oficial, só tiveram voz, espaço e tempo no texto ficcional do Memorial do Convento. Mas, mesmo sabendo-se isso, é inadmissível que, nos manuais de História Nacional ou Universal, a História e/ou as histórias de mulheres não existam como determinantes também na constru-ção do quotidiano, ou que, por exemplo, nos manuais de Geografia, as questões da população sejam qua-se sempre avaliadas na perspectiva masculina e, por omissão, se esqueça a feminina, tão-só a maior popu-lação do planeta, ou ainda que um dos livros de Geografia adoptado pelo sistema educativo esclareça a
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este propósito que mais de metade dos homens são mulheres. Se não fosse verdade, seria anedótico. Os preconceitos e os conteúdos simbólicos resultam de um trabalho ideológico milenar em defesa do
poder e do domínio. É por isso também que estas matérias de que hoje falamos continuam a provocar sorrisos em mentes atávicas patrocinadoras da tese de que a diferença biológica entre sexos implica, natu-ralmente, diferentes funções sociais e diversas apetências. Senão, vejamos os recentes paladinos das quo-tas em Medicina, jamais preocupados com as quotas do sistema educativo no sector de enfermagem ou nas tarefas domésticas.
De facto, o projecto de lei apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes», que retoma o texto já aprovado, na generalidade, nesta Casa, por unanimidade, em Março de 1993, demonstra a ausência de vontade política, ao longo destas duas décadas, para operacionalizar o diploma de facílima execução, a mesma ausência de vontade política que ignora o conteúdo do diploma que esta iniciativa pretende alterar — o Decreto-Lei n.º 369/90, de 26 de Novembro —, que determina que o Ministério da Educação deve assegurar a qualidade científica e pedagógica dos manuais escolares a adoptar para cada nível de ensino e disciplina ou área disciplinar, através de um sistema de apreciação e controlo, e que, de acordo com o mesmo diploma, a tutela deverá constituir comissões científico-pedagógicas para apreciação da qualidade dos manuais escolares, prevendo-se ainda um conjunto de mecanismos de avaliação e suspensão quando da existência de erros ou omissões.
Vozes do PCP: — Exactamente! A Oradora: — É óbvio que não é por falta de legislação que os manuais escolares, que constituem,
de facto, uma centralidade inequívoca na prática lectiva em Portugal, pouco ou nada contribuem para formar crianças e jovens para a igualdade de oportunidades na vida social e política. É óbvio que é por falta de uma verdadeira política sustentada por acções de combate à discriminação em todas as áreas, do emprego à família e da política à educação, que a ideologia retrógrada e conservadora do mundo se reproduz.
Mas, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, é inexorável a mudança desse mesmo mundo e das vontades que o irão moldar de certeza mais justo e mais solidário.
Aplausos do PCP e da Deputada do PSD Maria Eduarda Azevedo. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique
Campos Cunha. O Sr. Henrique Campos Cunha (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Encontramo-
nos hoje a discutir uma iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes» que visa alterar a imagem feminina nos manuais escolares.
A igualdade entre homens e mulheres é um princípio constitucionalmente consagrado, fundamental em qualquer sociedade livre e democrática. A consagração deste princípio representou um enorme passo civilizacional, mas não podemos pensar que, com a sua consagração legal, todos os problemas ficaram automaticamente resolvidos.
De facto, subsistem ainda alguns factores preocupantes na sociedade portuguesa, que nos levam a pensar que a igualdade entre homens e mulheres está, infelizmente, ainda bem longe de ser uma realida-de.
Com efeito, é inquestionável que a situação das mulheres portuguesas é particularmente preocupante no conjunto da União Europeia: são as que trabalham mais horas, fora e dentro de casa; são as que per-dem mais tempo em transportes públicos; e, em Portugal, auferem por trabalho igual, em média, cerca de 74% do vencimento dos homens.
Por tudo isto, é necessário repensar a igualdade de uma forma diferente, mais abrangente e perspecti-vando o futuro. O actual Governo reconheceu isto mesmo e tomou já medidas ao apresentar o Plano Nacional para a Igualdade para 2003-2006, que inclui medidas estruturantes e medidas por grandes áreas de intervenção.
No plano da educação e formação, que mais pormenorizadamente importa aqui analisar, é reconheci-do o papel fundamental da escola na transmissão de valores, considerando-se, portanto, imperioso que a dimensão de género seja incluída na formação das crianças e jovens desde os primeiros níveis de ensino, de forma a eliminar os estereótipos em função do sexo e promover a educação para a igualdade.
Assim, foram adoptadas medidas, como a integração progressiva da perspectiva de igualdade entre mulheres e homens nos currículos, programas e materiais pedagógicos, com o objectivo de uma real implementação da co-educação e da educação para a paridade.
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Obviamente, reconhecemos que, para produzir as alterações que todos desejamos, é necessário sobre-tudo operar uma mudança de mentalidades, e é claro que nesta mudança a educação terá um papel fun-damental na formação das mentalidades futuras.
O presente projecto de lei do Partido Ecologista «Os Verdes» centra as suas preocupações na imagem feminina que é veiculada pelos manuais escolares, alertando para a necessidade de despistar a transmis-são de certas ideias dominantes instaladas, fundadas sobre a ideia de inferioridade ou superioridade de um sobre o outro sexo ou sobre o papel estereotipado de homens e mulheres, propondo-se resolver este problema através de uma alteração ao Decreto-Lei n.º 369/90, que actualmente regula o controlo da qua-lidade dos manuais escolares.
Pretende, entre outros objectivos, assegurar a qualidade científica e pedagógica dos manuais escolares a adoptar em cada nível de ensino e disciplina ou área disciplinar, criando, para isso, um sistema de apre-ciação e controlo, bem como apoiar as escolas no processo de escolha e adopção dos manuais escolares, facultando-lhes instrumentos de selecção.
Estes objectivos são, na opinião do CDS-PP, de importância basilar para o sistema educativo, pois só poderemos, de facto, atingir as metas a que se propõem os planos curriculares se tivermos manuais esco-lares com efectiva qualidade pedagógica e científica.
Entendemos que o problema que o Partido Ecologista «Os Verdes» coloca não é apenas um problema sentido no plano do cumprimento do princípio constitucional de igualdade entre homens e mulheres, mas em todas as questões relacionadas com a qualidade científica e pedagógica dos manuais escolares.
Assim, esta questão deve também ser analisada conjuntamente com outras situações, eventualmente carecidas de revisão de conteúdos de manuais escolares, designadamente no campo da abordagem das minorias étnicas, dos portadores de anomalia física e da expressão da liberdade confessional e religiosa.
O Partido Ecologista «Os Verdes» vem propor que as comissões científico-pedagógicas previstas no Decreto-Lei n.º 369/90 passem obrigatoriamente a integrar duas representantes das organizações não governamentais que integram o Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres e um representante do Conselho Nacional de Educação.
Para além disto, o Partido Ecologista «Os Verdes» propõe ainda que esta comissão passe a ter como competência emitir pareceres sobre o conteúdo dos manuais, na óptica do respeito pelos direitos huma-nos, da eliminação de todas as formas de discriminação, nomeadamente em relação às mulheres, e da promoção da igualdade entre homens e mulheres.
Reconhecendo a importância da questão levantada pelo Partido Ecologista «Os Verdes», entendemos que este problema deveria ser inserido na questão mais vasta do controlo da qualidade científica e peda-gógica dos manuais escolares.
Não se percebe porque se insere duas representantes de organizações não governamentais. Em primei-ro lugar, não compreendemos qual o critério para inserir duas organizações, e não uma ou mais de duas, e, em segundo lugar, também não se compreende porque se fala em duas representantes de organizações não governamentais que façam parte do Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres e não em representantes ou representante desta mesma Comissão, que é o organis-mo responsável pela integração genérica na perspectiva da igualdade de oportunidades em todas as políti-cas públicas.
Por tudo isto, e tendo sobretudo em conta as medidas concretas já previstas no Plano Nacional para a Igualdade 2003-2006, a desenvolver em colaboração com o Ministério da Educação, bem como o facto de este problema dever ser alvo de uma acção concertada, levando em conta outras situações, como a abordagem das minorias étnicas, dos portadores de anomalia física e da expressão da liberdade confes-sional e religiosa, o CDS-PP irá votar favoravelmente, na generalidade, este projecto de lei, reservando a sua posição para propostas de alteração na especialidade.
Aplausos do CDS-PP. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Isabel Castro. Para o efeito, dispõe de tempo cedido pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Por-tuguês.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de dizer, muito
brevemente, que, em nossa opinião, a oportunidade política deste projecto de lei continua a existir. Aliás, isso já foi referido neste debate na intervenção da Sr.ª Deputada do Partido Socialista, ao lembrar um episódio, recentemente ocorrido, que, no fundo, mais não é do que a verbalização de um problema que emerge e subsiste na nossa sociedade, que é a manutenção de interditos, de desigualdade e de discrimina-ção e uma atitude contemplativa e permissiva em relação a essa mesma desigualdade, que são factores
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que, do nosso ponto de vista, são um obstáculo ao nosso desenvolvimento e à democracia plena. Não temos a arrogância de pretender que a alteração dos manuais escolares, só por si, é um factor de
transformação daquilo que compete ao sistema educativo fazer, ou seja, educar para a diferença, para o respeito pelos direitos humanos e para a igualdade de oportunidades, estimulando nos jovens cidadãos do futuro um sentido crítico que lhes permita não aceitarem, no futuro, situações de discriminação e desi-gualdade, mas eles são como que um instrumento de trabalho, uma parte importante desse veículo trans-formador, que, naturalmente, não dispensa nem isenta, antes obriga, a convocar toda a comunidade edu-cativa, e, naturalmente, isso não pode ser feito se não existir vontade política neste domínio.
O Congresso Feminista, que reuniu recentemente em Portugal, 80 anos depois de se ter reunido pela primeira vez, veio chamar a atenção para a ligação extraordinariamente íntima que existe entre feminismo ou, dito de outra forma, entre direitos das mulheres e dos homens e a educação. Neste sentido, aliás, se dirigiu o Sr. Presidente da República a esse Congresso.
Por isso, em nosso entendimento, é tempo de passar de palavras politicamente correctas a acções que sejam capazes de corporizar uma plenitude de direitos, e, do nosso ponto de vista, não tem sentido conti-nuar, com falsos argumentos ou com questões de detalhe, a refugiar-se para não ser efectivamente conse-guida.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate, na generalidade,
do projecto de lei n.º 378/IX. Vamos agora apreciar o projecto de resolução n.º 67/IX — Medidas para combate à violência domés-
tica (PCP). O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Faça favor, Sr. Deputado. O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, é apenas para informar a Mesa e a Câmara de
que apresentámos algumas propostas de aditamento e de alteração visando actualizar o conteúdo deste projecto de resolução, que pedimos sejam consideradas, sobretudo no momento da sua votação, que ocor-rerá na próxima semana.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — A Mesa registou a informação do Sr. Deputado, As propostas
já foram distribuídas. Para apresentar o projecto de resolução, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos. A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: À data da realização da confe-
rência de Beijing sobre a situação das mulheres, Portugal levou já uma lei na sua «bagagem», como foi referido na intervenção feita em nome de Portugal — a Lei n.º 61/91 —, instituindo medidas adequadas de protecção das mulheres face à violência.
Foi o PCP quem apresentou o respectivo projecto de lei, assim se criando a primeira lei global sobre o assunto.
O projecto de lei por nós, então, apresentado não foi objecto de qualquer alteração, pelo que a Lei aprovada tem exactamente o mesmo teor que o PCP propusera, facto que me apraz registar. Claro que, hoje, se torna necessário introduzir algumas alterações à Lei n.º 61/91, porque os tempos nos mostram a necessidade de se adequarem as leis.
Foi também o PCP que, ao mesmo tempo que propunha a passagem do crime de maus tratos a crime público, embora mantendo a liberdade de decisão na mulher, também propôs, através do projecto de lei n.º 58/VIII, a criação de comissões locais e regionais de acompanhamento dos casos concretos de violên-cia doméstica. Porém, esta parte do projecto «caiu», nem sequer foi «chumbada», dado que, embora o diploma tenha sido aprovado na generalidade, se quedou pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, porque, dizia-se então, o governo estava a preparar um outro diploma sobre o assunto. De qualquer forma, o conteúdo desse projecto de lei acompanha a legislação dos países nórdicos sobre esta matéria e pensamos ser algo que faz falta no actual II Plano Nacional Contra a Vio-lência Doméstica.
Em Novembro de 2002, apresentámos o projecto de resolução em apreço, numa altura em que, de algumas declarações do responsável governamental pela área das mulheres, se concluía que não iria ser levado a cabo um novo plano contra a violência doméstica, quiçá por o «famoso» plano de estabilidade não autorizar a fazer investimentos grandes nesta área, apesar de se tratar de uma matéria de direitos humanos. De facto, não se trata de uma matéria que é olhada da forma como o faz, por exemplo, o Banco
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Mundial (e já agora, enpassant), que analisa a questão da violência doméstica sob a forma da perda de produtividade das mulheres por causa dessa violência.
Na verdade, estão em causa direitos humanos, por isso entendemos apresentar o presente projecto de resolução para que a Assembleia viesse a recomendar a feitura do II Plano.
Entretanto, em Junho do ano passado, já mais de meio ano após a apresentação do projecto de resolu-ção, o Governo aprovou o II Plano Nacional contra a Violência Doméstica, tornando-se, pois, necessário adequar este nosso projecto de resolução, por entendermos ter sentido útil que a Assembleia faça reco-mendações na área da violência doméstica. Até agora, praticamente nada do que o II Plano prevê foi feito, apesar de os números referentes à violência terem aumentado, segundo informa a APAV — Asso-ciação Portuguesa de Apoio à Vítima.
Como entendemos que o II Plano contém algumas lacunas e imprecisões, nomeadamente por não ter sido precedido da audição devida das organizações não governamentais, apresentámos na Mesa propostas visando a revisão desse Plano. Nomeadamente, entendemos, entre outras coisas, ser importante o estabe-lecimento de indicadores objectivos e adequados para a avaliação da violência, nomeadamente aqueles que estabeleçam uma relação entre exclusão social, níveis de escolaridade e de violência. Se é facto que a violência existe noutras camadas sociais, a verdade é que, segundo os estudos da APAV, é indesmentível haver uma estreita ligação entre a pobreza e a violência doméstica…
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Agradeço que conclua. A Oradora: — Vou terminar, Sr.ª Presidente. Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, entendemos que este projecto de resolução deve ser aprovado com
as alterações por nós introduzidas, com vista à mudança de mentalidades. Vozes do PCP: — Muito bem! A Oradora: — É preciso fazerem-se coisas concretas, é preciso actuar-se na área do trabalho e é pre-
ciso que o próprio Estado não seja fautor da violência contra as mulheres, nomeadamente quando se proferem algumas declarações, mas, sobretudo, quando o Estado leve a julgamento mulheres por terem praticado a interrupção voluntária da gravidez, porque isso é o expoente máximo da violência do Estado! É que, depois disto, pergunta-se: como querem que as mentalidades mudem?!
Aplausos do PCP e da Deputada do PS Luísa Portugal. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa
Morais. A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de resolução apre-
sentado pelo PCP que hoje discutimos recomenda medidas de combate à violência doméstica. Trata-se de um tema muito importante, que deriva de uma realidade muito grave e que nos afecta a
todos: ao mundo, à Europa, em especial à Europa do Sul, e muito directamente à sociedade portuguesa. É um mal que atinge maioritariamente as mulheres, mas que também engloba no sofrimento insuportável que acaba por gerar crianças e idosos e, genericamente, todas as pessoas vulneráveis.
É um tema que, infelizmente para todos nós, se mantém premente e, por isso, deve ser discutido nesta Assembleia, sempre e enquanto subsistir.
Coisa distinta, que não impede nem desaconselha este debate, é o facto de o projecto de resolução hoje apresentado pelo PCP estar, em alguns dos seus considerandos, mas sobretudo na parte dispositiva, ultrapassado. É verdade que foram agora apresentadas propostas de alteração, que serão, com certeza, novos contributos importantes, mas pelo que já tive ocasião de ler configuram, praticamente, um novo projecto de resolução, que, naturalmente, teremos de estudar.
O diploma do PCP foi apresentado em 2002 e a recomendação que pretende fazer ao Governo, de ela-boração de um novo plano nacional de combate à violência doméstica, está hoje cumprida.
De facto, está em vigor desde Junho de 2003 o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, em relação ao qual começa agora a ser razoável fazer-se uma primeira avaliação.
A execução do Plano está a ser coordenada, a nível nacional, pela CIDM (Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres), concretamente pela Dr.ª Conceição Lavadinho — que assiste a esta sessão e que aproveito para cumprimentar — e pela sua equipa, e tem como metodologia a organização em grupos de trabalho a quem cabe implementar cada uma das áreas do Plano, a saber: autarquias, comu-nicação social e educação, inquéritos, estudos e projectos, integração social, justiça e administração inter-
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interna e saúde. As políticas sectoriais têm, necessariamente, de se entrecruzar no objectivo de combater com eficácia a violência doméstica.
Dessas áreas, e na impossibilidade de as focar a todas no tempo de que disponho neste debate, salien-to o trabalho que está em curso na área da justiça e da administração interna, onde se registam resultados importantes em aspectos fundamentais.
Refiro-me, designadamente, à área da formação dos novos magistrados. Já se realizaram acções de formação dos novos auditores do CEJ, com a intervenção e a orientação directa da CIDM, e está a ser planeada a sua formação inicial e contínua. Este é um aspecto absolutamente relevante, porque é preciso sensibilizar os juízes para a aplicação da medida de coacção de afastamento do agressor, bem como da pena acessória de proibição de contacto com a vítima. São procedimentos raramente usados — numa percentagem inferior a 5% do número de processos que se instauram — e que não estão já nas mãos do legislador, porque estão consagrados, mas nas do juiz, que deve aplicar essas medidas, tendo em atenção que a coabitação forçada ou mesmo a mera proximidade entre as vítimas e os agressores potencia crimes cada vez mais graves.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem! A Oradora: — A medida de afastamento previne maus tratos físicos e psicológicos e, ainda por cima,
evita aquilo que é uma manifesta injustiça: que tenha de ser a vítima a abandonar a sua casa e o seu traba-lho,…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Isso já está na lei de 1991! Foi o PCP que propôs! A Oradora: — … colocando-se-lhe, se tem filhos, a terrível decisão que enfrenta, e que muitas vezes
a paralisa, que é a de ficar ou de partir com ou sem os filhos. Está, igualmente, feita a proposta de alteração do regime jurídico dos maus tratos sobre o cônjuge,
agora com a designação proposta de «violência doméstica», alargando a previsão a todo o núcleo familiar e ampliando também a aplicação da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, incluindo a do afastamento da residência, até ao limite máximo de 5 anos e com extensão ao seu local de trabalho.
Avançou-se também na formação das polícias no atendimento específico a vítimas deste tipo de vio-lência, com uma calendarização que está feita e programada até ao final deste ano. Especificamente no caso da GNR, estão em formação os chamados NMM (Núcleos Mulher/Menor), com agentes preparados para atender e apoiar as vítimas deste tipo de violência e também mais preparados para investigar estes crimes.
Criou-se — e isto é importante! — um auto de notícia padronizado para todas as esquadras do País, com indicadores de risco, que permita ao Ministério Público detectar, com muito mais informação, a medida mais adequada e melhor aferir da adequação da aplicação da medida de coacção de afastamento do agressor.
Desde a entrada em vigor do novo Plano, abriram oito novas casas-abrigo que integram a rede pública de casas de apoio e está prevista a abertura de mais cinco até Outubro de 2005, alargando a capacidade da rede em 131 lugares.
Trata-se de um esforço muito grande, de muita gente, para criar as melhores condições legais e mate-riais de resposta ao drama da violência doméstica, que se traduz em violações sistemáticas dos direitos humanos fundamentais, da liberdade, da autodeterminação, da integridade física e da vida.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha terminou. Peço-lhe o
favor de concluir. A Oradora: — Vou terminar, Sr.ª Presidente. Também o ponto 1 do projecto de resolução está cumprido. O próprio Plano prevê a elaboração de um
relatório anual. Termino, fazendo apenas um comentário a dois considerandos. Não é, de facto, verdade que não haja uma estrutura pública de acolhimento. As casas-abrigo fazem
parte de uma rede pública, são maioritariamente financiadas, integral ou parcialmente, pelo Estado e do que elas precisam não é de se tornarem mais públicas mas de serem apoiadas e fiscalizadas, quanto ao cumprimento daquelas que devem ser as suas verdadeiras valências e ao uso que fazem dos apoios que o Estado lhes dá,…
Vozes do PSD: — Muito bem!
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A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Essa é a velha teoria de quanto menos Estado, melhor Estado!… A Oradora: — … com um novo regulamento mais exigente relativamente ao cumprimento dos seus
objectivos. Também as regiões autónomas, Sr.ª Deputada Odete Santos, têm já cinco casas-abrigo, quatro das
quais nos Açores e uma na Madeira. Portanto, embora o projecto de resolução do PCP deva, hoje, ser ponderado de outra forma, o debate
vale, naturalmente, pela atenção que atrai de todos nós e do País para um tema que é fundamental, que não está resolvido e onde é preciso fazer, com força, novas apostas. Citaria, declaradamente,…
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Sr.ª Deputada, tem de concluir. A Oradora: — Estou mesmo a terminar, Sr.ª Presidente. Citaria, declaradamente, o caso da educação, onde os progressos são difíceis e lentos, mas é uma área
fundamental para se obter, no futuro, resultados sólidos. Aplausos do PSD e do CDS-PP. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do
Rosário Carneiro. A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uso uma frase de
um recente artigo do Dr. Pedro Strecht relativo aos maus tratos aplicados sobre crianças para iniciar a reflexão sobre o projecto de resolução apresentado pelo PCP. De facto, «é função de toda a sociedade proteger activamente aqueles que, por qualquer razão, são particularmente vulneráveis à acção perversa e destrutiva de outros».
É crescente o conhecimento do número das vítimas de violência doméstica. Verifica-se como é imen-sa a sua vulnerabilidade e insuportável o seu sofrimento. Mas também se percebe como o impacto das leis é insuficiente, no seu voluntarismo, e como são exíguas as medidas entretanto encetadas.
Impõe-se, por isso, e naturalmente, que se ensaiem, de forma permanente, vias que possam reduzir os efeitos, que são devastadores, e melhorar a intervenção destas medidas.
Por isso, e apesar do continuado esforço legislativo — e nós sabemos que as leis não bastam para eli-minar a violência doméstica nem qualquer outra forma de comportamento ou de situação disfuncional —, dos planos nacionais de combate à violência doméstica, encetados já na VII Legislatura, e da expansão das casas-abrigo, sabe-se, no entanto, que, infelizmente, tudo isto é insuficiente. As casas são insuficien-tes; não há articulação entre os departamentos públicos da justiça, da segurança social e da saúde, nem entre eles e as ONG, que são fundamentais, ou as IPSS; a formação especializada dos quadros técnicos que trabalham nestas instituições é insuficiente, para além de ser insuficiente o número destes quadros técnicos; são tardios os apoios financeiros a quem se encontra em situação de abandono e de afastamento de casa — temos de ter em atenção os dados recentes relativamente ao rendimento social de inserção e como é tardio na sua aplicação às vítimas de violência doméstica; é fragmentado o recurso às acções que visam a inserção social, nomeadamente das mulheres que são vítimas maioritárias da violência doméstica; é insuportavelmente longo o tempo que medeia entre a coragem para apresentar a queixa e a decisão judicial que, de alguma forma, proteja as mulheres vítimas de violência, e sabemos como este retarda-mento é, muitas vezes, de consequências fatais.
Sabe-se também que a degradação das condições sócio-económicas, a diluição da coesão social, a diminuição das competências relacionais, são favoráveis à ocorrência de comportamentos violentos.
Nós sabemos tudo isto e muito mais, mas de forma que não é sistemática nem metódica. O projecto de resolução do PCP propõe, claramente, um relatório que caracterize esta situação em
Portugal. É, manifestamente, um conhecimento indispensável para uma intervenção mais adequada, menos errática e, desejavelmente, mais preventiva.
Mas o projecto de resolução recomenda também um novo plano que redefina objectivos e recursos, no sentido de permitir uma maior articulação dos serviços, um maior envolvimento multidisciplinar dos vários departamentos do Estado, uma melhor eficácia na aplicação dos recursos necessários.
No entanto, e como a Sr.ª Deputada Odete Santos acabou de referir na sua intervenção, para além de conhecer é necessário avaliar, porque se não avaliamos os programas e os respectivos impactos, conti-nuamos, erraticamente, a definir planos de acção e a conceber legislações de forma voluntarista.
É imperioso que se combata esta vergonhosa violação dos direitos humanos — e nós sabemos que a
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violência doméstica incide, de forma maioritária, sobre as mulheres. A concluir, e citando Kofi Annan, só teremos real progresso em direcção à igualdade, ao desenvolvi-
mento e à paz, combatendo e lutando pela realização dos direitos humanos. Aplausos do PS. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel
Castro. A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da Repú-
blica, através do projecto de resolução apresentado pelo Partido Comunista, preenche hoje a sua agenda com o debate de uma questão extraordinariamente importante e que, de certa forma, se liga com o ponto que anteriormente esteve em discussão, ou seja, os direitos humanos.
E é precisamente a violação dos direitos humanos que está em causa quando a violência se abate sobre as mulheres.
Trata-se de uma violência que, como todos sabemos, tem sido, durante anos, tolerada e consentida, a pretexto de comportamentos que foram sendo socialmente aceites. Porém, há mais de uma década, a visibilidade do problema, a consciência social e o repúdio em torno da violência doméstica ganharam novos contornos e, a partir de 1991, com o seu enquadramento jurídico, esta questão passou a ser diferen-temente tratada.
Do nosso ponto de vista, quando discutimos uma questão tão relevante quanto é a do combate à vio-lência doméstica, genericamente considerada, que tem ainda como principais alvos maioritariamente as mulheres e, por reflexo, as crianças, mas também outros grupos mais fragilizados (é bom não esquecer os dados que emergem ciclicamente da situação de violência a que estão submetidos idosos em algumas instituições e a situação precária e invisível ainda para parte da sociedade em que se encontram algumas pessoas em instituições de saúde mental), é importante fazê-lo mergulhando na realidade. E, a nosso ver, perante a realidade, ao contrário daquilo que de algum modo poderia parecer ter surgido aqui, que efecti-vamente os meios de combate à violência doméstica são eficazes — pelo contrário, eles estão muito aquém das necessidades —, importa fazer uma avaliação rigorosa da sua eficácia, sob pena de fazermos o discurso do faz-de-conta e de permitirmos que se continue e avolumar situações de violência, que são manifestamente inaceitáveis e que configuram uma amputação dos direitos humanos.
Dito isto, gostaria de suscitar algumas preocupações que, em nosso entendimento, estes anos de com-bate à violência doméstica já permitem perceber como zonas de vulnerabilidade.
Por um lado, como já foi referido quer pela Sr.ª Deputada Odete Santos quer pela Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro — aliás, as próprias organizações não governamentais têm chamado a atenção para este facto —, é evidente a enorme fragilidade dos mecanismos sociais no apoio às mulheres vítimas de violência. Por exemplo, em relação às mulheres que, por se encontrarem numa situação de perigo, tive-ram de ser protegidas e transitoriamente acolhidas em casas-refúgio, a sua inserção social revela proble-mas precisamente porque não só não há uma intervenção interdisciplinar das várias instituições do Estado (tais como da segurança social, do emprego e da habitação) que favoreça o seu retorno e a possibilidade de recuperarem a sua condição de cidadania e de regressarem, como era desejável e estava implícito na lei aprovada pela Assembleia da República, à sua actividade com toda a normalidade, como não há mecanismos de apoio financeiro, que são, nestas situações, da maior importância, mecanismos estes que tardam, se tornaram dispersos e emperram na burocracia, esse enorme álibi que serve para que muito pouco seja feito.
Gostaria ainda de chamar a atenção para o facto de, também ao contrário daquilo que poderia ter sido sugerido, os progressos que tinham sido feitos, designadamente em termos das forças de segurança…
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Sr.ª Deputada, o seu tempo terminou. Faça o favor de concluir. A Oradora: — Concluo já, Sr.ª Presidente. Como eu estava a dizer, parece-me ser este o momento para lembrar que os progressos que tinham
sido feitos, designadamente em termos das forças de segurança — e, mais em concreto, pela PSP —, no sentido de se assegurar um tratamento e acolhimento específicos às mulheres vítimas de violência, sofre-ram congelamentos e retrocessos.
Em síntese, para Os Verdes, o projecto de resolução ora em debate é importante, como o é, sobretudo, introduzir um mecanismo que permita uma rotina de avaliação, que me parece ser a melhor forma de termos a capacidade crítica de avaliar aquilo que em cada momento conseguimos ou não fazer para dar corpo a objectivos que consensual e socialmente assumimos como importantes para a sociedade e o seu
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desenvolvimento. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel
Gonçalves. A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A violência doméstica
é um problema universal que atinge milhares de pessoas, na maior parte das vezes de uma forma dissimu-lada e silenciosa.
Trata-se de um problema que atinge ambos os sexos e não obedece a nenhum parâmetro de nível social, económico, religioso ou cultural específico. Ou seja, a violência doméstica não é exclusividade de qualquer classe social, intelectual ou étnica, atinge todos os países e culturas com formas e incidências variadas.
É, de facto, um problema delicado na sua abordagem e muito difícil de combater, mas também por isso um problema que deve ser discutido e debatido, daí o mérito da apresentação desta iniciativa pelo PCP.
A importância de debater este tema é relevante sob vários aspectos. Desde logo, devido ao sofrimento indescritível que a violência doméstica imputa às vítimas, muitas vezes, como disse, silenciosas, mas também porque comprovadamente a violência doméstica pode impedir o bom e normal desenvolvimento físico e mental da vítima quando esta atinge crianças e jovens.
A vítima de violência doméstica tem geralmente pouca auto-estima e encontra-se muitas vezes como que amarrada a quem a agride, seja por dependência emocional seja por dependência material. E ao falar-se de violência doméstica deve ter-se em conta as diversas faces desta: a violência física, a violência sexual e a violência psicológica. A agressão emocional, por vezes, é tanto ou mais prejudicial do que a física e é caracterizada por rejeição, depreciação, discriminação, humilhação ou desrespeito, ocorrendo sempre em ambiente familiar, seja entre os membros de uma família seja, entre os que partilham o mesmo espaço de habitação.
O Conselho da Europa definiu este tipo de violência como um «acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros que constitua atentado à vida ou à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um ou outro membro da mesma família ou que compromete gravemente o desenvolvimen-to da sua personalidade». Podendo envolver qualquer membro da família, este é, no entanto, um proble-ma que atinge maioritariamente as mulheres.
Em Portugal, cerca de 60 mulheres morrem por ano em consequência de maus tratos e violência doméstica e mais de 300 são vítimas de crimes contra a vida.
Em Portugal, os direitos das mulheres em geral e os movimentos a eles relativos foram, durante mui-tos anos, abafados. Só após o 25 de Abril e a Constituição de 1976 se reconheceu, a par de outros direitos da mulher, a igualdade na família, no trabalho e na sociedade.
Não obstante a nossa Constituição e as leis que dela emanam declararem como fundamentais os direi-tos de igualdade entre homens e mulheres, a realidade tem mostrado obedecer a princípios bem mais complexos do que o simples enunciar desses direitos.
Vozes do CDS-PP: —Muito bem!
Oradora: — Em Portugal, e de acordo com os dados fornecidos pelo Ministério da Administração Inter-na, as denúncias de violência doméstica têm vindo a aumentar sistematicamente e de forma progressiva, tendo-se registado 11 162 queixas em 2000, 12 697 em 2001, 14 071 em 2002 e 17 427 em 2003.
Em 2003, a violência contra o cônjuge ou companheira ou companheiro foi a mais frequente, consti-tuindo 84% das denúncias.
Este número crescente de vítimas, torna evidente a dimensão do problema no nosso país, mas também demonstra que cada vez mais as vítimas sentem confiança em se aproximar das forças de segurança e das instituições para denunciarem os maus tratos de que são vítimas.
Tem havido uma preocupação, através de formação das forças de segurança, no sentido de facilitar a relação entre as vítimas e os agentes, o que está patente no aumento de 10% das participações de violên-cia.
E isto acontece também porque cada vez mais se tem registado a preocupação do Governo de comba-ter este problema de uma forma transversal e integrada, o que sucede, actualmente, através do II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica.
Este Plano, que conta com a colaboração de vários organismos públicos e também com os contributos da sociedade civil, contém medidas relacionadas com a informação, sensibilização e prevenção, com a formação, com a legislação e sua aplicação, com a protecção à vítima e sua integração social, contendo
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ainda medidas respeitantes à investigação e às que se relacionam com mulheres imigrantes. No último capítulo é constituído o observatório sobre violência doméstica a quem compete o acompa-
nhamento e a avaliação do Plano. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Sr.ª Deputada, já terminou o seu tempo. Peço-lhe que conclua. A Oradora: — Vou concluir, Sr.ª Presidente. Este projecto de resolução vem, assim, em nossa opinião, já fora do tempo e, não retirando a bondade
e o mérito de suscitar esta discussão, o certo é que já estão previstos os mecanismos, e têm vindo a ser tomadas as medidas, de combate à violência doméstica que o mesmo contém.
E Para concluir, devo dizer que concordo inteiramente que, mais do que mudar as leis, importa acima de tudo mudar mentalidades.
Aplausos do CDS-PP e do PSD. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda
Sousa. A Sr.ª Alda Sousa (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A violência doméstica e a violência con-
tra as mulheres é, talvez, a forma de violência mais comum do mundo — ocorre em todos os países e em todas as classes sociais — e é a marca de uma sociedade que, na sua história, manteve mecanismos de manutenção do domínio masculino sobre a mulher.
É uma violência que não é neutra, nem inócua. Não é neutra, porque constitui um mecanismo eficaz de dominação e controlo da vítima. Não é inócua, porque as suas consequências físicas, psicológicas e sociais são de uma brutalidade desumana.
Trata-se, para nós, de uma questão de civilização de direitos humanos, que deve mobilizar, no seu combate, o Estado e toda a sociedade.
Tem sido esta a posição assumida pelo Bloco de Esquerda e que, de resto, justificou a apresentação da nossa primeira iniciativa legislativa nesta Assembleia: o projecto de lei n.º 21/VIII, sobre o reconheci-mento da violência doméstica como crime público. Uma posição, então, posta em causa por muitos mas que hoje é inquestionável, pois representou um enorme impulso em todas as medidas de apoio — servi-ços de apoio, mudanças nas polícias, sensibilização da população no geral, sensibilização dos magistra-dos, comunicação social, etc. — já previstas na lei, mas pouco aplicadas no terreno. Representou, sobre-tudo, o reconhecimento de que, quando estão em causa os mais elementares direitos humanos, o Estado pode e deve «meter a colher», accionando os mecanismos necessários para actuar e permitindo que a mulher possa encontrar segurança e condições necessárias para refazer sua vida e tomar decisões, livre de ameaças e pressões.
Neste domínio, a Lei n.º 61/91 e o Plano Nacional contra a Violência Doméstica representam instru-mentos importantes para o combate à violência doméstica. Foi, por isso, com apreensão que o Bloco de Esquerda acolheu, em Setembro de 2002, as declarações do Ministro da Presidência Morais Sarmento, ao jornal Público, onde dava a entender que iria arquivar o Plano Nacional Contra a Violência Doméstica.
Nessa mesma altura, o Bloco de Esquerda chamou o Ministro ao Parlamento para que este desse explicações sobre as orientações do Governo nesta matéria. O Ministro retratou-se e corrigiu algumas das asneiras que tinha dito sobre os direitos das mulheres e anunciou o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, com um período de execução até 2006.
Hoje, o tempo seria de avaliação. Estaria na hora de o Governo, se não estivesse demissionário, apre-sentar à Assembleia da República um balanço daquilo que foi realizado e uma avaliação do seu impacto, de modo a que fosse possível acompanhar a capacidade de execução das medidas propostas.
Uma leitura do Plano e do seu cronograma permite ver que, embora se tenham verificado avanços, ainda que insuficientes, nomeadamente ao nível da ampliação de serviços de apoio e casas de abrigo e das medidas de informação e sensibilização, os níveis de execução do Plano deixam a desejar.
O que está a ser feito sobre as alterações legislativas propostas? O Plano já pecava por imprecisão, pois enunciava alterações sem indicar em que sentido — o caso da revisão do sistema de prova e revisão da Lei n.º 129/99, sobre o adiantamento pelo Estado da indemnização a vítimas de violência conjugal —, mas pouco ou nada se sabe sobre as evoluções legislativas que se tenham verificado.
foi feita? Segundo o Plano, a sua avaliação deverá ser feita pelo Observatório sobre a Violência Doméstica, criado no seu âmbito.
Como tem funcionado o Observatório, registando-se à partida que foram excluídas as ONG, protago-nistas fundamentais de actuação no terreno? Será que há um quadro de pessoal suficiente para a sua
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implementação? Será que foram afectados os recursos financeiros suficientes — já nem falo dos necessá-rios — à prossecução das metas e dos objectivos propostos?
Seria importante, não fosse este um Governo demissionário, saber se aquilo que foi anunciado corres-ponde à prática do ontem, do hoje e do futuro numa matéria tão importante, como é a do combate à vio-lência doméstica.
Aplausos do BE. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Srs. Deputados, chegámos ao fim da apreciação do projecto de
resolução n.º 67/IX (PCP). Vamos, agora, passar à discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 200/IX — Cria uma comis-
são eventual de acompanhamento das medidas de combate às listas de espera (PS) e 201/IX — Realiza-ção de um estudo de âmbito nacional sobre as listas de espera (PS).
Para apresentar os diplomas, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Carito. O Sr. Luís Carito (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os dois projectos de resolução aqui
presentes para discussão entraram nesta Assembleia há cerca de seis meses, em Dezembro de 2003, apre-sentados pelo Partido Socialista, no sentido de haver uma maior intervenção por parte desta Casa no acompanhamento daquele que é um problema de acessibilidade em muitos países e também, especialmen-te, no nosso, ou seja, a questão da acessibilidade aos cuidados de saúde e das listas de espera cirúrgicas.
Recordamos aqui que o Governo de coligação PSD/CDS-PP — e o próprio PSD, várias vezes, em campanha eleitoral — apresentou, como uma das suas grandes bandeiras, um programa de combate às listas de espera cirúrgicas, com o objectivo de as fazer desaparecer no prazo de dois anos. Passados mais de dois anos, e numa altura em que o principal responsável do PSD e ainda nosso Primeiro-Ministro, Dr. Durão Barroso, se prepara para abandonar o Governo, o problema das listas de espera cirúrgicas continua na ordem do dia e, em vez de uma lista de espera cirúrgicas, existem neste momento duas listas com mais de 150 000 utentes em espera para serem operados.
Neste sentido, apesar destes dois projectos de resolução terem sido agendados seis meses após a sua apresentação, a sua discussão continua a ter especial acuidade nesta Assembleia.
Recordo, por isso, que aquilo que o Partido Socialista propõe é, por um lado, a criação de uma comis-são nesta Assembleia que possa acompanhar o desenvolvimento do Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas, com total independência e fiscalização, e, por outro, um estudo de fundo sobre as causas do aparecimento das listas de espera.
Entendemos que é importante que a Assembleia da República possa fiscalizar o Governo — aliás, é também para isto que a Assembleia da República existe — e que haja cada vez mais transparência no sistema de saúde, que é algo que não tem acontecido.
Na verdade, A falta de transparência, a opacidade dos números e a manipulação destes é algo que temos vindo a verificar ao longo dos últimos dois anos e, por isso, justificar-se-ia a criação de uma comissão de acompanhamento para avaliar a evolução das listas de espera.
Por exemplo, No que diz respeito à fiscalização, veja-se o que se está a passar neste momento, por exemplo, com a Entidade Reguladora da Saúde. Hoje mesmo, todos nós tivemos acesso a extractos de uma carta que o recém-empossado Presidente da Entidade Reguladora da Saúde, pessoa de grande prestí-gio na área da medicina, da ética médica, escreveu ao Sr. Ministro da Saúde, na qual, para o caso No caso de alguém não ter tido conhecimento dessa carta, o Presidente da Entidade Reguladora da Saúde diz que esta Entidade fica reduzida a um mero serviço burocrático a abarrotar de competências para coisa nenhu-ma, vulgarmente obediente ao Ministério. Ora, não me parece que uma entidade reguladora da saúde possa ser subserviente ao Ministério; pelo contrário, deve ser uma entidade independente.
Já que, em termos de maioria parlamentar e do Governo, os senhores não têm essa preocupação, entendemos que a Assembleia da República deverá exercer as suas competências no acompanhamento das medidas de combate às listas de espera.
No que se refere ao outro projecto de resolução, igualmente apresentado pelo PS, que propõe a reali-zação de um estudo de âmbito nacional sobre as listas de espera, entendemos que o mesmo é importantís-simo para se identificar as causas e os constrangimentos existentes ao nível do Serviço Nacional de Saúde e que dão origem ao elevado número de doentes em lista de espera.
Assim, seria importante a realização de um estudo que se debruce profundamente sobre as causas das listas de espera, e este poderia ser feito no âmbito do protocolo existente entre a Assembleia da República e as universidades. A realização deste estudo seria extremamente importante e constituiria um instrumen-to de trabalho fundamental para, no futuro, este problema poder vir a ser debelado — assim os senhores queiram!
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Claramente, é preciso que haja mais transparência, mais participação e mais fiscalização; três princí-pios fundamentais de que não abdicamos. É disto que a saúde precisa mas não é o que tem tido em Portu-gal.
Aplausos do PS. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha
Antão. O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não é minha intenção ser descortês
para com o Partido Socialista, que o foi relativamente à maioria, mas, tendo em conta a intervenção do Sr. Deputado Luís Carito e a estranheza provocada pela mesma, começo por sublinhar que o Sr. Deputado falou de tudo menos do tema, ou seja, dos vossos projectos de resolução.
O Sr. Luís Carito (PS): — Essa agora! Então não falei do tema?! O Orador: — Marginalmente falou. O Sr. Luís Carito (PS): — Não, não! O Orador: — Antes de entrar na matéria, gostaria de dizer-lhe que Ex.ª está equivocado. O Dr.
Durão Barroso não abandonou o Governo. Vozes do PS, do PCP e do BE: — Ai não?! O Orador: — Quem abandonou o governo foi o Eng.º Guterres, no tempo de VV. Ex.as. Aplausos do PSD e do CDS-PP. Protestos do PS. O Dr. Durão Barroso, com o pleno aplauso e para pleno proveito do País — e é pena que o PS não se
reúna a nós e ao País —, vai exercer o honrosíssimo cargo de Presidente da Comissão Europeia, e o tem-po o confirmará. Fique-se V. Ex.ª com isto que mais não digo, e passemos à matéria em apreço.
Quanto à matéria, Sr. Deputado, devo recordar que, há uns meses, o Partido Socialista realizou umas jornadas parlamentares e anunciou que iria apresentar no Parlamento uma política alternativa de saúde.
Vozes do PSD: — Até hoje! O Orador: — Pensávamos que seria uma coisa séria, isto é, a visão do Partido Socialista
relativamente às reformas fundamentais na saúde. Mas a isto disse nada, e, hoje, este é o último acto daquele anúncio. Estas são as duas últimas iniciativas pífias — pífias, Sr. Deputado! — do Partido Socia-lista…
O Sr. Luís Carito (PS): — O que são pífias?! O Orador: — … relativamente a uma matéria que é fundamental para os portugueses, a eliminação
das listas de espera. O Sr. Vieira de Castro (PSD): — Muito bem! Orador: — Todos os inquéritos de opinião dirigidos aos portugueses apontam a resolução da questão
das listas de espera como o problema número um para as famílias portuguesas. E porque o problema é sério, gostaria de falar-lhe em termos históricos, Sr. Deputado.
diploma para resolver o problema das listas de espera. Fê-lo do princípio ao fim! E, para resolver a situação, face às informações dadas pelo vosso Ministério, segundo o qual havia apenas 75 000 pessoas em lista de espera, considerou que era preciso votar um programa extraordinário de orçamento no valor de 24 milhões de contos por forma a resolver o problema em dois anos. Batalhámos por isto.
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A Sr.ª Luísa Portugal (PS): — O que é que isso interessa? Agora já não estamos no governo! O Orador: — A Professora Manuela Arcanjo, enquanto Ministra da Saúde, teve de ceder e instituiu
um programa, o Programa Acesso, em resultado do qual apenas conseguiu que fossem feitas 23 000 cirurgias.
, nem 95 000 — número para o qual corrigiram, porque nem conheciam os números estatísticos rela-tivos a esta matéria —, as pessoas em lista de espera mas, sim, 123 000, que o tempo médio de espera era de cinco anos e meio (o que é insuportável) e que iríamos resolver o problema em dois anos.
Ora, o problema está resolvido, Sr. Deputado. Vozes do PS: — Ai está?! O Orador: — Oiçam bem: neste momento o problema está resolvido. As 123 000 pessoas que espe-
ravam, em média, cinco anos e meio por uma cirurgia estão praticamente todas operadas. Vozes do PSD: — Muito bem! Orador: — Fala V. Ex.ª numa segunda lista. Não existe! O que existe é outra coisa: um sistema inte-
grado de indicação cirúrgica, com dois compromissos solenes. Primeiro, há uma comissão a determinar os prazos de espera razoáveis. Findo este trabalho, que está
praticamente concluído, há uma garantia deste Governo: qualquer cidadão, cujo prazo de espera para que seja efectuada a respectiva cirurgia exceda o clinicamente recomendado, terá direito a um cheque…
O Sr. Luís Carito (PS): — Para isso é preciso dinheiro! O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Acha mal? O Orador: — … para que a sua cirurgia possa ser realizada em qualquer hospital ou entidade que
pratique cirurgia desde que acreditada na rede do Sistema Nacional de Saúde. que, mandaria a verdade e o próprio sentido de Estado, não deveria ter trazido à colação. É que, Em
relação a uma matéria que é da competência do poder Executivo, V. Ex.ª quer que a Assembleia a vá fiscalizar, que se preocupe com ela… Ó Sr. Deputado, tenha bem a noção da separação de poderes!
A Assembleia deve existir para fiscalizar o Governo quanto às políticas e não quanto às questões de pormenor de matérias da sua competência. A Assembleia deve reservar-se para uma missão muito mais nobre do que a que V. Ex.ª pretende que exerça.
Termino, dizendo-lhe, com toda a serenidade, Sr. Deputado Luís Carito, que, em matéria de saúde, o PS, para poder vir a ser uma alternativa,…
A Sr.ª Luísa Portugal (PS): — Vocês nada fizeram em dois anos! O Orador: — … tem de fazer o trabalho de casa tal como nós fizemos quando estávamos na oposi-
ção. Ou seja, tem de vir ao Parlamento apresentar políticas alternativas e não iniciativas pífias como estas que VV. Ex.as hoje aqui nos trazem, neste final da Sessão Legislativa.
Aplausos do PSD e do CDS-PP. O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr.ª Presidente, peço a palavra. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para que efeito, Sr. Deputado? O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr.ª Presidente, é para exercer o direito regimental da defesa da consi-
deração da bancada, tendo em conta as afirmações duplas do Sr. Deputado Patinha Antão que classificou de forma absolutamente pouco razoável as iniciativas de uma bancada desta Casa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — O Sr. Deputado pode fazer o favor de especificar a classifica-
ção que foi feita? O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Foram as «pífias»!
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O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr.ª Presidente, parece-me que todas as iniciativas apresentadas pelos grupos parlamentares desta Casa devem ser respeitadas ainda que sobre as mesmas haja grande divergên-cia. De forma alguma podem ser classificadas como «pífias»…
Risos de Deputados do PSD. … ou com quaisquer outros adjectivos. Portanto, penso que se justifica uma defesa da consideração desta bancada, a bem da capacidade de
iniciativa dos Deputados. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Tem a palavra para o efeito, Sr. Deputado. O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr.ª Presidente, o Sr. Deputado Patinha Antão começou, inclusivamen-
te, por dizer que iria ser cortês ou cordial — confesso que do termo já não me recordo — e, de facto, até se terá esforçado, mas não conseguiu, é da sua natureza! E é da sua natureza classificar desta forma as iniciativas, neste caso, do Partido Socialista, mas também as de toda a oposição.
O Partido Socialista, na sequência das suas jornadas parlamentares, apresentou nesta Casa um pacote de iniciativas que visavam essencialmente três grandes pilares fundamentais: a participação, a fiscaliza-ção e a transparência.
Ora, o PSD e esta maioria tudo têm feito, no Governo, concretamente o Ministério da Saúde, contra a transparência e contra a fiscalização por parte de entidades independentes. E, portanto, não há aqui uma questão de separação de poderes.
Uma das funções essenciais da Assembleia da República é a da fiscalização do governo, e este Gover-no bem precisa de ser fiscalizado.
O problema, cada vez maior, desta maioria é o de, cada vez que há uma entidade independente que procura fiscalizar o Governo, criarem-se obstáculos por todo o lado. Veja-se, como já foi referido, as queixas, apresentadas em carta, por parte do titular da Entidade Reguladora da Saúde, segundo o qual esta Entidade não tem competências funcionais. Ela tem imensas no papel, mas não dispõe de orçamento, não tem instalações, não tem pessoal.
Portanto, Sr.ª Presidente, o Sr. Deputado Patinha Antão veio demonstrar, mais uma vez, a falta de capacidade de diálogo e de concertação desta maioria, porque tem medo da alternativa, do debate, da independência e da fiscalização, reprovando constantemente as iniciativas da oposição, seja em sede de Plenário, na discussão na generalidade, como já aconteceu, nomeadamente, com a lei-quadro da gestão hospitalar, com a criação do conselho nacional de saúde, do provedor da saúde e de uma lei específica para associações de defesa de utentes do sector da saúde, etc., seja em sede de especialidade, onde o qua-dro não é tão visível em termos públicos mas é bem mais confrangedor, com reuniões que já duraram até às 6 horas da manhã, com discussões aturadas e de pormenor sobre cada um dos pontos, cada um dos artigos, cada uma das alíneas. E qual é o resultado? Sempre o da reprovação por parte da maioria. Inclu-sivamente, na última oportunidade que houve com processos de especialidade na área da saúde, a maioria teve o descaramento de propor, por uma questão de funcionalidade e poupança de tempo, que se fizesse a votação na especialidade em pacote, porque obviamente o seu sentido de voto era sempre o mesmo, fosse qual fosse o artigo, a proposta ou a argumentação.
Portanto, Sr.ª Presidente, devo dizer-lhe que inqualificável — e, por isso, não vou qualificá-lo — tem sido o comportamento desta maioria monolítica.
Aplausos do PS. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para dar explicações nos mesmos termos, isto é, para respon-
der ao que, de facto, foi uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão. O Sr. Patinha Antão (PSD): — Efectivamente, Sr.ª Presidente, tratou-se de uma segunda interven-
ção. Porém, todos nós percebemos o estratagema do Partido Socialista, porque o que o PS queria, de facto, era fazer uma segunda intervenção, depois de a primeira ter conduzido aos resultados a que condu-ziu.
Sr. Deputado Afonso Candal, com toda a serenidade, devo dizer-lhe o seguinte: no dicionário, uma iniciativa pífia significa uma iniciativa que fica muito aquém dos seus propósitos. Ora, não se pode con-siderar que isto é algo descortês,…
A Sr.ª Luísa Portugal (PS): — Que ideia!…
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O Orador: — … do ponto de vista da vivacidade do trabalho parlamentar. Se assim fosse, V. Ex.ª (assim como a sua bancada) teria de penitenciar-se muito por coisas que disse
e que não deveria ter dito, mas às quais não fizemos menção. Mas como V. Ex.ª, na sua intervenção, abordou outras matérias, gostaria de, com toda a serenidade,
dizer-lhe que, quando o Sr. Deputado se queixa (e esta é a segunda fase em que o Partido Socialista cos-tuma estar nestes debates)…
Sr. Deputado, primeiro, as vossas iniciativas não são verdadeiras alternativas, não são adequadas para um partido que quer liderar a oposição. E é por isto que tantas vezes se diz lá fora, designadamente na imprensa, que VV. Ex.as vão a reboque de outros partidos que estão à vossa esquerda.
Protestos do PS. Quanto à matéria em si, V. Ex.ª, na sua própria argumentação, destruiu o que disse — não sei se repa-
rou. V. Ex.ª disse que a maioria, em sede de comissão, reprovava tudo o que VV. Ex.as propunham e até aludiu a uma reunião que tivemos até às 6 horas da manhã. Mas, ó Sr. Deputado, que melhor demonstra-ção de disponibilidade para o debate e para o diálogo do que fazermos reuniões pela noite fora?!
E como «pela boca morre o peixe», Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe que, relativamente ao último exemplo que tivemos de trabalho em comissão, que foi o debate, na especialidade, da proposta de lei sobre ensaios clínicos de medicamentos para uso humano, V. Ex.ª deverá regozijar-se com o facto de o Partido Socialista, por unanimidade — por unanimidade, repito —, se ter revisto na proposta de lei, depois de trabalhada em comissão, proposta esta que teve contributos nossos e vossos.
Portanto, V. Ex.ª deveria escolher outro terreno para a sua argumentação, porque, por esse caminho não vai lá, Sr. Deputado.
Por outro lado, ao querer mostrar-se ofendido com algo que manifestamente não tem razão de ser e ao querer, depois, desenvolver outros argumentos de vitimização que são tão fáceis de rebater,…
O Sr. Afonso Candal (PS): — São evidentes! O Orador: — … V. Ex.ª perdeu uma excelente oportunidade para causar uma melhor impressão. Aplausos do PSD e do CDS-PP. A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco
Louçã. O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Foi convocado o debate do
passado e da história e creio que com alguma razão, visto que a questão das listas de espera cirúrgicas foi um tema fundamental da campanha eleitoral do futuro ex-Primeiro-Ministro, o agora chamado Dr. José Barroso, que fez desta questão um tema essencial da sua campanha.
Porque estou tranquilizado acerca da utilização dos sinónimos, creio poder dizer, com alguma sereni-dade, que essa telenovela pífia pode agora ser avaliada pelos portugueses, e pode sê-lo nas duas listas de espera que temos de considerar: a primeira, que foi a instituída por este Governo e regulada pelo PECLEC, demonstrou ser uma fonte de iniciativa privada mas unicamente nas patologias baratas (nas varizes, nas hérnias, etc.). Muitas clínicas privadas acorreram ao manancial que era suscitado por este PECLEC, mas não na cirurgia mais complexa, na prótese total da anca ou na prótese total do joelho, por exemplo, ou sempre que houvesse alguma dificuldade substancial.
Ficou, no entanto, uma incógnita na utilização deste PECLEC: por que é que pelo menos 20 000 pes-soas — nada menos do que 20 000 pessoas — estavam indevidamente inscritas, algumas por terem fale-cido, muitas por já terem sido operadas, outras por nem sequer terem necessidade de operação?
Portanto, no primeiro teste deste Governo, que foi a primeira lista de espera cirúrgica, aquela que na campanha eleitoral o Dr. José Barroso tinha prometido resolver, o que se verificou claramente é que a lista estava mal preparada, que não respondia à prioridade de saúde e que não era competente.
Verificámos, no entanto, que, em algumas matérias, não só não era competente como era duvidosa. Ainda hoje estamos sem saber se é ou não verdade que esta lista de espera permitiu operar cirurgias nos hospitais SA sem que os custos fossem contabilizados, permitindo, no entanto, que o número da cirurgia contasse do ponto de vista da produtividade e dos números totais nestes hospitais.
Mas é a segunda lista, a actual, que suscita maiores interrogações e é sobre ela que se justifica haver um acompanhamento parlamentar. É que a segunda lista, que já tem, em dois anos, 150 000 pessoas,
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suscita, aliás, a única pergunta à qual nem o Sr. Deputado Patinha Antão nem o Governo jamais respon-deram, que é esta: o que é que aconteceu para que, ao longo de seis anos, se formasse uma lista de espera de 120 000 pessoas com tantos atrasos e agora, em dois anos, se forme uma outra lista, muito eficiente, em que as pessoas são operadas muito depressa, mas que já tem 150 000 pessoas?
Aparentemente, os portugueses tiveram uma epidemia de corrida para as listas de cirurgia. E nada permite perceber o que poderá ter mudado do ponto de vista da saúde senão a contabilidade criativa.
Mas ela chega ao ponto da ineficiência, da incompetência, da insensatez. Os jornais falavam, ainda há poucas semanas, de uma senhora que recebeu a convocação do Serviço Nacional de Saúde para ir fazer uma operação às varizes em Espanha, a qual seria paga, mais a pensão completa de si própria e do seu acompanhante. O pequeno detalhe é que ela não era candidata a uma operação às varizes, nem em Portu-gal, nem em Espanha.
Aliás, já estamos a ver o que vai ser, na base desta incompetência, a possível política de um novo governo se o Presidente quiser aceitar o golpe palaciano que o PSD ontem nos veio propor.
Não teremos listas de espera, não teremos competência na saúde, mas de certeza que teremos bons cartazes nas ruas de Lisboa a perguntar: «Já viu como está bonita a lista de espera que temos agora para as cirurgias em Portugal?»!
Risos do PS. Teremos muita publicidade, teremos muita incompetência e o certo é que nem sequer sabemos nem os
números, nem as patologias, nem as soluções, porque este Governo não é capaz de dar essa informação. E não sendo capaz, é competência e obrigação da Assembleia da República pedir, exigir e obter estes números e estes esclarecimentos.
Por isso, aprovaremos estas iniciativas e por isso nos parece que a política pífia que se refugia na incompetência e, até, na ocultação dos números e da verdade merece ser discutida, merece ser combatida e merece ser vencida.
Aplausos do BE e da Deputada do PS Celeste Correia. O Sr. Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardi-
no Soares. O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Estamos hoje a debater um
assunto da maior importância na política da saúde e, evidentemente, na vida dos portugueses, que tem a ver com o acesso a intervenções cirúrgicas e também, porque os projectos em análise a elas se referem, com as consultas de especialidade.
Falamos quase sempre, e muito justamente, de listas de espera cirúrgicas, mas a verdade é que há enormes e ainda mais ocultas e desconhecidas listas de espera para obter vaga em consultas de especiali-dade, para poder ter acesso às consultas de especialidade nas unidades públicas, o que constitui um dos maiores factores de encarecimento da saúde para os portugueses. Aqueles que ainda conseguem ter alguns tostões para recorrer ao sector privado vêem-se obrigados a fazê-lo em matéria de consultas em especialidades médicas, dado que as listas de espera nos serviços públicos continuam a ser enormes.
Quanto às listas de espera cirúrgicas, elas são um exemplo de como a política do Governo é desgraça-damente desastrosa para o País. É uma política que assenta numa enorme dose de propaganda, e o exem-plo disso foi a falsificação da mensagem que o Governo passou ao País de que iria recuperar as listas de espera.
O Governo disse que em dois anos iria terminar com as listas de espera, só mais tarde precisou que era só aquela lista de espera que estava constituída à data em que fez a promessa — mas ninguém enten-deu assim, porque não foi isso que foi dito quando a promessa foi feita! — e, passados quase dois anos, o que vemos é que a dita «primeira lista de espera» foi avançando, como inevitavelmente avançaria, com todas as confusões possíveis e imaginárias, sem qualquer clarificação sobre qual era a situação real em cada momento. E o que sabemos de certo, mesmo não confiando nos dados do Ministério, mas baseando-nos neles, é que há, pelo menos, mais 150 000 pessoas em listas de espera, quando na data da tal promes-sa eram cerca de 120 000.
Temos, de facto, no nosso país uma diminuição de resposta dos serviços públicos e a prova disso é o facto de haver actualmente uma lista de espera formada mais rapidamente do que aquela que existia em Junho de 2002.
Portanto, a conclusão que podemos tirar da gestão do Governo nesta área é que, prejudicando os ser-viços públicos e a sua capacidade de resposta, contribuiu para aumentar a lista de espera e para agravar
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este problema. Na verdade, o objectivo era bem outro: era poder, como agora se propunha o Ministro da Saúde,
entregar ao sector privado tudo aquilo que de rentável, de fácil execução, sem riscos, pudesse aí ser feito, deixando aos serviços públicos mais degradados e com menor capacidade tudo aquilo que não era sufi-cientemente rendível.
Esta problemática teve sempre o princípio da opacidade na acção do Governo. Até hoje, não temos a rigorosa atribuição das listas de espera por patologia e por hospital no nosso Serviço Nacional de Saúde. Até hoje, não temos esses dados rigorosos para podermos comparar e sabermos que evolução houve na recuperação destas listas de espera, para além de não sabermos, como já foi aqui referido, se nos hospitais SA as contas dos gastos com a recuperação das listas de espera foram, ou não, incluídas nas contas apre-sentadas.
Uma outra questão, não pouco importante, diz respeito ao dito PECLEC — Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas. Ora, o PECLEC foi apresentado — como, aliás, deveria ter sido — como um programa de recuperação em trabalho extraordinário, portanto trabalho após o horário nor-mal, para que verdadeiramente se pudessem recuperar as listas de espera e viemos a verificar, através dos dados que o Ministério apresentou, que, afinal, 50% das operações realizadas no âmbito do tal programa foram feitas durante o horário normal dos serviços.
Portanto, não há qualquer recuperação por acréscimo, o que há é ocupação do tempo normal com o dito acréscimo, e isso justifica que continue a aumentar a lista de espera e que este problema continue a não estar resolvido.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro
Castello-Branco. O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Analisamos hoje
dois projectos de resolução da autoria do Partido Socialista, tendo ambos como tema central a questão das listas de espera cirúrgicas.
O projecto de resolução n.º 200/IX propõe a criação de uma comissão eventual para acompanhar as medidas de combate às listas de espera e o projecto de resolução n.º 201/IX propõe a realização de um estudo de âmbito nacional sobre as listas de espera.
Ora, sem dúvida alguma que estes projectos de resolução fariam sentido se estivéssemos nos idos anos, de má memória para a saúde, de 1999, 2000 ou 2001. E isto porque nessa época a situação, nesta matéria, era deveras preocupante,…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Tem toda a razão! Muito bem lembrado! O Orador: — … diria mesmo calamitosa, situação que se foi agravando até atingir a alarmante cifra
de cerca de 123 000 utentes em lista de espera. Mas isso não é o mais importante. O mais importante é que essas 123 000 pessoas tinham um tempo
médio de espera para a sua cirurgia de cinco anos e meio. Isto é que é importante! O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Bem lembrado! O Sr. Afonso Candal (PS): — Isso é uma aldrabice! O Orador: — Não é aldrabice! É verdade! Aliás, sempre que se fala do tempo médio de espera — e
ainda no último debate que tivemos sobre esta matéria isso aconteceu —, o Sr. Deputado diz que é aldra-bice.
O Sr. Afonso Candal (PS): — Pois digo! O Orador: — Aconselho-o a ver os factos. E os factos são os que acabei de referir! Aplausos do CDS-PP. Lamento muito, mas estou a responder-lhe com a verdade. Protestos do Deputado do PS Afonso Candal.
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É que a nossa verdade é diferente da vossa. Há pouco tanto o Sr. Deputado como o Sr. Deputado Luís Carito fizeram um grande elogio ao Sr. Presidente da Entidade Reguladora da Saúde — e muito bem, porque é um grande professor da Faculdade de Medicina do Porto e credível — mas, quando ele foi nomeado, disseram que era mais um boy «laranja», que era mais alguém do aparelho partidário a ser nomeado. Esqueceu-se desse pormenor, Sr. Deputado. Agora ele passou a ser bom!…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Muito bem! O Sr. Afonso Candal (PS): — Lá que é «laranja» é! O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Até os boys «laranjas» se indignam com esta política! O Orador: — Sr. Deputado, estas são as vossas «verdades», porque as nossas são sempre as mesmas! Mas, retomando o que estava a dizer, felizmente, os tempos são outros e a situação das listas de espe-
ra cirúrgicas alterou-se significativa e positivamente, fruto do empenho do actual Governo em debelar esta situação.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Muito bem! O Orador: — Vamos a factos, Srs. Deputados. Em 30 de Junho de 2002, foi identificada uma lista de espera, herdada do governo do Partido Socia-
lista, composta por cerca de 123 000 cidadãos que, como referi estavam com um tempo médio de espera de cinco anos e meio.
O Sr. Afonso Candal (PS): — Falta outra demonstração! O Orador: — Já lá vou! O actual Governo, para resolver esta gravíssima situação, lançou o PECLEC, o qual tinha como
objectivo resolver o problema destes cerca de 123 000 portugueses até Novembro de 2004, ou seja, durante o presente ano.
O facto é que, por mais que isso incomode a oposição, este programa saldou-se por um estrondoso êxito. A oposição fica incomodada, mas os portugueses que esperavam há cinco anos e meio têm o seu problema resolvido e a sua angústia terminou. E isto é que verdadeiramente importa.
Paralelamente a esta lista de espera, como já aqui foi referido, foi-se criando outra lista de inscritos para cirurgia desde a data do fecho da anterior lista, fruto do normal e do mais eficiente funcionamento dos serviços de saúde, o que é evidente, até porque, como se sabe, as consultas nos hospitais aumentaram cerca de 7%. Mais ainda: os 123 000 cidadãos da lista de espera anterior não se formaram em seis anos, formaram-se nos últimos anos do governo do Partido Socialista!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Muito bem! O Orador: — Portanto, o aumento foi muito maior, com mais ineficiência dos serviços de saúde do
que aconteceu agora no aumento da nova lista. O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem! O Orador: — Mas mesmo nesta nova lista as coisas processam-se, hoje em dia, de maneira bem dife-
rente do que se passava antes de 2002. E a diferença é o tempo médio de espera. É que o tempo médio de espera desta nova lista ronda os sete, oito meses, enquanto que na lista inicial era de cinco anos e meio.
Sr. Deputado Afonso Candal, faz uma enorme diferença falar em seis, sete ou oito anos ou falar em seis, sete ou oito meses. Quem não vê esta diferença não está a querer que os portugueses tenham boa saúde!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Não têm boa fé na discussão! O Orador: — Como já referi, a verdadeira questão que releva da lista de espera não é o número de
inscritos mas, sim, o tempo que esses mesmos inscritos estão à espera. É muito mais grave ter 5000 ins-critos com um tempo médio de espera de, por exemplo, seis anos do que ter 100 000 inscritos com um tempo médio de espera de seis meses. A primeira situação é que é grave e não a segunda.
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Vozes do CDS-PP: — Muito bem! O Orador: — Ou seja, o que releva é o tempo médio de espera e não o quantitativo dessa lista de
espera. A situação actual do País, nesta matéria, é esta: o tempo de espera é de sete ou oito meses. Acresce, ainda, mais um factor muito importante. É que com o lançamento do CIGIC (Sistema Inte-
grado de Gestão de Inscritos para Cirurgia, o novo programa de gestão, nunca mais ninguém em Portugal vai necessitar de esperar mais do que o tempo máximo admissível, ou seja, qualquer cidadão jamais vai esperar mais de seis meses.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Isto não é importante?! O Orador: — Aliás, o Sr. Deputado Patinha Antão já aqui explicou muito bem como funciona. Esta
questão é que é importante. Assim, afere-se bem por tudo o que disse da inoportunidade dos diplomas que estão em discussão. A questão das listas de espera cirúrgicas está estudada, está praticamente resolvida. Por outro lado,
criar uma comissão eventual de acompanhamento é absolutamente desnecessária. O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Não faz qualquer sentido! O Orador: — Não ficaria bem à maioria votar a criação de uma comissão eventual apenas para cons-
tatar o bom trabalho desenvolvido pelo Governo e o êxito das suas políticas. O mal é este: nós não procu-ramos elogios, apenas procuramos o bem-estar dos portugueses.
Aplausos do CDS-PP, A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel
Castro. A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com o agendamento de
dois projectos de resolução do Partido Socialista que propõem a criação de uma comissão eventual de acompanhamento das medidas de combate às listas de espera e a procura da elaboração de um plano nacional sobre as mesmas, no fundo, uma informação credível que permita, de forma transparente e sis-tematizada, ter a verdade sobre a realidade neste domínio, a Assembleia da República acaba por estar a discutir toda a política da saúde, domínio em que a fraude eleitoral desta maioria foi maior.
Muitos nos lembramos ainda dos grandes outdoors do PSD, que prometiam, contra a necessidade de cunhas para ter acesso a cuidados de saúde, medidas miraculosas. A verdade é que, independentemente disso, o que se tem verificado neste domínio, domínio da maior sensibilidade social, é o escandaloso descomprometimento do Estado em relação à garantia de acesso a um direito dos cidadãos constitucio-nalmente consagrado e a indecorosa mercantilização desse mesmo direito de acesso a cuidados de saúde que se tem vindo a verificar com todo o rol de falhanços daí decorrentes.
Desde logo, ao contrário do que se prometia, sem que isso signifique contenção nos custos, sem que isso signifique acesso aos serviços de saúde com maior humanização, com maior rapidez, com maior qualidade, o que verificamos é, designadamente no domínio em que a questão mais tem centrado o debate político, sendo que para Os Verdes essa não é a questão mais importante, o gradual aumento da dificul-dade no acesso à prestação de cuidados de saúde que não se restringem às listas de espera para as cirur-gias mas que são a realidade visível por todo o País. Ou seja, a dificuldade de acesso, em tempo útil, a cuidados de saúde e a exclusão de uma parte muito significativa dos cidadãos portugueses de terem um médico de família que se tem vindo a corporizar e que se traduz em diferentes tipos de prestação de ser-viços consoante a origem daqueles que pretendem recorrer aos cuidados de saúde.
Os hospitais sem alma, aqueles que começam, cada vez mais, a discriminar doentes crónicos e a «chu-tar» para fora do seu sistema os doentes que têm maiores encargos é uma realidade, ainda hoje sublinhada na imprensa, através da substituição, contrariamente às regras internacionais, de técnicos de enfermagem por auxiliares de acção médica. Essa é a degradação da qualidade dos serviços que faz parte do quotidia-no e que traduz o imenso bluff, o imenso falhanço, o imenso fiasco que foi a grande promessa eleitoral da maioria em relação a um domínio que é da maior sensibilidade num país como o nosso, onde as desigual-dades sociais são grandes, onde as prestações e o apoio aos mais idosos são escassos, onde a fragilidade de grupos sociais é tremenda e constitui um factor de que ninguém se pode desresponsabilizar.
Em conclusão, usando, aliás, uma expressão que já foi lembrada neste debate, muito provavelmente o
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que aconteceria, caso não fosse devolvida aos cidadãos a liberdade de escolha para que um novo gover-no, com legitimidade, pudesse prosseguir a sua acção governativa e caso a proposta do PSD viesse a vingar, era algo que, com imenso humor, Luís Afonso, na sua banda desenhada, nesta semana, trazia como exemplo: uma cidade e um país cheios de cartazes, cheios de propaganda anunciando uma realida-de virtual de um Portugal mais bonito, mas que não tem correspondência na vida, na realidade do quoti-diano dos cidadãos, no fundo, daqueles que devem motivar e são a razão única pela qual o Parlamento deve existir.
Vozes do PCP: — Muito bem! A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): — Srs. Deputados, chegados ao fim da ordem de trabalhos, resta-
me informar que a próxima reunião plenária da Assembleia da República realiza-se quinta-feira, dia 8 de Julho, a partir das 15 horas, com um período de antes da ordem do dia e do período da ordem do dia constará a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 28/IX (BE), a apreciação do Decreto-Lei n.º 108/2004, de 11 de Maio [apreciações parlamentares n.os 78/IX (PS) e 79/IX (PCP)], bem como a apre-ciação das petições n.os 80/VIII (3.ª) e 70/IX (2.ª). Haverá, ainda, votações regimentais.
Está encerrada a sessão. Eram 12 horas e 10 minutos. Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Ana Paula Rodrigues Malojo António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres António Pedro Roque da Visitação Oliveira Daniel Miguel Rebelo Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva Henrique José Monteiro Chaves José Eduardo Rego Mendes Martins João Carlos Barreiras Duarte Judite Maria Jorge da Silva Maria Assunção Andrade Esteves Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Partido Socialista (PS):
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela José Manuel de Medeiros Ferreira Luís Manuel Carvalho Carito Manuel Alegre de Melo Duarte Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira Rui do Nascimento Rabaça Vieira Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Partido Popular (CDS-PP):
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio José Miguel Nunes Anacoreta Correia Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Alberto Rodrigues João Bosco Soares Mota Amaral
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Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Jorge Martins Pereira Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto João Eduardo Guimarães Moura de Sá Marco António Ribeiro dos Santos Costa Melchior Ribeiro Pereira Moreira Pedro Miguel de Azeredo Duarte Sérgio André da Costa Vieira Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos António Ramos Preto Francisco José Pereira de Assis Miranda Jorge Lacão Costa Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho José da Conceição Saraiva José Eduardo Vera Cruz Jardim Luiz Manuel Fagundes Duarte Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Partido Popular (CDS-PP):
João Rodrigo Pinho de Almeida
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas Ângela Ricardo Carriço Sabino
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.