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Sexta-feira, 8 de Abril de 2005 I Série - Número 6

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE ABRIL DE 2005

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex. mos Srs. Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Fernando Santos Pereira
Artur Jorge da Silva Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.

Ordem do dia (1.ª parte). - Foi aprovado o projecto de resolução n.º 13/X - Viagem do Presidente da República a Roma (Presidente da AR).

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o voto n.º 5/X - De pesar pelo falecimento de Sua Santidade o Papa João Paulo II (Presidente da AR), sobre o qual intervieram os Srs. Deputados Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Ana Drago (BE), Telmo Correia (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Mota Amaral (PSD) e Alberto Martins (PS), bem como o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva) e o Sr. Presidente, que procedeu à leitura do voto. No fim, a Câmara guardou 1 minuto de silêncio.

Ordem do dia (2.ª parte). - Foram aprovados dois relatórios e pareceres da Comissão de Ética, um, relativo à assunção de mandatos de dois Deputados do PSD e às substituições de cinco Deputados do PS, e outro, relativo à substituição de um Deputado do CDS-PP.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 21 a 23/X.
Foram apreciados, conjuntamente, os projectos de resolução n.os 5/X (PSD) e 12/X (PS) - Assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária pela Assembleia da República, tendo proferido intervenções os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Vitalino Canas (PS), Fernando Rosas (BE), António Filipe (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Guilherme d'Oliveira Martins (PS) e Bernardino Soares (PCP). No final, foi aprovado o texto de substituição da parte resolutiva daqueles projectos de resolução, apresentado pelo Sr. Presidente.
A Câmara apreciou e rejeitou um recurso, apresentado por Os Verdes, da decisão da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares relativa à distribuição de lugares dos Deputados daquele partido na Sala das Sessões, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Bernardino Soares (PCP), José Junqueiro (PS), Luís Marques Guedes (PSD) e Telmo Correia (CDS-PP).
Entretanto, procedeu-se à eleição dos representantes da Assembleia da República para o Conselho Superior de Defesa Nacional e para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elísio da Costa Amorim
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Guilherme Valdemar Pereira de Oliveira Martins
Horácio André Antunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
João Cândido da Rocha Bernardo
João Cardona Gomes Cravinho
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raúl Henriques Sousa Moura Portugal
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos das Dores Zorrinho
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Luís Pereira Carneiro
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa

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Luís Garcia Braga da Cruz
Luís Manuel Carvalho Carito
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino Costa
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Susana de Fátima Carvalho Amador
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Pinheiro Pereira
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva

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Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando dos Santos Antunes
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Amaral Lopes
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

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Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Victor do Couto Cruz
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima
António Idalino Rodrigues Pereira
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ORDEM DO DIA
(1.ª parte)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por razões impreteríveis de calendário, vamos começar pela apreciação e votação do projecto de resolução n.º 13/X - Viagem do Presidente da República a Roma (Presidente da AR).
Este projecto de resolução visa autorizar a deslocação do Sr. Presidente da República a Roma, para participar no funeral de Sua Santidade o Papa João Paulo II.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, terminámos a primeira parte do período da ordem do dia.

Eram 15 horas e 12 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

Srs. Deputados, do período de antes da ordem do dia de hoje consta a apreciação e votação do voto n.º 5/X - De pesar pelo falecimento de Sua Santidade o Papa João Paulo II (Presidente da AR).
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Ecologista "Os Verdes" gostaria de associar-se ao voto de pesar, apresentado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, pelo falecimento, no passado dia 2 de Abril, do chefe máximo da Igreja Católica, o Papa João Paulo II.
João Paulo II é, sem qualquer dúvida, uma figura absolutamente incontornável da História do século XX, não só pelas funções que desempenhou, de forma marcante, enquanto guia espiritual de milhões de pessoas em todo o mundo, não só pela duração invulgarmente longa do seu magistério ou pela exposição mediática a que o mesmo, sinal dos nossos tempos, esteve sujeito, nem tão-pouco apenas pelas diferentes controvérsias que marcaram o seu pontificado, mas também, com certeza, pela coragem com que foi capaz, em tantos e tão diferentes momentos, de assumir a defesa dos mais fracos e dos mais pobres, pugnando pela defesa dos direitos humanos e apelando à paz e ao fim dos conflitos.
Embora estivéssemos muitas vezes em profundo desacordo com as suas ideias, convicções e acções, que deixaram na sombra o sofrimento de grande parte da humanidade, não poderemos deixar de destacar o importante papel que "Sua Santidade", como é apelidado por todos os católicos, assumiu no estabelecimento de pontes no diálogo ecuménico entre as diferentes religiões ou quando teve a grande elevação e a dignidade de assumir, em nome da Igreja Católica, alguns dos erros e crimes cometidos no passado, pedindo perdão pelos mesmos.
A morte do Papa, após um longo e penoso processo de doença, ao longo do qual assistimos a grandes demonstrações populares de apoio, deve fazer-nos reflectir a todos neste momento: que ele seja um momento de abertura e que tenhamos a coragem de fazer deste mundo um mundo de mais paz, maior cooperação e solidariedade.
Neste momento de dor e de luto, que pensamos será para todos os católicos, designadamente para os portugueses, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes" gostaria de expressar à Igreja Católica as suas sinceras condolências.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: João Paulo II protagonizou um pontificado importante na história da Igreja do século XX. Ao longo de 27 anos, batalhou pelas suas convicções, cruzou o mundo, tentando dar a conhecer a sua fé e a sua visão para uma Igreja Católica fortalecida, no limiar de um novo milénio. O fruto desse trabalho e desse percurso é, hoje, patente no pesar sentido por tantos católicos pelo seu falecimento, um pouco por todo o mundo. O Bloco de Esquerda apresenta as suas condolências a todos eles e, em particular, às mulheres e aos homens católicos da sociedade portuguesa.
O percurso do Papa João Paulo II deixa-nos perante um legado importante sobre o qual devemos saber reflectir e o qual devemos analisar de modo sério e sereno. É o respeito pelas convicções que João Paulo II tão empenhadamente protagonizou que nos deve afastar de um qualquer unanimismo, que seria falso, indiferente ou indulgente, sobre o que significou o seu percurso e sobre o que ele nos oferece para discutir as sociedades contemporâneas.
João Paulo II apresentou-se ao mundo em nome de uma determinada visão dos crentes e da Igreja Católica no mundo actual. Em nome dessa visão, foi uma voz forte na crítica de uma sociedade injusta, tantas vezes violenta e não solidária, que tem vindo a ser moldada nas últimas décadas por um modelo de globalização predatório e iníquo. Em nome dessa visão, foi opositor frontal da guerra contra o Iraque, ordenada por Bush, que acusou de ser contrária ao Direito internacional e àquele que é o direito primeiro sobre o qual se sustentam todos os outros, o direito

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à paz. Foi em nome dessa visão que deu sinais, que não devem ser esquecidos, sobre a necessidade de um diálogo entre religiões, como um caminho central para criar e construir uma ordem mundial harmoniosa e cooperante assente no respeito pela diversidade da vivência religiosa.
Mas, de modo contraditório, o pontificado do Papa João Paulo II deixa-nos também perante uma Igreja Católica menos plural, menos tolerante na diversidade da interpretação teológica, onde os movimentos sociais católicos de matriz progressista foram ignorados ou mesmo silenciados.
Tendo-se batido por uma determinada concepção da dignidade humana, infelizmente, o Papa João Paulo II deixa-nos uma Igreja Católica que dá pouco espaço à autonomia moral dos indivíduos e que, sob o seu pontificado, regrediu significativamente no que toca ao papel que prescreve às mulheres, seja na sociedade seja no interior da própria Igreja.
A concepção que advogou sobre a sexualidade é, hoje, aliás, insustentável. Em tempos de pandemia do HIV/SIDA, com a dimensão de catástrofe social e humana que tem no continente africano e sudoeste asiático, a sua visão desconfiada face à sexualidade e a interdição do uso de contraceptivos colocou a Igreja Católica numa posição conservadora, sem defesa possível, porque, acima de tudo, não responde aos problemas que as sociedades modernas nos colocam.
Esta Câmara representa a pluralidade da expressão política da sociedade portuguesa, como o voto de pesar que hoje aqui discutimos diz - e diz bem. Mas, nesse exacto sentido, aqui, no lugar da representação democrática da comunidade política, tendo em conta o valor primordial da laicidade do Estado, deveria ser dado como certo que esta Câmara deve abster-se de usar nos seus votos e nas suas resoluções uma terminologia que é património exclusivo de uma confissão religiosa, como, por exemplo, a expressão Sua Santidade, hoje utilizada no texto que aqui votamos, ou de fazer passar por consensual o que não o é na sociedade e na representação política, como seja a celebração da Concordata entre o Estado português e o Estado do Vaticano, que, no texto, é interpretada como uma mais-valia e que, em nosso entender, não o é.
Por essa razão, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda não se revê e discorda do texto do voto de pesar que hoje aqui discutimos. É que a laicidade do Estado não deve ser olhada como uma mera retórica instrumental do Estado moderno; ela é o garante essencial da liberdade religiosa. E esse garante deve alertar-nos para que, independentemente da importância social de uma dada confissão religiosa, nenhuma pode ser tratada como mais oficial, porque nenhuma pode ser oficial.
Se discordamos dos considerandos do texto, associamo-nos, contudo, na sua expressão de condolências, aos católicos e às católicas pelo falecimento do Papa João Paulo II.

O Sr. Presidente: - Aproveito para informar a Câmara de que aceitou o nosso convite e está a assistir a esta sessão S. Ex.ª Reverendíssima o Núncio Apostólico em Lisboa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, S. Ex.ª Reverendíssima, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS-PP propôs a realização de uma sessão evocativa de Sua Santidade o Papa João Paulo II que verificámos com satisfação ter sido acolhida e realizar-se, hoje, na véspera do seu funeral, quando o mundo tem os olhos postos no Vaticano e na Basílica de São Pedro.
A morte de Sua Santidade convoca todos os seres humanos e, naturalmente, os católicos, em particular, a um tempo que é de pesar e de recolhimento, mas também, e desde já, de plena admiração e homenagem.
Nestes dias de pesar, importa, desde já, recordar o exemplo de vida e de coragem do Santo Padre. Esta é, certamente, a melhor forma de procurar ultrapassar a falta que imediatamente se sente e prosseguir o testemunho marcante que deixou como herança espiritual a toda a Humanidade.
Todos os que, sinceramente, se revêem nesse legado têm por obrigação a sua defesa e a sua divulgação.
Para além de uma figura ímpar enquanto líder espiritual e homem de Igreja, que justifica, como temos ouvido dizer, o título de João Paulo II, o Grande, o Papa polaco permanecerá também na memória de todos como uma figura da História Universal.
Num século XX marcado pela tirania e pela opressão de duas das mais sinistras ideologias da História, o nazismo e o comunismo soviético, sobressai, primeiro, a figura do resistente e, depois, o seu compromisso indestrutível, total e permanente com a plena liberdade e a intocável dignidade dos seres humanos.
Quando, no início do seu pontificado, proferiu a expressão "Não tenhais medo", dirigia-se logicamente a toda a Humanidade. Mas estas palavras tiveram um significado especial na sua Polónia

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natal e em todos os países do leste da Europa que, então, ansiavam pela liberdade.
Ao afirmar, na sua visita à Polónia, pouco tempo depois de ser escolhido como Papa, que era necessário "ousar trilhar um caminho nunca antes percorrido", João Paulo II abriu as portas à libertação de centenas de milhões de pessoas do totalitarismo comunista, fazendo, assim, cair os muros da divisão e do antagonismo.
Foi o Papa de uma reunificação pacífica da Europa, em liberdade e democracia, orientando espiritualmente acontecimentos inesquecíveis na viragem do século e do milénio.
Por tudo isto, pelo seu indestrutível compromisso com os mais desfavorecidos e pela sua permanente defesa da paz em todas as circunstâncias e em todos os momentos, o que quer que estivesse em causa, João Paulo II permanecerá como uma figura central da História da Humanidade - em nossa opinião, como a mais extraordinária personalidade do século XX e do início do século XXI.
João Paulo II nunca cedeu perante os poderes temporais, o mundo, os costumes ou as conveniências, sempre que se tratou de afirmar e de defender as suas profundas convicções, sustentadas na fé.
Vale a pena compreender e reflectir sobre este legado com uma citação: "O homem resiste a ataques incessantemente renovados e ao fogo cruzado do ateísmo pragmático, existencialista, neopositivista, psicanalítico, marxista, estruturalista, nietzscheano (…) a pressão do ateísmo e a destruição das doutrinas não impediram, bem pelo contrário, muitas vezes, ressuscitaram nas sociedades de consumo e no quadro de sistemas oficialmente ateus um novo e incontestável despertar religioso". A citação é logicamente do próprio João Paulo II.
Foi o Papa da simplicidade, com uma capacidade inigualável para levar a mensagem cristã a toda a parte, sendo, por isso, também o Papa peregrino, procurando sempre a paz entre os homens e o diálogo entre todas as religiões, tendo sido, inclusivamente, o primeiro Papa a rezar conjuntamente com os membros dessas religiões em lugares de culto hebraicos e islâmicos.
Viajou por mais de 159 países, marcando uma nova presença da Igreja universal onde quer que estivessem pessoas de boa vontade, mesmo nas regiões mais distantes, mesmo nos locais mais perigosos.
Em lugar algum, e em momento algum, deixou de fazer um apelo especial aos jovens e os jovens correspondiam a esse apelo com um enorme entusiasmo. Nesse sentido, foi também o Papa dos jovens.
Vigário de Cristo, João Paulo II escolheu como lema do seu Pontificado, iniciado a 18 de Outubro de 1978, Totus Tuus, símbolo da sua devoção mariana. Devoção essa que o ligaria a Fátima, muito em particular após o atentado que sofreu na Praça de S. Pedro e por acreditar que a Virgem de Fátima o tinha protegido, nesse momento. Liga-se assim também e de uma forma muito especial a Portugal, que esteve sempre no seu coração. Nesse sentido é o Papa de Fátima e os portugueses têm todas as razões para nunca o esquecerem e o amarem sempre.
Se, por um lado, impressionou pela absoluta liberdade e clareza com que escreveu e comunicou, o seu legado deve ser visto de uma forma integral. Não se trata de um mero conjunto de opiniões ou de vontades, com as quais se poderá concordar, mais ou menos, mas, sim, de um compromisso integral com a defesa da justiça e da paz, e também, inegavelmente, com a defesa da família, da justiça, dos valores, da protecção da vida humana e da protecção do direito à vida. Esse é o seu legado integral!
Nestes últimos tempos, impressionou-nos a coragem com que enfrentou a doença e o sofrimento, sinal comovedor da sua fé e da sua vontade.
Lutador pela justiça e caminhante pela paz, João Paulo II firmou um sistema comum de referência para todos os que acreditam na defesa, na valorização e na afirmação da perene dignidade humana.
Hoje, o CDS-PP curva-se, humildemente, perante a sua memória.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, neste período de antes da ordem do dia discutimos, com o consenso de todos na Conferência de Líderes, um voto de pesar pela morte do Papa João Paulo II.
A morte do Papa João Paulo II põe fim a um dos mais longos pontificados da história da Igreja Católica, que incluiu um conjunto significativo de visitas a muitos países do mundo, facto inédito na história do catolicismo.
Quanto ao conteúdo do voto apresentado, discordamos da excessiva avaliação da importância

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histórica das visitas papais, sem que isso signifique que não tiveram importância no País e na relação entre o Estado Português e a Santa Sé.
No que diz respeito à nova Concordata relembramos que estivemos, e estamos, contra a sua assinatura, tendo em conta os direitos desproporcionados que atribui à Igreja Católica e entendemos a referência à edificação da ordem internacional e à consolidação duradoura da paz como uma valorização das posições do Papa João Paulo II em relação ao Direito internacional e à condenação dos atropelos a que tem estado sujeito nos últimos tempos, designadamente na ex-Jugoslávia e no Iraque.
São conhecidas as nossas discordâncias profundas em relação à intervenção do Papa João Paulo II em diversas matérias, com destaque para os direitos das mulheres, as questões da sexualidade, do planeamento familiar e do combate à sida.
Votaremos favoravelmente este voto, entendendo-o não como um momento de avaliação do pontificado de João Paulo II - que não está aqui em discussão e sobre o qual há, certamente, entendimentos bem diferentes, entre as várias bancadas. O nosso sentido de voto significa que nos associamos à manifestação, pela Assembleia da República, de pesar pela morte do Papa João Paulo II e endereçamos aos católicos e à Igreja Católica as nossas condolências.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Poucas vezes se tem visto - se é que tal aconteceu alguma vez… - uma tão forte e tão generalizada comoção como aquela que está dando a volta ao Mundo, perante a agonia e a morte do Papa João Paulo II.
Ao longo de mais de um quarto de século de pontificado, João Paulo II fez-se peregrino por todos os caminhos da Terra, reunindo à sua volta, para anunciar a Boa Nova, multidões inumeráveis.
A ninguém tendo esquecido, por respeito para com a dignidade de cada povo e de cada pessoa, desde as grandes metrópoles dos países ricos até às pequenas comunidades, aos mais pobres e desamparados - na hora da sua viagem derradeira o Papa viajante por todos é lembrado, com saudade e até com lágrimas.
O seu inigualável dom de gentes tornou-o próximo de cada homem, de cada mulher, sobretudo dos jovens e das crianças. Falava-lhes na própria língua, assumia as tradições locais, identificava-se com os seus sonhos e aspirações, entusiasmava-os com o desafio para um ideal exigente e ao mesmo tempo, paradoxalmente, acessível.
Também nós, os portugueses e as portuguesas, no território continental da República e nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, pudemos experimentar essa proximidade afectiva do Papa connosco. Por isso nunca o vimos como um estrangeiro em visita mas, sim, como um de nós vivendo longe, que de tempos a tempos torna a casa e pisa o chão que também é seu.
Muito bem faz o Sr. Presidente da República em marcar presença, amanhã, nas exéquias pontifícias, na Basílica de São Pedro, no Vaticano, como lídimo representante do Estado Português. O Governo também estará presente, como lhe compete. E o Parlamento, representado embora na comitiva presidencial pelo Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros, hoje, antecipando-se, deixa bem expressos, na pluralidade da sua representação, os sentimentos em que comunga a comunidade nacional.
João Paulo II foi um líder religioso excepcional. A tão curta distância, ainda não é possível captar toda a projecção do seu arrojado magistério, nomeadamente sobre a dignidade do homem e a sua dimensão corpórea, material, que o próprio Redentor gostosamente assumiu e até, em certo modo, divinizou.
Uma Assembleia política, num Estado laico, como felizmente é o nosso, não está talhada para se pronunciar sobre questões teológicas. O ensinamento de João Paulo II fornece-nos, porém, abundante material de reflexão sobre os temas que primacialmente nos respeitam e interessam, que são os direitos humanos, a justiça social, o desenvolvimento respeitador da natureza, a paz entre as nações.
Coerentemente com a especificidade do seu múnus, o Papa deduzia as doutrinas propostas de uma particular concepção do Mundo e do Homem. E vigorosamente insistia na racionalidade do Universo e da sua percepção, na necessidade de um fundamento ético objectivo e racional também. Mas as conclusões apresentadas, na sua generalidade, valem por si próprias e são capazes de mobilizar os esforços convergentes dos responsáveis de toda a grande família humana.
Interpretando os sinais, amplamente positivos, do nosso tempo fascinante, e perscrutando o futuro, com rasgo de profeta, João Paulo II ousou dar passos decididos no diálogo inter-religioso e

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com a cultura contemporânea, abrindo avenidas de entendimento, que já não poderão ser fechadas.
No seu apaixonado zelo pela vitória do homem sobre os desafios que o confrontam, no limiar do novo milénio, não hesitou em identificar desvios e erros antigos da instituição a que presidia, carregando com as culpas daí derivadas e por elas pedindo perdão. E assim, purificada a memória, julgou-se em condições de impulsionar uma proposta global alternativa, inspirada no cristianismo, que, enquadrando-se nos parâmetros da modernidade, enriqueça o homem e a sociedade com novas luzes e valores de natureza espiritual.
Paladino da liberdade e da paz - ele que experimentara pessoalmente os horrores dos totalitarismos e da guerra, nos tempos de juventude, na sua amada Polónia natal -, João Paulo II ocupou lugar na primeira linha da liderança mundial, no último e conturbado quartel do século XX.
À Europa dedicou um particular empenho, preconizando a abolição de barreiras artificiais, impostas pela força e a construção da Casa Comum Europeia, que acolha a pluralidade e a variedade dos seus povos e culturas e respire plenamente a "dois pulmões", Ocidente e Oriente.
E a sua defesa entusiástica da inviolabilidade da pessoa e da vida humana, da dignidade do trabalho e dos direitos dos trabalhadores, a sua crítica dos excessos do capitalismo neo-liberal, a sua actuação em favor das nações mais pobres, o apelo ao perdão da dívida dos países do Terceiro Mundo, as diligências pela paz na Terra Santa e noutros pontos de conflito, a intransigente condenação da violência, do terrorismo e da guerra - fizeram convergir em João Paulo II as angústias e as esperanças dos deserdados do Planeta.
Por isso, o Mundo inteiro lamenta o seu desaparecimento e se une na merecida homenagem à sua pessoa e ao seu fecundíssimo ministério.
Os líderes mundiais convergem agora para Roma - e é mais fácil dizer os que faltam do que os que estarão presentes amanhã no Vaticano… Pela Urbe circulam também nestes dias milhões de pessoas, que se deslocam expressamente para um último adeus a João Paulo II.
Mas muitos, muitos mais são, em toda a roda do Globo, os homens e as mulheres, de todas as idades e condições sociais, católicos, cristãos, crentes de outras religiões ou mesmo sem religião alguma que, por terem sido alguma vez tocados pelo carisma do Papa João Paulo II, têm o coração junto dos despojos jacentes sob a cúpula de Miguel Ângelo, com sentimentos de perda e de gratidão.
Daí que os rituais destes dias tenham tido dificuldade em revestir o tom fúnebre, prescrito pelos usos imemoriais. Bem que podem os sinos dobrar a finados, as bandeiras descer a meia adriça, o coro entoar tristes salmodias…. Para o povo anónimo, nas praças romanas e na aldeia global, que a rádio e a televisão unificam, João Paulo II é um vencedor, um herói, um santo. O seu corpo, morto, transportado em ombros, sai por isso da cena, que tão brilhantemente ocupou, em triunfo, por entre palmas e aclamações.
Parafraseando o Poeta: "Sorte extraordinária! Maravilhosa condição!".

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Ex.ª Reverendíssima, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista associa-se ao voto de pesar apresentado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República. Com efeito, foi com grande pesar que o mundo tomou conhecimento da morte do Papa João Paulo II.
João Paulo II ficará na nossa memória colectiva como uma das personalidades mais marcantes do nosso tempo e símbolo de esperança para muitos amantes da liberdade.
A acção determinada de João Paulo II, centrada numa visão universalista e humanista do mundo e no respeito pela condição humana, coloca-o entre aqueles que, na viragem para o século XXI, a nível mundial, mais se empenharam na construção da solidariedade entre os povos, na promoção do diálogo entre culturas e religiões, na defesa da paz, designadamente contra a guerra do Iraque e a guerra em geral, na protecção dos mais pobres e carenciados e na defesa dos direitos humanos, não obstante algumas opções de carácter controverso.
A determinação, a coragem e o empenhamento que colocou nas causas que defendeu granjearam-lhe o respeito e admiração de todo o mundo, facto que não podemos deixar de relevar.
Neste momento de pesar, queremos sublinhar e evocar, ainda, a estreita ligação que João Paulo II manteve ao longo de 27 anos do seu Pontificado com Portugal e, em particular, o especial carinho e amizade que nutria pelo povo português, o que contribuiu, igualmente, para afirmar e consolidar a simpatia e o apreço que os portugueses, em geral, lhe votavam.
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista quero, assim, manifestar a S. Ex.ª Reverendíssima o Núncio Apostólico e à Igreja Católica Portuguesa o mais profundo pesar pela morte

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do Papa João Paulo II.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): - Sr. Presidente, S. Ex.ª Reverendíssima o Núncio Apostólico, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome do Governo e em nome pessoal, presto homenagem à memória do Papa João Paulo II, associando-me ao voto de pesar pelo seu falecimento e endereçando, na pessoa do Sr. Núncio Apostólico, as condolências à Igreja Católica e, também, naturalmente, à Igreja Católica Portuguesa e a todo o povo português.
O pontificado de João Paulo II foi um dos mais longos, mais importantes e mais influentes da história da Igreja Católica. Como Chefe da Igreja Católica, como Chefe de Estado do Vaticano, a acção e a influência do Papa João Paulo II foram decisivas no último quartel do século XX e no início deste século XXI.
Do valor dessa acção e da importância dessa influência constituem testemunho bastante os milhões de pessoas que acorrem à Basílica de S. Pedro para prestar a última homenagem a Sua Santidade o Papa João Paulo II, aqueles que se preparam para participar nas suas exéquias e, também, o respeito e a dor partilhados pela comunidade dos católicos, pela comunidade dos cristãos e pela generalidade das restantes comunidades religiosas, assim como das pessoas sem crença ou confissão religiosa. Esse é um testemunho bastante da importância decisiva da acção e da influência do Papa João Paulo II.
A todos o Papa disse alguma coisa. Todos puderam e podem retirar do conjunto de ensinamentos da palavra e da prática do Papa João Paulo II alguma coisa que, para eles, faz sentido.
A riqueza e a complexidade do pensamento e da acção de João Paulo II autorizam, e até exigem, diferentes apreciações de conjunto que têm, naturalmente, de repercutir, em si mesmo, a diversidade de opiniões e de sentimentos inerente às sociedades multiculturais, democráticas e cosmopolitas que hoje somos.
Mas esta não é uma sessão de apreciação ou de análise crítica do pensamento e da acção de João Paulo II. Esta é uma sessão de pesar pela sua morte e de homenagem à sua pessoa, à sua acção e ao seu exemplo.
Cada um faz, naturalmente, a homenagem a partir das perspectivas que são as suas e valorizando os elementos que essas perspectivas, por si mesmas, enfatizam, mas todos nós comungamos da ideia de uma homenagem sentida a uma personalidade tão influente na vida cultural, religiosa, doutrinária, social e política do nosso tempo.
Da minha parte, permitam-me que saliente sete lições fundamentais do pensamento e da acção de João Paulo II que têm repercussões nas dimensões social e política que são próprias da actividade de um Parlamento, da Assembleia da República e da vida colectiva portuguesa.
A primeira - e a mais importante - é a lição da liberdade.
João Paulo II começou o seu pontificado com a exortação: "Não tenhais medo", e repetiu-a ao longo dos 27 anos do seu magistério. E essa é a lição fundadora da liberdade, das democracias e do respeito integral pelos Direitos do Homem.
Foi o Papa da liberdade. Começou por ser o jovem polaco resistente contra o nazismo, foi depois o padre e o bispo empenhado na luta contra todas as formas de totalitarismo e, uma vez elevado à Cadeira de S. Pedro, foi um actor decisivo nas revoluções democráticas que a Europa conheceu na passagem dos anos 80 para os anos 90 do século passado.
A segunda grande lição do Papa João Paulo II é o compromisso pela paz.
O Papa João Paulo II foi uma das mais importantes, senão a mais importante, personalidade da cena mundial no compromisso pela paz, sem qualquer equívoco ou ambiguidade, na denúncia de todas as formas de violência, no combate ao terrorismo, na defesa do Direito internacional e na defesa do sistema das Nações Unidas. Mas não se limitou a enunciar esses princípios gerais, fez questão de os aplicar a cada circunstância e caso concreto com que se deparou.
A terceira grande lição é a atenção ao Mundo.
Diz-se - e bem! - que este é o Papa da globalização, mas é-o em todas as suas dimensões e sujeitas ao critério de apreciação moral e política a partir dos direitos de todos.
Foi o Papa que trouxe a África, a América Latina e, também, a Ásia para o coração da Igreja Católica; foi o Papa peregrino que percorreu o Mundo e disse, até ao fim - ainda hoje nos diz -, que não há globalização aceitável nem desejável sem justiça social e sem solidariedade entre todos os povos e nações do Mundo.
A quarta grande lição é a força das convicções.
Mesmo quem não partilha a substância das convicções do Papa João Paulo II pode e - a meu ver - deve partilhar a força e a inteireza dessas convicções que, ao mesmo tempo, por serem

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convicções fortes, foram convicções abertas aos outros credos e às outras culturas.
Foi por ser forte nas suas próprias convicções religiosas que o Papa João Paulo II avançou tanto, como ninguém tinha avançado antes, no diálogo com as outras religiões, no diálogo ecuménico e no diálogo com as outras formas de pensar o sentido da nossa vida e do nosso mundo.
A força da comunicação é outra grande lição do Papa João Paulo II.
Foi um Papa que soube usar a modernidade como ninguém e perceber que vivemos numa era da sociedade de informação e da sociedade mediática. Mas, melhor do que ninguém, também nos explicou que os media são meios, como diz literalmente a expressão com que os designamos, e não temos que sujeitar as nossas convicções ao império dos media mas, sim, que saber usar a sua linguagem para divulgar e fazer valer as nossas convicções.
Foi o Papa da força da palavra, do poder da influência, isto é, da capacidade de influenciar pela capacidade de argumentar, de fazer valer as nossas razões e de discutirmos em conjunto as razões que nos assistem.
Foi, finalmente, o Papa que nos permitiu, melhor do que ninguém, viver todas as dimensões da vida: as dimensões da juventude e da velhice; as dimensões da alegria e do sofrimento; as dimensões da força física e da dor. E em todas essas dimensões, o Papa, com o seu exemplo, fez reentrar a vida inteira na nossa esfera pública. Esta é, a meu ver, uma última grande lição do seu pontificado.
Portugal é hoje uma sociedade democrática e plural na qual a cultura cristã tem uma história que não se apaga. João Paulo II foi um Papa amigo de Portugal e Portugal e o povo português foram amigos de João Paulo II. Mas o plano espiritual da sua acção nunca se confundiu com o plano normal da relação entre os Estados. Foi, também, sob o seu pontificado que foi possível proceder a uma revisão da Concordata.
João Paulo II foi um dos Papas mais influentes do século XX, foi uma das grandes personalidades políticas e sociais do século XX. João Paulo II é, portanto, uma personalidade que diz muito aos católicos, aos cristãos, aos crentes e não-crentes, que diz muito a todos, incluindo aqueles que, como nós, têm responsabilidades públicas, entre as quais a de exprimir, na diversidade dos nossos interesses e opiniões, a própria pluralidade da sociedade que aqui representamos.
Em suma, o grande lema do Papa João Paulo II - "Não tenhais medo" - aplica-se ao seu próprio pontificado. Há uma antiga bula papal histórica, cujo título também se aplica "como uma luva" ao pontificado de João Paulo II: "Sair para Semear". Foi o que João Paulo II fez e esse foi um gesto de enorme importância para a Igreja e a sociedade contemporâneas.
Por isso mesmo, em nome do Governo e em meu nome pessoal, endereço, através da pessoa do Sr. Núncio Apostólico, as mais sentidas condolências à Igreja Católica, à Igreja Católica portuguesa, aos católicos portugueses e à população portuguesa.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, cumprimentando S. Ex.ª Reverendíssima o Sr. Núncio Apostólico em Lisboa, não deixo de me associar nesta homenagem àquele que foi o primeiro Papa eslavo e o primeiro Papa não italiano em quatro séculos e, por isso mesmo, alguém que, também temperado na resistência aos totalitarismos, acabou por desempenhar um papel fulcral na reunificação europeia.
Um homem de profundas convicções pela liberdade humana, pelos direitos da pessoa, pela justiça social e económica e, também, pela paz contra todas as formas de arbítrio e todas as formas de violência. Alguém com uma mensagem muito forte contra o choque entre os povos, as civilizações e as culturas e defensor, sempre, do diálogo inter-religioso, diálogo com as outras confissões religiosas, sem excluir as várias modalidades de diálogo com as diversas culturas e também com os não-crentes.
Sublinho de forma especial, neste momento, o apego profundo de Sua Santidade a Portugal, apego traduzido em diversas peregrinações ao Santuário de Fátima, que resultava de uma valorização muito profunda do papel dos portugueses na evangelização no plano internacional, reconhecendo essa acção em relação aos vários continentes (à América Latina, à África e ao Oriente), o que o levou, igualmente, a assumir uma defesa consequente da causa de Timor quando isso foi necessário.
Gostava de sublinhar aquele que, até ao último minuto, foi para todos no mundo um exemplo de convicção, de coragem e de grande carisma.
Por isso, passo a ler o voto de pesar, que iremos seguidamente votar. "O falecimento do Papa João Paulo II emocionou o mundo e comoveu de modo muito profundo a população portuguesa.
Na verdade, o magistério religioso e a mensagem universal de Sua Santidade, ao longo do seu Pontificado, encontraram sempre motivos de acolhimento ou reflexão, não só por parte do mundo católico, mas igualmente entre a generalidade dos que professam outras religiões e os não-

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crentes. Mesmo os que não se identificaram com algumas das suas posições reconheceram nas ideias expressas pelo Sumo Pontífice a evidência de um pensamento invariavelmente assumido com grande coerência e elevada dignidade.
O empenhamento decisivo do Papa João Paulo II na edificação de uma ordem internacional baseada no Direito e o seu constante apelo à consolidação duradoura da paz marcaram a vida contemporânea e são sublinhados por todos os homens e mulheres de boa vontade, seja qual for o seu posicionamento político ou os valores em que baseiam o entendimento dos acontecimentos mundiais.
As várias visitas de João Paulo II a Portugal constituíram, pela dimensão espiritual de Sua Santidade e pelo envolvimento expressivo do povo que o acolheu, marcos fundamentais na história portuguesa e serão seguramente recordadas no futuro como grandiosos acontecimentos.
O Pontificado de João Paulo II ficará ainda ligado de forma vincada ao desenvolvimento de excelentes relações entre Portugal e a Santa Sé, sendo de realçar, a este propósito, a importância de Sua Santidade no apoio às recentes negociações que culminaram com a aprovação de uma nova Concordata.
Assim sendo, e consciente de exprimir o sentimento do povo português, que representa na pluralidade da sua expressão política, a Assembleia da República exprime o seu profundo pesar pelo falecimento do Papa João Paulo II e endereça à Igreja Católica as suas mais sentidas condolências."
Vamos proceder à votação do voto n.º 5/X - De pesar pelo falecimento de Sua Santidade o Papa João Paulo II (Presidente da AR).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
I
Vamos guardar 1 minuto de silêncio em homenagem ao Papa João Paulo II.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, por indicação da Conferência de Líderes e da Mesa, este voto será transmitido ao Núncio Apostólico em Lisboa, ao Cardeal Patriarca de Lisboa e ao Presidente da Conferência Episcopal.
Sr.as e Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas.

ORDEM DO DIA
(2.ª parte)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que está a decorrer a eleição dos representantes da Assembleia da República para o Conselho Superior de Defesa Nacional e para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e que as urnas, situadas no Hemiciclo, encerrarão às 17 horas.
Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta de dois relatórios e pareceres da Comissão de Ética, bem como da entrada na Mesa de diplomas.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o primeiro relatório e parecer da Comissão de Ética refere-se à:
Assunção de mandatos, nos termos do artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados, com efeitos desde 5 de Abril corrente, inclusive, de Fernando Antunes (PSD), círculo eleitoral de Coimbra, cessando, Miguel Coleta, e de Mário Albuquerque (PSD), círculo eleitoral de Santarém, cessando Natália Carrascalão;
Substituição, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea f), do Estatuto dos Deputados, com efeitos desde 5 de Abril corrente, inclusive, de Fernando Moniz (PS), círculo eleitoral de Braga, Henrique Troncho (PS), círculo eleitoral de Évora, José Miguel Medeiros (PS), círculo eleitoral de Leiria, e Paulo Fonseca (PS), círculo eleitoral de Santarém, por, respectivamente, Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá, Paula Cristina Nobre de Deus, Carlos Alberto David dos Santos Lopes e Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes;
Substituição, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea d), do Estatuto dos Deputados por um período não inferior a 50 dias, nem superior a 10 meses, com efeitos desde 5 de Abril corrente,

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inclusive, de Joaquim Cêrca (PS), círculo eleitoral de Vila Real, por Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues.
O parecer é no sentido de que a assunção de mandatos e as substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o segundo relatório e parecer da Comissão de Ética refere-se à substituição, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea h), do Estatuto dos Deputados, de Júlio Vasconcelos (CDS-PP), círculo eleitoral de Viana do Castelo, por António Idalino Rodrigues Pereira, sendo o parecer no sentido de admitir a substituição em causa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.os 21/X - Regulação da concentração da propriedade dos meios de comunicação social (BE), que baixou à 1.ª Comissão, 22/X - Define regras de segurança para o transporte colectivo de crianças e jovens (Os Verdes), que baixou à 9.ª Comissão, e 23/X - Suspende a vigência das disposições do Código do Trabalho e da sua regulamentação relativas à sobrevigência das convenções colectivas de trabalho (PCP), que baixou à 11.ª Comissão.

Entretanto, os Deputados do Grupo Parlamentar de "Os Verdes" tomaram assento em cadeiras que colocaram no corredor que separa as bancadas do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 5/X (PSD) e 12/X (PS) - Assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária pela Assembleia da República.
Sublinho que, no final da discussão que agora iniciamos, procederemos à votação de ambos os projectos de resolução, que, como é do conhecimento geral, requerem uma maioria qualificada de quatro quintos dos Deputados em efectividade de funções.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A opção europeia de Portugal, que teve a sua primeira grande afirmação formal e solene com o acto de adesão à então Comunidade Económica Europeia, não só esteve desde sempre associada ao processo de democratização do país desencadeado com a Revolução de Abril de 1974, como tem também merecido, também desde sempre, um largo consenso na sociedade portuguesa, expresso, aliás, na convergência que, em matéria europeia, se tem registado entre os dois grandes partidos que são alternativa de poder em Portugal - o Partido Socialista e o Partido Social Democrata.
A verdade, porém, é que, ao contrário do que há muito vem acontecendo em muitos dos nossos parceiros da União Europeia, nunca se procedeu em Portugal a uma consulta popular directa sobre qualquer dos instrumentos que têm introduzido alterações no quadro da organização, funcionamento e competências das instituições da União Europeia. Por certo, a circunstância de a nossa Constituição não consentir que sejam directamente referendados tratados não é alheia a tal facto. E isto aconteceu mesmo perante a circunstância de termos sido já obrigados a rever a nossa Constituição para podermos ratificar as alterações introduzidas aos tratados institucionais europeus pelo Tratado de Maastricht.
Não era, pois, compreensível nem democraticamente aceitável que o Estado português continuasse a dar anuência a alterações institucionais de especial relevo na União Europeia sem uma consulta popular directa por via de referendo. Foi esta a posição que, desde sempre, assumimos com clareza a propósito do novo Tratado Constitucional Europeu.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Não há nada melhor do que recordar a intervenção que proferi sobre esta matéria nesta Câmara, na altura própria, mais precisamente em 8 de Outubro de 2003, quando afirmei a necessidade de ser consequente, salientando que, se o PSD insistira durante longos anos na anuência do PS - logrando, por fim, obtê-la a custo - para introduzir a figura do referendo na Constituição, com certeza que não o teria feito, como, aliás, já demonstráramos no passado, com o sentido de se criar mais um mero adorno constitucional. Por outro lado, afirmei, se há matéria que justifica uma consulta popular por via do referendo, ela é, sem dúvida, a das inovações mais relevantes que venham a ser introduzidas na arquitectura e funcionamento da União Europeia pelo Tratado Constitucional Europeu.
Disse ainda, nessa altura: "É preciso fazer um referendo europeu.
Não contem connosco para dar este passo, sem dúvida importante para a construção da Europa mas, também por isso, decisivo para o nosso futuro colectivo e a nossa afirmação no concerto europeu, sem a directa auscultação dos portugueses. Nunca tivemos medo de ouvir os portugueses, e não o temos também agora!"

Aplausos do PSD.

Deixámos, pois, claro que se o novo Tratado Constitucional Europeu introduzisse alterações relevantes no funcionamento das instituições europeias e, consequentemente, modificações importantes no quadro jurídico-institucional em que Portugal tem estado integrado enquanto membro de pleno direito da União Europeia, condicionaríamos a sua ratificação à prévia consulta dos portugueses.
Admitia-se, então, que o Tratado Constitucional em causa pudesse ser concluído antes das últimas eleições para o Parlamento Europeu e daí que tivéssemos logo na altura colocado a questão da revisão da Constituição, para que fosse possível a realização simultânea do referendo ao Tratado Constitucional Europeu e das eleições europeias. O impasse em que se caiu no complexo processo de elaboração e de negociação do Tratado não permitiu, então, a sua conclusão. Tal impediu a avaliação da extensão e relevância das alterações introduzidas, em termos de se concluir pela necessidade ou não do referendo. Por isso, comprometeu-se também a possibilidade de se introduzirem as necessárias alterações na Constituição, no âmbito da revisão ordinária então em curso.
Certo é, como aqui foi recordado pelo Sr. Deputado Marques Guedes aquando do debate do Programa do Governo, que a possibilidade de efectuar cumulativamente eleições e referendo mereceu a mais veemente recusa e reprovação do Partido Socialista e do seu líder parlamentar. Significa isto que a prioridade dada pelo Sr. Primeiro-Ministro no sentido de efectuar o referendo ao Tratado Constitucional Europeu na mesma data e em conjunto com as eleições autárquicas terá a mais veemente discordância do seu número dois, o "super" Ministro António Costa.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Concluído o Tratado Constitucional Europeu e conhecidas as relevantíssimas alterações que veio introduzir na arquitectura europeia e no funcionamento das suas instituições, demos conta a todas as forças políticas com assento parlamentar da nossa posição imperativa quanto à realização do referendo e quanto à necessidade da prévia revisão da Constituição. Também aí, e mais uma vez, deparámos com a resistência e mesmo com a oposição do Partido Socialista, cujo líder, o Eng.º Sócrates, proclamou que o PS daria anuência a uma revisão constitucional extraordinária apenas, só, quando e se ficasse demonstrado que não era possível fazer uma pergunta clara aos portugueses sobre o novo Tratado Europeu no actual quadro constitucional.
Inabalavelmente desejoso de realizar o referendo - conforme compromisso assumido com os portugueses - e "atado de pés e mãos" por necessitar do PS para desencadear o processo de revisão da Constituição, o PSD subscreveu, sem alterar uma vírgula, a pergunta formulada pelo PS, que então se dizia seguro da sua conformidade constitucional, pese embora as reticências veementes que desde logo lhe colocámos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O caminho em que o PS insistiu levou ao resultado que todos conhecemos: à

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perda de tempo, ao descrédito da Assembleia e ao vexame do chumbo do Tribunal Constitucional à pergunta apresentada para referendo, que, para além de inconstitucional, era gongórica e confusa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É tempo de evitar que matérias como esta, pela sua particular importância e pelas suas especiais implicações no âmbito interno e externo, se arrastem e sejam inquinadas por questões formais ou processuais. Rejeitada que foi pelo Tribunal Constitucional a pergunta apresentada pela Assembleia da República, evidente se tornou a inevitabilidade de uma revisão constitucional extraordinária. Daí que o PSD tenha, logo no início dos trabalhos desta Legislatura, apresentado um projecto de resolução com vista a que a Assembleia assuma poderes de revisão extraordinária da Constituição. Alguns dias depois, o PS apresentou também um projecto de resolução de idêntico teor e com o mesmo objectivo.
São estes projectos que foram agendados e que hoje discutimos, sem prejuízo de virem a dar lugar, e bem, a um texto único elaborado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República. Vemos com bons olhos esta opção, que apoiámos, porque na questão europeia é tempo de unir e não de dividir. Por isso, sem pormos em causa a importância das questões relativas à interrupção voluntária da gravidez e as delicadas implicações de natureza humana, social, ética, de saúde e de consciência que envolvem, não achámos de bom tom nem compaginável com a prioridade que o referendo europeu tem - e, com ele, a revisão extraordinária da Constituição - a tentativa de atravessar e antecipar o referendo do aborto, estranhamente a reboque de uma esquerda mais radical que os portugueses claramente não compreendem nem aceitam que condicione o Governo de um partido a que deram maioria absoluta para governar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao procedermos à assumpção de poderes de revisão constitucional extraordinária, há não só que decidir sobre o alcance no tempo e na extensão da alteração que permita a formulação da pergunta clara aos portugueses sobre se concordam ou não com o novo Tratado Constitucional Europeu, como há ainda que decidir se a possibilidade de cumulação de referendos com actos eleitorais deve ficar ou não definitivamente consagrada. Haverá, ainda, que decidir se não se justificam outras alterações constitucionais relacionadas com reformas programadas ou previstas, para que não se pretextem novos adiamentos ou impedimentos constitucionais à sua efectivação.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma União Europeia que passou de 15 para 25 Estados e que em breve passará a 27 não é governável com base no modelo inicialmente concebido. Por isso, o processo de alargamento foi e continua a ser indissociável das reformas introduzidas pelo Tratado Constitucional Europeu. Portugal tem participado na construção europeia de corpo inteiro e tem procurado cumprir as etapas do processo de integração, de forma a não ser subalternizado para um estatuto de parceiro menor ou de segunda. A demonstrá-lo está o esforço feito, com sucesso, para integrar a moeda única. A demonstrá-lo está também a escolha do Dr. Durão Barroso para Presidente da Comissão Europeia.
Não há que ter medo de um processo sui generis de uma união económica e monetária de carácter supranacional, como não há que ter receio de abdicar de competências nacionais a favor dos órgãos da União. Em todo o caso, o povo português não pode ser alheado de tal processo e sobre ele deve ser democraticamente consultado. Da nossa parte, queremos aprofundar com o Partido Socialista a convergência que julgamos ter na avaliação de que o novo Tratado Constitucional Europeu é bom para a Europa e para Portugal.
Mas queremos também clareza por parte do Partido Socialista.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Clareza quanto às suas prioridades em matéria de referendo. Clareza quanto ao alcance e extensão da revisão constitucional extraordinária que temos de realizar. A Europa, com que o País se reencontrou, também tem os seus ónus e Portugal tem de os assumir, porque vale a pena participar num espaço de afirmação de valores como a liberdade, a democracia, os direitos fundamentais, o pluralismo e a economia de mercado com garantias sociais. E vale a pena fazê-lo com uma voz activa que não se compadece do "orgulhosamente sós", que hoje parece encontrar maiores apoios e simpatizantes na esquerda mais radical.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - É falso!

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O Orador: - Vai, pois, o Grupo Parlamentar do PSD viabilizar o projecto de resolução por via do qual a Assembleia da República assume poderes de revisão extraordinária da Constituição, com vista a tornar possível o referendo do Tratado Constitucional Europeu. Quanto aos termos exactos que as alterações constitucionais deverão assumir, tal depende de um conjunto de soluções, designadamente no âmbito da reforma do sistema político que o País reclama e que o Partido Socialista, agora com maioria absoluta, não pode mais adiar, antes se lhe exigindo que honre os seus compromissos e cumpra as suas promessas com sentido de responsabilidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projectos de resolução n.os 5/X e 12/X, visando a assunção de poderes de revisão extraordinária da Constituição, ora em debate, não representam um acto habitual ou frequente nesta Câmara. Desde 1976, ano da entrada em vigor da Constituição, esta será apenas a terceira vez que este Parlamento se apresta a exercer aquela que é a mais excepcional das suas competências de natureza constituinte.
Assumiu esta Casa tal poder pela primeira vez em 1992.
Assinara-se em 7 de Fevereiro de 1992, em Maastricht, um Tratado da União Europeia, o qual continha disposições que se entendia não serem totalmente harmónicas com as normas constitucionais portuguesas então vigentes.
Promoveu-se, então, uma revisão do texto constitucional, a terceira, de 1992, que correspondesse às necessidades do momento e que permitisse a Portugal assumir ou honrar novos compromissos no contexto do aprofundamento da União Europeia.
Nessa medida, foi alterado o artigo 7.º, aditando-se-lhe um novo n.º 6, que permitia que Portugal convencionasse o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia, alteração de grande significado e de fundas implicações na própria estrutura do Estado.
Além dessa, foram introduzidas outras alterações de menor monta, igualmente relacionadas com o aprofundamento da União Europeia: atribuição de capacidade eleitoral activa e passiva aos cidadãos dos Estados-membros da União na eleição do Parlamento Europeu e supressão do exclusivo de emissão de moeda do Banco de Portugal. Subsidiariamente, aprovou-se uma alteração respeitante ao regime e qualificação dos processos de revisão constitucional.
Em 2001, esta Assembleia assumiu novamente poderes de revisão extraordinária da Constituição.
Mais uma vez, o motivo da necessidade de recurso a este tipo de procedimento excepcional estava relacionado com a vinculação do Estado português a um tratado internacional de altíssima relevância: o tratado constitutivo do Tribunal Penal Internacional, assinado em Roma, em 17 de Julho de 1998. E mais uma vez se estava perante uma situação de óbvia urgência: tratava-se de corresponder, com a máxima celeridade, a um esforço da comunidade internacional de ampliar um pouco mais a vigência dos princípios e dos mecanismos do Estado de direito na ordem jurídica internacional. Portugal não podia perder a oportunidade de estar na primeira linha dessa luta.
Nessa ocasião, em 2001, quatro anos após a revisão constitucional de 1997, para além de se viabilizar a aprovação e a ratificação daquele tratado internacional, através da alteração do n.º 7 do artigo 7.°, entendeu-se introduzir menos de meia dúzia de pequenas alterações que correspondiam a clarificações de temas associados a questões da agenda europeia do momento ou da agenda política interna.
Está demonstrado que esta Assembleia sempre procurou utilizar este mecanismo excepcional de forma parcimoniosa e sem pôr em crise a estabilidade constitucional, valor fundamental que nos cabe preservar.

O Sr. Guilherme d' Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Hoje, pela terceira vez desde 1976, um tratado internacional obriga-nos a recorrer ao mecanismo do artigo 284.°, n.º 2, da Constituição.
Trata-se agora de viabilizar a convocação e a realização de um referendo sobre o tratado constitucional que institui uma Constituição para a Europa, assinado em Roma em 29 de Outubro

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de 2004. Questão de natureza muito diversa daquelas que motivaram as outras revisões constitucionais, mas certamente questão do máximo relevo político.
Na verdade, trata-se de viabilizar o primeiro referendo em que os portugueses se poderão pronunciar sobre decisivas questões relacionadas com o aprofundamento da União Europeia.
Este não é o momento de recordar tentativas e debates passados sobre a realização de um referendo incidente sobre temas europeus. Todos recordamos que esta é uma questão recorrente.
Trata-se agora de, uma vez por todas, fazer um referendo que dê o poder de decisão directa aos portugueses.
A importância desta revisão constitucional, cujo processo pretendemos iniciar é, por isso, equivalente a outras anteriores.
É certo que há na comunidade científica e académica quem sustente que o referendo se poderia realizar - incidindo porventura sobre o Tratado no seu todo - sem ser necessária qualquer alteração constitucional.
É certo também que o meu partido e eu próprio continuamos a entender que o modelo e o conteúdo do referendo e respectiva pergunta, aprovados por larga maioria nesta Câmara na Legislatura anterior (apesar de o PSD se ter esquecido disso), tinham cobertura constitucional.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Não tiveram!

O Orador: - Mas se é verdade que não enjeitamos facilmente as nossas posições na primeira esquina do debate constitucional, também é absolutamente certo que nos guiamos por um escrupuloso respeito pelas orientações do Tribunal Constitucional.

Aplausos do PS.

Ora, este alto Tribunal decidiu, através do Acórdão n.º 704/2004, que a pergunta escolhida por esta Assembleia na Legislatura anterior não respeitava "os requisitos de clareza e de formulação da pergunta para respostas de 'sim' ou 'não'" exigidos pela Constituição e pela lei.
Na atenta avaliação que o Partido Socialista fez desta decisão, concluiu-se que ela não deixa muitas alternativas que, no actual quadro constitucional, permitam a realização de um referendo sobre matérias abrangidas pelo Tratado Constitucional.
E mesmo que fosse teoricamente possível encontrar outra via, escolhemos seguir aquela que é mais segura e que permitirá a definição de uma pergunta cuja clareza e objectividade não sejam motivos de controvérsia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Concluímos há poucos meses um processo de revisão ordinária da Constituição. Nele resolveram-se alguns problemas fundamentais, designadamente os relacionados com a chamada querela das autonomias. Estava e está criado um ambiente propício a um período de estabilidade constitucional.
Por outro lado, a agenda política previsível dos próximos 12 meses determina que a revisão extraordinária da Constituição seja célere, porventura a mais célere de sempre.
Em suma, os precedentes existentes no que toca a outras revisões extraordinárias, a necessidade de delimitar e cumprir bem o objectivo central desta revisão, as exigências de celeridade e o facto de termos concluído um processo de revisão ordinária da Constituição há menos de um ano são factores que aconselham a uma revisão constitucional cirúrgica.
E o que o Partido Socialista pretende é uma revisão constitucional cirúrgica. O Partido Socialista parte para este processo com um e único objectivo: o de superar satisfatoriamente e com celeridade um obstáculo constitucional àquilo que os cidadãos nos exigem, que é a realização de um referendo sobre o Tratado Constitucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, não é aconselhável nem aceitável que se procure instrumentalizar esta revisão extraordinária da Constituição em função da obtenção de objectivos políticos que são completamente alheios àquela que deve ser a sua preocupação central. E não se preocupe o Sr. Deputado Guilherme Silva porque o Partido Socialista saberá manter a sua coerência até ao fim. Assim o PSD saiba também mantê-la e levar este processo até ao fim sem ruído de fundo.

Aplausos do PS.

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Fazer desta revisão constitucional uma "arena" de combate político, onde se persigam pretensas vitórias ou pretensos ganhos políticos em mil e uma áreas que venham à imaginação do PSD, seria seguramente um mau serviço ao interesse político fundamental que, estou certo, é consensualmente assumido por toda esta Câmara: refiro-me ao interesse de construir uma oportunidade única e soberana de os portugueses debaterem e votarem sobre a evolução da União Europeia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Faço votos para que, no final do processo, isso tenha sido plenamente conseguido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputados Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda concorda com a abertura do processo de revisão extraordinária da Constituição. Mas, porque as revisões extraordinárias da Constituição só se devem realizar por poderosos motivos de urgência democrática, convém que esclareçamos em que condições aprovaremos esta.
Em primeiro lugar, entendemos que a presente revisão se deve restringir à viabilização constitucional do referendo sobre tratados internacionais. Impõe-se permitir, finalmente, que as portuguesas e os portugueses se possam pronunciar directa e especificamente sobre todos os tratados internacionais que, em seu nome mas sem a sua consulta, vinculam o País, seja à União Europeia, seja à NATO, seja a outras instâncias.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Em termos imediatos, isto quer dizer que os eleitores e as eleitoras portuguesas devem ter o direito, que pela primeira vez lhes será concedido, de se pronunciarem sobre a adesão de Portugal ao Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. Quase 20 anos depois da adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, depois de Maastricht, depois de Amesterdão, depois da moeda única, depois das mais importantes alterações estratégicas no curso do Portugal do século XX terem vinculado o País sem que os dois principais partidos que têm o governado permitissem a consulta do eleitorado sobre tais questões, parece que, enfim, esse direito de soberania essencial se vai poder exercer.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Mas isso só pode querer dizer também que tal direito há-de ser extensível, por exemplo, à possibilidade de reapreciação da adesão de Portugal à NATO,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - … decidida - é bom lembrá-lo - pelo regime salazarista em 1949, em plena ditadura, e nunca sancionada pelo povo português em democracia, ao contrário do que, por exemplo, se passou em Espanha após o fim do franquismo.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Por que razão se não há-de permitir ao povo português a faculdade de se pronunciar por via referendária, quando isso se justificar e nos termos da lei, sobre os tratados que balizam as grandes linhas da política externa e de defesa, para além do caso concreto deste Tratado Constitucional ou até de tratados sobre assuntos europeus?
Nem se entende que possa ser aceite como genuína revisão constitucional a consideração da excepção única do presente Tratado Constitucional Europeu como objecto de referendo. Não estaríamos, então, perante a adopção de uma norma geral e abstracta mas, sim, de uma suspensão da vigência da Constituição para fins específicos, o que em si mesmo haveria de se

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considerar até de constitucionalidade duvidosa.
Em segundo lugar, cumpre salientar que não faria sentido, com uma mão, abrir a porta a um debate e a uma consulta referendária, concretamente sobre o Tratado que estabelece uma Constituição Europeia, e, com a outra mão, esvaziá-lo de seriedade e de sentido ao levantar a actual, e justa, interdição constitucional de coincidência do referendo com as eleições.
Por isso, insistimos na opinião de que fazer coincidir o referendo sobre o Tratado em causa com as próximas eleições autárquicas é afogar o debate referendário nas mais de 300 eleições locais que elas representam,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - … significando, por um lado, uma fuga premeditada a qualquer debate sério sobre o Tratado que estabelece uma Constituição Europeia e, por outro, uma dupla manipulação mútua das duas consultas em causa. Assim, opor-nos-emos a qualquer proposta que vise alterar as actuais disposições constitucionais que têm garantido, e bem, que isto não possa acontecer.
Admitir o contrário é abrir uma "caixa de Pandora" de efeitos imprevisíveis no normal funcionamento das instituições democráticas, é alterar a Constituição num normativo essencial de garantia da genuinidade das consultas referendárias e eleitorais, ao sabor de critérios de puro oportunismo político ou em nome do facilitismo de não encarar de frente a preparação de um combate político exigente - a convocação de um referendo sobre a Constituição Europeia - e, seguramente, arriscado.
Mas, em nome de um risco conjuntural e partidarizado, o Partido Socialista e o PSD, que tutelam o nosso sistema político, preferem correr o risco superlativamente maior da manipulação das consultas eleitorais ou referendárias como prática que passaria a ser ou a poder ser tendencialmente corrente.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Reveja-se, portanto, a Constituição, para que o povo português se possa pronunciar, em referendo, sobre os tratados internacionais em geral e, desde logo, sobre o Tratado da Constituição Europeia, mas não se desfigure esse alargamento dos direitos de cidadania, permitindo que, pelo expediente, hoje justamente inconstitucional, de fazer coincidir referendos com eleições, se transforme uma consulta referendária numa caricatura antidemocrática do que ela deve ser.
Estão os partidos maioritários nesta Câmara preparados para assumirem a responsabilidade perante o País de um tal risco e de um tal processo? A ver vamos o que o debate nos traz.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que o PS e o PSD chegaram aparentemente à conclusão de que é indispensável rever a Constituição para que possa haver um referendo sério, transparente e decisivo sobre a ratificação do Tratado que aprovou a chamada Constituição da União Europeia, é obrigatório fazer um pouco de história.
Em 1992, antes da ratificação do Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht, o PCP propôs a aprovação de uma norma constitucional que viabilizasse a realização de um referendo sobre esse Tratado. Nessa altura, o PS e o PSD apressaram-se a rever a Constituição para permitir a ratificação do Tratado da União Europeia mas rejeitaram peremptoriamente qualquer referendo sobre ele, com uma fundamentação que foi tudo menos convincente.
Em 1997, o PS e o PSD voltaram a recusar a proposta do PCP, apresentada aquando da IV Revisão Constitucional, para inserir uma disposição constitucional que, no momento oportuno, permitisse referendar o Tratado de Amesterdão.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Outra vez bem lembrado!

O Orador: - Só que dessa vez aprovaram a formulação que ainda hoje vigora, segundo a qual podem ser objecto de referendo "questões de relevante interesse nacional que devam ser

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objecto de convenção internacional", para, em seguida, acordarem uma pergunta que levou o Tribunal Constitucional a considerar, obviamente com bons fundamentos constitucionais, o que qualquer cidadão com uma dose razoável de bom senso facilmente consideraria, ou seja, que a proposta de referendo aprovada pela Assembleia da República não respeitava os requisitos de objectividade, clareza e precisão. Foi por isso declarada inconstitucional e não houve referendo sobre o Tratado de Amesterdão.
Em 2004, no mais recente processo de revisão constitucional, mais uma vez se perdeu a oportunidade para resolver este problema e permitir, com toda a clareza, referendar a ratificação do Tratado sobre a Constituição Europeia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O PSD, o PS e também o CDS-PP recusaram a proposta do PCP nesse sentido, para depois aprovarem uma pseudopergunta destinada a ser considerada inconstitucional mas que teve ainda o demérito de fazer com que a Assembleia da República fosse escarnecida perante uma opinião pública que não queria acreditar que alguém se tivesse lembrado de submeter a referendo semelhante arrazoado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mais uma vez os partidos maioritários desta Assembleia optaram pela insensatez, à espera que o Tribunal Constitucional pudesse repor o bom senso.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aparentemente, o PS e o PSD terão finalmente concluído que não há pergunta referendária que possa ser feita que tenha como consequência a decisão de ratificar ou não o Tratado Constitucional Europeu, com toda a clareza e com todas as consequências, mantendo o actual texto constitucional.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Mais vale tarde do que nunca!

O Orador: - Sempre foi essa a nossa posição e seremos coerentes com ela.
Por isso, concordamos com a necessidade de abrir um processo extraordinário de revisão da Constituição e apresentaremos oportunamente o nosso projecto de revisão com a solução que nos pareça mais adequada.
Fazemo-lo, porém, com duas observações, que consideramos decisivas, quanto ao nosso posicionamento final neste processo.
Primeira: este processo de revisão deve servir única e exclusivamente para permitir o referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - … e mais nada. Em princípio, todos os partidos afirmam circunscrever as suas propostas à questão do referendo europeu, mas todos sabemos, pela má experiência feita, que, quando os processos de revisão constitucional começam, nunca se sabe como acabam.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E no momento em que se abre um novo processo de revisão, mais uma vez extraordinário e mais uma vez anunciado pelo Partido Socialista como cirúrgico, ocorrem-nos à memória outros processos também anunciados como cirúrgicos.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Ocorre-nos a revisão constitucional de 2001, que começou por se circunscrever estritamente ao Tribunal Penal Internacional e acabou nas buscas domiciliárias nocturnas,…

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Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - … ou a revisão constitucional dita cirúrgica de 2004, que começou por três cirurgias relativas às regiões autónomas, à limitação de mandatos e à regulação da comunicação social e acabou com um autêntico harakiri constitucional, que foi a consagração do carácter supraconstitucional do Direito Comunitário.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

Vozes do PCP: - Uma vergonha!

O Orador: - E acontece que, neste processo, a posição já manifestada pelo PSD não é tranquilizadora. O que o PSD afirmou ontem, pela voz do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, e hoje, pela voz do Sr. Deputado Guilherme Silva, é que o PSD está disposto a viabilizar constitucionalmente o referendo europeu desde que faça negócio.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E o preço a pagar pelo negócio seria mudanças na justiça, uma lei eleitoral para as autarquias, a entidade reguladora para a comunicação social e o que mais ocorrer.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Ora aí está!

O Orador: - Ou seja, o PSD, afinal, não parece muito interessado, ao contrário do que já afirmou, em que o povo português se possa pronunciar em referendo sobre o Tratado da Constituição Europeia, parece mais interessado em usar essa possibilidade como moeda de troca para obter vantagens negociais sobre o PS, o que é um péssimo prenúncio para este processo de revisão.

Aplausos do PCP.

Ainda assim, gostaríamos de acreditar que este processo de revisão, por ser necessário para referendar o Tratado da Constituição Europeia, não venha a acabar como a história da sopa da pedra: é aberto para viabilizar o referendo e, depois, acaba por servir para viabilizar outra coisa qualquer, sendo o referendo deitado pela borda fora na primeira oportunidade e sob qualquer pretexto.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Em todo o caso, estamos neste processo de boa-fé, como gastaríamos que todos estivessem. E o PS tem aqui especiais responsabilidades: ou bem que honra os compromissos que assumiu com os portugueses ou bem que cede à chantagem política do PSD.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão que queremos deixar muito clara é a nossa discordância quanto à simultaneidade da realização do referendo sobre a Constituição Europeia com qualquer outro acto eleitoral ou referendário, e anunciamos, deste já, que votaremos contra qualquer proposta de alteração da disposição constitucional que actualmente não o permite.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não foi por acaso que o legislador constituinte rodeou a realização do referendo com estas cautelas de não simultaneidade. Tratava-se de evitar que as opções de um acto eleitoral pudessem ser contaminadas por um debate referendário que com ele nada a tenha a ver e que a resposta a um referendo pudesse ser influenciada por um debate eleitoral estranho à pergunta em questão. Aliás, bastará recordar o que aqui mesmo afirmou o actual Ministro Alberto Costa, em nome do Partido Socialista, há apenas quatro meses, contra a simultaneidade

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entre referendos e eleições, para abonar o bem fundado desta nossa posição.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não foi há quatro anos, foi há quatro meses!

O Orador: - Podem dizer-nos que há países em que é assim e até podem repetir o exemplo de sempre, o dos Estados Unidos, onde no dia das eleições presidenciais se realizam referendos às dúzias, a par com eleições do mais diverso tipo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Mas esse argumento só pode servir contra quem o usa, porque um país onde a maioria dos cidadãos permanece alheada dos actos eleitorais ou referendários e onde nem sempre ganha quem tem mais votos, não é, seguramente, um bom exemplo a seguir, …

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - … para além de que não concordamos com uma concepção, infelizmente muito em voga em alguns sectores, segundo a qual tudo o que existe nos Estados Unidos é bom para Portugal, mesmo que seja mau para os Estados Unidos.

Risos do PCP.

Os votos que fazemos é que esta proposta da simultaneidade não seja o início de mais uma trapalhada destinada a inviabilizar o referendo. É que a posição do PS já passou por três fases: na primeira fase não queria referendo, na segunda admitia o referendo, desde que, no fim, não houvesse referendo; na terceira volta a admitir o referendo, desde que haja outra eleição que impeça os portugueses de pensar no referendo ou se arranje uma nova trapalhada que impeça outra vez o referendo e que permita ao PS dizer que não teve culpa nenhuma por tão lamentável desfecho.

Aplausos do PCP.

Mas esperemos, Srs. Deputados, que este seja um vaticínio excessivamente pessimista e que não se confirme. Ficaríamos muito satisfeitos com isso. O nosso propósito é o de conseguir que os portugueses possam ser chamados a decidir se querem ou não que o nosso país fique vinculado a um Tratado que consagra a total supremacia do direito comunitário sobre a Constituição e sobre as leis portuguesas e que o possam fazer com total transparência, depois de um debate profundo, sério e esclarecedor.
Queremos um referendo sério, sem truques e sem subterfúgios, que respeite os portugueses e a sua opinião soberana. Se for esse o objectivo de todos, podem, evidentemente, contar connosco.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar e numa breve intervenção, referenciar duas ou três ideias sobre a matéria que aqui nos é trazida a discussão, começando por referir que o Partido Ecologista "Os Verdes" concorda com a abertura de um processo de revisão constitucional extraordinária única e exclusivamente para permitir que os portugueses se possam pronunciar sobre o Tratado Constitucional Europeu.
Sempre temos referido que há quem diga que quer o referendo sem o querer de facto, e utilizando todos os artifícios para parecer que o quer não o querendo de facto. Assim se têm posicionado o PS e o PSD, nunca permitindo que, apesar de algumas propostas de revisão constitucional que o podiam já ter consagrado mas que o PS e o PSD sempre rejeitaram, se incluísse no nosso texto constitucional a possibilidade de referendar tratados internacionais, entre os quais os tratados europeus.
Assim foi em 1998 e em 2003: o inventar-se, o pactuar-se, o acordar-se à pressa uma pergunta que permitisse fingir que se queria, de facto, um referendo. O destino era certo e sabido: o "chumbo"

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por parte do Tribunal Constitucional.
Portanto, aceitamos esta abertura do processo de revisão constitucional com muita pena de que não se tenham aproveitado outras revisões constitucionais, designadamente a última, onde também o Partido Ecologista "Os Verdes" teve oportunidade de claramente propor a possibilidade de se alterar a nossa Constituição de modo a que pudéssemos referendar tratados internacionais com uma pergunta muito clara e objectiva, que permitisse aos portugueses pronunciar-se sobre se querem, ou não, o Estado português vinculado à proposta de Tratado Constitucional que está em questão.
Devo, por isso, dizer que, às vezes, parece que andamos a perder tempo nesta Assembleia da República, e era bom, de facto, às vezes, alguma coerência e alguma seriedade relativamente a estas matérias.
Quero também referir-me à proposta que está em cima da mesa, ou que se visa pôr em cima da mesa, relativamente à simultaneidade dos referendos com outros actos eleitorais.
Aquilo que Os Verdes entendem é que um referendo deverá ter como objectivo um esclarecimento muito sério sobre aquilo que está em questão, um debate muito alargado, muito profundo e muito esclarecedor. Por isso, misturar-se estas matérias com quaisquer outras relacionadas com outros actos eleitorais não faz, na nossa perspectiva, qualquer sentido e vem permitir que se perca, de facto, o grande objectivo do referendo, ou seja, esse grande debate e esclarecimento nacional.
Daí que pareça mais uma manobra do PS e do PSD para fingir, ou continuar a fingir, que se quer um verdadeiro esclarecimento nacional, um verdadeiro referendo, pois permitindo esta simultaneidade com as eleições autárquicas, ou outras, acaba por se propor, na verdade, uma confusão de matérias de modo a não se permitir o verdadeiro referendo.
Não digo aqui, como é evidente, que as pessoas não percebam o que é que possa estar em causa, mas que se amputa o debate não há dúvida e os Srs. Deputados têm, por certo, certeza disso.
Só resta perguntar por que é que o PS e o PSD terão tanto a temer relativamente a um possível resultado deste referendo.
A posição de Os Verdes fica, portanto, aqui muito clara: somos favoráveis à abertura de um processo de revisão constitucional extraordinário única e exclusivamente para permitir um referendo com uma pergunta clara e objectiva sobre o Tratado Constitucional, como desejaríamos que já tivesse acontecido para outros tratados europeus, nunca em simultaneidade com outros actos eleitorais e nunca procurando "enfiar" outras tantas matérias.

Aplausos de Os Verdes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que agora temos é mais uma demonstração perfeita de como o Partido Socialista só acerta quando rectifica. E, a avaliar por experiências passadas, nem sempre…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Risos de Deputados do PCP.

O CDS vem defendendo há muito a necessidade de se referendar o Tratado Constitucional Europeu, de saber o que pensam os portugueses sobre as consequências da sua ratificação em Portugal, mas isto através de uma pergunta que seja, hoje, como dissemos antes, simples, clara e directa: saber se sim ou não os portugueses concordam com o novo Tratado Constitucional Europeu.
Por isso, há pouco mais de seis meses, reclamámos do Partido Socialista, em revisão constitucional, a alteração que o permitiria, numa revisão constitucional que, corrigindo desde logo uma alínea, de entre outras, permitiria que uma questão tão simples como esta - sobre se os portugueses concordam ou não com o Tratado Constitucional Europeu - fosse possível. Só que o PS assim não quis. Apesar de bem saber o que está em causa, a importância da ratificação deste Tratado para o Estado português, o Partido Socialista não permitiu aquilo que o CDS

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sugeriu.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - Então, argumentou - hoje, parece que se esqueceu - que não só seria possível, no actual quadro constitucional, uma outra pergunta igualmente simples que o Tribunal Constitucional validaria, como também que, com essa pergunta, os portugueses conseguiriam claramente manifestar a sua opinião.
No final, a pergunta simples que impositivamente nos foi apresentada foi: "concorda com a carta de direitos fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?". Foi esta a pergunta que o Partido Socialista nos apresentou e nos obrigou a aceitar!

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Uma pergunta tão simples que, no final, como alguém já disse, muitos seriam os portugueses que a ela se recusariam responder sem a presença do seu advogado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Depois aconteceu, em boa verdade, de forma que, de resto, já tínhamos antecipado, que o Tribunal Constitucional não a validou.
Mas, como comecei por dizer, quando rectifica, às vezes, o Partido Socialista acerta, e desta vez acertou: a revisão constitucional extraordinária que parece querer viabilizar vem tarde mas ainda vem a tempo.
Assim sendo, uma palavra importa agora dizer quanto ao âmbito em concreto da revisão constitucional que se seguirá ao processo que se abre. Entendemos que ela deverá ser restrita à questão do referendo e que, sem prejuízo de um ou outro aspecto colateral no que toca ao momento da sua realização, deve incidir principalmente sobre a clarificação constitucional que permitirá, desde logo, esta pergunta simples, clara, precisa e directa a que os portugueses têm de responder.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Convém também lembrar a este propósito algo que é muito importante numa memória que não é curta: discutimos, há pouco, uma revisão ordinária e as nossas propostas, essas, sim, globais, foram recusadas. Inicialmente, o CDS apresentou, no seu próprio projecto e posteriormente num outro, no âmbito da maioria, aquilo que de essencial entendíamos que deveria ser alterado na Constituição que queremos para Portugal.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A revisão ficou praticamente por matérias respeitantes às regiões autónomas, e, sejamos pragmáticos, se com uma maioria alargada de centro direita isso não foi possível, em boa verdade não se vê como é que agora, com uma maioria de esquerda e de extrema esquerda, algo poderia ser diferente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em matéria de apreciação constitucional, o CDS tem sempre dado ao País motivos de muita responsabilidade, desde 1976 até aos tempos de hoje, lutando por um aperfeiçoamento constitucional no sentido da moderação ideológica e na adaptação deste texto fundamental àquilo que são as necessidades reais do País, desde logo de um país integrado na União Europeia em que estamos integrados.
Mostrámos até, muitas vezes antes do tempo, como tínhamos razão, pois, mais tarde, propostas nossas recusadas passaram a ser de muitos mais, e ainda bem, porque no benefício do texto constitucional todos acabamos por ganhar.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Hoje, mais uma vez, o demonstramos. Há muitos anos que reclamamos as

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alterações que, presumivelmente, no processo que hoje se abre acabarão por ser contempladas. Esperemos, ao menos, que também agora, neste processo, essa razão, sendo-nos dada, beneficie o texto constitucional e nisso continue a ajudar o País.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É bom que exista um consenso como aquele que aqui se está a formar para abrir este processo excepcional de revisão da Constituição. Esta revisão, que desejamos, tem um objectivo muito preciso e concreto, o de viabilizar o referendo sobre o Tratado que institui uma Constituição para a Europeia, é este é o objectivo fundamental. E, sendo este o objectivo fundamental, trata-se de cumprir um compromisso, uma responsabilidade, que assumimos no tempo próprio, uma responsabilidade política e eleitoral.
Por outro lado, porque aqui se referiu que, porventura, o Partido Socialista nem sempre teve a mesma posição relativamente a este Tratado Constitucional, devo recordar que desde o primeiro momento em que se começou a discutir o Tratado Constitucional, na Convenção para o Futuro da Europa, o Partido Socialista suscitou a questão de que nada haveria a temer, antes pelo contrário, numa consulta popular nesta matéria se viessem a ser aprovadas questões suficientemente inovadoras e importantes.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Assim aconteceu na Conferência Intergovernamental, na sequência do que foi discutido e aprovado na Convenção para o Futuro da Europa.
E é preciso perceber por que entendemos ser importante associar os cidadãos a este processo. É que iniciámos um novo tempo na vida da União Europeia. Até aqui, os tratados resultaram de conferências intergovernamentais realizadas, fundamentalmente, pelas diplomacias e pelos gabinetes; a partir de agora, esse tempo acabou.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - E esse tempo acabou uma vez que a preparação deste Tratado Constitucional foi aberta, transparente, e todos os argumentos apresentados e debates realizados são conhecidos dos cidadãos. Não podemos, por isso, correr o risco de haver dúvidas sobre a legitimidade democrática da construção europeia nesta nova fase.
O certo é que a proposta da Convenção e a decisão da Conferência Intergovernamental são claras: só poderá existir um novo tratado se todos os Estados-membros o ratificarem; a soberania originária, relativamente a esta matéria, é dos Estados-membros e a competência última neste domínio é sempre do Parlamento, em qualquer circunstância, quer haja ou não consulta popular.

Aplausos do PS.

Vai haver consulta popular, mas é o Parlamento que vai ter a última palavra, como é bom de ver relativamente aos mecanismos de uma democracia representativa.
O método referendário tem, como sabem, os seus limites, mas a verdade é que não podemos ter dúvidas relativamente à legitimidade democrática, sobretudo quando ela corresponde a um passo tão importante como este na vida de uma instituição, ou quadro de instituições, como a União Europeia.
O novo Tratado dá aos parlamentos nacionais um papel activo de acompanhamento e pronúncia sobre os novos actos legislativos da União Europeia. Eis por que este momento de abertura desta revisão constitucional, de criação de condições para a existência uma consulta popular nesta matéria, significa o reforço dos poderes do Parlamento e a valorização acrescida da democracia parlamentar.
O gradualismo tem sido a chave de sucesso do projecto europeu. Afinal, todas as tentativas que o esqueceram falharam e determinaram dolorosos recuos.
Neste momento, estamos perante um Tratado Constitucional, não perante uma constituição

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de Estado, o que não deve fazer esquecer que os tratados europeus têm já, eles mesmos, carácter constitucional, como tem sido reconhecido em vários momentos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Estamos, pois, perante um tratado para uma constituição europeia com características próprias, que se refere a uma democracia supranacional dotada de dupla legitimidade, a dos Estados e a dos cidadãos
Qual é o momento adequado para a realização do referendo?
Cabe ao Sr. Presidente da República a definição, em última análise, da data, do momento em que ele ocorrerá, cabe-nos a nós propor e criar as condições para o efeito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Impõe-se dizer que jamais haverá requisitos ideais para a realização de um referendo, mas que é indispensável, sim, criar as melhores condições para uma efectiva mobilização dos cidadãos em torno de um acto tão importante quanto este.
E, Srs. Deputados, não vamos cair na tentação de julgar que os cidadãos não compreendem a distinção entre um acto eleitoral a que sejam chamados e uma consulta popular em que tenham de participar! Os cidadãos - o povo português - já demonstraram mais do que uma vez, de uma forma claríssima, a sua maturidade no que respeita a distinguir e a decidir bem,…

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - … de acordo com os seus interesses, valores e reforço da democracia portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A consulta popular é necessária e útil.
Muitos dirão que muitas pessoas não estão suficientemente esclarecidas, temos, por isso, de empenhar-nos no esforço de proceder a esse esclarecimento, mas haverá sempre quem diga que ele não está totalmente prestado.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se daqueles que, na prática, tendo na boca a palavra democracia, desconfiam e resistem às consequências últimas dos seus instrumentos.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - E as consequências últimas dos instrumentos da democracia resultam, como bem sabemos, da necessidade de envolver os cidadãos em actos que lhes digam directamente respeito. E ninguém tem dúvidas de que esta é uma das circunstâncias em que tal ocorre, em que tal está claramente demonstrado.
Uma revisão cirúrgica, Sr.as e Srs. Deputados, uma revisão para garantir esta consulta popular - eis a nossa determinação! Faremos tudo para garantir que os cidadãos sejam ouvidos, respondendo a uma pergunta clara e inequívoca, sendo as democracias portuguesa e europeia as beneficiárias de uma decisão como esta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares. O tempo é-lhe cedido por Os Verdes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, deixou por responder algumas questões muito importantes e uma parte da sua intervenção deixou aqui muitas dúvidas, pelo menos à nossa bancada.
A primeira dúvida é a seguinte: se os senhores entendem que não devem pronunciar-se sobre a data do referendo, alegando que essa é uma decisão do Sr. Presidente da República, e é, por que é que propõem que se levante a proibição da sua realização simultânea com eleições de qualquer tipo, neste caso, como propõem, com eleições autárquicas?
Se os senhores dizem que os cidadãos sabem distinguir os dois actos, então por que é que

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o Partido Socialista, quando o PSD propôs que se fizesse o mesmo aquando das eleições europeias - e nesse caso até se poderia dizer que existia uma conexão temática maior - não o aceitou?
Em segundo lugar, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, não compreendi a sua intervenção na parte em que disse que o Parlamento é que tem a última palavra sobre a matéria. Quer isso dizer que o Partido Socialista está a preparar-se para não tirar todas as consequências do resultado do referendo, se ele vier a realizar-se?
Reformulo a pergunta colocando-a de uma forma mais directa: é ou não verdade que ao não no referendo tem corresponder o não ao Tratado da União Europeia?

Vozes do PCP: - Muito Bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Essa é que é a questão fundamental!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, se ouviu com atenção a minha intervenção, apercebeu-se certamente que dei uma resposta claríssima à sua última questão: este Parlamento decidirá tendo em conta aquela que for a vontade expressa pelos cidadãos no referendo.
Sucede, porém, Sr. Deputado Bernardino Soares, que é preciso clarificar as coisas em termos de funcionamento das instituições: neste caso, é o Parlamento que tem a última palavra, mas este grupo parlamentar torna claro, desde já, que respeitará inequivocamente aquela que for a vontade dos cidadãos expressa em referendo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à data, Sr. Deputado, não há quaisquer dúvidas de que cabe ao Sr. Presidente definir a data, mas desde já lhe digo que este grupo parlamentar viu com muito bons olhos a sugestão do Sr. Primeiro-Ministro, feita no discurso da sua tomada de posse, da coincidência de datas da realização das eleições autárquicas e desta consulta popular. Vemos isso com agrado. E mais: vendo isso com agrado, não mudámos de opinião, Sr. Deputado. Vai ver que não mudámos.
Relativamente a esta questão, importa, pois, dizer muito claramente o seguinte: entendemos positivo haver uma coincidência de datas.
Sr. Deputado, não mudámos de posição. Dentro de algumas horas terá oportunidade de o verificar. Mas há um princípio que defendemos de forma clara: entendemos que não deve haver referendos coincidentes com eleições de âmbito nacional.

Risos do Deputado do PCP Honório Novo.

Sr. Deputado, não se ria!
Esse é o nosso entendimento, e por uma razão simples: na história constitucional europeia, que o Sr. Deputado bem conhece, a salvaguarda que, em determinados momentos, foi necessário fazer relativamente a esta coincidência teve a ver, sim, com consultas referendárias coincidentes com eleições de âmbito nacional.
Durante todo o século XIX - o Sr. Deputado sabe-o bem -, muitos regimes autoritários utilizaram eleições nacionais para introduzir o método plebiscitário. E esse método, que nós recusamos, tem de ficar vedado na nossa Constituição!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período regimental de votações.
Sublinho que o que será votado é um texto de substituição, apresentado pelo Presidente da Assembleia da República, da parte resolutiva dos projectos de resolução n.os 5/X, apresentado pelo PSD, e 12/X, apresentado pelo PS - Assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária pela Assembleia da República.
Antes, porém, vamos, proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

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Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 194 presenças, mas a Mesa regista 203, porque há Deputados que, não tendo consigo o respectivo cartão, comunicaram à Mesa a sua presença, que foi registada.
Temos, pois, quórum para proceder à votação.
Vamos votar o texto substitutivo da parte resolutiva dos projectos de resolução n.os 5/X (PSD) e 12/X (PS) - Assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária pela Assembleia da República (Presidente da AR).

Submetido à votação, obteve a maioria de quatro quintos necessária, tendo-se registado unanimidade.

Segue-se a apreciação de um recurso, apresentado pelo Partido Ecologista "Os Verdes", da decisão da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares relativa à distribuição de lugares dos dois Deputados daquele partido no Hemiciclo.
Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, dispondo de 3 minutos.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaríamos de começar por dar uma breve explicação relativamente ao recurso que apresentámos: não se trata de uma disputa de lugares mas, sim, de uma questão política relevante, reveladora da atitude que a maioria absoluta do Partido Socialista está empenhada em ter com os outros grupos parlamentares, designadamente com os que se posicionam à sua esquerda.
Esta decisão relativa à distribuição dos lugares no Hemiciclo é contrária a um princípio assumido pelo próprio Partido Socialista em 1999, quando propôs que Os Verdes se sentassem na sua bancada. Qual será, então, agora, a diferença? A diferença é que, na altura, o PS não tinha uma maioria absoluta, enquanto hoje a tem. Consequente e inexplicavelmente, tem também um comportamento diferente, violando ainda o princípio estabelecido na Assembleia da República de que todos os grupos parlamentares têm direito a, pelo menos, um lugar na fila da frente do Hemiciclo. Os Deputados do PS fizeram tábua rasa das regras da Assembleia da República e impuseram as suas próprias regras, a sua própria vontade!
Os Verdes consideram que os lugares no Hemiciclo, designadamente na primeira fila, devem reflectir a nova composição do Parlamento, por isso fizemos uma proposta concreta nesse sentido. E não há dúvida de que, neste momento, os Deputados que se sentam nas bancadas à esquerda são em número superior àqueles que se sentam nas bancadas à direita, composição essa que se deverá reflectir em termos de ocupação da primeira fila.
O PS queria os sete lugares da fila da frente, os outros que se arrumassem como entendessem! Entretanto, o líder da bancada do PS disse a Os Verdes que considerava, contudo, que um grupo parlamentar, a partir do momento em que estivesse constituído, deveria ter direito a um lugar na primeira fila. Ouvimos outros dirigentes do PS, designadamente da direcção da sua bancada, referir inclusive que talvez fosse oportuno que os grupos parlamentares à sua esquerda se apertassem de forma a que seis Deputados ocupassem cinco lugares.
Entretanto, já sem mais argumentos, o PS referia que os grupos parlamentares que concorreram na coligação CDU deveriam dividir os lugares entre si. Pois bem, os grupos parlamentares que concorreram na CDU tinham direito, na passada Legislatura, a quatro lugares na fila da frente. Neste momento, um deles ficou reduzido a três lugares nessa fila e o PS empurrou o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes" para trás, propondo, por exemplo, inexplicavelmente, que o Grupo Parlamentar do CDS-PP, que viu reduzido o respectivo número de Deputados eleitos, mantivesse os seus cinco lugares na fila da frente.

Protestos do CDS-PP.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, trata-se de uma questão de atitude política do PS, neste primeiro teste à sua maioria absoluta, na sua relação com os outros grupos parlamentares,…

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Inacreditável!

A Oradora: - … um primeiro tique preocupante da maioria absoluta do PS.
Com certeza que a maioria decide, mas também me lembro de um socialista ter afirmado que existe o direito à indignação.

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O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - Pois é isso que, hoje, Os Verdes vieram manifestar neste Plenário!
Queremos aqui referir que se os lugares atribuídos ao Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes" forem os determinados na Conferência de Líderes estaremos sob protesto durante toda a Legislatura, das formas que entendermos, nos momentos que entendermos, porque nos assiste o direito ao protesto e à indignação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, mais à frente ou mais atrás, a voz ecologista neste Parlamento continuará firme nos seus propósitos e na sua acção. E o Partido Socialista continuará a ouvi-la!

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrada, neste momento, a eleição que tem estado a decorrer para os membros do Conselho Superior de Defesa Nacional e da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Encerradas as urnas, peço aos Srs. Deputados escrutinadores o favor de iniciarem a respectiva contagem.
De seguida, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares, dispondo de 3 minutos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, este recurso apresentado por Os Verdes não tem a ver com uma mera questão simbólica de aquele grupo parlamentar ter ou não lugar na primeira fila. Trata-se de uma questão com profundo significado político: a de se cumprir ou não o princípio de que todas as opções partidárias e todos os grupos parlamentares têm, nesta Câmara, acesso à primeira fila, como acontece há largos anos nesta Assembleia, sem que isso até hoje tenha sido posto em causa. Esse acesso tem um significado de visibilidade política e de diferenciação partidária, algo que a decisão proposta e aprovada pelo PS inviabilizou em relação ao Partido Ecologista "Os Verdes".
É manifesta a desproporção entre o que se passa nas bancadas da esquerda e o que se passa na bancada do CDS-PP, que mantém cinco lugares na primeira fila, havendo também neste caso uma atitude de discriminação política em relação ao Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes".
O PS tem todo o direito de defender a manutenção e até o alargamento dos seus lugares na primeira fila. Porém, poderia ter aceite uma solução que consensualizasse este problema ao ter aceite a sensata proposta conciliatória, apresentada pelo Partido Ecologista "Os Verdes", de crescer para o outro lado das bancadas, procurando, assim, encontrar lugar para todos os grupos parlamentares na fila da frente. Mas podia até ter aceite a própria proposta do PS apresentada em 1999: pois não foi o PS que, em 1999, propôs que o Partido Ecologista "Os Verdes" se sentasse no extremo da sua bancada da frente?!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Foi!

O Orador: - Foi o PS! Então, o que é que mudou de 1999 para 2005? A diferença está em ter-se registado, na altura, um empate entre a maioria do PS e a oposição e haver, agora, uma maioria absoluta, que já se vê como vai ser exercida.
Devo dizer que o mais chocante em todo este processo foi o cinismo político com que o mesmo foi tratado.

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Muito bem!

O Orador: - É que, até à última hora, o PS só dizia "nós temos estes lugares, os outros que se arrumem como entenderem!", abdicando de assumir as suas responsabilidades na formatação das presenças no Plenário da Assembleia da República.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, um antigo líder do PS disse uma vez, nesta Câmara, para um então líder do PSD recém eleito, num debate em que participava o Primeiro-Ministro de então, que não havia segundas oportunidades para uma primeira boa impressão. E nós, que ouvimos tantas declarações sobre a forma diferente e democrática como esta maioria

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absoluta iria exercer o seu mandato, já vimos que o PS não vai fazê-lo como prometeu. Perdeu a oportunidade, e não terá uma segunda, para deixar uma boa impressão da sua maioria absoluta e da forma como a vai exercer.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, reflectindo os resultados eleitorais de maioria absoluta do PS, era natural que este grupo parlamentar ocupasse 13 dos 24 lugares da fila da frente.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Por que não fizeram essa proposta?

O Orador: - Não é isso o que o PS quer. O PS quer manter a boa tradição parlamentar, por isso propôs que se mantivesse a configuração actual do Plenário.
Houve, nesta Casa, partidos políticos que concorreram a eleições - por exemplo, a UEDS e a ASDI - e que não tiveram lugar na fila da frente do Hemiciclo.

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

Gostaria de lembrar à CDU, neste caso ao PCP e a Os Verdes, que os portugueses votaram não no Partido Ecologista "Os Verdes", não no PCP mas, sim, na CDU, e a CDU tem os seus lugares na fila da frente.

Aplausos do PS.

Protestos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - Além disso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Sr. Deputado Bernardino Soares invocou aqui o passado, mas não invocou tudo. É que, em 1999, o PCP fez um acordo com os restantes partidos parlamentares - CDS-PP, PSD e PS - para sentar o Bloco de Esquerda e Os Verdes na quarta fila. Isso não aconteceu, mas os senhores tinham dado esse acordo. É a vossa má consciência que faz a invocação destes problemas!

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Por acaso não é verdade!

O Orador: - Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Partido Socialista continua a acompanhar a proposta votada na Conferência de Líderes, a qual mantém a actual arrumação parlamentar.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Arrogantes e prepotentes!

O Orador: - O PS continua também a acompanhar a proposta do Sr. Presidente, que, na impossibilidade de a coligação CDU se entender entre si - está envolvida na mais viva discórdia por causa dos lugares -, se sentiu obrigado a apresentar uma proposta que visa sentar nas segunda e terceira filas os dois Deputados de Os Verdes. Consideramo-la uma proposta generosa, porque se fizéssemos reverter a percentagem dos resultados eleitorais para o posicionamento dos Deputados nesta Sala havia um único partido que nunca teria assento nos 24 lugares da frente: o Partido Ecologista "Os Verdes".

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Daí a vossa proposta!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Bernardino Soares, pede a palavra para que efeito?

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa no sentido de dar um brevíssimo esclarecimento em relação a esta intervenção do Sr. Deputado José Junqueiro. Aliás, trata-se de um esclarecimento que já dei na Conferência de Líderes, como o Sr. Presidente bem sabe.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, em 1999 o PCP opôs-se a que fosse diminuída em um lugar a sua presença na fila da frente e, então, o Partido Socialista propôs que Os Verdes se sentassem na sua bancada. Foi isso o que se passou e é isso que deve ficar registado.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não vejo bem o que configurou a interpelação, mas fica registada a sua posição.
Para uma intervenção, tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Como é evidente e como ficou claro com as intervenções que antecederam a minha, esta é uma guerra que não diz respeito ao Partido Social Democrata.

Risos.

Mas, com toda a franqueza, Sr. Presidente, permita-me que lhe diga, já diz respeito ao Partido Social Democrata a atitude desrespeitosa que os Deputados do Partido Ecologista "Os Verdes" tomaram ao sentarem-se nas escadas.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - No corredor!

O Orador: - Isso é não só um desafio à autoridade da Mesa, à autoridade do Sr. Presidente, como um desrespeito por esta Câmara.
Em nome do Partido Social Democrata, Sr. Presidente, quero pedir-lhe, com toda a veemência, que não volte a permitir que tal ocorra no Hemiciclo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, no passado, já tiveram lugar nesta Casa greves de fome e não podemos permitir atitudes de desrespeito como esta, a de Deputados se sentarem onde bem entendem, neste caso concreto nas escadas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Eles estão nas cadeiras!

O Orador: - Quanto ao conteúdo do recurso, é evidente, Sr. Presidente, que mantemos integralmente a posição que manifestámos na Conferência de Líderes. Consideramos que a deliberação que o Sr. Presidente aí tomou é uma decisão correcta, acertada, e não reconhecemos qualquer direito ao Partido Ecologista "Os Verdes" para optar por uma posição diferente daquela que lhe foi conferida pelo Sr. Presidente.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Claro!…

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que grande confusão vai, aparentemente, na esquerda portuguesa!
Estava aqui sentado a tentar perceber este assunto e reparei que, a certa altura, tínhamos várias bancadas parlamentares e um corredor parlamentar, ou seja, um grupo parlamentar que

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0216 | I Série - Número 006 | 08 de Abril de 2005

 

já não é propriamente uma bancada mas um corredor, o que, obviamente, não transforma Os Verdes em políticos de corredor.
De resto, não é a primeira vez que isto acontece! Lembro-me de, no início de uma legislatura, termos visto os Deputados do Bloco de Esquerda a não se sentarem e de estarem mais ao menos "ao colo" da comunicação social, o que também não é surpresa nem novidade para ninguém.

Risos do CDS-PP.

Parece-me que esta discussão é muito interessante. Acompanhamos, com enlevo e apreço, a discussão que se gera na esquerda portuguesa, que está um pouco desorganizada. Como à esquerda há muitos partidos não conseguem entender-se sobre os lugares onde se sentam … Apesar de tudo, no centro-direita só há dois, pelo que tudo é mais tranquilo: cada um senta-se no sítio onde sempre se sentou.
Srs. Deputados, deixem o CDS-PP fora dessa discussão! O CDS-PP senta-se onde sempre se sentou!

Protestos de Os Verdes e do PCP.

Com mais ou com menos Deputados, o CDS-PP senta-se aqui, que foi onde sempre se sentou, e sente-se tranquilo. Portanto, meus amigos, façam o favor de se organizarem e de deixarem o CDS-PP perfeitamente descansado.
A única coisa com que concordo nas observações da esquerda e da extrema-esquerda é com a crítica à arrogância da maioria absoluta. Essa tocou-me, sentia-a e partilho-a.

Risos do PS.

Mas, apesar de partilhar essas críticas do Sr. Deputado Bernardino Soares e de outros quanto à já tão evidente arrogância da maioria absoluta, não deixaria de dizer tranquilamente, Sr. Presidente, em nome do CDS-PP, que nos revemos na posição de V. Ex.ª sobre esta matéria e que esta discussão tem muito pouco a ver connosco.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Pudera! Perderam votos e continuam a ter cinco Deputados sentados na primeira fila!

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, vamos votar o recurso, apresentado por Os Verdes, da decisão da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares relativa à distribuição de lugares dos Deputados daquele partido na Sala das Sessões.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor de Os Verdes, do PCP e do BE.

Tendo o recurso sido rejeitado, peço aos Deputados do Partido Ecologista "Os Verdes" que acatem esta deliberação do Plenário da Assembleia da República.
Srs. Deputados, os nosso trabalhos de hoje estão concluídos. Amanhã, sexta-feira, não reuniremos, uma vez que tem lugar o Congresso do Partido Social Democrata, que todos saudamos, fazendo votos de um excelente trabalho político.
Voltaremos a reunir na próxima quarta-feira, dia 13, às 15 horas. A sessão terá um período de antes da ordem do dia e na ordem do dia procedermos ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do BE, sobre contratação colectiva.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Carlos Cardoso Lage

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0217 | I Série - Número 006 | 08 de Abril de 2005

 

José Carlos Correia Mota de Andrade
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Luís Gomes Vaz
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

Partido Social Democrata (PSD):
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Melchior Ribeiro Pereira Moreira

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina

Partido Social Democrata (PSD):
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José Manuel Pereira da Costa
Nuno Albuquerque Morais Sarmento

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Paulo Sacadura Cabral Portas

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