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Quinta-feira, 26 de Abril de 2007 I Série — Número 75

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

Sessão Solene Comemorativa do XXXIII Aniversário do
25 de Abril

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Artur Jorge da Silva Machado
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO Às 10 horas entrou na Sala das Sessões o cortejo em que se integravam o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República — que saudaram, com uma vénia, os membros do Corpo Diplomático presentes —, o Primeiro-Ministro, os Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, os Secretários da Mesa da Assembleia da República, a Secretária-Geral da Assembleia da República, o Chefe, o Vice-Chefe e os Secretários do Protocolo do Estado, o Chefe de Gabinete do Presidente da Assembleia da República e o Director do Gabinete de Relações Internacionais e Protocolo.
No Hemiciclo, encontravam-se já, além dos Deputados, Ministros e Secretários de Estado, o Procurador-Geral da República, os Presidentes do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas, os Representantes da República para os Açores e para a Madeira e o Secretário Regional da Presidência do Governo Regional dos Açores, o Provedor de Justiça, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Conselheiros de Estado, os Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas, o Presidente do Conselho Económico e Social, Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, um VicePresidente do Supremo Tribunal de Justiça, o ComandanteGeral da Guarda Nacional Republicana, o Director Nacional da Polícia de Segurança Pública, o Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, um Representante do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e a Governadora Civil de Lisboa.
Encontravam-se ainda presentes, na Tribuna A, as esposas do Presidente da República e do Presidente da Assembleia da República, os anteriores Presidentes da República Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio e respectivas esposas, anteriores Presidentes da Assembleia da República e o Cardeal Patriarca de Lisboa; na Galeria I, o Corpo Diplomático; na Galeria II, Representantes da Comissão Nacional de Eleições, do Conselho de

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Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa, da Comissão Nacional de Protecção de Dados, da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Membros da Comissão da Liberdade Religiosa, o Comandante Naval, o Comandante do Comando Operacional da Força Aérea e o Comandante do Comando Operacional das Forças Terrestres e Membros da Associação dos exDeputados da Assembleia da República; na Galeria III, os restantes Membros do Governo, ex-Conselheiros da Revolução, um elemento da Representação da Comissão Europeia em Portugal, Deputados Constituintes, o SecretárioGeral da União Geral de Trabalhadores, Representantes da Associação 25 de Abril, o Presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas e demais convidados.
Constituída a Mesa, na qual o Presidente da República tomou lugar à direita do Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada junto aos Passos Perdidos, executou o hino nacional.
Seguiram-se os discursos dos Deputados Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Helena Pinto (BE), Nuno Magalhães (CDS-PP), Francisco Lopes (PCP), Paulo Rangel (PSD) e Maria de Belém Roseira (PS), do Presidente da Assembleia da República e do Presidente da República.
A sessão foi encerrada eram 11 horas e 45 minutos, tendo, de novo, a banda da GNR executado o hino nacional, que foi cantado de pé.

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O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Srs. Deputados, declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas.

Neste momento, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada junto aos Passos Perdidos, executou o hino nacional.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS): Agostinho Moreira Gonçalves Alberto Marques Antunes Alberto de Sousa Martins Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto António Alves Marques Júnior António Bento da Silva Galamba António José Ceia da Silva António Ramos Preto António Ribeiro Gameiro Armando França Rodrigues Alves Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho Carlos Alberto David dos Santos Lopes Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira David Martins Elísio da Costa Amorim Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires Fernanda Maria Pereira Asseiceira Fernando Manuel de Jesus Fernando dos Santos Cabral Glória Maria da Silva Araújo Horácio André Antunes Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida Jaime José Matos da Gama Joana Fernanda Ferreira Lima Joaquim Ventura Leite Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro José Alberto Rebelo dos Reis Lamego José Augusto Clemente de Carvalho José Carlos Bravo Nico José Carlos Correia Mota de Andrade José Eduardo Vera Cruz Jardim José Manuel Lello Ribeiro de Almeida Jovita de Fátima Romano Ladeira João Barroso Soares João Carlos Vieira Gaspar João Cândido da Rocha Bernardo João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano Júlio Francisco Miranda Calha Luiz Manuel Fagundes Duarte Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal Luís António Pita Ameixa Luís Miguel Morgado Laranjeiro Luísa Maria Neves Salgueiro Manuel Alegre de Melo Duarte Manuel António Gonçalves Mota da Silva Manuel José dos Mártires Rodrigues Manuel Maria Ferreira Carrilho Marcos Sá Rodrigues

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Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos Maria Celeste Lopes da Silva Correia Maria Cidália Bastos Faustino Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis Maria Hortense Nunes Martins Maria Irene Marques Veloso Maria Isabel Coelho Santos Maria José Guerra Gamboa Campos Maria Júlia Gomes Henriques Caré Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco Maria Odete da Conceição João Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina Maria de Lurdes Ruivo Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro Maximiano Alberto Rodrigues Martins Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque Nelson Madeira Baltazar Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro Paula Cristina Nobre de Deus Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto Pedro Nuno de Oliveira Santos Renato José Diniz Gonçalves Renato Luís Pereira Leal Renato Luís de Araújo Forte Sampaio Ricardo Jorge Teixeira de Freitas Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues Rita Susana da Silva Guimarães Neves Rosalina Maria Barbosa Martins Rui do Nascimento Rabaça Vieira Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos Teresa Maria Neto Venda Umberto Pereira Pacheco Vasco Seixas Duarte Franco Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Social Democrata (PSD): Adão José Fonseca Silva Agostinho Correia Branquinho Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso António Alfredo Delgado da Silva Preto António Edmundo Barbosa Montalvão Machado António Ribeiro Cristóvão Arménio dos Santos Carlos Alberto Garcia Poço Carlos António Páscoa Gonçalves Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Emídio Guerreiro Feliciano José Barreiras Duarte Fernando Santos Pereira Fernando dos Santos Antunes Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva Henrique José Praia da Rocha de Freitas Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves Hugo José Teixeira Velosa Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte Jorge Fernando Magalhães da Costa Jorge José Varanda Pereira

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Jorge Tadeu Correia Franco Morgado José António Freire Antunes José Eduardo Rego Mendes Martins José Luís Fazenda Arnaut Duarte José Manuel de Matos Correia José Mendes Bota José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos José de Almeida Cesário João Bosco Soares Mota Amaral Luís Filipe Alexandre Rodrigues Luís Filipe Carloto Marques Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes Luís Miguel Pais Antunes Luís Miguel Pereira de Almeida Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira Manuel Filipe Correia de Jesus Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas Melchior Ribeiro Pereira Moreira Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho Mário Henrique de Almeida Santos David Mário da Silva Coutinho Albuquerque Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel Paulo Miguel da Silva Santos Pedro Miguel de Azeredo Duarte Pedro Quartin Graça Simão José Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos Ricardo Jorge Olímpio Martins Rui Manuel Lobo Gomes da Silva Sérgio André da Costa Vieira Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP): António Filipe Gaião Rodrigues Artur Jorge da Silva Machado Bernardino José Torrão Soares Bruno Ramos Dias Francisco José de Almeida Lopes Jerónimo Carvalho de Sousa José Batista Mestre Soeiro João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP): Abel Lima Baptista António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro José Hélder do Amaral José Paulo Ferreira Areia de Carvalho João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo Luís Pedro Russo da Mota Soares Nuno Miguel Miranda de Magalhães Paulo Sacadura Cabral Portas Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

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Bloco de Esquerda (BE): Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo Fernando José Mendes Rosas Francisco Anacleto Louçã Helena Maria Moura Pinto João Pedro Furtado da Cunha Semedo Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda Maria Cecília Vicente Duarte Honório Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV): Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr.as e Srs. Deputados, Valorosos Capitães de Abril, Sr.as e Srs. Convidados, Caros Concidadãos: Lembrar Abril, comemorar Abril, não é uma obrigação que nos imponha um qualquer calendário institucional, nem o fazemos por mera tradição. Não comemoramos Abril apenas porque sim, porque tem de ser, ou porque assim alguém o determinou. Comemoramos porque acreditamos, porque sentimos, porque é urgente.
Comemorar Abril é dizer presente, é renovar a afirmação, é reafirmar valores, princípios, ideais e conquistas que nos foram oferecidos, a mim, como às gerações nascidas depois de 1974, como a mais preciosa dádiva que alguém pode receber.
É, por isso, com muito orgulho, com muita honra e com a noção da devida responsabilidade, que volto a dirigir-me ao Plenário da Assembleia da República na data da fundação da nossa liberdade. Porque é esta, de facto, a data da fundação do nosso Estado de direito, um Estado democrático, alicerçado na fundamental dignidade da pessoa humana, um Estado que nos garantiu a todos a possibilidade de, em liberdade, escolher e traçar o nosso destino, enquanto povo e enquanto cidadãos de uma nação autónoma e soberana.
Mas o 25 de Abril de 1974, e a Revolução que teve lugar nesse dia, foi mais do que um marco histórico para encher páginas de livros de história, como então encheu páginas de jornais por todo o mundo. A Revolução dos Cravos foi mais do que um momento original de viragem ou de reviravolta na história recente de Portugal, muito mais do que o facto mais significativo do século XX. Foi um momento de promessa, de esperança, de renascimento de um País que asfixiava sob o manto bafiento de um regime opressor e criminoso, que proibiu a liberdade de pensamento, que censurou a criação e a comunicação, que condenou todo um País ao atraso e ao isolamento internacional e todo um povo, ou a sua grande maioria, à exclusão cívica e social, que semeou a miséria, a ignorância e o medo, que perseguiu, prendeu, torturou e assassinou mulheres e homens apenas porque via o pensamento livre e crítico, a opinião esclarecida, a vontade de mudar, o sonho e a utopia como ameaças mortais.
Mas nem com os seus algozes, nem com o mais brutal e feroz jugo, o regime fascista do velho e senil «Estado-dito-Novo», a ditadura de Salazar e Caetano, conseguiu arrastar-se por mais tempo, num tempo que já não era seu. E «naquela leda madrugada» de Primavera, um grupo de jovens capitães, como alguém escreveu, devolveu àquele povo de pessoas tristes o tesouro que lhes tinha sido roubado: a liberdade.
Assim como o sol de Primavera rasga a longa noite invernal de trevas, assim o Movimento das Forças Armadas rompeu a cortina obscurantista do passado, pondo ponto final a 48 anos de fascismo e a uma odiosa e insana guerra colonial que ceifou milhares de vidas, roubando ao País a sua juventude.
Foi o movimento dos capitães que, interpretando e respondendo aos justos anseios do povo português, coroando, como diz o prólogo da nossa Constituição, a resistência levada a cabo pelo povo e por muitos antifascistas ao longo de décadas, na clandestinidade ou no exílio, deu o peito, logo abraçado pelas centenas, pelos milhares que espontaneamente, apesar dos apelos feitos pela rádio para que as pessoas se mantivessem em casa, invadiram, ainda assim, as ruas fazendo a festa tão ansiada.
Nunca é demais relembrá-lo. É importante, é fundamental para a subsistência e qualidade da nossa democracia passar a mensagem, conhecer a história do 25 de Abril, contar a quem nunca conheceu e a quem já esqueceu como era antes. Não podemos pactuar com tentativas de branqueamento, de omissão, de esquecimento ou de neutralização dos factos históricos, como algumas a que assistimos recentemente.

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Hoje, encontrando-nos na sessão solene de comemoração do 33.º Aniversário da Revolução de Abril, permitam-me lembrar que a Revolução do 25 de Abril não teve nada de solene, nem de protocolo, nem de cortesia. Foi um acontecimento genuíno, verdadeiro e puro na sua essência libertadora, rebelde e indomável na alegria contagiante a que deu origem, pelo fim do pesadelo da ditadura. Não teve muito de solene, mas teve muito de comemoração. Os portugueses tinham muitos e bons motivos para comemorar, para sair à rua, para sair de dentro das suas casas, de dentro de si, para sair pelo mundo fora, gritando na avenida «Já não temos medo de nada» e cantando pelas praças «Vamos mudar o mundo, não voltaremos atrás!» E houve, de facto, um progresso formidável! Não nos cansamos de enumerar as conquistas que Abril nos trouxe, desde o salário mínimo, a segurança social e o direito a férias, ao Serviço Nacional de Saúde e à democratização no ensino obrigatório e universal. Desde a liberdade de imprensa, de associação e de participação cívica e política à igualdade jurídica entre homens e mulheres.
E, contudo, mais de 30 anos volvidos sobre a esperança, sobre a promessa de um mundo melhor, pleno de igualdade e justiça social, de fraternidade e solidariedade, de desenvolvimento e democracia, verificamos — e é imperativo que o façamos — que tanto se encontra ainda por fazer. Tantas promessas, tantos objectivos, tantas esperanças, tanto de Abril por cumprir.
Tanto de Abril por cumprir no plano da igualdade a diferentes níveis: na igualdade de género, porventura a mais antiga discriminação existente e a que maior número de pessoas atinge, com uma dimensão, profundidade e reflexos verdadeiramente preocupantes a nível familiar, salarial e no acesso a cargos de chefia ou de liderança pública. Mas também na lamentável persistência de manifestações discriminatórias irracionais e sem sentido fundadas na raça, no território de origem ou até mesmo na orientação sexual. Ou ainda em relação a cidadãos portadores de deficiência, a quem nem sempre é garantido um lugar na sua/nossa sociedade.
Tanto de Abril por cumprir no plano do desenvolvimento sustentável, do ordenamento do território e da correcção das assimetrias regionais, agravando-se permanentemente a desertificação e o despovoamento do interior do País, aumentando a pressão sobre a costa e o litoral. Tanto por cumprir no plano da garantia do direito à mobilidade das populações e do combate ao desperdício e dependência energética pela falta de aposta nos transportes públicos colectivos e na ferrovia.
Tanto de Abril por cumprir na garantia do direito à qualidade de vida e a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, com o péssimo estado a que chegaram tantos dos nossos rios, maltratados e poluídos, ou com os níveis de poluição que atingem os centros urbanos.
Tanto de Abril por cumprir em tantos outros domínios, o que encaramos não de forma derrotista, mas antes como um estímulo para uma acção e intervenção que se querem cada vez mais plurais, partilhadas e participadas.
Mas, para o Partido Ecologista «Os Verdes», mais grave do que o que ainda não se cumpriu é o que estamos a perder, no verdadeiro retrocesso a que actualmente assistimos relativamente às conquistas do Estado de direito social que Abril nos deu e que agora nos querem roubar.
Não é possível assistir passivamente a um processo contínuo de degradação de serviços públicos e de emagrecimento forçado da Administração Pública, mormente nos sectores da educação e da saúde, cumprindo um plano de encerramentos progressivos e de desresponsabilização do Estado, de forma cega em relação àquela que é sua única razão de existir: servir as populações e responder às suas necessidades.
São cada vez mais os casos em que assistimos a uma demissão do Estado, entregando-se de forma mais ou menos declarada ao sector privado aquilo que deveria ser sua tarefa indeclinável. Privatizam-se ou concessionam-se serviços públicos tão importantes como, por exemplo, o abastecimento de água e tratamento de águas residuais, o domínio público hídrico, ou até mesmo, quem sabe num futuro muito próximo, as áreas protegidas e a conservação da natureza, em tudo colocando um preço, de tudo fazendo um negócio.
Não é assim, no entender de Os Verdes, que se cumpre Abril, nem é assim que se respeita a sua herança inscrita no texto constitucional.
Num momento em que o desemprego alastra, os trabalhadores, no sector público e no privado, vêem crescer as ameaças aos seus direitos e à segurança no emprego, assistindo à diminuição dos salários reais e à perda de poder de compra, acompanhados do aumento do custo de vida e das comparticipações sociais. Simultaneamente, enquanto a banca e outros poucos grupos económicos apresentam lucros astronómicos, o fosso da desigualdade aprofunda-se vergonhosamente e a sociedade vai dando sinais claros (como o da manifestação que reuniu 150 000 trabalhadores no passado dia 2 de Março), para quem quiser e souber ler, de que não estamos – não é possível ignorá-lo – no caminho certo.
A democracia tem inimigos, entre os quais o descrédito e a desconfiança nas instituições e nos órgãos. A democracia não é um dado adquirido: pode-se ganhar, deve-se construir e fortalecer, mas também se pode perder. Obriga-nos, por isso, a ser atentos, vigilantes, diligentes e responsáveis. Não se deve procurar em reformas do sistema político nacional que conduzam à redução da representatividade, do pluralismo e da capacidade real de intervenção e de escrutínio dos executivos pela oposição aquilo que só pode ser encontrado no respeito pelos compromissos eleitorais e na prestação de contas regular

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aos eleitores.
Da mesma forma, não se procure em reformas institucionais na União Europeia ou em tratados constitucionais a solução para males que radicam essencialmente no afastamento dessas mesmas instituições das preocupações do cidadão comum, que será agravado com a eventual redução da sua capacidade de intervenção, de decisão ou de voto em matérias como a adopção de um futuro tratado.
Procure-se, sim, no respeito pelos princípios sólidos fundadores da nossa democracia plural, os princípios da igualdade, liberdade e solidariedade, que são a herança que recebemos e o legado que queremos deixar às gerações futuras.
Viva o 25 de Abril!

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Primeiro-Ministro e Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados: Trinta e três anos passados sobre o 25 de Abril é tempo suficiente para a distanciação e para a maturidade. Para todas e todos quantos não vivem na nostalgia do passado e na ilusão do presente, este tempo já longo convoca a memória, e sem memória não há vida; convoca a responsabilidade, e falta responsabilidade na nossa sociedade; convoca a liberdade, e a liberdade é memória e é responsabilidade.
Em nome dessa liberdade, não olhamos para o passado com condescendência. Sabemos que o passado é um palco das lutas do presente e que tentativas de branqueamento do Estado Novo não são exercícios de retórica nem entretenimentos gratuitos. O ridículo de um concurso televisivo não pode ocultar o drama da luta pela liberdade, agora como ontem. Não esquecemos a ditadura nem quem ousou lutar contra a ditadura; não perdoamos a opressão nem desmerecemos quem teve a coragem de combater a opressão; não fechamos os olhos à censura e homenageamos quem defendeu a liberdade de expressão contra a censura; não esquecemos a guerra colonial nem quem pôs fim à guerra colonial. A ditadura foi também a falta de direitos das mulheres, o provincianismo da ideologia dominante, a cultura da ignorância, o desprezo pelo conhecimento. Por tudo isto, não é no passado que estão as soluções para a crise nacional. Pelo contrário, quando olhamos para o passado sabemos que só no presente se podem decidir os rumos do País.
Neste aniversário do 25 de Abril e nesta sessão solene, o Bloco de Esquerda quer afirmar perante o País que terminou o tempo das desculpas. Nada justifica o atraso, o desemprego, o abandono do interior, as faltas do sistema de justiça e a cultura atrofiada. Nada permite silenciar esta sobreexploração do trabalhador e da trabalhadora, o desprezo pelos jovens licenciados, a precarização da «geração dos 500 €», a marginalidade dos imigrantes, a «subsídiodependência» das empresas. Em Portugal, falta a agenda de um grande projecto de inclusão, de desenvolvimento e de democracia.
Pior ainda, falta o projecto europeu. O projecto europeu está reduzido à subserviência, perante uma burocracia poderosíssima mas temerosa do voto popular e da discussão sobre os caminhos colectivos.
Que haja hoje distintos dirigentes europeus e nacionais que admitam a hipótese de renegar a promessa soleníssima de um referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu deixa menos dúvidas do que certezas. Se é uma Constituição, não nos podem afirmar que é supérflua, porque um texto constitucional não pode ser um entretenimento e só pode ser a trave mestra de um sistema institucional. Ora, se este sistema diminui a democracia no momento da sua própria concepção e não se legitima no voto popular com a justificação de que o que faz é irrelevante, como pode a Europa ter futuro? Podem os europeus aceitar que os seus dirigentes apresentem uma Constituição, mas, simultaneamente, não a considerem suficientemente importante para dever ser ratificada pelo povo? Deixo aqui um apelo, em nome do Bloco de Esquerda: se a Europa quer ter uma Constituição, a promessa do referendo tem de ser cumprida. O País não perdoará a irresponsabilidade de quem promete e «despromete» o referendo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Convidados: Essa agenda de inclusão e de desenvolvimento deve ser a mais exigente das provas da democracia. Decerto, não há ninguém nesta sessão solene que ignore que Portugal é o país da Europa com mais e mais graves desigualdades sociais. Entre ricos e pobres, entre mulheres e homens, entre empregados e desempregados, entre o interior e o litoral, entre quem vive nas cidades e quem vive nas periferias. Tem de ser assim? Temos de fechar os olhos ao desperdício, à exibição das desigualdades, à prevaricação, aos crimes de colarinho branco, à evasão fiscal, aos compadrios? Temos de aceitar um sistema de ensino corrompido por algumas universidades privadas sem qualquer condição? Temos de aceitar um Serviço Nacional de Saúde sempre esvaído, dilacerado por gestões facilitistas, destroçado ao sabor de contabilidades ignorantes, perdendo as suas grandes qualidades de atenção e respeito por todos?

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As políticas liberais que conduzem sempre ao mesmo resultado, a desigualdade e a injustiça do capitalismo selvagem são a resposta à pergunta do País. É aí, nas políticas seguidas, que se encontra a razão da incapacidade de inverter o ciclo das desigualdades. Se nos perguntam quem são os responsáveis, queremos dizer com toda a clareza: os responsáveis são quem decide e aplica a desagregação dos serviços sociais que são a vida da democracia, quem atinge a igualdade de oportunidades que é a condição da liberdade. Essa agenda da modernidade, da inclusão, do desenvolvimento e da democracia é a exigência que a liberdade nos faz. Esta agenda marca sempre o debate nacional. E tem grandes vitórias, sem dúvida.
Saúdo aqui, desta Tribuna, o povo português que votou, de forma expressivamente maioritária, para terminar com a criminalização da mulher que aborta e para defender a saúde pública. Saúdo todas e todos quantos se juntaram a esta grande campanha pela democracia, que aprovaram a lei e que a aplicam agora.
Mas ainda falta demasiado. Falta um sistema de protecção social que apoie quem mais precisa. Falta uma política ambiental que puna a irresponsabilidade. Falta o combate à especulação imobiliária, o cancro corruptor do nosso país. Falta o combate à violência contra as crianças e os idosos, a dor secreta que fica dentro das famílias. Falta o direito de voto dos imigrantes, para que tenham toda a responsabilidade, mas também toda a cidadania, para que sejam parte da democracia.
Universalista, cosmopolita, europeu, democrático, capaz de desenvolver os serviços sociais, Portugal precisa de uma agenda de modernidade contra a selvajaria liberal. Portugal precisa da generosidade, do empenho, da coragem, da dedicação e da decência de uma política socialista. É o que lhe falta e é do que mais precisa.
Trinta e três anos depois, tantas promessas depois, sabemos que o ano de 1974 marcou o século passado. Mas foi no século passado. Aí estão as memórias, mas também a responsabilidade, e essa responsabilidade é para agora.
Aos que já não estão entre nós, a nossa homenagem. A começar pelo maior de todos os poetas da canção portuguesa, Zeca Afonso, desaparecido há 20 anos e nunca esquecido, que nos soube dizer que a responsabilidade é agora, que o que faz falta é a insubmissão dos que, com ele, não perderam nada da memória desse tempo. Com ele, aqui estamos para afirmar a liberdade, a igualdade e a fraternidade, numa cidade sem muros nem ameias.

Aplausos do BE, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e Restantes Membros do Governo, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Demais Autoridades Civis e Militares do Estado, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Sr.as e Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Reunimo-nos hoje, na já tradicional cerimónia comemorativa do 25 de Abril, para assinalar um novo caminho que há 33 anos iniciámos rumo à conquista da liberdade e à instituição da democracia no nosso país. Este caminho foi, é, e continuará a ser um caminho difícil, que está longe de se poder considerar garantido e, muito menos, concluído. A cultura de exigência implica a procura de mais democracia e de melhor protecção dos direitos fundamentais.
Ao celebrar os primeiros passos – difíceis e sujeitos de controvérsia como todos são — e já consolidados os princípios democráticos, devemos estar cientes de que esta, como qualquer outra obra humana, será sempre imperfeita e até desejavelmente inacabada. Por isso, hoje, para além da evocação do passado, é importante pensar o futuro de Portugal.
Na evocação, prestamos homenagem à determinação dos militares de Abril e a todos os que, durante o regime autoritário, foram perseguidos, presos ou exilados. Mas também homenageamos as figuras cívicas, políticas e militares que no período seguinte ao 25 de Abril lutaram e venceram um novo totalitarismo que proclamava o caminho para o socialismo e a primazia da autoridade revolucionária. Foram também esses homens que garantiram que Portugal seja hoje uma democracia de cariz europeu e ocidental. Relembro o exemplo de homens como Jaime Neves, Tomé Pinto ou Ramalho Eanes. Evoco a memória de Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa.
Nunca é demais recordar que, para que do 25 de Abril emergisse a democracia parlamentar, foi necessário e decisivo o 25 de Novembro de 1975. E se é justo homenagear os militares de Abril, não menos justo é, nesta hora, não esquecer aqueles que defenderam um Portugal verdadeiramente livre! Quanto ao futuro, é importante ter a consciência de como o mundo mudou. De como diferentes são os perigos, as ameaças e os desafios que se deparam a uma nação antiga como a nossa. Tanto mais que, ao contrário de outros países europeus, o século XX português, com a excepção de um curto período de tempo, não foi, em sentido filosófico, um século liberal. Não trouxe à sociedade portuguesa sentido

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do risco, tradição de empreendedorismo, defesa da propriedade, consolidação das liberdades individuais nem a necessária mobilidade social. Em tudo isto, o século XXI português terá de ser muito diferente.
A verdade é que o Estado Novo se caracteriza, para além da ausência das liberdades públicas, por um forte condicionamento da liberdade económica e social, legando uma cultura proteccionista. Mas não é menos verdade que o 25 de Abril, tendo introduzido as desejadas liberdades democráticas, criou um novo modelo estatizante, de que as nacionalizações e o elevado peso do Estado na economia foram o exemplo mais penoso.
Para vencermos estes novos desafios devemos também ultrapassar alguns dos dogmas desta herança, reforçando plenamente os ideais de democracia e liberdade. Desde logo, na Constituição, que no preâmbulo continua a referir o «caminho para uma sociedade socialista» e mantém dogmas ideológicos ultrapassados e a ilusão de um Estado tutelar.
Em segundo lugar, politicamente é essencial reforçar a existência de instituições sólidas e confiáveis, impedindo qualquer tentativa de substituir uma democracia representativa por uma «democracia de opinião» que carece de mandatos electivos. Ou de substituir, por decreto, uma democracia plural e representativa, que existe por única e exclusiva vontade do povo, por um sistema político cada vez mais fechado.
O futuro que ambicionamos é o de uma democracia com um Parlamento tão exigente quanto valorizado, baseado no pluralismo e no respeito pelo princípio da representatividade das várias correntes de opinião. Por isso, rejeitamos qualquer reforma de secretaria que conduza a um rotativismo assente em dois sentidos indiferenciados. O actual sistema eleitoral está bem e recomenda-se, pois permitiu todas as soluções e maiorias possíveis.
Em terceiro lugar, no que aos princípios basilares de uma sociedade respeita – a responsabilidade individual e a autoridade –, valores relevantes para a formação de uma nova geração de portugueses, devemos ser exigentes. Na escola, onde o declínio da autoridade do professor não é compatível com um igualitarismo enganador, que resulta em agressões de alunos a professores. Nos tribunais, onde a autoridade dos magistrados não é compatível com a espectacularidade mediática da justiça nem se compadece com atrasos inaceitáveis. Nas ruas, onde a autoridade das forças de segurança não é compatível com constantes actos de violência praticados contra quem defende o valor máximo da liberdade que hoje defendemos.
Em quarto lugar, Portugal não pode continuar a resultar de uma junção de duas realidades distintas, como se um só País se dividisse em dois. Não podemos permitir que a teimosia nos grandes projectos públicos resulte no fracasso da proximidade com os cidadãos e num País com um litoral densamente povoado e um interior desertificado pela ausência de serviços essenciais.
Não aceitamos a ideia de que o afastamento do Estado dos cidadãos é condição essencial para ganhar eficiência na sua gestão. É esta a fronteira invisível, mas efectiva, discriminadora e injusta, que denunciamos. Muitas decisões recentes, quanto ao funcionamento de serviços essenciais, significam, na prática, o encerramento administrativo de uma parte do País.
Hoje, os portugueses vivem com inseguranças. Insegurança quanto ao funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, insegurança quanto à solvência do sistema de pensões, insegurança quanto à capacidade de a economia gerar riqueza e criar emprego e insegurança quanto à defesa do poder de compra das famílias. São estas as inseguranças do «cidadão real» e são estas que o Estado tem de compreender, sabendo responder-lhes. Sem dogmatismos ou utopias, mas assente na administração exigente dos recursos públicos, na viabilidade das políticas sociais e no crescimento económico.
Acrescem ainda dois aspectos finais da maior relevância, quer para a nossa vida em comum enquanto sociedade, quer para as nossas ambições para o futuro. E por isso, e em quinto lugar, é necessário favorecer a criação de uma cultura de responsabilidade pessoal e social. Por exemplo, no aproveitamento das oportunidades que o sistema de ensino proporciona, no incentivo e na justiça célere propiciada a quem investe e arrisca, na intransigência face à corrupção, no escrutínio dos corpos profissionais, no respeito pela propriedade, na defesa da privacidade e na imagem que, como nação, damos para o exterior. Nestes, como em outros aspectos, a sociedade não pode delegar no Estado. Tem de ser exigente com o Estado mas também consigo mesma. E esta cultura de exigência é uma mudança de atitude que devemos aceitar e um desafio que temos de ultrapassar.
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e Demais Membros do Governo, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Por fim, e em sexto lugar, devemos dar a devida atenção aos desafios contemporâneos que estão diante dos nossos olhos, pois se as dificuldades são evidentes na criação de um modelo social moderno, mais claras ainda são se olharmos para os grandes desafios do século XXI como o ambiente, a investigação científica ou a cultura.
Como combater as alterações climáticas, sabendo que Portugal dispõe de uma vasta orla costeira e está francamente atrasado nos seus compromissos para a qualificação ambiental? Como apostar nas novas tecnologias, hoje sinónimo de desenvolvimento, quando Portugal tem uma taxa de utilização regular da Internet igual a metade da dos países mais desenvolvidos? Como assegurar a formação e a qualificação dos portugueses, quando o abandono escolar não diminuiu e apresenta uma taxa de insucesso superior ao dobro da média europeia?

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Como fazer da cultura uma das prioridades do País, fazendo com que esta, para além da protecção do nosso património e da nossa identidade, se assuma, respeitando a liberdade de criação, como um factor essencial de valorização e de afirmação de um País moderno, desenvolvido e aberto ao mundo? Este é o Portugal que falta fazer. É este o futuro que ambicionamos para vivermos num País que seja mais justo e, acima de tudo, mais próspero.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Lopes.

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Capitães de Abril, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Há 33 anos, a Revolução de Abril abriu um caminho novo. Aquele dia 25 de Abril de 1974 e o processo libertador que desencadeou, unindo Povo e Movimento das Forças Armadas, ficará para sempre ligado ao que de mais progressista regista a história de Portugal.
Não aconteceu por acaso. Foi obra dos militares de Abril, que daqui saudamos.

Aplausos do PCP, do PS, do BE, de Os Verdes e de Deputados do PSD.

Foi obra da luta de muitos anos dos trabalhadores e do povo português. Foi obra dos que resistiram, homens e mulheres que deram muito de si próprios (alguns a própria vida) para tornar possível o futuro de liberdade, democracia e progresso social. Nessa resistência, em que tantos democratas se envolveram, os comunistas e o seu Partido, na primeira linha da luta, alvos principais da repressão, promotores essenciais de uma inabalável confiança no futuro, tiveram um lugar ímpar. Não haverá silenciamento, reescrita da história ou usurpação da memória que o possa esconder.
Neste tempo, em que se procura esquecer, branquear e mesmo promover o fascismo, e quando alguns dos seus continuadores procuram impunemente emergir, é necessário lembrar o que foi a criminosa acção do regime fascista de Salazar e Caetano, que se abateu durante 48 anos sobre o povo português e Portugal. A PIDE, a repressão, a prisão, a tortura, o assassínio, a censura, a guerra, com o seu rasto de destruição e morte, a corrupção, o Estado ao serviço de uma pequena minoria, a pobreza, a miséria, a fome, as gritantes injustiças sociais, o analfabetismo e o atraso foram marcas desse tempo sinistro.
Há 33 anos, a Revolução de Abril pôs fim a esse período odioso e abriu caminho a um tempo de alegria, progresso, desenvolvimento, liberdade e democracia. Um tempo extraordinário que em poucos meses promoveu avanços progressistas sem paralelo.
Institucionalizou a liberdade e a democracia, a livre organização e acção dos partidos políticos, o poder local democrático, as regiões autónomas, a definição de uma Administração Pública ao serviço das populações e do País. Desencadeou grandes transformações para vencer estrangulamentos e sabotagens e promover o desenvolvimento: a reforma agrária, que deu trabalho a dezenas de milhares de trabalhadores, a nacionalização de sectores básicos e estratégicos, o controlo de gestão e o apoio aos pequenos e médios agricultores, comerciantes e industriais.
Consagrou os direitos dos trabalhadores à greve, à contratação colectiva, à liberdade sindical e à constituição das comissões de trabalhadores. Consagrou ainda a melhoria das condições de vida, o salário mínimo, o subsídio de desemprego, o mês de férias, a afirmação da dignidade e a valorização do trabalho e dos trabalhadores.
Respondeu às necessidades e aspirações populares de acesso à saúde, de generalização do ensino, de garantia da segurança social, dos direitos das mulheres e dos jovens e de promoção do desenvolvimento equilibrado do País, com a chegada dos médicos, da energia eléctrica, da água, dos transportes e de outros serviços públicos e apoios sociais que as populações festejavam.
Impulsionou a criação, fruição e promoção da cultura. Pôs fim à guerra colonial, assegurou a paz, a libertação de outros povos, a criação de novas pátrias, a quebra do isolamento internacional, a cooperação com os países e povos de todo o mundo.
Foi um tempo de concretização de sonhos e aspirações, de progresso, de esperança sem limites, de um projecto que é preciso cumprir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos 30 anos, sucessivos governos, combatendo os valores de Abril, têm vindo a comprometer o futuro do País, conduzindo-o aos graves problemas da actualidade.
Longe das promessas do pelotão da frente da União Europeia, Portugal ocupa um lugar cada vez mais atrasado nos principais aspectos económicos e sociais, defrontando graves problemas estruturais e um alto nível de desemprego, que atinge mais de 600 000 portugueses.
Os trabalhadores, as novas gerações, seres humanos com dignidade e direito a uma vida melhor, são tratados como peças descartáveis na engrenagem da exploração e do lucro. A prática de regressão dos

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direitos dos trabalhadores e da sua violação é acompanhada pelo Governo, que dá exemplo negativo com os trabalhadores da Administração Pública, enquanto a precariedade afecta mais de 1 milhão de trabalhadores, condicionando particularmente a vida dos jovens.
E como se já não bastasse, querem agora pôr todos os trabalhadores em situação precária, desenterrando o conceito de flexigurança para implementar os despedimentos individuais sem justa causa e dar mais poder à arrogância patronal na imposição arbitrária de horários, carreiras, funções e remunerações, promovendo a lei da selva nas empresas.
Aqueles que intensificam a exploração, as desigualdades e injustiças sociais, que acumulam lucros colossais à custa das dificuldades da maioria e do empobrecimento e miséria de muitos, pretendem aparecer como beneméritos de piedosas iniciativas de inclusão, na velha lógica que transforma pessoas a quem são devidos direitos e condições de vida dignas em mendigos da caridade dos que, afinal, os excluem todos os dias.
Onde há 33 anos a Revolução de Abril criou condições para as populações festejarem avanços, hoje, com uma nova estrutura do Estado e das suas funções, está em curso um processo de degradação, privatização e encerramento de serviços que abandona o interior e reduz a resposta em todo o País, ameaçando de forma particularmente grave o Serviço Nacional de Saúde.
As políticas sobre as Forças Armadas e os direitos dos militares, a independência da justiça e autonomia do Ministério Público, as forças de segurança e os serviços de informação levantam legítimas preocupações que se manifestam também face às limitações à liberdade de organização dos partidos políticos, de propaganda e informação e aos condicionamentos da liberdade sindical e do direito à greve. A soberania nacional é, por sua vez, submetida a uma integração europeia feita à medida das multinacionais e das grandes potências e quando alguns pretendem retomar um tratado morto pela vontade dos povos já há quem queira expropriar o povo português do direito de se pronunciar.
Trinta e três anos após o 25 de Abril, Portugal está aprisionado pelos interesses dos grupos económicos e financeiros, cujos lucros aumentam todos os anos à custa dos sacrifícios da maioria do povo e do comprometimento do desenvolvimento.
Neste tempo de preocupações e interrogações, a resposta aos problemas do País passa pela ruptura com a política de injustiça social e declínio nacional das últimas décadas e por uma mudança de rumo que tem como matriz o projecto de Abril, o projecto de futuro que a Constituição da República Portuguesa consagra.
O 25 de Abril é a Revolução, são as suas realizações e conquistas, são os seus valores e projecto. O 25 de Abril é o exemplo do combate à resignação, ao conformismo, às impossibilidades e inevitabilidades. O 25 de Abril é a imensa força transformadora da participação e da luta contra as injustiças, pela construção de um futuro melhor.
Por isso, o 25 de Abril, que justamente comemoramos na Assembleia da República, assinala-se na rua, nas comemorações populares, prolonga-se no 1.º de Maio, dia do trabalhador, para sempre ligado à Revolução de Abril, afirma-se nas lutas de todos os dias e afirmar-se-á nas manifestações do 1.º de Maio de 2007 e na greve geral de 30 de Maio, decidida pela CGTP-Intersindical Nacional.
Não haverá limitações e condicionamentos da liberdade de organização política, de informação ou manifestação ao serviço dos «novos velhos senhores» que possam fechar as portas do futuro. Como a história mostra, quanto mais altos forem os diques erguidos ao curso do rio das aspirações populares, mais impetuoso será o caudal da mudança.
Como diz o poeta, «o povo é quem mais ordena» e, sejam quais forem as condições, as dificuldades e os obstáculos, será a vontade e a força dos trabalhadores e do povo que acabará por triunfar, com Abril, para cumprir Abril, por um Portugal com futuro.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputados do BE.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Demais Altos Dignitários do Estado e Ilustres Convidados, Celebrado Militares de Abril, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, Portuguesas e Portugueses: O 25 de Abril é o momento de homenagear todos aqueles que, com amarras e restrições próprias da sua contingência, fundaram a democracia.
A democracia é, no entanto, e sob pena de contradição nos próprios termos, um regime político «aberto ao tempo», ao tempo e ao seu «livre decurso», ao tempo e ao seu «livre devir».
Neste sentido, a democracia tem de garantir a cada nova geração a possibilidade de decidir do seu próprio destino. Uma democracia que não deixe liberdade de escolha, de «autodeterminação» e de «autogoverno» às «gerações seguintes» ou, como agora se diz, às gerações futuras não é, não será nunca, uma democracia.

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A democracia vem, portanto, a ser, de entre todos os regimes políticos, aquele que menos deve aos seus fundadores, ainda que lhes possa dever muito… Na verdade, ela tem de ser diuturnamente sufragada pela vontade, pelo empenho, pelo zelo e pelo escrúpulo, para usar uma palavra com pergaminhos na teoria política, pela «virtude» dos que, em cada geração renovada, se sucedem.
Celebrar a democracia e a liberdade não é, por isso, só e tão-só queimar incenso na ara dos que, temerários e lúcidos, fundaram o regime democrático. Celebrar a democracia e a liberdade é também prestar homenagem a todos quantos têm contribuído para consolidar, enraizar e aperfeiçoar a vida democrática. Comemorar Abril pode ser, por isso, outrossim, celebrar os que têm vindo a construir a democracia ao longo destes 33 anos e, já agora, celebrar todos nós, portugueses, que a fazemos, madrugada a madrugada, com ou sem cravo na lapela.
Porque também nós, com a nossa responsabilidade geracional, fazemos democracia — fazemos a democracia —, não podemos nesta data alhear-nos das ameaças e das nebulosas que a espreitam e envolvem. Repito, sem medo nem receio das palavras: as ameaças e as nebulosas que espreitam e ensombram a qualidade da nossa democracia.
Resolvido que está, com legitimidade eleitoral maioritária no Parlamento, o problema da democracia formal, preocupam-nos de sobremaneira os problemas da democracia material e até certos pilares da dita democracia processual.
Não por acaso se ouvem insistentes vozes a clamar e reclamar por uma democracia de qualidade, substantiva, material, uma democracia de valores, assente nas regras do respeito, da verdade, da tolerância e do pluralismo.
Mas, Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados, como garantir e realizar essa democracia de valores, essa República da tolerância e do pluralismo, se nunca como hoje se sentiu uma tão grande apetência do poder executivo para conhecer, seduzir e influenciar a agenda mediática?

Vozes do PSD: — Muito bem!

Risos do PS.

O Orador: — Como podem assegurar-se as condições lineares do debate democrático, do debate aberto e franqueado no espaço público, se esse impulso de sedução e domínio perpassa do alinhamento e da agenda para o controlo mais directo ou indirecto de órgãos de comunicação ou das suas estruturas de gestão?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — E não falamos apenas e só da política de comunicação, verdadeira prima inter pares do poder executivo deste tempo, nem da conivência ou banalização e vulgarização dos contactos institucionais com jornalistas, nem das nomeações de administradores ou editores convenientes, nem das soluções legislativas que avaliam e adjectivam a qualidade do jornalismo. Falamos também — e com farta preocupação — da liberdade de expressão individual e da sua evidente castração.
Também o cidadão comum, trabalhador ou empresário, desempregado ou quadro médio, estudante ou funcionário público sofre e padece o efeito de tenaz da crise económica, por um lado, e da dependência estatal, pelo outro. A conjugação de uma grave situação económica com um discurso oficial de pensamento único, de auto-elogio maniqueísta e de optimismo compulsivo produz uma atmosfera propícia ao medo e ao receio do exercício da liberdade crítica e da assunção pública da divergência.

Aplausos do PSD.

Não, não são só os media; é também a sociedade portuguesa que está condicionada.
Nunca, como hoje, se sentiu este ambiente de condicionamento da liberdade. Do ponto de vista dos valores processuais da liberdade de opinião e da liberdade de expressão, vivemos, aqui e agora — ai de nós! —, num tempo de verdadeira «claustrofobia constitucional», de verdadeira «claustrofobia democrática».

Protestos do PS.

Mas se esta concentração do poder de influência é uma das mais inquietantes dimensões sociológicas dos dias que correm, a verdade é que esse apetite cresce e fermenta agora para o poder de mando, para o poder de coerção.
Com efeito, o poder executivo prepara-se — pelo menos assim anunciou — para legitimar, com a chancela da lei, a total concentração do poder de mando civil, do chamado poder policial.
A designada reorganização da segurança interna e das forças de segurança consubstancia uma cen-

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tralização do poder policial que põe em causa garantias elementares do Estado de direito democrático e é totalmente alheia à nossa tradição e à nossa cultura.
Pretende, então, criar-se, sob a alçada do chefe do Executivo, um secretário-geral que tanto coordena como ordena e que passará a tutelar todos os corpos policiais, aí incluída a Polícia Judiciária. O qual, para mais, se articula com os serviços de informações, acumulando todo o poder policial do Estado numa só fonte, numa só sede, numa só pessoa: juridicamente, o secretário-geral; virtualmente, o chefe do Executivo.
Tudo isto a par da criação de um Conselho Superior de Investigação Criminal, presidido também pelo chefe do Executivo, em que tem assento o Procurador-Geral da República, em posição estatutária de alto funcionário, subordinada e nunca antes assumida.
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Como compatibilizar essa nobre aspiração de qualificar a democracia, de a tornar numa democracia de valores, se as liberdades mais elementares, aquelas que podem ser postas em causa pelas funções de segurança, de inteligência e de investigação criminal, ficam à mercê de uma organização piramidal, todopoderosa, que desconhece as mais básicas regras de desconcentração do poder? Como aperfeiçoar um sistema democrático, se, ao fim de 30 anos de experiência e maturação, esse sistema declina, desliza e derrapa para um modelo simplista e «concentracionário» do «Grande Intendente», que tudo supervisiona, tudo tutela, tudo vigia? Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: A luta pela liberdade de expressão e pela integridade das defesas de garantia criminal, só asseguradas por um modelo não concentrado do poder policial, pertence ao património ideológico nuclear do PSD e teve, mesmo antes de 1974, em Sá Carneiro, um dos seus mais distintos protagonistas.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Para a nossa geração, celebrar Abril e fazer democracia é justamente denunciar, num tempo de letargia cívica e de anestesia cidadã, sem medos, com serenidade e com exigência, os novos perigos e ameaças para a liberdade dos cidadãos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Fizemo-lo, aqui e hoje, sob o signo poético e profético dos versos encorajantes de Sophia, que passo a ler: «Serenamente sem tocar nos ecos/Ergue a tua voz/E conduz cada palavra/Pelo estreito caminho/Vive com a memória exacta/De todos os desastres/Aos deuses não perdoes os naufrágios/Nem a divisão cruel dos teus membros./No dia puro procura um rosto puro/Um rosto voluntário que apesar/Do tempo dos suplícios e dos nojos/Enfrente a imagem límpida do mar.»

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em nome do Grupo Parlamentar do PS, vai usar da palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, antigos Presidentes da República Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, Sr. Cardeal Patriarca, Membros do Governo, Excelências, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Era Primavera, cheirava a madrugada e havia música no ar! E o dia foi abrindo, a esperança deu à luz e fez-se a Praça da Canção e a canção na praça.
E flores, muitas flores vermelhas que passaram a chamar-se liberdade.
As armas, essas quase nem precisaram de se fazer ouvir e o vento que passava passou a dar boas notícias do País.
As multidões, de mãos dadas, fizeram a única guerra que importava: dar ao poder a legitimidade que lhe tinha sido roubada.
Esta foi a luta de muitos, de várias gerações. Alguns nem viveram para dela poderem beneficiar. Mas também não foi para isso que a fizeram. Fizeram-na porque acreditaram que esse era o seu dever e legaram-nos a enorme responsabilidade de cumprir Abril.
Sente assim, nas cerimónias deste dia, quem viveu antes, durante e depois o 25 de Abril.
Ele foi-se construindo: na exposição da pobreza que obrigava a procurar outros países, porque o nosso não dava oportunidades; na guerra colonial, que violava o direito à autodeterminação já proclamado pela ONU; no isolamento nacional, doutrinariamente assente no obscurantista «orgulhosamente sós»; na

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perseguição, na tortura e na censura por motivos políticos, que desafiavam o respeito devido à dignidade e à liberdade, inerentes à condição humana; nas lutas estudantis, que constituíram o viveiro da sensibilização para a politica de milhares e milhares de jovens — saúdo Alberto Martins que arriscou tudo falando em nome de muitos de nós quando era proibido falar.
Fez-se, finalmente, com coragem, garbo, inteligência, autocontenção e sentido de responsabilidade, por um punhado de jovens – os Capitães de Abril – presentes nas galerias, e na nossa bancada, na pessoa do nosso estimado colega Marques Júnior, que daqui saúdo.

Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes, de pé, e de Deputados do PSD.

Foi a primeira Revolução sem sangue, de tal maneira que serviu de exemplo aqui ao lado e noutros continentes.
Mas a Revolução não era militar, era política, e os militares de Abril transmitiram o poder aos políticos em mais um processo exemplar. Porque a Revolução era para mudar o regime, restituindo o poder àqueles de quem ele deriva. Era para mudar a política, fazendo-a servir os princípios do desenvolvimento humano. Era, em suma, para nos devolver a liberdade e, ao fazê-lo, tornar-nos responsáveis pelo nosso futuro, numa lógica de direitos, mas também de correlativos deveres.
Fizemo-lo bem? Por certo não fizemos tudo o que devíamos, nem sempre o fizemos também da melhor maneira, mas o balanço é francamente positivo e todos os indicadores o mostram.
Fizemos a descolonização, encontrámos o nosso lugar e ocupamo-lo de pleno direito nas organizações internacionais construtoras, defensoras e promotoras dos direitos humanos e também obreiras da paz mundial.
Aprovámos uma Constituição assente na dignidade da pessoa humana, na liberdade e na defesa dos direitos humanos, na justiça, na solidariedade e no primado da política sobre a economia.
Consagrámos a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres como tarefa fundamental do Estado, fazendo apelo a uma nova cidadania organizativa.
Chegámos lá? A tendência para a autoflagelação esquece com muita facilidade que, conjunturalmente, o 25 de Abril coincidiu, na prática, com o primeiro choque petrolífero, o de 1973. Mas, mesmo assim, construímos a universalidade na educação, na segurança social e na saúde. Para quem partiu com 30 anos de atraso relativamente à Europa, tivemos que fazer muito em pouco tempo e teremos sacrificado algumas vezes a qualidade à quantidade.
A integração na União Europeia, cujo principal paladino foi Mário Soares, foi a segunda etapa desta luminosa Revolução, uma nova e rasgada oportunidade.

Aplausos do PS.

Aquela que verdadeiramente nos podia permitir deixarmos de ser um País adornado para o mar, para nos reequilibramos numa posição geoestratégica que nos permita tirar um novo partido da nossa fronteira terrestre virada para o centro da Europa.
Mas cumprir Abril 33 anos depois não é falar do passado, nem sequer do presente. É, sobretudo, falar do futuro, num mundo interdependente e interrelacionado. É falar de nós, mas também dos outros.
É falar do País e das batalhas que tem pela frente, de que cito apenas algumas.
Em primeiro lugar, a qualidade da democracia — e aqui a criação das condições para uma acrescida participação das mulheres na vida política, a luta contra a corrupção, a reforma do Parlamento, conjugada com outras medidas visando acrescentar mais transparência à acção política.
Em segundo lugar, o reforço da qualidade das instituições e do funcionamento do sistema de justiça, pedra basilar da qualidade da democracia e do desenvolvimento económico.
Em terceiro lugar, a modernização do País e as reformas estruturais que o nosso Governo, sob a direcção do Sr. Primeiro-Ministro José Sócrates, está a empreender no sentido de reforçar o papel estratégico do Estado, assente num forte poder regulador e numa Administração Pública competente, prestigiada, desburocratizada, que facilite a vida aos cidadãos e às empresas e num sector público que realize o objectivo e a dimensão social da universalidade.
Em quarto lugar, a criação de condições que permitam lutar contra as gravíssimas desigualdades que nos atingem: a batalha pelo emprego; a luta contra o abandono escolar; a formação profissional dos trabalhadores; a qualificação dos empresários e a luta contra as discriminações de toda a natureza, através do envolvimento de todos os agentes na luta contra a pobreza, como aconteceu no recente Roteiro para a Inclusão do Presidente da República.
Em quinto lugar, a batalha da qualificação e do potencial científico e investimento no capital humano, indispensáveis ao reforço da competitividade, e a participação de igual para igual já possível nas mais avançadas linhas de investigação a nível mundial, reforçando os princípios da bioética e do benefício para a humanidade.
Abril é falar da Europa, também, sobretudo neste ano em que Portugal vai assumir a Presidência durante o segundo semestre. Isto significará, 50 anos depois da assinatura do Tratado de Roma, encon-

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trar o adequado desenho constitucional que assegure que a Europa se assume a uma só voz nas relações externas e na política de segurança comum, cumpre o seu papel no equilíbrio geoestratégico mundial, contribuindo para a paz, para o desenvolvimento, para a protecção do planeta e para a regulação da globalização, em que a economia sirva as pessoas e não as pessoas a economia.
Mas só teremos mais Europa se colocarmos a coesão social a par da união política e da união económica.
Isto significará também uma clara definição das competências das instituições europeias e das competências nacionais.
O princípio da subsidiariedade, designadamente na organização dos sistemas de protecção social, é de salvaguardar de forma adequada.
Numa época onde as grandes diferenças entre partidos políticos se medem frequentemente na forma como concebem os modelos de protecção social, a imposição de modelos únicos europeus poria em causa a própria essência do sistema democrático nas suas escolhas nacionais.
Acompanho, por isso Jean-Paul Fitoussi e Jacques Le Cacheux no seu manifesto sobre a Europa dos bens públicos como contributo para a reforma da constituição económica europeia, tão oportuno quando estão em aprofundamento os serviços sociais de interesse geral, na sequência da revisão da Directiva Bolkenstein.
Defendem estes autores que prosseguir a integração no campo político implica uma explicitação prévia da reforma do projecto político que contém a Europa económica, conciliando duas realidades essenciais: o Estado-nação e a soberania partilhada. A estabilidade macroeconómica, o pleno emprego, a coesão territorial, o progresso do conhecimento e da sua transmissão, a protecção do ambiente (que preside à noção de desenvolvimento sustentável), a mobilidade, a independência energética e a coesão nacional através da integração social no seio de cada Estado-membro são bens públicos europeus essenciais ao bem-estar das populações.
A União Europeia é bem mais do que um mercado. É uma união política que deve ter a possibilidade de definir e concretizar estratégias industriais e comerciais, competindo à autoridade política reconciliar os objectivos de três políticas: concorrência industrial e comercial, sem subordinação destas últimas à primeira. A União Europeia não deve nem pode ficar de fora da prosperidade mundial e não pode subtrair-se às suas responsabilidades de grande potência. Ela tem um futuro a ganhar.
E o mundo? O mundo, esse, hoje já não é caracterizado pelo espaço-tempo mas pelo «espaçovelocidade», como diz Paul Virgilio.
Isto quer dizer que o mundo está aqui, na mão e na vida de cada um de nós. Mas esse mundo é vivido, por vezes, numa busca de felicidade «mais numa lógica de mina do que de agricultura ou horticultura», numa feliz expressão de Zygmunt Bauman. Isto é, mais numa lógica de exploração até esgotar do que numa lógica de cultivar e fazer crescer. Razão pela qual muito mais do que da visão de Thomas Friedman, que atribui à globalização a imagem de «o mundo é plano», comungo da premonição de Kant, de há bem mais de dois séculos, de que é porque o mundo é esférico que se impede a «dispersão infinita» e, no final, seremos todos vizinhos, não tendo outra alternativa senão vivermos todos juntos e sustentarmo-nos uns aos outros.
E é porque somos todos vizinhos, porque vivemos ao lado uns dos outros, que, enquanto não chega a época da «hiper-democracia», não podemos ignorar as terríveis desigualdades que convivem connosco e os milhões de pessoas que morrem por ano simplesmente porque são demasiado pobres para permanecerem vivas.
Outro mundo é preciso e é possível. É o que nos propõe Jeffrey Sachs quando afirma que a oportunidade que temos é de cortar a respiração: sermos capazes de fazer avançar a visão do iluminismo de Jefferson, Smith, Kant e Condorcet. A revolução democrática que o iluminismo pôs em marcha cobre actualmente mais de metade da população mundial; a visão de Kant sobre uma federação de Estados independentes está corporizada nas Nações Unidas; a imagem de Condorcet de uma revolução cientifica auto-sustentada tem demonstrado estar acertada e a ciência pode agora ser utilizada para tratar alguns dos maiores perigos permanentes da humanidade; e o conceito de Adam Smith relativo à difusão da riqueza económica é o mais imediato dos triunfos que temos à frente: a eliminação da pobreza extrema num período de apenas duas décadas, promovendo uma «globalização iluminada», constituída por democracia, multilateralismo, ciência e tecnologia e um sistema económico desenhado para satisfazer as necessidades humanas.
Acabar com a pobreza será a única oportunidade para lutar contra a paz precária que vivemos face às ameaças do terrorismo.
Parafraseando Robert Kennedy, «poucos terão a grandeza de vergar a própria história, mas cada um de nós pode trabalhar para mudar uma pequena parte dos acontecimentos e na totalidade de todos esses actos será escrita a história da sua geração (…).».
Seremos capazes. Estou certa de que sim. Teremos apenas que ler mais, como aconselha Paul Ricoeur, porque «a imaginação social é constitutiva da própria realidade». Depois, fazer bem, como nos ensina António Damásio, numa atitude de combate que vença o mero determinismo biológico, acrescentando-lhe emoção e sentimento.

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Teremos ainda de acrescentarmo-nos em multiculturalidade. Fazendo jus à nossa História, à nossa diáspora e à aliança entre civilizações, teremos de invocar a sabedoria oriental budista para a qual, ao esclarecimento, correspondem oito caminhos: visão correcta; resolução correcta; discurso correcto; conduta correcta; modos de vida correctos; esforço correcto; apreensão correcta; concentração correcta.
Se assim fizermos, todos, mas também cada um de nós, construiremos o futuro à altura da nossa ambição e cumpriremos Abril.

Aplausos do PS.

Neste momento, um elemento do público que se encontrava a assistir à sessão pronunciou algumas palavras de protesto, tendo sido retirado da Sala.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional e dos demais Tribunais Superiores, antigos Presidentes da República e Presidentes da Assembleia da República, Sr.as e Srs.
Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Altas Autoridades Civis e Militares, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Eminência: Nesta sessão solene, cumprimento de forma especial o Sr. Presidente da República, a quem agradeço ter aceite o nosso convite para se dirigir à Assembleia da República e ao País por ocasião do 33.° aniversário do 25 de Abril.
Cumprimento igualmente o poder executivo e o poder judicial e todas as individualidades presentes, nacionais e estrangeiras, e entre os convidados destaco — porque a democracia tem memória — os que aqui simbolizam o Movimento das Forças Armadas, a Associação 25 de Abril.

Aplausos do PS, do PSD, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Celebramos o Dia da Liberdade, grande marco de viragem na história portuguesa contemporânea, em que ao derrube da ditadura sucedeu o erguer assumido da democracia.
Temos motivos para nos orgulharmos: um elevado nível de protecção das liberdades públicas, instituições baseadas no sufrágio e na alternância, liberdade de imprensa, liberdade religiosa, um poder judicial independente, a integração europeia, o bom relacionamento internacional, a amizade com os países outrora antigas colónias, políticas públicas de solidariedade e coesão, livre empresa, internacionalização e abertura económicas, concertação social, fortes dinâmicas municipais e autonómicas, abertura de espírito, diálogo, tolerância e respeito mútuo.
Temos também, e ainda, motivos para nos preocuparmos: os desequilíbrios nas contas públicas e nas contas externas, o crescimento lento da economia abaixo da média europeia, a concorrência acrescida no mercado único e nas relações comercias externas da União Europeia, a deslocalização de empresas, os níveis de investimento externo e interno retraídos e o difícil ajustamento do sector administrativo às exigências de uma política de crescimento forte.
Motivos de orgulho, motivos de preocupação.
Por isso, o Dia da Liberdade não pode também deixar de ser dia da responsabilidade.
Diante de vós, não gostaria, neste 33.° aniversário do 25 de Abril, de orientar as minhas palavras para traçar o que deve ser feito por terceiros, mas, sim, para reflectir sobre o que em especial nos cabe, enquanto Assembleia da República, fazer ao serviço do País.
Como Presidente de um órgão de soberania eminentemente plural, uso assim da liberdade que conquistámos com a Revolução dos Cravos para realçar toda a responsabilidade que temos diante de nós e para o fazer perante as portuguesas e os portugueses que nos elegeram.
Com a X Legislatura quase a meio do percurso, temos sido a sede de um intenso processo político e legislativo, aberto à opinião pública e aos meios de comunicação, e com repercussões em toda a vida nacional, dado o carácter estrutural de algumas das reformas, atenta a iniciativa do Governo e dos grupos parlamentares, a dinâmica poder-oposição — com salvaguarda absoluta dos direitos desta — e a expressão activa de variados grupos de interesses que acorrem à Assembleia da República para exprimir um leque muito variado de pontos de vista.
Sendo a instituição mais aberta e exposta do sistema político, verifico que registamos — de acordo com os estudos de opinião — uma quota positiva na apreciação dos nossos concidadãos e que, neste particular, o Parlamento português está claramente acima da média europeia na valoração face aos seus congéneres em outros Estados-membros e bem acima de outras instituições nacionais.
Com tranquilidade, assinalo — e o mérito é de todos — que a nossa performance em quantidade de leis debatidas e aprovadas, número de reuniões plenárias, acolhimento de iniciativas populares (sobre leis, referendos ou petições), actividades, audições e deslocações por parte das comissões parlamentares, consultas públicas, transparência na divulgação de dados, abertura ao diálogo e aos contactos com o País real, ou, ainda, assumpção de responsabilidades culturais, se objectivamente comparada com outros Parlamentos de países membros da União Europeia (e contrariamente ao que o preconceito pos-

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sa supor) não nos deixa fazer má figura, muito pelo contrário.
Tenciono, aliás, propor, no âmbito da futura Presidência portuguesa da União Europeia, que os Parlamentos europeus estabeleçam entre si um método de comparação aberto para podermos avaliar, em conjunto, os padrões recíprocos de funcionamento em vários parâmetros e, assim, contribuir para o aperfeiçoamento da qualidade geral da democracia no espaço da União, fortalecendo o seu papel de verdadeiro líder mundial da democracia moderna no século XXI.
Em particular, registo o esforço em curso para escrutinar de modo mais efectivo as políticas europeias, para analisar as nossas contas públicas e a realidade orçamental, para proceder a inquéritos parlamentares independentes e para acompanhar e fiscalizar a execução das leis, dando finalmente cumprimento, neste ponto, ao estipulado no artigo 162.º da Constituição, que nos atribui especialmente tal tarefa enquanto órgão de soberania.
Como é natural, e até desejável, a Assembleia da República é, por vezes, alvo de críticas — é, aliás, esse o ambiente normal da democracia, regime político em que, felizmente, não há intocáveis. Discernindo com rigor o que são produtos profissionais específicos de certo tipo de campanha, não devemos, todavia, ignorar as críticas que nos dirigem, antes nelas devemos conscienciosamente meditar para podermos eliminar os factores que lhes dão origem e, assim, proceder num são e descomplexado entendimento de que o nosso dever é o de uma constante auto-reforma.
Democracia é liberdade, mas democracia é também responsabilidade. Democracia é exigência de correcto desempenho público, a começar, claro, pelo nosso próprio desempenho público e pelo cumprimento dos deveres de assiduidade em relação ao desempenho de mandatos públicos.
Sem esquecer opções a montante, indispensáveis para a reforma do sistema político — que espero ver concretizadas até ao final da X Legislatura, como as que moderadamente se impõem quanto ao sistema eleitoral —, as diversas forças políticas comprometeram-se a apresentar, até ao final do presente mês, as suas propostas para modernização e reforma do Parlamento. Todos as aguardamos com expectativa, tal é a importância de tal objectivo quanto à melhoria de funcionamento da Assembleia da República, numa perspectiva de reforço da democracia portuguesa e, consequentemente, de serviço a toda a comunidade nacional. Não podemos falhar esta oportunidade de aperfeiçoamento institucional e estou certo de que, com o consenso de todos, e com autêntico espírito de diálogo, poderemos chegar ao fim da Sessão Legislativa com o trabalho feito.
A par do esforço empreendido até aqui — e com resultados —, tenho a noção de que é possível ir mais longe, mantendo uma clara perspectiva constitucional e institucional sobre o que é um órgão de soberania, sede do poder legislativo, e não plataforma de eventos, no sentido de manter a intensidade da produção de leis, sem baixar padrões europeus estabilizados quanto ao número de reuniões plenárias semanais. Seremos capazes de reforçar o controlo político do Governo em Plenário e o contraditório com as oposições sobre verdadeiras questões de actualidade, seleccionadas por forma menos predeterminada pelo Executivo; prosseguir o aumento de actividades por parte das comissões; assegurar melhores condições de contacto com os eleitores e mais adequados suportes de comunicação; reforçar o rigor na gestão dos meios financeiros e humanos ao dispor da Assembleia; incorporar um número ainda maior de tecnologias de informação e comunicação em suporte das actividades parlamentares; em suma, melhorar, de forma consistente e credível, o desempenho do órgão de soberania Assembleia da República ao serviço da democracia portuguesa, democracia há 33 anos restaurada pela arrancada generosa e corajosa dos capitães de Abril. Confio nos Deputados a que colegialmente presido para que deste exercício, feito sem cansaço nem laxismo, com ideias e sem slogans, certamente com muita ambição, possa vir a sair um claríssimo resultado de eficiência e rigor que faça da Assembleia da República um verdadeiro caso de instituição parlamentar sem qualquer ambiguidade, sempre colocada acima da média europeia.
Sr. Presidente da República, Ilustres Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: As portuguesas e os portugueses que nos acompanham na simbologia desta cerimónia evocativa da libertação democrática, de Norte a Sul do País, nas Regiões Autónomas ou nas múltiplas partidas da emigração, rendem hoje homenagem às Forças Armadas Portuguesas, pelo seu contributo decisivo para um Portugal renascido, de cuja defesa nacional são o instrumento moderno, bem como expressão viva do contributo português para a paz e a segurança internacionais. A elas o nosso reconhecimento.
Há 33 anos começámos um caminho, um caminho por vezes difícil, mas de que ninguém se alheou e em que todos cabem no abraço fraterno da liberdade. Um caminho com rumo, que precisa absolutamente de continuar a contar com todas as portuguesas e com todos os portugueses, onde quer que se encontrem, para sermos capazes de prosseguir sempre mais além, sem desânimo, com confiança, com convicção, e com firmeza de carácter, o esforço de Portugal, as batalhas de Portugal, a vitória de Portugal.

Aplausos gerais.

Para dirigir uma mensagem à Assembleia da República, e também a todo o país, vai usar, em seguida, da palavra o Sr. Presidente da República,.

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O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Ilustres Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Ao longo dos anos, esta Câmara tem-se reunido em sessão solene para assinalar a passagem do dia 25 de Abril. Esta cerimónia tem vindo a repetir-se durante as últimas décadas, ano pós ano, sem grandes alterações de fundo.
Creio que é chegado o tempo de nos confrontarmos com algumas interrogações. De tão repetida nos mesmos moldes, o que resta verdadeiramente da comemoração do 25 de Abril? Continuará a fazer sentido manter esta forma de festejarmos o Dia da Liberdade, ou será tempo de inovar? Estas dúvidas trazem consigo uma outra pergunta: não estarão as cerimónias comemorativas do 25 de Abril a converter-se num ritual que já pouco diz aos nossos concidadãos? Preocupo-me sobretudo com o sentido que este Dia da Liberdade possui para os mais jovens, para aqueles que nasceram depois de 1974. É deles o futuro de Portugal. O que dirá este cerimonial às gerações mais novas? É uma pergunta que não posso deixar de colocar à reflexão dos Srs. Deputados à Assembleia da República.
O 25 de Abril não é a festa de uma geração, mas um momento que deve interpelar todos os portugueses. Nós, os que estamos hoje aqui reunidos, não somos os donos da Revolução, nem os proprietários da democracia.
O que esta data e o que o regime democrático têm de singular é precisamente o facto de não ser exclusivo de ninguém, mas património comum de Portugal inteiro. Ninguém é dono do 25 de Abril. A história pertence a todos, mesmo aos que a não viveram.
Interrogo-me, Srs. Deputados, se não devemos actualizar a evocação do 25 de Abril de 1974, pensando sobretudo naqueles que não sentiram a emoção desse dia.
Para os mais jovens, a liberdade tem um significado distinto daquele que possui para muitos dos presentes nesta cerimónia. Pode mesmo afirmar-se que, na sociedade portuguesa, coexistem duas maneiras de sentir a liberdade. De um lado, a liberdade daqueles que tiveram de a conquistar e de batalhar por ela; do outro lado, a liberdade daqueles que a têm como uma realidade natural da vida, tão inquestionada e adquirida como o ar que respiram.
Não nos podemos esquecer de que houve um tempo em que Portugal não respirava esse ar de liberdade. Houve um tempo em que foi necessário o inconformismo de jovens militares para que nascesse enfim «o dia inteiro e limpo» de que nos fala o poema de Sophia.
A liberdade também é memória, e também como memória merece ser celebrada.
Nos dias de hoje, a melhor homenagem que podemos fazer ao 25 de Abril é comemorar nele uma visão inspiradora de liberdade activa. Não podemos continuar apegados somente a uma ideia da liberdade como memória, perdendo de vista a ideia, essa sim mobilizadora e dinâmica, da liberdade como projecto. Um projecto sempre inacabado e plural, aberto às mais diversas leituras, insatisfeito consigo mesmo. Neste dia, devemos celebrar a liberdade que se constrói a partir do inconformismo e na ambição de um futuro melhor.
A liberdade é mais do que um fim em si mesmo, é também um meio para dela fazermos o que quisermos, no respeito pela liberdade dos outros. Justamente porque somos livres, podemos utilizar a nossa liberdade para nos realizarmos enquanto pessoas, numa sociedade aberta e democrática.
Ser livre é uma condição, não é um resultado. É um pressuposto, não uma finalidade. Não se é livre sem mais. É-se livre para pensar e agir, para fazer alguma coisa. Livre para fazer o que a liberdade nos permite nas nossas vidas pessoais, na profissão que escolhemos, nos projectos que ambicionamos levar a cabo, no País que sonhamos e queremos construir. É da liberdade activa que nasce o pluralismo democrático, que esta Assembleia espelha.
Saúdo com apreço os Srs. Deputados, legítimos representantes da pluralidade da nação portuguesa.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: O 25 de Abril de 1974 representou, antes de mais, um gesto de inconformismo e de não resignação. A pior maneira de o celebrar será aceitarmos, acomodados, que a erosão do tempo transforme o 25 de Abril numa simples efeméride, num dia feriado, que, ano após ano, os portugueses gozam com a indiferença dos velhos hábitos.
Julgo que existe uma melhor maneira de evocar este dia. Há que assinalá-lo exactamente com o mesmo espírito inconformista que, em 1974, tornou possível a liberdade. Devemos celebrar o 25 de Abril cientes de que os portugueses não se resignaram a viver num regime sem liberdade e de que, no decurso do processo revolucionário, se mantiveram firmes e intransigentes do lado da democracia, contra todas e quaisquer formas de opressão. Ninguém nos deu a liberdade. Somos livres porque o quisemos ser.

Aplausos do PSD e de Deputados do PS.

O inconformismo é timbre da juventude. Quero, por isso, neste Dia da Liberdade, dirigir-me directamente às novas gerações e fazer-lhes um apelo, em palavras simples: não se resignem!

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Neste primeiro ano como Presidente da República, tenho encontrado inúmeros casos de sucesso entre os jovens portugueses.
Por todo o País, de norte a sul, contactei jovens cientistas e investigadores, que desenvolvem projectos que colocam Portugal numa posição de vanguarda.
Conheci empresários dinâmicos que compreenderam as exigências do mercado global, que ousaram arriscar e que não se deixaram vencer pelo pessimismo que corrói vontades e destrói vocações.
Convivi com uma nova geração de jovens artistas e desportistas que trilham os caminhos do sucesso.
Deparei com inúmeros exemplos, alguns deles comoventes, de jovens que participam em actividades de voluntariado, oferecendo o seu tempo ao serviço dos que mais precisam. Os jovens conhecem, como ninguém, o sentido autêntico de palavras como «excelência», «inovação» ou «inclusão social».
Tenho orgulho na juventude do meu País. Rejeito a ideia de que as gerações mais novas possam ter competências mais reduzidas, maiores deficiências de formação, menor sentido do dever e de responsabilidade, menos altruísmo e pouca atenção às necessidades dos outros. Não é isso que tenho encontrado tanto no interior como no litoral do País, tanto nas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo como nos contingentes militares em missão no estrangeiro.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

A experiência que adquiri dá-me fundadas razões para ter esperança.
Confio no futuro de Portugal porque confio na sua juventude.
O que vejo e encontro por todo o País tem-me levado a pensar sobre nós próprios, a geração que viveu o 25 de Abril. Temos realmente estado à altura da ambição dos nossos jovens? Temos sabido alimentar a esperança nascida há 33 anos? Não devemos ignorar que existem sinais de alguma preocupação. Há todo um conjunto de perplexidades e dúvidas que não podem deixar de merecer uma reflexão conjunta, para a qual convoco os portugueses neste Dia da Liberdade.
Os jovens, como disse, têm revelado potencialidades que nos fazem ter esperança e confiar no futuro. Mas que valores lhes estamos a transmitir? O que temos feito para que as novas gerações continuem a acreditar no seu país? Que condições criámos para que os jovens, sobretudo os mais qualificados, permaneçam em Portugal e não rumem a outras paragens? Estamos a fazer tudo o que devemos para garantir a sustentabilidade do nosso modelo de Estado social? Como iremos assegurar, no futuro, a justiça e a equidade entre as gerações? Que ambiente e que recursos naturais vamos deixar aos nossos filhos? Se é um facto que existe um dinamismo inquestionável dos jovens, na sua abertura ao mundo, no uso das novas tecnologias, na aquisição de competências e saberes, o mesmo se não dirá quanto à sua participação e interesse pela vida pública.
Há que reconhecer que não temos conseguido mobilizar os jovens para um envolvimento mais activo e participante na vida política. Sei que se trata de um fenómeno que não ocorre somente em Portugal, antes corresponde a uma tendência comum nas democracias consolidadas das sociedades pósindustriais. Mas o facto de o desinteresse cívico dos jovens não ser um exclusivo nacional não deve, de modo algum, reconfortar-nos.
Pelo contrário, porque tenho a ambição de um País melhor, considero que não nos podemos acomodar. Não me resigno nem me conformo na batalha pela qualidade da democracia portuguesa. Temos de deixar aos nossos filhos e aos nossos netos um regime em que sejamos governados por uma classe política qualificada, em que a vida pública se paute por critérios de rigor ético, exigência e competência, em que a corrupção seja combatida por um sistema judicial eficaz e prestigiado.
Decorridos mais de 30 anos sobre a queda de um regime autoritário, Portugal deve pensar-se como democracia amadurecida. Uma democracia em que o escrutínio dos poderes esteja assegurado por meios de comunicação social isentos e responsáveis.
É urgente reinventar o espírito de cidadania, o que exige uma mudança da nossa cultura política.
Cada um deve contribuir com o seu exemplo para que os jovens se apercebam de que está a ser feito um esforço para melhorar a qualidade da nossa democracia.
É necessário que os agentes políticos se empenhem mais na prestação de contas aos cidadãos, que os portugueses conheçam e compreendam o sentido e os objectivos das medidas que vão sendo adoptadas, que exista clareza e transparência na relação entre o poder político e a comunidade cívica.
É preciso que exista uma clara separação entre actividades políticas e actividades privadas, que as situações de conflito de interesses sejam afastadas por imperativo ético e não apenas por imposição da lei.
Sem prejuízo das naturais diferenças de ideias e opiniões, as diversas forças partidárias, ao invés de se ficarem apenas pelo que as divide, devem juntar esforços e fazer obra em comum, pensando primeiro em Portugal e nos portugueses. Só assim poderemos conquistar o interesse das novas gerações pela actividade política.
Acima de tudo, temos de deixar aos jovens a ideia de democracia como um código moral e um senti-

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do de identidade colectiva. As novas gerações devem ver Portugal como uma comunidade que possui um destino singular num mundo globalizado.
Os jovens têm de se rever no seu país, no país que têm e no país que ambicionam ter. Para tanto, é fundamental que as novas gerações saibam como chegámos até aqui, o muito que fizemos para aqui chegar e que o aqui onde estamos será sempre o ponto de partida para novos destinos.
Portugal tem uma história de séculos, que nos diferencia e nos identifica. Deixámos marcas por todo o mundo. Falamos uma língua que é partilhada por milhões de seres humanos. Possuímos um património material e imaterial que temos a obrigação de preservar e de legar às gerações vindouras. É em torno da defesa desse património e dessa cultura multissecular que, sem saudosismos ou passadismos de qualquer espécie, deve ser construído um novo sentimento patriótico.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Quero terminar renovando o meu apelo aos jovens portugueses: não se conformem! Há precisamente um mês, no passado dia 25 de Março, o Fórum Europeu da Juventude emitiu a Declaração de Roma, a qual termina de uma forma expressiva: «Ouçam o que temos para dizer, perguntem-nos o que precisamos e depois actuem!».
É esta a mensagem com que a juventude interpela a Europa e os seus dirigentes.
A política, nos nossos dias, é inconcebível sem o contributo das novas gerações. Por isso, tenho procurado ouvir os jovens no decurso dos «roteiros» que lancei, aqui, nesta Câmara, há um ano. De todos recebo sinais de incentivo e de esperança. É tempo de actuar. Vivemos um ano decisivo para realizar reformas de fundo em domínios essenciais da nossa vida colectiva.
O futuro não pode ser adiado. Apelo, por isso, aos jovens, neste aniversário do 25 de Abril. Com a liberdade de que dispõem, irão até onde a vossa ambição vos quiser levar. Daqueles que nasceram e cresceram em democracia só podemos esperar o melhor. Agora tudo depende de vós e do vosso inconformismo. Em nome de Portugal, não se resignem!

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP, de pé.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Declaro encerrada a Sessão Solene Comemorativa do XXXIII Aniversário da Revolução do 25 de Abril.

Neste momento, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada junto aos Passos Perdidos, executou o hino nacional, que foi cantado de pé.

Aplausos gerais, de pé.

Eram 11 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS): Leonor Coutinho Pereira dos Santos Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Social Democrata (PSD): Fernando Mimoso Negrão

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS): Alberto Arons Braga de Carvalho Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho António José Martins Seguro Deolinda Isabel da Costa Coutinho Hugo Miguel Guerreiro Nunes Isabel Maria Pinto Nunes Jorge João Raul Henriques Sousa Moura Portugal Joaquim Augusto Nunes Pina Moura

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Joaquim Barbosa Ferreira Couto Jorge Manuel Monteiro de Almeida Lúcio Maia Ferreira Manuel Luís Gomes Vaz Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos Maria de Fátima Oliveira Pimenta Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues Maria Jesuína Carrilho Bernardo Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão Paula Cristina Barros Teixeira Santos Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes Vítor Manuel Bento Baptista Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD): António Joaquim Almeida Henriques António Paulo Martins Pereira Coelho Carlos Alberto Silva Gonçalves Carlos Jorge Martins Pereira Carlos Manuel de Andrade Miranda Domingos Duarte Lima Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro José Manuel Pereira da Costa José Pedro Correia de Aguiar Branco Mário Patinha Antão Pedro Augusto Cunha Pinto Pedro Miguel de Santana Lopes Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Comunista Português (PCP): Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes José Honório Faria Gonçalves Novo Maria Luísa Raimundo Mesquita

Partido Popular (CDS-PP): Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio João Nuno Lacerda Teixeira de Melo

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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