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Sexta-feira, 16 de Fevereiro de 2007 I Série — Número 49
X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE FEVEREIRO DE 2007
Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama
Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. — Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 115/X e dos projectos de lei n.os 349 e 350/X Em declaração política, o Sr. Deputado Alberto Martins (PS), após ter sintetizado as conclusões saídas das Jornadas Parlamentares do PS sobre reforma da administração do Estado, congratulou-se com o resultado do referendo do dia 11 de Fevereiro p.p. pelas consequências sociais que daí advêm, tendo anunciado a prossecução do processo legislativo iniciado na Assembleia no sentido de dar cumprimento ao sentido do voto popular. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputado Luís Marques Guedes (PSD) e Pedro Mota Soares (CDS-PP).
Em declaração política, o Sr. Deputado Agostinho Branquinho (PSD) condenou a política de saúde do Governo e a actuação do Ministro da tutela, considerando que a saúde está mais cara, de acesso mais difícil e mais distante dos cidadãos, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Manuel Pizarro (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Luís Fazenda (BE) demonstrou satisfação pelo aumento do número de eleitores e pelos resultados do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez e solicitou celeridade
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I SÉRIE — NÚMERO 49 2 na aprovação da legislação que os consagre.
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) referiu que os resultados da consulta popular de 11 de Fevereiro p.p. são uma vitória das mulheres portuguesas no caminho da igualdade e da liberdade, tendo solicitado uma rápida aprovação da legislação que os torne realidade.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Pedro Mota Soares (CDS-PP) abordou os resultados do referendo.
Por último e em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) teceu considerações sobre o mesmo tema.
Ordem do dia. — Procedeu-se ao debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre as provas globais no 9.º ano, tendo intervindo, a diverso título, além da Sr. ª Ministra da Educação (Maria de Lurdes Rodrigues), do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva) e do Sr.
Secretário de Estado da Educação (Valter Lemos), os Srs. Deputados Paulo Rangel (PSD), Odete João (PS), Pedro Duarte (PSD), João Oliveira (PCP), Abel Baptista (CDSPP), Cecília Honório (BE),Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Maria Júlia Caré (PS), Fernando Antunes (PSD) e Miguel Tiago (PCP).
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato de um Deputado do PSD.
Foram apreciados conjuntamente, na generalidade, os projectos de lei n.os 120/X (PCP) e 350/X (PSD) — Alteram a Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, que «Define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica». Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Miguel Tiago (PCP), Emídio Guerreiro (PSD), João Semedo (BE), Hélder Amaral (CDS-PP), Fátima Pimenta (PS), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes) e Maria Antónia Almeida Santos (PS).
Mereceu aprovação o voto n.º 86/X — De pesar pelo falecimento do dirigente do Partido Comunista Português Sérgio Vilarigues (PCP), tendo a Câmara guardado 1 minuto de silêncio.
Foram rejeitados, na generalidade, os projectos de lei n.os 9/X — Altera o Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, quanto aos resíduos de construção e demolição (Os Verdes), e 205/X — Redução de embalagens e de resíduos de embalagens (Os Verdes).
A Câmara aprovou, ainda, dois pareceres da Comissão de Ética, autorizando igual número de Deputados a deporem, por escrito, em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
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Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel José dos Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Pinheiro Pereira
Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
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António Ribeiro Cristóvão
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro
Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
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Miguel Tiago Crispim Rosado
Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
José Hélder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.
A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, a proposta de lei n.º 115/X — Estabelece as bases do ordenamento e da gestão sustentável dos recursos aquícolas das águas interiores e define os princípios reguladores das actividades da pesca e da aquicultura nessas águas, que baixou à 7.ª Comissão, e os projectos de lei n.os 349/X — Altera o Código Penal em matéria ambiental (Os Verdes), que baixou às 1.ª e 7.ª Comissões, e 350/X — Altera a Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, que define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica (PSD), que baixou à 10.ª Comissão.
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, neste período de antes da ordem do dia segue-se, agora, a fase de declarações políticas, estando inscrito, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Alberto Martins, a quem dou dar a palavra.
Aproveito para anunciar à Câmara que, na galeria destinada ao Corpo Diplomático, se encontra uma delegação marroquina, presidida pelo Presidente da Câmara dos Representantes do Reino de Marrocos, Abdelwahad Radi, que está de visita a Portugal a convite do Presidente da Assembleia da República.
Aplausos gerais, de pé.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins, líder parlamentar do PS, para a primeira declaração política de hoje.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Concluíram-se, ontem, em Óbidos, as Jornadas Parlamentares do Partido Socialista dedicadas à reforma da administração do Estado.
A profunda reforma do Estado que está em curso nesta área, e com a qual nos vinculámos no compromisso eleitoral e no Programa do Governo, foi pensada e está a ser executada de acordo com a visão que nos distingue e identifica de um Estado de direito democrático e social.
Sabemos bem o que queremos: um Estado mais moderno, mais ágil, mais eficaz, mais descentralizado, amigo dos cidadãos e das empresas, ao serviço de políticas sociais justas, equitativas e solidárias. E foi disso que trataram estas Jornadas, ou seja, de como, através da reforma, podemos assegurar um futuro sustentável ao nosso Estado social.
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Houve um tema, porém, distinto, de particular relevância nacional, que foi central e um quadro das jornadas parlamentares. Refiro-me à interrupção voluntária da gravidez.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No domingo passado, Portugal mudou. Os portugueses decidiram que a interrupção voluntária da gravidez, quando realizada até às 10 semanas, por opção da mulher e em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, deixará de ser crime. E esta será, a muito curto prazo, a mudança essencial.
Ficou claro que o grau de consenso em torno da censurabilidade social necessário à criminalização do aborto nas condições da pergunta não existe, em Portugal;…
O Sr. Afonso Candal (PS): — Muito bem!
O Orador: — …o que existe é uma maioria forte em torno do entendimento contrário.
No domingo passado, ganhou quem está do lado da liberdade individual responsável, e ganhou a saúde da mulher que decide interromper a gravidez, podendo agora fazê-lo nas melhores condições possíveis.
Aplausos do PS.
No domingo passado, perdeu o aborto clandestino e inseguro e o seu cortejo de sequelas terríveis, e perdeu também a ideia de usar o direito penal para impor concepções morais, filosóficas ou religiosas particulares, para perseguir e julgar mulheres em situação de extrema fraqueza e coagi-las a agir contra a sua consciência.
Aplausos do PS.
Lemos, no resultado do referendo, a vitória de uma visão pluralista e liberal da sociedade portuguesa, partilhada por muitos sectores da nossa sociedade.
Por vontade dos portugueses, Portugal dará um passo decidido em direcção a uma cidadania mais solidária e plural, própria do século XXI em que estamos e do espaço civilizacional em que nos incluímos.
No domingo passado, deu-se um passo de gigante para aperfeiçoar a igualdade e a liberdade inscritas na Revolução de Abril.
A participação dos portugueses no referendo de domingo foi muito expressiva, apesar da não vinculação jurídica: a abstenção desceu, de 68% (no referendo de 1998) para 56%, mais cerca de 1,2 milhões de portugueses participaram, desta feita, no referendo. A abstenção, sendo elevada, é, contudo, inferior à verificada nas três últimas eleições para o Parlamento Europeu.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Orador: — O «sim» venceu, inequivocamente, com 59,2%, contra 40,7% de «não». Votaram no «sim» cerca de 2,238 milhões de portugueses, ou seja, um acréscimo de cerca de 970 000 votos no «sim» em relação a 1998.
No entanto, para além dos níveis de participação, o mandato político decorrente deste resultado é absolutamente claro e politicamente imperativo: a Assembleia da República deverá legislar no sentido sufragado pela maioria muito expressiva do eleitorado, cumprindo a vontade dos portugueses.
O Sr. Afonso Candal (PS): — Muito bem!
O Orador: — O Partido Socialista foi sempre claro e transparente naquilo que disse ao eleitorado. Primeiro, disse que o método para mudar a lei penal vigente deveria ser o referendo. Disse e cumpriu! Disse, depois, logo de início, e de resto de acordo com a tradição do partido nesta matéria, que, se o «sim» ganhasse, não sendo o referendo juridicamente vinculativo, a Assembleia da República recuperava a sua intocada legitimidade para legislar no sentido que merecesse a aprovação maioritária do eleitorado.
Disse-o e cumprirá! Existe já um projecto de lei aprovado, na generalidade, pela Assembleia da República e que está para discussão e aprofundamento, na especialidade, na 1.ª Comissão. Aí será agora aprofundado e consensualizado, sempre no respeito e no sentido cristalino do voto popular no que toca ao direito de opção da mulher de interromper voluntariamente a gravidez até às 10 semanas, em estabelecimento de saúde autorizado.
O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!
O Orador: — O que falta agora é precisar a lei, de acordo com os termos da pergunta e com os compromissos eleitorais assumidos durante a campanha e que resultam do texto legal referendário votado pelos portugueses.
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Vozes do PS: — Exactamente!
O Orador: — Assim, comprometemo-nos e cumpriremos com a consagração de um período de reflexão para a mulher, de modo a favorecer a sua decisão livre, esclarecida e responsável.
O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!
O Orador: — Este assunto será tratado na Assembleia da República findo o prazo de publicação dos resultados, iniciando-se, de imediato, os trabalhos sobre esta matéria.
O Sr. Mota Andrade (PS): —Muito bem!
O Orador: — Será assim possível em curto prazo que a interrupção voluntária da gravidez nas condições referendadas deixe de ser punida em Portugal.
Na linha das melhores práticas médico-sociais seguidas na Europa, existem muitos modelos disponíveis que podem inspirar a nossa própria reflexão colectiva. Pela nossa parte, qualquer acto médico, posto que de natureza particular, deverá decorrer no quadro de uma consulta médica, facultando-se à mulher um conjunto de informações que favoreçam a formação da sua livre, consciente e informada decisão. Trata-se, pois, e tão só, de informação para uma decisão fundamentada.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Outra ideia, aliás, exógena a esta lei de política criminal mas que recolheu grande aprovação no debate púbico, é a necessidade de inscrever a interrupção voluntária da gravidez no quadro mais global das políticas públicas de educação sexual nas escolas, das consultas de planeamento familiar e das políticas activas de apoio à maternidade e à família. Mas essa é outra questão.
Termino da forma como comecei: no domingo passado, Portugal mudou. Ficou mais tolerante, mais justo, mais europeu. Sentimo-nos por isso muito honrados, por termos estado na primeira linha, com muitos outros, desta mudança que é fundamental para todos os portugueses e não só para aqueles que votaram «sim».
Vozes do PS: — Exactamente!
O Orador: — Ninguém se esconde da História. «A História somos nós» – como alguém disse um dia –, somos todos nós que escrevemos a História. No domingo passado, fez-se História, a história da liberdade e de um país novo que queremos alcançar.
Aplausos do PS, do PCP e do BE.
O Sr. Presidente: — Há dois pedidos de esclarecimentos, sendo o primeiro do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, Sr. Deputado Alberto Martins, quero aproveitar a parte da sua intervenção em que o Sr. Deputado se referiu ao referendo que teve lugar no último fim de semana para deixar aqui algumas considerações em nome da minha bancada.
Em primeiro lugar, como se impõe, acho que é de inteira justiça uma saudação, uma saudação sentida, aos movimentos de cidadãos que se envolveram na campanha do referendo e que, dando mostras de uma compreensão adequada daquilo que são os direitos e os deveres de uma cidadania livre e esclarecida, souberam participar e aprofundar um debate nacional sobre uma questão importante, que é também uma questão estruturante da própria civilização e do modelo de sociedade em que queremos viver. Por isso, não quero deixar de aproveitar esta primeira reunião parlamentar depois do referendo para formular essa saudação aos movimentos de cidadãos.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, quero também referir que, evidentemente, como o próprio Presidente do Partido Social Democrata afirmou logo na noite do referendo, é nosso entendimento, com toda a nitidez, que o resultado do referendo confere inteira legitimidade a esta Assembleia para prosseguir o processo legislativo já iniciado.
Em terceiro lugar, Sr. Deputado, queria falar daquilo que são os sentimentos com que encaramos o processo legislativo que agora se abre.
É evidente que o referendo mostrou que há uma divisão importante, muito relevante, no nosso país, e principalmente relevante pelo facto de que o que está aqui em causa não ser uma eleição, não se tratou de escolha de pessoas, mas um referendo em torno de princípios e de valores que enformam a nossa socieda-
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de. Assim, é evidente também que se exige agora, do nosso ponto de vista, que haja o necessário equilíbrio, ponderação, moderação e sensatez da parte do legislador para ajudar a reunir aquilo que, de algum modo, ficou dividido por força do referendo.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Essa agora!
O Orador: — É isso que os portugueses esperam desta Assembleia da República, enquanto órgão legislativo.
Registei que o Sr. Deputado, na sua intervenção na tribuna, em nome da maioria que lidera, deu nota das intenções firmes de prosseguir nesta via, nomeadamente naquilo que diz respeito ao período de reflexão, e também registei os seus silêncios relativamente às matérias do aconselhamento ou da objecção de consciência por parte da classe médica, que são matérias polémicas e para as quais se requer, da parte desta Assembleia e da parte de todos nós, dos responsáveis políticos, um olhar de prudência, de sensatez e de equilíbrio.
É isso que esta bancada espera da bancada que o Sr. Deputado dirige. Da parte dos Deputados do PSD pode esperar um contributo sério e responsável para que, havendo essa moderação e esse equilíbrio da parte da bancada da maioria, possamos contribuir para a formulação de uma lei que seja adequada e em que a maioria dos portugueses possam, de hoje para amanhã, rever-se.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não posso deixar de me identificar com a generalidade do que acaba de dizer e de me associar à sua saudação a todos os movimentos de cidadãos, de qualquer opção, que intervieram neste processo.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Como o Sr. Deputado disse, a democracia faz-se no quadro do sistema representativo, mas faz-se também, e cada vez mais, na sua dimensão participativa.
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!
O Orador: — Os movimentos de cidadãos deram um contributo inestimável e a sua saudação é correspondida e acompanhada de forma muito veemente por todos nós.
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!
O Orador: — Estou totalmente identificado com a lógica que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes afirmou e que é adequada, precisa. Não podia deixar de ser de outra maneira e congratulo-me com isso, no sentido da legitimidade política que esta Câmara tem, em função dos resultados do referendo.
Esta Câmara tem, como o Sr. Deputado disse, como nós dizemos e todos o dizem, legitimidade política para legislar em homenagem à vontade dos portugueses.
Por último, também a minha identificação essencial com a ideia de que temos um quadro operativo com um comando, que eu diria que é um comando constituinte, aquele que nos é outorgado pelos portugueses na consulta referendária: a opção livre da mulher, no quadro das 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. Neste quadro, há uma não punibilidade da acção da mulher na interrupção voluntária da gravidez. Isto é claro! Portanto, neste quadro, iremos construir, todos nós, uma lei que procura alcançar o maior denominador comum, mas no quadro do mandato referendário e, naturalmente, privilegiando uma ideia que é a ideia nuclear: o que está em jogo é uma opção livre, consciente e responsável da mulher. Faremos isso com todo o equilíbrio, nas soluções que, em conjunto, vamos encontrar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares, colíder parlamentar do CDS-PP, neste momento.
Risos.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, antes de mais,
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como é óbvio, queria felicitá-lo pela realização das jornadas parlamentares do Partido Socialista, que nós, através de comunicação social, seguimos com muito interesse.
Gostava de lhe falar especificamente de um tema que aqui referiu, que é a matéria do referendo.
Ainda hoje, mais à frente, farei uma declaração política, em nome do CDS-PP, exactamente sobre o referendo do passado domingo, mas, de qualquer forma, não queria desde já deixar de lhe colocar uma questão, que acho que é muito importante e é exactamente aquela que, neste momento, os portugueses que estão lá fora querem ver respondida no Parlamento.
Vimos o Sr. Primeiro-Ministro, Secretário-Geral do Partido Socialista, na própria noite eleitoral, dizer que queria que Portugal tivesse uma lei que copiasse as melhores práticas europeias, apontando para a lei alemã.
Aliás, verdade seja dita, não estava isolado nesse seu pedido, pois dirigentes destacados do Partido Socialista, como Jorge Coelho, Maria de Belém Roseira, José Vera Jardim e Ana Catarina Mendonça, antes e depois do referendo, falaram também muito da lei alemã e do aconselhamento obrigatório que deveria acontecer nesta matéria.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Ora, o Sr. Deputado, nessas jornadas, fez um conjunto de declarações, nomeadamente uma em que dizia que não haverá quaisquer aconselhamentos obrigatórios. Já percebemos que o Partido Socialista tem, sobre esta matéria, mais do que uma opinião e que ela tem vindo a mudar. Aliás, até percebi que o PS já propõe um aconselhamento eventualmente obrigatório, e o que nos parece é que o PS, nesta posição, tem, eventualmente, um problema.
Mas, antes de mais, Sr. Deputado, acho que é muito importante relembrarmos o que é a lei alemã.
A lei alemã, nos artigos 218.º e 219.º do Código Penal, prevê o seguinte: qualquer mulher, antes de realizar um aborto, tem de ter, em primeiro lugar, uma consulta com um médico especialista — um ginecologista; em segundo lugar, uma outra consulta com um médico, que tem de ser diferente do primeiro, e onde, além desse médico, estão presentes também um psicólogo, que a informa sobre os direitos do nascituro, e representantes dos serviços sociais, que a informam sobre alternativas ao aborto, nomeadamente em matérias de habitação, de formação profissional e de guarda das suas crianças. E só depois desta segunda consulta é que a mulher tem um prazo, também obrigatório, de reflexão de três dias, antes de tomar a decisão.
Como é óbvio, uma solução como esta, aplicada em Portugal, Sr. Deputado, aponta sempre para o quadro do Serviço Nacional da Saúde, pois, claramente, é muito difícil compatibilizar este aconselhamento obrigatório com o aborto que se praticará em clínicas privadas, que legitimamente, na sua lógica, acima de tudo o que querem fazer é o aborto e não o aconselhamento à mulher.
A questão muito concreta que gostava de lhe deixar, Sr. Deputado, é a seguinte: a hesitação do Partido Socialista nesta matéria prende-se com isto? Prende-se com as dificuldades que isto pode criar ao Serviço Nacional de Saúde, por comparação com as facilidades que as clínicas privadas dão? A questão é muito concreta e gostava também que o Sr. Deputado me desse uma resposta concreta.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, queria começar por felicitá-lo pelas suas novas funções e desejar-lhe as maiores venturas no seu desempenho.
Sr. Deputado, não há qualquer hesitação no Partido Socialista, a nossa posição é muito clara: o que pretendemos é uma decisão livre, consciente e responsável da mulher.
Queremos uma decisão livre, consciente e informada, por isso, nesse sentido, sempre dissemos, e todos (o Partido Socialista tem uma posição clara sobre esta matéria), que haveria um período de reflexão.
A situação em que estamos é esta: há uma consulta, há um período de reflexão e há a decisão da mulher.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — É obrigatório ou não?
O Orador: — É isto que corresponde à nossa opção.
Tudo o resto, as outras matérias que o Sr. Deputado colocou, nomeadamente como é que se vai comportar, equilibrar e organizar o Serviço Nacional de Saúde, serão naturalmente objecto de aprofundamento e de debate na nossa Câmara.
Mas o que quero dizer é que seremos fidedignos, em absoluto, à regra referendária. E a regra referendária é esta: não punibilidade da interrupção voluntária da gravidez, é a mulher que decide, no quadro das 10 semanas, por sua vontade, com período de reflexão antecedido de consulta, e ponto final! Não há aconselhamentos obrigatórios que ponham em causa a sua livre decisão, que é autónoma.
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Aplausos do PS e do BE.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Foi este o mandato que os portugueses nos deram. Qualquer mandato que fugisse desta liberdade essencial, neste quadro, seria uma fraude.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma declaração politica, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.
O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os portugueses são confrontados, quase diariamente, com problemas graves, bloqueios e até tragédias, na área da saúde, que nos deixam a todos perplexos e profundamente preocupados com o caos a que este Governo está a conduzir o sector.
Infelizmente, pelos piores motivos, a saúde, em Portugal, está na ordem do dia, não porque esteja a ser objecto de qualquer reforma, como seria de esperar, a saúde está na ordem do dia porque temos um Governo errático, incoerente, que usa e abusa da propaganda, dos anúncios, sem sequência, e um Ministro da Saúde que, pela sua arrogância e incontinência verbal, está todos os dias a criar instabilidade nos serviços de saúde e insegurança nas populações.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Passaram já dois anos desde que este Governo tomou posse. É impossível encontrar, hoje, alguém que não reconheça que a situação no sector da saúde se agravou e que está, hoje, bem pior do que estava há dois anos atrás. Basta interrogarmo-nos sobre aquelas que são algumas das questões essenciais.
Será que o acesso dos cidadãos aos serviços de saúde está mais fácil? Não, a aplicação das novas taxas ditas moderadoras para os internamentos e para as cirurgias é mais uma violação grosseira dos compromissos eleitorais do Partido Socialista e do seu Governo, profundamente injusta e gravosa do ponto de vista social.
Será que as listas de espera diminuíram? Não, as listas de espera aumentaram, não só em número como também em tempo médio de espera. O que diminuiu, de forma dramática, foi a vontade do Governo em combater as listas de espera.
E os medicamentos que as pessoas compram nas farmácias estão mais baratos? Não, estão mais caros. Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) são claros: os preços subiram 7,6% entre o último trimestre de 2005 e o último trimestre de 2006.
Ao mesmo tempo, o Governo baixou a comparticipação do Estado e deixou mesmo de comparticipar mais de 300 medicamentos. O resultado é claro: apesar das habilidades da propaganda do Governo, os medicamentos estão hoje mais caros, o que é particularmente trágico para os idosos, os pensionistas e os reformados.
E será que os genéricos avançaram? Não, infelizmente estagnaram e a subida significativa que tiveram entre 2002 e 2004 não se prolongou em 2005 e em 2006. O Governo está a matar a política de genéricos, que tanto custou a lançar em Portugal, e sendo estes medicamentos mais baratos, quem perde com esta política são os doentes, somos todos nós. E quanto à reforma dos cuidados de saúde primários? Infelizmente, uma boa ideia, a criação das Unidades de Saúde Familiar, está toda ela por concretizar. Falta a definição de objectivos, falta planeamento, falta regulamentação, falta investimento, falta clarificar a sua relação com os actuais centros de saúde.
Assim se vê como uma boa ideia mal realizada pode lançar o caos e a confusão numa área essencial como são os cuidados de saúde primários.
Aplausos do PSD.
E a racionalização dos serviços de urgência? Há meses que está instalada a confusão, a instabilidade e a angústia nas pessoas, anuncia-se o fecho de urgências sem cuidar previamente de criar alternativas eficazes em tempo útil. Caso essas medidas avancem tal como estão anunciadas, acentuar-se-á a desertificação de importantes zonas do interior e haverá largos segmentos da população que ficarão a descoberto.
Aliás, foi já assim que sucedeu com o encerramento de maternidades, feito de forma autista e sem credibilidade, nem transparência.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — O estudo diz o contrário!
O Orador: — Este é um exemplo elucidativo da desumanização da actuação na área da saúde por parte
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deste Governo, numa lógica estritamente economicista.
Complementarmente a esta desastrada actuação quanto ao encerramento de serviços essenciais, foi feita alguma reforma na emergência médica pré-hospitalar? Não, também o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) não está ainda dotado de recursos humanos e dos instrumentos necessários para acorrer a situações mais gravosas, como, infelizmente, o testemunham os recentes casos mortais, em várias zonas do País.
Numa palavra: como ainda ontem referiu o Presidente do PSD, Dr. Luís Marques Mendes, dois anos depois de o Governo ter assumido funções, a saúde está mais cara, mais difícil e mais distante das populações.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Uma vergonha!
O Orador: — E tudo isto porque não há uma política de saúde coerente, planeada e organizada, tudo é casuístico, pontual e contraditório.
O País e os profissionais de saúde não percebem quais são os pilares em que assenta a política de saúde, que objectivos tem e que estratégia segue. Quando assim é, nem a situação melhora, nem os resultados surgem, nem os profissionais de saúde se motivam.
É por todos reconhecido o ambiente de conflitualidade permanente e estéril entre o Ministro da Saúde e as classes profissionais e nenhuma reforma, nenhuma mudança, se pode almejar estando deliberadamente contra tudo e contra todos.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Uma única preocupação parece existir: gerir a saúde segundo uma lógica predominantemente económica. Há que angariar receitas, lançam-se a eito novas taxas ou impostos, há que diminuir despesas, fecham-se às cegas urgências ou outros serviços de saúde.
A lógica é a da simples poupança, sem avaliar necessidades nem a qualidade dos serviços prestados.
É, aliás, isso que pensam muitos especialistas do sector, mesmo na área socialista. Ainda recentemente, a antiga ministra de um governo socialista, Manuela Arcanjo, considerou que a política de saúde do actual Governo é «um case study», sustentando que ela «traduz, apenas, uma visão contabilística da saúde».
É claro para nós, para o PSD, que somos um partido responsável, que os recursos são limitados e que o financiamento do serviço de saúde é uma questão essencial, mas agir sem critério, sem coerência e sem estratégia não é agir com justiça social. Agir assim é agravar as desigualdades sociais.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — A saúde não é uma questão matemática ou estatística; a saúde não pode ser vista como um luxo; a saúde é um direito inalienável de todos, a começar nos mais pobres e carenciados.
Uma rede de equipamentos de saúde não é comparável a uma rede de equipamentos culturais ou de lazer; uma falha ou um encerramento de um serviço de saúde essencial pode implicar a perda de uma vida.
E isso faz toda a diferença.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!
O Orador: — A esta diferença chama-se sentido de responsabilidade e exige sensibilidade social, justamente o que tem faltado, e muito, a este Governo socialista.
Aplausos do PSD.
Um Governo que encerra serviços de urgência e mantém auto-estradas sem portagens não é um Governo justo; é um Governo sem prioridades, sem coerência e sem preocupações sociais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não se sabe o que o Governo quer para a área da saúde, apenas se percebe que o dinheiro não chega. E isto é grave. O direito à saúde é, hoje, um dos direitos adquiridos fundamentais de uma sociedade moderna e desenvolvida.
Temos a consciência de que é uma matéria difícil, pelos valores em presença e pelos recursos humanos e financeiros que exige, mas é essa mesma consciência que nos leva a considerar imperioso e prioritário que o País disponha de uma política de saúde clara, coerente e ajustada aos objectivos e aos recursos.
É assim que se defende, de forma coerente, o Estado social. É aquilo que não está a acontecer com este Governo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pizarro.
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O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, de facto, o PSD dos tempos modernos não cessa de nos surpreender.
Quando vi que o tema da sua intervenção era a saúde, julguei que nos ia fazer, aqui, uma espécie de acto de contrição: que ia falar da forma atabalhoada e demagógica como atacaram a requalificação das salas de partos, admitindo que, um ano passado, tudo está tranquilo, as populações estão absolutamente calmas em relação à qualidade dos serviços que lhes foram oferecidos e os indicadores que já existem, em estudos oficiais, permitem confirmar a justeza da opção feita; que ia referir que esta atitude compara muito favoravelmente com aquilo que foi feito no governo anterior, que recebeu um estudo de uma comissão de peritos e o «engavetou» por falta de coragem para assumir as consequências da mudança política necessária.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Muito bem!
O Orador: — Julguei também que nos iria dizer que, apesar de todos os ataques que o PSD fez à política do Governo na área do medicamento, tinha, neste início do ano de 2007, de reconhecer que o mercado dos genéricos continuou a aumentar – o mercado dos genéricos passava pouco dos 10%, no ano de 2004, e ultrapassou, no final de 2006, os 15%, ou seja, teve um aumento de 50% em dois anos, com um valor absoluto de 5% –, e, sobretudo, que o gasto público com medicamentos, pela primeira vez nas últimas três décadas, em vez de subir, baixou em um ponto percentual.
Quero chamar a atenção para o seguinte: nesta área não vale a pena repetir títulos e manchetes de jornais, é preciso ir ao fundo das questões, aos factos, aos documentos. E o que é verdade é que, hoje, a lista de espera é mais pequena do que era há dois anos e é mais séria, porque inclui todos os casos cirúrgicos e não apenas alguns.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Muito bem!
O Orador: — E é também verdade que a produtividade, isto é, a produção do Serviço Nacional de Saúde, aumentou: aumentaram o número de primeiras consultas, o número de consultas nos hospitais e nos centros da saúde, bem como a produção cirúrgica, em cerca de cinco pontos percentuais.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Essa é que é essa!
O Orador: — Mas o cúmulo do despudor, Sr. Deputado, é falar, aqui, da reforma dos cuidados de saúde primários.
Gostava de saber se o Sr. Deputado já se esqueceu do Decreto-Lei n.º 60/2003, que VV. Ex.as aprovaram quando estavam no governo mas não tiveram coragem de levar até ao fim, que concitou a oposição de todas as estruturas médicas, e do que fizeram durante três anos de governo no que respeita à reforma nos cuidados de saúde primários, que foi zero! E vêm agora atacar já não a substância da reforma que o Governo está a fazer, porque essa é, neste momento, inatacável em função do consenso que gerou, mas, sim, o ritmo da reforma! Se a única coisa que têm a fazer é atacar o ritmo da reforma, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que é bem pouco para um partido com as responsabilidades do PSD.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.
O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Pizarro, em matéria de pedir desculpas aos portugueses, julgava que era V. Ex.ª que vinha aqui, hoje, ao Parlamento, pedir desculpa por dois anos de total insensibilidade social do Ministro da Justiça.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!
Risos do PS.
O Orador: — Perdão, do Ministro da Saúde. Mas também do da Justiça!
Protestos do PS.
O Orador: — A questão é que está em causa um problema de justiça social e, de facto, nem há justiça nem há saúde com justiça social.
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O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Exactamente!
O Sr. Mota Andrade (PS): — Não! Já não vai lá!
O Orador: — Sr. Deputado Manuel Pizarro, os senhores podem inventar os números que quiserem.
Apesar de todos os números que VV. Ex.as e a propaganda do Governo possam inventar, aquilo que conta são os dados do Instituto Nacional de Estatística. E os dados do Instituto Nacional de Estatística, quanto ao preço dos medicamentos, são inequívocos: entre o último trimestre de 2005 e o último trimestre de 2006 houve uma subida de 7,6% no preço dos medicamentos. Pior: este Governo retirou a possibilidade de comparticipação em cerca de três centenas de medicamentos. Estas é que são as questões que V. Ex.ª hoje, aqui, não abordou. E V. Ex.ª não as abordou porque, como já sabíamos, não há política de saúde.
Agora, o que ficámos a saber, depois das Jornadas Parlamentares do Partido Socialista, é que, para além de não haver política de saúde, não temos um Ministro da Saúde, temos, isso, sim, um «maquinista».
Esta é a questão fundamental que é preciso que o Parlamento discuta: não só não temos política de saúde como também não temos Ministro da Saúde, temos, quanto muito, segundo as palavras do próprio, um «maquinista», que vai à frente de uma máquina, não sabemos para onde, infelizmente, mas que vai fazendo, sobretudo, com que a população portuguesa tenha dificuldades cada vez mais acrescidas no acesso à saúde.
Já agora, Sr. Deputado Manuel Pizarro, quero também dizer-lhe que quem promulgou o decreto-lei que V. Ex.ª citou não foi o governo do PSD, foi o Sr. Presidente da República. E, à época, o Sr. Presidente da República era o Dr. Jorge Sampaio.
Vozes do PS: — Ahhh!
O Orador: — Mas, Sr. Deputado, aquilo que é importante, aquilo que, hoje, é determinante é a questão de saber se há ou não há uma política de saúde que favoreça largas camadas da população, sobretudo as camadas da população mais carenciadas e com problemas sociais. E isso, Sr. Deputado, é inequívoco: não há política de saúde coerente, correcta e que favoreça as camadas da população com mais problemas, que lhes permita um acesso mais livre e mais fácil aos serviços de saúde e, sobretudo, que lhes dê uma resposta com qualidade nos serviços de saúde.
Aplausos do PSD.
O Sr. Mota Andrade (PS): — Isso, hoje, não lhe correu nada bem!
O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: A consulta popular de 11 de Fevereiro trouxe às urnas cerca de metade dos eleitores. Votaram, neste referendo, mais 1 milhão de eleitores, em comparação com idêntico acto de há oito anos.
Esta Assembleia deve valorizar, em primeiro lugar, a participação dos cidadãos e todos aqueles que estiveram empenhados numa campanha de argumentário e, bem assim, a plena expressão dos movimentos cívicos.
A pedagogia do instituto do referendo faz-se pela vontade positiva e não pela inventariação constante das indiferenças.
A experiência do voto, o respeito pelo cidadão soberano, trouxe a fórmula da vinculatividade política, em detrimento de considerações jurídicas que, na estampa constitucional, são meramente formalistas.
O resultado da consulta aponta claramente para a despenalização da prática do aborto até às 10 semanas de gestação, em estabelecimento legal de saúde, por opção da mulher. Um resultado obtido por larga margem. Um resultado insofismável, nos termos e no conteúdo.
Espera-se agora que o Parlamento legisle com celeridade e aperfeiçoe a lei pendente. O debate realizado tornou razoável a introdução de um curto período de reflexão antes de uma decisão final da cidadã que procura interromper uma gravidez indesejada. A informação adequada é proporcional ao primado da escolha, e é o primado da escolha que nos cabe defender.
Tentativas para introduzir na norma estruturas ditas de aconselhamento, em vez da normal consulta médica, só podem ser um meio de condicionamento da decisão e de menorização da responsabilidade plena das cidadãs. São tentativas espúrias para se alterar na secretaria aquilo que se perdeu nas urnas.
Não passa de uma manobra para impor, mais uma vez e constantemente, a moral particular de alguns ao universo do direito dos cidadãos.
Aplausos do BE.
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Esperamos uma maioria muito alargada na aprovação da lei despenalizadora, com liberdade de voto dos Deputados e Deputadas, em consonância, aliás, com as declarações partidárias nesse sentido que precederam a consulta popular.
Há oito anos atrás houve uma clivagem na sociedade portuguesa; hoje, há outra clivagem de sentido oposto. As clivagens são naturais nas sociedades democráticas, quando correspondem a escolhas livremente decididas. Quem não faz vencimento não precisa de declarações institucionais de consolo e muito menos de recurso de amparo no processo legislativo.
O grande consenso que desejamos estabelece-se no combate ao aborto clandestino, na dignificação da mulher, na disseminação sem entraves do planeamento familiar e da contracepção, no apoio à natalidade responsável.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!
O Orador: — É um truque muito velho vir acusar de radicalismo uma alternativa sufragada. Revela apenas intolerância e pressão ilegítima.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!
O Orador: — Espera-se também que o Governo regule rapidamente a objecção de consciência dos profissionais de saúde. As pessoas podem ser objectores de consciência, os serviços não podem. Os prazos têm de ser escrupulosamente cumpridos. A capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde está, pois, sob a vigilância dos cidadãos.
Não desmerecemos a solidariedade europeia neste desfecho e o contributo que estamos a dar para eliminar os últimos redutos de uma legislação odienta, produto do fundamentalismo de uma moral particular, livre, finalmente, para quem a pratica, porque não oprime os outros.
Aplausos do BE.
Foi a Europa dos direitos humanos que aqui avançou. Tomámos valores de civilização que se podem, em conjunto, apresentar ao mundo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A vitória do «Sim» foi o triunfo da razão, do direito e da sensibilidade, foi a expressão de uma ferida social que se quer sarada.
Não admira, por isso, que a campanha do «Sim» tenha sido uma expressão de racionalidade nos argumentos. Aí, nesse debate, perdeu a mentira na manipulação de dados pretensamente científicos, perderam os plumitivos neandertais que nem sequer a lei de 1984 aceitaram, em nome da punição extrema, perdeu a manipulação dos sentimentos religiosos. Mas, destes, dir-se-ia que eram o extremismo conservador, eram apenas o extremismo conservador.
Há, contudo, e de modo muito mais sério devemos analisá-lo, duas derrotas assinaláveis no plano político e social: a da chamada direita liberal e a da instituição da Igreja Católica.
Com a honrosa excepção de várias personalidades que, desta vez, se associaram ao «Sim», o que não é demais realçar pela importância que tiveram, a direita liberal perdeu o pé e o espaço de intervenção, porque durante oito anos foi refém da extrema-direita e foi incapaz de se descolar dela. Enveredou, à última da hora, pelo caminho da batota política, tergiversando sobre a pergunta a referendo e propondo alterações cosméticas à lei penal que nem sequer tiveram a coragem de apresentar na Assembleia da República.
Tempo não lhes faltou, mas nem sequer se moveram, depois de duas falsas partidas deste referendo.
À instituição que, em si próprio, é o Professor Marcelo só posso agradecer ter reconhecido que a despenalização era o centro do debate. A inconsistência das soluções aventadas, bem como os ziguezagues do seu percurso só beneficiaram o «Sim».
Já o Deputado Marques Mendes, portador de outras responsabilidades, deve ser aqui criticado. Disse o líder do PSD, inúmeras vezes, que o PSD não aceitaria alterações à lei penal sem ser através de referendo.
Votou a proposta do referendo e a sua pergunta e, depois, a título individualíssimo, como se viu, veio prometer alterações à lei, em sede parlamentar, caso o «Não» vencesse. O malabarismo, Srs. Deputados, o malabarismo sem princípios não foi recompensado.
A Igreja Católica tem todo o direito de participação e assumiu-o claramente, mas também assumiu, clara e inequivocamente, sem qualquer rebuço, uma posição que a fez regredir ao tempo em que não aceitava o divórcio civil. Ao contrário do que se tenta, hoje, atenuar, a participação da Igreja Católica foi mais intensa em 2007 do que em 1998. A Igreja Católica deve, agora, confrontar-se com o facto de uma parte considerável dos seus crentes não respeitar as suas orientações e entender, justamente, que o plano do Estado não é confundível com o plano do culto. Se a reacção da Igreja Católica acerca de direitos civis actuais ou futuros vem na linha do antilaicismo primário, só pode averbar um ainda maior desfasamento social.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Muito bem!
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O Orador: — Sr. Presidente, o Bloco de Esquerda sempre teve uma posição clara acerca da despenalização do aborto. Batalhámos por um referendo, na anterior Legislatura, que a maioria de direita rejeitou. Na actual Legislatura, defendemos uma solução rápida, por via referendária ou em sede parlamentar, se tal não fosse possível. Somámos os nossos votos a todas as propostas de referendo. Não receámos, nunca, o veredicto popular nem nos envolvemos em lógicas de «votos certos ou votos incertos». Ouvimos, em silêncio, críticas erradas, porque nunca quisemos dividir o campo do «Sim» e tudo fizemos pelo seu alargamento a cidadãos de todos os quadrantes políticos.
É-nos, pois, permitido, neste momento, exprimir a satisfação pelas consequências deste processo e, com humildade, garantir o dever cumprido.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A oposição à capacidade de decisão da mulher vem do fundo dos tempos, mas, aqui, começámos a fazer um outro tempo.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Ainda para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consulta popular do passado dia 11 de Fevereiro, assinalando que devolvia à maioria dos Deputados favorável à despenalização da IVG a conclusão do processo legislativo em curso, constituiu uma grande vitória das mulheres portuguesas, mesmo de muitas daquelas que votaram «Não».
Aplausos do PCP.
Tratava-se de uma questão de liberdades e, por isso, tratava-se de uma questão de vida, já que esta não o será verdadeiramente quando aquelas forem espoliadas. Assim o compreendeu uma parte significativa dos eleitores, que, apesar de bombardeada com deturpações e falsidades de toda a ordem, compreendeu que estava em causa uma questão de política criminal, percebeu que por detrás da campanha do «Não» estavam preconceitos antifemininos, retrógradas ideologias sobre a mulher e sobre a sua própria racionalidade.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
A Oradora: — Em última análise, por detrás dessa campanha mistificadora estava em causa a negação ao ser humano dos amplos caminhos do conhecimento e da liberdade. Caminhos de que o ser humano nunca desiste, nem desistirá, acompanhando sempre a fala do homem nascido de Gedeão, que proclama «O Universo sou eu».
«Agora Sim!» foi o lema confiante usado pelo PCP durante toda a campanha, que, no dia 12 de Fevereiro, adquiriu mesmo, na primeira página de um matutino, o sentido de alívio perante o fim de uma angústia que transportamos, neste Parlamento, há mais de duas décadas, desde que o PCP apresentou três projectos de lei com medidas sociais e preventivas do aborto, sendo o último deles o projecto sobre a interrupção voluntária da gravidez.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!
A Oradora: — «Agora Sim!», respondeu um número significativo de eleitores, de várias classes sociais, que, superando mistificações, entendeu que o aborto é, realmente, a expressão de uma contradição entre o desejo das mulheres e as realidades sociais, económicas e familiares.
Não admira, assim, que tenha sido nas classes sociais que se debatem com maiores problemas sociais e económicos e nos locais com maiores tradições na luta pelas liberdades que o «Sim» tenha tido uma expressão mais significativa. E se dúvidas ainda restassem de que a questão se insere no sistema de exploração que domina o mundo, elas seriam removidas com a posição de reconstituídos grupos económicos de antanho, detentores de unidades privadas de saúde, que, de imediato, anunciaram que, naquelas unidades, não se aplicaria a lei.
Não admira, perante a dimensão do problema, que o «Não» tanto tenha reclamado o afastamento dos partidos do referendo, contra o estatuto constitucional que a estes é reservado — contribuir para a formação da vontade política do povo.
A questão é claramente política! Nada mais político do que um Código Penal.
Não admira que, rapidamente, na mesma noite, logo se tenha ouvido contar as abstenções como votos no «Não», recuperando um certo momento do passado em que as abstenções contaram como votos, numa Constituição de má memória que, aliás, consagrava a discriminação da mulher.
Mas também não admira que, superada uma angústia, tenhamos de afrontar aqueles que, agora, reclamam uma aproximação entre o «Sim» e o «Não», para — dizem — superar fracturas e clivagens.
Desde os remotos tempos do apagamento do feminino, nada há de mais fracturante, nem pode deixar
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de ser assim, do que a luta das mulheres pela igualdade.
A liberdade e a igualdade não admitem superlativos! Elas são já o máximo superlativo!
Vozes do PCP: — Muito bem!
A Oradora: — Mas registámos que, contra os que já anunciavam uma dilação na aplicação da lei, o Primeiro-Ministro veio anunciar a sua rápida aprovação.
De facto, já se perdeu tempo demais, como nós insistentemente referimos antes, antes da campanha do referendo.
Uma lei penal, depois de anunciada, tem de entrar rapidamente em vigor e, sendo uma lei de despenalização, vai aplicar-se retroactivamente. E não faz sentido que as mulheres vejam ainda adiada a possibilidade de sair dos meandros do aborto clandestino.
Não faz sentido que o «Não» queira ganhar por portas e travessas aquilo que perdeu no referendo. E também não faz sentido que reivindique a criação de um sistema de aconselhamento — já está consagrada no Código Penal uma consulta médica e um período de reflexão —, para que, de eventuais estruturas criadas, o «Não» manobre para impedir a liberdade de decisão das mulheres.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
A Oradora: — Foi o que aconteceu, aliás, na Alemanha, país que tem sido referido como exemplo mas que é um mau exemplo.
Na verdade, as estatísticas de taxas de aborto na Holanda registaram, ao longo dos anos, a presença de mulheres alemãs que não aceitavam ser dirigidas e controladas.
Por detrás dos sistemas de aconselhamento, nomeadamente do sistema alemão, está a ideia tão cara aos movimentos antifeministas do «Não» de que a decisão da mulher de pôr termo a uma gravidez não é uma decisão razoável ou racional. Ela — dizem! — é incapaz de compreender o que se passa na sua cabeça e precisa da assistência de alguém que está melhor informado.
O aconselhamento é sempre directivo! A mulher está ali porque a sua própria capacidade para tomar uma decisão é considerada inadequada.
Nós dizemos consulta médica, sim, tal como já está no Código Penal; período de reflexão, sim, tal como já está no Código Penal; aconselhamento, não! E suscitam-se as maiores dúvidas sobre o anúncio feito de uma área residual de cedência ao «Não», na previsão de um aconselhamento não obrigatório. A informação sobre a possibilidade desse aconselhamento não obrigatório trará sempre os riscos de um efectivo controlo da liberdade da mulher. E essa liberdade tem ser garantida no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente através de efectivas garantias de confidencialidade, que o sistema de aconselhamento, aliás, rompe.
É de prever que, à semelhança do que se passou noutros países, não só nos Estados Unidos da América mas também na França — onde uma dita «associação», denominada Direito a Nascer, montou, recentemente, uma monstruosa campanha contra o Professor Israel Nisand, autor de propostas que levaram à alteração da lei Veil —, se tente culpabilizar as mulheres que decidem interromper a gravidez. E isso também se passa na Alemanha, onde os partidários do «Não» ainda muito recentemente se manifestaram, ostentando cruzes.
De culpabilização, e também de terror, já tivemos quanto baste na campanha do referendo! Parafraseando Ary dos Santos, só nos faltava agora que este «Sim» não se cumprisse.
Queremos pôr termo ao aborto clandestino. O exemplo dos países europeus mostra que tal é possível e é isto que tem de ser cumprido, porque Portugal votou «Sim», contra a barbárie do aborto clandestino!
Aplausos do PCP, do PS, do BE e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No passado domingo, os portugueses foram chamados a pronunciarem-se sobre a liberalização do aborto. Ainda que o resultado não seja juridicamente vinculativo — a taxa de participação foi abaixo dos 50% exigidos por lei —, a verdade é que os portugueses foram chamados a participar, votaram e a expressão desse voto tem de ser respeitada.
O CDS teria preferido outro resultado. Denunciámos uma pergunta difícil e errada, demos tributo do nosso esforço e empenho ao longo da campanha e lamentamos que este tenha sido o desfecho, mas respeitamos o resultado. Obviamente que respeitamos o resultado! E respeitamos o resultado e a vontade dos portugueses muito mais do que aqueles que em 1998, após perderem o referendo, queriam que, mesmo assim, o Parlamento legislasse contra a vontade dos eleitores;…
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O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Bem lembrado!
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Não é verdade!
O Orador: — … e respeitamos o resultado e a vontade dos portugueses muito mais do que aqueles que em 1998, após perderem o referendo, vieram dizer que o resultado não era vinculativo e que, por isso mesmo, politicamente não contava; e respeitamos o resultado e a vontade dos portugueses muito mais do que aqueles que após 1998 vieram logo a correr propor no Parlamento a alteração da lei ou um novo acto referendário.
E respeitar o referendo é também dizer que qualquer alteração futura ao Código Penal nesta matéria só pode ser feita através de um novo referendo. Isto, sim, é que é respeito pelos portugueses e pela forma como votaram no referendo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tema do aborto é algo em que, como a campanha do referendo provou e o seu resultado comprovou, as opiniões se dividem, os portugueses se afastam, a nossa sociedade se cinde. É por isso mesmo que grandes manifestações de triunfalismo são erradas, grandes proclamações sobre a modernidade ou sobre os neandertais são descabidas. Nós não as fizemos em 1998 e condenamos os que seguem agora por esse caminho.
O que Portugal, hoje, legitimamente quer saber de nós é que caminho o Parlamento quer tomar. Tendo ganho o «sim» à liberalização do aborto, que espécie de «sim» é que vai ganhar agora no Parlamento? É um «sim» mais radical, mais extremista, mais sectário ou, pelo contrário, um «sim» moderado, sensato e responsável? Ao longo da campanha do referendo ouvimos todos, todos sem excepção, quer do lado do «sim» quer do lado do «não», dizer que o aborto é um mal, e é um mal que deve ser combatido e contrariado.
Ao longo da campanha ouvimos muitos dos que defendiam a legalização do aborto dizerem que queriam o aborto legal, mas raro e excepcional.
Ao longo da campanha ouvimos alguns dos que se sentam na bancada da maioria e defendem a legalização assumirem compromissos de que a lei aprovada seria semelhante à lei alemã, com consultas de aconselhamento obrigatórias, com consultas com médicos e psicólogos, com prazos de reflexão, com a ponderação das alternativas disponibilizadas às mulheres, quer pelo Estado quer por associações da sociedade civil. Esse pareceu-nos, aliás, ser o caminho indicado pelo Engenheiro José Sócrates na noite eleitoral: que a lei portuguesa fosse tributária das «melhores práticas europeias»,…
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — E assim será!
O Orador: — … apresentando-se sempre o exemplo alemão.
Mas hoje ninguém sabe o que é que verdadeiramente a maioria socialista quer. Para o líder parlamentar do PS, na segunda-feira a lei é para ser feita só pela maioria; à terça-feira é para ser feita pela esquerda unida; e hoje, pela voz do Deputado Vitalino Canas, afinal, parece que a lei é para ser feita com o maior consenso possível. Antes do referendo, para dirigentes socialistas como Jorge Coelho, Maria de Belém Roseira, José Vera Jardim e Ana Catarina Mendonça Mendes a lei devia contemplar acompanhamento obrigatório; para o Deputado Alberto Martins, no dia seguinte, «não haverá quaisquer aconselhamentos obrigatórios», o que «seria, aliás, ilegal».
A posição do PS nesta matéria já vai num — pasme-se! — «aconselhamento eventualmente obrigatório».
O Sr. Alberto Martins (PS): — Nada disso!
O Orador: — Parece-nos que a verdade é que o PS tem «eventualmente» um problema neste caso concreto.
E essa questão, a de sabermos que lei vai sair do Parlamento, é a que verdadeiramente preocupa o País e o CDS.
Reafirmo aqui o que disse anteriormente. Lutámos por outro resultado, gostaríamos que outro tivesse sido o desfecho. Respeitamos a vitória do «sim» mas não abdicamos dos nossos valores essenciais, dos nossos princípios estruturais.
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — Mesmo com esta liberalização queremos que o aborto seja raro, que seja a excepção e que nenhuma mulher em Portugal diga que teve de fazer um aborto porque não lhe foram dadas alternativas ou porque não teve tempo e condições para ponderar a sua decisão.
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O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — É aqui que verdadeiramente se vai ver quem é contra o aborto e quem, afinal, o aceita como algo de menor. É na disponibilização das alternativas que vai ver-se quem é que verdadeiramente quer combater esse mal, ao invés de outros que encolhem os ombros e que acham que o que havia a ser resolvido já o foi no referendo. E é por isso que, responsavelmente, daremos o nosso contributo para que a lei seja, dentro das possibilidades, o mais equilibrada, o mais razoável, o mais moderada e o mais sensata.
Foi, aliás, nesse quadro que lemos as declarações de ontem do Sr. Presidente da República: com uma lógica de união e não de desunião dos portugueses; com uma lógica de respeito por posições diferentes, e não embarcando em triunfalismos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me uma última nota. Uma das lições que temos também de tirar do último referendo é que há em Portugal muita gente, quer do lado do «não» quer do lado do «sim», que tem vontade, qualidade e capacidade para participar nesta discussão e que já hoje foi unanimemente elogiada pelas várias bancadas.
Tenho a certeza de que, se o Parlamento tiver a capacidade de os chamar a participar na feitura desta lei, muitos responderão à chamada. Penso que, nesta altura, devíamos dar este sinal de abertura ao exterior, de valorização do contributo destes portugueses e até de união de portugueses que pensam diferente.
Faremos esse apelo em sede de especialidade. Oxalá seja possível.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está concluído o referendo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, no sentido de acrescentar, às já existentes no Código Penal, uma nova causa de não punição do aborto quando realizado, a pedido da mulher, até às
A vitória do «sim» constitui uma afirmação do respeito pelas mulheres, da recusa de vê-las como criminosas, de vê-las como umas irresponsáveis, de votá-las às consequências da discriminação decorrente da sua condição económica e é seguramente uma afirmação de desejo de ver assegurada a opção por uma maternidade desejada, consciente e plena e de ver completamente minimizado o aborto clandestino, um problema de saúde pública dramático num País que só 33 anos depois do 25 de Abril vai fechar mais esta porta de clandestinidade.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
A Oradora: — A vitória do «sim» é, por isso, uma vitória das mulheres em Portugal, uma vitória do progresso civilizacional.
«Os Verdes», como é sabido, consideram que a Assembleia da República poderia já ter há muito alterado esta lei penal. Aliás, foi um sentimento que encontrámos muito nas iniciativas de rua que promovemos aquando da campanha do referendo.
Tendo sido decidido, de adiamento em adiamento, realizar o referendo, «Os Verdes» empenharam-se, então, no esclarecimento e no apelo ao voto que contribuísse para a alteração da lei, despenalizando o aborto nas condições definidas.
O que «Os Verdes» consideram é que este resultado veio reconfirmar, aos que o entenderam reconfirmar, que, em matéria de interrupção voluntária da gravidez, a actual composição parlamentar tem que cumprir o compromisso assumido em campanha eleitoral de alteração de uma lei penal injusta e ultrapassada.
Agora, depois da vitória do «sim», o Parlamento deve assumir este processo legislativo como prioritário.
Nós, «Os Verdes», consideramos que seria profundamente relevante que, pelo seu significado, até ao dia 25 de Abril a alteração à lei penal, no sentido da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, estivesse em vigor e em condições de ser aplicada.
Agora, compete à Assembleia da República agir e não procurar mais uma manobra dilatória, não entrar em ziguezagues ou em deturpações do que está em causa.
O acompanhamento, consulta — o que se lhe quiser chamar —, de uma mulher que decide interromper uma gravidez, não pode constituir uma persuasão a que a mulher não faça o que decidiu fazer, porque isso continuará a empurrá-la para a clandestinidade. O acompanhamento não poderá ser mais do que a informação de que a mulher carece para levar a efeito de forma mais segura o aborto. Só assim se respeitará o pedido da mulher.
O acompanhamento de uma mulher que decide interromper uma gravidez não pode ser, em circunstância alguma, factor de arrastamento dessa gravidez para além das 10 semanas, antes deve garantir que o aborto se faça até às 10 semanas. E encontrar mecanismos que atrasem a concretização da interrupção da gravidez que a mulher decidiu fazer é estar a dar um passo para ultrapassar o prazo legal e, então, a remeter mulheres para o aborto clandestino.
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O Serviço Nacional de Saúde tem de estar apto a responder aos pedidos das mulheres que decidem interromper uma gravidez, pelo que é preciso que rapidamente o Ministério da Saúde avance com uma resposta pública à forma de concretização desse objectivo.
«Os Verdes» não entram em desrespeito pela objecção de consciência dos profissionais de saúde individualmente, mas o que não é possível aceitar é que existam serviços, eles próprios, no seu todo, objectores de consciência, porque as respostas têm de ser dadas.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Muito bem!
A Oradora: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Os Verdes» estão mais do que empenhados em prestar o seu contributo, em sede de especialidade, ao processo legislativo, que deve correr célere e convicto, aqui, no Parlamento, para despenalizar o aborto. Mas também é certo que, até pelo que foi referido na campanha do referendo, afirmado pelos defensores do «sim» mas também pelos defensores do «não», o País precisa de empenhar-se na efectiva generalização da educação sexual nas escolas, cumprir aquilo que a lei, também originária deste Parlamento, estabelece desde 1984 e que está por cumprir.
Educar os jovens para uma sexualidade segura e feliz é também garantir-lhes a necessidade e a exigência de um planeamento familiar que se traduza em escolhas seguras e desejadas de saúde sexual e reprodutiva. Neste ponto não é de mais leis que se precisa. Do que se precisa é de uma vontade política determinada que se liberte de preconceitos que aprisionam os direitos dos jovens, às vezes no desconhecimento, outras vezes na indisponibilidade de serviços e de métodos. Esta será a forma de, para além de outras questões, reduzirmos a elevadíssima taxa de mães adolescentes que apresentamos neste país, será a forma de evitar gravidezes indesejadas e, consequentemente, será também uma forma de reduzir o número de abortos.
Tudo isto é muito importante, mas o que importa referir, e nunca esquecer, é que tudo se torna mais inviável num quadro de fomento da pobreza. É por demais importante batalhar por melhores condições sociais e económicas para o povo português, que permitam garantir dignidade e qualidade de vida às pessoas e às famílias, porque essa é a condição inevitável para que as pessoas façam as opções que verdadeiramente querem fazer, tal como quanto ao número de filhos que querem ter, tendo em conta as condições de vida que lhes podem proporcionar.
Esta luta pela dignidade dum povo tem, pois, de continuar a ser travada, porque essa condição de dignidade, assegurada pela garantia de direitos, é fulcral num processo de desenvolvimento dum país.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 25 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início ao debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre as provas globais no 9.º ano.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No dia 10 de Janeiro passado foi sorrateiramente publicado, sem câmaras, sem holofotes, sem altifalantes, sem bulício e sem máquina de propaganda, o Despacho Normativo n.º 5/2007, um despacho da Sr.ª Ministra da Educação. E com essa medida, Sr.as e Srs. Deputados, o Governo chegou ao estádio assumido, e agora plenamente visível, da «esquizofrenia política».
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Por um lado, proclama a era da qualidade e da excelência, pelo outro, fomenta medidas tendentes a perpetuar a mediania e a mediocridade.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Exactamente!
O Orador: — Por uma banda, prega a cultura do mérito e da avaliação, por outra, implementa as práticas da progressão automática e sem controlo.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!
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O Orador: — Nuns dias, fala em exigência e em esforço individual e colectivo, nos outros, rende-se à inércia e à pressão estatística.
A Sr.ª Zita Seabra (PSD): — Exactamente!
O Orador: — No País, promete a revolução tecnológica, fora dele, promove o slogan dos salários baixos.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Com a supressão das provas globais o Governo pretende — ou, pelo menos, a Ministra pretende, já que, como todos o sabemos, o Primeiro-Ministro foi apanhado de surpresa em pleno debate mensal —…
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sim, sim!
O Orador: — … acabar com a obrigatoriedade das provas globais do 9.º ano, que é, como todos sabemos também, o ano de conclusão do ensino básico, o mais importante e mais decisivo ano de transição dentro do sistema de ensino, aquele em que, antes da universidade, mais se justifica um patamar de avaliação externa, seja individual, seja da escola, seja do sistema de ensino no seu todo.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Acabar com as provas globais nas disciplinas do 9.º ano não sujeitas a exame — isto é, todas menos Português e Matemática — é ceder em toda a linha e abrir todos os flancos ao facilitismo.
Aplausos do PSD.
Ao abolir sumariamente as provas globais sem dar explicações nem formular alternativas aquilo que a Sr.ª Ministra e a sua equipa querem dizer é que desistiram de lutar pela qualificação do sistema de ensino;…
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!
O Orador: — … é que sucumbiram ao mais inquietante facilitismo administrativo; é que renunciaram aos critérios da exigência e do rigor; é que preferiram as soluções de secretaria e de estatística às medidas substantivas e no terreno.
Aplausos do PSD.
Ora, Srs. Deputados, o Primeiro-Ministro foi apanhado de surpresa, mas nós não! A Ministra que hoje cede ao facilitismo é a mesma que quer acabar com os trabalhos de casa por considerar — pasme-se! — que estes são espaços de reprodução das diferenças socioculturais.
Vozes do PSD: — Bem lembrado!
O Orador: — A Ministra que cede ao laxismo é a mesma que pondera estender o regime de professor único aos 5.º e ao 6.º anos, fomentando a infantilização dos alunos e desvalorizando o contacto com a pluralidade de métodos, personalidades e saberes.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — A Ministra que cede ao nivelamento por baixo é a mesma que, quando os resultados não lhe parecem satisfatórios, muda as regras de acesso à universidade em pleno processo de exames, não se importando de dar cobertura a despachos sem base legal, discriminando milhares e milhares de alunos.
Vozes do PSD: — Bem lembrado!
O Orador: — A Ministra que prescinde da exigência da avaliação dos alunos é a mesma que todos os dias ignora e faz tábua rasa das dezenas de decisões judiciais que declararam ilegais as medidas por si tomadas.
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Vozes do PSD: — Bem lembrado!
O Orador: — A este propósito é bem caso para perguntar o seguinte: se a Ministra não tira consequências da avaliação que os tribunais fazem dos actos do seu Ministério, com que autoridade e com que credibilidade pode querer estabelecer e concretizar uma política de avaliação, seja dos alunos, seja dos professores, seja das escolas?
Aplausos do PSD.
Quem pode legitimamente surpreender-se que a Sr.ª Ministra ache que as provas globais do 9.º ano são descartáveis e dispensáveis? Num momento em que, por muito que isso doa e custe numa fase inicial, deveríamos estar a ponderar as vantagens e desvantagens de transformar as provas de aferição dos 4.º e 6.º anos em provas de avaliação com significado individual,…
Vozes do PSD: — Exactamente!
O Orador: — … fossem provas globais, fossem exames, num momento em que deveríamos estar a alargar os mecanismos de avaliação intercalar (escritos, mas também, onde se justifique, orais e práticos), fazemos recuos e regressões em toda a linha, apenas para sacrificar o verdadeiro incremento dos nossos níveis de conhecimento ao sucesso estatístico efémero, para inglês ou «bruxelês» ver.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Eis um Governo que, habituado ao embalo e melodia da propaganda, privilegia a estatística dos resultados à substância do conhecimento.
Aplausos do PSD.
Sr.ª Ministra, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Apesar da expectativa que a equipa gerou com um discurso demagógico, cujo principal efeito foi a desacreditação e a desmoralização pública dos professores, tudo está agora à vista, à vista desarmada!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — E isto porque se obstinam em não mexer na única variável do sistema que pode realmente mudar alguma coisa: o modelo de organização e de gestão das escolas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — O PSD já apresentou aqui as suas propostas,…
O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — E foram todas chumbadas!
O Orador: — … já adiantou os seus projectos e os seus objectivos, mas o Governo, a Ministra e o PS continuam intransigentes em nada fazer nesse domínio.
Tomando um simples exemplo, Sr.ª Ministra: já terá parado para pensar como poderia ser diferente o destino trapalhão e atabalhoado da ideia das aulas de substituição, se a gestão das escolas fosse já profissional, obedecesse a critérios de racionalidade e de responsabilidade e envolvesse a dinâmica local?
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Não seria mais fácil definir critérios de substituição, escola a escola, segundo as suas disponibilidades e especificidades, do que tudo centralizar na 5 de Outubro?
O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — É verdade!
O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O problema do sistema educativo português não é, como julga o Governo, um problema de intendência sindical, de luta de classes entre professores e alunos, de luta de classes entre professores e pais de alunos.
O problema é, tão singelamente, um problema de exigência e de autoridade. Hoje, neste debate, está em causa, apenas e só, a exigência e a qualificação do sistema.
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Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Sr.as e Srs. Deputados: Quem conhece o sistema de ensino português, quem todos os anos recebe os alunos na faculdade ou no mercado de trabalho em estado de quase analfabetismo funcional, sabe que, depois desta medida e de tudo o que ela significa e comporta, já só resta traçar o epitáfio da política educativa do Governo e de o fazer com a sentença que Dante Alighieri fez inscrever às portas do inferno: «Oh vós que entrais, deixai toda a esperança!»
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Educação.
A Sr.ª Ministra da Educação (Maria de Lurdes Rodrigues): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Terminámos com a obrigatoriedade das provas globais porque, enquanto instrumento de avaliação, revelavam-se hoje, em primeiro lugar, desajustadas das exigências de qualidade, em segundo lugar, desorganizadoras do quotidiano de trabalho das escolas e, em terceiro lugar, indispensáveis…
Vozes do PSD: — Ahhh…!
A Oradora: — Desculpem, dispensáveis!
A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Muito bem!
A Oradora: — As provas globais eram um instrumento de avaliação desajustado das exigências de qualidade que pretendemos porque eram provas internas às escolas, elaboradas pelos professores das mesmas escolas e disciplinas, sem qualquer intervenção externa, fosse do Ministério da Educação ou de outra entidade.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Oradora: — Nesse sentido, em nada se distinguiam dos testes ou provas de avaliação contínua, realizados ao longo do ano.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Oradora: — Hoje, o que se exige, o que queremos como instrumento de avaliação de alunos e do currículo são exames nacionais ou provas de aferição, isto é, provas externas.
Aplausos do PS.
Em segundo lugar, as provas globais eram desorganizadoras do quotidiano e das exigências de trabalho no final do ano lectivo das escolas,…
Protestos do PSD.
… porque, para as realizar, as escolas eram obrigadas a reduzir as aulas efectivamente dadas. Esta situação tinha tendência a piorar, dado o facto de se estarem a introduzir mais provas nacionais.
A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Exactamente!
A Oradora: — Finalmente, são dispensáveis porque as provas globais, que se consideram tão importantes, não tinham qualquer efeito ou consequência. Na realidade, em termos de avaliação dos alunos, tinham uma valorização de apenas 25%.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Acha pouco?
A Oradora: — Portanto, sem qualquer efeito significativo nas suas notas.
Aplausos do PS.
Sabem os Srs. Deputados quantos alunos chumbaram por causa dos seus resultados nas provas glo-
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bais? Sabem?
Protestos do PSD.
Nenhum! Por que é que, então, se fala de facilitismo? Por outro lado, em termos de avaliação do currículo e das práticas de ensino, as provas globais, porque justamente se tratava de provas de escola, não tinham um tratamento nacional agregado de resultado, o que nunca permitiu a definição de políticas com base nessas informações.
Sabem os Srs. Deputados qual foi a percentagem de alunos com nota negativa a uma qualquer disciplina, como, por exemplo, a Inglês? Não sabem, porque essa informação não existe agregada.
O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Então, agreguem-na!
A Oradora: — Não sabem, porque estas provas não serviam para avaliar os alunos e muito menos o currículo ou o sistema. Não eram verdadeiras provas para avaliar. Eram, sim, o símbolo do facilitismo numa política de avaliação, que se quer, afinal de contas, rigorosa.
Por tudo o que já disse, só se pode concluir que as provas globais são dispensáveis, mas acrescento ainda uma outra razão: mantê-las significa — isso sim — dar às escolas sinais de facilitismo, o que não seria coerente com tudo o que estamos a fazer desde há dois anos.
Aplausos do PS.
Lamento que tenha passado despercebido que devolvemos às escolas os resultados dos exames de Matemática do 9.º ano e que hoje todas as escolas e professores de Matemática do ensino básico executam e desenvolvem programas de recuperação e melhoria dos resultados. Ou considera-se que isto também é facilitismo, Sr. Deputado? Lamento que tenha passado despercebido que, desde Junho, vimos a trabalhar na generalização das provas de aferição a todos os alunos dos 4.º e 6.º anos de escolaridade, já obrigatórias no presente ano lectivo. Lamento tanto mais quanto o PSD várias vezes anunciou esta intenção sem nunca a concretizar.
Aliás, por falar em facilitismo e sinais dados às escolas, gostaria de saber se também consideram exemplos de facilitismo a exigência de estudo acompanhado para os alunos de 1.º ciclo, no quadro das actividades de enriquecimento curricular, ou a generalização da ocupação plena dos tempos escolares nas escolas básicas e secundárias, que permitiu aumentar o número de aulas efectivamente dadas e melhorar o ambiente de trabalho e estudo nas escolas, ou ainda o plano de acção para a Matemática e o Plano Nacional de Leitura, com as correspondentes acções concretas de formação de professores e orientações do seu trabalho nestas áreas, tendo em vista melhorar os resultados e as competências dos alunos.
A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Muito bem!
A Oradora: — Haveria muito mais exemplos do nível de exigência e qualidade que queremos para o sistema de ensino. Em breve, concretizaremos mais medidas, diria que muito mais importantes do que as provas globais.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética.
A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório é do seguinte teor:
1 — Em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 15 de Fevereiro de 2007, pelas 12 horas e 30 minutos, foi observada a seguinte retoma de Deputado: Retoma de mandato nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 6.º do Estatuto dos Deputados, com efeitos desde 15 de Fevereiro de 2007, inclusive: Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD): — Virgílio Almeida Costa (Círculo Eleitoral de Braga), cessando Maria Irene Silva.
2 — Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
3 — Nestes termos, a Comissão entende proferir o seguinte parecer: A retoma de mandato do Deputado em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar o parecer.
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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos dar início à primeira ronda de perguntas.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete João.
A Sr.ª Odete João (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A avaliação assume, ao longo de todo o currículo escolar, um papel preponderante nas práticas educativas.
A principal função da avaliação é contribuir para o sucesso escolar e verificar em que medida este foi conseguido; tem como objectivo aperfeiçoar a actividade educativa e melhorar os resultados, regulando e orientando o processo de ensino e aprendizagem.
À escola, enquanto principal interveniente no processo de avaliação, compete: definir os critérios de avaliação no quadro de referência do currículo nacional; escolher instrumentos diversificados que melhor sirvam as opções tomadas; atribuir pesos a cada um desses itens de avaliação.
Privilegiar a avaliação com base em critérios tem a vantagem de alinhar o ensino com o que se pretende avaliar; reporta-se ao aluno que aprende, à tarefa avaliada e às condições em que se realiza.
Ao fazê-lo, a escola não só responde às normas expressas no currículo nacional como adequa as decisões tomadas às necessidades próprias dos alunos e às especificidades da comunidade educativa.
Reconhecemos, hoje, que o centralismo das políticas educativas não só não melhorou a qualidade do serviço de educação prestado, como atirou para fora do sistema milhares e milhares de jovens.
Para o Partido Socialista as escolas são o centro do sistema educativo, por isso o reforço da sua autonomia é uma das linhas de acção política deste Governo.
A reforma do ensino básico trouxe novos contextos do processo de ensino e aprendizagem que exigiram a reformulação do sistema de avaliação.
Em 2001, são definidos os princípios orientadores da organização e gestão escolar.
O despacho normativo que regula a avaliação responde a essa realidade e considera que a avaliação incide sobre as aprendizagens e competências definidas no currículo nacional e também as componentes do currículo de carácter transversal.
Existe, pois, uma nova realidade e é neste contexto de mudança que as provas globais se mantiveram, contanto com um peso de 25% na avaliação interna.
Posteriormente, são introduzidos os exames de Matemática e Língua Portuguesa no 9.º ano de escolaridade. Assegura-se, assim, uma avaliação externa anual que antes não existia.
A partir de 2005, a avaliação sumativa do 9.º ano de escolaridade inclui, para além dos instrumentos de avaliação definidos pela escola, as provas globais e os exames nacionais de Língua Portuguesa e Matemática.
Ao nível do ensino básico, a dimensão da avaliação externa é agora reforçada com a generalização das provas de aferição no 4.º e 6.º ano de escolaridade. Com isto, pretende-se avaliar o desenvolvimento do currículo nacional, nomeadamente a qualidade das aprendizagens, a adequação aos programas e a conformidade das práticas educativas.
A análise dos resultados pelas escolas não só irá permitir introduzir alterações nas práticas educativas como conhecer o seu desempenho face à norma nacional.
Assim, poder-se-á considerar que o sistema de avaliação do ensino básico está consolidado. Por isso, manter as provas globais, por imposição da administração central, é excessivo.
Aplausos do PS.
As provas globais são um instrumento de avaliação interna das escolas, pelo que se justifica que a decisão de realizá-las, ou não, pertença a cada escola.
O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Muito bem!
A Oradora: — Aliás, esta situação não é nova. Em 2003, o então Ministro David Justino elimina, no ensino secundário, a obrigatoriedade das provas globais, acometendo à escola a decisão de mantê-las ou não.
Esta decisão não causou, na altura, qualquer constrangimento ao PSD nem foi conotada como uma qualquer manobra de facilitismo. Estranhamos, agora, a mudança de opinião.
Aplausos do PS.
Este mesmo responsável pela pasta da educação, em declarações recentes à comunicação social, vai muito mais longe ao considerar que o próprio currículo deve ser definido pela escola, numa lógica clara de descentralização. Estaremos a falar do mesmo PSD?
Vozes do PS: — Não!
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A Oradora: — À escola, no âmbito da sua autonomia, compete definir os critérios de avaliação e escolher os instrumentos de avaliação que melhor se adeqúem à comunidade que serve.
Enraizar em todas as dimensões do sistema de educação a cultura da avaliação, do rigor e da confiança nas escolas é um vector de acção do programa do Partido Socialista.
O Sr. Fernando Antunes (PSD): — Não se vê nada!
A Oradora: — O despacho normativo agora em debate não acabou com as provas globais no ensino básico; antes atribui essa escolha à escola, que melhor conhece a dimensão formativa da avaliação no ensino básico.
Esta medida, muito para além da própria decisão, consubstancia na prática a autonomia da escola e reforça a sua responsabilidade, numa cultura de rigor e de transparência.
Ainda sobre este despacho, vamos ver o que não foi dito. Convém lembrar a grande diferença que foi introduzida para os alunos que, tendo atingido o limite de idade, não concluíram a escolaridade obrigatória.
Mas destas mudanças nada ouvimos da oposição.
Antes, os alunos eram obrigados a anular a matrícula no início do 3.º período para se poderem candidatar aos exames de equivalência à frequência do 9.º ano, sendo obrigados a fazer os exames a todas as disciplinas. Este procedimento revelou-se um convite ao abandono e ao insucesso escolar.
O despacho actual garante a permanência dos alunos na escola até ao final do ano e a possibilidade de se candidatarem a exame após o conhecimento dos resultados escolares.
Lutar contra a saída precoce da escola é uma tarefa de todos, é um trabalho que deve contemplar todas as frentes, até a legislativa, que sem alarde, também traz mudanças significativas no combate ao abandono e ao insucesso escolares, não empurrando para fora da escola aqueles que dela mais precisam.
Não quero terminar sem deixar uma palavra de confiança, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, ao papel insubstituível das escolas e dos professores, que, com o seu trabalho exigente e dedicado, procuram construir melhores resultados no sistema educativo, elevam os níveis de formação e qualificação dos portugueses, essencial para o desenvolvimento pessoal e cívico, e são factores de coesão social.
Este é o caminho do Partido Socialista na defesa da escola pública.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD traz, hoje, a esta Câmara, uma matéria que considera de primeira importância, depois de uma medida muito grave assumida pelo Ministério da Educação.
Depois de ouvirmos a Sr.ª Ministra da Educação, a primeira conclusão é a de que, mais uma vez, assistimos a uma intervenção que eu qualificaria de desconcertante e imperceptível. Digo-o porque a Sr.ª Ministra conseguiu o feito notável de vir aqui explicar, a nós e ao País, que as provas globais eram em si mesmas uma prova de facilitismo e que, portanto, a sua extinção era um sinal de exigência e de rigor. Nós não percebemos isso e penso que o País também não!! Mas não nos surpreende porque a actuação do Ministério da Educação tem tido estas características.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Ai sim? Diga quais!
O Orador: — Por um lado, vemos que a Sr. Ministra intervém e mete-se onde devia estar quieta. Dou dois exemplos muito concretos: em primeiro lugar, ataca os professores, prejudicando e ferindo, assim, a sua dignidade e a sua autoridade dentro da sala de aula; em segundo lugar, assume medidas de carácter profundamente centralista e dirigista, que têm tido como consequência uma profunda instabilidade nas nossas escolas, como sabemos.
Se, por um lado, tem esta atitude, por outro, este Governo tem, nesta matéria educativa e como temos aqui um bom exemplo, cedido ao pior do «eduquês», ao facilitismo, quando deveria haver exigência e rigor, nomeadamente na avaliação dos alunos.
É por isso que consideramos esta medida grave, muito grave! No momento-chave da vida e do percurso escolares dos alunos — final do ensino básico, para aqueles que prosseguirem estudos, o início do ensino secundário, o final da escolaridade obrigatória —, o sinal que o Ministério da Educação dá, hoje, ao País e, particularmente, aos nossos alunos é o de que prescinde de uma avaliação com o carácter das provas globais.
A Sr.ª Ministra da Educação: — É ao contrário!
O Orador: — Diz-nos a Sr.ª Ministra — e por isso é que considero desconcertante e imperceptível a sua
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intervenção — que estas provas globais não cumpriam devidamente a sua função, nomeadamente porque, na sua óptica, a valorização de 25% não tinha um carácter eliminatório, decisivo e determinante.
Aquilo que perguntamos é: qual é a sua proposta, Sr.ª Ministra? Propõe-nos que deixem de contar 25% e passem a contar 30% e, nesse caso, já tem carácter eliminatório? Ou 50%? Ou mais do que isso? Propõe-nos que não sejam provas globais, mas exames nacionais? É porque, se o fizer, terá o nosso aplauso.
O problema é que a Sr.ª Ministra diz: «Bom, temos aqui um problema… Isto não cumpre bem a sua função… Logo, extingue-se, acaba-se, deita-se fora! Não há avaliação alguma!»
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Uma vergonha!
O Orador: — «Os alunos passam para, para fins estatísticos, podermos ter bons resultados, porque, assim, não vamos avaliar os seus conhecimentos e vamos, com certeza, poder apresentar melhores números e melhores resultados no final do ano lectivo.» Ora, esse não é o nosso caminho, Srs. Ministros e Srs. Deputados!! O PSD tem uma visão muito distinta quanto a esta matéria.
No entanto, como dizia há pouco, não nos surpreende alguma falta de rigor na apresentação das suas propostas, Sr.ª Ministra, porque, como também disse o Sr. Deputado Paulo Rangel na sua intervenção inicial, há um conjunto de questões que se prendem com a credibilidade do Ministério da Educação e que ainda não estão respondidas. Isso tem a ver com a responsabilidade política.
Sr.ª Ministra, em nossa opinião, estas medidas, com um carácter extraordinariamente grave para o percurso escolar dos jovens alunos portugueses, terão consequências muito preocupantes no futuro dos mesmos e são assumidas sem qualquer responsabilidade política. Como aqui foi dito, estas medidas foram assumidas por meio de um despacho sorrateiramente publicado, longe dos holofotes e da habitual propaganda governamental.
Mas há outras matérias sobre as quais também gostaria de interpelar a Sr.ª Ministra.
Há uns meses, num despacho similar, a Sr.ª Ministra resolveu alterar, interferir na ponderação atribuída aos exames nacionais do 12.º ano.
Ora, a Sr.ª Ministra, tal como eu próprio, tem assistido a um conjunto sucessivo de sentenças judiciais que, unanimemente,…
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Unanimemente?!
O Orador: — … têm dito que foi ilegal essa sua medida e que os alunos têm todo o direito de repetir aqueles mesmos exames, o que implica prejuízos brutais para milhares e milhares de jovens. Há até casos, como o que vimos na semana passada, de um aluno que disse que «já estou a estudar Medicina na República Checa, pelo que prescindo de repetir o meu exame». Portanto, chega-se ao ponto caricato de prejudicar milhares e milhares de jovens.
Assim, pergunto: ninguém assume responsabilidades políticas?
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — É porque foi avisada!
O Orador: — A Sr.ª Ministra foi avisada pelo PSD, nesta Câmara, e por um conjunto de intervenientes, agentes educativos e da sociedade civil, que chamaram a atenção de que se trata de uma medida profundamente errática. E, então, não há responsabilidade política? Passemos ao segundo exemplo, relativamente à questão da terminologia linguística e à célebre TLEBES (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário de Portugal).
Durante este ano, a Sr.ª Ministra já assinou um despacho a instituir a nova TLEBES. Ao mesmo tempo e conforme o Secretário de Estado em causa, vão sendo feitas declarações absolutamente contraditórias. De acordo com a última versão que conhecemos, a TLEBES seria suspensa. O problema é que os exames do 12.º ano vão continuar a obedecer à nova TLEBES…
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: — Isto é, temos uma absoluta confusão nas escolas, por acção do Ministério da Educação.
Terceiro e último exemplo: igualmente há umas semanas, vimos que foi distribuído um inquérito nas escolas, questionando os alunos sobre o comportamento sexual de seus pais. Já foi assumido como um erro, mas a pergunta que se levanta é: «Então, e as responsabilidades políticas? Ninguém é responsável por esse erro?» É uma questão de credibilidade política, Sr.ª Ministra!!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Tudo lá entra, nas escolas?
O Orador: — Por isso, perante esse conjunto de medidas, profundamente erradas e que acarretam pre-
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juízos concretos para a vida de tantos e tantos jovens portugueses, temos de concluir que, hoje, a Sr.ª Ministra é um agente que, manifestamente, prejudica a qualidade do ensino e das aprendizagens no nosso país. Isso, o PSD, naturalmente, não pode deixar de lamentar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Ao longo dos anos, a posição do PCP relativamente a estas questões tem sido bastante clara; temos deixado bastante clara a nossa opção pela defesa dos mecanismos de avaliação contínua, pela rejeição de provas com carácter eliminatório e, inclusivamente, temo-nos batido pela rejeição das provas globais.
Registamos hoje que o Governo chega à conclusão de que é necessário acabar com as provas globais, mas pelas piores razões. Das palavras que a Sr.ª Ministra já proferiu hoje, nesta Assembleia, resulta bem claro que a eliminação da obrigatoriedade das provas globais no 9.º ano se deve à necessidade de encontrar mecanismos que possam promover a reprovação dos alunos,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Orador: — … garantindo que, de facto, são introduzidos novos mecanismos com um carácter descaradamente eliminatório. Em relação a isto, temos de dizer-lhe, Sr.ª Ministra, que em nada se distinguem do PSD,…
Risos da Deputada do PS Manuela Melo.
… em nada se distinguem do PSD, tanto na matéria como na lógica que lhe está subjacente! É porque o que está subjacente a este tipo de medidas é a sujeição do processo educativo a uma lógica não de aprendizagem mas de treino para um exame. Este factor «treino para um exame» introduz uma clara noção de triagem social, porque não são iguais as condições de todos os estudantes para aceder aos meios de treino para o exame, variam em função das respectivas condições socioeconómicas e não permitem o que, hoje, é garantido pelo processo educativo, orientado por uma lógica de aprendizagem, de adaptação às condições concretas dos estudantes, tendo em conta as suas dificuldades, maiores ou menores.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — O maior factor de preocupação que surge neste debate é a assunção, por parte do Partido Socialista, como antes já havia sido pelo governo PSD/CDS, de uma lógica de medição de resultados. Portanto, agora, a lógica com que o Governo encara os processos educativos passa a ser a de medição de resultados.
Antes de mais, Sr.ª Ministra, é esse o verdadeiro factor de transtorno para as escolas e para os professores. É isto que introduz a desestabilização das escolas e dos professores: uma lógica de competição que não é própria de um sistema educativo, que, eventualmente, será própria de outras áreas da sociedade mas não do sistema educativo! É também esta a lógica que, depois, sustenta a criação dos rankings, com a diferenciação entre as escolas sem atender à realidade que está na sua base.
No fundo, é esta a lógica que promove a responsabilização das escolas e dos professores e a desresponsabilização dos governos pela políticas educativas que levam a cabo e pelas condições que disponibilizam às escolas para concretizar a sua missão.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: — Vou concluir, Sr. Presidente.
A este propósito, invoco apenas o exemplo do despacho do Sr. Secretário de Estado da Educação, ainda ontem publicado no Diário da República, em que se diz que «as provas de aferição constituem ainda instrumentos de diagnóstico postos à disposição das escolas e dos professores»…
O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: — Portanto, está aqui plasmada a intenção de desresponsabilização do Governo e de responsabilização das escolas e dos professores.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.
O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, ouvimos com imensa atenção o que há pouco referiu relativamente à situação das provas globais e respectivo significado no que diz respeito ao desajustamento à realidade na forma como eram aplicadas e aos resultados quase nulos que apresentavam.
Vou ler-lhe uma pequena nota que diz o seguinte: «contrariamente ao que se diz, em alguns casos, os alunos que estão em vias de retenção poderão, com mais este elemento de avaliação ao seu dispor, com mais este trabalho, com mais este empenho, na recta final do terceiro período, melhorar os seus resultados e, quem sabe, até transitar de ano. Os restantes alunos, que já têm a sua aprovação e transição, com este peso de 25%, não verão a sua classificação final penalizada».
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — Ou seja, o que, em 14 de Maio de 2005, era uma verdade, é hoje uma inverdade, porque, actualmente, o que acabei de citar já não tem qualquer validade.
Quem fez as afirmações que citei foi a Sr.ª Deputada Fernanda Asseiceira, do Partido Socialista, que, naquela altura, defendia as provas globais, as quais, hoje, V. Ex.ª acabou por dizer que não fazem qualquer sentido.
Vozes do CDS-PP: — Bem lembrado!
O Orador: — Sr.ª Ministra, efectivamente, há coisas que não faziam sentido nas provas globais e que, se calhar, V. Ex.ª deveria ter corrigido, mas não devia era ter acabado com elas!
Aplausos do CDS-PP.
Quanto à reflexão sobre o 3.º ciclo e sobre as provas globais, nomeadamente sobre a Matemática — e saudamos o facto de ter mantido as de Matemática e de Português —, se não fazem sentido, também não fariam grande sentido para o Português e a Matemática. Se não há uma lógica para as outras disciplinas, também não faria grande sentido para estas últimas.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — E isto é só o primeiro passo!
O Orador: — Em Novembro de 2005, cerca de 50% dos professores disseram que a ponderação de 25% na nota do exame era insuficiente e deveria ser maior, mas o entendimento que o Ministério retirou foi o de que, pura e simplesmente, devia era acabar com as provas globais. Desta forma, considera que resolve o problema mas, efectivamente, cria o facilitismo.
É porque, até agora, um aluno sabia que, para além das provas a que se submetia ao longo do ano, tinha, necessariamente, uma prova global no final do 3.º ciclo, tinha de demonstrar que tinha adquirido um determinado nível de conhecimentos e que isso iria ser avaliado, nem que tivesse uma cotação muito baixa — e é referido que era baixa — para a nota final. Era fundamental o aluno saber que iria ser avaliado no final e, por isso, ao longo do seu ciclo de estudos, tinha de ter isso em conta.
Sr.ª Ministra, por mais que venha dizer-nos que esta medida é uma forma de poupar os alunos para terem disponibilidade para completar os estudos curriculares, já que as aulas tinham de ser quase suspensas para se poder realizar as provas globais,…
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Será?
O Orador: — … a verdade é que tínhamos um calendário de aulas elaborado de forma a permitir dar o programa e que contava com a necessária interrupção para as provas globais. Em que ficamos? Então, o planeamento não foi bem feito no início do ano lectivo.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: — De duas, uma: ou as provas globais não eram necessárias e, portanto, deveriam ter sido suspensas no início do ano lectivo ou, então, a programação do ano escolar não foi bem feita porque se está a dar tempo demais para realizar o currículo que se quer para cada disciplina.
Aplausos do CDS-PP.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, a pergunta que tenho a fazerlhe é mesmo, fundamentalmente, a de saber por que é que, afinal, acabou com as provas globais. Porque não confia na avaliação somativa interna das escolas ou porque entendeu que o final do 9.º ano exigia a máxima concentração para a realização dos exames de Português e de Matemática?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Foi para as estatísticas!
A Oradora: — É porque o País entendeu um sinal. Afinal, parecia que havia uma decisão política: o Português e a Matemática eram as disciplinas do currículo do 3.º ciclo. Foi este o entendimento, foi esta a leitura que o País pôde fazer: o Ministério tinha escolhido duas disciplinas e não mais, portanto a transversalidade, a interdisciplinaridade do currículo do 3.º ciclo tinha desaparecido.
Vozes do BE: — Muito bem!
A Oradora: — No entanto, o Sr. Secretário de Estado parece que veio desmentir o que parecia ser, afinal, a vossa decisão política: «É que vem o frenesim dos exames. São as provas aferidas, no 4.º ano e no 6.º ano, e, afinal, o futuro, no 3.º ciclo, é exames para todas as disciplinas».
Assim, Sr. Secretário de Estado, perante estas declarações, pergunto-lhe se, no Ministério da Educação, não haverá, nesta matéria, uma espécie de «táctica de serpentina», que é mandar para o ar e ficar à espera dos efeitos.
É porque a avaliação aferida é um compromisso do Programa do Governo e, ao mesmo tempo, a redução drástica do insucesso escolar no 3.º ciclo.
O que quero perguntar é se o modelo de avaliação aferida que os senhores estão a construir corresponde aos objectivos, isto é, a corrigir políticas, a ajustar políticas, ou se, pelo contrário, basicamente, tem correspondido à penalização dos alunos e dos professores.
Vejamos o passado ano lectivo: uma prova de Português com um texto desajustado; critérios de correcção altamente apertados; um exame de Matemática que foi devolvido às escolas para avaliação — e bem! — e que deu lugar a algumas medidas — e bem! No entanto, há questões que ficaram de fora: nem houve alteração da carga horária, nem alteração dos currículos, nem, sobretudo, medidas que permitissem às escolas tomar decisões, localmente, para problemas identificados localmente.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Está muito enganada!
A Oradora: — Em 2004/2005, este Ministério «ofereceu» ao País a mais alta taxa de retenção e desistência no 3.º ciclo da última década.
Pergunto, pois, se o modelo de aferição consagrado programaticamente é aquele que oferece alterações de política e que corresponde àquilo que são os interesses dos jovens e das escolas neste país.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação e Sr. Secretário de Estado da Educação, mais uma vez a Sr.ª Ministra é chamada ao Parlamento para justificar despachos do seu Ministério em matéria educativa. Quem não se lembra, de resto, dos despachos do Ministério da Educação que demonstraram incompetência e trapalhadas, ao introduzirem elementos de desestabilização nas escolas portuguesas? Despachos como aquele que mandou os professores colocados noutras escolas mais perto das suas residências, por razões de saúde graves e de incapacidades físicas, regressarem, em poucos dias, às suas escolas de origem, ou aquele através do qual a Sr.ª Ministra autorizou a repetição dos exames do 12.º ano na disciplina de Química, deixando de fora todas as outras disciplinas de acesso ao ensino superior e provocando enormes injustiças e desigualdades.
Mas centrando-nos na questão que hoje aqui nos traz, em matéria de avaliação, Sr. Ministra, devemos dizer que não está em causa a sua necessidade. De facto, é indispensável haver avaliação dos alunos e do processo educativo, pelo seguinte: para compreender e pôr a nu as verdadeiras razões das taxas de insucesso escolar e de abandono escolar; para compreender como é que os rácios aluno/professor podem contribuir para esse insucesso em turmas excessivamente grandes e por natureza heterogéneas; para compreender como é que os ataques à dignidade dos professores, a falta de respeito aos professores, os ata-
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ques aos seus direitos e a recusa do reconhecimento das especificidades da sua profissão contribuem para a desestabilização da escola — tentando-se, num rumo errático, fazer toda e qualquer reforma contra os professores, o que, mais do que um ataque a uma classe profissional, é um ataque à escola pública e ao ensino público e democrático; para perceber como é que a realidade socioeconómica é determinante no sucesso educativo dos alunos e na forma como esses alunos chegam à escola; e para perceber qual é o papel que o mau estado dos edifícios escolares, que metem água por causa do buraco no telhado, não têm aquecimento ou ficam a dezenas de quilómetros da residência dos alunos, tem na introdução de desigualdades de oportunidades e no abandono escolar.
Portanto, Sr.ª Ministra, a avaliação é fundamental. Porém, a discussão que deve fazer-se é em torno das seguintes questões: que avaliação queremos? Como é que ela deve ser feita? E por quem é que ela deve ser feita? Nessa matéria, a Sr.ª Ministra veio aqui dizer que decidiu terminar com as provas globais porque se tratava de provas de escolas, ou seja, porque corriam o risco de ser demasiado adaptadas e demasiado próximas à realidade pedagógica de cada escola, e, por outro lado, porque, por causa delas, ninguém reprovava. Portanto, não serviram para nada — é esta a conclusão da Sr.ª Ministra.
Então, a alternativa que o Governo apresenta são provas de aferição. Ora, parece-nos que este é apenas um primeiro passo para o alargamento de provas e de exames nacionais ao final dos três ciclos do ensino básico. Gostaria, pois, que o Governo dissesse aqui claramente se é esse o caminho que pretende seguir, se a alternativa são os exames nacionais, independentemente dos perigos e injustiças e da desadequação às realidades distintas das escolas,…
O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Independentemente, dizia, do perigo de se basear a avaliação da estratégia educativa em exames nacionais diferentes das diferentes estratégias educativas. No fim de contas, fazendo apoiar um instrumento fundamental de avaliação do processo educativo num instrumento que não é adequado para o fazer.
O Sr. Presidente: — Para responder a esta primeira volta de pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Educação.
O Sr. Secretário de Estado da Educação (Valter Lemos): — Sr. Presidente, começo por dizer que as próprias intervenções dos vários grupos parlamentares foram quase esclarecedoras em termos da anulação mútua dos argumentos apresentados sobre o debate aqui em curso.
Para o PSD e para a direita, a anulação da obrigatoriedade das provas globais é uma medida de facilitismo; já para o PCP, o Bloco de Esquerda e Os Verdes, para as bancadas mais à esquerda, essa anulação é uma ameaça de generalização dos exames nacionais a todos os ciclos e a todas as disciplinas do ensino básico.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Mas é o caso?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Antes fosse!
O Orador: — Assim, estamos certamente numa situação em que os argumentos podem anular-se.
De qualquer modo, respondendo a algumas das questões colocadas, diria que é bom recordar, como, aliás, a Sr.ª Ministra já referiu, que as provas globais, neste momento, não tinham impacto no percurso escolar dos alunos. Como se sabe, os resultados das provas globais valiam 25%, o que significava que nenhum aluno era reprovado ou aprovado por causa das provas globais.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Que falta de «eficácia»!…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Que chatice!…
O Orador: — Ou seja, qualquer aluno que tivesse uma negativa na avaliação de frequência não ficaria aprovado pelo resultado da prova global e qualquer aluno que tivesse uma positiva na avaliação de frequência não reprovaria por ter uma negativa na prova global.
Acredito que o Sr. Deputado Paulo Rangel não soubesse este pormenor, mas esta é a realidade objectiva das nossas escolas. De facto, neste momento, nas nossas escolas, os alunos não transitam ou deixam de transitar por causa do resultado das provas globais. Portanto, no que respeita à questão central, colocada pelo PSD, a realidade é esta.
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Protestos do PSD.
Gostaria ainda de dizer que o facto de termos acabado com a obrigatoriedade das provas globais foi exactamente…
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — É um sinal que está dado!
O Orador: — Sr. Deputado, se me dá licença, estou a tentar responder às suas questões e às do Sr. Deputado Pedro Duarte.
Como dizia, o facto de termos acabado com a obrigatoriedade das provas globais foi no sentido de reforçar, por um lado, o papel da avaliação somativa interna, ou seja, daquilo que é o trabalho das escolas no que respeita à avaliação dos seus alunos, como, aliás, também já foi aqui referido pela Sr.ª Deputada Cecília Honório, e, por outro, e em simultâneo, o papel da avaliação externa. Por isso, ontem mesmo, foi publicado um despacho que generaliza a aplicação das provas de aferição aos alunos dos 4.º e 6.º anos de escolaridade, despacho este que não sei se não terá passado despercebido ao Grupo Parlamentar do PSD, mas para o qual, de qualquer modo, chamo a atenção, dado que foi o anterior governo do PSD que várias vezes disse querer proceder à generalização das provas de aferição,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não é isso que está em causa!
O Orador: — … embora, esse mesmo governo tivesse suspendido a generalização e mandado aplicá-la exclusivamente a um quarto dos alunos, decisão essa que, neste momento, tivemos de inverter, generalizando novamente a todos os alunos dos 4.º e 9.º anos as provas de aferição.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Isso não são exames nacionais!
O Orador: — São provas externas, Sr. Deputado! Gostaria também de dizer ao Sr. Deputado Pedro Duarte, em resposta à sua questão, que há realmente uma portaria que cria a aplicação da TLEBES, mas essa portaria está assinada por uma ministra que, pelo menos ocasionalmente, o Sr. Deputado terá encontrado em Conselho de Ministros, porque faziam parte do mesmo governo. Ora, foi essa ministra que assinou a portaria que aprovou a TLEBES e que a pôs à experiência nas escolas portuguesas.
Aplausos do PS.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — E quem é que generalizou?!
O Orador: — Era bom que o Sr. Deputado assumisse essa quota de responsabilidade, que nós assumimos a nossa: a de ter de suspendê-la.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Assuma!
O Orador: — Sr. Deputado João Oliveira, a sua preocupação de que o ensino não deve servir exclusivamente para treinar os alunos para os exames é uma preocupação de que o Governo tem dado provas — aliás, algumas das medidas hoje aqui apresentadas têm em vista exactamente isso mesmo. Por isso, comungamos certamente dessa mesma preocupação. Pode é acontecer que nem todos dentro desta Casa comunguem dessa preocupação, pois há alguns Srs. Deputados que parece estarem mais preocupados com o treino dos alunos para os exames do que com o que os alunos efectivamente aprendem.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Por amor de Deus!
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Uma coisa nada tem a ver com a outra!
O Orador: — É fundamental ter a ideia de que os professores estão nas escolas para ensinar os alunos e não para os treinar para os exames — sobre isso estamos de acordo. Mas também lhe digo, Sr. Deputado, que relativamente à sua afirmação de que se pretende promover a reprovação dos alunos não vejo, de modo algum, como é que isso pode ser inferido das medidas tomadas pelo Governo. Aliás, penso que, sobre essa matéria, o Sr. Deputado deveria discutir mais com a bancada do PSD do que com o Governo.
Sr.ª Deputada Cecília Honório, quanto à questão relacionada com a necessidade de promover a melhoria dos resultados, gostaria de dizer-lhe que a mesma está patente em todas as medidas que o Ministério tomou no que respeita não só à avaliação como à organização das escolas.
Aliás, já que a Sr.ª Deputada citou a questão do Plano de Acção para a Matemática, devo dizer-lhe que
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é um pouco contraditório nos argumentos achar que essa medida é correcta e, portanto, que, tendo havido 60% de notas negativas nos exames de Matemática, o Governo fez bem em apresentar esse Plano de Acção, em devolver às escolas essa preocupação e em pedir às escolas que utilizassem estratégias de melhoria, em vez de o Governo tomar decisões centralistas de alteração da carga horária ou outras decisões. É que não se consegue perceber como é possível criar uma hierarquia das disciplinas, como pareceu estar implícito na intervenção da Sr.ª Deputada, estabelecendo que as disciplinas que tivessem exame eram mais importantes e as que não tivessem eram menos importantes, e acusando o Governo de, por isso mesmo, estar a sobrevalorizar as disciplinas de Português e Matemática, porque têm exame, e não as outras disciplinas, por não terem exame, e simultaneamente utilizar o argumento contraditório, que é o de dizer que, face aos resultados da Matemática, o Governo ainda deveria ter reforçado, pela via administrativa, o número de horas dessa disciplina.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Não foi nada disso!
O Orador: — A questão central está em concluirmos se o objectivo final é tentar que os resultados dos alunos melhorem porque eles aprendem mais ou tentar que os resultados dos alunos melhorem por outra razão qualquer que não tenha a ver com as suas aprendizagens directas.
As medidas que o Governo tomou, das quais faz parte esta relativa às provas globais, têm exactamente em vista conseguir que os resultados melhorem porque os alunos aprenderam mais e não que os resultados melhorem por qualquer outra medida administrativa, levada a cabo pelo Governo, quer sobre o currículo, quer sobre os professores, quer sobre a natureza das provas, que é, pelos vistos, aquilo que o PSD proporia.
Não quero terminar sem referir que, curiosamente, o PSD, que tem tido o cuidado de estar sempre de acordo com as críticas que são feitas ao Ministério da Educação, designadamente pelos professores, e mais concretamente pelo sindicato dos professores, neste caso pareceu ter uma posição contrária, porque todas as reacções que recebemos dos professores e das escolas são positivas no que respeita a esta medida de eliminação da obrigatoriedade das provas globais.
Aplausos do PS.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Temos as nossas posições! Não andamos a reboque de ninguém!
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à segunda volta do debate.
Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Júlia Caré.
A Sr.ª Maria Júlia Caré (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: «Superar o atraso educativo português face aos padrões europeus, integrar todas as crianças e jovens na escola, proporcionando-lhes um ambiente de aprendizagem motivador, e melhorar progressivamente os resultados, fazendo subir o nível de formação e qualificação das jovens gerações, constitui urgência nacional e imperativo governativo, tendentes ao desenvolvimento pessoal e cívico de cada um, à promoção da ciência, da cultura e da coesão social» — acabei de citar o Programa do Governo.
Quando falamos do 9.º ano de escolaridade, referimo-nos à escolaridade básica universal obrigatória, à escola para todos, independentemente de classes sociais, capacidades intelectuais ou aspirações parentais, a que todos têm direito. Um direito não só de matrícula e frequência, mas, acima de tudo, um direito ao sucesso educativo. Um direito que é também uma marca civilizacional que não se compadece com acusações efémeras de elitismos, facilitismos, laxismos e outros «ismos».
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Bem dito!
A Oradora: — O nosso país evidencia taxas de incumprimento da escolaridade obrigatória que não se coadunam com a nossa pertença europeia. O insucesso e o abandono escolares são preocupantes. A escola portuguesa ainda não é para todos. Donde, há que procurar soluções, palmilhar outros caminhos, questionar orientações, desde o texto legislativo às práticas pedagógicas: o papel da escola hoje, as aspirações da população que a frequenta, os currículos que oferece, os conteúdos que lecciona, a sua organização, o modo como acolhe as exigências que a sociedade lhe coloca, as respostas que consegue dar, face à imensa diversidade de que se constitui.
Os tempos são de exigência, de rigor, de qualidade cultural, educativa e democrática, mas as escolas são o centro do sistema educativo, um todo fragmentário…
O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Muito bem!
A Oradora: — … desigual, assimétrico e diferente, mas também cada escola representa um microcosmos de competência educativa capaz de entender e de abraçar desafios. Demos-lhes os remos para tal!
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Pretende-se que sejam as escolas a decidir se fazem ou não provas globais — como em 2003, com as provas globais do ensino secundário —, como sinal de confiança na escola.
Vozes do PS: — Já se tinham esquecido!
A Oradora: — Mas será que todos confiamos nas capacidades pedagógicas da escola? Confiamos ou não nas escolas e na competência, saber e responsabilidade dos professores para ensinar e avaliar com rigor as nossas crianças e jovens? Confiamos ou não nas suas capacidades de planificar, orientar, executar, avaliar, corrigir, melhorar? De promover a qualidade dos saberes e a excelência académica para todos? Será que rigor, qualidade e exigência só se consegue com provas globais? Queremos ou não autonomia para as nossas escolas? Reconhecemos-lhes competência para decidir em matérias pedagógicas — e a avaliação é-o — ou queremos continuar a tradição centralista de que tantos acusam outros tantos? Não estaremos presos numa teia de equívocos e de contradições?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Antunes.
O Sr. Fernando Antunes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, a verdade custa, mas tem de ser dita, e hoje aqui repetida, porque, pelos vistos, o Governo tem dificuldade em entender.
O que está em causa neste debate é um alerta ao Governo e ao País sobre mais este degrau que o Governo desce a caminho da desresponsabilização da escola e principalmente dos alunos e das famílias.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!
O Orador: — O Governo, em vez de subir um degrau, desce-o, infelizmente para piorar a já tão depauperada qualidade do ensino em Portugal.
V. Ex.ª, o Governo, ou o Primeiro-Ministro vão estar um dia destes no alto da tribuna a cantar louvaminhas a uma qualquer estatística que melhora o sucesso escolar no 9.º ano! É possível que as estatísticas apareçam, mas elas não falarão verdade, e pelo caminho do facilitismo que os senhores querem trilhar os alunos cada vez saberão menos ler, escrever, raciocinar ou apreender os ensinamentos que a vida lhes exige.
É lamentável que, no fim de um ciclo, que é o 9.º ano e último do ensino obrigatório, V. Ex.ª contribua para aumentar o fosso enorme que é a dificuldade dos alunos que acedem ao 10.º ano, que por si só já é um salto difícil, pior ainda quando para tal não estão preparados!
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Esta tendência socialista, para ter sucesso, privilegiando passagens administrativas pela via do facilitismo na transição de ano, é uma irresponsabilidade do Governo, que sacrifica o futuro de gerações de jovens que amanhã vão competir no amplo mercado europeu com muito maiores dificuldades de êxito, porque a sua base pedagógica, que é adquirida no ensino básico e que lhe foi ministrada pela escola pública, não teve quaisquer critérios de exigência ou de responsabilização.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Quando devíamos evoluir naturalmente — estou certo que é isso que deseja a opinião pública portuguesa, onde incluo alunos, professores e pais — para que em relação aos 4.º e 6.º anos pudéssemos evoluir para instrumentos de avaliação individual, V. Ex.ª acaba com as provas globais no 9.º ano. Vamos ver se esta veia facilitista não vai condicionar, pelo fácil, o grau de exigência e de qualidade que devem ter os exames do 9.º ano.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Já nada nos admiraria, tal é a tendência do Ministério da Educação em transformar em aferição tudo o que ainda hoje significa um pouco de exigência.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!
O Orador: — E todos sabemos que as provas de aferição nada interferem no processo de transição do aluno, não sendo, portanto, um motivador de vontades, que ajuda alunos e professores na caminhada para
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o sucesso escolar.
É curioso analisar o modo exigente, duro e aqui e ali injusto, porque autocrático, como V. Ex.ª tratou os professores nos últimos dois anos. Eles foram para a Sr.ª Ministra os «bombos da festa» para tudo o que de mal havia no ensino em Portugal.
Será que está a tentar agradar-lhes agora, libertando-os da teia burocrática de provas e exames que naturalmente dão muito trabalho? Se assim é, estão o Governo e V. Ex.ª a errar mais uma vez!
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Sr.ª Ministra, os professores clamam não por facilitismo, mas pela dignificação do seu papel importante no processo educativo.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Exactamente!
O Orador: — Mais ninguém do que os professores querem receber alunos preparados e dá-los igualmente preparados ao colega do ano seguinte. A verdade é que muitos deles se confessam diariamente impotentes face à total impreparação dos alunos.
As provas globais e os exames são uma ajuda, já que eles sentem necessidade de instrumentos de exigência que ajudem os alunos à motivação, à auto-estima e ao alcançar de metas e objectivos.
Por isso, denunciamos aqui, veementemente, o que consideramos ser mais um erro clamoroso do Governo, que mistura a sua habitual arrogância com a cultura do fácil, o que no presente caso não é menos grave.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.
O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Educação, ouvi-o com atenção, mas V. Ex.ª acabou por não responder a nenhuma das questões que há pouco lhe coloquei, o que só revela que ou para elas não tem respostas ou que este despacho foi feito sem a devida reflexão que se exigia para o caso.
De 2004 para 2005 a taxa de insucesso no 9.º ano subiu de 12,5% para 19,9%, cerca de 7,5%. Ora, isto deveria merecer, por parte do Ministério, uma atitude diferente daquela que prevê o Despacho n.º 5/2007.
O Ministério da Educação deveria preocupar-se e verificar o que está a correr menos bem e não acabar com esta exigência. Esta exigência é uma forma de os alunos se motivarem mais. No final, não havendo qualquer tipo de escrutínio relativamente à qualidade, nem à forma como as aulas são dadas, o que se reflecte depois nas avaliações, ainda que em provas meramente de avaliação global, o Ministério acaba por dizer: «Acabe-se com elas!».
Esta situação preocupa-nos porque estamos num processo cada vez mais globalizado. Verificamos — e hoje isso já aqui foi dito — que alunos portugueses são desrespeitados na forma como fazem os exames e vão estudar para o estrangeiro levando consigo muita da massa crítica que deveria cá ficar. Temos situações de escolas que estão num completo abandono em termos de acompanhamento e que agora o que ouvem da parte do Ministério é que se preparem para serem encerradas. É o que se está a passar em várias escolas do distrito de Viana do Castelo, sobre o que já questionámos a Sr.ª Ministra, mas sobre isso ainda nada sabemos, ainda nada ouvimos por parte dos responsáveis.
Aliás, gostaríamos de ter ouvido, no Parlamento e na Comissão, a Sr.ª Ministra dizer alguma coisa sobre o famoso inquérito elaborado juntamente com o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), mas o Partido Socialista não deixa. A Sr.ª Ministra, com certeza, bem gostaria de nos dar explicações, mas o PS chumbou um requerimento nosso nesse sentido.
O Sr. Secretário de Estado da Educação também referiu que nenhum dos sindicatos está de acordo com a realização das provas. Não me compete a mim defendê-la, mas não me parece ser o caso da FENPROF, que diz ser inaceitável acabar com as provas globais. Repito que não me compete a mim defender os sindicatos, se bem que não tenha nada contra eles, antes pelo contrário, como bem se compreenderá.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — Sr.ª Ministra, já agora, explique-nos porque é que consideram uma perda de tempo as provas globais no 9.º ano e agora vão aplicar o mesmo sistema aos 4.º e 6.º anos. Porque é que não se faz a mesma coisa para o 9.º ano?
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Já se faz!
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O Orador: — A Português e a Matemática, Sr. Ministro! E o resto? Não tem importância o resto? As outras disciplinas não têm importância? Até as disciplinas das novas tecnologias já não têm importância nenhuma? Gostávamos de saber porquê!
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, julgo que PSD e PS estão aqui em sintonia na análise de uma premissa que é falsa: a de que as escolas têm todas as mesmas condições, que os estudantes estão todos sujeitos às mesmas condições e que, portanto, todos podem ser avaliados pelas mesmas bitolas, sem ter em conta que, às vezes, estudantes de uma escola que fica a escassos metros de outra estão perante condições radicalmente diferentes.
Neste engano laboram ambos militantemente! Pela intervenção da Sr.ª Ministra os objectivos do fim da obrigatoriedade das provas globais ficaram bem claros: são os de substitui-las por algo que venha, isso sim, provocar a reprovação dos estudantes. A Sr.ª Ministra afirmou, escandalizada, que «As provas globais nunca contribuíram para chumbar qualquer estudante. Ora isto não pode continuar assim, temos de introduzir algum mecanismo que venha reprovar os estudantes.» Foi esta a filosofia subjacente à sua intervenção.
Estes objectivos são, pois, claros: promover, uma vez mais, a competição e o individualismo em vez da cooperação entre os estudantes, entre as escolas, entre os professores; acentuar a elitização do ensino, porque aqueles que têm os meios para pagar a quem os treina para os exames terão bons resultados e aqueles que não têm não os terão; descredibilizar a avaliação feita nas escolas e, por consequência, descredibilizar os professores, dizendo que não têm capacidade para analisar os estudantes; têm de ser provas que não podem ser feitas na escolas, mas numa superestrutura que vai avaliar todos da mesma forma, ignorando as diferenças entre escolas, entre as condições dos estudantes, etc.
Portanto, para o Governo, do lado dos professores está o facilitismo, o desleixo, poucos chumbos, desadequação. Do lado do Governo está o rigor! Para os senhores, temos de tirar às escolas a capacidade de avaliar e de a colocar nas mãos do Governo! Sr.ª Ministra, a pergunta que lhe quero colocar — já aqui foi formulada, mas não foi respondida — é a seguinte: na sequência da sua intervenção resulta claro que haverá outra medida a tomar no sentido de agravar, de reprovar. Qual é essa medida, Sr.ª Ministra? Vai generalizar, então, os exames nacionais, ou não? Por último, Sr. Presidente, o despacho, também já aqui referido, que vem dar lugar à realização de provas de aferição nos 4.º e 6.º anos, deixa-nos muitas reservas, embora por motivos diferentes daqueles que preocupam o Partido Social Democrata. Está o Governo a pensar utilizar esses resultados para justificar o encerramento das escolas à luz da análise das médias e do aproveitamento escolar abaixo da média nacional, como aliás, foi apontado como um critério pelo próprio Governo?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Boa pergunta!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, vou tentar simplificar as perguntas na esperança de que o Sr. Secretário de Estado me possa ouvir e, eventualmente, responder, dado que fez alguns círculos à volta de questões que eram, aliás, bastante concretas.
A taxa de retenção e desistência em 2004-2005, em Portugal, foi de 20,3%. Sr. Secretário de Estado, quando é que apresenta a taxa relativa ao ano lectivo transacto e, em função dela, como é que faz a avaliação do modelo de avaliação que tem vindo a ser implementado até ao presente? A segunda questão tem que ver com a avaliação aferida nos 4.º e 6.º anos. Há algum propósito de estabelecer rankings a partir daqui? Terceira questão: tendo em conta as suas declarações à imprensa, há possibilidade de generalizar os exames às outras disciplinas do 3.º ciclo? Como não respondeu a esta questão, assume-se que o Ministério da Educação considera que o Português e a Matemática são as disciplinas do currículo do 3.º ciclo.
Finalmente, quanto aos exames do 12.º ano, no final do próximo ano lectivo a situação vai ser a seguinte: vamos ter alunos de programas antigos e novos a fazerem exactamente a mesma prova de exame.
Vamos, por exemplo, ter alunos no 12.º ano que se quiserem utilizar a Psicologia como disciplina de acesso ao ensino superior terão de fazer exame de um programa diferente. Vamos, por exemplo, ter alunos que tiveram Biologia Humana que se quiserem utilizar a Biologia como disciplina de acesso ao ensino superior vão ter de fazer o exame de um programa diferente. Já para não falar da extinção da Filosofia no 12.º ano — os senhores estabeleceram uma comissão liquidatária —, acabando com a oferta das escolas e com o
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exame, com todas as sequelas dramáticas que isso tem para o ensino secundário.
Volto, pois, à mesma pergunta que tinha colocado há pouco: em matéria de avaliação dos alunos e do sistema, não estamos, efectivamente, a falar da táctica da «serpentina», em mandar para o ar para ver quais são os efeitos no fim? É que, provavelmente em Julho, relativamente aos exames do 12.º ano, estará cá depois o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares a defender a Sr.ª Ministra da Educação.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Educação!
A Sr.ª Ministra da Educação: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, registo as contradições e as diferentes visões manifestadas perante a matéria que aqui nos trouxe, das provas globais, mas também perante aquilo que é a política educativa. Registo a contradição manifestada no que respeita ao entendimento do que é a avaliação externa e do que são as provas globais ou as provas de aferição.
O PSD diz que não generalizou as provas de aferição porque elas não tinham qualquer efeito na avaliação dos alunos, na possibilidade de transição ou não, e que, por essa razão, quase as anularam, mas que, todavia, as provas globais, que também não têm consequências nos resultados dos alunos, deviam ser mantidas porque têm um valor simbólico.
Devo dizer-lhe que, valor simbólico por valor simbólico, prefiro as provas externas, prefiro provas universais e não locais. Essas, sim, podem dar alguma garantia de maior rigor e exigência.
Aplausos do PS.
Sobre os exames, também registo uma visão diferente e algumas contradições.
O PCP é contra os exames; nós defendemos a realização de exames, mantendo o maior peso relativo da avaliação contínua interna, para que possam ser consideradas as diferentes condições de partida do aluno.
Registamos igualmente que é o exame que confere importância às disciplinas.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Não, não!
A Oradora: — Devo dizer que rejeito esta visão. Os exames são essencialmente provas, instrumentos de avaliação externa de alunos, de escolas, de professores, de currículos e de políticas educativas. É esta a sua função global no sistema, devem ser mantidos, aperfeiçoados, melhorados, mas não conferem nenhum estatuto particular a qualquer disciplina.
A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Claro!
A Oradora: — Registo também, com agrado, que o Sr. Deputado Pedro Duarte tenha assinalado que o PSD e o Governo têm diferentes visões para a política educativa.
O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Ainda bem!
A Oradora: — Temos, de facto, visões muito diferentes para a política educativa.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Ainda bem!
A Orador: — Temos uma política de educação orientada para os alunos e para as famílias. E relembro tudo o que foi feito, deixando a interrogação sobre se continua a considerar que é facilitismo a colocação plurianual de professores, que permitiu a estabilidade dos professores, das escolas e dos alunos;…
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Está a fugir à questão!
A Oradora: — … a revisão do estatuto dos professores, que permite maior rigor e exigência nas condições de avaliação e de progressão; o alargamento das actividades curriculares nas escolas; as aulas de substituição e a ocupação plena dos tempos escolares, com o reforço do tempo de trabalho e de tarefa nas escolas;…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sem meios e sem sítio para trabalharem!
A Oradora: — … as refeições escolares; os cursos profissionais; os cursos de educação/formação; e a avaliação das escolas.
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É uma política de educação orientada para os alunos e para as famílias.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Oradora: — Uma política de educação com resultados.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Quais?!
A Oradora: — Pela primeira vez registamos um aumento no número de alunos inscritos: mais de 20 000 alunos em risco de abandono do sistema educativo sem conclusão, sequer, do ensino básico.
Sr. Deputado, esta é a resposta que temos para o insucesso. Criámos verdadeiras alternativas para que os alunos possam concluir com êxito a sua escolaridade (com mais de 20 000 alunos inscritos nos cursos de educação, repito) e aumentámos mais de 100% o número de alunos nos cursos profissionais.
Uma medida de combate ao insucesso escolar no ensino secundário e uma medida de combate ao insucesso no geral.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Está a fugir à questão!
A Oradora: — Trata-se, portanto, de uma política educativa orientada para os resultados e que permite obtê-los com relativa rapidez e eficiência. Este Governo tem uma maneira de fazer política bastante diferente da do PSD.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Oradora: — Uma política também orientada pela exigência e pelo rigor na avaliação, dando prioridade às provas externas. Esta é uma diferença fundamental: as provas não têm um valor simbólico mas, sim, efectivo, isto é, são instrumentos efectivos de avaliação de alunos, de currículos, de professores e de escolas.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Acabam com elas!
A Oradora: — E têm de ser retiradas todas as consequências das provas externas.
Valorizamos provas de aferição universalizadas (no governo do PSD elas eram apenas realizadas a uma amostra), com resultados individualizados (o que também não acontecia com o anterior governo), e provas de exame no 9.º ano de escolaridade a Português e a Matemática, contando 30% nos resultados dos alunos, quando no governo do PSD estava previsto que contassem apenas 25%, não permitindo qualquer efeito concreto nos resultados dos alunos.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Aí está a exigência!…
A Oradora: — Há uma grande mudança política e uma enorme diferença de visão — há, de facto. Queremos uma avaliação, uma avaliação externa, rigorosa, exigente e de todos! Repito: dos alunos, do currículo, dos professores e das escolas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos à fase de encerramento do debate.
Para intervir em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A frase do debate, na minha modesta opinião, pertence ao Sr. Deputado Fernando Antunes, quando começou a sua intervenção a dizer «a verdade custa, mas tem de ser dita». Vamos, então, à verdade.
A verdade é que, em 2003, o Ministro da Educação do governo do PSD…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Lá vem a cassete!
O Orador: — … acabou com as provas globais no ensino secundário. E não consta no registo que o PS tenha pedido um debate de urgência para contestar essa medida. O que explica a diferença de opinião do PSD? A profunda contradição e o oportunismo político em que o PSD está mergulhado!
Aplausos do PS.
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O mesmíssimo PSD que acabou com as provas globais no ensino secundário vem agora protestar por acabar a obrigatoriedade das provas globais no ensino básico. E porquê?! As razões são as mesmas: as provas globais desorganizam a actividade das escolas; as provas globais não têm efeito útil real na progressão dos alunos, seja para reprovarem seja para transitarem de ano;…
Vozes do PCP e do BE: — Ahhh!
O Orador: — … as provas globais não permitem qualquer efeito de comparação, visto que não são provas externas; e das provas globais não se recolhia nenhuma informação genérica sobre o sistema nacional no seu conjunto, visto que os resultados globais nacionais não eram publicados.
Portanto, primeira enorme contradição do PSD: no governo acabou com as provas globais no ensino secundário, na oposição está contra o fim da obrigatoriedade das provas globais no ensino básico.
Vozes do PSD: — Mas havia exames!
O Orador: — A segunda verdade — sei que custa, o Sr. Deputado Fernando Antunes tinha toda a razão, mas tem de ser dita! — tem a ver com o registo do PSD em matéria de provas de aferição.
Quando o PSD chegou ao governo havia provas de aferição universais para alunos dos 4.º e 6.º anos e, na lógica de desenvolvimento dessas provas, cabia ao novo governo, do PSD e do CDS, aplicar provas globais universais no 9.º ano. O que é que fez esse governo? Não só não aplicou as provas globais universais no 9.º ano como remeteu as provas de aferição dos 4.º e 6.º anos ao estatuto de provas por mera amostragem, e demorou dois anos a publicar os resultados das provas entretanto realizadas!
A Sr.ª Manuela Melo (PS): — Bem lembrado!
O Orador: — O que é que o PSD fez no governo? Quis acabar com as provas de aferição. Isto é, quis acabar com esse instrumento de prova externa que permite informação tratável e com consequências para a análise do currículo nacional e do sistema educativo como um todo.
Por que é que o PSD o fez? Porque, na prática, não só não desenvolveu o esforço que vinha sendo feito como regrediu nesse caminho.
A terceira verdade, que custa mas tem de ser dita, tem a ver com o registo do PSD em matéria de exames nacionais: foi um ministro, uma ministra do PSD, num governo do PSD e do CDS, que aprovou o despacho normativo ou a portaria — já não me lembro qual foi o instrumento legislativo — que definiu os exames nacionais de Português e Matemática no 9.º ano, mas a fingir, de faz-de-conta, porque os resultados desses exames só podiam contar em 25% para a classificação dos alunos. Isto é, qualquer aluno com classificação interna de 3, numa escala de 1 a 5, por definição, realizado o exame, tinha a sua aprovação garantida! Era um exame, mas era um exame de faz-de-conta! O que é que acontece agora? Claro que a avaliação interna continua a ter, ainda, um peso preponderante, como deve ser, mas o exame deixou de ser de faz-de-conta. Como o resultado do exame conta em 30% para a classificação, os nossos alunos e as nossas famílias sabem que as provas de exame a Português e a Matemática no 9.º ano são provas para levar a sério. E os nossos professores e as nossas escolas também sabem.
Bem sei que a esquerda preferia que houvesse redução administrativa, de preferência por decreto, do insucesso escolar.
Protestos do PCP.
Nós acreditamos na redução, melhorando a qualidade da aprendizagem e do trabalho das escolas.
Quarta verdade, que custa, mas tem de ser dita ao PSD, que sugeriu este debate: o registo do PSD em matéria de avaliação.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Olhe para o futuro!
O Orador: — Sei que custa, mas tem de ouvir! A avaliação integrada das escolas estava em curso e era da responsabilidade da Inspecção-Geral da Educação. O que é que fez o PSD? Liquidou esse programa. Fez aprovar uma lei da avaliação aqui, na Assembleia da República, que nunca, sequer, regulamentou! Quem está a fazer, outra vez, a avaliação das escolas é este Governo!
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Ninguém vê nada!
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O Orador: — O que é que aconteceu ao País? Entretanto, perdeu três anos, esses três anos que perdeu em tantos domínios com o vosso governo.
Quinta verdade, que custa mas tem de ser dita: quando os Srs. Deputados do PSD falam sobre política de educação, falam com uma duplicidade que choca. À segunda-feira, são a favor da exigência, mas à terça-feira são contra a revisão do estatuto da carreira docente com as novas obrigações de exigência na avaliação do desempenho;…
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Ninguém disse isso!
O Orador: — … à quarta-feira, os Srs. Deputados são a favor do rigor, mas à quinta-feira já acham que o que o Governo tem feito, do ponto de vista de fazer trabalhar mais e melhor as escolas, é um ataque despudorado aos professores; à sexta-feira, os Srs. Deputados do PSD voltam a ser, outra vez, a favor da excelência, mas ao sábado só sabem «chorar sobre o leite derramado».
E o «leite derramado» é este: quando estavam no governo, os Srs. Deputados do PSD e do CDS montaram um sistema de fingimento, com provas globais no básico (que liquidaram no ensino secundário), mas sem qualquer efeito na progressão dos alunos; com provas de aferição por amostragem e com resultados escondidos, sem qualquer efeito na avaliação das escolas e do currículo; e com exames nacionais, mas a fingir!
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — E os senhores acabaram com as provas globais!
O Orador: — O que acabou com este Governo foi, justamente, o fingimento em matéria de política educativa e o que continua, nessa oposição, é o oportunismo político, puro e simples.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, devo dizer que é sempre um gosto verificar que não há debate em que não tenha de intervir. Mas há uma matéria na qual se deveria abster de intervir, que é a matéria da educação e da cultura.
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Até vou lembrar-lhe o que disse aqui, nesta Câmara, ao PCP, no dia 23 de Fevereiro de 2001: «Se o PCP apoia as reivindicações expressas nas lutas que no dia 8 de Fevereiro…» — manifestações estudantis — «… e anteriormente foram feitas, devo deduzir daí que o PCP quer também a extinção de exames nacionais e a extinção das provas globais. Devo dizer ao PCP que não conte com este Ministro da Educação…» — que era V. Ex.ª — «… para isso, para extinguir exames, para eliminar administrativamente numerus clausus, para extinguir provas globais».
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Tem memória curta!
O Orador: — O Sr. Ministro gosta muito de recordar os governos do PSD, mas eu tenho que lembrar a «carreira» governamental do Sr. Ministro. O que é que o Sr. Ministro fez como Ministro da Educação?
Vozes do PSD: — Oh!
O Orador: — Nada! Quanto a isto, o Sr. Ministro devia ter alguma cautela.
Vozes do PSD: — Era sempre «domingo»!…
O Orador: — Tanto o Sr. Ministro como o Sr. Secretário de Estado, a dada altura, quiseram dizer que a posição do Governo seria boa porque o BE e o PCP pensam de uma maneira e nós de outra. Ora, o que acontece é o seguinte: qualquer pessoa que saiba um mínimo de pedagogia — o que nem sempre parece ser o caso desta equipa governamental —, sabe que há, realmente, dois modelos. Se o modelo do PCP ou do BE fosse seguido coerentemente, sem esse tipo de exames e de provas, era capaz de ter alguma eficácia; e se o nosso modelo, o modelo de exame, fosse seguido coerentemente, também ele desempenharia um papel eficaz . Mas aqueles que não sabem que modelo seguir e que, nesta Assembleia, quando lhes é feita, quatro vezes, a pergunta sobre se as provas globais extintas vão ser transformadas em exames ou
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não, não dão uma resposta — quatro vezes! —, não sabem se vão ou não fazer exames!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Ministra da Educação não o soube dizer, o Sr. Secretário de Estado da Educação não o soube dizer e o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares também não, porque os senhores não sabem o que querem! Mais: não têm modelo algum para a educação.
E digo-lhe mais: o Sr. Ministro disse que, ao menos na avaliação dos professores, tinham um modelo.
Disso já toda a gente deu conta, mas o problema é que é necessário um modelo para a avaliação dos alunos.
Sr. Ministro, acreditamos verdadeiramente que fazer provas globais treina os alunos. E sobre as provas globais no secundário, digo-lhe o seguinte: não só já havia exames no secundário como ainda foram criados mais exames no secundário, em substituição das provas globais.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Não, não!
O Orador: — Mas mais lhe digo, Sr. Ministro: de facto, as provas globais no secundário têm menos sentido do que terão se existirem ao longo do ensino básico, visto que o seu objectivo é justamente o de treinar o aluno para um conhecimento global e completo da matéria. Qualquer pai ou mãe que esteja em casa percebe isto e sabe muito bem o significado que tem um aluno chegar ao fim do ano e ter de fazer uma prova com a globalidade da matéria. Qualquer pai ou mãe sabe que isso é bom para o treinar e que é importante que isso tenha algum valor, que pode muito bem não corresponder a 25%.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, contudo, faz sempre neste Plenário números maniqueístas.
O Ministro Santos Silva é o rei do maniqueísmo!
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Para si, há os bons e há os maus!
O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — E você é dos maus!
O Orador: — Mas nós não fazemos isso! Eu, por exemplo, considero uma boa medida a generalização das provas de aferição, que há pouco referiu. Gostava que se fosse mais longe, mas entendo que a Sr.ª Ministra ou o Sr. Secretário de Estado cheguem aqui e nos digam que têm de ir por passos. Que agora alteram a preponderância das provas globais de 25% para 30% ou para 40%, que estendem as provas de aferição de uma amostragem para a generalização e que talvez daqui a dois anos avancem para provas globais e daqui a quatro para exames.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Esteja descansado! Eles lá chegarão!
O Orador: — Se este fosse o caminho, se houvesse alguma ideia do caminho que se quer seguir em matéria de educação, Sr. Ministro, eu cá estaria para suportar isso, porque não tenho uma visão maniqueísta. Não penso, de forma maniqueísta, que o Governo é o diabo e que nós somos os anjos! Essa é a visão do Sr. Ministro! É a sua democracia, é o seu estatuto democrático, que passa por chegar aqui e dividir tudo sempre em dois! Mas a vida não se divide assim e por isso lhe digo agora, ainda relativamente a esta questão, que o Governo dá um sinal de «facilitismo» e cede ao mais fácil ao não querer que os alunos se treinem com provas globais, ao não levar esse modelo para o 4.º e para o 6.º anos e ao insistir nas provas de aferição. O Governo dá um sinal errado à sociedade e demonstra que não quer um sistema de ensino mais exigente.
Com isto respondo também a uma observação pertinente muitas vezes feita pelas bancadas à esquerda da do PS, referindo-se à eventual existência de desigualdade entre as escolas e afirmando que os exames fomentam essa desigualdade. Ora, o que se passa é exactamente o contrário! Uma escola pública exigente, já que desta tanto se fala, é aquela que mais favorece a ascensão das classes mais desfavorecidas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Uma escola pública laxista faz com que as diferenças socioculturais se reproduzam na escola. É uma escola exigente que faz com que os alunos que não têm ambiente económico e social em casa para terem um determinado estatuto cultural possam aprender. É por isso que somos a favor da exigência, dos exames, das provas globais e de todo o tipo de medidas que possam reforçar a qualificação do sistema de ensino. Dizemos não ao «facilitismo» que significa esta medida e ao retrocesso que vai ao arrepio do caminho que vinha a ser feito nos últimos anos.
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Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos agora passar à apreciação conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 120/X (PCP) e 350/X (PSD) — Alteram a Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, que «Define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica».
Para apresentar a iniciativa do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP apresenta hoje, para discussão, o projecto de lei n.º 120/X, que altera o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como à protecção sanitária e social das pessoas que manuseiam tais substâncias sem prescrição médica, por considerar que o caminho percorrido pelo Estado na vigência do actual regime constitui uma experiência que importa consolidar e aperfeiçoar.
Se, por um lado, durante o último governo do PSD e do CDS a lei foi remetida para o plano da inconsequência, alturas houve em que efectivamente impulsionou uma nova abordagem perante o consumo de substâncias psicotrópicas, perante o consumidor não toxicodependente e o toxicodependente. Foi pelas opções políticas, pela inactividade e pela incapacidade voluntária que o governo do PSD e do CDS não agiu como necessário, provocando o descrédito do regime legal que estabelece a descriminalização. PSD e CDS votaram contra a proposta de lei que deu origem ao actual regime.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Bem lembrado!
O Orador: — PSD e CDS sempre entenderam que a criminalização e a punição seriam a melhor das formas para tratar o problema do consumo de estupefacientes.
Não podemos, ainda assim, deixar de saudar esta iniciativa legislativa do PSD, que manifesta uma inesperada evolução no seu posicionamento político.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Uma evolução bem-vinda!
O Orador: — Registamos com agrado que mais um partido se juntou à posição que há muito temos vindo a defender — a da descriminalização do consumo de drogas e a do encaminhamento do toxicodependente para tratamento e para o acompanhamento. É mais uma demonstração de que este é, efectivamente, o caminho a seguir. O facto de um partido que sempre se posicionou contra este rumo assumir agora que esta é a orientação correcta demonstra bem o quão positivos foram os passos dados pela aplicação da lei.
O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Inegável avanço o que foi possibilitado pela lei da descriminalização, mesmo com o bloqueio do PSD e do CDS-PP.
O PCP considera que, no essencial, o actual enquadramento jurídico cumpre um papel fundamental e que dá um contributo decisivo para a ruptura com o paradigma da criminalização de comportamentos que carecem, não de pena, mas de encaminhamento e tratamento.
Claro que o actual regime, estabelecido na Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, apresenta, no entanto, as suas falhas. Sete anos após a aprovação desta lei – que estabelece a descriminalização –, estamos em condições de analisar as experiências e de agir para corrigir, aperfeiçoar, melhorar ou mudar onde se mostre necessário.
É exactamente neste sentido que apresentamos o presente projecto de lei.
O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Analisando a experiência que nasce com a actual lei e que se desenvolve diariamente em resultados, mas também no curso do trabalho de muitos profissionais que trabalham na área da toxicodependência ou do consumo de estupefacientes, o PCP identificou um conjunto de necessidades no actual quadro legal. Ainda durante a 1.ª sessão legislativa, o PCP levou a cabo uma audição sobre a matéria que hoje discutimos, onde reuniu diversos profissionais e especialistas, colhendo e integrando os seus contributos. É, portanto, um projecto de lei fundado na experiência e na discussão que serve de base ao que hoje discutimos.
O PCP reafirma o seu compromisso para com a descriminalização do consumo, não deixando de enquadrar o consumo e o seu regime legal, numa abordagem muito mais abrangente ao problema da toxicodependência no seu todo, do tráfico ao consumo, passando pela criminalidade associada a este fenómeno.
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — O PCP pensa que, após a desestruração e desestabilização provocadas pelo anterior governo, está na altura de reafirmar e potenciar as virtudes da lei da descriminalização. Um dos principais instrumentos para a aplicação dessa lei são as comissões para a dissuasão da toxicodependência, as CDT.
Estas comissões são um importante instrumento para a justa aplicação da lei e essenciais para a intervenção do Estado. Daí a sua importância vital, daí a importância da sua distribuição geográfica, das suas capacidades, dos seus meios e da sua relação orgânica com o Estado. A actual lei preconiza o funcionamento das CDT na dependência dos governos civis. O PCP propõe que passem a funcionar em articulação com o Instituto da Droga e da Toxicodependência, estrutura bastante mais dedicada e adequada a este problema, favorecendo uma acção integrada contra a toxicodependência.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Mas o PCP adianta também todo um outro conjunto de propostas nos quadros sancionatório, orgânico e processual. Destas, destacamos a possibilidade de o Ministério Público suspender o processo por posse de drogas para consumo próprio, mesmo quando as quantidades detidas são superiores ao equivalente a dez dias de consumo, remetendo o arguido à CDT para acompanhamento; a instituição de um novo regime de maior proactividade das CDT junto das autoridades policiais, administrativas e de saúde, com vista a tornar mais eficaz a sua intervenção; a definição do tribunal que tem jurisdição na zona de residência do indiciado como competente em matérias de recurso de decisão sancionatória; a possibilidade de o indiciado, durante os actos para juízo sobre a natureza e a circunstância do consumo, indicar um perito da sua confiança para acompanhar os exames médicos; o estabelecimento do prazo máximo de 45 dias para a decisão das CDT em qualquer processo; a criação de um novo regime de sanções, a aplicar pelas CDT, que exclui as coimas – ineficazes e contraproducentes em situações de simples consumo de drogas –
, substituindo-as, nos casos de menor gravidade, pela simples advertência.
O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Propomos ainda a possibilidade de a advertência ser acompanhada, em casos de maior gravidade, por qualquer uma das outras sanções actualmente previstas, a que se junta a prestação de serviços gratuitos a favor da comunidade; a consideração, na aplicação de sanções, da disponibilidade do indiciado para abandonar o consumo e para tratamento voluntário; a criação de um regime especial para o toxicodependente que recusar repetidamente o tratamento e apresentar sintomas de anomalia psíquica, possibilitando uma avaliação médica da sua capacidade de autodeterminação, podendo chegar a internamento; a possibilidade de as CDT proporem soluções de acompanhamento aos toxicodependentes em casos particulares, incluindo em meio prisional, em termos que garantam a dignidade do indivíduo, e o estabelecimento do dever de informação, por parte dos serviços de saúde, às CDT, no mínimo de dois em dois meses, sobre o andamento de cada tratamento.
Estas são apenas algumas das inovações que o PCP propõe para que a presente lei possa ser reforçada, promovendo a sua operacionalidade e o seu ajustamento à realidade. São apenas algumas das propostas que hoje o PCP traz a esta Assembleia, com o objectivo de aperfeiçoar uma lei, promovendo alterações onde se identificam as suas insuficiências ou incapacidades. São propostas que vão ao encontro do necessário progresso, não podendo ser rejeitadas numa altura em que estão criadas as condições políticas para que sejam dados passos em frente.
Embora, na verdade, o actual Governo não leve a cabo uma política estruturada e consequente na área da toxicodependência e embora continue uma tendência para a subvalorização da problemática do consumo de drogas, é tempo de o Partido Socialista e de este Governo assumirem também um compromisso para com a lei que eles próprios aprovaram em 2000.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Já assumimos!
O Orador: — É tempo de corrigir problemas que se arrastam, como a falta de nomeação dos presidentes das CDT, a falta de investimento na prevenção e a gradual e crescente privatização da componente do tratamento, entre outros. É importante que o Governo e o Partido Socialista mostrem que estão verdadeiramente empenhados com o rumo da descriminalização que todos começámos.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Todos não!
O Orador: — É esse rumo que urge consolidar, continuando na busca de respostas às questões colocadas. É nesse rumo que o PCP pretende avançar e é para o garantir no futuro que apresentamos hoje este projecto de lei.
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Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos interromper este debate para procedermos às votações regimentais agendadas para hoje.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.
Pausa.
Recordo aos Srs. Deputados que não puderem utilizar os meios electrónicos que deverão assinalar à Mesa a respectiva presença e, depois, deverão subscrever o registo de presenças junto dos serviços de apoio ao Plenário.
Pausa.
Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 198 presenças, às quais se somam 12 registadas pela Mesa, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Srs. Deputados, começamos por proceder à votação do voto n.º 86/X — De pesar pelo falecimento do dirigente do Partido Comunista Português Sérgio Vilarigues (PCP).
Tem a palavra o Sr. Secretário para proceder à respectiva leitura.
O Sr. Secretário (Jorge Machado): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é o seguinte:
Faleceu no passado dia 8 de Fevereiro, aos 92 anos de idade, Sérgio Vilarigues.
Sérgio Vilarigues foi um dos mais destacados dirigentes da história do PCP, com uma vida dedicada à luta dos trabalhadores e do seu Partido de sempre, pela liberdade, a democracia e o socialismo.
Sérgio Vilarigues, operário salsicheiro, aderiu à Federação das Juventudes Comunistas em 1932 e ao Partido Comunista Português em 1935.
Preso em 1934, passou pelas prisões de Peniche e Angra do Heroísmo antes de ser transferido, em 1936, para o Campo de Concentração do Tarrafal, de onde saiu em 1940.
Participante destacado na reorganização do PCP de 1940/1941, Sérgio Vilarigues passou à clandestinidade em 1942, onde se manteve ininterruptamente até Abril de 1974.
Foi membro do Comité Central do PCP desde 1943 e do seu Secretariado e Comissão Política desde 1947, funções em que se manteve até 1988.
Foi responsável por várias organizações e áreas de trabalho no PCP, como as organizações regionais do Algarve, do sul do Tejo, das Beiras, do Norte e de Lisboa. Teve responsabilidade directa pela imprensa clandestina do PCP durante 16 anos e pelas relações internacionais, área onde desempenhou tarefas de grande importância e significado histórico de que é exemplo a sua presença na proclamação da independência de Angola em 11 de Novembro de 1975.
Na sua condição de resistente antifascista e tarrafalista, participou recentemente, a convite do Governo de Cabo Verde, nas comemorações que assinalaram os 70 anos da abertura do Campo do Tarrafal, naquele que foi o seu último acto político de carácter público.
Sérgio Vilarigues foi um dos mais destacados exemplos da resistência ao fascismo, da luta pela liberdade, pela democracia e pelas transformações revolucionárias de Abril e um exemplo de relacionamento fraterno e profundamente humano, associado a uma inquebrantável combatividade e firmeza na luta política.
A Assembleia da República manifesta o seu mais profundo pesar pelo falecimento de Sérgio Vilarigues, endereçando à sua família e ao Partido Comunista Português sentidas condolências.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto que acabámos de apreciar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: — Peço à Câmara que respeite 1 minuto de silêncio em memória de Sérgio Vilarigues.
A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.
Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 9/X — Altera o Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, quanto aos resíduos de construção e demolição (Os Verdes).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.
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Vamos, agora, votar o projecto de lei n.º 205/X — Redução de embalagens e de resíduos de embalagens (Os Verdes).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes.
Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura de dois pareceres da Comissão de Ética.
A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, Processo n.º 511/2002, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Manuel Maria Carrilho (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 1.ª Secção da 8.ª Vara Cível de Lisboa, Processo n.º 5775/05.8-TVLSB, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Renato Sampaio (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos prosseguir a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 120/X, do PCP, e 350/X, do PSD.
Para apresentar o projecto de lei do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje duas iniciativas, uma do PCP e outra do PSD, ambas visando alterar a lei que define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
Esta discussão não surge neste momento por um mero acaso ou capricho de alguns, surge como a única resposta possível a um estilo de governação fértil em promessas e compromissos, mas estéril em obras e resultados. É o estilo PS!
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Senão, vejamos: Em Maio de 1999, depois de amplo debate, foi aprovada a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga; Mais de um ano depois, em Novembro de 2000, foi aprovada a lei definindo o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas; É quase dois anos depois de ter sido aprovada a Estratégia que, em Abril de 2001, foram, finalmente, publicados os diplomas que estabeleceram a organização e aprovaram o estatuto das comissões para a dissuasão da toxicodependência; Finalmente, em Junho de 2001, foram nomeadas as pessoas que integraram as direcções das CDT.
Ou seja, o PS e o seu governo de então demoraram mais de dois anos a criar os instrumentos que respondiam à Estratégia Nacional de Luta contra a Droga.
Como pouco depois o Partido Socialista fugiu às responsabilidades que tinha assumido perante os portugueses, foi o novo governo, liderado pelo PSD, que teve de lançar e acompanhar no terreno, a partir de 2002, a Estratégia e os instrumentos de combate ao flagelo da droga.
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS): — É preciso ter «lata»!
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O Orador: — No que respeita ao aspecto mais inovador da legislação — a dissuasão — foram, desde cedo, detectados alguns constrangimentos. Desde logo, o facto de as comissões terem composição colegial e não individual e o seu âmbito de intervenção ser o do distrito, independentemente da concentração de processos.
As comissões, compostas por pessoas muitas vezes nomeadas por critérios meramente partidários, não conseguiam, nuns casos, dar conta dos processos e, noutros, tinham um número insignificante de casos, chegando — pasme-se! — a um número recorde mínimo de três processos por mês.
Impunha-se, por conseguinte, reorganizar as comissões para a dissuasão da toxicodependência, tornando-as mais eficientes, e proceder a aperfeiçoamentos da Lei n.º 30/2000.
Então, o governo do PSD constituiu um grupo de trabalho, composto, entre outros, pelo actual Presidente do IDT, o qual elaborou um documento que continha importantes propostas de alteração ao modelo da dissuasão.
O Governo procedeu, ainda, à avaliação das políticas de combate à droga e toxicodependência, recorrendo, externamente, aos técnicos do INA e, internamente, aos técnicos do IDT, e deixou em fase de conclusão um novo Plano Nacional de Luta contra a Droga e a Toxicodependência.
Por tudo isto e pelo trabalho realizado no terreno, não surpreende que, em Dezembro de 2004, o actual Presidente do IDT afirmasse que, e cito, «Em termos globais, penso que a Estratégia cumpriu os seus objectivos e podemos dizer que estamos melhor do que há quatro anos». Ou seja, reconhecendo que os governos liderados pelo PSD tinham cumprido a sua missão no que respeita à concretização da Estratégia aprovada em 1999.
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS): — Que é do PS!
O Orador: — Mas, como recordarão VV. Ex.as
, a anterior legislatura foi abruptamente interrompida e o Partido Socialista regressou ao Governo.
No seu Programa, o actual Governo garantia que iria «relançar as comissões para a dissuasão da toxicodependência.»
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — E vai!
O Orador: — Mas perguntam VV. Ex.as
: o que é que aconteceu desde então? O que é que aconteceu nestes dois anos? Segundo o último relatório do IDT, em 2005 registaram-se 6260 contra-ordenações por consumo de drogas, o que representou um aumento de 17% face a 2004. Ou seja, o problema aumenta, o Estado é inoperante e o Governo está calado e não toma as medidas que os especialistas lhe recomendam. É verdade, Srs. Deputados! Até meados do ano passado, ou seja, durante mais de um ano, o actual Ministro da Saúde não disse uma única palavra sobre a política do Governo no combate à droga. Num requerimento ao Ministro da Saúde alertávamos para o agravamento dos problemas de funcionamento das CDT, algumas das quais estão, há longo tempo, sem quórum ou sem presidente, como sucede em Lisboa, Évora, Guarda, Faro, Bragança e Viseu, ou seja, em um terço dos distritos do Continente.
O caso de Lisboa é mesmo paradigmático: desde que a actual Deputada Antónia Almeida Santos abandonou o cargo de presidente da CDT de Lisboa, ainda não foi nomeado o seu sucessor e a Comissão está parada. Há dois anos, Sr.as e Srs. Deputados! Mas o que respondeu, então, o Governo ao referido requerimento, já lá vão quase oito meses? Reconheceu que «os problemas com o funcionamento das CDT iniciaram-se pouco depois da sua instalação» e disse, ainda, estar em preparação «o modelo de intervenção, eventuais alterações legislativas, de composição e distribuição geográfica.» Depois desta resposta, o que fez o Governo? Ao longo de oito meses, não tomou qualquer medida concreta que desse expressão às suas propaladas intenções de reorganizar as CDT.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — As propostas de alteração do modelo existem desde 2005, mas, ao longo destes dois anos, não se avançou rigorosamente nada. Aliás, foi, mais uma vez, o próprio Presidente do IDT que afirmou, ainda em 2005, que a descriminalização do consumo de drogas corria o risco de ficar descredibilizada, se o modelo de dissuasão não sofresse reajustamentos. Isto, repito, em 2005! É, pois, neste contexto — de total inacção governativa — que o PSD não podia deixar de oferecer o seu contributo a esta discussão, tanto mais que se nos afigura que o projecto de lei do PCP deixa por resolver alguns problemas.
É o caso do âmbito geográfico de intervenção das CDT, em que o projecto de lei comunista é tudo menos claro, limitando-se a sugerir que a sua responsabilidade territorial seja fixada de acordo com critérios de racionalidade. Como se estes critérios de racionalidade fossem um dos atributos positivos do actual
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Ministro da Saúde! É também o caso da composição das CDT, em que o PCP continua a apostar na lógica de «um presidente e dois vogais», permanecendo, assim, fiel a um modelo falhado e caduco.
Com o presente projecto de lei, o PSD pretende contribuir para o início do processo de alteração da Lei n.º 30/2000, aproveitando os úteis contributos produzidos pelo já referido grupo de trabalho, que, infelizmente, o actual Governo mantém na gaveta há mais de dois anos.
Propomos que a base das CDT seja, por regra, regional, muito embora, em alguns casos, essa base possa ter âmbito diferente, se o grau de concentração de processos assim o justificar. Consequentemente, devem as CDT deixar de estar vinculadas aos actuais governos civis.
Propomos que a direcção das CDT passe a ter composição singular, sem prejuízo da multidisciplinaridade da sua equipa técnica, única forma de dotar estas estruturas da exigível eficácia e operacionalidade no desempenho da sua missão legal.
Propomos, ainda, procedimentos tendentes a uniformizar os procedimentos das CDT. Entendemos que estas devem passar a ter também a possibilidade de intervir oficiosamente na identificação de indiciados e na apreensão de droga e pretendemos reforçar a sua operatividade.
Além disso, pretendemos também com este diploma abrir caminho para o tratamento de casos-limite em que se verifique anomalia psíquica do toxicodependente.
Finalmente, colocamos em discussão a possibilidade de alteração do regime da detenção de droga, desde que, bem entendido, esta se destine exclusivamente a consumo próprio.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que o PSD traz hoje a este Parlamento não é um ponto de chegada mas, antes, um ponto de partida.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Conhecemos bem o problema e sabemos das suas dificuldades. Porém, não nos conformamos e nisso somos diferentes do Partido Socialista.
Esperámos dois anos para que o Governo fizesse alguma coisa em matéria de dissuasão da toxicodependência, mas o Governo nada fez e, por isso, achará normal que um terço das comissões para a dissuasão da toxicodependência esteja sem funcionar.
Mas este é o momento em que, olhando para o futuro, de boa-fé, todos devemos fazer um esforço para encontrar soluções que melhorem a dissuasão do consumo de drogas e procurem salvar tantas vidas que se perdem por causa desse flagelo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A lei que os projectos apresentados pelo PCP e pelo PSD pretendem alterar vai fazer este ano sete anos. É, portanto, tempo mais do que suficiente para avaliarmos se cumpriu os seus objectivos, começando, exactamente, por recordar o que se pretendeu com a chamada Lei da Droga.
De forma sintética, os quatro pontos mais significativos, aqueles que mais marcaram a diferença relativamente ao quadro legal anterior e à estratégia política que então prevalecia quanto à problemática da toxicodependência, são os seguintes: primeiro, a distinção assumida entre o tráfico e o consumo, entre o traficante e o consumidor; segundo, a descriminalização do consumo; terceiro, o abandono de uma óptica exclusiva ou dominantemente punitiva, policial ou judicial e a sua substituição por uma abordagem orientada para a prevenção e o tratamento, mudança que o projecto de lei do PSD põe em causa e procura esbater ou reverter ao propor que o consumo seja sempre uma contra-ordenação com as respectivas sanções, ou seja, pode ser que seja verdade que o PSD avançou na sua posição, mas a posição que o PSD hoje aqui propõe é um recuo relativamente ao actual quadro legal;…
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Um recuo!?…
O Orador: — … quarto, a criação das comissões para a dissuasão da toxicodependência, traduzindo a opção por uma atitude apostada na dissuasão da procura e do consumo.
Em resumo, foram estas as mudanças de maior impacto. O seu sucesso, em grande parte, dependia do funcionamento e da capacidade demonstrada pelas CDT, mas dependia, também e fundamentalmente, de forma muito decisiva, da agilidade com que se relacionassem os diferentes organismos envolvidos, isto é, o IDT, os governos civis e as autoridades policiais e judiciais.
Como é fácil de ver — e na altura era de prever —, não se adivinhava fácil esse entendimento. E, na realidade, não foi nada fácil, comprometendo, entravando, burocratizando, dificultando o funcionamento das comissões de dissuasão.
Em 2005 — apenas para termos uma ideia —, mais de 49% dos processos que tinham sido abertos con-
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tinuavam pendentes, o que significava um aumento 76% relativamente ao ano anterior.
A lei mudou muito significativamente o panorama do combate e do tratamento da toxicodependência.
Mudou para melhor. Sem esta lei, estaríamos, Sr.as e Srs. Deputados, bastante pior. Mas muito melhor estaríamos se as comissões de dissuasão tivessem cumprido e alcançado as expectativas que rodearam a sua criação, o que, do nosso ponto de vista — e nisso estamos de acordo com os partidos proponentes —, não foi alcançado. E isso não se verificou por diversas razões, desde logo porque na sua existência e no seu funcionamento não foram suficientemente apoiadas. As estratégias de dissuasão foram esquecidas ou relegadas para segundo plano, muito especialmente pelo partido agora proponente no governo PSD/CDS.
Mas a esta e a outras razões conjunturais acrescentaram-se outras razões bem mais substantivas.
Enquanto as comissões de dissuasão forem exteriores ao IDT do ponto de vista logístico e, sobretudo, funcional vão continuar os problemas de ausência de articulação e de resposta integrada, condição absolutamente essencial para a dissuasão se traduzir na redução da procura e do consumo e no aumento do número de toxicodependentes em tratamento ou em programas de reinserção.
Nenhum dos projectos de lei aqui em discussão permite e garante que assim venha a ser, no caso de serem aprovado, porque, apesar das diferenças entre os projectos de lei do PSD e do PCP, ambos se centram demasiado em questões de natureza processual.
As comissões de dissuasão devem ser uma segunda linha nas estratégias de prevenção e a sua actividade não pode desligar-se dos restantes planos de intervenção do IDT. A lei deve atribuir claramente ao IDT competências e responsabilidades próprias na coordenação e funcionamento das comissões e, quando for caso disso, na definição e aplicação das próprias sanções.
Há ainda um outro aspecto que seria útil clarificar: cada vez mais se esbatem as fronteiras entre o tráfico e o consumo. Por um lado, os traficantes vão-se moldando, adaptando e evoluindo em função quer do progresso dos sistemas e dispositivos de segurança e de combate ao tráfico quer dos códigos legais em vigor e, por outro, há cada vez mais toxicodependentes que se dedicam temporária ou permanentemente ao tráfico como única ou principal fonte de financiamento do seu próprio consumo.
A lei actual aponta e distingue, em termos de quantidades, o que é considerado para consumo próprio e o que é considerado para tráfico. A questão que hoje se põe é a de saber se essas quantidades devem ser indicativas ou taxativas, o que determinará a decisão a tomar e o destino a dar aos vulgarmente chamados infractores. Também nesta questão os dois projectos de lei, do PSD e do PCP, mantêm uma indefinição, a nosso ver, indesejável.
O que interessa agora, para esta nossa discussão, é saber se as alterações propostas pelo PCP e pelo PSD respondem às mudanças entretanto ocorridas.
No projecto de lei do PCP, há uma intenção de simplificar e desburocratizar e também uma maior responsabilização do IDT. São, portanto, propostas positivas. Outras, no entanto, não nos parecem nem tão justificadas nem tão eficazes, necessitando de alguma clarificação, que o debate na especialidade, se ele ocorrer, certamente irá proporcionar.
O projecto de lei do PSD, ao contrário da simplificação a que se propõe — pensamos que teria o efeito oposto —, contribuiria para complicar o já complicado funcionamento das comissões de dissuasão. Como já deixámos claro, e gostaríamos de sublinhar novamente, o Bloco de Esquerda recusa liminarmente o reforço de uma via punitiva e castigadora, que, do nosso ponto de vista, o PSD, com o seu projecto de lei, pretende recuperar.
Há, no entanto, um aspecto que merece um último comentário: ambos os projectos de lei admitem, explicitamente e pela primeira vez, o internamento compulsivo de toxicodependentes em determinadas circunstâncias. Não se trata uma qualquer pequena mudança; ao contrário, é uma decisão que exige uma grande ponderação e um conjunto de garantias e salvaguardas, que não estão suficientemente tratadas e acauteladas em nenhum dos projectos de lei hoje em discussão. O internamento compulsivo por motivos de saúde é uma porta que, por regra, deve continuar fechada.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Muito bem!
O Orador: — Abri-la excepcionalmente obriga a uma definição muito rigorosa e exigente das condições extraordinárias em que pode ser permitido, com absoluto respeito quer pelos direitos individuais dos cidadãos quer pelos interesses da comunidade e, naturalmente, atentas todas as alternativas e possibilidades terapêuticas.
Sr.as e Srs. Deputados: Imaginemos o que já teria acontecido ou o que poderá vir a acontecer aos arrumadores do Porto se o Dr. Rui Rio pudesse desfazer-se deles ao abrigo do seu internamento compulsivo!?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Comunista Português e o Partido Social Democrata pretendem, com os presentes projectos de lei e segundo a Exposição
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de motivos de cada um, a optimização e consolidação das soluções traçadas pela Lei n.º 30/2000, comummente designada de lei de despenalização do consumo de drogas ilícitas.
Em particular, o Partido Comunista Português (e vou referir-me, essencialmente, a este projecto de lei) fá-lo na convicção de que a Lei n.º 30/2000 ficou aquém da liberalização total que, agora, pretendem. É mais um episódio de desistência da luta contra a droga.
Aplausos do CDS-PP.
Mas, para compreender toda a evolução verificada no âmbito desta matéria, façamos uma breve resenha da história mais recente.
Em Portugal, a criminalização do consumo de drogas remonta, no essencial, a 1970. Em 3 de Setembro, foi publicado o Decreto-Lei n.º 420/70, produzido poucos dias antes da data em que Portugal ratificou a Convenção Única sobre Estupefacientes, de 1961.
Em 1970, com o citado Decreto-Lei n.º 420/70, o direito passou a responder ao consumo ilícito de drogas com prisão e com multa. Este diploma de 1970 permaneceria em vigor até 1983. Nesta data, o legislador substitui-lo-ia, mas manteve a criminalização do consumo, o mesmo sucedendo com o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, actualmente ainda vigente e, no que toca ao consumo de estupefacientes, até à publicação da Lei n.º 30/2000, que o despenalizou.
Na apresentação da proposta que originou a Lei n.º 30/2000, pelo governo socialista, foi afirmado que «quem consome ilicitamente drogas deve ser, primeiro e antes de tudo, punido, podendo, eventualmente e a título complementar, ser-lhe dada uma oportunidade de tratamento.» Naquela proposta, operava-se a descriminalização do consumo: «as sanções passavam a ter natureza administrativa, contra-ordenacional» e, como virtude, o encaminhamento dos toxicodependentes para tratamento, pois com aquela proposta «surgiriam novos motivos para a pronta interpelação dos consumidores e para o seu encaminhamento para as comissões de dissuasão do consumo de drogas».
Passados seis anos, o que podemos verificar é que, de 2000 até 2005, existiu um decréscimo de utentes em unidades de desabituação e comunidades terapêuticas na rede pública licenciada; verificou-se uma diminuição do número de utentes em primeiras consultas, que desceu para metade das que tinham acesso em 2000, ano da entrada em vigor da lei.
Quando se constata uma diminuição, para metade, do número de traficantes acusados (e registe-se que o número de que se fala se refere apenas a traficantes e não a traficantes-consumidores, nem sequer aos consumidores), bem como uma diminuição do número de traficantes condenados, tal pode ser visto pelo prisma de que, outrora, muitos dos que eram considerados traficantes, hoje em dia, e face à descriminalização realizada pela Lei n.º 30/2000, alegam que apenas são consumidores, não podendo ser condenados criminalmente por esse facto.
A Lei n.º 30/2000 resulta, porém, na criminalização da aquisição e detenção das substâncias referidas em função da quantidade, ou seja, desde que exceda o necessário para o consumo médio individual durante um período de 10 dias, e o CDS discorda profundamente do critério encontrado como fronteira para diferenciar o consumidor do traficante.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — E discorda porque a definição de dose é feita de uma forma abstracta, sem qualquer sustentabilidade de práticas comuns, sendo certo que, como por todos é sabido, nenhum consumidor anda com doses de droga para 10 dias no bolso.
Manter esta situação é desconhecer-se completamente a realidade e proteger os traficantes.
Relembro que, na discussão do projecto de diploma que levou à Lei n.º 30/2000, o CDS se havia manifestado contra projectos apresentados em virtude de os mesmos facilitarem o consumo de drogas, esquecendo as medidas de prevenção e combate ao consumo e ao tráfico de droga.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — A este propósito, podem crer, Sr.as e Srs. Deputados, o CDS gostava de não ter razão e de estar enganado, mas, tal como já referi, não foi isso que aconteceu. Desde a descriminalização do consumo de drogas, em 2000, que o consumo de estupefacientes tem aumentado no nosso país, sendo certo que cada vez mais jovens experimentam drogas em idades que há uns anos nem imaginávamos concebível.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Onde é que leu isso?!
O Orador: — A criminalidade associada ao consumo, desde 2000, subiu 9%,…
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Onde é que foi buscar esses dados?!
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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Veja no Observatório de Drogas e Toxicodependências!
O Orador: — … pelo que se impõe uma pergunta: em que medida é que a Lei n.º 30/2000 contribuiu para a diminuição do consumo? Nenhuma, dizemos nós.
O que aconteceu foi um sinal liberalizador do consumo que a Lei n.º 30/2000 transmitiu à sociedade e, em particular, à juventude, que é vítima preferencial e mais indefesa perante a droga; foi uma machadada tremenda em toda as políticas de prevenção que as famílias, a sociedade e os Estados se esforçam em executar; uma lei «embrulhada» numa ideia de humanismo que não conseguiu a necessária protecção de pessoas e bens, da saúde pública, da defesa de menores, da prevenção e repressão do crime, como objectivos de paz e ordem pública.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — E o que nos apresenta de novo este projecto, que altera da dita lei? Simples: é mais uma investida em que se quer confundir o inimigo e o aliado, a vítima e o criminoso, as doenças e os doentes.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Orador: — Pretende o Partido Comunista Português dar mais um passo no sentido da liberalização do consumo de drogas, tentando abarcar neste projecto aqueles que, de acordo com as regras estabelecidas na Lei n.º 30/2000, eram considerados traficantes, considerando-se que há quem carregue no bolso quantidades superiores às necessárias para 10 dias de consumo, repito, quantidades superiores às necessárias para 10 dias de consumo, considerando-os apenas consumidores, aplicando-lhes a suspensão do procedimento criminal e «remessa» dos arguidos para tratamento — vide proposta de alteração do artigo 2.º.
Isto mais não é do que uma legalização do tráfico de menor gravidade, ao que acresce o que por todos é sabido, ou seja, que os traficantes, hoje como ontem, carregam consigo pequenas quantidades de droga de forma a não enquadrar a sua conduta na lei criminal.
Pretende também o Partido Comunista Português, com este seu projecto de lei, excluir a aplicação de coimas aos consumidores de droga, substituindo-as por simples advertências, quando se trate da primeira infracção (vide n.º 2 do artigo 15.º). É caso para perguntar: trata-se do primeiro consumo ou da primeira vez que é apanhado? Qual delas? E o que dizer dos vários modelos de decisão das CDT? São órgãos colegiais ou, como decorre do texto, há casos em que decide o presidente, o vogal, todos? Percebe-se, através da alteração da sua composição, retirando nomeadamente o jurista, que é um sinal claro no sentido da despenalização total do consumo de drogas. Por essa razão se exclui, igualmente, as CDT da alçada do Ministério da Justiça… Penso que para passar apenas para a alçada do Ministério da Saúde!! Começou-se pela descriminalização e, agora, pretende abolir-se as coimas, caminhando-se sempre no sentido da total liberalização, o que se confirma pela revogação do artigo 16.º… Até a admoestação desaparece, para agora surgir uma «advertência»! Paradoxalmente, a proposta de alteração deixa de prever a aplicação de sanções, passando a impor apenas o tratamento e as medidas necessárias para o efeito, mas mantém um registo de contraordenações. Quais contra-ordenações? E que fazem as entidades policiais em face das alterações propostas e das suas novas competências? Prendem quem transporta consigo droga ou encaminham-no para uma instituição hospitalar? Estamos dispostos a alterar o modo de funcionamento das CDT, porque, para nós, é fundamental o encaminhamento para tratamento dos toxicodependentes. Sempre o dissemos.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Também querem mandá-los para a cadeia!
O Orador: — Consideramos o toxicodependente um doente, mas não um doente crónico e, como tal, entendemos que deveremos contribuir para a forma mais eficaz de tratamento dessa doença.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — Quanto ao projecto de lei do Partido Social Democrata, este enferma dos mesmos vícios fulcrais do projecto de lei do Partido Comunista Português, apesar de se verificar uma diferença de grau. É certo que, relativamente à composição e modo de funcionamento das CDT, nos encontramos mais perto de tal projecto. Porém, no essencial, as suas propostas não merecem o nosso acordo.
Que sentido faz quando verificamos que, de uma forma consistente, se assiste a uma evolução do modo como as pessoas, as famílias e as comunidades encaram e lidam com o consumo de outras substâncias
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também nocivas e potencialmente viciadoras, como o são o tabaco e o álcool? Não é verdade que a sociedade tem demonstrado uma grande vontade de combater estes consumos igualmente nefastos? Sendo assim, como poderemos, então, compreender este projecto de lei? O CDS não está disponível, mais uma vez, para transmitir à sociedade que se desistiu de combater e prevenir os malefícios da droga, por todas as razões e também porque consideramos que essa legalização impediria a aproximação dos toxicodependentes ao sistema de tratamento e de apoio à ressocialização, que, muitas vezes, são potenciados pelos mecanismos coercivos.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fátima Pimenta.
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, cabe-me saudar os projectos de lei que, hoje, analisamos e, depois, dizer que estou muito agradada com a bancada do PSD, quando diz que o projecto de descriminalização é inovador. Gostava de vos perguntar onde é que estavam em 21 de Junho de 2000, quando votaram contra a proposta, nesta Câmara, de descriminalização do consumo de droga. Onde estavam?! Gostava também de saudar de um modo especial as pessoas que deram o seu melhor, há cerca de seis anos, para o desenvolvimento efectivo, como diz o PSD, de um projecto inovador em Portugal, que foi a descriminalização do consumo da droga e o paradigma da dissuasão que lhe está subjacente.
A seguir, gostava de referir dois aspectos curiosos. Em primeiro lugar, não sabia que, agora, o PSD andava a reboque do PCP! É que o seu projecto de lei deu ontem entrada na Mesa e os senhores fazem uma cópia da proposta que o Sr. Deputado Emídio Guerreiro referiu, decorrente de um grupo de trabalho que os senhores nomearam. Pergunto-lhes: então, o PSD, depois, não o enviou para o Sr. Ministro da Saúde? Então, o que lhe fizeram?! Ficou na gaveta! Nesse caso, pergunto onde é que está a vossa coerência.
Relativamente ao projecto de lei proposto pelo Partido Comunista, gostava de dizer que, embora reconheça algumas virtudes e a intenção de conferir mais identidade e autoridade às comissões, acaba por, em quase tudo o que altera, redundar substancialmente em dúbio e em incongruente.
Protestos do Deputado do PCP Miguel Tiago.
É verdade, Sr. Deputado. E vou já dizer-lhe porquê.
Em primeiro lugar, porque não podemos concordar com a imiscuidade de funções entre os técnicos das comissões e a polícia, pois tal adulteraria por completo o papel de cada uma das partes e constituiria uma aliança perversa e pouca abonatória para a construção de uma relação de confiança, fundamental ao modelo da dissuasão.
Atribuir às comissões uma atitude controladora ou invasiva do trabalho das forças policiais, traduzida na ideia de as comissões proporem às autoridades acções para a identificação dos consumidores, parece-me completamente despropositado.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Já existe!
A Oradora: — Não existe, Sr. Deputado! Não são as comissões que identificam os indiciados, os consumidores, é a polícia! As comissões fazem dissuasão! Portanto, a proposta está completamente equivocada desse ponto de vista!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Está enganada!
A Oradora: — A proposta de racionalização geográfica das comissões é completamente desadequada com a noção de proximidade e de mediação entre as situações de consumo e a aplicação das medidas sancionatórias. É aqui que, no nosso entender, ambas as propostas são incompatíveis com o paradigma da dissuasão, e era isso que gostava de dizer ao PSD. É que a racionalização deve fazer-se ao nível dos recursos humanos. As propostas, por exemplo, das juntas médicas e do tratamento compulsivo parecemme completamente despropositadas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cada tempo histórico-cultural inventa as suas próprias drogas.
Podemos, então, questionar-nos se estaremos condenados, ou não, a saber gerir as nossas dependências.
Do ponto de vista individual, o uso e o abuso de drogas parece estar relacionado inicialmente com um desejo prometeico de superação dos limites, como roubar o fogo dos deuses, ou de ultrapassagem de si mesmo, como refere Nietzsche em Assim falava Zaratrusta. Depois, depois vem o castigo de Sísifo, condenado a transportar a grande pedra até ao cimo da montanha, para depois a ver rolar de novo. Aquilo que, no início, era uma transcendência, uma ultrapassagem de si mesmo, transformou-se tragicamente num atropelo de si mesmo e dos outros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Portugal, é na década de 60 que o fenómeno da toxicodependência
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começa a ter expressão. Porém, é principalmente nos anos 80 que o fenómeno começa a alcançar cada vez mais importância no debate público.
O Partido Socialista e os seus governos, face ao problema, convocaram o melhor conhecimento científico e técnico e, em 1998, definiram a Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga, que foi um documento reconhecido na sociedade portuguesa como estruturante e como traduzindo uma «pedrada no charco» no que diz respeito às políticas de combate ao uso e abuso de drogas.
A Estratégia Nacional dizia, então, que o edifício jurídico mais adequado para enquadrar o consumo de drogas apontava para a sua retirada da esfera do direito penal para o incorporar na esfera do direito das contra-ordenações. E esta opção não contrariava as convenções das Nações Unidas, que Portugal ratificou, Srs. Deputados do CDS.
O modelo então proposto pretendia, sim, romper com o «imobilismo repressivo»…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Falei deste, não do outro!
A Oradora: — … centrado num conceito de que a política da droga deveria incidir preferencialmente nos domínios social e sanitário, em detrimento da componente jurídico-penal.
A «guerra às drogas» até então implementada acentuou a clivagem entre a figura do toxicodependente e os restantes indivíduos. Confundiu-o com o objecto que se combatia, que era a droga.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qual foi o resultado deste modelo? Fortaleceu as condutas do consumo, o vínculo do toxicodependente à droga e à exclusão. Este paradigma, juntamente com a pobreza, esteve na origem dos «guetos da droga»; provocou, ao longo dos anos, numerosas vítimas entre os seus consumidores.
E mais: este modelo dificultou a implementação de uma estratégia de redução de riscos e ajudou a desencadear um problema de saúde pública, um problema humano e um problema económico. Aliás, não deixa de ser irónico que duas câmaras municipais do PSD tenham decidido, efectivamente, reconhecer que a Estratégia, do PS, era boa, e por isso vão implementar as salas de injecção assistida…!
O Sr. Pedro Duarte (PS): — Quais são?!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Isso é muito curioso!
A Oradora: — É curioso fazer este registo.
Depois, o relatório do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência de 2006 considera que a oferta de tratamento de substituição na Europa, a partir da década de 90, contribuiu de uma forma importante para a redução da propagação do VIH/SIDA.
Em Portugal, os governos do PS definiram uma política de redução de riscos, aumentaram a rede pública de tratamento e a oferta de tratamento de substituição foi implementada sem preconceitos ideológicos.
Relembro aquilo que aconteceu nesta Câmara, quando o ministro da saúde, então do PSD, estava a pôr em causa os tratamentos de substituição, que em toda a Europa eram conhecidos como uma boa medida.
Registo este aspecto inovador que o PSD, agora, diz… Aliás, estou a olhar para si, Sr. Deputado Pedro Duarte, e sei que é um Deputado diferente dentro da sua bancada, porque conheço as suas posições relativamente às questões da toxicodependência… Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 2005, os consumidores de droga por via intravenosa representavam menos 31% do total de infecções do que em 2001. E isto foi um legado do PS no que respeita às políticas de redução de riscos, e disso nos orgulhamos.
O PS, consciente das suas obrigações para com a Declaração de Dublin, que tem ver com a questão da saúde nas prisões, nomeadamente com a transmissão de doenças infecto-contagiosas, em Abril, estará no terreno com medidas efectivas para a prevenção e o controlo das doenças infecto-contagiosas. O que fez o governo do PSD? Nada! Disse que a Estratégia do PS era uma prioridade relativamente à prevenção e controlo de infecções nos estabelecimentos prisionais, mas nada fez…! Ora, os portugueses confiam no PS e este assume os seus compromissos. Por isso é que, em Abril, verão uma política efectiva de controlo das doenças nas prisões.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Lei n.º 30/2000 tem subjacente aos seus princípios o paradigma da dissuasão, por isso ultrapassa a mera óptica da contra-ordenação. Este regime jurídico incorpora uma matriz de dissuasão e desenvolve um trabalho de mediação junto das estruturas locais, que oferecem respostas que vão ao encontro das necessidades efectivas de cada consumidor. É aqui que o paradigma da dissuasão se destaca positivamente, por oposição, ao modelo da criminalização. Nos toxicodependentes, porque os motiva para o tratamento, quando ainda nem sequer o tinham iniciado, ou, então, quando o abandonaram precocemente.
Gostaria de vos dizer que, em 2005, no que respeita aos processos abertos e avaliados dos consumidores caracterizados como toxicodependentes, 29,5% nunca tinham estado em contacto com qualquer estrutura de tratamento e 22% tinham iniciado tratamento. Foram estes dados que alicerçaram a nossa certeza, quando, há 6 anos, decidimos retirar os consumos de drogas da esfera do direito penal para a
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esfera das contra-ordenações, integrados no paradigma da dissuasão. E todos sabemos que a tutela dos tribunais e do direito penal na dissuasão dos consumos da droga foi um modelo que falhou.
Por isso, Srs. Deputados, as comissões para a dissuasão da toxicodependência, com competência territorial, desenvolvem um trabalho de proximidade e de mediação entre as situações de consumo e a aplicação de medidas sancionatórias.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Grande proximidade!…
A Oradora: — Falo de um trabalho de proximidade e por isso é que não posso ser favorável à proposta do PSD, que pensa numas comissões lá longe, numa região.
O Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências preconiza, e muito bem, a integração das CDT no eixo da redução da procura, como segunda linha de intervenção preventiva, e a sua inclusão nas unidades especializadas do IDT, numa perspectiva de respostas integradas. É isso que vamos fazer, Srs. Deputados.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — A Mesa regista a inscrição de três Srs. Deputados para formular pedidos de esclarecimento à Sr.ª Deputada Fátima Pimenta, que terá de gerir o pouco tempo que tem para o efeito.
Assim, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Miguel Tiago.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Fátima Pimenta, sobre a coerência do PSD, penso que está tudo dito, mas o que é facto é que, efectivamente, há um contributo da parte daquele partido, daquela bancada, para uma discussão,…
O Sr. Pedro Duarte (PSD): — O que é positivo!
O Orador: — … o que, como, aliás, reconheceu, e nós também reconhecemos, tem componentes positivas e tem alguns vectores que podem servir para uma discussão na especialidade, de modo a construir, em conjunto, obviamente, com a iniciativa do PCP, um melhor quadro legal da matéria que hoje discutimos.
Mas a Sr.ª Deputada Fátima Pimenta suscitou um conjunto de questões, algumas das quais nem consigo enquadrá-las nesta discussão. Refiro-me, por exemplo, à distribuição geográfica das CDT. É que o PCP, no seu projecto de lei, remete para um membro do Governo e, portanto, não propõe uma distribuição fixa, conforme parece ter transparecido da sua intervenção. O que nós aqui estabelecemos é que, efectivamente, haja uma obediência a critérios de racionalidade mas, ainda assim, sem retirar ao membro do Governo competente a definição da distribuição geográfica das CDT.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Orador: — A Sr.ª Deputada acha mal que haja articulação entre as forças policiais e as CDT, mas é bastante estranho.
Parece-lhe mal que as forças policiais procedam, o que é perfeitamente natural, à identificação de um indiciado, mas o que propomos é que venha a ficar bastante clara a forma como é feita a identificação.
Parece-lhe mal que as forças policiais notifiquem as CDT, caso se verifique algum incumprimento no acompanhamento natural que pretendemos que venha a ser dado aos casos que as CDT acompanham.
Portanto, parece-lhe mal que haja uma articulação entre as diversas forças que agem sobre a mesma matéria. Sinceramente, não consigo encaixar essas críticas, até porque entendemos exactamente o oposto, ou seja, entendemos que a desarticulação favorece o desequilíbrio e a incapacidade na implementação e no cumprimento da lei.
Assim, criar as pontes necessárias, se necessário por via de lei, para que as diversas entidades colaborem e cooperem no tratamento deste problema, parece-nos um passo bastante positivo.
Mas a questão que quero colocar à Sr.ª Deputada é muito simples e tem a ver com o seguinte: o Partido Socialista criticou, disse que via muitos aspectos positivos nestas propostas, mas que iria tratar do problema. Ora, hoje, não trouxe nenhuma proposta, Sr.ª Deputada. Nem uma! Não há nenhuma proposta do Partido Socialista nesta matéria. O que sabemos é que se perpetuam os problemas que já vinham do anterior governo e cuja resolução continua sem uma resposta clara. Não há, absolutamente, proposta nenhuma…
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS): — Vão vir!
O Orador: — … nem sequer, tão-pouco, uma luz que indique em que sentido virão as propostas. Mas a nós, mais uma vez, é-nos pedido que confiemos cegamente na boa vontade do Partido Socialista e do Governo, porque, daqui a uns meses, vão apresentar uma proposta de lei que, muito provavelmente, será a
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fusão das duas iniciativas legislativas que hoje aqui estão a ser discutidas ou a cópia de uma, conforme já nos habituaram.
Portanto, o que lhe quero perguntar é se, efectivamente, reconhece ou não que há, na lei, alguns parâmetros desajustados e se há ou não necessidade de rever o quadro jurídico. E, nesse sentido, estão aqui duas iniciativas de dois partidos que deram o seu contributo, o PCP e o PSD. A questão que se coloca, se o Partido Socialista está verdadeiramente empenhado em melhorar o quadro legal, é a de deixar os projectos em apreciação baixar à especialidade, para serem discutidos.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente! Muito bem! É simples!
O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Fátima Pimenta, estive a ouvi-la com muita atenção e penso que o mais importante neste momento não é tanto estarmos sistematicamente a olhar para o espelho retrovisor, até porque, quando olhamos para o espelho retrovisor, nesta matéria, também temos muito orgulho naquilo que fomos deixando de positivo. E já que recordou algumas coisas, aproveito também para recordar, designadamente ao Sr. Deputado José Junqueiro, que deixámos o projecto VIDA, quando não existia nada nesta área, lançámos o programa de troca de seringas, contra muita gente,…
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Mas isso já foi aí há 10 anos!
O Orador: — Exactamente! Mas os senhores estão a falar de coisas de há 6 ou 7 anos e, por isso, também podemos mostrar obra feita.
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Já ninguém se lembra disso!
O Orador: — Mas estou aqui para vos lembrar, Sr. Deputado Manuel Pizarro! Os senhores querem lembrar algumas coisas de há 6 ou 7 anos, permitam-me que lembre outras, mais antigas, quando era mais difícil tomar iniciativas nestas áreas e eram mais polémicas na sociedade portuguesa. É que o PSD, quando esteve no poder, nessa altura, teve essa coragem!
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Já vimos que não tem nenhum pedido de esclarecimento para fazer!
O Orador: — Lançámos o programa de troca de seringas, lançámos o projecto VIDA — são pedradas no charco, obras feitas!
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Isso era outro PSD!
O Orador: — E reparem que não deixa de ser curioso que há um fantasma que não vale a pena agitar, Sr.ª Deputada. A questão da concordância ou não com a descriminalização é um fantasma que não interessa.
Protestos do PS.
E sabe porquê, Sr.ª Deputada? Porque, se fosse uma realidade, o Partido Social Democrata, depois disso, já esteve no poder, e até teve uma maioria em parceria com um partido que nem sequer concorda com isso, e podia ter voltado atrás, mas não voltou.
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Mas tentou!
O Orador: — Não voltou nem sequer tentou; pelo contrário, agarrou a Estratégia que havia e foi ele que teve de a concretizar, porque os senhores aprovaram-na e demoraram mais de dois anos a criar os programas…!
Risos do PS.
Os senhores andaram a fazer-de-conta durante dois anos, a esgrimir argumentos…! Mas, Sr.ª Deputada, o que era importante dizer hoje, aqui, e uma vez que estamos a discutir as CDT, era o seguinte: não é desde o mês passado nem sequer desde o ano passado, Sr.ª Deputada; o Governo
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está em funções há dois anos e, nesses dois anos, um terço dos distritos não têm comissão para a dissuasão da toxicodependência a funcionar.
Vozes do PSD: — Exactamente!
O Orador: — O que a Sr.ª Deputada tem de dizer aqui é se concorda ou não com isto, se é este o caminho.
Protestos do PS.
Srs. Deputados, sei que dói, sei que dói!
O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: — Vou concluir, Sr. Presidente.
O que gostava de saber era por que é que, ao fim de dois anos, se vem aqui invocar o passado e não dar uma resposta cabal. É que, em seis distritos deste país, não só está descriminalizada como está liberalizada, despenalizada, enfim, chamem-lhe o que quiserem. A resposta que o Estado criou para responder à descriminalização da droga não existe em seis distritos há dois anos, e desde há dois que, pelo que me recordo, o Ministro é um e chama-se Correia de Campos,…
O Sr. José Junqueiro (PS): — No tempo do PSD houve vários!
O Orador: — … o Primeiro-Ministro chama-se José Sócrates e o Governo é do Partido Socialista. É sobre esse tempo que estamos hoje aqui a reflectir! Uma nota final: se o PS quer, de facto, remediar isto e reflectir — porque o PS e a Sr.ª Deputada sabem perfeitamente que o actual modelo não serve, e por isso estamos nesta situação — votem, permitam que estes dois projectos de lei passem à especialidade e que, depois, todos em conjunto, organizemos, então, um modelo mais eficaz. É este o desafio!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O modelo não funciona!
O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Fátima Pimenta, antes de mais, gostaria de agradecer aos proponentes a discussão que proporcionaram hoje no Plenário, sobre a questão fundamental do combate à droga e à toxicodependência.
Sr.ª Deputada, a descriminalização do consumo, como V. Ex.ª reconheceu, foi um passo fundamental na consideração do toxicodependente não como um criminoso mas, sim, como uma pessoa doente, uma pessoa com um grave problema individual de saúde e, ao mesmo tempo, a toxicodependência como uma chaga social e familiar.
O importante avanço dado com a Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, não se limitou, porém, a descriminalizar o consumo e a transferir esta matéria para os domínios administrativo e contra-ordenacional, fez muito mais do que isso. Ao criar as comissões para a dissuasão da toxicodependência, agindo com base nos princípios não da perseguição e da estigmatização mas da recuperação e do reencaminhamento para tratamento, mudou-se o paradigma e a estratégia no combate à toxicodependência.
Contudo, essas estruturas fundamentais e inovadoras a nível mundial padecem hoje, reconhecidamente, de dificuldades de funcionamento e necessitam de uma reforma e de um novo impulso que permita ultrapassar as peias existentes e aumentar a eficácia e a humanidade no processo de recuperação do toxicodependente. É, aliás, o próprio Presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência, Dr. João Goulão, que não hesita em apontar os problemas de que padecem as comissões para a dissuasão da toxicodependência, como o seu sobredimensionamento, alertando ainda para o seu peso e burocracia excessivas e para a necessidade de reforçar o papel dos técnicos e de melhorar a articulação com outras entidades, designadamente com as forças policiais.
A Sr.ª Deputada, com certeza, reconhece também que o problema não passará unicamente por um alteração à actual Lei n.º 30/2000. É fundamental apostar na prevenção primária, no esclarecimento das escolas, na utilização de grandes meios de comunicação social, no combate ao grande tráfico, aos crimes de«colarinho branco», matérias em que se podia, e devia, estar a fazer mais do que se tem feito. Contudo, isso não é razão para, reconhecendo a necessidade de alterar a actual lei, não o fazer.
O Partido Ecologista «Os Verdes» também não está plenamente convencido quanto a todos os pontos presentes nas propostas apresentadas nas duas iniciativas que hoje discutimos; contudo, reconhecemos que ambas têm o mérito de procurar introduzir melhorias no actual regime, e é isso fundamentalmente que
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temos de decidir, Sr.ª Deputada, isto é, se vamos ou não abrir esse processo legislativo.
A Sr.ª Deputada Fátima Pimenta reconheceu, inclusivamente, aspectos positivos numa das iniciativas, na do Partido Comunista Português. O que temos de saber é se o Partido Socialista reconhece ou não a necessidade de mudar a actual lei e de melhorar o actual regime legal. E, se sim, por que razão não está disponível para aprovar, pelo menos, um dos projectos de lei, abrir o processo legislativo nesta Assembleia da República e, então, haver a possibilidade de discutir-se na especialidade, onde o Partido Socialista teria oportunidade de dizer de sua justiça, apresentando as suas propostas, e de ajudar a melhorar a actual lei e os actuais mecanismos de luta contra a toxicodependência. Se é isso o que o Partido Socialista quer, então, deve permitir que a Assembleia da República inicie o processo de alteração do actual ordenamento jurídico.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fátima Pimenta.
A Sr.ª Fátima Pimenta (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que me parece curioso é que nenhuma intervenção foi capaz de contrariar aquilo que afirmei.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!
A Oradora: — É que o modelo da dissuasão foi criado pelo PS, porque foi este partido que, em 21 de Junho, nesta Câmara, apresentou um projecto inovador.
O Sr. Miguel Tiago (PS): — Não foi a Assembleia da República?!
A Oradora: — Foi o PS, Srs. Deputados, que apresentou nesta Câmara um projecto inovador e foi o PS que introduziu neste projecto uma coisa fundamental: o modelo da dissuasão! Não são as contraordenações!… O Partido Comunista está preocupado com as coimas, mas devo dizer que estas não são importantes, o que é importante é o processo de dissuasão.
Os Srs. Deputados estão preocupados com as coimas,…
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Não. Está enganada!
A Oradora: — … mas, se for ver, as coimas representaram somente cerca de 30% das sanções que as CDT aplicaram desde que existem, desde 2001 até agora. Não estejam preocupados com as sanções! Não compreendo isto: no artigo 5.º do projecto de lei do PCP, diz-se que «Compete igualmente às CDT, na sua área de intervenção territorial, propor às autoridades as acções para apreensão de substâncias e identificação de consumidores (…)».Talvez eu não saiba ler português, mas — e desculpem-me — o que os senhores propõem é que sejam as comissões a identificar os indiciados. Isto é uma perversão!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — A polícia!
A Oradora: — Desculpe, diz-se que compete igualmente às comissões identificar os indiciados! Isso é um assunto de polícia, nada tem a ver com as comissões! Devo dizer que esta proposta do PCP me surpreendeu. Não estava à espera que o Partido Comunista fizesse esta proposta. Isto é uma atitude perversa e «controleira» que não me faz sentido.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, que beneficia de uma cedência de tempo por parte da bancada de Os Verdes.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, agradeço ao Grupo Parlamentar de Os Verdes a cedência de tempo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria só de transmitir que penso que ficou demonstrado com este debate que os projectos de lei em apreço constituem um retrocesso no caminho da descriminalização do consumo, que o Governo do Partido Socialista levou a cabo, com muito orgulho, em 2000 e que entrou em vigor em 2001.
Sr. Deputado Miguel Tiago, gostava de lhe fazer um reparo: o seu a seu dono. Não foi, de facto, o PCP que iniciou e apresentou o processo de descriminalização do consumo.
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Foi, foi!
A Oradora: — Não foi, não. Foi o governo do PS!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não foi nada!
A Oradora: — E deixe-me lembrar, quando dizem que nada foi feito, que nestes dois anos já foi avaliada a Estratégia, já foi apresentado um novo plano de acção, já foi feito também um novo plano nacional, está a decorrer uma reestruturação da Administração Pública que envolve também o IDT e, portanto, tudo será apreciado num contexto que o PS achar oportuno. Não é nem o PSD nem o PCP que marcam a agenda do Grupo Parlamentar do Partido Socialista ou do Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Nem queremos!
A Oradora: — Quando entendermos que chegou a altura, nós próprios agendaremos as nossas iniciativas.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Então, não é preciso mudar a lei agora?
A Oradora: — Sabemos também de uma espécie de golpe feito para ser agendada hoje a iniciativa do PSD, que tem uma capa de aperfeiçoamento da lei mas que deixa muito a desejar, desde logo quando propõe o internamento compulsivo. Como é possível o Grupo Parlamentar do PSD propor uma situação destas que está completamente contra a filosofia subjacente à descriminalização?
O Sr. Vasco Franco (PS): — Muito bem!
A Oradora: — Não acompanharemos nenhum dos projectos de lei em apreço porque discordamos completamente das propostas aí contidas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, concluído o debate, na generalidade, dos projectos de lei n.os 120/X, do PCP, e 350/X, do PSD, resta-me anunciar que a próxima reunião plenária se realiza amanhã, a partir das 10 horas, com a apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 281/X — Preços máximos de venda ao público dos medicamentos não sujeitos a receita médica (BE), seguida da apreciação do projecto de resolução n.º 169/X — Recomenda a ratificação do Tratado da Antártida (Os Verdes) e da apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 113/X — Aprova o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Socialista (PS):
António Alves Marques Júnior
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Teresa Maria Neto Venda
Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Arménio dos Santos
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
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58 | I Série - Número: 049 | 16 de Fevereiro de 2007
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Partido Popular (CDS-PP):
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Paulo Sacadura Cabral Portas
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Socialista (PS):
António Ribeiro Gameiro
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José Manuel Pereira Ribeiro
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Partido Social Democrata (PSD):
Carlos António Páscoa Gonçalves
José Mendes Bota
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro
Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º 77/2003,
de 11 de Outubro):
Partido Social Democrata (PSD):
José António Freire Antunes
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL