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Sábado, 18 de Setembro de 2004 I Série - Número 3

IX LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2004-2005)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE SETEMBRO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.
Foram anunciados os resultados das eleições da Delegação à Assembleia Parlamentar Euro-Mediterrânica (foram proclamados eleitos os Srs. Deputados João Carlos Duarte, José Apolinário, Nunes Portada, Goreti Machado, Álvaro Viegas e Zelinda Marouço Semedo) e de um membro da Comissão Nacional de Eleições em representação do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (foi proclamada eleita Cláudia Fernanda dos Santos Oliveira).
Em interpelações à Mesa sobre a ausência do Sr. Primeiro-Ministro (Santana Lopes) nos trabalhos da sessão plenária intervieram os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Bernardino Soares (PCP), Guilherme d'Oliveira Martins (PS) e Heloísa Apolónia (Os Verdes), bem como o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Rui Gomes da Silva).
Procedeu-se ao debate da interpelação n.º 14/IX - Sobre direitos reprodutivos das mulheres, não cumprimento de resoluções da Assembleia da República e violação do Direito comunitário no caso do navio Borndiep (BE). Após terem proferido intervenções, na fase de abertura, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) e o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Patinha Antão), usaram da palavra, a diverso título, além daqueles oradores e do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Ana Catarina Mendonça e José Magalhães (PS), Massano Cardoso (PSD), Sónia Fertuzinhos (PS), Ana Drago (BE), Odete Santos (PCP), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Gustavo Carranca (PS), João Teixeira Lopes (BE), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Luísa Portugal (PS).
No encerramento do debate intervieram o Sr. Deputado João Teixeira Lopes (BE) e o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos do Mar (Nuno Fernandes Thomaz).
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética autorizando um Deputado do PSD a depor em tribunal.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 482 a 489/IX, das propostas de resolução n.os 75/IX e 77 a 79/IX e dos projectos de resolução n.os 277 e 278/IX.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Adão José Fonseca Silva
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Delmar Ramiro Palas
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Fernando António Esteves Charrua
Fernando José Pimenta Rodrigues
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho

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Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim dos Santos Ferreira
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Susana Maria de Moura Alves da Silva Toscano
Vasco Jorge Valdez Ferreira Matias
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Álvaro José Martins Viegas

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Gustavo Emanuel Alves de Figueiredo Carranca
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira

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Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luísa Pinheiro Portugal
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor José Cabrita Neto
Vítor Manuel Barreto Marinho da Cunha
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Henrique Jorge Campos Cunha
José Marcelo Sanches Mendes Pinto
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
João Maria Abrunhosa Sousa
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró

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Paulo Daniel Fugas Veiga
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Ângela Ricarda Carriço Sabino

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o expediente diz respeito às eleições, a que procedemos ontem, para órgãos externos e os resultados foram os seguintes:

Assembleia Parlamentar Euro-Mediterrânica
Votantes - 178
Votos "sim" - 151
Votos brancos - 23
Votos nulos - 4

Nos termos legais aplicáveis, declaram-se eleitos para a Assembleia Parlamentar Euro-Mediterrânica, como membros efectivos, João Carlos Barreiras Duarte, José Apolinário Nunes Portada e Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado, e, como membros suplentes, Álvaro José Martins Viegas e Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo.

Membro da Comissão Nacional de Eleições (em representação do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda
Votantes - 178
Votos "sim" - 80
Votos brancos - 75
Votos nulos - 23

Nos termos legais aplicáveis e face ao resultado obtido, declara-se eleita para a Comissão Nacional de Eleições a candidata proposta, Cláudia Fernanda dos Santos Oliveira.

O Sr. Presidente: - Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, a ordem do dia de hoje é preenchida com o debate da interpelação n.º 14/IX - Sobre direitos reprodutivos das mulheres, não cumprimento de resoluções da Assembleia da República e violação do Direito Comunitário no caso do navio Borndiep (BE).
O Sr. Deputado Francisco Louçã pede a palavra para que efeito?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, na verdade, quando pedi a palavra para interpelar a Mesa era para sugerir ao Sr. Presidente que aguardasse um momento, visto que algumas bancadas ainda não estavam representadas, mas isso já não acontece neste momento.
No entanto, Sr. Presidente, há um motivo mais importante que suscita esta interpelação e que é o seguinte: ontem à noite ouvi dizer na rádio que o Sr. Primeiro-Ministro não estaria hoje presente nesta Câmara.
Acontece, Sr. Presidente, que ontem recebi um telefonema simpático do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, em resposta a uma comunicação minha, que me indicou não as pessoas mas pelo menos as áreas do Governo que estariam representadas nesta interpelação.
Nada me foi dito sobre a ausência do Primeiro-Ministro, que aliás, como sabemos, não é obrigatória, não está instituída em lei alguma. Porém, é uma regra que todos os primeiros-ministros mantiveram, com grande cuidado e em sinal de atenção à Assembleia da República.
O direito potestativo de interpelação é um direito muito importante, não só para os grupos parlamentares que o exercem mas porque representa um momento alto da Assembleia da República no debate com o Governo. E tanto assim é, Sr. Presidente, que esse é um dos direitos constitucionalizados mais importantes do debate da Assembleia da República.
Estranho, por isso, que o Sr. Primeiro-Ministro não esteja presente, que não nos tenha sido dada a indicação de que ele não estaria presente. Por isso lhe pergunto, Sr. Presidente, se, porventura, recebeu comunicação do Sr. Primeiro-Ministro pedindo-lhe desculpa pela sua ausência ou justificando-a. Pode ter havido alguma urgência nacional, extremamente importante, que motivasse a sua não presença neste momento e se assim foi naturalmente que a consideraremos; se assim não foi, não deixaremos de interpretar esta situação como uma anomalia, que nunca se verificou nos quatro governos anteriores e que é um desrespeito muito grande pela Assembleia da República, e, naturalmente, o Sr. Presidente é o primeiro a ser atingido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há outros pedidos de interpelação sobre esta matéria. Assim, vou dar a palavra a todos e depois responderei.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, é para manifestar o meu total acordo com a preocupação que o Sr. Deputado Francisco Louçã aqui expressou.
De facto, apesar de não estar prevista, nem no Regimento nem noutra legislação, a presença obrigatória do Primeiro-Ministro nas interpelações, ela tem sido uma prática que valoriza um instrumento parlamentar muito importante: a interpelação ao Governo.
Ainda por cima, não há para essa ausência uma justificação aceitável sequer. Ouvimos mesmo, hoje de manhã, notícias na rádio de que o Sr. Primeiro-Ministro até está em Lisboa mas não tem agenda para vir à interpelação ao Governo.
Penso que este é um princípio muito negativo para o relacionamento deste Governo com a Assembleia no que toca às interpelações ao Governo, que não prestigia a Assembleia e que pode ser entendido como um sinal de menor consideração por uma figura regimental tão importante como a da interpelação ao Governo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa!

O Orador: - Esperemos que não seja o prenúncio de outras faltas no relacionamento com a Assembleia e esta situação, a confirmar-se a ausência do Sr. Primeiro-Ministro, mais reforça a necessidade de, rapidamente, se marcar o debate mensal - ainda não está marcado - com este novo Primeiro-Ministro.

O Sr. Presidente: - Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, é para o fazer no mesmo sentido, exprimindo grande surpresa, uma vez que quer o Sr. Deputado Francisco Louçã quer o Sr. Deputado Bernardino Soares disseram que nada obriga, formalmente, à presença do Primeiro-Ministro.
Acontece, porém, que está assumido um costume parlamentar e, nos últimos anos, todas as interpelações tiveram a presença do Primeiro-Ministro. Eu próprio, que tive responsabilidades nos assuntos parlamentares, entendi sempre - e entendeu-o o Governo do Partido Socialista - que o primeiro-ministro não podia deixar de estar presente nas interpelações.

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Portanto, não se trata aqui de questionar a forma; trata-se, claramente, de assumir uma ruptura na relação entre o Governo e o Parlamento, que é negativa e pode traduzir-se num desrespeito pela instituição parlamentar.
Entende também o Grupo Parlamentar do Partido Socialista ser urgente a marcação de um debate mensal com o Primeiro-Ministro, até para sabermos exactamente por que razão o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro da Defesa Nacional não estão aqui, tendo, directamente, estado envolvidos na questão objecto desta interpelação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, é para, em nome do Grupo Parlamentar "Os Verdes", associar-me também a esta preocupação e estranheza pela ausência do Sr. Primeiro-Ministro nesta interpelação.
Gostaria de referir ainda que mais do que uma desvalorização da figura regimental da interpelação, parece-me que é possível fazer a leitura da desvalorização, pelo Sr. Primeiro-Ministro, da própria Assembleia da República.
Temos, com certeza, perfeitamente consciência de que o tema que hoje vai ser discutido é muito incómodo no seio da coligação, como temos consciência de que já houve muitas contradições nas palavras do Sr. Primeiro-Ministro relativamente ao tema. De qualquer modo, não nos parece que isso seja razão para justificar a sua ausência neste Hemiciclo.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Rui Gomes da Silva): - Sr. Presidente, é também para interpelar a Mesa nos termos em que o fizeram os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista, do Partido Socialista e de Os Verdes e dizer que os partidos da oposição vivem muitas vezes das notícias e para as notícias. Constatei que, hoje, vivem essencialmente daquilo que ouviram na rádio, das notícias que foram publicadas e da agenda do Sr. Primeiro-Ministro.
Tive, ontem, o cuidado de dizer ao Sr. Deputado Francisco Louçã, que teve a amabilidade de me perguntar quais os membros do Governo que aqui estariam presentes, que teríamos hoje aqui as áreas da segurança social, da educação, dos assuntos do mar e da saúde, para abarcar todas as matérias que aqui deveriam ser debatidas.
Srs. Deputados, a única coisa que dizemos é que cumprimos rigorosamente o que determinam a Constituição e o Regimento. Peço desculpa ao Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins mas embora respeite a sua posição não posso com ela concordar: em primeiro lugar, porque nunca o costume foi fonte de direito em Portugal (foi isso o que aprendemos);…

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - A prática parlamentar?!...

O Orador: - … em segundo lugar, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, este não é o Governo nem do Bloco de Esquerda, nem do Partido Comunista, nem de Os Verdes, nem do Partido Socialista!! Portanto, o Governo decide, em liberdade, como deve fazer-se representar nesta matéria.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - É lamentável!

O Orador: - Os senhores privilegiam a forma deste debate e nós privilegiamos o conteúdo e não confundimos o respeito pela Assembleia da República com a defesa dos interesses mediáticos e de agenda dos partidos da oposição. Essa é a nossa maneira de estar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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Os senhores têm como critério "eu protesto, logo existo". Sr. Deputado, o nosso respeito pela Assembleia da República é integral - tive o cuidado de o manifestar -, mas não somos comandados nem mandados pelos partidos da oposição em relação a quem representa o Governo nessas matérias.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Ainda por cima é arrogante!

O Orador: - O Sr. Ministro da Defesa Nacional encontra-se em Haia, numa reunião a que não podia deixar de estar presente - participa na primeira reunião da Agência Europeia de Defesa e vai assinar o protocolo da Gendarmerie europeia - e também o Sr. Ministro da Saúde e o Sr. Ministro de Estado e da Presidência estão fora do País. Portanto, o Governo representa-se com as pessoas que entende que deve representar-se.
Os senhores estão com saudades do Sr. Primeiro-Ministro… Posso garantir-vos que irão ter aqui o Sr. Primeiro-Ministro muitas vezes e por muitos anos, por muito que isso vos custe.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Como não há mais pedidos de uso da palavra sobre esta matéria, devo então responder às questões que me foram suscitadas nas interpelações feitas à Mesa.
Confirmo que no governo anterior, e, tanto quanto me lembro, nos dois outros governos que o antecederam, era costume o Sr. Primeiro-Ministro vir à Assembleia aquando das interpelações ao Governo. Trata-se de uma praxe, já que esta presença não é imposta nem pelo Regulamento nem pela Constituição, como, aliás, foi reconhecido pelos interpelantes.
Nessa medida, entendo que o Governo faz-se representar nas interpelações conforme o seu parecer e que daí tirará cada um as suas consequências e as suas implicações políticas. O que julgo imperativo é que se verifique a presença de um dos ministros, porque, conforme a Constituição, o relacionamento entre os órgãos de soberania é assegurado pelo Primeiro-Ministro ou pelos ministros.
Assim acontece desta vez,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Desta vez!…

O Sr. Presidente: - … já que, como está presente o Ministro dos Assuntos Parlamentares, estão preenchidas as formalidades constitucionais e poderemos, nestas condições, encetar o debate.

O Sr. José Magalhães (PS): - Dificilmente!

O Sr. Presidente: - Para esse efeito, dou a palavra ao Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando os primeiros-ministros resultavam de uma eleição, vinham ao Parlamento discutir os assuntos importantes - e este é tão importante que foi mesmo o actual Primeiro-Ministro Santana Lopes quem o propôs para a abertura do ano parlamentar e foi o Governo quem impôs a data em que ele se realizaria. Mas o actual Primeiro-Ministro resulta de um favor e não de uma eleição, e por isso acha natural ignorar o Parlamento.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Percebe-se, aliás, porquê - como eu vos percebo, Srs. Deputados...! Este Primeiro-Ministro tem como estratégia desaparecer sempre que há um debate importante.
Ontem, em vez de se ver o Governo na abertura do ano escolar, a Ministra da Educação exilou-se na 5 de Outubro e o Primeiro-Ministro passou à clandestinidade.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - À noite, o Ministro Bagão Félix anunciou que as contas estão descontroladas, que vem um orçamento rectificativo, e do Primeiro-Ministro nem um ai - desapareceu. Continua desaparecido hoje também.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

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O Orador: - Por isso, começo com uma palavra de simpatia para com os membros do Governo que aqui conseguiram chegar, porque são os sobreviventes de um Governo que foge sempre que o assunto é importante.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Os Srs. Secretários de Estado têm a minha total solidariedade por terem resistido com bravura ao desaparecimento do resto do Governo.

Aplausos do BE.

Sr.as e Srs. Deputados: O artigo 140.º do Código Penal determina que "A mulher grávida que der o seu consentimento ao aborto praticado por terceiro, ou que, por facto próprio ou alheio, se fizer abortar, é punida com pena de prisão até três anos".
Os membros do Governo que sobreviveram à debandada vieram aqui responder por esta lei criminal. É desta lei que depende a coligação das direitas. A continuação dos julgamentos que aplicam a lei é o penhor da maioria. As direitas, aliás, decidiram que assim seria e é por ter vergonha de si próprio que o Primeiro-Ministro desapareceu.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Afinal, Santana Lopes votou pela continuação da criminalização das mulheres em 1998 e ainda hoje mantém a mesma posição.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Para o Governo, nada mudou e nada deve mudar.
Registo, no entanto, que o Primeiro-Ministro disse recentemente, depois do julgamento de Aveiro: "Eu estou de acordo genericamente com a legislação que existe, no entanto, não gosto de ver nenhuma mulher condenada (…)". O Primeiro-Ministro não gosta das mulheres condenadas, mas quer que a lei se mantenha: três anos de prisão para a mulher que aborte.
Percebo, por isso, por que é que o Dr. Santana Lopes "anda a monte".

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Afinal, são a sua política e o seu conceito de civilização que estão aqui a ser julgados.
O Primeiro-Ministro, que vai ser aqui defendido à revelia, pensa que a lei está genericamente bem. É certo que outra parte da maioria pensa que a lei está bem, mas que a sua aplicação é que é desagradável; apesar disso, impedem qualquer alteração para que as mulheres não continuem a ser julgadas. Os mais sofisticados, certamente, dirão que é uma prova de sensatez que não sejam julgadas todas as 20 000 mulheres ou mais que abortam por ano e que sejam só julgadas algumas delas - rituais do sacrifício no altar da direita.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - A direita está hoje divida entre a hipocrisia e o cinismo, entre os que acham que a lei é necessária para cumprir e os que entendem que deve ser mantida para não ser cumprida.
Não há situação mais estúpida do que esta.
Há anos e anos que isto dura. Há anos que a lei se aplica: perseguição, julgamento e, até, condenação de mulheres.
É certo que assistimos já a cinco votações de leis para a despenalização do aborto. Uma lei chegou mesmo a ser aprovada, mas foi impedida por um pacto para fazer um referendo. Fez-se o referendo, votaram 31% dos portugueses e passaram seis anos. Para responder ao impasse político, uma petição popular de mais de 120 000 pessoas pediu um novo referendo para obrigar a mudar a lei. A direita recusou-se a ouvir os portugueses, porque tem medo da democracia; no Parlamento, proibiu a liberdade de consciência e as leis foram de novo chumbadas.

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Entretanto, houve os julgamentos da Maia, de Aveiro, de Setúbal. Dentro de duas semanas, começa outro julgamento e há mais três em preparação. Srs. Membros do Governo, avisem o Primeiro-Ministro, quando o conseguirem encontrar, de que vai ter muitos julgamentos para continuar a dizer que a lei não muda porque a conveniência do PSD e do CDS-PP está acima do respeito das mulheres.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, como bem sabem alguns dos que aqui nisso participam, pela manutenção da lei da prisão das mulheres, foi-se formando uma frente de grupos fundamentalistas pró-prisão que foi colonizando a direita extremista. Do outro lado, é certo - prova que a sociedade muda e que Portugal se moderniza -, somaram-se personalidades do centro, da direita e da esquerda que, naturalmente, se opõem à penalização das mulheres: o Bastonário da Ordem dos Advogados (há uma semana), o Bastonário da Ordem dos Médicos, alguns bispos da Igreja Católica, gente sensata de todas as opiniões políticas e sociais que não suporta mais a vossa hipocrisia.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Mas será que as direitas não sabem ou será que não sentem que Portugal mudou? Não sentem que, perante a certeza de que o bom-senso vai vencer, os "grupos talibãs" se isolam do País?

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Um desses grupos, no Algarve, falsificou umas fotografias, distribuiu-as aos milhares, pondo uns chineses a comer crianças. É esta a base de apoio do Governo.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, Sr.as e Srs. Deputados, não é só no sul que estão estes extremistas. O Primeiro-Ministro conhece-os bem, porque os senta no Governo e lhes dá poder de decisão.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Recentemente, como bem sabemos, um grupo de holandesas veio Portugal para se juntar ao protesto contra a lei em vigor, que é a única, na Europa, que conduz a julgamentos de mulheres. Só que, ao contrário do que sucedeu noutros países que limitam o aborto, como a Irlanda e a Polónia, aqui encontraram um Governo entregue a um condottieri político de turno.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Ministro da Defesa, claro está, proibiu a entrada do barco.
Mas ontem a Comissão Europeia tomou uma atitude inédita, que Portugal não conhecia, que foi a de perguntar ao Governo qual é o verdadeiro motivo da proibição. Nunca o Governo português foi tão enxovalhado pela Comissão Europeia, que pede o verdadeiro motivo da proibição - era bom que o Governo não o escondesse, porque nós, os portugueses, sabemos qual é o verdadeiro motivo.
Usar, como foram usadas, corvetas da marinha de guerra portuguesa para guardar um barco mais pequeno do que um cacilheiro, com seis pessoas a bordo, ultrapassa - convenham - o exibicionismo da força. É um abuso de poder. É uma usurpação das funções militares em benefício de uma agenda política própria. O Dr. Paulo Portas achincalhou o País com este espectáculo de força e percebo, por isso, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, por que é que o Governo impôs a data desta interpelação para um dia em que sabe que o Ministro da Defesa está fora do País…!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - O seu Governo tem vergonha do Ministro da Defesa e o País tem vergonha da actuação do Governo.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

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O Orador: - Mas, Srs. Membros do Governo sobreviventes, hão-de, da minha parte e do Bloco de Esquerda, agradecer sinceramente ao Ministro da Defesa, quando ele aparecer: é que sem o Dr. Paulo Portas, sem as suas repetidas conferências de imprensa, sem o seu frenesim, sem aquela delegação de Deputados do PSD e do CDS-PP que enviou para dialogar cordatamente com um grupo de pessoas que, ao mesmo tempo, comparava com traficantes de droga e de armas, o País nunca teria discutido o tema com a atenção que, assim, mereceu. Obrigado, Dr. Paulo Portas.
O episódio do barco holandês, aliás, só veio tornar claro que a demonstração da força bruta é um sinal de fraqueza.
A desorientação com que Paulo Portas tratou este tema é o sinal do seu isolamento. Dirigia-se a um pequeno nicho da população. Os mesmos, aliás - e não poderia ser de outra forma -, que se opõem à educação sexual e à utilização de contraceptivos. Paulo Portas capitaneia gente que não respeita a liberdade individual e confunde as suas convicções com o papel do Estado e a sua responsabilidade perante todos.
É certo que, ao mesmo tempo, Deputados do PSD que obedecem - pois, claro! - aceitam que esteja em vigor uma lei que até alguns não querem ver cumprida. Mas, Sr.as e Srs. Deputados, durante os últimos anos, desde 1998, foram instaurados 197 processos por aborto - 197! Enquanto o País está preso da conveniência da direita, cada ano há mais processos. Só em dois, na Maia e em Aveiro, 60 pessoas foram julgadas. Quem defende esta lei ou não tem a coragem para a mudar é responsável pela humilhação destas mulheres.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Em Aveiro, a clínica foi descoberta porque um jovem passou um sinal vermelho, de motorizada. Quando ia ser multado explicou que não tinha dinheiro, porque ele e a sua mulher o tinham gasto todo a pagar um aborto, ainda há pouco.
Em Aveiro, entre os arguidos estava um casal de operários. Ela com 28 e ele com 30 anos. Ganham 60 contos por mês. Vivem com uma filha de 6 anos, em casa da mãe de um deles. Uma infecção obrigou a mulher a deixar de usar a pílula e, assim, engravidou. Foram julgados, marido e mulher.
Dois outros arguidos, em Aveiro, são os pais de uma mulher com problemas neurológicos. Era maltratada pelo namorado. Diz o tribunal: foram fazer um aborto; julgados, os pais e a filha.
São pessoas como estas que os senhores querem levar a tribunal. Como a mulher que um polícia deteve, deitada na marquesa, despida. Mulheres tratadas como criminosas, humilhadas. É isto mesmo a vossa lei: a lei é feita para se aplicar. E quem se recusa a mudar uma lei destas é responsável pela humilhação de cada uma destas mulheres.
O Primeiro-Ministro, no passado dia 1 de Setembro, à saída de uma reunião com o Presidente da República, disse que o debate do aborto está sempre em aberto - como se viu, aberto para todos, mas não para ele - e que os resultados dos referendos não são definitivos. Segundo ele, "Devemos fazer a avaliação do que foi o resultado da aplicação desta lei, que é uma avaliação que deve ser feita em permanência, e irmos preparando um tempo novo, porque nem as sociedade são estáticas, nem as leis são estáticas, nem os referendos são estáticos".
O Primeiro-Ministro não é estático - parabéns! -, mas quer que o debate não decida nada, quer avaliação para que tudo fique na mesma, não quer ser estático para que a lei fique parada.
É certo que o anterior primeiro-ministro já disse o mesmo. No julgamento da Maia, Durão Barroso disse: "Estou pessoalmente dividido". Contudo, afirmou: "Sou incapaz de condenar uma mulher (…). É uma questão de consciência de cada um (…). Os partidos e o Estado não são donos da consciência das pessoas". Mas tornou-se dono da vossa consciência, Sr.as e Srs. Deputados do PSD, a quem proibiu que exercessem a liberdade de consciência.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Ficou dono da consciência do País ao manter a lei que mantém os julgamentos que mantêm a ameaça de prisão para as mulheres.
Bagão Félix, dirigente do movimento do "não" e actual Ministro, disse, em relação ao mesmo julgamento, que "as mulheres que abortaram merecem o nosso respeito e não lhes devemos apontar o dedo". Defendeu mesmo que a mulher que aborta não deve ser condenada à prisão, mas a uma pena de trabalho obrigatório ou outra punição ou enxovalho - mudar a lei é que não.
A 16 de Dezembro, Pedro Duarte, porta-voz do PSD, afirmou que era "chocante que as mulheres que recorrem ao aborto sejam presas". Mas mudar a lei é que não.

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Guilherme Silva e Telmo Correia, líderes parlamentares do PSD e CDS-PP, depois do julgamento congratularam-se com as absolvições do tribunal de Aveiro. Mudar a lei é que não.
Não se pediria mais nada senão uma réstia de coerência. Do fim da vossa lei que persegue as mulheres pede-se, só, que, se é "chocante", se "não querem apontar o dedo", se estão "pessoalmente divididos", se "são incapazes de condenar", não condenem! Se não querem condenar as mulheres, tirem a condenação da lei. Se não lhes querem apontar o dedo, deixem de as apontar como criminosas. Se vos choca que sejam presas, mudem a lei, mas não insultem a dignidade destas mulheres, não continuem com declarações piedosas ou "lágrimas de crocodilo". Os senhores são os acusadores de cada uma das mulheres que é julgada.
Dirão os Deputados da maioria que estão a tomar medidas, mas sabe-se que nada é feito.
Percebo, por isso, que o Sr. Primeiro-Ministro não venha hoje: não pode defender o Governo, não sabe dar explicações à Comissão, não sabe como calar Paulo Portas, não sabe como evitar os julgamentos.
Hoje, Portugal do século XXI, é, por isso, preciso um levantamento de alma para que a Democracia fale pela maioria do povo português e para que acabe esta vergonha.
Nesse dia, teremos mais orgulho num Portugal mais democrático e mais respeitador das mulheres.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, não quis interromper o discurso de V. Ex.ª, mas não posso deixar de considerar excessiva a sua apóstrofe ao Primeiro-Ministro como se estivesse "a monte". Essa é a expressão usual quando nos referimos a alguém que anda fugido à justiça, o que, manifestamente não é o caso, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

V. Ex.ª concordará comigo.
Tem a palavra.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, tem certamente razão. O Primeiro-Ministro não anda "a monte"; suponho que está perdido em algum corredor da sua residência oficial situada a 200 metros do Palácio de S. Bento…

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - São diferentes a expressão e o seu conteúdo.
Para uma intervenção, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Patinha Antão): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e Srs. Secretários de Estado: É a primeira vez que tenho a honra de me dirigir à Câmara no exercício de funções de Governo. Faço-o, sentindo-me ainda e sempre Deputado, com o profundo respeito que a Casa da Democracia nos merece a todos.
Sr. Deputado Francisco Louçã, interpelante desta manhã, devo dirigir-me a V. Ex.ª sublinhando dois ou três pontos com a serenidade que nos distancia.
Em primeiro lugar, não só o Sr. Primeiro-Ministro não anda "a monte" como não anda perdido. Para vosso conhecimento - e porque V. Ex.ª anda distraído -, ainda ontem esteve reunido com o Sr. Presidente da República e, se V. Ex.ª seguisse a actividade do Governo, saberia que essa sua flor de retórica vale o que vale.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O segundo ponto é a propósito do Sr. Ministro da Defesa.
Sr. Deputado, tranquilize-se: o Governo não tem vergonha do Sr. Ministro da Defesa; o Governo não tem vergonha de qualquer Ministro. O Governo é de coligação, tem um Programa sufragado nesta Câmara, exerce as suas responsabilidades e os seus compromissos com os portugueses, com serenidade, com elevação e com espírito democrático, e comparecerá nesta Câmara sempre que for necessário para debater com VV. Ex.as temas sérios de políticas públicas.

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O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Vê-se!

O Orador: - Sr. Deputado, com consideração e amizade, V. Ex.ª produziu nesta Câmara mais uma oração de sapiência numa matéria de que se considera perito, como psicólogo ou psicanalista das "direitas". V. Ex.ª revela um douto saber sobre estas matérias.
Estive a seguir a sua intervenção. Sendo tão profundo conhecedor das "direitas", como afirmou, permita-me que lhe faça uma recomendação com toda a serenidade: concentre-se V. Ex.ª no teor das interpelações que faz. É que V. Ex.ª disse, nesta Câmara, que a matéria desta interpelação ao Governo é a da interrupção voluntária gravidez, nomeadamente em relação ao cumprimento de uma resolução desta Assembleia sobre a matéria, em relação à qual o Governo está vinculado e sobre que vai dar contas.
Ora, tranquilize-se V. Ex.ª: os Secretários de Estado aqui presentes, entre os quais eu próprio, não se sentem náufragos, Sr. Deputado. Pelo contrário, sabemos nadar…

Risos do PCP e do BE.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Nadar?...

O Orador: - Sim! V. Ex.ª, nesta sua saga, teve de demonstrar se sabia ou não nadar! Lá iremos um pouco mais adiante.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo, nesta interpelação, está com uma postura completamente diferente da do Bloco de Esquerda.
O Bloco de Esquerda, no exercício de um direito regimental, entendeu interpelar o Governo sobre o tema dos direitos reprodutivos das mulheres, alegando um incumprimento de resoluções da Assembleia da República, bem como a violação do Direito Comunitário no caso do navio Borndiep.
Esta interpelação está marcada por dois estigmas.
O primeiro é o estigma do fiasco. O Bloco de Esquerda quis fazer do caso do navio Borndiep um afrontamento à soberania nacional e ao Estado de direito democrático.
Qual vate lusíada, o Sr. Deputado Francisco Louçã, ao embarcar no referido navio - e, por isso, pergunto se V. Ex.ª, Sr. Deputado, sabe nadar -, chegou até a dar voz de comando para a sua entrada nas nossas águas.
Esqueceu-se de que Portugal tem leis.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Esqueceu-se de que, em Portugal, as leis devem ser respeitadas.
Esqueceu-se, ainda, de que quem mais devia dar o exemplo do acatamento das leis é quem as faz.
As imprudências, Sr. Deputado Francisco Louçã, costumam pagar-se caro.
O Governo aplicou a lei. O tribunal considerou correcta essa aplicação e que a mesma não pôs em causa qualquer direito fundamental.
Saldou-se, pois, num fiasco a operação mediática que o Bloco de Esquerda quis montar.
O segundo estigma é o do oportunismo político.
Não obstante o fiasco, ou por causa dele, o Bloco resolveu-se por esta interpelação. Que sentido é que ela pode ter? Quererá o Bloco de Esquerda, por via dela, discutir as questões sérias que a interrupção voluntária da gravidez suscita?
Sr. Deputado Francisco Louçã, com consideração e amizade, toda a intervenção de V. Ex.ª mostra que não quer discutir este tema.
Pois bem, a postura do Governo é a de que devemos discutir estas matérias com serenidade, profundidade e elevação.
Entendemos que não devemos deixar passar esta oportunidade sem sublinhar: primeiro, que, como sempre, estamos disponíveis para o debate democrático, sério, sereno e profundo, nesta Câmara; segundo, que o Governo tem desenvolvido as acções a que se propôs nas várias políticas públicas que estão integradas na Resolução n.º 28/2004, de 3 de Março, da Assembleia da República.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta resolução tem apenas seis meses e, no entanto, já há matérias para avaliar a sua aplicação de forma isenta e objectiva.
Assim, na área da educação para a saúde, domínio fundamental da informação para a prevenção da interrupção voluntária da gravidez, surgirá em breve uma nova área disciplinar: Formação e Desenvolvimento Pessoal e Social.

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Já no presente ano lectivo, arrancará a formação dos professores. No ano seguinte, iniciar-se-á esta formação, de modo experimental. Seguidamente, será generalizada a todos os estabelecimentos de ensino - sublinho "a todos os estabelecimentos de ensino".
Salvaguardando a responsabilidade dos pais, esta área curricular dará uma particular prioridade à saúde sexual e reprodutiva, em linha com os melhores padrões europeus.
É indispensável envolver toda a sociedade portuguesa neste desafio central da modernidade, no dealbar do século XXI. Foi por isso que o Governo conferiu um novo impulso à celebração de protocolos com instituições particulares para tal vocacionadas, assegurando uma ampla pluralidade de abordagens.
O Governo acredita na capacidade criadora, no altruísmo e no espírito de consenso que anima as iniciativas da sociedade civil que já estão no terreno.
Por outro lado, posso desde já anunciar que o Governo facultará à Assembleia da República toda a informação que lhe vier a ser solicitada sobre o conteúdo e a execução destes protocolos e das acções em curso anteriormente referidas, porque o Governo acredita, também, que a construção de igual espírito de consenso nesta Câmara será da maior importância para vencermos juntos este grande desafio.
Assim:
Na área do apoio à maternidade, em que o País ainda tem tantas lacunas, especial prioridade está a ser dada, primeiro, à expansão da rede de creches e jardins de infância;…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … segundo, ao acesso prioritário às situações de maior vulnerabilidade, como são os casos das famílias monoparentais, das mães jovens e das mães estudantes; terceiro, à criação e ao desenvolvimento de centros de apoio à vida, encontrando-se em fase de implementação iniciativas locais de instituições particulares de solidariedade social que desejamos ver multiplicadas; quarto, à flexibilização de mecanismos de atribuição das licenças de maternidade e paternidade acrescidas que o novo Código do Trabalho, em boa hora, veio possibilitar; quinto, à profunda revisão e humanização dos procedimentos de adopção de crianças em risco.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pela importância dos valores éticos e humanos em causa, este último domínio justifica uma referência específica.
Não há ainda um ano que a Assembleia da República aprovou a lei que procedeu à revisão do regime jurídico da adopção.
Não obstante, a Comissão de Acompanhamento da Lei da Adopção pôde já, no seu relatório de 30 de Junho último, dar conta de resultados extremamente positivos - e sublinho "extremamente positivos" - na perspectiva dos direitos das crianças.
Deste modo, foram eliminadas as listas de espera para avaliação das candidaturas. Existem agora cerca de 3000 pais adoptantes que aguardam, ansiosamente, a oportunidade de oferecer um colo a essas crianças que dele foram privadas, quase sempre desde a nascença.
Por outro lado, face à aceleração do processo de avaliação de crianças adoptáveis, existem agora cerca de 1000 crianças nessa situação.
Vamos ter, pois, rapidamente, desfechos felizes e de esperanças mútuas, há tanto tempo desejadas e há tanto tempo requeridas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas isto não basta.
É necessário garantir que novos atrasos não se repetirão no futuro. Por isso, foram reforçados todos os mecanismos para que se cumpra um tempo médio de seis meses para adopção e para que a conclusão de todo o processo de adopção não exceda, em caso algum, 18 meses.
Como é evidente, esta reforma da adopção, pelo facto de já estar no terreno, com resultados palpáveis, traz à vivência da maternidade um sentido maior de responsabilidade e de realização humana.
Este novo olhar, mais responsável, mais orientado para os direitos da criança, é uma semente essencial para obtermos melhores resultados na política de planeamento familiar.
Quanto a esta área, cabe sublinhar, em primeiro lugar, que as farmácias garantem a dispensa de todos os meios contraceptivos previstos na lei.
Em segundo lugar, em relação à promoção da saúde sexual e reprodutiva nas suas várias vertentes, incluindo o planeamento familiar, cabe sublinhar, também, que a Direcção-Geral da Saúde está já a desenvolver um programa concreto de reforço dos meios colocados à disposição dos utentes, programa este que está enquadrado pelo novo Plano Nacional de Saúde que se acabou de aprovar para a próxima

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década. Cabe sublinhar que, neste Plano, os capítulos "Nascer com Saúde" e "Crescer em Segurança" constituem áreas de intervenção prioritárias.
Por último, estão a ser fortemente reforçados os projectos com unidades móveis, destinados a grupos vulneráveis.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mais podíamos ainda referir sobre o modo como o Governo está a cumprir a Resolução n.º 28/2004, aprovada nesta Assembleia, bem como o que, a este respeito, dispõe o Programa de Governo sufragado nesta Câmara. Mas cremos que o que antecede é bastante para demonstrar, sem margem para dúvidas, a forma séria, resoluta e empenhada com que o Governo tem assumido as suas responsabilidades neste domínio.
Estamos certos de que os portugueses, que neste momento nos ouvem, querem que a Câmara debata estes problemas e não os floreados mediáticos espúrios com que o Bloco de Esquerda habitualmente se deleita e, a fortiori, nos termos desta interpelação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - O Governo está pronto para, no período de perguntas deste debate parlamentar, aprofundar todas as vertentes das várias políticas públicas sectoriais que são relevantes, mas também não deixará sem a devida resposta toda e qualquer tentativa de recuperar para a ribalta política a "telenovela" do navio Borndiep.
À oposição cabe escolher. Aos portugueses cabe avaliar quem genuinamente se preocupa em resolver os seus problemas e quem se afadiga em dificultá-los.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Fugiu ao tema!

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - É sobre a ordem de trabalhos, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É que, caso contrário, não poderia dar-lhe a palavra porque a ordem do dia de hoje é muito pesada e não quero consentir pressões.
Tem a palavra para o efeito, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, faço esta interpelação à Mesa no sentido de recordar que acabámos de assistir a uma segunda ruptura da praxe parlamentar, na medida em que tivemos o Sr. Secretário de Estado a fazer a intervenção de abertura em nome do Governo e, constitucionalmente, o Sr. Secretário de Estado não tem competências próprias mas apenas competências delegadas.
Ora, como o próprio Sr. Presidente aqui afirmou há pouco, o Governo relaciona-se com a Assembleia da República através do Primeiro-Ministro e dos seus Ministros.
Portanto, Sr. Presidente, é para registar que estamos perante uma fraude à Constituição,…

Vozes do PS: - Muito bem!

Risos do PSD e do CDS-PP.

A Oradora: - … estamos perante um desrespeito pela instituição parlamentar.
Acaba de abrir-se um precedente gravíssimo na nossa Democracia. Por isso mesmo, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista espera que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares ainda venha a intervir, mas não fará qualquer pergunta aos Secretários de Estado aqui presentes.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Ah!

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O Sr. José Magalhães (PS): - Um dia destes ainda mandam cá um chefe de gabinete para responder a uma interpelação!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, entendo preenchido o requisito constitucional com a presença, na sessão de hoje, do Ministro dos Assuntos Parlamentares, que, aliás, por encargo legal, é quem usualmente estabelece a ligação entre o Governo e o Parlamento.
É natural que o Sr. Ministro use da palavra, mas, como a Mesa ainda não recebeu nenhuma inscrição, não posso antecipar se o fará.
Em todo o caso, os Ministros delegam competências nos Secretários de Estado que tutelam. Assim, naturalmente, o Ministro da Saúde terá delegado a competência no Secretário de Estado que acaba de intervir. Aliás, foi dentro deste princípio que lhe dei a palavra.
É muito frequente este tipo de participação de Secretários de Estado nos debates parlamentares.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não em interpelações ao Governo, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não posso dar garantias quanto a todos os precedentes que foram abertos em 30 anos de Democracia!
Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, igualmente para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, é para afirmar que estou muito sensibilizado com a preocupação demonstrada pelo Partido Socialista no sentido de querer ouvir-me.
Ontem, transmiti ao Sr. Deputado Francisco Louçã - e agora aproveito para transmiti-lo também ao Partido Socialista - que usarei da palavra durante o debate, em momento que o Governo entender como mais conveniente.
Peço desculpa à Sr.ª Deputada por a agenda e as intervenções do Governo não serem feitas de acordo com a sua vontade; elas são feitas de acordo com o agendamento e as prioridades que o Governo tem, não andando a reboque do Partido Socialista, nem de outro partido qualquer,…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… por muito que isso custe à Sr.ª Deputada ou ao Sr. Deputado José Magalhães, que aqui vi, durante alguns anos, a fazer algumas intervenções como Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e isso nunca me preocupou.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nunca no debate de uma interpelação ao governo!

O Orador: - Ó Sr. Deputado José Magalhães, isso é um factor de queixa que o Sr. Deputado deve ter do seu primeiro-ministro!... Os nossos Secretários de Estado têm a confiança do Primeiro-Ministro para falar em Plenário. Se o Sr. Deputado não tinha, é um problema que deveria ter resolvido com o seu Primeiro-Ministro.

Aplausos e risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe, mas não vou dar-lhe a palavra. Agora, vamos iniciar o debate.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, permita-me sobre esta matéria…

O Sr. Presidente: - Alguma tolerância…

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não, se trata de tolerância, Sr. Presidente. Não usarei qualquer figura regimental do tipo da defesa da honra.
As declarações do Sr. Ministro são perfeitamente descabidas. A opção que levou a que, nos governos anteriores, nunca a uma interpelação o primeiro-ministro indicasse como respondente um secretário de Estado foi o respeito pelas regras constitucionais. O Governo responde perante a Assembleia da República, faz-se representar nas interpelações desejavelmente com a presença do Primeiro-Ministro e, em certos casos, com a sua intervenção, assegura que a resposta se faz através de um ministro. Não o fazer significa

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uma desgraduação que tem um sentido político claro. E nós compreendemos esse sentido; o que dizemos é que é um sentido nefasto, grave, uma fraude à Constituição e um precedente e garantimos que nós nunca faremos isso na nossa Democracia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Pelos vistos, a declaração do Sr. Deputado é muito autorizada. Pela minha parte, confirmo o que já disse sobre essa matéria. Depois, cada um tirará as consequências políticas que muito bem entender das decisões do Governo. Mas o Governo é livre de as tomar e, contra isto, não posso, de forma alguma, pronunciar-me.
Para dar início ao debate, tem a palavra o Sr. Deputado Massano Cardoso.

O Sr. Massano Cardoso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A interpelação ao Governo, requerida pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, veio suscitar, mais uma vez, o debate sobre os direitos reprodutivos das mulheres e as medidas destinadas a preservar e a promover este vital campo da saúde. Vital porque dela depende a sobrevivência dos indivíduos, a qualidade de vida e, até, a própria perpetuação da espécie. A saúde reprodutiva envolve várias valências e etapas, as quais merecem a máxima atenção de todos os actores envolvidos. E são muitos os actores, desde, naturalmente, os protagonistas nucleares, passando pelos responsáveis da saúde, cientistas, diferentes organizações sociais e, naturalmente, os políticos, com as suas múltiplas funções reguladoras e determinantes da garantia do bem-estar.
Os direitos reprodutivos das mulheres não se cingem apenas à interrupção da gravidez, mas também à satisfação do natural e poderoso desejo de alcançar a plenitude da maternidade e da paternidade. Hoje em dia, a ciência propicia meios, nunca pensados, que permitem atingir este desiderato. As suas importância e operacionalização exigem medidas legislativas, as quais, em breve, também irão ser discutidas nesta Assembleia. Mas os direitos reprodutivos passam, igualmente, pelo respeito da biologia dos intervenientes, os quais são, e cada vez mais, sujeitos a agressões de índole variada, sobretudo de origem ambiental, com comprometimento do futuro da nossa espécie. Importa, pois, investir na formação e na educação de todos, sem excepção, de forma a contribuir para que a saúde não seja uma palavra vã.
Educar, informar e modificar comportamentos e estilos de vida, de acordo com o estado actual dos conhecimentos, é uma responsabilidade que o Estado não pode ignorar ou fingir que actua. Tem de actuar mesmo, a sério, de uma forma intensa e persistente.
Relativamente aos assuntos que estamos a discutir; o que é que tem sido feito na área da educação sexual? E na área do apoio à maternidade? E na área do planeamento familiar? E na área da interrupção voluntária da gravidez?

O Sr. José Magalhães (PS): - Nada!

O Orador: - São quatro áreas, todas elas importantes e que foram alvo, recentemente, de um projecto de resolução aprovado pela Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - E onde é que está o cumprimento do projecto?

O Orador: - Os princípios subjacentes à sua elaboração prendem-se com a necessidade não só de evitar gravidezes indesejadas e doenças sexualmente transmissíveis, mas também contribuir para uma sexualidade completa e feliz. Falar de sexualidade é falar de um dos mais poderosos impulsos de qualquer espécie que dela se socorre para se perpetuar. Há diferenças relativamente a outras espécies? Claro que há. Mas também há aspectos que são comuns. O impulso biológico reveste-se de importantes e diversos factores sociais e culturais, os quais sofrem modificações consoante as épocas e as culturas.
É preciso ter em linha de conta a necessidade de proceder a uma verdadeira educação sexual. Todos, ou quase todos, nos interrogamos por que não há sucesso, por que falham as iniciativas nesta área, como é possível, Srs. Membros do Governo, face a tantos instrumentos, técnicas e fontes de informação, não haver uma inversão dos indicadores que estão associados? Fatalidade? Claro que não!

O Sr. José Magalhães (PS): - Incompetência!

O Orador: - Há - e neste aspecto não temos dúvidas - fenómenos de transição sociológica que explicam, em parte, este desfasamento entre a interiorização dos conceitos e conhecimentos que estão ao

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nosso dispor e os resultados desejados. Exige tempo, muito tempo, por vezes, arrasta-se mesmo a nível geracional. Mas temos o dever e a responsabilidade de acelerar o processo.
Srs. Membros do Governo, o problema é que, também entre nós, existe um desfasamento entre o que se discute nesta Sala e a sua aplicação prática. Como pretende o Governo ultrapassar? Ou o que já fez para ultrapassar?
Da insuficiência resultante da formação, educação e intervenção nestas áreas resultam casos de gravidezes indesejadas. Nestes casos, muitas mulheres socorrem-se do abortamento. A legislação vigente criminaliza esta prática, à excepção dos casos devidamente tipificados.
A interrupção voluntária da gravidez constitui um dos temas - senão mesmo o tema - mais polémicos e complexos que já atingiu a nossa sociedade. A amplitude e a variedade das posições têm a ver com os diferentes valores e princípios professados por todos. Além das posições fortemente antagónicas, outras há que se perfilam ao longo de um eixo tradutor de um processo continuum que tem como ponto de partida o momento da fecundação e um outro ponto no qual cada um pretende definir as fronteiras da legalidade. Transformar um processo continuum, com limites variáveis de acordo com as convicções de cada um, num processo dicotómico - quando é que deve ser considerado crime e não crime, quando deve ser considerado como aceitável e não aceitável - não é tarefa fácil.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas é isso que se procura. E, para o efeito, cada grupo invoca as suas razões, a favor ou contra - com todas as nuances possíveis -, argumentando que são os detentores da verdade. Serão mesmo? Uma análise rápida dos argumentos aduzidos pelas várias correntes leva-nos à conclusão de que os diferentes componentes da verdade não estão, nem podem estar, focalizados numa só opinião;…

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - É verdade!

O Orador: - … estão, sim, distribuídos em fracções por todas elas. Mas, como não podemos contemplar todas, há que optar por soluções democráticas e, neste caso, já foi dado sinal para a possibilidade de ser realizado, futuramente, um novo referendo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A realidade portuguesa, no tocante à interrupção voluntária da gravidez, preocupa-nos. No entanto, não podemos deixar de enfatizar que a nossa legislação, sendo em tudo muito semelhante à da nossa vizinha Espanha e até mesmo mais liberal na questão de alguns prazos, não tem sido utilizada para, legalmente, dar cobertura à interrupção voluntária da gravidez.
Srs. Membros do Governo, custa-me acreditar que os médicos espanhóis sejam mais permissivos nestas matérias, ou mesmo que estejam a abusar. Fazem, sim, interpretação de que gravidezes indesejadas podem constituir fonte de graves problemas da esfera psíquica. O conceito de saúde é, como todos sabemos, muito amplo - e ainda bem -, não se restringindo às ameaças físicas. A saúde psíquica e a saúde social (tão esquecida) têm de ser tomadas em linha de conta. Não vale a pena afirmar que são formas encapotadas de justificar o que quer que seja, porque, se tal for feito, entramos no campo da moralidade. E, neste caso, citando Oscar Wilde, "um homem que moraliza é geralmente um hipócrita".
Como o nosso sistema político não é imune aos moralizadores, estes passam a constituir uma verdadeira ameaça, criando instabilidade, irritação e inflamação social, além de ansiedade e mal-estar na vida das pessoas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os debates são essenciais para a prossecução das adequadas medidas políticas. Ressaltam, de imediato, neste caso concreto, as diferentes opiniões suportadas pelos mais diversos argumentos. Nada a apontar, até porque as divergências são salutares, traduzindo posturas credíveis e respeitáveis.
Uma das vantagens dos debates, argumentos e contra-argumentos é lançar a dúvida no adversário. Óptimo! Assim como algumas das nossas posições poderão sofrer algum abalo, também os nossos argumentos não deixarão de semear alguma dúvida nos adversários, mesmo que não confessem. As pequenas ou grandes interrogações que ambos semeiam nos diferentes campos são muito importantes para o progresso e desenvolvimento da sociedade.
Quando as coisas decorrem desta maneira, podemos congratular-nos, porque traduzem maioridade e civilidade. No entanto, observamos, por vezes, que há individualidades que, em vez de exporem as suas opiniões de uma forma eloquente e veemente, como é seu direito, vão muito mais longe, querendo que os outros se

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submetam às mesmas. São os moralistas da política. Têm um perfil fácil de identificar, do qual se destacam, entre outros: a intolerância, a arrogância, a incapacidade de compreender a realidade das situações ou motivações, enfim, julgam-se donos e convictos de que a sua forma de ver é a única aceitável.

Aplausos do PSD, do CDS-PP e de Deputados do PS.

Risos da Deputada do PCP Odete Santos.

O Partido Social-Democrata não tem uma posição oficial sobre o assunto da interrupção voluntária da gravidez, nem pretende tê-la, permitindo que cada um, de acordo com a sua consciência, proceda, como bem aprouver, sobre a melhor solução para este problema, competindo, em última instância, aos nossos concidadãos a palavra final. É que, no nosso caso, a consciência sobrepõe-se à ideologia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Era bom que assim fosse!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Sónia Fertuzinhos e Francisco Louçã.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos. Dispõe de 3 minutos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Massano Cardoso, falando numa linguagem que o Sr. Deputado deve perceber bem, já reparou que os portugueses e, sobretudo, as portuguesas não contam com os senhores mesmo para nada?
O Sr. Primeiro-Ministro disse que debater a descriminalização do aborto era importante - e não está cá. Disse o Dr. Santana Lopes que o julgamento das mulheres portuguesas, por terem feito um aborto, o incomodava - e não está cá.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

A Oradora: - Disse que este debate, pela sua importância, estava sempre na agenda e em aberto e que deveria acontecer logo no início desta sessão legislativa - e não está cá.
O Sr. Primeiro-Ministro fugiu a este debate. E fugiu a este debate porque está preso a um acordo com o CDS-PP, que não lhe permite, nem aos Srs. Deputados do PSD, assumir livremente uma posição sobre a descriminalização do aborto em Portugal - e é essa questão que está hoje em cima da mesa.
O Sr. Primeiro-Ministro fugiu hoje, como a coligação tem fugido sempre, a resolver os problemas das portuguesas e dos portugueses.
Com este Governo e esta maioria, os portugueses só podem mesmo contar com as já conhecidas "conversas em família", porque, para além disso, já sabem - e sentem-no na pele - que, com dois anos e meio de governo desta coligação de direita, vivem pior.
Srs. Deputados da maioria, já repararam que não só não são capazes, como se viu hoje, de ter a coragem de alterar uma lei que, para além de levar as mulheres portuguesas a tribunal, não consegue mais nada, como têm falhado completamente o suposto combate às causas?
Com o vosso Governo, os portugueses e as portuguesas vivem pior: o poder de compra diminuiu, o desemprego aumentou e a pobreza atingiu níveis que já não se verificavam há muitos anos (22% da população de Portugal vive em risco de pobreza). E a única coisa que os senhores conseguiram fazer foi dificultar o acesso ao rendimento social de inserção.
Dois anos e meio depois de terem sido eleitos, os senhores não têm vergonha de dizer que ainda vão preparar uma disciplina obrigatória de educação sexual nas escolas?!
Não têm vergonha de dizer que ainda vão preparar um plano especial para reforçar o acesso ao planeamento familiar, que ainda vão fazer uma rede de centros de apoio à vida (o que quer que isso seja), sem que se perceba como, porque os cortes que fizeram no investimento público penalizaram e paralisaram completamente o aumento de infra-estruturas de apoio à família?
Os senhores não têm vergonha de a única saída que encontraram para este debate, a que tentam fugir a todo o custo, ser a encenação de uma maioria a exigir ao seu governo que governe?
Os portugueses merecem mais, Srs. Deputados! Merecem mais respeito. As mulheres portuguesas merecem mais respeito porque são elas que vão a julgamento, são elas que vão à barra do tribunal - e parece que os senhores querem esquecer isto. E os senhores não só não têm tido solução para isto como

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impedem que haja solução. Foram os senhores - é bom que se lembre - que "chumbaram" uma iniciativa popular para um novo referendo.
A arrogância, Sr. Deputado Massano Cardoso e Srs. Deputados da maioria, é vossa! A intolerância é toda vossa! A responsabilidade de ainda haver, em Portugal, julgamentos de mulheres pela prática de aborto é vossa!
E o problema do aborto não é nosso, não é da oposição;…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - … é das portuguesas e dos portugueses. Isso é absolutamente inadmissível e a vossa prestação neste debate é verdadeiramente lamentável.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Massano Cardoso, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou, em conjunto, no fim?

O Sr. Massano Cardoso (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, também por 3 minutos.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Massano Cardoso, a sua intervenção suscita-me duas questões. A primeira é uma questão de dignidade e de ética. Pergunto-me sempre - e perdoar-me-á a franqueza de lho dizer - por que é que os Deputados que são a favor da despenalização do aborto fazem o favor à Direcção do PSD e se prestam ao serviço de argumentar aqui pela continuação do quadro legislativo que persegue as mulheres que abortaram.

O Sr. José Magalhães (PS): - É lamentável!

O Orador: - É uma questão de consciência e de dignidade.
Estou certo de que sente a dificuldade, mas não consigo compreender por que é que oculta a sua opinião, quando hoje se pede a todos nós que digamos o que pensamos uma forma clara. No entanto, houve um momento em que o senhor o disse. Há seis meses, escreveu que a técnica permite que a interrupção voluntária da gravidez possa ser levada a cabo por profissionais no Serviço Nacional de Saúde com a segurança devida e que os Deputados entendem que "só não interrompe a gravidez quem não quer, restando saber as condições humanas, sanitárias e até emocionais". E por isso referiu, Sr. Deputado Massano Cardoso, que "a despenalização da interrupção voluntária da gravidez é uma medida penhor de várias justificações", dando várias justificações para essa despenalização: criar "condições dignas e medicamente seguras a mulheres que recorrem a amadores e a técnicas arcaicas"; interromper e "combater o vil negócio" do aborto clandestino.
O problema que aqui nos põe não é o de saber se vai haver um referendo no futuro; é saber como é que o senhor vota, cada vez que a sua consciência for chamada a pronunciar-se na Assembleia, numa lei, num referendo, ou como seja, e como é que diz aos portugueses que o vão eleger para votar. Como? Não é relevante saber se não tem posição, porque tem de ter.
O senhor é professor de Medicina. Não sabe que o aborto clandestino provoca mais cem vezes as complicações que o aborto legal, que aqui recomenda despenalizado no Serviço Nacional de Saúde, pode acarretar para as mulheres? Não sabe? Mas sabe, Sr. Deputado! Sabe que é um problema de saúde pública, sabe que é um problema de respeito pelas mulheres, sabe que é um problema essencial do qual não podemos fugir.
Que possa haver melhor educação sexual - e ainda bem! Haja um tutor na escola, haja creches, como nos vem dizer o Ministro que um dia virá a haver! Nada disto impede que continue a haver um aborto clandestino, que continue a haver um "vil negócio"! E, sobre isto, como médico, como profissional consciente e como cidadão, o que tem de fazer não é o malabarismo político, que lhe permite manter-se no PSD, para defender as posições com as quais concorda ou não, mas dizer-nos qual é a sua consciência - é a da sua declaração de voto ou é aquela que lhe permite vir falar em nome da bancada do PSD para que a lei não seja alterada?
O senhor é acusador das mulheres que continuam a ser julgadas. É acusador! Não o quer, lamenta esta situação - sei que a lamenta -, mas continua a ser acusador enquanto esta lei se mantiver.

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O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, gostávamos de saber como vai votar quando se discutir esta matéria. Vota pela manutenção da lei e do crime, ou vota pelo fim desta vergonha?

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Massano Cardoso.

O Sr. Massano Cardoso (PSD): - Sr. Presidente, começo por agradecer aos Srs. Deputados as perguntas e os comentários, apesar de a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos não ter formulado uma pergunta concreta mas tecido considerações.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Tenham vergonha!

O Orador: - Não temos vergonha nenhuma. Somos cidadãos de pleno direito, temos consciência dos problemas que atingem a nossa sociedade e não fugimos às responsabilidades, mas sabemos que esta matéria, que é, de facto, tão delicada, envolve valores, princípios que, realmente, cada um de nós tem dificuldade em exprimir. E, pessoalmente, não me sinto mandatado pelas consciências dos meus concidadãos para tratar destes problemas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E não me sinto porque não posso sentir!
Realmente, reconheço que há problemas que devem ser ultrapassados, mas ninguém discutiu aqui por que razão a lei em vigor nunca foi, na prática, aplicada como deve ser.

O Sr. José Magalhães (PS): - Discutimos, discutimos!

O Orador: - Por que é que nunca foi explorada? Por que é que não pressionaram? Por que é que não debateram este assunto? Porquê?! Porque, com a lei que está em vigor, se for devidamente explorada, compete-nos - a nós - resolver os problemas.
É uma vergonha uma portuguesa ter de ir a Espanha abortar? É uma vergonha?! É, porque a nossa lei permite. Eu, como médico, no caso de resultar algum problema de natureza psíquica, de forma irreversível, para a mulher, não tinha dúvida em o subscrever.
Agora, o que é que se passa na nossa sociedade? O que é que se passa com as nossas mulheres?

O Sr. José Magalhães (PS): - Boa pergunta. Respondam!

O Orador: - O que é que se passa com os nossos políticos - e isto é também com os senhores, que também lá estiveram e que estão aqui?

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!…

O Orador: - Não vamos, realmente, tentar encontrar situações imediatas, sem ultrapassar um conjunto de factores.
Sr.ª Deputada, como já lhe disse, não temos vergonha. Nestes aspectos como noutros, quando está em causa a dignidade das mulheres, a dignidade do ser humano, podemos ter diferenças na forma de resolver os problemas, mas não pomos em causa esse valor. Isso nunca!
Sr. Deputado Francisco Louçã, de facto, tenho opinião pessoal sobre esta matéria e, devo dizer-lhe, luto muito com ela, porque não tenho a facilidade de alguns dos meus colegas Deputados que, de uma forma tranquila, conseguem ter uma posição determinada.
Naturalmente, a minha posição pessoal é minha, não a posso expressar aqui, porque também não estou…

Protestos dos Deputados do PS José Magalhães e do BE Francisco Louçã.

Deixem-me falar, Srs. Deputados!

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Posso expressá-la como opinião pessoal, mas, estando a falar em nome do Grupo Parlamentar, poderia estar a violar a consciência de alguns dos meus colegas.
Em caso de eventual discussão e votação de uma proposta de lei ou de um projecto de lei, conforme for o caso, como o Sr. Deputado sabe, houve um compromisso pré-eleitoral ao qual todos nós estamos subordinados.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Falso!

O Orador: - Esse compromisso eleitoral, assumido pelo Partido Social Democrata, foi o de, durante a presente Legislatura, não ser abordado este assunto. Há necessidade de dar tempo ao que se passa com o resultado do referendo que teve lugar em 1998, porque esse resultado é uma expressão do povo, uma expressão democrática.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É falso!

O Orador: - Agora, pergunto: qual é o tempo que dura o resultado de um referendo? Não sei! Alguém é capaz de mo dizer?!
Há um aspecto muito importante em toda esta temática - e nisto estou de acordo consigo, Sr. Deputado Francisco Louçã -, o de que a sociedade se transforma e se altera. É preciso adquirir cultura; é preciso deixar passar um tempo; é preciso dar um tempo razoável para que as pessoas possam pronunciar-se novamente sobre estas matérias.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes). - O que é "um tempo razoável"?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - É 2004!

O Orador: - Eu não sei! O senhor sabe?! É capaz de dar-me uma justificação para isso? Eu não sei, e, portanto, não estou… Aliás, nestas matérias, em última análise, a palavra tem de ser dada à consciência de cada cidadão nacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Operária, 27 anos, casada;
Empregada de balcão, 34 anos, solteira;
Cozinheira, 29 anos, casada;
Cabeleireira, 36 anos, solteira;
Desempregada, 26 anos, separada;
Trabalhadora temporária, 25 anos, divorciada;
Doméstica, 18 anos, solteira;
Desempregada, 31 anos, separada;
Doméstica, 20 anos, casada;
Estas são algumas das mulheres que foram julgadas na Maia e a idade que tinham quando abortaram. Foi este Parlamento que decidiu que elas tinham de ser julgadas, é, agora, a este Parlamento e à democracia que cabe acabar com esta vergonha. É a cada um dos Deputados que lhes deve pesar na consciência estes dados e estas idades.
De cada vez que há um julgamento pelo "crime" de aborto, sucedem-se os lamentos: "Que não as condenavam!"; "Que ninguém lhes deve apontar o dedo!"; "Que não devem ser presas, nem julgadas!". A hipocrisia deste coro de lamentações chega a ser aviltante.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Quando confrontados com as suas posições, os Deputados da maioria recorrem sempre ao mesmo argumento: é preciso atacar as causas, a solução está na educação sexual. É verdade, ou, melhor, pelo menos é parte da verdade, e, por isso, não só não desmentimos como aplaudimos.

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Mas também é verdade que há 20 anos que a aposta na educação sexual serve de argumento para a absoluta inactividade e a total desresponsabilização das bancadas da direita sobre a saúde reprodutiva das portuguesas e dos portugueses.
É quase um ritual: cada vez que se discute a legalização da interrupção voluntária da gravidez, o planeamento familiar ou a contracepção de emergência quer o PSD quer o CDS-PP demonstram toda a sua crença, toda a sua fé, na importância de educação sexual em meio escolar - e fica-lhes bem. Pena é que esta preocupação só dure os escassos minutos de cada debate parlamentar.
Em 2000, dizia aqui mesmo, nesta Câmara, uma Deputada: "Sejamos francos e directos, o problema, no essencial, mantém-se e muitas são as mulheres que continuam a ter de recorrer ao aborto clandestino, que lhes causa danos humanos e de consciência incontornáveis. E tudo isto sucede porque, passado o tempo do referendo, nada de importante foi feito, nada de essencial foi alterado e nada de substantivo foi realizado". E concluiu esta mesma Deputada: "Nada de essencial foi feito porque também nesta matéria - ou sobretudo nesta matéria - a hipocrisia é mais do que muita".
Confesso que não seria capaz de dizer ou escrever melhor, e por isso faço minhas as palavras de Ana Manso, Deputada do PSD.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem lembrado!

A Oradora: - Não foi, aliás, a única Deputada a pronunciar-se.
Em Março de 2004, também nesta Câmara, a Deputada Leonor Beleza repetiu: "O conhecimento que temos da realidade das coisas e da vida demonstra que não há prevenção séria do aborto, seja qual for a lei que o regule, que dispense uma adequada protecção da família, uma cuidada educação para a sexualidade e um amplo acesso aos meios e serviços de planeamento familiar".
Ora, há 20 anos que existe legislação no nosso país sobre a educação sexual nas escolas; há 20 anos que as leis aprovadas pela Assembleia da República não são cumpridas. O resultado está à vista, e vai sendo confirmado, inquérito após inquérito, dado após dado: Portugal é o país da União Europeia com a segunda maior taxa de gravidez/adolescente e com um número crescente de infecção por HIV, SIDA e de cancro no colo do útero; em Portugal o uso da "pílula do dia seguinte" terá crescido mais de 40% nos primeiros seis meses deste ano; em Portugal as doenças sexualmente transmissíveis sobem, numa altura em que, em quase todo o continente europeu, diminuem drasticamente.
Somos também o País da Europa em que os jovens têm a iniciação sexual mais precoce, aos 15 anos, quase dois anos mais cedo do que na Holanda - na Holanda os jovens têm aulas de educação sexual desde o 1.º ano de escolaridade.
Estes números deveriam fazer o Governo corar de vergonha, mas o que vemos é que, por mais cambalhotas que o Governo dê, a pasta da educação sexual fica invariavelmente nas mãos de um dirigente do CDS-PP. Ora, foi exactamente o CDS-PP o único partido que votou desfavoravelmente esta lei de educação sexual.
A política da direita e da extrema-direita deste Governo tem sido sempre a de reforçar os movimentos pró-prisão nas acções de formação a professores.
Como é sabido, estes movimentos não aconselham a pílula, porque dizem - e cito - que "o adolescente é uma pessoa naturalmente desorganizada, por isso, não se pode esperar que tome a pílula todos os dias, a uma determinada hora". Mas também não aconselham o preservativo, porque dizem - e volto a citar - que "temos que ter em consideração que o adolescente está a sentir, pela primeira vez, determinado tipo de sensações e tem dificuldade de controlo" e que, por isso, "não vai colocar o preservativo correctamente". O ideal, recomendam estes movimentos, é o método natural de auto-observação. É o do calendário e o das temperaturas que é indicado como o caminho certo para adolescentes desorganizados e com dificuldades de controlo, mas certamente dispostos a viver o início da sua sexualidade, pendurados numa variedade de termómetros.
E vão mais longe. Dizem que "está cientificamente comprovado que este método é dos mais eficazes, mesmo ao mesmo nível que a pílula". O rigor científico destas afirmações está ao nível daqueles que defendem o criacionismo.
Contudo, a questão que é verdadeiramente importante e que devemos discutir hoje é a de que este movimento pró-prisão não está sozinho, nem chegou a estas posições ou a esta importância sozinho. Mariana Cascais, a ex-Secretária de Estado, dizia que os preservativos nas escolas "podem incentivar os miúdos, tendo à disposição este instrumento, a agir com mais confiança" e que a choca ver "os exemplos, a terminologia que se utiliza, as imagens que se projectam" nas salas de aula. Tudo isto poderia dar alguma vontade de rir, se não estivéssemos a falar de alguém que se ocupou desta pasta durante mais de dois anos.

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Os resultados estão, de novo, à vista. Os poucos números que já são conhecidos em matéria de educação sexual nas escolas são significativos: 75,3% das escolas responderam "não ter agentes educativos com formação adequada para promover a educação sexual". Depois das primeiras sessões de formação, aquando da entrada da lei em vigor, o Governo cansou-se, ou achou por bem refrear alguns entusiasmos, e andou-se para trás.
O programa de Promoção da Saúde, que, em 2000, estava a ser aplicado por 667 escolas e tinha como objectivo ser estendido a todas elas, está agora em "banho-maria". Este Programa era extremamente importante, acima de tudo porque representava um passo certo na articulação entre a educação e a saúde, através de equipas locais de apoio, de educação e de saúde. Também aqui se retrocedeu.
Hoje, só não vê quem não quer ver: a educação sexual tem sido apenas e só um alibi, uma fuga da direita para não mudar a lei. Que fique claro que terão sempre o nosso apoio para que haja, finalmente, educação sexual digna desse nome, e por isso mesmo iremos apresentar hoje um projecto de lei sobre esta matéria, mas não permitiremos que a usem, de novo - nem mais uma vez -, para impedir a descriminalização do aborto.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Esta câmara - e dirijo-me, em particular, aos Deputados da maioria -, cada um dos Srs. Deputados deve saber que, depois de terem impossibilitado, aqui, uma nova consulta aos portugueses, requerida por uma petição popular, depois de terem votado contra todas as propostas que descriminalizavam o aborto, são e serão directamente responsáveis por cada mulher que sofre os danos físicos e psicológicos do aborto clandestino.
É vossa a responsabilidade por cada processo público de perseguição policial, de arrastar para tribunal mulheres assustadas; é vossa a responsabilidade pela humilhação e a indignidade de as sujeitar a exames periciais para apurar o seu suposto crime.
Hoje já não há tempo para lamentos, não há tempo para qualquer tipo de coro de lamentos, porque estes lamentos não respondem às mulheres que não têm tempo para esperar, para as quais os acordos esotéricos de uma governação que não responde às suas vidas e às suas circunstâncias, porque nada quer dizer sobre a sua saúde, porque nada faz para que sejam tidas em conta as suas famílias e as suas escolhas, verdadeiramente já não interessam.
É destas mulheres, das que são julgadas e das que correm os riscos, abortando sem condições, que estamos a falar. Por isso, quero dizer-vos os nomes delas, das que estiveram na Maia, os seus nomes próprios, agora sem idades e profissões, porque o aborto é um assunto pessoal, privado: Fernanda, Elisabete, Fátima, Maria da Conceição, Maria da Graça, Sandra Isabel, Maria da Luz, Sónia, Maria Fernanda, Maria José, Rosa e Sandra. Foram todas julgadas na Maia.
São estes os nomes que os Srs. Deputados devem decorar. Foi por estes nomes que um barco esteve aqui, foi contra estas mulheres, contra estes nomes que a Marinha foi usada. É por elas que a lei tem de ser alterada - era bom que fosse desta vez.

Aplausos do BE e da Deputado do PS Sónia Fertuzinhos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já hoje aqui se reeditaram - a direita reeditou - argumentos de há muito tempo, desde 1982, quando o PCP, pela primeira vez, trouxe a debate as questões relacionadas com a maternidade, com a educação sexual, com o planeamento familiar e com a interrupção voluntária da gravidez.
São concepções morais. Quem na direita recusa a despenalização está a exigir que o Direito Penal, que se aplica a todos os cidadãos e cidadãs, adopte as suas próprias posições morais.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Foi por isso, seguramente, que o PSD "se viu ao espelho" nas palavras do Sr. Deputado Massano Cardoso. E este não é um problema de consciência, de liberdade de consciência dos Deputados, que, ao votarem, não têm de inquirir se eles são ou não contra o aborto. Têm é de olhar a realidade das mulheres portuguesas e de decidir, numa matéria que é, em primeiro lugar, de política criminal. Este é um problema de liberdade de consciência, mas é das mulheres que têm de tomar uma difícil opção.

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Bem cedo, a lei aprovada, em 1984, revelou-se desajustada, como na altura, em declaração de voto, dissemos.
Fruto de um vezo antifeminino, o espírito de barbárie que anima verdadeiras cruzadas contra as mulheres continua a exigir do Estado que o mesmo seja fautor de violência contra as mulheres e que as castigue para que, no dizer do actual Ministro das Finanças, "expiem as suas dificuldades morais na aceitação da lei". E vá de propor trabalho a favor da comunidade para que a estigmatização seja pública. É este o Ministro que retirou do Código do Trabalho a licença por aborto clandestino, recusando responder ao apelo das conferências do Cairo e de Beijing que apelaram a que as mulheres que recorrem ao aborto fossem tratadas com humanidade.
Temos um problema de saúde pública que não se trata com perseguições penais. A lei penal é ela mesma o suporte desse problema.
E porque é preciso acabar com a barbárie, o PCP - recordando - fez regressar ao debate na Assembleia, há uns anos, a necessidade de alterar a lei. Este percurso dos projectos então apresentados foi entretanto colhido por uma proposta referendária que subalternizou a legitimidade da Assembleia para resolver o problema e que foi uma moeda de troca. Ou seja, "dou-te um referendo e tu dás-me uns certos lugares no Tribunal Constitucional". Foi isto o que se passou!
Hoje está muito claro, mesmo para pessoas que em desespero de causa aderiram à tese referendária, que o PCP tinha razão: os direitos fundamentais das mulheres não se referendam; não se referendam direitos humanos básicos, que na área da sexualidade se chamam direitos sexuais e reprodutivos. Mas, como consta, por exemplo, do relatório apresentado, em 1999, pelo Comité de Peritos do Conselho da Europa, mais não são do que a tradução, nessa área, da sexualidade do direito à vida, do direito à privacidade e à vida familiar, sem intervenção do Estado, do direito à saúde e aos cuidados de saúde, do direito à informação, opinião e do direito à liberdade de expressão, do direito aos benefícios do progresso científico, estabelecido no artigo 27.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Estes direitos não são referendáveis.
Temos assistido, desde o referendo, a uma escalada repressiva contra as mulheres. Sucedem-se os julgamentos e declarações hipócritas dos movimentos antifemininos. Mas elas, as mulheres, continuam a ser investigadas, a ver exposta a sua intimidade na praça pública, continuam a ser vítimas da política criminal deste Governo que teima em manter a sua criminalização, apoiado naqueles movimentos antifemininos a quem distribui generosas verbas do orçamento da segurança social que sempre dão jeito para estas cruzadas, para fazer uns cartazes vergonhosos, para viajar até Amesterdão para propor um processo num tribunal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Este termo "cruzada" deve povoar amiudadamente os sonhos do Sr. Ministro da Defesa Nacional. Qual cavaleiro andante e errante em busca de indulgências, vê chegado o dia de combate aos infiéis - às infiéis, neste caso - e decide-se a "jogar à batalha naval, lançando corvetas contra uma casca de noz".
Mais do que o barco, o que ele quis foi sitiar as mulheres portuguesas, apontá-las como incapazes de tomar decisões responsáveis, necessitando por isso da sua tutela. Deus nos livre!
O despacho faz pasmar quanto aos seus fundamentos. "O barco punha em causa a saúde pública." - disseram.
Mas o problema de saúde pública existe aqui, dentro do País. As urgências dos hospitais falam-nos do drama das mulheres, de adolescentes, vítimas das proibições quanto à educação sexual, vítimas também das dificuldades de acesso ao planeamento familiar. Ficou a perceber-se, pelas explicações, um tanto atabalhoadas, do Secretário de Estado dos Assuntos do Mar, que o problema de saúde pública resultaria do uso da pílula RU 486, aliás, comercializada em quase todos os países da União Europeia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - Sejamos sérios! O fármaco comercializado na Europa com o nome de Mifégyne, distribuído pelos laboratórios Exelgyne, foi aprovado pela Agência Europeia de avaliação dos medicamentos de uso humano. Não pode ser verdade que a União Europeia tenha uma agência que aposta em criar problemas de saúde pública nos Estados-membros. E não é verdade que esta pílula esteja proibida em Portugal, como disse o Sr. Secretário de Estado. Tanta demagogia e tanto desconhecimento! A verdade é que não foi solicitada a sua comercialização, mas pode sê-lo até ao abrigo do processo de reconhecimento mútuo, e sê-lo-á porque a introdução desta pílula corresponde ao direito aos benefícios do progresso científico, constantes do artigo 27.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

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A decisão do Governo, através do Ministro da Defesa Nacional, é uma clara violação dos direitos sexuais e reprodutivos.
A proibição do debate começou a abrir caminho em nome da obediência cega que nos quiseram impor outrora. E o que querem aplicar aos estrangeiros - dizem que não podem pôr em causa a lei e que isso impediria, ou dificultaria, a aplicação em Portugal - pode aplicar-se a nós. Se isto pega, qualquer dia, não podemos exigir a alteração da lei porque se torna mais difícil aplicá-la às portuguesas.
E o que acabou por ser impedido foi, no fundo, o debate sobre as condições que as mulheres e os homens portugueses encontram para o exercício do direito à maternidade e à paternidade conscientes, porque é a falta dessas condições que determina dramáticas opções.
Este foi o mês da revelação terrível, de cifras negras para Portugal, hoje já aqui faladas - 2 milhões de pobres. É o País na União Europeia com maior taxa de pobreza persistente, de pobreza absoluta, ultrapassado pela Irlanda. E vem mesmo a jeito. É que o Sr. Secretário de Estado Patinha Antão, aquando do debate do Código do Trabalho, dava-nos sempre o exemplo da Irlanda como sendo um país de sucesso na aplicação das receitas neoliberais. Aí está o sucesso! É o primeiro país na União Europeia em taxa de pobreza absoluta!
Além disso, temos também um grande abandono escolar. E onde fica a educação sexual perante este abandono? A taxa é de 45% - Portugal é o líder! E, segundo disse a Presidente da Comissão Nacional de Protecção das Crianças, o que se vê é muito diferente do retrato que o Sr. Secretário de Estado Patinha Antão aqui nos trouxe. Lêem-se nos jornais queixas lancinantes sobre o aumento de crianças abandonadas por falta de condições das famílias para exercerem a sua função em relação a essas crianças. São crianças abandonadas, de gente pobre, a quem a lei da adopção, que não lhes dá condições para o exercício da maternidade, acenou com a retirada dessas crianças de uma maneira abrupta e desumana.
O Governo não respeita compromissos internacionais. Não respeita as plataformas de acção do Cairo e de Beijing. Não respeita a deliberação do Parlamento Europeu, que apelou ao fim da perseguição penal das mulheres. Não respeita a deliberação do Comité das Nações Unidas para a eliminação da violência contra as mulheres que instou Portugal a alterar a restritiva lei do aborto. Trata as mulheres com desumanidade.
Nesta cruzada serôdia, "a funda de David" arremessa-lhe o direito das mulheres à dignidade, porque as mulheres, mesmo que alguns dos Srs. Deputados não acreditem nisso, são seres humanos!

Aplausos do PCP e do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Quando, há algumas semanas atrás, o Bloco de Esquerda premeditou e promoveu a violação de uma lei aprovada democraticamente nesta Assembleia, onde Deputados seus têm assento, participou numa farsa política e tornou óbvia a interpelação que se lhe seguiria e que hoje apreciamos.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Participou numa farsa política que, de todo o modo, nos permite comprovar, como acolhido no seio dos partidos democráticos, que o Bloco de Esquerda procura ainda assim em alguns momentos contornar algumas daquelas que são as regras próprias do Estado de direito.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - De entre as funções dos Deputados, surge-nos à cabeça a função legislativa. Mas, num Estado de direito, a função legislativa pressupõe que, uma vez aprovadas as leis, as respeitemos até à sua alteração ou revogação, tanto mais que dos demais cidadãos não exigimos menos do que isso. E daí a farsa política. É que, nos seus actos, o Bloco demonstrou que aceita o jogo democrático e o respeito devido às leis que a maioria desta Assembleia aprova em cada momento, se e desde que na respectiva votação o Bloco não tenha sido parte vencida.
Mas em democracia, as coisas não se passam assim. Na sua farsa política, o Bloco de Esquerda, refém de um circo mediático de que depende cada vez mais para liderar o protagonismo rival das oposições, decidiu antecipar a discussão recorrente da liberalização do aborto que pretende com uma acção espectacular.

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Tudo pensado: um barco de pavilhão estrangeiro, dirigido por associações de circunstância, com um contentor feito clínica a fingir, deveria rumar a Portugal, para, atentando contra a soberania que a nossa ordem jurídica impõe, violar a lei e realizar abortos em alto mar.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Pelo caminho, o Bloco deixaria mais ou menos atordoada a demais oposição, que, perante os factos, apanharia o comboio possível, só para não ficar pelo caminho. E em boa verdade, quase tudo lhe correu bem, pelo menos no que toca à oposição.
O PCP e algum PS (dividido, neste caso, pelo impacto da surpresa), só acompanharam como puderam e às vezes caricatamente um Bloco que, perante a comunicação social, ia dando as cartas e mostrava à demais oposição quem mandava no jogo.
Mas, por outro lado, esqueceram-se que tinham de lidar com o Governo, um governo firme, e, nesta parte, o número já não lhes correu bem.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Quem manda no jogo do Governo é o CDS-PP!

O Orador: - Um Governo que, por estar consciente do seu dever perante a necessidade de fazer cumprir a lei e salvaguardar a soberania nacional, não hesitou na decisão e estragou-lhes o resto dos planos.
Munido de pareceres jurídicos da autoria, diga-se, dos melhores juristas portugueses, as autoridades, ponderadamente e como lhes competia, devolveram o Borndiep à procedência. Sem se deixarem intimidar por pressões mediáticas ou até pela força do "cartão de Deputado", tão decididamente invocado ao telefone pelo Deputado Francisco Louçã, "armado em comandante", que ao menos aqui usou de autoridade que tantas vezes o irritou ao longo da sua carreira política, as autoridades decidiram. Sendo que, porventura o mais importante e em compensação, o Bloco deixou cair a máscara e, deixando-a cair, ajudou a revelar aos portugueses que, perante a possibilidade de protagonizar mais uma luta política, a última coisa que importa a alguma esquerda e ao Bloco em particular é o interesse das mulheres ou o direito comunitário e muito menos os direitos reprodutivos que, para disfarçar, agora englobou nesta interpelação.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É que não pode estar a pensar no direito das mulheres quem se permite promover a realização de abortos em alto mar, num barco sem condições, com recurso a medicamentos que o INFARMED proíbe, e incapaz de fazer face a quaisquer situações de emergência que entretanto sejam suscitadas.

Vozes do PS, do PCP e do BE: - Não é verdade!

O Orador: - Como não pode estar preocupado com o direito comunitário quem assim agiu, apesar de conhecer uma decisão de um tribunal holandês que expressamente proibia a realização de abortos nas águas internacionais por este barco, exactamente por estar em causa a saúde das mulheres que a ele recorressem.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Isto para não falar de uma outra decisão mais recente que a propósito foi proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e que deu inteira razão ao Governo e não tanto ao Bloco de Esquerda.
É certo que, tal como sucede com as leis, para o Bloco também as decisões judiciais só deverão ser boas quando, porventura, sejam consigo concordantes e, deste ponto de vista, também legítimas.
Só que, mais uma vez, este é um problema que caberá ao Bloco de Esquerda resolver no conflito que às vezes vai travando com as regras do Estado de direito.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E de entre estas regras a de devermos considerar os tribunais portugueses igualmente competentes na aplicação da lei, independentemente da razão que nos seja dada. E isto porque ridículo é

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invocar, quando nos convém, a existência de tribunais em Portugal, para depois se dizer, quando não nos dêem razão, que afinal o que vale é a decisão dos tribunais europeus.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Curioso foi também notar como neste jogo político do "vale tudo" nem o PS conseguiu conformar o discurso com as regras da verdade. Ontem mesmo, no Parlamento Europeu, a Deputada Edite Estrela, secundada por alguns outros Srs. Deputados, convencida certamente de que o que lá se passa, por distante, aqui não é conhecido, argumentava com a forma inacreditável como o Governo português impediu a circulação de cidadãs holandesas tão bem intencionadas no território português… Devo reconhecer que estas intervenções só nos puderam fazer sorrir.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - As mulheres em tribunal também o fazem sorrir?!

O Orador: - É que à memória logo nos veio um episódio recente vivido pelo Deputado, desta bancada, Álvaro Castello-Branco, que, pretendendo debater a questão que estas senhoras diziam querer debater, se deslocou à Figueira da Foz precisamente para o propor. E curiosamente, verificou que essas senhoras, afinal, não estavam desconfortavelmente instaladas no alto mar mas num hotel da Figueira da Foz, beneficiando dos serviços de hotelaria que só os portugueses sabem proporcionar.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Exactamente!

Protestos da Deputada do PS Sónia Fertuzinhos.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Coitado! Até mete pena!

O Orador: - Isto para não falar já das lições dadas em directo, veja-se bem, com tanta oposição no que toca à liberdade de circulação do Governo português.
Mas, porventura, mais grave, e agora trago isto à colação, serão as declarações, as alarvidades que mais uma vez nos foram ditas pela Dr.ª Ana Gomes e que só a Dr.ª Ana Gomes é capaz de proferir.

Protestos da Deputada do PS Sónia Fertuzinhos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - "Alarvidade" é termo parlamentar, Sr. Presidente?!

O Orador: - Relativamente a elas - e vou citá-las -, seria bom que o Partido Socialista agora desse uma resposta.

Vozes do PS: - Quem tem de dar explicações são os senhores!

O Orador: - Perante a estupefacção do Parlamento Europeu, afirmou ontem a Dr.ª Ana Gomes: "Peço à Comissão que não ignore a utilização injustificada, excessiva e quase obsessiva do Governo português de meios de investigação criminal, judiciários e até militares no combate ao aborto e à informação sobre planeamento familiar". É bom que o Partido Socialista explique aqui em que ponto é que o Governo, violando o princípio da separação de poderes, usou meios judiciários e de investigação criminal para combater o aborto e o planeamento familiar em Portugal.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Porque, se não o fizer, terá de se responsabilizar por esta irresponsabilidade da Dr.ª Ana Gomes, perante a vergonha de toda a Europa e de todos os portugueses.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Vozes do PS: - É uma vergonha!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS-PP é um partido humanista e tolerante e que vem lutando, há muitos anos, pela afirmação dos ideais que defende.

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Vozes do PS: - É muito tolerante!…

O Orador: - A mesma tolerância que, por maioria de razão, nos confere profundo respeito por quem pense diferentemente.
Por esta razão, não nos furtamos a qualquer debate relativo a quaisquer questões, e julgo que hoje, aqui, o demonstrámos.
Mas exigiremos sempre o respeito pelo resultado deliberativo de todas as leis que após o debate tenham sido, ou venham a ser futuramente, aprovadas neste Parlamento. É isto que se espera de quem aqui, neste Plenário, se sente responsavelmente.
Neste caminho, o Bloco de Esquerda pode continuar a ser irresponsável, a apelar à desobediência civil, a tratar a lei "ao pontapé", causando um dano à justiça e à força das suas decisões que é difícil avaliar. Fica-lhe muito mal! Fica-lhe muito mal em democracia principalmente, mas assim vai dando mais razão à razão que sabemos ter. A razão que o povo nos reconhece e que este Plenário, nas suas deliberações, legitima.

Protestos do PS.

Por isso, continuaremos sempre assim, no nosso caminho, a combater a extrema esquerda do Bloco e da demais oposição que consiga influenciar, para que a sociedade portuguesa não se transforme exactamente no contrário daquilo que defendemos e que justifica a nossa eleição,…

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … por muito que nos insultem, por muito que nos pintem as sedes, por muito até que nessas pinturas instiguem à violência contra nós. Certos de que no nervosismo do Dr. Louçã e na incomodidade do Bloco de Esquerda constatamos o primeiro e o melhor dos sinais de que estamos certos de que estamos cada vez mais certos, sendo que assim seguiremos sempre.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, perdoar-me-á, mas preferiria que a palavra "alarvidade" não constasse do léxico parlamentar.

Aplausos do PS.

É bom mantermos uma linguagem cordata, e parece-me que há outras palavras que podem apostrofar as afirmações de que o Sr. Deputado discorda. Não esta, que me parece demasiado violenta, quando ainda por cima é dirigida a uma senhora.

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, naturalmente que retiro, a instâncias de V. Ex.ª, a expressão "alarvidade", e substituo-a obviamente por "irresponsabilidade", que é de todo manifesta e que certamente o Partido Socialista, através da sua bancada, saberá justificar.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Agradeço a atenção de V. Ex.ª.
Srs. Deputados, há vários pedidos de esclarecimentos.
Por ordem de inscrição, dou a palavra, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Gustavo Carranca.

O Sr. Gustavo Carranca (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, não idealizei a minha primeira intervenção nesta Câmara na sequência deste lamentável incidente, que, infelizmente, envergonha a todos nós portugueses.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - Hoje poderia aqui falar da resolução de 2002, aprovada no Parlamento Europeu, sobre direitos em matéria de saúde sexual e reprodutiva, a qual recomenda que a interrupção voluntária da gravidez seja legal, segura e universalmente acessível, a fim de salvaguardar a saúde das mulheres em todos os Estados-membros da União Europeia, mas não o farei.
Poderia ainda referir que Portugal é o único país dos 25 da União Europeia que coloca mulheres na barra do tribunal a fim de serem julgadas e condenadas por terem praticado abortos, mas também não o farei.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Isso é mentira!

O Orador: - Como político e Deputado, tenho a obrigação de lutar contra o facto de existirem mulheres em hospitais devido a abortos de "vão de escada" e tenho a obrigação de lutar para que a legislação existente seja alterada.
Sinto o dever de pugnar contra o facto de não se prevenir suficientemente estas situações-limite, contra o facto de o planeamento familiar ser pouco eficaz e contra o facto de a educação sexual nas escolas ser claramente insuficiente e, poderei mesmo dizer, ridícula.
A legalidade não está a impedir que outras pessoas, ainda que de outros países da Europa, possam livremente exprimir as suas opiniões em Portugal, como fazem no seu país.
A legalidade não se defende com barcos de guerra mas, sim, com o que é justo e com o que é correcto. Ora, o que é justo e correcto não precisa nunca, não precisa hoje, nem precisará no futuro de armas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Questiono desta forma o Partido Popular, no seguimento de um requerimento por mim entregue ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, para que nos explique, sem quaisquer demagogias, como é vosso timbre, as reais justificações para que o barco Borndiep não tenha entrado livremente em águas territoriais portuguesas, de acordo com as normas comunitárias no que concerne à livre circulação de bens e pessoas.
Para terminar, ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, que hoje não nos brindou com a sua presença (provavelmente, por falta de coragem de debater este assunto com o Partido Socialista e com esta Câmara), deixo aqui, apenas, a seguinte reflexão de Jacinto Benavente e Martinez: "Às vezes procura-se parecer melhor do que se é. Outras vezes procura-se parecer pior".
Hipocrisia por hipocrisia, prefiro a segunda.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado João Teixeira Lopes para pedir esclarecimentos, informo a Câmara que o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo fez saber à Mesa que responderá no fim a todos os pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra, Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, antes de mais, duas precisões em nome da mais elementar verdade: em primeiro lugar, o governo holandês certificou a clínica do Borndiep…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sim, mas Portugal não é Holanda!

O Orador: - … e permitiu que a pílula RU 486 fosse usada em alto mar e no território holandês.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - No território holandês?!

O Orador: - No território holandês, sim! E, como o senhor sabe, pelo Acordo de Schengen, também deveria ser aplicado nos restantes territórios.

Risos do CDS-PP.

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Não permitiu o aborto cirúrgico no mar, e isto parece-nos correcto.
Em segundo lugar, o medicamento não está proibido pela INFARMED, simplesmente não foi pedida a sua introdução no mercado.
Mas, de qualquer forma, Sr. Deputado, se o barco era tão perigoso que justificou a utilização de meios tão substanciais, por que razão lá foi o Sr. Deputado Álvaro Castelo-Branco, que teve ocasião, inclusivamente, de elogiar o tom dialogante com que decorreu a conversa, que disse que tinha sido um excelente debate, que gostaria até de ter visitado o próprio barco?! Que estranha atitude! Que duplicidade! Como é possível ter aqui um discurso tão radical,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não! O discurso não foi radical!

O Orador: - … tão punitivo e ter uma espécie de cortesia galante quando foi visitar as activistas holandesas?! É curiosa esta duplicidade que tão presente está no CDS-PP!
Fala o Sr. Deputado de circo mediático. O Sr. Deputado quer maior circo mediático do que as sucessivas conferências de imprensa do Dr. Paulo Portas e do que a utilização de meios de guerra, à custa do erário público, para aparecer nas televisões, para ser o paladino do ultraconservadorismo, para conseguir nichos de eleitorado, para se afirmar perante o Governo?! Isto, sim, é o pior circo mediático que pode acontecer! O Sr. Deputado diz que tratamos a lei a pontapé. O Sr. Deputado é que defende uma lei que trata as mulheres a pontapé,…

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - … e isto é grave. É muito grave!

Aplausos de Deputados do PS.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Mas foi aprovada aqui! É a lei!

O Orador: - Fala o Sr. Deputado em desrespeito pela democracia. Que democracia é esta onde não há decência, não dignidade e não há respeito pelas mulheres?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Que democracia é esta?!

O Orador: - Isto, Sr. Deputado, não cabe no seu conceito de democracia, já o percebemos e registamo-lo!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Por fim, também gostava de lembrar duas afirmações. Dizer que "o aborto é a restauração da pena de morte" é próprio dos mais conservadores dentro dos conservadores, e sul-americano, com certeza! Outra afirmação, a propósito de uma homilia de João Paulo II: "É um discurso punitivo e desinteressante, a propósito de questões éticas ou morais, como o aborto". Autor destas afirmações: Paulo Portas.

O Sr. Presidente: - O tempo de que dispunha terminou, Sr. Deputado. Agradeço que conclua.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
A duplicidade e a hipocrisia moram aí! A hipocrisia e a duplicidade serão certamente avaliadas pelo povo português!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - O Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, farsa é aquilo a que temos assistido nos últimos dois anos e meio de governação desta coligação.

Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.

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Farsa é o Dr. Paulo Portas enviar duas corvetas para alto mar, para patrulhar a perigosa ameaça dos criminosos que aí vinham, quando afinal era uma ONG,…

Vozes do CDS-PP: - Perigosíssima!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - E por ser uma ONG não pode ser criminosa?!

A Oradora: - … cujos objectivos eram a divulgação, o debate, o aconselhamento, a informação e não a prática do aborto.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Farsa política, Sr. Deputado, é o que os Srs. Deputados da maioria aqui nos trazem ao quererem fazer esconder ao País que têm medo deste debate, que não querem este debate.

Vozes do CDS-PP: - Medo?!

A Oradora: - E desculpe, Sr. Deputado, que lhe diga, mas os termos em que se referiu à Eurodeputada Ana Gomes são inadmissíveis em democracia!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Inadmissível é a afirmação da Eurodeputada Ana Gomes! É inconcebível!

A Oradora: - São inadmissíveis! A Eurodeputada Ana Gomes pediu, no Parlamento Europeu, que a Comissão Europeia se encarregasse de se preocupar com este problema.

Aplausos do PS.

A Oradora: - Mais, Sr. Deputado, como é que responde àquilo que disse ontem a Comissária do Ambiente, Margot Wallstrom, que salientou que quando uma recusa como esta acontece com base em pressupostos legais (que não foi o caso)…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não foi?!

A Oradora: - … têm, de qualquer forma, de ser respeitados os direitos fundamentais, como o direito de expressão e o princípio da proporcionalidade? Acha o Sr. Deputado que foram utilizados os meios proporcionais nesta aberrante decisão…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Aberrante?!

A Oradora: - … de não deixar entrar o navio Borndiep!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Segunda questão, Sr. Deputado: o que é que o Sr. Deputado tem aqui a dizer sobre esta matéria? Isto porque farsa é não responder aos 20 000 abortos clandestinos em Portugal. Farsa é o PP não ter uma palavra a dizer sobre as cinco mulheres que por ano morrem em Portugal, vítimas de aborto clandestino.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Farsa, Sr. Deputado, é não responder aos problemas das 5000 mulheres que são hospitalizadas devido a complicações que resultam desses abortos, acabando, duas a três, por morrer.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Isso é demagogia!

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A Oradora: - Farsa, Sr. Deputado, é aquilo a que temos assistido, que é o PSD ir a reboque do PP e o Dr. Paulo Portas impor as suas convicções pessoais àquelas que são as convicções da democracia, a Constituição e o respeito pelos direitos fundamentais.

Aplausos do PS e do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, que dispõe, para o efeito, de 5 minutos, beneficiando de tempo cedido pelo PSD.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, antes de mais, muito obrigado por me ter repetido, por ter reconhecido perante a Câmara que o barco que o Bloco de Esquerda quis trazer ao mar territorial português para realizar abortos contra a lei não estava em condições de os fazer, estava proibido de os realizar fora das águas territoriais holandesas,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - … esquecendo-se apenas de citar a parte da sentença que justifica essa proibição, quer o risco para a saúde das mulheres que a ele recorressem.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - É mentira!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, também nesta lembrança, obrigado por reconhecer que nessa iniciativa do Bloco de Esquerda pôs em risco a integridade física e a vida de mulheres portuguesas, independentemente de qualquer discussão que em tese possamos ter sobre o aborto, a sua descriminalização, despenalização, liberalização ou aquilo que o senhor queira.
O senhor pode querer organizar aí um circo mediático, acções espectaculares para suscitar a atenção para um debate que aqui acabou por trazer, não pode é, para suscitar esse debate, para conseguir esse propósito, pôr em risco a vida de mulheres que, nessas circunstâncias, não fosse essa acção, não o correriam.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Obrigado, também Sr. Deputado João Teixeira Lopes, por reconhecer aqui, no seu silêncio, que a acção foi promovida pelo Bloco de Esquerda. Compreendo que outra coisa não pudesse fazer. Pena é que não o tenha assumido desde o primeiro dia!
E perante o silêncio daqueles que não querem ver o óbvio, perante o silêncio daqueles que não vêem em algumas dessas associações, precisamente o Bloco de Esquerda e as pessoas dos seus dirigentes, lembro (porque, quanto mais não seja, fica registado em Acta para análise futura) que Manuela Tavares e Helena Pinto são membros, respectivamente, da Comissão Executiva e da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda e também dirigentes da UMAR, a mesma UMAR que, em tempos, se chamou União das Mulheres Antifascistas e Revolucionárias - braço feminino da UDP agora integrada no Bloco de Esquerda -…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … mas que, curiosamente, a própria, no seu curriculum vitae, omite, pelo menos nesta designação, referindo apenas que é dirigente da União das Mulheres de Alternativa e Resposta desde a data em que a designação não era esta, o que não deixa de ser significativo.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Os serviços secretos estão a funcionar!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado Francisco Louçã, neste reconhecimento também, muito obrigado, mas de futuro não tome os outros por parvos. Não julgue que nessas iniciativas, que ficam bem para consumo da comunicação social, leva os outros na ingenuidade e que principalmente aqueles que aqui também fazem política não percebem exactamente aquilo que querem alcançar.

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Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, gostaria de dizer-lhe que não me ocorre nada de inadmissível que eu tenha referido relativamente à Dr.ª Ana Gomes.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Fala dos outros, mas não fala de si!

O Orador: - Inadmissível, por vezes, é a Dr.ª Ana Gomes em democracia, pelo menos em algumas expressões que utiliza.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, Sr.ª Deputada, nestas circunstâncias, dessa bancada, a senhora também representa institucionalmente o Partido Socialista.
O que não é admissível, em democracia, neste Plenário, ao Partido Socialista, com seu passado, com o seu sentido de responsabilidade e com os exemplos e a participação que tem dado à democracia portuguesa, é que a Sr.ª Dr.ª Ana Gomes, perante o Parlamento Europeu inteiro, afirme que o Governo português utiliza meios judiciais de investigação criminal no combate do que quer que seja, e portanto com violação do princípio da separação de poderes,…

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Foi demonstrado no julgamento!

O Orador: - … e o Partido Socialista, perante o silêncio dessa bancada, perante esta irresponsabilidade, apenas pretenda usar de uma ofensa por interposta pessoa. Certamente que, perante aquilo que também hoje eu aqui disse, a Dr.ª Ana Gomes há-de saber defender-se.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por último, gostaria de dizer, como comecei, que o CDS não se furta a qualquer debate.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Responda às minhas questões!

O Orador: - Sobre o debate em concreto, com essa expressão tão temerosa, às vezes de circunstância, que a Sr.ª Deputada usa, quando quiser debater a questão do aborto, da liberalização do aborto, da descriminalização do aborto, da despenalização do aborto, da manutenção da actual lei ou do quer que seja, como qualquer outra questão, terá sempre, nesta bancada, Deputados prontos a debater e a fazerem valer as suas posições, sendo que, se a Sr.ª Deputada, nesse debate, tiver vencimento, das leis que aqui aprovarmos terá sempre o nosso respeito. Portanto, o que lhe peço é que não faça menos do que isso e principalmente não faça, por exemplo, a figura triste que a Dr.ª Jamila Madeira, hoje Deputada europeia mas que já se sentou nessa bancada, fez quando subiu ao barco para fazer aquilo que fez, na base da violação de uma lei que é nossa e perante a confrontação que quis do Governo português e das autoridades portuguesas numa decisão que foi legítima e que, posteriormente, os tribunais portugueses confirmaram.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - É sobre a ordem dos trabalhos, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não vejo que haja razão para isso, de qualquer forma tenho curiosidade de ouvir o que a Sr.ª Deputada quer dizer.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Tenho o Sr. Presidente como uma pessoa que respeita o Parlamento, e presumo que estava distraído como eu também estive atenta.

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O que o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo aqui acaba de dizer é lamentável mas é para a democracia.
Acusar a oposição de ter atitudes temerosas, de ser lamentável, de envergonhar este Parlamento não são expressões que devam ser utilizadas.
Quero, portanto, interpelar a Mesa para, através do Sr. Presidente, explicar ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo que também estamos num debate sobre a despenalização da interrupção da gravidez e dizer que às minhas perguntas nada respondeu.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, registo o facto de V. Ex.ª ter-se considerado esclarecida pela intervenção do Sr. Deputado.
Quanto aos adjectivos que citou, com toda a franqueza, eles são tão correntes no nosso léxico parlamentar…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Claro!

O Sr. Presidente: - … que sobre eles não tenho qualquer obstáculo. Tenho pena. Procuro manter, com muito empenho, um debate cordato, mas não me parece que esses adjectivos ultrapassem aquele risco que a mim próprio marquei.

O Sr. José Magalhães (PS): - É uma questão de estilo!

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, o meu princípio é muito elevado, pode estar certo. Mas, apesar de tudo, consente muitas das observações de V. Ex.ª.

O Sr. José Magalhães (PS): - Estava a referir-me a eles, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Elevemos o debate nesta Câmara e saibamos estar à altura do problema a que, hoje, o Governo e os Deputados da maioria são convocados a responder pelo Bloco de Esquerda convoca.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a ausência dos membros do Governo, isto é, a ausência do Sr. Primeiro-Ministro e do Ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar só pode colocar-nos uma questão: de que têm medo o Primeiro-Ministro e o Ministro Paulo Portas? De se desautorizarem aqui no Parlamento? É que, enquanto o Sr. Primeiro-Ministro diz que é preciso reabrir o debate sobre o aborto clandestino em Portugal, o Ministro Paulo Portas envia corvetas para guardar o barco, não fosse haver criminosos de alto risco a bordo do Borndiep.
Em 10 anos de democracia, em 10 anos, é a primeira vez que o Primeiro-Ministro não está presente numa interpelação ao Governo. É um desrespeito - reafirmo - ao Parlamento, à instituição democrática Assembleia da República e, acima de tudo, é uma fraude à Constituição.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal está hoje numa lista negra, extremamente reduzida, na União Europeia, a dos países em que as mulheres são vítimas de um flagelo social e de um grave problema de saúde pública, por força de um Código Penal que tem um artigo anacrónico.
Esse anacronismo penal, como sempre acontece com as leis cuja legitimidade não é reconhecida pela sociedade, não faz com que as pessoas deixem de fazer o que acham que devem fazer, faz apenas com que sejam forçadas a fazê-lo ilegalmente, excepto as que têm condições para atravessar a fronteira e fazê-lo em Espanha.
É um anacronismo penal que empurra, todos os anos, milhares de mulheres para a clandestinidade, para as clínicas que recebem só de noite, para as declarações humilhantes de que tudo o que se vai passar é espontâneo, mas, sobretudo, para as mãos de pessoas sem formação, para locais sem condições higiénicas mínimas e para a auto-administração de substâncias sem a informação adequada.
É um anacronismo penal que mata: mata 5 mulheres/ano. É um anacronismo penal que fere: provoca 5000 internamentos por complicações surgidas de abortos mal feitos. Acabar com esse anacronismo é urgente.

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Eugénio de Andrade, premonitoriamente, há quase 50 anos escrevia: "É urgente o amor./ É urgente um barco no mar./ É urgente destruir certas palavras,/ Ódio, solidão e crueldade,/ Alguns lamentos,/ Muitas espadas".
Por que espera o Dr. Santana Lopes para acabar com os lamentos e as espadas sobre a cabeça das mulheres condenadas à clandestinidade por este anacronismo penal, se até o próprio já reconheceu que a realidade não é estática? Mas logo teve que desdizer-se, sob a pressão do seu parceiro de coligação, também ele anacrónico.
A interrupção involuntária do discurso do Primeiro-Ministro sobre esta questão tem responsáveis: por omissão, os Srs. Deputados do PSD que, apesar de terem como cidadãos posições abertas, aqui obedecem a uma disciplina do silenciamento das suas convicções; por acção, a dos amigos fundamentalistas do Sr. Ministro Paulo Portas.
Por vossa causa a intensidade deste problema grave de saúde pública não abranda. Devo, é certo, saudar a vigorosa militância dos pequenos grupos de extremistas que manietaram o PSD. Mas também é tempo de não voltarmos a cair nos truques com que, nesta Assembleia, têm procurado iludir as questões fundamentais, como, há pouco, tivemos ocasião de observar.
Para não nos dizerem, olhos nos olhos, que desvalorizam o sofrimento feminino, refugiam-se numa falsa dicotomia entre planeamento familiar e aborto. Nunca aqui vi qualquer proposta de adopção do aborto como método de planeamento familiar,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - … o que vi, sim, foi tornarem-se entusiastas de circunstância com esse planeamento familiar, que desaparece imediatamente a seguir a estes debates. Entusiasmos que frequentemente escapam à substância da questão do próprio planeamento familiar.
Não nos venha falar de planeamento familiar quem defende a restrição do acesso à pílula, quem quer impor como métodos preferenciais os das suas convicções, por sinal os mais inseguros. Não fale em nome do planeamento familiar quem ainda hoje quer restringir a distribuição de preservativos. Esses, e alguns são Deputados nesta Câmara, não são apenas defensores de uma norma penal anacrónica, são também inimigos do planeamento familiar, e inimigos perigosos, porque o combatem em seu nome, porque se propõem fazer educação sexual nas escolas, que é uma mera propaganda dos tenebrosos "métodos naturais".
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A questão que aqui estamos a discutir poderia já não ter de se colocar. Todos sabemos que este Parlamento já adoptou uma vez uma medida que resolveria o problema, mas, em nome da prudência, preferiu-se esperar para ver.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No entanto, continuam a desrespeitar, no Governo, as sucessivas recomendações da Assembleia da República, e, embora a ausência, pela primeira vez em 10 anos, do Sr. Primeiro-Ministro numa interpelação ao Governo nos faça temer o pior, o envio a este debate do "ministro bombeiro",…

Risos do BE.

… o Ministro Rui Gomes da Silva, acompanhado apenas de Secretários de Estado, demonstra o total desrespeito pelo Parlamento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Com este Governo os Ministros só querem fazer propaganda na televisão, têm medo do contraditório democrático. Ou será que o Dr. Santana Lopes e o Dr. Paulo Portas já entraram em reflexão e estão agora, por fim, a estudar o dossier do flagelo social e de saúde pública do aborto?!
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, importa-se de dizer ao Sr. Primeiro-Ministro, que hoje aqui não veio por, nas suas palavras, não ter nada para dizer, que leia a última entrevista do reputado Dr. Albino Aroso a O Independente da semana passada?

O Sr. José Magalhães (PS): - Boa ideia!

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - Importa-se de lhe perguntar, em meu nome, se nada tem a dizer quanto a morrerem em Portugal mulheres condenadas pela clandestinidade do aborto sem condições de segurança? Importa-se

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de lhe perguntar por que dados espera para estar em condições de ter algo a dizer sobre este assunto? É que eu não me importo de lhos coligir rapidamente, se na "floresta" de assessores, de secretárias e de assessores de imprensa que o rodeia não houver alguém com um tempinho que seja para o fazer.

Vozes do PS e do BE: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos de Mar, onde quer que esteja, importa-se de explicar ao País e de vir explicar ao Parlamento por que é que nunca dá a cara nesta Câmara, mas a põe à frente das câmaras televisivas? E, já agora, aproveite para reconhecer que Tribunal Administrativo de Coimbra considerou o seu Secretário de Estado incompetente para o despacho que proferiu sobre o navio Borndiep.
Sr. Ministro da Saúde, também onde quer que esteja, certamente a ver-nos através do Canal Parlamento, o seu colega Ministro da Defesa Nacional, através do Sr. Secretário de Estado para os Assuntos do Mar considerou, numa entrevista televisiva, que o Borndiep constituía uma ameaça à saúde pública. Importa-se o Sr. Ministro da Saúde de nos dizer em que dia recebeu o relatório da Inspecção da Autoridade Sanitária Nacional de Saúde em que se fundamentou? Pode, por favor, fornecê-lo, ou pedir nos gabinetes que o forneçam a esta Câmara, ou que no-lo mandem mais tarde?
Deixemos de lado as trapalhadas desta coligação. Combatamos os anátemas com que a direita brinda os defensores da interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Trapalhada é a da Dr.ª Ana Gomes!

A Oradora: - Sou uma defensora desta causa, e é a essa luz que não quero que se use o aborto como método de planeamento familiar e que se pense no aborto como um acto fácil. É um acto sofrido. É um acto que deve ocorrer quando estritamente necessário e após rigorosa ponderação. Não acho que a esmagadora maioria das mulheres que abortam se orgulhem de ter de o fazer. Mas não as quero duplamente humilhadas, pela situação que as força a algo que lhes dói e pela perseguição judicial em que incorrem se não puderem atravessar uma fronteira, num espaço em que são livres e sem restrições.

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - E as crianças?!

A Oradora: - Também não quero que se façam escutas telefónicas a mulheres que falam para clínicas ginecológicas; não quero que se façam exames ginecológicos, à ordem da polícia, a mulheres que saem de estabelecimentos de saúde; não quero que um agente da autoridade aborde uma cidadã e lhe pergunte se abortou e qual foi a causa do facto; e não quero ver o meu país no ridículo na cena internacional por enviar a Marinha ao encontro de um barco de activistas de uma causa, por muito que não goste das causas da tripulação de cidadãos europeus desse barco.
Não quero ver o meu país ter de dar explicações à Comissão Europeia, ao Parlamento Europeu ou ao Governo de outro Estado-membro da União Europeia por impedir um barco pacífico de entrar em Portugal, por muito que não goste das suas causas.
No entanto, ainda ontem, como já aqui tive oportunidade de citar, vimos as explicações da Comissária Wallstrom, que anunciou ao Parlamento Europeu que irá pedir explicações sobre este episódio infeliz ao Governo português. A decisão não é a última, o debate continua na senda europeia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo português envergonhou-nos na comunidade internacional, confundiu um pequeno navio com médicos e enfermeiros com uma perigosa ameaça.
Mas o episódio do Borndiep deixou também bem claro que este Governo não gosta das regras da União Europeia a que pertence. Todos nos lembramos do tempo em que o Dr. Portas dizia alto o que agora, pela calada, motivou o despacho do seu Secretário de Estado: quer o populismo anti-europeísta goste ou não, estamos sujeitos às regras do Acordo de Schengen; o Estado Português está obrigado aos tratados internacionais e ao direito comunitário.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Se a questão não fosse muito séria, havia apenas a lamentar que o Sr. Ministro Paulo Portas, com a cobertura do Sr. Primeiro-Ministro, protagonizasse a ridicularização momentânea de Portugal, mas o assunto é sério.
Sr.as e Srs. Deputados do PSD, repito aqui o apelo que vos fiz na reunião da Comissão Permanente de 2 de Setembro: por que esperam para se desamarrarem do acordo com o Partido Popular, digo, populista, que ata a vontade da grande maioria dos portugueses à pequena minoria que votou no Paulo Portas? Que data mágica os leva a pactuar, até 2006, com este extremismo?

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Neste lamentável episódio, fica mais uma vez evidente qual é a verdadeira dinâmica desta maioria: o Ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar "mete água", o Primeiro-Ministro "sacode a água do capote".

Aplausos do PS.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr.ª Deputada, mas primeiro tenho de dar a palavra ao Sr. Deputado João Pinho de Almeida para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarino Mendonça, quero suscitar duas ou três questões, algumas delas como comentário da Sr.ª Deputada.
A primeira tem a ver com declarações do Secretário-Geral da Juventude Socialista, que, a propósito desta matéria, disse que tinha vergonha de ser português.

Vozes do PSD: - Deve ser holandês!…

O Orador: - Julgo que uma declaração deste género de um responsável político, principalmente de um líder político de juventude, não pode passar sem comentário, porque ter vergonha de ser português é muito mais do que concordar ou discordar de uma lei. Por isso, quero perguntar à Sr.ª Deputada se considera ou não totalmente irresponsável uma declaração deste género proferida por um responsável político, ainda por cima líder de juventude.

Protestos do PS.

A segunda questão que quero pôr à sua consideração é a seguinte: como é que enquadra, à luz da ordem jurídica portuguesa, o outro compromisso que o Secretário-Geral da Juventude Socialista assumiu de alugar um barco para que mulheres portugueses se deslocassem ao alto mar para fazer os abortos? Como é que a Sr.ª Deputada qualifica este comportamento, à luz da legislação portuguesa?

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - É ou não é ilegal, é ou não é criminosa, esta atitude do Secretário-Geral da Juventude Socialista? Concorde-se ou discorde-se da lei, ela existe e os comportamentos têm de ser analisados à luz da lei existente.
Depois, peço-lhe uma outra confirmação em relação a uma declaração da Eurodeputada Jamila Madeira, que disse, ontem, no Parlamento Europeu que, em Portugal, uma em cada quatro mulheres, pelo menos, já fez um aborto clandestino. Quero perguntar-lhe em que estudo é baseada esta declaração e ainda (no caso de a Sr.ª Deputada não dizer qual é esse estudo) se vai assumir que, mais uma vez, é uma declaração demagógica e irresponsável da Deputada Jamila Madeira.

Protestos do PS.

Como a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça é socialista, pergunto-lhe ainda qual é o seu comentário às recentes declarações do Primeiro-Ministro Tony Blair, também socialista, que, comentando os avanços da ciência em relação à investigação da vida intra-uterina, disse que, se a situação mudasse, seria prudente que também se reanalisasse a legislação em vigor,…

Protestos da Deputada do PS Luísa Portugal.

… ou seja, admitiu rever a legislação do aborto em sentido exactamente contrário àquele com que os

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senhores a querem rever em Portugal.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Essa é a sua opinião!

O Orador: - Mas com certeza que a Sr.ª Deputada também não gosta do Presidente Bush, deve mesmo ser daquelas pessoas que o detestam.

Risos do PS.

Está no seu direito! Portanto, deve rever-se no candidato Senador John Kerry, deve considerá-lo um bom candidato. Pergunto-lhe, pois, como é que comenta a frase do Senador John Kerry, que disse, anteontem, que a vida começa no momento da concepção? Também se revê nela? Gostaria de ter o seu comentário sobre essa frase.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Protestos do PS, do PCP do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, se a questão que nos traz a este debate não fosse de total melindre, eu diria que o Sr. Deputado, mais uma vez, nos dá um presente, neste Parlamento: é o melhor de quem desconhece, por absoluto, o que se passa em Portugal!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - O quê?!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Demagogia!

O Sr. José Magalhães (PS): - Autismo!

O Orador: - Devo dizer-lhe o seguinte: a hoje Eurodeputada Jamila Madeira, para apresentar esses dados, fundamentou-se num inquérito à fecundidade em Portugal, feito pelo INE.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Distribuam-no!

O Sr. José Magalhães (PS): - Há muito que está disponível!

A Oradora: - Se o Sr. Deputado o desconhece, não sei! Mas, Sr. Deputado, deixe-me repor aqui a verdade e sejamos sérios neste debate.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Ouçam, Srs. Deputados!
Sr. Presidente, assim não é possível continuar!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor, deixem ouvir a Oradora. Tem pleno direito a expor as suas opiniões.
Queira prosseguir, Sr. Deputada.

A Oradora: - Obrigada, Sr. Presidente!
O debate democrático faz-se sem gritaria e neste debate sério ela não é necessária.

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O que foi dito que era e é uma vergonha aplica-se à decisão governamental de mandar duas corvetas para o alto mar tomar para conta de uma organização pacífica. E digo-lhe mais: a Juventude Socialista, a juventude do meu partido, não disponibilizou barcos para se irem fazer abortos.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É mentira!

A Oradora: - Disponibilizou barcos para visitas à embarcação, para cumprir aquele que era o objectivo,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É mentira!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Pinho de Almeida, agora é a Sr.ª Deputada quem está no uso da palavra. Não lhe dei a palavra a si.

A Oradora: - Aquilo que o Tribunal Administrativo de Coimbra, na sua sentença (que os Srs. Deputados, se calhar, não leram, embora a decisão também seja pública), referiu como objectivos desta organização eram os de sensibilização, informação, aconselhamento e debate sobre o aborto clandestino.
Mais uma vez se prova, pelas palavras do Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, que a farsa política é aquela com que os senhores aqui nos presenteiam com as perguntas que não fizeram.

Aplausos do PS.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não respondeu a nada!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, para interpelar a Mesa sobre os trabalhos.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, para efeitos de gestão do meu tempo, pretendia saber se o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares já está inscrito para intervir no debate.

Vozes do CDS-PP: - Oh!…

O Sr. Presidente: - Não está inscrito, Sr.ª Deputada, mas a lista dos oradores ainda não está encerrada.

O Sr. José Magalhães (PS): - É uma solução blindada! Fala e não há contraditório!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Fala quando já não houver contraditório!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, quase exclusivamente Secretários de Estado,…

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

… Srs. Deputados: Em primeiro lugar, espero que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares não guarde a sua intervenção para a fase de encerramento, de modo a poder ser confrontado pelos diferentes grupos parlamentares com alguns pedidos de esclarecimento.
Depois, voltando um pouco mais atrás no debate, à primeira intervenção do Governo, quando o Sr. Secretário de Estado Patinha Antão garantiu, nesta Câmara, que o Governo "sabe nadar", eu diria que sabe, que o PSD "sabe nadar agarrado à bóia do PP".

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Não precisa!

A Oradora: - Então nesta matéria isso é por demais evidente!
O Sr. Primeiro-Ministro, no meio de tantos avanços e recuos em termos de declarações sobre a interrupção voluntária da gravidez, e também o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, na Comissão

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Permanente da Assembleia da República, garantiram que o compromisso assumido com o PP permite que se debata, mas não permite aquilo que é inegavelmente importante e urgente, que é alterar a injusta e hipócrita lei portuguesa sobre a interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Está, assim, o PSD "atado" ao PP, às ideias fechadas e conservadoras do PP!

Protestos do PSD.

Garantem que se pode ir debatendo, mas eu gostava de deixar bem claro o seguinte: os debates não servem para virmos todos desabafar para o Hemiciclo, os debates servem para terem consequências e efeitos concretos. Neste caso, é evidente que o efeito concreto e urgente passa necessariamente pela alteração da nossa lei.
Para além disso, até agora, neste debate, o Governo e a maioria nada, ou praticamente nada, disseram sobre a nossa lei e as consequências da sua aplicação, e isso não pode ser ignorado. As lei existem, Srs. Deputados, como todos bem sabemos, para serem aplicadas.
Aliás, esta é uma crítica que frequentemente nos ouvem aqui fazer, nomeadamente em matéria ambiental. É que os nossos problemas nem passam tanto pelo tipo de leis que temos mas pela sua aplicação.
Então, se partimos do princípio de que as leis servem para aplicar e dizemos que não queremos as consequências da aplicação desta lei, somos coerentes: queremos a alteração da lei, para termos uma lei justa para aplicar. Mas os senhores, que não querem alterar a lei, também não querem as consequências práticas da sua aplicação, ou, pelo menos (já não sei se por vergonha de o dizerem), vão dizendo que não querem, ou vão assumindo ou demonstrando que não querem.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

O Orador: - Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há que haver coerência nesta discussão, porque às tantas já me pode ficar aqui a dúvida sobre se os senhores querem mesmo a aplicação desta lei e se querem mesmo ver as mulheres portugueses que optam pelo aborto sentadas no banco dos réus, a serem julgadas, na sua exposição pública, e eventualmente a serem condenadas por esse facto.
Sr. Deputado Massano Cardoso, em representação do PSD, referiu na sua intervenção que cada um deve proceder de acordo com a sua consciência. Mas, Sr. Deputado, eu gostava de chamar a sua atenção para o seguinte: para que cada um proceda de acordo com a sua consciência, é preciso que, de facto, a lei o permita fazer.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Então, é preciso que a lei permita que cada mulher aja de acordo com a sua consciência e opte por decidir como entender.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há aí uma confusão muito grande!

A Oradora: - Termino esta intervenção, Sr. Presidente e Srs. Deputados, referindo-me àquele facto insólito de o Governo dispensar duas corvetas da nossa Marinha de Guerra para fazer face à grande ameaça da organização Women On Waves.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, tanto que nós, Os Verdes, gostaríamos de ver o Governo português assim empenhado quando passam ao largo da nossa costa navios carregados de substancias perigosas! Tanto que gostaríamos de ver o Governo empenhado, nessa altura, em relação àquilo que constitui, isso sim, uma verdadeira ameaça, nomeadamente ao nosso meio marinho e à nossa costa!
Isto, naturalmente, para além de que falta ao Governo e à maioria parlamentar perceberem que a verdadeira ameaça à saúde pública está dentro do nosso território nacional, com os abortos clandestinos feitos sem qualquer tipo de condições e com as consequências gravosas para as mulheres deste país. Mas sobre esta realidade os senhores não falam!
Os senhores sabem que não há uma mulher que diga assim: "vou ali fazer um aborto e já venho". Não há! Ninguém o faz desta forma, ninguém o faz por uma grande opção, ninguém gosta de o fazer com regularidade. Isso não é assim e os senhores sabem-no!

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Protestos do PSD e do CDS-PP.

O mal está, de facto, no aborto clandestino, que se faz sem quaisquer condições no nosso país. E, relativamente a essa questão, os senhores "enfiam a cabeça na areia", fingem que nada se passa e "assobiam para o lado". Mas isso, Srs. Deputados, é a forma mais vergonhosa de qualquer governo estar no poder e exercer o poder!

Aplausos de Os Verdes, do PS, do PCP e do BE.

O Sr. António Pinheiro Torres (PSD): - Se é mau, para é que querem ajudar a que se faça?! Nós ajudamos essas mulheres, não as condenamos ao aborto!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, permita-me interpelar a Mesa: o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos do Mar desistiu de fazer a sua intervenção?

O Sr. Presidente: - Assim é, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, não há qualquer membro do Governo inscrito para intervir?

O Sr. Presidente: - Até agora, não há, Sr. Deputado. Há um pedido de palavra da Sr.ª Deputada Luísa Portugal, para intervir depois de V. Ex.ª.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Assim sendo, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estamos numa situação curiosa: o Governo compareceu na Câmara com um Ministro, que reservou as suas palavras para nos "iluminar" no tempo em que não haja debate contraditório, um Secretário de Estado, que substituiu o Primeiro-Ministro na representação e o Ministro na intervenção, e outros Secretários de Estado acompanharam-no, o que é certamente uma prova de que o Governo funciona em colectivo.
Mas, na verdade, foi o Governo que pediu esta interpelação, foi o Ministro Paulo Portas, por três vezes, em telejornais, recorrendo a todos os meios da sua panóplia militar, que forçou este debate político no País.
O Primeiro-Ministro pediu que o debate continuasse, sugeriu que ele se realizasse no início da sessão parlamentar, foram os senhores que pediram este debate, mas, chegados a ele, já não sabem o que querem. Fazem silêncio, nada têm a dizer: nenhum argumento, nenhuma razão, nada a propor!
O PSD só põe a falar uma pessoa, que é a favor da despenalização do aborto, e toda a maioria depende, a partir de agora, da intervenção do Secretário de Estado Patinha Antão - que saudades que nós tínhamos dele!… - e das intervenções do Partido Popular.

Vozes do PS: - Apoiado!

O Orador: - Santana Lopes não aparece. Esta é a gestão política do Governo actualmente.
É caso para dizer: volte Ministro Marques Mendes, que está perdoado! Ao menos, haveria confrontação de opiniões!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Ao menos, ficaríamos a saber, de um debate destes, que as várias opções são debates sérios, e o PSD, que vai manter-se no silêncio, vai resistir a pôr a falar o Sr. Deputado António Pinheiro Torres, que faz múltiplas interpelações a partir da bancada e que tanto gostaríamos de ouvir. Se precisar de tempo, Sr. Deputado António Pinheiro Torres, esteja à vontade, porque temos muito gosto em ouvir a sua opinião.

Risos do PCP.

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Os argumentos do Partido Popular, aqui, porque é o único que argumenta, são os seguintes: tudo isto é "fogo de vista". Houve um barco que veio e não podia ter vindo, e ainda bem que o Governo o impediu.
O Deputado Nuno Teixeira de Melo, que certamente foi procurar o Dr. Paulo Portas, por aí, em algum lugar, e que já não se encontra presente,…

Risos do PS e do PCP.

… veio dizer que a clínica não era clínica e que não estava permitida.
Penso que é preciso um descaramento sem norte nem limite para utilizar a mentira como único argumento político. A clínica do barco Borndiep era autorizada pelo Governo holandês. O Governo holandês, e muito bem, não permite o aborto cirúrgico num barco, porque um barco não pode ter condições para tal, mas o Governo holandês sabe, ao contrário de Nuno Melo, que um barco é um objecto flutuante, que navega e, portanto, autorizando a clínica, autorizou explicitamente que ela utilizasse o medicamento abortivo, a pílula RU486, no território holandês e onde quer que o barco se deslocasse e onde se aplicasse a lei holandesa.
O artigo 5.º do Código Penal Português estabelece que fora do território português não se aplica a actual lei àquela embarcação. Se não fosse assim, pensam os Srs. Deputados do PP que o Governo holandês pedia explicações?! Que o Parlamento holandês votava uma crítica?! Que a Comissão Europeia pedia explicação sobre as "verdadeiras razões"?! Mas eles são todos parvos?! Haveria, porventura, um Governo holandês, um Parlamento holandês e uma Comissão Europeia que pedissem explicações sobre algum acto ilegal, não permitido?!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Mas o Sr. Deputado Nuno Melo não faz a mínima ideia do que é a Europa, do que é a União Europeia, do que é um Estado de direito e do que é uma lei que é aplicada.

Aplausos do BE.

Já agora, e por isso mesmo, o que vos incomoda verdadeiramente é que o debate, que Paulo Portas não quis e que Santana Lopes propôs, se tenha instalado no País e soubéssemos que há hoje milhares de mulheres que utilizam a RU486 ou, muitas vezes, e mal, outras pílulas com o mesmo princípio activo e que este é um problema de saúde, em Portugal, sobre o qual importa alertar e ter uma intervenção, protegendo a saúde pública. Mas que esse medicamento pode ser utilizado, é óbvio que sim! Era o PSD que o dizia há uns anos atrás! Permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, citar um Deputado do PSD que, em 1997, em nome da sua bancada - nessa altura, não estavam proibidos de dizer a sua opinião -, veio dizer o seguinte, e cito-o: "(…) sabem os Srs. Deputados que já existe (…) um medicamento abortivo - o RU486 (…) - de resultados seguros dentro das primeiras nove semanas da gravidez, sem efeitos secundários e mesmo menos perigoso que um aborto feito com anestesia geral?". E, quer queiramos, quer não, continuava esse Deputado do PSD, com esse medicamento, "(…) a gravidez, tal como a concepção, dependerá da vontade da mulher, o que torna mais imperioso ainda que a maternidade seja desejada (…)". Este Deputado foi Ministro da Saúde do PSD e chama-se Paulo Mendo.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - É, certamente, um homem perigoso! Cuidado com ele! Corveta à porta! É muito perigoso o que ele pode dizer ou pensar!

Risos do BE.

Sabem os Srs. Deputados que o advogado mandado pelo Sr. Secretário de Estado para os Assuntos do Mar foi dizer ao Tribunal de Coimbra que a lei ia ser alterada?! O argumento do seu advogado, Sr. Secretário de Estado, foi o de que a lei vai ser alterada, e o que estamos aqui a discutir é o que vai acontecer com a lei. Vai ser, como propunha o líder parlamentar do PP, talvez não a prisão mas a "punição mais adequada"? Os campos de reeducação para as mulheres? Outra punição das mulheres? Ou vamos saber se a lei continua ou não? Os senhores sabem que a lei não tem futuro.
Aliás, para desgosto, porventura, dos jovens dos movimentos pró-prisão, que estão sentados nas galerias com as suas T-shirts, é extraordinário que o argumento da vida já não tenha sido aqui utilizado. A

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última razão, a razão moral que querem impor a todos os outros, foi abandonada. Hoje, discutiu-se aqui, como não podia deixar de ser, a lei que temos, se ela é boa ou má, e o que a maioria disse foi que se ela é boa deve manter-se - os senhores querem mantê-la -, porque se é má tem de ser alterada.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Nenhuma razão política e muito menos partidária - mas que mesquinhez! - se pode jamais pôr acima dos direitos constitucionais à liberdade e à decisão e ao respeito das mulheres, que está ainda acima deles. Já perderam esse debate! Acabou o vosso debate! Acabou a vossa argumentação filosófica sobre um conceito de vida que entendem que tem de ser lei e que tem de levar as mulheres a tribunal. Acabou! E, por isso mesmo, sabemos que este debate vai terminar com uma alteração da lei, a não ser que queiram que continue.
Tenho aqui o Público de hoje, onde se podem ver os anúncios das clínicas que, em Espanha, fazem abortos clandestinos para Portugal, embora lá sejam legais. Estão aqui os anúncios! É isto que os senhores querem! O que os senhores querem é que a maior parte das mulheres, quando tem dinheiro, vá a Espanha ou vá a Inglaterra. Nestes casos, os senhores fecham os olhos e esquecem a corveta! Quanto às mulheres que o fazem cá, nas piores condições, são perseguidas, humilhadas e amesquinhadas.
A ausência deste Governo, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares - lembre-se disto, quando falar -, prova a incompetência absoluta sobre a razão essencial de governar, que é o respeito pelas pessoas. Os senhores não respeitam as pessoas, não estão preparados para respeitar as pessoas, não merecem governar, mesmo que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares tanto insista em receber as suas instruções pelo telefone.

Aplausos do BE.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, permite-me uma interpelação à Mesa?

O Sr. Presidente: - Pretende interpelar a Mesa sobre que matéria, Sr. Deputado?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É, efectivamente, uma interpelação à Mesa e penso que V. Ex.ª perceberá, perfeitamente, o seu conteúdo.

O Sr. Presidente: - Costumo perceber, Sr. Deputado, apesar de, às vezes, as interpelações à Mesa não serem muito claras. Mas faço um esforço…
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, há pouco, fui acusado pela Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça de desconhecimento em relação a uma pergunta que fiz e a que a Sr.ª Deputada respondeu referindo que a Eurodeputada Jamila Madeira tinha citado um estudo, o inquérito à fecundidade do Instituto Nacional de Estatística, tendo então invocando o meu desconhecimento.
Ora, como, nesse momento, não tinha o inquérito comigo, não respondi prontamente, porque me quis documentar. Tenho-o agora aqui e estou em condições de ler esse mesmo inquérito…

O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado, V. Ex.ª não podia responder, porque sobre essa resposta não havia lugar a mais nenhuma resposta.

O Orador: - Sim, Sr. Presidente, mas, tendo sido acusado de desconhecimento, parece-me que, pelo menos em termos de honra, isso me ofende de alguma forma, porque o conhecimento das matérias faz parte obrigatoriamente das minhas funções enquanto Deputado e, se não o tiver, não estarei a cumpri-las como deve ser.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª não pode saber tudo, não está obrigado a saber tudo.

O Orador: - Mas é uma questão de dignidade do exercício do mandato, que me parece que o Sr. Presidente compreende.
Quero, então, requerer ao Sr. Presidente que faça o favor de mandar distribuir pelos Srs. Deputados este mesmo inquérito, onde se refere que os dados disponíveis permitem indicar que a realização de uma interrupção voluntária da gravidez foi admitida por 5% do total das mulheres. Ora, isto é 1 em 20 e não 1 em 4, como disse a Sr.ª Eurodeputada Jamila Madeira.

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Protestos do PS, do PCP e do BE.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Leia os resultados das jovens! Eles estão lá! Eu conheço esse inquérito! Deve respeitar a verdade, ao menos!

O Sr. Presidente: - Agora, tenho de dar também a palavra à Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Respeite a verdade, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, não lhe dei a palavra. Dar-lha-ei sempre, com imenso gosto, mas não agora.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

Protestos da Deputada do PCP Odete Santos.

Sr.ª Deputada Odete Santos, tem de se calar!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Desculpe, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Eu é que peço desculpa à Câmara, porque, de facto, agora, perdi as estribeiras. Peço mil desculpas.
Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, tem a palavra.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, gostaria de usar da palavra nos mesmos termos que o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, apenas para dizer que, para sermos sérios neste debate, não basta ler uma folha do relatório,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Li tudo!

A Oradora: - … é importante ler tudo e é importante perceber que está lá a taxa entre as adolescentes. E os números que lhe dei, há pouco, relacionavam-se com as adolescentes e são rigorosamente aqueles que estão no relatório.

Vozes do CDS-PP: - É falso!

A Oradora: - O Sr. Deputado, seguramente, não leu o relatório e, portanto, sugiro-lhe que leia tudo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Aproveite o fim-de-semana!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Portugal.

A Sr.ª Luísa Portugal (PS): - Sr. Presidente, em apenas 2 segundos, quero dizer que, por respeito à grelha de tempos, vou prescindir da intervenção que tinha preparada e que, no fundo, tinha a ver com uma pergunta muito concreta ao Sr. Ministro da Saúde, no sentido de saber como é que um chamado "problema de saúde pública" se transforma num assunto do mar. Como o Sr. Ministro da Saúde não está e devido à grelha de tempos, prescindo da minha intervenção.

O Sr. Presidente: - De qualquer modo, Sr.ª Deputada, a pergunta de V. Ex.ª fica no ar e talvez seja respondida oportunamente.

O Sr. José Magalhães (PS): - É uma boa pergunta!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Rui Gomes da Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Constato que havia um grande interesse em me ouvir e, portanto, respondendo não só a esse interesse mas também a um dever, que é o do Governo, em vir aqui trazer algumas notas sobre esta matéria, diria,

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desde logo, que esta iniciativa do Bloco de Esquerda é uma iniciativa que se pautou por uma precipitação por demais evidente, depois de os tribunais terem concluído como concluíram em relação a esta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De facto, esta interpelação é feita num momento em que, em relação à questão jurídica, tudo está resolvido, quanto à questão da argumentação, tudo poderia estar em aberto, em termos de debate. Mas os Srs. Deputados dos partidos da oposição preferiram remeter-se ao silêncio e fazer intervenções autistas, em vez de dialogarem com o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, que veio aqui trazer questões concretas e reais e que devem ser debatidas.
Foi, de facto, Srs. Deputados, um "tiro de pólvora seca", de uma oposição que consideraria fraca e desmoralizada, no seu íntimo, em relação a estas matérias, depois de, sucessivamente, terem visto recusadas todas as suas argumentações.
Fico, de alguma maneira, reconhecido em relação a alguns dos epítetos que aqui mereci, nomeadamente da parte da Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, e, relativamente à parte da actividade como bombeiro, digo-lhe que o bombeiro é um homem de paz, é um homem de bem, é um homem de ajuda e, nessa perspectiva, naquilo em que eu puder ajudar a oposição, contribuindo para que decidamos e discutamos estas matérias com dignidade, com elevação e em função dos princípios, ajudarei em tudo para o que tiver disponibilidade.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta discussão deveria ter um efeito útil. Foi isso que o Governo aqui trouxe, através da intervenção dos diferentes membros do Governo que poderiam ter respondido a qualquer pergunta de VV. Ex.as. Os senhores não o quiseram fazer, não quiseram discutir aquilo que o Governo tem feito, desde há seis meses, em consequência de uma resolução aprovada nesta Assembleia da República e que, com tão pouco tempo, o Sr. Secretário de Estado veio apresentar.
Pretendíamos uma discussão séria, uma discussão serena, fazendo até jus ao apelo do Sr. Presidente da República, que, quando os senhores levantavam problemas sobre esta matéria, numa das suas deslocações, apelou à serenidade e à elevação deste debate. Foi isso que o Governo aqui fez, foi isso que os partidos da maioria aqui trouxeram. O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde abriu o debate, o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos do Mar encerrá-lo-á.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Essa é boa!

O Sr. José Magalhães (PS): - Fantástico!

O Orador: - Agora, Sr. Deputado Francisco Louçã, como afirmei na primeira intervenção que aqui produzi, não pautamos a nossa agenda e as presenças neste Hemiciclo de acordo com os votos e os desejos do Bloco de Esquerda ou de qualquer outro partido.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nem da Constituição!

O Orador: - O Governo tem um entendimento daquela que é a sua obrigação. O entendimento do Governo é o de dignificar a Assembleia da República, mas, Sr. Deputado Francisco Louçã, dignificar a Assembleia da República não é fazer aquilo que o senhor quer, é fazer aquilo que o Governo entende, é fazer aquilo que entendemos para bem de Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do BE, do PS, do PCP e de Os Verdes.

Vejo, pelo riso, que estão descontentes…

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é descontentes, é indignados!

O Orador: - … mas também lhe digo, e repito, que terão muito tempo para aqui ouvirem e verem o Sr. Primeiro-Ministro, porque o Sr. Primeiro-Ministro virá aos debates na Assembleia da República.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Não sabemos é quando!

O Orador: - Agora, aquilo que não aceitamos, porque há um princípio essencial na democracia, é que seja desvirtuado o princípio da proporcionalidade. Não podemos desvirtuar esse princípio, porque ele é essencial, e o Governo também se faz representar nestes debates em função da própria representatividade do partido interpelante.
Para mais, Sr. Deputado Francisco Louçã, disse V. Ex.ª que o barco era muito pequeno, mais pequeno do que um cacilheiro. Aquilo que não percebemos é que um barco tão pequeno ou mais pequeno do que um cacilheiro suscite tantos problemas da vossa parte.
Os senhores, que são tão ciosos da soberania e da independência nacional, os senhores que, de cada vez que ouvem o Presidente Bush ou o Primeiro-Ministro Blair, dizem, directamente, que Portugal não pode seguir essas posições, Portugal não pode ser subserviente em relação a essas pessoas, são agora subservientes em relação a quê?

O Sr. José Magalhães (PS): - Ao direito comunitário e à Constituição!

O Orador: - Em relação ao Governo holandês? Em relação a uma Comissária sueca da União Europeia? É essa a vossa subserviência?
Por outro lado, o Governo holandês não pediu explicações, a Comissária sueca não pediu explicações, aquilo que a Comissária sueca pediu foi informações sobre essa matéria. E, como sabe, Sr. Deputado, a graduação entre informações e explicações é bem diferente, quanto ao seu conteúdo e à sua afirmação.
Também lhes diria, Srs. Deputados, que os senhores tiveram tudo aquilo que quiseram. Os senhores tinham o barco atracado ao largo, prometeram - penso que foi o Partido Socialista, mas vi o Sr. Deputado Francisco Louçã a bordo da embarcação - que arranjariam barcos para levarem lá pessoas e não levaram lá ninguém. Quem quisesse poderia lá ir, Sr. Deputado! Por que é que não levaram lá ninguém?! Porque as portuguesas não aderiram aos vossos pedidos?! Porque os portugueses não quiseram alinhar nessa encenação mediática que apenas tinha como objectivo marcar a agenda, através do Bloco de Esquerda?! Era essa a vossa preocupação?!
Recusamo-nos, terminantemente, a alinhar nessas situações, como também nos recusamos a compreender e a ser coniventes com apelos a incentivos ao aborto, como os que são feitos no site da própria organização não governamental Women on Waves, e a ver nesses mesmos sites números de telefone para aconselhamento sobre abortos caseiros e venda de medicação sem receita. Em relação a essas questões os Srs. Bastonários da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Farmacêuticos foram bem conclusivos.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Todos os dias saem anúncios nos jornais!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o tribunal deu já resolução a muitas das questões que foram levantadas em determinado momento. Bem andou o tribunal quando entendeu que o Governo estava a actuar dentro da legalidade ao não deixar entrar o navio em águas portuguesas. Bem andou o tribunal, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando a proibição de entrada do barco não foi considerada um atentado ou uma violação do princípio da livre circulação. Bem andou o tribunal, por muito que isso custe aos Deputados da oposição, quando considerou que não existia qualquer violação, tanto mais que a atitude do navio era, ela sim, uma fraude à lei para contornar a legislação portuguesa.
Poderíamos aqui relembrar os efeitos da entrada do navio na Polónia e na Irlanda, mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a única coisa que obteríamos com isso era efeito mediático e essa não é a nossa maneira de estar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é?!

O Orador: - A única coisa que resta aos senhores é o espectáculo, mas nós não o queremos; o que queremos é continuar a actuar de acordo com princípios de legalidade, que devem pautar a actuação do Governo.
Sr. Presidente, estranhamos ver o Bloco de Esquerda tão europeísta e marcar a sua agenda em função de um barco mais pequeno do que um cacilheiro, diria mesmo quase uma pequena traineira chegada a águas portuguesas.
O Sr. Primeiro-Ministro já disse que não estamos fechados a qualquer debate, que os aceitamos todos. Esse é, pois, um compromisso de homens livres, tal como o é, como VV. Ex.as reconhecerão, o Primeiro-Ministro.

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Mas há outra face da mesma moeda: somos homens de palavra e respeitamos os compromissos que assumimos perante o eleitorado em relação a esta matéria,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Que são falsos!

O Orador: - … por muito que isso custe aos partidos da oposição.
O referendo tem um prazo de validade - poder-se-á discuti-lo, mas terá de ter, obrigatoriamente, um prazo de validade - e assumimos politicamente, quando concorremos às eleições legislativas de 2002, o compromisso de discutir esta matéria, mas não de alterá-la.
Os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista, de Os Verdes e do Partido Socialista não têm como única preocupação as questões das mulheres. Nós preocupamo-nos e somos sensíveis a essa matéria.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sensíveis e mais nada?!

O Orador: - Aliás, a Conferência Episcopal Portuguesa também debateu essas questões.
Portanto, somos sensíveis ao debate livre de ideias, como somos sensíveis à modernidade, e hoje em dia, Srs. Deputados, por muito que isso vos custe, estar do lado da modernidade não é estar do lado das posições que os senhores defendem, é, essencialmente, estar do lado do direito à vida. Isso é que é estar ao lado da modernidade nesta matéria.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Diria, por último, que esta é matéria que envolve problemas de consciência, e em relação a problemas de consciência somos todos livres. De acordo com o compromisso que assumimos, até 2006 poderemos debater tudo o que quisermos, mas só depois disso é que poderemos alterar o que for possível.
Mas também vos digo que admitir o debate nunca poderá ser entendido como, desde logo, e ab initio, assumir qualquer alteração de posição. Queremos prosseguir o debate, como queremos que prossiga o estudo de que a Assembleia da República foi incumbida e que já deveria ter sido iniciado - já agora, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, uma vez que tem responsabilidades na matéria, peço-lhe para colaborar nesse estudo -, mas, acima de tudo, somos pessoas livres, que votamos em consciência e assumimos os nossos compromissos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há inscrições para pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro, mas, antes, dou a palavra ao Sr. Deputado Bernardino Soares, que pediu a palavra para defesa da honra da sua bancada.
Sr. Deputado, quer pormenorizar o seu pedido?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares acabou de dizer que o PCP - citou vários partidos, incluindo o PCP - não tinha uma única preocupação com os problemas das mulheres e eu penso que, especialmente neste debate, essa ofensa não pode ficar sem resposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado. Peço-lhe que seja breve.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares disse o que acabei de referir e disse também, em diversos outros momentos da sua tardia intervenção, que ninguém ligou ao problema do cumprimento da resolução que foi aprovada nesta Assembleia pela maioria, para esconder a vergonha de rejeitar, mais uma vez, no início de Março, os projectos de despenalização da interrupção voluntária de gravidez apresentados pelo PCP.
Na verdade, Sr. Presidente, este grupo parlamentar, na última Comissão Permanente, confrontou o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares com o cumprimento dessa resolução, entregou, nesse mesmo dia, um requerimento circunstanciado sobre o cumprimento dessa resolução e até agora não houve resposta a essas perguntas.
Portanto, quem está em falta é o Governo, e está em falta em relação à Assembleia quanto aos esclarecimentos que deveria prestar sobre esta importante matéria.

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Mas o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares faltou também à verdade ao dizer que o PSD tinha de cumprir o compromisso eleitoral que assumiu de não aceitar nenhuma alteração nesta matéria até 2006.
É falso! Em nenhuma frase, em nenhuma linha do programa eleitoral do PSD às últimas eleições legislativas há qualquer referência à questão da despenalização da interrupção voluntária da gravidez ou à recusa de a debater e alterar até 2006. Desafio, pois, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares ou os Srs. Deputados do PSD a dizerem em que página, em que linha do programa eleitoral do PSD está esse compromisso que sempre invocam,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Há declarações públicas do Presidente do partido!

O Orador: - … mas que não passa do compromisso pós-eleitoral feito pelo CDS-PP, que não é nenhum compromisso para com os eleitores.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Bernardino Soares, tem de terminar, até porque V. Ex.ª está a aludir a novas questões. Concentre-se na que invocou para defender a honra do seu partido.

O Orador: - Termino imediatamente, Sr. Presidente, exigindo que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares retire imediatamente o que referiu…

Risos do PSD e do CDS-PP.

… e diga que quem não se preocupa com uma única questão das mulheres e com a sua situação neste país é o Governo, como bem o demonstrou neste debate.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, não posso retirar uma coisa que não disse.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Disse, disse!

O Orador: - Conheço essas tácticas processuais e regimentais. O Sr. Deputado Bernardino Soares, porque já não dispunha de tempo e queria fazer perguntas, tinha de inventar uma coisa qualquer para me interpelar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Deputado, o que eu disse foi que não reconhecia ao Bloco de Esquerda, ao Partido Comunista, a Os Verdes e ao Partido Socialista a exclusividade em relação à preocupação com as coisas das mulheres.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não foi isso o que disse!

O Orador: - Sr. Deputado, nem lhe admito uma coisa dessas!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Eu é que não lhe admito!

O Orador: - O que eu disse é o que está na gravação.
Reconheço que como o senhor já não dispunha de tempo e precisava de usar da palavra, entendeu que devia defender a honra da sua bancada. Sr. Deputado, não vamos por aí.
Em relação à questão do compromisso que referi - e peço-lhe, já agora, para ouvir aquilo que eu disse, porque sei, rigorosamente, o que disse -, tal compromisso foi assumido não no Programa do Governo mas em declarações públicas do então candidato a Primeiro-Ministro, Dr. José Manuel Durão Barroso. Foi ele quem assumiu esse compromisso com o eleitorado, dizendo que não alteraria esta lei durante a presente legislatura.
Compreendo que o senhor não tenha ouvido o Dr. Durão Barroso, mas devia ouvi-lo mais, a ele e aos líderes da oposição, porque isso só o ajudava nas suas campanhas e nos efeitos que elas têm sobre os eleitores portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, registo que só intervém no debate quando já não há debate - aliás, essa é uma figura curiosa: alguém que estando presente está necessariamente ausente.
Registo também duas das suas afirmações: primeiro, disse-nos que dignificar a Assembleia da República é fazer o que o Governo quer - curioso!, magnífico! - e que o Governo escolhe os seus representantes na proporcionalidade dos partidos.
Sr. Ministro, então o senhor é o ministro 5%!?. Deve, pois, haver um ministro 8%, um outro ministro 35% ou 40% da confiança do Governo. Mas o senhor tem 5%...

Aplausos do BE.

Não, Sr. Ministro! O senhor está aqui em nome do Governo do País, a discutir uma lei que afecta todo o País. Estamos aqui a discutir alternativas para todo o País. Isso é que é a dignidade do debate político! Se o senhor não sabe o que é o Parlamento, se não sabe que o pluralismo político que se representa neste Parlamento e procura soluções diferentes para encontrar a melhor alternativa para problemas que, neste caso, são da maioria dos portugueses, que são as mulheres, então não percebeu a natureza da democracia. E é por isso, Sr. Ministro, que quer reduzir esta matéria a uma questão partidária, à consagração da coligação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Se esta lei cai, bem sabemos que cai a coligação! Só a direita extremista é que aqui a defendeu, junto com o Sr. Secretário de Estado. E o Sr. Ministro, por boas razões, quis proteger o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos do Mar, que só vai falar no fim, quando já não puder responder a perguntas, como o senhor não responde. E é sobre esta lei, sobre os julgamentos (e mais um julgamento vai ter lugar dia 28, em Setúbal), sobre a continuação desta vergonha que o Sr. Ministro nos deveria responder.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já chega de espectáculo!

O Orador: - Este é o problema! Sobre isso foi interpelado e agradecia que sobre isso nos dissesse aquilo que o Governo quer fazer, embora já saibamos que é continuar com a lei que condena as mulheres.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares informou a Mesa de que responde em conjunto aos pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, concorda que as mulheres portuguesas se sentem no banco dos réus em julgamentos e se sujeitem a ser condenadas por terem interrompido a sua gravidez? Ou seja, Sr. Ministro, concorda com a aplicação da lei portuguesa sobre o aborto?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
De vez em quando, o Sr. Deputado Francisco Louçã tem graça. É que veio falar sobre os 5%... Não me lembro muito bem, mas nas eleições…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Aquelas eleições em que os senhores só tiveram um terço dos votos!

O Orador: - Apenas contam as últimas eleições? Não contam as eleições legislativas? Só contam aquelas que lhe dão jeito!

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Contam, contam!

O Orador: - Contam todas, mas julguei que estava a falar daquelas que fizeram com que o Sr. Deputado esteja aqui sentado, porque, em relação a essas, há uma certa diferença.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não está em causa qualquer aferição em relação a essa matéria. O Governo - repito - decide sobre a sua agenda, sobre a sua presença nesta Assembleia em função daquilo que entende dever responder, tendo em conta as matérias em discussão. E, neste caso, o Governo entendeu que as questões que deveriam ser colocadas (e era nessa perspectiva que estávamos à espera das intervenções dos Srs. Deputados) teriam a ver com a educação, a saúde, a segurança social, os assuntos do mar. No entanto, depois da intervenção de abertura do debate por parte do Governo, todos os Srs. Deputados (à excepção, penso, do Partido Comunista, que não usou da palavra) recusaram-se a dirigir perguntas ao Sr. Secretário de Estado que usou da palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não querem respostas! Querem espectáculo!

O Orador: - Foram, pois, os senhores que se auto-excluíram do debate.
O Governo esteve aqui representado pelos membros que entendeu estarem em condições de melhor responderem às vossas preocupações. É que, Sr. Deputado Francisco Louçã, julgávamos que vinha lançar questões relativas à educação, à saúde, à segurança social, aos assuntos do mar, ao tráfico marítimo. Ora, nada disso foi feito! O que os senhores querem é encenação, mediatismo, vozes, soundbites, única e exclusivamente para amanhã aparecerem nos jornais.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em relação à sua questão, revejo-me nas declarações anteriormente proferidas pelo então presidente do meu partido e primeiro-ministro, Dr. José Manuel Durão Barroso, e pelo actual Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sim ou não?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando na fase de encerramento do debate, tem a palavra, em nome do partido interpelante, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Membros do Governo: Penso ter descoberto a razão porque Santana Lopes não está aqui presente, porque o Primeiro-Ministro desapareceu: é que o Tribunal Central Administrativo manteve a decisão da 1.ª Instância no que diz respeito à suspensão das obras do túnel do Marquês, pelo que ele está, obviamente, a penitenciar-se pelas de dores de cabeça que tem causado aos lisboetas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Membros do Governo: Mais cedo do que tarde, Portugal há-de mudar. Um dia, não muito longe, não muito tarde, deixaremos de ser encarados como a "ovelha negra" da Europa no que toca à liberdade de optar em matéria de saúde sexual e de direitos reprodutivos. Um dia, quem sabe perto, o olhar dos outros valorizará o nosso respeito pelos qualificados recursos aplicados numa educação sexual, não circunscrita apenas ao espaço escolar, embora aí investindo em força, atenta a diversidade e distante do medo, do preconceito e da exclusão. Um dia, no tempo próximo, deixaremos de estar na cauda da Europa no que respeita aos níveis de contaminação de SIDA e de tuberculose. Será o dia em que Santana Lopes e Paulo Portas e tudo o que representam deixarem de estar no poder e uma política séria e respeitadora dos direitos da mulher puder ser concretizada. Será o dia em que a hipocrisia sairá derrotada. Será o dia, enfim, da dignidade e da decência!
Bastou ouvir-se o debate de hoje para se estar seguro que essa mudança está próxima.
No PSD, já ninguém consegue dar a cara por esta lei.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Exactamente!

O Orador: - No CDS-PP há sempre os extremismos e, pelo sim e pelo não, lá vão tentando calar o CDS-PP, que se ficou pelo fait divers, pelo circo mediático, que é aquilo de que ainda pode falar. Santana Lopes esconde-se, Paulo Portas esquiva-se. A direita tem vergonha das suas posições.

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Protestos do PSD e do CDS-PP.

Sabe que elas estão condenadas, inexoravelmente condenadas!
A direita é a grande responsável pelo nosso atraso civilizacional e pela repressão sobre as mulheres, fundada em ideologias ultra-conservadoras e em verdades reveladas, inimigas da democracia, da diferença e da tolerância. A atitude da direita e da extrema-direita neste debate comprovou que já não há argumentos nem razões para manter a actual lei. O Primeiro-Ministro, numa atitude original de desrespeito por este Parlamento, nem por cá se viu; o Ministro da Defesa desapareceu do País; e os "sobreviventes" do Governo vieram aqui repetir que não sabiam de nada, que logo se via, que um acordo partidário que não foi apresentado aos portugueses é que valia e que os julgamentos e a perseguição vão continuar.
Por tudo isso, a Europa olha-nos como um país desencontrado dos novos tempos. James Westhead, repórter da BBC presente no julgamento da Maia, afirmava: "Para os ingleses é muito estranho que cá, em Portugal, as mulheres sejam consideradas criminosas por fazer um aborto". A CNN, na mesma triste ocasião, contava a história de um país onde milhares de mulheres fazem abortos ilegais ou cruzam a fronteira em busca de clínicas espanholas. A Fox News, a televisão do vosso amado Presidente Bush, revelava as altíssimas taxas de gravidez adolescente. Como nós, apenas a Irlanda e a Polónia, mas nesses países não há mulheres julgadas e humilhadas nem nenhum ministro fanático decidiu mobilizar meios de guerra contra um pequeno navio de um outro país da União Europeia.
Dominados por políticos fanáticos, deslumbrados pelos seus dogmas, ansiosos por demonstrações belicistas, vemo-nos remetidos para o mais arcaico dos tempos.
Europeístas que somos,…

Risos do CDS-PP.

… reivindicamos o melhor que a Europa tem. Exigentes que somos, exigimos os direitos mais avançados que são os mais sensatos: os de a mulher fazer as suas escolhas em saúde reprodutiva. De esquerda, como somos, não desistimos de defender a extensão a todos e todas desses direitos. Ao contrário da direita e da extrema-direita, entendemos que a mulher não é criminosa por determinar a sua vida. Ao contrário da direita e da extrema-direita, entendemos que a sexualidade não se confunde com a obrigação de reprodução.
Perante o impasse político que se vive desde 1998, lutámos firmemente por um referendo que abrisse caminho a uma alteração da lei existente e a uma conciliação com a maioria social do nosso país e com o consenso civilizacional europeu. A maioria desta Assembleia rejeitou esse instrumento, porque tem medo do voto das portuguesas e dos portugueses.
Os directórios dos partidos da direita não se coibiram mesmo de exercerem pressões sobre a liberdade de consciência de cada um e de cada uma dos seus Deputados e Deputadas. Se tivessem votado de acordo com a sua consciência, como lemos nas declarações de voto, a lei do referendo teria passado!

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Não sabe o que está a dizer!

O Orador: - Chegamos, assim, a um novo impasse. Respondemos, clarificando posições e caminhos.
Por isso, Sr. Presidente, o Bloco de Esquerda reapresenta agora o projecto de lei que foi vencido em Março deste ano e que propõe a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, protegendo os direitos da mulher à sua saúde. É uma nova oportunidade para o fim da clandestinidade e dos negócios do aborto clandestino, para o fim do degredo das mulheres dentro do seu próprio país. É uma ocasião soberana para as piedosas intenções se transformarem em actos; uma possibilidade para o Primeiro-Ministro deixar a habitual conversa delicodoce com que tenta anestesiar-nos para demonstrar que, de facto, por uma vez, escolhe coragem e determinação. Recusá-la significará a insistência na imposição do sectarismo de alguns sobre o direito de todas e todos, a podre continuidade do rol de perseguições, mortes e traumas.
A opção da direita inquisitória e da extrema-direita e do Primeiro-Ministro pelo país atrasado, clandestino e assustado coloca-nos fora da Europa e fora do universo dos direitos.
É esse projecto que agora lhe entregamos, Sr. Presidente, juntamente com um outro sobre a educação sexual, porque constatamos que a maioria das direitas não se leva a sério e fez propostas nesta última matéria que têm como única razão entreter as Deputadas e os Deputados que queriam votar de acordo com a sua consciência e disso foram proibidos. Esse projecto concretiza a educação sexual nas escolas, do 3.º ao 9.º ano, e dá forma à área curricular que é necessária, articulada com a educação para a responsabilidade, que é uma das funções mais nobres do ensino público.

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Depois deste debate, a direita sai daqui como entrou: extremista, temerosa, envergonhada, escondendo nas bancadas os Deputados que defendem o fim da pílula do dia seguinte e da contracepção livre. É certo que Mariana Cascais já não está no Governo, mas o seu espírito paira entre nós.

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Governo e a maioria, no entanto, dão-lhe razão. Mariana Cascais continua a dominar os vossos espíritos, Srs. Deputados, porque querem continuar a manter e a defender, desesperadamente, a lei que impõe três anos de prisão para a mulher que aborte.
A esquerda, pelo contrário, sai hoje mais forte. O País sairá mais esclarecido, até pelo silêncio do Governo. Cada julgamento que começa condena a lei criminosa. Cada mês que passa, a exigência da mudança da lei consolida-se no nosso país.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Somos europeus e temos direito a ser europeus, para o reencontro do nosso país com o nosso tempo! A lei que persegue as mulheres já está derrotada; vai ser substituída por uma lei europeia. Restam os últimos obstáculos, o fanatismo da direita e da extrema-direita e o apoio dos que ainda acreditam que a conveniência vale mais do que a consciência.
Mas como é que o fanatismo pode vencer a democracia? Jamais!
Sr.as e Srs. Deputados da maioria, por favor, aplaudam, já a seguir, a intervenção do "valoroso guerreiro", o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos do Mar. Aplaudam-no muito, levantem-se, mostrem o vosso entusiasmo. Estão a chegar ao fim as oportunidades que têm para saudar a continuação dos julgamentos das mulheres portuguesas.
Sr. Presidente, passo, de seguida, a fazer entrega na Mesa dos projectos de lei que referi.

Aplausos do BE, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, em nome do Governo, o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos do Mar.

O Sr. Secretário de Estado para os Assuntos do Mar (Nuno Fernandes Thomaz): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de mais, permitam-me que aproveite esta ocasião para cumprimentar vivamente todos os grupos parlamentares e, em particular, cada um dos Deputados e Deputadas presentes, aproveitando para o fazer na pessoa do Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Dr. João Bosco Mota Amaral.
Já que ninguém me interpelou,…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Mas o senhor não falou!

O Orador: - … gostava de começar esta intervenção dirigindo algumas palavras ao Bloco de Esquerda, em especial ao Deputado Francisco Louçã.
Bem-vindo à Europa!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É com algum sentido de humor que vejo o Bloco de Esquerda interpelar o Governo com base no Direito Comunitário. Quem diria!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - O senhor é que está fora do Direito Comunitário!

O Orador: - Sr. Deputado, agradeço que me conceda a liberdade de expressão, como nós próprios concedemos às associações que estiveram em Portugal. Gostava de falar!
O Sr. Ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar não se encontra aqui hoje presente porque se encontra na primeira reunião do Conselho da Agência Europeia de Defesa, que é bastante importante para o País.

O Sr. José Magalhães (PS): - E o Primeiro-Ministro?

O Orador: - O que o leva a crer que ele "fugiu"? Para a Holanda?! Mas o seu partido marcou esta interpelação para hoje, sabendo que, neste dia, o Ministro partia à hora do almoço.

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não sabia, não!

O Orador: - Sabia, sim! A reunião a que o Ministro foi assistir já estava marcada anteriormente.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - O que é que eu sei da agenda do Ministro? A data desta interpelação é imposta pelos senhores!

O Orador: - Sr. Deputado Louçã, deixe-me dizer-lhe que o senhor perdeu em toda a linha, que ruíram todos os seus argumentos relacionados com o episódio do barco. O único argumento que o senhor tem para se agarrar é o facto de o Ministro não estar cá hoje. Mas estou eu!
Digo-lhe mais: o "juiz supremo" Louçã, que julga tudo e todos, perdeu em toda a linha.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Tenha vergonha! Está no Parlamento!

O Orador: - Quando disse que Portugal iria ter um conflito com o Governo holandês, perdeu! Quando disse que a decisão de impedir a entrada do barco em águas nacionais era ilegal aos olhos da justiça portuguesa, perdeu contra uma juíza - essa, sim! - formada em Direito!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quando disse que houve violação do direito comunitário, errou outra vez!

Protestos do Deputado do BE Francisco Louçã.

Sr. Deputado Francisco Louçã, agradeço-lhe que me deixe falar!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, agradecia que a sua intervenção fosse mais dirigida ao conjunto da Câmara e não apenas ao Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, já que o Sr. Deputado do Bloco de Esquerda, de cujo nome não recordo, teve oportunidade de anunciar a apresentação na Mesa de um diploma, eu próprio gostaria que me fosse dada a oportunidade de também entregar na Mesa, para posterior distribuição a todos os grupos parlamentares, três pareceres sobre esta matéria, elaborados pelos mais credenciados juristas não só em Direito Comunitário como em Direito do Mar.
Apesar das declarações das eurodeputadas socialistas induzirem em erro, nenhum direito comunitário foi violado. Nenhum! As associações tiveram direito de expressão, de circulação e de fazer debates, nos quais estiveram presentes sempre as mesmas 13 pessoas!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Como é que sabe?

O Orador: - Via na televisão!

Risos do PCP e do BE.

E digo-lhe mais, Sr. Deputado: os barcos ainda não falam; não eram importantes para os debates. O barco ficou lá fora.
No que diz respeito às corvetas, não sei se sabem, mas, em Portugal, a actividade da Marinha tem duas vertentes: por um lado, a de Marinha de Guerra; por outro, de defesa do interesse público.
A questão da proporcionalidade não existe, nunca existiu, porque não estávamos em guerra, o que estava em causa era apenas um "cacilheiro"…

Risos do Deputado do BE Francisco Louçã.

Acontece que a corveta estava próxima do "cacilheiro" e seguiu-o.
Os senhores dizem que estavam presentes duas corvetas, mas isso aconteceu num momento de rendição, o que demora uma hora. Estava presente apenas um navio-patrulha.
Não usámos outros meios porque, durante anos e anos, ninguém investiu na Marinha. Mas a partir de 2006 vamos ter patrulhões novos. Não se preocupem!

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Antes de passar à minha intervenção propriamente dita, deixo uma reflexão para si, Sr. Deputado Francisco Louçã, após o que passarei a dirigir-me a toda a Câmara…

O Sr. Presidente: - Já lhe fiz esse pedido, Sr. Secretário de Estado. Agradecia que o tivesse em conta!

O Orador: - Passo, então, à intervenção, Sr. Presidente.
Como todos sabemos, também esteve em causa neste debate a não autorização de entrada em águas nacionais do barco holandês Borndiep.
Como todos também sabemos, incluindo o próprio Dr. Louçã, o Governo, neste caso, limitou-se a fazer cumprir a lei.
Portugal é um Estado de direito e não recebemos lições de ninguém.
Fez-se uma consulta popular, mediante referendo, e a maioria dos portugueses que entendeu pronunciar-se sobre esta questão tão delicada,…

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - A maioria dos portugueses não se pronunciou!

O Orador: - … no plano ético, religioso, filosófico, científico e, consequentemente, político, disse "não" à despenalização do aborto para além do quadro jurídico penal vigente.
Nessa, como noutras questões, tem o Bloco de Esquerda muita dificuldade em aceitar que a sua vontade política não seja sufragada pelos portugueses. Mas terá de aprender a viver com isso.
Como todos sabemos ainda, incluindo o Bloco de Esquerda, o despacho que assinei e que não autorizou a entrada do Borndiep foi sustentado no estrito cumprimento do ordenamento jurídico português e nunca por nunca em considerações políticas, convicções morais ou opiniões subjectivas. Foram consultados os mais ilustres especialistas em Direito Comunitário e em Direito Internacional do Mar e a decisão foi plenamente confirmada, em sede de tribunal, pela justiça portuguesa.

O Sr. José Apolinário (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Tendo em conta que o Bloco de Esquerda fundamenta, erradamente, esta sua interpelação no Direito Comunitário, afirmando que o que estava em causa era a livre circulação de pessoas, faço questão, como devem compreender, de reafirmar aqui a inteira justiça e a completa legalidade da decisão do Governo à luz das normas europeias.
De acordo, também, com toda a jurisprudência comunitária, a reserva da protecção da saúde e da vida das pessoas, aplicada à liberdade de circulação de mercadorias, só por si fundamentaria a proibição decretada.
Quanto à liberdade de expressão, um dos argumentos que foi repetido à exaustão, só com uma grande dose de hipocrisia perante o espectáculo mediático a que assistimos, com a realização de inúmeros debates e conferências de imprensa, é que se poderia afirmar que alguma vez esteve em causa no episódio em questão.
Consabido que é o aproveitamento que o Bloco de Esquerda faz da voragem crescente dos media em criar alegados factos políticos, desta vez fez o "casamento perfeito" com uma associação, também ela radical e também ela pouco interessada em procurar contribuir, com tolerância, para um debate aprofundado sobre as questões que verdadeiramente importam aos portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

Aliás, meus senhores, é do conhecimento público a obsessão do Bloco de Esquerda pelo acto de interrupção - interrupção voluntária da gravidez, interrupção abrupta de sessões camarárias, interrupção do trabalho de quem apenas pretende contribuir para o desenvolvimento do País em nome de todos os portugueses, interrupção, em suma, da acção governativa.
Mas apesar dos esforços do Dr. Louçã e de algumas forças da extrema-esquerda, o Governo não se deixou nem se deixará interromper.
Enquanto o Dr. Louçã e o Bloco de Esquerda "nadavam" atrás de um barco em discussões propositadas e ultrapassadas, o Governo dedicou-se a cumprir o seu Programa.
Enquanto o Dr. Louçã e o Bloco de Esquerda se desdobravam em espectáculos puramente mediáticos, a reboque do Borndiep, a Secretaria de Estado dos Assuntos do Mar tomava a decisão de alargar o prazo das licenças para a extracção de inertes no Douro, o que irá permitir encontrar a melhor solução para esta importante actividade a nível nacional, acabando de uma vez por todas com as licenças precárias que põem em causa os direitos e, sobretudo, os postos de trabalho de todos que dependem dela.

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Mas há mais.
Enquanto o Dr. Louçã e o Bloco de Esquerda procuravam "plantar" ressentimentos e "pescar" votos dispersos por um barco, o Governo estabelecia a constituição da Missão da Plataforma Continental que irá permitir alargar a influência marítima portuguesa, aumentando significativamente a zona económica exclusiva.
Enquanto o Dr. Louçã e o Bloco de Esquerda se "afundavam" em águas revoltas a bordo de um barco, o Governo preparava o acompanhamento da instalação da sede da Agência Europeia de Segurança Marítima, nomeadamente a sua aprovação na Comissão de Orçamentos da União Europeia e a constituição do grupo de trabalho que vai acompanhar esta mesma instalação.
Enquanto o Dr. Louçã e o Bloco de Esquerda se entretinham em viagens de ida e volta algures no mar territorial, o Governo ultimava uma série de diplomas que, ao longo de anos, foram sendo sucessivamente adiados e que são indispensáveis para a gestão do mar português, tendo a ver com questões de natureza ambiental e económica de superior importância para todos os portugueses.
Enquanto o Dr. Louçã e o Bloco de Esquerda "mergulhavam" nas marés vivas de um barco sem destino, o Governo preparava a aprovação, em Conselho de Ministros, do relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos, instrumento essencial para uma política que faça os portugueses, finalmente, regressarem ao mar,…

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Com um governo destes têm é de se atirar ao mar!

O Orador: - … contribuindo económica e socialmente para um País mais próspero e mais desenvolvido.
Em suma, a circunstância de, como nos compete, continuarmos a governar em questões que são determinantes para Portugal não nos exime nem eximirá de fazer cumprir a ordem jurídica vigente, de garantir a qualidade dos cuidados de saúde em Portugal e, acima de tudo, diria, de manter a ordem pública. Foi o que fizemos com eficácia, como nos competia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Está encerrada esta interpelação ao Governo.
Tenho uma notícia para dar ao Sr. Deputado Bernardino Soares. É que a resposta ao requerimento de que V. Ex.ª falou há pouco deu entrada nos serviços esta manhã e chegará à sua mão quanto antes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, muito obrigado pela informação. Vejo que se vai tornando útil referir, em Plenário, as faltas de informação por parte do Governo, porque são rapidamente supridas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esta resposta deu entrada às 9 horas e 40 minutos. Em todo o caso, uma das funções do Parlamento é a de "espicaçar" o Governo no sentido de que este cumpra as suas obrigações.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Ética e de várias iniciativas legislativas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação das Varas de Competência Mista e da Comarca de Vila Nova de Gaia - 1.º Juízo Criminal, Processo n.º 1524/98.3TAVNG, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Carlos Sousa Pinto (PSD) a prestar depoimento presencial, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo em referência.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Como não há objecções, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 482/IX - Interrupção voluntária

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da gravidez (PCP), que baixou à 1.ª Comissão; 483/IX - Cria os programas ocupacionais e de inclusão de emprego (BE), que baixou à 8.ª Comissão; 484/IX - Altera o Código da Publicidade, proibindo a publicidade a bebidas alcoólicas nas federações desportivas, ligas profissionais, sociedades desportivas e clubes desportivos (BE), que baixou à 7.ª Comissão; 485/IX - Altera o Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, que aprova o Código de Processo do Trabalho e a Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que cria o Fundo dos Acidentes de Trabalho, instituindo um novo regime processual para o processo para a efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho (BE), que baixou à 8.ª Comissão; 486/IX - Altera a Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, concatenando-a com o princípio do direito penal do facto (BE), que baixou à 7.ª Comissão; 487/IX - Institui um novo regime para a remição de pensões resultantes de acidentes de trabalho (BE), que baixou à 8.ª Comissão; 488/IX - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (BE); e 489/IX - Medidas para a promoção da educação sexual em meio escolar (BE).
Deram também entrada as propostas de resolução n.os 75/IX - Aprova, para adesão, o Primeiro Protocolo à Convenção para a Protecção dos Bens Culturais em Caso de Conflito Armado, adoptado na Haia, a 14 de Maio de 1954, que baixou à 2.ª Comissão; 77/IX - Aprova, para adesão, o Protocolo de Revisão da Convenção Internacional para a Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiros, concluído em Bruxelas, em 26 de Junho de 1999, que baixou à 2.ª Comissão; 78/IX - Aprova, para ratificação, o Acordo entre os Estados-membros da União Europeia relativo ao estatuto do pessoal militar e civil destacado no Estado Maior da União Europeia, dos quartéis-generais e das forças que poderão ser postos à disposição da União Europeia no âmbito da preparação e da execução das operações referidas no n.º 2 do artigo 17.º do Tratado da União Europeia, incluindo exercícios, bem como do pessoal militar e civil dos Estados-membros da União Europeia destacado para exercer funções neste contexto (UE-SOFA), assinado em Bruxelas, em 17 de Novembro de 2003, que baixou à 2.ª Comissão; e 79/IX - Aprova a Convenção sobre o Direito Relativo à Utilização dos Cursos de Água Internacionais para Fins Diversos dos de Navegação, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 21 de Maio de 1997, que baixou à 2.ª Comissão.
Deram ainda entrada na Mesa os projectos de resolução n.os 277/IX - Viagem do Presidente da República ao Luxemburgo (Presidente da AR) e 278/IX - Suspensão da cobrança de portagem no troço da A1 Aveiras-Santarém por motivo de obras prolongadas (BE).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima reunião plenária terá lugar na quarta-feira, dia 22, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, seguido de período da ordem do dia preenchido com o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 137/IX e com o debate da proposta de resolução n.º 74/IX.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Paula Rodrigues Malojo
Arménio dos Santos
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Pedro Filipe dos Santos Alves

Partido Socialista (PS):
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira

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Rosalina Maria Barbosa Martins
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva

Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
João Carlos Barreiras Duarte
Maria Eduarda de Almeida Azevedo

Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Miguel Pinheiro Paiva

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Manuel de Lemos Pavão
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Filipe Soromenho Gomes
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Fernando Ribeiro Moniz
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José Carlos das Dores Zorrinho
José da Conceição Saraiva
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
João Barroso Soares
Luís Manuel Carvalho Carito
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Francisco Miguel Baudoim Madeira Lopes

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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