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0013 | I Série - Número 014 | 20 de Outubro de 2006

 

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Se for às 11 semanas já não é retrógrada?

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tanto quanto foi possível aos antropólogos remontar no tempo, sempre se registou em todas as sociedades, desde as mais primitivas às actuais, a prática da IVG.
Os retrocessos e os progressos na forma como as sociedades têm encarado a prática do aborto estão indissoluvelmente ligados aos retrocessos e aos progressos da condição feminina.
Hoje, está definitivamente assente que o problema do aborto tem de ser encarado como um problema de saúde pública e, ainda, como uma questão interligada com direitos fundamentais da mulher e com a política criminal. Veja-se, nomeadamente, o relatório da Organização Mundial de Saúde sobre a situação do aborto no mundo, publicado em 2004.
A luta das mulheres pelo direito ao domínio da sua sexualidade, pelo controle dos nascimentos, é uma luta secular que tem passado por perseguições penais que se prolongam no nosso país até aos dias de hoje.
Trata-se de uma luta de séculos, porque de séculos é a luta pela igualdade, a luta pela dignidade do sexo feminino, a luta pela afirmação de que a mulher é um ser humano racional, parte integrante da espécie humana e, como tal, dotada de capacidade para tomar decisões responsáveis em relação à sua saúde reprodutiva.
O que sempre se quis disfarçar e mesmo esconder por debaixo da violência do aborto clandestino foi o preconceito contra a mulher.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso é que o argumento da protecção da vida humana intra-uterina é um argumento de violenta hipocrisia, porque se sabe, de um saber de séculos, que não se protege o embrião nem o feto com a criminalização da mulher, nada restando na argumentação pró-criminalização a não ser esse tal preconceito anti-feminino.
Se a mulher tem o domínio da vida abrindo as portas ao conhecimento (e não é por acaso que na Idade Média já o fruto maçã tinha esse símbolo, significando conhecimento), então houve que reduzi-la a um útero: "Tota muliere in utero", segundo S. Tomás de Aquino, ou, segundo Bonaparte, "A mulher não é senão um ventre", como muito bem o refere Simone de Beauvoir em O Segundo Sexo. E foi por isso que se encarceraram mulheres como Margaret Sanger e Mary Stoppes, apenas por divulgarem o planeamento familiar e o controlo dos nascimentos.
É por isso que se cerceia às mulheres o direito de opção; é por isso que o Estado se arroga o direito a invadir a sua privacidade, expondo a sua intimidade na barra do tribunal e na praça pública; é por isso, porque persiste o preconceito de que a mulher não é capaz de tomar decisões responsáveis, que se age como se o Estado fosse dono da sua fecundidade.
É por isso mesmo que se devassa a privacidade das mulheres em processos referendários, para perguntar aos outros se as mulheres têm capacidade para tomar decisões, se as mulheres têm direito à saúde reprodutiva; para perguntar aos outros se o Estado, em nome de metafísicas concepções de apenas uma parte uma parte da sociedade, deve invadir a privacidade dos quartos de dormir e ordenar às mulheres que tenham filhos não desejados nem planeados, contra o seu direito à maternidade consciente.
Depois de tantos séculos de luta, depois dos extraordinários avanços da década de 60, depois das várias conferências internacionais das Nações Unidas sobre a mulher, nomeadamente depois da Conferência de Beijing, que apelou ao fim da perseguição penal das mulheres que abortassem e que denunciou as graves consequências do aborto inseguro, em Portugal, por força da maioria absoluta do PS, ainda se convoca a praça pública para perguntar se a mulher que aborta é ou não uma criminosa, para perguntar se as mulheres portuguesas devem ou não - as mais afortunadas - dirigir-se ao estrangeiro, para interromper a gravidez em segurança, e se as outras, as pobres, que são muitas nos dois milhões de pobres, ou as que estão um pouco acima do limiar de pobreza, que são também muitas, têm de remeter-se às agulhas de tricotar, ao vão de escada, à clandestinidade de uma porta que se abre desconfiadamente, por detrás da qual se sente o sofrimento das mulheres que tomaram decisões difíceis, mas morais, como as decisões assentes na sobrevivência da própria família.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - As mulheres, perante o Partido Socialista, têm fraco poder negocial, Srs. Deputados! Foram sujeitas a um referendo em 1998, depois de estar aprovado, na generalidade, um projecto de lei.
Mulheres sentaram-se, entretanto, no banco dos réus e sofreram devassas. Mulheres foram mesmo compelidas a pagar prestações a instituições escolhidas pelo tribunal,…

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