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Quinta-feira, 17 de Maio de 2007 I Série — Número 83

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE MAIO DE 2007

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. — Deu-se conta da apresentação das propostas de lei n.os 136 a 138/X, da proposta de resolução n.º 53/X, dos projectos de lei n.º 382 e 383/X e do projecto de resolução n.º 208/X.
Após leitura da respectiva acta, a Mesa proclamou eleito Vice-Presidente da Assembleia da República o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
Em declaração política, o Sr. Deputado Telmo Correia (CDS-PP) criticou a escolha do candidato do PS à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, a data para a realização das eleições e a instabilidade no Tribunal Constitucional que a saída do novo Ministro da Administração Interna implica, tendo defendido uma remodelação governamental mais vasta. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Agostinho Branquinho (PSD), Alberto Martins (PS), Bernardino Soares (PCP) e Luís Fazenda (BE).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Sérgio Vieira (PSD) teceu críticas à política do Governo para o poder local, que levaram à marginalização da região norte do País, nomeadamente do distrito e da cidade do Porto, tendo defendido políticas pró-activas para o desenvolvimento, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Renato Sampaio (PS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Machado (PCP), a propósito da designação, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, do ano de 2007 como o ano europeu da igualdade de oportunidades para todos, acusou o Governo de prosseguir políticas que agravam as desigualdades e as injustiças sociais.
A Sr. ª Deputada Maria Manuel Oliveira (PS) condenou a coligação CDU pela gestão que está a levar a cabo nas autarquias do distrito de Setúbal e salientou o projecto do seu partido para aquele distrito. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Bruno Dias

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(PCP) e Álvaro Saraiva (Os Verdes).
Ordem do dia. — Foram aprovados os n.os 68 a 77 do Diário.
Sobre o projecto de lei n.º 304/X — Altera o Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, na parte respeitante à colocação no estrangeiro de menores residentes em Portugal, com vista à adopção (PS), que foi apreciado na generalidade, proferiram intervenções os Srs. Deputados Maria Carrilho (PS), Pedro Mota Soares (CDS-PP), João Oliveira (PCP), Alda Macedo (BE) e Luís Montenegro (PSD).
Procedeu-se também à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 232/X — Cria o regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges (BE), tendo-se pronunciado, a diverso título, os Srs. Deputados Helena Pinto (BE), António Montalvão Machado (PSD), Maria do Rosário Carneiro (PS), Nuno Magalhães (CDS-PP), Jorge Varanda (PSD), António Filipe (PCP), Álvaro Saraiva (Os Verdes), Sónia Sanfona (PS) e Fernando Rosas (BE).
Por último, a Câmara apreciou, na generalidade e em conjunto, a proposta de lei n.º 125/X — Autoriza o Governo a aprovar um regulamento das custas processuais, introduzindo mecanismos de modernização e simplificação do sistema de custas, a revogar o Código das Custa Judiciais e a alterar o Código de Processo Civil, o Código de Processo Penal e o Código de Procedimento e de Processo Tributário e o projecto de lei n.º 265/X — Altera o regime das custas judiciais e dos encargos da justiça (BE), sobre os quais intervieram, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça (Conde Rodrigues), os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), João Oliveira (PCP), António Montalvão Machado (PSD), Helena Terra (PS) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro

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Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato José Diniz Gonçalves
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado

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António Joaquim Almeida Henriques
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado

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Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Hélder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Álvaro José de Oliveira Saraiva

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 136/X — Adapta o regime da Caixa Geral de Aposentações ao regime geral da Segurança Social em matéria de aposentação e cálculo de pensões, que baixou à 11.ª Comissão, 137/X — Aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública, que baixou à 1.ª Comissão, e 138/X — Aprova a orgânica da Guarda Nacional Republicana, que baixou à 1.ª Comissão; proposta de resolução 53/X — Aprova o Protocolo Adicional referente ao Estabelecimento da Sede da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em Portugal, assinado em Lisboa, em 26 de Março de 2007, que baixou à 2.ª Comissão; projectos de lei n.os 382/X — Reforça os direitos da Liga dos Bombeiros Portugueses (PCP), que baixou à 1.ª Comissão, e 383/X — Regula o modo de exercício dos poderes de fiscalização da Assembleia da República sobre o Sistema de Informações da República Portuguesa e o regime do segredo de Estado (PCP), que baixou à 1.ª Comissão; e projecto de resolução n.º 208/X — Redução dos impactes causados pelos sacos de plástico no ambiente (PSD).
Por último, Sr. Presidente, cumpre-me informar a Câmara do resultado da eleição do Vice-Presidente da Assembleia da República, proposto pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, constante de acta do seguinte teor:

Aos dez dias do mês de Maio de dois mil e sete, procedeu-se à eleição de um Vice-Presidente da Mesa da Assembleia da República, proposto pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, sendo apurado o seguinte resultado: Votantes — 204 Candidato proposto: João Nuno Lacerda Teixeira de Melo Votos «sim» — 163 Votos brancos — 38

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Votos nulos — 3 Face ao resultado obtido, declara-se eleito o candidato proposto.
Para constar se lavrou a presente acta que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores, Isabel Santos — Maria Ofélia Moleiro.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, antes de iniciarmos o período destinado a declarações políticas, quero, naturalmente, em nome da Mesa, cumprimentar o Sr. Deputado Telmo Correia, que tão brilhantemente exerceu as funções de Vice-Presidente, e saudar o novo Vice-Presidente, desejando-lhe um excelente exercício de mandato…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — … e votos de muitas felicidades no desempenho destas novas funções.
Agora, sim, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, que faz a sua estreia como líder parlamentar nesta Legislatura.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, permita-me que, nesta primeira intervenção, na qualidade de líder parlamentar do CDS-PP, o cumprimente, também eu devolvendo o cumprimento a V. Ex.ª, e lhe dê nota, bem como à Câmara, da enorme honra que foi para mim ter assumido as funções de VicePresidente da Assembleia da República sob uma tão brilhante e tão digna Presidência de V. Ex.ª.

Aplausos do CDS-PP, de Deputados do PS e do Deputado do PSD António Montalvão Machado.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como imaginarão, quero falar-vos hoje daquele que foi o principal acontecimento político do dia de ontem.
Ontem, o Primeiro-Ministro, Eng.º José Sócrates, apresentou ao País a sua mini-remodelação: sai o Ministro da Administração Interna e Ministro de Estado António Costa, para candidato do PS à Câmara Municipal de Lisboa, entra o Dr. Rui Pereira.
É, de resto e, diga-se, em primeiro lugar, em pouco mais de dois anos de governação socialista, a terceira saída de um Ministro de Estado: Campos e Cunha, Freitas do Amaral e, agora, António Costa abandonaram funções enquanto Ministros de Estado.

Vozes do CDS-PP: — Bem lembrado!

O Orador: — É um bom sinal do estado a que chegou a governação do Partido Socialista!

Aplausos do CDS-PP.

Vozes do PS: — Oh!

O Orador: — Curiosamente, o mesmo José Sócrates, que, de manhã, enquanto Primeiro-Ministro, não falava de questões partidárias, à noite, enquanto Secretário-Geral do PS, na sede nacional, remodelava o Governo.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Está enganado!

O Orador: — Não estou, não, Sr. Deputado!

O Sr. Afonso Candal (PS): — Está, está!

O Orador: — Em nome do CDS, alerto a Câmara e o País, desde logo, para uma questão fundamental: o Primeiro-Ministro subordina a agenda do País e as questões de Estado ao interesse político e à agenda partidária do Partido Socialista.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Não é verdade!

O Orador: — Do nosso ponto de vista, não é normal retirar um Ministro de Estado por razões partidárias.
Em primeiro lugar, porque o Ministro António Costa abandona o Governo no exacto dia em que se inicia, relativamente aos incêndios florestais, a chamada «Fase Bravo». Não é aconselhável que o Ministro que

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tem a responsabilidade máxima de liderar o combate a este tão grave flagelo saia na véspera do momento mais crítico.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Pode o Sr. Primeiro-Ministro apresentá-lo como um político corajoso, mas o que é certo é que abandona mesmo antes de chegar à «Fase Bravo».

Aplausos do CDS-PP.

Em segundo lugar, o Ministro António Costa abandona funções a meio da anunciada reforma das forças de segurança, ou seja, ficaremos uma vez mais à espera da tão urgente reforma da PSP e da GNR, dossier sempre prometido mas, mais uma vez, inacabado.
Em terceiro lugar, todos sabemos ser prioridade do País a reforma da Administração Pública, todos concordaremos mesmo ser a mais importante das reformas, até do ponto de vista da economia e do controlo das finanças públicas. Pois bem, o seu autor e responsável, António Costa, vira costas e vai para Lisboa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Em quarto lugar, António Costa abandona o Governo numa altura em que Portugal está a dias de assumir a Presidência da União Europeia e em que tudo recomendaria a estabilidade, ao nível do Governo, tratando-se, para mais, do seu número dois.
Na presidência portuguesa, para além da questão lógica da substituição feita pelo Primeiro-Ministro, que fica posta em causa, convém recordar que estão em cima da mesa dossiers tão importantes como o da imigração na Europa, onde era útil ter um político experiente e conhecedor dos dossiers.
Em quinto e último lugar, fica inacabado o dossier da descentralização para os municípios e o reforço das competências municipais. O PS não resolve a questão da transferência de competências e meios para os municípios, limitando-se, assim, a deslocalizar ou, se quisermos, a localizar o seu número dois do Governo na cidade de Lisboa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Sublinhe-se e reconheça-se que esta mini-remodelação acontece fruto de uma instabilidade na Câmara de Lisboa, na qual o primeiro e principal responsável é o Partido Social Democrata, mas que contou, durante muito tempo, com a condescendência ou mesmo a cumplicidade daquele que é o primeiro partido da oposição, ou seja, o Partido Socialista.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Devo dizer-vos, Sr.as e Srs. Deputados, que até já tínhamos percebido, há algum tempo a esta parte, que iria haver remodelação, que iria acontecer qualquer coisa. É que lemos, numa notícia «breve», que o Ministro António Costa andava a estudar inglês. Assaltou-nos imediatamente à memória que, da última vez que esta notícia apareceu, algures em 2004, António Costa preparava-se para mudar de função, sair do Parlamento e candidatar-se ao Parlamento da Europa.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Que coisa tão feia!

O Orador: — Desta vez, quando vimos a notícia, pensámos logo que ia haver mudanças. Sempre que o Ministro António Costa inicia um estudo mais aprofundado da língua de Shakespeare, alguma coisa está para acontecer.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Que coisa tão feia!

O Orador: — Só não tínhamos percebido é que, afinal, o curso intensivo de inglês não era para poder conversar, de igual para igual, com os seus homólogos dos governos europeus mas para poder dizer, mais provavelmente, num tom convicto e alegre: «Welcome to Lisbon!».

Aplausos do CDS-PP.

Convém sublinhar que o CDS não é contra a ideia de remodelação deste Governo. Sugerimos até, e em várias circunstâncias, que Ministros como o especialista em gaffes internacionais e Ministro da Economia, Manuel Pinho, o inexistente e desaparecido Ministro do Ambiente, Nunes Correia, ou o Ministro contra a

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agricultura, Jaime Silva, seriam remodeláveis e seriam bem remodelados, no interesse da Nação. O que não faz sentido é que a única remodelação que é feita não o seja no interesse do País mas no interesse do Partido Socialista. Nós, CDS, continuamos a defender uma verdadeira remodelação.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Não nos pronunciamos, hoje, sobre a escolha do Dr. Rui Pereira como novo Ministro da Administração Interna. O Dr. Rui Pereira é um jurista reconhecido, que respeitamos. Nesse aspecto, limitamo-nos a sublinhar que herda um conjunto de dossiers complexos, a precisarem, eventualmente, de resolução antes mesmo que ele tenha tempo de os analisar e estudar devidamente. Desse ponto de vista, desejamos-lhe, sinceramente, a melhor sorte. O que consideramos estranho é que esta «dança de cadeiras», que o faz sair do Tribunal Constitucional pouco tempo depois da sua eleição, representa um afunilamento progressivo das escolhas do Primeiro-Ministro, gerando, aí também, no Tribunal Constitucional, instabilidade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Por último, e sem querermos também entrar agora em considerações relativas às eleições municipais — a seu tempo o CDS entrará nessa discussão —, não podemos deixar de sublinhar, desde já, que o Ministro António Costa termina mal o seu mandato e que o candidato António Costa começa muito mal a sua candidatura.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Porquê? Porque a Governadora Civil de Lisboa, nomeada pelo Ministro António Costa, escolheu como data para as eleições aquela que mais convinha ao candidato António Costa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Quando a Governadora Civil de Lisboa escolhe este dia, seja ou não essa a sua intenção, o certo é que deixa no ar a ideia de que quis, ao estabelecer um prazo tão curto, conseguir dois resultados objectivos.
Em primeiro lugar, quis afastar a possibilidade de candidaturas independentes, dando-lhes um prazo tão curto para a recolha de assinaturas. E convém recordar que a candidatura independente que está lançada é de esquerda e de uma, até há poucos dias, militante do Partido Socialista, Helena Roseta.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Em segundo lugar, quis impedir, contra a lei, que outros partidos pudessem exercer o direito de apresentar coligações. Toda a tramitação para a apresentação de coligações estava esgotada na própria hora em que as eleições foram convocadas.
Neste momento, em que tanto se discute a qualidade da democracia e a reforma das instituições e em que algumas ameaças, vindas do «centrão», pairam já sobre a democracia e o pluralismo, como é o caso da reforma das leis eleitorais, o Partido Socialista, com o acordo e a cumplicidade da esquerda à sua esquerda e — pasme-se! — do Partido Social Democrata, deu um péssimo exemplo, do ponto de vista da correcção, da decência democrática e do respeito pela participação dos independentes, sempre tão proclamada pela esquerda.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — O Partido Socialista deixou a ideia de que decidiu em interesse próprio, procurando, na secretaria, afastar concorrentes directos. É, se quisermos, a velha história da «mulher de César»!… No CDS, por muitas que sejam as nossas diferenças com essas candidaturas, e são, e mesmo que não sejam do nosso interesse, defendemos, e defenderemos sempre, que todos possam concorrer e que as listas independentes tenham a mesma oportunidade que os partidos políticos. É assim que se respeita a democracia.
Sublinhamos, assim, que a direita que representamos é tão firme e tão crítica enquanto oposição quanto leal e impecável do ponto de vista do respeito pela democracia. É assim que somos no CDS-Partido Popular.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: — Estão inscritos quatro Srs. Deputados para formularem pedidos de esclarecimento — o Sr. Deputado Telmo Correia fará o favor de indicar, depois, como quer responder —, o primeiro dos quais é o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, as minhas primeiras palavras são, obviamente, para felicitar V. Ex.ª pela eleição como líder do Grupo Parlamentar do CDSPP.
V. Ex.ª trouxe hoje, aqui, ao Plenário, uma questão política relevante e outra acessória. A questão política relevante é a da remodelação do Governo, a questão política acessória é a da Câmara Municipal de Lisboa.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Ah!

O Orador: — Julgo que não vamos iniciar hoje, aqui, a campanha eleitoral para Lisboa, esse é um problema que tem de ser tratado na rua, com os munícipes da cidade de Lisboa, porque é aí que a campanha vai decorrer, pelo que vamos à questão central que V. Ex.ª aqui trouxe.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Telmo Correia, que o PSD comunga, um pouco, das reflexões que fez na tribuna. Aliás, desde a primeira hora em que a remodelação foi anunciada que temos vindo a dizer que dela podemos extrair três ideias centrais. A primeira ideia é de abandono e, como V. Ex.ª referiu, de facto, neste Governo, que leva pouco mais de dois anos, já abandonaram funções três Ministros de Estado: primeiro, o Ministro Campos e Cunha, depois, o Ministro Freitas do Amaral e, agora, o Dr. António Costa.
A segunda ideia que resulta desta remodelação é o esgotamento do Partido Socialista na sua capacidade de atrair para o Governo personalidades relevantes da vida pública nacional. De facto, esta é uma questão óbvia este afunilamento, cada vez maior, do Partido Socialista em torno da figura do Primeiro-Ministro, em torno daquele projecto de poder, de governação concentrado no Primeiro-Ministro e que é incapaz de mobilizar na sociedade outros protagonistas para a ele aderirem. Cada vez está mais encolhida a capacidade de mobilização do Partido Socialista, cada vez está mais centralizada na figura do Primeiro-Ministro.
Mas há uma terceira ideia que releva desta remodelação, e que o Sr. Deputado Telmo Correia também referiu na sua intervenção, que é o facto de se nomear como membro do Governo alguém que esta Câmara, há menos de dois meses, elegeu como juiz do Tribunal Constitucional. Esta atitude não tem qualquer sentido, desprestigia o Tribunal Constitucional e vai provocar problemas de funcionamento neste Tribunal superior da nossa democracia. A nomeação do Dr. Rui Pereira criou um problema de estabilidade no funcionamento do Tribunal Constitucional e, portanto, é de lamentar que tenha sido essa a opção do PrimeiroMinistro.
Portanto, é do comungar destas três ideias centrais que gostava de deixar nota nesta intervenção, dizendo, quanto à questão acessória, que não me parece ser este o momento de, aqui, nesta Câmara, iniciarmos a campanha eleitoral para a Câmara Municipal de Lisboa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, quero começar por saudá-lo e desejar-lhe as maiores felicidades no desempenho das suas funções de líder parlamentar do CDS-PP.
Devo dizer que a sua intervenção de hoje, ou parte dela, pelo menos, me deixou um grande grau de insatisfação quanto à sua qualidade.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Orador: — V. Ex.ª não primou, em muitos momentos, pela densidade de conteúdo e até pela elevação a que nos tem habituado nas suas intervenções.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Orador: — E, por isso, Sr. Deputado Telmo Correia, penso que uma questão que colocou deve ser vista com a suficiente previsão, que é a questão das remodelações e das instabilidades. Sei que o CDS pode dar lições a todos nessa matéria,…

O Sr. José Junqueiro (PS): — Claro!

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O Orador: — … mas se há alguma coisa que este Governo nos pode garantir são as condições de estabilidade que os portugueses lhe reconhecem.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Excepto no Tribunal Constitucional!

O Orador: — Por isso, ao eleger a questão de Lisboa e ao escolher um candidato com a qualidade de António Costa, o Governo e o Partido Socialista quiseram dizer, claramente, que há um projecto de organização da sociedade portuguesa que é um todo e que esse projecto tem, na cidade de Lisboa, uma prioridade absoluta como dínamo para o desenvolvimento do País.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Lisboa não é apenas uma cidade, para nós, é a capital de Portugal…

Aplausos do PS.

… e é, sobretudo, um dínamo de desenvolvimento para uma capital viva, dinâmica, jovem e capaz de ajudar a puxar o País,…

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Orador: — … coisa que, infelizmente, ao longo destes seis anos não tivemos – longos seis anos, penosos seis anos, seis anos de atraso.
Por isso, Sr. Deputado Telmo Correia, suscitou-me uma certa dúvida, uma certa inquietude e até uma certa tristeza V. Ex.ª não assumir as suas responsabilidades no atraso de Lisboa ao longo destes seis anos.

Aplausos do PS.

Assim, a pergunta que faço é esta: nestes longos, penosos e «atrasantes» seis anos, o CDS-PP não teve nada a ver com a gestão de Lisboa? A culpa é só do PSD?

O Sr. Mota Andrade (PS): — Boa pergunta!

O Orador: — A situação em que estamos é só da responsabilidade do PSD? A instabilidade que temos é só culpa do PSD? Qual é a responsabilidade do CDS nesta instabilidade? Esta é a questão que quero deixar-lhe.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, devolvo-lhe os cumprimentos: muito obrigado.
Sublinhei da sua intervenção o tom simpático e cordato com que se referiu ao meu discurso, indo ao ponto de destacar como importante aquilo em que estamos de acordo e como acessório aquilo em que temos divergências. Foi V. Ex.ª delicado e correcto a esse ponto, o que me cumpre registar.
Em relação à estabilidade, não há muito a dizer, estamos de acordo: é o terceiro Ministro de Estado que sai, o que deixa, de resto, no ar a ideia de que, neste Governo, tanta é a falta de sentido de Estado que quem é Ministro de Estado acaba por sair!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Não parece haver outra hipótese com o Partido Socialista.
Em relação à nossa divergência, ela existe e não tem que ver com o futuro — estaremos aqui para discutir o futuro da Câmara Municipal de Lisboa; o CDS-PP apresentará as suas listas e entrará nessa discussão —, tem que ver com o passado.

Protestos do PS.

E, em relação ao passado, Sr. Deputado Alberto Martins, obviamente que o CDS-PP tem responsabili-

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dades, que assume, naquilo que tem, e não se envergonha da sua participação na Câmara Municipal de Lisboa.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Mas devia!

O Orador: — Porém, não tem responsabilidades em romper a coligação, não tem responsabilidades em retirar a confiança a vereadores ou a presidentes, um após outro, não tem responsabilidades em pedir eleições para a Câmara sem pedir eleições para a Assembleia Municipal.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Não tem responsabilidades na gestão!

O Orador: — De resto, ontem mesmo pedimos eleições para a Assembleia Municipal, e estava à espera do cumprimento do Sr. Deputado Alberto Martins porque votámos da mesma forma, pedindo essa eleição para os deputados municipais.

Vozes do PS: — Vá lá!…

O Orador: — Faltou o seu cumprimento, ter-lhe-ia ficado bem.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Sr. Deputado Alberto Martins, fala-me V. Ex.ª em densidade. Registo que a minha primeira intervenção não foi do seu agrado. Estou contente, é um óptimo sinal.

Aplausos do CDS-PP.

Se V. Ex.ª tivesse gostado, aí, é que a coisa estava a correr mal!

O Sr. Mota Andrade (PS): — Foi fraquinha!

O Orador: — Em relação à densidade, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que a densidade que mais nos preocupa, mais do que a densidade do meu discurso, mais do que a densidade do seu discurso, mais do que a densidade dos trabalhos parlamentares, é a da democracia. É essa que nos preocupa.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Grande evolução!…

O Orador: — E aquilo que o PS fez, deixando claro a ideia de que tentou cortar o tempo para que uma candidatura independente pudesse apresentar-se, é preocupante do ponto de vista da densidade e da qualidade da democracia.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: — E é essa densidade e essa qualidade que nos preocupam acima de tudo.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Termino dizendo-vos que não se preocupem porque o CDS sabe da importância de Lisboa, estará presente nessa discussão e a seu tempo verão que temos projecto.
Os problemas de Lisboa não começaram há seis anos. Os problemas e os erros com Lisboa vêm de há muitos anos, de gestões socialistas, situação que, espero, será mudada com a próxima eleição.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, quero, antes de mais, cumprimentá-lo por esta sua eleição e desejar-lhe sucesso no desempenho destas funções, que já noutra altura desempenhou.
Sem mais, passo ao comentário e à pergunta que quero fazer em relação à sua intervenção.
O Sr. Deputado referiu-se à anunciada remodelação no Ministério da Administração Interna e fez consi-

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derações sobre essa matéria. Em primeiro lugar, quero dizer que um aspecto que salta à vista como incorrecto e indesejável é a questão de ser indigitado para Ministro da Administração Interna alguém que ainda há um mês tomou posse no Tribunal Constitucional para um mandato de nove anos. Repito: de nove anos! E, portanto, quando falamos de estabilidade, pelo menos, temos de falar nesta instabilidade que o Governo e o PS criam ao Tribunal Constitucional e numa menorização do estatuto de independência que este tribunal tem de ter e que, obviamente, não sai reforçado com este episódio.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Mas registo também — e o Sr. Deputado sabe muito bem que esta é a nossa posição — que o nosso problema quanto ao Governo não é em relação às pessoas mas, sim, às políticas, àquilo que vão fazendo, àquilo em que prejudicam o nosso país e o nosso povo. E, nesse aspecto, não temos nenhuma expectativa de que o futuro ministro Rui Pereira seja melhor do que o Ministro António Costa.
Depois, o Sr. Deputado, permita-me que lho diga, falou da remodelação, criticou a instabilidade que ela traz mas, tanto quanto me parece, a primeira grande proposta da nova liderança do CDS-PP foi a remodelação de cinco Ministros…

O Sr. Afonso Candal (PS): — Mais instabilidade!

O Orador: — … como medida urgente e que já devia ter sido tomada.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Querem é instabilidade!

O Orador: — Portanto, detecto aqui alguma hesitação entre a defesa da remodelação e a crítica da instabilidade, que não queria deixar de assinalar ao Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

O Orador: — É claro que compreendo por que o CDS sugere como primeira grande proposta a remodelação de cinco Ministros: é que como a política do PS, em tantos aspectos, não é insatisfatória para o CDS, teria este partido muito mais dificuldades em propor a remodelação de cinco políticas em cinco Ministérios.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Bem lembrado!

O Orador: — Assim, é muito mais fácil propor a remodelação de cinco Ministros mantendo uma política que, mal ou bem, lá vai servindo os interesses da política de direita e dos grandes grupos económicos.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Termino, Sr. Deputado Telmo Correia, registando apenas que entrou na discussão eleitoral de Lisboa dizendo não o querer fazer. Pela nossa parte, em relação à data, defendemos a possibilidade de as eleições se realizarem quer a 1 quer a 8 de Julho. Aceitámos a decisão, mas não temos nenhum problema com outra data nem nos move qualquer intuito de limitar outras candidaturas.
Quero dizer ainda ao Sr. Deputado — permita-me esta observação — que estamos todos à espera de ver quem é que no CDS vai também fazer algum curso ou, eventualmente, inscrever-se numa marcha popular. O Santo António está aí à porta e já vai sendo tempo de os senhores também terem um arco com balõezinhos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, quero cumprimentá-lo na qualidade de Presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
Vejo que fez uma intervenção replicando partes importantes da intervenção do Presidente do seu partido ainda ontem, creio que com uma certa nostalgia daquele cartaz de Paulo Portas que dizia «eu fico». Percebo que o queria oferecer pessoalmente ao Ministro António Costa.
Pela nossa parte, entendemos que o PS tem o direito de indicar quem entenda para candidato onde quer que seja e, assim, colocamos a questão noutro ponto. Pensamos que, ao ser anunciada a nomeação do ministro Rui Pereira, o Primeiro-Ministro devia uma explicação ao País. Devia também algumas declarações de carácter mais geral acerca da condução do Governo, o que não fez, e acerca da explicitação do que entende em relação ao funcionamento próximo do Governo. Isso não ocorreu e criticamos esse facto;

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achamos que é opacidade da parte do Governo e que essas explicações eram devidas ao País.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Muito bem!

O Orador: — Criticamos igualmente o facto de a personalidade escolhida ter sido há muito pouco tempo eleita para juiz do Tribunal Constitucional, assim dando uma «machadada» no prestígio e na independência do Tribunal Constitucional e acabando por dar razão a todos e a todas quantos vêm dizendo que o funcionamento do Tribunal Constitucional é parapartidário e é influenciado por escolhas políticas que não são decididas nessa sede. Foi um péssimo passo da parte do Governo o convite e a aceitação do ex-juiz do Tribunal Constitucional, Dr. Rui Pereira.
Pessoalmente nada nos move contra essa personalidade e contra a sua capacidade, não somos é conselheiros do Governo para remodelações. Não temos essa veleidade, não temos sequer essa competência.
Entendemos, aqui e agora, seja em relação ao combate aos incêndios florestais, seja à reestruturação das forças de segurança, seja à descentralização administrativa do ponto de vista autárquico, que a responsabilidade deve ser assacada em primeiro lugar ao Primeiro-Ministro. É ao Primeiro-Ministro que essa responsabilidade deve ser assacada, pelo conjunto da política do Governo, e é nesse sentido que o Bloco de Esquerda se moverá.
Sr. Deputado Telmo Correia, registo também que, no seu discurso, deixou um «brinde» para uma intervenção mais esclarecedora por parte do PSD, quando se referiu às alterações das leis eleitorais. É que o PSD acaba de sair de umas jornadas parlamentares em que, pelos vistos, a forte bandeira é a da redução do número de Deputados nesta Assembleia da República, numa verdadeira entorse ao que é a representatividade popular e das várias correntes políticas.
Sendo o PSD tão ensimesmado na defesa da estabilidade de não sei quantos órgãos constitucionais, não sei, não entendo por que esse partido insiste numa proposta de limitação da representatividade do conjunto das correntes políticas no nosso país. Essa luta é útil e é uma luta também pela verdade eleitoral, pela verdade política, pela verdade da representação da democracia representativa.
Nesse aspecto, secundamos a sua observação e entendemos que aí deve haver realmente uma boa decisão na direita, porque esse conjunto de medidas propostas para a redução das leis eleitorais e introdução dos círculos uninominais não levará a outra coisa se não a neocaciquismos políticos e à compra de «casos Campelo» para a aprovação de orçamentos e de leis de qualquer género.
Sr. Deputado, estamos de acordo em relação às necessidades do sistema representativo, à necessidade da verdade na política e na democracia e entendemos que, naquilo que concerne à estabilidade do Tribunal Constitucional, à transparência, ao prestígio do Governo e à explicação devida pelo Primeiro-Ministro, ontem, claramente o Governo faltou ao País.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados Bernardino Soares e Luís Fazenda, o primeiro registo que gostaria de fazer — e fico também satisfeito com isto — é que, além das questões que aqui levantámos, VV. Ex.as não trouxeram, como já não tinham trazido os Srs. Deputados que falaram anteriormente, nenhuma nova crítica em relação a esta remodelação. Portanto, não falhámos em nenhuma das matérias que era preciso pôr em cima da mesa. VV. Ex.as secundaram até, com opções diferentes, algumas dessas escolhas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Sublinho, Sr. Deputado Bernardino Soares, concordando consigo em relação ao Tribunal Constitucional, uma vez que também concordou comigo, que isto «dá a volta» e vai dar aos mesmos. O ponto é esse! É o mesmo Tribunal Constitucional, onde entrou há pouco tempo e de onde sai o novo ministro da administração interna, que vai decidir o recurso sobre a data das eleições fixada pela Governadora Civil, nomeada pelo Dr. António Costa. É exactamente o mesmo Tribunal Constitucional! E, portanto, aqui se percebe esse tal afunilamento de que nós próprios falávamos.
Sr. Deputado Bernardino Soares, V. Ex.ª, como hábil parlamentar que é — e, desse ponto de vista, também o cumprimento —, tenta fazer uma coisa que é muito da prática parlamentar, que é dizer: «o senhor disse essas coisas mas tem uma contradição, há aí uma coisa que falha na sua observação. O senhor diz que não se pode fazer uma remodelação porque estamos em cima do início da presidência da União Europeia e porque há uma série de dossiers importantíssimos em cima da mesa mas, ao mesmo tempo, defende a remodelação».
O que digo, e sublinho, Sr. Deputado Bernardino Soares, corrigindo esse aspecto, é que nós não dizemos que tem de haver agora, já, uma remodelação. O que dizemos é que, a haver remodelação, então, que fosse feita aquela que é importante para o País.

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Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — E, do nosso ponto de vista, não era agora. Já devia ter sido há muito tempo, e alguns destes Ministros nem tinham, sequer, entrado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas isso já lá vai!

O Orador: — Obviamente que é uma questão de políticas, mas é também uma questão de pessoas; há pessoas mais capazes, mais preparadas, mais eficazes, e pessoas menos eficazes para levar essas políticas adiante.
Sr. Deputado Luís Fazenda, registando que também vem um pouco no sentido daquilo que foi a declaração do seu candidato à Câmara de Lisboa, num apelo de concordância, de tolerância e de simpatia por toda a esquerda e até, talvez, num piscar de olho ao próprio Partido Socialista, queria falar na democracia, na qualidade da democracia. E, desse ponto de vista, o Bloco de Esquerda, quanto a esta questão de Lisboa, é decepcionante.
O BE está sempre disposto a defender um discurso de minorias, tudo o que seja participação dos cidadãos, acção directa, candidaturas independentes, e, neste caso, não foi capaz de dizer que, estando a ser apresentada uma candidatura independente, a da ex-Deputada Helena Roseta, o prazo não devia ser este e que ele é, do ponto de vista da democracia, absolutamente indecente! Esta é a única expressão que encontro.

Aplausos do CDS-PP.

No resto, Sr. Deputado, e em relação ao CDS-PP, estamos tranquilos. O CDS-PP inicia o seu novo ciclo, fá-lo com serenidade. No passado, éramos até acusados de alguma precipitação, de sermos precipitados em várias circunstâncias. Pois bem, agora, a tranquilidade é completa, a serenidade é absoluta. O CDS-PP falará uma vez para apresentar o seu projecto em relação a Lisboa.
Registo a sua declaração na protecção do pluralismo e da proporcionalidade pela positiva, como espero que todos os grupos parlamentares, designadamente o Partido Comunista e o Partido Socialista, que não tem uma pronúncia definitiva sobre essa matéria, o façam.
Na nossa agenda política demos prioridade — foi a nossa primeira intervenção neste novo ciclo do CDSPP — à qualidade da democracia, à reforma do Parlamento e à defesa do pluralismo democrático. Essa é a primeira prioridade. A seguir, vamos à educação, à economia, à saúde, aos outros temas. E, desse ponto de vista, reduzir o número de Deputados e criar círculos que vão tornar autárquicos os círculos de Deputados é uma ameaça directa à democracia. Fica aqui dito: o CDS-PP será firme e decisivo na defesa do pluralismo democrático.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos perante o Governo mais centralista e controlador de que há memória na democracia em Portugal.

Vozes do PSD: — Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: — Centralista, porque convive mal com os poderes democráticos dos municípios e das regiões autónomas e porque não promove a coesão nacional.
Controlador, porque segue uma lógica nunca antes vista de concentração de poderes não só no funcionamento do Estado, mas também em áreas essenciais ao exercício dos direitos e liberdades ou à qualidade da própria democracia.
Ao longo desta Legislatura, o Governo tem lançado um duro ataque ao poder local. O Governo, deliberadamente, asfixia, maltrata e desprestigia o poder local.
Depois da Lei das Finanças Locais e de ter afastado, liminarmente, as autarquias de qualquer participação efectiva nas orientações estratégicas dos futuros fundos comunitários, o Governo socialista quer, agora, retirar aos presidentes de câmara a legitimidade de dirigirem as áreas metropolitanas por eles próprios criadas.
O PS quer voltar atrás, ao velho modelo de impor, do Terreiro do Paço para o País, as formas de organização autárquica.
O PS quer afastar os próprios, eleitos democraticamente pelas populações, da gestão e resolução dos

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problemas que directamente lhes dizem respeito.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — É verdade!

O Orador: — Aquilo que motiva esta proposta do Governo é «domesticar» as juntas metropolitanas, é silenciá-las politicamente.
É uma proposta inqualificável e inaceitável.

Aplausos do PSD.

Por este caminho, o PS, um dia destes, ainda perde a vergonha toda e propõe que os presidentes de câmara sejam designados pelo Terreiro do Paço e não eleitos directamente pelas populações.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos perante um Governo centralista que não promove a coesão nacional e parece governar contra algumas regiões do País.
Vejamos o exemplo do Norte de Portugal.
O Norte, onde reside cerca de 36% da nossa população, é a região mais pobre do País e a mais pobre da União Europeia a 15. No Norte temos uma escalada de preços a um ritmo mais elevado, uma menor progressão de salários, um aumento significativo da taxa de desemprego e um aumento muito preocupante de emigração. Perante este quadro, seria de esperar, por parte de um Governo responsável que pugnasse por um País equilibrado e coeso, políticas pró-activas para inverter a situação. Mas não! Estamos perante um Governo centralista e controlador, que governa contra esta região.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — É verdade!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, também o distrito do Porto está a sofrer, e muito, um ataque despudorado do Governo e a sentir o peso deste centralismo inédito em Portugal.
Em dois anos, o Governo do PS retirou ao distrito do Porto 880 milhões de euros. O valor em PIDDAC para este ano é um quarto do que era há dois anos atrás.
No distrito do Porto, com este Governo socialista, desinvestiu-se na educação e congelou-se a Universidade do Vale do Sousa.
No distrito do Porto, com este Governo socialista, temos menos 20 000 postos de trabalho, uma taxa de desemprego de 9,7% e uma maior desaceleração do crescimento dos salários.
Com o PS no Governo, o distrito do Porto tem 250 000 utentes sem médico de família, assistimos ao abandono do centro materno-infantil, bem como das parcerias para os novos hospitais de Vila Nova de Gaia e de Póvoa de Varzim/Vila do Conde.
Com este Governo do PS, liderado por José Sócrates, o metro do Porto está parado há mais de dois anos e, hoje ainda, o Governo teima em não assinar um acordo com a Junta Metropolitana do Porto.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Bem lembrado!

O Orador: — Ao contrário do que prometeu, o PS vai introduzir portagens no grande Porto e no litoral norte, enquanto adia a construção ou reabilitação de novas vias.
É este o quadro negro que resulta da acção, ou falta dela, de um Governo centralista e que governa de costas voltadas para o distrito do Porto.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Também a cidade do Porto sofre na pele os devaneios centralistas e controladores deste Governo socialista. Primeiro, foi o túnel de Ceuta. Acreditava o PS que obtinha algum ganho político com o embargo dessa obra, mas os portuenses não perdoaram ao Partido Socialista o facto de terem colocado interesses partidários acima dos interesses das populações.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — A sanha persecutória deste Governo centralista e controlador, face à região, distrito e Porto, leva agora o PS à ideia inaudita de transferir a gestão da Metro do Porto para Lisboa.
Na cidade do Porto, querem inviabilizar o metro na Boavista, linha que foi defendida ferozmente, há anos atrás, pelo Dr. Fernando Gomes e pelo próprio Partido Socialista.
Na cidade do Porto, o Governo tenta fugir à responsabilidade de pagar uma dívida de 8,7 milhões de euros do Prohabita para a reabilitação dos bairros sociais, prioridade política sufragada pelos portuenses nas últimas eleições.
Na cidade do Porto, o Governo do PS coloca reticências em apoiar o programa Porto Feliz, que, sendo

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um case study de sucesso em várias cidades europeias, conseguiu dar uma resposta correcta e eficaz ao fenómeno da toxicodependência na cidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos, de facto, perante o Governo mais centralista e controlador de que há memória na nossa democracia.
Um Governo socialista que quer retirar os autarcas da gestão das juntas metropolitanas, para as silenciar e domesticar.
Um Governo socialista que excluiu as câmaras municipais na definição dos próximos fundos comunitários de apoio.
Um Governo socialista que está apostado em governar contra toda uma região, um distrito e uma cidade, como julgo aqui ter demonstrado.
Um Governo que confunde maioria absoluta com poder absoluto e que continuará a contar com o combate e a oposição firme do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Vieira, o tema que hoje trouxe coloca uma questão fundamental, cuja resposta devia dar aqui. O conceito de descentralização que o PSD tem é o de andar espalhar secretarias de Estado pelo País, sem nenhum efeito prático.

Vozes do PS: — Bem lembrado!

O Orador: — O que queríamos saber é se o líder do PSD é ou não a favor da regionalização.

Aplausos do PS.

O PS sempre se bateu pela regionalização. O PS esteve no combate pela regionalização e o PSD esteve do outro lado da barricada.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Agora, alguns dirigentes do PSD fazem «acto de contrição», mas o seu líder, aquele que diz que representa o PSD e só ele fala em nome do PSD, sobre isso, ainda não disse nada.
O Sr. Deputado devia questionar o seu líder partidário no sentido de saber se é, ou não, a favor da regionalização.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Quanto às áreas metropolitanas, Sr. Deputado Sérgio Vieira, sabe bem que o actual modelo está esgotado. Enquanto o PS teve o poder autárquico no distrito do Porto, conseguimos fazer das áreas metropolitanas uma bandeira e tivemos um projecto metropolitano.
Gostaria que o Sr. Deputado nos dissesse qual foi, nos últimos anos, o projecto metropolitano que teve a Junta Metropolitana do Porto, presidida pelo Dr. Rui Rio e com maioria do PSD. Nós temos um, que é o metro! O Sr. Deputado sabe que preferimos que uma junta metropolitana seja gerida por um órgão eleito na assembleia metropolitana do que por um alto funcionário, como hoje acontece, nomeado pela junta constituída pelos presidentes de câmara.

Aplausos do PS.

No que se refere ao metro, Sr. Deputado, é com grande despudor que levantou aqui a questão da linha da Boavista. É preciso dizer, com clareza, que quem não aprovou a linha da Boavista foi o seu governo.

Aplausos do PS.

Foi o Dr. Santana Lopes, através da carta que escreveu ao, na altura Presidente da Metro do Porto, Dr.
Rui Rio, que não aprovou a linha da Boavista nem a linha de Gondomar. Esse «nó» que o PSD deixou tem de ser, mais uma vez, desatado pelo Governo do PS, que é o que está a fazer.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Mas está a custar!

O Orador: — Está a custar, por causa dos paliativos dos autarcas do PSD, nomeadamente do Dr. Rui

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Rio, que recebeu há um ano uma carta da Secretária de Estado a pedir os estudos da linha da Trofa e só há uma semana respondeu. Esteve um ano para responder! Essa é que é a verdade e esse é que é o grande problema!

Vozes do PSD: — Não é verdade!

O Orador: — É verdade, sim, senhor!

Aplausos do PS.

Falar da questão da alteração estatutária também é um grande despudor, porque o Sr. Deputado sabe — e foi assumido, com clareza, por dois secretários de Estado do seu governo — que aquilo que se passou na Metro do Porto foi um regabofe: uma obra, que foi adjudicada por 183 milhões de contos, custou mais 250 milhões de contos, ou seja, teve um aumento de 139% com pequenas obras de acrescento.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Essa desastrosa gestão da Metro do Porto leva, obviamente, o Governo a alterar a estrutura accionista e a desatar o «nó» quanto à segunda fase da rede do metro.
O Sr. Deputado tem de dizer, aqui, se é ou não a favor da regionalização e qual é o projecto metropolitano que o PSD algum dia aprovou para o Porto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Renato Sampaio, vou responder-lhe com muito gosto, num tom não tão exaltado e nervoso. Não há razão para isso.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Mais sereno e mais consistente!

O Orador: — Sr. Deputado Renato Sampaio, em primeiro lugar, quero registar que V. Ex.ª nada disse sobre o facto de eu ter acusado o Governo de estar de costas voltadas para a região Norte, de estar a governar contra o distrito do Porto.

Vozes do PSD: — É verdade!

O Orador: — O seu silêncio é paradigmático. Bem sei que seria muito difícil tentar responder a esta crítica.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Impossível!

O Orador: — Em segundo lugar, Sr. Deputado, a regionalização não pode servir para VV. Ex.as se desculparem do centralismo de um Governo controlador que têm no País.

Aplausos do PSD.

Não é desculpa para a forma como estão a governar Portugal.
Sr. Deputado Renato Sampaio, não venha falar da derrapagem da Metro do Porto, se não tenho de lhe falar da mega-derrapagem da Casa da Música.

Vozes do PSD: — Exactamente!

O Orador: — Não sei se está recordado que a obra estava orçada em 4 milhões e acabou por custar 20 milhões de contos.
Sr. Deputado, para concluir a resposta, em relação às juntas metropolitanas, discordo de V. Ex.ª. O modelo das juntas metropolitanas não está esgotado. Está longe de estar esgotado! E o exemplo disso é a obra fantástica que temos no Porto, que é o metro do Porto — projecto que a Junta Metropolitana conseguiu fazer arrancar e andar para a frente.

O Sr. Renato Sampaio (PS): — O metro é nosso!

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O Orador: — É uma obra que a todos nos honra e nos orgulha! Sr. Deputado Renato Sampaio, no que se refere à Junta Metropolitana do Porto, o que os senhores verdadeiramente querem, para além de silenciar e domesticar o seu Presidente, é ganhar na secretaria aquilo que não foram capazes de ganhar com os votos dos portugueses!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia designaram o ano de 2007 como o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos.
O Governo, por resolução do Conselho de Ministros, associou-se a esta iniciativa e criou uma estrutura de missão.
Esta estrutura tem como objectivos gerais «sensibilizar para o direito à igualdade», «fomentar um debate» sobre a participação de grupos discriminados na sociedade, «facilitar e celebrar a diversidade» e, por fim, «promover uma sociedade mais coesa».
O Governo, como não podia deixar de ser, rodeou esta iniciativa da devida propaganda e, na apresentação do programa de acção, depressa centralizou o seu discurso e intervenção nas questões da discriminação.
Na verdade, o Governo anunciou um conjunto de iniciativas, debates, conferências, estudos, concursos e festas, todos eles centrados nas questões da discriminação.
Ora, reconhecendo que muito falta fazer quanto à alteração de mentalidades e comportamentos, não é por acaso que o Governo se cinge às questões da discriminação em função do sexo, da orientação sexual, da religião, da idade, da deficiência ou da etnia.
Esta concepção e esta opção não são inocentes e visam promover um discurso onde se afirma que, ao Governo, compete «sensibilizar» através de estudos, debates, seminários, e, assim, tentar desresponsabilizar o Governo, como se este não fosse responsável, através da sua acção política, pela não existência de igualdade nas oportunidades.
Esta responsabilização da «sociedade» pretende omitir que ela é constituída por classes sociais diferentes e antagónicas e pretende omitir que uma política para a igualdade de oportunidades tem de agir sobre as injustiças sociais e a distribuição da riqueza.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Ministro da Presidência diz que, devido à presidência portuguesa da União Europeia, «Portugal terá, neste Ano Europeu, uma responsabilidade particular».
Vejamos, então, qual o exemplo que o Governo dá para a construção de uma sociedade mais justa e solidária que promova verdadeiramente a igualdade.
O Governo, desde o início da Legislatura, tem promovido um conjunto de medidas que, afirmando ser de sacrifícios para todos, atingem as classes sociais mais desfavorecidas e muito particularmente os trabalhadores, agravando as injustiças sociais e promovendo a desigualdade de oportunidades.
O Governo, sob o falso pretexto da competitividade, aposta na contenção salarial (aumentando os trabalhadores da Administração Pública em apenas 1,5%, valor bem abaixo da inflação), ao mesmo tempo que se registam escandalosos lucros da banca e do sector financeiro, evidenciando a injusta distribuição da riqueza.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Já em 2005, os 20% da população com rendimentos mais elevados receberam 8,2 vezes mais rendimentos do que os 20% da população com rendimentos mais baixos, valor muito acima da média europeia que ronda as 4,9 vezes.
É curioso que aqueles que apregoam contenção salarial, entre eles o Banco de Portugal e os «monges» do Convento do Beato, nada digam quanto aos aumentos salariais de 350% em alguns conselhos de administração, não ficam escandalizados quando um estudo da CMVM indica que cerca de 24% dos lucros são atribuídos a meia dúzia de administradores, nada dizem quando as empresas do PSI 20 remuneram os conselhos de administração com 5,6 milhões de euros, enquanto o salário médio em Portugal ronda os 620 € brutos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um escândalo!

O Orador: — Assim se percebe que o fosso que separa os ricos dos mais pobres seja cada vez mais profundo e que existam cerca de dois milhões de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza. Portugal, segundo dados do Eurostat, «tem o índice de desigualdade mais elevado de toda a Europa».
O Governo, que na segurança social podia e devia olhar para o lado das receitas, apostou no corte da despesas, penalizando os trabalhadores, obrigando-os a trabalhar mais tempo para receber menos, agra-

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vando assim a pobreza gritante que existe entre os mais idosos e promovendo objectivamente a desigualdade.
O Governo está apostado na criação de uma geração sem direitos. Depois das alterações no arrendamento jovem, veio o trabalho temporário, as alterações ao subsidio de desemprego que, entre outras medidas, penalizam particularmente os jovens, acentuam e visam perpetuar as diferenças de classe que existem.
Um Governo que penaliza as pessoas com deficiência, no Orçamento de Estado, e nada faz, além de discursos, para garantir o acesso ao emprego, nomeadamente na Administração Pública.
Um Governo que diz querer promover a igualdade de oportunidades e, ao mesmo tempo, restringe cada vez mais o acesso ao ensino, tornando-o cada vez mais elitista e inacessível para um cada vez maior número de jovens.
Um Governo que convive bem com a subida dos preços nos bens essenciais, verificada em 2007: o pão aumentou 20%; a electricidade aumentou 6%; há novas taxas moderadoras para internamentos e cirurgias, que variam entre 5 € e 10 €; o aumento dos transportes, das rendas de casa (3,1%); a redução da comparticipação nos medicamentos. Aumentos que, tendo em conta os salários praticados, agravam, e muito, as condições de vida dos portugueses, aumentando as injustiças sociais e, consequentemente, as desigualdades.
Um Governo que, sabendo dos índices de precariedade que existem em Portugal, que rondam os 21%, pretende mais flexibilidade, ou seja, quer mais trabalho precário, desregulação das relações laborais e facilidade nos despedimentos, contribuindo para uma maior concentração da riqueza à custa dos direitos de milhares de trabalhadores.
Um Governo que, devido às suas opções políticas, tem promovido desemprego e a destruição do aparelho produtivo nacional — mais de 614 000 desempregados, em sentido lato, no último trimestre de 2006.
Um Governo que está apostado numa ofensiva privatizadora das funções sociais do Estado.
O ataque sem precedentes aos serviços públicos, encerrando, entre outros, escolas, tribunais e serviços de saúde, cria as condições para a privatização de serviços públicos, ao mesmo tempo que promove o conceito do utilizador-pagador, pondo assim em causa o importante papel social que a Administração Pública desempenha.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!

O Orador: — Com esta dita reforma da Administração Pública, o Governo, além de alimentar a gula dos grandes grupos financeiros, cria mais injustiças e desigualdades, uma vez que a consequência é o aumento dos custos no acesso a prestações e a serviços que são essenciais para os portugueses.
Um Governo que alterou praticamente todas as prestações sociais, introduzindo mecanismos que visam garantir que cada vez menos pessoas tenham acesso a elas, afastando assim muitos portugueses de prestações sociais, essenciais para uma vida com o mínimo de condignidade.
Ora, é este Governo que vem agora, levianamente, falar de igualdade de oportunidades.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este Governo, com a sua matriz neoliberal, tem agravado estas injustiças e desigualdades.
Promover a igualdade de oportunidades para todos implica uma política alternativa que elimine as causas das injustiças e das desigualdades sociais.
Uma política que aposte no desenvolvimento do aparelho produtivo nacional; no combate ao desemprego e ao trabalho precário, que tenha como objectivo uma melhor distribuição da riqueza e aposte em serviços públicos de qualidade para todos.
Assim, a igualdade de oportunidades para todos não se consegue nem com esta iniciativa nem com este Governo.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção de interesse político relevante está inscrita a Sr.ª Deputada Maria Manuel Oliveira.
Tem, pois, a palavra para o efeito.

A Sr.ª Maria Manuel Oliveira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, venho falar de um distrito de esquerda, mas de uma esquerda tolerante, a do Partido Socialista.
Em regra, é vencedora em todos os concelhos do distrito de Setúbal mas, infelizmente, tal não ocorreu nas últimas autárquicas, já que, presentemente, a CDU tem a maioria absoluta ou relativa em 10 dos 13 concelhos do distrito.
Creio firmemente que esta situação se alterará nas próximas eleições autárquicas, dado que é crescente a constatação, por parte dos eleitores, de que as alegadas transparência, honestidade e competência da CDU não escondem senão o seu contrário.
O eleitorado vê hoje, por exemplo, que, na Câmara de Setúbal, a CDU despediu o Presidente Carlos

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Sousa e o vereador do Urbanismo Aranha Figueiredo e, depois de colocar como Presidente da Câmara a terceira vereadora eleita, sem explicar os motivos desta sequência decisória, vê-se agora confrontada com um processo do Ministério Público em que a própria Presidente é arguida.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E os vereadores do PS também!

A Oradora: — Há, então, que questionar: será que a CDU, a propósito, defende uma posição em Lisboa e outra em Setúbal? Porquê dois pesos e duas medidas? Enquanto Deputada da Nação, que sou, mas eleita pelo círculo eleitoral de Setúbal, nativa e residente, é lícita a denúncia que quero fazer. Quero denunciar as políticas miserabilistas que têm sido executadas pelas autarquias CDU, impedindo o crescimento do distrito de Setúbal,…

Protestos do PCP.

… quiçá um dos distritos com maior potencial de desenvolvimento do nosso país.
Não fora a acção do Governo e as boas práticas de autarquias do Partido Socialista, nomeadamente da Câmara Municipal do Montijo e da Câmara Municipal de Grândola, o distrito de Setúbal teria uma imagem de ainda maior degradação.
Não referi a Câmara de Alcácer do Sal porque essa ainda se debate para sair do atolamento da herança que lhe foi deixada, mais uma vez pela CDU.
Sr.as e Srs. Deputados: Atentem em apenas alguns exemplos da forma de gestão camarária e de política falaciosa cometida pela CDU: Primeiro exemplo: a Câmara de Setúbal, capital do distrito, hoje, e ao fim de cinco anos de gestão CDU, tem um endividamento que constitui o dobro daquele que o PS deixou, mesmo tendo feito um acordo de reequilíbrio financeiro com o Governo PSD, há três anos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É preciso ter «lata»!

A Oradora: — E obra feita? E obra visível? Nada! Até o Polis parou! E tal acontece mesmo tendo a Câmara de Grândola em curso, na península de Tróia, investimentos superiores a 200 milhões de contos, em moeda antiga.
Segundo exemplo: a revisão do PDM da Moita, imbuída de «semideiros escusos», como diria Fernão Lopes, que tanta celeuma e desagrado tem suscitado nos habitantes do concelho…

Pausa.

Peço desculpa, estou baralhada…

Pausa.

Já estou desembaralhada!

O Sr. António Filipe (PCP): — Não parece!

A Oradora: — Estava a falar da revisão do PDM da Moita e vou continuar.
Para além da inexplicável deslocação de zonas REN para zonas RAN, sem que daí se vislumbre algum benefício real para as populações visadas nesta proposta de revisão do PDM, a CDU quer autorizar a construção de mais 25 000 habitações, o que projecta, em tempo aparente, a duplicação da população nos próximos 10 anos, sem qualquer critério de planeamento e ordenamento do território, para não mencionar outras tantas consequências, já hoje bastante gravosas: ao nível da educação e dos estrangulamentos sociais, pela falta de investimento no capital humano e ausência total de políticas de emprego; ao nível dos próprios estabelecimentos de ensino e da rede escolar; ao nível do traçado rodoviário e da rede de transportes.
A Moita, sede do concelho, é, ela própria, um caso sintomático de amorfismo: o comércio local está em vias de extinção, a actividade cultural é ténue, o relacionamento com as escolas de 2.° e 3.° ciclos e secundária foi cortado sem qualquer hipótese de diálogo no sentido de uma colaboração salutar, negando-se auxílios básicos e pontuais, ao nível do saneamento, da manutenção dos espaços verdes, da limpeza de espaços exteriores, de entre outros.
Para não me alongar, direi apenas: um caos que nem sequer é organizado! Terceiro exemplo: a Câmara do Seixal, que se depara com graves problemas de índole financeira mas, paradoxalmente, quer construir um edifício para sede do município, orçado em 2,5 mil milhões de euros.
Inacreditável, Sr.as e Srs. Deputados! E no plano urbanístico?

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Continua a autorizar grandes projectos sem qualquer critério nem lógica de interesse para os munícipes, já que, como se sabe, na Área Metropolitana de Lisboa, a oferta de imóveis é muito maior do que a procura.
É útil que se saiba que o Seixal tem, já hoje, mais 10 000 habitantes que Almada.
E o desordenamento do território? Convido-os, Sr.as e Srs. Deputados, a visitarem Santa Marta de Corroios ou a Ponta dos Corvos. Ver para crer e sentir.
Além disso, está em curso a privatização do mercado municipal. Afinal, a CDU é contra ou a favor das privatizações? Porquê dois pesos e duas medidas? Por seu turno, e noutra vertente, nem a Câmara do Seixal nem as Câmaras de Almada e do Barreiro, todas elas de maioria CDU, foram ainda capazes de encontrar uma solução articulada para a baía do Seixal, para os terrenos da Margueira e para os terrenos adjacentes à Quimiparque, pondo, assim, em risco todo o arco ribeirinho.
Quarto e último exemplo: a Câmara Municipal de Sines, endividada em cerca de 2,5 mil milhões de euros, busca, sem nexo, créditos para «tapar buracos», em completa desorientação e pondo em risco, perigosamente, o futuro do município.
Sr.as e Srs. Deputados: Em contraponto com o cenário funesto que acabei de descrever, o que temos? Temos um Partido Socialista com um projecto concertado, dimensionado, coerente e sustentado, construído em prol da qualidade de vida das populações, tanto para a península de Setúbal como para o litoral alentejano, como é visível no Montijo e em Grândola, autarquias não endividadas e que têm feito obra. E também os convido a visitar estas autarquias, para que vejam e sintam a diferença.
E o que temos mais? Temos um Governo socialista que se empenha no crescimento do distrito de Setúbal, quer pela canalização de investimentos quer pelo estabelecimento de parcerias público-privadas, geradoras de riqueza e de emprego, fomentando uma efectiva coesão social, sem descurar nunca o plano ambiental e territorial.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

A Oradora: — Factos são factos, Sr.as e Srs. Deputados! Falemos da viabilização da Autoeuropa, pela continuidade no mercado de dois modelos de automóvel e a entrada de um novo modelo. Falemos dos investimentos turísticos em Tróia, à vista de todos. Falemos do Metro a Sul do Tejo, recentemente inaugurado. Citemos a plataforma logística, a ser criada no Poceirão, em Palmela, a nova máquina para a Portucel, em Setúbal, os empreendimentos projectados para a Repsol e para a Galp, em Sines.
Temos, pois, um Partido Socialista com uma lógica de actuação e que merece a confiança dos portugueses, mormente no distrito de Setúbal, porque é desse distrito que ora falamos.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: — Vou concluir, Sr. Presidente.
Daqui, desta Câmara, alerto as populações do distrito de Setúbal e incito-as a fiscalizar, como é obrigação de cidadania, a gestão das autarquias e a comparar e a concluir que, afinal, quem tem um projecto para o desenvolvimento do distrito de Setúbal é o Partido Socialista. Tudo o mais é nada ou, pior, é agravar a situação, já de si muito penosa, dos cidadãos do distrito com quem partilhamos as angústias, sobretudo com os mais desfavorecidos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se dois Srs. Deputados para pedidos de esclarecimento.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Manuel Oliveira, foi, no mínimo, com absoluta perplexidade que assistimos à intervenção que fez.
Ainda chegámos a pensar que a Sr.ª Deputada estava a propor-nos um momento lúdico, de diversão — e íamos apelar à seriedade no debate —, tendo em conta, aliás, que a afirmação mais verdadeira e mais justa da sua intervenção foi a de que o Partido Socialista está todo baralhado, quando disse «estou baralhada». De facto, foi o que de mais verdadeiro disse na sua intervenção.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — É, pois, com absoluta perplexidade que assistimos à afirmação de que as autarquias CDU no distrito de Setúbal são as responsáveis pela situação de dificuldades e de falta de investimento na região. Isto, quando verificamos — e é preciso afirmá-lo e reconhecê-lo aqui consensualmente — que as

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autarquias CDU, no distrito, não têm culpa nenhuma de, nos últimos quatro anos, ter havido uma diminuição de 60% de investimento público em sede de PIDDAC,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Pois é!

O Orador: — … 30% dos quais no último ano, no Orçamento da responsabilidade do Governo PS.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Disso não se lembrou!

O Orador: — É preciso reconhecer que as autarquias CDU do distrito de Setúbal não têm culpa nenhuma do ataque que está a ser feito aos sectores das pescas e da agricultura na região, não têm culpa nenhuma que o Governo insista obsessivamente na co-incineração em pleno Parque Natural da Arrábida.
Há que reconhecer que as autarquias CDU não têm culpa nenhuma da perspectiva de encerramento de centros e extensões de saúde, em Sesimbra, na Quinta do Conde, no Montijo e em Alcochete, do que está a ser o ataque aos serviços de saúde por toda aquela região, de norte a sul do distrito, o que não constituirá excepção em relação a todo o resto do País.
As autarquias CDU não têm culpa nenhuma que o Governo não esteja a cumprir os seus compromissos em relação à situação preocupante dos trabalhadores da Lisnave e da Gestnave.
As autarquias CDU não têm culpa nenhuma da ameaça, que se perspectiva hoje, de privatização do Arsenal do Alfeite, com as consequências que daí poderão advir para todo o País, para o sector naval e para o emprego na região.
As autarquias CDU não têm culpa nenhuma da política desastrosa que, no seguimento de governos anteriores, o Governo PS continua a dirigir àquela região,…

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — … penalizando-a e perspectivando um futuro muito preocupante para as populações, os jovens, os trabalhadores, os reformados, os utentes da saúde e dos transportes.
Citou a inauguração, no passado dia 30, do Metro Sul do Tejo, infra-estrutura importantíssima.
A este propósito, Sr.ª Deputada, é de recordar que já lá vão mais de 20 anos desde que as autarquias CDU, que a senhora aqui veio verberar, lançaram e defenderam o projecto e que são as principais responsáveis pela conquista fundamental que significa o Metro Sul do Tejo para a mobilidade das populações.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — O que podemos verificar, Sr.ª Deputada — e com isto termino, porque o tempo é curto —, é que a avaliação, de que a senhora fala, que as populações podem fazer em relação ao trabalho e à intervenção das autarquias já foi efectuada nas últimas eleições.
É por isso que o Partido Socialista teve o pior resultado de sempre nas eleições autárquicas, no distrito de Setúbal. É por isso que a CDU reconquistou a maioria e a presidência de concelhos importantíssimos do distrito, sobre que a senhora veio aqui lamentar-se. É por isso que dizemos que quem quer prestar contas fá-lo perante as populações, quem quer fazer oposição fá-lo nos locais certos.
Nós, aqui, opomo-nos frontalmente à política do Governo, ao que é a actuação dos eleitos pelo Partido Socialista no distinto de Setúbal, em relação quer às maiorias quer às oposições. É tão fraca essa prestação em termos de poder local que vêm a esta sede para aqui tentar compensá-la.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Saraiva.

O Sr. Álvaro Saraiva (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Manuel Oliveira, ouvi com atenção a sua intervenção e fiquei com a sensação de que não conhece o distrito de Setúbal e que, inclusive, nem sequer conhece o concelho onde vive.
Depois do que o Deputado Bruno Dias já disse acerca das autarquias CDU no distrito de Setúbal, queria colocar-lhe três perguntas concretas relativamente a dois concelhos deste distrito, a primeira das quais é sobre o concelho do Montijo.
O tem a dizer a Sr.ª Deputada sobre o facto de, em 1997, o Partido Socialista ter deslocalizado o Cais dos Vapores para o Seixalinho, prometendo à população que teria transportes desde o cais, situado a 4 km, até ao centro da cidade, mas não o ter feito? É que, actualmente, o concelho do Montijo, a nível de comércio, está completamente descaracterizado e parado devido ao facto de o Cais dos Vapores não estar a funcionar, tendo sido feito um favor a alguém — se calhar, à Transtejo — ao deslocalizar-se o Cais dos Vapores para o Cais do Seixalinho.

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O que é que o Partido Socialista está a fazer para não se encerrar as urgências no Hospital Distrital do Montijo? Também é intenção do Partido Socialista encerrar as urgências do Hospital Distrital do Montijo? Em relação à Moita, Sr.ª Deputada, o que é que fez o Partido Socialista para construir a escola secundária, que tem 30 anos — 30 anos! — de provisória? No ano passado, a sua construção constava do PIDDAC, a DREL (Direcção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo) disse que ia ser construída, mas, no final do ano, não havia dinheiro para tal. E agora diz que talvez seja construída se houver dinheiro.
O que é que fez o Partido Socialista? Sobre o Metro Sul do Tejo, a Sr.ª Deputada, de facto, desconhece a matéria, pois não sabe que, se não fossem as quatro autarquias, Seixal, Almada, Barreiro e Moita, a impulsionar este projecto, o Metro Sul do Tejo não existia.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Oliveira.

A Sr.ª Maria Manuel Oliveira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados Bruno Dias e Álvaro Saraiva, em primeiro lugar, quero dizer que não pactuo com actos elocutórios translúcidos, pelo que há certas questões às quais nem sequer vou responder.
Gostaria de dizer que o Partido Comunista Português, partido maioritário da coligação CDU, é, pelos vistos, o partido ganhador de tudo. Ainda recentemente, ouvimos aqui que, até na Madeira, o Partido Comunista Português foi ganhador!

Protestos do PCP.

Tenham calma, Srs. Deputados! O que acontece é que o Partido Socialista faz e os senhores ficam-se pelas intenções.

Vozes do PCP: — É falso!

A Oradora: — Isto é o que tem acontecido até ao momento.
Outra particularidade é a CDU chamar a si, o que é um insulto à inteligência dos portugueses e das portuguesas, a obra que é feita pelo Partido Socialista.
Finalmente, gostaria de saber, Srs. Deputados do PCP, partido que é maioritário na coligação da CDU em Setúbal, como é que os senhores, que têm desde sempre como bandeira (como, ainda agora, se pôde constatar na intervenção do Deputado Jorge Machado) a defesa do proletariado, que ainda usam a máxima dos «reaccionários» e que pertencem ao partido da defesa absoluta dos trabalhadores,…

Aplausos do PCP.

Vozes do PCP: — É verdade!

A Oradora: — … explicam a instauração de um processo disciplinar a 60 trabalhadores da Câmara Municipal de Setúbal e a aplicação aos mesmos da pena de aposentação compulsiva? Ou a gestão foi muito estranha ou então há aqui qualquer situação ambígua que o povo português deve conhecer. Afinal, são a favor dos trabalhadores ou contra os trabalhadores? Vêm aqui falar em prol dos trabalhadores e, depois, mandam-nos para a rua?! Nada mais tenho a acrescentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 68 a 77 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 3, 4, 11, 12, 18, 19, 20, 25, 26 e 27 de Abril.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 304/X — Altera o Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, na parte respeitante à colocação no estrangeiro de menores residentes em Portugal, com vista à adopção (PS).

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Cada grupo parlamentar disporá de 5 minutos para intervir, assim como o Governo.
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Chegámos hoje, finalmente, ao momento da discussão, em Plenário, de um projecto de lei da iniciativa do Partido Socialista e admitido pelo Sr. Presidente da Assembleia da República já em Julho do ano passado. Trata-se de uma pequena alteração, de teor eventualmente pouco mediático, mas que faz a diferença, diferença esta em favor de algumas crianças e algumas famílias que, assim, poderão encetar uma nova e mais promissora fase das suas vidas.
Convirá recordar que o instituto da adopção, introduzido em Portugal com a aprovação do Código Civil em 1966, foi, ao longo do tempo, submetido a quatro importantes modificações: em 1977, em 1993, em 1998 e, mais recentemente, em 2003.
Tais modificações tiveram sempre, como motivação, por parte do legislador, a melhor protecção da criança e, como objectivo, uma adequada adaptação às realidades envolventes e à sua evolução, tanto no plano nacional como no plano internacional. Com efeito, nas últimas décadas, os organismos internacionais têm dedicado uma especial atenção às crianças e aos menores em geral, que têm visto os seus direitos e interesses progressivamente reconhecidos e definidos. O nosso país, por seu lado, prontamente aderiu, em 1990, à Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança e, no mesmo ano, à Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças. Sucessivamente — e desse facto dá conta a modificação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio —, assume especial relevo a Convenção Internacional em Matéria de Adopção, assinada na Haia, em 29 de Maio de 1993.

Neste momento, regista-se burburinho na Sala.

A Oradora: — Sr. Presidente, agradecia que se fizesse silêncio na Sala, até porque se trata de um assunto que tem a ver com a vida das pessoas.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço que façam silêncio para podermos ouvir a oradora.

A Oradora: — Tende-se, mais claramente desde então, a reconhecer, nesta matéria, a necessidade de um equilíbrio no qual sejam devidamente consideradas as transformações, por vezes rápidas, a que estão sujeitas as sociedades contemporâneas, assim como os riscos e oportunidades que as mesmas constituem para os indivíduos.
Ora, na última revisão, que, na sua globalidade, se traduziu num contributo positivo para o instituto da adopção, foi suprimido o n.º 3 do artigo 15.º do citado Decreto-Lei n.º 120/98, que permitia aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro uma equiparação aos residentes em Portugal para efeitos de candidatura em processos de adopção de crianças residentes em Portugal. Não ficou, aliás, bem claro se a supressão deste ponto foi devida a um propósito específico ou se a um erro material. O facto é que cidadãos portugueses residentes fora do País se viram, perante a lei portuguesa, tratados como se estrangeiros fossem.
De qualquer forma, e partindo sempre do princípio prioritário que é o do interesse da criança, não faz hoje em dia sentido que cidadãos portugueses residentes fora do País e que cumpram todos os exigentes requisitos que — e muito bem — a lei impõe, não possam, em pé de igualdade com os residentes em Portugal, candidatar-se a ser pais de adopção de uma criança aqui residente.
Ninguém tem dúvidas de que vivemos numa época caracterizada pela globalização da economia e do mercado de trabalho, em sociedades em que é cada vez mais comum a mobilidade no emprego e a mobilidade do próprio local de trabalho, com o multiplicar de situações em que o percurso pessoal e o desenvolvimento profissional passam por períodos de permanência ou de residência noutros países. Muitas famílias, em Portugal como em todo o mundo, se deslocam, por razões várias, com filhos menores para outros países. É uma realidade nova, que deve ser tomada na devida consideração, inclusive nos seus efeitos sobre as estruturas familiares. Não é o facto de uma família residir em Portugal que a torna mais ou menos apta a criar os seus filhos. E uma criança será igualmente feliz se estiver rodeada do afecto e do apoio familiar, seja em Portugal, em França ou nos Estados Unidos.
Com a alteração proposta, repõem-se assim os direitos que a legislação de 1998 conferia aos portugueses residentes no estrangeiro para efeitos de adopção em Portugal e proporcionam-se, assim, às crianças, que no nosso país se encontram desprovidas de um meio familiar normal, mais algumas hipóteses de um futuro melhor e que podem vir, precisamente, de portugueses que, residindo no estrangeiro, desejem adoptar uma criança portuguesa para a qual serão os seus pais ao longo da vida.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista traz

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hoje a discussão a esta Câmara o projecto de lei n.º 304/X, que altera a lei da adopção e que, acima de tudo, visa, usando a terminologia dos proponentes, «corrigir um lapso material» que a reforma de 2003 supostamente teria criado.
Ora, não retirando importância a este tema, muito pelo contrário, gostávamos, antes de mais, de perceber se, hoje, para a maioria, o maior problema que existe na adopção, em Portugal, é a correcção deste
lapso material. É que se é, há algo que não percebemos.
No início do ano de 2005, verificou-se, pela primeira vez, que haveria um suposto lapso na lei. O Governo do Partido Socialista conhece, desde o início do seu mandato, este lapso. Então, por que é que o Governo, que poderia, através de um decreto-lei, repristinando até o n.º 3 do artigo 15.º da anterior lei, corrigir, rápida e eficazmente, o problema, não o fez? Por que é que a actual maioria socialista esperou cerca de dois anos e meio para corrigir um (e mais uma vez passo a citar) «retrocesso em matéria de direitos dos portugueses»?

O Sr. Telmo Correia (CDS.-PP): — Muito bem!

O Orador: — Eventualmente, poderemos agora perguntar se este atraso não se deverá ao facto de o Partido Socialista querer transformar esta questão no grande problema da adopção em Portugal. É que se vai fazê-lo, nós ficamos preocupados.
Registamos com muito agrado o reconhecimento por parte do Partido Socialista de que a revisão da lei, em 2003, que originou a criação da Lei n.º 31/2003, a lei da adopção, proposta pela anterior maioria, foi um passo muito significativo no desbloqueamento do processo da adopção, em Portugal.
Porém, nós próprios reconhecemos que, cerca de quatro anos depois da entrada em vigor da lei, continua a existir hoje, não por culpa da lei mas, sim, da sua aplicação concreta, um conjunto de dificuldades tremendas no processo da adopção, em Portugal, cuja correcção depende, hoje, não do poder legislativo, mas, acima de tudo, do poder executivo e da capacidade real que o Governo deve ter para, em conjugação com a Administração Pública e, nomeadamente, com os serviços da segurança social, desbloquear, de uma vez por todas, os processos de adopção, em Portugal.
Com a Lei n.º 31/2003, foi criada a possibilidade de se ter uma base de dados de todas as crianças em condições de adoptabilidade, em Portugal. Em Setembro de 2004, estavam inscritas nessa base de dados 17 000 crianças; hoje, estão inscritas 14 000 crianças. Isto é um sinal de que foram adoptadas 3000 crianças? Infelizmente, não. É um sinal, sim, de que têm saído crianças pelo excesso de idade e de que continua por fazer, por parte dos serviços estatais, nomeadamente da segurança social, um verdadeiro levantamento das crianças que, nos termos do Código Civil, estão em condições de adoptabilidade. Certamente, há hoje, em Portugal, milhares de crianças em condições de adoptabilidade que nem sequer constam desta base de dados.
O segundo aspecto, muito importante para nós, tem a ver com o seguinte: foi um passo muito relevante na Lei n.º 31/2003 o facto de se obrigar o Estado, através dos serviços da segurança social, a emitir um documento, a partir do momento em que um determinado candidato se apresentasse junto da segurança social para recorrer à adopção, querer adoptar uma criança e ter o direito de ser pai. Foi um passo muito importante este que foi dado em 2003. Hoje, quatro anos depois, verificamos, com enorme espanto, que há, em Portugal, portugueses que querem ser candidatos à adopção e que demoram dois anos a ter o título de candidato, a poder sequer candidatar-se à adopção. Isto faz algum sentido? Isto depende da lei? Não! Depende, acima de tudo, de o Governo poder, junto da segurança social, dando instruções precisas, encurtar estes prazos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — O terceiro aspecto, muito importante para nós, tem a ver com o seguinte: em 2003, foi lançado um plano de intervenção imediata que fizesse, por um lado, o levantamento das crianças em condições de adoptabilidade mas também, por outro, o levantamento dos sítios em que há uma ligação entre a segurança social, os tribunais de família e menores e as instituições que têm crianças a seu cargo (mais de 400, a nível nacional). Passados quatro anos, onde está esse plano de intervenção imediata? Em 2003, era imediato, Hoje, não está ainda sequer feito ou praticado.
A quarta questão, muito importante, é esta: onde está o incentivo ao acolhimento precoce, tão importante nos casos de abandono de crianças nos hospitais? A quinta questão é a seguinte: onde estão os convénios que, hoje, a maior parte dos nossos parceiros europeus estão a estabelecer com países em vias de desenvolvimento — e cito dois casos muito paradigmáticos, o do Laos e o do Cambodja —, que permitem a cidadãos europeus adoptar nesses países? Hoje, todos os países europeus têm convénios com esses países, mas, no caso português, nada se faz e nada é dito. Porquê? Estes, sim, são problemas reais sobre a adopção, hoje, em Portugal. Sobre todos estes problemas o Partido Socialista não diz nada. Para corrigir um pequeno lapso material demorou cerca de dois anos e meio. Tenho tudo dito, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do Partido Socialista que hoje discutimos parte da constatação de um lapso que, em nosso entender, não existe.
De facto, a eliminação do n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 185/93 foi intencional e entendemos que o relatório da discussão e votação na especialidade dá conta, precisamente, destas alterações que foram introduzidas. O texto final que foi votado é o que consta hoje na lei, não deixando, portanto, dúvidas relativamente à intencionalidade desta eliminação.
Esta alteração ao artigo 15.º introduzida em 2003 tem um sentido que parece ser, por um lado, o de privilegiar a adopção de menores que não implique a sua saída de Portugal, evitando este desenraizamento do menor adoptado, e, por outro lado, afirmando também o carácter subsidiário da adopção internacional.
Esta alteração, que resulta das modificações introduzidas em 2003, em nosso entender não pode ser classificada como um retrocesso. Antes de mais, porque permite o cumprimento de uma orientação prevista na Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 1989 e ratificada por Portugal em 1990, que diz, no seu artigo 21.º, o seguinte: «Os Estados-Partes que reconhecem e ou permitem a adopção asseguram que o interesse superior da criança será a consideração primordial neste domínio e: (…) Reconhecem que a adopção internacional pode ser considerada como uma forma alternativa de protecção da criança se esta não puder ser objecto de uma medida de colocação numa família de acolhimento ou adoptiva ou se não puder ser educada convenientemente no seu país de origem».
Portanto, neste sentido, esta alteração que foi introduzida, em 2003, ao Regime Jurídico da Adopção, afirma este carácter subsidiário da adopção internacional e afirma que, de facto, o centro de qualquer regime jurídico da adopção deve ser primacialmente o superior interesse da criança.
Ao dar cumprimento a esta dimensão da Convenção sobre os Direitos da Criança, as alterações introduzidas em 2003 parecem-nos que recentram a norma do Regime Jurídico da Adopção em questão, o artigo 15.º, naquilo que é fundamental em qualquer construção legislativa no âmbito do direito dos menores, que é a de que todas as decisões relativas a crianças devem ter primacialmente em conta o superior interesse da criança.
Ora, o Partido Socialista parece não querer aceitar esta orientação. O preâmbulo do projecto de lei identifica um retrocesso relativamente às alterações introduzidas em 2003 e um retrocesso em matéria dos direitos dos portugueses residentes no estrangeiro, quando a lei não os distingue dos cidadãos estrangeiros relativamente à adopção de crianças provenientes de Portugal.
Em nosso entender, esta concepção eventualmente terá de ser aceite em parte, porque, eventualmente, poderemos estar perante uma compressão de direitos desses portugueses, mas é uma compressão de direitos feita em nome do que deve ser o epicentro do regime da adopção, que deve ser, repito, o interesse da criança.
Neste caso, esta compressão do direito a adoptar dos portugueses residentes no estrangeiro justifica-se pela protecção do interesse da criança em não ser retirada do seu país de origem.
Nesta medida, o projecto de lei do Partido Socialista levanta-nos as mais sérias dúvidas, pelo que não poderemos votá-lo favoravelmente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que o Partido Socialista nos traz hoje a debate com a proposta de alteração ao quadro vigente para o processo de adopção no essencial resume-se à recuperação daquilo que tinha sido o ponto n.º 3 do Decreto-Lei n.º 120/98, e que, entretanto, tinha sido excluído e que não discuto se deliberadamente ou não, em relação àquilo que é a lei que hoje regulamenta as adopções de crianças de nacionalidade portuguesa.
Se me permitem gostaria de recentrar esta discussão em dois aspectos que nos devem orientar e que são centrais naquilo que é a defesa do melhor interesse da criança que está a aguardar um processo de adopção.
Esses dois aspectos são um processo de agilização processual e de ligação àquilo que são as raízes culturais originárias desta criança.
Estes dois aspectos, do ponto de vista da lei que rege, que normaliza os direitos das crianças para adopção, devem ser absolutamente centrais.
Devo dizer que é verdade que aquilo que é a agilidade dos processos depende de como é que as comissões de protecção de menores, de como é que todo o procedimento em relação à condução processual das candidaturas e do acordo em relação ao processo de adopção é cumprido.
Esta agilização depende, sobretudo, daquilo que são os actos executivos. Mas temos de perceber que,

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num quadro de mundialização cada vez mais acelerado, aquilo que é o interesse da criança, ou seja manter a ligação à sua origem nacional, à sua origem cultural, às suas raízes de identidade cultural, não é sempre defendido com uma lei que restringe a presença da criança num quadro estritamente nacional.
Lembro, Sr.as e Srs. Deputados, a existência de instituições em Portugal que acolhem crianças órfãs de nacionalidade diversa, não apenas portuguesa. Há crianças angolanas e moçambicanas que são acolhidas por instituições portuguesas e que estão em Portugal a aguardar um processo de adopção que lhes seja favorável.
Qual é o prejuízo para essas crianças se houver uma família angolana ou moçambicana que esteja disposta a adoptar estas crianças e a garantir a sua ligação ao seu vínculo cultural de origem? Da mesma maneira, em relação aos emigrantes portugueses, como foi salientado, qual é o problema de uma criança de origem portuguesa ser criada por uma família de cultura portuguesa a residir em país de acolhimento internacional? O interesse da criança está nos laços afectivos à família que a acolhe e na possibilidade de o adoptado, um dia, quando for adulto, poder, querendo, recuperar a sua ligação com a sua origem e com as suas raízes culturais e emocionais.
O projecto de lei que o Partido Socialista nos traz hoje facilita isso, isto é, consegue abrir em relação a um espaço que tem sido de dificuldade, compreendendo que hoje a mobilidade das famílias e a forma como se radicam em países terceiros que os acolhem e os recebem não significa, necessariamente, a perda de vínculo em relação à sua origem e à sua nacionalidade.
Esta alteração vem também em benefício de agilizar processos, de resolver um problema, por isso, não sendo a solução milagrosa que vai resolver todos os problemas — a resolução dos problemas tem que ver com a capacidade executiva de conduzir os processos com a maior agilidade possível —, é um passo não de gigante, mas é, seguramente, um passo no sentido de ajudar a resolver o problema dessas crianças, que estão a aguardar que uma família as recolha, as acarinhe, cuide delas e lhes devolva o afecto que lhes está a faltar na instituição a que, eventualmente, estão entregues.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que o PS hoje aqui nos apresenta visa, como já foi abundantemente referido, repristinar uma norma que constava da anterior legislação sobre a adopção.
A norma em causa consagrava três excepções ao princípio da subsidiariedade, princípio esse que afirma que a adopção no estrangeiro só terá lugar se não for viável a adopção em Portugal.
Começo por dizer isto porque, contrariamente àquilo que perpassou em algumas intervenções, não é proibida a adopção de crianças de origem portuguesa no estrangeiro. O que acontece é haver um tratamento diferenciado que foi inspirado naquilo que foi a grande tónica da reforma de 2003 de consagrar na legislação o especial interesse da criança e, no caso concreto, enfatizando o facto de a criança estar contextualizada do ponto de vista social em Portugal, país onde nasceu e vive.
Os proponentes da iniciativa dizem que essa alteração se tratou de um lapso material, mas creio que não foi isso que sucedeu. Creio que a opção que foi tomada foi uma opção consciente do legislador, eventualmente mal aferida, até porque a interpretação do interesse superior da criança não é um conceito determinado, é um conceito que cada um de nós interpreta à sua maneira. Portanto, é natural, até, que os vários partidos, em cada momento, possam ter uma interpretação diferente, assente também naquela que é a leitura da realidade.
A alteração que foi introduzida em 2003 não o foi por mero lapso, foi por opção política, que, naturalmente, hoje, o Grupo Parlamentar do PSD está disponível para poder apreciar e aprofundar à luz daquilo que. do nosso ponto de vista, é o mais importante a fazer neste momento: avaliarmos o resultado da aplicação da legislação que aprovámos em 2003.
Mas, muito mais importante do que estarmos a resolver pontualmente esta questão, cumpre, neste momento, que a Assembleia da República dê um contributo para ultrapassar dificuldades, barreiras, que os processos de adopção continuam a ter em Portugal.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Em Portugal, continua a ser penoso para qualquer casal conseguir obter a adopção. Atrasos, burocracia, atrasos e mais burocracia. Mas é sobretudo penoso e é sobretudo da nossa responsabilidade, da mais funda responsabilidade de cada um de nós pensar no interesse de cada uma das crianças que é vítima desse atraso e dessa burocracia.
É isso que o Partido Social Democrata quer aqui fazer hoje neste debate, recentrando a discussão naquilo que é o mais importante, sem contudo deixar de dizer o seguinte: relativamente ao direito dos emigrantes a adoptar, que é uma preocupação expressa na exposição de motivos e no conteúdo deste projecto

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de lei, esta é de facto uma matéria sensível, é uma matéria complexa e é também uma matéria pertinente.
Não deve ser por um caso concreto que a Assembleia da República e o legislador devem introduzir modificações, mas é verdade que os casos de dificuldade que se têm sucedido devem merecer, por parte da Assembleia da República, uma resposta. O PSD está disponível para, em sede de especialidade, contribuir para que todos possamos obter essa resposta, mas o PSD não pode deixar de dizer e de reiterar, nesta oportunidade, que mais importante do que resolver este caso concreto, esta situação pontual, é que os mecanismos que a Lei de 2003 introduziu sejam verdadeiramente aplicados e que a situação real possa modificar-se a bem do interesse da criança que está em causa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à discussão do projecto de lei n.º 232/X — Cria o regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges (BE).
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quais são as condições indispensáveis para um casamento? A esta pergunta, simples, qualquer pessoa responderá: amor e vontade de duas pessoas.
Tempos houve em que tal não era condição necessária e outros interesses se entrelaçavam no casamento — económicos, de propriedades, de acordos políticos e entre famílias. A família, como a conhecemos, não é um fenómeno estático e o casamento ainda há poucas gerações era encarado como um qualquer contrato de negócios. O afecto era acessório.
Se hoje ninguém é capaz de defender o casamento forçado, aliás, considerado crime, qual a razão para obrigar centenas de pessoas a manterem-se num casamento contra a sua vontade, quando as condições que determinaram o casamento já não existem? Se para que o casamento se realize é necessária a vontade inequívoca e expressa de duas pessoas, para o manter também deverá ser necessária essa vontade mútua. Se aceitarmos que para manter um casamento basta a vontade de um, estamos a violar o mais elementar dos direitos humanos: a liberdade individual de cada um e de cada uma.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Oradora: — O divórcio litigioso, que este projecto de lei não exclui, não pode ser a única saída para as situações em que, pura e simplesmente, o amor acabou.
Ao manter-se a actual situação, obriga-se centenas de portugueses e portuguesas a percorrerem um penoso caminho que pode levar a anos e anos de um divórcio litigioso.
Obriga-se à separação de facto durante três anos ou mesmo à violação dos deveres conjugais, quantas vezes contra a vontade das pessoas. Três anos que nunca são três anos, sendo esse apenas o prazo para que se inicie um processo judicial que poderá demorar mais 3, 4, 5 ou 6 anos.
Quando se ataca este projecto de lei dizendo que favorece a leviandade porque «uma pessoa não se desapaixona e sai de casa no dia seguinte», estamos a falar de uma mistificação, porque, como é normal, não existe lei alguma que proíba que uma pessoa saia de casa quando se desapaixona. O que a actual lei não permite é que resolva a sua situação pessoal e, por arrastamento, a da sua família, obrigando ao longo e penoso calvário de três anos de separação e ainda o tempo gasto num processo que se arrasta em tribunal.
Nos casos em que existem filhos, obriga-se os menores, e mesmo os maiores, a conviver com essa situação.
O casamento é um contrato, mas acima de tudo é a união voluntária de duas pessoas com um projecto de vida e de felicidade, o encontro de duas liberdades, uma associação fundada na ligação afectiva e na conjugação de duas vontades livres.
Esta é a base do contrato de casamento e não outra qualquer. Nuns casos dura para toda a vida e noutros acaba.
Será isto banalizar o casamento e as relações de afecto entre as pessoas? Será isto desproteger um dos membros do casal? O casamento não se banaliza! Bem pelo contrário, ele é valorizado na medida em que é válido enquanto forem válidas as razões que o justificam.
Os direitos individuais das pessoas são defendidos. Nada justifica que uma pessoa, homem ou mulher, para o qual o casamento terminou se veja obrigado a esperar três anos, com as consequências pessoais e mesmo patrimoniais que daí advêm, para poder iniciar um processo de divórcio, ainda por cima litigioso.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Que sentido tudo isto faz? O que é que a legislação deve fazer perante este quadro? Não pode, não consegue, nem lhe compete

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reparar as emoções, mas pode — e deve! — acompanhar os tempos que se vivem e responder às necessidades das pessoas, pode e deve impedir que o sofrimento das pessoas seja levado ao extremo!! Ora, Sr.as e Srs. Deputados, ser obrigado a manter um casamento sem o desejar durante anos e anos, abandonando o lar, vivendo separado, ou provocando situações-limite para que o outro seja obrigado a reagir e, ainda por cima, no fim, ter de viver um divórcio litigioso é levar o sofrimento ao extremo.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda não desprotege cônjuges em que os seus direitos foram violados, como os casos de violência doméstica. Isso é crime e como tal deve ser tratado! Não desprotege os filhos e filhas menores, porque exige que para se dar início a um requerimento de pedido de divórcio por um só cônjuge, no mínimo, já tenha entrado um pedido de regulação do poder paternal que terá o seu curso normal num tribunal.
Não desprotege em relação aos bens patrimoniais cujo processo também corre em paralelo, mas separado, e onde o resultado da partilha dos bens nunca poderá ser superior ou equivalente à comunhão de adquiridos, mesmo que o regime de casamento seja diferente. Os «golpes do baú» não serão permitidos! Prevê-se a possibilidade de atribuição de alimentos ao cônjuge que dependa economicamente do outro.
O projecto de lei do Bloco de Esquerda não é o «divórcio na hora», como algumas vozes do Partido Socialista tentaram fazer crer, com o intuito de desvalorizar esta iniciativa legislativa.
Prevê-se a existência de duas, repito, duas conferências: na primeira, o Conservador tenta reconciliar os cônjuges e, na verificação da impossibilidade, adverte o requerente do divórcio que deverá renovar o pedido após um período de reflexão de três meses.
O casamento assumiu uma dimensão de realização afectiva.
O direito ao divórcio deve ser comum a todos os que se casam, até para se casarem de novo.
Não propomos, nem defendemos o «divórcio na hora», mas, Sr.as e Srs. Deputados, somos claramente, contra o casamento contrariado e forçado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, ouvi atentamente a sua intervenção — aliás, ouvi-a já hoje de manhã nos meios de comunicação social.
Sr.ª Deputada, não há qualquer dúvida de que o casamento é, de facto, um contrato, à luz do Código Civil é um contrato, mas é importante esclarecer que não é um contrato qualquer. Não é um contrato em que, se uma das partes violar ou desrespeitar as obrigações emergentes desse contrato, a outra parte pode exigir em tribunal que a parte violadora dos deveres cumpra esses deveres.
Em tribunal não é possível pedir-se a condenação de um cônjuge a cumprir as obrigações emergentes de um contrato de casamento. O cônjuge tem, sim, o direito potestativo de pedir o divórcio.
Além do mais, não é um contrato qualquer por outro motivo — e quero deixar bem claro à Câmara que para o PSD o casamento não é um contrato qualquer mas não apenas por questões jurídicas: é algo de interesse social relevante para a própria estrutura da sociedade!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Sr.ª Deputada, que eu saiba, o divórcio obtém-se de duas formas: pela via litigiosa (quando um dos cônjuges viola os deveres conjugais e o outro invoca e prova essa violação este tem direito ao divórcio) e pelo mútuo consenso (quando ambos os cônjuges — e não apenas um deles — se querem divorciar).
Sr.ª Deputada, não se diga que não tem havido simplificação neste processo de divórcio por consenso!… V. Ex.ª sabe que inicialmente só os cônjuges com mais de 25 anos de idade é que podiam pedir o divórcio por acordo, mas isso desapareceu; só os cônjuges casados há mais de três anos é que podiam pedir o divórcio por mútuo consenso, mas isso desapareceu; hoje, se ambos os contraentes, que quiseram casar-se, querem ambos divorciar-se isso é concedido sem condicionantes ou requisitos — mas ambos, Sr.ª Deputada, e nunca só um deles!! O que querem os Srs. Deputados? Querem apenas que um só dos cônjuges, unilateralmente, imponha a vontade ao outro e obtenha o divórcio sem o consentimento da outra pessoa.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Orador: — É isso o que os senhores querem! O que os senhores querem, em bom rigor, é permitir objectivamente que, por exemplo, um cônjuge que viola os deveres conjugais obtenha o divórcio contra a vontade do cônjuge que não viola os deveres conjugais! Sr. Presidente e Sr.ª Deputada, a proposta que hoje aqui é apresentada é intolerável e inadmissível! O vosso projecto de lei é um ataque irresponsável à figura do casamento.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — V. Ex.ª foi ali com «pezinhos de lã», com afectos, com mais não sei o quê tentar «dinamitar», atacar irresponsavelmente a figura do casamento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Ora, a pergunta que lhe quero fazer, Sr.ª Deputada, é a seguinte: V. Ex.ª não considera injusto que o cônjuge que não viola os deveres conjugais tenha de aguardar passivamente que o outro, que viola os deveres conjugais, proponha e obtenha automaticamente o divórcio?

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Não é «automaticamente»!!

O Orador: — Essa questão das duas conferências é para tentar animar o que não está animado, mas isso e não convence ninguém! Portanto, Sr.ª Deputada, não considera injusto para o cônjuge que não viola os deveres conjugais estar submisso à vontade daquele que viola os deveres conjugais, que viola o contrato que celebrou com a outra parte? Não considera essa situação injusta, Sr.ª Deputada? Sinceramente, era isto que queria perguntar.
É porque a situação actual do casamento e das hipóteses de divórcio é uma situação já muito tolerante.
O divórcio por acordo é um divórcio concedido sem requisitos e sem condicionantes e nós entendemos que a lei actual nesse âmbito está correcta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, o projecto de lei que acabou de apresentar, e tal como tive oportunidade de dizer muito claramente no relatório que apresentei hoje na 1.ª Comissão e que foi objecto de aprovação, suscita algumas dúvidas.
Destas dúvidas permitir-me-ia destacar duas: a primeira tem a ver com o contrato que está aqui em causa e que é dissolvido pelo divórcio. Ora, o contrato que é dissolvido pelo divórcio é um negócio jurídico. O casamento é tratado como um negócio jurídico que configura um contrato típico que específica claramente deveres. A lei consagra especificamente estes deveres que não resultam de uma vontade unilateral — pelo contrário, como a Sr.ª Deputada teve ensejo de dizer na sua intervenção, resultam da vontade de dois.
Sendo assim, de que forma é possível então conceber-se que uma vontade unilateral seja sancionada por uma mera decisão administrativa, que, de «uma penada só», remove e resolve dois contratos: por um lado, este contrato que enquadra um negócio jurídico que é o casamento e, por outro, um outro contrato que em todo o Direito da Família não é susceptível de ser modificado, ou seja, a convenção antenupcial do regime de bens? Aliás, permita-me só que acrescente nesta pergunta a título de exemplificação, relativamente aos casos internacionais citados na vossa exposição de motivos (e destes destaco só dois), isto é, o caso espanhol e o caso alemão, que esta decisão não é uma decisão meramente administrativa, mas uma decisão judicial.
De facto, decorre do pedido estabelecido por um dos cônjuges, mas a sua sanção, atendendo à natureza dos bens que estão ali garantidos no contrato prévio, precedem e carecem de uma decisão e de uma verificação judicial.
Uma outra questão que gostava de colocar-lhe — e vou fazê-lo muito rapidamente — é a seguinte: a proposta que hoje é apresentada no projecto de lei coloca-nos a dúvida de saber se estamos perante um novo modelo de divórcio, isto é, um terceiro modelo de divórcio. Ou seja, passaremos a ter o divórcio por mútuo consentimento, o divórcio litigioso e agora um terceiro divórcio a pedido de um dos cônjuges!? Contudo, esta modalidade apresentada pelo projecto de lei pelo Bloco de Esquerda subsume componentes de cada um destes modelos: subsume, por um lado, a decisão administrativa que está subjacente ao divórcio por mútuo consentimento e, por outro, subsume o que é de litigante no que tem a ver com a decisão e a formulação por só um dos cônjuges.
Ora, a questão que coloco, para além da clarificação do que se trata de facto e sendo uma nova modalidade, é a seguinte: qual é então a sua articulação lógica, quais são as suas relações nesta nova arquitectura proposta para o instituto do divórcio?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, evidentemente, discordamos do conteúdo do presente projecto de lei do Bloco de Esquerda que procura tratar igualmente aquilo que é manifestamente desigual.
Obviamente, para nós, o contrato de casamento é um contrato específico, com efeitos muito especiais e muito próprios, de carácter pessoal, e que requerem uma especial tutela e ponderação dos interesses e dos bens jurídicos em causa. Aliás, terei oportunidade de dizê-lo na intervenção que farei seguidamente.
O pedido de esclarecimento que gostaria de obter de V. Ex.ª, por força de algumas dúvidas que assaltam o nosso espírito, tem a ver com aquilo que V. Ex.ª disse daquela tribuna.
Para o Bloco de Esquerda e para VV. Ex.as a questão está no facto de as pessoas que pretendam divorciar-se terem de esperar entre três a quatro anos para obter esse divórcio sem o consentimento do outro cônjuge. Então, mas se é assim, Sr.ª Deputada, por que razão o Bloco de Esquerda não cuidou de apresentar uma proposta, que para nós teria algum cabimento, alguma seriedade e seria até susceptível de obtermos alguma discussão, para reduzir o prazo dos «divórcios remédio»? Três anos é muito, como disse? Então, vamos discutir os dois anos!…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Dois anos ainda é muito? Poderemos ponderar um ano!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Exacto!

O Orador: — Agora, aquilo que o Bloco de Esquerda propõe é pura e simplesmente, independentemente da vontade e até no limite do desconhecimento do outro cônjuge, que um dos cônjuges possa rescindir unilateralmente um contrato como o casamento!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — É que, a ser assim, Sr.ª Deputada, somos forçados a pensar que o Bloco de Esquerda não quer discutir seriamente esta questão, que é séria, e apenas pretende fazer mais um número pseudoprogressista da sua pseudo agenda fracturante.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados Montalvão Machado e Nuno Magalhães, porque o fundo das vossas questões parece muito semelhante, aproveitarei por responder aos dois em conjunto.
Para o Bloco de Esquerda, o casamento não é um contrato qualquer!!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Mas parece!

A Oradora: — Não, não parece, Sr. Deputado! Para os senhores parece, sim, que, de acordo com o que estão a defender, o casamento quase que se limita a um mero contrato comercial.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Ó Srs. Deputados, Montalvão Machado e Nuno Magalhães, imaginem a situação: um casal vive há 15 anos um casamento e, a determinado momento, para um dos elementos do casal esse casamento terminou. O outro decide não lhe dar o divórcio. A alternativa para o que se deseja separar é separar-se de facto durante três anos, esperar que o outro cometa algum deslize…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Não é nada disso!

A Oradora: — … para invocar que foram violados os direitos conjugais e depois de tudo disso iniciar um processo judicial litigioso que sabemos que dura mais 3, 4, 5 ou 6 anos.
Sr. Deputado, quem nesta Câmara não conhece um caso em que isso se passou? Quem não conhece?… O Sr. Deputado Montalvão Machado disse que o nosso projecto é um ataque irresponsável ao casamento, mas a verdade é que não estamos a discutir o casamento! O que estamos a discutir é a possibilidade de um dos elementos do casal, por sua livre e expressa vontade, pôr fim a esse contrato que, por ser tão especial, precisa da vontade de duas pessoas.

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O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Como precisa a sua dissolução!

A Oradora: — Mas o que é, para os senhores, defender o casamento? É defender as famílias desavindas? É defender as famílias que passam anos e anos em litígio nos tribunais?

O Sr. Fernando Rosas (BE): — É isso mesmo!

A Oradora: — O que os senhores defendem é que os filhos assistam à litigância entre os pais e às situações em que os bens patrimoniais e a sua tutela é usada como arma de arremesso?

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — E isso vai acabar?! Os pais assinam um papel e acabam com isso?!

A Oradora: — Se é esta a vossa concepção de casamento e a vossa defesa do contrato especial que é o casamento, estamos conversados, Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP! De facto, ficamos esclarecidos quanto ao «relevante interesse» que, para vós, o casamento tem para a sociedade portuguesa…! O Bloco de Esquerda não está a pôr em causa o casamento mas, sim, o casamento obrigado e forçado a que centenas de casais estão sujeitos no nosso país.

Aplausos de Deputados do BE.

Sr. Deputado Nuno Magalhães, sempre lhe digo que esta «ideia fracturante» do Bloco de Esquerda foi imposta nos Estados Unidos da América em 1969, no estado da Califórnia, pelo «grande esquerdista e fracturante» que, como sabe, foi Ronald Reagan!…

Risos do BE.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Já cita o Ronald Reagan como exemplo?! Grande evolução…!

A Oradora: — Não estamos a fazer qualquer inovação mas, sim, a adaptar o quadro legal à realidade social em que vivemos. Aliás, para encontrarmos soluções semelhantes basta olhar para nossa vizinha Espanha.
Escusam, portanto, de tentar rotular esta iniciativa como «fracturante» porque ela não o é. É antes uma medida que procura repor a justiça em centenas de famílias. Aliás, muitos dos senhores são advogados e sabem muito bem do que estou a falar.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sabem bem demais!

A Oradora: —O próprio Bastonário da Ordem dos Advogados disse que este projecto de lei merece, no mínimo, ser visto com muita atenção. Não podem, por isso, dizer que estamos a inventar problemas! Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, gostaria de dizer-lhe que, de facto, o que propomos é uma nova modalidade de divórcio e não o desaparecimento de qualquer das duas modalidades já existentes.
Em relação ao divórcio por mútuo consentimento, penso que há muito pouco a dizer e creio, aliás, que estamos todos de acordo.
Por outro lado — e respondendo também ao Sr. Deputado Montalvão Machado —, pensamos que deve continuar a existir a modalidade de divórcio litigioso. Na verdade, um cônjuge que queira pôr um processo em tribunal porque viu violados os seus direitos conjugais pode e deve fazê-lo. Não é para esses casos que este projecto de lei existe.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — O pior é se — admitindo que era aprovado o que hoje propõem — o outro cônjuge se antecipa…!

Risos do PSD.

A Oradora: — Esta iniciativa existe exactamente para as situações que não podem ser resolvidas, sendo as pessoas obrigadas a percorrer penosamente o caminho que actualmente existe.
Outra das questões colocadas pela Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro estava relacionada com a convenção antenupcial, mas tal tem sobretudo a ver com a protecção de ambos os elementos do casal.
Esperamos, contudo, que algumas destas questões possam ser dirimidas em sede de especialidade, se esta Assembleia da República, amanhã, der mais este passo no sentido de responder aos problemas das pessoas e das famílias, aprovando este projecto de lei.

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Varanda.

O Sr. Jorge Varanda (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda propõenos hoje uma espécie de revolução no regime jurídico do divórcio. É, contudo, uma revolução perfeitamente desgarrada, inconsistente e desajustada, para além de desarticulada com o restante regime legal, que permanece inalterável.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Recuperando um projecto de lei que já tinha apresentado na anterior Legislatura e que não chegou, porém, a ser discutido, o Bloco de Esquerda propõe-nos que o divórcio possa ocorrer a pedido de um dos cônjuges. Até aqui não há absolutamente nada de novo, porque também o divórcio litigioso ocorre justamente a pedido de um dos cônjuges contra a vontade do outro. Ou seja, no divórcio litigioso um dos cônjuges requer contra o outro, em acção judicial, o divórcio, invocando a causa específica da dissolução do casamento, que pode ser de uma de duas: uma causa subjectiva, assente na violação culposa dos deveres conjugais, ou uma causa objectiva que se reconduz a uma situação de ruptura da vida conjugal, considerada independentemente de culpa dos cônjuges.
As novidades propostas na iniciativa ora em discussão consistem, por um lado, na desnecessidade de invocação de qualquer causa específica para o divórcio e, por outro, na atribuição de competência exclusiva para o efeito aos conservadores do registo civil. De facto, segundo o projecto de lei, o cônjuge que não deseje manter-se casado pode a qualquer momento requerer o divórcio na conservatória do registo civil competente, declarando expressamente ser essa a sua vontade. Basta para o efeito instruir o pedido com uma certidão de cópia integral do registo de casamento, uma certidão da convenção antenupcial, se a houver, e, no caso de haver filhos menores, uma certidão da pendência ou da sentença judicial de regulação do exercício do poder paternal. É tão simples quanto isto!! A simplificação proposta pelo Bloco de Esquerda, fundada na evidente intenção de liberalizar o divórcio, é de tal ordem que será muito mais fácil requerer o divórcio a pedido de um dos cônjuges contra a vontade do outro do que o divórcio por mútuo consentimento, o que é verdadeiramente paradoxal!

Vozes do PSD e do PS: — É verdade!

O Orador: — Na verdade, no divórcio requerido por ambos os cônjuges de comum acordo é necessário um rol muito mais extenso de documentos a apresentar na conservatória do registo civil. Ou seja, o divórcio a pedido de um dos cônjuges contra a vontade do outro afigura-se muito menos exigente do que o actual regime do divórcio por mútuo consentimento, o que não faz sentido algum!! A par da singeleza do pedido, o processo proposto pelo Bloco de Esquerda para o divórcio a pedido de um dos cônjuges afigura-se de uma ligeireza atroz, em manifesto prejuízo dos direitos do cônjuge não requerente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Se não, vejamos: requerido o divórcio por um dos cônjuges, o conservador convoca ambos para uma primeira conferência de conciliação. Não sendo a conciliação possível, o conservador adverte o requerente de que deverá renovar o pedido de divórcio após um período de reflexão de três meses. Se na segunda conferência não for novamente possível a conciliação, o conservador declara o divórcio, procedendo, de seguida, ao respectivo registo. Que processo tão simples!… Um dos cônjuges deseja divorciar-se e esse pedido, após umas ligeiras formalidades, é-lhe concedido praticamente «na hora». Onde fica o outro cônjuge no meio deste processo? Só é ouvido nas duas tentativas de conciliação e mais nada, rigorosamente mais nada!! Não pode contestar o pedido de divórcio, não pode alegar factos que lhe permitam a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, não pode requerer o arrendamento da casa de morada de família, não pode fazer absolutamente mais nada!!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Só pode «deslizar»!

O Orador: — Pior: o cônjuge não requerente é altamente prejudicado em termos patrimoniais com o divórcio assim declarado!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Exactamente!

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O Orador: — Não pode receber na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos. E, tendo contraído casamento segundo o regime de comunhão geral, o prejuízo é óbvio: por outro lado, perde todos os benefícios recebidos ou a receber do outro cônjuge ou de terceiro em vista do casamento ou em consideração do estado de casado. É caso para perguntar onde está o equilíbrio deste regime.
É evidente que não há qualquer moderação no regime proposto. Trata-se, isso sim, de impor a vontade de um cônjuge sobre o outro, em claro prejuízo deste último, de forma praticamente automática.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Tal e qual!

O Orador: — Será legítimo favorecer inadvertidamente a vontade de um dos cônjuges, sacrificando injustificadamente os interesses do outro? Isto é, a nosso ver, um profundo despautério! Uma autêntica aberração jurídica!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — E não venha o Bloco de Esquerda com argumentos de Direito Comparado porque não há, noutros ordenamentos jurídicos, um sistema igual ao que agora é por si proposto! Apesar de a lei espanhola, desde 2005, permitir o divórcio a pedido de um dos cônjuges, não o faz nos moldes irreflectidos e levianos propostos pelo Bloco de Esquerda.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Não leu bem! Tresleu!

O Orador: — Ou seja, em Espanha não vigora um regime cego e automático como o proposto pelo Bloco de Esquerda, já que o pedido de divórcio por um dos cônjuges passa necessariamente pelo crivo do tribunal, que salvaguarda e zela os interesses de ambos os cônjuges.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Mas foram os senhores que puseram os divórcios nas conservatórias!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Mas apenas nos casos em que há acordo!

O Orador: — O Bloco de Esquerda também faz referência, na exposição de motivos do projecto em discussão, ao Direito francês e ao Direito alemão. A verdade, porém, é que nem um nem outro prevêem algo sequer similar ao proposto na iniciativa ora discutida. Não há, portanto, paralelo possível entre o Direito alemão ou o Direito francês e o regime inusitadamente proposto pelo Bloco de Esquerda.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Acolhendo de forma tão desmesurada a liberalização do divórcio, não se percebe por que é que o Bloco de Esquerda não levou a sua proposta às últimas consequências e, pelo contrário, manteve o regime do divórcio litigioso em vigor, o que é um evidente contra-senso. Haverá alguma razão em particular para isso? Sinceramente, parece-nos que nem próprio o Bloco de Esquerda acredita na bondade sua proposta.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Pois não!

O Orador: — Só isto pode justificar a proposta de um regime que prejudica visivelmente outro (o do divórcio litigioso), mantendo-se, todavia, este último em vigor.
A actual configuração jurídica do divórcio, que admite, por um lado, o divórcio por mútuo consentimento e, por outro lado, o divórcio litigioso, quer na vertente de «divórcio-sanção» quer na de «divórcio-ruptura», parece-nos adequada, ponderada e ajustada.
Não vemos, pois, necessidade de que o regime jurídico do divórcio seja revisto e menos ainda compactuaremos com uma proposta que, acima de tudo, constitui um factor de manifesto desequilíbrio entre os cônjuges na extinção do vínculo conjugal, com a inerente desestabilização social e familiar que isso acarreta.
Por isso, rejeitamos peremptoriamente este projecto de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, dizia há pouco a Sr.ª Deputada Helena

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Pinto que esta questão deveria, ao menos, ser considerada. Pensamos que, de facto, é assim e que a questão suscitada pelo Bloco de Esquerda é pertinente, na medida em que são conhecidos casos de pessoas que, contra a sua vontade, ficam longos anos casadas, dada a discordância do outro cônjuge em conceder o divórcio. Ora, estas situações, por vezes, destroem vidas, pelo que a procura de uma solução jurídica que permita contorná-las e pôr-lhes termo é algo que pensamos que deve ser considerado, tendo mesmo em atenção experiências comparadas e as soluções que se encontraram noutros países.
Também não estamos de acordo com a ideia divulgada de que estamos a discutir um projecto de lei de «divórcio na hora». De facto, haverá críticas a fazer a este projecto — e daqui a pouco farei algumas —, mas creio que essa não é uma delas. Na verdade, o divórcio por mútuo consentimento é mais «na hora» do que este.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Tirando a pequena diferença de ocorrer por mútuo consentimento…

O Orador: — Aliás, nesta iniciativa prevê-se a realização de duas conferências para que o divórcio seja obtido, o que não acontece, como se sabe, no divórcio por mútuo consentimento. Parece-nos, portanto, que essa crítica não é justa.
Do nosso ponto de vista, há, contudo, algumas fragilidades neste projecto de lei que deveriam ser ponderadas e que, se houver discussão na especialidade, merecem atenção para não criar situações indesejáveis.
Há uma questão que, sendo secundária, não deixarei de mencionar. Refiro-me ao papel de certo modo exorbitante que é conferido ao conservador do registo civil ao prever que este terá por função procurar obter a conciliação entre os cônjuges. Parece-nos que o conservador do registo civil não serve para isso e que, se as pessoas se pretendem divorciar, o conservador do registo civil tem de «tomar conta da ocorrência» e não de procurar conciliar os cônjuges na primeira ou na segunda conferências. É admissível que esse papel seja atribuído ao juiz no divórcio por mútuo consentimento, mas pensamos que o conservador não deve ter de o fazer.
Mas o problema maior que vemos neste projecto de lei está relacionado com o facto de nada se prever relativamente à casa de morada de família,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — … o que se conjuga com outro aspecto, que é o da eventual desprotecção da parte economicamente mais fraca.
Está previsto no projecto que haverá pensão de alimentos, designadamente no caso de um dos cônjuges estar numa situação de dependência em relação ao outro por não ter emprego, situação em que normalmente se encontram as domésticas. Mas há mais casos para além deste que se prevê. Pode haver, por exemplo, uma situação de desemprego involuntário de um dos cônjuges, que estará numa situação de carência caso o divórcio siga em frente. Ora, causa-nos alguma perplexidade que alguém que esteja numa situação difícil em termos económicos, precisando do apoio económico do outro cônjuge para sobreviver, veja ser-lhe imposto, unilateralmente, um divórcio que agrave essa situação.
Mais difícil será ainda a situação se a casa em que ambos vivem for, por direito próprio, de um dos cônjuges (porque a herdou, por exemplo). Ora, de acordo com as regras aplicáveis deste projecto, segundo as quais ninguém pode ficar com situação diversa da que resultaria de um casamento realizado no regime da comunhão de adquiridos, pode acontecer que um dos cônjuges seja, pura e simplesmente, expulso de casa… Pensamos, portanto, que esta situação deve ser acautelada.
Há alguns aspectos, por outro lado, que nos parecem merecer intervenção judicial. Está prevista, por exemplo, a regra relativa ao regime de bens após o divórcio por decisão de um dos cônjuges. Todavia, uma coisa é estabelecer a regra e outra é ver como é que ela se aplica em concreto. Tem de haver, portanto, alguém que certifique como é que as coisas vão ficar depois do divórcio consumado. Neste aspecto é dificilmente contornável a intervenção de um juiz, porque não nos parece suficiente a intervenção do conservador do registo civil.
Referirei mais dois aspectos, um dos quais relacionado com a cessação dos deveres conjugais. Na verdade, pensamos ser prematuro dizer que cessam os deveres conjugais quando é apresentado o requerimento na primeira conferência e dizemo-lo porque nem no divórcio é assim! No divórcio litigioso só cessam os deveres conjugais quando este é decretado, a exemplo do que acontece com o divórcio por mútuo consentimento. Parece-nos, portanto, prematuro fazer cessar os deveres conjugais antes de existir o divórcio, porque tal pode levar, por exemplo, ao abandono dos deveres de cooperação ou de assistência mútua, o que pode ser gravoso para o outro cônjuge.
Finalmente, há um outro aspecto que deveria ser acautelado, porque me parece que não o é suficientemente, que tem a ver com o problema das doações para casamento e das doações entre cônjuges, porque, nos termos do Código Civil, estas são irrevogáveis. Se tal não for acautelado numa legislação que preveja o divórcio por decisão unilateral de um dos cônjuges, essa será uma forma de, por aplicação da regra da comunhão de adquiridos, contornar essa irrevogabilidade e de um dos cônjuges conseguir, por esse via,

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que seja revogada uma doação entre cônjuges ou uma doação para casamento.
Portanto, repito, a nossa posição é a de que esta é uma questão que vale a pena ser ponderada. Não nos choca que, no plano dos princípios, possa haver uma terceira possibilidade de divórcio que não seja apenas a do mútuo consentimento ou a do litigioso, mas há aspectos que teriam de ser muito bem ponderados, e aqueles que acabei de referir são os que, numa leitura atenta do projecto de lei, nos parece que careceriam de melhor ponderação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, sumariamente, o presente projecto de lei introduz uma nova figura de divórcio decretado pela conservatória do registo civil, mediante pedido efectuado por um dos cônjuges em qualquer altura, prevendo-se que os deveres conjugais cessem imediatamente no momento da entrada do requerimento do divórcio.
Cumpre, desde logo, perguntar o que é que sucede quantos aos alimentos, que, eventualmente, poderão ter de ser prestados, e à casa de morada de família, durante a pendência do processo. É porque o artigo 12.º do diploma do Bloco de Esquerda prevê, no que diz respeito ao artigo 2016.º do Código Civil, a fixação da prestação de alimentos apenas no momento em que o divórcio for decretado. Ora, se um dos cônjuges é o único titular de rendimentos e pede o divórcio, de que forma o outro cônjuge, que não tem qualquer tipo de rendimentos, poderá sobreviver durante esta pendência e até ser eventualmente fixado esse seu pedido na segunda conferência e quando for decretado o divórcio na sua plenitude? Parece-nos que, de facto, o Bloco de Esquerda — embora não se trate do «divórcio na hora» —, imbuído do «espírito Simplex» do PS, pretende instituir um processo similar ao do divórcio por mútuo consentimento, com uma pequena grande diferença: é que o consentimento não é mútuo…!! Para ser claro, no fundo, o que o Bloco de Esquerda nos pretende propor é um divórcio por mútuo consentimento sem o mútuo consentimento, o que nos parece ser a principal incongruência deste projecto de lei.
Aliás, é através de uma forma de divórcio em que há uma mera declaração unilateral receptícia, em que a quebra contratual se justifica por si só e que não exige qualquer tipo de demonstração de vontade da outra parte, prescindindo-se, aliás, de qualquer acordo para a sua revogação.
Portanto, em suma, o que o Bloco de Esquerda nos propõe é o seguinte: alguém celebra livremente um contrato, do qual, como é normal, resultam direitos e deveres, e viola reiterada, culposa e intencionalmente os seus deveres, violação esta que até tem efeitos colaterais ao nível patrimonial, mas, numa jogada de antecipação, pode, a qualquer momento, dizer: «Agora já não quero» e o outro cônjuge, pura e simplesmente, nada pode fazer. É isto que o Bloco de Esquerda nos propõe!! Portanto, até entendemos algumas razões que podem estar por detrás desta intenção — e já o dissemos! Se a questão é o tempo que decorre ou aquele que é necessário para alguém obter o divórcio — e a Sr.ª Deputada Helena Pinto não respondeu a essa minha pergunta —, então, vamos discutir isso. Repito: três anos é muito? Vamos para dois. Dois é muito? Até admitimos um ano…, o que não podemos é desproteger desta forma um cônjuge que se divorcia sem ter vontade, sem até ter conhecimento! Imagine-se que um dos cônjuges, intencionalmente ou não, desconhece o paradeiro do outro cônjuge.
Isto pode acontecer, eu até conheço situações… Neste caso, como é que se faz a citação para a primeira conferência? Recorre-se à citação edital?! O que poderá perfeitamente acontecer é que alguém que se ausente por algum tempo do País ou que até se encontre no País mas cujo cônjuge receba as cartas em seu nome e não lhe dê conhecimento, quando dá por si já está divorciado sem estar regulada a prestação de alimentos e a utilização da casa de morada de família!! Nada está regulado! Quando dá por si está, pura e simplesmente, divorciado, objectivamente, sem qualquer tipo de fiscalização, até judicial!! Um mero acto na conservatória é aquilo que se pede neste caso! Portanto, parece-nos não fazer sentido a discussão desta proposta, pois a discussão do fundo da questão com certeza fará sentido. Até porque entendemos que, entre 1994 e 2001, as alterações que ocorreram durante uma década permitiram uma flexibilização do regime do divórcio, quer na sua obtenção, quer na forma, quer nos meios.
Repare-se: permitiu-se a obtenção de divórcio por mútuo consentimento a todo o tempo, eliminando-se — e bem! — a moratória dos três anos; reduziu-se o prazo para a obtenção do divórcio com base na ruptura da vida em comum, de seis para três anos, no caso da separação de facto — mas, repito, estamos disponíveis para discutir estes três anos — e de quatro para dois anos no caso da ausência; eliminou-se a intervenção judicial nos casos de divórcio por mútuo consentimento; criaram-se gabinetes de mediação familiar e até se procedeu a um conjunto de alterações que visaram equiparar a união de facto ao casamento. A prova de que, de facto, resultou, é que cerca de um quarto dos casamentos realizados no ano passado resultaram de uma situação de união de facto.
Portanto, há hoje uma panóplia de mecanismos legais que permitem às pessoas decidirem livremente se pretendem, ou não, abraçar uma vida em comum, pelo que esta decisão não pode ser vista como uma

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decisão… não direi «leviana» mas de que, quando a tomam, as pessoas não tenham consciência dos direitos e deveres que dela resultam.
Portanto, parece-nos que este projecto de lei sofre de diversas e graves incongruências. Aliás, é curioso que o Bloco de Esquerda invoque a experiência dos Estados Unidos da América, e ainda é mais curioso o exemplo espanhol e da lei de 2005 de Espanha. É porque se é verdade que, em Espanha, a lei foi alterada, não é menos verdade que um dos recentes relatórios do Instituto de Política Familiar sobre a evolução da família na Europa, em 2007, acusa directamente o governo espanhol de estar a realizar uma política «regressiva de família que fomenta a ruptura familiar».

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Os senhores preferem uma família conflituosa!…

O Orador: — Estas palavras não são minhas, Sr. Deputado Luís Fazenda, são de um relatório de uma instituição independente. Não há aqui qualquer tipo de concepção ideológica em relação à qual V. Ex.ª possa ficar incomodado — as palavras são da União Europeia! Mas, se quer que lhe diga, até concordo com o que está aqui escrito, se isso de alguma forma lhe consola a alma.
A nosso ver, nesta matéria, não podemos adoptar soluções facilitistas, conformando-nos com os factos.
Ao invés, podemos e devemos procurar mais e melhores políticas de família, mais e melhores formas de compromisso entre a vida profissional e a familiar, mais e melhor apoio à natalidade, enfim, mais e melhor qualidade de vida para os nossos cidadãos.
Para nós, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Presidente, esta é a diferença entre a demissão deste projecto de lei e o inconformismo que pretendemos para esta matéria, entre a resignação e a mobilização, entre o facilitismo e a responsabilidade. Uns entregam-se, outros resistem. É o que distingue verdadeiramente os homens e as mulheres que procuram a verdadeira mudança.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Saraiva.

O Sr. Álvaro Saraiva (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há tempos li num artigo o seguinte: há quem case a acreditar na frase «para todo o sempre», quem case a pensar «se não der não dá» e quem veja no divórcio a «solução de um erro».
Num momento em que os números nos dizem que cada vez mais se realizam divórcios e menos casamentos, o projecto de lei agora discussão leva-nos a reflectir sobre um assunto de extrema sensibilidade.
Para existir divórcio tem, antes de tudo, de haver casamento, que, segundo o Código Civil, é um contrato entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida.
Actualmente, e de acordo com a legislação portuguesa, o divórcio pode ser obtido por duas vias: por mútuo consentimento ou litigioso.
Por mútuo consentimento, pode ser requerido por ambos os cônjuges, de comum acordo, que não necessitam de revelar a causa do divórcio, ficando definida a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, e o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores, entre outros.
O divórcio litigioso pode ser requerido por um dos cônjuges desde que se alicerce nalgum dos fundamentos previstos no artigo 1779.º do Código Civil. Assim, o cônjuge tem de explicitar a causa do divórcio, dado que é condição necessária a violação culposa de algum dos deveres conjugais.
Também pode ser requerido o divórcio litigioso com base na separação de facto por três anos consecutivos, mas, mesmo neste caso, o tribunal deve declarar a culpa dos cônjuges, quando a haja.
Além disso, para se divorciar sem o acordo do outro cônjuge, tem de se aguardar três anos, no «limbo» do casamento, caso não exista, ou não se queira inventar, a tal violação culposa dos deveres conjugais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na década de 70, os divórcios litigiosos eram maioritários em relação aos de mútuo consentimento, situação que se foi invertendo com o decorrer dos anos. Já em 2005 passa-se o contrário: os litigiosos são muito inferiores aos divórcios por mútuo consentimento.
Alguns dos presentes estarão, neste momento, a questionar-se: então para quê avançar com este projecto de lei se os números nos dizem que os divórcios litigiosos estão a diminuir? Somos de opinião de que, mesmo assim, é importante e mais que não seja serve para despertar consciências e reflectir sobre o drama que é um divórcio.
Esta proposta vem permitir que um dos cônjuges possa pedir o divórcio sem o consentimento do outro.
É mais uma «machadada» na instituição família, dirão uns. A verdade é que se a manifestação da vontade é importante aquando do casamento, ela também deverá relevar quando já não existem condições para continuar o casamento e o divórcio apareça como uma última solução, sempre dolorosa e à qual não se adere de ânimo leve.
No fundo, se aquelas duas vontades se conjugaram para o casamento, será legítimo que, quando uma delas deixar de existir, possa pôr-se termo a uma relação que se tornou inviável.

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Hoje, não faz sentido «acorrentar» uma pessoa a outra quando uma delas deixou de sentir vontade de permanecer. No entanto, há que reconhecer que enfrentar o divórcio é sempre uma situação difícil, mesmo quando há mútuo acordo e as relações entre o casal são as melhores possíveis.
É importante que, no meio de todo este processo, se salvaguardem e se protejam os filhos do casal, essencialmente quando estes são menores.
Trata-se de um processo que implica uma reestruturação da vida de todos os envolvidos, e a mudança, mesmo quando desejada, pode ser aterradora.
Estamos, afinal, perante uma realidade familiar em transformação. Actualmente, a família é encarada como uma comunidade emocional e afectiva com base no amor, o que torna o casamento mais vulnerável à dissolução comparativamente à concepção que dele se tinha antes.
Numa sociedade em que tudo é imediato e efémero, também o casamento tende a sê-lo. As ideias de partilha, de solidariedade e de tolerância são relegadas para um plano secundário, num modelo de vida que escolhe em primeiro lugar a satisfação material e a satisfação individual.
Se o casamento não consegue concretizar o sonho que lhe deu origem acaba por morrer, ainda que um dos elementos do casal continue a acreditar nessa concretização.
Os Verdes consideram pertinente a apresentação deste projecto de lei.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, faço uma pequena nota introdutória para dizer que percebemos, hoje, que o Bloco de Esquerda «bebe» doutrinalmente do grande estadista Ronald Reagan…

Risos do PS e do PSD.

… e percebemos — o que, do nosso ponto de vista, é mais grave — que pretende discutir o divórcio desassociando-o de uma discussão ponderada sobre o contrato que lhe está necessariamente implícito, ou seja, o casamento. É uma surpresa, pois julgamos que não podemos discutir uma coisa sem a outra.
Mas concordamos, Sr.as e Srs. Deputados, como princípio, que esta matéria deve ser considerada e deve receber atenção e ponderação de toda a Câmara.
Acontece que o projecto de lei n.º 232/X, apresentado pelo Bloco de Esquerda, nos propõe a criação de um regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges. Esta iniciativa, partindo de alegadas mutações sociais e a pretexto de facilitar o processo de divórcio a pedido de um dos cônjuges, atenta contra um instituto jurídico socialmente consolidado.
O Grupo Parlamentar do PS está ciente de que o instituto do casamento coloca em confronto interesses e valores jurídicos eventualmente conflituantes, por um lado, a liberdade e o direito individual de pôr termo a uma relação conjugal, que, porventura, se torne indesejável e, por outro, a tutela de um vínculo contratual tipificado na lei, que reveste natureza especial decorrente da sua função também estruturante da vida em sociedade.
O quadro constitucional português confere uma especial atenção à família e ao casamento, surgindo a sua tutela inserida no capítulo dos direitos, liberdades e garantias, bem como em sede de direitos económicos, sociais e culturais.
O texto constitucional português consagra o dever que recai sobre o Estado de proteger o casamento e a família.
Todavia, não é constitucionalmente admissível uma configuração legal da família de acordo com um modelo autoritário ou com uma visão que «absolutize» o interesse supra individual e colectivo da família, não ignorando o legislador nem a jurisprudência que, na sociedade actual, por largas camadas da população, o casamento já não é encarado como uma instituição acima dos próprios cônjuges.
O casamento não deve ser encarado como um valor absoluto, intocável, sobrepondo-se a quaisquer outros direitos e liberdades individuais, mas também não deve ser afectado no seu núcleo essencial de forma desproporcionada e desadequada.
Se é verdade que está fora de causa a constitucionalidade do divórcio com fundamento numa causa objectiva e, portanto, fora das hipóteses de divórcio-sanção por violação culposa dos deveres conjugais, tal não significa que a lei deva admitir o divórcio sem limites, permitindo, designadamente, que, a todo o tempo, por simples declaração unilateral e arbitrária de um dos cônjuges, se proceda à dissolução do casamento.
Por contraposição à união de facto, o casamento tem na sua génese uma garantia institucional e uma tutela assentes numa perspectiva duradoura e estável do vínculo, incompatível com uma natureza demasiado precária.
Afectar o núcleo essencial do direito ao casamento, através, por exemplo, da consagração do direito ao divórcio por uma mera vontade ou declaração unilateral, não pode deixar de ser questionado no plano da

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sua conformidade com a Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, para alguns sectores da doutrina, nomeadamente o Professor Jorge Miranda e o Professor Rui Medeiros, é «duvidosa a constitucionalidade de uma solução que permita, por mera manifestação de vontade unilateral e arbitrária de um dos cônjuges, a dissolução do casamento.» Vão no mesmo sentido os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua recente Constituição anotada.
Uma política de promoção da família pode passar pelo casamento, mas não deve assentar numa compressão injustificada da liberdade de cada um nem implicar um sacrifício desproporcionado dos cônjuges.
É neste contexto que esta questão deve ser enquadrada. Pela sua sensibilidade, as alterações ao Direito de Família devem pautar-se por pequenos avanços e não por «passos de gigante», susceptíveis de desestruturarem o tecido social.
Esta alteração legal, com implicações no contrato de casamento, não corresponde a um compromisso eleitoral que nós, Partido Socialista, tenhamos assumido perante os cidadãos portugueses.
Pela nossa parte, no domínio da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, sempre advogámos mais liberdade, mas também maior responsabilidade.
Demos ao longo da história recente provas do nosso envolvimento e participação activa na adaptação do quadro legal à evolução da realidade social e cultural.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Relembro que fomos precursores do processo de consagração legal da união de facto e do regime de economia comum, e autores da última alteração legal no sentido da agilização do processo de dissolução do casamento, quer por via da diminuição do prazo para efeitos de separação de facto como fundamento de divórcio quer por via da supressão do prazo de duração do casamento fixado na lei para que o divórcio pudesse ser requerido.
Estamos disponíveis, no âmbito do divórcio e no quadro da ruptura da vida em comum, para proceder à alteração dos prazos respeitantes à separação de facto, enquanto fundamento sem culpa, da dissolução.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

A Oradora: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista não rejeita este debate nem se furta às suas responsabilidades. Estamos atentos, como sempre, à evolução social e aos sinais dos tempos.
Mas, sejamos claros, esta iniciativa legislativa corresponde apenas ao objectivo partidário de confundir o contrato de casamento com o instituto da união de facto. Não há uma necessidade imediata ou que traduza o sentimento generalizado, ou pelo menos maioritário, da população portuguesa, neste sentido.
Pela nossa parte, uma alteração legal deste tipo deveria ser previamente sufragada em programa eleitoral de candidatura.
Por esta razão, não nos revemos nos objectivos preconizados neste projecto de lei do Bloco de Esquerda e duvidamos das opções de técnica legislativa adoptadas, até quanto à sua constitucionalidade.
Com efeito, introduzir a modalidade de divórcio a pedido de um dos cônjuges, fora do regime do divórcio litigioso,…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — É o «divórcio na hora»!

A Oradora: — … deixa por resolver a forma de articulação e coexistência com as restantes modalidades de divórcio e, desde logo, as relações patrimoniais e de filiação.
Acresce que o projecto de lei não acautela questões fundamentais para a vida familiar, como a atribuição da casa de morada de família, a consolidação da dimensão patrimonial do casal, ou a garantia de fixação de uma pensão de alimentos ao cônjuge, deixando, desta forma, o cônjuge requerido numa situação de plena desprotecção. E mais: preconiza que a decisão final seja de natureza meramente administrativa, o que, naturalmente, põe em causa, desde logo, o respeito pelo princípio da separação dos poderes e as garantias de salvaguarda que apenas o poder judicial pode assegurar.
Neste sentido, o divórcio, e por consequência o casamento, é tratado de forma aligeirada, abrindo a porta a que, no limite e como já aqui foi referido, possa ser decretado o divórcio sem o conhecimento do cônjuge requerido.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

A Oradora: — Estas são as razões políticas, jurídicas e constitucionais que nos afastam deste projecto de lei do Bloco de Esquerda.

Aplausos do PS e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.
Lembro que o Sr. Deputado dispõe de pouco tempo para fazer a pergunta, tal como a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona tem pouco tempo para responder, pelo que peço que sejam breves.

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O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, ficámos a saber, da intervenção da Sr.ª Deputada Sónia Sanfona, que o PS deu recentes passos ao longo da história (recentes passos ao longo da história… ou a história é curta ou os passos não são assim tão recentes!…) no sentido de uma doutrina em que o divórcio, do ponto de vista da sua intervenção, é quase inconstitucional.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — A história não é estanque!

O Orador: — Os senhores ultrapassam pela direita as próprias bancadas da direita!

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — Uma vez que não concorda com a nossa doutrina, Sr.ª Deputada, vou propor-lhe outra.
Veja lá se concorda com esta que vou ler e que foi proferida aqui, no Plenário da Assembleia da República.
Cito: «Não tem sentido o casamento contra a vontade de um dos cônjuges. Esta é a realidade sociológica e a lei deve acompanhá-la. O que propomos é bem simples: deslocar a tónica do divórcio para a solução objectiva, isto é, para um divórcio com fundamento em causas objectivas, em que a culpabilidade dos cônjuges não é chamada à colação, retirando a perspectiva do divórcio fundado na culpa de um dos cônjuges.
Pôr a tónica, repito, nas soluções em que a culpabilidade não é o fundamento mas a constatação da ruptura do casamento».

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Orador: — E cito, ainda: «O casamento é cada vez mais um contrato de afectos. É cada vez mais um contrato entre duas pessoas, que só tem sentido enquanto ambas quiserem estar nesse contrato».

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Orador: — Não fui eu que disse isto, nem a Sr.ª Deputada Helena Pinto; foi o Sr. Deputado Jorge Strecht, do Partido Socialista, no debate de Junho de 1998 sobre o adiamento dos prazos do divórcio.
Portanto, não sei qual é a doutrina que os senhores têm, porque isso depende!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — É recente!

O Orador: — A vossa doutrina na matéria tem dias! Quando estão na oposição têm uma, quando estão no poder têm outra, portanto, não sabemos qual é a vossa doutrina nesta matéria.

Protestos do Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares também parece que quer participar no debate, por isso, Sr.
Presidente, talvez seja bom dar-lhe a palavra, porque está todo excitado com esta contradição.
Já agora, também aproveito para lembrar que a nossa doutrina é a do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), do Sr. Zapatero. É exactamente a mesma coisa. Não tem diferença nenhuma!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Não é a mesma coisa!

O Orador: — A vossa é que, na realidade, não sei qual é! Como digo, tem dias!… Depois, quero dizer também que, dentro desta posição do Deputado Jorge Strecht — que em tempos já foi a do Partido Socialista (não sei se ainda é ou não!?) —, estamos absolutamente dispostos a melhorar este projecto de lei.
Somos sensíveis às sugestões feitas pelo Sr. Deputado António Filipe fez, bem como às apresentadas pela Sr.ª Deputada Rosário Carneiro, em relação à questão de fazer entrar uma entidade judicial.
Estamos, pois, dispostos a contemplar com mais atenção outras sugestões em matéria de preservação dos interesses patrimoniais, desde que se parta de uma base.
Não esperamos que haja consenso connosco da parte dos partidos da direita em matéria de doutrina acerca do entendimento que temos dos fundamentos da dissolução.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Disso pode ter a certeza!

O Orador: — Com a posição que o Partido Socialista teve em tempos estamos de acordo. Com o que a Sr.ª Deputada acabou de dizer hoje estamos totalmente em desacordo, porque é pior ainda do que os outros disseram.

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Neste sentido, estamos à espera de saber qual é a posição do Partido Socialista, na esperança de que isto possa ter «pés para andar».
De resto, fico sempre perplexo porque, na comunicação social, no contrato de trabalho, na questão do divórcio, nunca se sabe qual é a vossa posição. Os portugueses julgarão! Os senhores, quando estão na oposição, pensam uma coisa, quando estão no poder pensam outra…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Lá isso é verdade!

O Orador: — Olhe, Deus lá sabe o que é que os senhores pensam!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona. Peço-lhe que seja concisa.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, agradeço a questão que colocou e passo já a explicitar qual é a posição do Partido Socialista. Não é a posição do Bloco de Esquerda!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Agora não é, mas já foi!

A Oradora: — E passo a dizer-lhe porquê.
Em primeiro lugar, os senhores apresentaram um projecto de lei e quem os ouviu com atenção ficou a pensar que o casamento hoje é um contrato indissolúvel.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Para algumas pessoas é!

A Oradora: — O que é um erro! O casamento hoje não é um contrato indissolúvel.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

A Oradora: — Não é verdade que seja, nem é verdade que não possa ser dissolvido, com vários fundamentos e através de vários expedientes legais, que estão previstos e consagrados na lei.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Um calvário que dura anos e anos!

A Oradora: — Portanto, como ninguém fica amarrado a um casamento, porque a lei prevê que não fique se o não quiser, nesta matéria estamos conversados! Quanto à citação que faz do Deputado Jorge Strecht, devo dizer-lhe que é uma citação com propriedade, porque o Deputado Jorge Strecht é, além de mais, autor da lei que temos em vigor.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Vocês é que parece que não são co-autores!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Somos, somos!

A Oradora: — Portanto, foi neste sentido do seu entendimento que se facilitou e que se tem vindo a facilitar a possibilidade de os cônjuges que não querem estar casados poderem entrar num processo de divórcio.
Sr. Deputado, também existe na lei a possibilidade de dissolver o casamento sem ser com base na culpa de qualquer dos cônjuges, e mesmo com base na violação culposa dos deveres conjugais. Nós hoje temos a possibilidade de os cônjuges dissolverem o seu casamento, após um período de separação de facto. Esta é a verdade!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — São três anos! E depois ainda há o tribunal!

A Oradora: — Sr.ª Deputada, se me ouviu com atenção, também terá percebido que o Partido Socialista está disponível para impor um limite mais baixo a esse percurso de tempo para a separação de facto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Qual?!

A Oradora: — Pode ser dois anos, pode ser um ano, estamos abertos a pensar sobre isso! Mas a verdade também é que as alegações que VV. Ex.as fazem relativamente à dificuldade de o cônju-

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ge que quer o divórcio se ausentar de sua casa e fazer decorrer esse percurso de separação de facto — sejamos verdadeiros — não são resolvidas com o projecto de lei que VV. Ex.as apresentam aqui.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — De forma alguma!

A Oradora: — Nada disso é resolvido! Nem esse problema nem qualquer dos outros que lhe estão agregados, como seja a questão da atribuição da casa de morada de família. Porque, se o casal viver num apartamento arrendado, gostaria de saber se é o conservador que vai dizer ao cônjuge que está presente na primeira conferência: «O senhor ficará com o direito ao arrendamento».

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Os menores é no tribunal!

A Oradora: — Mas vamos falar dos menores. O simples processo de dar entrada com um pedido de regulação do poder paternal, como única condição de o divórcio a pedido de um dos cônjuges poder ter o seu decurso, também não acautela a tutela dos menores, nem aquilo que eventualmente venha a passarse.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: — Vou concluir, Sr. Presidente.
Como a Sr.ª Deputada sabe, as acções que entram no tribunal não têm de chegar ao fim, podem ficar a meio. E a regulação do poder paternal depende, em boa medida, da disponibilidade financeira, da disponibilidade afectiva e do interesse dos menores, o qual pode não estar minimamente assegurado, uma vez que o cônjuge, que até foi culposo e que até é o que tem vencimento no final do mês, pura e simplesmente, decidiu abandonar tudo!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Agora já há culpa! Isto é uma baralhação!

A Oradora: — Não é uma questão de culpa, é uma questão de responsabilidade! Repito, é uma questão de responsabilidade!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao último ponto da ordem de trabalhos, que consiste na apreciação conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 125/X — Autoriza o Governo a aprovar um regulamento das custas processuais, introduzindo mecanismos de modernização e simplificação do sistema de custas, a revogar o Código das Custa Judiciais e a alterar o Código de Processo Civil, o Código de Processo Penal e o Código de Procedimento e de Processo Tributário, e do projecto de lei n.º 265/X — Altera o regime das custas judiciais e dos encargos da justiça (BE).
Para apresentar a proposta de lei n.º 125/X, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça (Conde Rodrigues): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta a esta Assembleia uma proposta de lei de autorização legislativa que visa criar um novo regime de custas processuais, regime esse que deverá assegurar também o novo modelo de financiamento do sistema de justiça, modelo esse que se encontra hoje, também, a culminar uma ampla reforma legislativa já apresentada a esta Assembleia em diversas dimensões.
Esta proposta de lei significa também, da nossa parte, a concretização do programa de modernização do sistema de justiça, de que foi também sinal, há bem pouco tempo, a apresentação do novo regime de acesso ao direito.
Por isso, a presente proposta de lei, mais do que consagrar a possibilidade de o Governo depois, por decreto-lei, fazer uma revisão do regime de custas processuais, traduz-se mesmo na criação ex novo de um regime de custas processuais. Isto é, não altera apenas o regime de 1996, alterado depois em 2003, mas introduz também o novo regime em todas as suas dimensões.
A opção pela proposta de lei, que não é na tradição nesta matéria, prende-se com o facto de entendermos que muitos dos aspectos aqui tratados são importantes para garantir o acesso à justiça e, neste sentido, enquadrando-se também na disposição do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, justificar, da nossa parte, uma proposta de lei de autorização legislativa.
São seis os objectivos desta reforma.
Em primeiro lugar, a uniformização do regime das custas processuais em qualquer processo. Com a reforma, o sistema de custas tornar-se-á fácil de compreender por todos, bastando uma leitura atenta dos 40 artigos do regulamento que agora se propõe. Vamos, pois, fazer a revisão de tudo com este novo diplo-

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ma.
Em síntese, com este primeiro objectivo de uniformização, propõe-se: a revogação do Código das Custas Judiciais, que tem 151 artigos, e subsequente substituição por um regulamento das custas processuais, com apenas 40 artigos; a transferência das regras de cariz substantivo para o Código de Processo Civil e para o Código de Processo Penal, e serão daí aplicadas subsidiariamente a todos os outros processos; a unificação de todas as regras sobre custas, em quaisquer processos, neste novo regulamento, obtendo-se assim um sistema mais uniforme e coerente.
O segundo objectivo é o da simplificação do regime das custas processuais. Conjugando as medidas de simplificação com a criação de um novo sistema informático, prevê-se que o tempo despendido quer por funcionários quer por outros operadores judiciais se reduza significativamente.
Para isso, propõem-se: a eliminação das actuais taxas inicial e subsequente e criação de uma única taxa de justiça, paga logo no início do processo; a revisão do conceito de «conta», para que, futuramente, os dados financeiros do processo sejam introduzidos no sistema informático de modo contínuo, ao longo da tramitação, sendo apenas necessário, afinal, que o sistema faça o balanço do processo, ou seja, determinar se há algo a dever ou a haver por parte do cidadão ou da empresa.
O terceiro objectivo diz respeito à transparência e rigor no financiamento do sistema judiciário. O cidadão passará a saber que os valores pagos são a contrapartida pelo serviço prestado pelos tribunais e que esses valores serão reinvestidos na melhoria dos serviços, pelo que se sentiu a necessidade de reforçar o controlo das receitas e o destino das mesmas.
Assim, procede-se: à redução de isenções e de situações que eram já injustificadas e dos casos sujeitos a dispensa de pagamento prévio; à eliminação da procuradoria, isto é, os honorários dos advogados da parte vencedora passarão a ser ressarcidos pelas custas de parte; e à reformulação do sistema de afectação financeira das custas, ou seja, as receitas revertem quase integralmente para o Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, para serem reinvestidas nos tribunais.
O quarto objectivo refere-se ao descongestionamento dos tribunais. As partes deverão reflectir nas várias alternativas disponíveis antes de recorrerem aos tribunais, isto é, através do acordo, da mediação e de outras soluções alternativas para a resolução de litígios, muitas delas também introduzidas por este Governo. Se uma das partes se recusar a recorrer a uma das estruturas alternativas para a resolução de litígios, ficará responsável e com isso poderá ser sujeito também ao pagamento de custas processuais. Já os utilizadores frequentes, aqueles que dão entrada a mais de 200 processos por ano, ficam sujeitos a uma taxa de justiça fixada em dobro.
Por isso mesmo, o Ministério da Justiça elege aqui como pontos fundamentais neste objectivos os seguintes: Primeiro, a diminuição da «litigância em massa», o qual é alcançado mediante duas medidas aqui introduzidas, ou seja, a criação de taxa de justiça especial para utilizadores frequentes e a criação de uma taxa sancionatória excepcional para os actos dilatórios, que tanto atrasam o funcionamento dos nossos tribunais; Segundo, o recurso a estruturas alternativas de resolução de litígios, através do condicionamento das isenções ao prévio recurso à mediação, da responsabilização pelas custas das partes que rejeitem a mediação, da criação de benefícios para quem opte pela mediação; Terceiro, a redução do número de execuções pendentes, implementando dois princípios base: o da oportunidade, em que só haverá execução por custas se o valor dos bens do devedor for superior aos custos da execução e ao valor da dívida, e o da apensação, em que só haverá uma execução contra cada devedor, mesmo que as custas em dívida digam respeito a processos diferentes.
O quinto objectivo diz respeito à racionalização. Com a reforma, a taxa de justiça passa a ser fixada de modo mais adequado a cada tipo de processo, tendo em conta que o valor da causa não é expressão da sua real complexidade, respeitando-se o princípio da correspectividade das taxas. Por outro lado, os pagamentos tornam-se agora mais simples e práticos, facilitando os encargos dos cidadãos.
Assim, prevêem-se as seguintes alterações, muitas delas inovatórias, na nossa ordem jurídica: criação de critérios fundados na complexidade da causa e não só no valor da mesma, isto é, uma justiça mais justa em relação ao que se tem de pagar ao próprio sistema; criação de critérios distintos consoante o tipo de processo;…

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, tem de concluir, porque o tempo de que dispõe é de 5 minutos.

O Orador: — Vou concluir, Sr. Presidente.
… a adequação dos encargos aos custos reais das diligências; e criação de um sistema de autoliquidação regular dos encargos.
O sexto objectivo diz respeito à moderação. Esta reforma também visa moderar a própria utilização de determinados incidentes, que põem em causa o funcionamento regular do sistema de justiça.
Por fim, nesta apresentação do diploma, gostava também de dizer que mudamos significativamente o regime das custas do Estado e também o regime das custas de parte.

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Como é habitual em todas estas reformas que temos apresentado a esta Assembleia, estamos abertos a eventuais aperfeiçoamentos que possam ser feitos em sede de especialidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projecto de lei n.º 265/X, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresenta um projecto de lei sobre as custas e os encargos com o acesso à justiça. Era um compromisso eleitoral nosso, feito na perspectiva de que as custas processuais não podem ser um obstáculo ao acesso à justiça, porque se trata, manifestamente, de um serviço público, que constitui um direito constitucional, que não pode ser cerceado a qualquer cidadão ou cidadã.
Para isso, e face a uma reforma de má memória do Código das Custas Judiciais, da responsabilidade da anterior governação, propomos no nosso diploma uma redução significativa das taxas de justiça, a simplificação do sistema e a introdução de várias novas isenções objectivas, em particular muitas que derivam de questões de ordem pessoal ou do foro laboral, que nos parecem absolutamente necessárias para que se generalize a ideia, na percepção cidadã e popular, de que é fácil recorrer aos tribunais para a garantia de direitos reconhecidos.
Propomos, também, que as taxas de justiça não sejam em si um requisito para a prática dos actos a que respeitam. Entendemos que isto é um custo fiscal e não um custo processual, que não pode embargar o acesso à justiça.
Para além de um conjunto de outras propostas, esta é a matéria que trazemos a debate a esta Câmara e, se for possível, em sede de especialidade, gostaríamos de contribuir para o diploma que venha a sair deste processo.
No que se refere à proposta de lei, reconhecemos que é feliz a concepção de um regulamento em vez do Código de Custas Judiciais, onde existe uma visão mais sistémica e simplificada do processo e uma redução perceptível das taxas de justiça, que são aspectos positivos que assinalamos.
Contudo, temos várias críticas a fazer à proposta de lei, mormente e à cabeça à filosofia, à ideia de que as taxas de justiça e encargos são uma espécie de contrapartida pelos serviços recebidos, sendo muito sublinhada a contribuição para o financiamento do sistema de justiça. Em nosso entender, esta é uma filosofia errada, porque, no essencial, a ideia é a de reduzir as taxas e encargos, se não for possível suprimilos de todo, porque se trata de um direito fundamental e não de uma espécie de serviço público, que obedece a um pagamento particular.
Entendemos as taxas de justiça um pouco como as taxas moderadoras e não como algo que pode ir subindo na justa medida da complexidade da causa, de cuja ideia discordamos totalmente.
Uma outra ideia da qual discordamos e que nos parece até intimidatória, particularmente para quem tem menores recursos económicos, é a da previsão de que quem perde uma causa pode vir a ter de pagar os honorários e as despesas dos advogados dos vencedores. Parece-nos um factor absolutamente intimidatório e que confunde, no plano dos princípios e do ponto de vista prático, aquilo que é a litigância de má fé com aquilo que é um desejo absolutamente razoável de procurar a satisfação da sua pretensão em tribunal.
Por estas razões, temos várias discordâncias, mas salientamos que existem também na proposta de lei aspectos positivos. Por isso, gostaríamos de apresentar os nossos contributos e as nossas propostas no debate na especialidade.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Na motivação, a proposta de lei do Governo parece-nos boa, mas no resultado duvidamos que vá tão longe.
Propõe o Governo, grosso modo, a diminuição da dispersão dos diplomas que tratam estas matérias, a simplificação dos procedimentos, o tratamento diferenciado dos litigantes em massa, a reavaliação do sistema de isenção de custas e a redução do número de execuções por custas. E daí que no diploma a ideia pareça boa.
Só que convém ter presente muito mais e, principalmente, convinha que o Ministério da Justiça tivesse tido presente muito mais nestes mais de dois anos que já vai tendo de governação, que é muito tempo, e no qual muito mais já deveria ter feito a propósito da justiça em Portugal.
A pretensão do acesso à justiça, reclamando a intervenção dos tribunais, é um direito de todos, competindo, por isso, ao Estado enquanto tal garantir o exercício desse direito. Só que, em Portugal, os últimos dois anos têm significado a diminuição da intervenção do Estado em favor da justiça, o desinvestimento nos quadros e na formação dos profissionais do foro e o aumento da morosidade e da pendência dos processos em diferentes tribunais.

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Exactamente!

O Orador: — E as consequências não podiam ser piores, Sr. Secretário de Estado, porque a lesão primeira deste estado de coisas vai direitinha para a imagem do Estado, dos magistrados, do Ministério Público, dos advogados, de todos aqueles que têm responsabilidades na administração da justiça em Portugal.
Só que o dano prático e efectivo cai, de forma muito pragmática, principalmente sobre os cidadãos, que muitas vezes não percebem que as decisões não sejam tomadas em tempo útil e que quase percebem nisso uma muito justificável denegação da justiça e que, por exemplo, não têm razão para sorrir — como o Sr. Secretário de Estado agora faz, quando se fala da justiça, a menos que ache que na justiça tudo vai bem em Portugal…! —, quando todos os dias se fala de casos que os preocupam, como pretensões que dão entrada em tribunal e cuja sentença é muitas vezes proferida apenas dois, três ou quatro anos depois ou recursos que demoram uma eternidade.
Para mim, que também sou advogado, não é, seguramente, razão de satisfação, o mesmo acontecendo para um cidadão que recorre aos tribunais e que espera muito mais do Estado e dos diferentes governos que em Portugal têm tratado a matéria da justiça. Não tenha disso a menor dúvida, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — O Estado, para ser de direito, tem de investir na justiça e não pode simplesmente aumentar custas judiciais para, no entrave administrativo, desincentivar os cidadãos do recurso aos tribunais e, assim, denegar o direito a uma justiça, que é sua obrigação garantir. Porque, se assim for, o recurso aos tribunais até pode diminuir, mas em tantos casos e na razão inversa a justiça pode ficar por fazer, sendo que quem fica de fora é quase sempre quem tem menos condições, porque quem tem condições vai continuar a recorrer aos tribunais…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Onde é que estavam em 2003?!

O Orador: — Eu falo com o Governo, que é do Partido Socialista, ainda não é da CDU. Portanto, Sr. Deputado, esteja tranquilo, tanto mais que não vejo aqui nenhum diploma do PCP que eu possa avaliar ou analisar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Propõe o Governo a eliminação da taxa de justiça em duas fases.
Diz que a taxa de justiça inicial e subsequente dará lugar a uma taxa de justiça por cada interveniente processual no início do processo. Mas importa saber é qual o montante devido em cada caso, porque a ideia só será boa quando numa taxa única se pague menos do que numa taxa fraccionada. De outra forma, tendo de se pagar de uma só vez o que se podia pagar em duas, para muitos significa que a justiça, que já é cara, ficará incomportável.
Propõe, ainda, a adopção de algumas medidas que visam dar um tratamento diferenciado à litigância em massa, através da fixação de uma taxa de justiça especial para as pessoas colectivas comerciais que, no ano anterior, tenham um volume anual de entradas em tribunal superior a 200 acções. Resta saber se esta medida não viola a nossa Constituição. É que a legitimidade no exercício do direito ao acesso à justiça existe por si e não pode ser afectado em razão do número de litigâncias. Quando um banco presta crédito ou uma companhia de seguros contrata com os cidadãos ou com as empresas prestam um relevantíssimo serviço no plano social, que o Estado não hesita em reclamar, mas, depois, não pode penalizar em razão do número, porque, se assim não fosse, quantos não conseguiriam comprar casa, pagar os estudos, adquirir um veículo automóvel ou, até, circular sem risco acrescido para os demais cidadãos no caso do seguro obrigatório e quantos profissionais liberais — médicos, advogados, engenheiros, para dar alguns exemplos — não se veriam inibidos no exercício das suas profissões pelo risco indemnizatório que muitas vezes, se não fossem os seguros, o exercício dessa profissão acarretaria? Mas, se assim é, para que este serviço relevante seja possível, necessário se torna que esse banco ou essa seguradora contratem, necessariamente, com uma grande multiplicidade de cidadãos e de empresas, só para dar alguns exemplos.
O que pergunto, Sr. Secretário de Estado, é se será, então, legítimo que, perante a falta de parte dessa multiplicidade de cidadãos e de empresas, que também falham nessa relação contratual, os ditos bancos ou seguradoras devam ser penalizados em razão do número de processos, tendo provavelmente razão nas suas pretensões, tanto mais que muitas vezes exibem títulos a instruir os processos que só por si dão grande probabilidade de a justiça lhes ser favorável. Por que razão é que um banco ou uma seguradora que tenham razão em 201 processos — para me limitar ao número 200 que o Governo pondera — hão-de ser antecipadamente penalizados relativamente a um particular com que litiguem pelo simples facto de, do que a este respeita, a pretensão ser isolada e de, do que aos bancos ou às seguradoras respeita, os processos serem muitos mais? Parece-me uma perversão no plano da administração da justiça e da aplicação do direito.
Daí as dúvidas, que temos por legítimas, sobre a conformação destes condicionamentos com o exercício do direito de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20.º da Constituição.

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O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — Vou concluir, Sr. Presidente.
Lembro até o que sobre isto tem sido dito pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, que consideram a proposta de lei do Governo a mais radical reforma dos últimos anos, que ela não assume qualquer utilidade na prática de funcionamento dos tribunais, que a alteração estrutural proposta não vai influir minimamente na solução do problema da pendência processual dos tribunais, que a reforma gira à volta da ideia de desvirtuar o acto da contagem de custas, transformando-o em mera operação aritmética, possível de elaboração no âmbito exclusivo de algum programa informático, que são eliminadas normas que, ao longo dos anos, vêm demonstrando eficácia… Ainda assim — e termino, Sr. Presidente —, a minha bancada está disposta a dar ao Governo o benefício da dúvida, porque também reconhecemos que o actual estado de coisas não é bom,…

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Ah!…

O Orador: — … que o sistema de custas que temos também penaliza os cidadãos…

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Ah!…

O Orador: — … e que as custas são caras e muitas vezes incomportáveis, numa responsabilidade que é partilhada por muitos governos, Sr. Secretário de Estado, para sermos sérios.
É, portanto, nesse benefício da dúvida que faremos a nossa ponderação de voto, numa presunção de boa fé e de defesa dos direitos dos cidadãos.
Infelizmente, não tenho tempo para, por ora, avaliar a pretensão do Bloco de Esquerda, mas essa avaliação será clara no nosso exercício do direito de voto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Nunca é demais referir a importância das custas no âmbito do sistema da justiça, sobretudo na medida em que as custas representam um factor de obstaculização do acesso dos cidadãos à justiça e aos tribunais.
De facto, a realidade que temos hoje no nosso país é a da confirmação de que tem sido pela via do aumento das custas com o recurso aos tribunais que os sucessivos governos tentam resolver problemas de pendência processual e de sobrecarga do sistema de justiça. A subida brutal do valor das custas processuais levada a cabo pelo anterior governo é o exemplo disto mesmo e, infelizmente, não é resolvida com esta proposta de lei que o Governo, hoje, aqui nos traz.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Deixo aqui um primeiro desafio ao Sr. Secretário de Estado, que é o de poder tornar públicos os estudos que demonstram que, de facto, esta proposta de lei que o Governo se propõe aprovar se traduzirá numa descida generalizada do valor das custas processuais, porque para nós isso não é claro.
Antes de dar alguns exemplos daquilo que, em nosso entender, é o principal problema desta proposta de lei, que é o «abrir a porta» ao aumento do valor das custas em inúmeras situações, quero fazer referência às tabelas que estão previstas no regulamento das custas processuais, proposto pelo Governo.
A tabela I dá-nos, por um lado, a noção do que pode ser a redução do valor das custas relativamente aos recursos e, por outro lado, da abertura do caminho ao seu encarecimento nos processos, sobretudo com o agravamento das custas para os processos de valores mais baixos.
Podemos recorrer a um exemplo prático: com o regime actualmente em vigor, às acções de valor situado no escalão entre 7500 € e 15 000 € corresponde uma taxa de justiça de 3 UC (unidades de conta) paga em duas vezes; com a proposta que o Governo apresenta, passa a aplicar-se a estas situações uma taxa de justiça de 3 UC, paga de uma só vez e que pode ser agravada para 6 UC.
A tabela II significa, antes de mais, Sr. Secretário de Estado, um ganho em complexidade e não em simplificação. E há uma situação que traduz um evidente agravamento das custas, que é a que diz respeito às execuções. De facto, conseguimos encontrar aqui uma justificação para este agravamento — que será, certamente, uma preocupação que tem o Governo em reduzir o universo de acções de execução, actualmente, a correr nos tribunais portugueses —, mas este é um factor de preocupação, Sr. Secretário de Estado. É que esta preocupação de diminuir o número de acções executivas nos tribunais não pode ser resolvida à custa da inviabilização do exercício dos direitos por parte dos cidadãos,…

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Orador: — … sobretudo quando isso significa a frustração com a qual, todos os dias, milhares de portugueses são confrontados, que é a de terem um título executivo que, muitas vezes, é uma sentença judicial, sem terem depois mecanismos para a fazer executar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — A tabela III do regulamento, que diz respeito aos processos penais, é o exemplo de como o Governo dá com uma mão e parece tirar com a outra.

O Sr. José Junqueiro (PS): — «Parece»!…

O Orador: — Reduz-se a taxa de justiça de constituição de assistente de 2 UC para 1 UC, mas prevê-se a possibilidade do seu agravamento até 10 UC!

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Orador: — Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, nesta tabela III fica também demonstrado o carácter, de alguma maneira caricato, do conceito de simplificação que o Governo propõe.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Parece!…

O Orador: — Nos processos penais, onde havia lugar ao pagamento de taxas de justiça apenas em três momentos — e eram três momentos concretos com taxas de justiça fixadas exactamente no mesmo valor —, agora passa a haver uma tabela que se vai aplicando ao longo do processo, numa série de situações no âmbito dos processos penais.
E há um exemplo complicado da perspectiva da aplicação de uma taxa de justiça nos processos penais: no caso de uma contestação num processo penal, com acusação deduzida pelo Ministério Público, há lugar ao pagamento de uma taxa de justiça entre 2 UC e 6 UC.
A tabela IV do regulamento, Sr. Secretário de Estado, estabelece a obrigatoriedade de pagamento de taxas de justiça em situações que, até agora, não estavam abrangidas por este regime, dando conta de mais um sinal de agravamento e de encarecimento do recurso à justiça e aos tribunais.
Há, ainda, outros aspectos que eu gostaria de referir, muito rapidamente.
Por um lado, a fixação das taxas de justiça em função da complexidade e do valor da causa significa, Sr.
Secretário de Estado, que quem não tem recursos económicos não pode recorrer aos tribunais para ver decididas questões de maior complexidade.
Por outro lado, resulta desta proposta do Governo um carácter sancionatório e punitivo de quase todo o regime, em que se tenta quase empurrar à força os cidadãos para os sistemas de resolução alternativa de litígios. Um exemplo disto é o artigo 11.º do regulamento ou o regime de isenções agora previsto para os trabalhadores, que faz depender essa mesma isenção do recurso ao sistema de resolução alternativa de litígios, o que, em nosso entender, não é uma boa solução.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Por outro lado, também relativamente a esta questão das isenções de custas, há uma objectiva diminuição do âmbito de aplicação das situações de isenções de custas. Destaco, apenas, aquele que existia até agora para as associações de imigrantes.
Além disso, institui-se uma espécie de justiça de «perde/paga», em que uma decisão judicial pode determinar, para a parte vencida, o pagamento de todas as despesas suportadas pela parte vencedora, o que para nós não é, de todo, compatível com a noção do exercício de direitos a que os cidadãos devem ter acesso.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Claro!

O Orador: — Por fim, Sr. Secretário de Estado, esta proposta de lei coloca os mandatários como participantes directos na definição da conta do processo, o que não nos parece que seja uma função que lhes deva ser acometida, sobretudo com a necessidade de apresentarem uma nota justificativa de custas, passados cinco dias.

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Concluindo, não se cumpre, em nosso entender, o objectivo de simplificação do regime de custas processuais; não se altera a realidade de obstaculização do acesso ao direito e aos tribunais por motivos económicos e de insuficiência económica dos cidadãos; abrem-se novas perspectivas de encarecimento e de agravamento dos custos que os portugueses devem suportar com os processos judiciais.
Nesta medida, a proposta de lei procura combater a morosidade da justiça da pior maneira e não aponta no sentido de garantir o direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais e por isso merecerá a nossa rejeição.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, vou ser muito breve, não porque o assunto não mereça cuidado da nossa parte mas, antes, porque se trata de um pedido de autorização legislativa, que vai ter todo um trabalho subsequente que, enfim, quererei já ponderar com os ilustres membros do Governo aqui presentes.
Não sei se o PCP se deu conta — certamente, não deu! — que o Bloco de Esquerda também apresentou um projecto de lei. Porventura, não deu!…

Risos da Deputada do PS Helena Terra.

Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei que nos é apresentada tem quatro ou cinco grandes vantagens, mas também tem algumas situações dúbias que queríamos reflectir com todos os Srs. Membros do Governo e com todos os Srs. Deputados.
Claro que tem vantagens! Reunir num só diploma todas as normas procedimentais relativas às custas devidas em qualquer processo, independentemente da natureza judicial desse processo, é uma vantagem.
Vamos ter — quer sejam processos de natureza judicial comum, penal ou administrativa — um único diploma que reúne todas as normas dessa índole. E, depois, o facto de deixar de tratar esta matéria como um código para passar a ser um regulamento não podemos estar mais de acordo. De facto, é de louvar! Uma outra questão que parece importante e que todos os Srs. Deputados falaram, apesar de criticarem, é a da simplificação do pagamento da taxa de justiça. Em vez de ser, como é actualmente, uma taxa de justiça inicial e, depois, uma taxa de justiça subsequente, passar a ser uma taxa de justiça única, pagável no início do processo, é, de facto, vantajoso e simplifica a intervenção e a actuação das partes e seus mandatários.
Quando, na decorrência de uma acção declarativa de condenação, o autor executa a sentença e o réu também não pagou as custas, em vez de, como agora, haver dois apensos, duas execuções — uma, da sentença propriamente dita, e outra, das custas —, serem a mesma, fazendo-se a execução cumulativamente no mesmo processo, parece-me vantajoso.
Mas a razão de ser do nosso voto favorável, se for esse o caso, prende-se mais com uma redução, que já o Sr. Deputado Luís Fazenda referiu, do valor dos encargos judiciais. Essa pode ser a verdadeira razão do nosso voto favorável.
Alguém escreveu, um dia, que a justiça é um bem precioso e é por isso que é difícil ser barato. De facto, é assim! Num sistema como o nosso, é difícil ser barato! Por isso mesmo, todas as medidas que apontem para uma diminuição dos encargos judiciais merecem, naturalmente, o nosso aplauso.
Mas, Sr. Secretário de Estado, permita-me que lhe diga que o diploma que nos é apresentado, o autorizando, digamos assim, tem muitas questões duvidosas.
Desde logo, queria dizer-lhe que a valoração da acção de despejo — uma acção que hoje não é tão frequente mas que, durante muitos anos, foi muito frequente mas que ainda é frequente nos nossos tribunais — está mal. Ora, no artigo 2.º da proposta de lei, relativamente à alteração ao artigo 307.º do Código de Processo Civil, onde se diz que «(…) o valor é o da renda de dois anos e meio, acrescido das rendas em dívida ou o da indemnização requerida (…)» não é «ou» é «e»; e, portanto, pode ser, como o Sr. Secretário de Estado imagina, uma acção de despejo que tem um valor correspondente ao da renda de dois anos e meio — e não estamos em desacordo com isso! — mais o das rendas em dívida — porque é outro pedido —, mais a indemnização. Portanto, a proposta de lei está mal, temos de corrigir esta parte.
Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, ainda no mesmo artigo 2.º da proposta de lei, relativamente à proposta de alteração do artigo 449.º do Código de Processo Civil, quando se imputa ao autor o pagamento das custas, quando ele propõe acções desnecessárias. Ora, na respectiva alínea d), quando se diz que «Quando o autor, podendo propor acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, recorrer a processo de injunção ou a outros análogos previstos por lei (…)» —, para já, não há mais nenhuns processos análogos ao da injunção, começa por aqui —, esta previsão está mal. Continuando a citar a mesma disposição, quando se diz «(…) opte pelo recurso ao processo de declaração», isso é pior, ainda. O correcto não é prever que se opte pelo recurso ao processo declarativo, mas é que se opte pelo recurso ao processo declarativo comum, porque o especial também é. Têm de se fazer várias correcções

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nesta iniciativa legislativa.
Depois, se reparar bem, no mesmo artigo 2.º da proposta de lei, relativamente ao artigo 454.º do Código de Processo Civil, este artigo só tem o n.º 1. É uma situação um pouco estranha, os n.os 2 e 3 desapareceram! Têm de ser lá postos ou, então, substituídos.
Finalmente, parece-me importante lembrar-lhe que, apesar de haver essa tendencial redução de encargos, há um acréscimo no pagamento de multas pela prática de actos fora de prazo. Ou seja, a prática de actos fora de prazo — e não estou a falar de justo impedimento, claro está! — no primeiro dia útil, no segundo dia útil e no terceiro dia útil, fica mais cara: propõe-se que seja bem mais cara do que actualmente.
Ora, não podemos ter uma filosofia de atenuar os encargos judiciais, por um lado, e, ao mesmo tempo, encarecer o pagamento de multas processuais! Tudo isto, para lhes dizer o quê, Sr. Secretário de Estado, Sr. Ministro e Srs. Deputados? Hoje, no âmbito da 1.ª Comissão, justamente por não ter sido possível ouvir, por circunstâncias diversas, o Bastonário da Ordem dos Advogados, chegámos todos — o PS, o PSD, o PCP, o CDS e o BE — a um consenso: o de que era preciso ouvirmos o Bastonário. E eu até entendo que, depois de ouvirmos o Bastonário, seria preciso também ouvirmos o Conselho Superior da Magistratura, na medida em que esta proposta de lei visa alterar muitos artigos do Código de Processo Civil. Então, vamos alterar muitos artigos do Código de Processo Civil e não ouvimos os juízes?! Parece-me imprescindível ouvi-los.
Depois disso, teríamos todo o gosto em ouvir, de novo, o Sr. Secretário de Estado, de modo a podermos participar na correcção, como já reparou, de muitas destas situações nebulosas, para não dizer erradas, que estão na proposta de lei, sem embargo, como já disse, de a nossa opinião ser tendencialmente favorável.
Portanto, é isto que queremos saber, ou seja, se o Governo, embora seja uma proposta de alteração legislativa, está de acordo em que a Assembleia da República dê a sua colaboração, acompanhe, no fundo, o próximo desenvolvimento legislativo.
Sr. Presidente, muito rapidamente, a propósito do projecto de lei do Bloco de Esquerda, sinceramente, devo dizer que não merece o nosso apoio, não tem fundamento.
Para já, prevê isenções de encargos judiciais injustificadas. Por exemplo, para os Srs. Deputados verem, prevê isenções de pagamento de encargos judiciais em processos de inventário. Então, quando os filhos de um magnate se não entenderem, ainda que seja uma multidão de bens para partilhar, só porque não se entendem, não pagam encargos judiciais! Não percebo porquê! Para um partido que se reclama de esquerda, não vejo bem a fundamentação!…

Risos do Deputado do BE Luís Fazenda.

Também não tem encargos judiciais o divórcio litigioso e esqueceram-se de dizer se aquela coisa de que falaram há pouco, ou seja, a do divórcio a pedido de um dos cônjuges tem ou não encargos judiciais.
Esqueceram-se!… Quando fizeram uma previsão, não se lembraram da outra, não é assim?!…

Protestos do Deputado do BE Luís Fazenda.

Depois, Sr. Presidente, muito rapidamente, e a terminar, gostava de dizer que o projecto de lei tem outras coisas mal, como, por exemplo, nos processos sobre interesses imateriais, como é o caso do divórcio, dizer-se que não excede a alçada da 1.ª instância. Podem não se ter apercebido disso, mas essa previsão inviabiliza o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Certamente, não se aperceberam, mas depois vão ver que o resultado é esse!…

Vozes do PSD: — Iriam…

O Orador: — Claro, iriam! Com o nosso voto, não contam, já sabem.
Mesmo para terminar, Sr. Presidente, o mais grave é que tributam as custas com valores fixos. Ora, um valor fixo, amanhã, está desactualizado. Portanto, o valor que está correcto é um valor indexado à unidade de conta, que, como sabemos, é uma quarta parte do salário mínimo nacional e, portanto, está sempre em permanente actualização. Se fôssemos prever como os senhores fazem, ou seja, se afectássemos as custas, os encargos e as taxas a valores fixos, então, para o ano, teríamos de estar a aumentar, e daqui por três anos também… Portanto, são várias as razões que nos levam a votar contra o projecto de lei.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Terra.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Temos hoje em apreciação, nesta Câmara, duas iniciativas legislativas tendentes a alterar o actual regime de cus-

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tas processuais e judiciais.
O Governo, através da proposta de lei n.º 125/X, pretende uma autorização legislativa com vista à aprovação de um regulamento das custas processuais, introduzindo mecanismos de modernização e simplificação do sistema de custas, revogando assim o actual Código das Custas Judiciais e alterando em conformidade o Código de Processo Civil, o Código de Processo Penal e o Código de Procedimento e de Processo Tributário.
A concretização deste objectivo de simplificação materializa-se na consolidação do regime de custas judiciais num regulamento único aplicável às várias formas e instâncias de tramitação processual. Por esta via, será possível reunir num só diploma, de forma sintética, todas as regras procedimentais respeitantes às custas, transferindo as normas substantivas para as respectivas leis de processo.
Para além da rearrumação das normas aplicáveis em matéria de custas, encontramos subjacente à proposta de lei do Governo uma alteração da filosofia que preside a esta matéria.
Em concreto, pela sua relevância, destacam-se as seguintes propostas: a substituição das taxas de justiça inicial e subsequente por uma só taxa de justiça; a redução dos valores devidos por conta das taxas de justiça suportada na simplificação substancial dos métodos de fixação da respectiva taxa; a previsão de várias categorias de taxas que não variam em função do valor da causa; a alteração do modo de fixação da taxa pela aplicação de um sistema que a faz depender não só do valor mas também da complexidade da causa; o tratamento diferenciado entre os chamados «litigantes em massa» e os ditos «litigantes ocasionais»; a revisão do regime de isenções, quer eliminando as isenções injustificadas, quer criando novas e justificadas isenções, salvaguardando em qualquer caso, e sempre, o direito de defesa dos arguidos e a protecção jurídica dos trabalhadores; a instituição de uma taxa sancionatória excepcional aplicável aos requerimentos, recursos, reclamações, pedidos de rectificação, de reforma ou de esclarecimento manifestamente improcedentes e com fins meramente dilatórios.
Estas alterações, que salientamos apenas a título de exemplo, traduzem-se em importantes ganhos de racionalização no acesso à justiça e no descongestionamento dos tribunais.
Sr.as e Srs. Deputados, o projecto de lei do Bloco de Esquerda, apesar de, sob o ponto de vista substancial, apresentar alguns pontos de convergência com a proposta do Governo, revela uma opção formal completamente distinta. De facto, enquanto o Governo nos propõe a revogação do Código das Custas Judiciais em vigor e a sua integral substituição por um novo e simplificado regulamento, composto por apenas 40 artigos, o Bloco de Esquerda continua a atribuir a esta matéria dignidade de código, com mais de centena e meia de artigos, optando apenas por lhe introduzir alterações pontuais.
Ainda assim, mesmo do ponto de vista substancial, existem várias divergências entre ambas as iniciativas em apreciação, das quais salientamos apenas as seguintes: a fixação pelo Bloco de Esquerda de um montante fixo para a taxa de justiça inicial para cada espécie de processo sem ter em conta quer o valor da causa quer a complexidade da mesma; o forte agravamento pelo Bloco de Esquerda das taxas devidas pelos recursos, o que é desde logo inibitório do exercício pleno dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mormente do direito de defesa destes; a introdução pelo Bloco de Esquerda de novas isenções objectivas nas quais se atende apenas à natureza do processo e não às concretas necessidades dos cidadãos.
Desta forma, da análise formal e substancial de ambas as propostas, impõe-se a seguinte conclusão: o projecto de lei n.º 265/X, do Bloco de Esquerda, apresenta soluções boas e originais. Pena é que as boas não sejam originais, porque já se encontram consagradas na proposta do Governo, e que as verdadeiramente originais não sejam boas,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O nosso projecto de lei é mais antigo do que a proposta do Governo!

A Oradora: — … na medida em que colidem com os objectivos das actuais reformas do sistema judicial levadas a cabo pelo Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça: Nesta matéria, penso que é óbvio, apesar das intervenções da bancada da direita — que, naturalmente, terão as suas razões —, que o Partido Socialista mais não faz com esta proposta de lei do que prosseguir a mesma lógica e a mesma intenção que o PSD tinha, por exemplo, em 2003. Aliás, basta ver o enunciado da proposta de lei e um comunicado do governo, então do PSD, de 2003, que tinha como primeiro-ministro Durão Barroso. De facto, as alíneas são, ipsis verbis, as mesmas. Objectivos: «Repartição mais justa e adequada dos custos de justiça», diz o PS, «Adequada repartição dos custos da justiça», diz o PSD;…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Qual é o mal?!

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O Orador: — … «Moralização e racionalização do recurso aos tribunais, com o tratamento diferenciado dos litigante em massa», diz o PS,…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Qual é o mal?!

O Orador: — … «Moralização e racionalização do recurso aos tribunais», diz o PSD; «Adopção de critérios de tributação mais claros e objectivos», diz o PS, «Adopção de critérios de tributação mais justos e objectivos, diz o PSD.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Isso é mau?!

O Orador: — Bem, aqui, o PS só foi um pouco mais sincero: deixou cair a justiça e impôs a clareza…!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Bem lembrado!

O Orador: — Portanto, o que temos é uma continuidade e não uma rotura, e essa rotura, Sr. Secretário de Estado, seria fundamental fazê-la, porque o PSD na sua reforma, à qual os senhores reconhecem mérito, em 2003, agravou muitíssimo as custas judiciais, o que contribuiu para tornar a justiça mais inacessível a muitos cidadãos portugueses, em desrespeito pelo princípio constitucional da garantia efectiva de uma tutela judicial, garantia, essa, que proíbe expressamente a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos.
É claro que a existência de uma lei de apoio judiciário, apesar das suas insuficiências, mesmo com a actual proposta do Governo, que se encontra na 1.ª Comissão e que continua agarrada a uma visão restritiva do acesso ao apoio judiciário e que persiste em reservá-lo para quem está no limiar da insuficiência económica e muito próximo da pobreza e da indigência, leva a que muitos tenham de pensar não uma, não duas, mas muitas vezes antes de recorrer aos tribunais. Esta situação actual tem sido causa do afastamento dos cidadãos dos tribunais e parece que o Governo entende bem isto! Para o Governo, o mais importante é descongestionar os tribunais, não dando-lhes meios para responder às solicitações mas tornando o seu acesso tão difícil e incomportável que leva a que as pessoas desistam de procurar a justiça!… Infelizmente, o objectivo não é o de responder cabalmente às necessidades das populações, ao interesse público de realização de justiça, através de um sistema e de serviços judiciais e públicos devidamente dotados dos meios necessários à prossecução da sua nobre missão, mas, antes, aproveitar a simplificação para operar um novo agravamento dos custos de justiça, das custas dos processos,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!

O Orador: — … daquilo que os cidadãos têm de pagar para aceder a uma decisão justa, transformando cada vez mais a justiça, como tudo o resto (da saúde à educação, da água à biodiversidade), num bem como outro qualquer, como, por exemplo, 1 kg de batatas, para aceder ao qual tem que se pagar e bem, e a ele só tem acesso quem pagar!

Protestos do Deputado do PS José Junqueiro.

O objectivo principal assumido pelo Governo é o de simplificar e unificar as regras e não o de resolver a situação de injustiça criada pelo PSD, está a agravá-la, e assume esse agravamento com um sorriso nos lábios! A pretexto de combater os elevados níveis de litigância, o Partido Socialista prossegue a reforma do PSD de moralização e racionalização do recurso aos tribunais, embora com uma moralização pouco moral e com uma racionalização que mais parece um racionamento, propondo de forma geral o aumento dos custos no acesso aos tribunais.
Ora, isto vem, infelizmente, dar razão a Os Verdes, quando chamaram a atenção para o perigo de um pacto de justiça feito pelo Partido Socialista com o PSD,…

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Orador: — … quando este último foi precisamente o autor de algumas das reformas mais prejudiciais para o acesso ao direito, começando pela lei do apoio judiciário e pela acção executiva, passando pelas custas judiciais.
Na lei do apoio judiciário, foi o que vimos na semana passada: o PS, apesar de alargar um pouco o âmbito,…

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Um pouco?!

O Orador: — … mantém, no essencial — e vamos ver se recua aquando da discussão na especialidade!? —, a lógica restritiva e matemática do acesso.
E agora, nas custas judiciais, é o que estamos a ver. O Partido Socialista prevê a criação de taxas diferenciadas, o agravamento de custas no caso de acções com «especial complexidade» — e, neste conceito denso, refere a «elevada especialização jurídica», «especificidade técnica» ou «análise combinada de questões jurídicas» (algo muito raro nas decisões judiciais!…), «elevado número de testemunhas», a análise de «meios de prova extremamente complexos» ou a realização de várias «diligências de produção de prova morosas»!! Ora, é extremamente difícil não só de aplicar mas também fundamentar estas situações, que podem originar verdadeiras desigualdades preocupantes.
Mas o Partido Socialista prevê, ainda, uma drástica redução das isenções de custas, segundo as palavras do próprio Governo, eliminando, por exemplo, esse direito para as associações de imigrantes e, acima de tudo, pretende consolidar o princípio segundo o qual o pagamento da taxa de justiça, de acordo com a ideia do utilizador/pagador, deve corresponder à criação de um serviço, devendo o seu valor adequar-se ao custo real que acarreta para o sistema judicial, concebendo as custas como modelo de financiamento dos tribunais. Ou seja, o Partido Socialista abre as portas desta lógica perversa de transformar as custas judiciais em preços de serviços próximos do seu custo de produção, à venda para aqueles que os possam pagar. Esta lógica desvirtua completamente aquela que é, que tem de ser, que só pode ser a lógica de um serviço público da mais elevada importância, que constitui parte fundamental do exercício de um dos pilares do Estado: o poder judicial. Esse serviço público da mais alta dignidade não pode estar sujeito a esta lógica de mercado.
Finalmente, através desta reforma, o Governo procura obrigar e forçar, literalmente, os cidadãos a recorrerem aos meios alternativos de resolução judicial. Concordamos que estes meios são importantes e que se pode e deve dar incentivos aos cidadãos, mas não confundimos o incentivo com a «chibata». E, de facto, esta reforma coloca estes meios alternativos como uma primeira fase quase obrigatória e prévia aos tribunais, o que desvirtua a sua verdadeira «alternatividade».

O Sr. Álvaro Saraiva (Os Verdes): — Muito bem!

O Orador: — O exemplo mais flagrante é o de, no caso de isenção de custas do regulamento das custas processuais, fazer depender a isenção dos trabalhadores ou dos seus familiares, em matéria do direito do trabalho, do recurso prévio, sem sucesso, a um meio de resolução alternativo.
Já o projecto de lei do Bloco de Esquerda identifica e reconhece os problemas existentes actualmente, para os quais também Os Verdes têm vindo a alertar, de denegação de justiça trazidos, designadamente, pela reforma de 2003 e, sem prejuízo de as soluções concretas desse projecto de lei merecerem ou não aplausos, ele vai no sentido correcto de corrigir a situação actual, o que não é acompanhado pela proposta de lei. Por isso, merece-nos uma consideração e um sentido de voto diferentes da proposta do Governo, que, naturalmente, Os Verdes chumbarão amanhã.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, chegados ao fim da discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 125/X e do projecto de lei n.º 265/X, resta-me informar que a próxima reunião plenária se realiza amanhã, com início às 15 horas. Terá um período de antes da ordem dia, com declarações políticas e tratamento de assuntos de interesse relevante, e no período da ordem do dia decorrerão duas eleições — a de um membro efectivo e outro suplente para o Conselho Superior do Ministério Público e a de 10 membros para o Conselho de Opinião da Rádio e Televisão de Portugal, SA —, bem como a apreciação conjunta, na generalidade, das propostas lei n.os 129/X — Define o regime jurídico das associações humanitárias de bombeiros e 130/X — Define o enquadramento institucional e operacional da protecção civil no âmbito municipal, estabelece a organização dos serviços municipais de protecção civil e determina as competências do Comando Operacional Municipal, e do projecto de lei n.º 382/X — Reforça os direitos da Liga dos Bombeiros Portugueses (PCP). Haverá, ainda, votações às 18 horas.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Rosalina Maria Barbosa Martins

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54 | I Série - Número: 083 | 17 de Maio de 2007

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Paulo Martins Pereira Coelho
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Pedro Augusto Cunha Pinto
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Luísa Maria Neves Salgueiro
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

Partido Social Democrata (PSD):
Fernando Mimoso Negrão
José Mendes Bota
Luís Miguel Pais Antunes
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Pedro Quartin Graça Simão José

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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