O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

Sábado, 9 de Dezembro de 2006 I Série — Número 25

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE DEZEMBRO DE 2006

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia (1.ª parte).— Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 107/X.
A Assembleia procedeu ao debate «Os Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres», no qual intervieram os Srs. Deputados Mendes Bota (PSD), Sónia Fertuzinhos (PS), Bernardino Soares (PCP), Teresa Caeiro (CDS-PP), Helena Pinto (BE) e Heloísa Apolónia (Os Verdes) e, ainda, o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Jorge Lacão).
Antes da ordem do dia (2.ª parte).— Em declaração política, o Sr. Deputado António Filipe (PCP) corroborou a preocupação manifestada pelo ex-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Almirante Mendes Cabeçadas, em carta enviada ao Ministro da Defesa, dando conta do descontentamento e mal-estar que algumas medidas do Governo têm causado no meio militar, e criticou a posição assumida pela Governadora Civil de Lisboa perante a eventualidade de que teria lugar uma manifestação de militares. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Rebelo (CDS-PP), Luís Fazenda (BE), Henrique Rocha de Freitas (PSD) e Marques Júnior (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Strecht (PS) saudou o Governo e os parceiros sociais pelos acordos de concertação social alcançados relativos à reforma da segurança social e à fixação e evolução do valor do salário mínimo nacional, tendo respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Francisco Lopes (PCP).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Emídio Guerreiro (PSD) teceu diversas críticas à política de educação prosseguida pelo Governo, nomeadamente à atitude manifestada pela Ministra da Educação perante sentenças de tribunais que concluíram pela ilegalidade da decisão do Ministério de permitir a repetição de alguns exames nacionais de Química e de Física do 12.º ano.
O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), também em declaração política, criticou o executivo da Câmara Municipal de Lisboa pela criação de salas de injecção assistida em Lisboa e, no fim, respondeu ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Vitalino Canas (PS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE) chamou a atenção para o facto de não ter sido possível a realização de uma reunião informal da delegação oficial de Eurodeputados, que tem por missão a investigação dos voos da CIA no espaço aéreo da União Europeia, com parlamentares nacionais na Assembleia da República e reprovou a atitude do Governo e dos ministros dos negócios estrangeiros dos governos da altura em não contribuírem para a investigação. Respondeu, depois, aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Vera Jardim (PS) e Jorge Machado (PCP).
Ordem do dia.— Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 104/X — Determina a prorrogação da vigência das medidas aprovadas pela Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, até 31 de Dezembro de 2007, que foi aprovada. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Pública (João Figueiredo), os Srs. Deputados Arménio Santos (PSD), Diogo Feio (CDS-PP), Jorge Machado (PCP), Maria José

Página 2

I SÉRIE — NÚMERO 25

2

Gambôa (PS), Mariana Aiveca (BE) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
Foi também debatida, na generalidade, e aprovada a proposta de lei n.º 105/X — Altera a contribuição dos beneficiários dos subsistemas de saúde da Administração Pública, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr.
Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento (Emanuel Augusto Santos), os Srs. Deputados Pedro Mota Soares (CDS-PP), Mariana Aiveca (BE), Adão Silva (PSD), Miguel Laranjeiro (PS), Jorge Machado (PCP) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
Foi, ainda, discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 100/X — Prorroga por três anos o prazo de vigência das medidas preventivas de ocupação do solo no local previsto para a instalação da estação de radar secundário da serra do Marão e na área circundante, estabelecidas pelo Decreto n.º 50/2003, de 27 de Outubro, que foi aprovada, tendo intervindo o Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações (Paulo Campos).
Em votação final global, mereceu aprovação o texto final, apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, relativo à proposta de lei n.º 80/X — Aprova a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, tendo proferido declarações de voto os Srs. Deputados Ribeiro Cristóvão (PSD), Luís Fazenda (BE), Fernando Cabral (PS), Abel Baptista (CDS-PP) e Miguel Tiago (PCP).
Foi dado conta da apresentação do projecto de resolução n.º 162/X — Viagem do Presidente da República à Índia (Presidente da AR).
A Câmara aprovou, ainda, três pareceres da Comissão de Ética autorizando o Sr. Presidente e duas Deputadas do PS e do PSD a deporem por escrito em tribunal na qualidade de testemunhas.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

Página 3

9 DE DEZEMBRO DE 2006

3

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Pereira Ribeiro
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Lúcio Maia Ferreira

Página 4

I SÉRIE — NÚMERO 25

4

Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gambôa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro

Página 5

9 DE DEZEMBRO DE 2006

5

Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Irene Martins Baptista Silva
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Eugénio Óscar Garcia da Rosa
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Página 6

I SÉRIE — NÚMERO 25

6

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de lei n.º 107/X — Cria um regime de mediação penal, em execução do artigo 10.º da Decisão-Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia de hoje tem uma primeira parte que é dedicada ao debate do tema «Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres».
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, ao subir a esta tribuna, num momento que assinala o empenhamento da Assembleia da República no combate à violência sobre as mulheres, incluindo a violência doméstica e que marca a adesão à campanha do Conselho da Europa, na sua vertente parlamentar, entre a solenidade e o coração, opto por libertar esta amálgama de palavras e de sentimentos de um homem que nunca levantou a mão para agredir uma mulher mas, ao dizê-lo sem presunção de casto ou santidade, tem de confessar uma longa indiferença perante os sinais exteriores de um fenómeno que há muito tempo, há muitos séculos, enferma a sociedade paternalista e masculinizada em que temos vivido.
Não vos falarei de estatísticas, que outros delas seguramente falarão, do número de vítimas e de queixas, de abrigos e de centros de acolhimento.
Não vos falarei das mil definições técnicas desta chaga social.
Já vai emergindo em força o conhecimento do calvário do assédio sexual, dos insultos, da humilhação, dos golpes, das violações e dos assassínios, situações agravadas nos casos das mulheres imigrantes, ilegais, traficadas e prostituídas à força.
Compreende-se hoje melhor o ciclo da violência conjugal, que vai do fascínio à tragédia. As suas consequências físicas, mentais e sociais, sobre as mulheres e os seus filhos, testemunhas silenciosas de memória eterna.
Os ciúmes, o isolamento da mulher em relação à família e aos amigos. A primeira vez. Um homem que bate uma vez bate sempre. A reincidência. O perdão. A promessa. A reincidência. O hábito da violência tornado padrão. O ciclo tornado num círculo vicioso. Mulher em perigo. Saída precisa-se. Informação impõe-se.
Neste dia de respeito parlamentar pela temática da violência doméstica que se abate sobre as mulheres, dirijo-me, sobretudo, aos homens do meu país.
A primeira reacção de muitos deles, provavelmente de muitos dos parlamentares desta Câmara, ao constatar o lema da campanha, é a de perguntar: «Então? E a violência sobre os homens não existe também? E disso não falam?» É verdade, a violência física ou psicológica sobre homens também existe, mas todos os estudos apontam no sentido de permanecer um fenómeno bastante minoritário.
Por outro lado, a violência sobre as mulheres tipifica, historicamente, uma relação de dominância de um sexo sobre o outro, baseada numa repartição desigual de poder entre homens e mulheres. É um legado de uma sociedade patriarcal que serviu para discriminar as mulheres e para prevenir a emergência das suas capacidades em pé de igualdade com os homens, muitas vezes para controlar e instrumentalizar a sua capacidade reprodutiva e sexual.
E é porque a sociedade actual ainda tende a aceitar, ou a ser permissiva, para com este conceito de dominação, que importa focalizar a questão da violência doméstica no seu alvo principal, ou seja, as mulheres.

Página 7

9 DE DEZEMBRO DE 2006

7

Aplausos do PSD.

Importa sublinhar que o papel dos Parlamentos nacionais nesta campanha do Conselho da Europa não é o de se substituir às instituições nacionais ou às ONG (Organizações não governamentais). Devem ater-se ao seu papel de legisladores por excelência, de monitorização política da aplicação das leis e dos recursos existentes, de procurar valorizar a componente da defesa dos direitos humanos e procurar temas concretos por explorar e debater, de forma complementar e nunca concorrencial com as campanhas nacionais em curso.
A nossa atitude, como parlamentares, tem de ser inequívoca na condenação deste crime, qualquer que seja o seu formato, e na investigação do tratamento das queixas e do motivo de uma taxa tão baixa de julgamentos e de condenações.
E, como legisladores orçamentais, deve ser nossa preocupação, também, assegurar os meios necessários aos investimentos, ao funcionamento e à implementação de medidas no quadro do Plano Nacional contra a Violência Doméstica. Para esta missão muito contribuirá a constituição do grupo de trabalho «violência doméstica», esta manhã mesmo deliberado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — A sua primeira tarefa será a de consensualizar, entre todos os grupos parlamentares, um projecto de resolução, a ser aprovado numa das próximas sessões, que contenha o compromisso solene dos parlamentares portugueses no combate à violência doméstica sobre as mulheres.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD esteve desde sempre na primeira linha deste combate. No governo, dando continuidade a um trabalho que vinha de trás e lançando e implementando o II Plano Nacional contra a Violência Doméstica, ainda em curso, e muito bem. Hoje, na oposição, ao lado de todos quantos fazem desta luta, também, um reforço da qualidade da nossa democracia.
Esta tem de ser uma campanha contra mitos, preconceitos e provérbios populares.
Não é verdade que «Entre marido e mulher não se mete a colher». A violência doméstica é um crime público e o nosso silêncio torna-nos cúmplices dele.
Não é verdade que «Quanto mais me bates mais gosto de ti».
Não é crível que os maridos se descontrolem apenas porque as mulheres os provocam.
Não é verdade que «as mulheres sofrem porque querem, senão já tinham deixado os maridos».
Não é verdade que a violência doméstica seja uma característica dos extractos sociais desfavorecidos.
Não é aconselhável que uma mulher maltratada aguente um casamento em nome de um pressuposto «bem dos filhos».
A violência contra as mulheres, atinge, em Portugal, uma dimensão preocupante que não nos pode deixar indiferentes. É uma guerra civil subterrânea, com largas dezenas de vítimas por ano, e em que cada crime começa geralmente aos gritos, mas acaba num profundo silêncio.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Daqui lançamos um apelo aos homens de Portugal para que se consciencializem dos danos que a violência doméstica causa sobre as mulheres, sobre as crianças e sobre a sociedade.
É uma violação grosseira dos direitos humanos, mesmo à nossa frente, mesmo ao nosso lado, que perturba a paz e a segurança cívica a que temos direito e mancha a democracia portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, em Portugal o combate à violência doméstica é uma prioridade política. A dimensão de género da violência doméstica é política e socialmente assumida. Hoje, em Portugal, a violência doméstica contra as mulheres é crime. Compete a todos e a todas nós denunciá-lo e dar-lhe visibilidade.
O Conselho da Europa afirmou, em 2002, que «a violência contra as mulheres é a maior causa de morte e invalidez entre mulheres dos 16 aos 44 anos».
De acordo com dados da UNICEF, de 1995, «cerca de um quarto das mulheres em todo o mundo é, em algum momento da sua vida, vítima de abusos violentos na sua própria casa».
Uma estimativa mundial refere que mais de 70% dos homicídios de mulheres são causados por parceiros num contexto de relacionamento abusivo. No nosso país estima-se que, do total de homicídios, 15% são homicídios conjugais.
Num estudo da CIDM (Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres), de 1997, que faz uma radiografia da violência doméstica em Portugal, uma em cada três mulheres tinha sido, naquele ano, vítima de

Página 8

I SÉRIE — NÚMERO 25

8

dois ou mais actos de violência doméstica, sendo que a maior parte dessa violência ocorreu no espaço doméstico.
Diariamente, Sr.as e Srs. Deputados, todos e todas nós ganhamos consciência, somos confrontados com as notícias das mulheres que morrem vítimas de violência doméstica. É perante isto que todos temos de assumir as nossas responsabilidades no combate a este problema.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A violência contra as mulheres não é um problema de hoje, mas nunca foi tão visível como é hoje.
Percorremos já um longo caminho, um caminho que devemos reconhecer muito positivo.
Passámos da cumplicidade duma tradição onde não se interferia em caso algum com o que se passava dentro da casa de cada um e cada uma, da negação e da vergonha para a crescente visibilidade, denúncia e definição de meios e instrumentos para um combate eficaz à violência doméstica contra as mulheres.
O combate à violência doméstica não divide a Assembleia da República, não divide a nossa sociedade.
Com isso, ganha a qualidade da nossa democracia, ganha a defesa e o respeito pelos mais elementares direitos humanos.
O nosso Parlamento tem, assim, todas e as melhores condições para se associar à campanha da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, sob o lema «Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres».
Em nome do Grupo Parlamentar do PS, saúdo a iniciativa, bem como a disponibilidade imediata do Sr.
Presidente da Assembleia da República na criação de todas as condições necessárias ao envolvimento do nosso Parlamento. Saúdo também o envolvimento e o trabalho do Sr. Deputado Mendes Bota na ligação do Parlamento à campanha da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. É fundamental que, cada vez mais, os homens assumam e sejam rostos visíveis no combate à violência doméstica.
Esta campanha internacional permitirá reforçar o conhecimento, a investigação e a actualização de dados sobre a violência doméstica contra as mulheres, ao mesmo tempo que tornará mais claras e conhecidas por todos as estratégias mais eficazes e imprescindíveis no combate à violência contra as mulheres.
Portugal tem seguramente muito a aprender, mas também podemos partilhar o que tem sido a evolução deste combate no nosso país.
Desde logo, o papel crucial das organizações não governamentais, sobretudo das organizações de mulheres. Foram estas ONG que colocaram o combate à violência doméstica contra as mulheres na agenda política. Foram, e são, as ONG parceiras imprescindíveis na concretização de vários instrumentos de resposta às vítimas de violência doméstica.
Em 2000, aprovámos a lei que considera os maus tratos entre cônjuges crime público. Hoje, em 2006, existem, no nosso país, 33 casas de abrigo para mulheres vítimas de violência que, em 2005, acolheram 900 mulheres e filhos. Está concluída a regulamentação dos 55 centros e gabinetes de atendimento que existem por todo o País. Está a ser criada a rede nacional de núcleos de atendimento a vítimas de violência doméstica, com uma forte intervenção e articulação entre ONG’s, rede social, autarquias e governos civis. Começam a ser desenhados os primeiros planos municipais de igualdade entre mulheres e homens. Temos contado com um envolvimento fundamental e altamente empenhado das forças de segurança, quer na criação de meios para o apoio às vítimas quer na formação específica e contínua dos e das agentes. Estamos em fase de conclusão do II Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica.
No passado dia 25 de Novembro, assistimos ao lançamento de mais uma campanha nacional de consciencialização de todos para o problema. E, no âmbito da campanha da CIDM que assinalou o dia 25 de Novembro, realizou-se, em Portugal, a primeira formação para a habilitação no tratamento dos agressores.
Não posso deixar de referir a adjudicação para a realização do estudo que actualizará a radiografia da violência doméstica em Portugal, 10 anos depois do primeiro estudo.
De igual modo, em sede de discussão da proposta do Governo para revisão do Código Penal, teremos oportunidade de melhorar e aumentar as respostas legais no combate à violência doméstica contra as mulheres.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quanto mais eficazes e activos formos no combate à violência doméstica, mais casos serão denunciados e conhecidos. A progressão dos números a que temos assistido, e julgo que vamos continuar a assistir, deve-se aos resultados da concretização das respostas legais e sociais às vítimas de violência doméstica. Quanto mais apoio e segurança sentirem as vítimas de violência doméstica, mais coragem e capacidade terão para denunciar os maus tratos de que são vítimas.
O nosso objectivo deve ser o de que todas as vítimas sintam que existe ajuda, que todos, em especial os agressores, saibam que não há desculpa para a violência. O nosso objectivo é o de que a sociedade portuguesa e internacional assuma o combate à violência contra as mulheres como um combate em que todos temos de assumir as nossas responsabilidades.
Prevenir, melhorar as respostas legais e sociais, estudar permanentemente a evolução deste problema, formar os agentes envolvidos, aumentar a consciência pública para a inadmissibilidade da violência doméstica contra as mulheres é um combate sem tréguas e é um combate de todos nós.

Vozes do PS: — Muito bem!

Página 9

9 DE DEZEMBRO DE 2006

9

A Oradora: — Construir a igualdade entre mulheres e homens em todas as dimensões da vida é a resposta mais definitiva ao que está na base de todas as formas de violência contra as mulheres. A construção dessa igualdade é dos compromissos mais fortes do Partido Socialista.
É exactamente esse o compromisso que, hoje, renovamos nesta Assembleia e perante o País.

Aplausos do PS, do PSD e do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares, igualmente para uma intervenção.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A violência doméstica é uma de entre muitas violências a que as mulheres estão sujeitas.
Hoje, assinalamos a adesão dos parlamentares portuguesas ao apelo do Conselho da Europa. Parar com a violência doméstica sobre as mulheres é o desafio que se coloca aos 46 Países-membros, através da acção integrada de todos, Estado e sociedade.
Mas, para que este combate seja eficaz, necessário se torna que se conheçam as causas e a caracterização deste fenómeno. A violência doméstica não conhece classes sociais ou fronteiras, mas a verdade é que as mulheres das classes sociais mais baixas são as mais atingidas e são as que menos recursos têm para a sua própria protecção.
A origem do fenómeno da violência radica na existência de sociedades fundadas em valores profundamente patriarcais que encaram a mulher como um ser com menos direitos e com um papel secundarizado na sociedade, no ensino, no exercício de cargos públicos, no trabalho, entre outros, facto que ainda hoje vemos em muitas das discussões que estão no auge na nossa sociedade, como a questão da interrupção voluntária da gravidez. Valores e tradições que têm a sua génese na construção e na concepção económica que sustenta a própria sociedade, o neoliberalismo que aprofunda quando não fomenta as desigualdades sociais entre homens e mulheres para que, desta forma, continue e se prossiga um caminho de redução de direitos de todos.
Mas a violência está também ligada a outros factores que são consequência directa deste último: o desemprego, a precariedade laboral, a fome, a miséria, a pobreza e outros factores psicossociais que determinam o domínio pela força em função do sexo.
O Conselho da Europa revela que um quinto a um quarto das mulheres foram vítimas de violência física pelo menos uma vez na sua vida adulta, e que mais do que um décimo foram vítimas de violência sexual.
Estima-se, ainda, que cerca de 12% a 15% das mulheres mantiveram relações, depois dos 16 anos, em que foram vítimas de violência doméstica. Muitas continuarão a ser, hoje, vítimas de violência física e sexual com antigos parceiros.
Estudos feitos revelam, ainda, que tem grande relevo a situação de dependência económica em que vive a maioria das mulheres. Mais de 40% das mulheres não auferem qualquer tipo de remuneração quando são vítimas de violência física, enquanto apenas 10% das mulheres que auferem um salário e trabalham fora de casa o são.
52,5% das mulheres portuguesas foram vítimas de actos de violência e 36,5% foram-no repetidamente.
Os dados anualmente divulgados pelo Ministério da Administração Interna confirmam o aumento sistemático das denúncias: 1080 queixas, em1999, contra 17 527, em 2003. Inicia-se o romper de silêncios, mas um caminho ainda incipiente no romper do ciclo da violência.
Foi com um projecto de lei do PCP que se deu um passo significativo na evolução do sistema jurídico português, alterando o quadro penal, ao considerar como público o crime de violência doméstica, combatendo os medos e a ineficácia de fazer depender o procedimento criminal da queixa da própria vítima.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Mas colocam-se problemas ao nível das opções políticas no combate a esta violência.
O programa que, hoje, aqui se discute tem como um dos seus corolários a adopção, por parte dos Estados, de medidas jurídicas e políticas que garantam a protecção e o apoio às vítimas.
Ora, sabendo que são precisamente as mulheres com mais baixos recursos as principais vítimas, este Governo, esta política, à imagem dos seus antecessores, não se coibiu de adoptar medidas que agravam a situação socio-económica daqueles que menos podem e menos têm, atingindo com particular gravidade as mulheres.
São tantos os exemplos desses agravamentos como as áreas que reclamam a adopção de medidas de combate à violência e à discriminação. As insustentáveis custas judiciais e a implementação de uma lei do apoio judiciário que exclui a grande maioria dos cidadãos do sistema impedem um maior recurso ao Direito e à justiça.
Quantas mulheres não dispõem do dinheiro necessário para o pagamento da taxa de justiça e ficam, assim, excluídas, pela mão do PSD e do CDS, que criaram as referidas medidas, e com a conivência do PS, que as mantém, do apoio judiciário a que deviam ter direito?

Página 10

I SÉRIE — NÚMERO 25

10

As discriminações salariais atingem hoje a diferença de 25% nos salários das mulheres e têm o seu reflexo também nas pensões, que representam cerca de 60% das pensões dos homens. Esta situação é agravada pela inaceitável reforma, que agora está a ser discutida em comissão, apresentada pelo Governo para a segurança social.
E o desemprego, que atinge maioritariamente as mulheres, fragilizando-as e votando-as a situações de maior dependência económica? E a retirada de direitos no domínio da maternidade? E a manutenção de uma lei que pune as mulheres quando se vêem forçadas a recorrer ao aborto, tratando-as como criminosas? Tudo isto é desigualdade, violência sobre as mulheres e causa de uma das mais graves violações dos direitos humanos. Todas estas medidas são tão injustas quanto inaceitáveis.
Assim, no entender do PCP, aderir a este programa de combate à violência doméstica sobre as mulheres significará, necessariamente, defender e pugnar pela tomada de medidas, por parte dos parlamentares e do Governo, que contemplem a afectação de recursos humanos e financeiros adequados à criação de uma rede pública de âmbito nacional de apoio às vítimas, à realização de campanhas de sensibilização e consciencialização e, também, à adopção de políticas de combate ao desemprego feminino, às discriminações salariais, à promoção da igualdade e da universalidade do acesso à justiça, à saúde, ao ensino e à segurança social.
A responsabilização séria do Estado na garantia de apoio às vítimas e na promoção da melhoria das condições sociais de todos os portugueses, combatendo as discriminações a que as mulheres estão sujeitas, é o único caminho verdadeiramente seguro e viável para uma vitória neste combate à violência sobre as mulheres, que é um combate que a todos deve empenhar.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, para uma intervenção.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em boa hora tomou a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa a iniciativa de apresentar, para aprovação, uma série de elementos para uma declaração solene, por ocasião da jornada de acção dos parlamentos, instando-os a unirem-se para combater a violência doméstica contra as mulheres.
A realidade da violência infligida contra o famoso «segundo sexo» é tão antiga quanto a humanidade e, na verdade, nunca tanto se discutiu. Nunca tanto se estudou este fenómeno de contornos tão amplos e tão complexos, que, no entanto, continua silencioso e silenciado.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — É certo que, quando fazemos uma simples busca no Google, introduzindo os termos «violência» e «doméstica», nos aparecem, em menos de um segundo, 16 milhões de registos só em língua inglesa e cerca de 2 milhões de registos em português — entre associações, guias de ajuda, notícias, linhas SOS, indicadores, estudos e estatísticas, depoimentos pessoais, mas também homenagens, muitas homenagens a mulheres que morreram em consequência de actos de violência praticada por pessoas que constituem o seu núcleo mais íntimo, na maioria dos casos os próprios maridos, mas também namorados, exmaridos, unidos de facto e, até, filhos.
Segundo o Conselho da Europa, a violência contra as mulheres no espaço doméstico é a maior causa de morte e invalidez entre as mulheres dos 16 aos 44 anos. Estima-se que, na Europa, uma em cada cinco mulheres é vítima, pelo menos uma vez na vida, de agressões no espaço doméstico. E não estamos, sequer, a falar da mutilação genital feminina, uma prática bárbara praticada por certas culturas subdesenvolvidas, nem dos cerca de 60 milhões de bebés do sexo feminino que não chegam a nascer por via de abortos por selecção sexual, nem dos casamentos forçados ou do apedrejamento até à morte por adultério.
Estamos a falar de situações que ocorrem no espaço de democracia e liberdade que tanto prezamos, que é a Europa. Estamos a falar de actos que vão da subtileza do isolamento da mulher dos seus familiares e amigos ou do controlo dos seus movimentos, até às agressões físicas de forma continuada e de violência extrema.
A violência doméstica acontece todos os dias, provavelmente na porta ao lado e não sabemos ou não queremos saber.
Como disse, a violência doméstica é silenciosa e silenciada, e tantas vezes invisível. É silenciosa, porque as culturas teimam em não condenar devidamente, pois, afinal, «entre marido e mulher ninguém mete a colher». Na ausência deste estigma social, esconde-se o abusador, o agressor. E é tão fácil, no recato do lar conjugal, silenciar uma mulher que perdeu a auto-estima ou que teme pela sua vida e pela vida dos seus filhos…! Afinal, a sociedade não estigmatizará mais uma mulher que deixou o marido e não valorizará muito mais uma mulher que é condescendente, submissa, que perdoa e mantém a família unida, apesar de tudo?

Página 11

9 DE DEZEMBRO DE 2006

11

A violência doméstica é também silenciosa, porque muitas vítimas não têm a percepção de que o são.
Afinal, o que são algumas explosões de fúria do pobre marido que está cansado, irritado ou bebeu demais? É uma violência tantas vezes invisível… E os insultos constantes, o rebaixamento permanente? «Mas depois ele arrepende-se», dirá a mulher. Ele pede 1000 vezes desculpa, diz que a adora, promete não repetir… e ela acredita, até à vez seguinte. Ela nem pensará que é apenas mais uma vítima do crime de violência doméstica.
Afinal, não deixou marcas visíveis, não teve necessidade de ser suturada nem, sequer, tem uma nódoa negra… Estas agressões são silenciadas, porque, apesar dos enormes avanços na criação de condições legais e logísticas para que as mulheres se protejam, ainda existe um enorme grau de relutância em assumirem que são vítimas, em fazerem valer os seus direitos. Refira-se, aliás, que 75% dos homicídios ocorrem depois de as vítimas partirem ou de tentarem afastar-se do agressor. Apesar disso, e graças a acções de campanha em associações várias, de que se destaca a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), a violência doméstica encontra-se entre os crimes mais registados a par do furto, do atropelamento e fuga, da falsificação de documentos e das ofensas à integridade física. Mas este crime fica invisível face à imensidão de notícias dos outros e as armas utilizadas são tão variadas — vão das peças de mobiliário à palavra.
A violência doméstica é silenciada, Sr.as e Srs. Deputados, porque é encarada como um assunto de mulheres e não como um problema de direitos humanos, como o problema civilizacional que é.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — Nesse sentido, quero saudar não só a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa como o Sr. Presidente da Assembleia da República por ter garantido todas as condições para que, neste Parlamento, se possam desenvolver as iniciativas necessárias para lutar contra este problema, e também o Sr. Deputado Mendes Bota não só pela intervenção tão eficaz e pertinente mas pela condição que tem assumido de coordenador desta matéria.
A violência doméstica só se torna, de facto, visível pontualmente, em certas efemérides dedicadas a uma suposta minoria frágil, como, por exemplo, no Dia da Mulher, no entanto não há desabamento de terra que não seja amplamente noticiado em todos os telejornais…! A violência doméstica contra as mulheres é o único sofrimento que afecta tanto mulheres jovens como idosas, mulheres solteiras como casadas, que trespassa todos os estratos sociais, todos os graus de educação e de formação académica, que vai da tensão psicológica ao homicídio, que atravessa todas as fronteiras do planeta e mata mais mulheres do que qualquer pandemia conhecida. Só em Portugal morreram, no ano passado, pelo menos 37 mulheres, como consequência da violência doméstica.
Martin Luther King disse que «as nossas vidas começam a acabar no dia em que ficamos silenciosos perante coisas que importam» e esse silêncio tem sido intolerável. Preocupemo-nos, Sr.as e Srs. Deputados! É a nossa Civilização que está em causa! É a igualdade de direitos que todos supostamente prezamos e que tanto se proclama que está em causa! Temos o dever de denunciar, de acusar os que abusam e agridem verbal ou fisicamente as mulheres, os que as perseguem, os que as isolam e as controlam, os que lhes retiram a capacidade de decisão, a auto-estima, as culpabilizam até pelo crime que praticam. Temos o dever de protegê-las, de apoiá-las e de unir esforços para salvaguardá-las e esclarecê-las perante este terrível crime.
Assim, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, dou as boas-vindas a este programa de combate à violência doméstica a nível europeu e à criação do grupo de trabalho, hoje de manhã, em sede da 1.ª Comissão. Esperemos que este grupo de trabalho e as demais iniciativas sirvam para desmistificar tantos atavismos sociais e culturais a que até agora temos assistido.

Aplausos do CDS-PP, do PS, do PSD e do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Todos os dias, em todo o mundo, morrem mulheres por causas associadas à violência que a discriminação de género promove.
A violência de género exige das sociedades modernas e democráticas uma acção rápida, eficaz e contundente.
Questão antiga, tão antiga como a humanidade, tem tido nos últimos anos avanços significativos na sua compreensão, no seu estudo mas, sobretudo, no patamar em que passou a ter lugar e a ser tratada.
Hoje, a violência contra as mulheres é um problema político, um problema de cidadania e um problema de direitos.
Por isso, saudamos a iniciativa do Conselho da Europa de realizar uma campanha de luta contra a violência sobre as mulheres, na qual está incluída esta sessão parlamentar.
A violência e a discriminação com base no género exigem dos Estados e também da União Europeia uma abordagem política que remeta os países para uma acção global que ultrapasse as barreiras linguísticas, culturais e, até, religiosas.

Página 12

I SÉRIE — NÚMERO 25

12

Esta sessão que hoje realizamos não pode ser meramente simbólica ou apenas um sinal de concertação.
Um dia dos Parlamentos do Conselho da Europa dedicado à violência doméstica, que, como sabemos, atinge directa e maioritariamente as mulheres de todas as idades, independentemente do seu estatuto social, nível educacional ou económico, é importante, mas tem de ter consequências políticas.
É, como vemos e sabemos, um problema europeu que exige dos e das Deputadas uma acção que tem de deixar marcas e reptos de civilidade e compromisso político. O tema é político — repito, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas! Durante décadas, organizações e movimentos sociais, principalmente movimentos feministas e de direitos humanos, trabalharam para retirar a discriminação e a violência contra as mulheres e crianças, do mundo privado das famílias e por dar voz e rosto às vítimas, ao colocar esta barbárie na esfera pública.
O nosso reconhecimento pelo seu trabalho, pelo seu papel, pela sua persistência em colocar na agenda política um tema incómodo no tempo em que ninguém falava de violência contra as mulheres é incontornável e nunca é de mais salientar.
Portugal chegou tarde ao combate à violência doméstica. Há mais de 30 anos que já se trabalhava nesta área em muitos países do mundo e particularmente da Europa, quando as primeiras experiências tiveram início no nosso país. Mas chegámos! O ano 2000 foi particularmente importante, quando esta Assembleia decidiu, por unanimidade e por agendamento do Bloco de Esquerda, que a violência contra as mulheres era um crime público. Foi um impulso decisivo! Hoje, existem leis, serviços, apoios, mecanismos e planos de acção, mas a articulação precisa de ser mais eficaz e mais célere.
Não nos podemos dar por satisfeitos. Ainda estamos longe de ganhar este combate civilizacional.
A denúncia é o único caminho que permite uma sentença condenatória, mas é também ela que nos exige medidas de protecção eficazes, que resolvam o medo, a desvantagem económica, a dependência afectiva e a demora dos processos.
É de direitos humanos que falamos e muito de direitos humanos das pessoas com menor visibilidade, inclusive nos Orçamentos do Estado, embora protagonizem crimes que fazem notícia: as pessoas que são mulheres e crianças.
No entanto, muitas mulheres e crianças não discutem a violência e a discriminação. Pelo contrário: sofrem em silêncio por não terem ninguém em quem confiar, porque lhes está vedado o espaço público ou porque as suas palavras são cultural e afectivamente desvalorizadas.
Que esta sessão parlamentar seja também o assumir do compromisso público e político da Assembleia da República em manter este tema na sua agenda; que seja o compromisso de assumir o seu papel legislativo e fiscalizador; que signifique que chamamos a nós, enquanto representantes eleitos pelo povo português, a obrigação de aperfeiçoar a legislação, acompanhar e fiscalizar o desenvolvimento dos planos nacionais e o compromisso de que, aqui, as vítimas têm voz.
O homicídio conjugal assume uma particular importância no contexto da violência doméstica, no nosso país. Morreram 37 mulheres durante este ano; 37 mulheres assassinadas pelos seus maridos ou companheiros. Muitas agressões não resultaram em morte, mas podiam ter resultado, tal foi a sua brutalidade.
Esta é a imagem mais cruel, mas arrasta, na sua sombra, inúmeras consequências, e bem profundas, na vida de milhares de pessoas, com reflexos a nível social, na saúde, nos estudos, a nível profissional e económico.
O combate à violência não é da exclusiva responsabilidade das vítimas; é tarefa de todos, das mulheres e, cada vez mais, também dos homens. É, sobretudo, um desígnio da democracia.

Aplausos do BE, do PS, do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As mulheres são muito maioritariamente vítimas da violência doméstica.
Um dia, por uma razão, se calhar já previsível ou não, um estalo ou um valente empurrão é infligido sobre a mulher, no calor da discussão. Do estalo, que deixou a mulher boquiaberta, não leva tempo a que o agressor, entre as infinitas desculpas pedidas e as promessas de que nunca mais voltará a acontecer, perceba que o poder da violência deu algum resultado, nem que seja para a sua auto-estima. Daí ao recurso regular à violência é um passo.
Na cabeça da mulher a turbulência e o medo nem deixam pensar. E, quando há filhos, a primeira preocupação será esconder essa situação, fazer tudo para que nunca se apercebam. Esconder o medo, esconder o pavor, fingir que nada aconteceu, jurar, até para si própria, que nunca mais deixará que algo parecido lhe aconteça. E, quando percebe que o acto isolado que lhe matou a dignidade passa a acto

Página 13

9 DE DEZEMBRO DE 2006

13

recorrente, o tempo até actuar será tão diferente quanto o depósito de força que tiver para ver arrastar a sua dignidade pelo chão.
Infelizmente, muitas mulheres no nosso país poderão encontrar uma parte da sua história neste curtíssimo relato.
Quantas vezes as espera a fuga, enquanto é tempo, e quantas vezes encontram nessa fuga a falta de escolhas e o abismo, para mais se viverem financeiramente dependentes dos maridos. E é tantas vezes a essa dependência financeira que se liga o suportar da situação até ao limite dos internamentos hospitalares e, às vezes, até à própria morte.
E são as mulheres as maiores vítimas do desemprego, as maiores vítimas do trabalho a tempo parcial involuntário, as mais dependentes financeiramente, o que as levará a ser vítimas por mais tempo, quando falamos de casos de agressão.
A primeira nota que Os Verdes querem deixar, neste debate, é que demoramos muito, em Portugal, a tratar dados de diagnóstico da situação.
O diagnóstico mais completo, que foi feito há cerca de 10 anos atrás, dava conta de uma realidade dramática: uma em cada três mulheres é vítima de violência doméstica continuada no nosso país. Entretanto, um relatório produzido em 2003 pela Associação de Apoio à Vítima dava conta de que, em Portugal, não existe recolha e cruzamento de informação sistematizada de dados que permitam analisar estruturalmente a evolução do crime de violência doméstica, relacionando vítimas, agressores, apoio disponível e a sua eficácia.
Outra questão prende-se com a aferição da eficácia da legislação publicada e da concretização dos planos estabelecidos. E, nesta matéria, há que reconhecer que temos andado um pouco a «passo de caracol», perante uma realidade que se quer ver eficazmente invertida.
Da Lei n.º 107/99, que estabelece a rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência e que fixou a responsabilidade do Estado de assegurar, no mínimo, uma casa de apoio em cada distrito e em cada região autónoma, sendo que nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto seriam, no mínimo, duas, temos uma realidade que nos indica que 50% do território nacional nem tão pouco está coberto por núcleos de atendimento para as vítimas.
Para além disso, as casas-abrigo em Portugal têm uma capacidade de acolhimento de vítimas que não chega às 580 camas, o que, comparado com o número de queixas de violência doméstica (perto de 18 000 por ano) e com a realidade que não formaliza a queixa, mas procura o apoio necessário, demonstra que é uma resposta muito precária. E é preocupante ver declarações de responsáveis pela implementação do Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, que consideram que a existência de uma casa-abrigo por distrito nem é relevante, porque para as vítimas até será mais benéfico sair do distrito para estar bem longe do agressor. A legitimação da fuga para a vítima é desculpabilizadora da lentidão das respostas das autoridades envolvidas e não traça um bom caminho.
Sabe-se que as queixas registadas de violência doméstica têm vindo a crescer anualmente — das 11 162, em 2000, passou-se para as 17 811, em 2005. Múltiplos factores poderão explicar este acréscimo, mas uma coisa todos sabemos: as queixas apresentadas representam apenas uma pontinha do novelo que enreda a realidade da violência no nosso país.
Outra matéria para a qual o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica se direccionava ficou muito longe da implementação de uma estratégia de acção: o envolvimento dos planos curriculares na educação para os afectos, para a igualdade e para a rejeição da violência. São estratégias de prevenção, de resultados não imediatos, mas que, no imediato, também podem ter como objectivo a consciencialização das crianças e dos jovens sobre o que se passa em muitas das suas próprias casas, como procurar apoio e como abominar a lógica da agressão, incutir até nas nossas crianças que a violência é a maior manifestação de fraqueza.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Estado pode estar dotado dos mais completos planos de combate à violência doméstica, mas se esses planos não forem dotados dos adequados meios financeiros à sua concretização, se não forem alvo de avaliação sistemática, integrada e rigorosa quanto à eficácia da sua concretização e se não forem integrados em políticas de promoção da qualidade de vida e de bem-estar das populações, o combate à violência doméstica, quer numa perspectiva de prevenção quer numa perspectiva de apoio, traduzir-se-á em pouco mais do que umas boas páginas de Diário da República e muito pouco na vida concreta das famílias.
Esta adesão, que Portugal hoje estabelece, à proposta do Conselho da Europa, de união dos parlamentares em torno do objectivo de luta contra a violência doméstica é um passo significativo, na perspectiva de Os Verdes, também para assumir mais responsabilidade de acompanhamento desta matéria, aqui, pela Assembleia da República.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Jorge Lacão): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Permitam-me que comece por saudar a

Página 14

I SÉRIE — NÚMERO 25

14

iniciativa que subjaz a «Os Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres», no contexto da campanha promovida pelo Conselho da Europa, à qual o Governo, junto da Assembleia da República, vivamente se associa.
As várias acções e medidas para combater a violência — e, em particular, a violência doméstica —, que visam alertar consciências e apontar caminhos de acção, nunca serão demais.
O Estado condena a violência doméstica em todas as suas ocorrências, independentemente do tipo de relação familiar que lhe está subjacente, independentemente de esta ser presente ou passada, independentemente de o acto violento ser praticado em casa ou em espaço público, de se repetir ou de acontecer uma única vez, independentemente de se concretizar em violência física, psicológica, sexual ou que comporte privações da liberdade. E, ao efectivar a condenação nestes termos, estabelecendo consequências penais conformes, deve ainda ser particularmente rigoroso com as situações de violência que sejam praticadas em frente a menores.
Todas estas preocupações, como se sabe, foram vertidas no novo tipo penal da violência doméstica, consagrado na proposta de lei de revisão do Código Penal, já presente nesta Assembleia.
Não posso deixar de salientar, no que toca ao proposto crime de violência doméstica, que este abrange os maus-tratos praticados quer contra cônjuges e ex-cônjuges quer contra pessoas que tenham ou tenham tido uma relação análoga à dos cônjuges, mesmo que sem coabitação. Em todos estes casos, se pode falar, com propriedade, em situações similares de violência doméstica.
A violência doméstica constitui uma forma de violência de género. Pense-se, por exemplo, no problema do tráfico de pessoas ou nas situações de mutilação genital feminina. Relativamente a esta última, ficou expressamente consagrada no crime de ofensa à integridade física grave a relevância da ofensa, quando esta seja de molde a tirar ou a afectar a capacidade de fruição sexual, dando um sinal evidente de punição agravada das situações de mutilação genital.
Por sua vez, o novo tipo penal proposto do tráfico de pessoas está pensado de modo abrangente, permitindo a punição de todos os intervenientes na cadeia criminosa e dando relevância ao tráfico, quer ele seja internacional quer tenha lugar somente dentro das fronteiras nacionais. Como todos sabemos, as vítimas de tráfico são, na grande maioria, mulheres e crianças para fins de exploração sexual. O combate ao tráfico é, por isso, também, um combate contra a violência de género e um combate pela igual dignidade entre homens e mulheres.
Para que se esteja perante tal tipo de crime, passará a bastar que a vítima se encontre numa situação de vulnerabilidade. Para além disso, prevê-se também que, quem, sendo sabedor da situação de vítima de tráfico, recorrer aos serviços sexuais dessa pessoa, seja susceptível de punição. E este é um sinal claro de responsabilização socialmente alargada pelos valores do respeito pela dignidade da pessoa humana, em particular pela dignidade das mulheres quando limitadas na sua capacidade de decidir e de agir.
Voltando à violência doméstica, queria agora salientar medidas que decorrem de preocupações de protecção das vítimas e de prevenção de ocorrências futuras.
A já referida revisão do Código Penal faz menção à possibilidade da fiscalização, por meios técnicos de controlo à distância, do cumprimento da pena acessória de proibição do contacto com a vítima ou de medidas de coacção que obriguem ao afastamento do agressor da residência ou do local de trabalho. Ao concretizar-se um sistema de vigilância electrónica, relativamente aos agressores, tornar-se-ão mais efectivas todas as medidas probatórias ou punitivas que tiverem em vista esse afastamento, reforçando as condições de segurança das vítimas. É que o acolhimento em estruturas, como as casas de abrigo, sendo muitas vezes necessário, tem a desvantagem de provocar uma dupla vitimização: é a mulher, vítima de uma situação de violência, que é depois duplamente vitimizada no desenraizamento social e, quantas vezes, no próprio desenraizamento profissional, com todas as consequências dramáticas que isso envolve.
Por outro lado, a fim de erradicar definitivamente um sentimento de impunidade relativamente aos agressores, estão a ser pensados programas de tratamento, cujo objectivo é responsabilizá-los através de uma reeducação para a cidadania consciente, para que possam adoptar novas atitudes relacionais. Tratar o agressor é combater o problema sob a perspectiva essencial da prevenção de ocorrências futuras.
Mas é a vítima de violência doméstica que continua a merecer-nos uma atenção muito particular. Estamos, por isso, a trabalhar no aperfeiçoamento das casas de abrigo, estruturas de acolhimento temporário destas vítimas e dos seus filhos. Começámos por elaborar o diploma que regula as condições de organização, funcionamento e fiscalização das casas de abrigo (o Decreto Regulamentar n.º 1/2006), que permite garantir a prestação de um serviço público uniforme e de qualidade. Na sequência desta regulamentação, foi nomeada uma comissão de avaliação que já elaborou um relatório de diagnóstico e de avaliação das condições de funcionamento das 34 casas de abrigo actualmente existentes no País.
Os resultados desse relatório foram, na globalidade, positivos e permitiram detectar quais as estruturas que disporão do ano de 2007 para se adaptarem às exigências legais de qualidade. O aperfeiçoamento das casas de abrigo far-se-á, assim, individualmente e também na perspectiva do alargamento da rede, no sentido de permitir uma cobertura geográfica mais adequada de todo o País.
No apoio às vítimas, o atendimento é também determinante. Saliento o trabalho decisivo que tem vindo a ser desenvolvido pelas forças de segurança, já com 142 salas de atendimento a vítimas de crimes na PSP e

Página 15

9 DE DEZEMBRO DE 2006

15

249 postos de atendimento na GNR. Os agentes dedicados a esta área têm vindo a receber formação específica. Para além disso, está em aplicação o auto de notícia padrão e, quando se justifique, o questionário de avaliação do risco, documentos elaborados no âmbito da Estrutura de Missão contra a Violência Doméstica (EMCVD).
Outro aspecto do atendimento às vítimas de violência doméstica diz respeito à exigência de boa articulação com as estruturas de atendimento.

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, queira concluir.

O Orador: — Terminarei, Sr. Presidente, chamando a atenção para a importância de também aqui criar uma rede nacional de atendimento às vítimas de violência, igualmente com cobertura no País e com assento nos governos civis.
Todas estas medidas, em articulação com a campanha nacional actualmente em curso, promovida pela EMCVD, inscrevem-se também na finalização do II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica e já na preparação do III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica.
Como nesta Assembleia se viu, compreendemos que todos vamos estar juntos numa causa comum: a causa da defesa da dignidade da pessoa humana.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à segunda parte do período de antes da ordem do dia, que consta de declarações políticas.
Para proferir a primeira declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A poucos dias de cessar funções como Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), o Almirante Mendes Cabeçadas enviou ao Ministro da Defesa Nacional uma carta, expressando o sentir das chefias militares quanto à situação vivida nas Forças Armadas Portuguesas, cujo conteúdo chegou ao conhecimento da opinião pública através da comunicação social.
Nessa carta, o Almirante CEMGFA deu conta de uma profunda preocupação das chefias militares quanto à situação de descontentamento e mal-estar que as medidas tomadas pelo actual Governo, de ataque frontal ao estatuto da condição militar, têm vindo a causar nas fileiras militares.
Questões como o agravamento do regime de descontos para os subsistemas de saúde, a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras, o congelamento de todos os suplementos remuneratórios, as interpretações gravosas da Caixa Geral de Aposentações quanto às condições de aposentação e quanto ao cálculo das pensões de reforma dos militares, entre outras medidas violadoras da Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, estão a gerar, segundo os chefes militares, um clima de «perturbação», de «insatisfação» e de «frustração» nas Forças Armadas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Importa assinalar que mais do que a emissão de uma opinião, cuja legitimidade nem oferece discussão, a carta do Almirante CEMGFA dá conta de factos e traduz uma realidade objectiva. E importa sublinhar que as situações relatadas estão muito longe de estar resolvidas ou em vias de resolução, não obstante algumas medidas que o Governo, pressionado pelos acontecimentos, se viu obrigado a tomar para pôr termo a situações manifestamente insustentáveis.
Mas um outro facto da maior relevância, e que importa acima de tudo salientar, é que as razões de descontentamento a que aludiu o Almirante CEMFA coincidem largamente com as razões que têm sido invocadas pelas associações representativas dos militares e que têm estado na base das expressões de protesto que têm sido levadas a cabo, sob diversas formas, pelos cidadãos que prestam ou prestaram serviço nas Forças Armadas.
Protestos tanto mais justificados porquanto às situações descritas se somam muitas outras razões de insatisfação, devido a problemas de há muito diagnosticados e nunca resolvidos e devido ao incumprimento reiterado pelo poder político de diplomas legais em vigor relativos à situação dos militares.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Um recente documento elaborado por uma comissão representativas das associações de militares dá conta de 42 diplomas legislativos que não são cumpridos na sua plenitude, havendo casos de diplomas, como o que estabelece um complemento de pensão, que ficam integralmente por cumprir.
Apesar da reconhecida gravidade da situação descrita e da injustiça das medidas lesivas do seu estatuto, os militares portugueses têm cumprido, integral e exemplarmente, os deveres que assumiram para com o País. Os militares portugueses, nos mais diversos teatros de operações a que são chamados, têm dado o

Página 16

I SÉRIE — NÚMERO 25

16

melhor de si para prestigiar a instituição que servem. Apesar de os militares terem razões de queixa de sobra dos governos, os governos não têm razões de queixa dos militares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — No entanto, tratam-nos como se tivessem.
Os militares que, através das suas associações representativas ou no exercício dos seus direitos enquanto dirigentes associativos, tomaram posições públicas, que, pelo seu conteúdo, pouco diferem das preocupações manifestadas pelo Almirante CEMGFA, foram vilipendiados em público, pelo Governo, com a acusação absurda e infundada de que os seus protestos punham em causa a coesão e a disciplina das Forças Armadas, quando é hoje mais do que evidente que, se alguma coisa pode pôr em causa a coesão e a disciplina das Forças Armadas, não são os protestos dos militares, mas as medidas tomadas pelo Governo contra eles.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Se antes de ser conhecida a carta do Almirante CEMGFA as medidas de carácter repressivo que têm sido tomadas contra os militares que manifestam o seu descontentamento, tendo como alvo prioritário os seus dirigentes associativos, já não faziam sentido, agora passaram a ser, pura e simplesmente, do reino do absurdo.
Senão vejamos: A Governadora Civil de Lisboa, perante a suspeita de que haveria uma manifestação de militares de que nunca ninguém lhe deu conta, informou as associações de militares que a manifestação que eles não tinham convocado não estava autorizada por não ter sido convocada com 48 horas de antecedência.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Que escândalo!

O Orador: — Para além do ridículo desta atitude, que fica com quem a cometeu e com quem a mandou cometer, é preciso que alguém diga à Sr.ª Governadora Civil de Lisboa que o direito de manifestação é um direito fundamental, que decorre directamente da Constituição e cujo respeito deve ser observado por todas as entidades, públicas ou privadas, e que nenhuma lei deste País confere aos governadores civis, ou seja a que entidade administrativa for, o direito de proibir manifestações.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Entretanto, o Vice-Presidente da Associação Nacional de Sargentos foi punido disciplinarmente por declarações públicas feitas em Maio, na qualidade de dirigente associativo, ou seja, por mero delito de opinião cometido em nome da associação de que é dirigente. E foi punido, nem mais nem menos, com uma medida privativa da liberdade aplicada por via administrativa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É um escândalo!

O Orador: — Mas, pior do que isso: apesar de a sua libertação ter sido determinada por um tribunal, na sequência de um recurso judicial interposto pelo cidadão punido, essa ordem não foi cumprida pelas autoridades militares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É um escândalo!

O Orador: — E aqui estamos perante uma ofensa grave ao funcionamento do Estado de Direito.
A Constituição da República, no seu artigo 27.º, sob a epígrafe «Direito à liberdade e à segurança», dispõe que ninguém pode ser, total ou parcialmente, privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. Uma das excepções a este princípio é a prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente — sublinho, com garantia de recurso para o tribunal competente.
Quando o tribunal competente se pronuncia e manda cessar a aplicação de uma medida administrativa privativa da liberdade, essa decisão não pode deixar de ser cumprida, sob pena de ser posto em causa um princípio basilar do Estado de Direito, que é o respeito pelas decisões dos tribunais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É claro!

O Orador: — E perante um facto com esta gravidade, o Ministro da Defesa Nacional não pode dizer, como disse, que não tinha nada a dizer. Quando o Ministro da Defesa Nacional se refugia no silêncio, perante uma

Página 17

9 DE DEZEMBRO DE 2006

17

situação destas, perde toda e qualquer autoridade enquanto governante para exigir o cumprimento da lei seja a quem for.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — O Ministro da Defesa Nacional, com base em interpretações retorcidas da lei, pronuncia-se publicamente contra a possibilidade da participação dos militares em manifestações e acha que eles devem ser punidos por fazerem declarações públicas em defesa dos seus direitos — sobre isso, o Sr. Ministro não hesita em pronunciar-se. Mas quando um militar é preso por decisão administrativa, quando um tribunal competente o manda libertar e quando essa decisão não é cumprida por quem tem o dever indeclinável de a cumprir, o Sr. Ministro acha que não tem de se pronunciar, apesar de tudo se passar sob a sua tutela.
Estranha concepção do exercício de funções governativas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É um escândalo!

O Orador: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num Estado de Direito democrático, o respeito pela lei e pelas decisões dos tribunais é exigível a todos. Não há, nem pode haver, excepções. Não é aceitável, nem em relação aos militares, nem em relação a qualquer categoria de cidadãos, que as leis sejam aplicadas quando são contra si mas que já não sejam aplicadas quando estão a seu favor. É precisamente isso o que está a acontecer em relação aos militares. Dois pesos e duas medidas: quando a lei retira direitos, cumpre-se; quando a lei confere direitos, não se cumpre.
Isto não é aceitável. E este órgão de soberania, que têm a competência constitucional de vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis, não pode ficar calado como ficou o Ministro da Defesa Nacional.
Pela nossa parte, não nos calamos e não nos calaremos!

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Filipe, inscreveram-se os Srs.
Deputados João Rebelo, Luís Fazenda, Henrique Rocha de Freitas e Marques Júnior.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, o tema que abordou é muito importante e vai no sentido das declarações proferidas pelo Sr. Presidente da República e pelo novo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), aquando da sua tomada de posse, na passada terçafeira.
O Sr. Deputado invocou várias questões relacionadas com a condição militar, nomeadamente o ataque de que está a ser alvo essa mesma especificidade da condição militar.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Temos alertado constantemente o Governo para o seguinte: manter um conjunto de restrições aos direitos, liberdades e garantias de um corpo especial do Estado, como é o caso das Forças Armadas, decorrentes dessa mesma condição militar e, simultaneamente, pôr em causa um conjunto de direitos que foram sendo adquiridos ao longo do tempo, é algo que não se entende.
Ou seja, por um lado as restrições mantêm-se, por outro lado os direitos que essa mesma condição militar lhes facultava estão a ser reduzidos. Refiro-me, designadamente, às questões da saúde militar, da passagem para a reforma ou para a reserva e a outro tipo de situações.
Não se entende este ataque constante à condição militar e, sobretudo, não existe da parte do Governo a sensibilidade devida para o tratamento destas questões.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Todavia, o Sr. Deputado António Filipe disse algumas coisas com as quais não concordamos.
Desde logo, a manifestação que teve lugar há algumas semanas tinha de respeitar um conjunto de prerrogativas, tendo o Governo Civil a possibilidade de não autorizar manifestações — aliás, no estrito cumprimento da lei, nenhuma manifestação pode ter lugar antes das 19 horas e 30 minutos, disposição que não é cumprida por não ter razão de ser! De facto, temos uma lei antiga que deveria ser alterada, mas essa é outra questão. A verdade é que todos os cidadãos têm de obedecer a um conjunto de regras para que uma manifestação possa ter lugar.
O mais lamentável em todo este processo — e o Sr. Deputado tem razão nisso — é que os Ministros da Defesa Nacional do Partido Socialista escondem-se sempre atrás ou do governador civil ou dos chefes militares. Nunca dão a cara! Ou seja, parece que este Governo não existe para questões que têm a ver com as Forças Armadas e a Defesa Nacional.

Página 18

I SÉRIE — NÚMERO 25

18

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — É verdade!

O Orador: — Ou é a governadora civil que tem de actuar ou são os chefes militares que manifestam o seu receio em relação a este tipo de manifestações. Verifica-se uma ausência total do Sr. Ministro da Defesa Nacional em relação a estas questões,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — …, quando devia assumir a responsabilidade que lhe compete. De facto, ainda não percebemos se o Governo concorda ou não com a proibição da manifestação. Apenas disse que a Sr.ª Governadora Civil se pronunciou pela proibição da manifestação e que todos temos de cumprir a lei, mas nada disse sobre se essa manifestação podia pôr em causa a coesão das Forças Armadas, sobre o que apenas as chefias militares se pronunciaram, e que se era esse o entendimento das chefias militares nós teríamos de o acatar.
Portanto, a ausência do Governo nesta matéria — o que faz é esconder-se atrás de outro tipo de entidades — é lamentável. Gostaria, pois, que o Sr. Deputado António Filipe comentasse este aspecto.
Em relação à última parte da sua intervenção, em que se referiu a um dirigente da Associação Nacional de Sargentos, queria dizer o seguinte: em primeiro lugar, o Regulamento de Disciplina Militar (RDM) e o Código de Justiça Militar permitem, de facto, a aplicação deste tipo de sanções. Podemos é concordar ou não concordar com as razões que motivaram estas sanções.
Por outro lado, tal como o Sr. Deputado referiu, e com razão, este tipo de sanções podem admitir recurso para os tribunais. E houve, de facto, uma decisão de um tribunal que revogou a decisão em causa. Ainda não consegui entender a atitude da Marinha de não acatar a decisão judicial, e desconheço se houve ou não recurso dela. Não sei! Mas a verdade é que houve uma decisão do tribunal e todos temos de obedecer às decisões dos tribunais. Se as Forças Armadas — e bem — exigem o cumprimento da lei e das obrigações a que a condição militar se obriga, também é verdade que a instituição militar tem de cumprir as decisões dos tribunais, pelo que esta atitude final não fica bem.
Termino, Sr. Deputado, dizendo o seguinte: o PSD e o CDS, em sede do debate do orçamento da defesa nacional, teceram aqui críticas a esse mesmo orçamento por o considerarem insuficiente para as necessidades das Forças Armadas, enquanto o PCP e o BE afirmaram que ele era suficiente. Ora, parece que, afinal, tínhamos razão quando alertámos para esse défice de verbas em relação à defesa nacional.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, o Bloco de Esquerda converge nas críticas do Partido Comunista quando diz que direitos, liberdades e garantias dos militares foram ofendidos, quer pelas chefias militares quer pelo Ministro da Defesa Nacional.
Devemos dizer, acerca desta matéria, que uma das conquistas de Abril foi o direito de manifestação, direito que está expresso constitucionalmente. Não há entidades administrativas que possam coarctar ou cercear, seja de que modo for, este direito fundamental. As autoridades administrativas podem, por meros impedimentos técnicos, sugerir alternativas ao exercício do direito de manifestação, mas não há forma — e esta é uma questão fundamental da democracia saída do 25 de Abril —, ao contrário do que acontecia no tempo do antigo regime, de as autoridades administrativas impedirem, esvaziarem o direito de manifestação.
E tanto assim é que, em relação ao que sucedeu, de forma algo surrealista, com o «passeio dos militares» no Rossio, como manifestação do seu descontentamento, o Sr. Deputado António Filipe assinalou o absurdo de ter sido proibido algo que nem sequer tinha sido solicitado! Há ainda um outro absurdo nesta questão, que passo a explicar.
Independentemente de haver ou não a anuência da autoridade administrativa, sempre que as chefias militares e/ou o Ministro da Defesa Nacional entendam — o que parece suceder sempre — que o exercício do direito de manifestação por parte dos militares lesa a coesão e a disciplina das Forças Armadas, acontece um outro absurdo, que é o esvaziamento casuístico, caso a caso, de um direito fundamental que foi aprovado por unanimidade na Assembleia da República: o direito de manifestação, em certas condições, dos profissionais das Forças Armadas.
Portanto, desde já, as autoridades criaram uma situação que é absolutamente inaceitável. Ou seja, o que a lei concede, a autoridade política ou uma autoridade administrativa vai anulando, caso a caso, sendo deste modo negado um direito fundamental.
Uma outra questão, também abordada pelo Sr. Deputado António Filipe, é a de não ter sido acatada uma ordem judicial, o que é gravíssimo. E gravíssimo é, também, o silêncio incompreensível do Sr. Ministro da

Página 19

9 DE DEZEMBRO DE 2006

19

Defesa Nacional acerca deste facto, porque não há nem pode haver nenhuma área da vida nacional que se subtraia à ordem do Direito e às decisões judiciais.
É inaceitável que tal aconteça com a cobertura escandalosa de decisões de uma chefia militar que não tem poderes para o fazer! E é ainda mais inaceitável que um ministro de um governo democrático, de um governo que tem a obrigação de subordinar o poder militar ao poder civil, (ao poder legitimamente constituído, ao poder democrático) não o tenha feito, e não o tenha feito com todo o vigor e firmeza, porque se trata de um precedente que não pode ter, da parte do Governo e das autoridades, uma actuação pusilânime. Deve haver, sim, uma actuação firme, absolutamente condenatória e preventiva para que não se repitam situações congéneres.
Neste ponto, Sr. Deputado António Filipe, acompanhamos a intervenção que fez e deixamos ao Partido Socialista, à bancada maioritária, o desafio de corrigir as atitudes erradas da parte do Governo e, também, de fazer uma crítica às chefias militares.

Aplausos do BE.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para responder aos primeiros dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, respondo, desde já, aos dois primeiros pedidos de esclarecimento, que agradeço, dos Srs. Deputados João Rebelo e Luís Fazenda.
Registo que convergimos (e o Sr. Deputado João Rebelo salientou-o na sua intervenção) na constatação de que estamos perante um ataque absurdo ao estatuto da condição militar, que viola frontalmente as Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, onde se prevê que nalgumas matérias, designadamente de saúde e de segurança social, os militares tenham uma contrapartida daquilo que esse mesmo Estatuto lhes impõe em termos de restrição de direitos, e não apenas, também do risco que está inerente cumprimento das suas missões e que não é exigido à generalidade dos cidadãos ou dos funcionários públicos.
Se é verdade que o ataque do Governo não é apenas contra os militares mas contra a generalidade dos funcionários públicos, há aqui, contudo, uma situação de equiparação sem mais, cega, dos militares a todos os outros funcionários, o que, de facto, não faz sentido, tendo em conta a especificidade do seu estatuto.
É certo que o Governo, no seu ataque aos direitos dos cidadãos, não poupa ninguém e, portanto, não atinge apenas os militares.
Em relação à questão da manifestação, o Sr. Deputado João Rebelo vem dizer que os governadores civis podem proibir manifestações. Não sei onde é que isso está na lei! O que sei é que, na Constituição, o direito de manifestação não está dependente de nenhuma autorização…

Vozes do PCP: — É verdade!

O Orador: — … e a Constituição é directamente aplicável em matéria de direitos, liberdades e garantias.
O que está previsto na lei é algo diferente! Prevê-se que a manifestação deva ser comunicada, com 48 horas de antecedência, ao governo civil, se for nas capitais de distrito, ou aos presidentes de câmara. Ora, gostava de saber se numa qualquer manifestação convocada para Lisboa — e não estou a falar da dos militares — o governo civil reivindicaria o direito de a poder proibir e, ainda, se a manifestação fosse em Algés, se o Sr. Deputado João Rebelo acha que o Dr. Isaltino Morais tinha poderes para a proibir! É óbvio que não tinha, tal como o governo civil não tem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Claro!

O Orador: — Obviamente, a comunicação com 48 horas de antecedência tem a ver com eventuais necessidades de ordenamento de trânsito, de corte de trânsito ou outras medidas, mas não significa que, se houver um incumprimento desse prazo de 48 horas, a manifestação possa ser proibida pelo governo civil.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!

O Orador: — Esse é um manifesto equívoco! E tanto é assim que o absurdo é maior neste caso dos militares. E é maior porquê? Porque não foi convocada manifestação alguma, que, aliás, não ocorreu — não vimos palcos, nem intervenções públicas —, mas a Governadora Civil de Lisboa desconfiou que poderia haver uma manifestação e, então, proibiu uma manifestação que nunca foi convocada e que ninguém quis realizar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É um absurdo!

Página 20

I SÉRIE — NÚMERO 25

20

O Orador: — E o PS está tão incomodado com esta matéria que, ainda hoje, na 1.ª Comissão, recusou que a Governadora Civil de Lisboa viesse à Assembleia da República prestar esclarecimentos, explicar, afinal, que decisão foi a que quis tomar! O PS está tão inseguro na matéria que entendeu que a Governadora Civil não devia vir à Assembleia da República.
Uma outra questão, também colocada pelos Srs. Deputados, que importa salientar, e que é grave, é a que se prende com o incumprimento de uma decisão judicial, em recurso da aplicação de uma punição disciplinar que implicou uma sanção privativa da liberdade.
É verdade que o Regulamento de Disciplina Militar e a Constituição prevêem a punição disciplinar a militares como uma excepção ao princípio da liberdade dos cidadãos, mas prevê expressamente o recurso judicial dessa decisão. Foi o que ocorreu: houve recurso da decisão e o tribunal pronunciou-se pela cessação imediata dessa medida administrativa, só que ela não foi cumprida, o que é grave. E tão grave como isso é o facto de o Sr. Ministro da Defesa Nacional entender que não tem nada a dizer sobre a matéria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Rocha de Freitas.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, V. Ex.ª viveu hoje, certamente, um momento alto do seu revivalismo histórico.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Esse discurso é que é revivalista!

O Orador: — Está a falar de umas Forças Armadas que não são aquelas de que, nas comemorações do 25 de Abril, ainda passam umas imagens, as dos soldados unidos vencerão. Felizmente, essas não são as Forças Armadas do ano de 2006.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Por isso, Sr. Deputado António Filipe, eu que, há um ano atrás, falei de umas Forças Armadas «debaixo de fogo» por causa do Governo, não gostei de ver V. Ex.ª, nesta Assembleia, «abrir fogo» sobre as Forças Armadas. Explico porquê.
Há uma questão essencial na instituição militar: a de que não tem paralelo em qualquer outro corpo do Estado. Os militares não são funcionários públicos. Os militares são, porventura, os únicos funcionários que servem o Estado que juram uma bandeira, que vestem uniforme e que estão, perante esse juramento, capazes de entregar a vida, o sacrifício da vida se assim for necessário.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Esta realidade da instituição militar significa que ela tem um código de conduta moral, ético e disciplinar diferente. Certamente, um código moral, ético e disciplinar ao arrepio daquilo que o Partido Comunista entende que devem ser as Forças Armadas. No entanto, Sr. Deputado, a verdade é que quando V.
Ex.ª «cola» as legítimas aspirações das associações profissionais a reivindicações populares e populistas está a prestar um mau serviço ao associativismo militar, aos militares e às Forças Armadas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Sr. Deputado António Filipe, é que o direito à manifestação está regulado pela lei, no artigo 31.º, mas há um outro direito que V. Ex.ª não vê regulado na lei, provavelmente até por decreto presidencial, mas que existe, que é o direito à indignação. Sr. Deputado António Filipe, a esse os militares têm direito, mas têm o direito de o exprimir pela cadeia hierárquica, razão pela qual, em Conselho de Chefes de Estado-Maior, os três chefes militares e o principal conselheiro militar do Governo, o Almirante CEMGFA, tornaram público aquilo que é o sentir da instituição militar.
Julgo que todos reconhecemos a forma errada como o Governo está a conduzir e a tratar a instituição militar. Creio também que V. Ex.ª, Sr. Deputado, prestou um mau serviço, porque uma coisa é não atribuir às Forças Armadas verbas para o cumprimento das suas missões, outra é não atribuir aquilo que considero um dever, ou seja, não atribuir uma missão específica às Forças Armadas. Foi isso que o Sr. Deputado aqui fez.
Por isso, felizmente vivemos 30 anos depois de 1975.

Aplausos do PSD.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não percebi nada desta pergunta!

Página 21

9 DE DEZEMBRO DE 2006

21

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, não vou fazer qualquer pergunta relativamente à sua intervenção, mas se me permite, e aproveitando esta oportunidade, gostaria de fazer alguns comentários.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, essa seria razão imediata para lhe retirar a palavra,…

Risos.

… porque a figura regimental que está a usar é a do pedido de esclarecimento.

O Orador: — Tenho presente aquilo que tem sido o comportamento do Sr. Presidente relativamente a questões deste tipo, tendo sido nessa base que ousei pronunciar-me nestas condições. Mas, se o Sr.
Presidente quiser, posso colocar uma pergunta no fim.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado poderá dizer «não farei nenhuma pergunta, mas farei um pedido de esclarecimento».

Risos

O Orador: — Para descanso do Sr. Presidente, terminarei com uma pergunta.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado António Filipe trouxe aqui um assunto importante que, do meu ponto de vista, justifica um debate sério e sem demagogia sobre esta questão, embora considere não ser este o momento para o fazermos.
Em segundo lugar, temos de nos entender sobre o que é e o que significa o Estatuto Militar das Forças Armadas porque, provavelmente, falamos das Forças Armadas de forma diferente e o meu entendimento será diferente do entendimento do Sr. Deputado António Filipe.
Em terceiro lugar, gostaria de referir que as questões que neste momento se levantam relativamente às Forças Armadas são inseridas num contexto de graves restrições orçamentais que todos conhecemos e em relação às quais as Forças Armadas, julgo, não devem e não podem, porque seria injusto e desprestigiante para as Forças Armadas, ficar ao arrepio devido aos sacrifícios que neste momento são exigidos a todos os portugueses.
Sr. Deputado António Filipe, obviamente que falo de umas Forças Armadas que, obviamente, têm direitos e deveres, mas em que há elementos absolutamente essenciais, sem os quais, provavelmente, não se justifica a sua própria existência. E um dos elementos essenciais das Forças Armadas é a disciplina.
Na verdade, o elemento que no seu discurso mais suscitou a minha intervenção foi o seguinte: é que não pode ser entendido no mesmo plano de igualdade aquilo que é uma chamada de atenção legítima, natural, de um chefe militar, no que diz respeito às preocupações que esse chefe militar entende dever veicular para o poder político relativamente às forças que comanda — embora seja profundamente negativo que tenha sido veiculada para a comunicação social a carta do Sr. Almirante CEMGFA —, o que é uma prova de lealdade, pois os militares têm de referir legal e lealmente ao comando político as suas preocupações, e aquilo que são as preocupações das associações, apesar de poderem coincidir. Uma coisa é a função legítima e natural do chefe militar e outra são as preocupações, legítimas, das associações, que têm formas de se exprimir. Ora, Sr. Deputado não pode comparar uma situação com a outra.
Além disso, há aqui um problema de base, ou seja, o da manifestação. Podemos chamar-lhe o que quisermos, mas aquele «passeio do descontentamento» foi uma manifestação. E vou dizer-lhe mais: na minha concepção de Forças Armadas, é uma afirmação de uma manifestação dos militares que não é digna dos militares.

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Os militares não fazem manifestações com este pretexto e com esta «capa».

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Os militares assumem as suas responsabilidades plenamente, sofrendo e assumindo as consequências das suas atitudes.
Trata-se de uma manifestação encapotada e sobre esta matéria o Governo já tomou posições. E, Sr. Deputado, não se justifica que a Sr.ª Governadora Civil de Lisboa venha à Assembleia da República, na medida em que o Sr. Ministro da tutela já veio anteriormente ao Parlamento falar dessa situação e já tomou posições relativamente a matérias relacionadas com manifestações. Por isso, do meu ponto de vista, não se justificava a vinda ao Parlamento da Sr.ª Governadora Civil.

Página 22

I SÉRIE — NÚMERO 25

22

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Orador: — Vou já terminar, Sr. Presidente.
Há um elemento que também gostaria de referir. Os militares, como qualquer cidadão, têm direito à manifestação, estando previstas restrições especiais que os militares têm de cumprir. Ora, quero aqui dizerlhe, com toda a clareza, que não pode, de uma forma sistemática, ser invocada a situação de coesão e disciplina das Forças Armadas para anular qualquer tipo de manifestação. Esse elemento tem de ser ponderado e reflectido em sede própria porque, administrativamente, pode eliminar qualquer tipo de manifestação. Há, portanto, aqui um elemento sobre o qual temos de ponderar e reflectir.
Sr. Deputado, há, porém, outro elemento absolutamente essencial a ter em conta — e com isto pretendo terminar. As Forças Armadas que fizeram o 25 de Abril — já agora respondo também àquele outro camarada que disse «Não foi para isto que se fez o 25 de Abril» — fizeram-no porque querem umas Forças Armadas disciplinadas, coesas, ao serviço da Pátria, ao serviço da Nação; não querem umas Forças Armadas indisciplinadas, porque essa indisciplina pode pôr em causa a verdadeira essência das Forças Armadas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, agradeço ao Sr. Deputado Henrique de Freitas as questões colocadas e ao Sr. Deputado Marques Júnior os comentários proferidos.
O Sr. Deputado Henrique de Freitas começou a sua intervenção dizendo que eu era saudoso — não sei de quê. Julgo que o Sr. Deputado é que é saudoso da «brigada do reumático»,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — … porque a concepção de Forças Armadas que aqui defende é mais parecida com isso do que com umas Forças Armadas dignas de um regime democrático, como julgo que são as nossas. Aqui incluo as chefias militares e os militares que servem nas Forças Armadas, que penso serem dignos de um regime democrático.
Aliás, passando já para um dos comentários do Sr. Deputado Marques Júnior, entendo que o Sr. Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas tem uma legitimidade indiscutível para se pronunciar junto do Governo, como fez de forma adequada — o facto de a carta ter sido tornada pública não foi da sua autoria, segundo esclareceu. O facto de o conteúdo das suas preocupações ter vindo para a opinião pública não faz com que ele fique equiparado a uma associação de militares que se manifesta em defesa dos seus direitos.
Creio que cada um terá o seu título de legitimidade. As associações têm a legitimidade que a lei e a Constituição lhes conferem para actuarem da forma que consideram adequada — e muito bem — e o mesmo fazem as chefias militares. Cada um tem o seu título de legitimidade próprio, que é diferente, mas ambos legítimos.
Porém, entendo que, pelo conteúdo que expressou, a carta do Sr. Almirante CEMGFA ao Sr. Ministro da Defesa Nacional vem, afinal, implicitamente, vem dar razão aos militares quando manifestam a sua indignação por diversas formas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Esse é que é o problema!

O Orador: — Há uma questão que o Sr. Deputado Henrique de Freitas coloca e que não faz sentido. Ou seja, diz que as associações dos militares só podem pronunciar-se pela via hierárquica. Ó Sr. Deputado, não é isso que está na lei! Para isso não valia a pena aprovar uma lei sobre o associativismo militar. Essa quase parece a posição da Sr.ª Governadora Civil quando considera que pode proibir manifestações. Se as associações militares existem legalmente e não se podem pronunciar sobre os assuntos que dizem respeito aos militares, então para que servirão essas associações?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!

O Orador: — Há uma questão que considero muito grave e que tem a ver com a aplicação das medidas privativas de liberdade. A Constituição e a lei portuguesa prevêem as medidas privativas de liberdade em situações muito excepcionais, mesmo para os criminosos. Isto é, não é qualquer crime que implica a aplicação de uma pena privativa da liberdade. É preciso ser um crime grave. Ora, se assim é do ponto de vista da política criminal, por maioria de razão o será do ponto de vista disciplinar. Não faz qualquer sentido que se possa admitir que, por delito de opinião — repito, por delito de opinião, porque é o que está em causa; a punição foi aplicada ao Vice-Presidente da Associação Nacional de Sargentos por se ter pronunciado

Página 23

9 DE DEZEMBRO DE 2006

23

publicamente nos termos em que o fez e por a hierarquia ter considerado que não estava correcto —, possa ser aplicada uma medida privativa de liberdade. Isto é absolutamente desproporcionado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É evidente!

O Orador: — Mais ainda quando é um tribunal que o afirma.
Tenho o maior respeito pelas Forças Armadas, como sabem, mas elas inserem-se dentro da legalidade democrática. Portanto, não se pode, sem mais nem menos, deixar de cumprir uma decisão judicial que tem que ver com a liberdade de um cidadão em concreto que se viu privado de um dos mais fundamentais direitos humanos.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Portanto, esse é um objecto de discussão, mesmo do ponto de vista legislativo, se quiserem, já que o Sr. Deputado Marques Júnior apelou a uma reflexão. Creio que as questões para cuja reflexão apelou merecem essa reflexão, mas esta também merece. Estamos a falar da proporcionalidade da aplicação de medidas privativas de liberdade em sede disciplinar. Se é aceitável que existam, elas têm de ser aplicadas de forma proporcionada e o Estado de direito democrático tem de ter mecanismos eficazes para evitar que haja abusos na aplicação de medidas dessa natureza. Essa é a questão essencial que aqui queríamos trazer.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço à Mesa que proceda à distribuição do Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de Agosto, que é exactamente o diploma que regulamenta as manifestações.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Nós conhecemos!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Não pode se acusado de ser um documento reaccionário, porque foi assinado pelo antigo primeiro-ministro Vasco Gonçalves e pelos ministros Costa Brás e Salgado Zenha.
Concordo que este decreto-lei está desactualizado, mas é o que vigora. Portanto, os governadores civis podem recorrer a este decreto-lei.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E há também a Constituição!

O Sr. Presidente: — Será distribuído se o Sr. Deputado o fizer chegar à Mesa.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Strecht.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em menos de um mês, o Governo e os parceiros sociais surpreenderam o País com dois acordos de concertação social sobre matérias indispensáveis para o desenvolvimento económico e social de Portugal. Primeiro, o acordo sobre a reforma da segurança social e, agora, o acordo sobre a fixação e a evolução do salário mínimo nacional.
Com efeito, reconhecendo que o salário mínimo nacional apresenta em Portugal um valor demasiado baixo e que é da mais elementar justiça social promover o seu aumento de forma gradual, tendo em conta a realidade económica do País, o Governo e os parceiros sociais, todos os parceiros sociais, celebraram, no passado 5 de Dezembro, um acordo histórico sobre a fixação e a evolução do salário mínimo nacional.
Este acordo tripartido, que fixa o valor do salário mínimo nacional em 403 € para o próximo ano e que prevê o seu aumento gradual de modo a atingir, em 2009, o valor de 450 € e, em 2011, o valor de 500 €, assume um enorme significado para os milhares de trabalhadores portugueses que auferem esta retribuição e dá-nos razões para encararmos o futuro do País com mais optimismo e confiança.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Quero, por isso, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, saudar os parceiros sociais e o Governo por terem chegado a acordo sobre a evolução do valor do salário mínimo nacional nos próximos anos, questão sensível, importa reconhecer, mas que se afigura indispensável para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores portugueses e para o desenvolvimento da nossa economia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este acordo histórico, que só é possível graças à desindexação do salário mínimo nacional de inúmeros indicadores de despesa e receita do Estado, vem permitir que o salário

Página 24

I SÉRIE — NÚMERO 25

24

mínimo nacional recupere a sua função originária, isto é, a de verdadeiro instrumento de política salarial e de combate à pobreza associada ao trabalho.
Nunca é demais relembrar que um dos objectivos inscritos no Programa do Governo do Partido Socialista consiste, precisamente, em acabar de forma progressiva com a pobreza e as desigualdades sociais associadas ao trabalho, sendo que, para tal, é indispensável que o salário mínimo nacional cumpra efectivamente a função que lhe cabe, como factor de imunidade à pobreza.
Com o acordo agora celebrado, os parceiros sociais e o Governo, de forma empenhada e responsável, assumem o objectivo do combate à pobreza associada ao mundo do trabalho, criando condições para uma progressiva melhoria do nível de vida dos trabalhadores portugueses e suas famílias, sem porem em causa o desenvolvimento da economia nacional e o nível de emprego.
Como é sabido, o salário mínimo nacional que, em 2005, abrangia 4,5% dos trabalhadores, a tempo completo, por conta de outrem, tem vindo a sofrer uma erosão nos últimos anos, com a consequente perda de poder de compra dos trabalhadores, cifrando-se actualmente nos 385,90 €.
Com efeito, na última década, só nos anos de 2001 e 2002 se verificou uma actualização real do salário mínimo nacional superior aos ganhos de produtividade da economia.
Comparativamente à União Europeia, constata-se que o salário mínimo nacional em Portugal é ainda inferior ao dos países da União Europeia a 15 e ainda de Malta e da Eslovénia.
Neste contexto, Sr.as e Srs. Deputados, o aumento agora acordado em sede de concertação social para o salário mínimo nacional em 2007, na ordem dos 4,4% — o maior aumento real desde 1992 —, permitirá aos trabalhadores portugueses recuperar a perda dos salários mínimos face aos ganhos de produtividade e ao salário médio verificado nos últimos cinco anos.
Por outro lado, ao abranger, pela primeira vez, a evolução do salário mínimo nacional a médio prazo, fixando o objectivo dos 500 € em 2011, o Governo e os parceiros sociais conferem uma maior estabilidade à evolução do salário mínimo nacional e devolvem a confiança às empresas e aos trabalhadores, aspecto essencial para o desenvolvimento da economia portuguesa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos, hoje, de facto, razões para estarmos mais confiantes no futuro.
A celebração deste acordo histórico sobre a evolução a médio prazo do salário mínimo nacional em Portugal, envolvendo todos os parceiros sociais, prova que os empregadores e os trabalhadores portugueses acreditam e confiam no desenvolvimento e no progresso económico do nosso país.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!

O Orador: — Neste sentido, não podemos deixar de sublinhar o sinal de esperança que este acordo representa para toda a sociedade portuguesa.
Os parceiros sociais demonstraram uma vez mais estar à altura das suas responsabilidades. De novo, na nossa História fica demonstrado o enorme valor do diálogo social enquanto elemento estruturante do nosso sistema democrático.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Lopes.

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Strecht, esperava da sua parte um tom de alegria, de exultação, de confiança, mas a intervenção que o Sr. Deputado nos trouxe teve um tom cabisbaixo, conformado, o que, afinal, se percebe: é que o Sr. Deputado trouxe aqui hoje uma versão completamente oposta àquela que defendeu em intervenção quando o PCP aqui propôs o aumento do salário mínimo nacional, há uns tempos atrás. E compreende-se que, tendo sido «apanhado com os pés trocados», tenha tido dificuldade em desempenhar hoje, aqui, o seu papel.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora, bem!

O Orador: — Quero saudar, de facto, a progressão que houve da parte da bancada do Partido Socialista relativamente a esta matéria. É que o PCP sempre se preocupou com a valorização do salário mínimo nacional, como factor de justiça social, como factor de combate à pobreza e como factor de contribuição para a elevação do perfil produtivo da nossa economia.
Mas não é só o Sr. Deputado que, nesta matéria, aparece um pouco «com o pé trocado». Também não podemos deixar de registar as afirmações feitas pelo Sr. Primeiro-Ministro, há um ano atrás, em Novembro de 2005, quando, no seguimento de uma proposta da CGTP,…

Página 25

9 DE DEZEMBRO DE 2006

25

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Bem lembrado!

O Orador: — … que avançava com o valor de 410 € para salário mínimo nacional em 2007 e de 500 € em 2010, comentou que essa era «uma proposta absolutamente demagógica e fantasista»!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É assim!

O Orador: — Ora, como é que, num ano, «uma proposta absolutamente demagógica e fantasista» se transforma naquilo que foi aqui trazido?

Protestos do Deputado do PS Alberto Martins.

E qual é a explicação? A explicação não está nas alterações da desindexação, porque a CGTP já tinha proposto isso nessa altura, está no facto de que, entretanto, a luta dos trabalhadores e do povo português se desenvolveu. E o Primeiro-Ministro foi obrigado, em Novembro, depois do protesto geral de 12 de Outubro, a vir reconhecer aquilo que já devia ter reconhecido há muito tempo.
Daí concluirmos que vale a pena propor, que vale a pena insistir e que vale a pena lutar. Isto é válido em relação ao salário mínimo nacional, como é válido em relação a muitas outras matérias que a bancada do Partido Socialista considera que são inevitáveis e contra as quais nada se pode. Pode, pode! A vontade dos trabalhadores e do povo português acaba por ser determinante.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Strecht.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Lopes, ao ouvi-lo, dá a impressão que foi o senhor, o seu grupo parlamentar e o seu partido a tratar deste assunto.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Responde, mas não entende!

O Orador: — O que é notável!

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — Demos um grande contributo!

O Orador: — Sr. Deputado Francisco Lopes, o senhor esquece-se de um pequeno pormenor: é que, no conflito, há duas partes…

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — São três partes!

O Orador: — O senhor não tem a noção de que o conflito pode ser dinâmico. Não tem! Porque o senhor tem a ideia de classe contra classe e de que uma delas fará o céu a todas as demais classes. É essa a sua ideologia de fundo!

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — São três partes: patronato, sindicatos e Governo!

O Orador: — O senhor não tem a noção de que o conflito entre os parceiros sociais pode ser dinâmico e pode acabar em concertação, pode acabar em acordo com vantagens para os cidadãos de um país, neste caso do nosso país.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Como o senhor não tem essa noção, o senhor não pode reivindicar para si — porque seria caricato — os louros de uma coisa que…

Vozes do PCP: — Quais louros?

O Orador: — Sr. Deputado, a própria central sindical CGTP, que assinou este contrato, não é, seguramente, julgo eu, «correia de transmissão» do seu partido.

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — É evidente que não!

Página 26

I SÉRIE — NÚMERO 25

26

O Orador: — E, não o sendo, pôde assinar este contrato! Se calhar, para vocês, este contrato não devia ter sido assinado, porque, evidentemente, era insuficiente.

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — Está enganado! Apresente mais acordos desses!

O Orador: — Sr. Deputado Francisco Lopes, quem fez a gestão, e ajudou, e pugnou, e conseguiu que os parceiros — eles também, evidentemente — chegassem a este acordo foi este concreto Governo. Não foi um outro qualquer governo, não foi o seu governo, foi este concreto Governo!

Protestos do Deputado do PCP Francisco Lopes.

Ó Sr. Deputado, por uma vez, o PCP, pelos vistos, está de acordo com este Governo!

Aplausos do PS.

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — O Governo é que veio ao encontro do PCP!

O Orador: — O Governo conseguiu aquilo que os senhores consideravam justo e razoável. Esta é a verdade! E, mais do que isso, o senhor disse que o meu Governo, em 2005, quando tomou conta das rédeas da governação, julgou impossível, ou julgou exagerada, a possibilidade de…

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — Fantasista!

O Orador: — É verdade! Mas é verdade por uma razão simples: porque era verdade à época, e se as condições da regressão, se as condições recessivas não se alterassem, a vossa proposta era absurda e conduziria irremediavelmente ao desemprego!

Vozes do PCP: — É a cassette antiga!

O Orador: — Os senhores não sabem conviver em democracia…

Risos do PCP.

Não sabem! Os senhores fazem-no porque têm de fazê-lo! Porque a democracia vos impõe que o façam!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É melhor ter calma com essas afirmações!

O Orador: — Mas a vossa concepção residual, que é nuclear, é sempre a de que vocês conquistam!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Isso é verdade! Ninguém dá nada a ninguém!

O Orador: — Vocês não conquistam! Os parceiros sociais, na disputa que fazem, estabelecem patamares de entendimento. E é esse conflito, interno ao próprio sistema, que é dinâmico e é criativo, que pode potenciar — e ainda bem que potenciou! — o acordo a que se chegou.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Vai ter de concluir, Sr. Deputado!

O Orador: — Mais: o Governo sabe isso, e fez — e muito bem — o acompanhamento dessa hipótese de trabalho, pelo que todos — todos, sem excepção! — os parceiros sociais concordaram.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Tem de concluir, Sr. Deputado!

O Orador: — Este acordo é, de facto, histórico, é um acordo decisivo e importante e deve-se a todos e ao Governo da nação.

Aplausos do PS.

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — Mas venham outros acordos!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Dava-lhe jeito que não estivéssemos de acordo, mas estamos!

Página 27

9 DE DEZEMBRO DE 2006

27

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos dias, têm vindo a público as primeiras sentenças das acções interpostas nos tribunais por mais de 70 famílias contra a decisão do Ministério da Educação de permitir a repetição de alguns exames nacionais do 12º ano às disciplinas de Química e de Física.
Até este momento, há um denominador comum: todas as decisões concluem pela ilegalidade da decisão da Sr. Ministra e todas concluem que a decisão da Ministra prejudicou alguns candidatos ao ensino superior, beneficiando outros.
Na altura própria, o PSD alertou para este problema grave que a Sr.ª Ministra estava a criar. Contudo, perante estes alertas do PSD, a Sr.ª Ministra teve a atitude que mais a caracteriza: arrogância, autismo e indiferença absoluta.
Vale a pena citar alguns excertos destas sentenças. Os tribunais dizem, por exemplo: «É cristalino que o direito/garantia de igualdade de oportunidades no regime de acesso ao ensino superior sofre um ataque inadmissível com a manutenção da actual situação».
E, noutro excerto, dizem que «(…) além desta ofensa injustificada e inadmissível, foi violado o princípio da protecção da confiança ao serem alteradas as regras do regime de acesso ao ensino superior sem que essas alterações tivessem uma vocação universal».
Ainda uma outra citação: «(…) é indubitável que a alteração introduzida, na data em que o foi e com efeitos retroactivos, prejudicou os candidatos».
De resto, o juiz interroga-se mesmo se: «Não terá sido o facto de o Ministério da Educação ter olvidado procedimentos anteriores que evitassem a média tão baixa nos exames de Química que originou toda esta problemática?»

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, perante esta situação, impõe-se a pergunta: que mais será preciso para que o Ministério da Educação assuma responsabilidades, reconheça os erros cometidos e, principalmente, peça desculpa aos cidadãos que foram gritantemente prejudicados?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Porque — e é importante que se diga — se é verdade que os cidadãos que recorreram aos tribunais têm conseguido impor a abertura de vagas adicionais para salvaguardar os seus direitos, devemos lembrar que haverá centenas e centenas de outros candidatos, que, por razões de ordem pessoal ou financeira, não recorreram aos tribunais. Ou seja, com este Governo, quem tem meios pode contestar; quem tem meios pode tentar contrariar as más decisões; e quem não tem meios fica para trás! Será isto justiça social? Será isto proporcionar a igualdade de oportunidades? Ou não será mais do que uma política que promove e acentua as desigualdades?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Em mais uma iniciativa do PSD, este Parlamento vai discutir, no próximo dia 15, um pedido de apreciação parlamentar sobre esta matéria. A este propósito, queremos formular um apelo à maioria socialista para que, nesta situação, não adopte a mesma intolerância que, lamentavelmente, a tem também caracterizado.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este caso é muito grave. Mas, infelizmente, é um caso paradigmático da atitude deste Ministério, que não está a prestar um bom serviço à nossa educação e, assim, está a hipotecar o nosso futuro.
Também nesta área, o PSD tem fugido à lógica do «bota-abaixo». Pelo contrário, apesar do esforço da governação socialista para criar cisões, o PSD tem, na oposição, assumido uma postura de responsabilidade, apresentando propostas alternativas, tentando contribuir, pela positiva, para uma melhor governação.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Apesar de estarmos na oposição, não hesitamos a assumir as nossas responsabilidades.
Sabemos do que a educação precisa, e sabemos o que a educação dispensa.
A educação precisa de se libertar do centralismo em redor da máquina ministerial; a educação dispensa os ataques irresponsáveis aos professores.

Página 28

I SÉRIE — NÚMERO 25

28

A educação precisa de uma ruptura que verdadeiramente descentralize para as comunidades locais (para as autarquias, para os pais, para os professores e para outros agentes locais); a educação dispensa a demagogia da propaganda, em que se assinam meia dúzia de «contratos de autonomia» para esconder a filosofia centralizadora que grassa no Ministério.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — A educação precisa de apostar na autonomia das escolas, dando-lhes competências para escolher o seu modelo de gestão, o seu director, o seu projecto educativo, os seus professores, os seus horários e, em parte, os seus curricula; a educação dispensa que o Ministério, na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, decrete quem pode dirigir cada escola, quem são os seus professores, a que horas abre e fecha, ou estabeleça, por exemplo, as normas para a poda dos arbustos em espaço escolar, ou mesmo para a organização dos cacifos instalados no interior das escolas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Notável!

O Orador: — A educação precisa de um efectivo e independente sistema de avaliação para as nossas escolas; a educação dispensa a ilusão criada por uma pseudocomissão de avaliação inventada na «clandestinidade» pela Sr.ª Ministra, que se esqueceu, até, de incluir o meio envolvente a cada escola, como indicador de avaliação.
A educação precisa de um rigoroso modelo de avaliação dos nossos professores, que promova o mérito e reconheça o esforço de tantos e tantos profissionais; a educação dispensa os expedientes criados em nome da avaliação, que se limitam a inibir as progressões na carreira.
A educação precisa que o País motive os nossos professores, dando-lhes autoridade; a educação dispensa que se lancem ataques generalizados à dignidade do trabalho desenvolvido por tantos e tantos milhares de professores.
A educação precisa de que se valorize, dignifique e prestigie a carreira docente; a educação dispensa que se divida esta carreira em professores titulares e professores de segunda.

Vozes do PS: — Ó Sr. Deputado!

O Orador: — A educação precisa de um Ministério isento e que dê confiança aos pais, alunos e professores; a educação dispensa um Ministério que, como se viu no triste caso dos exames nacionais do 12.º ano, toma medidas grosseiramente irresponsáveis, ilegais e injustas.

Aplausos do PSD.

Infelizmente, temos recebido do Governo, uma absoluta hostilidade, um completo autismo, e uma preocupante prepotência, próprios de quem se encontra deslumbrado e se esquece de que as maiorias são efémeras e de que, em democracia, a maioria absoluta não significa poder absoluto!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma declaração política, a palavra ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A droga é um flagelo que está longe de estar resolvido. Todos os dias é responsável pela morte de pessoas, pela propagação de doenças, pelo aumento da criminalidade, muita dela violenta, até por uma economia paralela que condiciona Estados e debilita instituições.
Entretanto, enquanto uns se conformam com o que consideram ser uma inevitabilidade dos tempos, outros recusam-se a dar a batalha por perdida…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — … e insistem numa razão de princípio, e esta é uma fronteira muito nítida, que divide também ao nível das opções políticas e de quem tem a responsabilidade de dirigir o destino de tantos de nós.
Vem isto a propósito da decisão dos representantes do bloco central do executivo lisboeta de criarem uma sala de injecção assistida, vulgo «salas de chuto», na Quinta do Lavrado, na zona oriental da cidade, e outra no Bairro do Charquinho, na zona ocidental. Uma decisão desastrada, uma medida imprevidente, uma opção avulsa, um erro grave,…

Página 29

9 DE DEZEMBRO DE 2006

29

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — … sendo que a primeira reacção pública contra a medida surgiu precisamente de quem até há bem pouco tempo desempenhou funções como presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência.
Lembrava imediatamente o Dr. Fernando Negrão que esta opção não faz sentido, que nos desvia daquela que deve ser a prioridade de quem decide: a prevenção e o tratamento.

Aplausos do CDS-PP.

Enquanto ouvíamos isto, ocorreu-me até outra opinião escrita de quem exerceu funções durante anos em estabelecimentos de recuperação de toxicodependentes e que até já foi tido por bom conselheiro. Em entrevista igualmente recente, alertava o Dr. Pinto Coelho que o que se deve fazer é olhar para o fenómeno da droga e da toxicodependência não como um problema que se resolve com uma, duas ou três salas de injecção assistida mas, sim, como um problema que se resolve com prevenção nas escolas, que cada vez se faz menos, com uma aposta no tratamento, sem nunca desligar o tratamento da inserção.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Extraordinário é verificar também que esta decisão dos vereadores socialistas e sociaisdemocratas no executivo lisboeta surge precisamente numa altura em que a própria ONU acusa os Estados que autorizam salas de chuto de violarem tratados internacionais sobre controlo de drogas,…

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — É verdade!

O Orador: — … mais dizendo que esse controlo deve limitar-se a fins médicos e científicos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Mas, independentemente de todas estas razões tão evidentes, é preciso lembrar algo mais: esta decisão vem ao arrepio do próprio Plano Integrado de Prevenção da Toxicodependência para a cidade de Lisboa, que não prevê a criação de salas de chuto em nenhum momento.

Vozes do CDS-PP: — É verdade!

O Orador: — Por isso, o anterior presidente da Câmara Municipal de Lisboa afirmava, com muita coerência, o seguinte: «a nossa posição é a de enfrentar o problema e não dar por adquirida qualquer fatalidade; acreditamos que é possível minorar a actual situação». Era assim quando a maioria eleita se fazia acompanhar, no executivo, pelo CDS-PP no governo da autarquia.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — É verdade!

O Orador: — Hoje, os tempos são outros e o apoio foi encontrado à esquerda, no Partido Socialista. Por isso, tudo é diferente e tudo, infelizmente, ficou bem pior.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mas demonstremos ainda como é a própria lei vigente que não permite o que agora se pretende com a criação destas salas de chuto. É que a lei proíbe-as expressamente em espaços ou centros residenciais consolidados, devendo evitar-se a exposição a não utentes.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Ora, isto leva-nos a questionar no que estariam a pensar os senhores vereadores sociaisdemocratas e socialistas quando se decidiram pelos locais que escolheram, porque, que nos ocorra, não deveriam desconhecer que neles vivem muitas famílias, que, não consumindo nem traficando e tendo, porventura, como único pecado serem pobres, são a esmagadora maioria dos residentes,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — … e que estas salas de chuto têm necessariamente um efeito de chamada relativamente a quem se droga e a quem vende droga, daí não poderem ser colocadas em áreas residenciais. Mais, estas zonas da cidade, que por razões socioeconómicas já são mais debilitadas, carenciadas e mesmo estigmatizadas, verão assim irremediavelmente comprometido um futuro de sentido diferente e que as afaste do sinal da droga.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!

Página 30

I SÉRIE — NÚMERO 25

30

O Orador: — Lembro por isso, também, a justa indignação destes moradores. Como se lia no Jornal de Notícias, afirmavam: «Qual é a lógica de instalar uma coisa destas (…)» — era a expressão que utilizavam — «(…) ao lado de uma creche onde as mães vão buscar os seus filhos?». Referiam-se à creche da Missão Nossa Senhora, um equipamento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Lembro também uma ex-toxicodependente seropositiva e mãe de cinco filhos, moradora na Quinta do Lavradio, que recolheu já mais de 400 assinaturas contra a instalação de uma sala de chuto no seu bairro, precisamente no seu bairro. Alguém que viveu no mundo da droga e sofre hoje as consequências desses tempos, mas que no tratamento conseguiu encontrar um novo sentido para a sua vida e que com a contundência, bem justificada por aquilo que passou, reclama (e as palavras são dela): «Eles assim não estão a ajudar ninguém, estão a empurrá-los para a morte, além de que, havendo isso aqui, os vendedores de droga também vão vir».

Aplausos do CDS-PP.

E tenho a certeza de que esta mulher sabe bem do que falava, porque o viveu e o sente, ainda hoje, na pele.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dizia, de forma muito expressiva, o anterior presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência que prevenção é melhor do que tratamento, que tratamento é melhor do que redução de danos e que redução de danos é melhor do que nada.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Estamos de acordo!

O Orador: — Mas, se assim é, também é muito verdade que apenas redução de danos é praticamente coisa nenhuma.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Estamos de acordo!

O Orador: — E, no caso concreto das medidas anunciadas para a criação destas duas salas de injecção assistida em Lisboa, nem sequer esta redução se promove. Pela sua localização, antes se potenciarão mais danos e se comprometerão zonas já de si debilitadas e a quem tanto precisa só se estará a dar o que não pretendem e, seguramente, não necessitam: salas de chuto em vez de equipamentos que beneficiem os residentes, que promovam a sua dignificação e a sua real integração na sociedade e até no mercado de trabalho.
Já agora, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, quando está tanto na moda falar da violação de compromissos eleitorais e dizer que ganhar eleições assim não vale, recordo também que salas de chuto não foram prometidas por quem ganhou a quem votou no concelho de Lisboa.

Aplausos do CDS-PP.

Repito: salas de chuto não foram prometidas por quem ganhou a quem reside e vota no concelho de Lisboa. Se assim tivesse sido, quem sabe também no plano autárquico, como nas últimas eleições legislativas (e nisto temos estado juntos muitas vezes), muita coisa poderia ter sido diferente, porque, não duvido, muita gente teria votado diferentemente se soubesse que no seu bairro, hoje, teria salas de chuto, tal como muita gente que votou no Executivo socialista teria, porventura, votado diferentemente se soubesse que os impostos iam aumentar, quando lhes tinha sido garantido o contrário.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — O exemplo é diferente, mas a motivação é rigorosamente a mesma.
Por isso, Sr. Presidente, termino dizendo que, apesar de tudo quanto foi dito, quem sabe ainda vamos a tempo; quem sabe a medida não será implementada; quem sabe estes moradores poderão ver satisfeitas as suas justíssimas reivindicações; quem sabe, também aqui, os compromissos eleitorais podem ser cumpridos; e quem sabe também a cidade de Lisboa pode ser verdadeiramente beneficiada se o bom-senso prevalecer, o que seguramente não acontecerá se esta medida aprovada, mas irresponsável, for implementada.

Aplausos do CDS-PP.

Página 31

9 DE DEZEMBRO DE 2006

31

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, terei percebido bem? O Sr. Deputado, nesta fase final da sua intervenção, invocou a revolta das massas contra uma medida decidida…

Vozes do CDS-PP: — Oh!…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Que disparate!

O Orador: — … de forma democrática num órgão democraticamente eleito?! Sr. Deputado, não verifiquei como é que estava a falar, mas ocorreu-me que talvez o estivesse a fazer de olhos fechados, porque a intervenção que fez é de quem tem estado de olhos fechados durante estes últimos anos, de quem não conhece a realidade que existe em Lisboa, e, infelizmente, também em muitas outras cidades de Portugal e da Europa, à qual ainda não damos resposta adequada, que é a das pessoas que atingiram um nível de consumo de droga muito problemático, às quais o sistema de saúde não consegue chegar. O sistema de saúde em Portugal, em Lisboa e noutras cidades europeias, não consegue chegar a essas pessoas. É preciso que haja, para essas pessoas, uma solução e nós estamos obrigados a dá-la.
Tenho muita honra em ter pertencido ao governo que aprovou o decreto-lei que está em vigor e que possibilita a criação de certas medidas de redução de risco, que, se forem implementadas, permitem resolver ou ajudar a resolver este problema. E, tratando-se de um diploma que confere às organizações não governamentais e às autarquias locais a responsabilidade principal de tomarem essa decisão, devo enaltecer aqui a decisão tomada pela Câmara Municipal de Lisboa no sentido de evoluir para estas medidas.
O Sr. Deputado falou aqui dos relatórios internacionais acerca da compatibilidade, ou não, destas medidas com o direito internacional. Creio que não os leu bem, porque, se o tivesse feito, teria chegado à conclusão de que estava a dizer uma coisa errada e, sobretudo, de que estava a acusar dezenas de grandes cidades europeias que já têm exactamente estas mesmas medidas.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Estas mesmas medidas, que vão agora, espero, ser implementadas, são modernas e progressivas, têm tido excelentes efeitos em muitas cidades europeias e terão também, certamente, bons efeitos em Lisboa e noutras cidades, se vierem a ser adoptadas noutras cidades, de Portugal.
O Sr. Deputado anda certamente pelas ruas deste país, nomeadamente pelas de Lisboa,…

O Sr. José Junqueiro (PS): — Anda, mas de olhos fechados!

O Orador: — … e porventura já terá encontrado pessoas a fazerem consumo de droga, às vezes perigoso, nas mesmas. Pergunto: o Sr. Deputado prefere que essas pessoas continuem a fazer esse consumo nas ruas ou que o sistema de saúde e, neste caso, a Câmara Municipal de Lisboa lhes dêem uma alternativa, no sentido de poderem fazer um consumo assistido, que lhes retira o risco suplementar que têm pelo facto de consumirem na rua nas situações que conhecemos?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Sr. Deputado, faça favor de concluir.

O Orador: — O Sr. Deputado certamente invoca o passado humanista do seu partido. Qual é a percepção que tem em relação a isto, Sr. Deputado? Não será melhor essas pessoas terem uma alternativa, podendo ser assistidas numa sala de consumo assistido, em vez de estarem na rua?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, começo por dizerlhe que é muito significativo que, sendo o executivo lisboeta presidido pelo Partido Social Democrata, seja o Partido Socialista a vir em sua defesa.

Risos do CDS-PP.

Isto diz muito do rumo e do muito que está em causa.

Página 32

I SÉRIE — NÚMERO 25

32

Protestos do PSD.

Também respondo ao PSD se me quiser colocar alguma questão, mas, por favor, não me interrompam quando estou a responder ao Partido Socialista.
Quero dizer igualmente ao Sr. Deputado Vitalino Canas que esta decisão da autarquia viola a lei. E é também isto que aqui está em causa.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — A lei proíbe expressamente a criação destas salas de injecção assistida em zonas residenciais — onde vivam pessoas, onde existam creches, por exemplo, como a moradora que há pouco citei referia — e a autarquia aprovou duas salas de chuto em duas zonas residenciais! Esta decisão viola a lei e o Sr. Deputado acha isto normalíssimo! Mas o Sr. Deputado, que é legislador e que todos os dias aqui faz aprovar leis, quer obrigar os cidadãos a cumprirem as leis! Sr. Deputado, isto não é normal, como não é normal muito mais! O Sr. Deputado refere que há várias cidades europeias que têm estas soluções das salas de chuto. Sr. Deputado, quando a ONU diz que os países que implementam estas salas de injecção assistida estão a pôr em causa convenções internacionais por eles subscritas, por alguma razão é! Ou a ONU agora também é uma organização que não lhe merece qualquer crédito?! A mim merece! E certamente que o Sr. Deputado também leu o que eu disse! Mais: o Sr. Deputado diz que, porventura, não terei lido bem. Tanto li bem que até o vou citar a si, para que não diga que me engano, e a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, que é uma pessoa que, sobre estas matérias, também tem dito qualquer coisa.
O título era, à data (e muito recente, estamos a falar de nem há um ano), «PS, PSD e CDS…» — nós lá estávamos e mantemo-nos coerentemente — «… contra criação de salas de chuto» e dizia que a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos «(…) mostrou reservas quanto à criação das chamadas 'salas de chuto', alegando não conhecer 'nenhum país da Europa onde haja salas assépticas para consumo de drogas (…)'». Sr.ª Deputada, não sei se agora já sabe de alguma, se já conhece alguma.

Protestos da Deputada do PS Maria Antónia Almeida Santos.

Porventura, será em Lisboa que se irá criar a primeira sala asséptica onde isto poderá ser feito sem problema algum.
Mas dizia ainda: «Vitalino Canas colocou ainda a questão da falta de privacidade nas salas de injecção assistida e das dificuldades em garantir a segurança permanente desses locais». Então, agora já são seguros, Sr. Deputado?

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Orador: — Já não há dificuldade em garantir a segurança permanente desses locais e a privacidade?

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Numa zona residencial?

O Orador: — O Sr. Deputado tem algum dado técnico que permita agora em Lisboa o que noutras cidades não foi possível e que contrarie o que à data, há menos de um ano, justificou esta sua declaração? Sabe, Sr. Deputado, o que também não é sério é, conforme as circunstâncias, dizermos hoje uma coisa e amanhã exactamente o contrário disso mesmo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma declaração política, a última aliás, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Sem fazer qualquer juízo de intenção sobre responsabilidades, a imagem que todos os portugueses ontem puderam ver de uma delegação oficial de Eurodeputados a tentar entrar na Sala do Senado da Assembleia da República para uma reunião informal com parlamentares nacionais, apenas para esbarrar numa porta trancada, foi um gesto gratuito para com os Eurodeputados e um entrave ao seu trabalho de investigação.

Vozes do BE: — Muito bem!

Página 33

9 DE DEZEMBRO DE 2006

33

O Orador: — O trabalho da comissão de investigação pretende apenas obter a resposta a uma questão fundamental: foram, ou não, coniventes os Estados europeus com a grosseira violação do direito internacional e dos direitos humanos mais elementares levada a cabo, como tudo indica, pela CIA em território europeu? A começar no Governo, que não investiga e que dificulta o trabalho de quem o quer fazer, e cujo Ministro dos Negócios Estrangeiros publicou, ontem mesmo, uma carta que não pode ser encarada de outra forma que não a da crítica ao trabalho de investigação que está a ser efectuado pelo Parlamento Europeu, continuando com Figueiredo Lopes e Paulo Portas, os ministros em funções à altura da maioria dos voos suspeitos da CIA, a recusarem-se a prestar declarações à Comissão, alegando que nunca tiveram conhecimento de qualquer ilegalidade, tudo tem dificultado o trabalho de investigação. Os ministros em funções à altura, com humildade democrática, talvez deixassem que competisse à comissão, e não aos próprios, a avaliação do seu conhecimento sobre as possíveis actividades da CIA.
Do PSD e PP ao PS, tudo parece querer juntar-se nesta «coligação negativa», para ocultar o conhecimento dos factos. Porquê? — é a pergunta que os portugueses começam a fazer insistentemente.
Desde que foi conhecido que Portugal poderia ser um dos países por onde passaram os já famosos voos secretos da CIA, a caminho das também secretas prisões na Europa, que o Governo tem mostrado uma estranha ligeireza na investigação que, perante tão graves violações dos direitos humanos e convenções internacionais, teria a obrigação de tratar com uma firmeza e transparência absolutas.
Infelizmente, o Governo e a maioria parlamentar que o suporta preferiram seguir outro caminho: o da ocultação.
Quando, em Novembro de 2005, o Bloco de Esquerda entregou um requerimento no sentido de saber como é que o Governo estava a investigar a possível violação do espaço aéreo nacional para actividades ilegais e à margem do direito internacional, a resposta foi exemplificativa da forma como o Governo investigou estas alegações. Cito: «Foi-nos garantido pelos EUA que, no que respeita a esta matéria, em caso algum se registou em território nacional uma ofensa à soberania do Estado português ou uma violação de acordos bilaterais ou do direito internacional. Não temos razões para duvidar da veracidade das declarações dos EUA». A isto chamou o Governo uma «investigação» e um «exaustivo apuramento dos factos», segundo palavras do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Portugal perguntou aos Estados Unidos da América se tinham feito passar pelo nosso espaço aéreo suspeitos sem culpa formada, para serem torturados em qualquer parte do mundo e (veja-se lá a estranheza!) as autoridades norte-americanas negaram — ponto final parágrafo. Não é preciso investigar mais, pois, e cito, «não temos razões para duvidar da veracidade das declarações dos EUA». Mas este é o problema, porque existem muito boas razões para duvidar das declarações da Administração Bush, no que diz respeito à violação de tratados internacionais.

Aplausos do BE.

Deve ser esse o papel seguido por todas as comissões e tem sido isto que a comissão do Parlamento Europeu, aliás, liderada pelo Eurodeputado português Carlos Coelho, tem feito: duvidar, investigar e perguntar.
Em resposta aos pedidos da Eurodeputada Ana Gomes, o Governo divulgou alguns documentos que diz serem o resultado do seu trabalho de investigação.
Ao contrário da maioria dos países europeus, o Governo — podemos afirmá-lo — não investigou nada. O que fez, de forma incompleta e com dezenas de omissões, foi responder a questões que o Parlamentou Europeu foi levantando.
Mas se esta foi mesmo a investigação feita pelo Governo, e atendendo ao absoluto nível de incompetência demonstrado — incompetência, meço a palavra! —, estamos perante algo bastante preocupante.
Os dados dos vários organismos, como o SEF e o controlo aéreo, são contraditórios, os documentos são inconclusivos e parciais e, pior do que tudo, misteriosamente, desapareceram os dados — registo, misteriosamente! — de quase todos os 22 voos suspeitos. É tudo isto o estado de necessidade e que deve ser absolutamente criticado.
Responde o Governo que, como os voos em causa são escalas técnicas efectuadas por táxis aéreos, o SEF não entrou nos aviões. E, como não aparecem, também misteriosamente, as listas de passageiros, os portugueses ficam a saber que as autoridades portuguesas não têm a mínima ideia de quem passa por Portugal, criminoso ou não.

Vozes do BE e do PCP: — Exactamente!

O Orador: — Ou há graves lacunas no sistema de segurança das fronteiras aéreas portuguesas, o que é muito grave, ou há quem esconda a informação aos Deputados sobre a investigação, o que é, igualmente, grave.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — Deste episódio, Sr.as e Srs. Deputados, de duas, uma: ou o Estado português «tomou de Conrado o prudente silêncio», ou é um Estado que não sabe nada sobre o que se passa no seu espaço de

Página 34

I SÉRIE — NÚMERO 25

34

soberania. E não saber nada não é, neste caso, presunção de inocência mas, em política e internacionalmente, é a presunção de cumplicidade, é uma suspeição de cumplicidade por omissão. Isto é grave, em relação aos fundamentos democráticos e constitucionais da democracia portuguesa, da Constituição da República Portuguesa.

Aplausos do BE.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Inscreveram-se, para pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados José Vera Jardim e Jorge Machado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Fazenda fez, daquela tribuna, acusações graves e infundadas.
Sabe o Sr. Deputado Luís Fazenda que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem acompanhado, com todo o interesse, as investigações feitas pela comissão do Parlamento Europeu, bem como pelo Conselho da Europa, tendo votado, em Estrasburgo, as conclusões do relatório do Conselho da Europa sobre esta matéria.
Mais: o Grupo Parlamentar do Partido Socialista levou o problema a reunião conjunta da 1.ª Comissão e da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e pediu a comparência de um conjunto de entidades que têm a ver com aquilo a que o Sr. Deputado chamou, e bem, a fiscalização do que se passa no espaço aéreo português e nos aeroportos portugueses. E essa audição confirmou os nossos receios — queremos afirmá-lo aqui, muito claramente —, no sentido de que não havia, até há pouco tempo, em Portugal, como na generalidade dos países da Europa, um sistema fiável para controlar as missões, os objectivos e as pessoas que as desempenhavam e que viajavam nesses aviões que sobrevoavam ou faziam escalas técnicas, o que consideramos manifestamente negativo.
Felizmente, e, em grande parte, senão, sobretudo, pelas iniciativas tomadas pelo Parlamento Europeu, a legislação europeia já foi modificada e, a partir de Outubro, é necessário a identificação dos passageiros desses aviões.
É injusto dizer que o Governo português não se interessou pela matéria. Logo na primeira comparência, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Professor Diogo Freitas do Amaral, deu-nos conta não só daquilo que já tinha providenciado como da continuação das investigações. E as respostas dadas aos Srs. Deputados do Parlamento Europeu são a prova de que o Governo tem procurado, num esforço sincero, recolher dados sobre aquilo que se terá passado em Portugal.
Tem razão o Sr. Deputado quando diz que há indícios de que aviões ao serviço da CIA, porque identificados como tal pelo Parlamento Europeu, terão feito escala em Portugal; não tem razão quando tira daí a conclusão de que terão ocorrido, em território português, actos ilegais de transporte de passageiros para as chamadas «entregas extraordinárias». Isto está por provar, há indícios de que se possa ter passado, mas o Parlamento Europeu, no relatório preliminar, que, ontem, nos entregou,…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — … diz apenas, e di-lo correctamente, que isto pode ter acontecido.
O Sr. Deputado pretende insinuar que há uma ocultação, por parte do Governo, do que se terá passado.
Ora, isto é profundamente injusto e, mais do que isso,…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — … o Sr. Ministro declarou aqui, numa das últimas reuniões conjuntas da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e da 1.ª Comissão, que nunca nenhuma autoridade portuguesa tinha tido conhecimento de que alguma coisa ilegal se tivesse passado. E temos de acreditar, até prova em contrário, porque isto também faz parte dos valores do sistema jurídico português, naquilo que nos é afirmado pelos responsáveis do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, acompanhamos as considerações que fez relativamente ao triste episódio que se verificou ontem na Assembleia da República, ao não serem atribuídas as condições necessárias à comissão de Eurodeputados que investiga os voos da CIA em espaço aéreo europeu.

Página 35

9 DE DEZEMBRO DE 2006

35

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Mas o problema central, e também fez questão de o referir, é efectivamente a investigação em torno de toda esta matéria. E importa ter alguma memória em relação a todo este processo.
Quando, em Junho de 2005, apresentámos um requerimento sobre esta questão, a resposta do Governo foi bastante significativa e demonstrativa da forma como encarava todo este problema. Nessa altura, dizia o Governo que a aviação civil se regia por normas internacionais — ponto final parágrafo.
De seguida, o Governo anunciou que não havia nenhuns aviões da CIA em território nacional. Mas, face à evidência das fotografias que apareceram na comunicação social e que apresentámos, em sede de comissão, o Governo teve de corrigir aquilo que havia dito, dizendo que, afinal, havia indícios da passagem, por território nacional, de aviões suspeitos de estarem ligados ao sequestro de pessoas.
Ora, surge agora a última versão, a última posição do Governo relativamente a esta matéria: sim, senhor, houve aviões suspeitos da CIA em território português, mas não há evidências de ilegalidade. Mas também não há qualquer tipo de investigação séria e credível sobre estes voos,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — … porque toda e qualquer investigação pára no momento em que há entrada de passageiros, isto é, não se controlavam os passageiros que estavam nesses aviões. E esta tem sido a desculpa.
A pergunta que lhe faço, Sr. Deputado, pura e simplesmente, é a seguinte: considera credível, considera possível que o Governo português tenha a possibilidade de desconhecer o facto de um avião, que partiu de Guantánamo, ter aterrado em Santa Maria, num aeroporto civil, que estava fechado e que abriu, de propósito, para receber aquele avião,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — … tendo entrado no avião um agente daquele aeroporto, que verificou e falou com os agentes da CIA? Considera possível que o Governo português possa desconhecer este facto? Considera possível que este facto possa passar despercebido aos serviços de informações portugueses?! É evidente que não, Sr. Deputado! A outra pergunta que faço é no sentido de saber se considera ou não que o Governo português está a fazer uma verdadeira investigação sobre esta matéria, uma vez que os indícios são mais do que fortes e já foram confirmados por dados oficiais de instituições internacionais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, quando suscitámos as questões relativas a estes eventuais voos criminosos e a esta denegação total de quaisquer princípios sobre direitos humanos, realizados em escala global pela administração Bush e seus congéneres, o que nos diziam aqui, sobretudo a maioria parlamentar, mas muito alargada às bancadas da direita, era que os nossos receios eram irresponsáveis e que estávamos a levantar labéus, acusações infundadas. Mas, então, muito transcorreu até hoje, porque hoje já se admite que há indícios, não provados mas indícios, já se admite que, eventualmente, possam ter ocorrido ilegalidades gravíssimas em território nacional. Foi preciso andar muito! A resposta à sua pergunta, Sr. Deputado Jorge Machado, é directa: não insinuei a ocultação, por parte do Governo português, afirmei que há ocultação por parte do Governo português. E o caso que descreveu é flagrante! Portanto, o Governo deveria responder cabalmente a esta acusação sobre ocultação, que não é injusta nem infundada, é verificada. E já não falo daquilo que é omisso, nos misteriosos desaparecimentos de registos de dados, nos registo de dados que são contraditórios entre si e em toda aquela amálgama que é o registo do Estado português e das suas autoridades administrativas e policiais em relação a estes factos.
Por isso, Sr. Deputado José Vera Jardim, eu diria que houve sempre um defensismo enorme e uma má vontade da parte do Governo português em relação a esta matéria, que, aliás, foi contagiante de um Ministro dos Negócios Estrangeiros para o Ministro dos Negócios Estrangeiros seguinte.

Risos do BE.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Nisto, eles não diferiram! E, apenas porque a comissão do Parlamento Europeu foi insistindo nesta matéria, a pouco e pouco, lá se foram soltando alguns dados, mas houve uma má vontade manifesta de

Página 36

I SÉRIE — NÚMERO 25

36

qualquer um dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, até ontem, porque a atitude do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros é uma atitude de agastamento, de censura implícita, de reserva mental e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista e o Sr. Deputado José Vera Jardim, muito em especial, sabem bem que assim tem sido. É que teve de ser o Sr. Deputado, o seu grupo parlamentar, a pedir a vinda ao Parlamento de um conjunto de entidades que o Governo, de mote próprio, nem sequer disponibilizou nos seus dados, na sua documentação. Teve de vir o Partido Socialista, em recurso do Governo, procurar, pelo menos, preencher o ecrã da dúvida disponível. Verdadeiramente, foi isto que fez o seu grupo parlamentar! Por isso, Sr. Deputado, creio que este assunto não está encerrado, nem estará encerrado tão cedo, mas há uma conclusão que os portugueses já tiraram: o Estado português não sabe de nada. E isto, em política, não é uma presunção de inocência, é, isto sim, a confissão de uma cumplicidade objectiva,…

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Muito bem!

O Orador: — … por acção ou por omissão, mas, seja por que razão for, são consequências políticas sobre as quais a maioria do Partido Socialista, nesta Assembleia da República, deveria retirar a devida conclusão.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Vamos entrar na ordem do dia, com a apreciação da proposta de lei n.º 104/X — Determina a prorrogação da vigência das medidas aprovadas pela Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, até 31 de Dezembro de 2007.
Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública (João Figueiredo): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs.
Deputados: A Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, determinou a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e o congelamento do montante dos suplementos remuneratórios dos funcionários, agentes e demais servidores do Estado. Tal medida, tomada no ano transacto, encontrou a sua forte motivação na então verificada forte tendência de crescimento das despesas com o pessoal nas administrações públicas, mas encontrou também fundamento na necessidade de enfrentar dois dos aspectos mais negativos dos actuais sistemas de gestão dos recursos humanos da Administração. Por um lado, as progressões de carácter praticamente automático, que, desligadas de considerações de avaliação do real mérito, contribuíam para a imprevisibilidade dos níveis que, em cada execução orçamental, atingiam aquelas despesas de pessoal. Por outro lado, enfrentar a problemática dos suplementos remuneratórios, que contribuem para uma verdadeira opacidade dos actuais sistemas retributivos.
No entanto, já então se salvaguardaram as evoluções remuneratórias em que o reconhecimento do mérito tem de facto relevância, nomeadamente as promoções e as progressões, cujo regime inquestionavelmente pressupõe tal reconhecimento de mérito.
Muito caminho se fez entretanto. Em primeiro lugar, contrariou-se a tendência de crescimento das despesas de pessoal; em segundo lugar, a revisão do sistema de vínculos, carreiras e remunerações está decididamente em marcha.
De facto, relativamente à tendência de crescimento das despesas com pessoal, estas revelam, no corrente ano, uma tendência de diminuição, com uma variação negativa de 0,6 pontos percentuais relativamente ao produto interno bruto. Prevê-se que tal variação negativa atinja os 0,7 pontos percentuais no próximo ano. Tais resultados são o efeito combinado de várias medidas adoptadas pelo Governo: a não contagem do tempo para efeitos de progressão e o congelamento dos suplementos, cuja renovação se propõe com a proposta de lei n.º 104/X, agora em discussão; a aplicação e concretização do princípio da admissão de um efectivo por cada dois saídos, através do sistema adoptado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2006, de 18 de Abril, que, não aplicando cegamente aquele princípio, permite dar respostas às necessidades urgentes e mais relevantes da Administração; a avaliação de todos os actuais contratos de prestação de serviços, determinada pelo Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de Agosto; e as restrições impostas a novas contratações em todos os sectores do Estado.
Tudo isto se fez e está a fazer-se sem ameaças de desvinculação e de despedimentos. E devo referi-lo neste mesmo dia em que é publicada a nova legislação sobre mobilidade, mais um instrumento essencial para as mudanças que o Governo está a introduzir na Administração Pública.
Mas, como disse, a revisão do sistema de vínculos, carreiras e remunerações está em marcha. Foi ultimado e tornado público o relatório de diagnóstico de perspectivas de evolução e iniciou-se sobre tal matéria um processo de audição com as associações sindicais.
Da avaliação feita pelo Governo, e que agora foi actualizada, resulta a necessidade de uma profundíssima reforma que mude muitos dos princípios estruturantes dos actuais sistemas de gestão dos recursos humanos

Página 37

9 DE DEZEMBRO DE 2006

37

das administrações públicas. Ao nível dos sistemas de vínculos, face ao reconhecimento da progressiva indefinição dos critérios de utilização dos vários tipos de vínculos existentes, caracterizando-se a situação actual neste domínio, como é do conhecimento geral, pela completa ausência de critérios e de orientação; ao nível das carreiras, face ao levantamento exaustivo a que se procedeu e para o qual contribuiu o carregamento da base de dados de recursos humanos da Administração Pública, por fazer desde 1999, resulta a necessidade de simplificar o sistema de carreiras, fundindo-as e criando conteúdos funcionais mais abrangentes, e de repensar completamente a sua estrutura e a sua dinâmica; e ao nível das remunerações, consagrando perspectivas de evolução remuneratória para os trabalhadores, estabelecendo componentes relacionadas com o reconhecimento do mérito, criando mecanismos de transparência do sistema, de flexibilidade, de adaptabilidade à evolução no mercado de trabalho geral e de relação com a gestão global dos serviços públicos e as suas capacidades orçamentais.
Mas a recente avaliação da situação actual, feita a partir do referido relatório recentemente tornado público, aponta para que a reforma tenha horizontes mais latos do que inicialmente se previra. De facto, há que consagrar novas soluções em muitos outros domínios, designadamente na relação entre gestão de recursos humanos e gestão por objectivos dos serviços e na organização orçamental dos recursos financeiros destinados à gestão dos recursos humanos.
Esta reforma está, pois, em acelerado ritmo de preparação. A sua discussão iniciou-se com as associações sindicais, a sua amplitude exige alargada discussão, que muito em breve iniciar-se-á publicamente, mas a sua amplitude, traduzida em inúmeros instrumentos legislativos, de que os principais serão objecto de ponderação e aprovação nesta Câmara, vai exigir igualmente tempo de assimilação pela Administração.
Fazer a reforma e aplicá-la de imediato era tecnicamente possível, mas seria contribuir activamente para o seu insucesso. Não o fizemos por isso.
Por estas razões se propõe a esta Assembleia a manutenção, no essencial, do regime já posto a vigorar pela Lei n.º 43/2005, para permitir ampla discussão da referida reforma e adequada assimilação das mudanças, num ano, o de 2007, em que a execução orçamental, por ser muito exigente, não pode permitir situações de possível descontrolo que ponham em causa objectivos nacionais de nível mais elevado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: São estas as razões que fundamentam a proposta de lei n.º 104/X, apresentada pelo Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Arménio Santos e Diogo Feio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública referiu, entre outras questões, que a Lei n.º 43/2005 tinha contribuído para a redução da despesa com pessoal e que as promoções por mérito haviam sido salvaguardadas pelo disposto neste diploma. Por outro lado, V.
Ex.ª referiu que todo este processo de reforma da Administração Pública estava a decorrer normalmente e, pelo que percebi do seu discurso, de forma positiva com as organizações representativas dos trabalhadores do sector.
Permita-me, Sr. Secretário de Estado, que não o acompanhe nesta conclusão. De resto, é público que as organizações representativas dos trabalhadores da Administração Pública se manifestam com uma frequência e uma dureza que quase todos os dias é visível nos órgãos de comunicação social. O Governo é acusado de recusar o diálogo, a negociação e de as reuniões com o Sr. Secretário de Estado e com o Governo se limitarem a um arremedo de negociação e de contratação colectiva.
Sr. Secretário de Estado, gostava de colocar-lhe algumas questões.
Em primeiro lugar, quanto é que, concretamente, o Estado poupou com a aplicação da Lei n.º 43/2005? Qual foi a poupança efectiva? A segunda questão, Sr. Secretário de Estado, tem a ver com o número de promoções e progressões feitas com base na avaliação do mérito profissional, já que, como o Sr. Secretário de Estado aqui disse, e bem, a apreciação por mérito dos trabalhadores da Administração Pública havia sido salvaguardada na Lei n.º 43/2005 e que, portanto, estas situações não eram abrangidas pelos seus efeitos.
Sr. Secretário de Estado, qual foi o número, qual foi a percentagem, de profissionais da Administração Pública avaliados em função do SIADAP e quantas foram as pessoas reclassificadas, promovidas e que registaram uma progressão na sua carreira profissional?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Pública, ao iniciar este debate em nome do CDS, quero que fique muito clara a posição que o partido tem em relação à

Página 38

I SÉRIE — NÚMERO 25

38

necessidade de reforma da Administração Pública. Somos, nesta e noutras matérias, uma oposição responsável. Daremos toda a solidariedade para uma reforma na Administração Pública. Esta é, e será sempre, a nossa postura.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Está a ver, Sr. Secretário de Estado, onde vai buscar o apoio? É à direita!

O Orador: — Estamos também preocupados com o nível de despesa pública existente na Administração Pública. Devo dizer, aliás, que não somos, em relação a esta matéria, como o PS, que mudou de discurso. O nosso discurso é hoje o mesmo que era há anos atrás.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — O PS é que está a ir ao vosso encontro! Está a caminhar cada vez mais para a direita!

O Orador: — Em relação a esta matéria, rigorosamente nada nos modificámos, aliás, até dizemos «bemvindos a um discurso mais responsável quanto a esta matéria da Administração Pública».
Mas, Sr. Secretário de Estado, deixe-me que lhe diga que V. Ex.ª é aqui, hoje, a cara do atraso. Isto é, quando era expectável que a reforma da Administração Pública já tivesse bem mais avançada, aquilo que nos vêm propor é mais uma prorrogação do congelamento das carreiras, dando-nos uma explicação, que ouvi com atenção e que é a seguinte: tecnicamente era possível fazê-la já, mas considera o Governo mais correcto esperar mais um ano para que ela possa ser melhor explicada.
Sr. Secretário de Estado, essa mesma expectativa não acontecia há um ano, quando tínhamos um prazo bem distinto?! É que já há um ano poderiam ter precisamente a expectativa de que seria necessário explicar melhor e diriam logo que o prazo era outro. Não, o que acontece é que o Governo está a incumprir o prazo numa reforma essencial. E, portanto, isto preocupa, como é evidente, um partido como o CDS, que tem uma posição de fundo clara.
Queremos que, de facto, a cultura do mérito impere na Administração, não aceitamos bem o automatismo nas progressões nas carreiras, achamos que as mesmas devem ser, aliás, estabelecidas por necessidades dos serviços bem determinadas e vemos com preocupação a comparação entre a despesa que existe na Administração e os seus níveis de eficiência, mas, com toda a sinceridade, este Governo, que tanto gosta das revisões em alta, vem aqui hoje assumir uma revisão em alta na reforma e no prazo para reformar a Administração Pública. Devo dizer, Sr. Secretário de Estado, que, em relação a esta matéria, o nosso sinal é de uma claríssima preocupação.
Pretendemos questionar também outro aspecto. Soubemos da existência de uma comissão técnica de revisão do sistema de carreiras e remuneração da Administração Pública, que tinha à sua frente, aliás, o Prof.
Luís Fábrica.
Gostaria que o Sr. Secretário de Estado nos dissesse qual o efeito prático do trabalho realizado durante um ano e três meses. Vai ser aproveitado? Não vai ser aproveitado? Acho que, em relação a esta matéria, temos de ser muito claros, temos de assumir as opções políticas de uma forma muito firme. Mas, deixe-me que lhe diga, Sr. Secretário de Estado, que o grande sinal que o CDS quer dar a este debate não é de esperança mas, sim, de profunda preocupação.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito obrigado pelas questões que entenderam formular-me.
Começo por responder, em primeiro lugar, às questões colocadas pelo Sr. Deputado Arménio Santos, referindo que a disposição e a atitude do Governo, relativamente às associações sindicais em matéria de reformas a introduzir na Administração Pública, foi desde o início, é e continuará a ser, de abertura para o diálogo para introduzir as mudanças necessárias. Porém, é essencial também que haja uma percepção, por parte dos agentes sociais, sindicais e de todos os agentes políticos, de que os desafios que se nos colocam, em matéria de modernização da Administração Pública, são grandes em termos de aumentar as capacidades competitivas do País no plano internacional e em matéria de bom serviço aos cidadãos e às empresas e de bom serviço do País em geral e que estas mudanças têm de ser introduzidas e de serem arrojadas face a problemas graves que vieram a acumular-se no interior da Administração.
Esta atitude de arrojo na introdução de alterações não é compatível com posições de absoluto imobilismo, como muitas vezes, em muitos domínios, algumas associações sindicais, no fundo, personificam: verdadeiro imobilismo, verdadeira recusa de alterar seja o que for e, mais, verdadeira tentativa de voltar, inclusivamente, a tempos passados, ignorando reformas entretanto introduzidas.
Isto é o que tenho a dizer relativamente a apreciações gerais feitas pelo Sr. Deputado.

Página 39

9 DE DEZEMBRO DE 2006

39

O Sr. Deputado perguntou, concretamente, quanto se poupou com a medida legislativa adoptada no ano passado. Responder-lhe-ei que os valores que estão inscritos no Orçamento para o próximo ano, e que aqui já foram objecto de discussão em sede de Orçamento, apontam para valores idênticos aos que constam das avaliações que fazemos relativamente ao ano cuja execução orçamental agora termina: cerca de 225 milhões de euros — isto, relativamente à sua pergunta concreta, conforme a formulou.
O Sr. Deputado perguntou também quantas progressões e promoções de mérito decorreram durante este ano e associou a quantificação das mesmas ao número de pessoas que foram avaliadas pelo SIADAP.
Perante essa pergunta, permita-me que lhe diga, Sr. Deputado, que não viu com atenção a formulação adoptada, tanto na lei do ano passado como na que agora se pretende aprovar e que prorroga as medidas do ano passado. O que a lei prevê é a não contagem do tempo de serviço. O que a lei prevê, repito, é a não contagem do tempo de serviço, isto significa que a lei, por si própria, impede progressões e promoções que estejam baseadas em tempo de serviço. É o mesmo que dizer que todas as progressões que, durante o corrente ano, não estiveram baseadas em tempo de serviço operaram-se normalmente. Portanto, não é possível dizer quantas foram. Temos de ver é a categoria jurídica que aqui está em causa. E o que está aqui em causa são progressões baseadas em tempo de serviço, porque as que não estão baseadas em tempo de serviço não são afectadas por estas medidas legislativas. Não serão afectadas no próximo ano, como não o foram no corrente ano.
Passo às questões suscitadas pelo Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Deputado disse que a minha cara, aqui, era a cara do atraso nas reformas da Administração Pública.
Permita-me, Sr. Deputado, que, de entre muitas outras medidas que foram tomadas ao longo deste ano, relembre, e deixe a crédito dos esforços feitos pelo Governo em matéria de reestruturação da Administração Pública: a reestruturação de todos os ministérios, cujas linhas mestras foram aprovadas através de leis orgânicas; a aprovação de um regime novo que orienta a reorganização dos serviços públicos; as alterações que foram introduzidas no próprio Sistema de Avaliação de Desempenho da Administração Pública, por forma a ele que fosse mais aplicado; a aprovação da legislação sobre a mobilidade; o carregamento da base de dados dos recursos humanos da Administração Pública, algo que não se fazia desde 1999, como disse na minha intervenção inicial; a concretização do princípio da admissão de um agente por cada dois saídos, associado a uma política efectiva de controlo de recrutamento de novos efectivos.
A sua pergunta relacionava-se com o relatório da Comissão de Revisão de Carreiras e de Remunerações dos Funcionários Públicos. O relatório foi tornado público, tem estado a ser a base do debate com as associações sindicais e muitas das sugestões contidas no relatório serão certamente aproveitadas pelo Governo…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Queira concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: — … na elaboração da reforma do sistema de vinculação, de carreiras e de remunerações. Cá estaremos para ver quais são as sugestões.
É preciso dizer-se que o Governo tem ambições nesta matéria, mas isto não significa que siga estritamente as conclusões do relatório da Comissão,…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Sr. Secretário de Estado, o seu tempo esgotou-se. Tem de concluir.

O Orador: — … porque o Governo tem ambições que, em muitos domínios, vão para além das próprias ambições da Comissão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Desde o princípio do seu mandato que o Governo PS elegeu os trabalhadores da Administração Pública como um alvo que facilmente lhe poderia granjear popularidade.
Foi nesse sentido que começou por apresentar os funcionários públicos como culpados pelo descontrolo das contas públicas e por outros males do País.
Com uma enorme dose de demagogia e de populismo, e cometendo uma grande injustiça para com a dignidade profissional desses trabalhadores, o Governo procurou diabolizar de forma gratuita os funcionários públicos, rotulando-os de «privilegiados» face aos restantes trabalhadores portugueses.
As condições de trabalho de que os funcionários públicos usufruíam, e que o PS, quando estava na oposição, defendia, de forma acrisolada, como «direitos intocáveis», logo que o mesmo PS chegou ao Governo, transformou-as em «privilégios intoleráveis» e que tinham de ser combatidas. Como sempre, o PS diz uma coisa na oposição e faz o seu contrário no Governo.

Página 40

I SÉRIE — NÚMERO 25

40

O objectivo desta estratégia do Governo socialista parece claro: ganhar a simpatia da opinião pública que, numa situação de crise — com o desemprego a disparar; o trabalho precário a crescer e o poder de compra a diminuir —, olhava, e olha, com alguma «cobiça» a «estabilidade e os direitos» de que gozava o funcionalismo público, segundo as acusações do Governo.
Na Administração Pública como em outras áreas, o Governo é perito na técnica de «dividir para reinar», pondo os portugueses uns contra os outros e manejando a seu bel-prazer a pequena «inveja» lusitana.
Temos muitas dúvidas que o País real tenha ganho ou ganhe alguma coisa com esta estranha forma de governar.
O PSD considera que o País ganhava mais se, em vez disso, o Governo definisse políticas para desenvolver e relançar a economia, apontasse o rumo certo para vencermos as dificuldades e fortalecesse a união dos portugueses para, juntos, enfrentarmos os problemas e avançarmos para os níveis de progresso de que o País precisa e merece.
Mas não são essas as preocupações do Governo do Partido Socialista.
Talvez para esconjurar alguns complexos do passado, em que ao «diálogo» se sucedia o «diálogo» e, no final, pouco restava, o actual Governo PS enveredou pelo estilo «absolutista».
Avalia a sua existência pelo número de querelas que arranja, sendo o processo de reforma da Administração Pública um caso emblemático — criou desnecessariamente um clima de tensão e de desmotivação no seio dos trabalhadores da Administração Pública, com resultados até hoje pouco ou nada visíveis.
São dezenas os diplomas já produzidos sobre esta reforma, mas sem uma ideia clara e uma linha condutora a unir e a sustentar as várias peças do processo.
É uma reforma a retalho e que parece ser conduzida contra os profissionais do sector em vez de ser orientada para ganhar a sua adesão e participação responsável e construtiva e, assim, todos juntos, encontrarmos a solução para reformar efectivamente a Administração Pública.
O PSD discorda deste caminho de afrontamento.
Em coerência com o que sempre defendeu e com sentido de responsabilidade, o Partido Social Democrata considera essencial a existência de uma Administração Pública profissionalmente competente, transparente e funcional, ao serviço dos cidadãos e da modernização da sociedade.
O Portugal moderno e desenvolvido que queremos exige igualmente uma Administração Pública dinâmica e identificada com esse desígnio nacional. E estamos convictos que, ao contrário do que o Governo faz crer, os profissionais da função pública também desejam uma Administração Pública moderna e prestigiada e não imobilista.
Sr. Presidente, esta proposta de lei n.º 104/X, pedindo a prorrogação do congelamento do direito à progressão nas carreiras e dos suplementos remuneratórios dos trabalhadores da Administração Pública, insere-se neste processo de reforma do sector.
A suspensão desses direitos começou no dia 30 de Agosto de 2005, com a entrada em vigor da Lei n.º 43/2005, e, pelos vistos, vai durar até ao dia 31 de Dezembro de 2007 se, entretanto, não for novamente prorrogada no final do próximo ano.
Ora, o módulo de tempo necessário para se operar a mudança de escalão dura 36 meses. Com a presente prorrogação, o período de suspensão atinge os 28 meses e está prestes a consumir o limite temporal do módulo de tempo legalmente previsto para a mudança de escalão.
Nestes 28 meses, os trabalhadores que preencherem os requisitos para a sua progressão não poderão, por isso, usufruir do direito a mudar de escalão.
Este problema é particularmente importante em relação às carreiras horizontais, cuja valorização salarial se faz exclusivamente através da mudança de escalão, ao fim de 48 meses, o que significa que os trabalhadores integrados em carreiras horizontais vêem, assim, as suas carreiras completamente bloqueadas.
Refira-se, ainda, que a mudança de escalão não é automática nem depende apenas da antiguidade, como às vezes se faz crer à opinião pública, mas depende também da apreciação do mérito do desempenho dos trabalhadores que, desde a entrada em vigor do SIADAP, exige a nota de «Bom» para toda e qualquer progressão.
Sr. Presidente, o arrastar da situação por mais um ano não favorece o normal funcionamento da Administração Pública e o Governo devia ter honrado o seu compromisso de apresentar um novo sistema de carreiras no prazo que anunciou. Também aqui se vê como o Governo é forte no discurso mas indolente no trabalho. Também aqui se vê como a prática do Governo é mais de falhar do que de realizar.
A culpa, disse o Sr. Ministro das Finanças, no passado dia 4 de Outubro, e hoje, aqui, também o Sr.
Secretário de Estado, é do atraso na implementação do novo sistema de vínculos, carreiras e remunerações.
Ou seja, a culpa é do Governo! Ora, Sr. Presidente, sendo esta questão culpa do Governo, não nos parece correcto que este Parlamento transfira para os trabalhadores da Administração Pública a responsabilidade desse atraso e os faça expiar essa culpa, brindando-os com mais esta prorrogação da suspensão dos seus direitos. Daí a nossa rejeição desta proposta de lei.

Página 41

9 DE DEZEMBRO DE 2006

41

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — O Sr. Deputado Ricardo Freitas inscreveu-se para pedir esclarecimentos mas o Sr. Deputado Arménio Santos não tem tempo disponível para responder, portanto, passamos adiante.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado, para uma intervenção.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Ministros, Sr.as e Srs.
Deputados: O debate que hoje realizamos é um déja vu. No passado dia 28 de Julho de 2005, nesta mesma Assembleia, o Governo apresentava uma proposta de lei que estabelecia, dizia o Governo, uma medida transitória.
Dizia o Governo, nessa altura, que o tempo de serviço dos trabalhadores da Administração Pública não contava para efeitos de progressão na carreira e congelava também todos os suplementos remuneratórios até Dezembro de 2006. Ora, esta medida transitória vê a sua esperança de vida prolongada. É mais um ano de perda do tempo para efeito de progressão e é mais um ano sem actualização dos suplementos remuneratórios, o que constitui um novo ataque aos vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Orador: — A proposta de lei n.º 104/X, que hoje discutimos, prorroga os efeitos da Lei n.º 43/2005 até 31 de Dezembro de 2007.
O Governo não inova nos argumentos que invocou.
Diz o Governo que a presente proposta de lei encontra «a sua motivação na forte tendência de crescimento das despesas com pessoal (…) que representaram, em 2004, 14,4% do PIB contra 10,8% da média da União Europeia a 15». Ora, o Governo «compara alhos com bugalhos».
Se analisarmos o peso das despesas totais da Administração Pública, isto é, aquilo que o Estado gasta para a prestação de serviços, então, chegamos a números bem diferentes.
Portugal gasta cerca de 47,8% do seu PIB, quando a média da União Europeia, também a 15, gasta 47,6%, existindo mesmo muitos países, como a Bélgica e a Dinamarca, com despesas superiores a 50%.
Assim, a ideia tão propagandeada de que a Administração Pública é a causa do défice cai por terra.
A solução para o problema do défice reside no lado das receitas. Contudo, o Governo alimenta toda uma política de destruição de serviços públicos e de ataques aos direitos dos trabalhadores, tendo como pano de fundo esse combate ao défice que devia, e podia, passar pelo lado das receitas e pelo combate à economia paralela.
O Governo volta a insistir na falsa ideia de que existem progressões automáticas na Administração Pública.
Na Administração Pública, Sr. Secretário de Estado, não existe nenhuma carreira que progrida apenas com o decorrer do tempo. Além do tempo de serviço, os trabalhadores precisam de uma avaliação positiva do seu desempenho para progredirem na carreira.
Já no ano passado desafiámos o Sr. Secretário de Estado a dizer quais são as carreiras da Administração Pública que progridem automaticamente. Nessa altura não respondeu, nem responderá agora, porque não existem.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Orador: — O Governo, à imagem do que aconteceu no ano passado, simula uma negociação colectiva.
Na verdade, cumpriu formalmente as regras de negociação, mas não chega. Importava ouvir verdadeiramente as organizações representativas dos trabalhadores e negociar com elas.
O Governo assume o seu verdadeiro objectivo com este diploma, quando afirma que a Lei n.º 43/2005 fez baixar a despesa pública com pessoal e que isso demonstra que a medida é oportuna e necessária.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Oportuna e necessária era uma outra política que encarasse a Administração Pública como um factor de desenvolvimento, que abandonasse de vez a concepção retrógrada e balofa de «menos Estado, melhor Estado».
Necessária era uma outra política que valorizasse a Administração Pública e o importante serviço que esta presta ao País e à população. O que era oportuno e necessário era uma política que pusesse fim ao vergonhoso processo de privatizações de serviços públicos, que alimentam a gula de alguns sectores privados à custa de todos os portugueses. Importante era que o Governo dignificasse os salários de miséria que existem na Administração Pública, que olhasse para os trabalhadores da Administração Pública com respeito e não como inimigos a abater.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: No passado dia 28 de Julho de 2005, o Governo congelou a progressão na carreira e a actualização dos suplementos até Dezembro de 2006, porque estava em curso a revisão do sistema de avaliação. Hoje, o Governo estende o prazo até Dezembro de 2007

Página 42

I SÉRIE — NÚMERO 25

42

porque, além da revisão do sistema de avaliação e desempenho, quer mudar o estatuto remuneratório, os vínculos e as carreiras dos trabalhadores da Administração Pública.
Este diploma é, assim, uma espécie de aquecimento, uma espécie de antecâmara, o preâmbulo de um conjunto de medidas que vão atacar os alicerces em que se funda a Administração Pública.
Ficamos a saber que, quanto a ataques aos trabalhadores, o Governo não deixa os seus créditos em mãos alheias. Enquanto não consegue atingir os seus objectivos finais, congela «transitoriamente» a progressão nas carreiras.
Importa lembrar as palavras do Sr. Deputado António Gameiro, do Partido Socialista, nesse debate. «(…) É evidente que a medida é transitória, está na letra da lei que se aplicará desde a data de entrada em vigor do diploma até 31 de Dezembro de 2006». Ora, o presente diploma prova que estas medidas são tudo menos transitórias.
Enquanto não muda o sistema de avaliação e desempenho, enquanto não altera as carreiras e os vínculos, o Governo vai destruindo os direitos por esta via e, uma vez concretizadas estas medidas, deixa de ser necessário congelar a progressão das carreiras porque o Governo, nessa altura, já terá encontrado a maneira de ou eliminar o direito a progressão na carreira ou limitar a progressão a casos muito residuais.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Infelizmente, tínhamos razão quando afirmámos, no passado dia 28 de Junho de 2005, que o Governo iria abrir mais uma frente de batalha numa guerra. Hoje, podemos afirmar que a guerra não é só contra os trabalhadores da Administração Pública mas também contra os serviços públicos.
Infelizmente, tínhamos razão quando dissemos que, com estas políticas e com estas medidas, o Governo apenas iria conseguir o conflito, a luta. Hoje, e após diversas manifestações e greves, podemos afirmar que com estas políticas e estas medidas, o Governo conseguiu não só a forte e determinada oposição dos trabalhadores da Administração Pública mas também o descontentamento e o protesto de milhares e milhares de trabalhadores do sector privado.
A persistir neste caminho, o Governo só pode esperar mais descontentamento e mais protestos por parte dos trabalhadores e do povo português.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta hoje a esta Câmara a proposta de lei n.º 104/X que determina a prorrogação da vigência das medidas aprovadas pela Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, até 31 de Dezembro de 2007.
A Lei n.º 43/2005 determina a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e o congelamento do montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado até 31 de Dezembro de 2006.
O Governo adopta tal decisão com base na necessidade de suster o crescimento da despesa pública com o pessoal, recorrendo para tal à prorrogação do congelamento da progressão na carreira e dos suplementos remuneratório durante o ano de 2007, e, ao mesmo tempo, assume o compromisso de proceder à revisão do sistema de carreiras e remunerações da Administração Publica, em articulação com a revisão do sistema de avaliação de desempenho dos funcionários e a concepção de avaliação dos serviços públicos.
Durante o corrente ano, o decurso dos trabalhos de reestruturação da Administração Publica confirmaram a complexidade das matérias e dos processos em apreciação de que, entre outros, relevamos os seguintes: mais de 700 carreiras do regime geral; mais de 180 corpos especiais ou do regime especial; mais de 400 categorias isoladas.
Quanto aos inúmeros e diversificados suplementos remuneratórios vigentes no sistema actual, recordamos que havia ministérios em que mais de 90% dos seus efectivos auferiam tais suplementos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É sobre esta complexa e difícil realidade da Administração Pública que o Governo tem vindo a actuar, suportando e fundamentando as suas decisões em trabalhos técnicos rigorosos e na negociação com as organizações representativas dos trabalhadores da Administração Publica.
Até à conclusão dos trabalhos de reforma ao nível do enquadramento de carreiras, mantém-se a necessidade de continuar o esforço de contenção da despesa pública com o pessoal, o que só será possível através da limitação dos mecanismos de progressão nas carreiras e da manutenção dos actuais níveis dos suplementos remuneratórios.
O relatório elaborado pela Comissão de Revisão do Sistema Carreiras e Remunerações dos Funcionários Públicos, que contém o diagnóstico e as perspectivas de evolução, foi já apresentado às associações representativas dos trabalhadores da Administração Pública, tendo em vista a negociação da revisão dos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações da própria Administração Pública.

Página 43

9 DE DEZEMBRO DE 2006

43

Trata-se de um relatório que não é da autoria do Governo, mas da responsabilidade de uma comissão independente que, nas conclusões apresentadas, indicia a necessidade de reformas profundas em matéria de vínculos, carreiras e remunerações.
É à luz da reforma global de carreiras que queremos promover que também deverão ser reequacionados os actuais mecanismos de progressão e promoção na carreira dos funcionários e agentes da Administração Pública, de modo a centrar-se a sua arquitectura no mérito, na excelência e na qualidade.
Tais reformas, sabemo-lo bem, exigem tempo de discussão e aprofundamento na sociedade, em particular na Administração Pública, no plano negocial salarial.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem consciência dos sacrifícios pedidos aos trabalhadores da Administração Pública.
A reestruturação dos serviços do Estado é, por certo, uma das mais difíceis e complexas tarefas que qualquer governo de qualquer tempo teve de enfrentar. Por isso, sempre adiadas.
O Governo tem tido a coragem de falar a verdade sobre a situação do País e sobre a situação da Administração Pública em particular.
Não chega ter coragem para afirmar tais realidades. Importante é, na verdade, actuar com sentido de responsabilidade perante o País e perante os mais de 700 000 trabalhadores da Administração Pública. E é isso que o Governo do Partido Socialista tem vindo a fazer, assumindo a reforma da Administração Pública como uma das prioridades para recolocar Portugal na trajectória do desenvolvimento e do progresso económico e social.
Os funcionários públicos conhecem bem aquilo de que hoje falamos, estamos certos do sentido das suas preocupações, mas conhecemos também o sentido da responsabilidade com que olham o futuro da Administração Pública e o seu posto de trabalho.
Desde 2005, os funcionários públicos ouvem este Governo e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista falar do seu futuro, da sua qualificação, da renovação necessária em contextos de competitividade e qualidade do desempenho do serviço público que prestam.
A luta dos trabalhadores da Administração Pública por carreiras e remunerações dignas e justas sempre rejeitou o estatuto e o tratamento de trabalhadores privilegiados. Por isso, sempre defenderam a transparência dos seus processos laborais e foram sempre os primeiros a apelar à racionalidade do sistema. Sabem e sentem como difícil e complexo é o processo da reestruturação dos seus postos de trabalho.
Também o Grupo Parlamentar do PS reafirma ter consciência do significado e dos efeitos sociais e políticos da proposta que o Governo hoje nos apresenta. Gostaríamos que a reforma das carreiras da Administração Pública já tivesse sido concluída no corrente ano. Compreendemos, contudo, a complexidade e a dimensão desta reforma, razões que justificam o seu atraso.
Porém, continuamos convictos que os trabalhadores da Administração Pública sabem que este é o caminho a seguir, duro e difícil, mas o caminho que salvaguardará o seu futuro como trabalhadores do Estado português, o seu estatuto profissional e o futuro das funções públicas que desempenham.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista dá, assim, o seu apoio ao Governo na aprovação da presente iniciativa legislativa, desejando que, conjuntamente com os parceiros sociais, o Governo apresente, no mais curto espaço de tempo possível, as propostas de reforma da Administração Pública.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca,

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O debate de hoje é a segunda versão, sem nenhuma emenda, daquilo que foi o debate de 28 de Julho.
Retomamos exactamente a mesma discussão.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública, em 28 de Julho, afirmava que «o Governo tem consciência que, com esta medida, está a pedir um sacrifício a todos os que têm uma relação jurídica de emprego com entidades públicas, mas este sacrifício é imposto pela dificílima situação das finanças públicas portuguesas, sendo que, aliado ao sistema de revisão de carreiras e remunerações que o Governo se compromete a levar a cabo durante o próximo ano, permitirá salvaguardar o futuro dos trabalhadores do Estado e do seu estatuto profissional». Hoje, curiosamente, vem dizer a mesma coisa.
O Sr. Secretário de Estado dizia que esta situação resultava da dificílima situação das finanças públicas. O Sr. Deputado do Partido Socialista António Gameiro dizia mais. Dizia que a oposição, nomeadamente o Bloco de Esquerda numa pergunta que lhe tinha dirigido, estava a fazer uma grande confusão, pois para ele era tudo muito claro: «a medida é temporária e de natureza excepcional».
Bem, hoje, a medida continua a ser de natureza excepcional, mas há aqui uma novidade: nem o Sr.
Secretário de Estado nem o Partido Socialista disseram que a medida é temporária. Já não é temporária! Deixou de o ser!

Página 44

I SÉRIE — NÚMERO 25

44

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — É temporária!

A Oradora: — Portanto, em 2005, era falso que a medida fosse temporária. E os senhores sabiam que era falso!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Exactamente!

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — É temporária!

A Oradora: — Como é falso, em 2006, que a medida apenas decorra da situação dificílima das finanças públicas, porque os senhores dizem que esta situação passará com o novo esquema de carreiras. Então, também essas carreiras vão vir em «pacote congelado»? Porque, se não vêm em «pacote congelado», têm de custar menos dinheiro, têm de custar, como dizia o Sr. Deputado António Gameiro quando fazia as contas muito rapidamente, os tais 70 milhões de euros por semestre, o que dava 200 milhões de euros por ano.

Risos do BE.

Assim, gostávamos que o Governo e o Partido Socialista nos esclarecessem quanto a essas carreiras. No ano passado, a situação era difícil e, por isso, congelaram-se as carreiras; este ano, continua difícil, congelamse; mas deixa de ser difícil quando vier o esquema de carreiras, naturalmente «congelado» com esta poupança. Portanto, que carreiras serão estas?

Vozes do BE: — Muito bem!

A Oradora: — Há ainda outra coisa absolutamente extraordinária e que nos faz voltar à «vaca fria», que são as promoções ou as progressões automáticas.
O Sr. Secretário de Estado sabe melhor do que eu, porque é um dirigente da Administração Pública, que quem mais usufrui da progressão quase que automática são as carreiras auxiliares, que, por sinal, são horizontais e começam, na sua maioria, a ganhar 410 €, para as quais esta pequena progressão de 10 ou 15 pontos, em termos percentuais, representa bastante. Ouvimos, há bocado, o Sr. Deputado Jorge Strecht referir exaltadamente o valor de 403 € quanto ao salário mínimo nacional, mas a verdade é que estas carreiras mais pobres — as mais pobres da função pública — são as que sofrem maior prejuízo, porque não têm mais nenhum mecanismo de aumento salarial nem de promoção.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Muito bem lembrado!

A Oradora: — Estamos a prejudicar, claramente, os que menos ganham e o Governo sabe isso. Portanto, se faz «orelhas moucas» a esta questão, é pura demagogia, é pura encenação.
Por este caminho, de combate em combate, de congelamento em congelamento — congelam-se os escalões, congelam-se as pensões, sai a mobilidade, que foi hoje «descongelada», segundo afirma o Sr.
Secretário de Estado —, e tendo o Sr. Secretário de Estado aqui exaltado o tal imobilismo (que não sei se quer dizer, exactamente, congelamento), os senhores vão fazer o congelamento do Estado de social e provocar o imobilismo daquilo que julgam ser o seu «inimigo público». No entanto, é da Administração Pública estamos a falar!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A Lei n.º 43/2005, aprovada, é preciso relembrá-lo, há quase um ano e meio nesta Câmara, tinha como objectivo que o tempo de serviço prestado por todos os trabalhadores e demais servidores até 31 de Dezembro de 2006 (até daqui a uns dias) não fosse contado, para efeitos de progressão, em todas as carreiras e categorias. Ao mesmo tempo que apresentava esta proposta de lei, o Governo anunciava, de forma solene, rever até ao final deste ano o sistema de carreiras e remunerações.
Hoje, é por demais evidente que todo este processo de pretensa reforma na Administração Pública se caracteriza pelo insuportável atraso, muitas indecisões e um aglomerado de trapalhadas. Tememos mesmo que este projecto de revisão da Administração Pública não passe daquilo que é: um conjunto de folhas de papel.
Quando deveria estar a apresentar o novo sistema de carreiras e remunerações, o Governo apresenta à Assembleia da República um bem típico pedido prorrogação, por um ano, da vigência das medidas aprovadas

Página 45

9 DE DEZEMBRO DE 2006

45

pela Lei n.º 43/2005. Assim se perpetua a indefinição na Administração Pública, prejudicando claramente os funcionários públicos.
Aliás, isso mesmo era reconhecido no texto da resolução do Conselho de Ministros n.º 109/2005, onde se afirmava: «A imperiosa necessidade de reduzir o volume da despesa pública corrente obriga o Governo a consagrar, a título marcadamente excepcional e temporário,…» — repito, a título marcadamente excepcional e temporário — «… enquanto se procede à revisão do sistema de carreiras e remunerações, medidas de congelamento das progressões na carreira e dos suplementos remuneratórios, que se mantêm nos seus valores actuais.» Excepção por um ano, excepção por dois anos, quem sabe se excepção por três anos, para explicar melhor a pretensa reforma.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Nessa mesma altura, o Governo decidiu também abdicar dos serviços da comissão técnica de revisão do sistema de carreiras e remunerações da Administração Pública, quando esta ainda só tinha concluído um terço da sua missão. A mesma resolução (o que valem os textos…) encarregava esta comissão de três missões fundamentais: a primeira deveria estar concluída até ao dia 30 de Novembro não deste ano, mas do ano passado, e consistia em proceder à avaliação da situação actual e desenvolver os princípios a que se deve subordinar o novo sistema; a segunda dizia respeito à elaboração da legislação necessária à revisão do sistema de carreiras e remunerações, tarefa que deveria estar terminada até 30 de Abril de 2006; e, finalmente, a terceira estipulava que a comissão deveria ainda acompanhar o processo de aprovação e entrada em vigor do novo sistema — veja-se! — até ao dia 31 de Dezembro de 2006. Pelos vistos, nesta altura, ainda não surgiram as tais necessidades de explicar melhor esta reforma, que ainda há pouco foram referidas pelo Sr. Secretário de Estado.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Que fique muito claro que, no CDS-PP, mantemo-nos onde sempre estivemos. O actual sistema de carreiras e remunerações revela sinais de inadequação face às necessidades impostas por uma moderna gestão de recursos humanos, é insuficiente na articulação com a avaliação e o reconhecimento do mérito. Impõe-se, por isso, fazer a sua revisão! Não vemos, aliás, razões para que, na Administração Pública, se mantenham os esquemas de automatismo ou de semiautomatismo nas progressões das carreiras. As promoções e as progressões devem ser ditadas, em primeiro lugar, pelas necessidades dos serviços, para dar uma melhor resposta aos utentes, ao público que servem, e devem ser ditadas, fundamentalmente, por critérios de mérito. Isso não nos leva, evidentemente, a sermos penhor para atrasos e incumprimentos.
Portanto, esta prorrogação excepcional, esta prorrogação adicional merece, claramente, o nosso voto contra, porque hoje temos a dúvida que têm muitos funcionários públicos, que têm muitos portugueses: para quando a famosa reforma da Administração Pública?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs.
Deputados: Infelizmente, assistimos a mais um episódio de um feroz ataque do Governo aos trabalhadores da Administração Pública e, no fim de contas, à globalidade do Estado social, prosseguindo uma lógica de privatização de cada vez mais funções e serviços públicos. Congelam-se as carreiras e suprime-se, assim, o direito que a lei consagra de progressão. Congelam-se suplementos remuneratórios, como são os subsídios de deslocação e de alojamento, apesar da inflação, pedindo que os trabalhadores paguem do seu bolso para trabalhar.
O Governo demonstra, assim, que não tem qualquer respeito pelos direitos dos trabalhadores nem pelas suas legítimas expectativas, num cenário em que reduz o salário real de uma forma consecutiva desde há cinco anos, com aumentos abaixo da inflação ou com o congelamento de facto dos aumentos, originando que o próprio salário médio bruto nominal caia pela primeira vez em 2007. Promove a precarização e a desvalorização dos vínculos de trabalho público e aponta para o desemprego público futuro ou para um quadro de supranumerários com avultadas perdas de remuneração, pois quer aumentar, claramente, os actuais números já existentes hoje na Administração Pública, em que um em cada cinco funcionários, ou seja, 20%, têm já um vinculo precário.
Do que hoje se trata é da reafirmação do desrespeito pelos trabalhadores da Administração Pública, que este Governo promove, e a confirmação de que a sua intenção principal, para não dizer quase única, é poupar. Aliás, basta ler o teor do texto que acompanha a presente proposta de lei, como o do ano passado, para ver que a única intenção é poupar. Diz-se que é preciso conter a despesa e poupar dinheiro. E qual é que

Página 46

I SÉRIE — NÚMERO 25

46

é a maneira de poupar dinheiro? Corta-se nos salários e nos direitos dos trabalhadores da Administração Pública.
De facto, já no ano passado, Os Verdes acusaram o Governo de ter uma intenção muito clara, como demonstram os próprios documentos que tem vindo a aprovar no sentido de defender um reforço da mobilidade entre os trabalhadores do sector público e do sector privado, de permitir a evolução de um sistema fundamentalmente apoiado na concepção de carreira para um sistema fundamentalmente apoiado numa concepção de emprego, com um regime aproximado ao regime geral do trabalho.
O Governo pode não querer assumir claramente, mas o que está aqui em causa, Sr. Secretário de Estado, é acabar com o actual sistema de carreiras e não reformá-lo — reformá-lo só talvez no sentido de o fazer desaparecer, ou seja, retirá-lo do activo e colocá-lo na aposentação.
É isso que o Governo pretende e é para isso que aponta o estudo que foi encomendado pelo Governo, e no qual perdeu quase um ano inteiro a trabalhar, ou seja, para que a regra na Administração Pública passe a ser o contrato individual de trabalho e não o regime das carreiras.
Há outra questão fundamental que convém corrigir no texto que acompanha a presente proposta de lei. O Governo diz que foram ouvidos os representantes dos trabalhadores. No entanto, Sr. Secretário de Estado, isto tem de ser corrigido e tem de ser dito que, no ano passado, se afirmava que esta era uma questão de transitoriedade, tendo o PS dito repetidamente que esta era uma situação transitória, até ao final do ano de 2006. Contudo, chegamos ao final do ano de 2006 sem que tenha havido alguma responsabilidade dos trabalhadores na ausência de negociação, e a realidade é que estamos exactamente no mesmo ponto. A única coisa em que se avançou foi na realização de um estudo que defende claramente o fim das carreiras na função pública, restringindo-as a um núcleo muito limitado em certos domínios privilegiados.
Resta saber em que medida vai o Governo acompanhar as propostas feitas nesse estudo. Infelizmente, tememos que seja da pior maneira e que venha a ser consagrado o maior número possível de propostas incluídas nesse estudo.
O que verificamos é que, face às falhas existentes, segundo a opinião do Governo, no actual sistema, não se corrigem essas falhas. De facto, não se pretende reformar o actual sistema, nem negociar com os trabalhadores, mas tão-só o fim das actuais carreiras. Pretende-se usar as falhas do actual sistema da função pública para, pura e simplesmente, «matá-lo» e substituí-lo por um sistema de funcionamento rigoroso, numa lógica privada, retirando cada vez mais direitos e acabando com o Estado social.
Os Verdes, naturalmente, estarão contra isso e, assim, vão votar contra esta proposta de lei.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Pública.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer algumas brevíssimas apreciações às intervenções feitas por VV. Ex.as
.
Hoje, um projecto feito exclusivamente por funcionários públicos portugueses foi distinguido, em Bruxelas, com o Prémio Europeu da Iniciativa Empresarial.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Muito bem!

O Orador: — Esse projecto, repito, desenvolvido exclusivamente por funcionários públicos portugueses, foi o projecto «Empresa na Hora», que assim, no plano internacional, também viu reconhecido o seu mérito.
Trata-se de um projecto feito por funcionários públicos portugueses e é por isso que é preciso reconhecê-lo aqui vivamente.
Assistimos aqui à explanação da agenda a que poderíamos chamar do «imobilismo na Administração Pública», numa confluência, aliás, interessante de verificar, no discurso expresso mas também nos valores, entre o Partido Social Democrata e o Partido Comunista Português — uma confluência objectiva nos valores, no discurso e, até, na falta de imaginação para a construção de alternativas que sejam positivas para os trabalhadores, na medida em que assentam simplesmente na manutenção das progressões.
Relativamente ao PSD e também ao CDS-PP, deixem-me dizer que, quando assumiram a governação em 2002, estiveram distraídos, não viram que, pelo menos no período de 1990 a 2002, as despesas de pessoal cresceram a uma taxa média de 10,49% do PIB/ano e, perante essa situação, não adoptaram quaisquer soluções de fundo nem soluções estruturantes – na vossa perspectiva, claro! Foi por isso que o Partido Socialista e o seu Governo entenderam adoptar as reformas que são necessárias, mas seguindo a sua própria perspectiva.
Esta reforma, que alguns dizem pretensa, mas, ao mesmo tempo, dizem corporizar-se em dezenas de iniciativas desgarradas, é a reforma que está em marcha. É uma reforma que tem largas ambições e que apostará claramente na requalificação dos funcionários públicos. É que os funcionários públicos sentem que lhes estão a ser pedidos sacrifícios, mas também sabem que não podíamos continuar na espiral em que todos estávamos a viver, de aumento sistemático da despesa.

Página 47

9 DE DEZEMBRO DE 2006

47

Os funcionários públicos sabem que é preciso mudar, e mudar profundamente, porque inclusivamente o seu prestígio depende dessa mudança. De facto, a ideia que a sociedade tem deles, que não é completamente positiva, não é de agora, tem dezenas de anos, pelo que é preciso fazer reformas para que os portugueses vejam os funcionários públicos com outros olhos e os funcionários públicos sintam que estão represtigiados aos olhos dos portugueses.
É esse o trabalho que estamos a fazer e que vamos manter.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado enunciou um conjunto de ideias, a título de conclusão deste debate. Importa, porém, que lhe expresse algumas ideias que não são propriamente coincidentes.
O Secretário de Estado disse que a Administração Pública tem muitos méritos e nós dizemos que a Administração Pública tem serviços de excelência. Mas, Secretário de Estado, é preciso ter muita «lata» para, no preciso momento em que anuncia medidas gravosas para os trabalhadores da Administração Pública, em que castiga os trabalhadores da Administração Pública, chegar aqui e dizer que os trabalhadores têm um serviço de mérito. Se os trabalhadores têm, como têm, serviços de mérito, compense-os, não os castigue por algo que não é da responsabilidade deles.
Por outro lado, o Secretário de Estado falou em confluências entre o PSD e o PCP. Deixe-me dizer-lhe que a única confluência que registei neste Plenário foi a confluência entre o PS e o CDS-PP, no ataque à Administração Pública, na reforma da Administração Pública que visa a destruição dos serviços públicos.
Quanto ao imobilismo, de que o Secretário de Estado nos acusa — é, mais uma vez, a «cassete» do imobilismo —, quero dizer-lhe, Secretário de Estado, que não queremos o imobilismo mas, sim, melhor e mais Administração Pública. Não queremos, sobretudo, o que o Sr. Secretário de Estado está a praticar, que é a destruição dos serviços públicos — isso é que não pode recolher o apoio do PCP.
Por fim, devo dizer que os trabalhadores da Administração Pública olham para este Governo com protestos na rua, não o olham com bons olhos. Porquê? Porque a única preocupação deste Governo desde que tomou posse é atacar todos os direitos dos trabalhadores da Administração Pública, visando a destruição dos serviços públicos. Ora, com isso, nem os trabalhadores nem o PCP podem pactuar.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos à apreciação da proposta de lei n.º 105/X — Altera a contribuição dos beneficiários dos subsistemas de saúde da Administração Pública.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento (Emanuel Augusto Santos): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje trazemos a esta Câmara insere-se na linha de reformas estruturais que visam assegurar a sustentabilidade dos sistemas públicos de protecção social.
Estas reformas são indispensáveis porque, sem elas, estes sistemas ficariam à mercê de rupturas financeiras num futuro que se adivinha não ser já muito longínquo.
Assim, é urgente que sejam tomadas as medidas necessárias que garantam aos cidadãos, nomeadamente àqueles que mais precisam, um futuro de assistência na saúde e na velhice, com a dignidade que merecem.
Naturalmente que esse futuro nunca poderá ser garantido com atitudes de irresponsabilidade, que «atiram para a frente» a solução dos graves desequilíbrios financeiros já existentes nestes sistemas públicos.
Srs. Deputados, o futuro ganha-se hoje, com a coragem e a determinação de tomar as medidas adequadas que a situação exige.
Também não adianta julgarmos que a solução está na privatização maioritária dos sistemas públicos de protecção social. Esta pseudo-solução significa duas coisas: primeiro, que o Estado se demitiria das suas funções sociais, o que não queremos; e, segundo, que os mais prejudicados com esta deriva liberal seriam os portugueses com menores rendimentos, isto é, os mais pobres, o que não admitimos.
É por estas razões que hoje vimos propor que o desconto actualmente efectuado pelos beneficiários titulares da ADSE passe para 1,5%. Lembro que este valor foi fixado no Decreto-Lei n.º 125/81, de 27 de Maio, portanto, há mais de 25 anos. Desde então, grandes foram as mudanças no sector da saúde, reflectindo, designadamente, os progressos notáveis que foram concretizados com a aplicação de novas tecnologias ao diagnóstico, à prevenção e ao tratamento das doenças, a que se deve juntar a forte inovação na área do medicamento. Também no decorrer deste período se assistiu ao crescente envelhecimento da população, com as consequências incontornáveis de necessidades acrescidas de cuidados de saúde.
Esta evolução não pôde deixar de ter reflexos nas despesas suportadas pela ADSE. Entre 1995 e 2006, estas despesas mais do que triplicaram, enquanto as receitas provenientes dos descontos dos beneficiários não chegaram a dobrar.

Página 48

I SÉRIE — NÚMERO 25

48

Naturalmente que estas tendências resultaram num défice crescente do sistema, que tem sido suportado invariavelmente pelo Orçamento do Estado, ou seja, pelas receitas provenientes de todos os contribuintes.
De salientar também que, ao longo destes últimos anos, tem sido alargado o número de situações abrangidas nas diversas vertentes da promoção da saúde: cuidados hospitalares, cuidados médicos, enfermagem, meios de correcção e compensação, medicina física e de reabilitação, medicamentos, etc. Visto de uma outra perspectiva, trata-se de um verdadeiro reforço dos direitos dos beneficiários.
Deste modo, justifica-se que quem usufrui deste sistema seja agora chamado a contribuir para a sua viabilidade futura. Por razões de equidade na distribuição dos encargos, propõe-se também que os beneficiários aposentados comparticipem neste esforço de reequilíbrio financeiro do sistema, ainda que com uma taxa de desconto mais baixa, de 1% sobre as pensões de aposentação e reforma. Mas não abandonando o princípio e o dever de solidariedade com os que menos têm, propõe-se também que fiquem isentos de qualquer desconto os aposentados e reformados cuja pensão seja inferior a uma vez e meia a retribuição mínima mensal garantida.
Por último, atente-se às alterações legais introduzidas no ano de 2005, que visam a aproximação ao regime da ADSE dos subsistemas de saúde das Forças Armadas, das forças de segurança e serviços sociais do Ministério da Justiça, salvaguardando, todavia, um regime transitório, onde se prevê a actualização gradual e progressiva da percentagem de desconto, até atingir os mesmos 1,5%.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª anuncia esta reforma como sendo uma reforma estrutural. Também não faz a coisa por menos! Ou seja, a grande reforma estrutural que o Estado vai fazer na ADSE é aumentar a contribuição dos trabalhadores para este sistema.
Achei muito curioso que o Sr. Secretário de Estado, ao elencar um conjunto de causas que levou a um agravamento muito significativo do défice da ADSE, não tivesse referido uma delas, a do aumento totalmente desproporcionado do número de funcionários públicos que se verificou em Portugal, nomeadamente a partir do ano de 1995, em especial entre 1998 e 2000, data do último «consulado» socialista, com um Primeiro-Ministro, que agora parece ser de má memória, chamado Engenheiro António Guterres.
É muito curioso que a reforma estrutural que hoje o PS propõe para resolver um problema que foi criado, acima de tudo, por um anterior governo do PS não seja, por exemplo, reduzir o número de funcionários públicos; não seja, por exemplo, adequar a nossa função pública às reais necessidades do País; não seja, por exemplo, fazer um controlo mais efectivo dos gastos da ADSE; não seja, por exemplo, melhorar a gestão da ADSE.
Qual é, então, a reforma estrutural que os senhores propõem? É aumentar a carga fiscal dos trabalhadores que estão inscritos na ADSE, é aumentar, mais uma vez, a carga fiscal sobre as pessoas. Esta é, aliás, a solução socialista, a reforma socialista para os problemas do País.
Se há um problema de aumento de gastos e de má gestão, aumenta-se a carga fiscal sobre os portugueses; se não conseguimos controlar a despesa, aumentam-se os impostos sobre as pessoas. É espantoso, aliás, que o Sr. Secretário de Estado o admita com tão mediana clareza.
Temos duas faces de um mesmo Governo. Em anterior intervenção aqui proferida hoje, ouvimos um membro do Governo dizer: «atenção, temos de melhorar a imagem dos funcionários públicos, porque grande parte dos portugueses olha-os com muita desconfiança»; agora, outro membro do mesmo Governo vem dizer que os funcionários públicos também fazem parte de mais uma grande classe de privilegiados, porque beneficiam de um sistema de saúde para o qual não pagam.
Mais uma vez, estamos perante aquela teoria do Partido Socialista (que este Governo tanto gosta de aplicar), que é a de pôr portugueses contra portugueses, de os pôr uns contra os outros, ao invés de fazer o que deviam. Deviam, sim, controlar a gestão, melhorar os mecanismos de gestão e ter mais controlo sobre estes sistemas. Só que o Governo não está interessado em fazê-lo nem tem coragem para fazer as verdadeiras reformas estruturais.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — Sr. Presidente, o Sr. Deputado do CDS Pedro Mota Soares questiona-nos sobre outro tipo de assuntos, designadamente sobre a reforma da Administração Pública. Já nos debruçámos, analisámos e discutimos essa questão muitas vezes nesta Câmara, mas hoje não é esse o caso.

Página 49

9 DE DEZEMBRO DE 2006

49

Sr. Deputado, eu não disse que esta medida era uma reforma estrutural, apenas referi que ela se inseria na linha das reformas estruturais do Governo, no sentido de garantir a sustentabilidade do sistema público de assistência na doença dos funcionários públicos, e justifiquei-o.
A razão, Sr. Deputado, é dada pelos números.
Se o Sr. Deputado analisar as despesas na última década verificará que as despesas suportadas pelo Orçamento do Estado mais do que triplicaram, enquanto as receitas provenientes dos beneficiários não chegaram a duplicar.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Por que será?!

O Orador: — Ora, tal significa que o défice, a diferença entre despesas e receitas aumentou, e isso não se deve a má gestão da ADSE, Sr. Deputado.
V. Ex.ª não tem acompanhado as contas, as despesas de administração da Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública, porque se tivesse olhado para os balanços sociais dos últimos anos teria notado que o número de funcionários a trabalhar nesta Direcção-Geral tem vindo a reduzir-se e tem aumentado a componente técnica. Portanto, tem ocorrido uma melhoria muito significativa da gestão desta Direcção-Geral.
A prova disso é pública, porque todos os documentos — planos de actividade, relatórios, balanços sociais — estão patentes no site que esta Direcção-Geral disponibilizou a todos os cidadãos na Internet. Aliás, ela está já a prestar serviços directos de consulta e de informação sobre a situação das comparticipações na doença a todos os seus beneficiários.
Portanto, não se trata aqui, de maneira alguma, de estabelecer uma relação causa-efeito entre despesas de gestão e este aumento que é necessário para garantir a sustentabilidade do sistema. O que se verifica, efectivamente, é que o sistema alargou os benefícios aos seus titulares e esses benefícios custam cada vez mais caro.
Neste sentido, não é justo que sejam todos os cidadãos a participar com os seus impostos neste aumento de custos sem que os directamente beneficiados sejam chamados a comparticipar um pouco mais nestas despesas. Esta é a razão fundamental que está por detrás desta medida do Governo.
Estamos a propugnar para melhorar a gestão da Direcção-Geral da ADSE — é um facto — e, para tanto, basta compulsar as contas, os orçamentos desta Direcção-Geral ao longo dos anos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Isto hoje está «preto» para os funcionários públicos — é medida em cima de medida. Portanto, a coisa está feia!… Parece que a melhor solução para os funcionários é esta: não adoeçam e deixem lá de ir tantas vezes ao médico, porque se assim não for o sistema dá «buraco»! Esta é mais uma medida que, de facto, o Bloco de Esquerda não compreende. Agora mesmo, o Sr.
Secretário de Estado acabou de reafirmar o que já tinha sido dito pelo Sr. Ministro das Finanças, isto é, que é justo que se peça aos utilizadores da ADSE que paguem mais, porque não é justo que todos nós comparticipemos. Esta é uma afirmação extremamente demagógica, Srs. Membros do Governo, porque, afinal, os funcionários públicos, quando utilizam o Serviço Nacional de Saúde, também pagam taxa moderadora igual à dos outros trabalhadores.
Parece que se inverteu a questão dos «privilegiados»: agora, com este aumento, vai haver um grupo que é mais privilegiado do que os funcionários públicos. Ou seja, com este aumento de 0,5% de comparticipação dos funcionários públicos para a sua protecção social, eles passarão a descontar 11,5%, contra os outros senhores, um grupo muito grande, imenso!, do País, que apenas paga 11%. Qualquer dia, vamos ter aqui a encenação de dizer: vamos lá equipar todos! Agora, os funcionários públicos são mais prejudicados, porque há uns senhores que só pagam 11% e, portanto, são mais privilegiados. Vamos, então, nivelar todos! De facto, este nivelamento vinha previsto no Programa do Governo e do PS.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Este vinha!

A Oradora: — Mas, afinal, dá-se aqui uma situação complicada: é que o tal grupo que tem vindo a correr atrás de nivelar os outros, agora «passou-lhes a perna» e fica a pagar mais 0,5%!… Mais: os pensionistas da Administração Pública também passam a ser uma categoria à parte, porque aos outros pensionistas que recebam até seis salários mínimos (de acordo com a proposta da lei de bases da segurança social) ninguém lhes toca em grandes factores de sustentabilidade! Mas para dar sustentabilidade à ADSE, os pensionistas da Administração Pública vão pagar 1,5% para a ADSE. O melhor é não adoecerem, de facto!

Página 50

I SÉRIE — NÚMERO 25

50
Estas medidas do Governo são absolutamente espantosas, e fico surpreendida como é que o Sr.
Secretário de Estado está muito preocupado com o olhar dos portugueses sobre os funcionários públicos quando, afinal, é o Governo que mais mal faz aos funcionários públicos, quem provoca a desconfiança nos funcionários públicos, porque veio aqui tratá-los como privilegiados, como pessoas que têm progressões automáticas, pensões altíssimas e um regime de protecção social excepcionalíssimo, como se isso fosse verdade! O Sr. Secretário de Estado sabe bem que os funcionários públicos também pagam para se socorrerem de meios complementares de diagnóstico, ou seja, pagam duas vezes. Trata-se, portanto, de uma situação completamente absurda! E continuarão a pagar para além de aposentados — vamos ver se o farão também depois de mortos… Isto é algo absolutamente espantoso e inédito em matéria de protecção social no nosso país.
Como dizia, o Sr. Secretário de Estado mostrou-se preocupado com a visão que os portugueses têm dos funcionários públicos, mas vai carregando, carregando, carregando… E quer ter funcionários públicos alegres, contentes, produtivos,…

A Sr. Alda Macedo (BE): — Saudáveis!

A Oradora: — … saudáveis e sorridentes, depois de lhes aplicar todas estas medidas! Creio que, deste modo, está a contribuir, sim, para ter funcionários públicos cada vez mais deprimidos, cada vez mais doentes e com menos incentivos. Como resultado, a qualidade dos serviços vai, com certeza, degradar-se e a sua imagem também.
O que o Governo aqui faz é uma penalização em resultado do avanço da ciência e, até, do avanço da concepção das pessoas relativamente aos cuidados da sua saúde, ou seja, «se cuidas muito da saúde, então vais pagar mais por isso»! De facto, o melhor é não adoecer, não ir ao médico; o melhor é ficarmos quietinhos, imobilizados.
Este é mesmo o Governo do imobilismo para os funcionários públicos!

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A ADSE é um regime específico que, além de se ocupar dos cuidados de saúde — convém lembrá-lo —, também tem encargos em matérias familiares, como sejam os abonos de família, as prestações complementares e outras prestações da segurança social. Trata-se, assim, de um regime de protecção social dos funcionários da Administração Pública e é um direito social que estes possuem.
É por isso bastante normal que, sempre que é alterado, tal cause dúvidas, perplexidades, inquietações, às pessoas que dele beneficiam.
Ainda me lembro quando a bancada do Partido Socialista vociferava que qualquer alteração à ADSE significava estar a mexer com direitos adquiridos de mais de um milhão de portugueses.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Orador: — Ainda me lembro quando muitos Deputados da bancada do Partido Socialista o diziam, e estou a ser simpático, porque também houve Deputados do PS que diziam que tal significaria mexer com direitos adquiridos de dois milhões de portugueses!

Vozes do CDS-PP: — Já se esqueceram!

O Orador: — É, pois, normal que, sempre que se mexe num direito social, o direito da saúde, isso preocupe de uma forma muito directa as famílias portuguesas. E, como é óbvio, todos nós conhecemos ou temos relações familiares com pessoas que, de uma forma ou de outra, beneficiam da ADSE.
Ao mesmo tempo, não somos insensíveis ao aumento do défice que a ADSE sofreu, nomeadamente nos anos mais recentes — de 2000 a 2005, este défice aumentou em 313 milhões de euros. Obviamente, não somos insensíveis a este facto, mas, repito, também sabemos que há justificações mais profundas para ele e que não é, única e exclusivamente, a alteração da taxa de contribuição que vai solucionar o problema do défice estrutural da ADSE.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Ora, a este aumento do défice não é alheio o facto de, entre 1995 e 2001, no último «consulado» do Partido Socialista ter aumentado, em mais de 200 000, o número de funcionários em Portugal.

Página 51

9 DE DEZEMBRO DE 2006

51

Esta situação tem consequências a vários níveis, mas também tem de ter, obviamente, uma consequência directa a nível da ADSE.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Orador: — Por isso, perante este défice, questionamos qual é a solução socialista. É reduzir o número de funcionários públicos de forma a adequarmos a função pública a uma dimensão adequada às nossas realidades e às nossas necessidades? É melhorar os mecanismos de gestão e de controlo da despesa da ADSE? Não. Não é nada disto. A solução socialista é a típica solução que o PS tem para os problemas: aumentar os impostos sobre os portugueses, aumentar a carga fiscal sobre as famílias.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Só depois de ganhar as eleições!

O Orador: — Gostava de perceber por que razão o Partido Socialista não teve a coragem de, antes das eleições, anunciar claramente aos portugueses que um voto no Partido Socialista era um voto no aumento da ADSE.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Pois é!

O Orador: — Onde está a verdade eleitoral do Partido Socialista? É que todos nos lembramos de várias declarações do actual Primeiro-Ministro, na altura candidato a Primeiro-Ministro, a dizer que, com o Partido Socialista, não ia existir aumento de impostos. A verdade é que aumentar a contribuição para a ADSE é também aumentar a carga fiscal sobre as famílias portuguesas. Ora, isso tem, obviamente, a oposição frontal do CDS-Partido Popular.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Vamos fazer aqui uma análise do que foram os últimos dois meses para as famílias portuguesas.
Houve um aumento de impostos para os pensionistas, um aumento de impostos para os cidadãos portadores de deficiência, uma cobrança de taxa de atendimento hospitalar, um encerramento das urgências e de escolas, um aumento dos preços da electricidade, um aumento das taxas de juro, um congelamento das carreiras dos funcionários públicos durante, pelo menos, dois anos e meio, um aumento, hoje, da comparticipação da ADSE… E, Sr. Ministro, como é óbvio, o aumento das taxas de juro não é da responsabilidade do Governo, mas é um encargo que recai sobre as famílias.
Perante tudo isto, qual foi a afirmação do Governo? Perante estas dificuldades sentidas pelos portugueses, sabe o que o Governo disse? «Parabéns, acabou a crise»! Quando Portugal, os portugueses, as famílias portuguesas, estão, neste momento, a sofrer, todos os dias, um agravamento da sua vida real, o que diz o Governo? «Acabou a crise»! Se calhar, acabou, Sr. Ministro. Mas só para alguns, porque não acabou para aqueles que têm rendimentos mais baixos, não acabou para aqueles que todos os dias enfrentam mais dificuldades.
Sr. Presidente, gostava de deixar uma última nota, porque o tempo de que disponha está a terminar. Este Governo é o grande defensor da convergência dos regimes, e nesse sentido até mereceu, em parte, o apoio do bancada do CDS porque achamos muito bem que exista uma convergência entre os regimes da função pública e os regimes de quem trabalha na privada, nunca pusemos em causa essa convergência.
Porém, o Sr. Secretário de Estado disse que desde 1981, mais precisamente desde 1983, não há uma actualização das taxas da ADSE. De facto, não há, porque hoje a taxa da ADSE mais a taxa social que os trabalhadores da função pública pagam perfaz 11%, exactamente igual à taxa social única que os trabalhadores que estão na privada descontam. A convergência destes regimes já existe. Quem está a pôr em causa esta convergência são os senhores. Por isso, Sr. Secretário de Estado, só falta dizer que, de hoje para amanhã, para haver convergência, o Governo vai aumentar a taxa social dos trabalhadores da função pública de 10 para 11%.
É isso que o Governo quer? É esta a justiça social e é este o aumento da qualidade de vida dos portugueses? Não nos parece.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Se é certo que este Governo não pára de nos surpreender com o anúncio de medidas penalizadoras da generalidade dos portugueses, importa reconhecer que, relativamente aos funcionários públicos, o Executivo exibe uma atitude quase persecutória.

Página 52

I SÉRIE — NÚMERO 25

52

Na verdade, os trabalhadores da Administração Pública foram, injustamente, convertidos em bodes expiatórios da persistente crise orçamental.
Não bastava já o congelamento das promoções e das progressões nas carreiras que, inicialmente previsto para durar 14 meses (entre Agosto de 2005 e Dezembro de 2006), vai agora ser prolongado por mais 12 meses porque o Governo não foi capaz de fazer o trabalho que lhe competia no prazo que ele próprio tinha estabelecido? Não comportam apreensão bastante para as centenas de milhares de funcionários públicos os parcos aumentos salariais, largamente abaixo da inflação, estrangulando os orçamentos familiares? Não constituem penalização desmedida as cargas de incerteza e de angústia que, em diversos sectores, o Governo induz nos funcionários públicos e suas famílias quando anuncia «às pinguinhas» uma suposta reforma da administração central? Tudo isso parece pouco ao Governo socialista Agora, sem hesitações, o Governo vai mais longe e anuncia um aumento dos descontos para a ADSE.
Mais meio ponto percentual para os funcionários no activo, passando de 1% para 1,5%. Para além destes, o Governo não esqueceu os aposentados, que terão de passar a descontar, a partir de Janeiro de 2007, 1% sobre as suas pensões, se estas forem superiores a uma vez e meia o salário mínimo, isto é, cerca de 579 € mensais e que, até 2012, verão aquele desconto subir todos os anos até atingir 1,5%.
Alegando que existe um défice orçamental na ADSE, o Governo propõe-se aumentar os impostos às famílias de 750 000 trabalhadores e de cerca de 300 000 pensionistas, afectando directamente a vida de cerca de três milhões de portugueses. Sim, porque é de um verdadeiro aumento de impostos que se trata, destinado a cumprir, a todo o custo, os compromissos com a Comissão Europeia no que respeita ao défice orçamental.
É extraordinário o comportamento verdadeiramente dúplice deste Governo. Por um lado, diz que não aumenta os impostos. Porém, através de formas ínvias e de justificações oportunistas, não hesita em tributar os salários e as pensões de mais de meio milhão de cidadãos indefesos.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Por outro lado, o Governo garante que não reduz o défice orçamental recorrendo a medidas extraordinárias, mas não deixa de lançar mão de medidas que são muito mais do que extraordinárias; são um esbulho inesperado dos rendimentos mensais de um milhão de famílias.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Este aumento das contribuições para a ADSE, que irá traduzir-se num encaixe financeiro para o Ministério das Finanças de pouco mais de 100 milhões de euros, será particularmente doloroso nas famílias de cerca de 300 000 pensionistas, como já referi.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A partir de 1 de Janeiro do próximo ano, quando estas medidas entrarem em vigor, criam-se duas situações de desigualdade que é preciso denunciarmos aqui. A primeira estabelece-se entre os cidadãos inscritos no regime geral da segurança social cujas contribuições para o sistema social é, em média, 11% sobre os salários e os cidadãos subscritores da Caixa Geral de Aposentações que descontarão 11,5%.
Importa fazer a pergunta seguinte: será que esta situação de desigualdade é apenas o pretexto para um aumento próximo das contribuições dos trabalhadores por conta de outrem para a segurança social? Menciono apenas os trabalhadores por conta de outrem, porque os trabalhadores independentes e equiparados já viram as suas contribuições aumentadas, desde Agosto de 2005, na maior parte dos casos em 50%.
O aumento das contribuições referido seria surpreendente, mas não descabido num Governo que perdeu todos os escrúpulos no que se refere ao aumento de impostos e de contribuições para assim alimentar o frenesim despesista. Assim, far-se-ia um nivelamento por cima nas obrigações contributivas e um nivelamento por baixo nos direitos e garantias de acesso à saúde dos cidadãos.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!

O Orador: — A segunda situação de desigualdade verifica-se entre os reformados da segurança social e os aposentados da função pública. Aqueles, não dão qualquer contributo especial para o sistema de saúde, para além dos seus impostos, que, aliás, têm vindo a aumentar, abarcando cada vez um maior número de pensionistas, ao rebaixar os montantes a partir dos quais as pensões são tributadas, como aconteceu em 2006 e voltará a ocorrer, de forma mais acentuada, em 2007. Porém, os aposentados da função pública verão as suas pensões não apenas sujeitas à tributação geral mas ainda acrescidas de uma tributação de mais 1,5% sobre o valor bruto das pensões.
Nestas circunstâncias, serão dezenas de milhares os funcionários públicos aposentados que, em 2007, receberão menos dinheiro ao fim do mês do que receberam em 2006!

Página 53

9 DE DEZEMBRO DE 2006

53

Para além de tudo isto, que já é grave, somos levados a afirmar que subjacente a esta medida pode estar o propósito de extinguir a ADSE enquanto sistema de saúde da Administração Pública.
Anda aqui «gato escondido com rabo de fora»! Eu explico. Na verdade, através do Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30 de Dezembro, deste Governo, a inscrição dos novos funcionários públicos e agentes que iniciem funções na administração central, regional e local a partir de 1 de Janeiro de 2006 deixou de ser obrigatória, como sempre acontecera. Por outro lado, esses funcionários, mesmo optando por se inscrever na ADSE, podem, a todo o momento, renunciar definitivamente a essa inscrição, abandonando este sistema de protecção social. Resulta claro que este direito de opção dos novos funcionários públicos, conjugado com o aumento de 50% nas contribuições que agora lhes é imposto, vai concorrer para uma acentuada diminuição do número de subscritores da ADSE, o que trará, como inevitável consequência, um défice crescente no sistema e, necessariamente, uma degradação dos serviços.
A este propósito, não deixamos de chamar a atenção para o que ocorre já na Caixa Geral de Aposentações que, por ter deixado de receber novos subscritores a partir de Janeiro de 2006 registava, em Outubro último, segundo a Direcção-Geral do Orçamento, uma diminuição das contribuições dos funcionários de menos 4% relativamente a Outubro do ano passado.
Aqui chegados deve ser feita a pergunta: como vai o Governo resolver estes défices que irão acentuar-se à medida que aumentar o número de funcionários aposentados, sobretudo por velhice? Decretando novos aumentos de contribuições tanto para os funcionários no activo como, sobretudo, para os reformados? Ou, como já acima referimos, optará o Governo pela extinção pura e simples da ADSE, não deixando aos funcionários públicos e suas famílias senão o recurso ao Serviço Nacional de Saúde, cada vez mais saturado e progressivamente ineficiente? Com a proposta de lei hoje em debate, o Governo provoca um inaceitável prejuízo dos funcionários públicos, ao subtrair rendimentos a um milhão de famílias, penaliza, de forma injusta, os funcionários aposentados e cria uma nociva situação de desigualdade entre cidadãos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Por tudo isto, o Partido Social Democrata opõe-se a estes propósitos funestos do Governo e votará contra esta proposta de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Miguel Laranjeiro.

O Sr. Miguel Laranjeiro (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje a proposta de lei n.º 105/X, que o Governo apresentou a esta Assembleia, e que visa a alteração da contribuição dos beneficiários dos subsistemas de saúde da Administração Pública, de modo a garantir a sua sustentabilidade a médio e a longo prazos.
A ADSE é um serviço integrado no Ministério das Finanças que gere o sistema de protecção social dos funcionários e agentes da Administração Pública. Recordo aqui que o Governo promoveu no primeiro ano do seu mandato a convergência dos diversos subsistemas de saúde públicos com o regime geral da assistência na doença dos funcionários do Estado, englobando os regimes das Forças Armadas, da GNR, da PSP e dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça.
O sistema de protecção social é importante para os trabalhadores e, por essa via, é importante para o País como um todo. Olhar para a sociedade de que fazemos parte exige o cumprimento de princípios de solidariedade, de cooperação e de interdependência, mas também de equidade e de justiça. Não somos dos que defendem a atomização social, em que cada um trata exclusivamente de si deixando de lado qualquer compromisso mais vasto e alargado com o outro. Cremos num sistema social, da educação ao emprego, da segurança social à saúde, que deve ser visto como um todo e não pelas partes individualmente consideradas.
Os subsistemas de saúde que hoje debatemos têm tido, em mais de 40 anos, um papel fundamental no acesso dos funcionários e agentes do Estado aos cuidados de saúde, funcionando quer através de regimes convencionados com os vários agentes prestadores do serviço de saúde quer pelos regimes livres com a respectiva comparticipação das despesas. Mas temos assistido, nos últimos anos, a uma evolução desses subsistemas no número de beneficiários abrangidos, devido ao aumento dos aposentados, e no número das situações médicas que são abraçadas. Em Setembro de 2006, estavam registados na ADSE 1,3 milhões de beneficiários com direitos, dos quais 860 000 titulares activos e aposentados e 482 000 familiares ou equiparados. Ora, esta situação gera, naturalmente, uma forte pressão ao nível da sustentabilidade financeira deste subsistema.
Com o aumento da esperança média de vida e com a complexidade crescente dos cuidados de saúde que têm de ser garantidos, o esforço financeiro do Estado para com esses subsistemas tem vindo a aumentar.
Estas duas realidades têm tido um impacto inegável em todos os países com sistemas similares. Esta é, portanto, uma discussão actual e da qual não poderemos fugir.

Página 54

I SÉRIE — NÚMERO 25

54

Ora, face a uma situação difícil, há sempre duas maneiras de a abordar: deixar tudo na mesma para que, no futuro, alguém, ao confrontar-se com o problema, entretanto agravado, opte por soluções radicais como o próprio desmantelamento do sistema de protecção ou, então, em alternativa, tomar medidas no sentido de corrigir o rumo e conferir ao sistema a solidez suficiente para melhor servir todos os beneficiários.
É nesse sentido que vai a proposta de lei n.º 105/X, ao sujeitar a remuneração base dos beneficiários titulares ao desconto de 1,5%. É um esforço para os beneficiários, não o negamos, mas é um esforço necessário para garantir que o sistema possa continuar a responder eficazmente aos anseios dos trabalhadores do sector público. A nossa ambição não é só assegurar os actuais direitos dos beneficiários no acesso aos cuidados de saúde mas também promover a sua melhoria contínua.
É também solicitada a colaboração dos beneficiários aposentados, verificando-se, em 2007, um desconto de 1% sobre as pensões de aposentação e de reforma, abrangendo exclusivamente aqueles que aufiram pensões de montante superior a uma vez e meia a da retribuição mínima mensal garantida, ficando os que têm uma pensão abaixo desse limite isentos de desconto.
Finalmente, a referida proposta de lei estipula um regime transitório para subsistemas de assistência na doença aos militares da GNR, ao pessoal da PSP, aos serviços sociais do Ministério da Justiça, e de assistência na doença aos militares das Forças Armadas, assistindo-se a uma actualização progressiva, até atingir o valor de 5% deste desconto. É um esforço, não o negamos. É a forma de contribuir para um sistema que queremos reforçado e impedindo assim, a prazo, políticas que conduzam a aventuras na protecção na saúde dos funcionários públicos.
Não quero deixar de registar mais um aspecto que consideramos relevante e importante: a relação dos cidadãos beneficiários com os subsistemas que hoje estão em debate deve ser uma relação de exigência.
Para isso, é fundamental apostar na melhoria dos serviços, na sua capacidade de resposta, na melhoria da demora média da reposição dos valores entretanto adiantados pelos cidadãos, na eficiência e na simplificação dos procedimentos. Essas respostas estão a ser dadas, em primeira instância, pelo Governo, que não deve hesitar na melhoria da relação dos serviços de saúde com os funcionários do Estado, estejam eles no activo, aposentados ou se trate de familiares.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Matérias como a da saúde dos portugueses exigem responsabilidade, seriedade e equidade.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Responsabilidade de quem tem de gerir um sistema e o quer manter eficaz e adequado às exigências da sociedade actual; seriedade de quem, não propondo alternativas, contribui para a descredibilização do sistema de protecção; equidade para todos aqueles que, ao contribuírem um pouco mais para os subsistemas de saúde da Administração Pública, estão a contribuir para a sua sustentabilidade e reforço.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do BE Luís Fazenda.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de termos discutido a proposta de lei n.º 104/X, que destruiu o tempo de serviço prestado até 2007 para efeitos de progressão na carreira, discutimos, agora, a proposta de lei n.º 105/X, que altera as contribuições dos beneficiários dos subsistemas de saúde da Administração Pública.
A presente proposta aumenta as contribuições de 1% para 1,5% para todos os trabalhadores da Administração Pública no activo e cria uma nova contribuição para os aposentados da Administração Pública que recebam uma pensão superior a 578 €.
Na verdade, a presente proposta, que também se aplica aos serviços sociais do Ministério da Justiça, às forças de segurança e aos militares das Forças Armadas, ainda que de uma forma gradual, vai aumentar em 50% os encargos dos trabalhadores para com a ADSE. Verdadeiramente inédita é a contribuição que os aposentado vão ser obrigado a pagar de 1% das suas pensões para a ADSE.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A presente proposta de lei tem de ser analisada num quadro de contínua degradação salarial que os trabalhadores da Administração Pública têm sofrido. Estas medidas surgem numa altura em que o Governo aumenta a carga fiscal dos aposentados, congela as carreiras e suplementos, aumenta a idade da reforma e as penalizações. Estas medidas surgem no oitavo ano consecutivo de perda de poder de compra por parte dos trabalhadores da Administração Pública.

Página 55

9 DE DEZEMBRO DE 2006

55

Estas medidas surgem numa altura em que o Governo propõe aumentos salariais de 1,5% e um aumento vergonhoso de oito cêntimos no subsídio de almoço. É neste contexto que se aplica esta medida no sentido de aumentar em 50% as contribuição para a ADSE, o que a torna numa medida injusta e desajustada.
Quanto aos aumentos salariais, importa lembrar que o Governo comprometeu-se, no Programa de Estabilidade e Crescimento 2005 a 2009, a aumentar os trabalhadores da Administração Pública em 2%, o que não cumpriu.
O aumento de 1% para 1,5% das contribuições para a ADSE implica que os trabalhadores da Administração Pública sejam aumentados em apenas 1%. Ora, tendo em conta que a inflação real vai ser, seguramente, superior aos 2,1% previstos pelo Governo, facilmente se chega à conclusão de que este ano vai ser mais um ano de redução salarial para os trabalhadores da Administração Pública. Entre 2001 e 2007, o poder de compra do sector privado baixou cerca de 1,5% e na Administração Pública baixou cerca de 7%, o que demonstra a discriminação a que estes trabalhadores são sujeitos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo evoca o facto de ter havido estagnação nas receitas, embora isto não corresponda à verdade, uma vez que em 2004 as receitas eram de cerca de 141 milhões de euros e em 2005 aumentaram para 153 milhões de euros. No entanto, tem havido uma diminuição no crescimento das receitas, o que se deve única e exclusivamente aos sucessivos governos que têm imposto uma política de contenção salarial e de congelamento de admissões na Administração Pública.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — O Governo «enche a boca» com as palavras «equidade» e «convergência de regimes», mas vai criar uma situação injusta para estes trabalhadores, uma vez que estes passam a descontar mais do que os trabalhadores do sector privado. Os trabalhadores do sector privado descontam 11% e os trabalhadores da Administração Pública passam a pagar 11,5%.
Cria, também, uma situação discriminatória, ao obrigar os aposentados a pagar 1% das suas pensões para a ADSE, agravando, assim, as suas já acentuadas dificuldades. Mais importa referir que estes trabalhadores pagam IRS, logo, teriam direito ao Serviço Nacional de Saúde, que, ou não utilizam ou, utilizando, este recebe comparticipações da ADSE, o que não só alivia o Serviço Nacional de Saúde como o financia.
O Governo afirma que a dívida ascende a mais de 700 milhões de euros, mas importa lembrar que a ADSE, por falta de recursos humanos, não tem vindo a fiscalizar as facturas pagas ao Serviço Nacional de Saúde, nem aos médicos convencionados, o que não deixa de ser estranho para um Governo que se mostra tão preocupado com o défice deste subsistema de saúde.
Estas medidas vêm agravar as condições de vida de milhares de trabalhadores e aposentados da Administração Pública. Para termos ideia da verdadeira dimensão destas medidas, basta referir que, em 2007, esta medida irá custar a estes trabalhadores e aposentados mais de 120 milhões de euros. Este é mais uma medida a juntar a um rol muito significativo de outras que constituem um ataque sem precedentes aos trabalhadores da Administração Pública.
Hoje, vão ser votadas, na generalidade, duas propostas de lei que são representativas de como o Governo encara os trabalhadores da Administração Pública.
Com o argumento de combate ao défice, o Governo está determinado em atacar e destruir todo e qualquer direito que estes trabalhadores conquistaram. O Governo encara os trabalhadores da Administração Pública como um alvo a abater, com vista à entrega de importantes sectores da Administração Pública ao sector privado.
Com estas medidas, perdem os trabalhadores, numa primeira instância, mas perdem todos os portugueses, uma vez que estas medidas tem subjacente uma lógica de destruição dos serviços públicos, agravando, assim, as injustiças sociais, e comprometem o desenvolvimento do nosso país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs.
Deputados: O Sr. Secretário de Estado, na intervenção inicial, falou, querendo dirigir-se a outros que não o próprio Governo, de uma deriva liberal. No entanto, analisando as políticas do Governo, tais como o aumento de comparticipações para a saúde, juntando-se a outros aumentos, designadamente o das taxas moderadoras ou a criação de novas taxas de utilização, não sei como é que o Governo ainda tem coragem de falar de deriva liberal, apontando para outro lado, sem ser para si próprio, vendo-se ao espelho.
Antes de mais, quero deixar, numa primeira nota, Sr. Secretário de Estado, uma correcção que penso não ter sido suficientemente esclarecida neste debate: a criação de uma nova contribuição que vai diminuir o valor das aposentações não é de 1%, é de 1% no primeiro ano, porque irá crescendo por cinco anos até atingir os mesmos 1,5% que os trabalhadores da função pública irão pagar a partir do próximo ano — aliás, numa lógica extraordinária, que é a deste Governo, que entende que as contribuições devem ir sempre aumentando, não

Página 56

I SÉRIE — NÚMERO 25

56

em termos absolutos, o que seria lógico, uma vez que falamos de uma percentagem. Ou seja, aumentando os vencimentos, pelo menos de acordo com a inflação para acompanhar o aumento do custo de vida, aumentaria a contribuição nominal, acompanhando o aumento dos custos dos bens e serviços de saúde. Mas o problema é que os vencimentos na Administração Pública não têm aumentado; antes pelo contrário, têm diminuído face à inflação. É por isso que o montante das receitas provenientes dos descontos efectuados pelos beneficiários estagnou. Em vez de aumentar os salários e de acabar com os congelamentos nas carreiras, repondo a justiça social e elevando, simultaneamente, as receitas dos subsistemas, o Governo vai sobrecarregar ainda mais os trabalhadores, sempre um pouco mais.
Ou seja, como se não bastasse, em cima de todos os aumentos, implicados com o aumento de custo de vida, em cima do agravamento da carga fiscal, em cima do aumento das taxas moderadoras, em cima da diminuição dos salários reais da Administração Pública pelo quinto ano consecutivo e por causa dela, «ora, tomem lá mais meio ponto percentual de descontos para os subsistemas de saúde, como a ADSE». Isto é que é uma deriva liberal, Sr. Secretário de Estado! Deriva liberal é transferir custos para os trabalhadores, que já pagam muito nos impostos, aos quais não podem fugir e para os quais são o primeiro e principal sustentáculo da máquina fiscal, abrindo assim caminho à privatização de serviços públicos.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Orador: — A segunda nota, Sr. Secretário de Estado, é para chamar a atenção para algo que já aqui foi falado e que tem a ver com a criação de uma disparidade entre a generalidade dos trabalhadores do sector privado, que descontam para a segurança social 11% do seu salário, que lhe assegura não só as reformas futuras — enfim, vamos a ver, com as propostas do Governo se, de facto, irão assegurar as reformas futuras!?… — como a protecção no caso de desemprego e de doença, e os trabalhadores da função pública, que, até agora, descontavam para a Caixa Geral de Aposentações 10% e mais 1% para a ADSE, ou seja, os mesmos 11%, e vão agora passar a descontar 11,5%, isto é, mais 0,5% não só do que descontam neste momento mas do que descontam os restantes trabalhadores do sector privado.
Quem sabe se para o ano, assumindo a ideia de realizar um novo nivelamento em alta, se colocarão todos os trabalhadores, quer os do sector privado quer os do sector público, quiçá, a descontar 12%!?…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas comentar algumas afirmações que, a propósito desta medida, foram tecidas neste debate.
Resumiria esses comentários nas três palavras que o Sr. Deputado Miguel Laranjeiro, da bancada socialista, referiu. Esta questão exige «responsabilidade», «seriedade» e «equidade». Infelizmente, aquilo a que assistimos da parte das outras bancadas foi o contrário disto mesmo. Não há responsabilidade, porque ninguém me respondeu à questão de saber quem é que financiava o défice deste subsistema de saúde pública. O Bloco de Esquerda diz que se está a sobrecarregar os trabalhadores,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — É verdade!

O Orador: — … mas esquece que quem paga o défice deste subsistema são todos os trabalhadores, com os seus impostos, Sr. Deputado Luís Fazenda. Não pense, Sr. Deputado, que o défice do Estado se pode aumentar desmedidamente e que quem vier depois, as futuras gerações, é que o vai pagar.
Sr. Deputado, «responsabilidade» foi o que utilizei na intervenção inicial. Responsabilidade é preparar o futuro das gerações vindouras. É isto que estamos a fazer.

Protestos do BE.

É para garantir a sustentabilidade destes subsistemas de saúde que estamos a propor esta medida, Srs.
Deputados.
Por outro lado, Srs. Deputados da bancada do Partido Social Democrata, não é sério chamar a esta taxa um imposto. Não é sério porque, também do ponto de vista técnico, o Sr. Deputado Adão Silva engana-se. O Sr. Deputado teceu uma argumentação, qual teia onde foi apanhado. O Sr. Deputado diz o seguinte: «Isto é uma nova taxa. Isto é um imposto». E, mais tarde, reconhece: «Mas, atenção, há aqui qualquer coisa escondida. Os novos trabalhadores da função pública têm a liberdade de não se inscreverem nesse sistema».
Ó Sr. Deputado, então isto é uma taxa ou é um imposto?

Protestos do PSD.

Página 57

9 DE DEZEMBRO DE 2006

57

Então, se os novos trabalhadores da função pública têm a liberdade de não pagar esta taxa, isto é um imposto? Ó Sr. Deputado, sejamos sérios! O que está aqui em causa é o pagamento de benefícios relativamente a um sistema especial de protecção social dos funcionários públicos.
É demagogia dizer que, comparativamente ao sector privado, se paga mais meio ponto percentual?

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Vai dizer que não é verdade?!

O Orador: — É em condições iguais, Sr. Deputado! Não se está a pagar mais 0,5%! Comparem-se os benefícios da ADSE dos funcionários da função pública com os dos restantes trabalhadores que não têm direito à ADSE!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Os meios de diagnóstico são muito mais caros!

O Orador: — Isso vale mais, muito mais do que 0,5%! Até vale mais do que 1,5%! Desafio a bancada do CDS a fazer uma consulta ao mercado, no sentido de encontrar uma qualquer seguradora que garanta a cobertura das situações que a ADSE cobre, com as mesmas contribuições que os funcionários públicos pagam! Procurem e, se encontrarem, em Portugal, uma companhia de seguros que faça essa cobertura, que dê os mesmos benefícios, dou-lhe os meus parabéns.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Ah! O seu termo de comparação são os seguros privados?!

O Orador: — Srs. Deputados, não é sério, é demagogia, é não reconhecer o princípio da equidade efectiva não querer estender o pagamento desta comparticipação aos aposentados com reformas superiores a uma vez e meia a remuneração mínima garantida. E porquê? Porque, comparando com os sistemas especiais do sector privado, e conheço alguns sectores, designadamente o sector financeiro, que tem sistemas próprios, os aposentados, efectivamente, continuam a fazer os seus descontos para o seu subsistema de saúde. Esta é a prática normal, e não só no sector privado, mas também em todos os países nossos parceiros na Europa. Os aposentados continuam, muito naturalmente, a descontar para os seus sistemas específicos de protecção na saúde. Esta é que é a verdade dos factos!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Quer comparar as pensões?!

O Orador: — Srs. Deputados, temos de assumir esta responsabilidade, porque isto é assegurar, efectivamente, como disse no início, a viabilidade do subsistema que serve os interesses dos funcionários públicos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Vamos, agora, passar à apreciação da proposta de lei n.º 100/X — Prorroga por três anos o prazo de vigência das medidas preventivas de ocupação do solo no local previsto para a instalação da estação de radar secundário da serra do Marão e na área circundante, estabelecidas pelo Decreto n.º 50/2003, de 27 de Outubro.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações (Paulo Campos): — Ex.
mo Sr. Presidente, Ex.
mos Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Venho apresentar a esta Assembleia a proposta de lei que visa a prorrogação das medidas preventivas para a instalação de um radar secundário na serra do Marão.
A instalação do radar em apreço enquadra-se no plano de acção para a navegação aérea, definido pelo Governo, aquando da apresentação, em Julho passado, das Orientações Estratégicas para o Sistema Aeroportuário Nacional. Tais acções vão também ao encontro das disposições do Plano Europeu de Convergência e Implementação, que impõe aos Estados-membros da Organização Europeia para a Segurança da Navegação Aérea (EUROCONTROL) a implementação da dupla cobertura de vigilância de radar secundário em todas as regiões de informação de voo sob a sua jurisdição.
O radar a instalar na serra do Marão permite, pois, completar a dupla cobertura de vigilância de radar secundário da região de informação de voo de Lisboa, no que respeita ao continente, e permite ainda, dado o enquadramento topográfico e as suas características radioeléctricas, a cobertura terminal do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, pelo que constituirá também uma alternativa ao radar de aproximação daquele aeroporto internacional que serve o Norte de Portugal, o que é sempre aconselhável, em termos de segurança.

Página 58

I SÉRIE — NÚMERO 25

58

Assim sendo, esta proposta justifica-se para evitar novas construções ou alterações às construções existentes ou utilizações de solos que possam vir a comprometer, onerar ou dificultar a construção e a operação daquela infra-estrutura necessária à manutenção da qualidade de segurança de voo público e de apoio à navegação aérea no espaço aéreo português.
Neste termos, e com o intuito de preservar os solos para a instalação da estação de radar, foram decretadas, em 2003, pelo período de dois anos, e posteriormente prorrogadas por mais um ano, medidas preventivas de ocupação do solo. No entanto, durante este hiato de tempo, não foi possível proceder à tomada de posse do terreno e concluir o estudo de impacte ambiental necessário, pelo que importa, agora, estabelecer nova prorrogação do prazo inicial por mais três anos, período de tempo que não poderá ser considerado excessivo, tendo em conta as diligências ainda necessárias.
Assim, e porque a disposição do diploma ao abrigo do qual foram decretadas as medidas preventivas e a prorrogação do prazo de vigência do tal Decreto não permite decretar nova prorrogação desse prazo mediante simples decreto-lei, procedemos à elaboração de uma nova proposta de lei, à semelhança, aliás, da solução utilizada para prorrogar por mais três anos o período de vigência das medidas preventivas de ocupação do solo na área potencial do novo aeroporto da Ota, recentemente aprovada nesta Assembleia.
Concluo, assim, a minha intervenção de apresentação desta proposta, reiterando que esta iniciativa do Governo é indispensável à salvaguarda do interesse público e dos superiores interesses do Estado e, por isso, merecerá, certamente, o acolhimento de VV. Ex.as
.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, vamos passar ao período regimental de votações.
Importa, antes de mais, proceder à verificação de quórum de deliberação por meio electrónico e, como sempre, os Srs. Deputados que não puderem assinalar a sua presença por este meio, assinalá-la-ão, depois, por escrito.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 143 presenças e a Mesa assinala, pelo menos, mais 9, pelo que há quórum de votação.
Assim, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 104/X — Determina a prorrogação da vigência das medidas aprovadas pela Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, até 31 de Dezembro de 2007.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e votos contra do PSD, do PCP, do CDS-PP, do BE e de Os Verdes.

A proposta de lei n.º 104/X baixa à 11.ª Comissão.
Vamos, agora, votar, também na generalidade, a proposta de lei n.º 105/X — Altera a contribuição dos beneficiários dos subsistemas de saúde da Administração Pública.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e votos contra do PSD, do PCP, do CDS-PP, do BE e de Os Verdes.

A proposta de lei n.º 105/X baixa, igualmente, à 11.ª Comissão.
Passamos à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 100/X — Prorroga por três anos o prazo de vigência das medidas preventivas de ocupação do solo no local previsto para a instalação da estação de radar secundário da serra do Marão e na área circundante, estabelecidas pelo Decreto n.º 50/2003, de 27 de Outubro.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

A proposta de lei que acabámos de votar baixa à 9.ª Comissão.
Passamos à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, relativo à proposta de lei n.º 80/X — Aprova a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, votos contra do PSD, do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

A votação deste texto final determinou a inscrição de alguns Srs. Deputados para apresentarem declarações de voto.
Assim, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Ribeiro Cristóvão.

Página 59

9 DE DEZEMBRO DE 2006

59

O Sr. Ribeiro Cristóvão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando, no passado dia 5 de Julho, aqui formulámos várias críticas à proposta de lei de bases da actividade física e do desporto, e contra a qual votámos, nessa altura, fixámos, desde logo, o comportamento que o PSD iria assumir, quando, em comissão, a referida lei viesse a ser debatida e, depois, votada, na especialidade.
O tempo veio confirmar que cumprimos o então prometido.
A cada crítica feita pelo PSD a matérias que entendíamos não corresponderem aos interesses do País desportivo real, juntámos sempre uma nova proposta que, do nosso ponto de vista, melhor se adaptava à lei que hoje votámos.
Isto significa também que o PSD prometeu e concretizou os seus propósitos, evidenciando um comportamento completamente diferente daquele que fora protagonizado pelo PS em situação semelhante, dois anos antes. Isto é, em todo o percurso feito pela lei proposta pelo anterior governo, e que hoje deixa de vigorar, o PS limitou-se tão-somente a ser crítico, mas recusou-se a apresentar alternativas.
Em relação ao texto que hoje é apresentado à Câmara, manifestámos, desde o início, concordância em alguns pontos, do mesmo modo que tomámos posições contrárias em questões por nós sempre consideradas inegociáveis.
Não se tratou de ceder a pressões de qualquer espécie mas apenas de manter uma irredutível coerência, para nós, essa, sim, inegociável.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Desde o início dos trabalhos que hoje chegam ao fim, o PSD, tal como os demais partidos, incluindo o próprio Partido Socialista, contribuiu para alterações profundas ao texto inicial, o que veio confirmar não ser afinal tão bom quanto os seus proponentes nos queriam fazer crer.
Além disso, as quatro audições públicas, realizadas aqui, na Assembleia da República, vieram também confirmar a razão das críticas feitas ao chamado «Congresso do Desporto», que o PS levou a efeito, e cujos múltiplos encontros terão estado na base do texto então apresentado e que viria a demonstrar-se estar desadequado da realidade.
A Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, que hoje votámos, não reflecte, na totalidade, o pensamento do PSD sobre diversas matérias.
Deixámos sempre bem claro que a Lei n.º 30/2004 é a que melhor serve os interesses de todos os portugueses, sejam eles do continente, dos Açores ou da Madeira. Aliás, destas duas Regiões têm chegado ecos vários do desagrado com que ali foi recebido o texto que, hoje, nos foi apresentado.
Também por isso mas, sobretudo, em nome da coerência de que nunca nos desviámos desde o início votámos contra esta Lei de Bases, que uma parte significativa do País também rejeita.

Aplausos do PSD.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): — Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: — Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): — Sr. Presidente, é só para anunciar que eu próprio e um conjunto de Deputados do PSD, pertencentes à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, iremos fazer chegar à Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: — Muito bem, Sr. Deputado.
Tem, agora, a palavra, também para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda entendeu que, apesar de recentemente aprovada uma Lei de Bases do Desporto, atendendo à alteração da situação política, era necessário fazer uma nova lei de bases, agora intitulada da actividade física e do desporto. Porquê? Porque a anterior Lei de Bases era má, era negativa, em diversos aspectos, e, sobretudo, era confusa nas suas aplicações, como o demonstraram as várias tentativas de regulamentação. E aplaudimos um certo regresso do Estado à regulação do fenómeno desportivo — intenção originária da proposta de lei do Governo.
Alertámos logo, no debate na generalidade, para um conjunto de lacunas e de pontos fracos que entendíamos ter este diploma. E foi em coerência com isso, reconhecendo, embora, que houve avanços positivos em algumas matérias na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, que hoje aqui votámos contra, desde logo e em primeiro lugar, devido à filosofia da lei de bases do desporto, que, ao contrário do que acontece nas sociedades avançadas do ponto de vista desportivo, não vê a escola como base da actividade desportiva mas, sim, o clube e a associação desportiva, o que é até uma inversão da cronologia da actividade

Página 60

I SÉRIE — NÚMERO 25

60

física individual. E, como a escola foi posta como o «parente pobre» da lei de bases do desporto, discordamos totalmente dessa filosofia de base.
E, em segundo lugar, por uma matéria à qual não queremos, de modo algum, associar-nos: o artigo que vai regular a justiça desportiva. Sr.as e Srs. Deputados, se o País ficou atónito com o que se passou, numa espécie de subtracção ao acesso aos tribunais no futebol profissional, no «caso Mateus», nas contestações do Gil Vicente ou de outras associações ou clubes, o que acontecerá a partir de agora? É porque o artigo sobre justiça desportiva é muitíssimo mais confuso e complexo. Temo — e julgo que não me enganarei — que muito brevemente vamos ter casos como o do Gil Vivente ou o «caso Mateus» multiplicados por vários factores.
Esse aspecto é verdadeiramente lamentável, tanto mais que o Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, ausente em parte incerta ao longo do debate na especialidade, não foi capaz de ser sensível à necessidade de não se tornar mais complexo aquilo que tinha a ver com a justiça desportiva.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — Por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, entendemos que o voto desfavorável cauciona a nossa posição face a ilegalidades gritantes que brevemente irão manifestar-se. Não podemos pactuar com um cerceamento dos direitos constitucionais e o acesso aos tribunais é um direito constitucional! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, esta Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto pode ser tutelada pela FIFA, mas não é inspirada na Constituição da República.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cabral.

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista votou hoje a favor do texto final, apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, sobre a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, como já o tinha feito no dia 5 de Julho, quando a proposta de lei foi debatida e aprovada na generalidade.
Sempre dissemos que esta proposta de lei vinha melhorar substancialmente a legislação existente para o desporto. Também dissemos que estaríamos receptivos a todas as sugestões que pudessem melhorar esta proposta de lei. Foi para nós gratificante, durante os meses em que trabalhámos na especialidade este diploma, ter aceite uma série de contributos de outros grupos parlamentares no sentido de clarificar alguns aspectos da proposta de lei, de densificar outros, enfim, de melhorar este texto.
Não deixa, no entanto, de ser para nós confusa a posição de alguns grupos parlamentares nesta votação.
O PSD veio aqui hoje votar contra a versão final desta lei numa situação que consideramos lamentável. Na especialidade, em sede de comissão, houve 76 votações parcelares, nas quais o PSD votou a favor em 75.
Votou uma única vez contra, relativamente a um número de um artigo que tem que ver com a continuidade territorial.
Gostaria aqui de relembrar que, em sede de grupo de trabalho, houve a aprovação de um novo texto para este artigo, que teve nesse âmbito os votos favoráveis do PS, do PSD e do CDS-PP. Depois das mini-jornadas parlamentares que o PSD realizou na Madeira a sua posição alterou-se. Isto demonstra que o PSD nacional está refém do PSD/Madeira e do Dr. Alberto João Jardim!!

Aplausos do PS.

Lamentamos esta situação, mas é o que se verifica.
Quero dizer que o PSD é a favor de 98,68% desta lei e, portanto, por um número de um artigo, em que tínhamos acertado uma redacção conjunta, assistimos a esta situação…! Gostaria aqui de referir que esta lei vai permitir que haja um maior e melhor desenvolvimento para o desporto em Portugal, clarifica uma série de situações, nomeadamente naquilo que tem que ver com melhor actividade física para a generalidade da população, com a relação das federações com as ligas e com maior segurança e melhores condições para aqueles que são hoje consumidores da prática desportiva.
O PS sai hoje daqui satisfeito por ver aprovada uma lei que melhorou em relação à proposta inicial mas que no fundamental e nas suas linhas gerais contempla aquilo que era a proposta de lei do Governo. Estão de parabéns o Governo e o Grupo Parlamentar do PS, que viabilizou esta lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista para uma declaração de voto.

Página 61

9 DE DEZEMBRO DE 2006

61

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS tem, nesta como em muitas outras matérias, feito uma oposição consciente, firme, responsável e construtiva. Foi com base nestes princípios que nos abstivemos na votação da proposta de lei n.º 80/X, a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto.
Apresentámos em sede de discussão na especialidade várias propostas, algumas delas contempladas no texto final. A título de exemplo, a retirada da necessidade de renovação do estatuto de utilidade pública a pedido do interessado e a retirada da necessidade de ser titular do estatuto de mera utilidade pública para que as associações desportivas recebam apoio do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — … tendo ainda ficado salvaguardada a especificidade da segurança social e do regime fiscal dos agentes desportivos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Infelizmente, não foram alteradas algumas disposições que consideramos importantes.
A actividade física e a prática desportiva por parte das pessoas com deficiência é uma questão nacional, pelo que deveria ter sido estabelecido que a responsabilidade é do Estado e não das Regiões Autónomas e das autarquias.
Em relação ao desporto na natureza, a lei de bases usa o desporto para fazer a promoção do turismo na natureza quando esta não é a sede própria. Não ficou contemplado o princípio da continuidade territorial e a responsabilidade pela sua execução e pelo seu cumprimento.
Em face do que hoje é votado, e tendo em consideração o contributo do CDS-PP para este diploma, o nosso voto não poderia ser contra, porque dele constam algumas das nossas propostas, mas também não poderíamos votar favoravelmente, pois há ainda algumas normas que deveriam ter sido ou retiradas ou melhor desenvolvidas, por isso nos abstivemos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP participou activamente no trabalho da especialidade em torno da proposta de Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto contribuindo com um conjunto de propostas de alteração sobre os aspectos que considerou mais importantes ou mais graves.
O PCP entende que uma lei de bases do desporto deve ser um documento estratégico, garante do direito à prática desportiva e à sua democratização e generalização; entende que uma lei de bases deve apontar caminhos programáticos e contemplar inequivocamente os direitos das populações e do seu movimento associativo na área do desporto.
O Governo e o Grupo Parlamentar do PS entenderam, por seu lado, que a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto deve ser apenas a regulamentação do desporto enquanto actividade económica, ou seja, incidente apenas sobre o desporto profissional. Isso não significa sequer que essa regulamentação esteja vertida coerentemente no próprio texto votado.
O PCP votou contra o texto em sede de Comissão de Educação, Ciência e Cultura porque, embora o PS diga que aceitou os contributos de todos, é o próprio que afirma que o texto não altera a estrutura da proposta do Governo, exactamente a mesma estrutura que, à altura, contestámos e que agora voltamos a contestar.
Este é o desfecho de um processo de demagogia e de um exercício de intransigência do PS; um processo que se inicia com um chamado Congresso do Desporto, mas a que melhor se chamaria «embuste do desporto»; um processo que ignora diversas questões levantadas pelo movimento associativo em audiências promovidas pela própria Assembleia da República — na maioria desfavorável à proposta de lei e que, na generalidade, o PCP acompanha —; um processo que visa apenas regulamentar a relação entre as ligas profissionais e as respectivas federações, deixando de parte a promoção de uma política central para o desenvolvimento do desporto e da actividade física; um processo que ignora a importância do desporto nos locais de trabalho, do desporto escolar, do desporto no ensino superior, dos desportos na natureza, dos desportos e jogos tradicionais, do papel do movimento associativo e das autarquias, reduzidas aqui a dependências do poder central, que minimiza o papel das associações e colectividades perante o desporto profissional, que não resolve questões centrais nos regimes dos agentes desportivos, que não aponta nenhum rumo a não ser aquele que, a cada governo, for do gosto do governante responsável pelo desporto.
Nesse sentido, mantendo uma posição por uma verdadeira política de desenvolvimento e democratização do desporto enquanto factor de formação integral do indivíduo nas mais diversas esferas da vida, o PCP votou contra o texto final da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto.

Página 62

I SÉRIE — NÚMERO 25

62

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária tem expediente para anunciar.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de resolução n.º 162/X — Viagem do Presidente da República à Índia (Presidente da AR).

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, importa ainda apreciar e votar alguns pareceres da Comissão de Ética, que a Sr.ª Secretária vai ler.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 4.º Juízo A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, Processo n.º 14034/03.0-TDLSB, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de dar assentimento para que o Ex.º Sr. Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, preste depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Faça favor de prosseguir, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo Competência Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, Processo n.º 932/02.1-PCOER, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Maria Cidália Faustino (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Faça favor de continuar, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, Processo n.º 438/04.4-TAPBL, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Maria Ofélia Moleiro (PSD) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nosso trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á quarta-feira, dia 13 de Dezembro, às 15 horas, tendo como período da ordem do dia a apreciação do projecto de lei n.º 320/X — Combate à corrupção e defesa da verdade desportiva (PSD), sendo igualmente apreciadas outras iniciativas sobre o mesmo assunto, a que se seguirá um período de votações.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Página 63

9 DE DEZEMBRO DE 2006

63

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação final global do texto final,
apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, sobre a proposta de lei n.º 80/X

Respeitando a disciplina partidária em votação final global, os signatários votaram contra o texto final da
proposta de lei n.º 80/X, Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, apresentado pelo Governo e
alterado em diversos pontos, em sede de discussão na especialidade.
Com efeito, tendo em conta as quatro audições realizadas em sede de especialidade e nas quais
participaram os mais diversos intervenientes no fenómeno desportivo em Portugal, as evoluções que o texto
foi conhecendo, incorporando propostas quer do PSD, quer de quase todos os partidos com assento
parlamentar e o consenso alcançado em matérias que à partida considerámos basilares e determinantes para
a alteração, na votação final global, do sentido de voto do PSD face ao que havia sido na discussão na
generalidade são apenas alguns dos motivos pelos quais defendemos uma posição diferente daquela que, no
respeito pela disciplina partidária, tomámos.
Os Deputados abaixo assinados têm a percepção de que o texto final da proposta de lei é um texto
manifestamente melhor e mais adequado aos desafios que se colocam ao desporto no nosso país do que
aquele que o Governo apresentou ao Plenário, há alguns meses.
O PSD colocou, desde o início da discussão, algumas condições para votar de maneira diferente a
proposta de lei de bases da actividade física e do desporto. Assim, a salvaguarda do princípio da continuidade
territorial com vista a assegurar a plena participação desportiva das populações das Regiões Autónomas dos
Açores e da Madeira foi uma das condições que nunca abdicámos.
A retirada da obrigatoriedade de emissão de parecer prévio vinculativo por parte do Governo para a
construção de qualquer instalação desportiva, passando a norma apenas a abranger o financiamento público
das mesmas, o recurso à arbitragem desportiva, para litígios relativos a questões estritamente desportivas,
dependendo de prévia existência de compromisso arbitral escrito ou sujeição a disposição estatutária ou
regulamentar das associações desportivas foram outras matérias que mereceram o acolhimento do Governo e
do partido que o suporta.
A manutenção da personalidade jurídica, autonomia administrativa, técnica e financeira das ligas
profissionais foi outra cedência importante face ao que era contemplado no texto original.
As alterações das disposições ligadas à Utilidade Pública Desportiva e à mera Utilidade Pública também
foram relevantes. Neste ponto, o texto final vai ao encontro da mais veemente discordância manifestada por
parte dos intervenientes das quatro audições públicas que ocorreram na Assembleia da República. Em
consequência, deixou de constar, no texto final, a disposição que tornava a atribuição do Estatuto de Utilidade
Pública Desportiva válida apenas por um período de quatro anos e os apoios e comparticipações financeiras
por parte do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, já não se restringem apenas às pessoas
colectivas privadas titulares do Estatuto de Utilidade Pública.
Num outro domínio, foi também consensualizada uma protecção social adequada, passando o texto da
proposta de lei a contemplar a especificidade dos desportistas profissionais e dos desportistas de alta
competição;
É também de salientar, face ao texto inicial, o reforço das competências, abrangência e importância do
Conselho Nacional do Desporto, que passa a ter integrado no mesmo representantes da Administração
Pública e do movimento associativo. Este órgão, que reveste de enorme importância no desenvolvimento do
desporto em Portugal, passou, entre os dois momentos da discussão, a estar colocado sobre a
responsabilidade directa do membro do Governo responsável pelo desporto.
Obtido o acordo em relação a tão importantes matérias, não subsistem, no nosso entender, razões para
mantermos o sentido de voto que adoptámos aquando da discussão na generalidade.

Os Deputados do PSD, Hermínio Loureiro — Sérgio Vieira — Agostinho Branquinho.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Carlos Jorge Martins Pereira
Domingos Duarte Lima
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues

Página 64

I SÉRIE — NÚMERO 25

64

Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Santana Lopes
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Francisco José de Almeida Lopes

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Júlio Francisco Miranda Calha
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Renato Luís Pereira Leal

Partido Social Democrata (PSD):
José António Freire Antunes
José Luís Fazenda Arnaut Duarte

Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes

Partido Popular (CDS-PP):
José Helder do Amaral

Bloco de Esquerda (BE):
João Pedro Furtado da Cunha Semedo

Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º 77/2003, de
11 de Outubro):

Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins
Fernando Manuel de Jesus
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal

Partido Social Democrata (PSD):
Jorge Fernando Magalhães da Costa
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Mendes Bota
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins

Bloco de Esquerda (BE):
Helena Maria Moura Pinto
Maria Cecília Vicente Duarte Honório

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António José Ceia da Silva
António Ribeiro Gameiro
Joana Fernanda Ferreira Lima
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida

Página 65

9 DE DEZEMBRO DE 2006

65

Luísa Maria Neves Salgueiro
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Marcos Sá Rodrigues
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Pedro Nuno de Oliveira Santos

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
Carlos António Páscoa Gonçalves
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rego Mendes Martins
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Mário Henrique de Almeida Santos David
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×