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Sexta-feira, 20 de Dezembro de 2007 I Série — Número 28

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE DEZEMBRO DE 2007

Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da retirada dos projectos de lei n.os 129, 167 e 276/X e do projecto de resolução n.º 212/X.
Em declaração política, o Sr. Deputado José Pereira da Costa (PSD) teceu críticas ao Governo pela política de saúde que vem implementando no Algarve, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pedro Mota Soaras (CDS-PP) e Aldemira Pinho (PS).
Em declaração política, o Sr. Deputado José Soeiro (PCP) referiu a importância do poder local na definição das regiões de turismo e condenou a proposta de novo regime jurídico que o Governo apresentou sobre as mesmas. No fim, deu resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mendes Bota (PSD) e Hortense Martins (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Diogo Feio (CDS-PP) verberou o desempenho do Ministro da Economia e pediu a sua presença em comissão para explicar os dados do Eurostat que revelam que Portugal apresenta o pior PIB per capita da zona euro. Depois, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Pedro Pinto (PSD).
Igualmente em declaração política, a Sr.ª Deputada Helena Pinto (BE) manifestou a sua preocupação pelo eventual abandono da vigilância electrónica nos casos de crime por violência doméstica e contra mulheres. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mendes Bota (PSD) e Bernardino Soares (PCP).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Strecht Ribeiro (PS) felicitou o Governo e os parceiros sociais pelo valor do salário mínimo nacional para o ano de 2008,

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estabelecido em cumprimento do acordo assinado em 2006, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento formulados pelos Srs. Deputados Pedro Mota Soares (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Luís Fazenda (BE) e Arménio Santos (PSD).
Finalmente, em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) deu conta dos resultados conseguidos na Conferência de Bali sobre alterações climáticas, tendo criticado o não estabelecimento de metas e datas concretas e demonstrado preocupação com o cumprimento das metas a que Portugal se comprometeu.
No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Eduardo Martins (PSD) e António Carlos Monteiro (CDS-PP).
Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 135/X — Gestão das zonas terrestres ribeirinhas (PCP).
Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Miguel Tiago (PCP), Miguel Almeida (PSD), Renato Sampaio (PS), António Carlos Monteiro (CDS-PP), Luís Fazenda (BE) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
Também na generalidade, foi discutido o projecto de lei n.º 178/X — Investigação da paternidade/maternidade (alteração de prazos) (Os Verdes), tendo-se pronunciado, a diverso título, os Srs. Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), António Montalvão Machado (PSD), Marisa Macedo (PS), Helena Pinto (BE) e António Filipe (PCP).
Foi apreciada a petição n.º 363/X (2.ª) — Apresentada por António Nabais e outros, solicitando à Assembleia da República a integração do Mouchão da Póvoa na área territorial da freguesia de Póvoa de Santa Iria, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Bernardino Soares (PCP), Ricardo Martins (PSD), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), António Carlos Monteiro (CDS-PP) e João Gaspar (PS).
A Câmara apreciou ainda a petição n.º 373/X (2.ª) — Apresentada pela Organização Portuguesa de Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica Pró-Ordem, solicitando à Assembleia da República que promova os mecanismos consignados na lei de forma a autorizar a criação da Ordem dos Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica, tendo proferido intervenções os Srs. Deputados Maria José Gamboa (PS), João Semedo (BE), Pedro Quartin Graça (PSD), Bernardino Soares (PCP) e Pedro Mota Soares (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva

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Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo Gonçalves
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques

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António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães

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Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
António Augusto Jordão Chora
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Tem a palavra a Sr.ª Secretária para dar conta do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda solicitou a retirada das seguintes iniciativas: projectos de lei n.os 129/X — Atribuição da autorização de residência aos cidadãos estrangeiros inscritos ao abrigo do artigo 71.º do Decreto Regulamentar n.º 6/2004, de 26 de Abril, e do artigo 6.º do Acordo sobre contratação recíproca assinado entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa a 11 de Julho de 2003, 167/X — Obriga à realização de concurso público e à representação e cumprimento de um caderno de encargos para a atribuição e à renovação de licenças e autorizações de exercício da actividade de televisão (altera o Capítulo II da Lei da Televisão — Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto) e 276/X — Estabelece medidas de incentivo à reciclagem de pneus usados, e projecto de resolução n.º 212/X — Recomenda a suspensão imediata do processo de construção do novo aeroporto internacional na Ota.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para produzir uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Pereira da Costa.

O Sr. José Pereira da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ultrapassados já dois anos e meio de governação socialista, nunca um Ministro da Saúde dispôs de tantos recursos financeiros para executar a sua política de saúde e também nunca, como agora, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tanto recuou em termos de implantação territorial como de cobertura de cuidados e de acessibilidade dos doentes.
O balanço destes cerca de mil dias de governação socialista na área da saúde, é verdadeiramente confrangedor e preocupante.
Evidenciando uma indiscutível visão, exclusiva e erradamente, economicista da saúde, tem este Governo vindo a encerrar, de modo leviano e precipitado, serviços de saúde em localidades que deles tanto carecem, assim votando as suas populações, predominantemente idosas e particularmente desprotegidas, ao isolamento e ao abandono.

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Em estudo divulgado em Outubro passado, o Euro Health Consumer Index, elaborado por uma prestigiada consultora europeia na área da saúde, classificou Portugal em 19.º lugar, numa lista de 29 países europeus, em matéria de acesso aos cuidados de saúde por parte dos utentes.
Segundo este estudo, Portugal está atrás da Espanha ou da Irlanda e tem mesmo indicadores piores do que a República Checa, o Chipre e a Estónia! A obtenção de uma consulta médica, no médico de família ou especialista, é mais demorada em Portugal do que na Eslováquia, na Grécia ou em Chipre.
A realização de uma operação às cataratas é mais morosa do que em Espanha ou na Irlanda e o tempo de espera só é comparável ao da Bulgária ou ao da Roménia.
Cabe aqui fazer um parêntesis para dar uma palavra de reconhecimento público ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, Eng.º Luís Gomes, que, numa iniciativa ímpar e inquestionavelmente louvável, muito tem contribuído nesta matéria para o bem-estar dos seus munícipes.
Mas analisemos, agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, especificamente o caso do Algarve, região pela qual tive o gosto e a honra de ser eleito e na qual as questões ligadas à saúde têm assumido contornos particularmente preocupantes. O Algarve dispõe de 14 centros de saúde, 4 dos quais tinham serviço de atendimento permanente durante 24 horas por dia e outros entre as 8 e as 24 horas.
Em 2007, foram encerrados, ou viram o seu horário reduzido, diversos serviços de atendimento permanente no Algarve. Tais encerramentos tiveram como consequência o entupimento das urgências do Hospital de Faro, como se tem comprovado nos últimos meses, situação que esteve na origem da demissão dos chefes de equipa de urgência desta unidade hospitalar.
Na verdade, em finais do passado mês de Outubro, 18 dos 20 chefes de equipa do Hospital de Faro (e o respectivo director do serviço de urgências) assinaram uma carta de demissão colectiva, alegando que os doentes estão «sujeitos a risco de infecção hospitalar» e que são internados em condições «degradantes» nos corredores do serviço de urgência do Hospital de Faro, o que constitui prova evidente do deplorável e calamitoso estado a que este Governo deixou chegar aquela unidade hospitalar, em particular, e o estado da saúde pública no Algarve, em geral.
E o que faz o Governo para solucionar, conforme é sua obrigação, o muito grave problema actualmente existente na área da saúde no Algarve? Nada! Rigorosamente nada! Ou, melhor, vai tentando enganar os algarvios, através de uma autêntica e interminável novela sobre a construção do hospital central do Algarve, a qual tem como seus principais protagonistas e intérpretes, muitas vezes em papéis divergentes e contraditórios, o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Muito bem!

O Sr. José Pereira da Costa (PSD): — Senão vejamos: O Sr. Ministro da Saúde, a 4 de Maio de 2005, suspendeu a construção dos hospitais de Gaia, Póvoa/Vila do Conde, Guarda, Évora e Algarve, considerando mesmo que este último era «secundário», após ter afirmado que a construção do hospital central do Algarve, verdadeira bandeira política na campanha eleitoral daquele ano, «pode esperar por melhores dias».
Vinte e quatro horas após, o Sr. Primeiro-Ministro desmentiu o Sr. Ministro da Saúde — o seu mais sério rival entre todos os membros do Governo em termos de arrogância, sobranceria e autoritarismo —, reafirmando a promessa de construir o hospital do Algarve durante esta Legislatura.
Em 5 de Maio de 2005, segundo a Agência Lusa, o próprio Partido Socialista, pela voz do então Deputado José Apolinário, eleito pelo círculo de Faro, agora surpreendentemente emudecido, considerou «inaceitável» a tomada de posição do Governo, afirmando que a construção do novo hospital foi uma das prioridades políticas assumidas pelos socialistas durante a campanha eleitoral para as legislativas de Fevereiro de 2005.
Em Julho de 2007 — à semelhança, aliás, do que tinha já sucedido em 2006 —, o Sr. Primeiro-Ministro voltou a anunciar, uma vez mais, «um novo hospital para o Algarve», cujo concurso — adiantou — seria lançado no primeiro trimestre de 2008 (as obras começariam em 2009 e o hospital estaria concluído em 2012).
Porém, o Relatório do Orçamento do Estado para 2008 não contém qualquer calendarização financeira do investimento para essa nova unidade hospitalar e o PIDDAC para 2008 prevê 224,4 milhões de euros nas diversas parcerias público-privadas (PPP) na área da saúde, não deixando contudo, em 2008, qualquer verba para encargos com a construção do novo hospital central do Algarve.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é possível continuar a almejar-se um cada vez maior fluxo de turistas nacionais e estrangeiros ao Algarve sem lhes garantir serviços mínimos indispensáveis, seguros na área da saúde, o que hoje, sendo sério e realista, Portugal não pode garantir a quem visita o Algarve pela inaceitável e irresponsável conduta deste Governo, que manifesta neste aspecto — não se coibindo de o fazer em muitos outros, conforme noutra oportunidade aqui irei evidenciar — um incompreensível desinteresse e desprezo pelo Algarve, região de Portugal que, por inúmeras vezes, tem servido, com êxito, como um verdadeiro «cartão-devisita» de Portugal.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Sr. Deputado, queira concluir, se faz favor.

O Sr. José Pereira da Costa (PSD): — O Governo, também nesta matéria, não tem dito a verdade aos

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portugueses, uma vez mais exibindo a sua falaciosa propaganda, a cada vez mais, senão única, relevante característica deste Governo.
Por isso, deixo um sério e urgente apelo ao Governo do Partido Socialista: assuma e concretize com urgência a construção do hospital central do Algarve, pois ela não é um capricho dos algarvios mas, antes, um imperativo legal que urge cumprir!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Pereira da Costa, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, antes de mais, quero felicitá-lo por trazer à Câmara um tema sempre muito importante como é o dos cuidados de saúde dos portugueses.
O Sr. Deputado falou — e bem! — do que se está a passar no Algarve e que é, de facto, uma situação insustentável para todos os portugueses que lá vivem e, acima de tudo, durante os meses de férias, altura em que há um afluxo enorme de turistas, quer de dentro do País quer de outros países da Europa e de fora dela, o que gera uma situação absolutamente dramática nesses mesmos cuidados de saúde, a qual é conhecida de todos nós.
Vou colocar-lhe uma questão sobre um outro aspecto da sua intervenção que me pareceu muito importante. O Sr. Deputado citou relatórios internacionais que colocam os cuidados de saúde portugueses em níveis que nenhum de nós deseja, pois estamos, infelizmente, sistematicamente, abaixo da média europeia e atrás nos rankings europeus.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Por isso mesmo, gostava de perceber como é que o Sr. Deputado qualifica o facto de, neste momento, não termos acesso aos números das listas de espera de consultas de seguimento e de meios complementares de diagnóstico em várias especialidades, tais como oftalmologia e neurologia.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — O CDS-PP, através do Dr. Paulo Portas, colocou esta mesma questão ao Sr. Primeiro-Ministro, que sobre ela ficou completamente mudo.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Não deu uma resposta, não deu uma satisfação sobre esta questão absolutamente essencial e crucial. E, uma vez que o Sr. Deputado trouxe esta questão à Câmara — e felicito-o por isso —, se fosse possível, gostava de saber um pouco mais sobre a sua explicação a propósito deste mesmo facto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Pereira da Costa, tem a Sr.ª Deputada Aldemira Pinho.

A Sr.ª Aldemira Pinho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pereira da Costa, foi com muita atenção que ouvi a sua declaração política e folgo pelo facto de, ao fim deste tempo todo, trazer à Assembleia esta questão relativa ao Algarve. De facto, passado este tempo todo depois de ter sido eleito pelo Algarve, parece-me que esta é a intervenção do ano, e, por isso, fico satisfeita.
Não lhe vou fazer perguntas, vou tecer algumas considerações porque penso que o Sr. Deputado sabe tão bem quanto nós que é um fait divers voltar a falar do hospital central do Algarve relacionando-o com as verbas inscritas no Orçamento do Estado para 2008. O Sr. Deputado sabe que o que está definido como compromisso do Governo é a sua construção numa parceria público-privada e sabe que, durante 2008, vai desenvolver-se o processo, que já está em curso, no sentido de ser aberto o concurso. Não estão inscritas verbas no Orçamento, mas não tinham de estar — aliás, isso foi dito na audição do Sr. Ministro das Finanças na Assembleia da República em resposta a uma Sr.ª Deputada do vosso grupo parlamentar —, o que não invalida que os compromissos continuem a ser assumidos. Devo dizer que até 2005 não existia a proposta de criação do hospital central do Algarve. Nessa matéria o Sr. Deputado, honra lhe seja feita, disse a verdade.
Tratou-se de uma «bandeira» do Partido Socialista e continuamos a acreditar no nosso Governo e que em 2012 o hospital central do Governo seja uma realidade.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Faça favor de concluir, Sr.ª Deputada. Terminou o seu tempo.

A Sr.ª Aldemira Pinho (PS): — Não vou tecer considerações sobre as urgências. Quero só dizer-lhe que os senhores estiveram três anos no Governo e nada fizeram para alterar esta situação e, portanto, actualmente, as urgências não estão em pior situação do que estavam e até há um processo em curso para melhorar os serviços.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Pereira da Costa, dispondo de 3 minutos.

O Sr. José Pereira da Costa (PSD): — Sr. Presidente, vou responder, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Pedro Mota Soares, a quem agradeço a pergunta que me formulou. Pouco mais lhe posso dizer para além de que comungo das suas preocupações, pois penso que vai sendo tempo de o Governo e o Partido Socialista nos fornecerem os números sobre as listas de espera nas diversas especialidades da saúde, mas, fundamentalmente, de nos darem uma explicação em matéria financeira, depois daquele «surpreendente» relatório do Tribunal de Contas sobre a saúde.
Portanto, comungo da sua preocupação, à qual acresço apenas a parte financeira e ficarei, tal como o Sr. Deputado, na expectativa de que, logo que seja possível, o Governo nos satisfaça esta curiosidade.
Quanto à Sr.ª Deputada Aldemira Pinto, deixe-me dizer, em primeiro lugar, que também fico satisfeito por lhe ter proporcionado a satisfação por me ter ouvido. Sou Deputado do Algarve eleito nas últimas eleições legislativas e, nessa matéria, não tenho qualquer tipo de complexos, pois tenho cumprido escrupulosamente, como os Srs. Deputados sabem, a minha obrigação como Deputado. Não me lembro, aliás, de ver, nesta Legislatura, muitos Srs. Deputados eleitos pelo Algarve a fazerem qualquer tipo de declaração política.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. José Pereira da Costa (PSD): — Todavia, registo que V. Ex.ª utilizou — admito que precipitadamente — o termo fait divers para se referir à necessidade de construção do hospital central do Algarve. Sr.ª Deputada Aldemira Pinho, o Partido Socialista e os algarvios que nos escutam registam isto: pode ser um fait divers, mas para nós não é!!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. José Pereira da Costa (PSD): — Para nós o hospital central do Algarve é um assunto da maior responsabilidade e, contrariamente àquilo que a Sr.ª Deputada disse, não é verdade que o PSD nada tenha feito durante os três anos que esteve no governo… Aliás, recordo — e é uma mera curiosidade, um mero apontamento — que o Partido Socialista, não tarda muito, também já está há três anos no Governo e nesta matéria fez zero! Absolutamente nada!!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. José Pereira da Costa (PSD): — Na verdade, e mais uma vez, enquanto para os outros hospitais, como Cascais e Braga, no PIDDAC e no relatório do Orçamento do Estado para 2008, estão previstas essas verbas, para a construção do hospital central do Algarve a verba inscrita continua a ser zero. E essa foi uma das principais «bandeiras» políticas de VV. Ex.as durante a campanha eleitoral de 2005!!! Assim é fácil: ganhar eleições a prometer hospitais centrais no Algarve, a dizer que não há SCUT e depois a pôr SCUT, a dizer que não aumentam os impostos e depois a aumentá-los, a dizer que não há taxas moderadoras e depois a aplicar taxas moderadoras… Assim, como diz o outro, também eu ganho eleições!!

Aplausos do PSD.

Portanto, registo que V. Ex.ª confirma que o Partido Socialista, nesta matéria, continua a fazer «zero». O hospital central do Algarve, apesar das responsabilidades que VV. Ex.as assumiram, e que nós deixámos pronto para ser iniciado, VV. Ex.as pararam e meteram na gaveta. Esta é que é a verdade!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

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O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma vez mais a Assembleia da República está em vias de ser confrontada e afrontada com a política de factos consumados que tem caracterizado a acção do actual Governo.
Uma vez mais os factos demonstram à saciedade que o tão propalado discurso da participação, da disponibilidade para o diálogo, da abertura à procura de consensos o mais amplos possíveis, de respeito pela vontade democrática dos interessados, não passa de publicidade enganosa, de letra morta, de forma ardilosa de enganar os mais incautos.
Esperava-se, atendendo à importância da matéria, das instituições envolvidas e do peso económico e social do sector, um debate aberto, sério e, sobretudo, o respeito por uma realidade construída ao longo de muitos anos, com o empenho e a dedicação de muitos homens e mulheres de todos os quadrantes políticos; esperava-se que o Governo percebesse que estava a percorrer um caminho errado e reconsiderasse a forma pouco digna como vinha a conduzir este processo; esperava-se que o Governo pusesse fim ao secretismo que tem caracterizado a sua acção nesta matéria há dois longos e intermináveis anos e compreendesse, finalmente, que a melhor forma de construir uma solução credível, ajustada às novas realidades, passível de merecer amplo consenso institucional e político, capaz de contribuir para a valorização e a dignificação do sector e das instituições que tanto têm feito para a sua valorização e reconhecimento, quer no plano nacional quer no plano internacional, era apresentar nesta Assembleia um proposta de lei que abrisse caminho a um processo legislativo democrático, transparente, com o envolvimento real e participado de todos os interessados.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Mas não foi este o caminho escolhido pelo Governo! Cego e surdo a todos os sinais, de forma prepotente, colocando mais uma vez à frente dos interesses do sector, das regiões e do País os interesses obscuros que se movimentam em torno de muitos dos chamados projectos de interesse nacional, os famosos PIN e PIN+, e cedendo às pressões de pequenos poderes partidários instalados, o Governo não resistiu à tentação de provocar um verdadeiro «golpe de estado» no sentido de tentar governamentalizar o que não pode nem deve ser governamentalizado.
É desta fraude monumental, deste abuso do poder, deste assalto despudorado à descentralização, registado como «projecto de Decreto-Lei n.º 667/2007» no livro de registo de diplomas da Presidência do Conselho de Ministros, em 11 de Dezembro de 2007, que estou a falar.
Sim, Sr.as e Srs. Deputados, é das Regiões de Turismo que estou a falar; é da manifesta inconstitucionalidade desta tentativa do Governo de usurpar às autarquias aquilo que sempre emanou da sua iniciativa, do seu livre e democrático associativismo intermunicipal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Tratar as regiões de turismo como se fossem uma qualquer dependência do Ministério da Economia, ignorar o papel determinante do poder local nestas estruturas, destruir marcas que levaram anos e anos a afirmar e procurar impor, em sua substituição, verdadeiros «paus-mandados» do Governo a funcionar a «toque de caixa» do todo-poderoso Turismo de Portugal não só não é uma atitude própria de um governo democrático e de um Estado de direito digno desse nome como revela a arrogância e a prepotência de quem pretende impor uma tal situação.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Soeiro (PCP): — É desta burla inqualificável de pedir parecer à Associação Nacional das Regiões de Turismo e à Associação Nacional de Municípios Portugueses sobre um projecto de decreto-lei, e depois aprovarem em Conselho de Ministro um documento absolutamente distinto do primeiro, que estou a falar! É desta trapaça monumental de andarem a anunciar ao País durante meses e meses consecutivos a criação de cinco regiões de turismo, correspondendo às cinco NUTS II hoje existentes, e agora, sem corarem de vergonha, apresentarem um País retalhado em 12 estruturas, sem qualquer coincidência territorial com as NUTS existentes e cuja avaliação mostra o arbítrio e a irracionalidade que está na base desta opção.

Aplausos do PCP.

Arbítrio e irracionalidade esses que têm, entretanto, uma estratégia bem evidente: fazer do Douro, do Oeste, da Serra da Estrela, do Litoral Alentejano e de Alqueva verdadeiras reservas de PIN e PIN+ à custa das nossas reservas agrícola e ecológica, transformadas em chorudas negociatas, coutadas à mercê dos grandes interesses imobiliários e especulativos, torneando os instrumentos de gestão territorial e deitando por

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terra as mais elementares regras de planeamento e ordenamento do território.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o PCP, que por diversas vezes colocou ao Governo a importância de apresentar uma proposta de lei-quadro das regiões de turismo nesta Câmara como forma de dignificar estas importantíssimas estruturas, que tiveram no passado, têm no presente e devem continuar a ter no futuro um papel insubstituível na defesa e valorização do nosso património turístico e que avançou atempadamente com o seu próprio projecto de lei, cujo agendamento irá propor já para o início de Janeiro, não pode deixar de condenar veementemente o comportamento retrógrado e antidemocrático expresso através do projecto do Decreto-Lei n.º 667/2007 o qual ficará para a história do turismo português como uma nódoa negra que nenhuma solução, por mais milagrosa que seja, será capaz de apagar.
A desautorização em Conselho de Ministros da proposta que andou a propalar por todo o País põe a nu a fragilidade do actual Ministro da Economia cuja intervenção pública constitui um permanente e cada vez maior embaraço para o Governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Soeiro (PCP): — O Grupo Parlamentar do Partido Socialista está confrontado com um de dois caminhos: ou alinha em todo este embuste assumindo o papel acrítico e de caixa de ressonância do Governo…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Sr. Deputado, terminou o seu tempo!

O Sr. José Soeiro (PCP): — … ou assume o seu estatuto e contribui para que a Assembleia da República, no quadro das suas competências próprias intervenha no sentido de impedir o desenvolvimento deste processo e de construir com a participação real de todos os interessados a lei-quadro das regiões de turismo de que Portugal precisa, uma lei que consagre atribuições e competências claras, financiamento adequado e uma estrutura de direcção onde o poder local continue a ter papel primordial e onde continuem a ter assento os verdadeiros representantes do turismo regional.
Aqui fica o desafio!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Mendes Bota e Hortense Martins.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, o Partido Social-Democrata obviamente que não pode deixar passar em claro aquilo que de muito grave o Governo acaba de perpetrar ao perder uma oportunidade extraordinária de fazer uma verdadeira reestruturação do sector turístico português, sobretudo ao fazê-lo da forma e da maneira inesperada como o fez.
Aliás, quero, desde já, declarar que o Partido Social-Democrata requereu que sobre este assunto fosse feito amanhã um debate de actualidade, porque se é importante aqui neste período de declarações políticas confrontarmos o Governo, é importante fazermo-lo olhos nos olhos, com um membro do Governo na bancada para que ele nos possa explicar as razões por que cedeu ao lobby interno do Partido Socialista para colocar interesses pessoais acima dos interesses de um sector inteiro.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Deputado José Soeiro, gostaria de perguntar-lhe, quando olha para o mapa que parece ter sido delineado pelo Governo, como é que consegue explicar que para aquelas novas áreas «turismo regional», que são baseadas nos pólos de desenvolvimento turístico que estão contemplados no PENT (Plano Estratégico Nacional de Turismo), determinados municípios — e cito aqui, no caso do Algarve, exemplos como Vila do Bispo e Aljezur — passem do Algarve para integrar a área de turismo do litoral alentejano.
Gostaria de perguntar-lhe também, Sr. Deputado José Soeiro, quando acusa de governamentalização aquilo que este instrumento jurídico irá permitir ao Governo fazer em relação às novas entidades criadas, se considera ou não que as competências que ali estão consignadas (competências como colaboração, estudo, monitorização e dinamização) são competências que dão ou não autonomia, que dão ou não um direito de intervenção próprio às novas entidades que foram criadas.
Também gostaria de perguntar-lhe se conseguiu vislumbrar o autêntico enxerto jurídico que este diploma constituiu…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Terminou o seu tempo, Sr. Deputado! Já perguntou tudo!

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O Sr. Mendes Bota (PSD): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.
Estava eu a perguntar se conseguiu vislumbrar o autêntico enxerto jurídico que este diploma constituiu, nos artigos 6.º, 17.º e 19.º, onde a expressão extinta das «regiões de turismo» é enxertada num diploma relativo às «áreas regionais de turismo».

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, obrigado, Sr. Deputado Mendes Bota pelas questões que colocou. São muitas, o tempo é escasso, amanhã teremos oportunidade de continuar o debate e aprofundá-lo, mas, apesar do pouco tempo, não posso deixar de dizer-lhe no essencial o seguinte: o Governo passou meses e meses, para não falar em dois anos, a falar nesta Câmara em dar coerência ao território, em avançar com estruturas tendo em vista a futura regionalização que correspondesse às NUTS II.
O Sr. Ministro da Economia passou todo o seu tempo, durante meses consecutivos, a anunciar às estruturas, um pouco por todo o lado, que iríamos ter regiões de turismo de níveis correspondentes às NUTS II, ou seja, cinco regiões de turismo. Foi desautorizado em Conselho de Ministros e acabou por apresentar um projecto de decreto-lei que — é preciso sublinhar isto —, na verdade, é uma fraude inaceitável, porque apresentaram um projecto à Associação Nacional de Municípios Portugueses e à Associação Nacional das Regiões de Turismo, e depois aprovaram outro, completamente diferente, como hoje vem anunciado na comunicação social. E se olharmos com atenção para as propostas das regiões de turismo encapotadas, porque o Governo não teve a coragem de assumir isso, elas não são cinco mas são 10 mais duas, são 12!! Esta é que é a realidade!… Portanto, alguém do Partido Socialista que nos diga quais são as diferenças de competências ou de poderes que estão atribuídas no projecto de decreto-lei, em relação às chamadas regiões de turismo e às chamadas outras estruturas regionais de turismo. O que nós temos é um mapa feito por medida, um mapa que tem claramente o objectivo de corresponder à área de influência dos PIN e, naturalmente, a servir interesses que nada têm a ver com o desenvolvimento nem do turismo, nem da regionalização e nem do País. E é a isto que temos de estar atentos! Aliás, se juntarmos a este diploma outros diplomas que andam a circular — estou a lembrar-me do regime jurídico dos empreendimentos turísticos —, claramente, vimos que há uma estratégia que nada tem a ver com a defesa do turismo nem com o desenvolvimento do turismo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Hortense Martins.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, muito obrigada também por ter trazido o tema do turismo a esta Assembleia.
Realmente, o tema do turismo é-nos caro pelos resultados a que temos vindo assistir neste ano turístico nos últimos anos. É um sector em grande crescimento e pela primeira vez dos últimos anos os objectivos fixados por este Governo foram cumpridos, não só ao nível das dormidas mas também ao nível das receitas e de todos os índices.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Mais 1%, Sr. Deputado! Isto é o efeito dos resultados das medidas tomadas!

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Quanto ao tema das regiões de turismo, o facto é que o País estava pulverizado de regiões de turismo, de estruturas, e baseado num certo modelo de associativismo que, ao longo destes anos, não deu resultados suficientes, pois já estava ultrapassado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não servia era ao Belmiro ou ao Amorim!

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Havia muitos concelhos por todo o País, como Guimarães, Odemira, Fundão, Castelo Branco, Vila Velha de Ródão, Idanha-a-Nova, Porto e Lisboa, que nem sequer pertenciam a qualquer região de turismo. Portanto, era necessária uma reorganização territorial do turismo para tornar mais eficazes o dinheiro e os recursos utilizados na promoção turística.
Sr. Deputado José Soeiro, a questão do associativismo, que penso que é a que defende, não deu resultado. Neste momento, há uma reorganização com base nas cinco regiões, mas também nos cinco pólos

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definidos no Plano Estratégico Nacional de Turismo, que são pólos de desenvolvimento turístico para alavancar o turismo ao nível do todo nacional.
Sr. Deputado Mendes Bota, apesar de estar distraído, gostaria de dizer-lhe que o PSD também reconheceu que a reorganização do turismo era necessária. Aliás, há mais de 20 anos que tal é dito pelos sucessivos governos e já tivemos, inclusivamente, um ministro,…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Sr.ª Deputada, queira concluir porque já esgotou o tempo de que dispunha.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Sr. Presidente, vou já concluir…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Os Srs. Deputados é que aprovaram o Regimento, por unanimidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não, não, Sr. Presidente! Nós não aprovámos!

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Sr. Deputado Mendes Bota, o PSD concordou com as cinco regiões de turismo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Hortense Martins, agradecendo as questões que me colocou, lembro-lhe, em primeiro lugar, que há muito tempo que o Grupo Parlamentar do PCP propôs, na Comissão de Economia, a vinda do Sr. Ministro para discutir o PRACE. Esperámos dois anos pelo cumprimento de um requerimento aprovado em comissão, mas que nunca foi concretizado porque o Sr.
Ministro fugiu, com a cumplicidade do Partido Socialista! Em segundo lugar, apresentámos um projecto de lei e aguardamos que o Governo ou a bancada do Partido Socialista avançassem com uma proposta que permitisse um debate sério, honesto e transparente nesta matéria. Até hoje, só através da comunicação social sabemos quais são as intenções do Governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. José Soeiro (PCP): — O Governo fugiu sempre a vir a esta Câmara prestar contas do que anda a fazer nesta matéria! E não venham com indicadores. Vamos ao concreto! A Sr.ª Deputada referiu que «o País está pulverizado»… Naturalmente, também partilhamos da ideia de que é excessivo existirem 19 regiões de turismo, mas, atenção, o que os senhores estão a querer fazer não é aglutinar! Vamos ao Alentejo! Durante anos, trabalhou para criar uma região de turismo do Alentejo, tendo-se associado as quatro regiões de turismo que aí intervêm. Qual é a vossa proposta? A vossa proposta é dividir o Alentejo em três, sem qualquer coerência territorial ou correspondência à realidade!

Vozes do PCP: — Muito bem!

Protestos do PS.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Em três!

O Sr. José Soeiro (PCP): — É o Alentejo do sequeiro e é o Alentejo do regadio! É o Alentejo de 35 municípios e é o Alentejo de Alqueva e é o Alentejo do litoral! Isto não é sério! Era bom que os senhores medissem bem os passos que vão dar a seguir e que a bancada do Partido Socialista abrisse os olhos e compreendesse que ainda está a tempo de intervir no sentido de corrigir o mau caminho pelo qual o Governo quer levar o turismo em Portugal!

Vozes do PCP e do PSD: — Muito bem!

O Sr. José Soeiro (PCP): — É preciso ter em conta que há uma realidade que emana do poder local e que temos de respeitar as autarquias e as regiões de turismo. E os senhores não estão a respeitar!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a chegar ao fim de mais um ano. É altura de fazer balanços. Para alguns, o juízo é verdadeiramente decepcionante — como é evidente, este é o caso do Governo.
Nesta segunda fase do seu mandato, o Governo está numa linha descendente e já não a consegue inverter. O Governo está num buraco de que não consegue sair. A energia falta, a imaginação é nula e a actividade ou é má ou muito má.
Um exemplo claro disto é o do Ministério da Economia. As promessas foram várias, a Assembleia da República e os seus Deputados nunca conseguiram que o Sr. Ministro respondesse a perguntas, mas houve direito a vários PowerPoint e até a filmes sobre a «verdejante» economia portuguesa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — De acordo com o «encenador» Manuel Pinho, Portugal estava a crescer a ritmo nunca visto.
Pelo meio, era esquecido que o ciclo actual é, para todos os Estados, de crescimento e que quem faz crescer a economia são as empresas…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — … porque não há Governo que importe ou exporte! Ninguém transacciona ministros ou secretários de Estado, até porque, se tal acontecesse, teríamos o produto nacional a ser devolvido e a balança de comercial ainda mais deficitária.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

Risos.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Já tínhamos percebido que o Ministro Manuel Pinho estava apostado em demonstrar a inutilidade do Ministério da Economia…, só não era preciso exagerar! De acordo com dados do Eurostat, Portugal apresenta o pior PIB per capita da zona euro. Fomos ultrapassados por Estados como a República Checa, Malta, Chipre e Eslovénia — esta é a notícia portuguesa.
Em Espanha, a notícia é a de que, pela primeira vez, o PIB per capita ultrapassou o da Itália; a notícia em Espanha é a de que já são o 12.º Estado entre os 27, ao passo que Portugal já é o 19.º — Sr. Ministro Manuel Pinho, esta é a diferença entre a esperança e a necrologia!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Por isso mesmo, queremos ouvir em comissão Manuel Pinho, Ministro da Economia. Repito: queremos ouvir Manuel Pinho e não outro ministro da Economia. Por isso mesmo, requeremos que esta audição se faça com carácter de urgência.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal está a perder de forma crescente na comparação com outros Estados europeus. Estamos a deitar fora as oportunidades que outros estão a aproveitar também quanto à utilização de tecnologias. Portugal passa — numa classificação em que, para além da União Europeia, também se considera a Islândia e a Noruega — de 16.º para 21.º quanto à taxa de utilização de banda larga. Comparámos dados de 2006 e dados de 2007: fomos apanhados pela Polónia e ultrapassados pela Letónia, Lituânia, Irlanda e Hungria.
Aqui está o resultado do plano tecnológico! Aos Deputados do Partido Socialista peço que transmitam ao Governo que as questões não se resolvem com ofertas pias de computadores. Bem melhor seria resolver o problema de concorrência, que devia preocupar — vejam lá quem… — o Sr. Ministro da Economia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este mês de Dezembro não é o melhor quanto a novos ânimos. Foi agora que, por exemplo, se soube que o rendimento líquido da agricultura e dos agricultores cai mais de 12% em 2007.
Para além das condições meteorológicas, a causa está em dificuldades face aos nossos parceiros internacionais. Parece, então, claro que bem necessário é que este Governo ponha o socialismo na gaveta, acredite nas empresas, no sector produtivo, e estimule a concorrência. Alguém nesta Câmara confia que o Primeiro-Ministro Sócrates o pode fazer? É evidente que a resposta é não, e a situação só tende a piorar.

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Este é também o dia em que o ainda Ministro das Obras Públicas inaugurou uma obra que é o maior monumento à ineficiência do Estado e ao desbaratar de dinheiros públicos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Falo do troço do metro entre o Terreiro do Paço e Santa Apolónia: era para estar pronto para a Expo 98; pois passou o milénio, mais um Europeu de Futebol e quase uma Presidência europeia para que, no dia 19 de Dezembro de 2007, se inaugurasse a obra. Deve ser caso único no mundo. É lamentável que Portugal fique conhecido por estes eventos e que o Sr. Primeiro-Ministro se irrite com as perguntas sobre o atraso.
Pois, Sr. Primeiro-Ministro, quem já se está a irritar com as suas irritações são os contribuintes, que assistem a este desbaratar de dinheiros públicos e ao aumento da carga fiscal.
Não é aceitável que o Sr. Ministro das Obras Públicas diga que a derrapagem foi «‘apenas’ de 40 milhões de euros»!… Que fique muito claro: derrapagens como esta «jamais»!!

Aplausos e risos do CDS-PP.

Esperamos que o Sr. Primeiro-Ministro, no próximo ano, decida o que tem a decidir, explique o que tem a explicar, mude o que tem a mudar, mas que inverta este ciclo, pois, se tal não acontecer, aqui estaremos em 2008 para o denunciar!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, veio hoje aqui falar do Ministro talvez mais inexistente deste Governo… e num país como o nosso não é surpreendente.
Quando vimos um partido que, em campanha eleitoral, se aplicou a prometer aos portugueses um progresso fundamentalmente assente numa nova economia que ia ser construída, o que é que vemos agora? A cara dessa mesma política que devia ser visível, pura e simplesmente, desapareceu.
Vimos que na discussão do Orçamento do Estado para 2007, documento fundamental para a visibilidade de uma qualquer política económica, o Ministro não esteve, esteve ausente! Vimos que na discussão do PEC, com a importância que tem a comparação entre os resultados prometidos e os obtidos, o Sr. Ministro não esteve, esteve ausente, desapareceu! Vimos um Ministro que, desde o início, apresentou a esta Casa e ao País os grandes investimentos estrangeiros que iriam ser feitos em Portugal, mas que, até ao momento, estão no ponto zero! Por isso, acho muito bem que o Sr. Ministro venha, de uma vez por todas, a esta Casa, para termos a certeza de que ainda é Ministro, de que ainda existe, de que ainda pensa realmente vir a fazer qualquer coisa nos muito poucos meses que lhe devem faltar até à remodelação.
Assim, gostaria de perguntar-lhe, Sr. Deputado Diogo Feio, se está na disposição de questionar ainda o Sr.
Ministro sobre aquilo que foram os grandes investimentos estrangeiros em Portugal, que são, neste momento, apenas uma miragem.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Pinto, referiu-se ao Sr. Ministro da Economia como a maior das inexistências, não a única, deste Governo. Se calhar, estamos a fazer um último esforço no sentido de tentar que o Sr. Ministro possa vir aqui responder directamente às perguntas dos Deputados.
É curioso que o Sr. Ministro da Economia já não fala em Plenário desde Novembro de 2006 e não foi, repito, por falta de esforço ou de vontade dos Deputados desta Câmara. Só conseguimos ver o Sr. Ministro quando vem acompanhar o Sr. Primeiro-Ministro nos debates mensais, agora quinzenais. Mais: o CDS-PP apresentou uma iniciativa sobre o poder de compra dos portugueses e quem tivemos a responder — imaginese! — foi o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que nos deu também na altura a notícia «extraordinária» de que o poder de compra não era economia…! Possivelmente, estes dados que agora vêm do Eurostat também não devem ser economia…! Assim, tentamos perceber quem trata de economia dentro deste Governo. E, devo dizer-lhe, é tarefa muito difícil. Estamos perante silêncios cada vez maiores, porque agora não são apenas por parte do Governo, mas

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também da bancada do Partido Socialista, que parece já ter vergonha em relação a esta situação. Isto é, já têm dificuldade em recusar, recusam sem discussão e não querem qualquer conversa sobre a matéria de economia.
Sobre economia, deixamos algo muito claro: os sinais positivos que têm sucedido devem-se às empresas e ao esforço que os nossos empresários têm feito, apesar deste Governo. E tenho muita pensa de ter de dizer «apesar deste Governo».

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A violência doméstica e a violência contra as mulheres tem merecido, e bem, da parte da Assembleia da República, uma atitude atenta e interventiva. Temos até uma resolução, aprovada por unanimidade, onde — e passo a citar — nos comprometemos a «Promover uma cultura de consciencialização das vítimas para os seus direitos e das condutas potenciadoras de actos de violência doméstica, bem como o reforço das medidas de protecção à vítima e de repressão do agressor» (sublinho «repressão do agressor»).
Para que o nosso compromisso não seja apenas um conjunto de palavras escritas num papel, não podemos deixar de denunciar a atitude do Governo ao recuar numa das medidas mais eficazes e mais promissoras no combate à violência.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — O Governo quer recuar na «implementação do programa experimental de aplicação de meios electrónicos de vigilância à distância aplicados ao agressor sujeito a medida judicial de afastamento».
Aquilo que acabei de dizer é uma citação da medida prevista no Plano Nacional Contra a Violência Doméstica.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Sr.ª Deputada, por favor suspenda a palavra por um momento.
Srs. Deputados, peço que façam silêncio na Sala, por uma questão de respeito por quem está a usar da palavra.
Faça favor de continuar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Obrigada, Sr. Presidente.
Podíamos aqui invocar as inúmeras entrevistas e declarações à imprensa do Sr. Secretário de Estado da Presidência, Jorge Lacão, e da Presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género sobre esta matéria, dando como adquirido que esta medida iria ser implementada, mas basta invocar o Plano Nacional.
Há dois anos que o Governo promete as pulseiras electrónicas, há dois anos que esta promessa serve para a propaganda e, agora, vem o Governo dizer que são precisas «soluções mais flexíveis» e «mais eficazes do ponto de vista prático».
Se isto não fosse um assunto muito, mesmo muito sério, daria para fazer umas anedotas a propósito.
O que é isto de uma «solução mais flexível»? Flexível para quem? Para o agressor que fica com os movimentos livres? «Mais eficaz do ponto de vista prático»? Para a mulher que é perseguida não é com certeza!… A introdução da vigilância electrónica para os agressores não se substitui com um simples telemóvel. Não se trata de pedir ajuda! Trata-se de possibilitar que uma medida prevista no Código Penal — a medida de afastamento do agressor — tenha aplicação prática! Trata-se de evitar o recurso a casas-abrigo em muitas situações.
Mas também se trata de contribuir, efectivamente, para salvar vidas. Sim, salvar vidas porque os agressores matam e o homicídio conjugal, em Portugal, é um problema muito sério! É caso para perguntar como vai ser cumprido o n.º 5 do artigo 152.º do Código Penal, tão recentemente aprovado. É porque está lá prevista a fiscalização, por meios técnicos electrónicos de controlo à distância, da pena acessória de proibição de contacto com a vítima.
Nem telemóvel, nem bip solucionam o problema.
O combate à violência doméstica e à violência contra as mulheres tem passado por diversas etapas e o nosso compromisso deve ser elevá-lo sempre para patamares mais exigentes.
Já não se trata só de acolher as vítimas, já não se trata só de prestar os mais diversos tipos de apoio! Trata-se de impedir a impunidade dos agressores; trata-se de inverter por completo a percepção social deste crime; trata-se de promover a condenação social deste crime, que é público — é bom nunca esquecer; assim como se trata de elevar ao máximo a protecção das vítimas e não de colocar nelas o ónus da vigilância.

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A obrigação de vigiar os agressores é do Estado, não das vítimas, e este tem de utilizar todos os meios ao seu dispor e não fazer contas ao orçamento, até porque estamos sempre a ganhar quando se evita uma agressão.
Mas, afinal, o que leva o Governo a recuar numa questão sobre a qual tem falado durante dois anos? O Bloco de Esquerda já tinha estranhado que, durante o debate do Orçamento de Estado, o Ministro da Presidência, o Secretário de Estado da Presidência e o Ministro da Justiça nada tenham dito sobre esta matéria, mesmo quando, insistentemente, por nós questionados. Algo se preparava. Ficámos a saber na audição em Comissão.
O Governo quer mesmo substituir as pulseiras electrónicas por telemóveis e por bips.
A Assembleia da República, depois do compromisso que assumiu solenemente, não pode deixar passar esta situação em claro e deve exigir explicações detalhadas do Governo e, sobretudo, exigir que se implemente o programa experimental previsto no Plano Nacional. Não aceitamos que questões orçamentais ponham em causa esta medida que pode significar um novo paradigma no combate à violência.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — O Governo está a faltar aos seus próprios compromissos e está a colocar em causa o aperfeiçoamento da protecção das vítimas.
Não aceitamos este volte-face.
O que as vítimas precisam não é de fazer um telefonema quando se sentem ameaçadas. Precisam de um sistema que identifique o agressor quando este se aproxima, quando este viola uma medida decidida pelo tribunal.
O que as vítimas precisam é de ter mais alternativas para a sua segurança. E, hoje, só têm uma alternativa: ir para um abrigo e alterar por completo, por completo, Sr.as e Srs. Deputados, a sua vida e a vida dos seus filhos e filhas!!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Se o Sr. Secretário de Estado soubesse do que está a falar, saberia que todas as mulheres têm telemóvel e que uma das primeiras, primeiríssimas medidas é colocar, já agora em código, na sua lista de endereços, o contacto do centro que lhes dá apoio e da esquadra de polícia mais próxima.
Mas, pelos vistos, o Governo não sabe do está a falar!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Mendes Bota e Bernardino Soares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, o que V. Ex.ª acabou de fazer é uma parte importantíssima do dever de qualquer Deputado, seja nesta matéria seja noutras, mas, neste caso, há, de facto, um compromisso muito amplo. É que esta Câmara aprovou, por unanimidade e aclamação, uma resolução com o compromisso de um combate sem tréguas àquele que é um dos maiores flagelos que mancham a sociedade contemporânea.
Digo-lhe que cumpriu uma das partes do dever do Deputado porque a nossa missão não é apenas a de legislador, não é apenas a de detectar e preencher os buracos na legislação, não é apenas a de sensibilizar a população para os problemas, é uma tarefa de monitorização da aplicação das leis, de monitorização dos planos que estão aprovados e contêm uma série de medidas de combate a um determinado flagelo.
Por isso, no que se refere à matéria que aqui veio apresentar hoje, queria não só fazer-lhe uma pergunta mas também associar-me à sua preocupação, dizendo que só razões muito fortes, muito ponderosas, de absoluta impossibilidade técnica, poderão justificar que não seja implementada uma medida com a qual todos concordámos à partida.
Sr.ª Deputada, gostaria que me dissesse se tem mais alguma informação que possa tê-la levado a afirmar tão categoricamente que o Governo já recuou decisivamente nesta matéria. Ou seja, quais são, de facto, as razões que o Governo poderá invocar para que a Sr.ª Deputada tenha tirado essa conclusão, desde já, em relação ao posicionamento do Governo? Portanto, Sr.ª Deputada, é esta a pergunta que lhe deixo e é também esta a minha manifestação de apoio à sua preocupação.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

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A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Mendes Bota, obrigada pela questão que me colocou.
De facto, como o Sr. Deputado disse, esta Assembleia assumiu um compromisso solene, mas é preciso que o mesmo se traduza no acompanhamento das políticas de combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica e, também, no aperfeiçoamento dessas mesmas políticas, porque não podemos ficar sempre perante as mesmas medidas.
Relativamente a um combate como este, que é um combate de direitos humanos, um combate de civilização, é obrigação dos representantes eleitos do povo português elevarem constantemente o patamar das medidas propostas.
O que se passa, Sr. Deputado, é que, já em Fevereiro de 2006, o Sr. Secretário de Estado Jorge Lacão dava por adquirido que, em Abril seguinte, estaria praticamente pronto o relatório referente às questões técnicas em torno da vigilância electrónica.
Os jornais estão cheios de declarações do Sr. Secretário de Estado sobre esta matéria. E que aconteceu? Foi insistentemente confrontado com o atraso na implementação desta medida que não é inventada por ninguém, está prevista no Plano Nacional contra a Violência Doméstica, está lá escrita, preto no branco.
Foi quando confrontado com estas questões, em sede da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, que o Sr. Secretário veio dizer que, afinal, não é bem assim e que «teremos de encontrar outras soluções» que passariam pela atribuição às vítimas de um telemóvel ou de um bip. Como eu disse naquela tribuna, se este não fosse um assunto tão sério quase dava para brincar acerca dele.
Que necessidade de um telemóvel tem uma vítima quando precisa de se defender de um agressor? Para lhe atirar com o telemóvel? Não estamos nessa fase de modo nenhum.
O que se suspeita — e afirmo aqui que tenho essa suspeição, Sr. Deputado — é que, na base deste recuo do Governo, estejam questões orçamentais. Por isso, esta Assembleia da República, depois de, solenemente, ter aprovado por unanimidade aquela resolução,…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada. O seu tempo terminou.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … deve pedir explicações ao Governo. Era isso que se esperava da bancada do Partido Socialista.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Srs. Deputados, não acho muito correcto que, enquanto decorrem os trabalhos, haja Srs. Deputados que estão em pé, a conversar. Não creio que seja muito curial e agradecia que não voltassem a repetir.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, quero saudar a sua intervenção e dizer que, pela nossa parte, associamo-nos ao repúdio de quaisquer recuos em termos de medidas que visem prevenir a violência doméstica e defender dos seus agressores as vítimas de violência doméstica.
É evidente que este problema não pode tratar-se apenas pela via da repressão, tem de tratar-se também pela via da ressocialização e da importância desta para que as vítimas de violência doméstica continuem a sua vida em total segurança e com apoio por parte do Estado. No entanto, não podemos esquecer que é preciso defender as vítimas nos momentos mais críticos, quando mais estão sujeitas à violência que sobre elas impende.
Por isso, é necessário continuar a insistir na implementação de várias das medidas previstas — e a Sr.ª Deputada referiu-se a algumas —, tais como a existência da rede de casas públicas de apoio, a necessidade de se criar condições para que não seja a vítima quem tem de abandonar a casa com os filhos para se proteger do agressor, a criação de condições para o acesso à justiça por parte das vítimas, designadamente as de menores recursos que, na prática, estão impedidas de aceder à justiça para defender s seus direitos.
Ora, é preciso manter em cima da mesa todo esse conjunto de medidas, não só as de protecção imediata mas as que visam o apoio à ressocialização e à reconstrução da vida pessoal das vítimas, e, evidentemente, não podemos admitir que alguma ou algumas sejam preteridas por razões orçamentais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, agradeço também a questão que colocou e concordo com as que apontou.
Aliás, permita que lhe diga que é precisamente no aspecto da ressocialização que reside muito da

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importância desta medida da introdução da vigilância electrónica.
O que se passa hoje é que as vítimas só têm uma forma de garantir a sua segurança, que é o recurso às casas-abrigo. Ora, esta medida, que, no fundo, vem complementar uma outra que já foi decidida em tribunal, por um juiz, que é a do afastamento do agressor, iria permitir que não só as mulheres como os seus filhos mudassem por completo toda a sua vida. Esta medida de que falei permitiria que as mulheres permanecessem na sua própria casa mas estando garantido o afastamento do agressor.
Sr. Deputado, não posso deixar de aproveitar esta resposta para insistir numa questão que me parece bastante estranha neste debate e que se prende com o silêncio da bancada do Partido Socialista perante uma questão desta importância.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — É verdade!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Aliás, também queria perguntar às Sr.as e aos Srs. Deputados do PS, que aqui tanto defenderam o Código Penal recentemente aprovado nesta Assembleia, como vamos cumprir as novas medidas que foram introduzidas no Código Penal? Como é possível ficarmos sem palavras perante um recuo inadmissível? E, já agora, ainda respondendo a mais uma questão do Sr. Deputado Mendes Bota, não são questões técnicas, porque se o fossem era esse o grande argumento do Governo, tinha aí um bom argumento para dizer «tecnicamente não é possível, temos de recuar». Mas nunca se ouviu da parte dos membros do Governo dizer que eram questões técnicas. São outras questões, são questões de operacionalizar, de tornar mais ágil, o que é perfeitamente ridículo quando sabemos que ainda hoje — e isso devia ser motivo de preocupação e de vergonha para todos — dezenas de mulheres morrem às mãos dos seus maridos ou dos seus companheiros.

Aplausos do BE.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Sobre que ponto da condução dos trabalhos, Sr. Deputado?

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, sobre a forma como estão a decorrer os trabalhos.
Tendo alguns Srs. Deputados intervindo no sentido de alegar situações de direito que não correspondem à verdade, é preciso dar-lhes uma resposta. Na altura não foi possível a Mesa entender que queríamos inscrever-nos e, por isso, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Sr. Deputado, o n.º 3 do artigo 85.º do Regimento não permite protestos relativamente a pedidos de esclarecimento nem às respectivas respostas.
Nem eu nem a Mesa temos de pronunciar-nos sobre o conteúdo das intervenções feitas.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não é sobre isso, Sr. Presidente. O que pedi foi para fazer uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, aprovámos, como disse a Sr.ª Deputada Helena Pinto, o Código Penal e o Código de Processo Penal. Nenhum plano, seja ele qual for, altera a lei e, portanto, todas as medidas de coação previstas na lei mantêm-se, as outras são medidas complementares.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — O Sr. Deputado não está a interpelar a Mesa, peço desculpa!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Já disse o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Strecht.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista saúda vivamente o Governo e os parceiros sociais pelo acordo celebrado sobre o valor do salário mínimo nacional para o ano de 2008. A fixação, no quadro da concertação social, do valor do salário mínimo

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nacional para o próximo ano em 426 euros corresponde a um acréscimo de mais de 5,7% face ao valor actual e traduz o maior aumento desta remuneração verificado na última década.
Este aumento permite-nos consolidar a trajectória de crescimento do salário mínimo nacional iniciado em 2007 e olhar o futuro do País com mais confiança.
Através deste importante acordo, o Governo e os parceiros sociais cumprem os compromissos que assumiram em 2006 em matéria de evolução do salário mínimo nacional e contribuem para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores portugueses e para o desenvolvimento da nossa economia.
A necessidade de promover o aumento do salário mínimo nacional de forma gradual para que o mesmo possa recuperar a sua função originária de verdadeiro instrumento de política salarial levou o Governo e os parceiros sociais a celebrarem, há cerca de um ano, um acordo histórico sobre a fixação e a evolução do salário mínimo nacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Relembro aqui que esse acordo histórico fixou, para o ano de 2007, o valor do salário mínimo nacional em 413 euros e previu o seu aumento gradual, de modo a atingir, em 2009, o valor de 450 euros e, em 2011, o valor de 500 euros.
No acordo celebrado em 2006, o Governo e os parceiros sociais, sem porem em causa o desenvolvimento da economia nacional e o nível de emprego, assumiram, de forma empenhada e responsável, o objectivo de criar condições efectivas para uma progressiva melhoria do nível de vida dos trabalhadores.
O aumento do salário mínimo nacional acordado para o próximo ano, o mais elevado da última década, permitirá consolidar o caminho que traçámos quanto à evolução a médio prazo do salário mínimo nacional e garante aos trabalhadores portugueses a recuperação da perda dos salários mínimos face aos ganhos de produtividade verificados nos últimos anos. Temos, por isso, todos nós, razões para estarmos mais confiantes no futuro.
A celebração deste acordo, envolvendo todos os parceiros sociais, contra tudo aquilo que alguns apregoam, é a prova provada de que os empregadores e os trabalhadores portugueses acreditam no desenvolvimento e no progresso económico do nosso país.

Aplausos do PS.

O presente acordo honra o País, o Governo e os parceiros sociais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao orador, os Srs. Deputados Pedro Mota Soares, Bernardino Soares, Luís Fazenda e Arménio Santos. Pedia aos Srs. Deputados que se inscrevessem no tempo devido.
Tem a palavra, Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Strecht, V. Ex.ª, do alto da tribuna, felicitava o Governo pelo aumento do salário mínimo nacional, dizendo, até um bocadinho na lógica do que ouvimos ao Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, que é um desígnio de justiça social este aumento do salário mínimo nacional.
Sr. Deputado, pelo tempo em que nos conhecemos, permitia-me até dar a V. Ex.ª e à bancada do PS um conselho de parcimónia. Porque, de facto, se alguém está de parabéns pelo aumento do salário mínimo nacional são, em primeira medida, os trabalhadores e, em segunda medida, os empregadores, que pagam esse mesmo aumento.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Não me parece que o Governo possa agora vir arvorar-se como um grande justicialista social, no sentido em que não é ele que vai pagar essa verba no final de cada mês.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — E também não são os Ministros que vão receber essa verba no final de cada mês. Por isso mesmo, parecia-me que, nesta matéria, aparentemente, alguma parcimónia e algum recato fossem, pelo menos, prudentes.
Sr. Deputado, o que se passa ao nível da justiça social em Portugal é, de facto, muito grave. Não podemos esquecer que temos cerca de 200 000 trabalhadores portugueses a receber o salário mínimo nacional — e isso é muito — mas temos, ao mesmo tempo, mais de meio milhão de portugueses a receber a pensão mínima de reforma. E essa pensão mínima de reforma, como o Sr. Deputado sabe, é muito inferior ao valor do salário mínimo nacional.

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Neste momento, é de quase 230 euros/mês. E foram os senhores que quebraram a ligação que existia entre a pensão mínima e o salário mínimo nacional. Foram os senhores que quebraram a regra da convergência introduzida por outros governos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — E, pior do que isso, os senhores introduziram uma regra que quanto muito implica para os pensionistas não perderem poder de compra relativamente ao ano anterior, mas pode vir a acontecer já em 2008 uma perda de poder de compra real para os pensionistas que forem aumentados.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Estou a terminar, Sr. Presidente.
Mais ainda, e esta é a nota da injustiça social deste Governo: para além disso, passaram os aumentos de Dezembro para Janeiro sem sequer avisarem as pessoas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — O Sr. Deputado Jorge Strecht informou a Mesa de que responderá a grupos de dois pedidos de esclarecimento.
Assim, tem agora a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, já agora quero dizer que o nosso atraso na inscrição deveu-se ao facto de a declaração política do Sr. Deputado ter acabado 2 minutos antes do tempo regimental, o que, evidentemente, não tem nenhum problema,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — É sinal de que havia pouco para dizer!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — … e, portanto, fomos um pouco surpreendidos pelo seu término. É apenas esta a questão.
Sr. Deputado Jorge Strecht, o anúncio feito do aumento do salário mínimo nacional refere-se ao cumprimento de um compromisso que decorre, neste ano intermédio em relação ao compromisso para 2009, daquilo que já tinha sido acordado pelo Governo com as confederações patronais e sindicais.
Portanto, trata-se desse cumprimento, e ainda bem que houve esse cumprimento, Sr. Deputado Jorge Strecht.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Claro!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O que estranhámos foi que durante meses, incluindo num debate que há bem pouco tempo o PCP levou a efeito nesta Assembleia, o Governo fosse adiando o anúncio daquilo que era, afinal, o simples cumprimento de um acordo que estava estabelecido. E, como era tão simples o cumprimento deste acordo, não se percebia por que era complexa a respectiva divulgação.
É evidente, e todos nós o sabemos, que o patronato resistiu muito a este aumento e foi exigindo publicamente compensações para o mesmo. Esperemos que elas, não tendo vindo neste aumento intermédio, não venham noutras matérias, como nas que vão ser anunciadas hoje à tarde, do Livro Branco das Relações Laborais.
O que queremos dizer é que o cumprimento deste compromisso, apesar de tudo, continua a manter o salário mínimo num nível que todos concordamos ser insuficiente para o papel que o mesmo tem de ter como instrumento de combate à pobreza e de uma mais justa distribuição de riqueza.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Strecht, dispondo de 3 minutos.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, congratulo-me com o seu sentimento sobre injustiça social. O que é espantoso é que a herança que deixaram é aquela que os senhores conhecem e que nós conhecemos também.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Um aumento de 14% das pensões mínimas!

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O Sr. Jorge Strecht (PS): — E a verdade é que o papel do Governo aqui é de mediação, como é evidente.
Os acordos fazem-se entre os parceiros, mas o senhor não pode, nem deve, descartar o papel do mediador. O mediador tem aqui uma importância significativa.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Para os senhores é o único que tem importância!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — E, portanto, um acordo destes honra todos os participantes.
Os senhores não foram capazes de o fazer. Bom, o que havemos de fazer? É a vida!… Não pode é desvalorizar o facto de agora ter sido possível fazê-lo.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — E a verdade é que se o acordo é entre os parceiros é porque estes reconhecem — e respondo já também ao Sr. Deputado Bernardino Soares — que o País, o estado da sua economia e o seu nível de emprego, provavelmente, não podem ir mais longe do que foram. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, prefiro aceitar como boa a solução mediada pelo Governo e que os parceiros, sem excepção, reconheceram, em vez do vosso desejo escatológico de um futuro que há-de vir e que só Deus sabe quando virá. Mas quando, no passado histórico recente, tiveram nas vossas mãos a guia do processo, afinal, não chegaram a bom porto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Strecht, este debate acerca do salário mínimo é realmente mais para a esquerda do que para a direita. Aliás, a prática da direita governamental oposicionista é sempre de desvalorização do salário mínimo nacional. Creio até que devemos desvalorizar muito a posição do CDS, pois ainda esta semana um responsável da juventude do CDS veio exigir a abolição do salário mínimo nacional,…

Vozes do PS: — Bem lembrado!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Exactamente!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — … tido como um entrave ao funcionamento da economia, etc.
Portanto, essa filosofia liberal é de toda a direita, esse é um debate que não conta para este lado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Chama-se liberdade de expressão! Sei que faz confusão ao Bloco de Esquerda!…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O que conta verdadeiramente, Sr. Deputado Jorge Strecht, é saber, face às pressões das confederações patronais, exactamente qual foi o termo da negociação do Governo do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — É que não sabemos exactamente aquilo que foi negociado e era importante que a «factura» tivesse sido hoje disponibilizada aos Deputados, na sua intervenção. Virá ela pela Comissão do Livro Branco das Relações Laborais? Há alterações ao nível dos horários para o sector do comércio? Há alterações na política de subsídios? O que é que se passou, afinal? Pura e simplesmente, as confederações empresariais abdicaram das exigências que faziam pelos «lindos olhos» do Governo do Partido Socialista? Não é credível! Não é crível, sequer! Portanto, creio que o Sr. Deputado nos deve mais algumas explicações políticas sobre a atitude do Governo do Partido Socialista. Isto para podermos entender a firmeza do Partido Socialista, do seu Governo, em relação às exigências das confederações empresariais e sabermos o que podemos esperar ou não de acordos que tenham ficado um pouco na obscuridade, embora tenham permitido a notável elevação da sua intervenção de final de ano.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio

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Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Strecht, quero colocar-lhe uma questão muito simples, porque julgo que o mérito deste acordo — e este não é um acordo de hoje, mas do ano passado — é essencialmente dos parceiros sociais, revelando a maturidade da concertação social no nosso país.
De facto, as confederações sindicais, muitas vezes tão maltratadas pelo próprio Governo socialista, e as confederações empresariais tiveram a coragem de procurar encontrar caminhos, compromissos e soluções, que, por um lado, acautelam os interesses vitais das empresas e, por outro, caminham no sentido de se avançar para uma maior justiça social na política salarial.
Assim sendo, a nossa primeira palavra é exactamente de reconhecimento do papel revelado pelos parceiros sociais, em sede de concertação social. Não é mérito, por isso, do Governo. Escandaloso seria que o Governo rasgasse um acordo que, no ano passado, foi assinado e assumido por todos os parceiros sociais e também pelo Governo.
Mas a minha pergunta, Sr. Deputado, é esta: o facto de esta questão ter justificado uma intervenção do Sr. Deputado aqui, na Assembleia, significa que o Partido Socialista considera que estes 426 €, que vão ser a referência do salário mínimo nacional para o ano de 2008, são o bastante para conferir aquele nível de dignidade que todos nós reclamamos para os portugueses e as suas famílias no século XXI? Estamos conscientes das dificuldades das empresas…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Arménio Santos (PSD): — … e das dificuldades da nossa economia. Mas o orgulho com que V. Ex.ª invoca os 426 € dá-nos a ideia de que esse nível salarial é o bastante para que as pessoas, todas as pessoas, vivam bem, o que, do nosso ponto de vista, não corresponde à realidade.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Strecht.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Arménio Santos, respondo-lhe com as palavras iniciais do Sr. Deputado Luís Fazenda. De facto, não percebo sequer a legitimidade da sua intervenção.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Outra vez o passado?!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Não! Reconheço-a na sua qualidade de Deputado, mas não do ponto de vista dos interesses que têm defendido, e dou razão ao Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): — Não sabe quantos acordos de concertação social fizemos, pois não?!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — De facto, esta questão é connosco. Não tem nada a ver com essas bancadas.

Protestos do PSD.

Não tem! E mais: acho espantoso que o Sr. Deputado Arménio Santos tenha referido que os acordos são só entre os parceiros sociais. Não são, Sr. Deputado! Os acordos são tripartidos: Governo e parceiros sociais, confederações sindicais e confederações empresariais. E o mérito é de todos por igual, parceiros e Governo, quer o senhor goste quer não goste.
No passado, deveria ter feito melhor. Não fizeram! Bom, nada a opor. Para a frente é que é o caminho! Mas a verdade é que o caminho se faz, está a fazer-se, e somos nós que estamos a fazê-lo.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Para o abismo!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Quanto à questão que o senhor coloca, sobre se este salário é o bastante, Sr. Deputado, a melhor resposta é dada pelos próprios parceiros. É evidente que, em termos ideais, não é, toda a gente sabe que não é. Mas se os parceiros acedem a este acordo é seguramente porque reconhecem que é o acordo possível, é aquele a que o País pode, nesta altura, dar resposta. E com isto, respondo também ao Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Deputado Luís Fazenda diz: «há aí coisas encobertas!». Sr. Deputado, não há nada encoberto, é só ler, porque está lá tudo escrito! Aliás, está lá escrito algo importante, que subscrevemos sem qualquer rebuço, que são os apoios, em certas condições, a certo tipo de empresas. É evidente que esses apoios são necessários se se quiser manter as empresas e a empregabilidade.
Agora, se os senhores raciocinarem de acordo com uma linha da qual discordo integralmente, do género «bom, não importa se pode ou não pode, ‘forçamos a barra’, mesmo que a ‘barra’ dite desemprego maciço e dificuldades para os trabalhadores»,…

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Protestos do Deputado do BE Luís Fazenda.

… desculpe, Sr. Deputado, mas isso é um aventureirismo que não partilhamos, é puramente retórico e não tem a ver com a realidade.

Protestos do Deputado do BE Luís Fazenda.

E a melhor resposta à sua intervenção é a dos parceiros sociais, sem excepção — e faço aqui referência às duas centrais sindicais que reconhecem o acordo que elas próprias firmaram.
Nós confiamos nos parceiros sociais, confiamos nas centrais sindicais, confiamos que é o possível, ainda que o desejável seja bem mais.
Esta é a questão, não há qualquer outra. Não há aqui nada escondido, Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A avaliação dos resultados de uma conferência como a de Bali, na Indonésia, que terminou no passado dia 15, terá de ser sempre feita em função das expectativas que estavam criadas em relação aos seus resultados.
Para quem tinha expectativas elevadas de que esta conferência conseguiria definir e vincular atitudes e metas para o quadro pós-Quioto, por forma a garantir a inversão do quadro da tendência de aceleração do fenómeno das alterações climáticas, Bali ficou bem aquém dessa garantia.
Para quem tinha a expectativa de que esta conferência retrataria as prioridades e os interesses de algumas potências, como os dos Estados Unidos da América, em detrimento da determinação para a resolução de um problema global como o das alterações climáticas, entenderá que os resultados eram os esperados.
De uma ou de outra forma, se olharmos às necessidades reais do planeta e à urgência de combater o aquecimento global e evitar os seus efeitos devastadores, é certo que perceber que Bali foi o início e não o culminar de um acordo deixa ainda grandes incertezas quanto ao futuro e deixa, por isso, poucas garantias quanto aos objectivos a prosseguir.
O grande «empata» destas negociações foram, como já era de esperar, os Estados Unidos da América.
Com efeito, os maiores emissores de gases com efeito de estufa do mundo continuam de fora do Protocolo de Quioto, cada vez mais isolados, depois da decisão de ratificação da Austrália, anunciada em plena Conferência das Partes. Para além disso, procuraram a todo o custo encetar um processo paralelo de negociações entre as maiores potências do mundo, baseado em verdadeiras declarações de intenções e acções voluntárias e nunca em objectivos e acções concretas. É, então, positivo que a Administração Bush se tenha sentido obrigada a envolver-se nas negociações gerais, em Bali, para definição do quadro de combate às alterações climáticas.
Contudo, se metas concretas para o período pós-Quioto não ficaram contempladas no roteiro de Bali é aos Estados Unidos da América que se deve esse recuo. Só uma remissão desses objectivos para uma mera nota de rodapé, e com remissão para o relatório do Painel Internacional para as Alterações Climáticas, é que levou os norte-americanos a darem o seu acordo. Fragilizou-se o texto, fragilizaram-se as conclusões e o mundo não ficou a ganhar com isso. Ou seja, os Estados Unidos da América conseguiram um texto que não faz referências explícitas ao que é necessário levar a cabo para combater as alterações climáticas a não ser numa mera nota de rodapé e conseguiram transformar Bali mais numa declaração de intenções do que num compromisso concreto.
Até 2009, período acordado para o limite das negociações, veremos o que valem as notas de rodapé! É nela que se contempla, através de uma remissão, a necessidade de evitar uma subida da temperatura global superior a 2ºC e, nesse sentido, de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa entre 25% a 40%, até ao ano de 2020, e superior a 50%, em 2050 (com valores de referência de 1990). É, evidentemente, aos países mais industrializados e com maior responsabilidade nas emissões que cabe uma maior responsabilidade de agir em prol destes objectivos, pese embora a tentativa dos Estados Unidos da América de tratar tudo por igual, sem atender às responsabilidades concretas das várias economias e dos tão colossalmente diferentes estados de crescimento e desenvolvimento entre várias nações.
A importância que se deu ao combate à desflorestação e à destruição massiva de florestas deve também ser um ponto a realçar no enquadramento das negociações para um novo compromisso a atingir nos próximos dois anos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando falamos das alterações climáticas, falamos de consequências de um modelo de crescimento e de organização económica que demonstrou a sua ferocidade na destruição do planeta.

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Sentir que há países que empatam eternamente a resolução deste problema e que o minimizam nas suas consequências é revoltante, mas deve servir-nos de motivação para o permanente alerta da necessidade de conseguir superar esse travão. E essa superação será tanto mais forte quanto a coerência entre a vontade e as acções com resultados forem uma realidade por parte daqueles, como a União Europeia, que têm sido exigentes na formação de acordos e no estabelecimento de metas mas que informam pouco, muito pouco, sobre os resultados do que conseguiram até à data.
Para o ano, entraremos no primeiro ano do período de cumprimento do Protocolo de Quioto. Vai a União Europeia conseguir a sua meta de redução, em 8%, das emissões de gases com efeito de estufa? E como vai consegui-lo? Com recurso a que medidas? Portugal, em 2005, já atingia um aumento de 43% das emissões de gases com efeito de estufa, quando a sua meta era não as aumentar em mais de 27%. A força das negociações, até 2009, será tanto maior quanto houver credibilidade naqueles que exigem objectivos, o que significa também garantir que cumprem os objectivos a que se propõem e que não os transformam em meras declarações de princípios, onde tanto faz haver lá uma meta como não.
Os Verdes manter-se-ão atentos à evolução da situação e activos na exigência de medidas concretas para combater o fenómeno das alterações climáticas. Mas não esperem de nós, Srs. Deputados, que, a pretexto do combate às alterações climáticas, aceitemos medidas que pouco contribuirão para a sua resolução e que podem representar atentados ambientais e sociais gravíssimos. Por isso, queremos também aqui, no Parlamento, discutir os agro-biocombustíveis ou o Programa Nacional de Barragens, discussão que, justamente ontem, Os Verdes propuseram na Comissão de Ambiente e que a maioria socialista, mais uma vez isolada, inviabilizou.

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Eduardo Martins e António Carlos Monteiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Martins.

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, ouvi com atenção a declaração política de Os Verdes, declaração política oportuna e importante, neste momento em que as Nações Unidas acabam, ao contrário daquilo que é a interpretação de Os Verdes, de dar um passo de gigante no sentido de, em 2009, termos um acordo global que substitua o Protocolo de Quioto. Um passo de gigante porque inclui, ao fim de 10 anos, pela primeira vez, o maior emissor mundial, que são os Estados Unidos da América, no regime climático internacional; um passo de gigante porque, pela primeira vez, há medidas concretas para combater a desflorestação que é responsável por 20% das emissões de gases com efeito de estufa para a atmosfera; um passo de gigante para os países em vias de desenvolvimento porque, pela primeira vez, o Global Environment Fund vai ter um fundo para a adaptação daqueles que são os principais prejudicados pelo fenómeno das alterações climáticas e com regras completamente diferentes das que vigoraram até hoje nas Nações Unidas, porque deixou de valer o princípio «um dólar, um voto» para valer o princípio «um país, um voto», o que significa que este fundo vai ser controlado pelos países em vias de desenvolvimento.
Mas esses passos de gigante que foram dados em Bali não devem ser diminuídos pelos políticos.
A Sr.ª Deputada referiu-se a uma nota de rodapé e eu gostaria de dizer-lhe que essa nota de rodapé é muitíssimo importante, porque diz respeito ao quarto relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, é uma referência à evidência científica de que, até 2020, os países desenvolvidos têm de reduzir entre 25% a 40% as suas emissões de dióxido de carbono e é uma referência que os próprios EUA aceitaram.
Se isso nos vai facilitar a vida nos próximos dois anos, não vai. Vai haver um trabalho muito árduo para chegarmos a um acordo.
Mas preocupa-me um pouco a parte final da sua intervenção — e registo que ninguém do PS lhe fez qualquer pedido de esclarecimentos —, preocupa-me um pouco este discurso costumeiro porque, sendo essencialmente por via da energia que temos de resolver o problema das emissões de carbono, preocupa-me que não haja disponibilidade por parte de Os Verdes para encararmos, com rigor e avaliação de impacte ambiental, quer o plano nacional de barragens, quer a verdadeira penetração dos biocombustíveis no panorama energético nacional.
É sobre estes aspectos que gostaria de ter os seus esclarecimentos.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, confesso que fiquei algo surpreendido com a visão tão negativa do Partido Ecologista «Os Verdes» em relação a Bali, desde logo porque penso que em Bali aconteceu algo que deve ser registado.
Até muito recentemente havia quem continuasse a negar a existência das alterações climáticas.

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Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — No entanto, o que ficou estabelecido em Bali foi que não é possível continuar a negar o facto de que estamos em risco, o globo está em risco e que as alterações climáticas são uma evidência.
Também é de registar que, em Bali, os EUA, ao contrário do que aconteceu antes, acabaram por manifestar a intenção de participar nestes trabalhos, no sentido de se encontrar uma solução para o mundo. E esta solução para o mundo tem de ser uma solução que procure equilibrar os interesses dos diferentes Estados, que procure equilibrar também as preocupações, que todos temos, com a economia e com a energia e as preocupações ambientais, sendo que este equilíbrio faz-se através do diálogo. Portanto, o fundamental em Bali, para mim, é termos a garantia de que não há Estado algum (principalmente aquele que mais contribui para a emissão de CO2) que se afaste do diálogo. Ora, isso é de saudar, Sr.ª Deputada.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Por outro lado, a avaliação que fazemos relativamente aos outros devemos fazê-la também em relação a nós. E o facto é que, no período de 4 ou 5 anos, como verificámos numa audição recente em sede da Comissão de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território, os EUA melhoraram a sua eficiência energética em 25% (foi essa informação que veio plasmada no relatório), enquanto nós piorámos os níveis de eficiência energética. A Sr.ª Deputada procura pregar lições de moral aos EUA mas Portugal está a utilizar uma maior intensidade energética e, por isso, está a piorar o seu comportamento relativamente à emissão de CO2.
Sr.ª Deputada, penso que é importante que os EUA estejam dentro deste consenso e entendo que, se queremos pregar lições de moral aos outros, devemos em primeiro lugar fazer o «trabalho de casa».

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, na intervenção que fiz daquela tribuna comecei justamente por dizer que a avaliação dos resultados de Bali decorre exactamente das expectativas criadas em relação àquela conferência das partes.
Provavelmente, Srs. Deputados, a nossa expectativa não era idêntica e, por isso, se calhar, fazemos avaliações diferentes. De qualquer modo, gostaria de corrigir, porque pode ter-se dado o caso de não me ter expressado bem, dizendo que não minimizo, de todo, a importância desta Conferência de Bali, mas, de facto, em termos de expectativa, considero que era importante ter ido muito mais além. Designadamente, no que concerne às metas, considero que elas não deveriam ter sido remetidas para uma nota de rodapé. E, Sr. Deputado José Eduardo Martins, pode ser muito importante essa nota de rodapé lá estar — teremos dois anos para perceber qual é a importância das notas de rodapé —, mas se houve um finca-pé tão grande para que elas não constassem do texto do roteiro de Bali, por alguma razão foi. E foi justamente para não lhes dar relevância e para não criar o vínculo que essas metas poderiam ter.
Portanto, é esta a crítica que fazemos e é este o realce que gostaríamos de dar, porque, como o Sr. Deputado José Eduardo Martins diz, e com muita razão, temos agora um longo processo negocial a decorrer até 2009, mas temos receios relativamente aos resultados de 2009. Assim, entendemos que organizações do mundo inteiro, partidos políticos preocupados com esta matéria, bem como as mais diferentes entidades não devem cruzar os braços e devem ser também, através da sua voz, exercer uma forte pressão para que as negociações sejam satisfatórias em 2009.
Cada um de nós, ao seu nível, terá com certeza um papel importante no sentido de realçar a sua voz, lançar as suas propostas e fazer a sua pressão com vista a esse resultado satisfatório em 2009.
Depois, há outra questão que também não podemos minimizar. Tem de se associar estes resultados ao que se conseguiu no período de Quioto, pois vamos iniciar o próximo quadriénio. Trata-se de uma matéria relativamente à qual temos visto as entidades responsáveis muito caladas, mas, como se disse aqui há pouco, é um assunto em relação ao qual importa fazer a monitorização, uma vez que a credibilidade para 2009 também decorre do que se vai conseguir neste quadriénio.
Consideramos muito importante que os EUA estejam presentes nestas negociações e salientei este aspecto como positivo na minha intervenção. Mas relembro também que os EUA estiveram presentes nas negociações para o Protocolo de Quioto e depois entenderam não fazer a sua ratificação. Por isso, não me descansa absolutamente nada sentir que os EUA estão a participar no processo negocial, porque eventualmente, como aconteceu em Bali, estão também a empatar de alguma forma os bons resultados que já poderíamos ter nesta matéria.
Quanto ao Sr. Deputado José Eduardo Martins, nós não queremos inviabilizar soluções válidas,

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designadamente em termos energéticos, queremos discutir, no Parlamento, a forma de as introduzir e debater com os membros do Governo os verdadeiros impactes, os prós e contras destas medidas, que foi justamente o que o Partido Socialista inviabilizou.

Vozes de Os Verdes: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Srs. Deputados, vamos passar à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 135/X — Gestão das zonas terrestres ribeirinhas, apresentado pelo PCP.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Alguns municípios portugueses têm como riqueza própria o facto de se encontrarem nas proximidades da orla costeira e de estarem efectivamente virados para uma frente ribeirinha ou estuarina que propicia às populações, além daqueles recursos naturais que noutros tempos justificaram a escolha dos locais para o início da concentração da actividade humana, uma mais-valia ambiental importantíssima, em torno da qual giram hábitos culturais ou de lazer, actividades económicas e elementos importantes de atracção turística.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — A actividade portuária, por sua vez, é obviamente um vector económico de importância estratégica para todo o País. Além da indústria das cidades onde existem portos comerciais, todo um outro conjunto de indústrias que labora em Portugal tem óbvias ligações à actividade portuária, além de os portos nacionais e o próprio território nacional funcionarem como autênticos canais de mercadorias no plano internacional.
A constituição das Administrações dos Portos do Douro e Leixões, de Lisboa, de Sines e de Setúbal e Sesimbra, entretanto transformadas em sociedades anónimas de capitais públicos, a que se veio mais tarde juntar a Administração do Porto de Aveiro, S.A., veio atribuir a estas administrações a capacidade de intervir, designadamente em matéria de urbanismo, em toda a zona terrestre abrangida pelos diplomas de criação. No entanto, a configuração dessas áreas tem-se mostrado desadequada, sendo que nela recaem zonas sem qualquer ligação à actividade portuária, mesmo tendo em conta as perspectivas de futuro contidas nas estratégias portuárias.
A inclusão de zonas desligadas objectivamente da actividade portuária nas zonas sob gestão e intervenção das administrações significa, pois, a sua exclusão da alçada municipal, muito embora sejam, em grande parte, áreas que, pelas suas características, uso de solos e utilização, deveriam ser geridas pelo poder local democraticamente eleito.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Nada justifica que continuem sob tutela das administrações portuárias vastas áreas de terrenos que não fazem parte, nem directa nem indirectamente, dos planos estratégicos de desenvolvimento e expansão das actividades portuárias sob gestão e jurisdição dessas administrações. Nada justifica que esses terrenos permaneçam em muitos casos abandonados, sem qualquer estratégia de ordenamento, sem que possam integrar os planos directores municipais dos concelhos em que estão localizados. Pior: nada justifica que terrenos sem qualquer utilização ligada à actividade portuária, actual ou futura, possam ser objecto de intervenção do tipo urbanístico para a qual as administrações portuárias nem têm vocação nem tão pouco legitimidade funcional e administrativa.
O Partido Comunista Português propõe que esta Assembleia atribua, como é justo e mais adequado, às autarquias, aos municípios, a gestão e a salvaguarda dos valores patrimoniais e paisagísticos, possibilitando inclusivamente a integração efectiva das zonas ribeirinhas nos instrumentos de ordenamento do território, nomeadamente nos planos directores municipais. A natureza das administrações portuárias não lhes atribui, nem deve, qualquer vocação para o ordenamento do território, particularmente de áreas integradas em zonas urbanas, o que agrava o facto de os instrumentos municipais de ordenamento do território não incluírem grandes partes desses terrenos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem observado!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Esta desadequação do quadro legal, sem um critério que a justifique, coloca estas partes do território urbano sob uma tutela injustificada que redunda no «divórcio» entre as frentes ribeirinhas e as cidades, os municípios e as populações. É incompreensível que o desenvolvimento urbanístico das zonas ribeirinhas seja um acto independente das competências municipais quando nelas não existe, nem previsivelmente virá a existir, qualquer relação com actividades portuárias.
As administrações portuárias devem, naturalmente, ter os poderes e os meios necessários à prossecução dos seus fins, no cumprimento do interesse público que lhes é confiado, mas isso não pode implicar que esses

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poderes excedam as suas atribuições. Ou seja, a intervenção das administrações portuárias deve ser dirigida na justa medida da sua missão, no quadro da actividade portuária que lhes cabe gerir, sem que isso implique a jurisdição plena — principalmente no quadro do planeamento urbanístico — em vastas áreas inteira e claramente desligadas da vocação portuária.
O Grupo Parlamentar do PCP propõe, por isso mesmo, que a jurisdição, titularidade de gestão ou propriedade dos bens sobre as zonas terrestres ribeirinhas em áreas não afectas directamente à actividade portuária seja desafectada das administrações portuárias e seja transferida para os respectivos municípios.
Os municípios devem ter competência para determinar os usos do solo e para licenciar nas áreas actualmente sobre gestão das administrações portuárias que não estejam ligadas à actividade que essas administrações gerem, assim integrando essas áreas nos instrumentos de ordenamento do território em vigor.
O projecto de lei que hoje o PCP apresenta propõe inclusivamente a criação de uma comissão de delimitação da zona portuária que funcionaria junto do Governo, envolvendo os municípios, com o objectivo específico de traçar a nova configuração das zonas terrestres ribeirinhas afectas às administrações portuárias, observando os princípios que já apresentámos.
Da mesma forma, o presente projecto de lei materializa a obrigatoriedade de articulação entre município e administração portuária, mesmo nas áreas de jurisdição desta última, devendo essas administrações obedecer na sua intervenção aos instrumentos de planeamento, ordenamento e gestão territoriais de âmbito nacional, regional ou local em vigor. Sobre essas áreas competirá, portanto, às administrações portuárias gerir em observância dos planos e das estratégias política e legalmente estabelecidos e aos municípios, através das câmaras municipais, competirá o acompanhamento da actividade das administrações através da emissão de pareceres sobre obras e utilização dos terrenos.
Este projecto de lei traz um conjunto de propostas que dão resposta a uma situação aberrante que se vai verificando no quadro do ordenamento do território. Este projecto de lei dá corpo e traduz a vontade expressa de muitos autarcas, principais responsáveis pelo ordenamento do território nos municípios onde estas situações ocorrem, designadamente em Aveiro, Lisboa, Matosinhos, Porto, Sesimbra, Setúbal e Vila Nova de Gaia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Transferir para os municípios a gestão das zonas ribeirinhas terrestres que não estejam afectas à actividade portuária é, além de uma operação lógica, imposta pela própria natureza e vocação das administrações portuárias, um imperativo de salvaguarda da integridade da estrutura do planeamento e ordenamento do território, com a inerente protecção de valores ambientais ou patrimoniais a que esse planeamento, na óptica do Partido Comunista Português, deve obedecer.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Almeida.

O Sr. Miguel Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tema que hoje abordamos nesta reunião plenária reveste-se da maior relevância política em termos de uma adequada e racional repartição de poderes e competências entre, por um lado, os órgãos da administração central e, por outro, os municípios.
As denominadas áreas portuárias subsistem ainda, actualmente, como um conjunto heterogéneo de terrenos que se podem integrar, tanto no domínio público ou privado do Estado, como no domínio municipal ou, ainda, mesmo em propriedade particular, embora muitas vezes não estejam sequer afectas à actividade portuária.
Assim, o único traço dominante que engloba a situação em que se encontram estes imóveis é o facto de se encontrarem, todos eles, sob jurisdição portuária.
Tentando visualizar numa perspectiva histórica, constata-se um paradoxo evidente: enquanto, por um lado, o modelo de administração dos portos tem vindo a sofrer mutações de relevo nos últimos 20 anos, por outro, os instrumentos e poderes de intervenção no território ao dispor destes agentes encontram-se, em grande medida, ainda regulados por legislação muito antiga que, por isso, carece de uma adequação às realidades actuais.
Falo concretamente do Decreto-Lei n.º 32 842, de 11 de Junho de 1943, que, ao fim de 64 anos, se encontra ainda em vigor e que, por isso, se revela totalmente desactualizado face aos novos princípios políticos, constitucionais e legais da descentralização e da autonomia local.
Daqui resulta que a jurisdição portuária compreende actualmente um conjunto de poderes de administração das áreas em causa que não se articulam, de forma alguma, com as novas competências dos municípios.
Aliás, segundo a Associação Nacional de Municípios Portugueses são «naturalmente complexas as relações que se estabelecem entre uma cidade e o seu porto, pela existência de um conjunto de múltiplos e distintos interesses públicos e privados, que se territorializam nas frentes urbanas marítimas e portuárias, ao coexistirem entidades de jurisdição completamente autónoma, num território urbano por princípio indivisível, aumentando, de forma exponencial, a impossibilidade de colaboração e concentração com vista ao desenvolvimento do interesse público.
Não fará sentido que, estando o conjunto dos territórios municipais totalmente coberto com planos de

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ordenamento, as áreas portuárias existam dentro destes territórios como espaços ‘vazios’ de qualquer disciplina regulamentar e para os quais não há sujeição à obrigatoriedade de elaboração de estudos de planeamento e ordenamento.»

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Almeida (PSD): — Impõe-se, assim, repensar a configuração do sistema de gestão territorial nas áreas sob jurisdição portuária, assegurando uma articulação com o planeamento territorial de nível municipal, sem prejuízo das atribuições da administração central em matéria de domínio público.
Entendemos, por isso, que aos municípios deve competir uma acção de planeamento integradora e coordenadora das diversas redes de infra-estruturas e de serviços e uma efectiva gestão territorial das áreas portuárias não afectas à actividade portuária.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Embora comunguemos do espírito e dos propósitos do projecto de lei que o PCP apresenta, entendemos, contudo, que esta iniciativa pode pecar por não curar de se compatibilizar com a legislação ainda vigente relativa aos denominados Planos de Arranjo e de Expansão dos Portos, previstos no velhinho decreto-lei de 1943, bem como de se enquadrar e articular com todo o actual regime da Lei de Bases da Política do Ordenamento do Território e de Urbanismo.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Como assim?!

O Sr. Miguel Almeida (PSD): — Pensamos, assim, que a iniciativa do PCP deverá, por um lado, encontrar uma solução para o que fazer com o regime legal ainda vigente — alterando-o, revogando-o ou ajustando-o, como, eventualmente, parecer melhor e mais adequado aos autores da iniciativa — e, por outro lado, adequar a pretensão de fundo da sua iniciativa ao quadro legal decorrente da aprovação da lei de bases do ordenamento do território e de urbanismo e da criação do sistema de gestão territorial e dos novos instrumentos de gestão territorial.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PPD/PSD defende uma solução técnica e política que passe genericamente por: enquadrar a articulação das entidades da administração central e dos municípios, relativamente às áreas portuárias, na tipificação dos planos já existentes para a gestão do território; devolver à gestão municipal áreas que, embora denominadas portuárias, não sirvam directa e principalmente esse propósito, segundo os princípios e as regras de gestão decorrentes dos planos municipais; e finalmente, promover um figurino legal para a actuação da administração central e dos municípios neste domínio que privilegie métodos de actuação o mais concertados possíveis.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Almeida (PSD): — Desta forma, o Grupo Parlamentar do PSD apresentará, muito em breve, uma iniciativa legislativa que se enquadrará e contemplará estes aspectos, do nosso ponto de vista, essenciais para uma boa gestão das áreas portuárias com o envolvimento directo e efectivo dos municípios.

Aplausos do PSD.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Vai aprovar esta iniciativa legislativa!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do PCP em apreço propõe a transferência da jurisdição das zonas terrestres ribeirinhas das administrações portuárias para as autarquias.
Para além das dúvidas de inconstitucionalidade que este projecto de lei nos parece conter, outros aspectos existem que não podemos deixar de analisar e que nos habilitam a tomar uma decisão sobre o mesmo.
Em primeiro lugar, a oportunidade. É do conhecimento público que o Governo está em negociação com as autarquias no sentido de partilhar com estas a gestão de parcelas do território que constituem o domínio público hídrico, aliás, de acordo com o plano estratégico da actividade portuária, apresentado pelo Governo.
Ora, o PCP, que tem conhecimento desta realidade, no meio deste processo negocial vem introduzir um ruído de fundo que pode prejudicar esta acção descentralizadora do Governo, que nós apoiamos e desejamos tenha êxito.

Protestos do PCP.

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Esta habilidade política até pode satisfazer os interesses localistas e o seu populismo autárquico, mas que se revela de um certo oportunismo político não temos dúvidas.
Em segundo lugar, a incongruência. Este projecto de lei revela na sua formulação muitas incongruências ao ignorar as Leis da Água e da Titularidade dos Recursos Hídricos, aprovadas nesta Assembleia, que explicitam que os bens do domínio público hídrico não são da titularidade das administrações portuárias, como prevê o projecto, mas, sim, do Estado, e os poderes do Estado nesta matéria são exercidos pelos serviços do Ministério do Ambiente, que delega competências nas administrações portuárias de certas zonas do domínio público hídrico.
O projecto de lei ignora também a possibilidade consagrada na Lei da Água da faculdade de delegação de competências nos municípios da gestão dos recursos hídricos.
Ora, seria exactamente este instrumento, previsto na Lei da Água, que deveria ser utilizado, se houvesse interesse específico que justificasse esta transferência de competências das administrações das regiões hidrográficas para os municípios.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Que grande confusão!

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Em todo o caso, não encontramos razão que justifique que os bens em causa, mesmo que não tenham interesses portuários directos, deixem de estar na tutela do Estado para passarem para os municípios, até porque existem determinadas infra-estruturas e equipamentos que devem ser realizados pelo Estado e que os municípios não poderiam, obviamente, assumir.

Protestos do PCP.

Mas vai mais longe: o projecto de lei do PCP, que se quer aprovado, exclui da actividade portuária os edifícios administrativos da autoridade portuária, os edifícios de serviços de comunicações e segurança, como o sistema VTS…

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Diga lá onde é que leu isso!

O Sr. Renato Sampaio (PS): — … ou, mesmo, as zonas de recepção e expedição de mercadorias e as plataformas rodoviárias e ferroviárias. Colocam, assim, em causa a actividade económica que é a actividade portuária. Não foram, por isso, felizes os autores desta iniciativa! Em terceiro lugar, o ambiente. Este projecto de lei é bem demonstrativo da visão instrumental que o PCP tem das questões ambientais.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Tenha vergonha!

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Para o PCP, a orla costeira ou zonas terrestres ribeirinhas não constituem um património ambiental a acautelar e a preservar, são meros activos imobiliários, ao dispor de interesses localistas. Em vez de integrarem estes espaços do nosso território como um dos bem mais preciosos de que Portugal dispõe, que é, sobretudo, um recurso natural do ponto de vista ambiental, económico e social que deve ser protegido sem hesitações e com determinação, propõem colocar quilómetros da faixa costeira à gestão casuística de cada um dos municípios.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Somos favoráveis à partilha de responsabilidades na gestão de determinados espaços do território entre o Estado e as autarquias.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Estar sem planos directores é que não é casuístico!

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Temos, até, bons exemplos dessa partilha de responsabilidade, como sejam a zona da ribeira de Gaia, o Jardim da Cantareira, no Porto, ou a forma como a APDL (Administração dos Portos do Douro e Leixões) se tem relacionado com a Câmara Municipal de Matosinhos, onde a gestão do território é exemplar.
Mas não estamos de acordo que, de uma forma simplista e cega, sem acautelar o interesse geral público, passem para os municípios espaços do território que ao Estado compete gerir.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — O Sr. Deputado não leu o projecto de lei. Está visto!

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Por isso, obviamente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não votará favoravelmente este projecto de lei.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei do Partido Comunista Português tem, quanto a nós, apenas um mérito — o de identificar um problema que tem a ver com a relação entre a administração central e a administração local. Entre os princípios consagrados na Constituição de 1976, na autonomia do poder local, na Carta Europeia de Autonomia Local, está o de se criar uma verdadeira autonomização e descentralização.
Ora, quando estamos a falar de matéria relativa aos portos, o que é fundamental fazer é conciliar o interesse nacional com o interesse local. E nós consideramos que, do ponto de vista estratégico nacional, o mar deve ser uma das prioridades do País.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Esse é um interesse nacional, é um interesse do País, não apenas do Estado mas de toda a comunidade. São os portos a nossa «porta» para o mar. É aí que o País se completa.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Portugal, por muito que às vezes se esqueçam, tem mais mar do que terra e, por isso, tem de garantir o acesso a esse recurso, que é o mar.
Ora, os portos são fundamentais em termos de transportes e como actividade económica. Evidentemente, consideramos que compete ao interesse local definir as matérias de urbanismo e de ordenamento do território.
Portanto, na conciliação entre os interesse nacional e local, entendemos que, em termos de actividade económica e de «porta» do País para o mar, os portos têm de ter salvaguardadas as zonas de actividade portuária, as faixas destinadas ao desenvolvimento dessas zonas de actividade portuária e à sua protecção.
Do que já discordamos é que os portos se possam assumir enquanto entidades urbanizadoras ou urbanistas,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Esse é que é ponto!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — … o que significa que as matérias relativas ao planeamento têm de ser conciliadas entre o planeamento nacional e a estratégia nacional de acesso ao mar e os interesses locais de planeamento e urbanismo local.
Mas esse é um problema que não é apenas dos portos, é de todos os edifícios do Estado e de todo o património do Estado. E nesse aspecto, o que consideramos é que, do ponto de vista de técnica legislativa, aquela que é prosseguida pelo Partido Comunista Português acaba por ser deficiente, porque através deste projecto de lei não acautela todo um conjunto de legislação que tem a ver com o planeamento, mas também com o licenciamento.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Se consideramos que, em relação ao planeamento nas zonas que não estão adstritas ao desenvolvimento da actividade portuária, e que, no fundo, são zonas que, por razões históricas, ainda estão na dependência dos portos…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas de portuárias já não têm nada!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — … mas que, em termos de função, em actividade portuária, já não têm esse destino, as autarquias devem participar nessas matérias. Questão completamente diferente é a da sua propriedade. Ora, aquilo que o Partido Comunista propõe, depois das nacionalizações de 1974/1975, é a «autarquização de 2007», ou seja, de repente, todo o património imobiliário passaria a fazer parte do património das autarquias.

Vozes do PCP: — Nada disso!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — É isso que consta do projecto do Partido Comunista.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não é verdade!

O Sr. António Filipe (PCP): — Que iliteracia!

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O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Do ponto de vista da técnica legislativa, ao proporem que tudo o que é domínio público passe para as autarquias locais, estão a esquecer-se de que há matérias que têm de ser separadas. Já quando estamos a falar do domínio privado ou da propriedade privada, justifica-se que as autarquias tenham o poder de licenciar, mas não se justifica que elas tenham de passar a ser proprietárias desse património.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Em relação ao domínio público marítimo e em relação à água, é evidente que se justifica que se encontre um adequado modelo de gestão. E, neste domínio, já tivemos ocasião de chamar a atenção, por mais de uma vez, para a profusão de entidades que têm jurisdição sobre o litoral. Por isso mesmo, o CDS defende que deve ser criada uma agência para o litoral, porque, neste domínio, para além das autarquias, temos o Ministério do Ambiente, o ICN, o Ministério da Defesa, a Marinha, os Portos, as Capitanias, a Polícia Marítima, enfim, múltiplas entidades. Portanto, relativamente ao domínio público marítimo, o problema é, essencialmente, de excesso de entidades e, por isso, a solução deveria ser a criação de uma entidade que pudesse unir a acção em toda esta matéria.
Agora, aquilo que consideramos é que, se o Partido Comunista Português pretendia alterar o regime actualmente existente, deveria ter feito propostas de alteração naquilo que diz respeito à legislação que regula os planos de ordenamento e as regras relativas ao licenciamento. A criação anómala deste projecto de lei, por si só, irá introduzir uma ainda maior complexidade no sistema.
Portanto, se, em matérias que têm a ver com as competências e atribuições das autarquias, como o planeamento, o licenciamento, impostos, taxas, consideramos que não se justifica, em relação ao domínio privado e em relação às áreas não portuárias, um regime excepcional, da mesma forma entendemos que se deve manter um regime excepcional para os portos, porque são a nossa «porta» de acesso ao mar…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — … e, por isso mesmo, devem ser salvaguardados.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Em nome do Bloco de Esquerda, vou pronunciar-me sobre o projecto de lei n.º 135/X. E, sobre este diploma, tenho ouvido aqui, da parte de várias bancadas, referências a coisas que nele não constam e nem sequer resultam da sua leitura directa — se estivesse aqui o Deputado Jorge Strecht, diria que são considerações escatológicas do projecto de lei, mas, enfim, ele não está aqui para o dizer.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — E o Sr. Deputado é que sabe o que se deve ou não dizer!…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sigo as boas praxes e as boas normas de conduta lexical de alguns Deputados do Partido Socialista.
Mas, indo à matéria, gostaria de fazer algumas observações.
Nós partilhamos da ideia de devolver aos municípios a competência, a titularidade e a capacidade de gestão das zonas terrestres ribeirinhas. Não faz sentido que aquilo que não é directamente portuário seja gerido e administrado pelas entidades portuárias, embora esteja na titularidade geral do Estado. Não nos parece que isto faça sentido e são cada vez mais as vozes dos autarcas do Partido Socialista que o reclamam, a começar pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, etc. Portanto, tudo isto vem até um pouco ao arrepio da intervenção do Sr. Deputado Renato Sampaio, em nome do Partido Socialista.
Agora, na verdade, há alguns problemas nesta transição que, creio, deveria ter melhor atenção e melhores olhos da parte do Partido Socialista, até para que pudéssemos debater na especialidade algumas das soluções encontradas.
É verdade que é necessário manter uma certa capacidade de investimento e que isso necessita de uma boa entente com a administração central, não para equipamentos directamente portuários mas para outro tipo de equipamentos. Creio, no entanto, que isto pode ser protocolado e que, nessa transição, poder-se-á encontrar um meio termo, dado que não se pode passar tudo, directamente, sem essa capacidade de investimento, para as autarquias locais.
Também há problemas ao nível do planeamento que não se resolvem só com o ordenamento jurídico actualmente existente. Creio que, nestas matérias, é onde lamentamos a inexistência de uma entidade de nível regional, porque ela teria aqui, verdadeiramente, todo o cabimento, já que, sem capturar competências

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dos municípios, teria uma outra capacidade, nomeadamente do ponto de vista dos instrumentos de gestão do território, para adequar a escala para o conjunto das áreas portuárias, o que, assim, é difícil. O Partido Comunista procura encontrar uma solução para isto, criando uma plataforma dos municípios junto da administração central. Parece-nos uma solução aceitável, nesta transição, mas, em todo o caso, precária, sem a regionalização.
Nós também temos, com certeza, preocupações ambientais, e várias, mas isto não significa que uma assembleia municipal, na plena posse de uma capacidade de decisão, vá decidir fazer, em determinado local, uma marina e todos os municípios, em cadeia, façam não sei quantas marinas. Não é isto que se pretende nem é isto que pretende este projecto de lei e é por isso que é preciso adequar os níveis de planeamento e de capacidade de decisão. No entanto, creio que, actualmente, os instrumentos de gestão territorial existentes não limitam às administrações portuárias aquilo que possa ser a especulação imobiliária e também não o fariam, futuramente, se fosse, eventualmente, aprovado este projecto do Partido Comunista, o que, na minha óptica, seria mais do que correcto. Mas creio que esta é uma outra discussão, sobre a introdução de um conjunto de normas-travão que não permitam que haja volumetrias excessivas nas frentes ribeirinhas, que haja implantação de imóveis que nada tenham a ver com o enquadramento paisagístico. Tudo isto são coisas que, infelizmente, hoje, já acontecem, pela mão das administrações portuárias e, portanto, podem também vir a acontecer pelos municípios, pelo que precisam de ser salvaguardadas. É que, se creio que a decisão mais próxima dos cidadãos e mais correcta será, com adequado nível regional, aquela que está na instância autárquica, do ponto de vista da regulação estatal, teremos de encontrar mecanismos-travão para que isto não venha a ser a «galinha dos ovos de ouro» de um orçamento de um ministro das finanças qualquer nem a «galinha dos ovos de prata» de uma autarquia, também ela dispersa e aflita, em face do seu orçamento.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, concluo dando a concordância do Bloco de Esquerda a este projecto de lei, com as observações que aqui fiz.
Creio que é um mau indício, até porque politicamente tropeço, estando toda uma série de autarcas do Partido Socialista a pedir esta medida,…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Eles não ligam aos autarcas!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — … que não haja sequer a atenção, a sensibilidade e a consideração da bancada do Partido Socialista para prolongar o debate em comissão, deixando em aberto um dossier que está longe de estar fechado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a discutir o projecto de lei n.º 135/X que, para que não nos esqueçamos, diz respeito à gestão das zonas terrestres ribeirinhas.
Propõe-se o Partido Comunista Português, com este projecto de lei, devolver aos respectivos municípios a jurisdição ou titularidade de gestão ou propriedade dos bens de um conjunto de terrenos que têm estado, indevidamente, desde há uma série de anos, à guarda das administrações portuárias. Esta é uma reivindicação de há longa data dos municípios e, de facto, é uma questão de mera justiça e de lógica, pois de duas, uma: ou os terrenos estão, de facto, afectos à actividade portuária, são indispensáveis para a sua efectivação, para a sua operacionalidade, em termos de segurança, etc. e, neste caso, devem estar sob a jurisdição ou gestão das administrações portuárias ou, então, assim não acontece e, neste caso, não devem estar à guarda das administrações portuárias mas, antes, afectos, porque é isto que faz sentido, no que diz respeito ao ordenamento do território, aos municípios que têm essa responsabilidade.
Mas não é só isto que está em causa, porque, naturalmente, no ordenamento do território, não intervêm apenas municípios nem instrumentos ou planos de nível municipal, intervêm também planos de nível regional, sectorial e nacional, havendo, portanto, um conjunto de entidades nacionais com responsabilidades na área do ordenamento do território. Agora, o que não convém, nesta discussão, é estar aqui a «misturar alhos com bugalhos», apesar de termos assistido a isto, da parte das bancadas do PS e das direitas, ao trazerem à liça outras questões que não são, de modo algum, tidas nem achadas nesta situação.
Isto não quer dizer que não haja uma preocupação permanente e muito séria, quando falamos da costa e da pressão imobiliária que a nossa costa tem vindo a sofrer, mas, agora, do que estamos aqui a falar não é disso, porque essas preocupações têm de ser salvaguardadas com adequados instrumentos de ordenamento do território, com adequados planos, com regras sérias e restritas, com fiscalização e com a implementação dessas regras, e isto opera-se a outro nível, a nível do ordenamento do território. Mas não é disto que estamos hoje, aqui, a falar, nem sequer da Lei da Água ou dos recursos hídricos ou do domínio público hídrico, matéria sobre a qual o Partido Socialista melhor faria em ficar calado, porque, de facto, com essa Lei vem abrir a possibilidade de entrega do domínio público hídrico a privados, a gestão privada, o que não me parece que

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seja a melhor solução quando falamos em salvaguardar os valores do ambiente ou o património, que é de todos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Portanto, estamos todos muito preocupados com a costa, mas há muito mais costa para além dos portos e, se querem falar da costa e da salvaguarda dos nossos mares, da nossa costa, que, aliás, com as alterações climáticas, será uma questão cada vez mais premente, então, teremos oportunidade de falar disso e do que não tem vindo a ser feito pelos sucessivos governos nessa matéria. Mas não é isto que está hoje, aqui, em discussão, pelo que me parece que os Srs. Deputados, ao quererem levar o debate para outros lados, estão não só a querer fugir à real situação em causa…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, os Srs. Deputados, ao quererem levar a discussão para outros campos, estão a querer fugir à real situação em causa e até estranhamos esse comportamento, da parte do Partido Socialista, porque, quem lesse o Diário Económico, de 12 de Novembro deste ano, veria a Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes falar de um conjunto de regras que irão ser alteradas a este nível…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — … e que pareciam vir exactamente ao encontro deste projecto do Partido Comunista.
Por isso, ficamos um pouco baralhados com a intervenção do Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Para o PS, na dúvida, chumba-se!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do conjunto das intervenções, resultou bem claro que, na generalidade, embora sejam suscitados alguns aspectos técnicos do projecto de lei que, certamente, seriam passíveis de ser corrigidos em sede de especialidade, há um acordo das várias bancadas, à excepção da bancada do Partido Socialista, cuja falta de concordância até é a mais surpreendente, tendo em conta que autarcas do Partido Socialista, nomeadamente em períodos de campanha eleitoral, faziam desta questão um ponto de honra da sua propaganda.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — A sua «bandeira»!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — «Aquilo que não são áreas estritamente para actividades portuárias não devem competir ao Porto de Lisboa. O Porto de Lisboa não tem competência para gerir a cidade. (…) O Porto de Lisboa deve confinar-se ao que lhe compete: a actividade portuária (…)» —…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … António Costa, candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora, querem lá ver!…

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Ora, é exactamente isto que o PCP propõe. É que não se retira nenhuma importância às administrações portuárias, bem pelo contrário, reforça-se até a necessidade de serem elas a intervir nas matérias que lhes são estritamente correspondentes, mas, obviamente, retiram-se da sua alçada aquelas áreas relativamente às quais, pelos vistos, o Sr. Deputado Renato Sampaio considera que é passar para as autarquias jardins ou áreas urbanas em que sociedades anónimas podem licenciar obras, podem gerir o território, mas as autarquias não podem. Aliás, o Sr. Deputado Renato Sampaio acusa, inclusivamente, este projecto de lei de estar ferido de inconstitucionalidade, mas foi uma conveniente acusação, já que nem sequer se deu ao trabalho de suscitar um único aspecto da iniciativa que pudesse levantar essa suspeição.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ao menos, podia ter dado um exemplo!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — A questão que ressalta é a de que, para o Partido Socialista, a gestão

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territorial, o planeamento do território, o licenciamento de obras por sociedades anónimas, que não têm nenhuma competência nem vocação para estas tarefas, é perfeitamente natural, até se adequa à sua Lei da Água, mas já não é natural e é até inconstitucional passar para as autarquias a gestão de áreas que lhes dizem directamente respeito. É que não estamos a falar nem dos cais, nem dos portos, nem das linhas férreas, que o Sr. Deputado Renato Sampaio fez questão de debitar, como se fosse dessas estruturas que estivéssemos a falar. Ora, além de não ser dessas estruturas que estamos a falar, o que está bem claro no corpo deste texto, o artigo 8.º que propomos, e que passo a ler, «A transferência de jurisdição para os municípios deve observar todas as disposições legais relativas ao Domínio Público Marítimo ou Hídrico, da Reserva Ecológica Nacional e da faixa costeira, quanto ao seu uso, ocupação e transformação», salvaguarda, claramente, o conjunto de questões que quer o PSD quer o PS suscitaram durante este debate.

Aplausos do PCP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É preciso ler! O Sr. Deputado Renato Sampaio devia ter lido o projecto de lei!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei enferma de um erro básico fundamental, que é o de transferir zonas terrestres de uma entidade, que são as administrações portuárias, para os municípios, quando as administrações portuárias não têm tutela sobre essas zonas.

Protestos do PCP.

Quem tem essa tutela é exactamente o Ministério do Ambiente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Não é dessas áreas que estamos a falar!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Seja sério!

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Por outro lado, devo dizer que li bem o projecto de lei.
Sempre dissemos, e continuamos a dizer, que entendemos que deve haver uma partilha de gestão desses territórios entre as autarquias e o Estado.

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Citei bons exemplos, nomeadamente o da Administração dos Portos do Douro e Leixões e das Câmaras Municipais de Vila Nova de Gaia, do Porto e de Matosinhos. Portanto, estamos de acordo com isso. Contudo, o que não podemos aceitar é que se transfira de uma entidade que não tem a tutela, que não é proprietária dessas zonas, para os municípios. Quem tem a tutela é o Ministério do Ambiente.
Além disso, devo dizer que também li o projecto de lei. Se o aplicássemos, um conjunto de edifícios, um conjunto de equipamentos ficaria excluído. Aliás, basta ler o artigo 2.º do projecto de lei, que define o que são actividades portuárias. E estão excluídos, por exemplo, edifícios de administração, as torres onde podem ser instaladas o VTS, os sistemas rodoviários… Tudo isso fica excluído,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Seja sério!

O Sr. Renato Sampaio (PS) — … porque o artigo 2.º define claramente o que é actividade portuária.
Por isso, não queria ir tão longe, mas penso que houve uma grande incompetência na realização deste projecto de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago, que dispõe de 2 minutos, cedidos pelo PSD.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Obviamente, quero agradecer à bancada do Partido Social Democrata a cedência de 2 minutos, que certamente não utilizarei na totalidade, até porque me vou limitar a explicar ao Sr. Deputado Renato Sampaio que nem faria qualquer sentido — e quem estiver a ouvir este debate deve pensar que estamos loucos nesta Câmara! —, estarmos, através de um projecto de lei que transfere competências das administrações portuárias para as autarquias, basicamente a não transferir

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nada, porque, segundo o Sr. Deputado Renato Sampaio, estas áreas estão sob a tutela do Ministério do Ambiente.

O Sr. Renato Sampaio (PS): — É verdade!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Pois, Sr. Deputado Renato Sampaio, apelo, novamente, a que leia o projecto de lei para que perceba que não é dessas áreas que estamos a falar. Estamos a falar de áreas que, por via dos estatutos orgânicos das administrações portuárias, estão atribuídas à gestão dessas administrações…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … e estão sob tutela dessas administrações! Obviamente, não estamos a colocar quaisquer outras áreas, como, aliás, tentei explicar-lhe duas ou três vezes! O Sr. Deputado certamente conhecerá situações destas por todo o País! Os seus camaradas de partido seguramente conhecerão, porque até falam disto nos jornais — veja bem! Portanto, decerto saberá de muitas áreas que estão sob tutela das administrações portuárias e que não devem estar sob essa tutela. E não diga que não estão, porque estão!

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Estão em delegação!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Não estamos a falar da gestão das zonas marinhas, não estamos a falar do meio hídrico! Estamos a falar das zonas terrestres, ribeirinhas, onde, inclusivamente, muitas vezes se «plantam» parques, edifícios ou outros meios de utilização do domínio público! Por conseguinte, o Sr. Deputado não pode vir, aqui, dizer que estamos a passar competências do Ministério do Ambiente para as autarquias, porque não é esse o âmbito deste projecto. E isso resulta bem claro do que vou ler a seguir: «As câmaras municipais conservam todas as suas competências, incluindo as de gestão urbanística, quanto a quaisquer obras e utilizações na área de jurisdição das administrações portuárias que não se relacionem (…) com a actividade portuária.»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É tão simples!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Repito: «(…) das administrações portuárias que não se relacionem (…) com a actividade portuária.»! Julgo que mais claro do que este artigo poderá ser difícil encontrar.

Aplausos do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Só fazendo um desenho!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, passamos à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 178/X — Investigação da paternidade/maternidade (alteração de prazos) (Os Verdes).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, no seu n.º 1, estabelece que a todos é reconhecido o direito à identidade pessoal. Este direito traduz-se na garantia da identificação de cada pessoa, do direito ao nome, do direito à historicidade pessoal, e este último abrange o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores.
Ocorre que o limite imposto, hoje, na lei é, na perspectiva de Os Verdes, excessivo: impõe prazos curtos para propositura de acções de investigação da paternidade e da maternidade. A regra é a de que pode ser feita durante a menoridade ou nos dois primeiros anos a seguir à maioridade ou à emancipação da pessoa em causa.
O que aparentemente originou a limitação do prazo para a propositura de acções de investigação da paternidade foi o combate à acção da determinação legal dos progenitores como puro instrumento de caça à herança paterna. Então, parte-se aqui do princípio de que só esta razão motiva a investigação da paternidade, o que é manifestamente excessivo.
Assim, colocam Os Verdes a seguinte questão: por que é que uma pessoa há-de ficar privada de conhecer a identidade dos seus progenitores depois dessa idade? Por que é que há-de ficar privada do direito a investigar a sua paternidade ou maternidade? Não há, na perspectiva de Os Verdes, razão objectiva para isso.
Gostávamos também de referir, tal como consta na nota introdutória do nosso projecto de lei e no relatório que foi feito a propósito do mesmo, que há já outros países, como a Itália, a Espanha e a Alemanha, que não têm qualquer limite à propositura destas acções.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o projecto de lei que Os Verdes, hoje, aqui apresentam foi feito com base

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numa recomendação de 1999, do Sr. Provedor de Justiça, que, por considerarmos perfeitamente justa, entendemos traduzir em projecto de lei.
Este projecto de lei foi apresentado nas VIII e IX Legislaturas, foi reapresentado na X Legislatura e é hoje discutido. Na VIII Legislatura, exactamente no ano 2000, foi aprovado, na generalidade. Este processo legislativo só não chegou ao fim, na medida em que caducou devido à finalização antecipada dessa Legislatura.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, embora a lei hoje já tenha erradicado — e muitíssimo bem, como é evidente! — a classificação de filhos legítimos e ilegítimos, mantém, contudo, resquícios da sua presença, e é este o caso. Qualquer pessoa, em qualquer altura da sua vida, tem direito a saber quem são os seus pais e a não ter na sua identificação «filho de pai incógnito».
Por isso, Os Verdes propõem que, desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal, a acção de investigação da maternidade e da paternidade possa ser proposta a todo o tempo. É este o objectivo do nosso projecto de lei.

Vozes de Os Verdes e do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por dizer que esta discussão não é nova no Parlamento. Tal como referido, o diploma foi apresentado na VIII Legislatura e mereceu, de resto, a primeira intervenção de um Deputado do CDS, à data eleito pelo Círculo Eleitoral de Viana do Castelo, o Sr. Deputado Alves Pereira, que por razão de coerência partidária, também seguirei de perto.
Basicamente, o que o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» pretende é que seja aditado um novo número ao artigo 1817.º do Código Civil, que permita que as acções de investigação da maternidade e da paternidade sejam intentadas a todo o tempo, desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal, logo não patrimonial.
É uma questão que alguns juristas vêm suscitando — o próprio Provedor de Justiça, à data, o terá feito — e que no Direito Comparado também foi objecto de discussão. Essa possibilidade foi até ponderada na alteração ao Código Civil, que a reforma promovida pelo Decreto-Lei n.º 496/77 tratou. E, como em quase tudo, há argumentos contra e argumentos a favor relativamente a esta tese.
Ora bem, à data dessa reforma do Código Civil o legislador optou pela manutenção de um prazo para efeito da promoção de acções de investigação da maternidade e da paternidade e, devo dizê-lo, quanto a nós bem.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Argumentou-se, então, com a prova difícil e arriscada sobre a matéria da filiação em acções muito diferidas no tempo. Claro que agora se pode argumentar com a evolução tecnológica, com a possibilidade que isso nos traz.
Argumentou-se também com a incerteza e a ameaça mantidas por demasiado tempo sobre um pretenso progenitor e os seus familiares e com o que isso acarretaria, um factor que não é apenas psicológico e que é também ponderado na perspectiva do legislador.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Teve-se, igualmente, em conta a evidente possibilidade de a acção de investigação da maternidade ou da paternidade se poder transformar num mero instrumento de candidatura a herança, o que, diga-se também, não é uma razão meramente académica; os nossos tribunais estão cheios de exemplos desse tipo.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — E não é raro que uma ou outra vez profissionais do foro depararem-se com «orquestrações» difíceis, por vezes impossíveis de desmontar, na tentativa de aquisição de heranças pertencentes, por direito, a terceiros.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta alteração, sem mexer nos efeitos patrimoniais resultantes do eventual reconhecimento filial, pretende alargar a possibilidade legal de pôr em prática o princípio constitucional que reconhece a todos o direito à identidade pessoal.
Aparentemente, a ideia e o impulso são bondosos, e o CDS é um partido que tem subjacente à sua própria

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doutrina a defesa dos direitos do Homem e dos direitos de personalidade. Só que é bom que saibamos que, a menos que os legisladores, principalmente os juristas, tenham presente o que está em causa se esta iniciativa por aprovada, as consequências são muito difíceis de conceber, de controlar e, até, de conciliar em termos dos diferentes diplomas. Vou deixar aqui algumas hipóteses.
Primeira: ao não determinar um prazo para a caducidade do direito de propositura da acção, cuja contagem comece depois do conhecimento dos factos que lhe dão origem, obviamente são postos em causa os princípios da certeza e da segurança, que são os pilares de qualquer sociedade organizada.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Já não se trata de poder intentar a acção a todo o tempo, mas de intentar a acção a partir do conhecimento dos factos que lhe dão origem.
Segunda hipótese: tal como se encontra redigido, o projecto iria estabelecer uma diferenciação, dificilmente justificável, entre um regime de filiação com direitos patrimoniais, consubstanciados no instituto da herança, e outro regime que, independentemente dos prazos de caducidade e de prescrição, não contemplaria tais direitos. Desta forma, estabeleceria uma desigualdade que nem os princípios nem o direito podem acolher.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Bem visto!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Basicamente, estabeleceríamos a possibilidade de termos filhos e filhos mais ou menos: filhos com todos os direitos, inclusivamente os patrimoniais e o direito à herança; e os outros que, sendo-o, não poderiam herdar.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Além disso, colocam-se questões de ordem prática na sua aplicação. Perguntamos: a nível registral, como é que seria registada a filiação do descendente assim comprovado? Como outro filho qualquer ou com o anátema do filho só para efeitos do nome, sem direito à herança, voltando, de novo, ao sistema de uma espécie de filhos legítimos e de filhos ilegítimos?! Será isso que o Partido Ecologista «Os Verdes» pretende?

O Sr. António Filipe (PCP): — Fazia-se a «filiação na hora»!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — A nível da lei sucessória, todos os filhos são herdeiros legitimários. E como é que se conciliaria esta realidade, que a lei civil contempla, com a bondade aparente que o Partido Ecologista «Os Verdes» aqui nos traz? Mais: o que é que se passaria em relação aos bens existentes no estrangeiro — bens do de cujus — perante legislações que não reconhecem, na prática, a figura dos filhos para efeitos de natureza pessoal? Mais: no caso de a filiação estar reconhecida antes da partilha, a nível de habilitação de herdeiros o que é que se faria? Omitir-se-ia a existência desse filho? Esse filho havia sido comprovado, mas omitir-se-ia na habilitação de herdeiros? Ou, então, não se omitindo, dir-se-ia que é quase filho? Dir-se-ia que é filho, mas não herda? Que mecanismos concretos é que o Partido Ecologista «Os Verdes» prevê para tornar transponível este impedimento, que, quando muito, me parece de bom senso? Mais: será que é também intenção do proponente, porque no projecto de lei não se percebe — e isso é fundamental —, alterar a lei sucessória, a lei registral, a lei processual, desde logo no que respeita a inventários? Por que se não o fizerem, esta alteração é impossível, não é compatível! Srs. Deputados, nós estamos a falar do Código Civil e o Código Civil não se altera pelo aditamento de um número sem ter presente tudo o que lhe é conexo,…

Vozes do CDS-PP: — Claro!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — … principalmente nesta matéria. Não faz qualquer sentido! Além de mais, é uma irresponsabilidade que o legislador, nesta Casa, não devia permitir. Posso imaginar o que, no dia seguinte, diriam todos os professores, dos mais ilustres aos mais recentes, sobre a técnica legislativa, o impulso legislativo e o legislador que o País tem! E isto leva-nos a uma outra questão, a de que legislar sobre o Código Civil implica um estudo aprofundado, em que sejam previstas todas as implicações da alteração legislativa. Por exemplo, até poderia ter havido a prudência, por parte do Partido Ecologista «Os Verdes», de auscultar a opinião da Ordem dos Advogados, do Conselho Superior de Magistratura e de outros representantes de profissões judiciárias que seriam chamados a aplicar a futura lei.

O Sr. Presidente: — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Pelo que — e com isto termino, Sr. Presidente —, independentemente da bondade do projecto de lei, deixo a seguinte sugestão: no limite, quem esteja na disposição de aprovar este projecto de lei aconselhe o Partido Ecologista «Os Verdes» a aceitar que o diploma baixe à comissão, sem votação, na comissão respectiva, far-se-ia a ponderação de todas estas consequências e, depois, logo se veria.
Devo dizer que a aprovação do projecto de lei tal qual está significaria uma grande irresponsabilidade do Parlamento português.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Lemos com atenção este projecto de lei de Os Verdes e não vamos alterar significativamente a nossa opinião sobre esta matéria, dado que esta iniciativa, como já aqui foi dito, é uma repetição simples de outra já anteriormente apresentada.
É claro que hoje é pacífica a orientação de que os prazos da caducidade para as acções de investigação de maternidade e de paternidade, previstos no Código Civil, são impróprios e injustificados. Outrora, no Código Civil da década de 60, eles justificavam-se, mas, se recuarmos um pouco mais, no Código de Seabra, no velho Código de Seabra, as acções de investigação de paternidade podiam propor-se a todo o tempo,…

O Sr. António Filipe (PCP): — É verdade!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — … mesmo depois da morte do réu! Nos idos anos 60, esses prazos do Código Civil justificavam-se. Existiam em nome da segurança jurídica dos pretensos pais e seus herdeiros, em nome do envelhecimento das provas — mas em quantas e quantas acções de investigação de paternidade intervim, como advogado, apenas com prova testemunhal, a mais falível das provas! — e, também, em nome do combate à chamada «caça das fortunas».
Mas hoje, de facto, os tempos são outros. O «outro prato» da balança está mais pesado, muito mais pesado, o «prato» onde estão o direito a conhecer a minha história, o direito a conhecer a minha origem, o direito ao livre desenvolvimento da pessoa humana, o direito à identidade pessoal, o direito à integridade pessoal, no fundo, a própria dignidade humana. E, a acrescer a tudo isto, temos hoje os novos rumos da ciência, os desenvolvimentos intensos da genética, o ADN e a sua profunda infalibilidade.
É por isso que todos compreendemos que o pensamento de hoje não é, não pode ser, igual ao que era nos idos anos 60. É natural! Foi há 40 anos! Eu disse que os prazos eram impróprios e injustificados, mas, além disso, também são inconstitucionais.

O Sr. António Filipe (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Já o disse, por três vezes, o Tribunal Constitucional, pelo menos de acordo com o que analisei, e a doutrina di-lo. Seguramente, se estudarmos os ensinamentos de uma das vozes, quiçá, mais autorizadas, o Professor Guilherme de Oliveira, verificamos que, ele próprio, mudou de opinião de há vinte anos para cá e considera estes prazos injustos, inadequados, impróprios e, de facto, inconstitucionais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Portanto, poderia pensar-se que este projecto de lei de Os Verdes, apesar de não original, tem «pés e cabeça». Mas não: só tem «pés», não tem «cabeça»! E não tem «cabeça» porque, envergonhadamente, prevê a não caducidade — aliás, há no projecto uma grande confusão entre prescrições e caducidades mas, depois, na especialidade, a gente explica — destas acções de investigação apenas para efeitos pessoais e não para todos os efeitos legais, como se impunha, neles incluindo, evidentemente, os efeitos patrimoniais!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Quer dizer, objectivamente, o projecto de Os Verdes prevê dois tipos de filhos: por um lado, os filhos que são filhos e que herdam e, por outro lado, os filhos que são filhos mas que não herdam. É uma espécie de filhos de 1.ª e de 2.ª classe! É à moda antiga, Sr. Presidente, quase como no tempo dos filhos legítimos e dos filhos ilegítimos, os chamados filhos bastardos ou, como o nosso povo dizia, por graça, «os filhos da mão esquerda».

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Risos.

Estes que agora se pretendem criar não são «os filhos da mão esquerda», são (ou seriam) os filhos criados por aquela esquerda, mas que não vão ser criados porque aprovar este diploma assim seria da maior insensatez. Era mesmo o que mais faltava! Não me interpretem mal, mas estou a imaginar, numa ceia de Natal, os filhos de 1.ª classe, à direita, a comerem o lombo, a parte do bacalhau melhor, e os filhos de 2.ª classe, à esquerda, a comerem as badanas e a couve penca que sobrava!

Risos.

É para isto que o projecto aponta.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, este projecto é que seria verdadeiramente inconstitucional, por violação, pelo menos, do princípio da igualdade,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — … porque o Prof. Guilherme de Oliveira aponta outras inconstitucionalidades. Ou seja, teríamos filhos com uns direitos concretos e determinados e outros filhos sem esses mesmos direitos concretos e determinados Portanto, o que dizemos a este Plenário, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que por nós, até pela sua bondade, o projecto de lei passa, mas não passa com o nosso voto favorável, porque não votamos favoravelmente projectos sem «cabeça», apenas votamos aqueles que têm pés e cabeça. E apelamos a que o Partido Socialista faça o mesmo.
Ouvi dizer, mas nem quis acreditar, que o Partido Socialista ia votar a favor desta iniciativa. Mas se votar a favor, pode ter a certeza absoluta que vota algo que é inconstitucional, manifesta e grosseiramente inconstitucional! Entendemos, portanto, que este diploma deverá baixar à comissão competente, para aí podermos reflectir, estudar e, seguramente, afastar esta manifesta inconstitucionalidade que consta da iniciativa.
Em todo o caso, e para terminar, Sr. Presidente, permita-me que cumprimente Os Verdes pela renovação desta iniciativa, pois, como bem me foi ensinado, é sempre preferível tutelar o direito do filho de querer investigar a sua filiação do que proteger o pretenso direito do pai a esquivar-se de uma sua responsabilidade inalienável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Marisa Macedo.

A Sr.ª Marisa Macedo (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje, nesta Câmara, o projecto de lei n.º 178/X, apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes», cujo objectivo é a alteração dos prazos de propositura de acções de investigação de paternidade/maternidade.
Em linhas gerais e sucintas, o que este projecto de lei pretende é que o prazo de propositura deste tipo de acções seja imprescritível quando o investigante não pretender com a acção outros efeitos que não sejam os meramente pessoais. Ou seja, quando o investigante não pretenda obter, por via judicial, quaisquer direitos ou vantagens de natureza patrimonial, passa a ter possibilidade de propor acções de investigação de maternidade/paternidade a todo o tempo.
Actualmente, a legislação em vigor, por força dos artigos 1817.º e 1873.º do Código Civil, implica a existência de um prazo muito restrito para a propositura deste tipo de acções judiciais.
Esta restrição temporal advém, de acordo com a maioria da jurisprudência, e na opinião do Prof. Antunes Varela, da «consideração ético-programática de combate à investigação como puro instrumento de caça à herança paterna». Contudo, este preceito de segurança e estabilidade jurídicas não pode, segundo o projecto que hoje estamos a discutir, ser apreciado em detrimento do exercício do direito à historicidade pessoal de cada um.
Assim sendo, este projecto aponta para a possibilidade legal de permitir que, a qualquer altura, possa ser proposta a acção de investigação da maternidade/paternidade, quando se pretendam apenas produzir efeitos de natureza meramente pessoal, excluindo-se quaisquer direitos ou vantagens de natureza patrimonial, de forma a não prejudicar eventuais relações jurídicas e patrimoniais de terceiros.
Esta iniciativa visa, desta forma, esbater as diferenças e discriminações decorrentes entre os filhos, mormente entre os filhos de pleno direito, que gozam de direitos pessoais e patrimoniais, e os outros, os filhos que nem sequer alcançam os direitos pessoais.
Sr.as e Srs. Deputados, muito foi já dito e escrito sobre esta matéria, sendo que a própria doutrina nunca foi

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unânime quando se fala na alteração de prazos neste tipo de acções.
Permitam-me que destaque, no entanto, a revisão constitucional de 1976, que introduziu a nova redacção do n.º 4 do artigo 36.º, abolindo a distinção legal entre filhos legítimos e ilegítimos, passando a haver filhos tout court. A revisão ao Código Civil, operada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, adaptou este diploma ao referido preceito constitucional. Porém, não alterou os prazos estabelecidos para as acções de investigação da paternidade.
A principal razão que determinou a continuação deste limite, em relação ao prazo para a instauração deste tipo de acções, foi o «combate à acção da determinação legal do pai, como puro instrumento de caça à herança paterna, quando o pai fosse rico», ou seja, a principal razão de ser da limitação do prazo para as acções em apreço é a tutela de interesses patrimoniais do pretenso progenitor, dos herdeiros ou de terceiros.
Temos, assim, por um lado, o direito dos filhos de verem reconhecida a sua paternidade/maternidade e, por outro, o direito dos progenitores e de outros herdeiros, igualmente merecedores da tutela jurídica, protegidos pelo princípio da segurança jurídica.
Parece-nos que a leitura adequada para dirimir esta questão é a posição defendida pelo Sr. Provedor de Justiça, na sua Recomendação 36/B/99, no sentido de a solução menos lesiva ser a previsão do prazo de caducidade exclusivamente para efeitos patrimoniais, consagrando a imprescritibilidade para as acções de investigação de paternidade/maternidade, desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal. Nas palavras do Sr. Provedor, «na maior parte das vezes o que o investigante pretende não são bens patrimoniais, mas tão só alguma dignidade social e moral».
Saber quem são os pais de cada um é mais do que um direito, é uma aspiração de qualquer ser humano, porque os antepassados de cada pessoa fazem parte do seu património pessoal, tornando-a a pessoa que é, diferente de qualquer outra, mas ligada por vínculos indeléveis a alguém de quem se herda traços genéticos, quer físicos ou psicológicos.
Os prazos estabelecidos na lei podem ser curtos para quem se quer lançar nesta «aventura» de investigar os seus progenitores, porque a vontade de iniciá-la — por ignorância, por desleixo, por circunstâncias várias da vida de cada um… — pode chegar depois do prazo expirado. Todavia, continua a ser um direito fundamental de cada português.
E quem vai à procura das suas origens pode querer bem mais do que a herança, que, muitas vezes, nem sequer existe; pode querer apenas conhecer-se a si próprio por inteiro e querer tentar encontrar possíveis descendentes dos mesmos progenitores, com quem partilha um património de sangue. É necessário permitir que cada pessoa possa ter direito, durante toda a sua vida, a encontrar alguém com quem tem semelhanças enquanto ser humano, porque essa é a «herança» que é fundamental encontrar para muitas pessoas que desconhecem os seus ascendentes.
O certo é que, nos termos da lei em vigor, mesmo não havendo património algum para herdar, é vedada aos filhos a possibilidade de conhecerem os seus progenitores quando ultrapassado o prazo de caducidade legalmente previsto.
Ora, a Constituição da República Portuguesa consagra, nos artigos 25.º e 26.º, um direito fundamental à identidade pessoal. Não permitir que as pessoas possam, a todo o tempo, ter a possibilidade de saber quem são os seus pais pode ser entendido como uma restrição a este direito fundamental, embora a doutrina constitucional prefira referir esta situação como um «condicionamento» ao exercício deste direito.
Gostaríamos de chamar a atenção, no entanto, para o facto de ser possível que a nova redacção da lei venha a criar constrangimentos e novas conflitualidades, dado abrir a possibilidade de pessoas, comprovadamente com os mesmos progenitores biológicos, herdarem uns apenas o nome e outros o nome e o património, tanto mais que hoje é possível obter cientificamente um grau de certeza muito elevado sobre a progenitura de cada pessoa. Pensamos que, na prática, esta situação pode gerar desigualdades de tratamento entre filhos dos mesmos pais, o que pode contender com preceitos constitucionais,…

O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Ah!…

A Sr.ª Marisa Macedo (PS): — … designadamente o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Marisa Macedo (PS): — Para concluir, Sr. Presidente, somos da opinião de que o projecto de lei tem uma leitura meritória: possibilitar àqueles que procuram o conhecimento e o reconhecimento da sua identidade genética, sem daí retirar qualquer proveito, poderem fazê-lo a qualquer altura da sua vida, o que, em nossa opinião, é muito melhor do que o regime hoje em vigor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

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A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que hoje debatemos, da iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes», visa, na sua essência, alargar o prazo para que as pessoas que pretendem investigar a sua maternidade ou paternidade o possam fazer em qualquer momento da sua vida.
Sabemos que esta questão marcou milhares de pessoas no nosso país e ainda hoje marca. O estigma do filho ou da filha de pai incógnito teve um significado muito profundo num País marcado pelo obscurantismo e pelo autoritarismo. Quantas mulheres criaram e educaram os seus filhos sem que os pais assumissem a sua responsabilidade?! Não só a responsabilidade de dar um nome ao filho mas também a plena responsabilidade inerente a ter um filho.
Consideramos que esta situação ainda hoje persiste, embora em muito menor escala, felizmente.
Consideramos também que não pode ser negado a pessoa alguma o direito de interpor uma acção de investigação da sua maternidade ou paternidade, por isso não nos opomos a esta alteração.
Consideramos ainda que existem questões, nomeadamente algumas que o Sr. Deputado António Montalvão Machado acabou de levantar na sua intervenção, que devem merecer um debate aprofundado em sede de comissão, que poderá ser um debate bastante interessante não apenas desta questão mas também de outras questões que se vão colocar no futuro. E isto tudo, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, heranças à parte.

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Ah!…

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — No entanto, não podemos deixar de referir alguns aspectos que se nos afiguram de grande interesse e que têm sobretudo a ver com as mudanças que se verificam nas sociedades actuais.
Hoje, outros laços, para além dos laços biológicos, assumem predominância nas relações afectivas e mesmo nas relações familiares, e este é também um dado importante para este debate.
Hoje, privilegiam-se os afectos e a responsabilidade plena, aquela que não havia antigamente.
Hoje, estão disponíveis técnicas de procriação medicamente assistida, que esta Assembleia aprovou, que garantem a confidencialidade dos dadores envolvidos, mas, amanhã, seremos, com certeza, confrontados com os chamados bancos de esperma, a que as mulheres poderão recorrer para concretizarem o seu desejo de serem mães.
No entanto, Sr.as e Srs. Deputados, a proposta de alteração ao Código Civil hoje apresentada não pode estar — e, do nosso ponto de vista, não está, queremos reafirmá-lo — em contradição com a evolução que se tem verificado e que ainda se vai verificar, por isso votaremos favoravelmente este projecto de lei.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei tem um mérito reconhecido por todos, que é o de considerar a inconstitucionalidade do artigo 1817.º do Código Civil e de procurar encontrar uma solução legislativa que possa colmatar esse facto, que está, aliás, reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Essa inconstitucionalidade baseia-se, fundamentalmente, na consideração de que o direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º da Constituição, e também o direito a constituir família, consagrado no artigo 36.º da Constituição, que proíbe qualquer discriminação entre filhos nascidos na constância do casamento ou fora do casamento, tornam inconstitucional esta disposição do Código Civil, que faz depender de um prazo o direito de solicitar judicialmente o reconhecimento da paternidade e maternidade.
Este é, pois, um problema com que a ordem jurídica portuguesa se confronta e que faz todo o sentido que resolva legislativamente, eliminando essa inconstitucionalidade do Código Civil.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Isto porque é reconhecido que o direito à identidade pessoal previsto na Constituição implica o direito ao apuramento da paternidade, o tal direito à historicidade pessoal, de que falam os Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, e não reconhecer esse direito a todo o tempo seria, de facto, violador do núcleo essencial do direito à identidade pessoal. Não faz sentido que qualquer cidadão, a partir dos 20 anos, possa ser privado do direito fundamental à identidade pessoal. Não faz qualquer sentido, e isso está hoje reconhecido.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Mas também consideramos que este projecto de lei poderia e deveria ir mais longe. Ou seja, este projecto de lei teve a preocupação de ficar nos termos em que o Provedor de Justiça

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recomendou à Assembleia da República que se ficasse. Isso é claro e, aliás, é assumido pelos proponentes.
Por isso, creio que este projecto de lei não merece alguns epítetos que lhe foram lançados, na medida em que não propõe algo que seja absurdo. Aliás, vai no sentido do que é proposto pelo Provedor de Justiça.
Mas, do nosso ponto de vista, para que a inconstitucionalidade seja, de facto, eliminada, é necessário que os efeitos patrimoniais também estejam presentes. Não faz sentido, de facto, excluí-los.
E os argumentos que aqui foram expendidos em legislatura anterior, quando um projecto de lei no mesmo sentido também foi debatido, de defesa de uma suposta segurança jurídica patrimonial, do nosso ponto de vista e também do ponto de vista do Tribunal Constitucional, não faz hoje qualquer sentido.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Falou-se em eventuais fraudes, dizendo-se que poderia dar azo a eventuais fraudes: por exemplo, um vigarista qualquer poderia, falsamente, interpor uma acção de investigação da paternidade para procurar beneficiar de uma herança que não lhe pertencia. Srs. Deputados, isso pertence ao passado! Hoje em dia, há testes absolutamente fiáveis que impediriam fraudes dessa natureza. Já não estamos na época em que a única prova seria era a prova testemunhal. Não! Hoje em dia há testes de ADN…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — E se a pessoa morreu ou desapareceu?!

O Sr. António Filipe (PCP): — … que permitem, com grande fiabilidade, determinar se existe fraude ou não.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — E se a pessoa está ausente?!

O Sr. António Filipe (PCP): — Temos de confiar na justiça, tanto mais que a justiça tem hoje meios absolutamente fiáveis para resolver este problema com absoluta segurança.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Depois, fala-se na segurança jurídica no interesse do progenitor, o que parte de uma presunção extraordinária, que é a presunção de que quem pretende investigar a sua paternidade é pobre e que o pai é rico. Ora, não é forçosamente assim! Até pode ser o contrário, ou nem uma coisa nem outra! Há o direito à identidade pessoal, que implica que alguém tenha o direito de saber quem é o seu pai e quem é a sua mãe, e esse direito pessoal não pode ser preterido em nome de uma suposta tranquilidade patrimonial, ou seja, aquilo a que o Tribunal Constitucional chama o direito a não ser considerado pai. Ora, entre o direito a não ser considerado pai, sendo-o, e o direito de um filho a querer ser reconhecido como aquilo que é, do nosso ponto de vista deve prevalecer o direito do filho sobre o direito do pai.
E também não faz sentido, do nosso ponto de vista, que, havendo um reconhecimento da paternidade de alguém se diga: «não, ele é reconhecido como filho, mas isso não tem efeitos patrimoniais!» Isto é, aqueles que já estavam reconhecidos ficam e os que ainda não estavam nunca ficarão. Isso é que, de facto, do nosso ponto de vista, também é inconstitucional e, portanto, manter-se-ia a inconstitucionalidade.
Portanto, quanto a nós, aquilo que está a mais neste projecto de lei tem a ver com a referência ao carácter exclusivamente pessoal, porque entendemos que, constitucionalmente, os efeitos patrimoniais têm também de ser previstos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Do nosso ponto de vista, não pode ser de outra forma.
Portanto, consideramos que esse inciso está a mais no projecto de lei e deveria ser eliminado ou, então, deveremos clarificar que o reconhecimento da paternidade e da maternidade é válido para todos os efeitos pessoais e patrimoniais,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Para tudo!

O Sr. António Filipe (PCP): — … porque, do nosso ponto de vista, só assim é que ele será conforme com a Constituição Portuguesa e com a nossa jurisprudência constitucional firme e mais recente, que considera que este artigo 1817.º do Código Civil viola os artigos 26.º e 36.º da Constituição e, nesse sentido, não deve continuar a vigorar na ordem jurídica portuguesa.
Portanto, como é óbvio, votaremos favoravelmente este projecto de lei, considerando que, na especialidade, deve ser aperfeiçoado, por forma a que a deficiência de que ainda padece possa ser colmatada,…

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — … para que possamos, de facto, aprovar legislação compatível com a Constituição Portuguesa neste ponto tão importante e sensível, como é o reconhecimento do direito de cada cidadão à sua identidade pessoal.

Aplausos do PCP.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi atentamente as intervenções de todas as bancadas, as quais agradeço em nome de Os Verdes.
Queria, talvez, distinguir a intervenção do CDS,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Obrigado pela distinção!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … para, depois, me poder dirigir às outras bancadas, porque o CDS provou claramente que está mais preocupado com os pais que não querem reconhecer os filhos do que com os filhos que têm direito a conhecer os pais.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Não é nada disso!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Foi até curioso perceber a forma como o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo foi avançando argumentos que outrora tinham sido dados para inviabilização eventual deste projecto de lei, mas, ao mesmo tempo, foi desmontando os seus próprios argumentos. Foi, pois, curioso e interessante assistir à intervenção do Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Foi um bocado injusta para o Sr. Deputado!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Relativamente às outras bancadas, que me pareceu que iam mais ou menos no mesmo sentido em termos de opinião sobre o conteúdo do projecto de lei, gostava de dizer o seguinte: posso enganar-me, mas se Os Verdes, porventura, tivessem proposto neste projecto de lei a eliminação dos prazos para investigação da paternidade também com efeitos de natureza patrimonial, algumas bancadas tinham usado e abusado do argumento da segurança jurídica.

Vozes do PCP: — Claro!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Lá vinha o argumento da segurança jurídica para, eventualmente, inviabilizar este projecto de lei! Srs. Deputados, assumimos aqui que decidimos, justamente para que este projecto de lei pudesse ter «pés», ficarmo-nos, na apresentação, na generalidade, deste projecto de lei, pela recomendação do Sr.
Provedor de Justiça.
Mas também quero dizer que fiquei profundamente satisfeita pelo facto de, como o projecto de lei de Os Verdes não propõe os efeitos de natureza patrimonial, todas as bancadas terem decidido salientar a importância de que esses efeitos também estivessem contemplados num projecto de lei desta natureza. E eu digo-vos, Srs. Deputados, que estamos plenamente de acordo e perfeitamente abertos para que, em sede de especialidade, todos esses efeitos sejam reconhecidos, para que não haja discriminação absolutamente nenhuma relativamente a qualquer dos filhos.
No entanto, aquilo que não podemos tolerar é a discriminação que hoje a lei já contempla: aqueles que têm direito a ser filhos e aqueles que nem sequer têm o direito a reconhecerem-se como filhos. Esta discriminação é também, como disseram vários Srs. Deputados, profundamente preocupante, pelo que há que erradicá-la claramente do nosso sistema jurídico.
Sr. Deputado António Montalvão Machado, este projecto de lei tem «pés» para andar, sim senhor. Vamos, então, juntos, na especialidade, pôr-lhe «cabeça», para que ele fique completo…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … e para que, de facto, erradique esta discriminação perfeitamente intolerável.

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Quero só relembrar, para que também fique registado nesta Acta, que na anterior discussão deste projecto de lei nenhuma bancada votou contra, ou seja, viabilizou-se a sua discussão na especialidade, o que só não aconteceu por causa do final antecipado da legislatura. Estamos, portanto, agora, em condições de retomar este processo legislativo e de o terminar, a bem deste combate a esta discriminação concreta, cuja eliminação Os Verdes hoje propõem.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, tenho dificuldade em conceber a ideia de filhos da esquerda e de filhos da direita… Mas para que efeito deseja usar da palavra?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, é para defesa da honra da bancada,…

Risos.

… porque a imputação dirigida ao CDS…

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, em que é que consistiu a ofensa?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — A ofensa, foi esta, Sr. Presidente: dizer-se que o CDS está preocupado com a defesa dos pais que o não querem ser é para o CDS objectivamente ofensivo.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, a propósito desta ofensa, que o é verdadeiramente,…

Protestos do PCP.

… por muito que custe ao PCP… O PCP tem um conceito de honra diferente do nosso, manifestamente, mas isso também não é de estranhar.
Saiba, Sr.ª Deputada, que o CDS não está preocupado com quem não queira ser pai. O que o CDS não aceita é qualquer solução legislativa que determine que uns são mais filhos do que outros. Não sei se percebeu a diferença! Nós não aceitamos que o Partido Ecologista «Os Verdes» diga ao País que lhe faz sentido que alguém, sendo filho, tem menos direitos do que outro que também o é.
Sr.ª Deputada, devo dizer que, para mim, o que está em causa a este propósito nem é uma situação de inconstitucionalidade, é uma situação de discriminação!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Não a preocupa!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — E é uma situação de discriminação inacreditável da parte de quem, nessa esquerda, normalmente a invoca para tudo e para mais alguma coisa!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem! Bem lembrado!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr.ª Deputada, quero também dizer-lhe que não se pode sequer tratar de uma distracção de pormenor ou de circunstância, porque, Sr.ª Deputada, desde a VIII Legislatura até hoje passaram anos. E apesar de tudo isto já ter sido dito nesses tempos, ao que parece os senhores não aprenderam coisa alguma, o que é estranho, tendo em conta a natureza das matérias! Por isso, para terminar, fique a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia a saber duas outras coisas. A primeira é a de que, a esse propósito, abstivemo-nos, não votámos contra.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Exactamente, abstiveram-se!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Em segundo lugar, não somos contra a solução que propõe, desde que nela não estabeleça essa discriminação.
A nuance que levantámos quanto aos prazos foi a de saber se faz ou não sentido — e essa é uma discussão que, porventura, também teremos de fazer em sede de especialidade, se o projecto for aprovado, mas espero que não seja tal qual está — que o prazo deva ser concebido a partir do conhecimento do facto.
Ou seja, a partir do momento em que o pretenso filho tem conhecimento da existência daquele que será o seu

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pai, deve ou não começar a correr um prazo para a propositura da acção? É que isto é diferente da hipótese que concebe.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, fica provadíssimo que não ofendi o Sr. Deputado Nuno Melo, que mais uma vez abusou da figura da defesa da honra para fazer uma segunda intervenção.
Sr. Deputado, não sei se ouviu a minha segunda intervenção, mas aplaudo, de pé, a questão da introdução dos efeitos de natureza patrimonial neste projecto de lei.
Sr. Deputado, já não andamos nisto há pouco tempo — e tenho-o afirmado e reafirmado em relação a muitos projectos que Os Verdes têm apresentado — e não trazemos um projecto de lei trabalhado entre nós com a pretensão de que ele é a perfeição das perfeições. Se alguém tem essa pretensão, considero-a perfeitamente errada! É que o projecto de lei é normalmente o «pontapé de saída», se for aprovado, havendo depois uma discussão e um trabalho de especialidade que visa aperfeiçoar o primeiro texto que foi apresentado, com o contributo de todas as bancadas, para, depois, sair daqui uma lei «com pés e cabeça».
Nós demos o «pontapé de saída», esta discussão já faz parte integrante do projecto de lei, avancemos, pois, para a discussão na especialidade, porque, pelos vistos, estamos todos de acordo relativamente à impossibilidade de manter esta discriminação na nossa lei. Estamos, portanto, em condições de terminar este processo legislativo e de promover, como o Sr. Deputado dizia, um conjunto de audições no sentido de colher algumas opiniões relativamente a esta matéria. Trabalhemos intensamente e façamos o nosso dever em relação a esta lei contra a discriminação que existe.
Como disse, Os Verdes deram o «pontapé de saída», e muito bem, estamos satisfeitos com a intervenção da generalidade das bancadas e estamos prontos para «arregaçar as mangas» e começar a trabalhar neste processo.

Vozes de Os Verdes: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, terminámos este ponto da ordem de trabalhos. Em sede de especialidade far-se-ão as correcções e as melhorias de que o texto do diploma necessita.
Passamos à apreciação da petição n.º 363/X (2.ª) — Apresentada por António Nabais e outros, solicitando à Assembleia da República a integração do Mouchão da Póvoa na área territorial da freguesia de Póvoa de Santa Iria.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, os peticionários, com o patrocínio da Junta de Freguesia da Póvoa de Santa Iria, pensam que, por razões históricas, geográficas, sociais, económicas e outras, o Mouchão da Póvoa deveria estar anexado à sua circunscrição territorial e pertencer ao domínio da freguesia administrativa.
Creio que esta petição tem fundamentos que devem ser observados com rigor, que não deve ser desqualificada a título algum, merecendo até, em momento oportuno, a apresentação de uma iniciativa legislativa por parte dos grupos parlamentares.
Quero, em todo o caso, fazer duas observações. Uma delas, relativa ao que penso ser ainda necessário fazer, que é um aprofundamento negocial no concelho de Vila Franca de Xira acerca desta matéria, porquanto esta petição, na assembleia municipal, deu um resultado curioso e interessante: uma maioria de abstenções comparativamente com os votos contra e com os votos a favor; houve mais abstencionistas do que pessoas favoráveis ou opositoras a este objectivo.
Creio que isto revela haver um espaço de debate e de negociação a nível autárquico que é possível preencher. Todos sabemos que este tipo de legislação é complexa e que a melhor via é a negociação entre as várias partes para que possa vir a haver um efeito prático e útil.
Refiro ainda uma segunda e última observação, que me parece ser a mais importante. Os peticionários referem-se à valorização ambiental do Mouchão da Póvoa — não será chamado «da Póvoa» pela neutralidade do nome —, isto é à reserva das características ambientais do Mouchão. É daí que me sobrevém a apreensão acerca da revisão do plano do estuário do Tejo e da possibilidade de, por forma ínvia — e até muito fora do debate a quem pertence a circunscrição territorial e a capacidade directa de domínio sobre o Mouchão —, virem a serem autorizadas edificações e projectos turísticos que já em tempos se projectaram para aquele Mouchão, o que viria a destruir e a descaracterizar totalmente esta parcela do estuário do Tejo, que tem a beleza que tem exactamente devido às suas características estuarinas, que são o seu elemento identificativo fundamental.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que, dando acompanhamento ao fundamento desta petição, este assunto

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deve ser resolvido por via negocial e deve haver uma extrema preocupação ambiental para além, e antes, de qualquer resolução administrativa da questão.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, inicio a minha intervenção por um dos pontos focados pelo Sr. Deputado Luís Fazenda, que é a necessidade, independentemente da solução a adoptar em relação à pretensão desta petição, de continuarem a ser rigorosamente respeitados o uso do solo e os condicionalismos que actualmente existem sobre o Mouchão da Póvoa e outros mouchões no estuário do Tejo, designadamente as regras relativas à Reserva Ecológica Nacional e à Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo.
É importante, também, que continue a ser assegurada a preservação, a segurança e a limpeza de todos os mouchões, e deste também, pelos respectivos proprietários e pelas entidades competentes e que em relação aos proprietários, aos trabalhadores que ali se deslocam e a todos os participantes neste processo seja dada uma atenção especial por parte das entidades que com ele se relacionam.
Obviamente que esta questão é controvertida no município de Vila Franca de Xira, mas tem relevância principalmente do ponto de vista do financiamento das freguesias, por isso se compreende a apresentação desta petição.
Quero, aliás, saudar os peticionantes e as autarquias que nesta matéria intervieram e têm dinamizado esta petição. Compreendendo as várias posições e apelando também para que possa haver uma conciliação das diversas posições sobre esta matéria, penso que podemos dizer que existem razões históricas, sobretudo geográficas, para justificar a pretensão que esta petição apresenta e que, no plano da Assembleia da República, findando hoje a discussão da petição, seria útil que a consideração desta questão se fizesse, tal como a Conferência de Líderes já apontou, no momento em que fossem avaliadas as questões relativas às freguesias, vilas e cidades, debate que está aprazado já para o próximo ano.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Martins.

O Sr. Ricardo Martins (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição vem subscrita por 5177 peticionantes, que solicitam a intervenção da Assembleia da República no sentido da integração do Mouchão da Póvoa na área territorial da freguesia de Póvoa de Santa Iria.
Se, por um lado, se reconhece que geograficamente a integração pretendida faz sentido — já que o Mouchão da Póvoa se situa precisamente em frente à freguesia da Póvoa de Santa Iria, a umas escassas centenas de metros — já historicamente os mouchões desta zona do Tejo sempre foram entendidos como pertença da freguesia de Vila Franca de Xira. Assim, o que aqui está em causa é a conciliação de interesses legítimos das populações de duas freguesias de um mesmo concelho, que reivindicam ambas a posse territorial do Mouchão da Póvoa.
Em face do exposto, reconhece-se à Junta de Freguesia da Póvoa de Santa Iria e aos seus moradores, bem como a todos aqueles cidadãos que suportam a apresentação desta petição, a legitimidade constitucional e legal para a apresentação a esta Assembleia da pretensão que a mesma encerra. Trata-se, ao fim e ao cabo, de reconhecer a legitimidade democrática destes cidadãos para a apresentação do pedido que agora formulam.
Pensamos, todavia, que, se bem que sejam legítimos os propósitos inscritos nesta petição, a alteração da integração administrativa dos mouchões do Tejo deverá ter lugar no âmbito de um processo mais amplo e profundo de reorganização territorial das freguesias do concelho de Vila Franca de Xira, devendo, nesse âmbito, pronunciar-se tanto a Câmara como a Assembleia Municipal.
Parece-nos ser esta, pois, a posição que recomenda o bom senso e a que melhor atende os interesses das populações em causa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos a petição n.º 363/X (2.ª), que pede a integração do Mouchão da Póvoa na área territorial da freguesia da Póvoa de Santa Iria.

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Para este facto aduzem os peticionários, que saudamos, um conjunto de razões de ordem geográfica, designadamente por este ser o mouchão que está mais próximo da localidade de Póvoa de Santa Iria, mas também razões históricas e sociais.
O que Os Verdes gostariam de dizer em relação a esta petição é que nos parece que o fundamental, o mais importante, não estará em que área geográfica se deverá situar o Mouchão da Póvoa. Do nosso ponto de vista, o fundamental é a preservação e a salvaguarda deste Mouchão, bem como dos Mouchões de Alhandra, das Garças e do Lombo do Tejo, situados dentro de uma área protegida da Reserva Natural do Estuário do Tejo. Este mouchão desempenha um papel importantíssimo em termos de avifauna, não só como local de escala nas migrações anuais, mas também como local de eleição de várias espécies para passar o Inverno.
O fundamental é garantir que este património, mesmo localizando-se em propriedade privada, tem um manifesto interesse público e acaba por ser um património natural, ambiental, agrícola e até histórico, a nível de memória colectiva local de todos e que a todas as populações ribeirinhas diz respeito como condição de qualidade de vida dessas mesmas populações.
Para a salvaguarda desse património o mais importante é que sejam cumpridas as regras de ordenamento do território, que sejam respeitados a Reserva Ecológica Nacional (REN), a Reserva Agrícola Nacional (RAN) e o Plano de Ordenamento da Reserva Natural do Estuário do Tejo e que sejam travadas pretensões turísticas de implantação excessiva e incompatíveis com os valores ambientais ali presentes — o que não quer dizer que não possam e não devam existir projectos de turismo da natureza compatíveis com esses valores.
Por tudo isto, não nos parece que sejam totalmente indiferentes os argumentos aduzidos, designadamente o que diz respeito à proximidade geográfica, mas não podemos deixar de referir que as posturas divergentes das diferentes autarquias presentes no local nos levam a ter uma posição de reserva e a desejar que este debate seja aprofundado.
Não só existem posições divergentes entre as duas freguesias em causa — a da Póvoa de Santa Iria e a de Vila Franca de Xira —, como na Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira, visto que na votação desta petição acabou por ganhar a abstenção, com 15 votos, tendo o voto contra prevalecido apenas por uma diferença de 3 votos em relação ao voto a favor.
Neste sentido, desejamos que haja um aprofundamento da discussão a nível local relativamente a esta matéria.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Carlos Monteiro.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta petição, subscrita por 5177 peticionários, defende a integração do Mouchão da Póvoa na área territorial da freguesia de Póvoa de Santa Iria por razões geográficas, históricas e sociais.
Independentemente de reconhecermos o mérito desta iniciativa popular, sabemos que a alteração da configuração territorial das duas freguesias envolvidas só poderá ser feita através de uma iniciativa legislativa que tem de ser proposta aqui, na Assembleia da República.
Ora, aquilo que temos constatado ao longo destes últimos anos é que qualquer iniciativa legislativa nesta matéria é bloqueada pelo Partido Socialista, com o fundamento de que seria necessário proceder a uma reorganização administrativa global das freguesias. E, quanto a isso, ouvimos falar, mas nunca, até hoje, vimos nada feito. É a típica «entrada de leão e saída de sendeiro». Falou-se na mudança das regras em relação às freguesias e o facto é que, até agora, nada se passou.
Mais: sabemos que estão, neste momento, pendentes em subcomissão iniciativas que envolvem milhares de habitantes, como é o caso da criação da freguesia de Nossa Senhora dos Navegantes, na zona da Expo, em Lisboa, em relação à qual nada sucede, visto que o Partido Socialista bloqueia tudo.
Mais ainda: em relação à posição da autarquia de Vila Franca de Xira, sabemos que a assembleia municipal, através da maioria do Partido Socialista, votou contra esta iniciativa dos peticionantes. Sucede que o próprio Presidente da Assembleia Municipal é nosso colega Deputado na Assembleia da República. Tenho, portanto, muita curiosidade em saber o que é que o Partido Socialista vai dizer quanto a esta petição.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Gaspar.

O Sr. João Gaspar (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como já foi ressaltado, este debate resulta da apresentação, por mais de 5000 cidadãos, de uma petição no sentido de que Mouchão da Póvoa, actualmente integrado na freguesia de Vila Franca de Xira, passe a ser parte integrante da freguesia de Póvoa de Santa Iria.
Argumentam os peticionários com razões históricas, socioeconómicas e, sobretudo, de proximidade geográfica.
No que respeita às razões de natureza social e económica, são genericamente apontados os factos de que

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todas as pessoas que trabalham nesta ilha moram na Póvoa de Santa Iria, assim como todos os transportes de pessoas e bens de e para o Mouchão se fazem através do cais fluvial desta cidade, sede da freguesia com o mesmo nome.
As razões de proximidade são tão evidentes quanto isto: a margem do Mouchão dista cerca de 200 m da sede da freguesia da Póvoa e cerca de 10 km da freguesia de Vila Franca de Xira, a que oficialmente pertence, tendo de premeio as freguesias de Alhandra, Sobralinho, Alverca e Forte da Casa. Como é natural, e de certo modo compreensível, a freguesia de Vila Franca de Xira, Junta e Assembleia, bem como a Assembleia Municipal (da forma como já aqui foi descrito), manifestaram-se contra a desanexação deste Mouchão a favor da Póvoa de Santa Iria, justificando a sua posição em razões como a necessidade de manter a unidade geográfica e económica da lezíria do Tejo, considerando que a lezíria e as suas adjacências formam uma parte integrante e una na sua composição territorial e identitária.
No que respeita às razões de natureza social e económica, são genericamente apontados os factos de que todas as pessoas que trabalham nesta ilha… Desculpem, mas perdi-me…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Já não sabe se está em Vila Franca ou em Santa Iria!

O Sr. João Gaspar (PS): — Esteja descansado, Sr. Deputado. Vou dar com o fio à meada.
Peço desculpa à Mesa e permissão para continuar.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Já se reencontrou, Sr. Deputado?

O Sr. João Gaspar (PS): — Já sim, Sr. Presidente.
Salientam igualmente os peticionários que aquele espaço seja preservado enquanto região agrícola, ligando à Reserva Natural do Estuário do Tejo, privilegiando a conservação ambiental e o seu ecossistema.
Defendem que se mantenha a promoção da agricultura, da pecuária e do turismo da Natureza, na lógica da manutenção do património ambiental.
Identificamo-nos, naturalmente, com estes últimos princípios e preocupações, não podendo deixar de salientar, no entanto, uma evidência inquestionável que resulta do facto de ser nossa obrigação…

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Gaspar (PS): — … discutir se um terreno despovoado deve ou não ser desanexado de uma freguesia muito distante para ser integrado numa outra da qual se encontra muito próximo, tudo isto dentro do mesmo concelho, do qual, depende, fundamentalmente, a responsabilidade de todo o ordenamento municipal, não podendo, portanto, tal mudança implicar qualquer ameaça, de natureza ambiental ou outra, para o referido espaço.
Face ao que antes se expôs, e do ponto de vista do ordenamento do território, a petição dos mais de 5000 cidadãos tem toda a razoabilidade e deve ser futura e oportunamente estudada e ponderada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Como o Sr. Deputado se «perdeu», a Mesa foi mais tolerante em relação ao tempo que usou.

O Sr. João Gaspar (PS): — Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, vamos passar à apreciação da petição n.º 373/X (2.ª) — Apresentada pela Organização Portuguesa de Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica Pró-Ordem, solicitando à Assembleia da República que promova os mecanismos consignados na lei de forma a autorizar a criação da Ordem dos Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Gamboa.

A Sr.ª Maria José Gamboa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição n.º 373/X (2.ª) é subscrita por 4522 cidadãos, deu entrada em 23 de Maio deste ano e baixou à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública no dia 10 de Julho de 2007.
Os peticionários invocam, fundamentalmente, valores relativos à defesa da saúde pública e à dignificação das suas próprias carreiras enquanto técnicos de diagnóstico e terapêutica e requerem que a Assembleia da República promova os mecanismos legais consagrados na lei, de forma a que autorize a sua organização na criação de uma ordem profissional de técnicos de diagnóstico e terapêutica.
Referem ainda os peticionantes — e isto tem importância significativa —, que representam 18 profissões, que têm vindo a merecer diferentes reconhecimentos na ordem jurídica nacional.
A pretensão dos peticionantes, isto é, a criação da sua ordem profissional, tem ao seu dispor, muito em

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breve, a primeira lei-quadro das associações públicas que recentemente foi votada e aprovada neste Plenário, no passado dia 6 de Dezembro, e que, neste momento, aguarda publicação em Diário da República.
Esta lei-quadro, no conjunto do seu articulado e no seu espírito, contém as regras e os procedimentos através dos quais os profissionais poderão organizar-se em torno da sua pretensão de criação de associações públicas profissionais.
Neste sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista saúda a pretensão dos peticionantes relativamente à criação da sua ordem profissional que, de acordo com as regras contidas no diploma cuja publicação aguardamos, terá de ser observada no enquadramento de todo o articulado e dos pressupostos da actual lei das associações públicas, após a sua entrada em vigor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao conteúdo da petição, reconhecemos validade nos argumentos, nas razões e nas preocupações dos signatários.
De facto, há um conjunto de irregularidades no domínio do exercício das profissões do diagnóstico e da terapêutica — creio que são 16 ou 18 profissões —, embora não seja inteiramente claro que esses problemas, que são reais, só tenham uma solução que seja a da criação de uma ordem profissional. De qualquer forma, a legislação que foi recentemente aprovada estabelece os mecanismos para a criação das ordens profissionais.
Nesse âmbito, o Bloco de Esquerda está inteiramente disponível para considerar a matéria aqui em causa, isto é, se o exercício, o acesso à profissão e a regulação dessas actividades necessitam ou não de uma ordem para que, no futuro, não se verifiquem as irregularidades e algumas situações muito pouco claras no que diz respeito a estas actividades ligadas ao diagnóstico e à terapêutica.
Desse ponto de vista, consideramos oportuna e acompanhamos as reclamações gerais que estão incluídas nesta petição.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Quartin Graça.

O Sr. Pedro Quartin Graça (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República recebeu, no âmbito do direito de petição, uma solicitação no sentido da promoção da autorização da criação da ordem dos técnicos de diagnóstico e terapêutica.
Esta petição vem assinada por muitos profissionais de diversas valências e aspira a um legítimo direito de organização.
Sem estar em causa o direito de associação em termos a definir livremente pelos profissionais de saúde segundo as suas valências, o certo é que esta Assembleia aprovou recentemente o enquadramento jurídico a que devem sujeitar-se novas associações públicas profissionais, consubstanciado no projecto de lei n.º 384/X.
O referido diploma veio, aliás, criar, do ponto de vista legal, o equilíbrio que faltava neste sector e que permite agora conciliar o interesse público com os direitos fundamentais de muitos cidadãos e o interesse colectivo da profissão em causa.
Ademais, crê este grupo parlamentar que o actual espectro de ordens profissionais existentes em Portugal cobre já, de uma forma muito satisfatória, as variadas profissões que existem no nosso país, pelo que a criação de novas ordens profissionais deve ser encarada de uma forma muito séria e concretizar-se, apenas e tão-só, nos casos em que, manifestamente, os interessados cumpram de forma escrupulosa o novo enquadramento jurídico a vigorar.
Deverão, assim, no nosso entender, os ora peticionantes enquadrar-se nesta nova realidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, saudar os peticionantes que apresentam esta petição com vista à criação de uma ordem dos técnicos de diagnóstico e terapêutica.
A apresentação desta petição reflecte uma realidade que deve ser valorizada. É que, cada vez mais, na área da saúde, a multidisciplinaridade é a regra, a diversidade dos saberes para construir bons cuidados de saúde é o princípio que deve ser respeitado e acarinhado. E é por isso que nos últimos anos têm emergido várias profissões que antigamente tinham pouca relevância, se podemos dizer assim, em matéria de cuidados

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de saúde e que assumem hoje um papel fundamental, sem menosprezo por outras profissões mais tradicionais, na prestação dos cuidados de saúde, sendo muitas vezes indispensáveis para a prestação correcta desses cuidados. Ainda por cima, como é o caso, algumas destas profissões têm já hoje qualificação superior, o que é também uma mais valia que temos no nosso serviço nacional de saúde e nos profissionais de saúde em geral.
Esta petição não pode ignorar uma circunstância concreta: aprovámos, em votação final global, uma legislação enquadradora da criação de ordens profissionais ainda na última sessão de votações, que está agora para ser enviada ao Sr. Presidente da República para promulgação. E é evidente que qualquer iniciativa de criação de novas ordens tem de ser equacionada se e quando esta legislação for promulgada e entrar em vigor. É esse o princípio que devemos continuar a respeitar.
Devemos dizer com transparência que nunca fomos partidários da ideia de que só as ordens defendem a deontologia e a dignidade profissionais, de que a solução para a organização do País teria de ser a multiplicidade de ordens em todas as profissões e, às vezes, subprofissões que existem no nosso país nas várias áreas.
Entendemos também que, independentemente de esta pretensão dever ser analisada no momento próprio e tendo em conta o quadro mais geral das profissões na área da saúde e nas restantes áreas, não há, entretanto, nenhuma desculpa para que o Estado, que é o titular dos deveres de fiscalização deontológica e de punição das infracções em relação ao mau exercício profissional, não exerça essa competência, porque o facto de não haver ordem apenas significa que, não estando essa competência delegada em nenhuma associação pública profissional, ela continua a estar no Estado e este deve exercê-la com todas as prerrogativas que lhe assistem para esse fim.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares para uma intervenção.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Analisamos hoje a pretensão de 4522 peticionantes, que requerem à Assembleia da República que se promovam os mecanismos consignados na lei de forma a autorizar a criação de uma ordem, no caso a ordem dos técnicos de diagnóstico e terapêutica. Mas, como já aqui foi, e bem, referido, a verdade é que todos acreditamos que está prestes a ser publicado um novo quadro legal exactamente sobre a criação das ordens profissionais.
Parece-me que a primeira das questões que devia ser colocada a estes peticionantes é a de saber se, face a este novo quadro legal, mantêm esta pretensão. A verdade é que, pelo menos no nosso entendimento, as novas ordens que venham a ser criadas de acordo com este regime legal pouco mais serão do que direcçõesgerais debaixo da tutela de um determinado ministro, uma vez que decisões tão corriqueiras como o aumento das quotas ou a fixação de uma taxa a cobrar por um determinado serviço aos membros dessa mesma ordem carecem de aprovação da tutela ministerial.
Portanto, era importante, antes de mais, saber a vontade dos peticionantes, nomeadamente se estariam dispostos a que a sua ordem profissional, se viesse a ser criada, ficasse sujeita a este controlo e a este regime.
De qualquer forma, penso que não podemos deixar de também referir aqui que os peticionantes levantam um conjunto de questões pertinentes face às dificuldades que os profissionais deste sector atravessam neste momento. E coloca-se a questão, para a qual não tenho resposta, de saber se a criação de uma ordem profissional será a melhor forma de responder aos problemas concretos que estes profissionais hoje atravessam. Como disse, Sr.as e Srs. Deputados, não tenho para esta pergunta uma resposta. Mas a verdade é que — e esse parece-nos um aspecto positivo na nova lei (há muitos outros que o CDS critica, mas esse parece-nos positivo) — a criação de novas ordens deve ser sujeita a um estudo prévio. Daí entendermos que, nesta matéria, fará algum sentido lançar-se um estudo que vise, acima de tudo, responder a esta questão: perceber se os problemas que estes profissionais hoje atravessam devem ser respondidos através da criação de uma ordem ou se, ao invés, pode haver, dentro do Estado, uma resposta diferenciada para estes problemas.
Por isso mesmo, parece-nos que faria algum sentido lançar a promoção deste estudo para se conseguir dar resposta a esta questão.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Não havendo mais oradores inscritos, está concluída a apreciação da petição n.º 373/X (2.ª).
A próxima sessão plenária realizar-se-á, amanhã, pelas 15 horas, tendo como ordem do dia um debate de actualidade, requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD, sobre o regime jurídico das regiões de turismo, e um debate temático sobre a Europa e o Conselho Europeu — Discussão e análise do Relatório de Acompanhamento do Programa Legislativo e de Trabalho da Comissão Europeia para 2008.

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Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Ribeiro Gameiro
Joana Fernanda Ferreira Lima
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Paulo Martins Pereira Coelho
José Eduardo Rego Mendes Martins
Manuel Filipe Correia de Jesus
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Jaime José Matos da Gama
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
Fernando Mimoso Negrão
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira

Partido Popular (CDS-PP):
José Hélder do Amaral
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Paula Cristina Barros Teixeira Santos

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Manuel de Andrade Miranda

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Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
José de Almeida Cesário
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Miguel Pais Antunes
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Partido Comunista Português (PCP):
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira

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