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Quarta-feira, 21 de Outubro de 2004 I Série - Número 14

IX LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2004-2005)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE OUTUBRO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Henrique Jorge Campos Cunha
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e de respostas a alguns outros, das propostas de lei n.os 145 e 146/IX, dos projectos de lei n.os 507 e 508/IX e do projecto de resolução n.º 283/IX.
Em declaração política, o Sr. Deputado Correia de Jesus (PSD) congratulou-se com a forma como decorreram as eleições nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e, depois, respondeu ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Francisco Louçã (BE).
Em declaração política, o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira (PS) pronunciou-se igualmente sobre os resultados das eleições regionais e ainda sobre a eventual violação pelo Governo do princípio da independência dos órgãos de comunicação social. Depois, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Filipe (PCP) e Joaquim Ponte (PSD).
O Sr. Presidente felicitou os vencedores das eleições regionais dos Açores e da Madeira.
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) falou sobre as consequências da nova lei do arrendamento urbano, após o que respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho (PSD).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 84.º do Regimento, o Sr. Ministro de Estado e da Presidência (Nuno Morais Sarmento) interveio sobre comunicação social e serviço público. Seguiu-se um debate, no qual intervieram, além do Sr. Ministro, os Srs. Deputados José Vera Jardim (PS), Luís Campos Ferreira (PSD), Augusto Santos Silva (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), António Filipe (PCP), Francisco Louçã (BE) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 503/IX - Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (PSD, PS e CDS-PP), tendo proferido intervenções os Srs. Deputados Susana Toscano (PSD), Alberto Martins (PS), Miguel Paiva (CDS-PP), Francisco Louçã (BE) e Bernardino Soares (PCP).
Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 138/IX - Autoriza o Governo a legislar sobre matéria relacionada com a liberdade de escolha e exercício da profissão no transporte colectivo de crianças. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Nuno Miranda Magalhães), os Srs. Deputados Luís Miranda (PS), Rodrigo Ribeiro (PSD), Rodeia Machado (PCP), Nelson Baltazar (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Ana Drago (BE) e Luís Marques Guedes (PSD).
Foi debatido o projecto de resolução n.º 166/IX - Constituição de uma comissão eventual para análise e acompanhamento da construção do futuro aeroporto internacional (PS), tendo usado da palavra os Srs. Deputados José Miguel Medeiro (PS), Fernando Pedro Moutinho (PSD), Bruno Dias (PCP) e Henrique Campos Cunha (CDS-PP).
Finalmente, a Câmara apreciou ainda o projecto de resolução n.º 279/IX - Fomento de hábitos de leitura (CDS-PP), tendo intervindo os Srs. Deputados Marcelo Mendes Pinto (CDS-PP), Isabel Pires de Lima (PS), Ribeiro Cristóvão (PSD), Luísa Mesquita (PCP), João Teixeira Lopes (BE) e João Pinho de Almeida (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adão José Fonseca Silva
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Delmar Ramiro Palas
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando José Pimenta Rodrigues
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
João Bosco Soares Mota Amaral
João José Gago Horta
Judite Maria Jorge da Silva

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Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim dos Santos Ferreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Manuel Cruz Roseta
Ricardo Daniel Pinto Soares Vieira
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Susana Maria de Moura Alves da Silva Toscano
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Jorge Valdez Ferreira Matias
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Álvaro José Martins Viegas

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António Fernandes da Silva Braga
António Jorge Gonçalves e Gama de Oliveira
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

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Fernando dos Santos Cabral
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Gustavo Emanuel Alves de Figueiredo Carranca
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos das Dores Zorrinho
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Carvalho Carito
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas

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Vítor José Cabrita Neto
Vítor Manuel Barreto Marinho da Cunha
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
José Marcelo Sanches Mendes Pinto
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
João Maria Abrunhosa Sousa
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Ângela Ricarda Carriço Sabino

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa diversos requerimentos.
No dia 1 e na reunião plenária de 6 de Outubro - ao Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e às Câmara e Assembleia Municipal de Vila Real, formulados pelo Sr. Deputado Herculano Gonçalves; aos Ministérios da Educação, dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, formulados pelos Srs. Deputados Luísa Mesquita, Paulo Pedroso e Heloísa Apolónia; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Luís Cirilo; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho e Alberto Martins; ao Ministério das Cidades, Administração Local, Habitação e Desenvolvimento Regional, formulado pela Sr.ª Deputada Odete Santos; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Ângela Sabino; e aos Ministérios das Actividades Económicas e do Trabalho e da Segurança Social, da Família e da Criança, formulados pelo Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

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Na reunião plenária de 7 e no dia 8 de Outubro - ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Augusto Santos Silva; ao Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior, formulado pelo Sr. Deputado Gustavo Carranca; aos Ministérios da Cultura e do Turismo, formulados pelos Srs. Deputados Miguel Ginestal e José Apolinário; ao Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho, formulados pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa; aos Ministérios das Cidades, Administração Local, Habitação e Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado Honório Novo; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado João Teixeira Lopes; ao Ministro dos Assuntos Parlamentares, formulado pelo Sr. Deputado António Galamba e aos Governos Regionais da Madeira e dos Açores, formulados pelo Sr. Deputado Laurentino Dias.
No dia 12 de Outubro - ao Sr. Primeiro-Ministro e à Comissão Nacional de Eleições, formulados pelo Sr. Deputado António Galamba; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pela Sr.ª Deputada Ângela Sabino e aos Ministérios da Segurança Social, da Família e da Criança, dos Negócios Estrangeiros e das Actividades Económicas e do Trabalho, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
Nas reuniões plenárias de 13 e 14 de Outubro - ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Batista Santos; ao Ministério da Segurança Social, da Família e da Criança, formulado pelo Sr. Deputado Artur Penedos; ao Ministério das Finanças e da Administração Pública, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro; ao Governo e aos Ministérios da Ciência, Inovação e Ensino Superior, das Cidades, Administração Local, Habitação e Desenvolvimento Regional, do Ambiente e do Ordenamento do Território e da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados José Junqueiro, Ângela Sabino, Bruno Dias e Francisco Louçã; ao Ministro de Estado e da Presidência, formulados pelos Srs. Deputados Miguel Paiva e Bernardino Soares; e aos Ministérios da Cultura, da Educação e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados António Filipe e Victor da Cunha.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
Nos dias 6 e 7 de Outubro - António Galamba, Ângela Sabino, Isabel Castro e Rodeia Machado.
No dia 12 de Outubro - José Apolinário, João Pinho de Almeida, Paula Duarte, Bernardino Soares, Honório Novo, António Galamba, Maria Santos, Luís Fazenda, Custódia Fernandes e Alda Sousa, Francisco Louçã, Ângela Sabino, Isabel Castro, Luísa Mesquita e Gustavo Carranca.
Nos dias 6, 7 e 12 de Outubro - Isabel Gonçalves, Álvaro Castello-Branco e Narana Coissoró.
Deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: as propostas de lei n.os 145/IX - Grandes Opções do Plano para 2005 e 146/IX - Orçamento do Estado para 2005, que baixaram às 5.ª e 6.ª Comissões; os projectos de lei n.os 507/IX - Alteração à lei n.º 5/2001, de 2 de Maio, que considera o tempo de serviço prestado na categoria de auxiliar de educação pelos educadores de infância habilitados com cursos de formação a educadores de infância para efeitos da carreira docente, que baixa às 7.ª e 8.ª Comissões (PCP), e 508/IX - Institui bolsas de habitação, a nível concelhio, adoptando medidas que incentivem o arrendamento de fogos devolutos (PCP), que baixa às 9.ª e 4.ª Comissões; e projecto de resolução n.º 283/IX - Por um apoio justo e efectivo ao Movimento Associativo Juvenil Português (PCP).
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período destinado a declarações políticas.
Assim, para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No passado domingo realizaram-se eleições na Madeira e nos Açores. Os respectivos resultados são do conhecimento de VV Ex.as.
Em face dos resultados verificados na Madeira, estão de parabéns o PSD/Madeira, o seu líder Alberto João Jardim e os seus militantes. Estão também de parabéns as populações da Madeira e do Porto Santo por, nos próximos quatro anos, continuarem a beneficiar do progresso e da sustentada melhoria das condições de vida que os governos sociais-democratas lhes têm propiciado ao longo de quase três décadas de governação.
Gostaria de apresentar também as minhas saudações democráticas ao PS/Açores, ao seu líder Carlos César e aos seus militantes por tão surpreendente quanto expressiva vitória eleitoral e desejar-lhe o maior sucesso governativo em prol do povo açoriano.
Não posso deixar de expressar aqui uma palavra de reconhecimento e aplauso ao nosso companheiro Victor Cruz pela generosidade, clarividência e coragem com que desenvolveu a sua campanha e pela dignidade com que assumiu os resultados eleitorais. Perdeu-se, de momento, um óptimo presidente para o governo dos Açores, mas ganhou-se, estou certo, uma mais-valia no panorama político nacional.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.as e Srs. Deputados: O povo português no seu todo também está de parabéns, na justa medida em que o processo eleitoral na Madeira e nos Açores foi demonstrativo da maturidade cívica e democrática das suas populações.
Durante a campanha eleitoral, todos os partidos puderam apresentar os seus programas e criticar livremente os seus concorrentes.
Também os órgãos de comunicação social fizeram eco das acções de campanha, nalguns casos com maior destaque para os partidos da oposição do que para o partido do Governo.
Dirigentes nacionais dos partidos concorrentes dirigiram-se às duas regiões autónomas e aí expenderam os seus pontos de vista, alguns deles com demasiada contundência ou sem a necessária preocupação de rigor, e usufruíram da adequada cobertura dos órgãos de comunicação social.
O acto eleitoral decorreu de forma exemplar nas duas regiões, não havendo a registar qualquer incidente digno de nota. Todos nos devemos congratular por isso.
Sr.as e Srs. Deputados: Na Madeira, o principal partido da oposição, o PS, perdeu por menos votos do que é habitual e isto à custa de promessas que sabia de antemão não vir a ter a responsabilidade de cumprir.
O PSD, em contrapartida, apresentou-se ao eleitorado com o respaldo da obra feita e com a credibilidade de quem programa para cumprir.
Mas o programa de governo sufragado pela maioria absoluta dos eleitores, ao contrário do que muitos acusam, não é, como nunca foi, meramente "obreirista"; tem uma forte componente científica, cultural e educativa. As políticas a desenvolver não se confinam às áreas clássicas da administração pública, da educação, saúde, segurança social e solidariedade, economia, turismo, acessibilidades e obras públicas. Serão desenvolvidas políticas em domínios tão variados e tão vastos - e também tão importantes - como os do ordenamento do território, ambiente e conservação da natureza, energia, água, defesa do consumidor, habitação social, ciência, formação, cultura, juventude e sociedade de informação.
Do que se trata é de continuar uma política integral e sustentada, que tem sido, malévola e injustamente, reduzida à sua face mais visível: a das obras públicas, o que não corresponde de todo à realidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Apenas alguns exemplos demonstrativos do contrário: a agenda cultural do governo regional e dos municípios da Madeira impressiona pela quantidade e qualidade dos eventos que mensalmente são postos ao alcance de toda a população.
No quadro das iniciativas tomadas a propósito da Madeira - Região Europeia 2004, realizaram-se diversos eventos culturais e artísticos de nível internacional e todos com uma impressionante afluência de público.
Na Casa-Museu da Calheta - excepcionalmente bem conseguida do ponto de vista arquitectónico -, os residentes e os turistas podem actualmente admirar, entre outras preciosidades da Colecção Berardo, uma escultura de Botero e um quadro de Picasso.
A bondade da política de defesa do ambiente seguida pelo governo regional tem sido reconhecida em Portugal e no estrangeiro.
Ao nível escolar, têm sido tomadas medidas, não só no campo pedagógico, mas também em matéria de qualidade alimentar, que se podem considerar timoneiras no todo nacional.
É ainda inquestionável o interesse cultural e educativo do moderníssimo parque temático da cidade de Santana, bem como são evidentes as vantagens, a vários títulos, das novas condições de acesso ao mar, sobretudo na costa norte da ilha da Madeira.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos a clara noção de que ainda não alcançámos a sociedade perfeita e de que ainda temos pela frente projectos e tarefas de grande significado social e económico, com referência especial ao progressivo esbatimento de diferenças sociais mais acentuadas, à inclusão social e ao apoio às famílias - com a revitalização dos valores de que as mesmas são portadoras - e à formação em geral.
Continuaremos a envolver no governo da região as comunidades radicadas no estrangeiro através das suas estruturas representativas. Em Lisboa e em Bruxelas, continuaremos a defender intransigentemente os direitos e legítimos interesses da Região Autónoma da Madeira.
Os novos Parlamentos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira vão, pela primeira vez, actuar no quadro alargado de competências legislativas propiciadas pela última revisão constitucional.
Fazemos votos para que não percam qualquer das potencialidades que lhes são oferecidas pelo novo texto constitucional, aumentando, assim, a sua capacidade de autogoverno.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Foi a possibilidade de, em parte e progressivamente, o povo da Madeira ir tomando em suas mãos o próprio destino que lhe abriu o caminho para alcançar patamares de desenvolvimento e de progresso inimagináveis. Construímos, no Atlântico, um Portugal de paz, de bem-estar e de progresso de que todos os Portugueses devem orgulhar-se.
É esta leitura da autonomia que explica as sucessivas vitórias eleitorais do Partido Social-Democrata na Madeira e que o manterá na senda de novas vitórias, não só para a Madeira mas também para Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao orador, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia de Jesus, referiu-se na sua intervenção às eleições nos Açores e na Madeira, que foram ganhas num caso pelo PSD, na Madeira e, noutro, pelo Partido Socialista. O Bloco de Esquerda, aliás, não elegeu qualquer Deputado na Região Autónoma dos Açores e regista uma derrota na Região Autónoma da Madeira, onde perdemos um Deputado.
No entanto, os seus comentários são de ordem política e é sobre essa matéria que quero coloca-lhe três questões.
A primeira é que se referiu abundantemente na sua intervenção ao "usufruto" da comunicação social por dirigentes políticos da oposição.

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Está enganado!

O Orador: - Suponho que terá sido por falta de tempo que não trouxe a este Parlamento o testemunho da mágoa e da indignação de Alberto João Jardim acerca da censura de que tem sido vítima…
Aliás, o Presidente do Governo Regional costuma dizer que os próprios Deputados do PSD quando chegam ao Continente ficam contaminados, e a verdade é que têm uma linguagem na Madeira e não a têm aqui, e por isso felicito-o.
Na Madeira, sobre comunicação social, João Jardim diz que é alvo de uma indignante censura, da qual, Sr. Deputado, gostava que nos falasse, para a combatermos em conjunto.
A segunda questão que quero colocar-lhe tem a ver com o facto de, na Madeira, haver um estilo de campanha muito particular. Alberto João Jardim, no sábado, dia de reflexão, fez duas inaugurações - o que é uma média modesta face às quatro a seis por dia que fez durante a campanha, pois inaugurou parques industriais, que não têm uma única empresa…, inaugurou placas toponímicas de ruas que estão por construir…
Só lhe pergunto, Sr. Deputado, se acha que Pedro Santana Lopes deve fazer a próxima campanha eleitoral com inaugurações deste estilo, a esta média e com este conteúdo.
Quero ainda colocar-lhe um problema mais de fundo, aliás solidarizando-me consigo de um determinado ponto de vista. Quero agradecer às bancadas da maioria o facto de terem constituído uma coligação entre o PSD e do PP nos Açores e lamentar que tal não tenha acontecido na Madeira. Aliás, na Madeira, Alberto João Jardim explicou que não fazia a coligação porque o PP é um partido "velho, fascista e reaccionário".
Suponho que o Sr. Deputado comunga deste ponto de vista e que, certamente, repetirá aqui as mesmas afirmações feitas por Alberto João Jardim!

Risos do BE.

É, pelos vistos, muito vantajoso para a oposição que o PSD se alie, nos Açores, a um "partido velho, fascista e reaccionário" como é o Partido Popular. Mas, por favor, Sr. Deputado, seja portador do meu agradecimento, ou do de todos aqueles que se opõem a este Governo, ao Ministro da Agricultura, Pescas e Florestas, à Ministra do Ensino Superior, ao Ministro da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, ao Ministro da Presidência e ao Primeiro-Ministro por terem participado na campanha dos Açores e, dessa forma, terem dado testemunho daquilo que é o Governo, com o resultado que se viu, finalmente, nas eleições.
Muito obrigado, Sr. Deputado, e transmita, por favor, os meus agradecimentos ao Governo por esta participação!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

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O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, muito obrigado por ter ouvido a minha intervenção e pelas questões que acabou de formular.
Gostava de dizer que estou há 24 anos aqui, no Parlamento, e, ao longo dos tempos, alguns Srs. Deputados de outros partidos têm tido a tentação de me dizerem o que não conseguem dizer ao Dr. Alberto João. Portanto, não espere que seja eu a responder pelo Dr. Alberto João! Existe um Parlamento Regional, tendo os partidos correlativos a possibilidade de aí colocar as suas questões, pelo que peço que me dispensem de falar em nome de quem não me deu mandato específico para o efeito…!
De qualquer maneira, gostaria de dizer-lhe que quando o Presidente do Governo Regional falou de censura referia-se à dos órgãos de comunicação de cá e não à dos de lá.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também gostaria de esclarecer o Sr. Deputado Francisco Louçã de que, na parte que me toca, certamente, nunca me ouviu falar lá na Madeira, porque o discurso que faço aqui é rigorosamente o mesmo que faço na Madeira, ou em qualquer parte onde me encontro. É este o meu estilo, é esta a minha maneira de estar na política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de prestar um esclarecimento factual: no sábado, dia de reflexão, o Dr. Alberto João Jardim não procedeu a qualquer inauguração na Região Autónoma da Madeira.

Risos do PS, do PCP e do BE.

Portanto, Sr. Deputado Francisco Louçã…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não convém!

O Orador: - … não extravase os factos para tornar a sua crítica mais acintosa.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - É uma questão de rigor!

O Orador: - No entanto, percebo o incómodo dos partidos da oposição, de cá e também de lá, face àquilo que tem sido o surto de obras, de melhoramentos e de melhorias que o governo social-democrata tem conseguido na Madeira ao longo destes anos. Compreendo que seja uma realidade que os incomoda, no entanto, penso que, para quem defende genuinamente as populações da Madeira e do Porto Santo, não fica bem censurar aquilo que é feito no interesse delas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Francisco Louçã que considero a política de coligações uma questão interna dos partidos e, como tal, não tenho de me pronunciar a esse respeito.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do PS, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Comecemos pelo princípio, pelos bons princípios.
Conhecidos que são os resultados das eleições regionais de domingo passado, o Partido Socialista deseja cumprir, nesta Assembleia, a salutar tradição democrática de cumprimentar os vencedores, todos os vencedores.
Um acto eleitoral, em regime democrático, é sempre uma manifestação suprema da vontade popular, e mal vai a democracia que não sabe ouvir o seu povo.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O sinal político destas eleições é muito claro: contados os votos, o País sabe que o povo das regiões autónomas quis dar mais força ao PS, quer nos Açores quer na Madeira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A conclusão a tirar é, portanto, muito simples: o PS sai mais forte destas eleições regionais.

Aplausos do PS.

Os números não mentem: o Partido Socialista obteve, tanto nos Açores, como na Madeira, o seu melhor resultado de sempre em eleições regionais.

O Sr. António José Seguro (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Na Madeira, sob a liderança de Jacinto Serrão, o PS subiu 7% e alcançou, em circunstâncias adversas, uma votação sem precedentes.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Em 30 anos!...

O Orador: - É certo que não foi ainda o tempo da alternância na Madeira, mas os resultados não enganam: para a Madeira, o tempo da alternativa já começou.

Aplausos do PS.

Nos Açores, Carlos César conduziu o PS a uma vitória verdadeiramente extraordinária: o PS/Açores não só alcançou a sua terceira maioria absoluta…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A primeira não era absoluta!

O Orador: - … como foi capaz de reforçar agora essa maioria e obter o melhor resultado da sua história.

Aplausos do PS.

E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é preciso reconhecer que os açorianos sabem bem o que fazem. Carlos César é um dos grandes valores da democracia portuguesa; soube ser, nos Açores, um excelente governante e merece, sem qualquer dúvida, esta magnífica vitória.

Aplausos do PS.

Aliás, em bom rigor, não houve uma mas, sim, duas vitórias nestas eleições açorianas: além da vitória de Carlos César e do PS/Açores, houve uma segunda vitória, e essa vitória foi dos açorianos, porque foram eles que souberam não apenas derrotar mas destroçar uma campanha lamentável, feita de insultos e de acusações pessoais. Os açorianos deram a resposta!!

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se o PS sai ainda mais forte destas eleições regionais, a coligação PSD-PP sai ainda mais fraca. Derrotada clamorosamente nas eleições europeias e de novo agora nas eleições dos Açores, o menos que se pode dizer é que a coligação da direita não parece ser uma boa ideia aos olhos dos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E os portugueses lá terão as suas razões…!
O certo é que, mesmo entre aqueles que, à direita, votaram para que Durão Barroso fosse Primeiro-

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Ministro, há cada vez mais pessoas que não estão a achar boa ideia estarem a ser tão mal governadas por esta coligação.

Aplausos do PS.

E se a coligação não resulta como solução governativa, não surpreende que fracasse como fórmula eleitoral.
Por isso é que de nada valeu a mão cheia de promessas que o Primeiro-Ministro levou aos Açores em tempo de campanha, de nada valeram os protocolos despudoradamente tirados da "cartola" na véspera das eleições, assim como de nada valeu o corrupio de ministros: ministros em trânsito e ministros estacionados no arquipélago, ministros de Estado e ministros sem sentido de Estado.
Sabe-se hoje, à luz dos resultados eleitorais, que quanto mais os ministros iam, quanto mais faziam promessas, quanto mais discursavam, quanto mais faziam lembrar os erros da governação da República, mais votos se perdiam para a coligação e mais força ganhava o PS.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A coligação está, obviamente, nervosa e o Governo está mesmo muito nervoso. O caso, porventura, não é para menos. Mas, se podemos compreender um Governo nervoso, não podemos tolerar um Governo perigoso. E a verdade é que o Governo está a fazer "jogo perigoso" na comunicação social.

Aplausos do PS.

A resposta do Governo à insatisfação das pessoas deveria resumir-se a uma fórmula simples: cumprir as promessas e governar melhor. Mas o Governo escolheu outro caminho: em vez de se concentrar na resolução dos problemas do País, o Governo preferiu apostar tudo na propaganda e na tentativa de condicionamento da comunicação social.

Aplausos do PS.

Às pressões do Governo sobre a programação de uma estação privada de televisão para calar uma voz incómoda, somam-se agora muitos outros sinais cada vez mais preocupantes: personalidades fiéis à maioria aparecem na direcção de grupos de comunicação social e de jornais; directores de informação demasiado independentes são postos em cheque na televisão e na imprensa escrita; o clima de intimidação adensa-se nas redacções e ressurgem formas subtis de censura; os jornalistas do continente são rotulados de patetas; os próprios tempos de antena do Governo são convertidos em comunicações ao País, para passarem, de forma abusiva, no interior dos serviços noticiosos das televisões; e, como nada disso basta, o Governo planeia ainda gastar milhões de euros na sua própria central de informação e propaganda.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando se pensava que o Governo poderia finalmente recuar, envergonhado pelos seus desastrados passos em falso, desmascarado em público, incluindo por alguns dos seus mais próximos, eis que ele, obcecado pelas eleições que se aproximam, opta por fugir em frente e lança-se numa nova escalada para condicionar a informação livre e independente.
No mesmo dia de ontem, dois ministros do Governo, um de Estado, outro nem tanto,…

Risos do PS.

… resolveram assumir-se como verdadeiros ministros incendiários e lançaram novas achas para uma fogueira que já queima profundamente quem a ateou.
De manhã, o Ministro dos Assuntos Parlamentares avançou com a extraordinária tese do conluio contra o Governo estabelecido entre o Expresso, o Público e o anterior líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, uma cabala, aliás, bizarra, que se moveria por vontades não subjectivas, até aqui totalmente desconhecidas da vida real.
À tarde, o Ministro de Estado e da Presidência, na sua dupla função de responsável pela tutela da comunicação social e da central de informação do Governo, foi ainda mais longe: o Governo assume agora a vontade expressa de limitar a independência dos operadores públicos de televisão em nome da

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teoria fantástica de que o Governo responde politicamente não só pela programação mas também pela própria informação das estações públicas. E isto é de uma gravidade extrema para a qualidade da nossa democracia!!

Aplausos do PS.

Vai na cabeça do Sr. Ministro de Estado e da Presidência uma tremenda confusão, que é preciso desfazer: em democracia, na nossa democracia, o Governo não é nem pode ser politicamente responsável pela programação e pela informação dos operadores públicos de rádio e televisão! Pelo contrário, o Governo tem, isso sim, o dever de respeitar a independência da programação e da informação dos operadores públicos, a mesma independência que o Governo quer agora ver limitada!
Com certeza que há limites à liberdade de informação, mas que não haja confusões: esses limites são os limites da lei, não são os limites que o Governo quer impor!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, o Governo fez há pouco divulgar uma nota à comunicação social em que procura desmentir as interpretações que estariam a ser feitas das palavras do Sr. Ministro de Estado e da Presidência. Verificámos com espanto que o Governo foi mais rápido a desmentir uma alegada sesta do Sr. Primeiro-Ministro do que em esclarecer um assunto de Estado.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Mas o que está dito, está dito, e das duas uma: ou o Sr. Ministro de Estado e da Presidência vem a esta Assembleia retirar formalmente o que disse ou virá aqui apenas para lançar mais "achas" para a sua enorme "fogueira".

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Silva Pereira, V. Ex.ª abordou vários assuntos na sua intervenção, todos eles relevantes.
Em primeiro lugar, quero, obviamente, começar por felicitar o Partido Socialista pelos resultados que obteve nas eleições regionais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Em todas?!

O Orador: - Sr. Deputado, estou a falar de ambas, não se precipite!
Quero dizer-lhe que, relativamente aos Açores, manifestamos a nossa preocupação com o facto de a democracia nos Açores ficar mais empobrecida por a CDU/Açores não ter obtido representação parlamentar. Consideramos que não é positiva para a região autónoma esta maioria absoluta que se verificou. Pensamos que a CDU/Açores faz falta na Assembleia Legislativa Regional dos Açores e que, obviamente, isso não deixará de se traduzir negativamente para o povo da região.
Queremos salientar também a derrota muito significativa sofrida pelos partidos da coligação governante, PSD/CDS-PP,…

O Sr. Afonso Candal (PS): - É verdade!

O Orador: - … na região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira não podemos deixar de registar um decréscimo da influência eleitoral do PSD/Madeira, que é um decréscimo sensível, sendo certo que nesta Região quer o Partido Socialista quer a CDU aumentaram as suas votações.
O Sr. Deputado colocou na sua intervenção uma outra questão, que assume, nos dias de hoje, uma enorme relevância nacional e democrática, que tem a ver com a comunicação social.
Depois do que já sabíamos sobre a criação da tal central de informações, na qual o Governo tenciona empregar entre 20 a 30 pessoas e gastar 2 milhões de euros no ano de 2005 e depois dos ataques e das pressões desencadeadas pelo Ministro Rui Gomes da Silva sobre a TVI a propósito dos comentários do Sr. Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, tivemos ontem o novo episódio das declarações do Ministro Rui

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Gomes da Silva, que talvez expliquem por que é que a maioria não quer que ele deponha na 1.ª Comissão…, provavelmente porque a maioria treme sempre que sabe que o Ministro Rui Gomes da Silva abre a boca sobre este assunto ou sobre qualquer outro.

Risos do PS, do PCP e do BE.

Ontem, o Sr. Ministro Rui Gomes da Silva veio com a nova tese, a tese da cabala, dizendo que há uma cabala, independentemente da vontade subjectiva de a constituir. Ora, depois disso, tive oportunidade de ir a dicionário da língua portuguesa verificar que cabala significa "conluio ou intriga secreta entre indivíduos que conspiram com o mesmo fim"… Portanto, se há cabala, há conluio, há intriga e há conspiração, e nada disso poderá ser inocente.
Mas mais grave ainda foi, de facto, a intervenção do Ministro Morais Sarmento…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - … que, essa sim, revela uma intenção muito clara deste Governo de pôr em causa severamente o princípio constitucional da independência do serviço público de televisão, e isso é extraordinariamente preocupante do ponto de vista democrático e do ponto de vista da salvaguarda dos nossos princípios constitucionais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Silva Pereira, existe ainda um outro pedido de esclarecimento. Deseja responder em conjunto ou responde a cada um separadamente?

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Desejo responder separadamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, é certo que a ausência da CDU na Assembleia Legislativa Regional dos Açores decorre dos resultados eleitorais, mas o que lhe posso dizer é que, agora que estas eleições se realizaram, não podemos esquecer uma agenda política da maior importância, que diz respeito à alteração das leis eleitorais para as regiões autónomas.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Este assunto não ficou resolvido, há um mandato que decorre do processo de revisão constitucional, com um calendário muito preciso, e é muito necessário que esta Assembleia da República ponha rapidamente mãos a essa tarefa para que a Constituição seja respeitada. É apenas disso que se trata, de os princípios constitucionais serem respeitados nas leis eleitorais nas regiões autónomas.
Quanto à fórmula perdedora que é esta coligação, os resultados das eleições regionais confirmam aquilo que as eleições europeias já tinham revelado: que os dois partidos da maioria juntos - PSD e CDS-PP - repelem, não atraem; perdem votos, em vez de os ganhar.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Deviam estar satisfeitos com isso!

O Orador: - É bem verdade, Srs. Deputados, que cada um sabe de si, mas em democracia o povo sabe de todos e, por isso, de vez em quando, vale a pena dar-lhe atenção.
No que diz respeito às questões que suscitou relativamente aos problemas da comunicação social, é bem verdade que em cada dia que passa, o interesse na audição parlamentar do Sr. Ministro Gomes da Silva, Ministro dos Assuntos Parlamentares, vai crescendo. Também nós gostaríamos de compreender exactamente essa teoria do conluio, essa teoria da cabala.
Tal como o Sr. Deputado, partilho das perplexidades quanto à definição disso que o Sr. Ministro apresentou, e tive ocasião de aludir a isso na minha intervenção.
Mas o problema, Sr. Deputado, é que a nossa divergência com o Governo nesta matéria não é uma divergência de semântica, não é apenas uma divergência que tem a ver com o uso da língua portuguesa, é uma divergência política. O que estamos interessados em apurar é, verdadeiramente, o programa político do Governo para a comunicação social.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esse é que nos preocupa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Joaquim Ponte.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Silva Pereira, quero começar por felicitar o povo da Madeira e o povo dos Açores pela forma como decorreram estas eleições regionais e também o Dr. Alberto João Jardim e o Sr. Carlos César pela vitória que ambos conseguiram em cada uma das suas regiões.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ao contrário daquilo que aqui foi feito - e já anteriormente o mesmo tinha sido feito pelo Secretário-Geral do Partido Socialista -, que se resumiu a felicitar aqueles que são os seus militantes, reconheço da mesma forma a vitória àqueles que são igualmente vencedores, mas que são de outros partidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quero, por isso, felicitar e reconhecer o resultado de ambos, como fez, de resto, o líder do PSD/Açores na noite em que perdeu as eleições, reconhecendo que o povo, quando assim decide, tem razão, ao contrário daquilo que o Sr. Carlos César fez há dois anos atrás, quando perdeu as eleições para a Assembleia da República, que, de resto, vem na esteira daquilo que é hábito no Partido Socialista, em que a primeira coisa que disse quando abordou a televisão foi que o povo era injusto…

O Sr. José Saraiva (PS): - E às vezes é!

O Orador: - … e ingrato relativamente aos políticos que o dirigiam. Esta é uma diferença substancial que aqui convém deixar ficar expressa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Todavia, estranho, de alguma forma, que, neste comemorar de vitória socialista nos Açores, não tenha aqui aparecido um Colega meu eleito por aquela região autónoma a dizer alguma coisa sobre essa mesma vitória e apareça aqui um ex-assessor do Sr. Eng.º Macário Correia, que progrediu e fez uma grande evolução até chegar ao dia de hoje…
Percebo a razão por que é que não aparece aqui um Deputado do PS eleito pelo Círculo Eleitoral dos Açores…

Vozes do PS: - Ahhh!…

O Orador: - Tenham calma, Srs. Deputados, que eu já lá vou!
Como eu estava a dizer, percebo por que é que não aparece aqui um Deputado do PS eleito pelo Círculo Eleitoral dos Açores: é porque, certamente, um Deputado eleito pelos Açores não teria tido a coragem de vir aqui dizer aquilo que o senhor disse. De certeza absoluta que, conhecendo a realidade que se vive nos Açores, não teria tido a coragem para vir aqui criticar a presença de alguns membros do Governo. É que, Sr. Deputado, há quatro anos atrás, quando os senhores venceram as eleições, apareceram cartazes, outdoors, afixados na rua, com a fotografia do, então, Sr. Primeiro-Ministro, António Guterres, e do Sr. Carlos César, que era candidato do vosso partido às eleições regionais.
Por conseguinte, não sei por que é que os senhores, hoje, vêm estranhar… Os senhores têm dois pesos e duas medidas: estranham quando são os nossos a aparecer, mas consideram muito bem quando são os vossos a aparecer. Não pode ser assim!! Os senhores têm de ser coerentes e de tratar as pessoas da mesma forma.

Aplausos do PSD e do CSD-PP.

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E o resultado, Sr. Deputado,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Dizia eu que o resultado foi aquele que o povo dos Açores quis. Nós respeitamos esse resultado e vamos exercer o nosso papel de oposição, com toda a dignidade e com todo o empenho.

Protestos do Deputado do PS José Junqueiro.

Digo-lhe uma coisa Sr. Deputado, durante a campanha eleitoral não houve insinuações, como aqui disse, infundadas; houve acusações provadas, e oxalá se mantenham. E mais: oxalá, alguém venha a esclarecê-las.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Ponte, começo por corrigi-lo, em abono da verdade: comecei justamente a minha intervenção por felicitar os vencedores.

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Não ouvi!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Nunca falou no Dr. Alberto João Jardim! Que sectarismo! São, realmente, "democratas"!

O Orador: - Um pouco mais de atenção do Sr. Deputado Joaquim Ponte, tê-lo-ia dispensado de cometer esse erro lamentável.
A sua intervenção nesta Assembleia, Sr. Deputado, revela apenas uma coisa: um profundo mau perder!

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Sr. Deputado, quero chamar a sua atenção para o facto de que o PS/Açores não ganhou apenas nos resultados eleitorais: naquela noite, o Partido Socialista ganhou também nas declarações de vitória.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Compare o Sr. Deputado a categoria e a elevação da declaração de vitória de Carlos César com a que foi feita na Madeira.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Joaquim Ponte, é preciso tirar ilações das vitórias e é preciso tirar ilações das derrotas!

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Ai tiro, tiro!

O Orador: - Há ilações destes resultados no âmbito nacional e, quanto a essas, é necessário também serem discutidas. Foi o que fiz na minha intervenção.
O Sr. Deputado comentou que os Ministros foram aos Açores, mas não é "pecado" os Ministros irem às regiões autónomas em tempo de campanha eleitoral. O problema reside no facto de, quando os Ministros se deslocam às regiões autónomas, fazerem promessas em tempo de campanha.

Vozes do PS: - Muito bem!

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Vozes do PSD: - E os senhores baixam as tarifas!

O Orador: - O problema resulta de irem lá fazer chantagem sobre o eleitorado, para tentarem obter ganhos de causa. Este é o problema.

Aplausos do PS.

Insiste o Sr. Deputado na necessidade de esclarecimentos sobre suspeitas. O Sr. Deputado até fala em "factos não provados",…

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Provados!

O Orador: - Sr. Deputado, quero fazer-lhe uma afirmação muito simples: o PS/Açores e Carlos César, nesta campanha eleitoral, deram a resposta a todas as perguntas. À pergunta sobre o trabalho feito, responderam com a obra realizada,…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Como na Madeira!

O Orador: - … e às suspeitas pessoais e insultuosas que foram lançadas, responderam da forma como se deve responder a essas perguntas.
Sr. Deputado, olhe para os resultados e verá que os açorianos apreciaram mais as respostas de Carlos César do que as suas perguntas.

Aplausos e risos do PS.

O Sr. Presidente: - Seja-me permitido juntar também uma palavra de saudação e de felicitações aos vencedores das eleições regionais, nos Açores e na Madeira, respectivamente Carlos César e Partido Socialista, e Alberto João Jardim e o Partido Social-Democrata.
Compreenderão, de certo, que também deixe uma palavra de solidariedade muito amiga a Vítor Cruz - que até é nosso Colega -, que perdeu, mas com honra, e que tem feito um trabalho muito valioso.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PS: - Então e o Jacinto Serrão na Madeira?

O Sr. Presidente: - Vou dar, agora, a palavra à Sr.ª Deputada Odete Santos, para uma declaração política.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A coberto de uma autorização legislativa, inviabilizando dessa forma uma apreciação profunda da chamada reforma do arrendamento urbano, o Governo prepara-se para frustrar inadmissível, arbitrária e onerosamente, expectativas jurídicas de milhares de famílias deste país.
As profundas alterações que pretende introduzir na legislação têm sido contrabandeadas para a opinião pública, com algum terrorismo verbal, destinado a esconder o terrorismo social da lei em gestação. Alguém do Governo afirmava, ontem, "à la Tatcher": não há alternativa. A solução é esta, ou a derrocada do parque urbano.
Desta dramática maneira, o Governo pretende dizer que a frustração das respectivas expectativas de milhares de inquilinos é justificada pela necessidade de salvaguardar um interesse prevalecente. Esta é uma das "cortinas de fumo" que o Governo descerrou sobre os seus reais objectivos, "cortina" que não resiste e facilmente se esvai, e muito rapidamente, porque a demagogia é tosca. É muito evidente essa demagogia no que toca ao arrendamento para o comércio.
As associações dos pequenos e médios comerciantes, mal refeitas da estupefacção, ainda não querem acreditar. O mesmo se diga, por exemplo, das associações de turismo, sector também gravemente afectado por estas propostas.
Não é ao arrendamento comercial que podem ser imputadas a situação de degradação do parque urbano imobiliário. Os estabelecimentos de restauração, por exemplo, são sujeitos a fiscalizações frequentes. A legislação é exigente no que toca aos requisitos de higiene e segurança, e obriga os inquilinos a fazer investimentos para poderem continuar a laboração.

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O outro comércio, o pequeno e médio, sofrendo já o forte embate da concorrência das grandes superfícies comerciais, é também compelido a fazer investimentos que beneficiam os imóveis. O próprio Governo incentiva esta área de serviços a realizar investimentos necessários à modernização. Criaram-se programas específicos para impelir os comerciantes a fazer obras. Oneraram-se estes inquilinos, criando-se-lhes expectativas, fundadas num arrendamento sem duração limitada.
O Governo sabe que no arrendamento comercial são os inquilinos que fazem as obras. E tanto é assim que a lei em projecto já dá uma autorização legal para que todas as obras sejam feitas pelo inquilino, o que não permite nos arrendamentos habitacionais. Nestes últimos, e "não vá o diabo tecê-las" e dificultar a expropriação do lar familiar pela potestas do senhorio, só este fica legalmente habilitado a fazer todas as obras. Mas no arrendamento comercial, para o Governo, assim não acontecerá. A proposta de lei incentiva estes inquilinos a conservar e melhorar o seu estabelecimento.
Os programas que o Governo disponibiliza para modernização dos estabelecimentos comerciais mais não fizeram do que consolidar as expectativas daqueles que contavam que a lei garantisse a estabilidade do arrendamento, necessária à defesa de um património inestimável, que é criado pelo inquilino - o estabelecimento. Assim, o argumento da necessidade de recuperação do parque imobiliário não se aplica ao arrendamento comercial. Também não se aplica ao habitacional, mas isso veremos mais adiante.
E a propalada necessidade de garantir a mobilidade dos inquilinos, despejando-os, para garantir a competitividade (espantoso, como se recupera o debate da legislação laboral, agora, contra o pequeno patronato…!), esse argumento também falseia o debate da proposta de lei, e muito evidentemente, em relação ao arrendamento comercial.
De facto, o comércio que se exerce num estabelecimento criado pelo inquilino desaparece com a perda do estabelecimento. Ao desaparecimento do estabelecimento conduzem soluções dos decretos-leis anunciados, como a renda negociada em negócio leonino, favorecendo o senhorio e fomentando os despejos; e também a famigerada disposição que torna todos os arrendamentos em arrendamentos precários, aquela que torna possível que os contratos de duração ilimitada sejam denunciados pelo senhorio com pré-aviso de 3 anos.
Desaparece o trespasse, que só continuará na lei formalmente, porque não há ninguém que tome de trespasse um estabelecimento que poderá desaparecer com facilidade. Assim, o Governo frustra expectativas fundamentadas dos inquilinos comerciais, sem que possa invocar um interesse prevalecente.
Alguns destes inquilinos são vítimas do seu azar de terem o seu estabelecimento comercial nos centros das cidades, em zonas no alvo dos especuladores imobiliários - mas que maçada! E é tão só essa a razão que move o Governo, sem cuidar de saber qual o destino dos trabalhadores destes estabelecimentos!
Os arrendamentos habitacionais são também vítimas da protecção à especulação imobiliária. A liberalização das rendas e a precarização da relação locatícia dinamizam o mercado de arrendamento?! A resposta é claramente negativa.
As rendas estão descongeladas desde 1981, e não foi isso que dinamizou o mercado. Bem pelo contrário! As rendas elevadas fomentaram - e fomentam! - a aquisição de casa própria: pagar por pagar, então, o sacrifício faz-se para a aquisição de propriedade.
E os contratos a prazo que existem, desde 1985, contribuíram para a dinamização? Mais uma vez a resposta é negativa, porque a aquisição de casa própria garante a estabilidade familiar.
A liberalização e a precarização contribuíram para a recuperação do parque urbano? Obviamente que não. Os prédios continuaram a ficar devolutos e a degradar-se. E se mais degradação não há, isso deve-se, na grande maioria dos casos, a investimentos feitos pelos inquilinos.
O Governo quer que "a cura mate o doente".

Aplausos do PCP.

A precarização e a liberalização conduzem a despejos e não atingem os objectivos anunciados. O exemplo da vizinha Espanha comprova-o: o Decreto Boyer, que teve de ser temperado em 1994, dada a instabilidade social que criou, não dinamizou o mercado de arrendamento, e a preferência dos espanhóis continuou a ser a aquisição de casa própria.
Também aqui, nos arrendamentos habitacionais, o famoso sistema da renda negociada não conduz a uma renda justa mas a uma renda especulativa. A possibilidade de denúncia do contrato, com pré-aviso de 3 anos, para os arrendamentos de duração ilimitada, visa tão só a desocupação do prédio para pasto da especulação imobiliária.
Por que será…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se.

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A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Assim, conclui-se facilmente que estamos perante uma lei inconstitucional, porque viola o princípio da confiança no Estado de direito democrático; afecta inadmissível, arbitrária e onerosamente expectativas jurídicas.
Esperamos que o Presidente da República, face a esta situação, lhe dê o destino adequado, para fazer jus à confiança que depositou neste Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, ouvimo-la com muita atenção relativamente a esta matéria.
De facto, aquilo que gostaríamos de compreender é como é que a Sr.ª Deputada é tão categórica quanto ao resultado final desta lei. É que, até hoje, o PCP, sempre que houve alterações à lei do arrendamento, esteve contra, e sempre se enganou naquilo que eram as previsões que fazia relativamente às consequências. Sempre se enganou!
Vamos demonstrar que, mais uma vez, se engana, Sr.ª Deputada! O Grupo Parlamentar do PSD e também o do CDS-PP manifestam a V. Ex.ª e a toda a Câmara a nossa disponibilidade para, até ao final deste ano, aqui, no Parlamento, o Governo e todos nós podermos trabalhar em conjunto.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Em Novembro!

O Orador: - Vamos receber as propostas de alteração que vocês, com certeza, irão fazer; vamos ver da bondade delas, e vamos também apreciá-las. Relativamente a todas aquelas que tiverem sentido, estaremos obviamente receptivos a introduzir melhorias na proposta de lei, e aqui, obviamente que estamos todos de boa fé.
Portanto, não vale a pena transformar esta proposta de lei em "espantalho", nem em "fantasmas". Esta proposta de lei é necessária, é urgente: o País precisa de uma lei nova do arrendamento.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É uma resposta a esta questão que eu gostaria de ouvir. De facto, gostava de saber se a Sr.ª Deputada pode, ou não, contribuir para esta discussão, e portanto, agradeço imenso esse seu contributo.

Aplausos de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, agradeço-lhe as perguntas que me fez.
Por acaso, o PCP já tinha pendente na Mesa da Assembleia da República, não sei há quanto tempo, um projecto de lei sobre renda apoiada. Também apresentámos um outro sobre a obrigação de arrendar os fogos devolutos, porque VV. Ex.as não criam qualquer mecanismo que obrigue a arrendar os fogos devolutos…

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - São 540 000 os fogos devolutos e não foi a legislação anterior que, efectivamente, resolveu esse problema. Mas isso não tem nada, porque o que os senhores deviam fazer, o que o Governo devia fazer era quer um verdadeiro debate sobre este problema quer apresentar propostas de lei material que tornassem possível um debate aprofundado. Não apresentar uma autorização legislativa e logo no meio da apresentação e do debate do Orçamento do Estado!
Efectivamente, faz-se um debate como se fosse um gato, ou outro bicho qualquer, por cima de brasas ou de água escaldada, ou como for…
A resposta à questão que V. Ex.ª colocou é muito simples: sabe que o PCP tinha razão, sempre que

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combateu? Tinha!
Olhe, o Sr. Deputado não estava cá, porque, enfim, é muito novo,…

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - São 40 anos, Sr.ª Deputada!…

A Oradora: - … mas eu já tenho uma certa idade e lembro-me muito bem de que, quer em 1985, altura em que eu já cá estava, quer em 1990, altura em que eu também já cá estava, foi sempre apresentado, como bandeira, que "a legislação ia dinamizar o mercado de arrendamento". Sempre, sempre! Que com as rendas altas, etc., ia haver dinamização do mercado e ficava tudo resolvido. Eis senão quando chegamos até esta data e é o próprio Governo que diz que não se tomaram as medidas necessárias para a dinamização!... Portanto, o PCP tinha razão!!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - São 16 anos no Governo!

A Oradora: - E o PCP tinha razão porque o que de facto aconteceu foi que, por causa das rendas elevadas, as pessoas - não ouviu, mas eu disse-o na minha intervenção! - optaram por comprar casa, porque, enfim, paga-se caro, mas paga-se para ficar com uma propriedade sua, sem ser a prazo, porque os contratos a prazo também não resolvem o problema.
Depois, Sr. Deputado, já que mais não houvesse, mas esta é a experiência que temos, basta consultar um estudo que o Instituto Nacional de Estatística publicou, com base nos censos de 2001, onde encontrará isto, que estou a dizer, com números.
Mas se isto não bastasse, Sr. Deputado, bastava ir ali à Espanha: olhe, liberalizaram a legislação, em 1985, de uma maneira selvagem! Aconteceu que não houve, assim, grande dinamização: 18% foram os contratos de arrendamento.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Mas, depois, tiveram de temperar essa lei horrível, porque, segundo se diz no preâmbulo da lei actual, de 1994, criou uma instabilidade social tremenda que não podia continuar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem! Era isto, o que vocês queriam aqui!

A Oradora: - Portanto, Sr. Deputado, creio que lhe respondi às suas questões.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, como é do conhecimento geral, o Governo pediu para usar da palavra, nesta parte dos nossos trabalhos, ao abrigo do artigo 84.º, n.º 2, do Regimento.
Primeiro, usará da palavra o Sr. Ministro de Estado e da Presidência e, depois da sua intervenção, seguir-se-á um debate nos moldes que o Regimento prevê e que já têm sido aqui, várias vezes, seguidos.
Assim, para uma intervenção, dispondo de 8 minutos, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Presidência.

O Sr. Ministro de Estado e da Presidência (Nuno Morais Sarmento): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tempo para esta intervenção inicial é de 8 minutos, mas penso que, em apenas 30 segundos, se pode afirmar a ideia essencial desta intervenção:…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - "Quem manda na televisão somos nós!"!

O Orador: - … a de que a aposta feita, em primeiro lugar, pelo Governo num novo modelo para o operador de serviço público de televisão - modelo de gestão mas também de programação de serviço público - era tão necessária como inadiável.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E se alguma coisa estes dois anos demonstraram foi, para além da sua necessidade, a possibilidade, por muitos contestada, de, neste tempo, inverter uma situação que tantos diziam perdida.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Há dois anos, na base de um diagnóstico correcto e de opções claras, iniciámos a reestruturação do serviço público de televisão, um trabalho tão exigente quanto difícil, obrigando a uma intervenção séria, determinada e persistente.
Ao longo deste percurso, muitos foram aderindo e participando: operadores, profissionais do sector e mesmo responsáveis políticos de outros quadrantes. Mas, ao mesmo tempo, repetidamente, alguns procuraram, através de factos artificiais, de sensacionalismos instantâneos e de uma quase obsessiva valorização do acessório, criar momentos de tensão, sempre com o fim último e exclusivo de travar, tanto quanto possível, a dinâmica desta reforma.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Mas esta é uma questão de tal modo relevante que não comporta meias posições ou opções pouco claras.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pela sua natureza, exige-nos que, a cada passo, se esclareça quem está de um lado e quem está do outro, quem quer tratar das questões de uma forma séria, responsável e profunda, com a determinação e o objectivo de resolver os problemas e apontar caminhos de futuro, ou quem apenas pretende continuar na posição de tudo criticar, no fundo, para que tudo fique na mesma.
Pela nossa parte, agora, como no primeiro dia, a nossa determinação está na mudança.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Portugal existe um dos mais exigentes quadros normativos da actividade de comunicação social. Temos a Constituição, a Lei da Televisão, a Lei da Rádio, a Lei da Imprensa, o Código Penal, o Estatuto do Jornalista, o Estatuto dos Editoriais e ainda seis entidades, todas elas, com competências reguladoras. Olhando para estas peças legislativas, poderíamos pensar ser Portugal um país exemplar, no que se refere ao respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Mas sejamos claros e intelectualmente honestos: esta não é a realidade! A realidade é a comprovação constante da violência gratuita, da violação do segredo de justiça, da falta de protecção dos públicos vulneráveis, da permanente exclusão de públicos minoritários, da violação do direito à vida privada, do direito à imagem e ao bom nome das pessoas. Esta é a realidade!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Uma realidade que temos, desde há dois anos, vindo a denunciar e que temos, desde há dois anos, procurado inverter, trabalhando com base em dois pressupostos e uma ideia-força.
O primeiro pressuposto é, para nós, muito claro: esta reforma dirige-se, única e exclusivamente, ao cidadão. É ele a referência das nossas prioridades e o elemento-chave da nossa linha de rumo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não estamos a empreender um caminho nem a colocar nele todo o nosso empenho para agradar mais aos operadores, aos profissionais de comunicação social, a sectores políticos específicos, por mais respeito que nos mereçam.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Estamos a realizar esta reforma, apenas e só, a pensar no cidadão.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O segundo pressuposto decorre dos princípios fundamentais que regem um Estado de direito democrático: a comunicação social tem de ser sempre um elemento de reforço e de protecção do sistema democrático e nunca um instrumento político ao serviço da sua subversão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, a ideia-força assenta no imperativo da regulação, de uma regulação que

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permita o crescimento sustentado das empresas, o cumprimento efectivo das obrigações definidas, a melhoria da qualidade e quantidade da oferta.
Convictos destes pressupostos e orientados por esta ideia-força, temos vindo a desenvolver, em particular, o processo de reestruturação da RTP, uma reestruturação que tem levado à valorização do operador de serviço público como elemento de regulação de toda a actividade. É esta a verdade que nos satisfaz e que a tantos outros, estranhamente, preocupa!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.as e Srs. Deputados: Se, num exercício de memória, recordarem a "fotografia" de há dois anos, encontram as duas principais apostas de então, a primeira das quais foi a nomeação de uma nova administração, tão contestada, e por tantos que hoje se sentam nesta Câmara, mas hoje tão unanimemente reconhecida como peça-chave nos sucessos obtidos ao longo deste período.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A segunda aposta foi o combate sem tréguas pela alteração do modelo de serviço público e do modelo de programação.
O problema fundamental da RTP, por todos reconhecido e identificado, estava precisamente na ausência de uma estratégia própria, na programação, que copiava mimeticamente os operadores privados, no incumprimento das obrigações de serviço público, na falta de apoio à produção independente, na "tablóidização" e no sensacionalismo da informação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Foi a partir deste ponto que, desde logo, defendemos, como pedra essencial desta construção, um modelo próprio e tanto quanto possível diferenciado do dos operadores privados, focado, essencialmente, na qualidade da programação e da informação. E, não tendo a pretensão da certeza do caminho, foi a partir do grupo de trabalho que avançámos neste processo, aproveitando as suas conclusões para proceder à alteração da Lei da Televisão, onde especificámos as bases e o próprio contrato de concessão entre o Estado e a RTP.
Esta aposta, também no que respeita ao modelo do operador de serviço público, foi desde sempre assumida pelo Governo, por uma razão muito simples: responsabilidade. Responsabilidade que nós assumimos, ao contrário de outros, que sempre lhe fugiram. Não está na nossa forma de actuar diluir deveres ou amputar obrigações.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E há que dizer, pois temos legitimidade para o fazer, que era pela ausência de responsabilidade que, no passado, se gastavam mais de 70 milhões de contos por ano na RTP, se perdiam audiências de forma consecutiva, se apostava numa programação cada vez mais puramente comercial, em suma, se fazia letra morta, de forma despudorada, das exigências do serviço público.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Isto, sem que alguém se questionasse, quanto mais não fosse por imperativo ético, sobre o problema que, dia-a-dia, cavava mais fundo.
Se outros meios de comparação não existissem, esta responsabilidade que nos auto-impomos só por si em tudo contrasta com o comportamento daqueles que agora nos criticam.
Mas há outro termo de comparação. Desde logo, o facto de que nós definimos modelos e assumimos que os definimos, enquanto outros se limitaram a gerir interesses próprios e a encontrar uma forma de beneficiar em causa própria. Tivessem eles tido a responsabilidade de, em tempo próprio, assumir essas obrigações e hoje não estariam alguns impunemente sentados nesta Câmara, atrevendo-se a dizer uma palavra que fosse sobre o processo de reestruturação, muito menos para o criticar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, está largamente esgotado o tempo de que dispunha. Distraí-me um pouco, e por isso peço desculpa à Câmara. Solicito-lhe, pois, que termine.

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O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Os quadros legais foram repetidamente definidos e alterados, a diferença está na prática, na prática de um operador que hoje vive com liberdade mas com responsabilidade, com independência mas com responsabilidade, com um comportamento que é, em Portugal e no estrangeiro, ao contrário de anos anteriores, um exemplo de serviço público.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Vera Jardim, inscreveu-se para usar da palavra para que efeito?

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, para, sob a forma de interpelação à Mesa ou outra que V. Ex.ª julgar mais ajustada, protestar energicamente pelo fraseado que o Sr. Ministro…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está prevista a figura regimental do protesto, pelo que tem a palavra para esse efeito.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Então, Sr. Presidente, quero protestar pelo fraseado que o Sr. Ministro aqui trouxe, dizendo, nomeadamente, que havia pessoas que se sentavam impunemente nesta Câmara,…

O Sr. José Sócrates (PS): - Ele não sabe o que diz!

O Orador: - … referindo-se, naturalmente, à generalidade dos Deputados ou a alguns deles.
Salvo melhor opinião de V. Ex.ª, Sr. Presidente, essa não é forma de um Ministro da República vir aqui falar, insultando os Deputados.

Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Presidência.

O Sr. José Sócrates (PS): - É só para pedir desculpa!

O Sr. Ministro de Estado e da Presidência: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, há dois anos, quando esta reforma aqui foi apresentada, recordará a fraseologia com que ela foi mimoseada pelos Deputados a que agora me referi.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - São os Deputados que, então, disseram: "daqui a dois anos, falamos!", "chega de propaganda!", "a realidade vai impor-se ao voluntarismo propagandístico!", "aquilo que estão a dizer é, pura e simplesmente, uma falsidade!". Estes foram os termos utilizados pelo Deputado Arons de Carvalho, há dois anos, quando eu dizia: "Aqui estamos e aqui estaremos para responder pelo trabalho que fizermos".

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando no debate, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. António Filipe (PCP): - Vai felicitar o Governo!

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro de Estado e da Presidência, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Temos assistido, neste caso concreto, a ataques, sobretudo por parte do principal partido da oposição, relativamente a frases que são ditas de uma forma séria, construtiva, atendendo àquilo que deve ser o cumprir das obrigações de um Governo no que toca à gestão do sector público do audiovisual, ou seja, a busca de um modelo, de uma filosofia de serviço público.

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A oposição, de uma forma voluntária, porque presumo que não se trate de ignorância, e, por isso, com má fé, continua a confundir modelo e filosofia com elaborações de grelhas,…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … ou seja, nesta matéria, continua a confundir o peru com a geografia, talvez porque durante alguns anos tenha tido determinadas práticas.
Se me permitem, vou passo a ler o seguinte texto: "O mesmo Governo…" - referindo-se ao Governo do Eng.º Guterres - "… foi várias vezes intermediário das mais diversas solicitações para que a RTP subsidiasse, transmitisse ou patrocinasse dezenas de iniciativas, grande parte das quais sem qualquer lógica comercial, por vezes até de interesse duvidoso.". Este texto insere-se num livro cujo título é Valerá a pena desmenti-los?, cujo autor é o Deputado Arons de Carvalho, que escreveu isto como letra morta. Portanto, Srs. Deputados, não julguem os outros por aquilo que os senhores fizeram.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Como disse o Sr. Ministro, os mesmos que há dois anos fomentaram suspeitas, os mesmos que há dois anos vaticinaram o "enterro político", se me permitem a expressão, do Sr. Ministro, relativamente ao trabalho sério que estava a fazer no sector público da comunicação social, são os que agora aparecem, deturpando, fazendo de intérpretes e criando uma poluição sonora, de forma a que o País entenda aquilo que eles querem que o Sr. Ministro tenha dito e não aquilo que, na realidade, o Sr. Ministro disse, e disse bem.
Sr. Ministro de Estado e da Presidência, quando este Governo traçou aquele que seria o modelo, a filosofia, o campo de actuação, em termos latos ou gerais, do canal Dois, interveio, de alguma forma concreta, naquilo que são as grelhas e o alinhamento não só da direcção de programas mas também da direcção de informação? Faço-lhe esta pergunta, cara a cara, com toda a franqueza: quando traçou esse modelo, essa filosofia para o Dois, foi criando, digamos, sectores de interferência, canais privilegiados de interferência ou criou apenas e tão-só um novo modelo, que, já agora, tem tido o máximo de sucesso e, para que toda a Câmara saiba, já é até líder de audiências, no que toca aos programas infanto-juvenis?!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Presidência, a sua intervenção pode ser caracterizada com três palavras: manobra de diversão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas esse seu propósito está condenado ao fracasso, porque aquilo a que o País assiste, desde há dias, sucessivamente, é a uma dupla operação de condicionamento político da comunicação social, dirigida pelos dois ministros que se sentam, neste momento, na bancada do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Através do Ministro Gomes da Silva, assistimos a uma tentativa de condicionar politicamente a comunicação social privada;…

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - … através do Ministro Morais Sarmento, assistimos a uma tentativa de condicionar politicamente a comunicação social pública. É disto que se trata!

Aplausos do PS.

E não vale a pena desconversarmos, porque é esse o cerne da questão, era isso que o Sr. Ministro deveria ter abordado na sua intervenção.
O Ministro Gomes da Silva fez declarações que configuram, em si mesmas, uma tentativa de condicionamento político sobre uma estação de televisão privada, a que acrescentou ontem a invenção de uma

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cabala, de um suposto conluio entre uma televisão privada e dois órgãos privados de comunicação escrita.
O Sr. Ministro Morais Sarmento, que acumula - convém não esquecer -, num aspecto que em nada honra a maneira como o Governo entende a democracia, a tutela da comunicação social pública com a coordenação da central de informação do Governo,…

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - … em declarações produzidas ontem, fez uma tentativa de condicionamento político da comunicação social pública, designadamente da RTP.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É disso que temos de tratar. E as coisas são muito simples, Sr. Ministro!
São-lhe atribuídas declarações proferidas ontem - e que, aliás, o Sr. Ministro não desmentiu hoje -, segundo as quais "deve haver uma definição, por parte do poder político, acerca do modelo de programação do operador de serviço público e é necessário haver limites à independência dos operadores públicos, sob pena de ser adoptado um modelo perverso que exige responsabilidades a quem não toma as decisões".
Sr. Ministro de Estado e da Presidência, se me permite, passo a ler-lhe a Constituição, que diz, no n.º 5 do seu artigo 38.º - (Liberdade de imprensa e meios de comunicação social) -, que "O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão." e, no n.º 6, que "A estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos (…)".

O Sr. José Magalhães (PS): - Boa norma!

O Orador: - Portanto, Sr. Ministro, quando V. Ex.ª diz, num colóquio público, que deve haver limites à independência dos operadores públicos, o Sr. Ministro está a contrariar a letra da Constituição, o que é grave, muito grave, Sr. Ministro!

Aplausos do PS.

Trata-se de um problema de interpretação?! Ó Sr. Ministro, só posso recomendar-lhe que, da próxima vez, se exprima melhor, porque as declarações são muito claras e é claro o modo como configuram uma violação da Constituição a que está obrigado.
Acresce que essas declarações não são ocasionais, devendo ser situadas num contexto que começa no sábado passado, com uma notícia, aliás ainda não desmentida - estou a referir-me à notícia do semanário Expresso -, a qual atribui a uma fonte oficial do Governo a informação de que a Direcção de Informação da RTP está em avaliação para se averiguar se continua ou não.
Portanto, as suas declarações, Sr. Ministro, não constituem um passo inicial, da sua parte, para, enfim, elevar ou diminuir o debate político. Não! Trata-se de mais um passo numa estratégia que é clara aos olhos de todos, aliás muito clara a partir do momento em que se percebe que o Ministro que tutela a RTP é quem coordena a central de propaganda do Governo.
Recordo que o currículo do Sr. Ministro também deve ser usado para perceber bem o alcance das suas declarações. É que o Sr. Ministro Morais Sarmento é o mesmo Ministro que exterminou o programa cultural Acontece, na RTP2; é o mesmo Ministro que retirou competências aos Conselhos de Opinião da RTP e da RDP; é o mesmo Ministro que retirou obrigações ao serviço público no novo contrato de concessão que celebrou com a RTP; é o mesmo Ministro que dirige, já o disse, a central de informações; é o mesmo Ministro que pertence a um Governo cuja fonte oficial manda dizer por um jornal que a Direcção de Informação da RTP está sob avaliação.
Isto é uma operação de condicionamento político da comunicação social pública!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vamos ao que interessa, Sr. Ministro, e o que interessa é isto, nada mais do que isto: há uma dupla operação de condicionamento político da comunicação social privada e pública dirigida pelo seu Governo. Que explicações tem o Sr. Ministro a dar à Câmara para isso?

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É este o ponto que interessa, e sobre ele o Sr. Ministro nada disse na sua intervenção! Mas o nada que disse é muito revelador do plano que os senhores têm! Pela nossa parte, só podemos dizer que, em relação a esse plano, contem com a maior oposição, firme e determinada, do Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E não apenas do Partido Socialista, mas de todos os democratas, incluindo aqueles que pertencem ao seu partido!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Nuno Morais Sarmento, a memória é curta, e tendo passado apenas dois anos desde o primeiro debate que V. Ex.ª aqui nos trouxe ou um ano desde o mais recente deles, decorrente de um agendamento potestativo do CDS-PP, mais demonstra o quanto ela é curta! Na verdade, a oposição, não apenas pela intervenção que acabou de ter lugar, mas também pelas que proferiu anteriormente, acaba de prestar a maior homenagem que este Governo podia ter a propósito do que tem feito na RTP.
Há dois anos, ou mesmo há um ano, os Srs. Deputados Alberto Arons de Carvalho, Manuel Maria Carrilho, João Teixeira Lopes e outros, quando falávamos da RTP, obrigavam-nos a lembrar uma empresa em ruptura financeira, com um passivo superior a 1657 milhões de euros, com um prejuízo de 103 milhões de euros só em 2001, com quebras de audiências - de 1995 para 2002, de 44% para 28% -, uma empresa endividada, uma empresa que muitos consideravam ser já inviável.
Hoje, passados dois anos desde a primeira intervenção do Sr. Ministro e passado um ano desde esse agendamento potestativo do CDS-PP, a propósito desses aspectos a oposição disse "zero", o que demonstra que em relação ao principal, àquilo que verdadeiramente preocupava então, e muito, a RTP e muitos milhares de trabalhadores tudo ou muito foi resolvido. Hoje, quando se fala da RTP fala-se de outra empresa.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Agora, porque o que está na moda nos sound bytes políticos de circunstância é falar de comunicação social e de liberdade da comunicação social, houve - porque o Sr. Ministro, como noutros ocasiões, usou da palavra a propósito - que ficcionar um facto político, deturpar aquilo que foi dito, dizer que disse aquilo que não disse! Eu, que ouvi as declarações do Sr. Ministro Nuno Morais Sarmento e tive o cuidado de reler aquilo que ele já aqui disse quer há dois anos quer há um ano, não notei qualquer diferença. O Sr. Ministro disse aquilo que sempre disse, disse o que tem de ser dito, porque o que disse e o que tem de ser dito é o que tem de ser feito.
Relembro, Sr. Ministro, que afirmou então, por exemplo, que realidades como o serviço público de televisão ou regulação, tantas vezes criticadas, nunca foram assumidas como uma questão fulcral do nosso modelo de sociedade. Tal como afirmou ter destacado como pontos essenciais a introdução de uma ética de antena que promovesse a dignidade da pessoa humana, reforçando a protecção dos públicos mais vulneráveis, designadamente as crianças e os jovens, a par de uma nova regulação de conteúdos.
Na altura, a oposição, que só estava centrada num outro aspecto da comunicação social, achava bem. O Sr. Deputado António Filipe afirmava então: "Tem algum mérito que importa reconhecer a manifesta preocupação em relação aos conteúdos da televisão, o que é meritório."

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - É extraordinário!

O Orador: - E o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, na altura, afirmava exactamente o mesmo a propósito da protecção e dos conteúdos violentos.
Hoje, curiosamente, esqueceram-se completamente do que disseram! E esqueceram-se porque estão convencidos de que aquilo que disseram não é lido nem relembrado. Mas é! Porque o que os Srs. Deputados então afirmaram consta do Diário desta Assembleia e, por muito que hoje lhes convenha numa lógica estritamente politiqueira, não deixamos de trazer essas afirmações à discussão!

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Sr. Ministro, deixo-lhe uma questão que tem que ver com outro aspecto suscitado na sua entrevista, o da independência, pois gostaria de saber se o que compreendi foi efectivamente o que V. Ex.ª disse.
O Sr. Ministro não pôs em causa a independência da comunicação social, a independência da televisão pública, mas lembrou que a independência tem limites: tem como limites outras independências; tem como limites a dependência orgânica que a lei prevê; tem como limites a dependência que a regulação imporá; tem como limites também direitos conflituantes de quem pode ser visado (como sabe, é o próprio Código Civil que trata e ensina como se resolvem direitos conflituantes, desde logo salvaguardando aquele que tem de ser mais relevante). Ora, isto é completamente diferente de dizer que vai interferir com os conteúdos em concreto. Obviamente que esses o Sr. Ministro, como qualquer pessoa que se queira de boa fé e de pleno juízo numa discussão desta matéria, deixa para quem tem competência, nomeadamente os directores de programação e de informação.
Isto não significa que, no que toca ao modelo de programação, o poder político não tenha, obviamente, que estar atento, não tenha que ter a intervenção que a lei prevê, porque a isso está obrigado numa lógica de serviço público que só a RTP pode prestar.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Essa foi a minha interpretação das suas declarações, Sr. Ministro, mas queria saber de V. Ex.ª se foi exactamente isso que queria dizer ou, pelo menos, alguma coisa equivalente.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e da Presidência, o Governo, primeiro, começou por anunciar a criação de uma central de comunicação que irá empregar entre 20 a 30 pessoas, gastar 2 milhões de euros em 2005 e que servirá para fazer planos de comunicação sobre a acção governativa, para tratar das relações do Governo com a comunicação social, apoiar assessorias, promover campanhas, organizar conferências de imprensa.
Sr. Ministro, este Gabinete de Informação e Comunicação designa-se por GIC, mas faz lembrar o Serviço Nacional de Informações (SNI), de triste memória.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Depois disso, veio o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares lançar um ataque contra Marcelo Rebelo de Sousa visando condicionar a estação de televisão onde este fazia os seus comentários, tendo o resultado sido objectivamente atingido.
Ontem mesmo, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares foi ouvido na Alta Autoridade para a Comunicação Social, onde não há uma maioria parlamentar que possa impedir a audição, ao contrário do que acontece aqui,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): -Muito bem!

O Orador: - … e inventou a tese da cabala. Disse haver um conluio, uma intriga, uma conspiração (é este o significado de cabala).

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Isso já foi desmentido!

O Orador: - E quem são os conspiradores? Os conspiradores são uma espécie de eixo do mal de fim-de-semana: o Público à sexta-feira; o Expresso ao sábado; e Marcelo Rebelo de Sousa ao domingo.

Aplausos do PCP.

Finalmente, veio o Sr. Ministro de Estado e da Presidência dizer que o Governo pode interferir na programação do serviço público de televisão. É isto que vem citado na imprensa, é a essa declaração que me refiro.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Não foi isso o que o Sr. Ministro disse!

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O Orador: - Sr. Ministro, essa sua declaração nada tem que ver com a reestruturação do serviço público de televisão nem com a definição do modelo empresarial de serviço público. Aí o Governo tem competências, obviamente que tem, e não vale a pena falar do passado nessa matéria. Os senhores, tal como nós, falaram das responsabilidades do Partido Socialista entre 1995 e 2001, mas também podemos falar das responsabilidades do PSD entre 1985 e 1995, e que estão muito longe de ser inócuas.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - E as responsabilidades do PCP entre 1974 e 1975? E os saneamentos?

O Orador: - O Governo pode ter preocupações em relação ao serviço público, mesmo em relação aos conteúdos, porém não pode auto-proclamar-se entidade reguladora para a comunicação social! Não é o Governo que regula a comunicação social!

Aplausos do PCP.

E muito menos pode interferir na programação do serviço público de televisão - muito menos isso!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Isso é que não foi dito!

O Orador: - Sr. Ministro, a Constituição da República Portuguesa é muito clara quando diz que a estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo. Ora, no dia em que o Governo possa decidir sobre os conteúdos da televisão pública essa independência estará ferida de morte e a liberdade de imprensa estará ameaçada.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro, ontem, afirmou - e vem citado na comunicação social - que não serão nunca os jornalistas a responder perante os eleitores. Nós sabemos isso, Sr. Ministro. De facto, os jornalistas não têm de responder perante os eleitores, mas também não têm de responder perante os membros do Governo, e essa parece ser a intenção óbvia deste Governo!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos a viver um momento muito ansiado: o momento em que o Ministro de Estado e da Presidência, Nuno Morais Sarmento, e o Ministro dos Assuntos Parlamentares, Rui Gomes da Silva, estão sentados lado a lado para discutir com o Parlamento a matéria relativa à comunicação social. Por isso, Sr. Ministro, quero dizer-lhe muito directamente que é extraordinário que nos venha aqui falar de impunidade. É certo que afastou aspectos episódicos, recado ao Ministro dos Assuntos Parlamentares acerca do anedotário cabalístico dos últimos dias, e veio dar-nos aqui uma lição de força acerca da não aceitação dos pontos de vista da oposição.
Está enganado, porque o senhor não se confronta com a oposição a este respeito. Tem de criticar a impunidade de todos aqueles, muitos mais do que a oposição, que condenam a vertigem censória e este delírio obsessivo do Governo, que substitui a obsessão do défice pela obsessão da comunicação social.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Daqui a poucos dias, o Sr. Ministro, vai propor no congresso do PSD a apoio à candidatura presidencial de Cavaca Silva. Ora, Cavaco Silva foi um dos primeiros a dizer que admitia que este Governo fosse capaz de impor a censura através de medidas de pressão como aquela que ocorreu sobre a TVI.
O seu candidato presidencial entende que a natureza dos senhores é tal que vos permite chegar à censura!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

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O Orador: - Por isso, Sr. Ministro Nuno Morais Sarmento, visto que ontem falou de definir o conteúdo da programação ou de limites à independência,…

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Não é isso!

O Orador: - … quero lembrar-lhe que já uma vez, há dois anos, veio aqui propor uma lei, por acaso logo a terceira do novo governo, na altura liderado por Durão Barroso, a qual foi declarada inconstitucional. Não só há um princípio genérico na Constituição que não admite a impunidade deste comportamento como o Tribunal Constitucional não admitiu a sua impunidade.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 254/02, declarando inconstitucional uma lei sua, Sr. Ministro Nuno Morais Sarmento, diz que "A liberdade de imprensa implica a independência dos meios de comunicação social, em geral, perante o poder político, designadamente perante o Governo (…)".
Qualquer nova iniciativa, sua ou do seu Governo, que procure impor o modelo da programação ou limitar a independência da comunicação social será necessariamente inconstitucional e, com certeza, não ficará impune. A única impunidade aqui será aquela pela qual V. Ex.ª pagará, Sr. Ministro Nuno Morais Sarmento.

Aplausos do BE.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Qual é a pergunta?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Nuno Morais Sarmento, V. Ex.ª está neste momento sentado ao lado de um outro Sr. Ministro que publicamente criticou a TVI…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - A TVI?!

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Não pode?

A Oradora: - … no que respeita aos comentários de domingo da autoria do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, assumindo clara e publicamente uma posição crítica e de pressão quanto a esse programa em concreto; o Sr. Ministro está neste momento sentado ao lado de um outro Sr. Ministro que ontem assumiu a tese da cabala relativamente a alguns órgãos de comunicação social por via do facto que esse mesmo Ministro originou em Portugal e que nós aqui classificámos no Plenário como um "lápis azul" mais carregado. E é cada vez mais isso o que nos parece estar a acontecer com este Governo relativamente à comunicação social.
O Sr. Ministro Nuno Morais Sarmento é um membro com grandes responsabilidades neste Governo, por isso creio ser fundamental que aqui hoje fique claro pela sua voz se se cola a estas palavras e a estas acusações do Sr. Ministro Rui Gomes da Silva ou se se demarca delas e as critica completamente. A partir daqui perceberemos, então, se a tese é ou não do Governo no seu todo, mas para isso é fundamental que o Sr. Ministro clarifique aqui se se demarca dessas críticas ou se, de facto, as assume também para o Governo, e neste caso precisa de clarificar aos portugueses o que é esta tese da cabala.
Por outro lado, se o Sr. Ministro não se demarcar claramente das afirmações proferidas pelo Sr. Ministro Rui Gomes da Silva, deixa-nos ainda uma maior preocupação relativamente às suas afirmações e à intervenção que aqui veio fazer hoje, a qual define de forma clara uma limitação à independência dos operadores públicos quanto à programação e uma efectiva ingerência do poder político no que respeita à programação do serviço público de televisão. Pode não ser o passo definitivo, Sr. Ministro, mas, com certeza, é um passo muito decisivo para acentuar o "lápis azul" neste país, mas a esses tempos não queremos regressar, nem directa nem indirectamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Presidência, beneficiando de cedência de tempo por parte do PSD.

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O Sr. Ministro de Estado e da Presidência: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, as questões colocadas pelo Sr. Deputado Luís Campos Ferreira e por alguns dos outros intervenientes têm que ver com o modelo, por isso procurarei responder-lhes conjuntamente, partindo da questão colocada - e nos termos em que o foi - pelo Sr. Deputado Augusto Santos Silva e que depois foi repetida, naquilo que é, isso sim, uma manobra de diversão.
Sr. Deputado, pode tentar transformar este curto debate num debate dos factos ocorridos neste ou naquele dia e não das questões essenciais, que ainda ontem analisávamos, com elevação e qualidade, com responsáveis pelos processos de reestruturação em curso noutros países. Mas devo dizer-lhe que por aí não vou. E penso que por aí também não deveria ir, porque desse modo está a continuar os seis anos de irresponsabilidade, que também foi sua, porque teve a tutela da RTP, na completa demissão, no completo fracasso na condução do operador de serviço público que agora tanto o preocupa mas que quando saiu das mãos de VV. Ex.as, enquanto personalidades com responsabilidade por essa empresa, estava no estado em que estava.
Vou, pois, centrar a minha resposta nas questões essenciais e não nas acessórias. Não vou atrás da manobra de diversão que tentou fazer e que depois foi repetida.
Vamos, então, ao que interessa, que são os resultados.
Por muito que vos doa, cada vez que os Srs. Deputados tentarem dizer o que quer que seja sobre o funcionamento da RTP, tanto no que tem a ver com a vertente empresarial como com a vertente dos conteúdos, os senhores só estão a entrar em contradição evidente, porque o que os portugueses, desde há dois anos, e de forma progressiva, encontram todos os dias em suas casas é uma televisão com mais qualidade e mais independência.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Depois, não percebem o que quer dizer definição do modelo de programação do operador de serviço público, expressão que referi pelo menos em sete intervenções que fiz nesta Assembleia. Passou-vos ao lado nas muitas vezes que aqui a referi, quando discutimos aqueles que deveriam ser os pontos essenciais desse modelo de serviço público. Disse-o repetidamente, e agora, de repente, como é costume, vão atrás do sensacionalismo mediático de cada notícia.
Sr. Deputado Augusto Santos Silva, percebo que os senhores não sejam capazes de distinguir entre o que é a definição do modelo e o que é intervenção nas redacções,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … porque, durante muito tempo, não definiram o modelo e apenas procuraram, subvertendo qualquer modelo, fazer intervenção nas redacções.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, uma coisa que não acontecerá é qualquer jornalista ou director de informação dizer que, durante estes dois últimos anos, houve da minha parte qualquer tentativa de condicionamento. Todavia, hoje de manhã, um responsável do Partido Socialista atreveu-se a dizer a mesma coisa e teve o jornalista Mário Crespo a telefonar-lhe para a estação onde se encontrava para dizer que aquele responsável tinha tido responsabilidades no seu afastamento da televisão pública.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Não é verdade. Seja honesto!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Sr. Deputado, quem iniciou o processo de alteração das regras de regulação com vista ao seu reforço foi este Governo! Não me recordo das iniciativas de VV. Ex.as no sentido de constatar e alterar a insuficiência objectiva de intervenção da Alta Autoridade para a Comunicação Social! Foi este Governo quem propôs que olhássemos para a regulação como uma questão essencial!

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Foi o Governo do PS. Só diz mentiras!

O Orador: - Mas há mais uma diferença que nos separa, Srs. Deputados do Partido Socialista: nós assumimos as nossas responsabilidades. Durante estes dois anos, garantindo a independência - e não sou

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eu que o digo, é, de uma maneira incontroversa, a própria comunicação social, que sublinha um tempo em que a televisão pública, finalmente, viveu liberta das pressões diárias, dos telefonemas sobre os alinhamentos dos telejornais -, assumimos a responsabilidade…

Protestos do Deputado do PS Alberto Arons de Carvalho.

O Orador: - Como dizia, assumimos a responsabilidade, sem nenhuma dúvida, de definir o modelo. E foi precisamente por os senhores não terem tido essa capacidade que, quando chegou o momento de prestar contas, não encontrámos ninguém a quem responsabilizar pelos maus resultados da RTP.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Foram anos e anos de despesismo, de ausência de estratégia, de incumprimento de serviço público e não há ninguém que responda por isso perante os portugueses.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - E os anos anteriores a 1995?

O Orador: - Não vale a pena olhar para os anos anteriores a 1995, porque eu assumo-os com muito orgulho. Foi o Governo de então que abriu, contra a opinião de muitos dos que então se sentavam nessa bancada, a comunicação social à iniciativa privada.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Foi o Partido Socialista que apresentou o primeiro projecto! Não minta!

O Orador: - Não foram VV. Ex.as que criaram a televisões privadas, foram os que se sentam na bancada do PSD, contra a vontade de muitos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Como também foi esse Governo que, então, e pela primeira vez, levou os conteúdos da televisão portuguesa além fronteiras, para que as nossas comunidades pudessem também conhecê-los.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Deputado, são responsabilidades que assumimos claramente, numa iniciativa que não constitui nenhuma sequência, iniciativa a que se referiu como passo inicial. A notícia publicada pelo jornal Expresso mereceu imediatamente um sound byte num requerimento do ressuscitado Deputado Alberto Arons de Carvalho, primeiro conhecido na agência de notícias Lusa e só depois chegado às minhas mãos, ao qual, devo dizer-lhe, respondi no mesmo dia. E para que sobre isso não restem dúvidas, quero dizer que só por má consciência se entende fazer um requerimento sobre esta matéria e ter como fundamento para tanto uma notícia de jornal.
Como até o Deputado Alberto Arons de Carvalho já terá conseguido perceber, uma das notas diferenciadoras do XVI Governo e do governo anterior é a não interferência nos meios de comunicação social, independentemente de os tutelar.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - É o que se vê!

O Orador: - O Ministro de Estado e da Presidência não fez, não faz e não fará qualquer tentativa de interferência numa matéria que é da exclusiva competência do Conselho de Administração da empresa, como é a nomeação e a exoneração dos responsáveis pelos conteúdos do serviço público.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 40 minutos.

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ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 503/IX - Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (PSD, PS e CDS-PP).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Susana Toscano.

A Sr.ª Susana Toscano (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vem hoje à apreciação desta Assembleia o projecto de lei que estabelece a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, subscrito pelos Grupos Parlamentares do PSD, do PS e do CDS-PP.
Esta Entidade foi criada pela Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, que, no âmbito da reforma e modernização do sistema político, veio reformular o sistema de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
Nessa Lei reforçam-se os mecanismos que permitem que os partidos políticos se afirmem perante os cidadãos como instituições democráticas e transparentes, estabelecem-se, com rigor, quais as fontes de financiamento legalmente admitidas, atribui-se competência ao Tribunal Constitucional para controlar e fiscalizar todas as contas e financiamentos e agravam-se as sanções, acentuando fortemente a responsabilidade pelo incumprimento das regras e obrigações que decorrem da actividade política.
Como consequência, torna-se ainda mais sensível e exigente a intervenção da entidade fiscalizadora, pois a transparência é um requisito essencial à plena maturidade do regime democrático. Só por essa via se poderá recuperar a confiança nos partidos e na sua capacidade de representar os interesses das pessoas e em seu nome governar.
Mas a confiança e a credibilidade não se decretam; transmitem-se ou conquistam-se com comportamentos sistemáticos, com práticas exemplares, com responsabilidade e com equilíbrio na actuação.
A eliminação de suspeições no domínio do financiamento do sistema político é uma exigência que envolve o compromisso de todos. Por isso, foi essencial desenhar novos padrões de actuação na vida pública dos partidos.
É claro, Sr.as e Srs. Deputados, que este caminho para a confiança e afirmação dos partidos políticos depende muito da adequação do modelo de controlo à sua eficaz execução prática, sem o que se agravará o descrédito e o cepticismo.
Por isso, a lei estabeleceu a concentração no Tribunal Constitucional das competências necessárias ao controlo externo da legalidade e regularidade das contas dos partidos e campanhas eleitorais, garantindo um processo integrado e uma única entidade responsável.
A atribuição dessa competência é, além do mais, coerente com a competência do mesmo tribunal para verificação da conformidade legal e constitucional dos estatutos dos partidos, porque, de facto, a vivência democrática de cada instituição deve ser a plena confirmação dos seus estatutos.
Ao Tribunal Constitucional incumbe, assim, em exclusivo, a avaliação da actividade dos partidos e candidatos no campo financeiro e a respectiva adequação aos padrões de credibilidade e transparência que se pretende assegurar.
Não se trata de uma mera análise contabilística, trata-se de atestar publicamente que houve conformidade entre o que se gastou e o que se realizou, entre as despesas declaradas e as acções promovidas.
Esta fiscalização dos partidos é tanto mais importante quanto a principal fonte de financiamento passou a ser de natureza pública, vincando, sem ambiguidades, a independência e a fiabilidade das motivações da acção partidária na vida nacional.
Mas, conforme sublinhou o então presidente do Tribunal Constitucional, Sr. Juiz Conselheiro Cardoso e Costa, ouvido no âmbito das audições promovidas pela Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, teria que ser "pragmaticamente realizável" a atribuição desta responsabilidade ao Tribunal Constitucional, garantindo-se, portanto, os meios adequados ao pleno e cabal exercício desses mesmos poderes.
Teria, além disso, de ser acautelada a devida separação de tarefas, não podendo exigir-se que quem julga também audite e fiscalize.
Foram essas condições acolhidas no próprio texto da Lei n.º 19/2003, a qual, no entanto, remete para lei posterior a definição das regras necessárias à organização e funcionamento da entidade das contas e financiamentos dos partidos.
É a esse imperativo que hoje se dá cumprimento, apresentando a esta Assembleia um projecto de lei subscrito pelos dois partidos da coligação e pelo Partido Socialista, o que reflecte plenamente a grande convergência sobre a importância do reforço dos meios de controlo do Tribunal Constitucional.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Muito bem!

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A Oradora: - A disciplina constante do presente projecto de diploma beneficiou da estreita colaboração institucional e generosa disponibilidade do Tribunal Constitucional, que aqui cabe salientar e agradecer.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto que aqui apresentamos integra num único diploma a matéria regulamentar da referida Lei n.º 19/2003.
A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos deverá coadjuvar tecnicamente o Tribunal Constitucional no âmbito do controlo e fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, realizando, com independência, uma actividade sem natureza jurisdicional.
A adequada articulação com o Tribunal dá garantias da eficácia e da racionalidade que a solução propõe.
A Entidade tem, assim, atribuições e autonomia para todos os procedimentos de instrução e controlo, podendo promover auditorias, solicitar a colaboração de todas as entidades públicas ou privadas, fazer regulamentos e emitir recomendações.
Os três membros que a compõem são eleitos pelo Tribunal Constitucional e a sua isenção é também garantida por um exigente regime de incompatibilidades e pelo dever de sigilo a que ficam obrigados.
Através do dever de colaboração e fornecimento de dados que impende sobre os partidos e agentes políticos, a Entidade terá ao seu dispor referências objectivas e elementos fiáveis para o controlo e avaliação das contas.
Este dever de comunicação e de colaboração é regulado e estabelecem-se coimas para o seu incumprimento.
Os propósitos de transparência e responsabilidade são a essência desta regulamentação. Por isso, é parte integrante da função da Entidade a publicitação dos meios de campanha, das contas dos partidos e dos Acórdãos do Tribunal Constitucional.
Finalmente, define-se toda a fase processual de apresentação, instrução e apreciação das contas pela Entidade, prevendo-se que o auditado possa pronunciar-se sobre o relatório antes da sua remessa ao Tribunal.
São, assim, da competência do Tribunal Constitucional todas as decisões de carácter jurisdicional, bem como a aplicação de sanções.
Com a aprovação deste projecto de lei completa-se a construção do sistema de controlo dos financiamentos dos partidos políticos, que entrará em vigor no próximo dia 1 de Janeiro de 2005. O Tribunal Constitucional poderá, então, contar com a colaboração de uma Entidade isenta, qualificada e simplificada na sua organização, estrutura e funcionamento.
As atribuições e as competências de cada um e a articulação entre ambos são claras e dirigidas para os objectivos.
Os direitos dos partidos e das candidaturas estão devidamente acautelados e os procedimentos são justificados e racionais.
É, no entanto, sempre possível melhorar, em sede de especialidade, as soluções que aqui se formulam.
O Parlamento honra, assim, o seu compromisso de contribuir decisivamente para a moralização da vida política e para a dignificação das instituições que desempenham um papel essencial no aperfeiçoamento da democracia e na afirmação dos princípios de liberdade e responsabilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Deste modo se responde ao repto lançado, em 2002, pelo Governo do então Primeiro-Ministro Durão Barroso, na esteira da mensagem que o Sr. Presidente da República já tinha endereçado ao Parlamento, apelando a mais exigência e maior transparência nos financiamentos dos partidos e das campanhas eleitorais.
Sr.as e Srs. Deputados, o pleno funcionamento da Lei n.º 19/2003 e a eficácia que se conseguir imprimir à sua execução são um passo muito importante para a mudança de mentalidades, colocando a confiança e a credibilidade no centro da actividade política.
É que todos sabemos que o essencial da acção política só frutifica se for compreendida e respeitada por aqueles a quem se dirige.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente, Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto

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Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais é uma questão essencial da democracia e deve constituir um paradigma de credibilidade e de confiança do sistema político. Exigem-se, por isso, mecanismos que afastem da vida partidária e política suspeição sobre acções financeiras e legítimas, enfraquecimento da independência dos partidos e até influências indevidas sobre as decisões políticas.
Com vista a responder a esta necessidade de confiança, foi alterada, na última sessão legislativa, a competência do Tribunal Constitucional, passando este a integrar, no seu âmbito fiscalizador e judicativo, o controlo do financiamento das campanhas eleitorais.
Este reforço das competências do Tribunal Constitucional conduziu, por outro lado, a que houvesse a necessidade, assumida pela Câmara e pelo próprio Tribunal Constitucional (que nos deu conta disso), de se criar uma entidade de fiscalização das contas e do financiamento público que, junto do Tribunal Constitucional, pudesse, a um tempo, garantir condições de instrução dos processos e de fiscalização, sobretudo para alcançar o objectivo de um controlo real, em que as receitas reais correspondessem às despesas efectivamente praticadas. Este objectivo da constituição de uma entidade junto do Tribunal Constitucional visava garantir a transparência e que o financiamento tendencialmente público tivesse acrescidas regras de controlo e fiscalização.
Esta Entidade das Contas e Financiamentos Políticos visa, por isso, uma fiscalização da correspondência entre os gastos declarados e as despesas efectivamente realizadas e é, desde logo, responsável pela instrução dos processos conducentes à acção fiscalizadora do Tribunal Constitucional, que neste caso, mais do que uma acção de tribunal, exerce as suas funções de órgão constitucional fiscalizador.
Esta entidade, que é regulada de forma específica por esta lei em apreciação hoje na Câmara, resulta de um normativo inscrito na Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, que remetia para uma entidade com poderes basicamente fiscalizadores. Esta é, sobretudo, uma entidade de fiscalização com restritos poderes de autoridade - como tivemos oportunidade de constatar, hoje, no depoimento prestado pelo Sr. Presidente interino do Tribunal Constitucional na 1.ª Comissão - e basicamente inspectiva, ágil, desburocratizada, instrumental ao trabalho do tribunal, com uma competência técnica adequada e com uma dignidade estatutária que lhe permite exercer com autoridade as funções inspectivas. É um órgão de conexão híbrida com o Tribunal Constitucional, uma vez que é, a um tempo, autónomo e simultaneamente articulado e dependente do Tribunal Constitucional, que tem em relação aos seus membros poderes de hierarquia e, até, disciplinares.
Por isso, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a criação desta entidade significa a criação de um instrumento organizacional indispensável para a entrada em vigor da lei do financiamento dos partidos, em 1 de Janeiro de 2005.
Como se sabe, quando tivemos a oportunidade de discutir esta lei na Comissão para a Reforma do Sistema Político, constatámos, num processo avançado de negociação, que o Governo e o PSD interromperam essa negociação, criando uma vacatio legis absolutamente desmesurada e inútil, o que fez com que esta lei só entrasse em vigor em 2005 e que apenas uma pequena parte dela, a que tinha a ver com os financiamentos anónimos, entrasse imediatamente em vigor. Esta perda de tempo nas soluções urgentes, que já então se tinham como consensualmente urgentes, prejudicou uma medida e uma reforma política necessária, que estamos agora, finalmente, em condições de acelerar - e esta perda de tempo não foi da responsabilidade da Câmara, mas do Governo e do PSD.
Finalmente, chegamos a um consenso. É bom que possamos chegar a esse consenso no sentido de uma nova Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, que garanta, sobretudo, uma dimensão particularmente eficaz no controlo das contas dos partidos.
Dissemos muitas vezes, e é uma verdade indiscutível - o Sr. Deputado Carlos Carvalhas certamente está de acordo com aquilo que estou a dizer -, que o problema do financiamento dos partidos políticos é sobretudo o dos financiamentos ocultos e das despesas que não são controladas. Com esta lei e com esta entidade são dados passos significativos no sentido de uma maior transparência, controlo e rigor das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Seguramente que na discussão que iremos fazer em sede de especialidade serão limadas dúvidas - que hoje mesmo, na 1.ª Comissão, na presença do Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, foram trazidas ao debate - que têm a ver sobretudo com algumas das competências que são atribuídas a esta entidade e que, em nosso entender, têm de ser precisamente localizadas no quadro das competências do Tribunal Constitucional, nem mais nem menos. Esta entidade é um órgão auxiliar e instrumental do Tribunal Constitucional e, nesse sentido, as suas competências são secundárias, instrumentais, auxiliares e dependentes. E é bom que a lei consagre esta dimensão.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, creio que as alterações essenciais que esta lei e esta entidade nos

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trazem são o reforço essencial da credibilização do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. Tivemos, então, a oportunidade de dizer que não estávamos de acordo com todo o normativo da lei, mas o seu traço essencial de reforço dos controlos e de reforço da transparência é um bem positivo (permitam-me o pleonasmo), é um bem que devemos adquirir, é um serviço prestado à República em nome dos direitos e da confiança que os cidadãos têm direito a ter nos partidos políticos e nas suas realizações, sobretudo nos actos eleitorais.

Aplausos do PS e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A nova Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, a Lei Orgânica nº 19/2003, de 20 de Junho, entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2005.
Gostaria de tomar dois minutos do precioso tempo de VV. Ex.as para relembrar que esta nova Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais - e, bem assim, a nova Lei dos Partidos Políticos - nasceu dos trabalhos da Comissão para a Reforma do Sistema Político, cujo mandato, não inteiramente cumprido (como é do conhecimento geral), teve, pelo menos, o mérito de produzir estes dois diplomas de uma importância e oportunidade que não podem passar despercebidas aos mais atentos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O ciclo eleitoral começou no domingo passado, com as eleições regionais. Seguir-se-ão as eleições autárquicas, em 2005, e as eleições presidenciais e legislativas, em 2006, com boa possibilidade de, numa data entre Fevereiro e Abril de 2005, sermos ainda chamados a pronunciar-nos em referendo nacional.
Por tais razões, considero que uma nova Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais faz toda a falta, designadamente a partir de 1 de Janeiro de 2005.
Com efeito, na elaboração da nova Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais as preocupações dos partidos da coligação - que me atrevo a estender ao Partido Socialista, também subscritor do projecto e, de resto, fazendo fé nas palavras aqui aduzidas pelo Sr. Deputado Alberto Martins - foram do seguinte teor: mais transparência, acentuada responsabilização e melhor fiscalização.
A maior transparência é um objectivo a alcançar, por exemplo, através da extinção dos donativos anónimos aos partidos políticos, bem como através da aplicação da regra de que todos os fundos devem ser titulados; tudo o que envolva entradas e saídas de dinheiro deve ser documentado. Em suma, todos os partidos políticos, todas as campanhas eleitorais devem organizar o seu "deve e haver" de forma transparente.
Mais responsabilização passa pela aceitação de novos tipos penais capazes de responsabilizar dirigentes políticos, pessoas singulares e administradores de pessoas colectivas que tenham qualquer espécie de intervenção na atribuição e obtenção de financiamento proibido. A par desta realidade, o aumento do financiamento de natureza pública acarreta, naturalmente, maior responsabilidade para aqueles que têm por função geri-lo, aplicá-lo e prestar contas dessa gestão.
Melhor fiscalização, porque definitivamente se assumiu o reforço de meios do Tribunal Constitucional, através, desde logo, da criação da entidade de contas e financiamento dos partidos políticos, mas também através de outras medidas, como a maior publicitação dos valores relativos ao material de campanha ou, noutro contexto, da assunção do controlo das contas partidárias por profissionais desse foro, como o são os revisores oficiais de contas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A finalizar esta breve referência à nova Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, gostaria de referir, positivamente, o facto de a mesma consagrar, finalmente, o financiamento essencialmente público dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, algo que o CDS-PP já defende há muito tempo e que o então nosso colega de bancada, o Deputado Diogo Feio, disse que era património do CDS-PP.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - No entanto, de modo algum podemos ignorar que tal facto terá, necessariamente, algumas consequências, designadamente ao nível do Orçamento do Estado para 2005.
Na verdade, com a consagração do financiamento essencialmente público, os montantes previstos para a subvenção pública terão de crescer.
Ora, aparentemente, e socorrendo-me da imprensa deste fim-de-semana, o Sr. Ministro das Finanças terá orçamentado verba igual à do ano passado para efeitos de pagamento da mencionada subvenção pública. Tal opção implica que a transferência de verbas para o orçamento da Assembleia da República tenha de ser aumentada dos actuais 77,9 milhões de euros previstos para 85,8 milhões de euros, precisamente por força desse pagamento aos partidos políticos.
Mas não só. Com a nova lei do financiamento, o Tribunal Constitucional não só viu aumentados os poderes de fiscalização das contas partidárias, como também será encarregue, pela primeira vez, da fiscalização das contas das campanhas eleitorais.
Perante a falta de meios do Tribunal Constitucional para exercer todas estas competências, procedeu-se à criação da nova entidade independente, de que nos ocupamos hoje, cujos encargos financeiros, de acordo com o artigo 12.º do projecto de lei, serão suportados pela dotação orçamental atribuída ao Tribunal Constitucional, com imputação das correspondentes despesas à actividade criada para esta nova entidade.
São os custos da democracia, que todos devemos assumir.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Visando dar tradução concreta ao objectivo de melhor fiscalização do financiamento, entra em funções em 1 de Janeiro de 2005 a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, órgão independente que funciona junto do Tribunal Constitucional e que tem como funções coadjuvá-lo tecnicamente na apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
Esta entidade existe apenas e só no papel e é da sua instalação e dotação de meios e de recursos (financeiros e humanos) que trata o presente projecto de lei, cuja exposição de motivos, aliás, traduz bem o consenso que existe à volta desta matéria entre os partidos proponentes.
Esta nova entidade não tem um quadro de competências rígido, como melhor se pode ver no artigo 9º do projecto de lei, mas pode exercer as competências indicativamente previstas nas suas alíneas a), b), c) e d) e, além dessas, todas as que, no âmbito das suas atribuições, lhe sejam determinadas pelo Tribunal Constitucional.
De entre as previstas, nos termos referidos, algumas há que se adivinha serem de significativo impacto na actividade financeira, quer dos partidos quer das campanhas eleitorais. Refiro-me, designadamente: à capacidade de fiscalizar a correspondência entre os gastos declarados e as despesas efectivamente realizadas, quer no que respeite aos partidos quer no que respeite às campanhas; ao poder de realizar, por sua iniciativa ou a solicitação do Tribunal Constitucional, inspecções e auditorias, de qualquer tipo ou natureza, à gestão financeira, quer das contas dos partidos quer das campanhas eleitorais; ao poder de realizar consultas de mercado, que se adivinham mais utilizáveis para fins de elaboração de listas indicativas do valor dos meios de campanha. Ou seja, poderá a entidade consultar empresas privadas para verificar se a contabilidade apresentada está de acordo com os valores praticados no mercado para aquisições semelhantes, como, por exemplo, o preço de mercado de cartazes ou outdoors.
Para além disso, a nova entidade tem um importante poder regulamentar, que lhe permite definir as regras necessárias para a conformação dos partidos políticos e das candidaturas à lei do financiamento, cabendo-lhe, nomeadamente, elaborar o regulamento que especifica as despesas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais que devam ser comunicadas ao Tribunal Constitucional, conforme prevê o artigo 14.º da lei do financiamento.
Cabe também referir a capacidade, prevista no artigo 21.º, de realizar acções de fiscalização em locais abertos ao público, solicitando, para esse efeito, todas as informações e cooperação necessárias a quaisquer entidades públicas e privadas.
Compete ainda a esta entidade independente, de acordo com o artigo 23.º, a organização e manutenção de uma base de dados informatizada onde constem as acções de propaganda política dos partidos, bem como as acções de campanha eleitoral e respectivos meios nelas utilizados, estabelecendo o artigo 18.º a correspondente obrigação de os partidos políticos, coligações e demais obrigados comunicarem todas as acções de campanha de valor superior a um salário mínimo nacional.
Esta base de dados - que permitirá a correcção on line dos dados por parte dos respectivos interessados - será, depois, disponibilizada no site do Tribunal Constitucional, conjuntamente com informação institucional acerca desta entidade independente e da legislação que a rege, contendo ainda informação sobre o valor dos principais meios de campanha, os orçamentos de campanha, as contas dos partidos, as contas das campanhas eleitorais, os resultados das auditorias e os acórdãos sobre as contas ou sobre matéria

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contra-ordenacional relacionada com contas dos partidos ou das campanhas. Prevê-se, assim, mais transparência, maior responsabilização, melhor fiscalização.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Estes são os objectivos que os partidos proponentes tiveram e têm em vista, ao estabelecer os mecanismos que vão permitir um apertado controlo das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
É preciso, de uma vez por todas, contrariar a lógica da desconfiança permanente que enfrentam os partidos políticos, seja na sua vida normal, seja, particularmente, no decurso das campanhas eleitorais. É preciso que seja cristalina e transparente a correspondência entre o que é declarado e o que é gasto. É preciso inverter a tendência de descrédito generalizado naquilo que os partidos declaram solenemente às instâncias competentes, como se fossem não partidos políticos, mas associações de malfeitores.
A forma de atingir tal desiderato, mais do que na nossa mão de representantes do povo, está na mão de toda a classe de dirigentes e representantes partidários, que também somos, e na dos que nos sucederão nessas funções.
Hoje, damos apenas um pequeno passo. Um passo que, como todos os primeiros passos, é, não obstante, absolutamente decisivo.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, o presente projecto de lei, apresentado conjuntamente pelo PSD, pelo PS e pelo CDS-PP, tem origem numa proposta apresentada à Assembleia da República pelo Presidente do Tribunal Constitucional, Luís Nunes de Almeida, entretanto falecido, mas que teve ainda a oportunidade de discutir com os vários grupos parlamentares esta iniciativa.
Tendo em conta a discussão que hoje de manhã teve lugar na 1.ª Comissão com o Presidente interino do Tribunal Constitucional e a natureza dos problemas de detalhe e de precisão da iniciativa legislativa, parece ser possível encontrar-se um amplo acordo nesta Assembleia a este respeito.
É vantajoso que assim seja, porque o sistema de auditorias externas a que o Tribunal Constitucional recorria até agora para confirmar as contas dos partidos, se bem que rigoroso e pormenorizado, não permitia nem o direito do contraditório do recurso nem, sequer, a disponibilidade ao próprio Tribunal de informação suficiente sobre os critérios contabilísticos ou outros utilizados por essas entidades externas. E, desse ponto de vista, tanto o Tribunal, como os partidos políticos, como a transparência do processo se ressentiam, naturalmente.
Havendo agora uma entidade com estas características, as condições são melhores e, por isso, ela deve ser concretizada, até porque é um dever imposto pela lei anterior.
Para efeitos de transparência deste processo, sugeri em Comissão, e reafirmo-o perante o Plenário, que, em sede de especialidade, nos parece indispensável o alargamento do Capítulo VI no sentido de definir melhor os deveres dos partidos políticos na prestação de informação para todos os efeitos considerados pertinentes ao exercício dos deveres desta entidade que funcionará junto do Tribunal Constitucional. E, em particular, há uma área, a das declarações de rendimentos dos titulares de cargos políticos, que é registada perante o próprio Tribunal Constitucional mas que, hoje, não tem qualquer forma de tutela, ou de verificação, ou de confirmação.
Ora, acontece que, no mínimo, no que diz respeito às actividades dos partidos como tal, àqueles titulares que são dirigentes dos partidos ou seus responsáveis e que, pelas funções que desempenham, nomeadamente nos partidos ou em cargos de soberania, como os desempenhados na Assembleia da República, ou outros, têm de apresentar tal declaração, impõe-se que, também nesta matéria, haja a possibilidade de esta entidade poder fazer a verificação, ou pedir as informações complementares, ou obter todas as informações que possam satisfazer a obrigação da comunicação de dados por parte dos partidos, ou dos titulares de responsabilidades políticas.
Parece-nos, aliás - coisa que o Presidente do Tribunal Constitucional não rejeitou, embora remetesse para uma 2.ª fase deste processo -, indispensável, no contexto de uma clarificação global das regras de transparência de todo o sistema político, que estas normas se apliquem, sem exclusão, a qualquer titular de cargos políticos, assim como se aplicam, naturalmente, aos partidos.
Por isso, em sede de especialidade, após a aprovação na generalidade desta iniciativa legislativa, proporemos que essa norma de obrigação de transparência, de obrigação de prestação de comunicação de

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dados, seja incluída no Capítulo VI e que a lei remeta para uma ampliação do seu âmbito e que não abranja exclusivamente o controlo de contas de financiamentos políticos mas, igualmente, todo o rendimento que é declarado por detentores de cargos políticos.
Consideramos indispensável que assim se faça, e, aliás, se não o fizermos agora, teremos de o fazer daqui a seis meses, daqui a um ano, daqui a dois anos, daqui a alguns anos, se muito nos atrasarmos nesta matéria.
O sistema político só fica a ganhar impondo para si próprio as mesmas regras que queremos que sejam, naturalmente, as da prestação de contas de qualquer responsável em qualquer outra área da vida da sociedade. E não me parece que se possa encontrar qualquer argumento pertinente para reduzir essa capacidade de verificação, uma vez que a lei já impõe a declaração de rendimentos e até a sua disponibilização pública perante qualquer cidadão. Sendo assim, não há, obviamente, qualquer razão para que não haja um mecanismo leve, simples e eficaz que possibilite o seu controlo e a sua conferência com outras declarações e outras responsabilidades que são registadas, nomeadamente no âmbito dos partidos políticos.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A discussão que hoje fazemos é apenas um episódio que teve os seus capítulos principais na aprovação das leis relativas aos partidos políticos e ao financiamento dos partidos, em 2003. Aliás, lembre-se que essas leis, aprovadas em bloco pelo PSD, PS e CDS-PP, viram os seus textos finais concretizados em singelas 48 horas, a tempo de serem votadas antes do dia 25 de Abril.
As novas leis violam princípios constitucionais e democráticos que herdámos da Revolução de Abril, de onde se destacam os princípios do pluralismo de expressão e organização política democráticas e da liberdade de associação. A Constituição diz mesmo que "As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas (…)", o que se aplica na plenitude aos partidos políticos.
Trata-se da tentativa de imposição de um modelo único de organização e funcionamento dos partidos, à medida e à imagem dos partidos que aprovaram estas leis.
Estas leis e as suas abusivas regras sobre a organização interna dos partidos configuram uma inaceitável ingerência, questionando os direitos de todos aqueles que, livremente, militam em cada partido e que têm o direito de se auto-organizarem com independência.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei que hoje discutimos decorre directamente da lei do financiamento dos partidos aprovada em 2003, e é a esta luz, à luz dos princípios que enformam a lei inicial, que analisamos este debate.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - A lei do financiamento visa limitar a actividade e a intervenção dos partidos que, como o PCP, têm fontes de financiamento assentes, no fundamental, no esforço dos seus militantes. Mas tem também outros objectivos, designadamente o de, em tempos de crise e dificuldades, se aumentarem as subvenções públicas de forma escandalosa. O PSD e o PS recebem mais de 1 milhão de contos a mais, já a partir de 2005, e vêem aumentados os limites das despesas das campanhas eleitorais.
A lei está embebida de um inaceitável princípio de penalização dos que se financiam com o esforço da militância, para beneficiar os que o fazem com os dinheiros públicos. E o que é mais extraordinário é que são os que, ao contrário do PCP, até agora não apresentam contas consolidadas a nível nacional, limitando-se praticamente a apresentar as contas da estrutura central, que exigem mais e mais constrangimentos legais, provavelmente porque não tencionam cumpri-los.
Sempre estivemos na primeira linha na defesa da transparência e da fiscalização das contas dos partidos; sempre propusemos a limitação do financiamento por empresas que, agora, está consagrado na lei. Mas tudo isto não pode confundir-se com inaceitáveis condutas de ingerência, de limitação concreta da actividade que a actual legislação configura.
Para além do mais, a lei inclui várias disposições manifestamente aberrantes, desproporcionadas e até inaplicáveis.
Passo a citar alguns exemplos.
A lei impõe a obrigação de as quotas e outras contribuições dos militantes e dos eleitos e outras receitas

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resultantes de iniciativas de angariação de fundos serem pagas por cheque ou outro meio bancário, excluindo-se apenas um montante anual máximo de 50 salários mínimos nacionais, o que significa que basta que 300 militantes paguem de quota 1 €/mês ou que 60 militantes paguem de quota 5 €/mês para que este limite seja ultrapassado. Quer isto dizer que todos os outros milhares e milhares de militantes - e suponho que isto sucede em todos os partidos - terão de pagar o valor de 1 €, 2 €, 5 € sempre por cheque ou por outro meio bancário, o que é manifestamente inaplicável.
Outro exemplo aberrante é a eliminação da norma que autonomizava as iniciativas especiais de angariação de fundos, que tinham, na lei anterior, aliás consensual, uma disciplina própria, autónoma, fora da contabilização dos limites de receitas para as restantes iniciativas especiais de angariação de fundos que estavam obrigadas a regime contabilístico próprio. Assim, a alteração que agora elimina esta possibilidade pretende limitar a capacidade de angariação de fundos em iniciativas próprias.
Aliás, seria curioso saber se a festa do Chão da Lagoa alguma vez cumpriu a exigência, expressa na lei anterior, de apresentar um regime contabilístico próprio por ser uma iniciativa especial de angariação de fundos, ou se, agora, com esta iniciativa, não ultrapassa e não concorre com os limites estabelecidos na lei para o máximo de angariação de fundos através de iniciativas deste tipo.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Está bem visto!

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

O Orador: - O projecto de lei que hoje analisamos, assumido pelos mesmos três partidos que aprovaram a lei, é a continuação deste processo. Sabemos que o diploma tem origem numa proposta proveniente do Tribunal Constitucional, procurando dar resposta às novas obrigações que a lei lhe impõe. Note-se, aliás, que os partidos proponentes deixaram cair as referências preambulares do texto inicial, designadamente aquelas que chamavam a atenção para a inconstitucionalidade da lei do financiamento ou para outras normas que são manifestamente inaplicáveis na lei de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais.
É um projecto de desenvolvimento da lei anterior, que recupera boa parte do seu injusto normativo, mas introduz também normas que ultrapassam as atribuições previstas naquele diploma para a entidade a criar. Lembre-se que a entidade das contas deve apenas coadjuvar o Tribunal Constitucional nas suas competências nesta matéria e não ter uma intervenção de motu proprio e autónomo, o que nada tem a ver com a independência dos membros que a constituem. Por isso, não é aceitável a atribuição de competências de regulação e regulamentação previstas neste projecto de lei e que não têm cobertura na lei originária. Por outro lado, incluem-se mais algumas disposições de manifesta inaplicabilidade.
Estaremos, pois, contra este projecto de lei, apresentado pelo PSD, PS e CDS-PP, porque ele continua um processo que lesa direitos democráticos dos partidos e dos seus militantes. É um processo que contestamos, que combatemos e que tem de ser interrompido e alterado pela alteração das normas em vigor, pela revogação destas inaceitáveis normas e pela sua recondução aos princípios democráticos essenciais da nossa Constituição.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 503/IX, apresentado pelo PSD, PS e CDS-PP.
Vamos passar à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 138/IX - Autoriza o Governo a legislar sobre matéria relacionada com a liberdade de escolha e exercício da profissão no transporte colectivo de crianças.
Para proceder à apresentação da proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Nuno Miranda Magalhães): - Sr.ª Presidente, se me permite, nesta que é a minha primeira intervenção enquanto membro do XVI Governo Constitucional, começo por saudar, na pessoa de V. Ex.ª, toda esta Assembleia, todas as Sr.as e Srs. Deputados.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo hoje vos apresenta é idêntica àquela que foi proposta pelo anterior governo e visa a aprovação de um regime que regule o transporte colectivo de crianças. Um diploma inovador e que vem suprir uma lacuna há muito existente no nosso ordenamento jurídico.
Trata-se de um segmento de transporte de passageiros que nos merece particular atenção e ao qual atribuímos a maior importância.

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Por isso mesmo, logo após a tomada de posse deste Governo, a 5 de Agosto, esta iniciativa foi discutida e aprovada em Conselho de Ministros, em simultâneo com a proposta de lei de autorização legislativa relativa ao Código da Estrada, diploma já aprovado por esta Assembleia.
A autorização legislativa solicitada prende-se com matéria relacionada com as especiais condições de idoneidade no transporte de crianças, que é indispensável acautelar, tendo em conta que a proximidade com crianças envolve, também ele, cuidados especiais.
É, assim, imprescindível uma rápida intervenção na regulação deste segmento de transporte de passageiros, garantindo a sua qualidade e consagrando condições acrescidas de segurança.
O diploma que apresentamos envolveu a participação de diversos Ministérios. Nele trabalharam técnicos altamente qualificados, tendo sido ouvido um vasto elenco de entidades, com a firme vontade de se alcançar um diploma tão rigoroso quanto exequível pelos operadores de transportes.
Queremos uma lei para ser cumprida de facto e não para ficar apenas no papel.
Tudo isto motivou a necessidade de se buscar consensos com as várias associações.
Da vasta lista destaco a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Associação Nacional dos Transportadores Pesados e Passageiros, a Associação do Comércio Automóvel de Portugal, a Associação Nacional do Ramo Automóvel, a Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros, a Federação Portuguesa do Táxi, a Associação de Profissionais de Educação de Infância, a Confederação Nacional das Associações de Pais, o Conselho Coordenador do Ensino Particular e Cooperativo, a Associação para a Promoção da Segurança Infantil, a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, o Instituto de Reinserção Social.
É em resultado deste intenso e profícuo trabalho e deste amplo consenso que hoje apresentamos esta proposta de lei, que visa instituir um regime de licenciamento de actividade aplicável à realização do transporte de crianças, definindo regras claras de certificação para os respectivos motoristas, com o objectivo de garantir a sua idoneidade e formação específica adequada.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Prevê-se, ainda, outras medidas especiais tendentes a garantir a segurança das crianças transportadas, designadamente a presença de um vigilante durante toda a operação de transporte, a obrigatoriedade de dispositivos de retenção adequados para as crianças (até aos 12 anos ou 1,5 m de altura), bem como o uso do cinto de segurança em todos os lugares do veículo.
Suprime-se a possibilidade de ocupação de um assento por mais de uma criança e são também formuladas regras cautelares no âmbito da circulação e locais de paragem dos veículos.
É igualmente estabelecido um regime de licenciamento dos autocarros e veículos automóveis ligeiros a utilizar nestes transportes, quer pertençam a empresas transportadoras ou a autarquias locais, quer a outras entidades que realizem transporte particular de passageiros, sendo fixada um limite de idade dos veículos para o respectivo licenciamento.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Consideramos importante prevenir as consequências de um hipotético acidente. Mas ainda mais importante é evitar que estes ocorram. Por isso, a importância dada ao licenciamento da actividade e à formação dos motoristas, bem como o limite de idade dos veículos.
Um estudo apresentado pela OCDE, em 2000, dava conta que Portugal era o país europeu com maior mortalidade infantil nas estradas.
Hoje, felizmente, a realidade é bem diferente e o número de mortos por 100 000 crianças é praticamente metade do que vem referido no relatório realizado há quatro anos atrás.
Porém, tal não nos satisfaz, nem poderia satisfazer-nos.
Nesta matéria não podemos ambicionar deixar de ser os piores mas, sim, estar entre os melhores, e, nestes termos, é imperativo não nos limitarmos apenas a estar em consonância com as normas internacionais mas ir mais longe e procurar uma legislação ainda mais avançada, no sentido de dar ao nosso país e às nossas crianças a garantia de um transporte mais seguro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo e por esta matéria ser de vital importância, não posso terminar sem transmitir a total disponibilidade do Governo para, no âmbito do diploma a autorizar e da sua discussão, aceitar as sugestões de todos os grupos parlamentares e das Sr.as e Srs. Deputados. Nomeadamente, o Governo está receptivo a que a presente proposta de lei de autorização legislativa possa ser objecto de uma iniciativa legislativa parlamentar que permita a sua ampla e profícua discussão, na especialidade, em sede de comissão.
Trata-se de um real objectivo, que só com o trabalho de todos, com todos e para todos, o poderemos

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atingir: a segurança nas localidades e nas estradas portuguesas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Miranda.

O Sr. Luís Miranda (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, como já foi dito, tratamos hoje uma matéria consensual entre todas as bancadas parlamentares que tem na origem vários debates na sociedade portuguesa e também uma iniciativa do Partido Ecologista "Os Verdes", em 2002.
Saudamos a actuação do Governo nesta matéria, ao trazer aqui este diploma, e igualmente a disposição, manifestada pelo Sr. Secretário de Estado, de, em sede de comissão, aprofundar melhor o clausulado desta proposta de lei.
No entanto, também registamos que são passados dois anos e que a urgência aqui prometida pela maioria não foi, de facto, cumprida,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - É verdade!

O Orador: - … pelo que esta iniciativa só peca por tardia.
Relativamente às audições que foram feitas pelo Governo, o Sr. Secretário de Estado teve oportunidade de referir várias delas, mas eu gostaria de saber, concretamente, Sr. Secretário de Estado, se estes dois anos serviram para arranjar mecanismos para que, por exemplo, a Associação Nacional de Municípios (ANMP), a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), bem como as IPSS, possam ser apoiadas na transformação dos veículos e na aquisição de novos veículos.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Esta é uma questão fundamental para a aplicação da lei.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também não percebemos por que motivo os táxis, genericamente, são excluídos da aplicação deste diploma.
Se compreendemos que a maioria dos táxis possa ser excluída da aplicação deste diploma, não compreendemos que o mesmo se aplique a muitos deles que fazem serviços regulares, contratados por IPSS, por autarquias.
Portanto, gostaríamos de saber qual a disposição de o Sr. Secretário de Estado incluir na lei os táxis que prestam serviços regulares, contratados por aquelas entidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Miranda, muito obrigado pelas questões que formulou.
Devo dizer-lhe que, ao longo de todo este processo, temos manifestado amplamente a disponibilidade que hoje manifestámos. Trata-se de um diploma complexo, e, por questões de tempo, apenas referi algumas das muitas entidades que foram ouvidas.
Inclusivamente, como a discussão deste diploma já estava agendada, na anterior Sessão Legislativa, para o dia 8 de Junho (o que, por motivos de todos conhecidos, não foi possível concretizar), o trabalho já estava feito.
Ora, por reconhecermos essa importância e essa urgência, na primeira reunião do Conselho de Ministros do XVI Governo Constitucional, este diploma foi imediatamente aprovado e discutido.
Assim sendo, o Governo dá aqui uma prova cabal da importância que atribui a esta matéria, no que certamente será acompanhado por todos os Srs. Deputados.
Gostaria de dizer que, por isso, pela dificuldade de se tratar de uma legislação nova e que implica um grande impacto orçamental em determinado tipo de transportes, tivemos necessidade de ouvir um vasto

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conjunto de associações, nomeadamente aquelas que referiu.
Daí também a existência de um artigo que prevê moratórias para que precisamente as empresas possam adequar-se a este novo tipo de exigências.
Como eu disse, e repito, não queremos uma lei no papel, queremos uma lei de facto - e no papel jamais existiu uma lei. Pela primeira vez, em Portugal, houve um Governo (o anterior e este) que se preocupou com esta matéria.
Quanto à questão dos táxis, como sabe, este é um diploma que regula o transporte colectivo de crianças. Ora, os táxis são um meio de transporte individual, seja de crianças seja de adultos. Portanto, é uma matéria em que em nenhum país do mundo - e isto seria de difícil exequibilidade - se exige a existência de, por cada táxi, um sistema de retenção de crianças. Aqui, é caso para dizer que "o bom é inimigo do óptimo".
Termino como comecei: queremos uma lei que saia do papel, que não fique lá e que não seja uma mera declaração de boas intenções mas que são inexequíveis.
Nesta matéria, gostamos de fazer, gostamos de trabalhar, gostamos de executar e de fazer cumprir as leis. Não gostamos de enunciar bons princípios.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Ribeiro.

O Sr. Rodrigo Ribeiro (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Analisamos hoje uma matéria de suprema importância, o transporte colectivo de crianças, que, pela sua relevância para a sociedade, deve e decerto vai merecer desta Câmara a melhor das atenções.
Portugal vive e sofre, todos os dias, todos os anos, com um número muito elevado de vítimas de sinistros de viação, demasiadas delas crianças. É certo que todos poderemos divergir quanto às causas deste ou daquele sinistro, mas estou certo de que todos os colegas Deputados não hesitarão em classificar as crianças como as mais inocentes vítimas de todo e qualquer acidente de viação.

A Sr.ª Natália Carrascalão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nas estradas portuguesas, as crianças apenas podem contar connosco e com todas aquelas pessoas que tentam defendê-las o melhor que sabem e o melhor que podem.
Neste sentido, não posso deixar de agradecer a todos os pais e a todas as associações de defesa dos direitos das crianças que permitiram que dias como o de hoje fossem, um dia, realidade. A todos eles, sem excepção, o meu muito obrigado.
É, assim, necessário regular o transporte de crianças, no que se refere ao transporte colectivo, por forma a garantir que este se realiza nas melhores condições de segurança.
Igualmente, é indispensável verificar e certificar a idoneidade dos intervenientes nesse processo, nomeadamente, sobre o motorista profissional, vigilantes e o responsável da empresa que se dedica exclusivamente a esta actividade em automóveis ligeiros.
Neste sentido, poderá ser considerado indiciador de falta de idoneidade para o exercício da profissão de motorista de transporte de crianças a declaração judicial de delinquente por tendência ou mesmo a condenação, por decisão transitada em julgado, nomeadamente: em pena de prisão efectiva, pela prática de qualquer crime que atente contra a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal; pela prática de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual; pela prática dos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução do mesmo veículo em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas; ou mesmo, pela prática, nos últimos cinco anos, de qualquer contra-ordenação muito grave ao Código da Estrada ou contra-ordenação grave, no caso de condução sob influência de álcool.
Igualmente é exigida elevada idoneidade para exercer a actividade de vigilante e para gerir uma empresa de transporte de crianças por meio de automóveis ligeiros, sendo indiciador de falta dessa mesma idoneidade a declaração judicial de delinquente por tendência ou a condenação, por decisão transitada em julgado, nomeadamente, em pena de prisão efectiva, pela prática de qualquer crime que atente contra a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal; ou pela prática de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Já no que concerne à segurança activa e passiva das crianças, são adoptadas medidas especiais tendentes a garantir a segurança das crianças transportadas, designadamente tornando obrigatória a colocação

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de dispositivos de retenção adequados para as crianças mais pequenas, bem como do cinto de segurança em todos os lugares do veículo, e é suprimida a possibilidade de ocupação de um assento por mais de uma criança, sendo também adoptadas regras cautelares no âmbito da circulação e dos locais de tomada e largada dos passageiros.
Igualmente, a obrigação de uso do tacógrafo é estendida a todos os veículos e é estabelecido um regime de licenciamento dos veículos a utilizar nestes transportes, quer pertençam a empresas transportadoras ou a autarquias locais, quer a outras entidades que realizem transporte particular de passageiros, sendo fixada uma idade-limite para o respectivo licenciamento.
De igual forma, é de realçar a criação de regime sancionatório específico para o não cumprimento das regras impostas, de forma a assegurar o seu cumprimento integral, a bem da segurança e da vida das nossas crianças.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o presente diploma pretende e irá actuar com cinco vectores, muito bem delineados: a defesa das crianças; o licenciamento da actividade do transporte; a certificação dos motoristas; o licenciamento e a identificação dos veículos; e a vigilância das crianças transportadas.
No que concerne à defesa das crianças, o presente diploma aplicar-se-á ao transporte colectivo de crianças e jovens até aos 16 anos.
No que respeita ao licenciamento da actividade, o transporte de crianças por meio de automóveis pesados, quando for considerado transporte público ou por conta de outrem, só poderá ser efectuado por empresas licenciadas especificamente para o transporte público rodoviário de passageiros.
Já o transporte de crianças por meio de automóveis ligeiros, quando for considerado transporte público ou por conta de outrem, só pode ser efectuado por pessoas singulares ou colectivas licenciadas e registadas na Direcção-Geral de Transportes Terrestres (DGTT), mediante requisitos de idoneidade, capacidade técnica e capacidade financeira.
No que toca à certificação de motoristas, estes terão de possuir um certificado emitido pela DGTT, que comprove não só a habilitação legal para conduzir mas também a experiência de condução nunca inferior a dois anos, o requisito de idoneidade e a formação específica na área da segurança rodoviária.
Já no que concerne ao licenciamento de veículos a utilizar no transporte colectivo de crianças, estes ficam sujeitos a licença, com validade anual, a emitir pela DGTT, após inspecção periódica efectuada pela Direcção-Geral de Viação (DGV), não podendo ser licenciados automóveis ligeiros com mais de oito anos a contar da data de atribuição da primeira matrícula ou com mais de 12 anos, se se tratar de automóveis pesados.
Quanto à identificação dos veículos, estes devem estar sempre identificados com um dístico e ostentar o número da licença do veículo ou ainda com o número do respectivo alvará.
No que respeita à vigilância das crianças transportadas, é agora assegurada a presença de um vigilante adulto idóneo, para além do condutor, a quem compete zelar pela segurança das nossas crianças.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: São estes os cinco vectores com que se pretende assegurar a melhor segurança possível das nossas crianças, mas não são os únicos.
Por várias vezes somos confrontados na estrada com as deficientes condições de segurança em que as nossas crianças são transportadas e é tempo de dizer: basta! É tempo de acabar com veículos sobrelotados de crianças e com veículos que circulam com crianças sem qualquer tipo de dispositivo de retenção!
Com este diploma e com a sua entrada em vigor, a cada criança corresponderá finalmente um lugar no veículo - e nunca mais crianças transportadas como se de mercadoria se tratasse -, sendo certo que todos estes veículos terão sempre de contar com os cintos de segurança e sistemas de retenção para crianças.
Da mesma forma, os veículos terão de estar equipados com tacógrafo e sistema de controlo das portas e janelas, bem como deverão estar providos de extintor de incêndios e de caixa de primeiros socorros.
Ainda ao nível dos veículos, estes terão de ser sujeitos a inspecções técnicas periódicas, havendo também um elevado cuidado quanto aos locais de tomada e largada de passageiros.
Quanto à fiscalização, Srs. Deputados, serão várias as entidades que poderão fazê-la: a Guarda Nacional Republicana; a Polícia de Segurança Pública; a Inspecção-Geral do Trabalho; a Inspecção-Geral de Obras Públicas e Transportes; a Direcção-Geral de Viação; ou mesmo a Direcção-Geral de Transportes Terrestres.
Mas, Sr.ª Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, mais do que todas estas entidades juntas, há outras entidades que zelarão pelo cumprimento integral desta moldura legal, nomeadamente, todos os pais, todos os encarregados de educação e todas as associações, e são muitas, de defesa dos direitos das crianças, que permitiram, um dia, chegar a esta lei.
Sr.ª Presidente, Caros Colegas: Vivemos num país onde, infelizmente, a sinistralidade rodoviária é demasiado elevada e demasiado habitual.
Vivemos num país onde, infelizmente, é mais comum investir em "extras" para um qualquer veículo

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do que em "extras" para as crianças que neles são transportadas.
Vivemos num país onde, infelizmente, é mais normal exibir um bom veículo do que um bom comportamento dentro dele.
Mas nem tudo é mau. É tempo de terminar os cenários maus, em que parecíamos ter condutores a tratarem melhor a mercadoria que transportavam do que as crianças que tinham a cargo.
Neste sentido, é com todo o prazer que esta maioria pode dizer que os nossos filhos, as nossas crianças, são seres de pleno direito, não são uma mera mercadoria. E é exactamente por termos a graça de viver num país onde nos recusamos a tratar seres humanos como mercadoria que, estou certo, este diploma irá ter o apoio de todas as bancadas, sem excepção. É que, se divergimos em relação a muitas coisas, estou certo de que aqui ninguém "se porá em bicos de pés", considerando esta como uma bandeira pessoal.
Estou certo de que esta não é uma "bandeira" de nenhuma bancada, de nenhum político. É, sim, uma bandeira de cada um dos nossos filhos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Foi necessário praticamente um ano para que uma proposta sobre o transporte colectivo de crianças fosse apresentada pelo Governo, se tivermos apenas em linha de conta que o projecto de lei apresentado pelo Partido Ecologista "Os Verdes", o projecto de lei n.º 343/IX, foi discutido no Plenário da Assembleia da República em 15 de Outubro de 2003. Mas, se quisermos recuar mais no tempo, já em 18 de Setembro de 2002, e em sede de discussão de um diploma sobre esta matéria também da autoria do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes", o PSD afirmava que o Governo PSD/CDS-PP, do então Primeiro-Ministro Durão Barroso, estava em vias de terminar um diploma sobre esta matéria e que seria remetido à Assembleia da República a breve prazo - foi o que se viu!
O facto é que foi passado mais de um ano sobre a última discussão que surgiu esta proposta de lei, que, em primeira versão e ainda actual, aparece como um pedido de autorização legislativa, quando existia (e penso que existe firme) o compromisso de o Governo apresentar uma proposta de lei material, para que, em sede de especialidade, pudesse discutir-se e eventualmente fundir-se num só texto, tendo em conta o que foi apresentado em 15 de Outubro de 2003 por Os Verdes e votado favoravelmente no Plenário da Assembleia da República, no dia seguinte ao da sua discussão.
O Governo acabou por aceitar (e penso que esta situação se mantém) que a proposta de lei de autorização legislativa se transformasse numa lei material, mas creio que, do ponto de vista formal, o texto continua a apresentar-se como estava previsto anteriormente, pelo que se torna necessário adaptá-lo ao momento presente, ou seja, a uma proposta de lei material.
Depois da aprovação do projecto de lei de Os Verdes (projecto de lei n.º 343/IX), o mesmo baixou à Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, a qual criou um grupo de trabalho que começou por analisá-lo, ouviu entidades interessadas sobre a matéria, nomeadamente a Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI), precisou algumas propostas e, posteriormente, em sede do grupo de trabalho entretanto criado, foi melhorando o texto, numa primeira análise, até esbarrar concretamente com a dificuldade de progredir, dada a falta de um texto do Governo, que, entretanto, deveria ter sido produzido (e não foi) e que, como atrás foi afirmado, aparece agora, passados tantos meses.
No entanto, como diz o povo, "mais vale tarde do que nunca" e só esperamos que esta proposta venha contribuir (e, da leitura que fazemos, não está muito longe disso) para melhorar o texto final e não desvirtuá-lo.
Esse texto (o tal produzido pelo grupo de trabalho) existe e está depositado em sede da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que ficou encarregada de encontrar um texto final, porque esta problemática do transporte colectivo de crianças é, em nosso entender, demasiado importante e obriga-nos, a todos, a encontrar uma solução equilibrada que sirva efectivamente a segurança das crianças nos transportes colectivos para o efeito destinados.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Foi aqui recordado, em debates anteriores, pela minha camarada Luísa Mesquita, que as crianças são as principais vítimas de uma "guerra do asfalto" - e é verdade. Na Europa, todos os anos, mais de 10 000 crianças morrem em acidentes rodoviários. É preciso dizer "basta!".

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Por isso, é preciso que o texto normativo a ser aprovado por esta Assembleia seja contributo necessário e fundamental, senão para debelar, pelo menos para atenuar este flagelo, já que a prevenção da integridade física e psicológica das crianças é uma prioridade e um dever de todos nós.
Acresce que é necessário, por outro lado, que o Governo dote de meios financeiros as entidades que têm responsabilidade sobre estas matérias, no que à informação e sensibilização respeita, nomeadamente a Prevenção Rodoviária Portuguesa, e também articule com as várias entidades que superintendem no Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, dotando-as igualmente das verbas necessárias para o seu cabal cumprimento. E estou certo de que isto tem de ser feito com alguma urgência.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Analisemos, pois, a proposta de lei, hoje presente a Plenário.
O Sr. Secretário de Estado disse aqui que o Governo ouviu muitas entidades. Só que esqueceu-se de uma entidade essencial nesta discussão: os representantes dos trabalhadores. É que, do ponto de vista formal, esta proposta de lei, no seu artigo 3.º, tem conteúdos que colidem com matérias laborais, nomeadamente no que à certificação dos motoristas respeita, pelo que, em nosso entender, ela deve ser objecto de discussão pública, para que os legítimos representantes dos trabalhadores sobre a mesma se possam debruçar, uma vez que esta proposta de lei vem introduzir alterações ao que, até aqui, estava legislado nas matérias laborais que são da estrita competência da Assembleia da República e, por isso, obrigam à discussão pública.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, o n.º 2 do artigo 3.º refere que, para além da habilitação legal para conduzir, o motorista tem de possuir experiência - estamos de acordo - e formação específica na área de segurança rodoviária, em condições a definir por portaria conjunta de vários Ministérios, nomeadamente do Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho.
Fica claro que existem aqui matérias laborais que exigem a discussão pública da proposta de lei.
Mas gostaríamos que ficasse explicado o que significa "formação específica na área da segurança rodoviária" - é vago e difuso, não se percebe o porquê. É um conceito que necessita de um melhor esclarecimento e de adequada formulação normativa. Ou será que os profissionais rodoviários não têm esta especificação de segurança rodoviária? Não acredito que não tenham.
Poder-se-á, antes, afirmar que há veículos e vias que não têm condições de segurança rodoviária - infelizmente, esta é uma realidade no nosso país.
Mas não queremos atrapalhar; queremos apenas dizer ao Governo e aos grupos parlamentares da maioria que, para suprir esta situação, o Grupo Parlamentar do PCP propõe que a proposta de lei possa baixar à respectiva comissão, sem votação, enquanto se aguarda a discussão pública, através da comissão respectiva, a Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais, e que, no espaço que medeia até ao final da discussão pública, se possa, em sede de grupo de trabalho, preparar o texto final.
Para além desta questão, que é manifestamente importante, existem normas que se cruzam com o proposto pelo Partido Ecologista "Os Verdes" e que em princípio poderão produzir um texto válido, no sentido de se atingir o desiderato que se pretende, ou seja, uma lei que defenda efectivamente a segurança física e psicológica do transporte colectivo de crianças.
São as crianças que o exigem. É uma justiça que deveremos reparar.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por congratular-me com o facto de termos hoje aqui a sua primeira intervenção neste Governo, apesar de este ser naturalmente um trabalho longo do governo anterior, que também produziu. Congratulo-me, pois, com o facto de poder acompanhá-lo, o que é importante, visto que está aqui hoje pelos bons motivos - esta é uma questão séria e interessante.
Também me congratulo, Sr. Secretário de Estado, pelo facto de ter decidido alterar o posicionamento do Governo - e certamente não foi só o senhor, mas também o Sr. Ministro - relativamente à autorização legislativa. Ou seja, o Governo, que começou por apresentar este documento como uma autorização legislativa, entendeu, e bem, "mudar a agulha" e apresentar este diploma como uma proposta de lei que pode ser compatibilizada com o projecto de lei existente. Isto indicia o respeito pela Assembleia da República, o que reflecte um facto que considero importante.

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Sobre esta questão, sabe o Sr. Secretário de Estado, e sabemos nós, que, desde o primeiro Congresso Crescer em Segurança, realizado em 1992, em Lisboa, temos vindo a trabalhar com a sociedade civil as questões da segurança relativamente a acidentes com crianças - são 12 anos de trabalho -, sendo que esta questão da segurança das crianças se reflecte muito particularmente nas questões rodoviárias.
Já lá vão 12 anos, mas ainda temos muito, muito, que fazer, quer os utilizadores, quer os cidadãos que legislam, quer os cidadãos que fazem a fiscalização nestas matérias.
A sinistralidade rodoviária é, como todos sabemos, uma permanente tragédia nacional. É-o quando envolve adultos, mas é-o particularmente quando envolve crianças e jovens. O drama assume, neste caso, proporções singulares.
Nos números frios das estatísticas, os mortos e os feridos graves não se distinguem em termos de idade. Por vezes, preferimos admitir que eles são adultos e que os acidentes são consequência de incompetências ou, até, de co-responsabilidades. O facto é que todos sabemos que não é sempre assim. Em muitos casos, as vítimas são as crianças, alheias às causas que o destino lhes quis traçar e tantas vezes ditadas pela irresponsabilidade dos próprios adultos e até mesmo dos seus familiares.
Diariamente, transitam nas nossas estradas milhares de crianças em transportes colectivos, seja em transporte escolar com vista a visitas de estudo - currículos extra-escolares -, seja em transporte de clubes, quando praticam o seu desporto favorito, seja em transportes para-escolares, seja em transportes de lazer.
Sr. Secretário de Estado, aquando da discussão na especialidade, não podemos deixar de olhar para uma resposta que o Sr. Secretário de Estado deu, mas que não foi suficiente, sobre a questão dos taxistas, essencialmente aqueles que têm contratos específicos com os municípios para transportar crianças de casa para a escola, e, Sr. Secretário de Estado, são muitos no interior do País, fora das grandes zonas urbanas, os que têm contratos com os municípios. Mas, repito, voltaremos a este assunto aquando da discussão na especialidade.
Os veículos que transportam estas crianças pertencem a transportadoras, a escolas, a municípios, a clubes, e sabemos que muitos têm pouca observância pelos padrões mínimos de segurança, pelo que uma especial preparação dos adultos que conduzem estes veículos é uma questão fundamental. O transporte rodoviário das crianças é uma das pechas mais significativas no nosso país.
Perante a falta de legislação específica, tem sido uma associação nacional - que o Sr. Secretário de Estado já referiu -, a APSI, que tem tido a capacidade de apostar na formação especializada de profissionais. Esta Associação, de entre alguns estudos que tem feito, efectuou um cujas conclusões nos deixam em alerta. Escolheu 19 acidentes que envolviam veículos que faziam transporte escolar ou outro transporte colectivo de crianças, avaliou-os e concluiu que 8 crianças tinham morrido e, de entre os 192 feridos, 15 ficaram feridas com gravidade. É evidente que isto, em Portugal, pode parecer que não é um número exagerado, mas é-o efectivamente, porque estamos a falar de crianças e de jovens.
Importa que todos tenhamos a noção de que hoje existem centenas de milhar de crianças e de jovens que todos os dias utilizam transporte escolar como meio para se deslocarem entre a escola e a casa. Todas estas deslocações rodoviárias têm perigos, quer no interior quer no exterior das viaturas.
Gostava de deixar dois exemplos significativos do que é a segurança das crianças para que possamos perceber do que estamos a tratar ao nível das viaturas: numa colisão a 50 km/h uma criança que pese 30 kg é projectada com uma massa humana específica de 0,5 t - 500 kg, um autêntico projéctil humano, se não estiver retida, ou seja, se não formos capazes de prevenir a sua retenção no momento desta colisão a 50 km/h; ao viajar sem cinto de segurança uma criança corre cinco vezes mais risco de acidente, e até de acidente fatal. 70% dos acidentes fatais com crianças ocorrem a menos de 15 km de casa.
Dados estes dois exemplos, chegamos à conclusão de que, em Portugal, o principal factor de acidentes rodoviários com crianças é o principal causador de morte de crianças e de jovens. Daí este documento ser importante e a urgência de o discutirmos com brevidade.
É, ainda, de registar o avanço que estamos a imprimir na aproximação à legislação europeia, entendemos ser necessária a consulta às associações nacionais e, também como aqui já foi expresso, pensamos ser necessário avaliar a discussão pública da lei, se é que é preciso fazê-la. Percebemos, também, que este assunto pode ser tratado nos próximos dois meses e o Partido Socialista entende viabilizar, com o seu voto favorável, esta proposta de lei a fim de baixar à respectiva comissão para aí poder ser apreciada.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs.

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Deputados: Em Setembro de 2002 e em Outubro de 2003, aquando da discussão de dois projectos de lei da autoria de Os Verdes, sobre o transporte colectivo de crianças, afirmámos que esta é, para nós, uma matéria de extrema importância. E fizemo-lo de uma forma consequente. Hoje, mantemos exactamente, a respeito desta matéria, a mesma qualificação.
Tal como então deixámos claro, o vazio legal existente no que diz respeito ao transporte colectivo de crianças tem permitido que o mesmo se faça sem observar as mais elementares regras de segurança, colocando demasiadas vezes em perigo crianças que todos os dias utilizam este subtipo de transporte de passageiros.
Em Portugal, transportar uma criança ou um adulto, face à lei, é quase a mesma coisa, e nós sabemos que há uma grande diferença entre aquilo que é a lei e aquilo que é a realidade. É que transportar uma criança é muito diferente do que transportar um adulto, pelo que tem de haver, obviamente, por parte do legislador, uma exigência muito maior em relação à previsão destas matérias. Portanto, não pode continuar a haver esta falta de discriminação positiva do transporte colectivo de crianças.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Importa, como tal, estabelecer regras de segurança para um tipo de transporte que, sendo específico, ainda não vê reconhecida essa especificidade na lei.
Com a autorização legislativa agora em análise, o Governo pretende acautelar a idoneidade dos intervenientes mais directos na prestação deste serviço, nomeadamente motoristas, vigilantes e responsáveis das empresas de transporte colectivo de crianças e jovens até aos 16 anos de idade, sobre os quais recai, na maioria das vezes, o encargo de exercer uma tutela temporária destas crianças.
Para tal, determina que é indicador de falta de idoneidade para o acesso ao exercício da profissão de motorista de transporte de crianças a declaração judicial de delinquente por tendência ou a condenação, por decisão transitada em julgado, em casos de: pena de prisão efectiva, por crime que atente contra a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal; prática de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual; prática dos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez; prática, nos cinco anos anteriores, de qualquer contra-ordenação muito grave ao Código da Estrada.
Para além disso, estabelece também, no que diz respeito aos vigilantes e gestores de empresas de transporte de crianças por meio de automóvel ligeiro, os seguintes parâmetros como indicadores de falta de idoneidade: a declaração judicial de delinquência por tendência; a condenação, por decisão transitada em julgado, em pena de prisão efectiva, pela prática de qualquer crime que atente contra a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal; a condenação, por decisão transitada em julgado, pela prática de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Tal como é referido no anteprojecto de decreto-lei que acompanha em anexo esta autorização legislativa, o transporte colectivo de crianças tem vindo a crescer nos últimos anos, o que torna ainda mais urgente a sua regulamentação.
Assim, analisando o anteprojecto de decreto-lei, importa salientar várias questões:
Em primeiro lugar, a instituição de um regime de licenciamento de actividade aplicável à realização do transporte colectivo de crianças em automóveis ligeiros (situação que neste momento não está prevista), garantindo, assim, que estes não podem ter mais de oito anos a contar da data de atribuição da primeira matrícula, dependente da aprovação do veículo na inspecção técnica periódica e da existência de seguro;
Define, também, as regras de certificação dos motoristas, tentando garantir, assim, a qualidade (nomeadamente no que diz respeito à necessária formação específica), segurança e idoneidade;
Prevê, também, a obrigatoriedade da presença de um vigilante, em lugar que lhe permita um fácil acesso às crianças transportadas, sendo esse vigilante responsável por acautelar a segurança durante o transporte;
Adopta diversas medidas conducentes a, objectivamente, caucionar a segurança das crianças transportadas, nomeadamente no que diz respeito à lotação, hoje em dia um dos maiores problemas no transporte colectivo de crianças. Fazer respeitar que a cada criança corresponde um, e apenas um, lugar no veículo e não o que, muitas vezes, acontece hoje em dia, em que as crianças são transportadas em número bastante superior à lotação dos veículos única e exclusivamente porque as crianças lá cabem. Só que o facto de caberem não quer dizer, pelo contrário, que estejam a ser transportadas em segurança.
Ainda em matéria de segurança, a obrigatoriedade de existência de cintos ou de sistemas de retenção para crianças (um por lugar e estes devidamente homologados) e, ainda, estendendo a utilização de tacógrafos a todos os veículos.
O anteprojecto de decreto-lei estabelece, também, a necessidade de ser garantida a segurança dos

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passageiros nos locais de tomada e largada de passageiros e faz acompanhar estas medidas por um regime sancionatório próprio, garantindo, assim, eficiência a este novo regime.
Esta é, como foi dito, uma legislação há muito esperada por todos e, portanto, a discussão que neste momento não faz sentido é sobre se deveria ser agora, há seis meses ou daqui a seis meses. Esta legislação é, de facto, esperada há muito tempo. É agora que estamos a analisá-la e é agora que ela poder tornar-se efectiva, se for aprovada, e, portanto, é a partir de agora que pode produzir efeitos.
Para além de todas as outras razões, estas são razões de substância do decreto a autorizar e da iniciativa que o Governo aqui nos apresenta que fazem com que o CDS registe, por um lado, com particular agrado, esta iniciativa do Governo e, por outro, obviamente, manifeste total apoio à mesma, o que acontecerá em sede de votação.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza). - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Tendo, noutras oportunidades, tido a possibilidade de me pronunciar em concreto, nesta Câmara, sobre matérias e medidas que aqui discutimos, como a questão dos sistemas de retenção, a vigilância no interior do veículo que transporta crianças, a identificação desses veículos, a formação de motoristas, etc., penso que vale a pena agora começar por fazer um breve historial e o ponto da situação sobre o processo legislativo relativo ao transporte colectivo de crianças.
Assim, em Abril de 2002, deu entrada na Assembleia da República o projecto de lei n.º 7/IX, de Os Verdes, que estabelecia a segurança no transporte colectivo de crianças. Esse projecto de lei foi discutido, na generalidade, em 18 de Setembro desse mesmo ano e chumbado com os votos contra da maioria PSD/PP, sendo o argumento fulcral o de que o Governo estava prestes a elaborar um diploma sobre a matéria.
Cerca de um ano depois, em Setembro de 2003, Os Verdes reapresentaram o projecto de lei, agora com o n.º 343/IX, com pequenos reajustes, tendo em conta a discussão, na generalidade, do projecto de lei anterior.
Esse projecto foi discutido, na generalidade, em 15 de Outubro de 2003 e aprovado no dia seguinte, com a abstenção da maioria PSD/PP.
A questão é que, passado um ano depois de ter sido garantido, em 2002, que o Governo estava prestes a apresentar um diploma legal sobre a matéria, os anúncios públicos nos órgãos de comunicação social já iam em três, sempre como se fosse uma novidade, mas a proposta de lei não aparecia. Daí que, em 2003, não houvesse já argumentos com sustentabilidade para rejeitar o projecto de lei de Os Verdes que incidia sobre uma matéria sobre a qual urge agir com extrema urgência, por forma a garantir segurança no transporte colectivo de crianças em Portugal para que possamos agir por prevenção e não, como tantas vezes acontece no nosso país, por via de dramas com grande projecção pública que já não se podem evitar, como aconteceu para a produção legislativa sobre os aquaparques.
Entretanto, o projecto de lei de Os Verdes já foi analisado em sede de especialidade e aí fomos confrontados pela maioria PSD/CDS-PP com a possibilidade de aguardar pela entrada da proposta de lei do Governo, por forma a permitir a discussão conjunta dos dois diplomas. É evidente que Os Verdes não poderiam deixar de aceitar essa proposta, considerando que, se fosse rapidamente apresentada, haveria toda a vantagem em receber mais contributos para este processo legislativo.
Assim, a proposta de lei foi apresentada à Assembleia da República no início de Setembro de 2004, estando hoje a ser discutida.
Quero dizer que concordo com o conteúdo da proposta de lei - semelhante, aliás, em muitas normas, ao projecto de lei de Os Verdes -, no entanto, apanhámos um "susto". É que o Governo apresentou não uma proposta de lei material mas um pedido de autorização legislativa ao Parlamento, por forma a poder legislar sozinho sobre o transporte colectivo de crianças, arredando (e essa era a nossa grande preocupação) os contributos da Assembleia da República e todo o trabalho que já tinha sido desenvolvido até agora.
Foi com bastante agrado que soubemos que o Governo está disponível para transformar este pedido de autorização legislativa numa proposta de lei material, fazendo-a baixar à comissão competente, em sede de especialidade, permitindo aí a discussão conjunta dos dois diplomas, a proposta de lei do Governo e o projecto de lei de Os Verdes, por forma a que resulte um texto conjunto que permitirá que, em Portugal, se colmate a lacuna insustentável que ainda hoje existe em relação à segurança do transporte colectivo de crianças.

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Neste Plenário, também deixámos a nossa preocupação pelo facto de considerarmos que a proposta de lei de alteração ao Código da Estrada constituía um retrocesso nos princípios que queríamos ver contemplados em Portugal em relação à questão do transporte colectivo de crianças, porque permitia que os transportes colectivos, onde se inclui os utilizados, por exemplo, para visitas de estudo de crianças, optassem pela não instalação dos cintos de segurança.
De qualquer modo, com a produção de legislação específica como a que hoje é apresentada, pensamos que fica salvaguardada a especificidade e a garantia de segurança dos transportes colectivos de crianças.
Assim, Os Verdes consideram que, finalmente, estão criadas as condições para que o processo legislativo que assegure a segurança do transporte colectivo de crianças se conclua antes do final do ano para poder entrar em vigor no início de 2005.
Aproveito esta ocasião para informar a Câmara que, ainda numa óptica de garantia de segurança no transporte de crianças, agora em geral, Os Verdes vão apresentar uma proposta em sede de Orçamento do Estado no sentido de que as cadeiras de retenção para o transporte de crianças sejam sujeitas a uma redução da taxa do IVA, sendo que actualmente estão sujeitas a um IVA de 19%.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante uma ocasião rara e, portanto, há que a assinalar devidamente.
Com efeito, o Governo apresenta hoje um anteprojecto de decreto-lei, anexo ao pedido de autorização legislativa, que versa sobre o transporte colectivo de crianças e a ocasião rara prende-se com o facto de esta proposta conter aspectos positivos, o que não tem acontecido com este Governo.
Portanto, pela primeira vez, desde que estou na representação parlamentar do Bloco de Esquerda, o Governo apresenta-nos um bom caminho, estabelecendo um conjunto de eixos de orientação política que me parecem claramente positivos, alargando algumas das normas que eram destinadas ao transporte escolar, ao transporte colectivo de crianças, reforçando regras de segurança durante, antes e depois do transporte, estabelecendo um regime de licenciamento para os automóveis ligeiros e, assim, definindo regras para a certificação dos motoristas e dos vigilantes que devem acompanhar as crianças.
Obviamente, não posso deixar de assinalar que esta iniciativa vem um pouco tarde. Ou seja, há dois anos atrás, nesta Câmara, tivemos uma discussão sobre esta matéria, que foi, aliás, trazida pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes. Agora, este anteprojecto de decreto-lei apresentado pelo Governo retoma algumas das indicações e das propostas então apresentadas pelo Partido Ecologista "Os Verdes".
Nessa altura, em 19 de Setembro de 2002, também as bancadas do PSD, pela voz do Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, e do CDS-PP, pela voz do Sr. Deputado Helder Amaral (que já não se encontra nesta Câmara), diziam que o Governo estava a elaborar um anteprojecto de decreto-lei que se encontrava em fase de consulta pública. Portanto, dois anos, um mês e um dia depois aqui estamos nós a discutir, de novo, esta matéria.
Mas cá está ela, a proposta do Governo. Parece-nos positiva, embora lhe falte uma das matérias que, na altura, na tal discussão de há dois anos atrás, apresentámos como sugestão. Refiro-me à necessidade de, no transporte que é feito nas chamadas "carrinhas de nove lugares", se introduzir um limitador automático de velocidade, porque permite estabelecer algumas regras de segurança. A sua inclusão seria positiva, a nosso ver.
Também pensamos que a questão levantada pela bancada do PCP sobre a certificação de motoristas é relevante, bem como a necessidade de se proceder a uma discussão pública em que os trabalhadores e respectivas entidades sejam ouvidos. Somos, por isso, favoráveis a que esta proposta de lei baixe à comissão respectiva sem votação, para que possa ser enriquecida com as contribuições de todas as bancadas parlamentares.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uso da palavra sob a forma de uma segunda intervenção apenas para dar resposta ao que aqui foi dito durante debate sobre a sequência do procedimento legislativo.

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Conforme foi acertado pelo Governo na Conferência de Líderes, a maioria está de acordo com a baixa, sem votação, deste diploma à 9.ª Comissão, na qual devem prosseguir os trabalhos, na especialidade, para acertarmos uma redacção final que, aparentemente, até pode vir a concitar o apoio unânime da Câmara - assim o esperamos.
Em paralelo, Sr.ª Presidente, vou apresentar na Mesa um requerimento, em nome das bancadas do PSD e do CDS-PP, solicitando o imediato envio deste diploma ao Sr. Presidente da 8.ª Comissão, por forma a iniciar a discussão pública, com carácter urgente, para que este processo legislativo possa ser concluído o mais rapidamente possível.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, obviamente, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes terá andamento nos termos regimentais, para que se possa proceder, com a urgência que todos reconhecem, à aprovação do texto final.
Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr.ª Presidente, solicitei esta segunda intervenção para, de forma muito breve, esclarecer as questões que foram suscitadas por alguns Srs. Deputados.
Em primeiro lugar, queria dizer ao Sr. Deputado Rodeia Machado que a disponibilidade manifestada pelo Governo para dialogar com todos, elucidativamente demonstrada pela intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é permanente e sempre existiu, nomeadamente no que se refere à questão dos trabalhadores.
Por outro lado, o Sr. Deputado Rodeia Machado não desconhece, nem nenhum outro Sr. Deputado aqui presente, os factos políticos que, entretanto, ocorreram e que motivaram algum atraso, de que o Governo não tem culpa. Refiro-me, designadamente, ao facto de a Assembleia da República ter suspendido os trabalhos durante o período de tempo em que encerrou. Como sabem, esta discussão estava agendada para o dia 8 de Junho, juntamente com a alteração ao Código da Estrada.
Portanto, quanto a essa matéria…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Mas esta proposta de lei só entrou em Setembro. Atenção!

O Orador: - Com certeza, Sr.ª Deputada. Já lá irei!
Queria agradecer ao Sr. Deputado Nelson Baltazar as amáveis palavras que me dirigiu e ainda o facto de ter estado atento à campanha que o Governo, juntamente com a Prevenção Rodoviária Portuguesa, lançou em matéria de utilização dos sistemas de retenção de crianças,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … porque os dois exemplos que deu são, precisamente, os que constam dessas campanhas. Portanto, tal prova a sua eficácia, bem como o facto de a oposição estar atenta às campanhas que o Governo está a lançar, nomeadamente em conjunto com a APSI, de que falou - como sabe, existe um protocolo com a DGV, da tutela do Governo, que lhe permite realizar esse tipo de campanhas. Congratulo-me, portanto, com esse facto.
Certamente não desconhecerá, mas posso dizer-lhe a título de informação, que a APSI, oficialmente, através de um comentário que lhe foi solicitado relativamente ao diploma que hoje apresentamos, constatou que "o mesmo contempla os aspectos mais importantes relacionados com a segurança do transporte colectivo de crianças que a APSI tem vindo a preconizar que sejam adoptados desde 1988, recorde-se".
Aliás, também a DECO "congratula-se com a intervenção do Governo numa área tão necessitada como é a da segurança, mormente a do transporte colectivo de crianças".
Portanto, vejo que o Sr. Deputado está atento a estas matérias, às campanhas e a todo o trabalho que está a desenvolver-se, o que agradeço. Sensibiliza-me esse facto.
O Sr. Deputado Nelson Baltazar disse ainda não existirem números, mas eles existem. De acordo com o Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, o Observatório de Segurança Rodoviária, da Direcção-Geral de Viação, passou a ter discriminados os números sobre o utente, a hora, o local e a sua idade. Posso, pois, adiantar-lhe que, durante o ano de 2003, em Portugal, infelizmente, tivemos 18 vítimas mortais com menos de 5 anos, 8 entre os 6 e os 9 anos e 22 entre os 10 e os 14 anos.
Tal significa, em termos globais, no primeiro caso, até aos 5 anos, 0,03% do total; no segundo caso, dos 6 aos 9 anos, 0,02% e no último caso, dos 10 aos 14 anos, 0,04%. Mas nesta matéria, como muito

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bem assinalou, os números valem o que valem. Podem ser poucos mas correspondem, cada um deles, a uma tragédia, que ainda é maior quando estamos a falar de crianças e de adolescentes.
Em todo o caso, queria deixar-lhe esta informação: existem números, existem estudos e existe um Observatório de Segurança Rodoviária a trabalhar.
Também gostaria de manifestar a disponibilidade do Governo para discutir todas as outras soluções apresentadas pelos diferentes grupos parlamentares, que já constam, aliás, deste diploma.
Agradeço igualmente as palavras do Sr. Deputado João Pinho de Almeida e saúdo a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia pelo interesse que sempre demonstrou - é verdade! - em relação a esta matéria.
Queria dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que, por vicissitudes várias, não foi possível apresentar uma proposta antes, mas congratulo-me não só pelo facto de a Sr.ª Deputada estar de acordo com os pontos básicos deste diploma como, também, pelo facto de ficar esclarecido o que não ficou aquando do debate da alteração ao Código da Estrada, visto que não houve qualquer retrocesso; pelo contrário, trata-se de uma das legislações mais avançadas da Europa, só comparável com a de Espanha, que, como bem assinalou, procedeu à revisão da sua legislação por força de um grave acidente. Portanto, só a Espanha tem uma legislação comparável a esta que hoje aqui apresentamos e que será discutida por todos, certamente, em comissão.
Permita-me ainda uma pequena achega: não foi o Governo que veio ao encontro do projecto de Os Verdes, nomeadamente do segundo; foi o projecto de Os Verdes que veio ao encontro da proposta do Governo. Em todo o caso, ainda bem que estamos de acordo!
Congratulo-me ainda, Sr.ª Deputada Ana Drago, com o facto de o Bloco de Esquerda estar de acordo com um diploma do Governo. É sinal de que está no bom caminho.
Termino, agradecendo o interesse manifestado por todos os Srs. Deputados dos diferentes grupos parlamentares e reitero o apelo feito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes quanto à necessidade de este diploma ser aprovado por unanimidade, solicitando a habitual maior celeridade processual no trabalho das comissões.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminada a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 138/IX, vamos proceder à apreciação do projecto de resolução n.º 166/IX - Constituição de uma comissão eventual para análise e acompanhamento da construção do futuro aeroporto internacional (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Medeiros.

O Sr. José Miguel Medeiros (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista apresenta hoje, nesta Câmara, um projecto de resolução que visa criar uma comissão eventual para análise e acompanhamento da construção do futuro aeroporto internacional.
O presente projecto, em tudo semelhante àquele que foi apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD na VII Legislatura, e, nessa altura, aprovado por unanimidade de todas as forças políticas aqui representadas, encontra a sua principal razão de ser na dimensão e nas repercussões que um empreendimento com estas características inevitavelmente produzirá no País.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Atentos os impactos financeiros, ambientais, no ordenamento do território, no desenvolvimento económico e social e, bem assim, a verdadeira revolução que implica no futuro da estruturação, a todos os níveis, do sistema nacional de transportes e comunicações, estamos em presença de um empreendimento que ultrapassa largamente, em dimensão e importância, realizações como a Expo 98 ou o Euro 2004 e que justificaram a criação de comissões parlamentares eventuais de acompanhamento.
Trata-se, pois, de um projecto de interesse nacional e internacional indiscutível, verdadeiramente estratégico para o País e que, por isso mesmo, tem suscitado na sociedade portuguesa um especial interesse, tendo inclusive gerado amplos movimentos da sociedade civil, no sentido de apoiar e incentivar a sua concretização, de que são exemplo as associações empresariais de desenvolvimento, associações de municípios e autarquias locais, etc.
Independentemente do amplo e diversificado debate a que temos assistido e da atenção que esta Assembleia lhe tem dedicado, o que é facto é que uma tal empresa justifica, sem margem para dúvidas, uma atenção e um interesse mais efectivo de um órgão de soberania com as responsabilidades e as competências da Assembleia da República.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como se refere, e bem, na exposição de motivos do presente

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projecto de resolução, "seria incompreensível que a Assembleia da República se mantivesse alheada de tal acontecimento".
O conjunto de debates travados nesta Câmara, tanto nas duas anteriores legislaturas como já no decorrer desta, em torno da construção do novo aeroporto internacional de Lisboa e, bem assim, o facto de existirem antecedentes neste domínio na VII legislatura, aquando da criação de uma comissão para o acompanhamento do processo, seriam, por si só, motivos suficientes para que na actual legislatura o mesmo princípio fosse aplicado.
E se é certo que, nos últimos dois anos e meio, tanto o ex-Primeiro-Ministro, Dr. Durão Barroso, como o actual Primeiro-Ministro, Dr. Santana Lopes, e os vários ministros das obras públicas dos governos desta maioria, tiveram, em diversos momentos, posições contraditórias sobre a concretização do projecto e o seu grau de prioridade, o que é facto é que, quando questionados nesta Casa, tanto em sede de Plenário como de comissão especializada, assumiram sempre, de forma inequívoca, a importância estratégica da obra e a necessidade da sua concretização.
Por tudo isto e também porque o País e a sua administração central e local, e em particular as populações vizinhas da localização onde se perspectiva a construção de tal empreendimento, não podem continuar a viver na incerteza e a conviver com a opacidade que este processo actualmente comporta, o PS propõe a esta Câmara a criação desta comissão, na expectativa de que a nossa proposta obterá o acolhimento unânime de todas as Sr.as e Srs. Deputados dos diferentes grupos parlamentares.
A finalizar, assinale-se que os fundamentos e o objecto do presente projecto de resolução são em tudo idênticos aos do projecto de resolução 78/VII, da 3.ª sessão legislativa, datado de 6 de Fevereiro de 1998, e que então foi aprovado, por unanimidade, neste Plenário.
Sendo idênticos o objecto e os fundamentos e estando aqui representadas as mesmas forças políticas de então, estamos seguros e não poderíamos compreender que a nossa proposta não viesse a obter idêntica aprovação.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista agendou, finalmente, para debate o seu projecto de resolução n.º 166/IX, de 15 de Julho de 2003, que preconiza a constituição de uma comissão eventual para a análise e acompanhamento da construção de um futuro aeroporto internacional. Foi esta a urgência do PS sobre esta questão?
E o que dizer de igual texto apresentado, em 31 de Março deste ano, 2004, com o mesmo título e que ficou registado como projecto de resolução n.º 240/IX? Srs. Deputados do Partido Socialista, expliquem aos portugueses e à Câmara o que se passa!
Já não sabem o que assinam ou estamos perante mais um daqueles "números" políticos a que o PS recorre com alguma frequência? Ora, foi isto mesmo o que aconteceu. E é escandaloso porque estes projectos de resolução não se referem uma única vez à localização do aeroporto na Ota. Nem uma única linha ou palavra!
De facto, é inacreditável o pouco rigor e a leveza com que o Partido Socialista aborda esta questão. Repetem o projecto de resolução e falam como se a decisão de localização ainda estivesse para ser tomada.

Protestos do PS.

Não é verdade, Srs. Deputados. Foram os senhores que a tomaram, ainda no vosso governo!
Mas desta proposta do PS decorre a abertura de um novo período para análise e acompanhamento da localização do futuro aeroporto internacional. É ou não é, Srs. Deputados? Querem voltar a discutir de novo a localização do aeroporto ou querem que ele seja construído?
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Programa do Governo, discutido nesta Casa em finais de Julho de 2004, diz textualmente o seguinte, relativamente aos transportes aéreos e relativamente à Ota: "prossecução dos estudos relativos ao aeroporto da Ota, de modo a poder caracterizar adequadamente o empreendimento. No entanto, a sua concretização não é prioritária e ele não arrancará na presente Legislatura".
Por isso, o PSD reafirma o que disse a 31 de Março de 2004: o projecto do novo aeroporto não foi abandonado; a localização da Ota não está em causa; a concretização do projecto não representa uma prioridade a curto prazo; o actual momento é de reponderação em função das novas condicionantes

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internacionais que determinaram a reavaliação de todos os dados técnicos, económicos e financeiros; na actual conjuntura as incertezas não permitem um planeamento rigoroso de um projecto desta dimensão; há que aguardar e acompanhar de perto os sinais de inversão do volume de tráfego aéreo que habilitem uma tomada de decisão devidamente fundamentada; há que aprofundar os estudos necessários para ser dada uma resposta no tempo certo. Esta posição é imposta por estritos critérios de prudência, bom senso e de racionalidade na utilização dos recursos financeiros disponíveis.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com esta intervenção do PS já percebemos que não sabem o que querem e, sobretudo - o que é grave para o País -, ainda andam desorientados.
Desejo a VV. Ex.as que encontrem rapidamente o equilíbrio e o bom senso nas vossas posições e ajudem de uma forma responsável, como oposição, o País a andar para a frente.
Chega de faz-de-conta! As obras custam dinheiro. É preciso respeitar os portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP não tem qualquer objecção, hoje, como no passado também não tivemos, relativamente à proposta que surge nesta Câmara para a constituição de uma comissão eventual parlamentar para o acompanhamento e análise do futuro aeroporto internacional no que diz respeito à sua localização e construção. Até porque estamos num processo em que reiteradamente o Governo vem afirmando - inclusivamente, a afirmação do Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho vai nesse mesmo sentido - que a concretização do aeroporto não é prioritária e que ele não arrancará na presente Legislatura.
Ora bem, nesta matéria, temos de fazer um ponto prévio relativamente à definição dos conceitos e dos conteúdos quando falamos de um termo que poderá ser tão vago como é o termo "arrancar". Quando afirmam que ele não arrancará na presente Legislatura, podemos estar a falar das obras no terreno, do próprio projecto de execução, de estudos de impacte ambiental, dos vários estudos de microlocalização que estão consignados a esta avaliação técnica. Assim, há aqui muita matéria que o Parlamento forçosa e necessariamente tem de acompanhar, de avaliar, de estudar e deverá também ter o seu papel de pronunciamento político no plano de fiscalização da acção governativa que esta matéria exige pela importância de que se reveste para o País, para a economia nacional e para o próprio papel de Portugal no contexto comunitário, europeu, transatlântico, etc.
Nesse sentido, colocamos um conjunto de interrogações a que o Parlamento deveria ter a iniciativa de procurar responder, estudar, reflectir, designadamente no que diz respeito a situações como aquela em que o próprio ministério, há poucos meses atrás, apresentou à Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações uma listagem extensa de estudos e de análises técnicas realizadas e a realizar nesta matéria.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Deste ponto de vista, há aqui matérias a que urge responder, clarificando a posição do Governo e o processo que está a ser desenvolvido, nomeadamente no que diz respeito, por exemplo, aos estudos a apresentar ao nível geológico, geotécnico e hidráulico, num processo que tem numa das suas vertentes mais sensíveis e mais ambiciosas o desvio de cursos de água, como por exemplo o caso do rio Alvarinho.
O PCP já levantou esta questão nesta Assembleia por mais do que uma vez, sendo que estamos perante perspectivas perigosas ao nível da geodinâmica, quanto à permeabilidade dos terrenos e ao subsolo dos terrenos em que está previsto ser implementado este projecto, mas também no que diz respeito, por exemplo, à rede de acessibilidades terrestres, uma matéria fundamental para a gestão e para o funcionamento de um sistema aeroportuário qualquer, nomeadamente com a importância que este, presumivelmente, apresentará no futuro, matéria que não foi ainda objecto de uma avaliação integrada sistematizada, havendo apenas um documento de reflexões preliminares sobre infra-estruturas críticas para a minimização do tempo de deslocação aeroporto/cidade. Isto dá para tudo, mas poderá dar, eventualmente, para muito pouco. Portanto, é preciso aprofundar o conhecimento e a avaliação sobre esta matéria.
Em último lugar, mas não menos importante, é o conhecimento que Parlamento e o País devem aprofundar e desenvolver relativamente às condições operacionais e de navegação aérea da localização em causa. Estamos perante um cenário que, ele próprio, poderá ditar o êxito ou o fracasso de um empreendimento deste tipo.
Numa visita que o Grupo Parlamentar do PCP realizou recentemente aos terrenos onde está prevista a construção deste novo aeroporto, na Ota, fomos acompanhados pela própria comunidade local, por quem conhece bem o terreno, designadamente ao nível de organizações não governamentais de defesa do

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ambiente, como foi o caso da Associação para o Estudo e Defesa do Ambiente do Concelho de Alenquer (ALAMBI), que conhece "a palmo" aquele terreno e aquela área. Aliás, outros Deputados também já tiveram encontros com essa associação. Pena é que as sensibilizações e alertas que essa associação tem desenvolvido não tenham sido reflectidas no debate que tem vindo a ser levado a cabo.
Pela nossa parte, não temos a menor dúvida em aduzir ao debate esta nossa preocupação, tendo em conta que na zona em que se situa este projecto se verificam frequentemente fortes nevoeiros, pois é uma zona baixa do vale do Tejo, como é do conhecimento de quem a atravessa com frequência.
Há, pois, um conjunto de questões que é necessário aprofundar.
Ora, esta comissão eventual poderia ser uma forma adequada para conhecer e responder a estas perguntas, a que é verdadeiramente necessário responder. Portanto, assistimos, mais uma vez, tal como há poucos dias aconteceu relativamente à toxicodependência, a um volte-face na posição da maioria quanto à vontade de aprofundar esta matéria em sede parlamentar. Esta viragem no posicionamento político da maioria é lamentável.
Pela nossa parte, no decurso deste debate, já apresentámos na Mesa um requerimento ao Governo com vista a obter esclarecimentos e informações relativamente a este processo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Campos Cunha.

O Sr. Henrique Campos Cunha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É inegável e evidente a complexidade da construção do novo aeroporto da Ota, quer do ponto de vista da própria obra e da sua preparação quer do ponto de vista das repercussões estruturais, sociais e económicas que esta nova infra-estrutura terá.
É também incontestável que a edificação de um grande aeroporto exige uma escolha ajustada no tempo do seu lançamento, evitando a incompreensão dos contribuintes.
A construção do aeroporto da Ota é uma matéria da maior importância, do ponto de vista da estratégia de desenvolvimento do nosso País, pelo que importa, uma vez mais, reafirmar dois pontos que nos parecem essenciais.
Em primeiro lugar, é para nós claro que o aeroporto da Ota é a evolução lógica do Aeroporto da Portela. Esta questão tem sido, aliás, diversas vezes salientada e acentuada, quer pelo Ministério das Obras Públicas quer pelo Primeiro-Ministro, não estando, como tal, em causa a sua construção.
Em segundo lugar, a sustentabilidade técnica desta obra é essencial para o seu desenvolvimento. A tónica que o anterior e o actual governos têm colocado nesta matéria é prova da preocupação em conseguir, por exemplo, o melhor impacte ambiental, em atingir a melhor inserção regional, em garantir uma forte e eficaz estrutura logística e em assegurar as melhores condições de acessibilidade e operatividade, com Lisboa mas também com o resto do País.
Importa também seguir com particular atenção a evolução do movimento aeroportuário no nosso país e acompanhar a evolução da aviação no contexto internacional, matéria decisiva para a sustentação desta decisão.
A sustentabilidade técnica é, desta forma, indispensável e de grande utilidade para a implementação deste marcante projecto, essencial para reduzir custos e, sobretudo, para aumentar benefícios.
Aliás, convém relembrar que, de acordo com o Programa do Governo aprovado, os estudos relativos à construção do aeroporto da Ota têm vindo a ser desenvolvidos de modo a caracterizar adequadamente o empreendimento nas suas vertentes técnica, económica e financeira, tal como foi afirmado em recente debate nesta Assembleia pelo então Ministro das Obras Públicas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de resolução que agora debatemos propõe a constituição de uma comissão eventual para análise e acompanhamento da construção do futuro aeroporto internacional na Ota, destacando o enorme vulto e as implicações para o País desta obra. Com esta matéria estamos naturalmente de acordo. No entanto, afirma que "seria incompreensível que a Assembleia da República se mantivesse alheada deste acontecimento". Esta é objectivamente uma questão sobre a qual importa referir que, ao longo de este processo, quer durante a escolha da localização do aeroporto quer durante todo o processo posterior a ela, a Assembleia da República sempre soube desempenhar um papel activo, quer realizando diversos debates em Plenário, com a presença dos mais diversos responsáveis, quer durante os trabalhos da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
É para nós claro que a Assembleia da República deve assumir um papel influente, actuante e fiscalizador nesta matéria, mantendo uma relação próxima com o Governo, acompanhando os estudos técnicos

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e as decisões políticas.
No entanto, não nos parece indispensável que se crie uma comissão eventual para acompanhar o processo de construção do aeroporto da Ota, devendo antes este assunto manter-se no âmbito da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que tem acompanhado permanentemente esta questão.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Medeiros.

O Sr. José Miguel Medeiros (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de clarificar algumas questões.
O Sr. Deputado Pedro Moutinho disse que Partido Socialista só agora agendou este projecto, que é de 2003. Ora, só o agendou agora porque o PSD inviabilizou sistematicamente o agendamento desta matéria, empurrando-o sempre para a figura do agendamento potestativo, por exemplo, como, aliás, o Deputado José Magalhães já aqui alertou várias vezes nesta mesma Câmara.
Quanto à questão da localização, que o Deputado Fernando Pedro Moutinho colocou como sendo uma dúvida que assalta o PS, ela não existe, porque o PS, no tempo do seu governo, tomou uma decisão e escolheu uma localização. Os senhores é que andam a brincar às localizações e andam a tentar "atirar areia para os olhos" das pessoas. Isto porque o Sr. Ministro Valente de Oliveira disse aqui, nesta Câmara, que os estudos iriam prosseguir e que até admitia que pudesse haver outra localização, embora considerasse que a Ota era a melhor solução. O Sr. Ministro Carmona Rodrigues disse que não era preciso aeroporto nenhum porque a Portela servia muito bem - não se sabia se estava a falar como Ministro das Obras Públicas se como Presidente da Câmara de Lisboa. Provavelmente, será a posição que agora poderá expressar mais livremente porque, na altura, viu-se obrigado a ir ao Oeste explicar que, afinal, não tinha afirmado o que disse aqui.
Ora, o que está a verificar-se já há bastante tempo é que os senhores andam, sistematicamente, a dar o dito por não dito. O que é importante e que já na altura, na VII Legislatura…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tem de terminar.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Até vou mostrar ao Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho as declarações do então Deputado Silva Marques - na altura, ainda não havia uma decisão sobre a localização do aeroporto - e as razões por que ele considerava que deveria haver uma comissão de acompanhamento. Vou oferecer-lhe uma fotocópia e peço aos serviços da Assembleia que façam o favor de a distribuir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Penso que com esta segunda intervenção do Sr. Deputado do Partido Socialista ficou demonstrado que o alerta que aqui fizemos nesta Câmara tinha todo o sentido. É que o Partido Socialista - e volto a chamar a atenção que estamos a discutir o projecto de resolução n.º 166/IX, de 2003 - apresentou um texto exactamente igual, com outras assinaturas, já em Março de 2004, e estamos a discutir um projecto de resolução de 2003.

Protestos do Deputado do PS José Miguel Medeiros.

Afinal de contas, o Partido Socialista, quando agenda este projecto de resolução, ou está simplesmente a fazer um acto meramente político no sentido exterior a esta Casa ou, se está a querer provar e discutir algo como esta matéria, que deve ser discutida seriamente, não apresenta duas vezes o mesmo projecto de resolução, pois têm os dois o mesmo conteúdo.
Sr. Deputado, apesar de ter sido repetido um texto que foi aprovado numa anterior legislatura, nessa altura, como recorda o Sr. Deputado, não havia a localização definida, não estava decidido pelo vosso governo nem a Ota nem Rio Frio. Ora, essa comissão eventual foi criada exactamente para acompanhar os trabalhos do vosso governo, e assim fazia todo o sentido.

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Protestos do Deputado do PS José Miguel Medeiros.

Sr. Deputado, os senhores já tomaram a decisão da Ota. Portanto, já não é necessário criar uma comissão eventual para a localização do novo aeroporto. Façam um outro texto! Pode ser que seja mais interessante e, eventualmente, poderemos estar interessados em subscrevê-lo. Mas este, seguramente, não!
Gostaria ainda de informar a Câmara que há um grupo de trabalho, desenvolvido no âmbito do Ministério das Obras Públicas, relativamente à redução do impacto das medidas preventivas, exactamente até pelo prolongamento dessas mesmas medidas preventivas. Ora, tenho informação do Governo de que este grupo de trabalho já terminou o seu documento final e que já endereçou ao Instituto de Estradas de Portugal o pedido de definição dos corredores rodoviários.
Portanto, há aqui um bom exemplo de como o Governo está a trabalhar e é importante que esta matéria seja do conhecimento de todos os Deputados, uma vez que o grupo de trabalho concluiu a sua tarefa. Por isso, peço ao Sr. Presidente que seja obtido junto do Governo o documento final deste grupo de trabalho, que tem a participação de autarquias e é um documento interessante para a Câmara e para todas as populações.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Moutinho, terá de formalizar o seu requerimento para que siga as vias previstas no Regimento.
Não havendo mais oradores inscritos, dou por encerrado o debate sobre o projecto de resolução n.º 166/IX, o qual será votado amanhã.
Segue-se a apreciação do projecto de resolução n.º 279/IX - Fomento de hábitos de leitura.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Mendes Pinto.

O Sr. Marcelo Mendes Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS-PP apresenta hoje o seu projecto de resolução que tem como principal objectivo o fomento de hábitos de leitura entre as crianças e os jovens.
Como todos sabemos, a leitura tem um papel fundamental na formação de cada criança e jovem, contribuindo decisivamente para o seu desenvolvimento como cidadão responsável.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Nos dias de hoje, em que tanto se fala da sociedade de informação e do papel essencial do conhecimento e da qualificação como factor de desenvolvimento do País, é imperioso reconhecer-se a leitura como dimensão essencial da educação e como uma ferramenta básica de aprendizagem.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido, entendeu o CDS que seria muito importante que o Governo tomasse medidas no sentido de criar e fomentar os hábitos de leitura.
É através da leitura que se potencia o acesso ao conhecimento e à cultura; é também através da leitura que se acede ao nosso património linguístico e cultural, e, finalmente, é pela leitura que se desenvolvem as capacidades de compreensão e expressão, tanto escrita como oral.
Por outro lado, é bom lembrar que vivemos numa sociedade em que o acesso à informação é cada vez mais rápido e mais variado. Este é um facto positivo e que deve ser salientado. No entanto, a informação de muito pouco serve se não for correctamente apreendida e criticamente assimilada. Temos todos que fazer um esforço no sentido de formar futuras gerações de portugueses capazes de criticar e de formar as suas próprias opiniões acerca da quantidade enorme de informação que está ao seu dispor. Para isso será imprescindível, entre outras coisas, que essas novas gerações tenham hábitos de leitura enraizados e desde cedo desenvolvidos.
Sr.as e Srs. Deputados, o CDS propõe várias medidas concretas para fomentar os hábitos de leitura entre as crianças e os jovens, que consideramos poderem contribuir decisivamente na prossecução deste objectivo.
Consideramos que é necessário potenciar instrumentos que facilitem melhores hábitos de leitura, especialmente entre a população infantil e juvenil.
Assim, em primeiro lugar, propomos que sejam elaborados estudos sobre os hábitos de leitura das crianças e dos jovens que possam permitir uma melhor compreensão destes hábitos, para percebermos

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onde é que eles estão menos implantados e que medidas poderemos tomar para inverter essa situação.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Depois, propomos que o Governo desenvolva várias acções concretas nas escolas e agrupamentos escolares, nomeadamente através da criação de programas de incentivo à leitura da imprensa escrita, do estabelecimento de parcerias entre as bibliotecas municipais e as escolas, de forma a facilitar o acesso dos alunos aos livros.
O Governo deve ainda encarar medidas de apoio à criação, renovação e modernização das bibliotecas escolares, a todos os níveis.
O fio condutor destas propostas é que todas assentam na ideia de que os alunos devem habituar-se desde cedo a considerar os livros e a leitura como algo que faça parte do seu dia-a-dia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas não nos podemos esquecer que, hoje em dia, há grandes transformações na leitura tradicional, com a adopção das novas tecnologias, e que desde cedo as crianças se familiarizam com elas. Esta é uma área inovadora em que é preciso intervir e fomentar.
Por isso, propomos a construção e a manutenção de um portal na Internet, centralizado a nível de Ministério da Cultura, através, por exemplo, do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, destinado a promover os hábitos de leitura e a divulgar as iniciativas das escolas nesta matéria. Pretende-se, assim, fornecer informação e sugestões aos professores sobre como fomentar os hábitos de leitura e também promover a troca de informações sobre os vários projectos que estejam em curso nas escolas.
Por último, parece fundamental a constituição de acções de divulgação do fomento dos hábitos de leitura em meios de comunicação, bem como a criação de instrumentos que potenciem actividades de animação à leitura.
Este leque de medidas que hoje apresentamos e sugerimos não é, de modo nenhum, um elenco exaustivo e estamos certos de que muito mais pode ser feito para que as crianças e os jovens portugueses cresçam com hábitos de leitura enraizados. Não obstante, pensamos que estas medidas que hoje propomos podem ser um bom ponto de partida para que todos nos possamos empenhar neste objectivo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires de Lima.

A Sr.ª Isabel Pires de Lima (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de resolução em apreço, da iniciativa do CDS-PP, é um exercício bem extraordinário, revelador de mais um desnorte da maioria, porque vem recomendar ao Governo (de que o próprio CDS faz parte) que tome medidas, desde há muito tomadas, no sentido de fomentar os hábitos de leitura. As medidas que se propõem, diz-se, são medidas pensadas a médio e longo prazo. Ora, esse "médio e longo prazo" já está a contar desde, pelo menos, 1997.
Se não, vejamos: propõe-se que sejam elaborados estudos e instrumentos de análise dos hábitos de leitura dos portugueses e em especial dos jovens.
Ora, o Observatório das Actividades Culturais, onde o Ministério da Cultura tem uma quota-parte de responsabilidade - assim como o Instituto Nacional de Estatística -, não é exactamente um instrumento que tem entre as suas competências realizar aquele tipo de estudos? Já realizou, de resto, um inquérito aos hábitos de leitura dos portugueses, outro sobre redes de bibliotecas e outro ainda sobre o preço fixo do livro.
Propõe-se a criação de programas de incentivo aos hábitos de leitura nas escolas, apoiando a renovação e a modernização das bibliotecas escolares, assim como o estabelecimento de parcerias entre bibliotecas municipais e escolares. Ora, estes programas não faltam!
Em 1997, foi criado, desenvolvendo-se desde então, o Programa Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), que abrange, na sequência de significativos investimentos em recursos humanos e materiais, mais de 900 estabelecimentos dos ensinos básico e secundário. O que compete a esse programa senão instalar, de modo faseado, uma rede de bibliotecas escolares?
No mesmo ano de 1997, foi criado ainda, e desde então fomentado, o Programa Nacional de Promoção da Leitura. Que tem ele por objectivo senão criar e consolidar os hábitos de leitura dos portugueses, com especial atenção para o público infanto-juvenil, através de projectos e acções de difusão do livro e do autor e de incentivo à leitura, que cobrem todo o território nacional?

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Neste âmbito, aliás, o IPLB, não apoia a realização de encontros, colóquios e debates? Não apoia a produção e itinerância descentralizada, em regime de parceria com as autarquias, de exposições, ateliers e acções de formação, através, por exemplo, do Programa de Itinerâncias Culturais? Não produz materiais como exposições dedicadas a autores ou a temas, festejando efemérides, assim como guias temáticos orientadores da leitura? Não desenvolve projectos interinstitucionais com estabelecimentos prisionais, hospitais e com outras instituições?
O mesmo IPLB não desenvolve o referido Programa de Itinerâncias Culturais, que pretende contribuir para uma política de criação de novos públicos leitores, privilegiando acções dirigidas directamente ao público infanto-juvenil e aos mediadores da leitura que, quotidianamente, estão em contacto com este público-alvo? E não colabora o IPLB com a Rede de Bibliotecas Escolares, visando o fomento de projectos de animação continuada à leitura, progressivamente alargados a mais escolas, por forma a tornar a rede de promotores da leitura mais sólida, mais incisiva e mais estruturada?
Propõe-se criar e manter um portal na Internet, de modo a incentivar as escolas nestas matérias.
Ora, a Rede de Bibliotecas Escolares não se encontra na Internet com um sítio onde são divulgadas práticas significativas desenvolvidas nas bibliotecas escolares por todo o País? Não será objectivo desta página partilhar e melhorar tais práticas e contribuir para o reforço do papel da biblioteca na escola?
Em conclusão, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não faltam instrumentos e programas. Eles estão no terreno, foram criados, a médio e a longo prazo, pelo governo do PS. O que faltará, por certo, é vontade política e meios orçamentais para os apoiar e reforçar hoje.
O CDS-PP tem sustentado um Governo que se tem caracterizado por fazer cortes substanciais no orçamento da cultura. Relembre-se que o IPLB recebeu em PIDDAC, em 2002, 12,160 milhões de euros; em 2003 e 2004 viu os seus orçamentos reduzidos relativamente a este montante e só em 2005 conseguirá aproximar-se do orçamento do último governo do PS.
Quererá, então, este projecto de resolução significar que poderemos esperar que o CDS nos acompanhe, nesta matéria, nas nossas propostas de alteração para o Orçamento de Estado para 2005? Ou será apenas o que parece, isto é, uma manifestação indigente do ponto de vista das ideias propostas, ou da falta delas, e da sua própria estruturação e exposição? Basta ler o preâmbulo! Com efeito, parece, na sequência da sua leitura, que é necessário promover os hábitos de leitura e de escrita.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro Cristóvão.

O Sr. Ribeiro Cristóvão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta intervenção que acabámos de ouvir deixa-nos com a sensação de que é o PS que está no Governo e o CDS-PP é que está na oposição, mas não é bem assim…

Risos do PSD e do CDS-PP.

Debate-se hoje, aqui, o projecto de resolução n.º 279/IX, da iniciativa do CDS-PP, que visa o fomento de hábitos de leitura.
Ler, não só jornais (o que é também importante), é saber mais. Este é um princípio que tem forçosamente de associar-se à ideia de que, para se enfrentarem os desafios que permanentemente são colocados a todos, temos de estar bem preparados, usando, para isso, as inúmeras ferramentas que os novos tempos colocam à nossa disposição. A leitura é uma dessas ferramentas.
Todos temos conhecimento das dificuldades que muitos, sobretudo os mais jovens, denotam na compreensão e interpretação de textos, sobretudo porque há uma acentuada preferência por outras actividades que não a leitura, supostamente mais apelativas, tais como a televisão, os computadores ou os jogos de vídeo.
Daí que os hábitos de leitura devam ser transmitidos e fomentados a partir da mais tenra idade, sendo de primordial importância, como factor de motivação para a leitura, o papel da família e da escola.
Há o entendimento, geralmente aceite, de que o gosto pela leitura se constrói, de uma vez para sempre, nos primeiros anos da escolaridade.
Na escola, os professores têm um papel fundamental no aconselhamento e orientação dos seus alunos, valorizando e estimulando os hábitos de leitura e incentivando a utilização das bibliotecas escolares ou públicas.
Um estudo recentemente publicado pela OCDE revela que, em Portugal, apenas 12% do currículo escolar dos 9 aos 11 anos é dedicado à leitura e à escrita como matérias obrigatórias, enquanto que, por exemplo, na Eslováquia essa percentagem aumenta significativamente para 31%.

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Toma-se, pois, imperioso inculcar hábitos de leitura a partir da idade da frequência do ensino básico, cabendo também aqui às famílias um papel fundamental no sentido de levar os mais jovens a ver na leitura não um exercício obrigatório, e como tal enfadonho, mas principalmente um gosto capaz de ganhar raízes para o futuro.
Como acentua o projecto agora em apreço, "a criação de hábitos de leitura tem uma importância estratégica na formação de uma geração".
Um estudo de hábitos de leitura e compra de livros, encomendado pela Associação Portuguesa de Escritores e Livreiros (APEL), em Março deste ano, não contém dados muito animadores. Assim, num universo de 2 000 entrevistados, somente 44,3% afirmam ler livros com alguma regularidade, percentagem que, em 1985 - quase há 20 anos! -, era de 38,4%. Como se constata, não estamos aqui perante uma margem de progresso muito animadora.
Não podem, por outro lado, deixar de merecer referência e aplauso algumas iniciativas cujo objectivo se traduz na tentativa de levar à mudança de atitude relativamente aos hábitos de leitura, como, por exemplo, o concurso de incentivo à leitura promovido pela Fundação Círculo de Leitores e designado por Olimpíadas da Leitura 2003-2004, que conta com o apoio do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas no âmbito do Programa Nacional de Promoção da Leitura.
É propósito deste concurso que os participantes - as crianças do 2.ºciclo do ensino básico - leiam um dos livros de uma listagem de obras de literatura para a infância e juventude e, a partir daí, redijam um pequeno trabalho individual e inédito. As Olimpíadas são promovidas junto das bibliotecas da rede nacional e, por extensão, sugeridas às escolas num trabalho concatenado.
Destaque-se também a iniciativa do jornal Público, conhecida por "Colecção Mil Folhas". Por esta via foi possível o acesso a obras fundamentais da literatura contemporânea a milhões de leitores. A adesão foi espectacular, tendo sido vendidos quase 2 milhões de livros em pouco mais de seis meses.
A capacidade de despertar o interesse para outros livros e a criação de novos leitores foram também apontados como os pontos mais positivos e como reforço do mérito desta iniciativa.
Embora não seja possível saber quantos livros foram lidos e por quantas pessoas, individualmente consideradas, não restam dúvidas sobre o contributo dado para o aumento dos índices da leitura, ainda muito baixos, confirmados em Portugal.
Contudo, embora importantes, operações como estas não são suficientes para atingirmos, a curto prazo, os patamares que já hoje são conhecidos noutros países da União Europeia.
É importante, por isso, não cruzarmos os braços, à espera que tudo se resolva, sem que haja um esforço de todos que permita encarar o futuro da nossa juventude com um mais fundamentado optimismo.
Daí que o Grupo Parlamentar do PSD apoie o projecto de resolução em debate, considerando-o um excelente contributo para um maior desenvolvimento dos hábitos de leitura em Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Acabei de entender por que é que o CDS-PP apresentou este projecto de resolução. Tinha-o lido já com muita atenção e não tinha conseguido descobrir os objectivos, mas acabei de saber que o Primeiro-Ministro, Dr. Pedro Santana Lopes, informou que os professores com horário zero serão transformados em assessores dos juízes. Naturalmente, uma das tarefas que terão é a da motivação da leitura junto dos juízes portugueses…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Srs. Deputados, dados de 2002 mostram que 79,4% da população portuguesa possui habilitações inferiores ou iguais ao ensino básico - a média da União Europeia é de 35,4%.
Em Portugal, apenas 11,3% da população possui o ensino secundário (a média da União europeia e de 42,9%) e 9,4% possui o ensino superior (a média da União Europeia é de 21,8%).
O abandono escolar atingiu, em 2002, 45,5% dos alunos. Na União Europeia, a média é de 18,8%.
Estes são os resultados de uma política errática que tem obrigado o País a recuar na área da formação.
A construção da escola-empresa, a fobia quase patética relativamente aos docentes, o endeusamento dos gestores profissionais, o ranking das escolas sem contextualização para que as assimetrias entre pobres e ricos se evidenciem, a destruição da escola pública e a canonização do ensino privado são opções que nos aprisionam nos últimos lugares do ranking da União Europeia.
Há décadas, procedeu-se assim em alguns países europeus e também nos Estados Unidos da América, e para os actuais responsáveis governamentais só a hipótese de repetir os erros produzidos pelas administrações

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norte-americanas é já uma felicidade desmedida.
Chegados a este estado, há que identificar responsáveis e tomar algumas medidas, aparentemente contra a corrente. Quanto à responsabilidade, o Governo prefere a escola e os professores - a escola como "bode expiatório" das políticas neo-liberais, que geram e aceleram a exclusão, a escola que não motiva a leitura.
Mas, quanto às medidas, há que salvar as aparências, no momento certo. E quando o País inteiro é obrigado a concluir que o insucesso escolar, a info-exclusão, a ausência de hábitos de leitura e de compreensão da língua materna tomaram de assalto os responsáveis políticos do Ministério da Educação, transformando o processo de colocação de educadores e professores numa total tragédia nacional que já dura há 10 meses, é natural que um dos parceiros da coligação se proponha melhorar os hábitos de leitura dos portugueses.
Assim, o projecto de resolução recomenda ao Governo estudos e apoios às escolas na área das bibliotecas. Muito pouco, Srs. Deputados, para a realidade do País!
Quanto à primeira recomendação, há estudos publicados. Por exemplo, no relatório para a Comissão Europeia, de Abril 2002, sobre a participação dos europeus em actividades culturais, os portugueses são os que menos lêem, face aos restantes países da União. Cerca de 67% dos leitores portugueses declaram não ter lido nenhum livro nos últimos 12 meses.
Obviamente que este cenário implicaria medidas a sério que avaliassem a adequação, por exemplo, da taxa de IVA que se paga em Portugal por livros de formação e informação. Há países da União Europeia com taxas zero e outros com taxas inferiores à nossa, de 3% e 4%. Implicaria também medidas que passassem pela existência de um orçamento em todas as escolas que permitissem a existência de bibliotecas e a aquisição de livros.
Ora, no nosso país, Srs. Deputados, as escolas do 1º ciclo do ensino básico nunca tiveram direito a um orçamento e muito menos a bibliotecas. Se existem livros e algum dinheiro para as despesas correntes são os pais que suportam as despesas e, ultimamente, as autarquias, que se substituem ao Governo.
Hoje, por exemplo, há inúmeras escolas deste nível de ensino que não têm auxiliares de acção educativa, não têm refeições e, inclusivamente, não têm professores. Naturalmente que para essas crianças os livros são entendidos como material de luxo.
Perante os fraquíssimos resultados que a população portuguesa apresenta na área da leitura, e não só, o Governo deveria sentir-se obrigado ao cumprimento da Constituição da República Portuguesa no que se refere à gratuitidade dos livros escolares. Mas este Governo preferiu dividir as crianças e os jovens portugueses em dois sectores: os que têm direito a livros novos e os que têm direito a livros emprestados. Naturalmente que, aqui, não copiou outros países.
Ainda recentemente, Srs. Deputados do CDS-PP, a propósito da aplicação da Directiva 92/100/CEE, do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual, a Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas publicou um manifesto em defesa do empréstimo público nas bibliotecas portuguesas, considerando que, "num país como Portugal, em que as dificuldades económicas e os incipientes hábitos de leitura dificultam o acesso de vastos sectores da sociedade ao conhecimento e à cultura, uma medida dessa natureza seria catastrófica, asfixiando os trabalhos em curso de promoção da leitura e constituindo um passo na direcção errada, no caminho da requalificação dos portugueses, para enfrentarem com sucesso os desafios da designada sociedade do conhecimento".
E, Srs. Deputados do CDS-PP, apesar de ter questionado o Governo, há vários meses, sobre esta matéria, ainda não obtive a informação clara se o Governo português mantém ou não as isenções relativas às bibliotecas, aos arquivos e aos museus contempladas num decreto-lei de 1997 ou se, pelo contrário, vai taxar o empréstimo público dos livros.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se.

A Oradora: - Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PCP não inviabilizará este projecto de resolução, mas tem a certeza de que, na prática, muito pouco ou quase nada irá acontecer.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que há um discurso que se deve evitar a propósito da questão dos hábitos de leitura, que é um discurso, infelizmente, recorrente e

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que tem a ver com uma crise civilizacional, que, supostamente, estaria associada a uma perda dos hábitos de leitura, com uma crise de valores ou até com uma crise de uma geração, como tantas vezes se formula.
Convém referir que todos os indicadores nos mostram objectivamente que hoje se lê muito mais do que antes, que as novas gerações lêem muito mais do que as gerações de outrora. E a razão é simples: houve uma democratização do acesso à escola e uma expansão enorme dos níveis de escolaridade. O que, certamente, muitas das pessoas que têm esse discurso sobre os hábitos de leitura têm em mente é uma pequena elite que já tinha, então, acesso aos livros e que seria, certamente, constituída por grandes leitores.
Dito isto, é importante também realçar que não há uma relação directa entre a escolaridade e a leitura. Os estudos sobre a iliteracia, dirigidos pela Sr.ª Deputada Ana Benavente, mostram claramente que a escolaridade é uma condição necessária mas não suficiente para se possuir hábitos de leitura activos, o que, obviamente, coloca a questão dos equipamentos públicos. E, nesse aspecto, o essencial são as bibliotecas públicas, a rede pública de bibliotecas, que teve início com Teresa Patrício Gouveia, que, depois, foi congelada com Pedro Santana Lopes e que conheceu, seguidamente, um franco e substancial avanço.
Mas é fundamental que as bibliotecas sejam, acima de tudo, centros polivalentes de recursos, centros culturais, onde seja possível, para além de ter acesso ao livro - e não é ter acesso ao livro nos moldes antigos, em que uma velha senhora vetusta ia buscar o livro a um arquivo poeirento…

Protestos do Deputado do CDS-PP Narana Coissoró.

Não estou a dizer que são os senhores, de maneira alguma!
Como eu estava a dizer, as bibliotecas devem ser centros culturais onde, para além de se ter acesso ao livro nos antigos moldes, deve ter-se acesso ao livro associado às novas tecnologias; devem ser também um espaço para a animação teatral de textos, para exposições, para convívio com os próprios escritores e, acima de tudo, um espaço para estudar, porque para muitos jovens de classes desfavorecidas a biblioteca pública é um local onde encontram o terreno propício ao estudo, ao encontro com outros jovens e à sua formação.
Gostava, finalmente, de dizer que penso que o projecto de resolução do CDS-PP é pessimista no que diz respeito aos estudos existentes. Só para terem uma ideia, entre 1999 e 2001, o Observatório das Actividades Culturais publicou 12 volumes sobre hábitos de leitura juvenis. Claro que os estudos nunca são suficientes, quantos mais melhor. Sou investigador e pugno, certamente, para que esses estudos se realizem.
Mas quero, acima de tudo, dizer que importa, em sede orçamental, reforçar em particular os recursos das bibliotecas escolares e das bibliotecas públicas para adquirirem um espólio que as mantenha actualizadas, para darem formação aos seus técnicos e para se internacionalizarem. Estes são aspectos que reputo fundamentais.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer, naturalmente em nome do CDS-PP, como proponente desta iniciativa, a todos as Sr.as e Srs. Deputados que entenderam pronunciar-se e, assim, contribuir de uma forma que pretendíamos que fosse positiva e construtiva, tal como é a razão de ser deste nosso projecto de resolução, para que possamos acrescentar alguma coisa de positivo, no sentido de melhorar os hábitos de leitura dos portugueses, a não ser que haja alguém nesta Câmara que considere que os hábitos de leitura dos portugueses são satisfatórios, principalmente ao nível da juventude.
Se assim não for, qualquer iniciativa - e aí não temos qualquer complexo, pois se viesse de outra bancada acharíamos o mesmo - que venha no sentido de debater medidas que possam incrementar os hábitos de leitura, principalmente nos jovens, é naturalmente positiva, independentemente de divergirmos, depois, na sua implementação, na prioridade de uma ou de outra medida.
Quero também separar aqui uma outra questão, que é importante: falar de hábitos de leitura não é a mesma coisa que falar de acesso à cultura. Portanto, não se pode, num projecto de resolução que tem única e exclusivamente o objectivo de tratar de hábitos de leitura, falar de questões como a do IVA para os livros, que é uma questão muito importante, assim como é a do financiamento das bibliotecas para aquisição de obras e para o seu próprio funcionamento. Mas estas são questões que dizem respeito ao acesso à cultura, e, portanto, não são objecto deste projecto de resolução.
Aliás, ainda em relação a esta matéria, há pouco tempo a bancada do CDS-PP questionou a Sr.ª

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Ministra da Educação em relação ao acesso aos manuais escolares e em relação à despesa que as famílias têm todos os anos com eles. Portanto, estamos preocupados com o acesso não só à leitura fora do âmbito escolar mas também no âmbito escolar.
Por outro lado, falou-se aqui da rede nacional ao nível das bibliotecas, mas do que falamos no nosso projecto de resolução não é sobre a rede nacional, é sobre as parcerias, a nível local, entre as escolas e os agrupamentos e as bibliotecas.
A nível local, em meios mais pequenos e não, certamente, nas grandes cidades, que têm realidades diferentes, os dois pólos em que os jovens podem encontrar esse acesso à leitura de uma forma sustentada são a escola e a biblioteca. Ora, hoje em dia, não é satisfatória a relação que existe, na maior parte dos casos, entre as escolas e as bibliotecas públicas, e assim se permitiria o aumento destes hábitos de leitura.
Em relação aos dados, quero dizer que temos dados brutos e absolutos, os quais - o Sr. Deputado João Teixeira Lopes referiu isso e é verdade - não são sequer os mais pessimistas, dado que, em relação à evolução em termos absolutos, não estamos num nível que seja satisfatório mas a evolução é positiva e indica-nos algo de mais optimista.
No entanto, há dados concretos que é importante avaliar e um plano nacional mais abrangente tem de saber, por exemplo, que tipo de hábitos de leitura existem, se são exclusivamente os ligados à vida escolar, se são, para além destes, hábitos de leitura que têm a ver com jornais, com livros, com obras de autores portugueses, com traduções, que tipo de obras são mais procuradas pelos jovens.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Isto é muito importante num plano que se pretende integrado e que não é mais do que aquilo que foi feito noutros países que têm, por exemplo, níveis de hábitos de leitura muito superiores ao nosso, como é o caso de Espanha, que desenvolveu um plano sustentado muito semelhante àquele que agora apresentamos e onde fomos "beber" grande parte das ideias que apresentamos, o qual resultou, na prática, no aumento dos hábitos de leitura nos jovens.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Verifiquei que o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, que defende os hábitos de leitura, não estava a ler a sua intervenção.
Srs. Deputados, como não há mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate do projecto de resolução n.º 279/IX, que será votado amanhã, e o fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, quinta-feira, às 15 horas, tendo período de antes da ordem do dia. Do período da ordem do dia constará a discussão conjunta da proposta de lei n.º 140/IX e dos projectos de lei n.os 505/IX e 508/IX, a que se seguirá o período regimental de votações.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados que se procederá à eleição de um membro da Mesa e, eventualmente, também à eleição de membros de delegações externas da Assembleia da República.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
José Manuel de Lemos Pavão

Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Apolinário Nunes Portada

Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo

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Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Fernando António Esteves Charrua
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
João Carlos Barreiras Duarte
João Manuel Moura Rodrigues
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Pedro Filipe dos Santos Alves

Partido Socialista (PS):
Fernando Manuel dos Santos Gomes
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Santos de Magalhães
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia

Partido Popular (CDS-PP):
Manuel de Almeida Cambra

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta

Partido Socialista (PS):
Luísa Pinheiro Portugal
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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