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0007 | I Série - Número 014 | 20 de Outubro de 2006

 

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez diz respeito a um problema de política criminal do Estado democrático, um problema que cabe ao legislador democrático decidir, mas relativamente ao qual, e dadas as vicissitudes conhecidas, se considerou que a decisão da Assembleia da República, a concretizar na lei penal, deveria ser precedida de uma consulta directa aos cidadãos sobre o sentido essencial dessa alteração legislativa.
Por demasiadas vezes esta questão tem sido distorcida e, em não menos ocasiões, procura-se deixar sub-repticiamente a impressão de que aquilo que se coloca à apreciação e decisão dos cidadãos é algo completamente diferente.
No entanto, a pergunta que agora, tal como o fizemos no passado, pretendemos colocar a referendo nacional é muito clara e não pode, nem deve, deixar lugar a quaisquer dúvidas.
Aquilo que perguntamos é, tão-só, se "concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"
Não se trata, portanto, de qualquer discussão complexa e interminável sobre o sentido da vida, sobre o início da vida humana, sobre a natureza da vida intra-uterina ou sobre a existência ou inexistência, a propósito, de pretensos ou reais conflitos entre direitos humanos e direitos fundamentais.
Sobre cada uma destas questões, todas respeitáveis e dignas de discussão, cada um de nós já formou, ou virá a formar, as suas próprias dúvidas ou convicções e as suas próprias opiniões ou sentimentos pessoais de natureza moral, filosófica, religiosa ou política. Esse é um problema de cada pessoa ou de cada grupo particular, constituindo uma zona de reserva íntima ou de convicção pessoal, que o Estado de direito democrático não deve invadir.

Aplausos do PS.

Não cabe ao Estado democrático aderir, professar ou defender, a propósito, uma singular ou particular concepção moral, filosófica ou religiosa. Nem, consequentemente, cabe ao Estado democrático inquirir os cidadãos sobre as concepções que cada um sustenta nesse domínio. Portanto, e definitivamente, por mais que alguns pretendam continuar a confundir, manipular e distorcer o que está em causa neste referendo, que fique claro que não é de nada disto que se trata.
Do que se trata, sim, e o que está em causa é uma outra questão sobre a qual o Estado democrático tem a obrigação de decidir e de se responsabilizar. E essa outra questão é a da política criminal que pretende seguir, ou seja, e em primeira linha, um problema de Código Penal e um problema de previsão e definição de crimes e de penas.
O que sucede é que as normas penais em vigor consideram que, salvo algumas excepções já previstas, uma mulher que interrompa voluntariamente uma gravidez até às 10 semanas num estabelecimento hospitalar está a cometer um crime e, como tal, deve ser perseguida, condenada e, eventualmente, enviada para a prisão.
Ora, esta é, no século XXI e na Europa, uma política criminal que não pode deixar de ser considerada injusta, cruel, retrógrada e irracional.

Aplausos do PS.

Cada um de nós, cada grupo, cada igreja, pode ter, relativamente à possibilidade da interrupção voluntária da gravidez, uma posição de absoluta rejeição; cada um de nós pode ter, a propósito, a sua própria convicção e tem o direito de professar tal convicção com inteira liberdade e como algo de absolutamente decisivo na sua vida ou na sua forma de ver o mundo. Mais: tem o direito, numa sociedade livre e aberta como é a nossa, de publicitar essa posição, de a proclamar e de a defender. Essa posição merece de cada um de nós todo o respeito e deve merecer do Estado democrático toda a protecção.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Coisa diferente é que essa pessoa, esse grupo ou essa igreja pretendam que outro alguém que não professe as suas mesmas ideias ou que outro alguém que, inevitavelmente por razões sempre ponderosas, tenha decidido interromper voluntariamente a gravidez nas primeiras 10 semanas e em estabelecimento autorizado deva ser perseguida, condenada e enviada para a prisão por o ter feito.

Aplausos do PS.

Mais: não tem sobretudo o direito nem pode pretender que o Estado democrático, através do Código Penal, se coloque ao seu lado e ao lado das suas convicções pessoais para perseguir, condenar e enviar para a prisão alguém que, por pensar de outro modo ou por ter sido forçada a tal, interrompa a gravidez nessas circunstâncias.

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