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Quinta-feira, 11 de Janeiro de 2007 I Série — Número 34

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE JANEIRO DE 2007

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. — Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 110/X, dos projectos de resolução n.os 335 e 336/X e do projecto de resolução n.º 171/X.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à renúncia ao mandato de um Deputado.
Em declaração política, o Sr. Deputado José Soeiro (PCP) falou das responsabilidades do Governo na recusa, pela Comissão Europeia, da candidatura ao Programa Operacional do Ambiente dos Sistemas Intermunicipais de Abastecimento de Água e Saneamento apresentada por municípios do Alentejo e deu resposta ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Luís Pita Ameixa (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado António Carlos Monteiro (CDS-PP) criticou as medidas desenvolvidas pelo Ministério do Ambiente para salvaguarda do litoral, em particular no cordão dunar da Costa de Caparica, após o que deu resposta aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Glória Araújo (PS), José Eduardo Martins (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Alberto Antunes (PS).
Igualmente em declaração política, a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca (BE) chamou a atenção para a deslocalização da Yazaki Saltano, que vai deixar centenas de trabalhadores no desemprego. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Machado (PCP) e Ricardo Freitas (PS).
O Sr. Deputado Miguel Macedo (PSD), em declaração política, criticou o Governo por não ter um projecto de mudança e de desenvolvimento para o País e insurgiu-se contra o facto de a RTP, sem dar qualquer explicação, querer passar os tempos de antena para as 19 horas. Deu, depois, resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs.
Deputados Pedro Mota Soares (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Alberto Arons de Carvalho (PS), Francisco Louçã (BE) e José Junqueiro (PS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Miranda Calha (PS) congratulou-se com a promulgação da nova Lei das Finanças Locais, que reforça o poder local com a descentralização de responsabilidades e competências, tendo recordado o seu processo de debate, aprovação e convalidação pelo Tribunal Constitucional.

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Ordem do dia. — Procedeu-se ao debate da proposta de resolução n.º 45/X – Aprova a Convenção sobre a Protecção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e respectivo Anexo, adoptados pela 33.ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, em Paris, a 20 de Outubro de 2005, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado da Cultura (Mário Vieira de Carvalho), os Srs. Deputados Pedro Duarte (PSD), Manuela de Melo (PS), Teresa Caeiro (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Cecília Honório (BE).
A Câmara apreciou, ainda, o inquérito parlamentar n.º 2/X — Sobre as responsabilidades dos XV, XVI e XVII Governos Constitucionais e de organismos sob a sua tutela na utilização do território nacional, pela CIA ou outros serviços similares estrangeiros, para o transporte aéreo e detenção ilegal de prisioneiros (PCP), tendo-se pronunciado, a diverso título, os Srs. Deputados Jorge Machado (PCP), Fernando Rosas (BE), José Vera Jardim (PS), José Luís Arnaut (PSD), Helder Amaral (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e António Filipe (PCP).
Por último, foi aprovado um parecer da Comissão de Ética, autorizando uma Deputada do PS a depor em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pereira Ribeiro
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva

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Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço

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Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Emídio Guerreiro
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Irene Martins Baptista Silva
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
José Batista Mestre Soeiro

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José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
José Helder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e fo ram admitidas, as seguintes iniciativas: proposta de lei n.º 110/X — Altera a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, no que respeita à composição, competências e funcionamento do Conselho Superior de Defesa Nacional, que baixou à 4.ª Comissão; projectos de lei n.os 335/X — Regula o acesso e permanência na actividade das sociedades de consultoria para investimento e dos consultores autónomos (CDSPP), que baixou à 5.ª Comissão, e 336/X — Elevação da vila de Borba, no concelho de Borba, à categoria de cidade (PS), que baixou à 7.ª Comissão; e projecto de resolução n.º 171/X — Recomenda ao Governo que mantenha as instalações da Escola Secundária D. João de Castro como espaço público dedicado à educação (PCP).
Por fim, temos um relatório e parecer da Comissão de Ética relativo à transição de suspensão de mandato, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea d), para a situação de renúncia de mandato, nos termos do artigo 7.º, ambos do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva (PSD), círculo eleitoral de Lisboa, assumindo o lugar o Sr. Deputado Duarte Pacheco, com efeitos a partir do dia 8 de Janeiro, inclusive, sendo o parecer no sentido de admitir a renúncia em causa.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação do parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP expressa aos 22 municípios do Alentejo, aos mais de 250 000 homens e mulheres alentejanos e às associações de municípios do litoral alentejano, do Alentejo central e de gestão do ambiente que há cinco anos resistem à chantagem e ao boicote político que sucessivos governos têm desenvolvido no sentido de os tentar obrigar a capitular perante o monopólio da Águas de Portugal, a sua profunda solidariedade.
O PCP junta, assim, a sua voz à voz de todos os que, justamente, estão a manifestar a sua indignação

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pelo comunicado de imprensa que no passado dia 8 o gabinete do Sr. Ministro do Ambiente divulgou, informando que a Comissão Europeia não considerou para financiamento, no actual período de programação do Fundo de Coesão, a candidatura dos Sistemas Intermunicipais de Abastecimento de Água e Saneamento.
Mais uma vez, Sr.as e Srs. Deputados, temos, como se diz no Alentejo, o «caldo entornado», sendo imperioso que esta Assembleia aprofunde o debate para que os portugueses e as portuguesas fiquem cabalmente esclarecidos sobre quem, de facto, o entornou.
Em 14 de Setembro de 2005 denunciei, desta mesma tribuna, os atrasos e malfeitorias que ao longo de quatro anos foram sendo desenvolvidos por diversos governos contra a candidatura das associações de municípios citadas. Denunciei, entre outros aspectos, a dualidade de critérios utilizados, que favoreceram de forma escandalosa as candidaturas das subsidiárias da empresa Águas de Portugal em detrimento das candidaturas intermunicipais. Disse ainda que, desde o período em que o Engenheiro José Sócrates era ministro do ambiente, começaram a seguir as primeiras candidaturas da Águas de Portugal para Bruxelas, ficando as candidaturas das associações de municípios na gaveta. Por outro lado, denunciei a forma como as primeiras candidaturas enviadas tinham tantas ou mais deficiências quantas as que as associações de municípios apresentaram. Denunciei a instrumentalização e o abuso de poder com o manifesto objectivo de impor a adesão dos municípios ao modelo dos sistemas multimunicipais, sob a batuta do monopólio da Águas de Portugal, cujo fim último é transformar a água e o saneamento básico num novo e apetecível negócio privado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Lancei o desafio para que fosse demonstrado o contrário do que então afirmei.
Da bancada do Partido Socialista veio o ensurdecedor e significativo silêncio que a consulta às páginas do Diário da Assembleia da República da referida sessão confirmam.
A 6 de Junho de 2006, 10 meses depois da solene afirmação de que a candidatura tinha seguido para Bruxelas, 6 meses depois de as associações de municípios terem entregue as suas respostas às questões técnicas suscitadas pela Comissão Europeia e perante o novo arrastar do processo e o pesado silêncio do Governo e das estruturas por si tuteladas, requereu o Grupo Parlamentar do PCP a presença do Sr. Ministro do Ambiente nesta Assembleia, presença que, apesar da premência do processo, só se veio a verificar a 19 de Setembro de 2006.
Nesta reunião, procurou o Sr. Ministro do Ambiente responsabilizar as associações de municípios pelos atrasos verificados nas respostas a Bruxelas. Todavia, como então tive oportunidade de comprovar documentalmente, a responsabilidade estava do lado dos serviços tutelados pelo Governo, pois foram o ICN (Instituto da Conservação da Natureza), o INAG (Instituto da Água) e a CCDRA (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo) quem não cumpriu o que tinha sido acordado na reunião realizada a 4 de Novembro de 2005 entre todas as entidades envolvidas no processo. Estes serviços, quatro meses depois das respostas das associações, ainda não tinham articulado entre si o trabalho conducente à emissão dos pareceres da sua exclusiva responsabilidade e que Bruxelas reivindicava. A verdade é que só a 3 de Agosto, mais de 9 meses depois, o Governo assumiu que «todas as respostas estão dadas a Bruxelas».
Nessa reunião, esgrimiu ainda o Sr. Ministro do Ambiente novos argumentos, de natureza essencialmente política, que foram rebatidos, um por um, como se pode comprovar através da consulta à gravação feita pelos serviços da Assembleia da República, cuja cópia tenho em meu poder. Estes argumentos, contudo, já indiciavam de forma clara a intenção do Governo de encontrar novos pretextos para dificultar o financiamento da candidatura apresentada pelas associações de municípios. O modelo de gestão, a capacidade financeira das autarquias ou até mesmo a relação destas com eventuais parceiros privados, tudo serviu para manifestar dúvidas que extravasavam as questões suscitadas por Bruxelas, o que, aliás, foi assumido pelo próprio Ministro.
Reagindo como se a opção pelo modelo de sistema intermunicipal não fosse uma opção consagrada na lei, acusando os municípios e o PCP de obstinação na defesa deste sistema e este último de desejar a privatização do sector das águas e do saneamento, o Sr. Ministro do Ambiente deixou transparecer de forma evidente que o empenho deste Governo em trabalhar para que a candidatura viesse a ser aprovada era nenhum.
A notícia avançada em comunicado de imprensa pelo Gabinete do Sr. Ministro do Ambiente no passado dia 8, que teve eco nalguma comunicação social de ontem, segundo a qual a Comissão Europeia não considerou para o actual período de programação do Fundo de Coesão a candidatura para financiamento apresentada pelas associações de municípios representa o culminar deste longo processo de boicote político que sucessivos governos têm levado a cabo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — No referido comunicado de imprensa levanta-se um conjunto de questões que, pela sua gravidade, exige cabal esclarecimento nesta Assembleia. São problemas que dizem respeito não só às

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competências e atribuições das autarquias como à idoneidade de empresas e técnicos que prepararam a candidatura, referindo-se ainda às autarquias e à sua competência para dirigir o processo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se dúvidas houvesse de que estamos perante a continuação de um inaceitável e escandaloso processo de boicote político, as declarações feitas à comunicação social no decorrer do dia de ontem pelo Sr. Deputado Luís Pita Ameixa, da bancada do Partido Socialista, seriam suficientes para a sua total dissipação.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Bem lembrado!

O Orador: — Asseverou o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa que «a culpa é do PCP e dos seus autarcas por terem insistido na defesa de sistemas intermunicipais, em vez de terem aderido aos sistemas multimunicipais», como se os primeiros não estivessem estabelecidos em lei e como se a opção das autarquias pelos mesmos não fosse um direito que só a elas assiste.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Disse o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa que, «ao optarem pelo modelo intermunicipal e ao não terem aderido ao sistema multimunicipal proposto pelo Governo, as autarquias e o PCP tinham conduzido a esta situação de impasse».
Sr.as e Srs. Deputados, não podemos deixar de colocar o Partido Socialista e o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa perante o desafio de nos dizerem qual a informação ou a documentação privilegiada a que tiveram acesso e que serviu de base para estes comentários, visto que o comunicado do Sr. Ministro do Ambiente, que aqui tenho, não permite tirar tais ilações. Ou seja, o Partido Socialista tem o dever de explicar perante esta Câmara como é que é possível retirar deste comunicado tais ilações.
Caso contrário, a bancada do Partido Socialista deve assumir aqui o compromisso solene de que irá votar favoravelmente o requerimento que hoje mesmo o Grupo Parlamentar do Partido Comunista irá apresentar para que o Sr. Ministro do Ambiente venha a esta Casa explicar, de facto, as razões e os fundamentos que levaram à não aceitação das candidaturas das associações de municípios. De facto, o que consta deste comunicado do Sr. Ministro pode perfeitamente indiciar que, ao contrário do que este nos disse, não só não assumiu o compromisso de levar por diante os documentos que era necessário entregar a Bruxelas para garantir a efectividade da aprovação das candidaturas como inclusivamente pode ter dado àquela instância europeia os argumentos necessários para justificar a sua não aceitação.
É sobre isto que se exigem explicações e é isto que queremos ver esclarecido hoje, no Plenário ou na Comissão de Poder Local, com a presença do Sr. Ministro.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Vai «pôr-se a jeito»!

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, queria, em primeiro lugar, transmitir-lhe a impressão de que este processo é extremamente importante para a defesa da qualidade do serviço de abastecimento de água e de saneamento de esgotos de parte importante da nossa população.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É importante mas é para a qualidade do negócio!

O Orador: — Por esta razão, seria muito importante que este processo pudesse avançar, porque é lamentável a reprovação que ocorreu nos serviços da Comunidade Europeia a este propósito.
Queria ainda salientar que alguma ferocidade das palavras do Sr. Deputado José Soeiro decorre sobretudo do peso que ele deve ter na consciência por ter sido um dos principais responsáveis, se não o principal, por esse chumbo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É preciso «ter lata»!

O Orador: — A verdade é que o Partido Comunista fez deste processo do abastecimento e do saneamento um processo político-partidário, obrigando os seus autarcas (muitos deles contra a sua vontade) a alinhar num processo que não tem, do meu ponto de vista, condições técnicas ou financeiras para avançar.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O Governo do PS é que o fez!

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O Orador: — O Sr. Deputado sabe que não foi o Governo português mas, sim, os serviços da Comis
são, quem várias vezes devolveu o processo por insuficiências de carácter técnico e financeiro que nunca
foram resolvidas de forma cabal? Como é que o Sr. Deputado justifica que tenham sido aprovadas outras candidaturas, designadamente para tratamento de resíduos orgânicos, das quais as associações de municípios desistiram alegando insuficiência financeira?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Boa questão!

O Orador: — E como é que agora podem provar essa mesma suficiência para efeitos de aprovação? Como é que isso é coerente? Como é que explica isso? Para isso, o Sr. Deputado não tem resposta!! Tome nota: foi este Governo que fez andar o processo e que já o fez seguir para Bruxelas. Aliás, foi este Governo que, mesmo não sendo adepto do sistema proposto, o defendeu.

O Sr. António Filipe (PCP): — Mas essa defesa foi um grande «frango»!

O Orador: — Fê-lo porque essa era a vontade da maioria das autarquias, se bem que não de todas. O chumbo, contudo, não foi dado pelo Governo.
O Partido Comunista é, mais uma vez, responsável pelo atraso de uma região, como tem sido, historicamente, em diversas circunstâncias. O Partido Comunista obrigou os seus autarcas a concordar com o sistema intermunicipal, mas alguns dizem em privado que a aceitação desse sistema lhes foi forçada.
Como é que o Sr. Deputado José Soeiro explica que o Partido Comunista, por causa deste processo, tenha afastado um dos seus autarcas? Refiro-me a Alfredo Barroso, Presidente da Câmara Municipal do Redondo, que foi atirado «borda fora» porque aderiu ao sistema multimunicipal e não ao sistema intermunicipal? O Sr. Deputado pensa que as populações do Redondo, concelho a que pertence o autarca excomunista Alfredo Barroso, são menos bem tratadas do que outras populações de outros concelhos? É que aí, onde o processo avançou, há um tratamento eficiente que respeita o ambiente e há abastecimento de água com qualidade e nos outros sítios ainda se marca passo porque o Partido Comunista impõe aos seus autarcas e, assim, às populações um sistema que não tem pernas para andar porque não tem condições técnicas ou financeiras para tal.
Por fim, pergunto quando é que o Partido Comunista deixa de ter essa posição draconiana contra os seus autarcas e em desrespeito pelas populações, como se viu em Setúbal e na Câmara do Redondo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, começo por agradecer ao Sr. Deputado Luís Pita Ameixa as questões que me colocou, visto que confirmam exactamente aquilo que eu disse.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — O Sr. Deputado nada demonstrou, nesta Câmara, nada que lhe permita fundamentar aquilo que acaba de afirmar. Rigorosamente nada!! Tenho aqui o comunicado do Sr. Ministro do Ambiente, para quem o quiser ler!

Protestos do Deputado do PS Luís Pita Ameixa.

Foi o Sr. Deputado que o fez?!

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Não! Emiti a minha opinião!

O Orador: — Ah! O Sr. Deputado tem a sua opinião… Mas o Sr. Deputado fez acusações graves aos eleitos socialistas. Veja quantas câmaras do PS estão nos sistemas intermunicipais, no Alentejo, e verá que está a ofender os seus camaradas de bancada, os seus colegas das autarquias. Na verdade, o senhor, enquanto Deputado, deveria reflectir sobre aquilo que acaba de dizer.
O Sr. Deputado disse que não têm condições financeiras, mas não é isso que diz o documento do Sr.
Ministro; o Sr. Deputado disse que não têm condições técnicas, mas não é isso que diz o documento do Sr.
Ministro. Depois, então, o Sr. Deputado refugia-se na postura do anticomunismo primário, que, aliás, já lhe é reconhecida em Beja…

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — … e que levou aos resultados «brilhantes» que o PS teve nas últimas eleições autárquicas, como todos sabemos…! Os senhores apostaram forte e feio no anticomunismo e o resultado, Sr. Deputado, é aquele que está à vista: não só não ganharam como perderam câmaras!! Naturalmente, agora, com o tipo de argumentos que utilizou, todos compreendemos o que o Partido Socialista procura esconder.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que é pena que não tenha estado no debate com o Sr. Ministro, que há pouco referi, porque o Sr. Ministro, aí, foi muito mais claro do que o Sr. Deputado, aqui. É que o Sr. Ministro assumiu que, de facto, a estratégia do Partido Socialista em relação à Águas de Portugal era a de garantirlhe o monopólio, para, numa primeira fase, avançar com a privatização dos sistemas em baixa dos municípios que «caíssem» em entregá-los à Águas de Portugal e, depois, mais tarde, considerar a própria privatização da Águas de Portugal. Este é o mistério que isto encerra!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — É por esta razão de fundo que, na verdade, desde o tempo do Sr. Eng.º Sócrates como Ministro do Ambiente, o Partido Socialista tem assumido a estratégia de conduzir as coisas para tentar impor — isso, sim! —, à revelia da própria lei, os seus modelos de sistemas multimunicipais, sob a tutela da Águas de Portugal, que tem feito chantagem política e que tem procurado, efectivamente, aliciar eleitos para essa proposta. Como não o conseguiu, levou agora, mais uma vez, a novas paralisias. Aliás, basta ver os meses que decorreram, desde a ida para Bruxelas até o Governo pôr os seus serviços a funcionar e a responder às questões que Bruxelas colocou.
Naturalmente, é fácil constatar que se há responsáveis por não haver água e saneamento básico em alta, hoje, no Alentejo,…

Vozes do PS: — É o PCP!

O Orador: — … não é o PCP nem as câmaras em que o PCP é maioria mas, sim, o Partido Socialista que, desde há cinco anos, por duas vezes no governo, conduziu ao resultado que está à vista: Bruxelas não o aceitou!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Venha o Sr. Ministro a esta Casa demonstrar-nos que a responsabilidade é das autarquias! Aqui fica o desafio, para que o Partido Socialista aprove o requerimento que, hoje mesmo, entregámos na Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No último mês, a força do mar destruiu mais de 16 m do cordão dunar nas praias do norte da Costa de Caparica. E esta acção do mar pode provocar o rompimento do cordão dunar numa extensão de 3 km.
Ainda hoje, a Protecção Civil de Almada está em alerta, uma vez que a previsão do estado do mar aponta para ondas com mais de 3 m, uma ondulação forte que, uma vez mais, vai continuar a escavar e a destruir a já de si fragilizada barreira dunar.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É verdade!

O Orador: — Em caso de rompimento do cordão dunar, está em causa a segurança de pessoas e bens, assim como a destruição do ecossistema aí existente.
Logo em Dezembro, aquando do início do avanço do mar, o Instituto da Água iniciou uma intervenção de urgência, com a recarga artificial de areia. No entanto, parece ter sido apenas a aplicação de um «penso rápido», uma vez que, logo nos primeiros dias deste ano, o mar destruiu todo esse trabalho. Na espuma das ondas foram os quase 300 000 euros gastos, até então, pelo INAG.
É importante explicar aqui que, diariamente, são colocadas nas praias de São João mais de 1000 t de areia. Já foram transportadas para a zona afectada pelas marés mais de 35 000 t de areia. Trata-se de um esforço que, nas próximas horas, pode ser, de novo, destruído.
Logo em Dezembro, o Sr. Ministro do Ambiente, e com o atraso que já lhe vem sendo característico, foi

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até ao local anunciar que, para além da intervenção de emergência realizada, seria efectuado, em Abril, o enchimento artificial de areia na zona afectada.
Ávido de mostrar trabalho, o responsável pelo Ambiente disse, logo ali, que esta obra está orçada em 15 milhões de euros. No entanto, o Sr. Ministro não explicou onde vai buscar o dinheiro. Será ao QREN, que ainda nem sequer foi enviado para Bruxelas?! Aliás, não é este o único ponto da costa portuguesa que apresenta graves riscos de erosão. De norte a sul do País são vários os exemplos. E o que faz o Ministro do Ambiente? Avança com números, no caso, com 300 a 400 milhões de euros. Aliás, destes, o Ministro do Ambiente disse que 35,5 milhões podem já ser gastos ao longo deste ano.
Mas, mais uma vez, temos apenas números e podemos não ter euros efectivos. Tudo porque o responsável pelo Ambiente espera conseguir todos estes milhões através do QREN. Mas, como o próximo Quadro de Referência Estratégico Nacional ainda não foi sequer enviado para Bruxelas, uma vez mais, temos um Ministro a brincar com os números e com a defesa da costa portuguesa.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Eles não sabem acabar o QREN!

O Orador: — Aliás, é importante salientar que o Sr. Ministro do Ambiente não vem à Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território desde 19 de Setembro do ano passado.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Orador: — Isto apesar de terem sido aprovados sucessivos requerimentos para a sua vinda à Comissão, inclusivamente pelo Partido Socialista.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Resultado: longas horas de diálogo, com muito pouca informação.
Outro exemplo desta total ausência e do silêncio do Ministro, na Assembleia, passou-se com as inundações de Novembro do ano passado, que afectaram gravemente inúmeras regiões do País — autarquias, obras públicas, pessoas e bens. O silêncio do Sr. Ministro foi ensurdecedor! São, de facto, ausências e silêncios a que nos vamos acostumando.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos perante uma situação que requer medidas de fundo para impedir que a força do mar continue a destruir o cordão dunar e para dar às populações da zona a certeza de que estão em segurança e de que o meio ambiente está a ser devidamente preservado.
Importa, por isso, perceber que soluções técnicas de fundo podem e devem ser aplicadas nas praias do norte da Caparica. Sublinho: importa perceber quais as soluções técnicas para a Costa de Caparica,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — … porque este é um problema ambiental que, para além daquela que é a política ambiental, carece de técnicas.
Por isso mesmo, o Grupo Parlamentar do CDS apresentou um requerimento a pedir a vinda do Presidente do INAG à Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território, para, perante os Deputados, explicar tecnicamente o que pode e deve ser feito na Costa de Caparica.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — No entanto, esta mesma vinda foi rejeitada pelo Partido Socialista.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Uma vergonha!

O Orador: — Aqui, importa perguntar: o que está o PS a esconder? De que é que o PS tem medo? Tem medo de que o Sr. Presidente do INAG venha ao Parlamento contradizer o discurso «cor-de-rosa» dos milhões do Ministro do Ambiente?!...
É porque das declarações políticas do Sr. Ministro já começamos a estar, de certa forma, cansados.
Agora, queremos ouvir os técnicos, porque são eles que têm a obra a cargo e não o Sr. Ministro do Ambiente. Não é com simples palavras do Sr. Ministro do Ambiente que ficamos informados sobre aquilo que se está a passar.
Mas… — infelizmente, este «mas…» existe — já começa a ser uma marca desta maioria absoluta impedir as explicações de quem as deve dar, no local próprio, que é o Parlamento.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Orador: — Lamentamos, pois, profundamente, a decisão que o Partido Socialista tomou, ontem, na Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, três Srs. Deputados, pelo que o Sr. Deputado, depois, dará conhecimento à Mesa sobre a forma como pretende organizar as respostas.
Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Glória Araújo.

A Sr.ª Glória Araújo (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Carlos Monteiro, antes de mais, quero dizer-lhe que o Partido Socialista está absolutamente consciente do problema grave que representa, num País costeiro como o nosso, a erosão do litoral. É uma preocupação que o Partido Socialista tem demonstrado ter já há bastante tempo e é também uma preocupação do nosso Ministro.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Não se nota! Disfarça bem!

A Oradora: — Trata-se de algo que tende a agravar-se não só pela erosão natural da nossa costa mas também pelo fenómeno das alterações climáticas. Portanto, foi uma questão grave e de interesse nacional que o Sr. Deputado aqui trouxe hoje.
Dito isto, Sr. Deputado, passo a dizer-lhe que, de facto, continuo a não entender o porquê de o Sr. Deputado não considerar que é exactamente o que pretende, não ficar contente, não aceitar a vinda do Sr.
Ministro do Ambiente, aqui, a este Parlamento, explicar precisamente as questões do litoral.
Relativamente à reunião da Comissão de Poder Local, que ontem ocorreu, esqueceu-se de referir que foi deliberada uma vinda do Sr. Ministro do Ambiente à Comissão, precisamente para, em audição, discutir, única e exclusivamente, as questões do litoral.
Entendeu essa Comissão manifestamente excessivo o pedido do CDS, principalmente quando aquilo que o Sr. Deputado, nas suas afirmações, põe em causa é a política do Ministro e as declarações do Ministro em relação às políticas para o litoral. É de estranhar e volto a dizer que não compreendo por que é que não o satisfaz que venha cá a tutela máxima dessa área, o Sr. Ministro do Ambiente, para, numa audição, discutir e debater, única e exclusivamente, questões do litoral. Não se trata nem nunca se tratou de impedir que alguém fale, como tentou insinuar. Do que se trata é de perguntar a quem de direito, tal como o Sr. Deputado — e volto a frisar — realçou, ontem, no seu requerimento e, ainda agora, na sua intervenção, quando referiu que o responsável máximo é o Sr. Ministro do Ambiente, que já tomou medidas sobre o assunto e que já anunciou medidas próximas sobre o assunto.
Portanto, Sr. Deputado, lamento dizer-lhe que não percebo por que é que uma audição na Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território, com a presença do Sr. Ministro do Ambiente, para discutir, única e exclusivamente, o litoral não o satisfaz e não considera que seja positiva para o esclarecimento dessa situação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Fui informado de que o Sr. Deputado António Carlos Monteiro responderá no fim, pelo que, também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Martins.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Carlos Monteiro, antes de mais, agradeço a oportuna declaração política do CDS-PP e deixe-me dizer-lhe que, ao contrário da Oradora que me precedeu, compreendo perfeitamente que não o satisfaça apenas a vinda do Sr. Ministro, até porque se há coisa que nunca nos tem satisfeito é a vinda do Sr. Ministro do Ambiente ao Parlamento, porque, pura e simplesmente, nunca obtemos qualquer resposta concreta sobre nenhum problema concreto. E sobre a solução do Ministro, que, na Costa de Caparica, durou 15 dias, convinha, de facto, conhecer a opinião do dono da obra.
Por isso mesmo, fomos, ontem, solidários com o CDS-PP no pedido de que o INAG ou o seu dirigente viesse ao Parlamento, como, aliás, é tradição desta Casa, como, aliás, fizemos muitas vezes e porque, aliás, não nos deve ser filtrado o acesso aos dirigentes da Administração Pública.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Mas o Sr. Deputado, seguramente, tem reparado, como eu, que o Sr. Ministro parece ter acordado para a vida nestes últimos dias, desde que levou um «puxão de orelhas» do Primeiro-Ministro, por não ter o QREN pronto a tempo e horas, e se tem dedicado a aparecer num conjunto de entrevistas que, entre outras coisas, nos dão uma nota fantástica: foi aprovado um PEAASAR, um PERSU e uma série de coisas, como dizia esta semana o Sr. Ministro, numa entrevista ao Diário Económico. Pena é que haja,

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pelos vistos, Conselhos de Ministros na clandestinidade! Talvez o Partido Socialista consiga explicar onde é que estão o fantástico PEAASAR e o PERSU, que nunca são referidos em comunicado do Conselho de Ministros, à quinta-feira, mas que o Ministro diz já terem sido aprovados, numa semiclandestinidade de que ninguém conhece o resultado.
Sobre o litoral em concreto, Sr. Deputado António Carlos Monteiro, e sendo que sei que o Sr. Deputado sabe que o próprio Primeiro-Ministro, entre 1999 e 2000, suscitou um conjunto de parangonas de jornais, de manchetes do Expresso, a dizer que ia fazer demolições nas ilhas-barreira e investir 40 milhões de euros no litoral,…

O Sr. Ramos Preto (PS): — Mais do que vocês fizeram no Finisterra!

O Orador: — … e obrigou o Eng.º Guterres a aprovar uma resolução do Conselho de Ministros onde se dizia que ia proceder à concentração orgânica do litoral, o que, infelizmente, nunca aconteceu, nem pela mão do Eng.º Guterres, nem pela mão do Eng.º Sócrates e, seguramente, não acontece pela mão do Professor Nunes Correia, a pergunta que se me oferece fazer é a seguinte: será que o Sr. Deputado consegue imaginar que este programa sobre o litoral, agora apresentado pelo Sr. Ministro, ainda venha a tempo de alguma coisa que não seja o constante aprovar de projectos que mais não fazem do que betonar o litoral, como estes, da Costa Terra e do Pinheirinho, recentemente sob a alçada da investigação do Ministério Público, depois da declaração de interesse público, assinada por este Ministro? É porque temos sincera esperança de que, um dia, o litoral ainda possa ter emenda. Mas, com estes anúncios grandiloquentes, devo confessar, Sr. Deputado, que a nossa esperança se vai esfumando. No fundo, eu gostava de perguntar se o CDS-PP tem uma confiança diferente da nossa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Carlos Monteiro, como sabe, na passada semana Os Verdes fizeram também nesta Câmara uma declaração política sobre as matérias do litoral e, muito em concreto, a problemática da Costa de Caparica, em que avaliámos a situação com algum pormenor.
Ora, foi na sequência da nossa deslocação à Costa de Caparica e da intervenção que fizemos aqui, em sessão plenária, que Os Verdes entenderam apresentar uma proposta à Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território. Trata-se de uma proposta no sentido de requerer a presença, nesta Comissão, do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional para falar sobre aquilo que já tinha anunciado, publicamente, o programa de «Prioridades para o Litoral no período 2007/2013»;…

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!

A Oradora: — … mas também era para enquadrar a avaliação deste programa (que a Assembleia da República, por agora, desconhece), para avaliar as medidas apresentadas neste programa, designadamente, até, a sua componente financeira, nas intervenções necessárias para a consolidação, a valorização e as melhorias necessárias do nosso litoral; e ainda, para falar, em concreto, sobre o exemplo que, neste momento, é paradigmático daquilo que tem acontecido na nossa costa — justamente, o problema concreto da Costa de Caparica.
Entretanto, ontem, como o Sr. Deputado referiu, o CDS-PP também tinha em discussão, em sede de comissão, uma outra proposta, complementar à nossa e que não ia contra a nossa proposta: era, justamente, ouvir o INAG relativamente ao problema concreto da Costa de Caparica. Na perspectiva de Os Verdes, que votaram favoravelmente essa proposta do CDS-PP, ela tinha toda a razão de ser porque, para além de ouvirmos o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional relativamente à matéria, importava ouvir uma componente mais técnica, mas também seguramente política, sobre a perspectiva do INAG-Instituto da Água, que tem tido ao longo destes anos uma responsabilidade concreta de intervenção naquele cordão dunar da Costa de Caparica.
Ora, é importante lembrarmo-nos de que isto não aconteceu na Costa de Caparica, este ano: desde 2001, ano após ano, o INAG tem feito intervenções concretas naquele cordão dunar, têm sido gastos milhões de euros naquele cordão dunar, e estamos na situação em que estamos. Por conseguinte, seria importante atendermos à perspectiva do INAG relativamente a essa intervenção, ano após ano, mas também relativamente a esta intervenção, em concreto. É certo e sabido que há técnicos que entendem (e têmno dito publicamente) que a intervenção que está a fazer-se neste momento, em determinadas circunstâncias, pode ser eficaz mas que, noutras circunstâncias, pode não ser eficaz.
No fundo, era este o esclarecimento tão simples — e que os Deputados da Assembleia da República, até para o exercício do seu trabalho, merecem — que foi recusado pelo Partido Socialista, sem que a justi-

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ficação desse posicionamento tenha ficado perfeitamente esclarecida, a não ser aquilo que é já comum por parte do Partido Socialista nesta Assembleia da República, nos mais diferentes sectores, que é posição de não quererem falar sobre os problemas para que eles, publicamente, não venham mais a lume.

Vozes de Os Verdes e do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Antunes.

O Sr. Alberto Antunes (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Carlos Monteiro, em primeiro lugar, gostaria de saudá-lo…

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito obrigado!

O Orador: — … pela vinda a um tema que é actual, mas que, infelizmente, não é novo. Gostaria, pois, de recordar-lhe que foi com o lançamento dos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) que estas questões do litoral começaram a ser estudadas. Designadamente na Costa de Caparica, foram necessários estudos complexos e delicados para se chegar à conclusão sobre as obras que deviam ser lançadas para que, efectivamente, alguma coisa fosse corrigida. De facto, só depois dos estudos do Prof. Veloso Gomes é que se teve uma ideia do que seria necessário.
Agora, passo àquilo que gostaria de perguntar-lhe, Sr. Deputado. Uma vez que está tão preocupado com a situação que acontece na Costa de Caparica e na costa portuguesa, por que é que o governo do PSD/CDS não lançou atempadamente as obras de defesa da costa, de modo a evitar que estas situações tivessem acontecido e, mais, de modo a que tivesse sido feita uma análise não apenas daquilo que é necessário fazer mas também de todas as intervenções que é útil e desejável evitar? É porque, como o Sr. Deputado sabe muito bem, a questão da defesa da orla costeira não se prende apenas com a possibilidade de construção, nem com o evitar que o mar entre pela terra dentro; tem a ver também com o modo como esse ordenamento deve ser desenvolvido para que não venha activar nem potenciar a intervenção e a força do mar. Portanto, tudo isto necessita de ser analisado. Mas se, efectivamente, o governo do PSD/CDS tivesse avançado com obras, atempadamente, hoje, provavelmente, não estaríamos a discutir tudo isto, e o Governo do Partido Socialista, designadamente o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, não necessitaria de apresentar mais propostas para dar solução a problemas graves e delicados, que, naturalmente, merecem também a nossa reflexão, mas que desejamos que ela seja atempada e tempestiva.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta é uma matéria em que não basta estarmos preocupados, mas em que temos de fazer algo em relação a essa preocupação.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Orador: — Principalmente, temos de ter em atenção que quem tem a competência para fiscalizar o trabalho do Governo é a Assembleia,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — … e, nomeadamente em matéria ambiental, é a Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território.
Ora, parece, no mínimo, estranho que, desde 19 de Setembro, e apesar de terem sido sucessivamente aprovados por unanimidade requerimentos para a vinda do Sr. Ministro à Comissão, se deixem acumular requerimentos e nunca haja disponibilidade de agenda por parte do Sr. Ministro.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Ora, nós já percebemos que a agenda do Sr. Ministro é de tal forma complexa que não vale a pena aprovarmos esses requerimentos na Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território porque — pelos vistos…! —, depois, a agenda nunca permite a vinda do Sr. Ministro à Assembleia.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Orador: — E, tal como aconteceu antes das últimas férias parlamentares, em que foram aprovados,

salvo erro, cinco requerimentos para que o Sr. Ministro comparecesse na Assembleia, que acabaram por ser todos acumulados, e concentradas num só dia as respostas do Sr. Ministro aos mais variados assuntos.

Protestos do Deputado do PS José Junqueiro.

Ora, voltou a acontecer o mesmo desde o dia 19 de Setembro, isto é, voltaram a acumular-se sucessivamente pedidos!! É evidente que também já sabemos que o Sr. Ministro é, tipicamente, aquele exemplo que já é, neste momento, antologia do Gato Fedorento, do «fala, fala, fala, e não diz nada». Ou, melhor ainda, ora «mete água», como é o caso das inundações, em que requeremos que ele viesse à Assembleia e não veio, ora, agora, neste caso das dunas, «mete areia» e, portanto, nem uma coisa nem outra acabam por funcionar.
Ou água ou areia, já sabemos com o que podemos contar da parte do Sr. Ministro do Ambiente!

Risos e aplausos do CDS-PP.

Uma coisa o Partido Socialista não pode escamotear: é que aquilo que foi aprovado, em sede de comissão, foi a comparência do Sr. Ministro para apresentar o programa sobre o litoral; mas isto é uma coisa, é a política que se pretende fazer em relação ao litoral. Agora, aquilo que o CDS pediu foi a comparência do Sr.
Presidente do INAG para prestar esclarecimentos sobre a intervenção de urgência, que está a ser feita na Costa de Caparica; e, aí, o PS não pode esquecer, não pode escamotear que aquilo que aplicou foi «a lei da rolha» aos técnicos que poderiam vir à Assembleia…

Vozes do PS: — Não foi nada!

O Orador: — … explicar, do ponto de vista técnico, quais são as diferentes soluções que poderiam ser tecnicamente encontradas para a Costa de Caparica.
Como foi dito — e bem! — pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, aquilo que temos é um requerimento, que é complementar da vinda do Sr. Ministro, até porque temos pouca fé, muito pouca fé, em que o Sr.
Ministro venha à Assembleia a tempo de podermos obter os esclarecimentos em tempo útil.
Portanto, quanto a esta matéria, Sr. Deputado José Eduardo Martins, penso que a expressão «ora mete areia, ora mete água» me parece «clarinha» em relação à avaliação que fazemos do trabalho do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional.
Já agora, importa perguntar ao Partido Socialista, que, agora, tem tantas preocupações com o litoral, por que é que nunca acabou o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra/Sado? Nunca estiveram no governo?

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Exactamente!

O Orador: — Nunca fizeram nada antes? Não têm responsabilidade há já quase dois anos no Governo?

Vozes do CDS-PP: — Bem perguntado!

O Orador: — Esqueceram isso?

O Sr. Alberto Antunes (PS): — Precisa-se de tempo para fazer os estudos!

O Orador: — Penso que estão cabalmente esclarecidas as questões que me foram colocadas. Só lamento, mais uma vez, que o PS tenha entendido, de forma extemporânea e, quanto a mim, muito pouco razoável, aplicar «a lei da rolha» em quem podia vir a esta Assembleia prestar os esclarecimentos que eram devidos.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O ano de 2007 começou, como acabou o de 2006, com as notícias a que os portugueses, infelizmente, se têm habituado nos últimos anos. Os primeiros dias do ano foram marcados por mais dois processos de despedimento colectivo que deixaram centenas de pessoas sem emprego.
Em Vila Nova de Gaia, no segundo dia do ano, o encerramento de duas empresas da construção civil

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custou o emprego a 120 pessoas; esses trabalhadores, que já tinham os salários em atraso, estão agora sem trabalho e correm o risco de não receber os salários dos últimos meses. Poucos dias depois, ocorreu a deslocalização de mais uma multinacional a operar em Portugal, a Yazaki Saltano, que deixa mais 533 trabalhadores no desemprego, aumentando, ainda mais, as dificuldades numa das zonas do País mais castigadas pelo desemprego.
Recordamos que a Yazaki foi contemplada ao longo dos anos com apoios públicos e comunitários.

Vozes do BE: — Bem lembrado!

A Oradora: — O grupo recebeu 1,47 milhões de euros através de vários programas de investimento público,…

Vozes do BE: — Bem lembrado!

A Oradora: — … sendo que os terrenos onde funcionava lhe foram cedidos, pelo Estado, a um preço meramente simbólico.
A situação torna-se mais preocupante quando a própria multinacional, em comunicado, vem desmentir a Agência Portuguesa para o Investimento (API) quanto à viabilização de futuros projectos de investimento. A Yazaki afirma que «em relação à possibilidade de produção de novos produtos (painéis solares, sistemas de ar condicionado e contadores de gás), a Yazaki decidiu não avançar porque os estudos realizados internamente demonstram inviabilidade económica». Desta forma, desaparecem, naturalmente, as esperanças dos trabalhadores.
Neste cenário, entre as muitas questões por responder, há uma que sobressai: que resultados tiveram as negociações que o Ministro da Economia efectuou com a empresa, logo a seguir às eleições legislativas?

Vozes do BE: — Muito bem!

A Oradora: — E que salvaguardas foram assumidas para garantir os postos de trabalho de centenas de famílias, bem como o dinheiro, que o Estado já tinha entregue à empresa, como contrapartida para a manutenção no nosso país?

Vozes do BE: — Muito bem!

A Oradora: — A resposta não é conhecida. O certo é que o ano começou, mas há hábitos que teimam em manter-se: as empresas recebem subsídios e benefícios fiscais do Estado, fecham, deslocalizam a sua produção, e os portugueses continuam sem saber do Ministro da Economia. Que pretende fazer o Ministro da Economia aos compromissos de manutenção dos postos de trabalho que a Yazaki assumiu com o Estado português, como contrapartida para os apoios públicos que recebeu? Será o Estado compensado por todo o dinheiro gasto para que esta empresa honrasse os seus compromissos? Já é a segunda vez, em poucos meses, que uma empresa que recebeu apoios milionários do Estado, em troca da garantia de criação e manutenção de empregos e da produção no nosso país, se prepara para uma deslocalização, que quebra acordos livremente assumidos. Assim aconteceu com a Opel, na Azambuja, assim acontece, agora, com a Yazaki Saltano.
Quantas vezes mais teremos de assistir à violação de compromissos assumidos com o Estado português por parte de empresas que, primeiro, beneficiam de toda a espécie de apoios ao investimento, benefícios fiscais, cedência de terrenos e, depois, partem sem cumprir as obrigações com que se tinham comprometido, destruindo as expectativas que geraram entre trabalhadores e populações?

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Com a saída desta empresa, são 60 as multinacionais que deixaram o nosso país nos últimos cinco anos.
Com a vulgarização destas situações, arriscamo-nos a que o nosso país seja visto, cada vez mais, não como um destino credível para projectos de investimento estáveis, duradouros e estruturantes mas, sim, como uma presa fácil para esquemas de captação de subsídios, que não acrescentam competências, desarticulam comunidades e sabotam qualquer estratégia de desenvolvimento económico.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Com o investimento em queda desde 2002 e com um crescimento nulo previsto para este ano, é caso para perguntarmos: onde pára o Sr. Ministro da Economia?

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É frequente encontrar nos partidos da oposição os chamados «ministros-sombra», ministros que enunciam políticas e estratégias mas, naturalmente, não apresentam resultados. O Partido Socialista resolveu inovar: passou a ser o único o partido do Governo a ter «ministros-sombra».

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, tem dois pedidos de esclarecimento.
Dou a palavra, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, quero, primeiro, salientar a oportunidade da intervenção que realizou.
Pretendia ainda, em nome da bancada do Partido Comunista Português, demonstrar aqui, de uma forma muito clara, a nossa solidariedade para com os trabalhadores.
Mas também importa que não só esta Câmara mas também quem nos ouve saibam que, desde 2000, nós, Grupo Parlamentar do PCP, temos vindo a apresentar requerimentos sucessivos demonstrando preocupação quanto à produção. Só a este Governo, Sr.ª Deputada, já apresentámos quatro requerimentos.
Desde, pelo menos, Fevereiro do ano passado que temos vindo a alertar para os problemas que existem na Yazaki Saltano.
Sr.ª Deputada, no pouco tempo que me resta, queria perguntar-lhe como é que se consegue compreender o posicionamento de um Governo que, alertado sucessivamente para os problemas que esta empresa poderia vir a enfrentar no futuro, nada fez, não tomou uma medida, não se preocupou para que se garantisse a produção na mesma.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Freitas.

O Sr. Ricardo Freitas (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, é evidente que, sempre que surge no panorama laboral português qualquer perspectiva de despedimento, qualquer situação de precariedade, o Partido Socialista se preocupa.

Protestos da Deputada do BE Alda Macedo.

Contudo, é também evidente que há o cumprimento de regras e de mecanismos normais da evolução económica e parece que a Sr.ª Deputada, ao longo da sua intervenção, tem mais a preocupação de acusar o Governo e, eventualmente, o Ministro responsável por acções que têm a ver com o desenvolvimento normal da economia.
Nesse sentido, é lamentável que não tenha reconhecido que o esforço do Governo tem permitido diminuir o desemprego e criar condições de crescimento económico, bem como tem originado condições, inclusivamente na Yazaki, para o surgimento de alternativas no cumprimento dos compromissos que os governos têm estabelecido. Podem não ser as situações ideais, mas são as possíveis com os instrumentos de intervenção administrativa e política que tem um governo com uma perspectiva social. Logo, é incorrecto apontar ao Governo falta de preocupação, quando essa preocupação é evidente, é tida, é assumida e, quer gostem quer não, tem efectivamente resultados patentes.
Portanto, é estranho que novamente, mais do que a preocupação que rodeia as situações individuais dos trabalhadores, com algumas alternativas que têm, se faça aqui relembrar situações de terrenos. Situações de cedência, que, de resto, já haviam sido feitas pelas próprias câmaras e por governos anteriores, não directamente por este Governo, mas que são importantes para que haja entendimento e investimento nesses sectores. Como também é estranho que, simultaneamente, se questione onde é que pára o Sr.
Ministro da Economia.
As oposições somente criticam soluções, não encontram as opções mais adequadas para o desenvolvimento económico e é importante olhar para as pessoas e reconhecer que estas e as empresas têm encontrado soluções.
Parece que V. Ex.ª não tem encontrado, ou não tem querido encontrar, as políticas e as tentativas de solução e de modernização que surgem no panorama português, a exemplo daquilo que aqui apontou, em todo o tecido industrial. E deixo-lhe precisamente essa questão: onde é que param as oposições nessa modernização, nesse desenvolvimento, que apesar de tudo existe?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados Jorge Machado e Ricardo Freitas, come-

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ço por agradecer as questões que colocaram.
Relativamente a esta questão da Yazaki Saltano, o Bloco de Esquerda já questionou por diversas vezes quer o Sr. Ministro do Trabalho quer o Sr. Ministro da Economia e as respostas também não têm sido satisfatórias.
Sr. Deputado Ricardo Freitas, estava a ouvi-lo e lembrei-me de um poema do saudoso Ary dos Santos: o governo governa, a oposição opõe-se.
O Governo não pode estar satisfeito só com preocupações. Não pode! O Governo é responsável por tudo o que se passa no País! É responsável por conhecer, por não conhecer! É que, se não conhecer, continua a ser responsável, porque deveria conhecer!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Foi chamado à atenção para isso!

A Oradora: — O Governo tem sido chamado à atenção para este escândalo, de uma empresa que comprou terrenos ao preço simbólico que se conhece! E, como eu disse na intervenção, já se contam 60 empresas que se deslocalizam e que deixam para trás um rasto de miséria, de desemprego, de desesperança e de depressão, nomeadamente em zonas, que o Sr. Deputado bem conhece, como são as destas empresas! Recordo-lhe uma notícia, que passou ontem na televisão, sobre duas empresas de construção civil de Vila Nova de Gaia, que também referi, onde se vê o drama destas famílias. Dizia a mulher de um dos operários: «Foi a primeira vez que vi o meu homem chorar. Ele pensou em suicidar-se.» O Sr. Deputado vem dizer que as oposições, mais do que a preocupação com as pessoas, têm a preocupação com o desaparecimento do Ministro da Economia?! Naturalmente que estamos preocupados, porque depende do Governo, e particularmente do Sr. Ministro da Economia, a resolução destas situações!

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Claro!

A Oradora: — Pergunta o Sr. Deputado onde é que param as oposições? Sr. Deputado, param questionando, param, preocupando-se, param apresentando também propostas! Onde pára o Sr. Ministro é que nós não sabemos e, curiosamente, como eu disse da tribuna, é um mistério, o Sr. Ministro da Economia é um «ministro-sombra». E alguns Deputados do PS também são a «sombra» do «ministro-sombra»!…

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo não faz o que deve e faz o que não deve.
Não faz o que deve, porque é público e notório que o Governo não tem uma estratégia para fazer Portugal convergir economicamente com a Europa.
Mas faz o que não deve. Tudo serve ao Governo para controlar o poder, para abusar do poder que tem, para tentar asfixiar as vozes diferentes e críticas do Governo, colocando em causa o equilíbrio e o pluralismo indispensáveis na sociedade portuguesa.
É hoje manifesto que o grande objectivo nacional de fazer Portugal convergir com a Europa está comprometido, pelo menos até 2009. Tal foi confirmado ontem mesmo pelo Banco de Portugal.
Falemos claro. O que o Banco de Portugal disse, na prática, foi o seguinte: Portugal vai estar, pelo menos até 2009, a crescer sempre menos do que a Europa, a ter um crescimento medíocre. Foi assim em 2005, foi assim em 2006, é assim em 2007, será ainda assim em 2008. Quatro anos seguidos de recuperação económica na Europa; quatro anos seguidos de divergência de Portugal em relação à Europa; quatro anos seguidos — pelo menos 2005, 2006, 2007 e 2008 — em que o nível médio de vida de cada português fica mais longe do nível médio de vida dos europeus; quatro anos seguidos em que Portugal, na comparação com os seus parceiros europeus, fica mais pobre, mais atrasado e menos competitivo.
Esta é, infelizmente, a verdade, uma verdade que tem causas e consequências.
As causas estão, em grande medida, nas medidas fiscais deste Governo: mais impostos, sempre mais impostos, asfixiam a economia e dão cabo da vida das empresas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — As consequências estão à vista de todos: não há investimento; as pessoas vivem hoje pior do que viviam; os salários baixam; as pensões não sobem; o desemprego continua um flagelo grave; e é cada vez maior o número de jovens que tira um curso superior e não tem uma oportunidade de emprego.

Vozes do PSD: — É verdade!

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O Orador: — Isto não são estatísticas, são verdades duras que asfixiam a classe média e afectam fortemente o dia-a-dia dos portugueses, em especial dos mais pobres e mais carenciados, verdades que a propaganda do Governo tenta esconder.

Aplausos do PSD.

É a propaganda do Governo que tenta esconder o número de desempregados já de si elevado, que seria muito maior se dezenas de milhares de portugueses não tivessem sido obrigados a emigrar de Portugal no último ano.

Vozes do PSD: — Exactamente!

O Orador: — É a propaganda do Governo que tenta esconder a trapalhada nunca vista de não conseguir colocar a tempo e horas mais de 800 médicos no Serviço Nacional de Saúde.
É a propaganda do Governo que tenta esconder que esta semana, pela terceira vez em menos de dois anos, aumentaram os impostos sobre os combustíveis.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Pois foi!

O Orador: — Por isso, apesar da baixa do preço do petróleo nos mercados internacionais, os portugueses, em vez de pagarem menos, pagam ainda mais caro pelos combustíveis de que necessitam.
É a propaganda do Governo, que tenta esconder que muitas pequenas e médias empresas sentem cada vez mais dificuldades, porque estão asfixiadas em taxas e impostos, e que em muitas zonas da fronteira a vida económica dos portugueses faz-se cada vez mais em Espanha, à custa das empresas e da economia nacional.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — É verdade!

O Orador: — Esta é a propaganda do Governo.
Mas falemos claro, a verdade dos factos é outra e bem diferente: Portugal não cria riqueza; Portugal atrasa-se; Portugal não converge com a Europa; Portugal está a perder terreno na tabela classificativa da Europa.
E tudo isto por uma razão: este Governo não tem um projecto de mudança e de desenvolvimento de Portugal. O que este Governo tem é um projecto de poder, de controlo de poder e de acumulação de mais poder, um projecto que chega a assumir contornos de autêntica vergonha nacional.

Aplausos do PSD.

O que se passa, agora, na RTP, com os tempos de antena a que os partidos e outras organizações têm direito para exprimirem as suas opiniões, é uma completa vergonha, uma manobra de baixa política absolutamente inqualificável.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Há anos que os tempos de antena são transmitidos imediatamente antes do telejornal das 20 horas. Agora, inopinadamente, de supetão, sem ouvir ninguém e sem dar qualquer explicação, a RTP quer passá-los para as 19 horas.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Uma vergonha!

O Orador: — A consequência desta decisão é evidente: diminuir para metade, ou para menos de metade, a audiência dos tempos de antena, ou seja, na prática, penalizar os partidos, diminuindo fortemente a sua capacidade de intervenção.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Pois é!

O Orador: — Esta decisão é grave. É gravíssima. É um ataque aos partidos políticos da oposição e uma afronta ao pluralismo político em Portugal. É tentar, abusivamente, cercear a voz de quem, legitimamente, tem opiniões diferentes das do Governo.

Aplausos do PSD.

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É uma intenção comunicada pela RTP, mas não é nem um acto de gestão nem uma decisão administrativa. Uma decisão destas é política, tem significado político, tem consequências políticas e tem implicações políticas.
Por isso é ao Governo, que tutela a RTP, que têm de ser pedidas responsabilidades.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Porque de duas, uma: ou o Governo não sabia desta decisão e tem agora de intervir para evitar esta vergonha ou, então, o Governo é conivente e co-responsável por esta decisão.

Aplausos do PSD.

Em qualquer caso, o Governo não pode esconder-se atrás da RTP. Se não sabia, o Governo tem o dever de intervir, imediatamente. Até já o devia ter feito. Se nada faz e nada diz, então, é ainda maior a responsabilidade do Governo, porque «quem cala consente» e, nesta matéria, o consentimento é politicamente fatal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — O Governo não pode fazer de conta, não pode fingir que não é nada com ele, não pode esquivar-se às suas responsabilidades. O próprio Ministro dos Assuntos Parlamentares, que, aliás, tem a tutela da RTP, devia estar aqui para responder à Assembleia da República sobre esta matéria.

Aplausos do PSD.

Era sua obrigação dar explicações à Assembleia da República. Esta não é uma questão de somenos, é uma questão política essencial, porque tudo isto tem a ver com o pluralismo político no serviço público de televisão, porque tudo isto respeita a uma das missões mais importantes do serviço público que está contratado com a RTP, porque a RTP é paga por todos os portugueses, não é uma coutada do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Orador: — É tempo de dizer basta! Ou o Governo intervém rapidamente para pôr fim a esta vergonha ou o PSD apresentará, já nos próximos dias, um projecto de lei para repor os tempos de antena no horário que sempre tiveram e que agora, ilegitimamente, se pretende alterar.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Esta não é uma questão partidária, é uma questão que tem a ver com a qualidade da nossa democracia.
O Governo tem de perceber que maioria absoluta não é poder absoluto. O País precisa de estabilidade, mas também precisa de equilíbrio. Esta é uma exigência incontornável da nossa democracia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, cinco Srs. Deputados.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, antes de mais, começo, obviamente, por o felicitar por ter trazido ao Plenário um tema que é, de facto, muito importante e que nos deve preocupar a todos, que é o que está a passar-se relativamente à emissão dos próximos tempos de antena do referendo sobre a liberalização total do aborto.

O Sr. António Filipe (PCP): — Não existe qualquer referendo sobre isso!

O Orador: — Sabemos que a RTP, tendo a seu cargo um serviço público, porque tem um contrato de concessão de um serviço público, tem, obviamente, diferentemente de outras televisões, um conjunto de direitos e de deveres acrescido: o direito a informar e a ser informado; o direito ao rigor e à independência, sem impedimentos e discriminações; o direito à criação de hábitos de convivência cívica; o direito ao pluralismo político e ao pluralismo social. Tudo isto são termos essenciais da lei e do contrato de concessão que

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a RTP tem. E, como é óbvio, o nível de rigor para a RTP tem de estar acima do que está estipulado na própria lei.
Como é óbvio, um processo de referendo não pode ser tratado pela RTP como se estivéssemos fora de um processo eleitoral, como se estivéssemos a viver um período normal da nossa democracia. Não pode! A questão que se põe é a de sabermos o que é que não só a RTP mas também os Deputados e os grupos parlamentares pensam sobre isto.
Sabemos — e é verdade — que os tempos de antena na RTP até têm vindo a aumentar. Basta vermos alguns noticiários da RTP para percebermos que os tempos de antena do Governo têm vindo a aumentar!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Basta vermos aquele programa de segunda-feira, à noite, de um alto dirigente do PS para percebermos que os tempos de antena na RTP têm vindo a aumentar!… Agora, o que acho muito curioso é que esta decisão da RTP seja tomada quando é público que há, neste momento, 14 movimentos a defender o «não» à liberalização do aborto e só 5 a defender o «sim». Hoje, um jornal apresentava-nos um conjunto de contas em que se dizia que os tempos de antena do «não» serão de 119 minutos e os do «sim» serão apenas de 42 minutos. É uma história muito curiosa! Mas eu, como não quero entrar em processo de intenções, quero, acima de tudo, saber se, neste Plenário, estão ou não disponíveis para repor a situação no seu normal.
Nesse sentido, Sr. Deputado, a pergunta que lhe dirijo é no sentido de saber se o PSD está ou não disponível para, conjuntamente com o CDS, porque o CDS já tem falado longamente sobre esta matéria, assumir uma posição que leve a RTP a mudar o que está previsto nesta matéria, voltando a colocar os tempos de antena no horário nobre que eles merecem, que é, obviamente, o horário que chega à população e que faz um conjunto de informação essencial, nomeadamente nesta matéria e neste processo de referendo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, começo por agradecer ao PSD a cedência de tempo, que me permite fazer este pedido de esclarecimento.
Quero referir-me muito em particular, independentemente de existirem outras questões muito interessantes na sua intervenção, à questão dos tempos de antena e do seu horário.
De facto, estamos perante uma atitude da televisão pública totalmente inaceitável e, ainda por cima, comunicada de forma, no mínimo, pouco adequada e respeitosa para com os partidos políticos, que foi a de, uns dias antes do fim do ano, escrever uma lacónica carta a dizer que, a partir do dia 1 de Janeiro, o regime passa a ser outro, quando não se trata de uma pequena alteração, de um acerto, mas, sim, de uma alteração fundamental naquilo que são as audiências dos tempos de antena dos partido políticos, mas não só dos partidos políticos também de muitas entidades de relevância social, que têm naquele tempo de antena, até mais do que os partido políticos, um meio imprescindível para alguma divulgação nacional das suas actividades, dos seus princípios e das suas propostas.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Tem toda a razão!

O Orador: — A verdade é que, neste caso, estamos perante uma inaceitável troca da valorização do pluralismo político, da valorização da vida política e da expressão das várias forças e correntes políticas e sociais, uma troca destes princípios fundamentais, por um cálculo comercial, estritamente comercial, ao que se supõe, que, provavelmente, terá estado na origem desta alteração.
Os partidos, bem como as outras entidades que têm direito ao tempo de antena, têm de ver reconhecido este direito em termos adequados e não podem ser um elemento descartável e arrumável no sítio mais conveniente da programação da televisão pública.
Aliás, é extraordinário que a Constituição da República Portuguesa atribua o direito ao tempo de antena e que, depois, seja a Direcção de Programas da RTP, que julgamos vai ser confrontada com esta questão na 1.ª Comissão, numa iniciativa que foi aprovada hoje mesmo, a decidir qual é a relevância do tempo de antena que a Constituição atribui como um direito fundamental aos partidos políticos e a outras organizações.
É uma concepção inaceitável no tratamento desta questão, que repudiamos, e estaremos em consonância com todos os que, como parece ser o caso do PSD, pretendem que este assunto seja resolvido, a bem da democracia, do pluralismo político e da prestação do serviço público, que queremos que exista no nosso país.

Aplausos do PCP e do Deputado do PSD António Montalvão Machado.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou hoje na 1.ª Comissão, e foi aprovada por unanimidade, uma moção no sentido de promover a audição dos responsáveis pela RTP sobre a questão do direito de antena.
Quero dizer claramente que não nos agradou nem a forma nem o conteúdo da decisão da Radiotelevisão Portuguesa,…

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — E o Governo?!

O Orador: — … que constitui em si mesma uma desvalorização do espaço de intervenção cívica dos partidos e das forças sociais.

Aplausos do PS.

O Srs. Agostinho Branquinho e Pedro Duarte (PSD): — E o Governo?!

O Orador: — Em segundo lugar, quero dizer o seguinte: os tempos de antena são um espaço de emissão de todos os partidos políticos e não apenas dos partidos da oposição. Aliás, o tempo de antena não é um contraponto do Telejornal, onde se exige rigor, imparcialidade e isenção. Se eu utilizasse nem que fosse um décimo da demagogia que já aqui foi apresentada,…

O Sr. José Junqueiro (PS): — Da mentira!

O Orador: — … referiria o seguinte: ao longo do ano, o Partido Socialista tem, em matéria de tempo de antena, direito a 71 minutos; o PSD apenas a 47 minutos e 30 segundos; o PP e o PCP a 16 minutos cada; e o BE a 14 minutos.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — E o Governo?!

O Orador: — Portanto, o Partido Socialista está longe de ser beneficiado com esta transição do horário de difusão.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — E o Governo socialista?!

O Orador: — Em terceiro lugar, o Sr. Deputado Miguel Macedo pretende que o Governo intervenha nesta matéria. Pois bem, o Governo não pode intervir, tal como não se pronunciou nem foi ouvido sobre esta questão.

Vozes do PSD: — Ah!…

O Orador: — Aprovámos, há dias, nesta Assembleia da República, um estatuto que garante a independência da televisão pública perante o poder político e isso significa que em nenhuma circunstância o Governo pode interferir no mapa de programação dos conteúdos da televisão pública.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — É serviço público!

O Orador: — Portanto, o que os senhores pretendem é que o Governo intervenha nesta matéria para, depois, dizerem: «Lá está! O Governo tem a tutela da RTP, o que implica uma intromissão no espaço editorial e no espaço de definição da programação, que é absolutamente inaceitável.» Espero que o Governo nunca o faça, porque é isso que respeita o preceito constitucional que garante a independência da televisão pública perante o poder político.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder a este primeiro grupo de pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero, em primeiro lugar, agradecer as

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questões que me colocaram.
Ao Sr. Deputado Pedro Mota Soares direi o seguinte: esta questão que, hoje, aqui trouxe nada tem a ver com o referendo sobre o aborto. Entendamo-nos sobre isto!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Claro!

O Orador: — Estamos a falar dos tempos de antena que, por lei, os partidos e outras organizações têm direito, mês a mês, conforme a sua representatividade, distribuídos pelo ano inteiro. É disso que estamos a tratar. Não estamos a tratar de nada que tenha a ver com a questão específica do referendo sobre o aborto.
Por isso mesmo, entendo que esta alteração comunicada pela RTP é especialmente gravosa, é politicamente gravosa e tem de ter responsáveis. Quero, portanto, sublinhar este ponto: são os tempos de antena que são atribuídos aos partidos e a outras organizações durante todo o ano, em função da sua representatividade.
O Sr. Deputado Bernardino Soares pôs aqui, com grande acuidade, questões que são essenciais. Esta é, de facto, uma questão política e não, como disse da tribuna, uma questão partidária. Do que se trata é de saber se a RTP, concessionária do serviço público, cumpre, ou não, todos os requisitos desse contrato de serviço público, entre os quais se inscreve, com relevo, a questão dos tempos de antena, merecendo até, nos termos da lei, como bem sabe, um tratamento autónomo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — É a RTP, paga por todos os portugueses e não uma coutada do Partido Socialista, que pretende agora, da forma inopinada que, aliás, o Sr. Deputado bem aqui descreveu — nos último dias do ano, comunicando aos partidos, sem mais, sem qualquer fundamentação —, uma alteração fundamental neste domínio.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Bernardino Soares, que fizemos alguns exercícios. Esta alteração aos tempos de antena, para que todos percebam, resulta, para não ir mais longe, neste gráfico que tenho nas minhas mãos — e tenho mais gráficos ao longo do ano —, onde se pode ver, a preto, a audiência dos tempos de antena se fossem transmitidos às 19 horas, como pretende a RTP, e, a castanho, a audiência dos tempos de antena à hora a que eram transmitidos. Como podem ver, com esta medida administrativa, consegue-se metade ou menos de metade da audiência que se conseguiria se tudo se mantivesse como antes.
E, Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, sejamos claros sobre esta matéria. Esta não é uma questão da RTP…

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Muito bem!

O Orador: — … e esta não é uma questão que possa resolver-se chamando à Comissão um responsável da RTP. Não, não! Esta é uma questão política, é uma questão que tem implicações políticas e é uma questão que tem consequências políticas!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Percebo aquilo que o Sr. Deputado aqui tentou fazer, mas ninguém acredita, como eu não acredito, que esta seja uma decisão só da RTP. Não, não foi!

Aplausos do PSD.

Esta foi uma decisão que, formalmente, teve de ser assumida pela RTP mas que interessa ao Governo.
E, por isso, os senhores, como socialistas, são os únicos que se manifestam aqui satisfeitos com este regime.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Aquilo que o senhor aqui veio dizer foi mais ou menos o seguinte: os senhores estão com essa demagogia toda mas nós até somos os mais prejudicados. Não, não são! Os senhores não são, evidentemente, os mais prejudicados! Os senhores são Deputados do PS, têm o PS e o Governo socialista todos os dias, por muitos minutos, na RTP; os senhores não precisam, ou precisam menos, dos tempos de antena para fazer passar a vossa mensagem política.

Aplausos do PSD.

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Porém, para os partidos da oposição ele é essencial, e é este ponto que quero aqui deixar claro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos ao orador, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, tem razão ao sublinhar, nesta sua resposta, ao contrário do que disse a bancada do CDS, que não há nenhuma relação entre esta matéria e os tempos de antena no debate público sobre o referendo.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Só a absoluta ignorância ou desconhecimento da lei poderia permitir tal conclusão. Não é verdade, não há nenhuma relação.
Esta decisão deve ser criticada pelos motivos justificáveis e não por aqueles injustificáveis. Ainda por cima os justificáveis são mais do que bastantes.
Em Setembro de 2003, a actual administração da RTP consagrou um acordo com a então Alta Autoridade para a Comunicação Social determinando as regras de emissão dos tempos de antena partidários e de movimentos sociais, que agora a mesma administração está a pôr em causa. E, portanto, a única pergunta relevante é esta: o que é que leva as mesmas pessoas que concordavam, que decidiram e que assinaram uma resolução neste preciso sentido, agora, a alterá-lo? Só há uma resposta: é uma deliberação política!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!

O Orador: — É uma deliberação quanto à qual, evidentemente, o Governo tem de dizer-nos se concorda ou se discorda, porque algum ingénuo poderia admitir que uma decisão destas é tomada por livre arbítrio de uma administração…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Pois está claro!

O Orador: — … que, de um dia para o outro, mudou de opinião sobre a sua estratégia de comunicação?! É preciso ver para crer! É certo que a democracia é sempre incómoda ao poder, mas o poder tem de viver com ela, e a democracia é absolutamente mais incómoda ao poder absoluto. É por isso que aquilo que o PS aqui nos diz tem relevância, mas há uma escolha a ser feita: ou o PS entende que esta medida fica no âmbito de uma autonomia agora alargada milagrosamente para a administração da RTP ou o PS é coerente com o seu incómodo e estará então de acordo com uma deliberação da 1.ª Comissão, por exemplo, que seria com certeza uma instância competente para o fazer, que, rejeitando esta deliberação, faça saber à administração da RTP que a mesma deve ser revertida. É essa a proposta que quero, desde já, deixar em nome do Bloco de Esquerda.
Ouviremos o director de programas, as suas razões, e se os partidos aqui entenderem que não há nenhuma justificação para esta medida se não a pior de todas, que é a justificação comercial, que contradiz a obrigação de serviço público,…

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Muito bem!

O Orador: — … a transparência do pluralismo e a obrigação, a responsabilidade da RTP perante o debate político democrático, então, o Parlamento deve fazer-se ouvir. E aí veremos se o PS faz do seu incómodo uma oposição ou se o seu incómodo é uma posição para que não se tome nunca nenhuma posição. Admitamos de boa-fé que seja, naturalmente, a segunda posição.
Não poderá esperar-se mais tempo porque uma administração que se comporta desta forma perante um valor tão importante como o do debate político e o da clareza do pluralismo político neste país, que é uma das obrigações que o serviço público consagra e deve defender, deve saber que a política e a democracia portuguesas são capazes de «puxar-lhe as orelhas».

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, assistimos aqui, com a sua intervenção, a mais um episódio da «novela Agostinho Branquinho», na justa medida em que a calúnia

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passou a ser o argumento essencial do PSD.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Calúnia é o que vocês usam!

O Orador: — Em determinado momento, o Sr. Deputado Agostinho foi aqui desafiado a provar as suas afirmações. E a verdade é que o Sr. Deputado não as provou aqui, não as provou em lado nenhum e transmitiu ao País uma ideia clara: a ideia de que estava a mentir, e de que estava a fazê-lo em nome do PSD.
A intervenção que o Sr. Deputado Miguel Macedo veio aqui fazer é no mesmo sentido. O Sr. Deputado Miguel Macedo fez aqui a acusação de que o Governo tinha tido intervenção, tinha ordenado que houvesse modificações na programação da RTP. Sr. Deputado, isso é absolutamente falso!

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: — Oh!…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Como é que sabe?

O Orador: — Em termos de programação da RTP, se há alguém com experiência nessa matéria no seu currículo pessoal é o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, como toda a gente sabe.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Isso já não é calúnia!…

O Orador: — Sr. Deputado Miguel Macedo, o que quero dizer-lhe é que V. Ex.ª está obrigado, nesta Câmara e publicamente, a fazer prova daquilo que disse. E, não fazendo prova daquilo que disse, o Sr. Deputado faz o papel do caluniador e de porta-voz de um partido caluniador.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Portanto, o PS exige-lhe aqui que o senhor venha provar que aquilo que acabou de dizer tem fundamento, tem sustentação e é verdade. E a verdade é que V. Ex.ª não o consegue provar por um motivo muito simples: porque está a mentir, e está a mentir em nome do PSD.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!

O Orador: — Sr. Deputado, gostaria ainda de lhe dizer outra coisa simples: não esqueço a primeira parte da sua intervenção. E a verdade é que, na primeira parte da sua intervenção, V. Ex.ª revela a mesma falta de seriedade, que é aquilo que a caracteriza.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Isto é uma pouca vergonha!

O Orador: — Falta de seriedade, porque o senhor fala em crescimento económico e sabe que ele existe, ao contrário do que aconteceu no tempo do seu governo, em que foi sempre a andar para trás; sabe que o défice foi controlado e sabe perfeitamente que antes foi o descontrolo total do défice. Agora, com estes argumentos e com os argumentos sobre a RTP, quer vir aqui esconder apenas uma coisa: VV. Ex.as perderam o norte e apenas têm como motivação e argumento a calúnia e, neste caso, uma calúnia grave, que V.
Ex.ª tem obrigação de explicar ao País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, penso que V. Ex.ª tem toda a razão: isto é mesmo uma vergonha. E é uma vergonha, como tive oportunidade de dizer na minha intervenção, que nunca foi vista, no passado, em Portugal.
Esta questão dos tempos de antena é, de facto, do meu ponto de vista, um atentado que, como já disse também, afecta a qualidade da nossa democracia.
Mas quero sublinhar mais um ponto que ainda não foi aqui referido. De acordo com o estatuto da oposição, os partidos políticos têm direito a este tempo de antena, nos termos que depois vêm regulados na Lei da Televisão. O que está aqui em causa, de facto, é a compressão desses direitos consagrados no estatuto da oposição e a tentativa de impedir que as vozes discordantes do Governo possam, devam, nos termos da

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lei, e cumprindo com essa mesma lei, exercer os direitos que decorrem do exercício do direito de antena.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Quero sublinhar o seguinte ponto para que fique bem claro: no nosso entendimento, esta é uma questão política, que tem consequências políticas e, nessa exacta medida, é — repito, uma vez mais — uma vergonha o que está a passar-se em Portugal.
Passo à segunda questão, colocada pelo Sr. Deputado José Junqueiro.
Começando pela parte económica, o Sr. Deputado pode dizer o que muito bem entender,…

O Sr. José Junqueiro (PS): — E o Sr. Deputado também!

O Orador: — … mas que a verdade é só uma, é. Os senhores prometeram, na campanha eleitoral, que Portugal e os portugueses iriam ter um período de crescimento e de convergência económica com a Europa. E o que é que vemos? Em 2005, divergência com a Europa;…

O Sr. José Junqueiro (PS): — Estamos a fazer o caminho da convergência!

O Orador: — … em 2006, divergência com a Europa; em 2007, divergência com a Europa; em 2008, ainda divergência com a Europa. Ou seja, uma vez mais, exactamente o contrário do que os senhores prometeram aos portugueses.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — E, Sr. Deputado José Junqueiro, quero anotar aqui um ponto: a bancada do PS fez duas intervenções sobre esta matéria, prova da evidente incomodidade que sente.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Pois é!

O Orador: — Sr. Deputado José Junqueiro, vou repetir, para o caso de não ter ouvido bem, exactamente aquilo que eu disse sobre a matéria dos tempos de antena, para não ficar nenhuma dúvida, porque a mim não me intimidam. Vou repetir aquilo que disse: Sr. Deputado José Junqueiro, esta não é uma decisão que seja tomada pela RTP sozinha.

Vozes do PS: — Prove! Calúnia!

O Orador: — Esta decisão interessa apenas a uma das partes, à parte que neste debate se manifestou conformada e satisfeita com a situação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos uma nova Lei das Finanças Locais. Com ela nasce e com ela vai ocorrer a mais significativa reestruturação da administração interna do Estado português nos últimos anos.
Como tudo o que é relevante, a nova Lei das Finanças Locais não teve princípio fácil. Passo a passo, foi, porém, superando cada obstáculo que à sua feitura foi sendo colocado – cada qual apresentado como inultrapassável.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Neste contexto, a nova lei foi submetida à detecção de eventuais inconstitucionalidades pelo Tribunal Constitucional. O PSD bem insistiu nesta matéria. O Tribunal concluiu que a lei não enferma de qualquer inconstitucionalidade nem ilegalidade. Cumprimento, por isso, o PSD: esta ideia permitiu ao Governo e ao Grupo Parlamentar do PS obter a convalidação independente de um outro órgão de soberania para as suas teses políticas e princípios de acção governativa.

Aplausos do PS.

O nosso obrigado, pois, ao PSD.
Publicado o Acórdão do Tribunal Constitucional, outra decisão institucional se seguiu. O Presidente da

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República promulgou a Lei das Finanças Locais. Fê-lo, sublinhando, em pública declaração, que o seu acto se inseria, em plena coerência, com o seu pensamento, já publicamente exposto, sobre o instituto da promulgação.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Presumo que aqui haja consonância entre o PSD e o PS: ambos, por certo, concordamos com o pensamento presidencial sobre o uso e a prática presidencial do instituto da promulgação.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Temos, pois, que esta Lei, que teve um período preparatório difícil e conturbado, viu a luz do dia rodeada do conforto de duas importantes decisões convalidadoras da sua plena legitimidade: a do Tribunal Constitucional e a do Presidente da República.
Parece o óbvio mas é politicamente muito significativo sublinhá-lo aqui, em particular perante o partido ou partidos da oposição que, aliás, com toda a legitimidade, contra ela se insurgiram. Naturalmente, agora, será com toda a coerência que com ela se conformarão.
A nova Lei das Finanças Locais subordina-se a oito grandes princípios: autonomia e descentralização; neutralidade financeira; coesão territorial; estímulo das boas práticas municipais; racionalização territorial da fragmentação autárquica; solidariedade entre a administração central e as autarquias locais; transparência e rigor orçamentais e participação no esforço da consolidação das finanças públicas.
Como veremos, numa recensão necessariamente perfunctória, a nova Lei das Finanças Locais constitui, ao contrário do que se pretendeu insinuar, um reforço da autonomia do poder local.
Vejamos em concreto: reforçam-se os poderes tributários dos municípios, estes obtêm uma participação directa em 5% do IRS gerado no concelho. É curioso sublinhar que foi, precisamente, esta matéria fiscal que levantou dúvidas sobre a eventual inconstitucionalidade da lei por parte da oposição política. Como se viu, as dúvidas jurídico-políticas não tinham fundamento e a bondade da aplicação da lei provará que a razão política assistia ao Governo e à sua maioria parlamentar de apoio, que aqui aprovou esta legislação.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Aliás, já correm os necessários encontros sobre a sua aplicação concreta e os prazos da concretização plena da vigência e aplicação dos seus princípios políticos estão em concertação. Assim, quer no recente Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, quer, ontem mesmo, em reunião com esta organização, o Governo anunciou o desenvolvimento, ao longo do ano de 2007, de um processo importante de descentralização, relacionado, essencialmente, com a educação, a saúde e a acção social.
Vai trabalhar-se , deste modo, no contexto da autonomia do poder local, na descentralização das competências que se integram no âmbito próprio da Lei das Finanças Locais e do fundo social municipal. Eis uma reforma importante que está em curso, a par de outras – ainda ontem foi promulgada a lei da segurança social.
O percurso ora encetado em matéria autárquica visa vários objectivos: na área da educação, a transferência de responsabilidades com o funcionamento dos ensinos pré-escolar e básico, e com a perspectiva do alargamento progressivo a outros ciclos; na área da saúde, a transferência de competências na promoção da saúde pública e na prevenção e combate à toxicodependência, prevendo-se mesmo a participação municipal na gestão hospitalar; na área da acção social, reforçam-se as competências municipais no desenvolvimento de redes sociais e locais, através, por exemplo, da participação na definição das prioridades de investimento em creches, centros de dia e lares para idosos. É este, pois, um processo importante a desenvolver, no diálogo entre as respectivas instituições e os interessados nesta mesma matéria.
É este, aliás, o sinal emitido no primeiro encontro, que decorreu sob o signo da colaboração e da convergência de metas e objectivos a atingir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos, pois, a traçar os planos do futuro. Atingimos o patamar da maturidade, após um ciclo de três décadas que implicou consolidação democrática, o lançamento de projectos e a concretização de vastíssimos programas de infra-estrututração. Estamos, agora, na etapa de assunção de novos desafios no âmbito do desenvolvimento económico e social.
Nos dados do Boletim Económico de Inverno do Banco de Portugal, prevê-se a retoma da economia até 2008 e perspectiva-se uma aceleração do produto interno bruto. São notícias positivas. Mas, curiosamente, o Sr. Deputado Miguel Macedo, do PSD, só soube ler o rodapé do Boletim do Banco de Portugal sobre esta matéria.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Olhe que não!

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O Orador: — Mas, tal como são boas notícias para a economia, também o início do processo de descentralização que ontem se anunciou será positivo para o País e para os portugueses.
O Governo está no bom caminho. O Grupo Parlamentar do PS está satisfeito com o progresso das reformas que o Governo tem vindo a desenvolver.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 50 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com o debate da proposta de resolução n.º 45/X — Aprova a Convenção sobre a Protecção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e respectivo Anexo, adoptados pela 33.ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, em Paris, a 20 de Outubro de 2005.
Vamos aguardar a chegada do Governo para a apresentação desta proposta de resolução.

Pausa.

Para apresentar a proposta de resolução n.º 45/X, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura (Mário Vieira de Carvalho): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção para a Protecção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e Artísticas, adoptada na 33.ª Conferência Geral da UNESCO, em 20 de Outubro de 2005, reflecte um consenso histórico alcançado por quase todos os países do mundo.
É um consenso em torno de valores, equiparável à Declaração Universal de Direitos Humanos ou ao Protocolo de Quioto. Valores existenciais que vinculam o indivíduo à sua circunstância, os povos à sua história e aos seus mitos, as pátrias às suas línguas, o eu à escuta do outro, a identidade ao diálogo com a diferença.
Desde a Presidência Portuguesa da União Europeia em 2000, Portugal empenhou-se activamente em múltiplas diligências para a adopção desta Convenção. E não podia ser de outra maneira, tratando-se de um País que até fez inscrever no seu passaporte os versos «Esta é a ditosa pátria minha amada» e «A minha pátria é a língua portuguesa» — versos de dois dos nossos maiores poetas, que se contam entre os grandes poetas universais.
Na verdade, se todo o processo cultural é, por natureza, intercultural, então bem pode dizer-se que aquilo que somos hoje, como País, como nação, como cultura, é, em si mesmo, expressão da diversidade cultural, que se consolida e se desenvolve na vivência sempre renovada de um mundo plural.
A identidade nacional caldeou-se nesse contacto com outras culturas e as fronteiras de vária ordem, por vezes conflituais, que nos separavam dessas culturas, foram também simultaneamente traços de união que nos permitiam (e permitem) dar e receber.
Camões e Pessoa, intérpretes como ninguém dos valores em que se reconhece a nossa identidade cultural, não seriam o que foram se não tivessem sido homens do mundo e se não tivessem experienciado este na sua enriquecedora diversidade.
O nosso próprio território, sendo, no contexto europeu, o de um pequeno país, oferece uma surpreendente diversidade geográfica e climática, a que correspondem outros tantos regionalismos, no continente e ilhas, que se manifestam na paisagem humana, na criação cultural e nas idiossincrasias que esta transporta.
Se me é permitido exemplificar com a música, lembremos, entre outros, Armando Leça, Artur Santos, Veiga de Oliveira, Michel Giacometti e Lopes-Graça (cujo centenário recentemente se comemorou) que nos fizeram tomar consciência dessa extraordinária riqueza das nossas tradições musicais, tão heterogéneas e, no entanto, tão portuguesas.
Mas, seja na música, seja nas artes em geral, é também lição da história que aquilo a que chamamos a universalidade de um génio mais não é, afinal, do que testemunho da autenticidade com que ele se inscreve numa tradição local, ainda que seja para a questionar ou transgredir. — pois toda a arte é transgressão.
Não a uma monocultura universal que tudo à sua volta estiolasse; sim à pluralidade e diversidade das expressões culturais, promovendo o diálogo entre elas e a todas permitindo alcance universal — eis, em síntese, a grande mensagem que se contém nesta Convenção.
Tal é o sentido da legitimidade que nela se reconhece aos Estados de definirem políticas públicas que protejam e promovam o seu património cultural material e imaterial, as suas artes, os seus artistas, as suas

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indústrias criativas.
Porque os bens culturais não são meras mercadorias, porque o mercado cultural não é redutível aos interesses materiais, vai muito para além deles, abrange o que há de mais essencial no destino das pessoas e dos povos, o seu legado espiritual, a sua «alma», tem, por isso, particular significado político e simbólico, numa altura em que tanto se apela a uma «Alma para a Europa», que a Comissão Europeia tenha falado a uma só voz na Conferência da UNESCO, que aprovou a Convenção, e que, acompanhada dos Ministros da Cultura de vários Estados-membros, entre os quais Portugal, tenha organizado uma cerimónia em Bruxelas para assinalar a deposição dos primeiros instrumentos de ratificação da própria União Europeia e dos Estados-membros, no dia 18 de Dezembro de 2006.
Com a aprovação deste instrumento pela Assembleia da República, Portugal contar-se-á entre os primeiros 40 Estados do mundo e os primeiros 14 da União Europeia a concluir os trâmites da ratificação.
Será também o primeiro País de Língua Oficial Portuguesa a ratificar a Convenção.
Eis o que, pela nossa história, pela nossa inserção na Europa e pela nossa particular presença cultural no mundo, honra as nossas responsabilidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A defesa da diversidade cultural é um princípio que o PSD subscreve, sem qualquer hesitação.
Este é um princípio que decorre dos valores — que sempre advogámos — do humanismo e da liberdade.
Porém, sendo este um valor fundamental e intemporal, importa, hoje, enfatizar o carácter absolutamente premente da sua reafirmação.
Os fenómenos actuais de globalização, a que ninguém ousa tentar escapar, são uma enorme janela de oportunidades para a geração de um mundo «mais plano», com menos injustiças.
Contudo, o reverso da medalha é igualmente cristalino.
Este mundo, crescentemente interligado, empurra-nos para movimentos igualitários que, potencialmente, poderão inibir a afirmação das diferentes expressões culturais. É um perigo que urge enfrentar.
Com efeito, hoje mais do que nunca, torna-se pertinente assumir que a defesa e a promoção da diversidade cultural são um imperativo ético, indissociável do respeito pela dignidade humana. É um património irrenunciável da humanidade, pelo que a todos cumpre a sua protecção.
Esta Assembleia discute, hoje, nesta sessão, a Convenção sobre a Protecção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, adoptada pela UNESCO, em Outubro de 2005, e que entrará em vigor em Março deste ano.
Em coerência, o Partido Social Democrata não pode deixar de manifestar a sua adesão plena e incondicional aos princípios do pluralismo cultural e da livre difusão de ideias, nas suas mais variadas formas de expressão.
Esta Convenção concretiza alguns dos aspectos mais relevantes da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (adoptada em 2001). Representa um instrumento importante na afirmação da especificidade dos bens culturais, que se distinguem de outros bens económicos, pela sua identidade, pelo seu valor e pelo seu significado.
Por outro lado, assume-se, neste acordo internacional, a responsabilidade que cabe a todos os Estados de zelarem pelas diferenças culturais, adoptando medidas concretas que garantam a livre criação e a livre circulação de ideias e obras.
De igual modo, esta Convenção assume a necessidade de redefinição de mecanismos mais eficazes de cooperação internacional, nomeadamente através do estabelecimento de um diálogo permanente.
São bons propósitos a que não podemos ficar indiferentes. São uma pequena ferramenta para que, com a acção e a responsabilidade que cumpre a cada um, possamos contribuir para a construção de um mundo que, perante os desafios da globalização, saiba reconhecer e promover as diferentes identidades culturais.
Uma Convenção desta natureza tem, portanto, um incomensurável valor universal.
Mas, para além deste valor universal, importa enaltecer a relevância que o recurso a este acordo significará para a protecção e para a promoção do património e da cultura nacionais e, muito particularmente, da língua portuguesa espalhada pelos quatro cantos do globo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O respeito e a promoção das diferentes identidades culturais — sejam de índole nacional, regional, étnica ou qualquer outra — é, paradoxalmente, o caminho mais estreito para o fomento de união entre os povos.
Nesse sentido, o PSD junta a sua voz e a sua convergência com os propósitos desta Convenção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Melo.

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A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Catorze meses após a sua aprovação na 33.ª Conferência Geral da UNESCO e dois meses antes da sua entrada em vigor, a Convenção sobre a Protecção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais chega a esta Assembleia para finalizar o processo da sua adopção pelo Estado português. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista afirma, desde já, o seu apoio à ratificação da Convenção.
A celeridade geral do processo, sem precedentes na adopção de outras convenções culturais da UNESCO (recordo que 35 países já a ratificaram e também a União Europeia), traduz a importância que as nações de todo o mundo dão à salvaguarda da sua identidade cultural própria, valor que os Estados atribuem ao papel da cultura no desenvolvimento sustentável, a consciência internacional de que o diálogo entre culturas diversas, se intenso e equilibrado, é a melhor arma para fortalecer uma cultura de paz, através do respeito e aceitação das expressões culturais dos outros.
Como já foi referido, esta Convenção é um documento fundamental para manter a diversidade de expressões culturais. Num mundo globalizado, a facilidade de acesso aos novos meios de comunicação, informação e difusão, pode facilmente levar à hegemonia de algumas (poucas) culturas em detrimento de outras muito mais numerosas mas com menos capacidade tecnológica e financeira para sobreviverem e entrarem, com as suas expressões culturais próprias, no diálogo universal. Ora, a riqueza cultural do mundo reside, precisamente, na sua diversidade em diálogo.
A Convenção reconhece que as actividades, bens e serviços culturais são portadores de identidades, de valores e de significados que, tendo grande valor social e económico, não podem ser reduzidos a produtos comerciais. São de outra natureza. Por isso, a sua produção e divulgação devem ter outras regras que não as da Organização Mundial do Comércio.
Mas esta Convenção também salienta as laços existentes entre a cultura e o desenvolvimento económico e social e, por isso, apoia as acções realizadas nos planos nacional e internacional para que se reconheça o valor das expressões culturais na evolução das sociedades, num contexto aberto de diálogo e de interacção.
Nos seus princípios orientadores, a Convenção reafirma que a diversidade cultural só pode existir se forem assegurados os direitos humanos e as liberdades fundamentais e que a protecção e promoção da diversidade de expressões culturais implicam o reconhecimento e respeito pela igual dignidade de todas as culturas.
Ora, Portugal tem baseado na coexistência destes dois princípios toda a sua acção de apoio às comunidades de imigrantes. Desde a criação do Gabinete do Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, em 1996, transformado em Alto Comissariado (ACIME) em 2002, Portugal rejeitou a «segregacianismo» e também o «assimilacionismo» e seguiu um modelo intercultural que reconhece a igual dignidade de todas as culturas, valorizando-as não como ilhas isoladas mas como pilares de pontes das diversas comunidades que levem à coesão social da nossa sociedade.
O único limite que Portugal estabelece à expressão de culturas diversas é o respeito pelas nossas leis em tudo o que se refere à defesa intransigente dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Na acção coordenada pelo ACIME (Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas), três linhas são essenciais: o apoio às associações de imigrantes reconhecidas, no valor anual de meio milhão de euros, para incentivar a livre expressão dos seus valores culturais; o apoio ao Secretariado Entreculturas, que há 15 anos desenvolve nas escolas muito boas experiências de educação intercultural, designadamente através da criação de material didáctico, de formação de professores e do desenvolvimento de projectos de promoção da diversidade de expressões culturais presentes; e o acompanhamento do trabalho que, junto da opinião pública, os órgãos de comunicação social têm vindo a fazer, desde a pequena «janela» audiovisual que é o programa Nós, na RTP2, ao programa Gente como Nós, na TSF, até às emissões locais de rádio em línguas estrangeiras. E, por feliz coincidência, hoje mesmo, a RDP-África, destinada às comunidades daquele continente, começa a ser transmitida também para as regiões de Faro e de Coimbra.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República criou, em Julho de 2006, o grupo de parlamentares conexo com a UNESCO, a que pertencem Deputados de cinco grupos políticos. Temos como objectivos seguir a aplicação dos princípios e valores da UNESCO nas leis e na governação, dar visibilidade às actividades da Comissão Nacional da UNESCO, designadamente, através da rede de escolas associadas e na classificação e integração de elementos (físicos e imateriais) da cultura portuguesa na lista do Património da Humanidade.
Com esta Convenção, abre-se ao grupo de trabalho um novo campo: participar na divulgação dos seus princípios e objectivos num país de emigrantes e de imigrantes. Porque ratificar a Convenção não chega, fazer leis não é suficiente, exigir acções concretas é pouco, o grande trabalho dos Deputados do Grupo UNESCO, e aliás de todos, Deputados e Deputadas, desta Assembleia, é transmitir, nos seus contactos com o eleitorado e na sua prática, a importância e a urgência de viver o quotidiano, praticando os princípios de respeito e de diálogo intercultural da Convenção que hoje ratificamos.
Só acolhendo, respeitando e dialogando com as comunidades que escolheram o nosso país para viver podemos assumir plenamente a necessidade de proteger e promover a nossa língua e a nossa cultura nas comunidades portuguesas no estrangeiro…

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O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, pode concluir. A Oradora: — … e, também, continuar a referir como parte importante da nossa história a riqueza do legado de miscigenação cultural que nasceu na época dos Descobrimentos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje a proposta de resolução n.º 45/X, que visa aprovar a Convenção sobre Promoção e Protecção da Diversidade das Expressões Culturais, conforme deliberado na 33.ª Sessão da Conferência Geral da UNESCO, em Paris, a 20 de Outubro de 2005.
Foi em Outubro de 2003 que a Conferência Geral da UNESCO tomou a decisão unânime de lançar as negociações que deram corpo a esta Convenção.
A declaração que agora discutimos vem na continuidade da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, adoptada também por unanimidade, durante a 31.ª Sessão da Conferência Geral, em 2001.
Trata-se de um instrumento abrangente para as questões relacionadas com a diversidade cultural e o diálogo intercultural, garantes do desenvolvimento e da paz.
A preservação e a promoção da diversidade das expressões culturais dependem de inúmeros factores estruturais.
A identidade nacional ou regional, a natureza material ou imaterial das tradições e do património cultural, os laços históricos com países terceiros, a dimensão dos mercados, a presença ou não de minorias linguísticas, a existência de zonas de área linguística restrita; são todo um conjunto de factores que medeiam as condições de expressão e intercâmbio cultural.
Embora os bens e a criação cultural sejam há muito reconhecidos com uma dupla vertente — cultural e económica —, não existia nenhum instrumento juridicamente vinculativo sobre a matéria, situação que agora se altera com a aplicação desta Convenção.
A este propósito, relembro a declaração, em Julho de 2000, na conclusão da reunião dos líderes do G8, em Okinawa: «A diversidade cultural é uma fonte de dinamismo social e económico que pode enriquecer a vida humana no século XXI, suscitando a criatividade e fomentando a inovação. Reconhecemos e respeitamos a importância da diversidade na expressão linguística e criadora». Não podemos estar mais de acordo. O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — Sabemos como, ao longo dos tempos, regimes totalitários impediram e continuam a impedir a expressão plural, o direito à diferença, espartilhando a criação artística e reduzindo-a a uma mera extensão estética e cultural de determinada ideologia.
Ora, é exactamente a multiplicidade de culturas e de identidades culturais que compõe os espaços de liberdade em que queremos viver.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — Na Convenção ora em discussão, está bem explícita a necessidade de afirmar a diversidade cultural como uma característica essencial da Humanidade, determinando que essa mesma diversidade cultural constitui um património comum da Humanidade que deve ser valorizado e preservado para benefício de todos.
Em virtude da sua história, Portugal, ao longo dos tempos, tem sabido cultivar a diversidade e o diálogo entre culturas.
Estamos cientes de que a globalização pode pôr em risco a manutenção de algumas culturas e tradições menos agressivas, mas também estamos cientes de que a globalização e os crescentes fluxos migratórios acarretam maior diversidade cultural para o nosso país, a qual teremos de saber defender.
De igual modo, temos de saber defender, preservar e promover o riquíssimo acervo cultural português.
A este propósito, temos de afirmar mais uma vez que, para o CDS, a cultura é um eixo fundamental do desenvolvimento de Portugal.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Oradora: — Para o CDS, a cultura é uma pedra de toque da identidade de uma nação.
Para o CDS, a cultura é não só um elemento de afirmação de Portugal no mundo mas também um enorme factor potenciador de arrecadação de riqueza.

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De acordo com dados recentemente divulgados sobre o peso da cultura no PIB de vários países da União Europeia, verificamos que a mesma contribui para a riqueza dos países mais do que os sectores do imobiliário e dos produtos alimentares e que, entre 1999 e 2003, cresceu 19,5% nos então 15 Estadosmembros da União Europeia.
Em Portugal, o sector da cultura contribuirá com 1,4% para o PIB nacional.
Perante esta realidade, o Governo socialista votou a cultura desta «ditosa Pátria» a uma absoluta falta de rumo e a um estrangulamento orçamental sem precedentes.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É verdade!

A Oradora: — A este propósito, cumpre salientar que ainda não foi ratificada a Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial. Esta ratificação deverá ser feita brevemente, pois o «caderno de encargos» que está a ser elaborado pela UNESCO estará concluído em meados deste ano.
Só com a ratificação desta última Convenção é que poderemos, nomeadamente, candidatar o Fado a Património Imaterial da Humanidade. Deixo, pois, este repto ao Governo.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Oradora: — Concluindo, direi que a União Europeia, ela própria um mosaico de diferentes culturas, aponta também como uma prioridade a questão do multiculturalismo e da pluralidade.
A Comunidade Europeia só será uma realidade efectiva com a mobilização e a participação de todos os cidadãos da União Europeia, e de todos os que nela vivem, num diálogo intercultural.
A Comunidade Europeia aprovou atempadamente a Convenção da UNESCO, cabendo-nos a nós, enquanto Estado-membro, ratificá-la.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS, obviamente, junta-se a este propósito de ratificar esta Convenção tão importante para os laços interculturais.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quero manifestar a nossa adesão à aprovação desta Convenção e salientar a sua importância a todos os níveis.
Desde logo, do ponto de vista civilizacional, numa altura em que tanto se fala numa suposta «guerra de civilizações», é importantíssimo que a chamada comunidade internacional, ou o maior número possível dos seus membros, considere fundamentais princípios que são constantes desta Convenção internacional sobre o respeito pela diversidade das expressões culturais e o intuito de construir pontes entre os povos, que constam de entre os objectivos inscritos no artigo 1.º desta Convenção.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Do ponto de vista civilizacional e cultural, isso é de grande importância.
Saliento, também, a importância dos princípios orientadores constantes do artigo 2.º desta Convenção, designadamente o primeiro desses princípios, que é o do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, quando a Convenção considera que a diversidade cultural só pode ser protegida e promovida se forem assegurados os direitos humanos e as liberdades fundamentais, como a liberdade de expressão, de informação e de comunicação, ou a possibilidade de os indivíduos escolherem as respectivas expressões culturais.
Saliento, de igual modo, a importância de princípios, como o da igual dignidade e do respeito de todas as culturas e o da solidariedade e da cooperação internacionais, que, segundo a Convenção, devem permitir a todos os países, especialmente aos países em vias de desenvolvimento, criar e reforçar os seus meios de expressão cultural, incluindo as suas indústrias culturais, nascentes ou firmadas, a nível local, nacional e internacional.
A Convenção considera que a diversidade cultural é uma grande riqueza para os indivíduos e as sociedades e há que tirar daí as devidas consequências.
Importa, ainda, chamar a atenção para aspectos concretos que estão consagrados nesta Convenção, mesmo do ponto de vista do nosso país, que é relativamente pequeno em termos mundiais, do ponto de vista económico, no quadro da chamada globalização, mas que tem importantes valores culturais a defender.
Nesse sentido, há que sublinhar a regra geral relativa aos direitos e obrigações constantes do artigo 5.º desta Convenção, em que as partes reafirmam o seu direito soberano de formular e aplicar as suas políticas culturais, de adoptar medidas para proteger e promover a diversidade das expressões culturais, bem como de reforçar a cooperação internacional a fim de alcançar os objectivos da presente Convenção.

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Não há muito tempo, discutimos nesta sede a necessidade de dotar o nosso país de uma lei de protecção da música portuguesa, tendo sido levantadas algumas objecções relacionadas com o Direito Comunitário e com a chamada globalização. Importa salientar que esta Convenção vem precisamente dar razão aos que, como nós, defendem a essencialidade de haver uma lei que proteja de facto a música portuguesa enquanto expressão cultural que importa proteger.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Estávamos, e continuamos a estar, preocupados com o facto de ter vindo a reduzir-se drasticamente o número de editoras nacionais dedicadas à edição discográfica de música portuguesa e de o centro fundamental de decisão de algumas dessas editoras já não estar sedeado em Portugal mas noutros países.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Importa, pois, salientar que esta Convenção prevê, precisamente, que os Estados possam tomar medidas destinadas a fornecer às indústrias culturais nacionais, independentes, um acesso efectivo aos meios de produção, divulgação e distribuição de actividades, bens e serviços culturais e prevê também medidas destinadas a conceder ajudas financeiras públicas para favorecer essas indústrias culturais e permitir o seu desenvolvimento, bem como medidas destinadas a incentivar e apoiar os artistas e todas as pessoas envolvidas na criação de expressões culturais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Importa salientar que esta Convenção impõe-se-nos, enquanto Estado que a aprovamos e a vamos ratificar, mas importa também que a União Europeia, de que fazemos parte, considere devidamente tudo o que contém esta Convenção, para que o Direito Comunitário não venha a ser invocado, precisamente para contrariar o que aqui se aprova, e não tenha a tentação de, no espaço da União, globalizar as indústrias culturais, assim contrariando a diversidade cultural, que é a questão fundamental consagrada nesta Convenção.
Sr. Presidente, chamando a atenção para a importância do que hoje estamos apreciar, anuncio que o Grupo Parlamentar do PCP votará favoravelmente esta proposta de resolução referente à ratificação desta Convenção e respectivos anexos, aprovados na Conferência Geral da UNESCO, a 20 de Outubro de 2005.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao combate à discriminação, ao racismo, à xenofobia, a UNESCO acrescenta, com esta Convenção, a protecção e a promoção da diversidade de expressões culturais. Este é um dos mais importantes desafios do século, porque globalização e guerra não podem continuar a queimar impunemente a terra da história e da cultura de grupos e de povos. É o desafio que esta Convenção coloca.
É que o fenómeno alargado das migrações de populações exige olhares e políticas diferentes sobre as formas plurais de expressão das culturas e políticas de imigração sem medos. É o compromisso que esta Convenção impõe.
Porque a importância das suas propostas implica todos e cada um dos países, a diversidade cultural não pode continuar a ser uma gaveta que os poderes abrem quando e como lhes dá jeito. Até porque a Convenção exige clareza na relação com a diversidade, com a pluralidade de formas de transmissão cultural, sabendo-as constitutivas de identidades de grupos, sabendo-as parte fundamental da relação e da riqueza da relação entre grupos e sociedades, sabendo-as fonte de desenvolvimento.
Na letra e no espírito da Convenção, a diversidade cultural reconhecida e assumida é a realização da Humanidade, é fonte de democracia, de justiça social, é elemento estratégico de desenvolvimento e de coesão social, é parte integrante no reconhecimento das mulheres na sociedade, é fonte de partilha de ideias e valores, é a vitalidade essencial para minorias e povos autóctones.
Ao contrário do que as maiorias muitas vezes decidem, a diversidade linguística é reconhecida e assumida como parte essencial da diversidade cultural.
Ao aprovar esta Convenção, não se está apenas a aplaudir com o voto mais uma retórica exemplar mas a assumir a responsabilidade de políticas que convertam em realidade os princípios nela consagrados: …

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Muito bem!

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A Oradora: — … o princípio do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, a liberdade de expressão, de informação, de comunicação, a capacidade de os indivíduos escolherem as suas expressões culturais, o princípio da igualdade e da dignidade e respeito de todas as culturas e o dever de promover as culturas locais.
Promover e proteger a diversidade cultural a nível nacional, tendo em conta as especificidades locais, exige uma política cultural e um orçamento.
Incentivar e apoiar de múltiplas formas artistas e profissionais da cultura é repto desta Convenção, que abre todas as portas ao livre intercâmbio e à circulação de ideias e expressões culturais.
Reconhecer e apoiar a pluralidade da produção cultural e a sua circulação impõe, naturalmente, a dignificação dos seus agentes: torná-los parte integrante de uma estratégia de desenvolvimento sustentável que tarda em afirmar-se, reconhecer-lhes direitos, atribuir-lhes condições de trabalho e de afirmação da sua produção que os retire da invisibilidade e da precariedade.
Criar, produzir e divulgar as expressões culturais, atendendo às condições e necessidades específicas das mulheres e das pessoas pertencentes a minorias, exige medidas claramente orientadas contra a discriminação, impõe às políticas culturais que assumam metade da humanidade e que sejam capazes de dar lugar aos que são vítimas de duplas formas de discriminação, nomeadamente às mulheres imigrantes.
Traduzir as propostas de cooperação para o desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza implica assumir com frontalidade a relação, que é um privilégio, com os países de língua oficial portuguesa, implica a coragem de uma política de língua no reforço desta relação e implica, tal como a Convenção consagra, estimular a criação e divulgação da diversidade cultural dos nossos parceiros e abrir a porta à sua divulgação, dando tratamento preferencial aos seus artistas e agentes culturais.
Para além de uma política para a cultura, a presente Convenção reivindica uma visão e uma orientação global, às quais, mais uma vez, a escola não pode ser um lugar estranho. A tónica sobre os programas de educação é muito clara.
É orientação registada na Convenção que os programas de educação devem desenvolver a compreensão da importância da protecção e da promoção da diversidade cultural e das expressões culturais. É sem equívocos que a diversidade linguística é assumida como um dos elementos fundamentais da diversidade cultural.
Fomentar a interculturalidade, a fim de desenvolver a interacção cultural e criar pontes entre os povos, é um compromisso fundamental que esta Convenção assume.
É por isso que vamos subscrevê-la, mas conscientes de que assumir esta Convenção é, muito mais do que ceder à retórica do consenso, aceitar um desafio para o futuro, é aceitar a responsabilidade de mudanças nos olhares e nas políticas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, concluímos a discussão da proposta de resolução n.º 45/X e passamos à apreciação do inquérito parlamentar n.º 2/X — Sobre as responsabilidades dos XV, XVI e XVII Governos Constitucionais e de organismos sob a sua tutela na utilização do território nacional, pela CIA ou outros serviços similares estrangeiros, para o transporte aéreo e detenção ilegal de prisioneiros (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Já vai longe o mês de Setembro de 2005, altura em que, pela primeira vez, o PCP denunciou o facto de os Estados Unidos da América terem recuperado um método de operações clandestinas denominado «rendições extraordinárias».
Este método, utilizado pela CIA, consiste na perseguição e sequestro de «suspeitos», em qualquer parte do mundo, para depois os enviar para prisões clandestinas, onde são detidos, sem qualquer acusação ou garantia de respeito pelos mais elementares direitos de defesa, e barbaramente torturados.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Estamos, assim, face a um comportamento criminoso da Administração norte-americana por violação do Direito Internacional e dos mais elementares direitos humanos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nessa mesma altura, surgiram notícias que envolviam o nosso país neste método de «rendições extraordinárias».
Na verdade, Portugal surge, de acordo com diversas fontes, na rota dos voos ilegais da CIA, que, utilizando aviões civis, sobrevoaram o nosso espaço aéreo para levar a cabo os acima referidos sequestros.
O Governo começou por responder com silêncio aos requerimentos do PCP. Depois, e devido às proporções internacionais que o caso assumia, o Governo respondeu, não admitindo sequer a existência desses voos em Portugal.
Não foi preciso muito tempo para surgirem novos dados, lista de voos e fotografias, que desmentiram o Governo e os partidos da direita.

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Nesta altura, e face à evidência, o Governo passa a admitir que a CIA poderá ter utilizado o nosso espaço aéreo, mas que não existem indícios de ilegalidades. E, quanto ao Governo, estamos conversados.
Aos diversos requerimentos, o Governo responde que nada sabe, que não há indícios. Às várias intervenções em Plenário, a pedir medidas de fiscalização e esclarecimentos, o Governo responde que nada sabe, que não há indícios. Aos relatórios de organizações internacionais que implicam Portugal, o Governo responde que nada sabe, que não há indícios. Às fotografias, relatos e dados oficiais de voos mais que suspeitos, o Governo responde que nada sabe, que não existem indícios.
E, por fim, um testemunho: o Sr. Khadr, cidadão canadiano sequestrado ilegalmente em Guantanamo, onde foi torturado, descreve o seu voo e a escala que realizou em Santa Maria. O Governo continua a nada saber.
Aqui, na Assembleia da República, o PS e os partidos da direita nada sabem, não querem saber e tentam impedir que se saiba.
Se a este comportamento associarmos as respostas evasivas, incompletas e vagas que o Governo deu e os obstáculos que encontrámos no esclarecimento das crescentes e avassaladoras dúvidas que, com o tempo, se avolumaram (importa lembrar que o PS, o PSD e o CDS-PP impediram a audição dos directores dos serviços de informações), podemos afirmar que estamos face a um conjunto de comportamentos que apontam, quer para a conivência, quer para a total opacidade, no tocante ao esclarecimento de fundados indícios e dúvidas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Face a este comportamento, e uma vez que consideramos da maior importância o total esclarecimento da verdade e o apuramento de eventuais responsáveis, não nos resta outra alternativa senão propor uma comissão parlamentar de inquérito.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Importa salientar que, ao propor a comissão de inquérito, não estamos a impor conclusões;…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — … estamos apenas a propor que o Parlamento exerça as suas funções de fiscalização.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A comissão de inquérito deverá apurar informações e obter respostas cabais sobre, entre outras questões e dúvidas, as seguintes matérias: apurar a lista exaustiva e detalhada de todos os voos susceptíveis de ter tido qualquer relação com as actividades descritas, no período que decorreu entre 2002 e o final de 2006; apurar a lista completa e identificação dos passageiros e tripulação que transitaram nessas aeronaves; apurar qual o país de origem e o destino dos passageiros; apurar que conhecimentos tinham os Governos, nomeadamente através dos serviços de informações, acerca destas actividades; apurar que medidas inspectivas foram realizadas e quais os resultados; apurar que outras medidas foram tomadas para impedir a utilização do nosso espaço aéreo e territorial para estas actividades; apurar eventuais responsabilidades por omissão; apurar os elementos que conduzam à caracterização da eficácia do nosso sistema de fiscalização de entradas, saídas e trânsito de pessoas e aeronaves em instalações aeroportuárias; e apurar se houve, em algum momento, qualquer tratamento privilegiado na autorização dada a estes voos.
Para apurar estes factos, propomos que sejam ouvidos, entre outros: os directores do SIS, no período em inquérito; o Secretário-Geral do SIRP; os oficiais portugueses de ligação em serviço na Base das Lajes; a Sr.ª Deputada do PS no Parlamento Europeu, Ana Gomes; o Sr. Khadr, testemunha e passageiro de um dos voos referenciados; e os Ministérios da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros dos XV, XVI e XVII Governos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta comissão parlamentar de inquérito visa apurar a verdade e proceder a uma investigação cabal sobre eventuais responsabilidades, por acção ou omissão, dos governos liderados por Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, mas visa também apurar que medidas importa tomar para que o nosso espaço aéreo não seja utilizado para actividades criminosas por parte da CIA ou qualquer outra organização.
É, portanto, também uma questão de soberania.

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Hoje, torna-se claro quem quer descobrir a verdade e quem tenta manter a opinião pública e a verdade na penumbra.
Hoje, descobrimos quem, por subserviência aos Estados Unidos da América, impede a descoberta da verdade e se presta a um papel vergonhoso, de encobrimento das actividades criminosas da CIA, em Portugal.
Da nossa parte, os portugueses podem contar com a luta e o combate contra a tortura e a violação dos direitos humanos, sejam eles praticados por quem for, seja em que país for.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não há pedidos de esclarecimento?

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — «Calados como ratos!»

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A bancada do Bloco de Esquerda pronuncia-se claramente a favor da criação de uma comissão parlamentar de inquérito aos voos secretos da CIA, proposta pelo PCP, por várias razões.
Em primeiro lugar, porque, ao contrário do que já hoje ouvi dizer a Deputados do PSD e do PP, com manifesta falta de rigor, a Assembleia da República não procedeu, em momento algum, até agora, a qualquer tipo de inquirição sistemática sobre este assunto.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Não é verdade!

O Orador: — Ouviu as versões dos Ministros dos Negócios Estrangeiros, ouviu, também, as versões de três entidades ligadas ao controlo dos aeroportos e alfândegas e, dessas audições, sobrevivem ainda mais dúvidas, contradições e factos inexplicáveis do que os que já eram conhecidos.
Em segundo lugar, porque o Governo em momento algum procedeu a uma verdadeira investigação sobre estes assuntos, e ainda menos aceitou promover qualquer investigação independente ou no plano judicial (o que era uma hipótese) sobre eles. Lamentavelmente, o Governo limitou-se a ir respondendo contrariadamente, lacunarmente e nem sempre seriamente às solicitações de terceiros, como se lidasse com assuntos incómodos em que quaisquer estranhas conveniências se sobrepusessem ao superior interesse de averiguar até ao fim toda a verdade em matéria desta importância para o que de mais essencial há na democracia.
Em terceiro lugar, porque há na atitude do Governo do Partido Socialista uma estranha obsessão por justificar, e quiçá encobrir, as eventuais acções ou omissões dos governos de direita que o precederam, sobre cujo período de governação recai o grosso das suspeitas da passagem dos voos ilegais da CIA pelos aeroportos portugueses. Só isso explicará o surpreendente coro do Ministro dos Negócios Estrangeiros do PS e de vários dirigentes e Deputados do mesmo partido com os políticos do PP e do PSD, na torrente de insultos e ataques rasteiros à Deputada europeia do PS, Ana Gomes,…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

… cuja irreparável falta, parece, é a de se manter, corajosa e dignamente, mesmo contra os ataques do seu próprio partido, na defesa intransigente do apuramento da verdade — custe a quem custe. Essa é, aliás, a única atitude admissível face à gravidade do que está em causa: a denúncia, sem reservas, nem «mas», das práticas de cárcere privado, de torturas e de transporte de presos, à margem da lei e da justiça, por parte da CIA e com cumplicidades a desvendar em vários países europeus.
Queremos daqui dizer à Deputada Ana Gomes que não a deixaremos só neste seu combate. Para o levar a cabo, pode contar com a solidariedade e a disponibilidade desta bancada. Entretanto, em termos práticos, o que resulta da atitude do Governo é que factos suspeitos e elementos essenciais ao apuramento da verdade continuam a ser sonegados ou, pelo menos, sem ser esclarecidos.
A saber: a lista dos voos de e para Guantanamo, autorizados por Portugal, e o regime em que eles continuam a ocorrer; as listas de passageiros e das tripulações de voos manifestamente suspeitos que, alegadamente, se encontram, umas, na posse do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ou, outras, inexistentes ou desaparecidas; ou ainda o fornecimento de dados indispensáveis ao esclarecimento de outros voos aparentemente suspeitos.
É esse bloqueio de informação essencial por parte do Governo que, neste momento, contribui para impedir o apuramento da prática de violação da legalidade em território português. E só se pode lamentar a deplorável duplicidade de um Governo que lança o ónus da prova de tais ilegalidades para cima de terceiros, ao mesmo tempo que não só se abstém de qualquer atitude pró-activa para esclarecer a verdade como resiste ao seu apuramento.

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Por tudo isto, o Bloco de Esquerda entende que a dignidade do País e deste Parlamento, e a alta prioridade dos interesses em causa exigem a abertura de um inquérito da Assembleia da República à questão dos voos da CIA.
Independentemente do «chumbo» anunciado a esta iniciativa, pode estar certo o Governo e o Partido Socialista que este é um assunto que, pela sua importância, não morrerá aqui. Com maiores ou menores manobras para dificultar o apuramento da verdade, a mesma há-de ser conhecida e há-de vencer.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política tem, naturalmente, a liberdade da retórica, mas a retórica deve ser limitada, sobretudo em matérias de tanto melindre, pelo rigor que se deve pôr nas intervenções dos políticos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Ora, não tem sido, em muitos casos, o rigor a presidir às intervenções. Os exemplos mais recentes acabámos de ouvi-los do alto daquela tribuna.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Vejamos, então, do que se trata.
O Partido Comunista Português veio requerer a abertura de um inquérito parlamentar. E o inquérito parlamentar, como muito bem diz o Partido Comunista Português, é para apurar responsabilidades da Administração ou de responsáveis políticos pelo cometimento de ilegalidades. É a isso que se destina o inquérito parlamentar.
Mas, para existir um inquérito parlamentar, têm de existir factos, e a partir desses factos é que pode fazer-se a ligação em relação à responsabilidade.
Ora, vejamos: que factos existem? Em primeiro lugar, qual tem sido o acompanhamento que esta Assembleia tem feito deste assunto? Começou, no último trimestre de 2005, pela presença aqui do exMinistro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Prof. Diogo Freitas do Amaral, que, com muita frontalidade, nos comunicou o que tinha conseguido averiguar até à altura. E foi-nos fornecendo, como, aliás, tinha prometido, o conjunto de elementos que eram pedidos, quer na sede do Conselho da Europa, quer posteriormente pelo Parlamento Europeu, quer pelos parlamentares portugueses, que, aliás, foram sempre os primeiros a ser informados das respostas que o Governo dirigia ao Parlamento Europeu.
O actual Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Dr. Luís Amado, foi, aliás, um dos três Ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia que recebeu a comissão do Parlamento Europeu.
Há alguns países que, efectivamente, iniciaram inquéritos parlamentares sobre esta matéria. Mas em que condições? Porquê?

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Por que será?

O Orador: — Vou explicar, Sr. Deputado.
É que nesses países, e talvez por acaso, houve cidadãos ou residentes que foram alegadamente objecto de entregas extraordinárias. Foi o caso da Alemanha, da Irlanda, da Itália, da Suécia e da Espanha.
O que é que se passou em Portugal? Ou, melhor, quais são os factos apurados, até hoje, do que se terá passado em Portugal? Sempre o disse, de há muito tempo a esta parte, e repito-o: parece-me estar suficientemente indiciada a passagem de aviões, que, noutras ocasiões, procederam a entregas extraordinárias — repito, que, noutras ocasiões, terão procedido a entregas extraordinárias —, por aeroportos portugueses, mas não quando cá passaram. Nem procederam a entregas, nem há indícios de que tivessem trazido passageiros com o objectivo de fazer entregas extraordinárias.
É essa, aliás, uma das conclusões do relatório do Parlamento Europeu. Esses aviões terão passado repetidas vezes em Portugal, mas nunca — nada disso está provado — com o objectivo de fazer entregas extraordinárias, o que é manifestamente diferente. E muito mais diferente, quando se trata de responsabilidade da Administração ou das entidades políticas, porque as pessoas não podem obviamente ser responsáveis, por omissão ou acção, por factos que não tiveram lugar.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Muito bem!

O Orador: — Que mais coisas terão sido provadas? De fundo, fundamentalmente, é isto, porque não se provou que tivesse havido detidos, com o objecto de fazer entregas extraordinárias. Alguns desses aviões

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faziam trajectos que abrangiam locais onde, eventualmente — e com indícios sérios, apurados no inquérito do Parlamento Europeu —, terão sido feitas entregas extraordinárias. Mas, repito, não se provou que nada disso tivesse sucedido em Portugal.
Tivemos ocasião de ouvir aqui, por iniciativa do PS, logo que terminado o inquérito do Conselho da Europa, as três entidades que nos pareceram que poderiam ter alguma coisa de útil a dizer sobre esta matéria. E o que é que se apurou? Apurou-se, efectivamente, que, por legislação deficiente, se passou em Portugal aquilo que se passou em muitos países europeus, ou seja, não havia legislação, até Outubro passado, que permitisse saber exactamente que passageiros vinham nesses aviões. Essa situação já está colmatada a nível europeu e já há um regulamento que impõe que os passageiros sejam do conhecimento das autoridades onde se faz trânsito. Foi o caso de Portugal, porque a maior parte dos voos que passaram por Portugal e que eram voos em aviões que terão feito, noutras ocasiões — segundo os factos que temos, até agora, presentes —, entregas extraordinárias, não o fizeram nessa altura.
Há algum indício de que tenha passado algum avião em Portugal, fretado por qualquer agência dos Estados Unidos, para fazer entrega de detidos em países terceiros, com o objectivo de proceder ao seu interrogatório? Não há! O único exemplo que o PCP dá, o do canadiano Sr. Khadr, é um exemplo completamente contrário. É que o Sr. Khadr, quando passou em Santa Maria, vinha, aí sim, ao serviço da agência de investigações dos Estados Unidos. Isto foi, aliás, apurado no inquérito — basta o Sr. Deputado lê-lo (dá um pouco de trabalho, porque são três volumes, mas está lá tudo bem claro) — feito no Canadá, precisamente por se tratar de um cidadão canadiano.
Que fique bem claro o seguinte: o PS não pactua com qualquer violação dos direitos humanos, mesmo que feita sob a capa da luta contra o terrorismo. O PS condena frontalmente toda e qualquer forma de tratamento degradante ou de tortura, seja ela levada a cabo por quem for e com que métodos for. O PS entende que há valores fundamentais que devem, a todo o custo, ser salvaguardados, não obstante ter, também, a luta contra o terrorismo como uma das altas prioridades de segurança no nosso país.
Mas, se usarmos de rigor, não estão dadas as condições mínimas para se proceder a um inquérito parlamentar. Não é adequado, não é proporcional, não é oportuno.
Se, no futuro, breve ou longínquo, houver conhecimento de factos ou indícios sérios de que algum acto ilegal se passou no território português, naturalmente que o PS está disponível para acompanhar os esforços de continuação de descoberta da verdade.
Ainda uma nota: nas últimas semanas, a Sr.ª Deputada Ana Gomes, minha querida amiga, e por quem tenho grande apreço, veio suscitar o problema de ter ouvido, numa parte do território nacional, muito concretamente na ilha Terceira, testemunhos presenciais de que teria havido na Base das Lajes presença de prisioneiros, de pessoas detidas, numa parte recuada da zona aeroportuária, e que esse facto lhe teria sido testemunhado por pessoas nos Açores.

Protestos do Deputado do PCP Jorge Machado.

Não ouvi o aparte do Sr. Deputado, mas poderá colocar-me perguntas a seguir à minha intervenção, que eu, se ainda dispuser de tempo, terei ocasião de lhe responder.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): Já está inscrito!

O Orador: — Qual o meio adequado para fazer face a isso? É muito simples: o meio que é proposto pela Comissão do Parlamento Europeu, ou seja, que os Procuradores, em cada País, quando houver indícios de que, no seu juízo e no seu alto critério, sejam indiciadores de práticas criminais, abram um inquérito judicial.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Se as autoridades judiciais entenderem que é isso que deve ser feito, muito bem, mas não é com um inquérito parlamentar que o problema se resolve.
Em suma, para haver apuramento de responsabilidades é preciso haver factos. Mas, até ao momento, mau grado as variadíssimas diligências que o Conselho da Europa, o Parlamento Europeu e, naturalmente, o Parlamento e o Governo portugueses têm feito para apurar a verdade, não existem, apurados, indícios sérios da prática de factos ilegais em território português. Não se justifica, portanto, um inquérito destinado a apurar responsabilidades quando os factos não existem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, registamos a sua intervenção que será analisada e considerada no futuro, quando os novos factos surgirem a «lume» nesta dis-

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cussão.
Mas deixe-me também dizer-lhe que não é uma questão de retórica, não foram os Deputados do PCP, nem a Eurodeputada Ana Gomes que descobriram os factos ou as informações! Não fomos nós que os inventámos! Os factos existem e, dos factos e indícios que o senhor diz que não existem, eu posso fazerlhe um resumo, Sr. Deputado!! De facto, são centenas de voos entre Portugal e Guantánamo e investigação sobre estes voos, zero! Só neste Governo foram realizados 24 voos de ou a partir de Guantánamo e o Governo investigou zero!! Isto não são indícios, Sr. Deputado?… Há fotografias dos aviões, que já mostrámos e juntámos, em território português! Isto não é um indício?

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Os aviões podem passar, não é crime!

O Orador: — Há relatórios internacionais, da União Europeia, Amnistia Internacional, da Human Rights Watch que lhes fazem referência e que envolvem Portugal nesta rede internacional de sequestro e isto não é um indício, Sr. Deputado? A desculpa é a de que não há cidadãos portugueses sequestrados e à custa desse argumento fecha-se os olhos a qualquer actividade ilegal e criminosa da CIA? É este o argumento? Por não haver um português envolvido directamente no sequestro?

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Não é nada disso!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Não é isso! Não percebeu!

O Orador: — Isso não é desculpa e o Sr. Deputado sabe-o muito bem! Quanto aos relatos e às testemunhas, infelizmente, temos uma testemunha e não venha dizer que foi em serviço da CIA que o Sr. Khadr cumpriu aquela missão. O Sr. Khadr, muçulmano canadiano, foi sequestrado, esteve em Guantánamo anos a fio, preso e torturado e trocou a sua liberdade por uma missão na Bósnia.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Quer ver que lhe apontaram uma arma e ele foi para a Bósnia…!

O Orador: — Isto é deplorável e vergonhoso por parte da CIA, e os senhores deveriam estar aqui a condenar essa situação e não deviam utilizar esse argumento para justificar isto.
Este senhor foi usado pela CIA anos e anos após tortura, por parte dos serviços de informações.
E é isto que custa aos Srs. Deputados ouvir! Depois, o Sr. Deputado disse, ainda, que não há mais factos. Pois não há mais factos, porque o Sr. Deputado também não quer investigar, nem o seu Governo se propõe a investigar o que quer que seja! E isto é que é problemático: diz que não há factos para justificar um inquérito mas só há investigação com a comissão parlamentar de inquérito e essa é que irá apurar os factos!! Ora, os senhores alimentam esta contradição mas não a justificam minimamente.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Só para terminar, deixe-me dizer-lhe que «quem não deve não teme»! E o que se pergunta é o que é que o PS teme nesta discussão e o que é que teme relativamente a estes indícios. É porque os indícios são fortes, mas estou convencido de que o PS, o PSD e o CDS-PP sofrem de uma espécie de esquizofrenia,…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — É, é…!

O Orador: — … isto é, os indícios podem ser do tamanho de um elefante, Srs. Deputados, caírem-lhes à frente dos olhos que os senhores vão aqui afirmar, neste Plenário, que não há indícios, nem factos, porque a única posição que querem defender é a dos Estados Unidos da América, num claro sinal de subserviência que é absolutamente vergonhoso para esta Câmara.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, o senhor com essa intervenção aumentou um pouco o meu prestígio junto da Administração dos Estados Unidos da América,…

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O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Ainda bem! Estava a precisar!

Risos do PSD.

O Orador — … que não deve ser muito grande.
Mas, Sr. Deputado Jorge Machado, vamos ser aqui um pouco mais rigorosos: Guantánamo é uma base militar dos Estados Unidos e o Sr. Deputado não pode desconhecer que, quer lhe agrade quer não, Portugal tem um acordo militar de cooperação com os Estados Unidos que, naturalmente, se baseia na utilização da Base das Lajes.
Disse o Sr. Deputado que há registo de 24 aviões, mas, Sr. Deputado, eu penso que há de muitos mais, porque de acordo com as autorizações dadas, de três em três meses, pelo Governo português à utilização da Base das Lajes para a Operação «Enduring Freedom» no Afeganistão, que o Sr. Deputado deve conhecer, com certeza, é evidente que passarão pela Base das Lajes dezenas e dezenas de aviões que se dirigem à Base de Guantánamo.

Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

Ó Sr. Deputado, deixe-me acabar! Estou eu a dizer que tudo se passou no melhor dos mundos e que nada de ilegal foi cometido? Não, não estou!! Estou é a dizer que não há indícios de que alguma coisa de ilegal se tenha cometido. Não há!! Não tenho indícios! A Sr.ª Eurodeputada Ana Gomes disse, e tem razão, que há 90 e tal voos que saíram ou passaram pela Base das Lajes com direcção a Guantánamo e de Guantánamo para a Base das Lajes.
Está bem, mas isso para mim não chega! Guantánamo é uma base militar dos Estados Unidos, no território de Cuba, além disso…

Protestos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

Deixe-me acabar, Sr. Deputado, que já vem aí alguma coisa mais agradável aos seus ouvidos.

Risos do PS.

Como ia dizer, além disso, tem um centro de detenção, que nós sempre criticámos neste Parlamento — sempre!, e o Sr. Deputado não o vai negar —, mas não podemos ir investigar os voos que foram feitos da Base das Lajes para Guantánamo quando o Governo português, com inteira legitimidade, autorizou que os Estados Unidos utilizassem esta Base para apoio da Operação no Afeganistão! Então em que é que ficamos? Agora, autorizamos a utilização da Base das Lajes, a Base das Lajes serve de stop over a aviões que se dirigem a Guantánamo e vice-versa e o Sr. Deputado, só porque em Guantánamo existe um centro de detenção, tira a conclusão de que todos esses aviões iam cheios de prisioneiros para Guantánamo?! Até lhe digo mais: até podia ter havido prisioneiros das operações no Afeganistão transportados legalmente para os Estados Unidos. Não sei se houve se não houve, não tenho indícios disso.
A Sr.ª Eurodeputada Ana Gomes disse que nos Açores ouviu isso…

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Isso é uma aparição!

O Orador: — Não, Sr. Deputado, eu não lhe chamo aparição, chamo-lhes testemunhos…

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Secretos!

O Orador: — … que a Sr.ª Eurodeputada Ana Gomes disse que tem. Mas se tem há uma entidade que deve averiguar isso — eu já disse e repito — que é o Ministério Público se achar que esses indícios têm credibilidade e merecem uma investigação criminal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Arnaut.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, hoje discute-se aqui uma proposta do Partido Comunista sobre a criação de uma comissão de inquérito aos alegados voos da CIA.
Porquê uma comissão de inquérito e quando uma comissão de inquérito? Essencialmente, quando há duas razões: uma, quando há a necessidade de utilizar este instituto com os

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poderes especiais que tem para averiguar factos encontrados, factos reais e factos que são do conhecimento público e quando não há outro recurso se não usar dos poderes especiais que essas comissões de inquérito podem ter — e têm! — para averiguação da verdade.
Este é um dos requisitos essenciais de quando há lugar a uma comissão de inquérito.
Há outra razão que é de ordem política que é quando se quer criar um facto político, quando se quer utilizar uma comissão de inquérito para criar qualquer facto político ou dar-lhe qualquer utilização políticopartidária.

O Sr. António Filipe (PCP) — Isso é o PSD!

O Orador: — Ora, nestas circunstâncias, importa ver se estão ou não verificados os requisitos para haver lugar à constituição de uma comissão de inquérito.
Quando é que o Parlamento não exerceu as suas funções e as suas competências de fiscalização? Aqui não posso esquecer as minhas funções de Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e recordar aquele que foi o trabalho do Parlamento e o trabalho feito na Comissão.
Recordo, para a cronologia dos factos, o que esta Assembleia fez, porque nós temos de nos respeitar a nós próprios se queremos que os outros nos respeitem.
No dia 6 de Dezembro, foi discutido um requerimento do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda relativamente a uma audição do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o então Prof. Freitas do Amaral, relativamente aos alegados voos da CIA.
No dia 13 de Dezembro, a Comissão de Negócios Estrangeiros fez a audição pública do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Prof. Freitas do Amaral), que trouxe os elementos que tinha naquele momento e que, mais do que isso, deu elementos e documentação escrita daquilo que tinha sido averiguado pelo Governo sobre esta matéria.
Posteriormente a isto, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, no dia 26 de Junho, junta um conjunto de elementos que foram verificados e apurados relativamente a algumas dúvidas que, entretanto, se levantaram e que o Parlamento Europeu também tinha colocado.
No entretanto, os delegados à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa precederam à averiguação e à recolha dos elementos necessários para responder à Comissão do Conselho da Europa que averiguava estas situações dos alegados voos da CIA na Europa.
Foi enviada toda a documentação, foram enviados todos os elementos e convido os senhores Deputado a lerem as conclusões desse relatório e as menções que são feitas a Portugal. Não queiramos nós maximizar aquilo que os outros que averiguaram em toda a Europa não maximizaram e a que não deram relevância.
Depois, no dia 6 de Setembro, procedeu-se, também, a uma audição do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, na qual houve perguntas e foram respondidas sobre os alegados voos da CIA.
Depois, ainda, foi discutido o requerimento feito pelo Sr. Deputado José Vera Jardim e outros Srs. Deputados para proceder à averiguação no dia 26 de Setembro do que é que o Governo estava a fazer, o que é que o Governo pretendia fazer relativamente às recomendações da Resolução do Conselho da Europa.
No dia 18 de Outubro, fez-se uma audição conjunta com a 1.ª Comissão, aberta à comunicação social, ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Houve uma segunda audição, conjuntamente com a 1.ª Comissão, relativamente aos serviços que foram considerados competentes nesta matéria: o INAC, a Direcção-Geral de Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e o SEF.
Tenho aqui — e peço ao Sr. Presidente que o faça chegar ao Sr. Deputado do PCP Jorge Machado — um CD com toda a documentação e todo o trabalho de fiscalização feito neste Parlamento relativamente a esta matéria. Está aqui tudo o que foi pedido, respondido e objecto de trabalho feito por nós próprios, incluindo o Sr. Deputado.
Vamos, nós próprios, valorizar o trabalho que fazemos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Todos estes factos levam-nos à conclusão de que não existem nem estão preenchidos os requisitos mínimos e necessários que importam para poder ser constituída uma comissão de inquérito.
Pergunto: alguma vez, algum requerimento deste Parlamento ficou por responder?

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Vários! Muitos, Sr. Deputado!

O Orador: — Alguma vez o Governo não respondeu e não colaborou com a Assembleia da República? Alguma vez não tivemos a informação necessária?

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Muitas vezes!

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O Orador: — Alguma vez os órgãos da Administração Pública, nesta matéria, não responderam ao que lhes foi solicitado?

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É o que se passa a toda a hora!

O Orador: — Não! Em nenhuma vez isso aconteceu!! O Governo cooperou, o Governo respondeu e o Governo veio aqui cooperar com a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Até parece a bancada do PS a falar!

O Orador: — Em sede da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias procedemos ao trabalho e à fiscalização necessários.
Esta Assembleia tem orgulho no trabalho e na fiscalização que foram feitos nesta matéria.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Há algum facto novo que não tenha sido investigado? Há algum facto novo que não tenha sido esclarecido?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Há muitos!

O Orador: — Não há!!| Há alguma ilegalidade que tenha sido detectada? Há alguma omissão que seja um facto relevante e mereça ser tida em consideração? Não há!! Há apenas processos de intenção, tão-só processos de intenção!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Por isso, com os dados de hoje, atendendo ao trabalho e ao respeito pelo trabalho feito nesta Assembleia, por nós próprios, temos de reconhecer que a Assembleia da República exerceu as suas funções e a fiscalização está a ser feita.
Sempre que houver necessidade de proceder à averiguação de novos factos nesta Assembleia, o PSD não deixará, através dos órgãos competentes — as comissões —, de proceder à averiguação necessária dos elementos que vierem a ser concretizados. Mas refiro-me a facto concretos e não apenas a processos de intenção, a alegações, a declarações sem nome, sem rosto, ou a reportagens meramente fotográficas.
Não! Interessam-nos, sim, factos, realidades plausíveis. E não os há!! Importa por isso ter em consideração o próprio relatório do Parlamento Europeu (a averiguação feita na comissão temporária do Parlamento Europeu e que fala de Portugal), que refere que a nossa situação é bem diferente da de outros países.
Está provado que passaram voos em Portugal, está provado que foram utilizadas plataformas portuguesas em voos, mas não está provado que esses aviões e esses voos que aqui aterraram traziam prisioneiros. Não está provado!!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É para isso que serve a comissão de inquérito!

O Orador: — Há convenções internacionais e, neste momento, os dados de que dispomos dizem-nos que esses voos fizeram uma mera utilização das plataformas portuguesas para reabastecimento. Portanto, nenhum desses voos, quer quanto à origem quer quanto ao destino, indiciam ou levantam qualquer suspeita real e plausível.
Por esta razão, o PSD não irá votar favoravelmente a constituição de uma comissão de inquérito. Temos consciência de que estamos a tratar de uma questão de soberania nacional, e a soberania nacional não se aliena nem se discute na praça pública! Não há qualquer facto que nos leve a acompanhar o PCP nesta matéria. Se houver alguma alteração, alguma violação clara dos Direitos do Homem, se houver algum indício de que há uma ilegalidade, seja ela qual for, que tenha sido cometida em território português, seguramente seremos os primeiros a rever a nossa posição. Não há factos nem indícios disso! Esta Assembleia tem investigado, fiscalizado e exercido as suas competências. Vamos, pois, valorizar o trabalho que fazemos e não criar factos políticos artificiais, meramente artificiais, sobre questões que não existem e sobre as quais apenas há processos de intenção.

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Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP João Rebelo.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Helder Amaral.

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A presente proposta de inquérito, apresentada pelo PCP, para a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito sobre as responsabilidades dos XV, XVI e XVII Governos Constitucionais, e de organismos sob a sua tutela, na utilização do território nacional pela CIA, ou outros serviços similares estrangeiros, para o transporte aéreo e detenção ilegal de prisioneiros, merece da bancada do Grupo Parlamentar do CDS-PP um voto contra.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — O que nos leva a votar contra são razões frontais e leais, que enumerarei ao longo da intervenção.
A alegada utilização pela CIA do espaço aéreo de países europeus para sobrevoo ou aterragem de aeronaves, desde que cumprindo com as normas de Direito nacional e internacional, não merecem desta Câmara qualquer censura,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — … mesmo que o itinerário seja Guantánamo, Porto, one way, round trip, ou outros. São voos de uma organização de um Estado de direito, nosso aliado, com quem temos vários acordos de cooperação, nomeadamente ao nível militar.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Importa por isso perguntar: na triagem, autorização, acompanhamento e fiscalização das aeronaves que sobrevoaram o espaço aéreo ou aterraram em aeroportos nacionais, foi detectada alguma irregularidade? A resposta dos organismos que tutelam a soberania nacional foi «não».
Relembro que isso mesmo foi confirmado em audições na Assembleia da República, feitas pelas 1.ª e 2.ª Comissões, já aqui referenciadas.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Por isso, tudo está claro, não há duvidas e tudo é pacífico, afirmado e reafirmado pelos responsáveis do INAC, do SEF, da DGA e pelos Ministros de Estado e dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna, que cito: «Não existem quaisquer indícios de que possam ter passado por Portugal voos da CIA para transporte de indivíduos que tenham violado a legislação nacional, o Direito Internacional ou quaisquer acordo bilateral». Ficou, portanto, clara a situação.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Exactamente!

O Orador: — Quem considera que houve falhas na fiscalização pode e deve propor mais ou novos meios de controlo, e essa é uma discussão possível e até pedagógica. Mas não é essa a intenção da proposta, nem é isso que esta em causa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ficam, no entanto, as dúvidas, no âmbito do Parlamento Europeu, sobre os alegados voos secretos. E também aqui nos parece que foram cumpridas todas as normas de relacionamento entre uma comissão temporária e um Estado soberano, tendo sido integralmente cumpridos os mais exigentes critérios de coerência e rigor.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — O Governo português cooperou, coopera — e estou certo de que vai continuar a cooperar — no sentido do total esclarecimento das questões levantadas. E a verdade é que todas as investigações efectuadas até ao momento não detectaram qualquer indício de ilegalidades cometidas em território português.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Exactamente!

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O Orador: — O Estado e o Governo têm o dever de agir segundo o princípio da boa fé e não alimentar suspeitas levantadas, muitas vezes, por Deputados que assumiram uma postura alarmista e voluntarista, baseada numa falta de rigor e de objectividade…

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — … e que só encontra explicação no condicionalismo ideológico que assenta numa histeria anti-americana.

Vozes do CDS-PP e do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Esperávamos que, para suportar esta proposta, fossem apresentados dados novos, mas não! São utilizados os mesmos argumentos, o mesmo vocabulário difuso. E não pode discutir-se política de Estado dizendo «consta que…», típico das conversas de café,…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — … onde se usam expressões como: «ouvi dizer», «há coisas estranhas», «pessoas viram», «os alegados voos», etc., etc.

Aplausos do CDS-PP.

Há um dado novo: o de se ter descoberto o feminino de OVNI, AVNI — Alegados Voos Não Identificados.

Aplausos do CDS-PP.

Risos do PSD.

Da nossa parte, e para que fique claro, o CDS condena e condenará qualquer desrespeito pelas normas de Direito vigentes, a nível nacional e internacional, ou de qualquer direito fundamental, mesmo se praticados por um dos nossos aliados. Para nós, o combate sério é contra o terrorismo, não é contra o pseudo imperialismo americano!

Vozes do CDS-PP e do PSD: — Muito bem!

O Orador: — É do entendimento do Grupo Parlamentar do CDS-PP constituir dever do Governo dar todas as informações, em primeira-mão, à Assembleia da República, prática que tem vindo a ser concretizada, quer no envio regular e periódico de informações quer pela presença dos Srs. Ministros nas comissões.
Em concreto, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tem fornecido informação sobre a matéria em análise, garantindo a leal colaboração do Estado português para com todas as instituições, nomeadamente com a Assembleia da República.
Assim sendo, sublinho que a acção fiscalizadora constitucionalmente incumbida a este órgão de soberania não tem sido posta em causa.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Foi, aliás, reforçada com o compromisso, perante as 1.ª e 2.ª Comissões, de que qualquer facto ou factos descobertos pelo Estado português, em qualquer momento, que contrariem o que está já averiguado nos seria de imediato comunicado.
Para melhor responder a todas as dúvidas levantadas, o Governo chegou mesmo a criar um grupo de trabalho interministerial — integrado por representantes dos Negócios Estrangeiros, Defesa e Administração Interna —, que passou por um levantamento de procedimentos e um balanço crítico de todo o processo de autorização, sobrevoo e aterragem de aviões.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E o resultado foi zero!

O Orador: — As conclusões deste grupo de trabalho interministerial reflectem que o processo de autorização, sobrevoo e aterragem de aviões pode ser aperfeiçoado, nomeadamente através da criação de um manual de procedimentos e da elaboração de uma listagem de material contencioso para determinar a sua admissibilidade e para que, de futuro, se possa exercer um melhor controlo.

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Mas mais importante ainda, e sobre o que nos leva a estar aqui reunidos hoje, o grupo de trabalho interministerial manifestou-se convicto de que Portugal não violou a legalidade internacional em matéria de transportes de prisioneiros sujeitos a tortura.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Nenhum dado hoje confirma que este Governo, ou mesmo os governos anteriores, tenham violado a legalidade internacional, por acção ou omissão, no que respeita a transporte, transferências, raptos, ou detenções secretas realizadas pela CIA ou outros. É isto que está em causa e, até à data, nenhum dado concreto resulta em indício minimamente credível de prática de qualquer ilegalidade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — É por esta razão que não vemos qualquer utilidade na constituição de uma comissão parlamentar de inquérito sobre esta matéria, que está, em si mesma, esvaziada de conteúdo.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Existe uma forte suspeita em relação à conivência de Portugal, no tempo de sucessivos governos, em relação a voos da CIA que transportam prisioneiros, raptados pelos Estados Unidos, para prisões secretas, com evidente e assumida violação dos direitos humanos.
Ora, é isto que tem de escandalizar aqueles que se dizem defensores dos direitos humanos. E, seguramente, esta componente deverá prevalecer sobre todos e quaisquer acordos que existam com os Estados Unidos relativamente à Base das Lajes.
Será importante dizer que não há «violação de direitos humanos aceitável» e «violação de direitos humanos não aceitável»! E o facto de Bush ter vindo confirmar a existência de prisões secretas demonstra que os Estados Unidos são violadores de direitos humanos.
Relativamente à matéria que está em causa nesta discussão, têm existido contradições até nas declarações governamentais: primeiro, foi dito que não houve aviões da CIA a sobrevoar e a fazer escala em território nacional; depois, com a evolução da informação que foi sendo obtida, veio o Governo afirmar que pode haver indícios da passagem desses aviões por Portugal, mas não existem ilegalidades.
Só que é através da investigação desses indícios que se poderá chegar a essa conclusão.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Exactamente!

A Oradora: — Ou seja, a inexistência de ilegalidades não decorre meramente do processo de declaração de qualquer Governo em relação a essa conclusão.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Como é óbvio!

A Oradora: — É esse apuramento que cabe também ao Parlamento fazer. Aliás, o que o PSD chama de «factos políticos artificiais» foi, justamente, o que levou outros parlamentos, não só a nível nacional como a nível europeu, a promover investigação parlamentar em torno desses mesmos factos,…

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Está mal informada! Não é verdade!

A Oradora: — … desses mesmos indícios e dessas mesmas evidências.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Bem lembrado!

A Oradora: — Relatórios internacionais associam já Portugal a esta rota de transporte de prisioneiros dos Estados Unidos.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Não é verdade!

A Oradora: — Há registos, evidências e testemunhos que envolvem o nosso país, mas quem ouve o PS e o PSD até fica com a sensação de que não há dados absolutamente alguns.
Nesta matéria, também importa apurar se os sucessivos governos sabiam desses voos e das intenções deles e agora querem ocultar tal facto ou se não sabiam, o que também é problemático porque, então,

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somos «usados e abusados» em nome de quê?!

Vozes do PCP: — Muito bem!

A Oradora: — Esta suspeita, reforçada pelas contradições assumidas pelo Governo (pela sua recusa de esclarecer, cabal e claramente, a questão) e pelo alargamento do conhecimento de registos, testemunhos e evidências, merece um esclarecimento adequado e justifica, portanto, um inquérito parlamentar.
Esta comissão de inquérito poderia e deveria — assim os grupos parlamentares o quisessem — apurar factos que, se calhar, alguns podem querer ver omitidos. Esta comissão poderia procurar conhecer quanto se passou, como, por que razão, em nome de quê, quando e com conhecimento de quem.
Se o PS e o PSD tivessem a sua consciência verdadeiramente tranquila, votariam ou não contra este inquérito parlamentar?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Boa pergunta!

A Oradora: — Na nossa perspectiva, não votariam contra este inquérito parlamentar.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Exactamente!

A Oradora: — Procuram falar dos voos da CIA sempre o mínimo imprescindível: quanto menos se falar e se apurar, melhor! É esta atitude que faz aumentar mais suspeitas sobre factos que existem e outros que, se calhar, falta conhecer e que este Parlamento poderia ter ocasião de apurar.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, em termos muito breves, gostaria de dizer ao Sr. Deputado José Vera Jardim o seguinte: de facto, o rigor é algo muito importante nestas questões, mas o que me surpreende é que o Sr. Deputado esteja à-vontade a falar de rigor ao apoiar a política do Governo.
Rigor?! As primeiras declarações dos dois últimos ministros dos Negócios Estrangeiros, do Prof. Freitas do Amaral e do Dr. Luís Amado, foram as de garantir solenemente a esta Assembleia, que não havia, pura e simplesmente, voos para Guantánamo que passassem por Portugal!

Vozes do BE: — Exactamente!

O Orador: — A seguir, mudaram de posição e disseram que havia voos, mas que não transportavam prisioneiros; depois, serão capazes de dizer que havia voos que transportavam prisioneiros mas que não há qualquer cumplicidade do Governo nisso… Portanto, não há qualquer rigor!! O Governo foi inventando uma posição à medida que os dados foram surgindo — e vamos por aí fora… Uma segunda questão relacionada com o rigor é a de o Sr. Deputado José Vera Jardim garantir que, até agora, não há elementos que atestem que os voos que passaram por Portugal fizessem entregas. Portanto, não fizeram entregas! Como é que o Sr. Deputado pode dizê-lo? Eu não digo que fizeram, o que digo é que não sei se fizeram!

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — Ouça o que acaba de escrever a Sr.ª Eurodeputada Ana Gomes, do seu partido, em resposta ao Ministro: «A verdade é que o Ministro não facultou à Assembleia, ou ao Parlamento, os elementos que poderiam servir para fazer essa prova ou infirmar suspeitas». Esta é que é a verdade! Ou seja: não facultou a lista de voos de e para Guantánamo, apesar de repetidamente pedida; não facultou listas de passageiros e de tripulações em escalas suspeitas; não forneceu ainda dados solicitados relativamente a outros voos suspeitos; não permite, assim, que se apure se se verificaram, ou não, violações da legalidade em território português cometidos por gente do Estado português ou por estrangeiros.
O Sr. Deputado Vera Jardim fica satisfeito com o facto de o Governo português se recusar a dar a lista dos voos de e para Guantánamo? Diz o Sr. Deputado: «Bom, mas isso é porque os voos para Guantánamo foram autorizados ao abrigo da operação do Afeganistão». Mas isso levanta-nos duas questões. Como Deputado, acha bem que o Governo português dê uma autorização genérica de voos de e para Guantánamo, sabendo-se o que há em Guantánamo?! Considera que essa é uma política certa?! Do ponto de vista pessoal, considera que essa é uma política certa?!

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Como responde à Deputada Ana Gomes, que diz: «Acresce, ainda, que não existe qualquer acordo bilateral que implique uma autorização genérica e permanente para aviões militares kuwaitianos e sauditas como os que atravessaram o espaço aéreo português entre Guantánamo e Casablanca, entre 3 de Novembro de 2005 e 24 de Junho de 2006 — na vigência do actual Governo —, conforme lista que fiz chegar ao Parlamento Europeu».
Portanto, mesmo ao abrigo de uma autorização genérica, politicamente lamentável num caso destes, o que se verifica é que essa autorização genérica não cobre a ilegalidade de voos de aviões do aliado que não foram autorizados.

O Sr. Presidente: — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: — Sr. Presidente, vou terminar, pedindo desde já desculpa.
Gostaria apenas de dizer à bancada do PSD que soberania nacional é algo sobre a qual os senhores não podem falar. Os senhores, que foram organizar essa vergonhosa farsa nos Açores para preparar a agressão estrangeira contra o Iraque,…

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Exactamente!

O Orador: — … vêm falar em soberania nacional?!

O Sr. João Semedo (BE): — É preciso descaramento!

O Orador: — Tenham vergonha acerca disso, por amor de Deus!

Aplausos do BE.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Tenha vergonha o Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, gostaria de dizer ainda umas palavras, no final do debate.
Não vou referir-me detalhadamente às intervenções quer do Sr. Deputado Helder Amaral, pois creio que nem o Primeiro-Ministro Blair diria pior em matéria de seguidismo em relação aos Estados Unidos da América, quer do Sr. Deputado José Luís Arnaut, que parecia um Deputado da maioria.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Orador: — Para o Sr. Deputado José Luís Arnaut a Assembleia fez tudo o que era possível para investigar esta questão e o Governo fez mais do que tudo, ou seja, o Governo dá garantias absolutas de ter feito tudo o que era possível.
Portanto, relativamente a esta matéria, não é preciso dizer muito mais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Quanto à intervenção do Sr. Deputado José Vera Jardim, importa clarificar o seguinte: quando se tem provas, não é preciso fazer um inquérito. O inquérito faz-se quando existem indícios. É assim com o inquérito parlamentar e é assim com um inquérito de qualquer natureza. Perante indícios, fazse um inquérito. E de duas, uma: ou aparecem provas resultantes dessa averiguação e tira-se uma determinada conclusão ou não aparecem provas e conclui-se que não foram encontradas provas. É para isso que serve o inquérito. Nós não propomos o inquérito na base de conclusões. Nós propomos o inquérito na base de indícios sólidos que estão suficientemente comprovados.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Quais?!

O Orador: — Os senhores é que já recusam o inquérito com base em conclusões que tiram à partida!

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Está enganado!

O Orador: — Não se faz um inquérito do que já concluímos. Essa é a questão.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

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O Orador: — O Sr. Deputado José Vera Jardim veio dizer que, de facto, houve voos. Está comprovado que houve voos. Está comprovado que esses voos fizeram escala em território nacional. Está comprovado que esses aviões foram para Guantánamo. Está comprovado que esses aviões serviram para fazer as chamadas «rendições extraordinárias». Então, como há pouco fez o Sr. Deputado Fernando Rosas, pergunto: como é que o Sr. Deputado sabe isso? Se o Governo português e as autoridades portuguesas, que têm a obrigação de saber, não esclarecem, como é que o Sr. Deputado sabe que não ia lá ninguém?!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Boa pergunta!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Como é que o Sr. Deputado sabe que não se fizeram rendições extraordinárias? Também é inaceitável dizer que, como há um acordo com os Estados Unidos da América para a Base das Lajes, eles podem fazer tudo! Sr. Deputado, não podem. Isso é inaceitável! A Base das Lajes não pode ser utilizada, em caso algum, para violações dos direitos humanos fundamentais! O Estado português não pode aceitar que isso aconteça e tem a obrigação de averiguar se aconteceu ou não, para agir em conformidade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Srs. Deputados, apresentamos 10 questões concretas como objecto do inquérito parlamentar que propomos e nenhuma destas questões está respondida. Ora, é isso que é preciso averiguar.
O Sr. Deputado José Luís Arnaut diz que já ouvimos toda a gente. Mas nós propomos a audição de 18 entidades, das quais o Parlamento só ouviu 4. Há 14 entidades que o Parlamento não ouviu e que VV.
Ex.as
, pelos vistos, não querem que o Parlamento oiça.
A concluir, diria que o Partido Socialista condena em abstracto as violações dos direitos humanos, mas recusa-se a averiguar em concreto se elas ocorreram, ou não, em território nacional.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — E a atitude é a de fazer apelos para que a Deputada Ana Gomes se cale e recusar a realização do inquérito parlamentar.
A conclusão que é forçoso tirarmos é a de que não se quer apurar a verdade. O nosso povo diz que «quem não deve não teme» e, no que respeita a esta matéria, há, de facto um clima de suspeição relativamente à utilização do território nacional. E só há uma forma de lhe pôr termo: fazer um inquérito parlamentar para que se conclua se houve, ou não, violações dos direitos humanos.
Portanto, a nossa proposta é a de que se averigúe para que se chegue a uma conclusão que possa, de uma vez por todas, afastar este clima de suspeição. Enquanto esse inquérito não se fizer, esse clima vai persistir, e isso, evidentemente, é mau para Portugal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim, que terá de ser necessariamente breve.

O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, gostaria apenas de esclarecer dois possíveis malentendidos.
Um deles é da parte do Sr. Deputado Fernando Rosas e o meu esclarecimento destina-se a defender a honra do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros — que terá, naturalmente, ocasião de, em breve, esclarecer toda esta matéria, mas eu não queria deixar de adiantar —, quando recebe algum pedido de esclarecimento vindo do Parlamento Europeu ou de algum Sr. Deputado, vai procurar, junto das instâncias competentes, obter essa informação. Foi o que fez. Do Ministério da Defesa Nacional, designadamente do Estado-Maior da Força Aérea, recebeu a notícia de que não tinham nos registos do Estado-Maior da Força Aérea voos para Guantánamo. Nessa altura, todos estes voos da operação NATO no Afeganistão, voos esses ao abrigo das autorizações prorrogadas pelo Estado português, não eram metidos dentro dessa informação do Estado-Maior da Força Aérea. Nunca negou que não houvesse outros voos para Guantánamo. O Sr. Deputado sabe muito bem que, nas primeiras listas que nos foram fornecidas, juntamente com o relatório do Parlamento Europeu e pela NAV, vêm lá referidos voos para Guantánamo. Toda a gente sabe que há voos para vários aeroportos, entre eles para Guantánamo.

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O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Está na Internet!

O Orador: — Estes voos para Guantánamo são os novos voos militares sobre os quais, na base das informações recebidas, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros respondeu com inteira boa fé.
O outro mal-entendido que se impõe esclarecer, porque quanto ao resto, não vale a pena, cada um fica com o seu rigor e, portanto, o Sr. Deputado António Filipe fica com o seu e eu fico com o meu e, assim, pelo menos eu, ficarei em paz com a minha consciência, é este: não é pelo facto de haver um acordo de cooperação militar com os Estados Unidos da América que estão autorizadas ilegalidades nos voos realizados ao abrigo desse acordo. Aliás, faz parte do acordo que os Estados Unidos da América se obrigam a cumprir a legislação nacional em tudo o que diga respeito a voos, trânsito, stop over, etc., etc. Não foi isso que eu disse. Eu disse que eram voos ao abrigo de autorizações para a operação NATO no Afeganistão e que, portanto, não tinha que ver directamente — pelo menos, não há indício disso — com os chamados «voos da CIA» para as entregas extraordinárias. Foi isso que quis dizer, e não mais do que isso.
É evidente que — mais uma vez, o digo — não pactuamos com qualquer ilegalidade que se venha a indiciar ter sido praticada no território português, Sr. Deputado. Essa é que é a grande divergência entre nós.

O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — É que eu entendo que tem de haver indícios suficientes…

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — E necessários!

O Orador: — … para iniciar um inquérito e que esses indícios não existem e os senhores entendem que existem indícios.
Vou dizer-vos o seguinte: as únicas coisas que tenho afirmado aceitar como provadas são as que estão dadas como provadas nas conclusões preliminares do inquérito do Parlamento Europeu e lá não vem nada daquilo que os senhores dizem.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Arnaut.

O Sr. José Luís Arnaut (PSD): — Sr. Presidente, gostaria de esclarecer dois aspectos das intervenções dos Srs. Deputados Fernando Rosas e António Filipe.
Este debate já valeu a pena. Que fique registado na Acta que o desespero do Sr. Deputado Fernando Rosas leva, nesta matéria, à invocação de Deus.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Até se pode benzer…!

O Orador: — A falta de outro argumento leva-o à invocação de Deus.

O Sr. António Filipe (PCP): — Valha-me Nossa Senhora! Isso é um argumento!?…

O Orador: — Fica registada na Acta a invocação de Deus nesta matéria. É um passo que registamos.
Mas, Sr. Deputado Fernando Rosas, quero dizer-lhe que não recebemos lições de soberania de ninguém, e muito menos do Bloco de Esquerda.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Só do Bush!

O Orador: — Que fique claro e registado.
Sr. Deputado António Filipe, quero esclarecer que, quando intervim há pouco, fi-lo porque não posso esquecer-me que sou Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e foi no âmbito dessa Comissão, onde, aliás, V. Ex.ª também participou como membro da 1.ª Comissão, que trabalhámos, que desenvolvemos fiscalização, que apurámos factos, que questionámos o Governo, que fizemos audições a entidades. Foi com base na valorização do trabalho feito nesta instituição que é o Parlamento, numa comissão deste Parlamento, aliás, em duas comissões porque se tratava de audições conjuntas das 1.ª e 2.ª Comissões, que invoquei, e sempre invocarei, os factos e realçarei o trabalho e a valorização do trabalho que, nesta Casa e nesta Câmara, é feito.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluído o debate do inquérito parlamentar n.º 2/X, dou a palavra à Sr.ª Secretária para dar conta de um parecer da Comissão de Ética.
Faça favor, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 3.ª Secção do 2.° Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, Processo n.º 3904/03.5 — TTLSB, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Matilde Sousa Franco (PS) a prestar depoimento presencialmente, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, a próxima reunião realiza-se amanhã, quinta-feira, com início às 15 horas, e do período da ordem do dia consta um debate de interesse relevante, ao abrigo do n.º 2 do artigo 77.º do Regimento, requerido pelo Grupo Parlamentar do PCP, sobre a evolução dos preços dos bens essenciais, bem como a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 335/X — Regula o acesso e a permanência na actividade das sociedades de consultoria para investimento e dos consultores autónomos (CDS-PP), e a discussão do projecto de resolução n.º 127/X — Recomenda ao Governo a adopção de medidas de expansão do consumo de genéricos e de redução do desperdício de medicamentos prescritos e de orientações em diagnóstico e terapêutica (PS). Haverá votações regimentais às 18 horas.
Sr.as e Srs. Deputados, aproveito para recordar a todos que hoje, pelas 20 horas, terá lugar um Concerto de Ano Novo, na Sala do Senado, pela Orquestra Filarmónica do Algarve.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
António José Ceia da Silva
António Ramos Preto
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Pedro Nuno de Oliveira Santos

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Paulo Martins Pereira Coelho
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Pedro Augusto Cunha Pinto
Sérgio André da Costa Vieira
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
Maria Odete dos Santos

Partido Popular (CDS-PP):
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio

Página 51

11 DE JANEIRO DE 2007

51

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missão parlamentar:

Partido Socialista (PS):
José Carlos Correia Mota de Andrade

Partido Social Democrata (PSD):
Feliciano José Barreiras Duarte

Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes

Partido Popular (CDS-PP):
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António Ribeiro Gameiro
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio

Partido Social Democrata (PSD):
Mário Henrique de Almeida Santos David
Pedro Miguel de Santana Lopes

DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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