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Quinta-feira, 7 de Fevereiro de 2008 I Série — Número 44

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE FEVEREIRO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5 minutos.
Deu-se conta da apresentação das apreciações parlamentares n.os 62 a 64/X e dos projectos de resolução n.os 260 e 261/X.
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura relativo à suspensão de mandato de um Deputado do PS.
Procedeu-se a um debate de actualidade, requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento da Assembleia da República, sobre a ética, o Estado de direito e o combate à corrupção. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva), os Srs. Deputados Pedro Santana Lopes (PSD), Luís Fazenda (BE), António Filipe (PCP), Ricardo Rodrigues (PS) e Nuno Magalhães (CDS-PP).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos (PS), na Semana Europeia Contra o Cancro do Colo do Útero, fez uma reflexão sobre a prevenção desta doença, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ana Manso (PSD), Teresa Caeiro (CDS-PP), João Semedo (BE), Bernardino Soares (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Em declaração política, o Sr. Deputado José Paulo Carvalho (CDS-PP) criticou o Ministério da Educação pela condução do processo relativo ao novo regime de avaliação dos professores, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ana Drago (BE), João Oliveira (PCP), Emídio Guerreiro (PSD) e Paula Barros (PS).
Igualmente em declaração política, a Sr.ª Deputada Helena Pinto (BE) condenou as posições das confederações patronais da indústria e do comércio sobre o Livro Branco das Relações Laborais, assim como a política laboral do Governo. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimentos da Sr.ª Deputada Maria José Gambôa (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Miguel Tiago (PCP) teceu críticas à política de ensino levada a cabo pelo Ministério da Educação, designadamente as alterações ao modelo de gestão democrática das escolas públicas, tendo respondido no final a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Olímpia Candeias (PSD), José Paulo Carvalho (CDS-PP) e Bravo Nico (PS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado José

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Miguel Gonçalves (Os Verdes) fez um diagnóstico do sector agrícola nacional, condenado a política governativa para as pequenas explorações agrícolas, após o que deu resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Almeida (PS), Carlos Poço (PSD), Agostinho Lopes (PCP) e Abel Baptista (CDS-PP).
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 173/X — Estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, e a Directiva 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto de 2006, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, procede à primeira alteração à Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, e revoga a Lei n.º 11/2004, de 27 de Março. Usaram da palavra, a diverso título, além dos Srs.
Secretários de Estado do Tesouro e Finanças (Carlos Costa Pina) e Adjunto e da Justiça (José Manuel Rodrigues), os Srs. Deputados Patinha Antão e António da Silva Preto (PSD), Helena Terra (PS), António Filipe (PCP), Fernando Rosas (BE), José Paulo Carvalho e Nuno Magalhães (CDSPP).
A Câmara apreciou o Decreto-Lei n.º 322/2007, de 27 de Setembro, que fixa o limite máximo de idade para o exercício de funções dos pilotos comandantes e co-pilotos de aeronaves operadas em serviços de transporte comercial de passageiros, carga ou correio [apreciação parlamentar n.º 55/X (PCP)], tendo-se pronunciado, a diverso título, o Sr.
Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações (Paulo Campos) e os Srs. Deputados Bruno Dias (PCP), Arménio Santos (PSD), Esmeralda Ramires (PS), José Moura Soeiro (BE) e Pedro Mota Soares (CDSPP).
Foram ainda apreciados, conjuntamente, os projectos de resolução n.os 253/X — Criação de uma comissão eventual de acompanhamento da construção do novo aeroporto de Lisboa (CDS-PP) e 258/X — Constituição de uma comissão eventual para a análise e acompanhamento dos estudos e da construção do futuro aeroporto internacional de Lisboa (PSD), sobre os quais intervieram os Srs. Deputados Abel Baptista (CDS-PP), Jorge Costa (PSD), Bruno Dias (PCP), Helena Pinto (BE) e Nelson Baltazar (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues

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Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Ribeiro Cristóvão
Carlos Alberto Garcia Poço

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Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Olímpia do Nascimento Castro Candeias
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães

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Paulo Sacadura Cabral Portas
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Miguel Pacheco Gonçalves

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: apreciações parlamentares n.os 62/X — Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, que define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo (PSD), 63/X — Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, que define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo (CDS-PP) e 64/X — Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, que define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo (PCP); e projectos de resolução n.os 260/X — Acompanhamento da situação de pobreza em Portugal (PS) e 261/X — Recomendações ao Governo no âmbito da organização e actividade da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (CDS-PP).
Por último, temos um relatório da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura que se refere à suspensão de mandato, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Estatuto dos Deputados, com efeitos desde 2 de Fevereiro de 2008, inclusive, do Sr. Deputado Manuel Pizarro (PS), Círculo Eleitoral do Porto, devendo assumir o mandato a candidata Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira, sendo o parecer no sentido de admitir a substituição em causa.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

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Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, passamos ao debate de actualidade, requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento da Assembleia da República, sobre a ética, o Estado de direito e o combate à corrupção.
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Não é só a matéria política tratada nos últimos dias que justifica o agendamento deste debate mas uma preocupação que as sociedades políticas devem ter em permanência. Penso que é justo dizê-lo — na semana passada falámos aqui da República — que, quando falamos de ética, a ligamos, em primeiro lugar, à natureza da pessoa humana, mas assumimos que a República assume essa obrigação do primado da lei, do respeito pelo interesse público, pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos de um modo especial e que sublinho.
Entre a política e a sociedade, natural é também que existam permanentemente vasos comunicantes, que a sociedade faça saber aos seus representados o que a inquieta, o que a preocupa, e que os representantes saibam ouvir em permanência quem os mandata, goste-se ou não do estilo de quem fala sobre cada tema que em cada momento preocupa a comunidade.
O Parlamento, por definição órgão de soberania com o primado do poder legislativo, tem responsabilidade maior, responsabilidade cimeira no que à defesa do plano ético, na decisão política, na acção política, na legislação, nos comandos normativos, na prevenção do respeito pela lei, respeita.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — É uma obrigação de todos, repito, de todos os órgãos de soberania, mas é uma obrigação muito especialmente nossa.
É bom lembrar que, já nesta Legislatura, o Parlamento, por iniciativa de várias bancadas, aprovou legislação respeitante, por exemplo, à corrupção na área do desporto e que, graças a essa legislação, é possível hoje ao Estado democrático, aos tribunais, às entidades de investigação, acautelarem a defesa do interesse público, dos princípios e dos valores que nos cumpre defender.
É bom, também, salientar que estão em curso iniciativas legislativas várias que talvez estejam a demorar tempo demais.
Recentemente, a iniciativa foi retomada e está estabelecido um prazo — Março de 2008 — para a conclusão do processo legislativo, mas é bom lembrar que as várias iniciativas, juntamente com a da criminalidade, da corrupção na área do desporto, entraram neste Parlamento no início do ano transacto e desceram à comissão respectiva por um prazo de 90 dias. Ora, matéria como esta deve exigir um empenho especial de todos nós em cumprirmos as nossas responsabilidades para além do conteúdo e do modo no que ao tempo da decisão respeita.
Devemos, também, enunciar aquilo que tive ocasião de salientar no último debate com o Sr. PrimeiroMinistro e que é a disponibilidade — estou certo dela — de todos nós para assumirmos, para além da legislação que está em apreço, a participação nas decisões que se mostrem necessárias, nomeadamente no fornecimento de meios, na adopção de novas medidas e novas iniciativas para prevenir este flagelo social.
Mas é bom dizer que essa disponibilidade existe para o plano da repressão e para o plano da prevenção, para se actuar muito, também, a montante. Por isso mesmo, e na sequência, até, de iniciativas previstas na Moção de Estratégia aprovada no Congresso, da responsabilidade do Presidente do nosso partido, o Parlamento pode (e deve!) ponderar a criação de uma comissão («agência» era o que estava e está equacionado) de acompanhamento permanente da acção do Estado nos resultados do combate à corrupção.
Há algumas iniciativas concretas como, por exemplo, o retirar o peso das decisões de concursos de adjudicações de bens e serviços das mãos, dos ombros das entidades que os promovem; criar, por exemplo, uma pool nacional de júris compostos por representantes da Administração, das forças sindicais ou

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empresariais, dos magistrados e que possam, para cada concurso, ser escolhidos por método a acordar para tomar a decisão em relação a essas adjudicações de empreitadas ou fornecimentos de bens e serviços… Há, também, uma proposta em apreço no Parlamento, apresentada pelo Bloco de Esquerda, quanto à alteração da política de solos — para cuja ponderação estamos disponíveis — e à distribuição de eventuais mais-valias resultantes dessa alteração do regime jurídico dos solos, repartindo-as entre os proprietários e as autarquias ou as entidades públicas promotoras ou responsáveis pela decisão.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Por isso mesmo, muitas e variadas são as «estradas» que podemos percorrer para assumir que, sendo a corrupção um mal das sociedades contemporâneas, não queremos, nem aceitamos, que Portugal seja considerado um país corrupto. Queremos que Portugal esteja no pódio dos procedimentos correctos, mas para isso é bom que o Estado assuma que não basta actuar no plano repressivo.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Muito bem! É fundamental!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — A simplificação da legislação, a simplificação dos procedimentos decisórios é condição indispensável para afastar as condições propícias à corrupção de quem, não tendo uma formação sólida, possa trilhar esses caminhos que todos nós queremos ver arreigados da nossa sociedade.
Por isso mesmo, se dizemos que não gostamos de ver Portugal ser assim tratado, assim considerado, dizemos também que estamos disponíveis para enquadrar normativamente procedimentos como os respeitantes a novos ilícitos criminais, como os do enriquecimento ilícito — matéria tratada em fase anterior neste Parlamento, também com projecto de lei da responsabilidade do nosso grupo parlamentar —, mesmo com um novo equilíbrio no que ao ónus da prova respeita e que já existe noutras matérias em relação às quais se suscitam especiais exigências de fiscalização e combate por parte da comunidade.
É uma área em que não os políticos, não a sociedade política mas a sociedade, toda ela, tem de agir. Nós, como o tal sistema de vasos comunicantes, não podemos ficar indiferentes a quem fala, fale num estilo que nos agrada ou num estilo que nos desagrada. São muitas as intervenções, a começar pelo Sr. Presidente da República, a requerer urgência na decisão e urgência e eficácia na acção.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — É para isso que o nosso grupo parlamentar e o nosso partido estão disponíveis, porque esta República não é igual ao fim da Monarquia, não é igual ao fim da I República. Temos estabilidade, temos, apesar de tudo, progresso. Acima de tudo, temos liberdade e amamos Portugal e a liberdade!

Aplausos do PSD.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Uma vez que não há oradores inscritos, passamos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma intervenção,…

O Sr. Presidente: — Faça favor.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — … sem deixar de mencionar que, no virtuosismo desta disposição regimental, creio que todos gostaríamos de ouvir a palavra do Governo para podermos mais facilmente fazer fluir a

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dialéctica parlamentar. Quando não, temos, neste debate político, um sistema de catenaccio italiano, que não é muito favorável à expressão das ideias… Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Depois das palavras do Deputado Pedro Santana Lopes, em nome do PSD, queríamos trazer a debate o combate à corrupção.
Há sempre uma grande discussão acerca da necessidade de novos meios ou da necessidade de um novo enquadramento legislativo, mas o Bloco de Esquerda sempre se pautou pela ideia de que necessitamos de melhores leis e de meios mais eficazes no combate à corrupção. A resposta tem duas saídas e nós queremos estar nessas duas saídas.
É claro que a questão tem altos e baixos no debate público, e ainda bem que tem sido uma permanência.
Quantas vezes o Bloco de Esquerda foi aqui acusado de ser inquisidor, moralista, apenas por trazer debates e circunstâncias que são suspeitas na República e que têm que ver com o escrutínio de cidadania que é absolutamente necessário? Esse tema foi também trazido pelo Presidente da República e, ultimamente — este debate de actualidade não será estranho a esse facto! —, o Bastonário da Ordem dos Advogados veio pô-lo na ordem do dia e no debate público. Tudo aquilo que o Bastonário da Ordem dos Advogados disse — e nós estamos fora de qualquer litígio profissional! — sobre o que importa à cidadania, à opinião pública, nós, Bloco de Esquerda, já tínhamos dito em dobro. Por isso, estamos especialmente à vontade para este debate. Inclusivamente, os casos abstractos, genéricos, concretos, todos eles já tinham sido expostos por nós. Acerca deles, interpelámos o Governo ou outras entidades, e outros casos correm o seu caminho em inquérito e estão sob segredo de justiça. Esperamos os veredictos. Cremos, até, que houve alguma precipitação por parte de um partido — vá-se lá perceber porquê…! — em chamar o Bastonário da Ordem dos Advogados ao Parlamento, mais para se retratar do que propriamente para o debate que precisamos de fazer sobre o combate à corrupção.
Mas, neste momento e nestas circunstâncias, atendendo a que há uma enorme preocupação dos cidadãos e das cidadãs em relação ao Estado pessoa de bem, àquilo que é e não é corrupção, muitas vezes àquilo que a lei permite mas que não é eticamente aceitável pela maioria dos nossos concidadãos — veja-se o regime de incompatibilidades dos Deputados à Assembleia da República e de outros titulares de altos cargos políticos; veja-se o período de nojo na «dança de cadeiras» de ministros com empresas tuteladas e as empresas de que vêm a ser administradores — aliás, esse período de nojo já por nós descrito como um período nojento, mas a maioria aqui não quis alterar esse período de nojo —, bem como as incompatibilidades no que toca às sociedades de advogados. Nós não temos uma leitura tão radical como outros, mas entendemos que não é compatível com a função de Deputados, em certas circunstâncias, um Deputado poder ser dono de uma papelaria e não poder vender uma resma de papel a uma escola primária, mas poder, ao mesmo título, ser sócio de uma sociedade de advogados e ter negócios de milhões com o Estado e a favor do Estado. Parecenos que isso não é correcto, não abona do ponto de vista da defesa da causa pública e da coisa pública.
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Entendemos que devíamos avançar do ponto de vista legislativo, independentemente do outro debate dos meios e da capacidade de investigação criminal.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — É extraordinário como as coisas vão fazendo o seu caminho. A iniciativa do Bloco de Esquerda sobre cativação de mais-valias urbanísticas indevidas (aliás, a vários títulos, referida também pelo Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados) é uma proposta nossa, que já aqui está há bastante tempo, em relação à qual sublinhamos a que o PSD se abra à discussão. Era tempo também que o Partido Socialista, que já indiciou a morte prematura por degola desse projecto de lei do Bloco de Esquerda, se abrisse a esse debate.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Trata-se de casos absolutamente extraordinários de fortunas que se fazem de um dia para o outro pela utilização diversa do uso dos solos e por negócios que não são minimamente aceitáveis num Portugal democrático, aberto e transparente.
Portanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, instamos a que o Governo e a maioria do Partido Socialista se abram a essa nova possibilidade, que muito regeneraria aquilo que não é aceitável do ponto de vista da relação entre o Estado e os cidadãos quanto a situações esconsas, completamente obscuras e que se fazem ao arrepio do direito público e do bem de todos, do bem comum.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos que o debate sobre a corrupção tem total pertinência e actualidade.
Aliás, tanto assim pensamos que o Grupo Parlamentar do PCP suscitou, nesta Assembleia da República, um debate de urgência precisamente sobre este tema em 2006, logo que foi conhecido o relatório do Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO), do Conselho da Europa, que se referia a Portugal e aconselhava alterações práticas, procedimentais e, inclusivamente, legislativas. Suscitámos, por isso, aqui esse debate de urgência numa altura em que este tema não era tão falado ou tão mediático como é hoje.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. António Filipe (PCP): — Importa lembrar que esta Assembleia chamou a si esse debate, promoveu, inclusivamente, uma conferência internacional, tendo-se aberto um período para a apresentação de iniciativas várias que têm vindo a ser discutidas num grupo de trabalho criado no âmbito da 1.ª Comissão.
A esse respeito importa dizer duas coisas.
Importa dizer que, apesar de reconhecermos que a Comissão está ainda dentro dos prazos que a si própria definiu para concluir os trabalhos, na especialidade, sobre esse conjunto de iniciativas, do nosso ponto de vista, pelo que se avançou na discussão das matérias durante o ano passado, de 2007, já tinha havido tempo para que o grupo de trabalho tivesse concluído os seus trabalhos…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Mais do que tempo!

O Sr. António Filipe (PCP): — … e para que a Comissão pudesse ter votado, na especialidade, todas as iniciativas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — O prazo não passou ainda, mas teria havido tempo suficiente, se o ritmo de trabalho de 2007 se tivesse mantido durante o ano de 2008.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Infelizmente, o ritmo abrandou manifestamente em 2008.
Assim, fazemos aqui o apelo a que haja um empenhamento redobrado da parte de todos os grupos parlamentares para que prontamente essa discussão se conclua e cada grupo parlamentar assuma as responsabilidades que tiver de assumir relativamente às posições que tomar quanto às iniciativas legislativas que estão apresentadas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

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O Sr. António Filipe (PCP): — Delongas é que não são, de facto, justificáveis.
Um segundo aspecto que quero assinalar é que não estamos muito optimistas relativamente ao resultado final, porque são já conhecidas posições expressas pelos vários grupos parlamentares e, concretamente, pela maioria.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Ora bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Relativamente às posições que o Partido Socialista (que tem maioria nesta Câmara) tem manifestado, consideramos, de facto, que peças essenciais das iniciativas legislativas apresentadas estão, neste momento, à partida, condenadas a ser rejeitadas — a menos que o Partido Socialista reconsidere a sua posição.
E refiro-me, concretamente, à criação do tipo de crime de enriquecimento injustificado, que o PCP aqui propôs e que já foi informado que o Partido Socialista é contra essa consagração; às propostas que o PCP apresentou em matéria de protecção de testemunhas, por forma a abranger os crimes de corrupção nos programas de protecção de testemunhas, que também já têm uma rejeição anunciada com o pretexto de que o Governo está a pensar neste assunto; e, designadamente, ao programa de combate à criminalidade económica, que o PCP também apresentou e que também já foi anunciada a sua rejeição.
Portanto, o nosso receio neste momento é o de que o resultado final da discussão destas iniciativas legislativas seja uma profunda frustração e o de que esta Assembleia não corresponda minimamente às expectativas que os cidadãos têm relativamente à aprovação de legislação que combata efectivamente o fenómeno da corrupção.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também estamos muito preocupados com esta situação e quer parecer-nos que a Assembleia, se não der um contributo positivo nesta matéria, ficará muito mal vista aos olhos dos nossos concidadãos. Isto porque há fenómenos que ninguém ignora: fenómenos de promiscuidade entre o exercício de funções públicas e a titularidade de cargos públicos e negócios privados; ou, como já foi aqui referido, o fenómeno de quem, enquanto titular de um órgão de soberania, intervém em determinados negócios e depois, cessando as suas funções nesse órgão ou nesse cargo, passa para o lado do sector privado, intervindo nos mesmos negócios em que interveio antes enquanto governante ou enquanto titular de um cargo político.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um escândalo!

O Sr. António Filipe (PCP): — Do nosso ponto de vista, o País não pode continuar a assistir a estes fenómenos com a impunidade com que tem assistido até aqui. Portanto, este tipo de promiscuidades têm de ser eliminadas e, do nosso ponto de vista, devem ser feitas as alterações legislativas que for necessário fazer para pôr termo a essas situações. Embora reconheçamos que não estamos apenas confrontados com um problema de lei, mas também de prática, de medidas concretas para que a legislação existente seja efectivada e que isso não tem acontecido, também consideramos que é perfeitamente possível que esta Assembleia faça mais e melhor por forma a criar uma armadura legislativa que impeça a continuação desse tipo de atitudes, que tanto descredibilizam, muito justamente, a actividade política aos olhos do conjunto dos cidadãos.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, concluindo, o nosso apelo é o de que a 1.ª Comissão conclua rapidamente o trabalho que tem em mãos relativamente às iniciativas legislativas que ainda aguardam a conclusão da sua discussão na especialidade, o de que todos assumam as suas responsabilidades nesta matéria e o de que se estudem outras soluções em matéria legislativa por forma a que situações que muito justamente chocam todos os cidadãos não continuem a acontecer impunemente no nosso país.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, quando o Partido Social Democrata agendou este debate relativo à ética e à corrupção, a primeira análise que fiz foi a de que tinha apanhado o «comboio do populismo mediático», mas enganei-me, e bem. A intervenção do Sr. Deputado Santana Lopes foi séria e revela, na nossa opinião, as preocupações que esta Câmara deve ter quanto a esta matéria.
Não quero comentar, naturalmente, as tentações que alguns têm de considerar que uns são moralmente mais isentos do que outros ou que uns grupos parlamentares vão à frente nesse combate e nessa corrida.
Enganam-se esses que pensam que proclamam grandes medidas e grandes feitos, porque combater a corrupção é uma questão de consciência e de honra de todos os Deputados desta Casa. E, nesta matéria, não fazemos distinções entre a esquerda ou a extrema-esquerda e a direita ou a extrema-direita. De boa fé, entendemos que todos temos o mesmo princípio: combater a corrupção.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, sobre esta matéria, o Partido Socialista entende que não é por falta de leis ou de muito mais leis que Portugal será bafejado com um decreto que determine a eliminação da corrupção. Todos devemos fazer um esforço e o Partido Socialista está responsavelmente no caminho desse esforço aqui, na Assembleia da República.
Devo dizer, com toda a clareza, que, quer na Assembleia da República quer no Governo, as principais medidas já foram tomadas. Dispensar-me-ei de elencar as medidas já aprovadas quer pelo Governo quer pela Assembleia da República e que demonstram que já legislámos sobre a matéria. Queria, porém, fazer só uma pequena correcção: a lei contra a corrupção no desporto foi aprovada e está em vigor, Sr. Deputado Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Eu disse que estava em vigor!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Pareceu-me que tinha dito outra coisa.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Até elogiei!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Estamos, portanto, de acordo sobre essa matéria.
Há outras medidas que devemos exigir. A corrupção é um fenómeno que não reclama exclusivamente uma intervenção da Assembleia da República, mas também uma investigação eficaz. Devemos exigir uma investigação eficaz nessa área por parte dos órgãos que têm essa tutela. E não apenas uma investigação eficaz mas, ainda, uma condenação eficaz dos casos que são levados a julgamento. Nada mina mais a justiça do que a impunidade relativamente a esses casos. Temos o exemplo dos processos que são divulgados nos órgãos de comunicação social, investigados durante anos e, quando finalmente chegam a julgamento, os arguidos são absolvidos. Esse é um mal que temos de combater. Devemos, por isso, chamar a atenção do País a essa má investigação que se tem feito e a essa má justiça da qual todos nos penalizamos.
Todos podemos analisar as várias medidas concretas que são propostas tanto pelo Partido Socialista como pelos outros grupos parlamentares. Há muitas medidas, naturalmente, que ainda podem ser debatidas. No entanto, meus caros Srs. Deputados, o Partido Socialista não está disposto a trocar um Estado de direito democrático por um qualquer Estado policial ou por um qualquer Estado judicial. Não vamos por esse caminho.
O Partido Socialista garante um Estado de direito democrático que funcione com as regras estabelecidas na nossa Constituição, e que são claras em determinados domínios. Não mudamos de opinião: as propostas que foram apresentadas por camaradas nossos e que chumbámos dentro do grupo parlamentar não vão ser por nós aprovadas quando apresentadas por outros grupos parlamentares. Parece-me que isso é mais do que evidente. Chumbámos essas medidas no nosso grupo parlamentar por entendermos que elas minavam o Estado de direito democrático e ofendiam a Constituição em concreto, designadamente a presunção de inocência que, como todos sabemos, vigora num Estado de direito democrático.

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Em relação a todas as outras situações, mesmo as que foram referidas no relatório que o GRECO fez sobre Portugal, respondemos com medidas concretas, designadamente com a penalização das pessoas colectivas no Código Penal, que era uma medida apontada pelo GRECO. O Presidente do GRECO, quando foi questionado aqui, numa conferência levada a efeito pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, sobre essa medida do enriquecimento ilícito, considerou que essa não era uma medida prioritária para Portugal.
Portanto, também nessa medida estamos tranquilos sobre a forma como nós, Partido Socialista, enfrentamos todas essas questões.
Estamos disponíveis para finalizar os trabalhos do grupo de trabalho. Na próxima semana, haverá mais uma reunião do grupo de trabalho da 1.ª Comissão e finalizaremos a nossa intervenção, daremos por concluída, com excepção de uma coisa: consideramos que, ao nível da prevenção, é possível ir mais longe e queremos mais do que as propostas que estão apresentadas.
Assim, comprometemo-nos a apresentar, até ao final desta Sessão Legislativa, uma proposta concreta no domínio da prevenção, porque consideramos que, nesse domínio, é desejável ir mais além do que o mero observatório ao nível universitário. Vamos fazer um esforço e estou certo de que, com a colaboração de todos os grupos parlamentares, será possível apresentarmos essa proposta. Deverá existir uma entidade com autoridade para levar por diante a prevenção, porque entendemos que ela é indispensável no nosso sistema.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: O debate de actualidade marcado para hoje versa três temas — a ética, o Estado de direito e o combate à corrupção. Irei começar por este último.
Queria, porém, como nota prévia, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, e aproveitando a sua intervenção, dizer-lhe o seguinte: o que referiu acerca da penalização das pessoas colectivas (das empresas, para ser mais claro) revela bem o que culturalmente é o âmago do nosso sistema. É verdade o que V. Ex.ª disse: houve e há penalização das pessoas colectivas. No entanto, o que V. Ex.ª não disse e devia ter dito é que apenas há penalização das pessoas colectivas enquanto privadas.

Vozes do CDS-PP: — Exactamente!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Se forem públicas, Sr. Deputado, já são inimputáveis. Esta é também uma questão de ética que, aliás, é aqui hoje debatida.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Como já referi, vou começar pelo último dos três temas, ou seja, o combate à corrupção.
Recordou-se aqui o apelo do Sr. Presidente da República, recordou-se também o pacto de justiça celebrado entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata, mas nada se disse sobre uma matéria fundamental: é que esse pacto de justiça, sobre a matéria específica de combate à corrupção, nada dizia. E, para nós, essa é uma matéria essencial.
Por isso mesmo, apresentámos um projecto de resolução onde, mais do que novas leis, leis confusas, lei complexas, propúnhamos e recomendávamos ao Governo a atribuição de mais e melhores meios às forças e serviços de segurança e mais e melhor coordenação entre essas forças e serviços de segurança.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, em vez de mais leis, é preciso que haja leis perceptíveis, leis claras para os cidadãos.

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Recordo que o fenómeno da corrupção consiste exactamente na possibilidade de criar dificuldades para depois se vender facilidades. Ora, é contra isto que estamos e que é com esta postura que estivemos a trabalhar no grupo de trabalho — e manteremos esse trabalho — para aprovar um sistema legal e eficaz de combate à corrupção que permita, através de leis simples e perceptíveis, combater aquilo que muitas vezes é um motor gerador de corrupção, que é burocracia.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Nesse aspecto, é essencial recordar aquele que para nós tem sido um discurso recorrente e que vamos continuar a ter. Para isso é preciso menos Estado; melhor Estado, é certo, mas menos Estado,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … menos burocracia e um ambiente saudável para a iniciativa privada e para os cidadãos poderem exercer as suas actividades profissionais. Ora, nada disso tem acontecido neste Governo do Partido Socialista, não obstante as medidas de propaganda e os Simplex tão anunciados.
Sr. Presidente, termino com três reflexões finais sobre os três temas deste debate.
O primeiro tem a ver com questões de ética. Daqui a pouco, vamos discutir uma proposta de lei que transpõe várias directivas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento ao terrorismo.
Certamente todos estamos de acordo quanto à necessidade de investigar e de estancar formas de branqueamento de capitais para combater o financiamento do terrorismo transpondo as directivas comunitárias.
Mas, porque estamos a falar de ética, de transparência e de igualdade não deixo de chamar a atenção para algo que me parece preocupante. É porque se penaliza e se consagra um conceito novo chamado «pessoas politicamente expostas» e, quando vamos ver essa mesma proposta estão lá chefes de Estado, chefes do governo, membros do governo, ministros, secretários, subsecretários de Estado, Deputados, membros das câmaras parlamentares nacionais, membros dos supremos tribunais, dos tribunais constitucionais, dos tribunais de contas, enfim, toda a gente, com uma excepção: os autarcas, Srs. Deputados.
Sr. Presidente, os autarcas não são pessoas politicamente expostas, de acordo com a proposta de lei da directiva que iremos transpor!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Isto, Srs. Deputados, também tem a ver com ética.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Como tem a ver com ética, Sr. Presidente, o facto de o Governo exibir como troféu as 120 000 penhoras de salários realizadas no ano transacto ou os 23 000 prédios penhorados de que hoje tivemos conhecimento. Certamente, parte delas foi feita de forma correcta e legal, no cumprimento da lei e das obrigações contraídas, mas o Governo também se esquece que, por incompetência do Banco de Portugal ou por uma certa omissão interesseira da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, nos anos 2005 a 2007, milhares de salários foram indevidamente penhorados ou por excederem o montante legalmente permitido ou por estarem fora do prazo.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Pergunto, Sr. Presidente: isto é ético? É ético da parte do Estado ter este comportamento para com os seus concidadãos?

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Claro que não!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não creio, Sr. Presidente.
Termino com uma reflexão acerca do Estado de direito democrático. E só o faço porque o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária o fez e tem a ver com as suas declarações do passado sábado. Não vou discutir se falou no tempo, antes do tempo ou fora do tempo. Vou, sim, discutir a questão de fundo. Tem, ou não, razão no que disse? Não nos esqueçamos que se trata de um caso mediático, com repercussões internacionais nunca antes vistas em relação ao nosso país. De duas, uma: ou o Sr. Director da Polícia Judiciária tem razão e não existem fundamentos para a constituição de duas pessoas como arguidos, e, então, existe um sério problema com o nosso sistema judicial, ou existem esses fundamentos e o Sr. Director da Polícia Judiciária fez declarações, no mínimo, imperceptíveis. Porém, em qualquer dos casos, prejudica a transparência e o Estado de direito democrático. E isso é algo que deveria merecer a reflexão desta Câmara.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A prevenção e repressão da corrupção é uma das marcas que define a qualidade de uma democracia. Mas define também a qualidade da democracia combater a corrupção no quadro estrito e rigoroso do Estado de direito. E define a qualidade de uma democracia moderna fazê-lo na prática através de acções e não com mais burocracia, que apenas gera mais ineficácia nesse combate.
O desempenho, nesta Legislatura da Assembleia da República, em matéria de combate à corrupção é um bom desempenho no que diz respeito às suas iniciativas legislativas.
Para recordar apenas aquelas nas quais esteve envolvido também, através da sua iniciativa, o Governo, lembraria a Lei-Quadro da Política Criminal e a lei que define as prioridades e orientações da política criminal para o biénio 2007/2009; lembraria a já aqui recordada alteração ao Código Penal com a consagração da responsabilidade penal também das pessoas colectivas; recordaria a lei sobre a corrupção desportiva; recordaria a aprovação da Convenção das Nações Unidas de combate à corrupção; hoje mesmo, iremos discutir a proposta de lei de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo; e o Governo já aprovou a proposta de lei, que será brevemente discutida nesta Assembleia, de protecção das testemunhas. Também está em curso um trabalho de reforço dos meios, das condições operacionais, da responsabilidade do Governo.
Gostaria de chamar a atenção para o reforço da institucionalização no seio da Polícia Judiciária da unidade nacional de luta contra a corrupção — a respectiva lei orgânica está em discussão, na especialidade, nesta Casa; para o reforço no orçamento e nos recursos das condições de investigação no Ministério Público e na Polícia Judiciária; também para a melhoria sensível e evidente da colaboração entre a justiça, a administração fiscal, as entidades de supervisão financeira para combater alguns dos factores que criam condições de corrupção.
Mas, de entre as iniciativas que combatem a corrupção na sua raiz, não são das menos importantes as iniciativas que, simplificando os procedimentos, tornando menos opaco, isto é, mais transparente o relacionamento entre o Estado e os cidadãos, combatem alguns dos factores que geram quotidianamente a pequena, a média e a grande corrupção. Esse é um dos propósitos essenciais e uma das linhas condutoras essenciais de acção deste Governo.
O programa Simplex, de simplificação administrativa, está aí para mostrar mais simplificação e mais transparência, o que significa menos burocracia e, por sua vez, menos burocracia significa também menos condições de geração da pequena e média corrupção.
As alterações que esta Assembleia da República aprovou, sob proposta do Governo, no novo regime jurídico de urbanização e edificação e as alterações ao quadro dos instrumentos de gestão do território conduzem-se também, segundo essa orientação, de maior transparência da administração, maior simplificação administrativa, maior capacidade e rapidez do acesso dos cidadãos às informações da Administração.

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Gostaria de recordar o Código dos Contratos Públicos, publicado na semana passada, que tem medidas absolutamente essenciais quer na limitação dos trabalhos a mais, quer na exclusão liminar em concursos públicos dos concorrentes que se apresentem com propostas inferiores a 40% dos preços de base, quer, ainda, na transparência da informação acessível a qualquer cidadão sobre o decurso dos processos de contratação.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Hoje essas regras já não são cumpridas quanto mais as outras!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Todas estas medidas se destinam justamente também a combater, no seu «ovo», a «serpente» da pequena, média e grande corrupção.
Agora temos de ter clareza neste ponto: nós combatemos a corrupção defendendo o Estado de direito e no quadro do Estado de direito, não usando de instrumentos que são ilegítimos num Estado de direito. Nós combatemos a corrupção não com proclamações retóricas mas com a prática e com as condições práticas do dia-a-dia e nunca criando novos instrumentos de burocratização, de inércia e de afastamento, que só contribuem para que a corrupção que existe possa existir sem ser prevenida nem combatida a tempo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Este combate é, naturalmente, um trabalho permanente. Foi isso que quis dizer na minha intervenção. Sabemos que a legislação está pronta, está dentro do prazo, mas rejeitamos a ideia de que possamos fazer este trabalho e estas intervenções a reboque seja de que intervenção exterior for.
Devo dizer que as circunstâncias dos últimos dias até são múltiplas: notícias desagradáveis no plano ético em relação a titulares de altos cargos do Estado, em relação a decisões de governos anteriores, nomeadamente aquele que liderei, decisões várias que geram a suspeição sobre os titulares de altos cargos do Estado.
Por isso, a proposta da criação de uma comissão permanente que vá no sentido de encontrar essa legislação a montante, que simplifique ainda mais os procedimentos, nomeadamente, nos instrumentos de gestão do território, mas que também não abuse, não exagere, não caia nem na demagogia nem no populismo.
Esta Assembleia aprovou, em legislaturas anteriores, boa legislação sobre incompatibilidades, declarações de interesses, declarações de rendimentos, que são úteis aos cidadãos e a quem quer escrutinar o comportamento dos titulares de altos cargos do Estado. Mas, se for preciso fazer mais, deve fazer-se mais, nomeadamente no que respeita ao enriquecimento ilícito — volto a sublinhar — e à política dos solos.
Devemos analisar o que a experiência, a realidade, a evolução da sociedade nos ensina. Como sabemos, em matéria fiscal e em matéria de tráfico de droga, no que respeita a alteração do regime do ónus da prova, não defendemos a inversão, mas um novo equilíbrio. Consideramos que é possível encontrá-lo.
Quanto ao pacto de justiça, vai sendo tempo de o concluir, pois tudo tem um tempo útil. Para estes acordos, é até natural, para tranquilidade e serenidade, a devida distância do tempo eleitoral.
Quero sublinhar que a intervenção que aqui faço hoje vem na linha de iniciativas anteriores do meu partido (de um colóquio sobre a corrupção realizado pela anterior liderança do meu partido, de projectos de leis apresentados em concreto, até com a intervenção do Dr. Fernando Negrão, e outros). Todos os grupos parlamentares o fizeram — estive a ler os debates travados.
Agora, para além destes sinais, há outros na sociedade portuguesa ligados à questão ética aos quais não podemos ficar indiferentes.
Por exemplo, o Sr. Primeiro-Ministro referiu, no último debate, a questão das remunerações em sociedades privadas. Aos privados o que é dos privados, certamente; mas também ao Estado o que é do Estado. Ora, nas sociedades em que estão presentes entidades com capitais exclusivamente públicos é dificilmente perceptível que, durante anos, aquilo com que agora tudo e todos se parecem indignar não tenha sido apercebido, quando

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se parte do princípio de que os representantes dessas entidades com capitais públicos estavam presentes nas assembleias gerais de instituições financeiras, de sociedades de comunicações, da EDP.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Estavam presentes em todas elas! A questão que se põe, até a propósito de uma decisão que temos de tomar sobre a criação de um inquérito parlamentar sobre a supervisão bancária, é sobre os poderes de supervisão do Estado e de quem o representa nas diferentes instâncias.
Portanto, a solução-remédio não é a de criar mais legislação para cima de políticos, de gestores, de trabalhadores gerando mais incompatibilidades absurdas. Lembro o caso de familiares de titulares de altos cargos do Estado que há décadas concorriam na sua actividade privada a concursos promovidos por entidades públicas e que deixaram de o poder fazer. O exagero da demagogia gera normalmente resultados ainda piores do que aqueles que se quiseram prevenir.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Por isso mesmo, temos de estar atentos aos sinais e dizer que nós próprios também podemos legislar para evitar que os representantes do Estado em sociedades de capitais exclusivamente públicos votem favoravelmente ou se abstenham em matéria de remunerações ou de mordomias, como as que têm sido referidas nos últimos dias na sociedade portuguesa.
De igual modo, devemos legislar para dar a mão quando cometemos erros, como aconteceu, por exemplo, por força de legislação recentemente aprovada, quando a prática reiterada de violação ou de abusos sexuais em relação a menores passou a ser considerada como um só crime e não vários crimes. Por vezes, são erros do legislador que geram a revolta dos representados, a indignação da sociedade, que tem de ser compreendida.
Devo dizer que não defendo que haja cedência. Isto é, não defendo que, mal a Assembleia da República aprova uma lei, logo surja disponibilidade para os incómodos mais variados em relação a essa legislação que é aprovada. Mas também não podemos ser indiferentes, não podemos «fazer ouvidos moucos» ao que é a resultante da meridiana do bom senso, dos princípios e dos valores em que, de um modo geral, todos nos revemos. Digo que este é um debate de actualidade porque é sempre actual.
Se sabemos que Portugal é um país que, por exemplo, está no 27.º lugar da tabela no que respeita à proliferação da corrupção, a nossa ambição tem de ser a de que Portugal esteja no pódio da tabela quanto à não existência de corrupção.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Mas, por outro lado, também não devemos aceitar que, impunemente, se diga que Portugal é um país corrupto ou, como vi em várias notícias que passaram em rodapé durante vários programas de televisão, que se diga que «políticos querem proibir a divulgação de declaração de rendimentos», em referência a mim próprio ou a muitos outros, porque tal não aconteceu.
Por isso, ao Estado o que é do Estado, à sociedade e à livre iniciativa, o que é da sociedade. Mas, principalmente, respeito pelos princípios e pelos valores, nomeadamente no plano ético, antes de qualquer imposição legal.
Esse é o nosso combate, que já vem de antes. Continuamo-lo agora e estamos disponíveis para trabalhar com vista à obtenção de consensos, para encontrar soluções, rápida e eficazmente, a montante e a jusante.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, mas dispõe de apenas 50 segundos.

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, compreendendo bem esta espécie de «macedónia» de desabafos, gostaria de recentrar o debate no tema.
Ora, o tema é justamente o do combate à corrupção no quadro do Estado de direito. Esse combate faz-se com a implementação de legislação onde é necessária. Aliás, no quadro do pacto para a justiça, celebrado entre os grupos parlamentares do PS e do PSD, que está prestes a ser encerrado do ponto de vista da sua realização — apenas falta o mapa judiciário —, foram tomadas medidas e lançadas iniciativas legislativas absolutamente essenciais ao combate à corrupção.
O mesmo quanto ao quadro operacional — e, aí, insisto —, em termos do reforço de meios que este Governo deu à justiça, à Polícia Judiciária, às diferentes instituições encarregadas de prevenir e combater a corrupção.
O mesmo quanto à nossa mensagem pública, que não pode andar a reboque da proclamação deste ou daquele mas, sim, segundo um programa, que, aliás, corresponde aos programas dos diversos grupos parlamentares representados nesta Câmara, em função dos quais foram escolhidos pelo povo português, e corresponde também ao Programa do Governo. Um programa consistente, tão consensual quanto possível, de melhoria da qualidade da democracia portuguesa, porque é isso que aqui está em causa.
Isso mede-se não por iniciativas que se queiram pôr à margem do Estado de direito apenas para satisfazer os apetites de momento de alguma opinião, pública ou publicada, mas, sim, no quadro do Estado de direito, prevenindo e combatendo a pequena, a média ou a grande corrupção no nosso país ou na Europa a que pertencemos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Vamos passar ao período de declarações políticas.
A primeira inscrita é a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, em representação do Grupo Parlamentar do PS.
Tem a palavra.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É possível erradicar o cancro do colo do útero.
O cancro do colo do útero, sendo evitável, é o segundo cancro mais comum nas mulheres, em todo o mundo.
A propósito da Semana Europeia de Prevenção do Cancro do Colo do Útero, iniciativa apoiada, e bem, por esta Assembleia, proponho uma curta reflexão sobre a prevenção do cancro do colo do útero em três pontos: o problema, os meios e a investigação, a vontade política.
Em primeiro lugar, o problema.
Na Europa, ano após ano, 50 000 mulheres desenvolvem cancro do colo do útero e 15 000 morrem desta doença. Em Portugal, há cerca de 1000 novos casos todos os anos. 356 portuguesas morreram com cancro do colo do útero em 2002. O cancro do colo do útero afecta, sobretudo, as mulheres mais jovens, entre os 30 e os 50 anos, numa altura em que as suas vidas profissionais e familiares são particularmente activas. O cancro do colo do útero afecta, na Europa como em Portugal, sobretudo, as mulheres de níveis socioeconómicos mais desfavorecidos.
Em segundo lugar, os meios e a investigação.
O cancro do colo do útero é diferente dos outros porque sabemos como prevenir praticamente todos os casos. O cancro do colo do útero é o único que pode ser «apanhado» antes de ser cancro. Não podemos aceitar, por isso, que tantas mulheres tenham cancro do colo do útero, não podemos aceitar, por isso, que ainda morram tantas mulheres com este cancro!

Aplausos do PS.

Combinando programas de rastreio bem organizados com as novas tecnologias, como a vacinação contra o HPV, temos os meios para eliminar quase na totalidade esta doença oncológica. É aceite que o rastreio organizado, monitorizado e avaliado consegue diminuir em 80% a incidência do cancro do colo do útero. Há evidência de que o rastreio que atinja uma cobertura populacional de 80% pode reduzir a incidência em 95%.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A importância do desenvolvimento de um rastreio adequado e de qualidade é tão maior quanto mais de metade das mulheres com este cancro nunca fez citologia e, das restantes, muitas fizeram-no há mais de cinco anos.
É, ainda, fundamental afirmar que nenhuma das vacinas existentes cobre todos os tipos oncogénicos de HPV, pelo que o rastreio é sempre absolutamente indispensável.
O lema tem necessariamente de ser: «rastreio para a mãe, vacina e rastreio para a filha»! Como terceiro, e último, ponto, a vontade política.
Sabemos que, apesar de existirem linhas orientadoras, desde 2001, no Plano Oncológico Nacional, o rastreio do cancro do colo do útero, com a excepção da experiência da zona centro do País, evoluiu muito lentamente. Sabemos também que é neste facto que reside uma parte essencial da explicação para os altos níveis de incidência e mortalidade deste cancro, em Portugal.
Neste momento, Sr.as e Srs. Deputados, temos toda a informação sobre o problema que constitui o cancro do colo do útero, os meios e a investigação para o prevenir e praticamente erradicar. Sabemos também, pela avaliação da nossa experiência, onde devemos investir.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há passos fundamentais que já foram dados para a concretização de um plano nacional de rastreio do cancro do colo do útero.
Em 2005, foram definidos os programas verticais prioritários de saúde. Um deles incide sobre a prevenção e o controlo das doenças oncológicas. Em 2005, foi criada a coordenação nacional desse mesmo programa.
Em 2006, foram organizadas as comissões oncológicas regionais que se pretendem com a responsabilidade de assegurar a direcção e a avaliação dos programas de rastreio dos cancros do colo do útero, da mama e do cólon e recto, com metodologia homogénea em cada uma das ARS, assumindo-se o envolvimento das entidades responsáveis do Serviço Nacional de Saúde. É, ainda, da responsabilidade das comissões oncológicas regionais a divulgação dos diferentes rastreios, tendo como metas o estabelecido no Plano Nacional de Saúde 2004-2010 que, no caso do cancro do colo do útero, é de abranger, com o rastreio, 60% da população-alvo. Desde 2007, as ARS já têm organizado gabinetes dedicados ao rastreio.
Para o período 2007-2010, o Plano Nacional para a Prevenção e Controlo da Doenças Oncológicas assume o compromisso de: implementar e alargar os programas de rastreio; dotar os programas de rastreio de ferramenta informática de apoio para monitorização e avaliação periódica dos seus resultados; e divulgar anualmente os resultados dos diferentes rastreios da responsabilidade das comissões oncológicas regionais.
Em 2008, a vacina de prevenção do cancro do colo do útero foi incluída no Programa Nacional de Vacinação. Nesta estratégia, os centros de saúde são a porta preferencial de início do rastreio, sendo obrigatório garantir resposta e encaminhamento atempado e eficaz aos diferentes casos de rastreio positivo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não é demais repetir: o cancro do colo do útero é evitável e erradicável. A prevenção das doenças oncológicas tem, assim, de ser uma prioridade da nossa acção política.
Esta Assembleia deve contribuir para garantir que há um rastreio nacional organizado e que as portuguesas estão informadas e participam no rastreio.
As associações não-governamentais, que têm tido um papel determinante ao longo dos anos, os profissionais de saúde, as escolas, as farmácias, as empresas, o Governo, os cidadãos e as cidadãs contam connosco para o desenvolvimento de todas as estratégias e a disponibilização de meios para a prevenção, que aumentem a informação, a acessibilidade e a adesão das portuguesas à prevenção do cancro do colo do útero.
O nosso objectivo deve ser o de que todos, todas as portuguesas e suas famílias, assumam, ao longo da vida, a regra: rastreio para as mulheres, vacina para as adolescentes. Tem que ser possível!

Aplausos do PS e de Deputados do PSD.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos tem cinco pedidos de esclarecimento. Depois, dirá como pretende responder aos mesmos, se em conjunto, se separadamente.

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Para o efeito, tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, antes de mais, quero registar a oportunidade da sua intervenção e dizer-lhe que, no que diz respeito ao diagnóstico, estamos totalmente de acordo. De facto, o cancro do colo do útero, ou vírus do papiloma humano, é 100 vezes mais transmissível do que o vírus HIV/SIDA.
Para além da centena de variedades deste vírus HPV, de que, como sabe, os mais perigosos são o HPV16 e o HPV-18, também quero dizer-lhe que concordo em absoluto que a mulher, e também o homem, acrescento eu, são vítimas desta situação.
Destaco também que as mulheres mais jovens, com idades entre 35 e 45 anos, são de facto as mais afectadas.
Acresce que, desde o debate nesta Casa das duas iniciativas legislativas sobre esta matéria — uma, em 2005, apresentada por Os Verdes, e outra, em 2007, apresentada pelo CDS —, todos estamos de acordo em que, a nível da prevenção, a cobertura de 80% da população em risco pode, de facto, reduzir em mais de 90% a incidência da doença — e estes são dados estatísticos.
Concordo, ainda, quando diz que o problema não é apenas português mas é europeu.
Os 1000 novos casos da doença que, em Portugal, surgem todos os anos fazem-nos alertar para a questão relacionada com os meios existentes e a vontade política, e disse-o muito bem.
Aliás, afirmo, de forma muito clara, que é de aplaudir a inclusão da vacina contra o cancro do colo do útero no Programa Nacional de Vacinação para 2008. A este propósito, todos estamos de acordo, mas como vamos ajustar esta orientação, este desejo de todos nós, com o facto de, de norte a sul do País, principalmente nas zonas mais desfavorecidas do interior, assistirmos ao encerramento massivo de centros de saúde? A Sr.ª Deputada afirmou da tribuna, e muito bem, que o centro de saúde desempenha um papel fundamental em termos da prevenção do cancro do colo do útero.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Diga-me, então, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos: acredita sinceramente que a actual política de encerramento dos centros de saúde, contra a política de proximidade dos mesmos em relação aos cidadãos, vai facilitar a luta contra o cancro do colo do útero na qual todos devemos estar empenhados?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, em primeiro lugar, quero saudá-la por trazer esta tão importante questão através de uma declaração política. Não posso estar mais de acordo consigo. Na verdade, o rastreio é a melhor forma de evitar, prevenir e tratar atempadamente o cancro do colo do útero, tal como outros.
Gostaria de lhe fazer uma pergunta e recordar o que, em todo caso, ficou pendente.
Após apresentação de várias iniciativas do Partido Ecologista «Os Verdes» e do CDS-PP no sentido da inclusão da vacina contra o HPV no Programa Nacional de Vacinação, a bancada onde a Sr.ª Deputada se senta reiteradamente recusou aprovar a inclusão da vacina nesse Programa, até à vinda do Sr. PrimeiroMinistro, porque a partir dessa altura deixou de existir dúvidas técnicas, científicas ou outras.
Como sabe, vai ser agendada a discussão do projecto de resolução do CDS, que tem várias componentes, não só a inclusão da vacina no Programa Nacional de Vacinação, ou a sua comparticipação progressiva, mas também a criação de um plano de emergência para efeitos do rastreio.
Pergunto se a bancada que a Sr. ª Deputada integra vai viabilizar este nosso projecto de resolução ou se, mais uma vez, vai rejeitá-lo por ser apresentado por um partido da oposição para, depois, os senhores virem fazer exactamente o mesmo.

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Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, gostaria de começar por felicitá-la não apenas pelo tema que escolheu para a sua intervenção mas também pelas palavras que disse a esse propósito, tanto mais que todos reconhecemos que estamos num País particularmente atrasado não só em relação ao cancro do colo do útero mas a outros cancros cuja prevenção a medicina já permite fazer.
Quero cumprimentar a Sr.ª Deputada pelas palavras sábias que disse quando referiu que esta, mais do que uma questão clínica, mais do que uma questão médica, é uma questão de vontade política.
Quero também dizer-lhe que certamente o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda estará ao seu lado quando insistir, batalhar, combater para que o Governo que o seu partido apoia deixe, finalmente, de pensar a política de saúde em função dos resultados financeiros e passe a fazê-lo em função dos ganhos em saúde que é possível obter com medidas como as que sugeriu.
Quero, ainda, referir-me a um aspecto que também abordou na sua intervenção e para o qual gostaria de chamar a atenção porque creio tratar-se de uma matéria em que há alguma falta de informação e de conhecimento a nível da opinião pública.
Não há vacinas, não há consultas em número suficiente que possam resolver o problema que temos em matéria de cancro do colo do útero se, ao mesmo tempo, o Governo e as autoridades com responsabilidades nessa matéria não empreenderem um plano de educação para a saúde, em particular de educação sexual nas escolas, de modo a que todos os portugueses, quando chegarem à idade da adolescência, da juventude ou quando forem adultos, estejam mais prevenidos, mais informados sobre os riscos de ter uma vida sexual saudável e saibam que não são diminuídos por vacinas ou outras medidas deste tipo.
Termino como comecei, cumprimentando-a pela sua intervenção.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, quero também associar-me à intervenção que fez em matéria de combate ao cancro do colo do útero. De facto, a vacina é um grande avanço, que permitirá, certamente, reduzir uma parte significativa dos casos que continuamos a ter em Portugal, mas fez bem em salientar — como, aliás, resultou bastante claro do seminário que a Comissão de Saúde levou a cabo na semana passada — que nada disso pode diminuir a importância do rastreio e que, nesse campo, estamos muitíssimo atrasados, havendo uma falta de vontade política e de política da saúde para generalizar, de forma eficaz, esse rastreio a todo o País, e onde houve uma maior vontade para que esse rastreio avançasse, designadamente na região Centro, verifica-se que há resultados bastante importantes.
É esta a questão que quero salientar. De facto, nada disso se faz sem um grande impulso político e a criação de condições para que o rastreio aconteça, tal como, aliás, para outros tipos de cancro, em que a detecção precoce é essencial e em que continuamos a pagar com vidas o que nos falta em rastreio, em exames de rotina, em recenseamento das situações de risco e o respectivo acompanhamento, repito, com elevados custos humanos e também de outro tipo para o Serviço Nacional de Saúde.
Quero ainda dizer que nada disto se faz sem um Serviço Nacional de Saúde forte, sem um conjunto de autoridades e de técnicos de saúde pública com capacidade. E sabendo nós que a saúde pública tem sido um dos aspectos que com maior degradação no Serviço Nacional de Saúde, o Governo tem de atalhar caminho se quer acompanhar a integração da vacina no Plano Nacional de Vacinação com um forte impulso ao programa do rastreio, o que só se faz com um Serviço Nacional de Saúde forte, com uma saúde pública forte, que é o que não temos nos dias que correm.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, em primeiro lugar, gostava de a saudar pelo tema que trouxe na sua declaração política, que é, como sabe, um tema que Os Verdes têm acompanhado de há muito tempo a esta parte na Assembleia da República.
Quero também saudar a Sr.ª Deputada por ter sido porta-voz da alteração de registo do Partido Socialista em relação a esta matéria, porque todos nos lembramos do discurso do Partido Socialista relativamente à vacina contra o cancro do colo do útero, que era o das incertezas científicas, da necessidade de mais estudos, de um melhor conhecimento da interacção dos medicamentos com esta vacina. A partir do último Orçamento do Estado, com a ordem dada pelo Sr. Primeiro-Ministro, o Partido Socialista alterou rapidamente a sua posição e, hoje, a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos veio aqui vincar essa alteração de registo por parte do Partido Socialista. Parabéns, portanto, por esse discurso claro que aqui hoje foi promovido.
Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, considerávamos de facto lamentável desperdiçar o avanço que a ciência nos conseguiu dar em termos de preservação de vidas humanas. Seria um desperdício que esta vacina não integrasse o Plano Nacional de Vacinação, permitindo, por um lado, a sua gratuitidade e, por outro, a universalidade da administração desta vacina.
Aquilo que quero saber — e talvez a Sr.ª Deputada tenha mais informação do que eu relativamente a essa matéria — é quando é que as jovens portuguesas vão começar, de facto, a contar com essa vacina no ano 2008. É em 2008, mas gostava de saber exactamente quando.
Por outro lado, a Sr.ª Deputada colocou — e muito bem — a questão do rastreio como uma questão fundamental, e estou plenamente de acordo. Ma, a Sr.ª Deputada não sente alguma tristeza quando olha para o Plano Nacional de Saúde para 2004/2010 e vê que o objectivo para 2010 é de 60% de rastreio entre a população alvo? Isto não é manifestamente pouco, redutor e significativo do atraso em que insistimos em manter-nos?

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr. Presidente, agradeço às Sr.as e aos Srs. Deputados as questões colocadas.
Um dos objectivos desta minha intervenção era, em nome do PS e, depois das vossas perguntas, julgo que em nome da Assembleia da República, afirmar a nossa vontade política de contribuirmos e darmos passos decisivos na prevenção e, sobretudo, na erradicação do cancro do colo do útero, que sabemos ser possível.
Afirmando a nossa vontade política, tenho a certeza que também conseguimos mobilizar e responsabilizar todos para este mesmo objectivo, desde o Governo, como disse, às associações não governamentais, às escolas — o Sr. Deputado João Semedo falou, e bem, da questão da educação social — e às empresas.
Conseguiremos mobilizar todos, cidadãos e cidadãs, famílias em geral, para nos motivarmos e fazermos o que é necessário no sentido de cumprir o objectivo da erradicação do cancro do colo do útero.
Foi referida a questão importante do rastreio. Este é absolutamente essencial e, no nosso país, a evolução tem sido lenta. Mas também tive oportunidade de referir na minha intervenção que foram dados passos importantes, nomeadamente a questão de se considerar a prevenção das doenças oncológicas como um plano prioritário, de haver um coordenador a nível nacional para este plano, de as ARS já terem gabinetes organizados para a monitorização e a avaliação da prevenção do cancro do colo do útero e, portanto, para a generalização do rastreio.
Chamo a atenção para o facto de a Comissão de Saúde ter tido a oportunidade de visitar unidades de saúde familiar praticamente em todo o País e pudemos ver que, na carteira básica de serviços que é contratualizada nas unidades de saúde familiar, um dos indicadores contratualizados é exactamente o rastreio do cancro do colo do útero, juntamente com os dois outros cancros rastreáveis.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, considero que já foram dados passos essenciais para garantirmos a generalização do rastreio do cancro do colo do útero.
Quanto à vacinação, a posição do PS, aquela que assumi hoje, é a mesma de ontem.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Isso não é verdade!

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A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Repare, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia: os nossos critérios e a nossa posição nunca foram economicista. Foram, sim, critérios no sentido de escolher, em cada momento, as melhores soluções, as mais eficazes e as cientificamente mais fundamentadas. Por isso é que foi possível incluir a vacina no Plano Nacional de Vacinação.
O PS não tinha qualquer problema em incluir a vacina no Plano Nacional de Vacinação. Tínhamos — e é uma atitude responsável dizê-lo — era que assumir que essa era a boa decisão a ser tomada, fundamentada por quem de direito. Tomámos essa decisão. Nunca, em tempo algum, a defesa da vida das mulheres portuguesas esteve em causa para o PS.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, penso que, hoje, a Assembleia da República fica bem ao afirmar o seu empenhamento na erradicação do cancro do colo do útero e temos agora também de mobilizar todas as pessoas para este nosso objectivo.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço que, através de V. Ex.ª, seja feita a distribuição do projecto de resolução do CDS-PP que tinha como uma das suas intenções a inclusão desta vacina no Plano Nacional de Vacinação, mas também a elaboração de um plano de emergência, porque se trata, efectivamente, de uma situação emergente, pois não existe uma rede adequada de rastreio. É que não fiquei cabalmente esclarecida sobre a posição do Partido Socialista relativamente a esta matéria.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Muito bem, Sr.ª Deputada. Faça chegar o projecto à Mesa que ele será distribuído.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Disparatada, incoerente e atabalhoada são as formas mais adequadas de caracterizar a actuação do Governo na área da educação.
São constantes as afirmações de pretensa convicção e até de vigor na actuação da Sr.ª Ministra, que pretende convencer os portugueses que tem um rumo definido a seguir. Porém, na prática, a estas afirmações de vontade, sucedem-se omissões graves ou acções que, de tão precipitadas, geram constantes confusões nas instituições e nas pessoas.
A novela da aprovação do novo Estatuto do Aluno, o desacerto total no que respeita ao ensino especial, o autismo quanto ao regime da autonomia e gestão das escolas e a omissão no que respeita aos manuais escolares são bons exemplos do desvario total da equipa que actualmente dirige os destinos do Ministério da Educação.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Quando pensávamos que já tínhamos visto tudo, eis que o Governo se enreda em novo novelo, agora no que respeita à avaliação de desempenho dos professores.
Como diz o povo, no que respeita a esta Ministra da Educação, é «cada cavadela, sua minhoca».
Que fique bem claro perante todos: o CDS é absolutamente favorável à introdução de uma cultura de avaliação de desempenho exigente e rigorosa. Não alinhamos com aqueles que defendem o facilitismo ou o laxismo. Mas há que reconhecer que este Governo, com tanta falta de acerto nesta matéria, tem sido o principal apoio dos que estão contra uma cultura de exigência e avaliação.

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Aplausos do CDS-PP.

Consideramos que é absolutamente inadmissível a precipitação que o Governo imprimiu a este processo, que tornou inviável a sua aplicação correcta e, acima de tudo, justa! Mas esclareça-se que, para nós, é inadmissível, antes de mais, que os professores sejam colocados perante este tristíssimo dilema: o de darem classificações justas e objectivas aos seus alunos ou protegerem legitimamente a sua progressão na carreira que abraçaram.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — De todo este desvario, vejamos alguns exemplos. O primeiro é o seguinte: no Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro, no seu artigo 34.º, previa-se um prazo de 20 dias e outro de 10 dias para a aprovação dos instrumentos de registo de informação relevante e dos objectivos individuais dos avaliados. Para isto, era necessário que o Conselho Científico aprovasse as suas recomendações para a avaliação dos professores. É sabido que este Conselho Científico apenas teve o seu regime e composição definidos ontem. O que fez o Ministério da Educação perante esta impossibilidade de cumprimento de prazos? Por simples despacho do Sr. Secretário de Estado da Educação, de 25 de Janeiro passado, decidiu suspender o início dos prazos estipulados no Decreto Regulamentar. Ou seja, temos um acto administrativo a introduzir alterações numa norma jurídica! É, de facto, espantoso! Mas como se isto não bastasse, dois dias antes deste mesmo despacho, ou seja, no dia 23 de Janeiro, já a Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação tinha enviado um e-mail a todas as escolas a informar que o prazo se encontrava suspenso… É o disparate total, o atabalhoamento e a ilegalidade na acção de uma Ministra que não tem já capacidade de perceber o pântano em que está atolada! Mas, pior do que isso, é o próprio sistema de avaliação de desempenho que está completamente desadequado. Deste destaca-se o facto, absolutamente inaceitável, de os professores serem avaliados, como já se disse, entre outros parâmetros, pelas classificações que dão aos seus alunos.
Mais ainda, por incrível que pareça, é o Governo que vem agora aceitar que, na avaliação dos professores, sejam tidos em conta os resultados das avaliações externas dos alunos, ou seja, os exames nacionais.
Supomos que para os Srs. Deputados do PS, que tanto criticaram, e criticam, o CDS por defender a avaliação dos alunos através dos exames nacionais, deve custar bastante aceitar que estes mesmos exames acabem até por servir, isso sim, para a avaliação dos professores!

Aplausos do CDS-PP.

Mas este regime põe fim também à verdadeira eficácia da avaliação contínua, pois o professor vai ser avaliado — pelo menos, no 9.º ano de escolaridade — por comparação entre elementos de avaliação que não são comparáveis. A classificação que o professor dá aos alunos é resultado de diversos factores, onde os testes, o que mais se assemelha aos exames, são apenas um elemento de avaliação.
Reforçamos, por isso, que não aceitamos que a classificação dos alunos seja um critério a ter em conta na avaliação dos professores. Porquê? Porque este sistema condiciona a actuação livre dos professores. Só não vê quem não quer ver! Será que é isto mesmo que o Governo pretende? Condicionar a actuação dos professores?!

Aplausos do CDS-PP.

Para tudo isto, são necessárias explicações por parte da Sr.ª Ministra da Educação e é por este motivo que o CDS já deu entrada de um pedido de audição da Sr.ª Ministra na Comissão de Educação, a fim de explicar toda esta confusão que tem provocado à volta da avaliação de desempenho dos professores.
O Ministério da Educação aprovou, e publicou já, umas fichas de avaliação necessárias ao processo de avaliação individual. Porém, mais uma vez, esqueceu-se de incluir nestas mesmas fichas, como impõe o Decreto Regulamentar, os critérios para a ponderação dos parâmetros classificativos. Foi apenas mais um

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esquecimento, num processo que, de tão absurdamente mal feito, até parece realizado de propósito com a intenção de correr tudo mal! Tudo isto é um acumular de disparates. E como se já não bastasse, ainda se cria neste diploma a figura de um inspector — nomeado pelo Inspector-Geral da Educação —, que tem como função fazer a avaliação dos coordenadores do departamento curricular.
Tanto disparate, num diploma que, aliás, até é tão curto! Este regime põe em causa o exercício cabal e livre da acção dos professores nas escolas. Repetimos: somos a favor de uma avaliação de desempenho dos professores que seja exigente, mas que, além disso, seja justa e exequível.
As escolas e os professores precisam de regras claras, de processos simples e perceptíveis; precisam de tempo para se adaptarem e se organizarem para pôr em marcha um novo sistema de avaliação.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, faça favor de terminar.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.
Estamos certos de que, se assim for, serão as escolas e os professores os primeiros a aplicar, correctamente e em toda a sua profundidade, o sistema de avaliação de desempenho.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.
O Sr. Deputado, depois, dirá se responde individualmente ou em conjunto.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Paulo Carvalho, veja a ironia: o Bloco de Esquerda e o CDS têm para as matérias de educação políticas absolutamente opostas, diria mesmo antagónicas, mas as palavras que utilizou para avaliar o desempenho da Ministra da Educação e da sua equipa governativa poderiam ser as nossas – talvez por razões diferentes, mas poderiam ser as nossas! Aliás, ainda há 15 dias, fizemos aqui uma declaração política sobre a matéria da avaliação dos professores e a nova proposta de modelo de gestão para as escolas e, passados 15 dias, a confusão mantém-se. Mantémse e, portanto, temos a história que o Sr. Deputado aqui descreveu: um processo de avaliação em relação ao qual, durante um ano, o Ministério da Educação não cumpriu aquilo que tinha para cumprir; escolas que tinham de fazer os seus instrumentos de avaliação dos professores, mas para o que era necessário a aprovação de recomendações, que deviam ter sido elaboradas por um famoso Conselho Científico e não o foram; e um decreto-lei que estabelecia um prazo de 20 dias mas que, depois, um secretário de Estado veio dizer que, afinal, não era para levar a sério e que o prazo começava a contar depois.
Portanto, tudo o que tem sido a avaliação dos professores é uma trapalhada, uma absoluta trapalhada — a palavra é talvez um pouco forte, mas começa a ser banalizada naquilo que são as práticas do Ministério da Educação —, muitíssimo negligente e muitíssimo leviana.
Agora, a pergunta que lhe faço é esta: porquê? É que a questão da avaliação dos professores parece ser uma matéria consensual para os vários partidos, os modelos defendidos é que são diferentes. O que foi agora imposto pela Sr.ª Ministra é absolutamente burocrático e tem processos que levam mesmo ao desvirtuar daquilo que é a avaliação dos professores. Mas foi uma arma da Sr.ª Ministra contra os professores e o que é estranho é que se tenha comportado naquilo que são as suas tarefas de forma tão leviana.
Isto leva-me perguntar-lhe, Sr. Deputado, se o processo de avaliação dos professores não terá sido utilizado como uma arma de arremesso político contra os professores, para dizer que o problema do sistema educativo, em Portugal, são os professores, mas não é um processo para levar a sério verdadeiramente.
Portanto, agora que os professores são tratados como os culpados dos dramas do sistema educativo, a Sr.ª Ministra da Educação, pura e simplesmente, deixou de estar interessada em que o processo de avaliação seja levado a sério.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, agradeço-lhe a sua pergunta.
Evidentemente, temos — seria estranho que não tivéssemos — visões diferentes sobre o sistema educativo, mas parece que estamos todos de acordo na identificação dos problemas. O que todos também temos constatado é que, perante isto, o Partido Socialista e o Governo, mesmo quando os problemas são identificados e os vários partidos apresentam soluções diversas, resolvem optar por absolutamente nenhuma solução e manter tudo como está, ou, quando o fazem, fazem mal.
Também considero, Sr.ª Deputada, que, de facto, o Governo quer alcançar dois objectivos com este regime da avaliação de desempenho. E isto tem de ser ponderado com aquilo que o Governo também já pretendeu com o novo estatuto do aluno, que é «trabalhar para a estatística». Primeiro, faz com que um aluno que não aparece na escola, que, pura e simplesmente, é faltoso, seja considerado um aluno absolutamente assíduo, um aluno que não vai ter qualquer penalização nas suas classificações, ou seja, «trabalha-se para a estatística» e, com isto, acaba-se com o abandono escolar. E, depois, condiciona-se os professores, dizendo: «bom, Srs. Professores, vejam lá se dão notas que sejam sempre um bocadinho ‘a puxar para cima’ porque, senão, acabam por pôr em causa a vossa própria avaliação». E porque a avaliação de desempenho condiciona a progressão na carreira (e, nisto, convenhamos que bem), os professores são completamente forçados a optar por dois valores: ou dão notas com objectividade ou legitimamente encaram a progressão na carreira e as notas que vão dar como condicionante disso mesmo.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — E é evidente que a Sr.ª Ministra, logo no início do seu mandato, escolheu os professores como uma daquelas classes privilegiadas que era preciso atacar. E este é apenas mais um passo, completamente atabalhoado. Até estou convencido de que isto, de tão atabalhoado, nunca entrará em vigor. Mas fica a intenção de o fazer e aqui a crítica de que, de facto, o que o Governo quer é condicionar a actuação dos professores.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Paulo Carvalho, a questão que aqui traz hoje, relativa ao novo regime de avaliação dos professores, é da maior importância. Começa por notar, e bem, a contradição que existe no Ministério da Educação entre aquilo que é fixado com força de lei — quer nesta Assembleia, por proposta do Governo, no Estatuto da Carreira Docente, quer nas normas regulamentares desse Estatuto — e, depois, aquilo que é a prática do Ministério da Educação, impedindo que se dê cumprimento àquilo que é fixado com força de lei.
E, de facto, o incumprimento pelo Governo das próprias regras que vai criando, e que até cria para si mesmo em termos de prazos, obviamente não pode deixar de ser uma preocupação.
Mas esta matéria da avaliação dos professores tem de ser enquadrada noutro âmbito, mais lato, e que tem a ver com um processo de desestabilização da escola pública que o Partido Socialista tem levado a cabo, nomeadamente com processos verdadeiramente persecutórios dos professores. Aliás, não é por acaso que a avaliação dos professores é feita com base nos resultados dos alunos, com base no abandono escolar e com quotas de avaliação, recuperando, aliás, o princípio de que só uma percentagem pode ser excelente, princípio que para o CDS será certamente caro mas que para o PCP não é adequado, porque era bom que pudéssemos ter muitos professores excelentes e que essa excelência pudesse ser repercutida na sua avaliação.

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A verdade é que este regime de avaliação é criado para perseguir os professores e para desestabilizar a escola pública. Não é por acaso que este modelo de avaliação incide sobretudo nos momentos de início e de fim do ano lectivo. Quando os professores deviam estar mais preocupados com a preparação do ano lectivo e com a avaliação dos seus alunos, será nestas alturas que vão ter de estar preocupados com a sua própria avaliação.
E este regime de avaliação tem também de ser articulado com o novo regime de gestão, nomeadamente com aquela questão que agora é proposta neste último, em que o novo director da escola, aquele que pode ser demitido pela tutela, é aquele que, em última análise, é responsável pela avaliação de todos os professores.
Portanto, temos muitos indícios objectivos de que, na substância, este regime…

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, faça favor de terminar.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.
A questão que lhe coloco, Sr. Deputado, é se está ou não de acordo que este regime de avaliação é mais uma peça daquela peça mais global, o Estatuto da Carreira Docente, que resulta num factor de perseguição dos docentes e de desestabilização da escola pública.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Oliveira, como já disse há pouco à Sr.ª Deputada Ana Drago, temos realmente muitas coisas que nos dividem nesta matéria. Desde logo, temos conceitos completamente divergentes acerca da escola pública, porque consideramos que a escola é pública pelo serviço que presta e não propriamente pelo proprietário da escola. Por isso, encaramos o serviço público educativo e não propriamente a classificação de escola pública ou privada em face do seu legítimo proprietário, que pode ser o Estado ou um particular.
Agora, Sr. Deputado, em face daquilo que aqui nos traz hoje a debate, quero dizer, como já disse antes, que o que está aqui em causa é a própria dignidade do estatuto do professor, porque é objectivo que o professor tem de poder avaliar de forma absolutamente livre e de acordo com a sua consciência.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — O professor dá aulas, faz testes e coloca diversos parâmetros de avaliação do aluno, e tem de poder ser livre de chegar ao fim do ano e avaliar o aluno como muito bem entender.
O que não é admissível é que o professor seja colocado perante o dilema de dar a nota que o aluno eventualmente merece ou, se essa nota for baixa, de ficar numa situação em que pode pôr em causa a sua própria avaliação de desempenho.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Isto para nós é algo de absolutamente lamentável, porque põe em causa a dignidade do exercício da profissão de professor.

Aplausos do CDS-PP.

E nós sabemos muito bem, Sr. Deputado, que, se não se respeitar a dignidade do exercício da função do professor, se não se respeitar a autoridade dos professores, estaremos a pôr em causa todo o serviço que é prestado nas nossas escolas, sejam elas públicas ou privadas.

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Este é o ataque que desde o princípio tem sido manifestado nas intenções da Sr.ª Ministra e do qual só podemos tirar uma conclusão: a de que a Sr.ª Ministra, pura e simplesmente, não respeita a dignidade do exercício das funções de professor.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Paulo Carvalho, devo felicitá-lo pela oportunidade do tema, que é de facto muito actual e merece a nossa preocupação e a reflexão por parte da Assembleia da República.
Quero começar por dizer que o PSD é a favor de uma avaliação dos professores. É a favor de uma avaliação que seja objectiva e transparente, é a favor de uma avaliação que seja, sobretudo, exequível.
Ora, estamos perante qualquer coisa que é tudo menos isto, e não compreendemos a razão.
Há um ano, quando foi aprovado o Estatuto da Carreira Docente, já estava previsto este mecanismo de avaliação. Por isso, o Governo teve um ano — repito, um ano — para preparar um modelo que avaliasse os professores, que fosse perceptível, que fosse exequível e, sobretudo, que fosse simples e objectivo, permitindo que as escolas se mobilizassem em torno deste desafio, que é um desafio muito importante para a qualidade do nosso sistema educativo, e dessa forma se procedesse a uma nova avaliação das escolas.
Mas nada disto foi feito. E não vale a pena voltar a frisar todos esses pequenos episódios que mais não revelam do que um conjunto de trapalhadas brutais, que são sintomáticas da incompetência do Governo nesta matéria.
O Governo teve um ano para preparar esta matéria e não preparou. Não cumpriu os prazos que ele próprio definiu. Mais: lançou fichas sem um conselho científico e tem um presidente do conselho científico que agora até pode ser a Sr.ª Ministra quando lhe apetecer. Daí, veja-se lá a independência deste órgão, que é tão importante! Isto é tudo um conjunto de incompetências, Sr. Deputado! Por isso, Sr. Deputado, peço-lhe um comentário em relação ao seguinte: em face de todas estas incompetências, ou seja, desta situação criada por exclusiva responsabilidade do Governo, o que é que diz o Sr. Secretário de Estado quando percebe que a situação não se pode concretizar nos prazos que ele próprio definiu? Vem dizer que, se a situação for suspensa e não houver avaliação, este tempo não conta para a progressão das carreiras! Mais uma vez, o Governo vem dizer que «ou é assim ou, então, estão perfeitamente ‘tramados’ connosco, porque vamos, mais uma vez, castigar e perseguir os professores».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, efectivamente, quando alguma coisa começa mal, tarde ou nunca se endireita.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Aquilo que o Governo está a fazer é ir acumulando disparate em cima de disparate, para tentar justificar o injustificável.
A verdade, Sr. Deputado (e até gostaria de partilhar isto consigo), é que estou na expectativa de ver o que é que os Srs. Deputados do Partido Socialista vão dizer sobre isto, porque, sinceramente, suponho que vão defender este regime e a Sr.ª Ministra da Educação. Por isso, quero dizer, desde já, com toda a simpatia, que aquilo que os senhores aqui estão a fazer é o que na advocacia se chama advogados de causas perdidas.

Protestos do PS.

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Os Srs. Deputados têm toda a minha consideração, mas, de facto, esta é uma batalha impossível. Mais valia reconhecerem que todo este processo está errado desde o princípio e que a única solução é suspender todo o processo e começá-lo de novo, para fazê-lo bem feito.
Já agora, espero que os Srs. Deputados aceitem o nosso requerimento para que a Sr.ª Ministra da Educação venha à Comissão de Educação prestar todos os esclarecimentos sobre esta matéria, para que não haja mais dúvidas sobre a questão da avaliação de desempenho.
De qualquer forma, Sr. Deputado, gostaria de reforçar o que já disse e que tem a ver com a total ilegitimidade de forçar os professores a serem submetidos a um processo deste tipo. Primeiro, porque têm de fazer fichas quando ainda não há parâmetros de avaliação. Segundo, porque ainda não há um conselho científico a funcionar que aprove os critérios para definir o próprio plano individual. Terceiro, porque são confrontados com um conjunto de critérios dos quais se destaca a própria avaliação que dão aos alunos, o que é completamente injusto, ilegítimo e perfeitamente absurdo.
No fim disto tudo, o que é que temos? Temos o Sr. Secretário de Estado da Educação a dizer: «Ou fazem já, tal e qual como está, ou todo o tempo de serviço que tiveram até agora não conta para a progressão na carreira». Bom, é que já só faltava mais esta! Mas se calhar ainda não vimos tudo. Por isso, vamos esperar até amanhã para ver o que esta equipa do Ministério da Educação nos reserva.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Barros.

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Paulo Carvalho, o Partido Socialista não deixa de admirar a forma como adjectivou e qualificou a actuação do Ministério da Educação. Pois bem, ainda bem que o fez. É sinal de que o Ministério da Educação existe e está em actividade. E disso nos orgulhamos!

Aplausos do PS.

Risos do CDS-PP e do PCP.

Depois, Sr. Deputado, sabe que é fácil falar de desvario quando foi possível encobrir esse desvario durante três anos e meio, porque nada foi feito por um governo que entendeu que tudo estava bem na educação e, portanto, não era preciso fazer o que quer que fosse.
Aliás, quando tentou fazer alguma coisa, eis que foi um desvario completo: um concurso de professores de má memória, que deixou marcas durante muito tempo.

Vozes do PS: — É verdade!

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Depois, Sr. Deputado, classificar como facilitista a política do actual Ministério da Educação é uma incongruência, uma vez que conhecemos bem a visão facilitista e elitista do CDS para a educação. E desta podemos falar, de facto, porque, uma vez na oposição, vão apresentando uma ou outra proposta, e propostas que, grosso modo, apontam sempre para a exclusão. De quem? Dos mais fracos.

Vozes do PS: — Exactamente!

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Esta é uma visão facilitadora e uma visão elitista.
Mas o que percebemos bem é que o CDS diz aqui que defende uma avaliação, mas uma avaliação que nunca fizeram, cujos contornos não conhecemos e, como tal, nem sequer podemos criticar.

Vozes do PS: — Claro!

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A Sr.ª Paula Barros (PS): — O que entendemos é que o CDS não pretende a dignificação da classe docente pela via da avaliação.

Vozes do PS: — É verdade!

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Não, não a defende! Embora o CDS apregoe, ou tente apregoar, que até defende a avaliação – porque lhe dá jeito, mas nunca a praticou –, o que verificamos é que vem sempre falar contra a avaliação do desempenho dos professores.
Ora, Sr. Deputado, quero dizer-lhe uma coisa: primeiro, confundir avaliação com classificação é profundamente errado.

Vozes do PS: — Exactamente!

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Em segundo lugar, procurar associar facilitismo à avaliação de desempenho dos professores é um enorme ataque à dignidade profissional dos professores, com o qual o PS jamais poderá pactuar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Barros, penso que todos admiramos o esforço que V. Ex.ª está a fazer para defender o indefensável.

Risos do CDS-PP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Merece uma medalha!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vocês sabem bem o que isso é!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr.ª Deputada, começo por sugerir-lhe que leia atentamente o decreto regulamentar em causa,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É que, se calhar, não leu!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — … porque, provavelmente, é capaz de mudar de opinião. Esta é a primeira sugestão que lhe deixo.

Protestos da Deputada do PS Paula Barros.

Quanto ao mais, Sr.ª Deputada, não venha contrariar aquilo que eu disse. Vou dar-lhe um exemplo prático: numa altura em que os alunos ainda não são sujeitos a qualquer exame, a verdade é que o sucesso dos alunos é um dos parâmetros da avaliação do professor, pelo que o professor é, de facto, colocado perante um dilema. Por exemplo, um professor de matemática do 6.º ano de escolaridade que tem de dar notas a vários alunos que não merecem ser aprovados, é evidente que é colocado perante o dilema de se ver na situação de ter de inflacionar essas notas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

Protestos da Deputada do PS Paula Barros.

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O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Srs. Deputados, o Governo e o Partido Socialista já criaram um défice, uma ausência ou, se quiserem, uma deflação de faltas, com o estatuto do aluno, e agora o que querem é a inflação das notas, com a avaliação de desempenho dos professores, o que é completamente inadmissível!

Aplausos do CDS-PP.

Protestos da Deputada do PS Paula Barros.

Sr.ª Deputada, permita-me que lhe diga que reconhecemos que é função dos Srs. Deputados do Partido Socialista defenderem a Sr.ª Ministra da Educação dos ataques que lhe são feitos pela oposição. Mas, Sr.ª Deputada, gostava de lhe lembrar que mais importante do que isso é a responsabilidade e o dever que os senhores têm de proteger a educação dos constantes ataques que lhe faz a Sr.ª Ministra. Isto é que é importante e era bom que os Srs. Deputados, de uma vez por todas, não se limitassem a dar notícias nos jornais mas começassem a assumir aqui as críticas que, em surdina, nos corredores, vão sendo feitas à Sr.ª Ministra da Educação, críticas essas que conhecemos através dos jornais.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — É altura de começar a assumir o sentido de responsabilidade, é altura de defender o sistema educativo e começar a pôr travão nesta equipa do Ministério da Educação que tão maus resultados e tanta trapalhada tem conseguido nas nossas escolas.
É por isso que, mais uma vez, Sr.ª Deputada, daqui lanço um desafio ao Partido Socialista para que suspenda este processo, altere este regime e crie, isso sim, um sistema de avaliação de desempenho sério, justo, rigoroso e exigente, que permita aos professores agir com respeito pela sua dignidade e pela sua liberdade.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As confederações patronais da indústria e do comércio aproveitaram a quadra festiva para dar a conhecer a sua posição sobre o Livro Branco das Relações Laborais, defendendo que as empresas possam despedir livremente sempre que pretendam renovar os seus quadros ou por suposta inadaptação dos funcionários.
É Carnaval ninguém leva a mal, devem ter pensado. Enganaram-se! Como é que é possível não levar a mal este regresso ao capitalismo selvagem da transição do século XIX para o século XX? Para todos aqueles que não vislumbram os verdadeiros propósitos das confederações patronais no discurso truncado dos pareceres divulgados esta semana, o dirigente da CIP, Gregório Rocha, fez o favor de o explicar com uma cristalina transparência: «Um trabalhador que esteja cansado, física ou psicologicamente — porque está velho, porque tem problemas familiares, porque trabalhar naquela empresa não era exactamente o que pretendia ou porque se desinteressou do trabalho —, deve poder ser despedido por justa causa».
Repito, Sr.as e Srs. Deputados: «Deve poder ser despedido por justa causa».
Esta visão instrumental das pessoas, encaradas como um produto descartável que se utiliza até deixar de ter valor comercial, nem chega bem a ser a defesa do despedimento livre. É selvagem e é a lei do mais forte, mostrando que uma parte muito significativa da classe empresarial nunca saiu do quadro mental do capitalismo do século XIX. Não defende o controlo das greves à baioneta e o degredo para os seus organizadores, mas ficam-se por aí as diferenças com a actualidade. Sempre lestos a vir pedir dinheiro ao Estado e a usar e abusar dos baixos salários como modelo competitivo, continuam a ver nos trabalhadores e na suposta rigidez da legislação laboral os suspeitos do costume para disfarçarem as suas próprias incapacidades.
A legislação laboral portuguesa é muito rígida, bombardeia-nos todos os dias a propaganda liberal.
Estranho! Porque os últimos números indicam que um em cada dez trabalhadores está a tempo parcial, um

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em cada três não tem contrato permanente, quase um milhão de portugueses e portuguesas trabalha a recibos verdes, a maioria dos quais escondendo uma verdadeira relação de trabalho, e um terço dos trabalhadores são precários, número sem par em toda a Europa. São pessoas sem segurança, discriminadas e com salários 26% abaixo da média. De resto, as falências fraudulentas ou os despedimentos colectivos forçados aí estão para provar que os patrões nacionais há muito que vêm fazendo adaptações da legislação laboral existente.
O Governo bem pode vir agora demarcar-se dessas declarações e dizer que as repudia. Quem sabe se ainda vemos aqui o Primeiro-Ministro a dizer que é a «ganância dos empresários», como o fez há dias, sem nenhuma consequência, sobre os altos salários dos gestores… Mas o que o Governo não pode ignorar é que este parecer e estas declarações não apareceram aos trambolhões, têm uma história e um contexto, resultando da leitura que os empresários fazem do actual clima político. E aí a responsabilidade deve ser totalmente assumida pelo Governo.
No seu programa eleitoral, o Partido Socialista prometia revogar código laboral, com base nas propostas apresentadas pelo seu grupo parlamentar na Assembleia da República, as quais marcavam uma profunda ruptura com o código laboral apresentado por Bagão Félix. Não foi uma promessa qualquer. A recusa do código laboral correspondia a um genuíno desejo de mudança da população e dos trabalhadores. Chegado ao Governo, o que fez o Primeiro-Ministro? Não só não revogou o Código, como rapidamente se esqueceu das propostas que tinha defendido quando era Deputado e nomeou uma comissão para apresentar um livro branco, uma Comissão cujas propostas, sempre apadrinhadas pelo Ministro Vieira da Silva, já passaram pela abolição do limite do horário do trabalho, para se fixarem, agora, na facilitação dos despedimentos, no princípio da não reintegração dos trabalhadores despedidos sem justa causa, em desregular o horário de trabalho com o chamado «banco de horas», em anular os efeitos da negociação colectiva e por aí fora, porque ainda há mais, Sr.as e Srs. Deputados.
Pelo meio, dois dos membros da referida comissão demitiram-se, criticando o desequilíbrio das propostas em prejuízo dos trabalhadores, cuja discussão pública terminou há dois dias. Mas o melhor ainda estava para vir: Bagão Félix, com o argumento de autoridade de quem fala de cátedra sobre o assunto, classificou as propostas da comissão como, e cito, «uma dádiva ao patronato».
A revogação do código laboral foi mais uma de uma lista cada vez mais longa de promessas eleitorais desrespeitadas pelo Partido Socialista. Não foi só o aumento dos impostos e o referendo ao Tratado Europeu, foi também a promessa de reduzir o número de desempregados e a revogação da legislação laboral de acordo com as críticas que o PS vinha fazendo. Nada disto aconteceu, deixando um péssimo sinal sobre o valor do compromisso na política do Governo e a importância que o Partido Socialista dedica à palavra dada aos eleitores.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Pinto, antes de mais, quero cumprimentá-la pela matéria que nos trouxe. Trazendo, contudo, as novas do Carnaval, vamos falar hoje, quarta-feira de Cinzas, sobre aquilo que é importante para a vida das pessoas que vivem num país de pobres mas com direito à segurança no emprego.
Como a Sr.ª Deputada sabe, o grande compromisso do Partido Socialista em relação a esta matéria é o da revisão do Código do Trabalho, e não o da sua revogação. E, se num primeiro momento fizemos uma revisão tendo em conta as questões do relançamento da negociação colectiva, que, como sabe, estava parada e, neste momento, atinge valores razoavelmente aceitáveis e equivalentes àqueles que acompanhavam o Código antes da sua revisão, a principal matéria que temos hoje em cima da mesa, e que se aproxima, no tempo, é a apresentação da proposta do Governo relativa à revisão do Código do Trabalho.
A Sr.ª Deputada Helena Pinto falou do Livro Branco, mas vamos falar de outras propostas para além do Livro Branco, porque este resume apenas um conjunto de propostas, mas os parceiros sociais estão, neste momento, a enviar outro conjunto de propostas e o Governo também há-de fazer a sua proposta.

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O Grupo Parlamentar do Partido Socialista não traz aqui nenhuma proposta, traz a afirmação feita, nesta Câmara, várias vezes, e secundada pelo Governo do Partido Socialista, de que não liberalizaremos os despedimentos, de que não caminharemos na senda da liberalização dos despedimentos. Este é o nosso grande compromisso com toda a revisão do Código do Trabalho! Estamos absolutamente disponíveis para a revisão, para o alargamento e a ampliação, para tudo aquilo que a Sr.ª Deputada quiser propor, no que diz respeito à activação das políticas de emprego para os jovens e para os trabalhadores desempregados de longa duração. Deixo-lhe apenas um pequeno repto: qual é a disponibilidade do Bloco de Esquerda para colaborar também na ampliação do conceito das políticas activas de emprego, visto que são elas, e só elas, que asseguram o trabalho digno e a segurança no trabalho?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Gambôa, gostaria de retirar das suas palavras o compromisso sério do Partido Socialista em cumprir aquilo que prometeu na campanha eleitoral e que, pelos vistos, ao que parece, a Sr.ª Deputada também quis aqui trazer.
Mas a questão de fundo, Sr.ª Deputada, é a seguinte: está ou não, o Partido Socialista, disposto a cumprir aquilo que disse na campanha eleitoral e a trazer, outra vez, aquando da revisão do código laboral, todas as propostas que elaborou e defendeu nesta Assembleia enquanto era oposição? Ou será que as deixou cair?! Esta é que é a questão, Sr.ª Deputada, e a resposta é «sim» ou «não»! É que, Sr.ª Deputada, o Partido Socialista, e nós temos ouvido isso várias vezes, pela boca de vários dirigentes e de vários membros do Governo, aderiu à ideologia da flexigurança…

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Isso não é verdade!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … e, ao aderir a esta ideologia, abriu as portas para o patronato vir com estas posições. Isto é absolutamente irrefutável!

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Não é verdade!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Por isso, Sr.ª Deputada, desafiando-a agora a si, pergunto-lhe: qual a diferença entre as propostas do Livro Branco, que levam, de facto, à liberalização dos despedimentos, e as propostas agora apresentadas pelas confederações patronais? Diga-me qual é a diferença e, perante isso, vamos, então, questionar aquilo que é preciso fazer.
Da parte do Bloco de Esquerda, o compromisso está assumido e foi-o há muito tempo, foi com ele, inclusivamente, que a minha bancada parlamentar foi eleita: bater-nos-emos pela revisão deste código laboral até ao fim desta Legislatura e não embarcaremos, de modo nenhum, em teorias e em situações que, no fundo, dão o dito pelo não dito.
É a esta questão que o Partido Socialista tem, de facto, de responder: está ou não disposto a assumir até ao fim o seu compromisso eleitoral, que era nada mais, nada menos do que defender nesta Legislatura as propostas que tinha apresentado na anterior, quando se encontrava na oposição? É que não temos verificado esta disponibilidade, bem pelo contrário, temos visto sinais no sentido oposto, ou seja, no sentido da defesa da flexigurança…

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Não é verdade!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … e da liberalização dos despedimentos.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ataque que este Governo tem dirigido à escola pública não tem precedentes.
Este Governo entende a escola pública como um qualquer departamento do Ministério da Educação e não como um elemento estruturante da sociedade, das comunidades e da própria democracia. Assim, instrumentalizando, ordenando e impondo, o Governo desfere diariamente os golpes que condenam a escola pública à instabilidade, de que é exemplo a política de ataques aos direitos dos professores.
Nesse caminho de destruição, o Governo sempre soube que se cruzaria com a firme oposição daqueles que nela — na escola — empenham os seus dias e as suas vidas de trabalho, os professores. Por isso mesmo, fragilizar a posição desses agentes educativos é uma prioridade deste Governo.
É nesta estratégia de desmantelamento que se insere claramente a intenção do Governo de acabar com a gestão democrática das escolas, entregando as suas direcções a órgãos unipessoais, provocando uma regressão de mais de 30 anos, reabilitando velhos métodos, travestindo-os de novidade. Está à vista a farsa política: diz o Governo que quer abrir a escola à comunidade, mas fecha a escola de si própria; diz o Governo que quer fomentar a autonomia, mas determina tudo, incluindo o funcionamento da própria vertente pedagógica da escola.
Está bem à vista de todos o clima de instabilidade por que a escola passa neste momento: os professores sentem a sua profissão mais desvalorizada do que nunca; os estudantes continuam confrontados com uma escola que faz deles, cada vez mais, peças para a engrenagem do mercado, em vez de cidadãos e cidadãs para a construção de um país e de um futuro melhores, e protestam, como se viu no dia 31 de Janeiro, em que os estudantes do ensino secundário, que aqui saudamos, fizeram sair à rua o seu descontentamento, por todo o País.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Entretanto, com a publicação, em 10 de Janeiro de 2008, do Decreto Regulamentar n.º 2/2008, que estabelece as regras para a avaliação do desempenho dos professores, surgiu uma nova afronta à dignidade dos professores. O Governo exige a conselhos pedagógicos e executivos que aprovem os instrumentos de registo e os indicadores de medida no prazo de 20 dias após a entrada em vigor desse regulamento, mas esquece que esse mesmo diploma determina que esses instrumentos e indicadores tenham em conta as «recomendações que forem formuladas pelo conselho científico para a avaliação de professores», conselho que o Governo não teve sequer capacidade, ou mesmo vontade, para constituir.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Perante esta situação, o Governo decide cobrir a sua incompetência com a habitual prepotência e, contornando a lei que o próprio Governo criara, contornando mesmo a decência e a legitimidade, o Governo transfere as competências de todo o conselho científico para a pessoa da sua presidente, através de um despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, como forma de apressar as decisões. Como se de coisa pouca se tratasse a avaliação dos professores!…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um escândalo!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — O Governo, nesta sua fúria contra os professores, não respeita sequer as leis que produz e desautoriza mesmo um conselho que não chegou a criar.
Além das incongruências temporais e formais óbvias, conselhos executivos, conselhos pedagógicos e professores, em cada escola, estão confrontados com a necessidade de tomada de decisões que em nada se conjugam com a lei em vigor, fruto da instabilidade criada pela acção deste Ministério da Educação.
A confusão e a incompetência, aliadas a esta veia autoritária e impositiva do Governo, têm lançado as escolas para uma situação inédita de pré-ruptura e de franca precariedade, com custos elevadíssimos para a

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qualidade do ensino, para os estudantes e para os professores, no plano da sua vida profissional e mesmo pessoal.
Como se não bastasse, o Governo avança agora com um projecto de decreto-lei que subverte radicalmente a forma e o espírito da escola pública, que põe fim à gestão democrática, que centraliza o poder numa só figura não eleita, que levará, directamente, até à escola, as orientações do Ministério, como se uma escola não fosse um ente fundamental da democracia, com agentes próprios — sociais, económicos e regionais, internos e externos —, mas apenas uma qualquer empresa tutelada pelo Governo.
Quer agora o Governo fazer-nos crer que a solução para os problemas da escola pública passa pelo ataque aos professores, pelo fim da eleição democrática dos órgãos de gestão, pela degradação da qualidade do ensino e pela centralização unipessoal do poder administrativo e pedagógico. Quer agora o Governo iludir o facto de que a escola pública não se faz sem investimento, sem infra-estruturas, sem professores, funcionários e estudantes motivados, que não se faz enquanto os critérios económicos e administrativos se sobrepuserem aos pedagógicos.
O PCP não se conforma com este ataque à gestão democrática. E, por isso mesmo, desafia o Governo a trazer a sua proposta à Assembleia da República,...

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … que confronte esta Assembleia com o fim da gestão democrática e não o tente fazer pela calada.
É nesse sentido que o PCP apresentará, ainda esta semana, um projecto de lei para a gestão democrática dos estabelecimentos de ensino, que sirva o País e o povo, aprofundando o caminho apontado pela Lei de Bases do Sistema Educativo e pela Constituição da República Portuguesa, os caminhos da democracia, da participação, da igualdade e da cultura, que nunca desistiremos de defender e de trilhar.
As falhas da escola pública corrigem-se com o aprofundamento das suas capacidades e potencialidades, com o aprofundamento da democracia e não com o regresso ao que já falhou rotundamente no passado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado Miguel Tiago, há dois oradores inscritos para pedidos de esclarecimento. Depois, dir-me-á se responde isoladamente ou em conjunto.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Olímpia Candeias.
Creio que é a primeira vez que intervém. Desejo-lhe as maiores felicidades e sucesso na sua pergunta.

A Sr.ª Olímpia Candeias (PSD): — Sr. Presidente, muito obrigado.
De facto, é a minha estreia e permitam-me, Srs. Deputados, que vos cumprimente a todos, em particular ao Sr. Deputado Miguel Tiago. Sou, realmente, uma novata inexperiente nesta Casa, mas não sou, na verdade, uma inexperiente em matéria de educação. Venho do País real e às vezes, aqui, parece que se está muito distante do País real.
Digo-o sinceramente.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Olímpia Candeias (PSD): — Foi esta a sensação que tive quando aqui cheguei, porque, na verdade, tudo já foi dito aqui. E parece que, infelizmente, todos concordamos (da esquerda à direita), sobre estas matérias da educação, que há um ataque à dignidade dos professores e com a forma como no País real se sentem esses ataques.
Há uma catadupa diária de notícias sobre esta matéria. É de tal forma preocupante, é de tal forma insistente, nesta matéria, o ataque aos professores, o ataque à escola pública, que mal temos tempo para digerir uma notícia e imediatamente aparece outra que nos deixa ainda mais atordoados.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

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A Sr.ª Olímpia Candeias (PSD): — Ultimamente, a dignidade dos professores tem vindo a ser atingida de muitas e variadas formas.
Ela é atingida, efectivamente, quando nós, professores, deixamos de ter liberdade para exercer a profissão para que nos formámos, para ensinar. E ensinar não é só transmitir conhecimentos, é muito mais do que isso: é formar cidadãos de corpo inteiro, é formar cidadãos que amanhã serão o futuro deste país.
E, no limite, não é o ensino que está em causa, é o futuro deste país que está, efectivamente, em causa,…

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Olímpia Candeias (PSD): — … porque é evidente que o professor ao não ter liberdade, ao estar condicionado na sua avaliação pelos encarregados de educação, como aqui já foi dito (qualquer pessoa, o mais elementar leigo nesta matéria, percebe isso), não pode «pôr o seu pescoço no cepo» – perdoem-me a expressão popular.
Mas é verdade que esta e outras matérias, arbitrariamente, têm vindo a atacar a escola pública e a dignidade dos professores em todas as frentes, nomeadamente quando o Sr. Secretário de Estado ou a Sr.ª Ministra da Educação podem, a convite ou por iniciativa própria, presidir o Conselho Científico para a Avaliação de Professores.
Qual é a liberdade que, efectivamente, existe nessa matéria? Até quando este Governo continuará, ao arrepio das evidências, a fazer este ataque? Cada vez mais sozinho, evidentemente! É que uma reforma não se faz contra os seus implicados, uma reforma faz-se, efectivamente, com aqueles que estão no terreno!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr.ª Deputada, faça o favor de concluir.

A Sr.ª Olímpia Candeias (PSD): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Peço desculpa por ter excedido o tempo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr.ª Deputada, é a tolerância da primeira vez.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago. Já não é a primeira vez, pelo que não posso dar-lhe a mesma tolerância.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Olímpia Candeias, muito obrigada pelas questões que colocou.
De facto, muitas vezes quem não frequenta o mundo real é o partido que está no poder, o Partido Socialista,…

A Sr.ª Olímpia Candeias (PSD): — Exactamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … que se recusa não só a alterar o seu comportamento político como a reconhecer aquilo que fora das portas desta Assembleia se passa à vista de todos.
Julgo que é bastante fácil sentir – qualquer um de nós que se desloque a uma escola, a um estabelecimento de ensino, sentirá – a instabilidade,…

A Sr.ª Olímpia Candeias (PSD): — E injustiça!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … até a aflição, com que os professores, os conselhos executivos e os conselhos pedagógicos lidam neste momento, tendo em conta a trapalhada e a confusão que o próprio Ministério da Educação vai emitindo, nomeadamente neste processo da avaliação dos professores.

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Mas também esta, digamos, superintendência subjectiva do diploma da gestão vai criando uma instabilidade ainda maior (agora, junto com o processo de avaliação dos professores), com alterações ao sistema dos departamentos dentro das escolas, etc.
Tudo isso vai originando uma cada vez maior incapacidade de os professores e os conselhos executivos pedagógicos gerirem todo este manancial confuso de orientações. Mas não estamos todos de acordo, infelizmente, Sr.ª Deputada, pois a análise e a avaliação que a esquerda e a direita fazem são manifestamente distintas. Lamento até que o seu partido, o Partido Social Democrata, não acompanhe essa sua preocupação em defesa da escola pública,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … porque não são poucas as vezes em que esse partido claramente diz que o que está em causa não é a propriedade da escola, que a escola pública não é em si um bem mas, sim, o serviço público, claramente remetendo para o cumprimento do serviço educativo por agentes privados.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — O conceito de escola pública é que é diferente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — De facto, são o país e o seu futuro que estão em causa. E aí, sim, estamos de acordo porque o sistema educativo é uma peça central do desenvolvimento. Aliás, é um instrumento central para a própria democracia e é exactamente por isso que a Constituição da República Portuguesa estabelece o direito ao ensino e o sistema de ensino público.
Mas há uma coisa em que não posso concordar consigo: é que o Governo não quer reformar o ensino público, o Governo não quer reformar a educação pública e a escola pública, porque caso contrário saberia bem que o faria com os professores. O Governo quer destruir e é por isso que não quer os professores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, começava por felicitá-lo pela sua intervenção, pesem embora algumas discordâncias de fundo, que não vale a pena estar sempre aqui a realçar.
Mas gostava de felicitá-lo pelo seguinte: é que pode ser que, à custa de tanto insistirmos e de mostrarmos que o caminho que este Governo está a seguir na área da educação é completamente anómalo, o Sr.
Primeiro-Ministro abra os olhos e perceba que alguma coisa tem que mudar.
Bom, e se não for o Sr. Primeiro-Ministro, quem sabe se os Srs. Deputados do Partido Socialista, à custa de tanto insistirmos, ganham a coragem de «dar um murro na mesa» e tentam inverter o estado das coisas na área da educação? Por isso, felicito-o pela sua intervenção e gostava de fazer-lhe uma pergunta.
Referiu dois aspectos: a avaliação de desempenho dos professores e o anteprojecto sobre a autonomia e a gestão das escolas.
Sr. Deputado, aqui, há uma questão que me parece absolutamente chamativa e que tem que ser salientada: é que quer num caso quer no outro, além de o disparate ser grande, a verdade é que são diplomas legais que o Governo não quis trazer a debate na Assembleia da República.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

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O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Ou seja, o Governo pretende alterar nalguns aspectos regimes que são determinantes para o nosso sistema educativo, mas pretende fazê-lo sem passar pelo debate plural na Assembleia da República.
Por isso, Sr. Deputado, gostava de perguntar-lhe o seguinte: se o Governo tem tanta pressa e quer mostrar tanta eficácia em tentar legislar sem que a oposição possa sequer pronunciar-se sobre isto, não lhe parece que deve haver aqui qualquer fenómeno de consciência pesada da parte do Governo…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — … e a noção clara de que se houver debate público e esclarecido sobre estas matérias o Governo será forçado, como já foi noutras ocasiões, a mudar profundamente as propostas e as soluções políticas que apresenta?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Paulo Carvalho, aproveito também para saudar o assunto que nos trouxe, ainda que, obviamente, os nossos pontos de vista sejam discordantes.
De facto, o caminho que este Governo tem seguido na educação é descabido do ponto de vista daqueles que defendem a escola pública. Mas faz todo o sentido para aqueles que defendem o fim da escola pública e a sua substituição por qualquer outra coisa, que ainda ninguém teve bem a coragem de dizer o que é.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Deputado, confiar nos Deputados do Partido Socialista é esperança vã.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não é democrata-cristão…!

Risos.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Lamento dizer-lhe, mas, na nossa interpretação, é esperança vã porque não há consciências de esquerda que legitimem estas políticas de direita.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Os Deputados do Partido Socialista estão, de facto, coniventes com esta política e, obviamente, todos subscrevem a política de direita que este Governo tem seguido.
Sobre a última questão que colocou, relativa aos decretos-lei e à forma como o Governo se furta a trazer a esta Assembleia esta discussão, respondo-lhe o seguinte: obviamente que para cumprir os seus objectivos a democracia é sempre um empecilho. E, se o Governo quer destruir os instrumentos da democracia, obviamente não vai potenciar a discussão colectiva democrática.

O Sr. João Oliveira (PCP): — É o que temos visto!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — E foi exactamente por isso que o PCP, hoje, anunciou que apresentará um projecto de lei sobre a gestão democrática das escolas que garante os pressupostos estabelecidos na Lei de Bases do Sistema Educativo e na Constituição da República Portuguesa…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

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O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … e que forçará que seja discutido, nesta Assembleia, o regime de gestão da escola pública.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, a Mesa não tinha registado mais nenhuma inscrição, mas surgiu agora uma... Peço aos grupos parlamentares que mais atempadamente façam as inscrições para pedidos de esclarecimento.
Para esse efeito tem, então, a palavra o Sr. Deputado Bravo Nico.

O Sr. Bravo Nico (PS): — Sr. Presidente, muito obrigado.
Sr. Deputado Miguel Tiago, era fundamental que o Partido Socialista pudesse pronunciar-se agora, aqui,…

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Mas de preferência a tempo.

O Sr. Bravo Nico (PS): — … (com certeza, Sr. Presidente) porque, depois de escutarmos a voz e a opinião dos dois extremos desta Assembleia, o que seria do nosso país se não houvesse o Partido Socialista…

Vozes dos CDS-PP: — Ohhh!…

O Sr. João Oliveira (PCP): — «Presunção e água benta, cada qual toma a que quer»!

O Sr. Bravo Nico (PS): — … a salvaguardar os princípios da escola pública portuguesa?!

Aplausos do PS.

Mas, Srs. Deputados, vamos contribuir para descodificar o que está, aqui, em causa.
Aparentemente, o PCP, o Bloco de Esquerda, o CDS-PP e também o PSD não estão assim tão distantes em relação a estas matérias da avaliação dos professores e da gestão das escolas.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Estamos e muito!

O Sr. Bravo Nico (PS): — É necessário avaliar os professores. Todos estamos de acordo. Mas quando se começa a trabalhar para avaliar os professores dizem: «calma, é melhor ficar como está».
É necessário um novo modelo de gestão das escolas. Com certeza! Mas quando se tomam medidas para mudar a gestão das escolas, para modernizá-las, para redignificá-las, então dizem: «é melhor ficar como está, reflectirmos mais três anos, para vermos como é que havemos de fazer».
Vou dar-vos um exemplo que descodifica e concretiza o que pensam VV. Ex.as
: o de um aluno em abandono escolar (vamos concretizar, para percebermos melhor), o de um jovem que tem dificuldades de aprendizagem e que está no limiar do abandono escolar.
O que defende o CDS-PP? Defende uma avaliação de professores, que reconheça a um professor a capacidade de expulsar esse aluno da escola!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não é o caso!

O Sr. Bravo Nico (PS): — Este, sim, é o professor que deve ser bem avaliado, bem classificado, porque exerceu de forma policial a sua autoridade perante um aluno com dificuldades de aprendizagem! É este o vosso conceito!

Protestos do CDS-PP.

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Qual é a concepção da esquerda localizada mais à direita do nosso grupo parlamentar? É a de que, perante esse aluno, o melhor é que o processo esteja todo devidamente instruído e que os professores que não se preocupam com esse aluno tenham exactamente a mesma classificação dos professores que se preocupam!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso é demagógico!

O Sr. Bravo Nico (PS): — É inacreditável!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Isso é na sua realidade ficcional!

O Sr. Bravo Nico (PS): — VV. Ex.as defendem que os alunos em abandono, os alunos com dificuldades merecem por parte dos professores exactamente a mesma atenção que deveriam merecer se os professores fossem avaliados…

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, tem de concluir… Até porque já teve o benefício da inscrição fora de tempo, não pode agora prolongar o tempo do pedido de esclarecimento.

O Sr. Bravo Nico (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Sr. Bravo Nico (PS): — Vou dar-vos apenas o exemplo do Agrupamento de Escolas de Portel — que certamente o Deputado João Oliveira bem conhece — que está, neste momento, a propor ao Ministério da Educação um contrato de autonomia onde assume ele próprio, com os seus professores, o abaixamento das taxas de insucesso e de abandonos escolares!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O que é que isso tem a ver?

O Sr. Bravo Nico (PS): — Tem tudo a ver, porque estes são os professores que merecem ser discriminados pela positiva e avaliados pelo serviço público que prestam quando retiram alunos da rua e os põem a ter sucesso!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Bravo Nico praticamente nada perguntou, antes fez um discurso a defender o actual estado das coisas.
Portanto, bastar-me-ia realçar que o Sr. Deputado defende o actual estado das coisas: defende a escola como ela está, defende os professores quase a baterem com a cabeça nas paredes de aflição porque não conseguem lidar com as orientações que chegam à escola, que se contradizem no dia seguinte…

Vozes do PS: — Não é verdade!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Ou seja, fazendo os habituais discursos inflamados a que já nos habituou, o Sr. Deputado Bravo Nico vem aqui dizer que vivemos no «País das maravilhas», em que os meninos não abandonam a escola porque o Governo do Partido Socialista salvou o País! Julgo que a realidade está à vista, Sr. Deputado Bravo Nico!! E, por mais que aqui venha e faça o seu serviço, conte as suas histórias e sorria…

O Sr. João Oliveira (PCP): — De desespero!

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O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … quando se senta, isso não altera a realidade lá fora! E o que se verifica lá fora é uma situação que em nada coincide com aquela que aqui descreve do «tudo vai bem».
Já agora, Sr. Deputado, uma vez que aproveitou para intervir, era bom que se tivesse pronunciado sobre a posição do seu partido em 1991, quando o PSD propôs a unipessoalidade da direcção das escolas.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Na altura, foi contra!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Na altura, o PS — também de uma forma inflamada — foi contra, porque isso era um ataque à democracia. Mas hoje, afinal de contas, a unipessoalidade da direcção das escolas é a tábua de salvação para o sistema público de ensino.
Afinal, a sua pergunta, Sr. Deputado Bravo Nico, não foi atrasada mas, sim, descabida.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Agora, sim, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Gonçalves.

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Setembro de 2007, o INE publicou um conjunto de dados estatísticos numa edição chamada Portugal Agrícola. De entre os muitos dados aí constantes, importa salientar que a agricultura portuguesa terá perdido, entre 1989 e 2005, cerca de 275 000 explorações agrícolas, o que, traduzido em postos de trabalho, deverá ter significado uma redução de 450 000 empregos.
Em cada hora destes 16 anos, terão desaparecido duas explorações agrícolas; em cada semana destes 16 anos, terão desaparecido mais de 500 postos de trabalho agrícola, numa média de cerca de 28 000 empregos por ano.
Embora algumas das razões deste número residam na concentração da terra e na mecanização agrícola, a verdade é que houve um abandono da actividade motivado pelas sucessivas perdas de rendimento por parte dos agricultores, em virtude da abertura dos mercados.
A superfície agrícola útil decresceu 8% e, dentro desta, houve uma diminuição da terra arável em quase 50%.
Entre 1995 e 2005, em 10 anos, o índice de preços dos produtos agrícolas no produtor apenas registou um aumento de 6,3%, o que significa que, se considerarmos o aumento da inflação acumulada ocorrida (de 29,3%), poderemos dizer que, no mínimo, os agricultores portugueses tiveram logo aqui uma perda de rendimento na ordem dos 23% — e, registo, em apenas 10 anos!! Mas, se até 2005 as consequências desastrosas da política agrícola nacional e comunitária são por demais evidentes, importa efectuar um balanço dos três anos seguintes e que correspondem ao período de governação por parte do Partido Socialista.
Não havendo ainda dados precisos por parte do INE, existem, contudo, determinados valores que indicam um aumento do ritmo de destruição do tecido agrícola em Portugal. Senão vejamos.
Ao nível do número de beneficiários das ajudas comunitárias, entre 2005 e 2007, ocorreu uma diminuição de 13% dos beneficiários só em território continental, passando-se de 240 000 beneficiários para 209 000.
Embora não sendo linear, se consideramos um beneficiário, uma exploração, podemos afirmar que o ritmo de desaparecimento das explorações agrícolas em Portugal deverá ter rondado, neste últimos três anos, os 4,33% ao ano, o que supera em um ponto percentual a percentagem média de 3,38% dos 16 anos anteriores.
Por outro lado, segundo as estimativas anuais do INE, o rendimento dos agricultores em Portugal, nos últimos três anos, decresceu quase 16%, o que indica também um empobrecimento dos agricultores portugueses muito mais acelerado do que nos 16 anos anteriores.

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Tendo por base esta análise, Os Verdes concluem que o desaparecimento de explorações e de emprego agrícola, em Portugal, estará hoje a ocorrer a um ritmo muito mais acelerado do que em anos anteriores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A destruição do tecido agrícola acarreta consequências por demais evidentes, desde logo ao nível social.
O desaparecimento das explorações agrícolas repercute-se nas demais actividades do mundo rural e culmina na sua desertificação e no agravamento da litoralização do País. Por outro lado, acrescem ainda as consequências ambientais e de perda de identidade cultural.
Como se sabe, o Programa de Desenvolvimento Rural deveria ser o instrumento que, como o próprio nome indica, permitiria dar resposta e inverter a tendência de declínio do mundo rural nestes próximos seis anos que restam de Quadro Comunitário, mas a verdade é que, em nome da competitividade, este programa deixa de parte 86% das nossas explorações agrícolas, que possuem, como margem bruta, menos de 10 000 €/ano, tendo em conta que os requisitos da grande maioria das ajudas não se encaixam no seu perfil.
É excepção para as indemnizações compensatórias, que farão chegar alguma coisa a cerca de 110 000 pequenas explorações localizadas em região desfavorecida, das 250 000 explorações existentes no País.
Quando hoje se fala, tantas vezes, em projectos de interesse nacional (PIN) e se fala do emprego criado, ou do emprego mantido, por estes projectos de investimento, importa avaliar de uma forma simples em quanto é que fica ao País cada um destes postos de trabalho e quanto é que o País investe na manutenção da pequena agricultura.
Por exemplo, o projecto Pescanova, previsto para Mira, envolve 43 milhões de euros de investimento público e 200 novos postos de trabalho, ou seja, qualquer coisa como 215 000 € por emprego criado.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É verdade!

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — O Estado irá gastar, em média, para manter a actividade de uma pequena exploração localizada em região desfavorecida, durante os próximos seis anos, cerca de 3% do que irá gastar a criar um emprego na nova fábrica da Pescanova.
Num País em que o presente Quadro Comunitário deverá ser gasto, em grande parte, em projectos designados de interesse nacional, localizados, na sua generalidade, no litoral, Os Verdes entendem ser necessário pensar se a preservação destas 250 000 pequenas explorações agrícolas não deveria ser um projecto de interesse nacional, enquanto factor de ordenamento do território, de equilíbrio ambiental das superfícies agro-florestais e, acima de tudo, de coesão social e territorial.

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Miguel Gonçalves, inscreveram-se quatro oradores.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Jorge Almeida.

O Sr. Jorge Almeida (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Miguel Gonçalves, antes de mais, queria realçar a sua intervenção pela introdução, neste Plenário, de um tema tão importante e dizer-lhe, também, que reafirmamos o diagnóstico que aqui fez, um diagnóstico preocupante relativamente à organização da nossa agricultura, ao desaparecimento de 275 000 pequenas explorações e consequente desaparecimento de muita mão-de-obra, à desertificação e à problemática que tudo isto causa nos nossos territórios.
Mas, se estamos concordantes consigo na questão do diagnóstico, já não estamos tão concordantes assim em relação ao tratamento ou às medidas necessárias para ultrapassar este problema.
O Sr. Deputado até foi conciso na abordagem de algumas questões, por isso gostaria de chamar-lhe a atenção para a forma como temos de ultrapassar este problema, utilizando os instrumentos que, em boa hora, já hoje temos aprovados em Bruxelas.
Desde logo, não é verdade que os novos instrumentos excluam a pequena exploração dos apoios agrícolas. Existem apoios orientados para os mercados locais: a pequena exploração que produz produtos de qualidade tem assento e apoio no Eixo I do PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural do Continente).

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Mais: está previsto um apoio complementar no Eixo III do PRODER, através das medidas complementares aí inseridas.
Esta é uma das facetas do apoio à pequena exploração da qualidade e da diversificação do produto, mas temos na outra área — na do produto standard e, também, de qualidade — o associativismo, a grande margem da criação de escala, com a introdução da cultura e da organização empresarial, que é capaz de as guindar (as mini-explorações associadas) para níveis de competitividade que todos nós desejamos. Daí, uma vez mais, o Eixo I do PRODER ter medidas extremamente precisas, com substanciais apoios financeiros.
A questão que queria colocar-lhe, Sr. Deputado, que é uma pessoa que tem, do ponto de vista técnico, muito interesse e preocupação por estas matérias, prende-se com o realismo que temos de encontrar na sua abordagem, porque temos de ter em conta os mercados. Quer gostemos quer não gostemos, temos uma economia de mercado…

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Almeida (PS): — Termino já, Sr. Presidente.
E, numa economia de mercado, temos de entrar nos mercados com capacidade competitiva.
A questão que queria colocar-lhe resulta de alguma dúvida que, por vezes, surge. De facto, estamos inseridos num mercado aberto a 27 Estados e, também, num mercado mais globalizante, onde a Organização Mundial do Comércio nos condiciona. Ora, numa Europa a 27 e na Organização Mundial do Comércio, a pergunta é esta: se não utilizarmos a via da competitividade, temos alguma possibilidade de ganhar a agricultura e novas explorações para o nosso mundo rural?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Poço.

O Sr. Carlos Poço (PSD): — Sr. Presidente, queria saudar o Sr. Deputado José Miguel Gonçalves pelo tema que trouxe a esta Assembleia, um tema que importa aos agricultores portugueses e aos portugueses, em geral. De facto, os números são negros, muito negros, e foram bem detalhados por V. Ex.ª na intervenção que aqui proferiu — dou-lhe os meus parabéns.
Relativamente à perda dos 70 milhões de euros de fundos por incapacidade política deste Governo, gostaria que nos esclarecesse sobre quais as alternativas que temos e o que pensa o Partido Ecologista «Os Verdes» que o Governo poderá fazer para superar esta falha, que, do nosso ponto de vista, é insuperável.
A política deste Governo, no que se refere à agricultura, é uma política de conflitualidade com todos os funcionários do Ministério, de conflitualidade com todos os agricultores e de encerramento das explorações agrícolas, como tivemos oportunidade de constatar — aliás, também com as associações empresariais verificamos que existe esse clima de conflito permanente…! Relativamente aos jovens agricultores, nada sabemos sobre o que o Governo vai resolver quanto à instalação dos novos jovens agricultores que se candidataram, tal como nada sabemos sobre o que o Governo pensa fazer quanto aos pagamentos das medidas agro-ambientais, ou das indemnizações compensatórias.
Gostaríamos, pois, de ouvir um comentário por parte de V. Ex.ª relativamente a estas questões.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Miguel Gonçalves, a sua intervenção é de uma grande oportunidade política pela conhecida ofensiva do Governo, que parece apostado na liquidação de toda a agricultura familiar que ainda resta ao fim destes 30 anos de política de direita na agricultura.
Mas ela ainda se tornou mais oportuna pelo pedido de esclarecimento do Deputado Jorge Almeida, com novos votos piedosos sobre o desaparecimento das pequenas explorações.

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E são votos piedosos porque o Sr. Deputado Jorge Almeida acabou de realizar um relatório em torno da OCM dos vinhos, onde, com toda a clareza, se assume a liquidação da pequena produção, a liquidação dos ditos não competitivos,…

Votos do PCP: — Exactamente!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — … ou, então, está de acordo com um PRODER que, relativamente às ajudas às pequenas explorações, deixa para os pequenos agricultores, aqueles que fazem investimentos até aos 25 000 euros apenas a «engenharia financeira», ficando as ajudas a fundo perdido para os grandes projectos, para as grandes explorações, ou com a mesma política agrícola que liquidou, por exemplo, sempre com essa preocupação da pequena agricultura, as ajudas compensatórias para as explorações abaixo de 1 ha…! Nós sabemos que são os mesmos votos piedosos estas preocupações pela pequena agricultura daqueles que a estão a liquidar e que, depois, fazem aqui grandes discursos em torno da desertificação do mundo rural, das assimetrias regionais e até dos fogos florestais, como bem sabemos…!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Deputado José Miguel Gonçalves, a sua intervenção é, de facto, de grande oportunidade.
Gostaria de perguntar-lhe que medidas ou que alterações julga que serão necessárias ao nível das medidas agro-ambientais, porque o desastre da actual regulamentação destas é uma evidência, bastando, para isso, ver o número das candidaturas realizadas durante o primeiro período.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, peço-lhe o favor de terminar.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Termino, Sr. Presidente, perguntando ao Sr. Deputado José Miguel Gonçalves quais as alterações de fundo que serão necessárias para que, no caso das medidas agroambientais, não aconteça aquilo que aconteceu no III Quadro Comunitário de Apoio: os agricultores portugueses receberam e o País acabou por ter um prejuízo de muitas centenas de milhões de euros.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Miguel Gonçalves, felicito-o também por ter trazido ao debate a questão da agricultura portuguesa, sobretudo da pequena agricultura, da agricultura daqueles que são os mais pobres do mundo rural.
Sr. Deputado, estamos em presença de uma situação em que o Ministério da Agricultura tem vindo a liquidar não só aqueles que são pequenos mas também aqueles que, sendo pequenos, não conseguem chegar aos apoios.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Há dois anos que não é possível a candidatura de jovens agricultores à actividade; há dois anos que foram suspensos os pagamentos da «electricidade verde», por fraude que nunca ficou demonstrada; e há um ano que não há qualquer tipo de apoio à actividade das medidas agro-ambientais, aí se incluindo, nomeadamente, os pequenos produtores das raças autóctones e os agricultores de montanha com as indemnizações compensatórias que não surgem.
Há pouco, o Sr. Deputado Jorge Almeida, do Partido Socialista, veio defender o que não é possível: os novos apoios para agricultores através do LEADER. Tanto quanto sabemos, o Programa LEADER está

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vocacionado para o desenvolvimento rural sobretudo na vertente pública. Ora não é a vertente pública que vai produzir riqueza para os pequenos agricultores!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — O LEADER vai ser sobretudo para jovens agricultores? Vai ser para aquisição de pequenos apoios para a instalação desses jovens agricultores? Não vai ser, com certeza! Vai ser para apoiar a perda de rendimento que têm os pequenos produtores das raças autóctones? Não vai ser, com certeza! Então, onde é que eles vão poder ir buscar esse apoio? Sr. Deputado José Miguel Gonçalves, pergunto-lhe o que é que, na perspectiva de Os Verdes, o Governo deveria fazer para apoiar estes agricultores de pequena propriedade, de pequena exploração, que são importantíssimos para o desenvolvimento rural e na composição da paisagem rural.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva) — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Gonçalves.

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Sr. Presidente, em resposta ao Sr. Deputado Carlos Poço, que me perguntou o que fazer para não desperdiçar os fundos comunitários como aconteceu neste último Quadro Comunitário de Apoio, julgo que aquilo que é importante fazer, desde logo, é não perder o primeiro ano do Quadro Comunitário,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já não era mau! Era um começo!

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — … que é o que está exactamente a acontecer, e não suspender as candidaturas aos projectos de investimento dois anos antes de terminar o Quadro Comunitário.
Isto, por princípio, é o que se deverá fazer para não desaproveitarmos os fundos comunitários.
Sr. Deputado Jorge Almeida, pensei que V. Ex.ª me fosse falar da afirmação que Os Verdes fizeram de que a degradação do tecido agrícola tem sido muito superior nestes últimos três anos do que nos anteriores 16 anos…! Como, de facto, não comentou esta afirmação, penso que está de acordo com ela.
No que se refere à inadequação ou adequação do PRODER à pequena agricultura, só lhe quero dizer o seguinte: relativamente aos projectos de investimentos, no QREN, como sabe, quanto maior é o projecto menor é a comparticipação pública, ora isto não acontece no PRODER, porque nos projectos de investimento inferiores a 25 000 euros não há investimento a fundo perdido.
Não percebo porque é que, por exemplo, em relação ao projecto Pescanova, em que o Estado vai investir 43 milhões de euros, o Governo não diz que os apoios são só feitos através de juros bonificados. Porque é que para o projecto Pescanova, um projecto em que o Governo vai investir 43 milhões de euros, há apoios a fundo perdido e para um projecto de 25 000 euros de um pequeno agricultor só há juros bonificados? No que se refere ainda a esta questão da inadequação do PRODER, quero dizer-lhe que o Governo «dá com uma mão e tira com a outra», porque, de facto — e pensei que o Sr. Deputado fosse falar da subida do valor das indemnizações compensatórias para a pequena agricultura —, reduziu as medidas agro-ambientais e parte das medidas a que a pequena agricultura se podia candidatar, pois aquelas que ficaram são completamente inadequadas, porque as exigências de certificação e de comercialização impedem a pequena agricultura de se candidatar a estas medidas agro-ambientais dentro do PRODER.
Relativamente às florestas, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que as áreas mínimas elegíveis foram aumentadas — e isso também foi uma medida que inadequou este PRODER à pequena agricultura!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

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O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Quanto ao LEADER, quero dizer que, tal como nos projectos de investimento, aquilo que acontece neste programa é que, à medida que os projectos são maiores, existe um menor investimento público nesses projectos.
Por isso, Sr. Deputado, o que lhe digo é que, de facto, este PRODER está feito para a competitividade e não para a pequena agricultura. E até lhe posso dizer mais: aqueles que, de facto, são competitivos são aqueles que mais têm beneficiado, ao longo destes anos, das ajudas comunitárias. Por isso, quando falamos de competitividade é tudo relativo, porque quem recebe mais dinheiro é lógico que seja mais competitivo.
Julgo que isto, de certa forma, responde também à questão que o Sr. Deputado Agostinho Lopes colocou.

Vozes de Os Verdes e do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, terminámos o período de declarações políticas.
Vamos, agora, proceder ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 173/X — Estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, e a Directiva 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto de 2006, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, procede à primeira alteração à Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, e revoga a Lei n.º 11/2004, de 27 de Março.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças (Carlos Costa Pina): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta iniciativa legislativa, que visa transpor para a ordem jurídica interna o regime de prevenção e repressão do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, visa, efectivamente, transpor duas directivas comunitárias, cujo prazo de transposição, terminou, aliás, já em 15 de Dezembro passado, adaptar o nosso ordenamento jurídico às 49 Recomendações do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI) de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, bem como adaptar o nosso ordenamento jurídico à Convenção do Conselho da Europa relativa ao Branqueamento, Detecção, Apreensão e Perda de Produtos do Crime, e ao Financiamento do Terrorismo, que foi assinada por Portugal em 2005.
Com esta iniciativa procede-se também ao alargamento do regime ao financiamento do terrorismo, criando um novo tipo de crime e alargando, naturalmente, o âmbito de crimes conexos com as actividades terroristas.
Alarga-se também o âmbito das entidades sujeitas à lei, designadamente entidades de natureza financeira e entidades de natureza não financeira, que passam a estar sujeitas a este novo regime.
Consagram-se, igualmente, deveres de diligência a serem observados por parte das entidades financeiras e não financeiras sujeitas a este regime, diligência esta que deve ser reforçada, em particular quando estamos a falar de transacções feitas à distância ou de operações que, de algum modo, visem o anonimato das pessoas envolvidas, anonimato este que é, aliás, expressamente proibido por esta iniciativa.
Reforçam-se também os poderes das autoridades de supervisão em matéria de prevenção e repressão do branqueamento de capitais, bem como os deveres de cooperação com a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária.
Por fim, procede-se à reformulação do regime contra-ordenacional em matéria de branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo, procedendo-se à elevação do nível das coimas aplicáveis, bem como à previsão expressa da interdição do exercício da profissão enquanto sanção acessória a aplicar cumulativamente com as coimas que possam ser aplicáveis.
São estas, em síntese, as principais novidades desta iniciativa.
Colocamo-nos, agora, naturalmente, à disposição das Sr.as e dos Srs. Deputados para as questões que entendam pertinentes colocar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

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O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, a matéria que hoje nos traz — apresentação da proposta de lei — é, em si mesma, pacífica. Trata-se da transposição de uma directiva muito relevante, porque a matéria que trata é de enorme acuidade e importância, mas o Sr.
Secretário de Estado, na sua exposição, referiu — teve o cuidado de o fazer — que o prazo da transposição terminou no dia 15 e Dezembro de 2007.
A primeira pergunta que lhe endereçamos é esta: porque é que o Governo só apresenta a proposta de lei no final de Dezembro, portanto, já fora do prazo, dando início ao processo legislativo, porque a Assembleia vai ter de ponderar a proposta de lei e tem um programa de audições, que já está estabelecido? Naturalmente que, quando o processo estiver terminado, Portugal estará, no contexto dos países que devem fazer a transposição desta directiva, lamentavelmente atrasado.
Num breve bosquejo das diligências dos demais países, verificamos que, designadamente a Inglaterra, a Itália e outros países — e falemos também na Espanha que ainda não transpôs a directiva, está a terminar o processo, mas tem uma legislação muito mais próxima daquilo que agora nós temos de transpor… A verdade, Sr. Secretário de Estado, salvo qualquer esclarecimento que nos possa dar, de acordo com a informação que temos, é que Portugal, lamentavelmente, está atrasado numa matéria que é da maior importância.
Como sublinhou, a transposição desta directiva tipifica um novo crime na legislação portuguesa, que é o crime de financiamento do terrorismo.
Mas o Sr. Secretário de Estado referiu que Portugal também vai fazer a transposição para a nossa lei interna das 49 Recomendações em matéria de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo que são produto do GAFI, que é um gabinete especializado que, há muito, vem estudando estas matérias. Ora, as primeiras 40 Recomendações do GAFI são de 2001, se a memória não me atraiçoa, e as oito últimas e a nona, que é especial e que tem a ver com o financiamento do terrorismo, são de 2003. Porquê o atraso? Última questão, Sr. Secretário de Estado: é iniludível que grande parte destas alterações, que vão no sentido correcto, introduzem novas responsabilidades, designadamente às autoridades de supervisão, nomeadamente bancárias, como a obrigatoriedade de acabar com contas anónimas e de seguir, em termos práticos, a par e passo, todas as operações que, alegadamente, têm sinais de ilicitude, como sejam operações em offshore, operações em que não se conhecem os beneficiários e operações em que não se conhecem as transacções, nem a natureza, nem a origem dos fundos, nem os seus movimentos.
Sr. Secretário de Estado, por uma questão de elegância, não quero aqui repristinar a preocupação que temos expendido, não neste forum específico mas noutros circundantes, sobre as actividades de supervisão da área financeira em Portugal, mas a verdade é que não podemos deixar de dizer, com toda a clareza e com todo o empenho, que entendemos que esta transposição vem tarde, já devia estar feita, e que daremos toda a colaboração e teremos todo o empenho em que estes novos dispositivos legislativos conheçam a luz do dia na nossa legislação o mais rapidamente possível.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Patinha Antão, acho que é um orgulho para Portugal ser dos países, ao nível da Europa comunitária, que apresenta um menor número de directivas por transpor no contexto europeu. Aliás, dou-lhe um dado que é elucidativo a este respeito: em 2005, quando este Governo iniciou funções, o número de directivas por transpor na área financeira era mais de uma dúzia; neste momento, não temos directivas por transpor. Aquela de que tratamos hoje refere-se ao branqueamento de capitais, mas trata-se de uma iniciativa que está, neste momento, em procedimento de aprovação no âmbito do Parlamento.
E, portanto, comparando a situação em que estamos agora com a situação em que estávamos há dois anos, o panorama mudou radicalmente. Neste sentido, basta olhar para as estatísticas — que, aliás, estão disponíveis no site da Comissão Europeia — para se verificar que, efectivamente, Portugal é dos países mais cumpridores nesta matéria.

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A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e Finanças: — Sr. Deputado, no que diz respeito à referência que fez ao relatório do GAFI, gostaria de dizer que, efectivamente, era prudente não avançar com a adopção imediata das recomendações do GAFI sem ter em linha de conta o processo de transposição desta directiva.
E, portanto, procuramos conciliar as duas coisas: a transposição da directiva com a adopção das recomendações do GAFI.
Precisamente no que diz respeito à matéria da supervisão, o relatório do GAFI de Outubro de 2006 diz que os três supervisores são independentes, estão adequadamente estruturados e dotados de apropriados quadros, portanto, de funcionários para o exercício das suas funções, tendo poderes suficientes para inspeccionar as instituições financeiras e impor as sanções por violação da respectiva regulação.
Portanto, sob este ponto de vista, a avaliação que o próprio GAFI faz ao funcionamento do nosso sistema de supervisão é positiva, o que também muito nos orgulha.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António da Silva Preto.

O Sr. António da Silva Preto (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Hoje, o fenómeno do terrorismo internacional adquiriu uma dimensão planetária que não deixa qualquer Estado ao abrigo dessa ameaça. Os ataques terroristas de Nova Iorque, Casablanca, Madrid ou Londres comprovam-no. Todos eles foram cometidos segundo uma lógica e uma base de objectivos comuns; todos eles têm uma mesma origem ideológica.
Para realizar os seus objectivos os terroristas têm necessidade de recursos financeiros e económicos. Daí que a luta contra o terrorismo suponha também a criação de mecanismos que impeçam ou dificultem o financiamento do terrorismo ou que, no limite, permitam, através da reconstrução dos movimentos financeiros, identificar todos aqueles que entraram em contacto com o dinheiro destinado à organização para que a partir daí possam apurar-se as responsabilidades e as cumplicidades envolvidas.
Por outro lado, a criação desses mecanismos tem de preservar a integridade do sistema financeiro e dos intermediários que aí operam.
É neste enquadramento, ditado pela necessidade de se estabelecerem medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao financiamento do terrorismo, que surge a presente iniciativa legislativa.
O quadro legislativo agora em discussão aproveita no essencial as medidas de monitorização dos movimentos e fluxos financeiros previstos no âmbito e por causa do crime de branqueamento de capitais e adapta-o em função das novas necessidades de combate ao financiamento do terrorismo.
No branqueamento de capitais o objectivo da actividade criminosa consiste na «ocultação» ou «regeneração» de capitais obtidos na sequência de outras actividades ilícitas. Já no crime de financiamento do terrorismo a actividade criminosa caracteriza-se pelos fins para os quais são utilizados os fundos, independentemente da sua origem. Neste caso, a ilicitude é aferida não em função da origem dos capitais mas, antes, de acordo com o fim a que são afectados esses capitais.
A ameaça aos Estados modernos, por via quer das actividades ilícitas que estão na base do branqueamento de capitais quer do financiamento do terrorismo, tornou-se uma ameaça global.
Face a um desafio que não conhece fronteiras, a resposta tem de basear-se num esforço conjunto dos Estados, daí que estes tenham adoptado soluções administrativas e legislativas coordenadas.
No âmbito da luta contra o financiamento do terrorismo foram decisivos os consensos encontrados no seio da Organização das Nações Unidas em torno de duas ideias principais: primeira, o congelamento dos fundos propriedade das pessoas e das entidades implicadas nos ataques terroristas; segunda, a definição de instrumentos de prevenção à escala global para uma estratégia a longo prazo.
No âmbito da convenção, os Estados contratantes assumiram a obrigação de definir um quadro legal para perseguir e sancionar o financiamento do terrorismo; de controlar a actividade de transferência de dinheiro no

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seu território, respeitando a confidencialidade das informações recolhidas e das normas aplicadas em matéria da livre circulação de capitais.
Na Convenção de Nova Iorque previu-se ainda a necessidade de as instituições financeiras adoptarem medidas que permitam a identificação dos clientes suspeitos e de detectar todas as operações consideradas suspeitas.
Para a definição dessas medidas, os Estados contratantes alargaram, como já aqui disse o Sr. Secretário de Estado, o mandato do GAFI, atribuindo-lhe, para além das competências que tinha no âmbito do branqueamento de capitais, competências em matéria de luta contra o financiamento do terrorismo.
No âmbito do seu mandato de promoção de estratégias contra o branqueamento de capitais o GAFI tinha emitido, em 1990, 40 recomendações. No exercício desta nova competência associada ao combate ao terrorismo emitiu mais nove recomendações.
Actualmente, estas nove recomendações especiais representam, ao nível mundial, o standard de referência para todo o sistema legislativo da luta contra o financiamento do terrorismo.
A estratégia definida no âmbito da Convenção das Nações Unidas e as recomendações saídas do GAFI foram também adoptadas pela União Europeia.
As ligações e as semelhanças entre o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo levaram o legislador comunitário a adoptar uma lógica similar ao rever a Directiva de 2001. Daí que a Directiva n.º 2005/60/CE inclua, a par do branqueamento de capitais, o financiamento do terrorismo.
A legislação nacional agora em discussão, e que consiste na transposição destas directivas comunitárias, revoga a Lei n.º 11/2004, de 27 de Março, e altera a Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, a Lei de Combate ao Terrorismo. Inova, sobretudo, num aspecto: na criação de um novo tipo de crime de financiamento do terrorismo através do aditamento de um novo artigo, o artigo 5.º-A.
Já no que respeita ao branqueamento de capitais as normas que agora se introduzem, no essencial, já estavam previstas na lei. Consagram, no entanto, alguns deveres reforçados de identificação e de comunicação e introduzem o dever de diligência, o princípio da adequação ao grau de risco e diversas alterações ao regime contra-ordenacional.
Depois de estar aprovado este processo legislativo o Estado português ficará em condições de poder fazer face, de forma eficaz, quer ao crime de financiamento do terrorismo quer ao crime de branqueamento de capitais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Terra para uma intervenção.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje a proposta de lei n.º 173/X, que estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna duas directivas comunitárias relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo. Procede-se, assim, à primeira alteração à Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, e revoga-se ainda a Lei n.º 11/2004, de 27 de Março.
Trata-se de uma proposta de lei inovadora, que consagra de forma clara e inequívoca medidas de natureza preventiva e medidas de natureza repressiva no combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo.
Além disso, esta proposta visa adaptar o sistema nacional aos padrões internacionais em vigor nesta matéria, nomeadamente às recomendações do GAFI sobre o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, e à Convenção do Conselho da Europa relativa ao Branqueamento, Detecção, Apreensão e Perda de Produtos do Crime e ao Financiamento do Terrorismo, assinada por Portugal a 17 de Maio de 2005.
O regime agora proposto distingue-se dos vários regimes até hoje em vigor (o da Lei n.º 11/2004 e o da Lei n.º 52/2003), no essencial, pelo seguinte: passamos a ter no mesmo regime, além da prevenção, a repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e o financiamento do terrorismo; a consagração de deveres reforçados de identificação e de comunicação, distinguindo entre deveres gerais das entidades

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sujeitas e deveres específicos das entidades financeiras e das entidades não financeiras; disposições mais específicas e pormenorizadas para cumprimento do dever de identificação, determinando o momento da verificação da identidade no momento em que seja estabelecida a relação do negócio ou antes da realização de qualquer transacção ocasional; a consagração do dever de diligência no leque dos deveres das entidades sujeitas, o qual pode ser, em certas situações, simplificado e, noutras, reforçado, consoante a qualidade do cliente e o mais ou menos elevado risco que envolva a operação; a instituição do princípio da adequação ao grau de risco, prevendo a adaptação dos procedimentos em função do risco associado ao tipo de cliente, à relação de negócio, ao produto, à transacção e à origem ou destino dos fundos; a exclusão do âmbito de aplicação da lei das empresas dos sectores turístico e de viagens, autorizadas a exercer, de modo acessório e limitado, a actividade de câmbio manual de divisas, por razões de economia nacional que facilmente se compreendem; a redução do período estabelecido para o dever de conservação de cópias ou referências aos documentos comprovativos do cumprimento do dever de identificação e vigilância, bem como de originais, cópias, referências ou quaisquer suportes duradouros dos documentos comprovativos e dos registos das operações, que passa de 10 para apenas 7 anos; a proibição expressa, relativamente às entidades financeiras, de abertura de contas ou de existência de cadernetas anónimas; a permissão das entidades financeiras, com exclusão das agências de câmbio, para recorrer a terceiros para assegurar o cumprimento dos deveres de identificação e diligência em relação à clientela, embora salvaguardando que mantêm a responsabilidade pelo cumprimento destes deveres.
Além disso, veda às instituições de crédito o estabelecimento de relações de correspondência com bancos de fachada; atribui à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária um conjunto de novos poderes e deveres, nomeadamente: institui a obrigatoriedade de comunicação pelas entidades sujeitas das operações suspeitas de consubstanciar a prática de crime de branqueamento e de financiamento do terrorismo, bem como as situações em que aquelas entidades se abstiveram de executar uma operação suspeita e a obrigatoriedade que se estende às operações que revelem especial risco de branqueamento ou de financiamento do terrorismo.
Também o Bastonário da Ordem dos Advogados e o Presidente da Câmara dos Solicitadores, são obrigados a comunicar operações suspeitas que lhes foram, por sua vez, comunicadas pelos advogados e solicitadores, respectivamente.
Além disso, é obrigatório, para as entidades sujeitas a este regime legal, prestar prontamente a colaboração requerida para o desempenho das suas funções; conceder o acesso, em tempo útil, à informação financeira, administrativa, judicial e policial, as quais apenas podem ser utilizadas em processo penal, não podendo ser revelada em caso algum a identidade de quem as forneceu; dar o retorno oportuno de informação às entidades sujeitas e às autoridades de supervisão e fiscalização sobre o encaminhamento e o resultado das comunicações suspeitas de branqueamento e financiamento do terrorismo por aquelas comunicadas; preparar e manter actualizados dados estatísticos relativos ao número de transacções suspeitas comunicadas e aos encaminhamento e resultado de tais comunicações.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, as opções legislativas constantes desta proposta do Governo mantêm a coerência política de outras propostas legislativas entretanto já aprovadas e que em relatório do Grupo de Acção Financeira sobre o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo permitiram posicionar Portugal em segundo lugar em relação ao resto da Europa no que toca à eficácia neste combate.
Como já hoje se disse, para nós, Partido Socialista, e para o Governo, o combate à corrupção em geral e ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, em particular, faz-se com acções concretas e não com meras proclamações.
É um combate que deve apostar na eficácia da prevenção, da investigação e da repressão, lutas para as quais o populismo fácil não só não ajuda como pode permitir desvalorizar aquilo que é, e que tem de ser, o objectivo de uma democracia que, como a nossa, embora jovem, se quer adulta e forte.
A aprovação desta proposta de lei, que contará com o voto favorável do PS, é mais um instrumento ao serviço deste combate e, por via disso, do aprofundamento da nossa democracia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PCP considera importante que se proceda em Portugal à transposição de directivas que tenham como objectivo aperfeiçoar os mecanismos legislativos de combate ao branqueamento de capitais.
Aliás, é um princípio que sempre defendemos, desde há muitos anos e chegámos a tomar iniciativas aqui, na Assembleia, no sentido de antecipar a transposição de directivas, antes mesmo de os governos o terem feito, por forma a que em Portugal não se perca tempo na adopção de medidas que sejam consideradas necessárias para melhorar os mecanismos legais existentes e por forma a prevenir a ocorrência de fenómenos de branqueamento de capitais, no nosso país.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Neste sentido, temos saudado os projectos legislativos que, desde há vários anos, têm sido feitos nesta matéria. Consideramos que, em matéria de prevenção, é importante não apenas alargar tanto quanto possível e adequado as entidades que estão sujeitas a vários deveres de identificação, de comunicação ou mesmo de denúncia de operações suspeitas às autoridades judiciárias e às autoridades de supervisão e que importa melhorar o regime sancionatório aplicável à infracção ou ao incumprimento das exigências que sejam feitas a todas essas entidades. Importa também que haja comunicação entre as várias entidades com competências nesta matéria, por forma a que se possam obter melhores resultados na prevenção e no combate ao fenómeno do branqueamento de capitais.
Se há alguma novidade neste processo legislativo é aparecer pela primeira vez explicitamente a referência ao terrorismo, o que nos parece que é redutor. Obviamente que não contestamos a importância de combater o terrorismo e o seu financiamento, mas é preciso dizer que, muito antes de o terrorismo aparecer com esta intensidade no plano legislativo e no plano mediático, já tínhamos preocupação com o branqueamento de capitais provenientes de diversas actividades ilícitas que são extremamente graves e que não devem ser secundarizadas em nome de um sacrossanto combate ao terrorismo.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. António Filipe (PCP): — Aliás, importa lembrar que a preocupação com o branqueamento de capitais surgiu precisamente a propósito do combate ao tráfico de droga, à sua dimensão e à importância que os fenómenos tinham — e têm, infelizmente — relativamente a essa actividade e que depois se foi alargando ao combate à droga onde nasceu na legislação portuguesa. Aliás, o primeiro fenómeno de branqueamento criminalizado foi o branqueamento de capitais obtidos através do tráfico de droga, que foi sucessivamente alargado a outras actividades criminosas, designadamente ao tráfico de armas, ao tráfico de pessoas e, finalmente, aos crimes de gravidade acima de uma determinada moldura penal.
Portanto, é óbvio que o terrorismo deve entrar nesta moldura, mas apresentar uma iniciativa legislativa destas, que tem que ver com toda a criminalidade organizada, como uma medida de combate ao terrorismo devo dizer que é extremamente redutor e é «tomar a parte pelo todo».

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Em todo o caso, este tipo de medidas é importante para o combate à criminalidade grave, seja ela qual for, na medida em que possa dar origem a fenómenos de branqueamento de capitais.
Agora há um aspecto que tem de ser considerado: é que os resultados obtidos com a aplicação desta legislação ficam aquém daquilo que seria esperado. Isto porque, sucessivamente, vamos melhorando os mecanismos relativos, mas depois verificamos sempre que os resultados obtidos, as condenações obtidas e os dinheiros apreendidos por condenações de branqueamento de capitais são muito escassos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É verdade!

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O Sr. António Filipe (PCP): — E todos nós sabemos, porque todos os estudos referem isso, as quantias incomensuráveis que resultam do branqueamento de capitais e o carácter exíguo, diminuto daquilo que é apreendido, daquilo que é detectado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É uma evidência!

O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, importa que haja consequência naquilo que se faz e naquilo que se diz. Obviamente que é importante adoptar estes mecanismos, mas seria importante, também, questionar a existência dos offshores, porque ninguém ignora que é por aí que se processa, fundamentalmente, o branqueamento de capitais e enquanto não se tocar seriamente em todo esse mundo, não podemos falar, sem uma grande dose de hipocrisia, em combater o branqueamento de capitais.
Portanto, era importante a agilização da quebra do sigilo bancário e a criação de mecanismos que permitam às autoridades judiciárias actuar a tempo contra este fenómeno – e estamos a falar de algo em que as autoridades judiciárias demoram vários meses a conseguir seguir uma transacção de capital, que se processa em poucos minutos –, porque enquanto houver esta décalage não será possível falar em combater eficazmente o fenómeno de branqueamento de capitais.
Assim, eu diria que a legislação que estamos a discutir, e que seguramente iremos aprovar, é condição necessária, mas está muito longe de ser condição suficiente para poder haver um combate eficaz ao branqueamento de capitais.
Na especialidade não deixaremos de propor, designadamente em matéria de sigilo bancário, medidas que nos pareçam mais adequadas e mais eficazes, mas aquilo que nos parece fundamental é que, para além disto, se encontrem mecanismos que permitam, de facto, às autoridades judiciárias perseguir este tipo de operações de uma forma mais ágil, de uma forma que lhes permita actuar em tempo real, o que passa por um maior envolvimento das autoridades de supervisão, bem como pelo dotar as autoridades judiciárias de maior capacidade de intervenção junto das entidades do sistema financeiro.
Podemos fazer discursos muito bonitos sobre a necessidade de combater o branqueamento de capitais, podemos aperfeiçoar os mecanismos legislativos de prevenção, mas ficaremos todos a ter de concluir que o branqueamento de capitais passa impunemente ao lado de toda esta moldura legislativa.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, o nosso empenhamento, os nossos votos são para que se possa, rapidamente, concluir uma legislação mais eficaz, não apenas nestes domínios que aqui são propostos mas em outros que seguramente são fundamentais para que este combate tenha o mínimo de eficácia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, nesta Câmara, uma matéria da mais alta importância.
Vários têm sido os mecanismos internacionais, tratados e recomendações nesta matéria feitos por diversas organizações; cada vez são maiores as exigências de transparência económica e financeira a nível nacional e internacional; e reconhece-se, pacificamente, o perigo que a opacidade financeira representa hoje em dia a nível fiscal, social, criminal e de segurança global, e muito por além do combate ao terrorismo.
O branqueamento de capitais assume hoje em dia formas cada vez mais sofisticadas, formas cada vez mais dissimuladas. Recorre-se a transacções sucessivas, testas-de-ferro, patrimónios autónomos, zonas francas, paraísos fiscais e tantas outras operações que possam transformar «dinheiro sujo» numa riqueza legal e socialmente aceitável, que não levante suspeitas e que possa passar mais ou menos despercebida dessa conotação negativa.

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Quanto à questão de fundo, não podemos deixar de estar de acordo com as medidas propostas neste diploma. O mesmo não implica, no entanto, que estejamos necessariamente concordantes com todas as soluções aqui propostas, como brevemente passaremos a sugerir.
A transparência dos fluxos de capitais é, para nós, essencial. De facto, por diversas vezes, propusemos, nesta Câmara, o levantamento do sigilo bancário, nomeadamente para o combate à corrupção. Não podemos deixar de acompanhar este diploma, portanto, no que se refere à transparência financeira e das entidades bancárias e financeiras que ele possa propor.
Mas o que o presente diploma faz não é o levantamento do sigilo bancário — o que, sem dúvida, mereceria o nosso aplauso. O que faz é criar mecanismos de alerta que possam levar à denúncia de situações suspeitas no que se refere ao movimento de capitais. Acresce que estes mecanismos de alerta não são totalmente claros nem tipificados juridicamente, podendo levar a situações discrepantes na aplicação da lei.
Do que se trata aqui é de garantir, precisamente, que a lei se aplica aos potenciais traficantes de capitais e que não é por serem bons clientes a nível comercial que, por exemplo, um banco fecha os olhos e não os considera suspeitos. Esta lei deve ser aplicada uniformemente, de forma igualitária, mas com cláusulas abertas, de forma a poder criar-se espaço para que esta aplicação e estes mecanismos não resvalem para uma pura e simples retórica de ineficácia.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — O principal comentário que temos a fazer em relação a este diploma vai no sentido de nos parecer necessária uma maior clarificação dos conceitos que utiliza. É da experiência comum — e isso já se passou em relação a outras situações deste género — que nos crimes financeiros e na alta criminalidade económica quanto mais abertas forem as exigências menos a lei é cumprida. Além disso, mais expedientes se criam para que algumas pessoas ou entidades possam escapar a esse cumprimento. É precisamente por concordarmos com o sentido de fundo deste diploma que achamos que estas obrigações devem ser mais concretas, permitindo uma aplicação mais concreta e eficaz das medidas em causa.
Aliás, a questão coloca-se quanto à fiscalização das entidades que são supostas cumprir estas obrigações: de que forma se pode verificar se alguém considerou de forma correcta que alguém era ou não suspeito de financiar terrorismo? Parece-nos complicado escrutinar a boa aplicação prática deste normativo.
Dito isto, reafirmamos a nossa concordância em relação à matéria de fundo que o diploma vem regular.
Merecem, assim, a nossa concordância o alargamento de obrigações de transparência a entidades como os casinos, entidades pagadoras de prémios de jogo, e a proibição de contas bancárias anónimas, entre outras medidas que aqui constam.
Exigências de transparência, de fiscalização pública e de escrutínio pelas entidades de supervisão são uma necessidade óbvia nas sociedades actuais. Resta-nos esperar que a lei possa ser substancialmente melhorada em alguns aspectos no debate na especialidade.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS — como, aliás, parece ser o sentimento geral nesta Assembleia — apoia e acompanha o sentido da transposição destas directivas comunitárias e, portanto, o sentido geral da proposta de lei ora em debate.
Há, no entanto, nas soluções em concreto que o Governo apresenta, pontos que nos suscitam alguma perplexidade e algumas dúvidas que gostávamos de ver esclarecidas no tempo que falta de debate.
Consideramos que o Governo ainda poderá esclarecer esta Câmara.
Essas dúvidas prendem-se, nomeadamente, com o conceito da «pessoa politicamente exposta». Sobre esta matéria há um grande rol de cargos e de funções, cujos titulares são considerados pessoas politicamente expostas. Aliás, é o caso de todos nós que estamos aqui, na Assembleia da República.

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Contudo, como já foi referido pelo Sr. Deputado Nuno Magalhães, estão excluídos deste conceito os autarcas.
Sr. Secretário de Estado, não aceito que nenhuma função seja considerada «propícia» à prevaricação.
Portanto, também não admito isso sobre mim próprio, como nenhum de nós o admite. Considero que sou uma pessoa a quem nada há a apontar sobre esta matéria, mas devo dizer-lhe que, além de Deputado, sou vereador sem pelouro numa câmara municipal. E, postos a considerar que há pessoas politicamente expostas, exposto por exposto, penso que sou mais exposto como vereador do que como Deputado.
Portanto, valia a pena que o Governo esclarecesse a razão de ser de os autarcas não estarem incluídos neste conceito. Não digo todos, mas pelo menos os membros dos órgãos executivos e os presidentes dos órgãos deliberativos. Não percebemos qual a razão de estarem excluídos e agradecíamos que, no tempo que ainda falta de debate, nos fosse prestado esse esclarecimento.
Por outro lado, também são incluídos neste elenco, e bem, os membros de órgãos de administração e fiscalização de empresas públicas, mas o mesmo não se passa com os membros dos institutos públicos.
Parece-nos, se calhar até por maioria de razão, que se este regime é aplicável aos membros de órgãos das empresas públicas, também deveria ser aplicável aos que exercem iguais funções no âmbito dos institutos públicos. Gostávamos, por isso, que essa matéria fosse esclarecida.
Quanto ao mais, o CDS quer aqui declarar que foi com orgulho que participou na aprovação dos actuais regimes em vigor, quer na Lei de Combate ao Terrorismo quer na lei que agora se pretende revogar, a Lei n.º 11/2004. Vemos com bons olhos e parece-nos correcto que se introduza e tipifique o novo tipo de crime — o crime de financiamento do terrorismo —, não só na forma de financiamento, mas também, ainda que não o diga expressamente, na forma tentada.
O CDS, no debate da especialidade, apresentará as suas propostas. Pretendemos que a lei seja melhorada, também na linha do que aqui foi dito. Gostaria, porém, de solicitar aos membros do Governo aqui presentes que, no tempo de que ainda dispõem, nos prestassem os esclarecimentos sobre as dúvidas levantadas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça (Conde Rodrigues): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Relativamente às questões que foram levantadas, poder-se-á apenas acrescentar que o Governo, na transposição destas duas directivas, tem em vista salvaguardar a economia portuguesa, do ponto de vista da circulação de capitais e das boas regras e boas práticas internacionais, e também combater a criminalidade especialmente organizada que, normalmente, está associada a algumas operações deste tipo.
Nesse sentido, procurámos que não só a legislação sobre branqueamento de capitais fosse totalmente actualizada (como já foi referido) pela incorporação de sugestões feitas no âmbito de relatórios internacionais, mas também que isso significasse um upgrade face ao que hoje existe, sobretudo da União Europeia, no que diz respeito ao combate ao terrorismo.
Portanto, o terrorismo é aqui referido porque há também uma directiva comunitária que o foca especialmente e não porque as matérias do branqueamento de capitais não estejam associadas a muitas outras formas de criminalidade. Aliás, grande parte das investigações em matéria de criminalidade organizada ligada também ao branqueamento de capitais está, como já aqui foi sublinhado, associada ao tráfico de estupefacientes.
Portanto, não há, nesta matéria, uma vocação específica para o terrorismo.
Gostaria também de referir que este tema do branqueamento de capitais também se associa a muitas outras alterações legislativas que têm sido propostas pelo Governo, e algumas aprovadas na Assembleia, em matérias conexas como o combate à corrupção. Lembro, por exemplo, a alteração que fizemos em matéria de corrupção desportiva. Aliás, há um elemento nesta proposta de lei que também visa salvaguardar as operações envolvendo agentes ligados ao desporto, designadamente operações no âmbito dos contratos com jogadores, e isso está aqui também sublinhado. Fizemos, pois, alterações nesse sentido.

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Sublinho também as matérias respeitantes às pessoas colectivas e à sua criminalização no âmbito do combate à própria corrupção e outras matérias que estão, ou virão a estar, aqui para apreciação, nomeadamente a alteração à Lei Orgânica da Polícia Judiciária, que consagra uma unidade nacional anticorrupção e que também terá uma vocação especial para essas matérias do branqueamento.
Gostaria ainda de sublinhar um ponto importante e que tem a ver com a comunicação e a prontidão da comunicação dos dados. Ao contrário do que sucede agora, a comunicação feita pelas entidades financeiras e não financeiras com a obrigação de diligência nesta matéria far-se-á especificamente à própria unidade de informação financeira da Polícia Judiciária. Essa era uma das recomendações internacionais, fazemo-lo aqui e penso que isso também melhorará a rapidez com que as operações podem ser analisadas.
É também de salientar que nesta matéria a prevenção é fundamental. Por isso, se consagra no artigo 17.º desta proposta de lei a possibilidade de suspensão de operações numa fase preventiva, evitando que depois haja uma concretização da própria actividade ilícita.
Só para dar um exemplo, em 2007, no DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal), que acompanha especificamente esta matéria, foram suspensas operações no valor de cerca de 14,5 milhões de euros em matérias conexas com o branqueamento de capitais. Este é, pois, um exemplo desse tipo de operações que aqui também se consagra especialmente.
Queria também deixar uma nota sobre as matérias respeitantes à própria caracterização das entidades ou das pessoas especialmente expostas. De facto, no espírito do diploma o objectivo do Governo é consagrar a exposição ao risco. Onde existe um especial risco de prática ilícita de branqueamento de capitais deve existir um especial cuidado. Por isso se fez uma designação das entidades.
Julgo que os autarcas com funções executivas estão abrangidos pela legislação onde esta matéria da exposição ao risco envolvendo titulares de cargos políticos ou de cargos públicos está regulada. Mas o Governo está aberto a que, em sede de especialidade, a questão possa ser aclarada se não o estiver suficientemente.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Pode e deve!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça: — O espírito da lei consagra essa enumeração, no entanto, caso seja necessário, essa matéria pode ser clarificada em sede de especialidade.
Gostaria também de referir que hoje, no âmbito da própria legislação sobre incompatibilidades, no que diz respeito às declarações de rendimentos, os autarcas com funções executivas também estão lá mencionados, pelo que faz sentido que se faça essa clarificação.
No que diz respeito aos instituto públicos, por similitude com o que se passa nas empresas públicas, poderse-ia considerar o mesmo. Simplesmente, aí coloca-se a questão de saber se apenas vale a administração empresarial ou se vale também a administração indirecta do Estado, onde se incluem os institutos públicos.
Mas esta é uma matéria que pode perfeitamente ser tratada em sede de especialidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A nosso ver, como foi aqui referido, a transposição deste conjunto de directivas é uma matéria de carácter fiscal, económico, mas é, sobretudo, uma questão de direitos, liberdades e garantias.
De facto, a determinada altura desta discussão, parecia que o Governo não queria fazer um debate a este nível. Ainda bem que, no final, o Sr. Secretário de Estado da Justiça colocou o debate neste nível.
E ainda bem porque para o CDS o terrorismo é uma ameaça global que recai sobre todos, sem excepção, e que, por isso mesmo, exige de todos uma resposta global. Exige um reforço de cooperação quer policial quer judicial ao nível da União Europeia, e não só. Exige também um esforço de harmonização dos procedimentos e da legislação e exige ainda um esforço na prevenção, nomeadamente, neste caso concreto, no que toca a prevenir as fontes de financiamento das redes terroristas.

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Que fique claro: é preciso agir. Nós estamos a agir, e não é de hoje, como VV. Ex.as sabem, mas sim desde 2003, designadamente no anterior governo e em especial com o anterior ministro do CDS.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, nós entendemos que para que este regime jurídico — com o qual concordamos na generalidade — seja mais perfeito, nomeadamente na enumeração prevista no artigo 2.º sobre pessoas politicamente expostas, seria de todo conveniente que, numa enumeração que, como concordará, não sendo exaustiva mas pelo menos bastante extensa de um conjunto de cargos, também os autarcas e os titulares dos institutos públicos lá possam constar, não porque tenhamos, como foi aqui referido, qualquer desconfiança de princípio em relação aos mesmos mas por uma questão de equidade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — A nosso ver esta questão pode e deve ser clarificada em matéria de especialidade, sendo isso que iremos fazer. Uma vez que V. Ex.ª já referiu que o Governo tem essa disponibilidade, então já valeu a pena o CDS ter levantado essa questão porque, certamente, teremos todos um diploma mais consentâneo, mais concreto e, em última análise, mais eficaz.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Concluído o debate, na generalidade, desta proposta de lei, passamos à apreciação do Decreto-Lei n.º 322/2007, de 27 de Setembro, que fixa o limite máximo de idade para o exercício de funções dos pilotos comandantes e co-pilotos de aeronaves operadas em serviços de transporte comercial de passageiros, carga ou correio [apreciação parlamentar n.º 55/X (PCP)].
Para apresentar o pedido de apreciação parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com o Decreto-Lei n.º 322/2007, de 27 de Setembro, o Governo aumentou, de 60 para 65 anos, o limite para o exercício das funções de piloto de linha aérea. Tal como oportunamente o PCP afirmou, estamos perante uma opção injusta e perigosa.
Sabemos que, também nesta matéria, mais uma vez o PS, o PSD e o CDS-PP estão de acordo. A argumentação até agora invocada para justificar esta medida é inaceitável: fala-se na determinação da ICAO (Organização da Aviação Civil Internacional), como se essa determinação não resultasse de um processo de decisão com a participação dos Estados-membros e como se a sua aplicação incondicional e indiscutível fosse nada menos que um dogma.
Aliás, quando nos apresentam esta questão, como se estivéssemos perante um factor de isolamento internacional do nosso país, o Governo pretende ignorar que esta medida não está em vigor em sectores muito vastos do transporte aéreo internacional. Esta medida não foi adoptada em países como a França (que é «só» o terceiro país da União Europeia em volume de actividade) ou como os Estados Unidos da América (país que representa «só» 35% do volume de actividade por horas de voo).
Portanto, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, quanto à pretensa «inevitabilidade» da aplicação desta medida, estamos conversados.
Depois, há-de aparecer o argumento da segurança e da suposta «ausência de riscos» desta decisão.
Recordamos, aliás, que o Sr. Secretário de Estado nos disse que a adopção desta regra «teve subjacente uma análise e conclusões detalhadas acerca dos riscos de acidente nesta faixa etária, critérios médicos, físicos e psicológicos, que, naturalmente — naturalmente! —, permitiram concluir pela não existência de risco acrescido para a segurança de voo».
«Naturalmente», seria esta a conclusão alcançada. Nem outra coisa seria de esperar. Falta apenas que o Governo nos explique se de facto não há nenhum risco acrescido em que um piloto esteja em funções depois dos 60 anos, quais os motivos então para a restrição dessas funções, nomeadamente com o piloto a ter que estar integrado numa tripulação múltipla, sendo obrigatoriamente o único elemento nessa condição e nessa faixa etária.
Ou seja, de acordo com este decreto-lei, um piloto com mais de 60 anos pode trabalhar desde que acompanhado por menores de 60 anos. É a demonstração do risco inerente a esta medida para a segurança do transporte aéreo.

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Nesta como noutras matérias, em que o Governo aponta para a «inevitabilidade» de se trabalhar até mais tarde, surge a falsa questão da esperança média de vida. De resto, o Governo invoca estudos que, supostamente, demonstram não existir qualquer diferença entre o risco de acidente em pilotos entre os 60 e os 65 anos e os de outros grupos etários.
O que o Governo não diz é que a esperança média de vida dos pilotos de linha aérea é consideravelmente mais baixa do que se verifica na população em termos gerais. Aliás, os dados apurados pelo SPAC (Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil) indicam que, no caso dos pilotos portugueses, não chegará a 60 anos.
Já tivemos oportunidade de citar o estudo internacional publicado pela fundação de segurança aérea.
Segundo esse estudo, é na faixa etária entre os 55 e os 59 anos que ocorre o maior número de mortes entre os pilotos. Estamos perante uma profissão que apresenta normalmente uma carreira contributiva mais longa e uma esperança média de vida mais curta, com maior desgaste e incidência de riscos de incapacidade física e mental.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP havia apresentado um requerimento ao Governo no sentido de nos ser entregue documentação relativa ao processo negocial sobre esta matéria que, entretanto, foi noticiado na comunicação social.
Já esta semana, o Governo fez-nos chegar um ofício, supostamente respondendo a esse nosso requerimento, que, em meia dúzia de parágrafos, apresenta genéricas considerações sobre o que designa de «entendimento preliminar». Constatamos que esta resposta do Governo corresponde, no essencial, ao comunicado de imprensa que foi emitido há meses. Já a documentação que o PCP requereu, essa fica na gaveta do Ministério.
O que é certo é que o Governo foi obrigado a dialogar com os pilotos, perante a sua mobilização e a sua luta. Ao primeiro dia de greve dos pilotos, com uma adesão de 100%, o Governo rapidamente se dispôs a negociar. Só por si, essa foi uma vitória de quem se dispôs a lutar e de quem recusou conformar-se com as supostas «inevitabilidades» do Governo.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Queremos aqui deixar bem claro que, com esta iniciativa, o Grupo Parlamentar do PCP não pretende que a Assembleia da República possa, de alguma forma, impedir a negociação colectiva com os trabalhadores, neste caso com os pilotos.
Pelo contrário! Na verdade, essas «declarações de amor», que às vezes ouvimos do Governo em relação à negociação colectiva, são uma simples manifestação de demagogia e hipocrisia política.
Também neste processo, o Governo seguiu uma linha de «decretar primeiro e negociar depois». E isto, se a luta dos trabalhadores o impuser. Foi, mais uma vez, este o caso.
O Governo apresenta esta medida como uma inevitabilidade face às alterações na segurança social: os pilotos passam a trabalhar (para já) até aos 65 anos, porque o «cidadão comum» terá de trabalhar para além dessa idade.
A resposta do Governo ao requerimento do PCP chega ao ponto de afirmar o «reconhecimento da particularidade de que os pilotos, ao contrário da esmagadora maioria dos portugueses, não podem continuar a exercer a sua profissão depois dos 65 anos».
Só falta o Governo dizer-nos que a esmagadora maioria dos portugueses está condenada a trabalhar mais e a receber pensões de reforma mais baixas.
A questão é que toda a lógica deste processo está errada e é injusta. Em bom rigor, estamos até perante mais do que um problema de aumento da idade de reforma: estamos perante uma política de confisco de pensões aos trabalhadores! Há uma alternativa a este caminho. Não é este o debate para aprofundar essa referência, mas ela pode e deve ser colocada.
O que é preciso é outra política para a segurança social, que o PCP já demonstrou ser possível e para a qual já apresentou propostas concretas: a diversificação das fontes de financiamento, com uma nova forma de contribuição das empresas para a segurança social; o pagamento da dívida do Estado ao regime geral da segurança social; a alteração da fórmula de actualização das pensões, permitindo o aumento real do poder de

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compra dos pensionistas; ou ainda, tal como o Grupo Parlamentar do PCP apresentou na passada semana, a possibilidade de optar pela fórmula de cálculo da pensão que seja mais favorável para o trabalhador.
Mas perante estas alternativas, no caso concreto deste sector e deste debate, o PS, o PSD e o CDS-PP preferem colocar um piloto de linha aérea com 65 anos a transportar passageiros. E até vão dizer-nos que é esse o melhor caminho, como vamos ver a seguir.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por recordar que o PSD votou favoravelmente o pedido de autorização legislativa sobre o aumento da idade de reforma dos pilotos, de 60 para 65 anos, essencialmente por três razões.
Em primeiro lugar, a proposta do Governo era sustentada em estudos realizados por organizações internacionais do sector da aviação civil.
Por exemplo, como aqui já foi referido, a ICAO (Organização da Aviação Civil Internacional), e os organismos técnicos associados à Conferência Europeia da Aviação Civil consideravam que esse alargamento da idade de reforma não acarretava riscos, desde que reunidas certas condições.
Em segundo lugar, o Governo deveria ser muito rigoroso no cumprimento das recomendações feitas por aquelas autoridades internacionais, designadamente que qualquer piloto com mais de 60 anos só podia voar em tripulação múltipla e, mesmo em tripulação múltipla, era obrigatório que o outro piloto tivesse menos de 60 anos.
Essa autorização de voo só seria concedida mediante exames médicos periódicos que garantissem que os pilotos reuniam as condições físicas e psicológicas que atestavam a sua saúde e que eram adequadas ao desempenho de uma função tão sensível e de tão alto risco como é a de piloto da aviação comercial.
Em terceiro lugar, vários países europeus já estavam, e estão, a adoptar esses limites de idade para os seus pilotos.
Mas, Sr. Presidente, nessa altura, referimos também que, a esse pedido de autorização legislativa do Governo, faltava uma peça fundamental para que a passagem dos 60 para os 65 anos como idade-limite para a actividade dos pilotos pudesse ocorrer sem injustiças.
Referimo-nos às respostas que, no quadro do regime geral da segurança social, iriam ser dadas, ou não, a estes profissionais nesta nova situação, porque não se lhes podia aplicar o regime geral da segurança social de uma forma mecânica e simplista.
Por exemplo, se razões ponderosas obrigassem um piloto a cessar a sua actividade antes dos 65 anos, este profissional beneficiava da sua pensão total ou era penalizado por isso, e em que termos? A questão da forma como o regime geral da segurança social seria aplicado aos pilotos nesta fase de transição era, por isso, de enorme importância. Seria inaceitável que estes profissionais fossem duplamente castigados. Passavam a trabalhar mais anos e eram penalizados com descontos, se, por motivos de doença, não pudessem atingir esse limite de idade a trabalhar.
Ou seja, o fundo de pensões que abrange estes profissionais devia ser reequacionado, negociado, articulado e adaptado com as alterações necessárias, em ordem a que os pilotos não vissem defraudadas as suas expectativas e os seus direitos aquando da sua passagem à situação de reforma, fosse esta aos 60, aos 61, aos 62, aos 63 ou aos 65 anos.
Para o Partido Social Democrata, o que era e é relevante é que, fosse qual fosse a circunstância em que eram colocados perante a inevitabilidade da sua passagem à reforma, esses profissionais não vissem defraudadas as suas expectativas em termos de montante da respectiva reforma.
O diálogo com os representantes dos trabalhadores que, na preparação daquele pedido de autorização legislativa, foi completamente ignorado pelo Governo — o Governo ignorou completamente os profissionais, pilotos e comandantes da aviação comercial! — era, por isso mesmo, ainda mais necessário. Para quê? Para preparar a aplicação concreta daquelas novas regras, já que seria incompreensível pretender-se aplicar de forma cega um princípio sem ter em conta a realidade a que se destinava, especialmente, insisto, no âmbito de uma realidade tão melindrosa como a da tripulação de aeronaves.

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Este cuidado devia existir em todas as actividades profissionais, mas mais se justifica quando estamos a tratar da profissão de pilotos da aviação comercial.
Por isso, na altura, recomendámos que o Governo dialogasse de forma aberta e construtiva com os representantes dos comandantes e dos pilotos da aviação comercial — o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil e a Associação Portuguesa dos Pilotos de Linha Aérea.
Para o Partido Social Democrata, esse diálogo era indispensável essencialmente por duas razões.
Em primeiro lugar, para acautelar os interesses legítimos dos comandantes e dos pilotos ao nível da segurança social.
Em segundo lugar, para encontrar uma fórmula realista que permitisse aplicar esse alargamento da idade activa com razoabilidade e com a participação e o acompanhamento positivo dos representantes desses trabalhadores.
Só assim, do nosso ponto de vista, com essa participação do SPAC e da Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea seria possível criar as condições para uma mudança como a preconizada, sem contestação daqueles profissionais nem perturbação no transporte aéreo comercial nacional.
Apesar das nossas preocupações, e contrariando até as promessas então feitas pelo Governo, este continuou a adoptar uma postura autista e arrogante, recusou ouvir e negociar as propostas daquelas duas organizações, obrigando aqueles profissionais a recorrerem a processos de greve.
Só após esta posição de força dos pilotos, com elevados custos para a TAP, é que o Governo socialista recuou e flexibilizou a sua atitude e se dispôs a negociar. O que é lamentável, porque o bom senso recomendava que esse diálogo construtivo ocorresse com naturalidade entre duas partes responsáveis e interessadas em procurarem atingir os objectivos de ambos.
É neste quadro que consideramos que esta apreciação parlamentar só tem razão de ser na medida em que o Governo socialista empurrou, na altura, os pilotos para a greve e não tratou este problema com o respeito que lhe devia merecer o princípio da participação e da livre negociação.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Arménio Santos (PSD): — A negociação entretanto estabelecida, imposta pelos pilotos ao Governo, e o entendimento que entre ambas as partes se anuncia ou se vem desenhando — não sabemos, em concreto, qual o ponto em que estão essas negociações — só prova duas coisas: em primeiro lugar, o elevado sentido de responsabilidade daqueles profissionais. Em segundo lugar, e em contraste com a posição dos pilotos, a insolência política do «quero, posso e mando» do Governo.
O Partido Social Democrata revê-se na solução negociada, regista com satisfação a postura construtiva sempre revelada pelos pilotos nesta questão e considera infeliz e inaceitável o afrontamento inicialmente manifestado pelo Governo face aos comandantes e pilotos da aviação comercial.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Esmeralda Ramires.

A Sr.ª Esmeralda Ramires (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Esta Câmara discute hoje uma apreciação parlamentar trazida pelo Partido Comunista sobre o Decreto-Lei n.º 322/2007, de 27 de Setembro.
Gostaria de relembrar que o aludido diploma dispõe sobre matéria que foi objecto de autorização legislativa discutida e aprovada nesta Câmara com os votos favoráveis do Partido Socialista, do Partido Social Democrata e do CDS-Partido Popular.
Ademais, a proposta de lei de autorização legislativa já incluía não só o sentido e a extensão em que pretendia materializar essa autorização como o próprio projecto de decreto-lei que veio posteriormente a ser aprovado pelo Governo.
Vejamos na sua substância: o Decreto-Lei n.º 322/2007, ora em apreciação, estatui os 65 anos como idade-limite para o exercício das funções de piloto comandante e co-piloto em transporte aéreo comercial, sob condição de certificação médica destes trabalhadores para efeitos de manutenção ou emissão da respectiva

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licença e no duplo condicionalismo de só poderem exercer as suas funções como membros de uma tripulação múltipla e em que um único membro da tripulação técnica de voo tenha atingido os 60 anos de idade.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas não há perigo nenhum, diz o Governo!

A Sr.ª Esmeralda Ramires (PS): — Oiça, Sr. Deputado! Com este diploma, introduziu o Governo no ordenamento jurídico português alterações que visaram a sua uniformização com as normas europeias e internacionais, conferindo a estes profissionais igualdade de tratamento no exercício da profissão.
Efectivamente, a maioria dos países europeus já permitia o exercício das funções até aos 65 anos de idade, enquanto em Portugal os mesmos profissionais estavam impedidos de as exercer a partir dos 60 anos.
Ora, tal desajustamento consubstanciava uma desigualdade que importava corrigir.
Esta era uma situação que, como já foi referido, tinha subjacente o conceito de que existiria um risco acrescido de incapacidade súbita em voo para o grupo etário entre os 60 e os 65 anos, o que determinaria uma maior probabilidade de acidente.
Acontece que o aumento da esperança de vida e a reavaliação dos efeitos do envelhecimento destes profissionais, designadamente através de critérios médicos, físicos e psicológicos, alteraram sustentadamente esse conceito, concluindo pela inexistência de risco acrescido para a segurança de voo.
Nessa senda,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Qual senda?

A Sr.ª Esmeralda Ramires (PS): — A da segurança.
Como eu dizia, nesse senda, a Joint Aviation Authorities (JAA), organismo associado à Conferência Europeia de Aviação Civil, que integra as autoridades nacionais de aviação civil dos Estados europeus, em 1990 — não foi agora! — concluíram pela adopção de normas técnicas comuns que admitem a estandardização das licenças de pilotos de linha aérea mediante a condição de medidas preventivas, o que se materializa na autorização aos pilotos de exercerem funções até aos 65 anos de idade, desde que em operações de tripulação múltipla e desde que nenhum outro membro da tripulação tenha atingido os 60 anos.
Foi igualmente alargada a idade de exercício das funções de piloto para 65 anos pelo Conselho da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI). Foi neste contexto que o Governo adoptou também a regra de alargamento da idade do exercício e funções dos pilotos, sob a verificação do cumprimento das normas técnicas atrás referidas. Esta decisão consubstancia a concessão de um direito justo, equilibrado e adequado.
Esta medida legislativa é tão mais justa, equilibrada e adequada que, já depois de a mesma ter entrado em vigor, foi firmado um acordo entre o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil para ajustar as condições de aposentação a este regime.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas qual acordo?

A Sr.ª Esmeralda Ramires (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Neste contexto, entendemos que não existem razões que justifiquem alterações à lei, a qual, como todas as outras, fará o seu percurso e oportunamente será reavaliada, uma vez mais com o contributo da associação sindical do sector.
Ademais, não ignorando as condições inerentes ao desempenho das funções de piloto, nomeadamente o desgaste físico e psíquico que lhe está associado, o diploma legal hoje em apreciação estatui a criação de uma comissão que terá a função de acompanhar o impacto do alargamento do limite de idade dos pilotos abrangidos pelo mesmo. Comissão que, além do mais, é legitimada pela sua representatividade: um representante do Instituto Nacional da Administração Civil, um médico com reconhecidos conhecimentos e experiência em medicina aeronáutica, um representante dos pilotos indicado pelo Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil, um representante das empresas aéreas e um representante do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.

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Importa, assim, reafirmar que o Governo do Partido Socialista, no quadro de uma política séria e responsável para o sector da aviação, introduziu no ordenamento português um regime jurídico legal que atribui aos pilotos portugueses os mesmos direitos que assistem aos seus congéneres europeus, bem como os mesmos condicionalismos que a todos, pilotos e utilizadores dos transportes aéreos, garantem a segurança necessária e desejada.
Em síntese, até pelo respeito que nos merecem as associações sindicais, não podemos acompanhar o Grupo Parlamentar do PCP nas suas pretensões.

Aplausos do PS.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Só faltava mais esta!

O Sr. Presidente: — Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei que hoje apreciamos tem a marca do Governo do Partido Socialista. O argumento do aumento da esperança média de vida transformase numa espécie de filosofia segundo a qual viver mais tempo não deve corresponder a melhor qualidade de vida ou a mais tempo de vida, mas a uma espécie de penalização que deve prolongar o tempo do trabalho e a «quanto mais velho melhor para trabalhar». Portanto, o aumento da esperança média de vida e vivermos mais tempo transforma-se numa espécie de penalização para trabalharmos mais.
Diz o Governo no Decreto-Lei — vejam a preocupação! — que há, hoje, uma «discriminação relativamente aos pilotos portugueses que se veriam impedidos de exercer as suas funções quando noutros países tal não sucede».

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Coitados!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Coitadinhos, dá vontade de dizer.
Esquece o Governo que esta proposta foi feita não por causa dos pilotos, mas contra os pilotos. Basta ver o processo de negociação e a posição do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil.
Este Decreto-Lei também omite algo essencial: é que há muitas companhias aéreas de referência no espaço europeu em que os pilotos não estão autorizados a voar a partir dos 60 anos, e isso não pode ser omitido.
Os interesses que o Governo parece defender são os da maior rendibilidade para os grupos económicos, o que é tanto mais grave quando sabemos que a profissão de piloto acarreta um desgaste físico e psicológico muito particular e acentuado devido à atmosfera artificial a que estão sujeitos, às reduzidas percentagens de oxigénio, às mudanças de fuso horário.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O Governo está farto de saber isso!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Portanto, o factor segurança, que deveria ser o principal factor a ser tido em conta pelo Governo nesta discussão, é atirado para o fundo da lista das suas preocupações.
Aliás, é o próprio Governo a reconhecer, de acordo com o próprio preâmbulo do Decreto-Lei, que em Portugal há uma «falta de dados sobre a saúde dos pilotos após os 60 anos, idade a partir da qual a maioria deixa de fazer exames médicos para efeitos de certificação médica».
Portanto, o Governo avançou para esta lei sem ter havido estudos, sem negociar com os pilotos, nomeadamente as questões que foram aqui levantadas sobre a especificidade relativamente à segurança social e sobre a penalização a que podem estar sujeitos os pilotos que cessem a actividade antes do tempo.
Assim sendo, percebe-se bem que, quando, no ano passado, em Julho de 2007, o Governo pediu uma autorização legislativa a esta Assembleia, no sentido de se abrir a possibilidade de os pilotos poderem trabalhar até aos 65 anos, aquilo que era pretendido não era abrir essa possibilidade mas, sim, instituir a obrigatoriedade, penalizando os trabalhadores e subvalorizando a segurança dos próprios passageiros e, portanto, de todos nós.

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Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Ora, contra isso, o Bloco de Esquerda manifesta-se de forma muito veemente.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP solicitou a presente apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 322/2007, de 27 de Setembro, que veio fixar em 65 anos o limite máximo de idade para o exercício das funções de piloto comandante e de co-piloto de aeronaves de transporte comercial de passageiros, carga ou correio, o qual revogou expressamente o Decreto Regulamentar n.º 46/77, de 4 de Julho, que determinava a cessação do exercício de funções destes profissionais a partir dos 60 anos de idade, por razões de segurança no transporte aéreo.
Entendem os proponentes que está em causa um problema de segurança do transporte aéreo, bem como o respeito pela saúde e a própria dignidade destes profissionais.
Infelizmente, os proponentes — e, pelos vistos, também o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda — ignoram ou querem esquecer recomendações das entidades respectivas, nomeadamente da ICAO e da JAA, das quais fazem parte e participam entidades administrativas portuguesas,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ora bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — … onde há um conjunto de recomendações que não vão neste sentido.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sai do Estado e volta para o Estado!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — E não vão neste sentido, porquê? Permita-me, Sr. Presidente, fazer aqui uma breve resenha histórica que ajuda a situar o que se está a passar.
O Decreto-Lei hoje em apreciação teve origem na proposta de lei n.º 139/X, que solicitava uma autorização legislativa, o que veio a acontecer.
É verdade — e é importante que se refira — que essa autorização legislativa já trazia a si acoplada grande parte das disposições, as quais foram mantidas, em cerca de 95%, no presente Decreto-Lei.
Dizia, na altura, o CDS o seguinte: Portugal estabeleceu, em 1970, como limite, a idade dos 60 anos para o exercício das funções de piloto comandante de uma aeronave, operando em serviços aéreos internacionais.
Como é óbvio, vários factores determinavam este limite. Mas a verdade é que várias alterações sociais, alterações que têm a ver com o desenvolvimento tecnológico e o aumento de qualidade de vida, levaram exactamente estas instituições internacionais, das quais, relembro, Portugal faz parte, a adoptar novas disposições e novas directivas sobre esta matéria.
Percebo que o PCP se encontra aqui um pouco naquela posição do soldado na parada que, pelos vistos, julga que é o único que está a marchar certo…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Está enganado!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Nem sequer lhe peço para reflectir na posição dos outros grupos parlamentares, mas, pelo menos, para reflectir, ou não ignorar (o que já não era mau) as disposições das autoridades internacionais sobre esta matéria.
Dizia também, na altura, o CDS que viabilizaria a proposta de lei de autorização legislativa, chamando, no entanto, a atenção do Governo para um problema que, a nosso ver, se mantém sem resposta, que é o de saber em que situação ficam os pilotos que tenham, neste momento, 60 anos, que estejam na expectativa de

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chegar agora à idade da sua reforma e que, ao ser-lhes aplicado este diploma, perdem esta expectativa, nomeadamente se cruzarmos isto com a aplicação de um conjunto de novas regras da segurança social. Ora, nós defendíamos que devia ter havido para estes pilotos uma resposta específica, e não só a reposta geral da segurança social, o que poderia proteger a sua expectativa, que obviamente é diferente da de outro qualquer trabalhador.
Infelizmente, o Governo «fez ouvidos de mercador» a estas propostas e no Decreto-Lei que hoje estamos a analisar nada é dito sobre esta matéria, o que lamentamos.
Obviamente também não podemos esquecer, fazendo um elogio aos pilotos, que esta foi uma matéria onde houve também uma negociação entre o Governo e os representantes destes trabalhadores. Mas para essa negociação acontecer foi preciso uma fortíssima luta por parte dos pilotos e dos co-pilotos, que culminou até numa greve, greve essa que devia e podia ter sido evitada pelo Governo, se atempadamente tivesse dado um conjunto de respostas, respostas estas que o Governo recusou.
Por isso mesmo, coerentemente com o que defendemos na altura do debate da proposta de lei n.º 139/X, viabilizaremos este Decreto-Lei, que nos parece fazer sentido.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações (Paulo Campos): — Sr.
Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de referir que este processo se segue a uma autorização legislativa e a um debate parlamentar a ela associado e à publicação do diploma que nessa altura discutimos nesta sede.
Nessa altura, ficou também claro que este diploma regularia as condições de operação dos pilotos, elevando a sua idade de 60 para 65 anos, ou seja, o limite máximo de idade para condições de operação dos pilotos da aviação civil, em Portugal.
Este diploma não regula as matérias de acesso à segurança social ou de acesso às pensões. Nesse contexto, outro diploma existirá para regular essa matéria.
Cingindo-nos, portanto, à questão em cima da mesa, gostaríamos de reafirmar, mais uma vez, que o Governo governa para o País e não para classes ou corporações.

Risos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Quem ouvisse esta sessão, perceberia que há partidos que teimam em ser porta-vozes de classes e corporações em vez de serem porta-vozes do País.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os senhores defendem os grandes interesses económicos e nós defendemos os trabalhadores!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações: — Nós temos uma política muito clara nesta matéria e, ao contrário daquilo que o Sr. Deputado Bruno Dias afirmou, é uma política justa. Nomeadamente na questão que tem a ver com a não discriminação de pilotos portugueses que queriam trabalhar — aliás, constituíram-se como associação para esse fim, como os Srs. Deputados certamente se recordarão — e de outros que tinham de sair do País para continuar a trabalhar, pois era essa a sua opção. Ora, no espaço europeu, Portugal era já um dos poucos exemplos de países em que não era permitido voar após os 60 anos. Portanto, estava aqui também em causa uma discriminação negativa dos pilotos portugueses, situação que este diploma veio alterar e que muitos pilotos aplaudiram.
Aliás, esta decisão, ao contrário do que o Sr. Deputado disse, é uma decisão sustentada em inúmeros estudos médicos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vamos a eles!

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O Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações: — É uma decisão sustentada por várias organizações internacionais, a saber, pela JAA e pela ICAO, que, por sua vez, se sustentaram em inúmeros estudos médicos. A ICAO recorreu, por exemplo, ao Aerospace Medical Association, que se pronunciou nos termos seguintes: «Não há evidência suficiente para suportar restrições à certificação de pilotos baseada apenas na idade». Ou ainda ao International Academy of Aviation and Space Medicine, que declarou suportar totalmente a ICAO na revisão da norma que impõe o limite de 60 anos. Ou ainda a outras organizações, cuja opinião poderíamos transmitir, ouvidas quer pela JAA, quer pela ICAO, quer pela própria IATA, que também manifestou a sua concordância com as conclusões destas organizações de que não havia evidência médica para suportar restrições aos 60 anos.
Relativamente à questão abordada pelo Sr. Deputado Bruno Dias, de que Portugal é um dos poucos países em que está a ser implementada esta medida, posso dizer-lhe que o que se passa é exactamente o contrário.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não foi bem isso que ele disse!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações: — Aliás, nos EUA, depois de um longo processo administrativo em que se recorreu também a inúmeros estudos médicos que demonstraram e provaram esta tese, este processo está agora na fase final, pelo que as instituições americanas estão a finalizar a legislação no sentido de passar a idade de 60 para 65 anos.
Srs. Deputados, gostaria ainda de abordar um outro tema, que foi muito falado esta tarde, dizendo que, ao contrário do que alguns dos Srs. Deputados transmitiram, obviamente todo este processo foi feito em grande diálogo.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Importa-se de repetir?!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações: — Aliás, esta versão do diploma colheu a aprovação do próprio sindicato. Portanto, houve realmente diálogo nesta matéria.

Protestos do PCP.

Com certeza que podem questionar o sindicato, Srs. Deputados, ou podem, se quiserem, fazer um requerimento a solicitar a informação que o sindicato nos enviou, aprovando e dando o seu consentimento a esta proposta.
Por isso, como é óbvio, tudo foi feito de acordo com a política clara deste Governo que consiste em ouvir, reflectir e depois decidir. Neste caso concreto, o Governo decidiu depois de ter ouvido em conjunto os diferentes representantes dos pilotos e da sociedade envolvida e, de alguma forma também, os representantes da associação que defendia a passagem da idade-limite dos pilotos de 60 para 65 anos.
Gostaria, aliás, de recordar que quando surgiu a situação de greve a posição do Governo foi exactamente a de que nada se tinha alterado relativamente à posição de diálogo que o Governo tinha assumido com o sindicato. Ou seja, desde que o sindicato quisesse, e sem quaisquer questões prévias, o Governo estava disposto a negociar as matérias associadas às questões colocadas, sendo, neste caso concreto, a maioria das questões colocadas relacionadas com o regime de acesso à segurança social por parte dos pilotos.
Assim, quando os pilotos entenderam voltar à fase de diálogo e à negociação, o Governo, sem condições prévias, voltou a encetar todo o processo que neste momento está em curso e do qual não há ainda conclusões que possam ser partilhadas com todos.
Neste momento estão a decorrer negociações entre o sindicato e as empresas do sector, por forma a chegarmos a uma posição final, para que então, aí sim, o diploma associado às matérias da segurança social possa avançar de acordo com os canones que este Governo implementou nesta matéria: ouvir, reflectir e decidir. Neste caso estamos ainda na fase de audição, para depois podermos reflectir e transmitir aos Srs. Deputados e ao País a nossa decisão nesta matéria.
Gostaria ainda de recordar que, obviamente, este processo teve em conta as obrigações internacionais de Portugal, nomeadamente aquelas que Portugal adoptou quando aderiu à Organização da Aviação Civil

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Internacional. Aliás, foi com base nas recomendações da ICAO que se obteve o procedimento interno de limite de idade aos 60 anos. Foi, portanto, esta organização internacional que alterou essa recomendação e foi nesse contexto que elaborámos este diploma, que foi precedido de uma autorização legislativa.
Para terminar, Srs. Deputados, gostaria de reafirmar a linha de rumo que o Governo traçou nesta matéria, que foi uma linha de auscultação, de diálogo, de reflexão e de decisão relativamente aos interesses do País e à política que temos vindo a seguir no que diz respeito aos limites de idade para o trabalho nas diferentes classes.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, há um ponto prévio que é necessário colocar, que é o seguinte: nesta fase, no âmbito da lei portuguesa, estamos a tratar da permissão para que os pilotos possam voar a partir dos 60 anos até aos 65 anos, não estamos a tratar das questões do aumento da idade da reforma. Digamos que essa é a «arma escondida» que o Governo prepara e que foi deixando na «sombra», enquanto até agora nada surgiu sobre esta matéria, razão pela qual terão de ser colocadas algumas questões em seu devido tempo. Por alguma razão, o Governo optou por separar as etapas deste processo.
O Sr. Secretário de Estado, o Governo e estes diplomas mencionam a questão dos exames médicos periódicos como garantia do acompanhamento do estado de saúde dos pilotos. O que quero perguntar ao Sr.
Secretário de Estado é se é ou não verdade que estes exames médicos já existem para os pilotos a partir dos 40 anos. Portanto, estamos ou não perante uma falsa questão quando se fala do acompanhamento médico especial aos pilotos a partir dos 60 anos, uma vez que esse acompanhamento se faz não a partir dos 60 anos, mas a partir dos 40 anos? Parece que se impõe aqui alguma clarificação.
Depois, fala-se em esperança média de vida e em melhores cuidados de saúde, matéria relativamente à qual o Sr. Secretário de Estado disse que o Governo possui uma quantidade enorme de estudos. De facto, há certos e determinados estudos que o Governo tem, mas não mencionou, por exemplo, o estudo da Flight Safety Foundation, publicado na Flight Safety Digest, que aponta, a propósito das causas da perda de licença de voo por doença, em primeiro lugar, as doenças do foro cardiovascular, em segundo lugar, as doenças do foro neurológico, em terceiro lugar, as doenças do foro oncológico e, em quarto lugar, as doenças do foro psiquiátrico. Fica, portanto, por saber se estamos ou não perante factores de risco associados ao exercício de funções nesta profissão, em condições particularmente expostas e melindrosas para o transporte aéreo e para a segurança das pessoas.
A questão da segurança da decisão é um aspecto central, Sr. Secretário de Estado, porque é muito diferente dizermos que não sabemos se há risco ou não ou dizermos que não há qualquer risco. Ora, o que é referido no Decreto-Lei é que não há risco acrescido com esta decisão, e isso não está demostrado, pois o ónus da demonstração da ausência de risco que o Governo invoca não está a ser cumprido.
Termino, Sr. Presidente, perguntando ao Sr. Secretário de Estado se é ou não verdade que a esperança média de vida dos pilotos de linha aérea é apontada como inferior a 65 anos nos tais estudos de que o Governo tem conhecimento.
Já agora, quando se tratar do aumento da idade da reforma e das decisões que o Governo prepara nesta matéria, a propósito da disponibilidade para ouvir, reflectir e decidir que o Sr. Secretário de Estado referiu, vai ou não trazer essa matéria à Assembleia da República para que, também em consulta pública e em debate parlamentar, essas matérias possam ser aclaradas?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações.

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O Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, a questão central que se coloca relativamente a este diploma é a de saber se podemos ou não interditar o acesso ao mercado de trabalho por parte de pilotos que o pretendam fazer.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso não é sério!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Se essa é a questão central, por que é que não o disse há bocado?

O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas: — É essa a matéria que foi tratada neste diploma e que permite, a partir de agora, o acesso ao mercado de trabalho a pilotos que noutras condições teriam de se ausentar. Não tinham de ir muito longe, bastava-lhes atravessar a fronteira, porque a partir dali estes problemas de segurança já não existem. Ou seja, os pilotos que eram interditados de trabalhar em Portugal já podiam trabalhar em Espanha,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Em Espanha também não é preciso capacete para andar de motociclo!

O Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas: — … ou na Bélgica, ou na Dinamarca, ou na Finlândia, ou na Alemanha, ou na Islândia, ou em Itália, ou em Malta, ou na Holanda, ou na Noruega, todos países que não têm quaisquer preocupações com a segurança dos passageiros, com a segurança dos pilotos e com a segurança do sector da aviação civil.
Portanto, o que estamos a fazer, Sr. Deputado, é a levantar uma interdição de acesso ao mercado de trabalho relativamente aos pilotos que, em muitas situações, até manifestavam que queriam continuar a trabalhar porque se sentiam aptos para tal.
Quanto à questão que referiu sobre as negociações e sobre o processo de diálogo em curso com os sindicatos relativamente às matérias de adesão à segurança social, é curioso que, na sua intervenção inicial, o Sr. Deputado se tivesse queixado e criticado o Governo dizendo que não ouve os sindicatos, que toma as decisões de uma forma autista, que leva os sindicatos para a greve. Porém, quando o Governo está em fase de diálogo com os sindicatos, o Sr. Deputado diz que o Governo está a preparar a decisão, deixando-a na sombra, não considerando já, neste caso, que haja falta de diálogo.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Nem sequer trouxe o tal acordo à Assembleia!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações: — Pois é exactamente isso que estamos a fazer, ou seja, estamos a dialogar com os sindicatos e com as companhias do sector para que sejam encontradas as soluções relativas à resolução dos problemas, em termos de segurança social, no período entre os 60 e os 65 anos, de modo a que, depois de os termos ouvido, possamos reflectir e decidir. E, obviamente, em relação à nossa decisão, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista está sempre em condições de solicitar uma apreciação parlamentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, sob a forma de intervenção, quero fazer uma pergunta muito objectiva ao Sr. Secretário de Estado, a que procurou responder na ponta final da sua intervenção, mas sobre a qual me permito insistir.
O Sr. Secretário de Estado referiu que o processo de negociação com os sindicatos está a decorrer, que oportunamente os resultados virão a público e que, eventualmente, a Assembleia da República poderá ser chamada a pronunciar-se, uma vez que alguma bancada poderá pedir a apreciação parlamentar dessa decisão.

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Sr. Secretário de Estado, aquilo que gostaria de perceber, e porque as negociações já decorrem há largo tempo, e não há 8 ou 15 dias nem há um mês, é em que ponto se encontram essas negociações. O Sr.
Secretário de Estado considera que estamos mais próximos de um entendimento, de um acordo ou, pelo contrário, estamos a meio da «ponte», onde ainda tudo pode acontecer?! Como compreenderá, gostaria que estivéssemos já perto do final, da solução, porque, para nós, o que interessa são soluções para os problemas, de modo a que se tornem úteis para as pessoas e, neste caso concreto, para o País e para os profissionais, pilotos e comandantes.
Nesse sentido, agradeço que, se possível, o Sr. Secretário de Estado nos dê a informação sobre o ponto em que se encontram essas negociações.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, relativamente ao processo que se encontra em curso, é complexo, como o Sr. Deputado Arménio Santos pode e sabe reconhecer, e dá continuidade a um diálogo com o sindicato que, como eu disse, desde a primeira hora acompanhou todo o processo legislativo associado a estas matérias. Podemos dizer que o processo decorre com grande normalidade e com grande confiança entre as partes.
Nesse contexto, e naquilo que diz respeito ao Ministério, temos uma confiança muito grande em que chegaremos ao fim deste processo com acordo total entre todas as partes. Aliás, relativamente às questões que foram colocadas, diria que há, neste momento, uma convergência, nomeadamente naquelas que têm a ver com os princípios da equidade, da não discriminação, da universalidade, da especificidade e da transversalidade. E, obviamente, uma questão fundamental é a de que serão contemplados no diploma legal que fixará a reforma aos 65 anos e, portanto, regulará também as condições de acesso às pensões de velhice e invalidez, pelo que não está em causa a idade de reforma aos 65 anos.
Nestas matérias, que eram fundamentais e sobre as quais incidiram as questões colocadas quer pelo lado do sindicato, quer pelo lado do Governo, ou seja, o limite da idade de reforma aos 65 anos e o reconhecimento dos princípios da equidade, da não discriminação, da universalidade, da especificidade e da transversalidade, existe, neste momento, um entendimento.
Quanto a mais informações, não é possível dá-las, porque ainda não chegámos à fase final e está a decorrer um conjunto de negociações, em paralelo e em simultâneo, com diferentes entidades, nomeadamente com as empresas prestadoras do serviço em Portugal, para que se possam definir todas as soluções possíveis e admissíveis no acesso dos pilotos à segurança social.
Neste contexto, Sr. Deputado Arménio Santos, mais do que isto não lhe posso transmitir, porque ainda não há conclusões que o permitam fazer, mas, a seu tempo, obviamente, os Srs. Deputados serão informados e, como já afirmei, terão acesso às matérias que julguem necessárias, nomeadamente no âmbito dos procedimentos regimentais que têm ao vosso dispor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o debate da apreciação parlamentar n.º 55/X, mas informo que deu entrada na Mesa um projecto de resolução sobre a referida apreciação, o qual será votado na próxima sexta-feira, no período regimental.
Passamos ao último ponto da nossa ordem do dia de hoje, a apreciação conjunta dos projectos de resolução n.os 253/X — Criação de uma Comissão Eventual de Acompanhamento da Construção do Novo Aeroporto de Lisboa (CDS-PP) e 258/X — Constituição de uma Comissão Eventual para Análise e Acompanhamento dos Estudos e da Construção do Futuro Aeroporto Internacional de Lisboa (PSD).
Para apresentar o projecto de resolução do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

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O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tomada a decisão preliminar de localização e construção do novo aeroporto internacional de Lisboa na zona do Campo de Tiro de Alcochete, o CDS, imediatamente, propôs a esta Câmara que fosse constituída uma comissão de acompanhamento da construção do novo aeroporto de Lisboa,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — E bem!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — … justificando esta nossa proposta com o facto de o valor do investimento previsto, por parte do Estado, ser significativo e ser, neste momento, a maior obra que se projecta executar no País, cuja importância é deveras conhecida e sabida. Torna-se, por isso, necessário proceder a este acompanhamento.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — O CDS entende que o acompanhamento e a fiscalização dos custos do novo aeroporto de Lisboa são tão ou mais importantes do que foram o acompanhamento da execução das obras da Expo 98…

Vozes do CDS-PP: — Bem lembrado!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — … e do Euro 2004.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Nessa altura, criámos uma comissão de acompanhamento do Euro 2004 e ficou à evidência demonstrada a sua utilidade no escrutínio que compete a esta Assembleia da República, perante grandes investimentos do Estado.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Estou certo de que, hoje, uma comissão de acompanhamento desse tipo se justifica e será, com certeza, viabilizada.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Nem há outra hipótese!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Em 4 de Abril de 2007, há cerca de um ano atrás, em idêntica proposta, nessa altura para acompanhamento dos estudos sobre a Ota, dizia um ilustre Deputado do Partido Socialista: «Termino dizendo, Sr. Presidente, que nós não voltaremos as costas a este problema, porque assim que o processo de execução do novo aeroporto entrar em funcionamento, do mesmo modo que foram propostas e aprovadas comissões de acompanhamento do Euro 2004 ou da Expo 98, também aqui faremos aprovar uma comissão de acompanhamento da execução do novo aeroporto internacional de Lisboa.». Citei palavras de José Junqueiro, Deputado do Partido Socialista,…

Vozes do CDS-PP: — Bem lembrado!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — … a páginas 29 do Diário da Assembleia da República, de 4 de Abril de 2007, conforme podem consultar.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Com aplausos do PS, com certeza!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Se, nessa altura, o Partido Socialista «chutou para canto», desta vez a marca está na «penalidade» e tenho a convicção de que o Partido Socialista vai querer marcá-la, a favor de

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Portugal, a favor do investimento que está e irá ser feito, e não quererá, com certeza, abandonar o «campo» e fugir do «jogo» nesta altura do campeonato.
Esta é a nossa proposta e estou certo de que o Partido Socialista irá viabilizar a constituição desta comissão eventual de acompanhamento das obras de construção do novo aeroporto internacional de Lisboa,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Como prometido!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — … pelo compromisso que assumiu no dia 4 de Abril de 2007. Estou seguro de que não faltará à palavra, conforme aqui demonstrou nessa altura.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projecto de resolução n.º 258/X, do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa.

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta que o PSD faz aqui, hoje, é muito simples e muito clara — propomos que a Assembleia da República não fique alheada do processo de concretização de um dos grandes investimentos do País em infra-estruturas.
A construção do novo aeroporto é uma obra de regime que se prolongará por mais de uma legislatura. É sabido que terá um impacto significativo na economia nacional não só pelos meios que obrigará a mobilizar e pelo montante de investimento associado mas também no ordenamento do território pelo papel que deverá desempenhar na articulação dos vários sistemas de infra-estruturas e de mobilidade. É, pois, uma obra estruturante e com implicações decisivas para o nosso futuro colectivo.
Pela magnitude do que está em causa, é incompreensível que o Parlamento se alheie, ou seja, que por uma qualquer maioria fique marginalizado deste processo.
O PSD já tinha apresentado em Março de 2007, há quase um ano, um projecto de resolução com o objectivo de criar uma comissão eventual para análise do processo do novo aeroporto de Lisboa. Infelizmente, na altura, o Partido Socialista, utilizando, uma vez mais, o «rolo compressor» da maioria, impediu a sua constituição.
Os acontecimentos que, entretanto, se sucederam vieram a demonstrar que tínhamos razão e como teria sido útil a sua existência. Esperamos que tenham aprendido com o erro, embora os últimos acontecimentos não augurem nada de bom! Ainda na semana passada, a maioria impediu a realização de audições, na Comissão Parlamentar, de técnicos, a propósito do sistema de acessibilidades ao novo aeroporto de Lisboa, em Alcochete,…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Jorge Costa (PSD): — … apesar de o próprio Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) recomendar a sua reavaliação e de o Sr. Ministro das Obras Públicas ter demonstrado abertura para tal.
Mesmo assim, contra o LNEC e contra o próprio Ministro chumbaram a nossa iniciativa.
Os portugueses não compreenderão que o Parlamento seja impedido de acompanhar este processo pela maioria socialista, até porque, aquando do debate nesta Assembleia sobre a constituição da comissão que então propusemos, o Deputado do Partido Socialista José Junqueiro afirmou aquilo que ainda agora ouvimos aqui, que me dispenso de voltar a ler — se quiserem, basta consultar o Diário da Assembleia da República.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este processo entrou inequivocamente em fase de execução, como então admitia o Partido Socialista, e, por isso, é hora de constituir a comissão que propomos. Matérias como os custos e a sua reprodutividade; as condições de segurança; o modelo de concretização a adoptar e a eventual privatização da ANA — Aeroportos e Navegação Aérea; a forma e o faseamento da sua construção; o sistema de acessibilidades; e a sua conexão com as redes ferroviárias e rodoviárias não podem ficar ausentes do debate e acompanhamento por parte desta Assembleia.

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Basta agora que sejam coerentes com o que então afirmaram. O que, embora saibamos que nem sempre é fácil, é, no mínimo, exigível.
Não tenham medo de enfrentar o esclarecimento e a verdade e viabilizem a proposta que apresentámos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate poderia ser uma espécie de sessão comemorativa. Aliás, chegámos a suspeitar que houvesse alguma dimensão simbólica neste agendamento, porque se cumpre hoje a bonita efeméride da passagem de uma década desde a apresentação do primeiro projecto de resolução, do PSD, propondo a constituição de uma comissão eventual relativamente ao futuro aeroporto internacional de Lisboa! Tratou-se do projecto de resolução n.º 78/VII, que foi aprovado, por unanimidade, na Assembleia da República.
Ao longo destes 10 anos, houve meia dúzia de iniciativas no mesmo sentido, repetindo a proposta de criação, na Assembleia, de uma comissão eventual de acompanhamento do novo aeroporto. E ora com o PS, ora com o PSD, quem estava na oposição propunha uma comissão eventual de acompanhamento do novo aeroporto e quem estava na maioria rejeitava-a e chamava a iniciativa de demagógica, dizia que era uma arma de arremesso político, etc. E andamos nisto há uma década! Há uma década que andamos a discutir a criação de comissões de acompanhamento, com as maiorias, sucessivamente, a recusarem essa opção. E o certo é que quer o PSD quer o PS já disseram mais do que uma vez, ao longo deste tempo, que a decisão estava tomada, que não havia nada para discutir,…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Isso é que não! Isso não é verdade!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … do que se tratava era de arrancar mais depressa, ou mais devagar, com o projecto! Isto aconteceu, por exemplo, nas múltiplas vezes que esta matéria foi levada a Plenário, a última das quais por parte do PSD, com o projecto de resolução n.º 190/X, ou por parte do PS, com o projecto de resolução n.º 166/IX. A resposta era a mesma, apenas variavam os protagonistas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, entendemos que ou numa comissão de acompanhamento ou na comissão parlamentar especializada, que é a 9.ª Comissão, esta matéria tem que ser acompanhada, tem que ser objecto de reflexão, tem que ser objecto de debate, tem que ser objecto de realização de audições na Assembleia da República, levando a cabo um debate que não tem acontecido com a profundidade necessária e exigível nesta Casa.
Estamos perante matérias cruciais que o País tem que acompanhar e conhecer e, por maioria de razão, o Parlamento tem obrigação, no momento actual, de conhecer, de debater e de fiscalizar este empreendimento.
Estamos numa altura em que o Governo já disse, sobre o modelo de financiamento, e em relação à grave decisão e à grave perspectiva de privatizar a ANA, mas também a TAP Portugal, que está tudo em aberto, mas que, dependendo do Governo, tudo fica na mesma, ou seja, avançam as privatizações; sobre o ordenamento do território não há novidades relativamente ao que se prevê para uma solução participada com aqueles que conhecem o território e que intervêm diariamente nesta matéria; e em relação à própria articulação com os equipamentos actuais, nomeadamente com o aeroporto da Portela, o seu faseamento e a sua articulação com o novo empreendimento, continua a não existir clareza, não há uma resposta definitiva e esclarecedora por parte do Governo.
Portanto, Srs. Deputados, quando o Partido Socialista, na 9.ª Comissão, rejeita a realização de debates e audições que permitiriam aprofundar e aclarar esta matéria e recusa, neste caso com a «maioria de turno», constituir uma comissão de acompanhamento a este processo, estamos perante uma dificuldade muito grande da maioria em desenvolver um processo participado, transparente e, política e democraticamente, claro para que o País conheça o que, de facto, está em causa em relação a uma matéria tão estruturante para a nossa economia e para o nosso futuro colectivo.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: É a segunda vez que esta Assembleia debate a criação de comissões de acompanhamento do novo aeroporto internacional de Lisboa.
Se, quando realizámos o anterior debate, em que estiveram em discussão dois projectos de resolução, um do PSD e outro do BE, existia ainda um clima e uma situação em que o Governo teimosamente apontava a Ota como a única e possível situação e, de alguma maneira, se queria resguardar da existência de uma comissão que escrutinasse todos os passos sobre essa matéria,…

Vozes do BE: — Bem lembrado!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … penso que, hoje, estamos perante uma situação bem diferente, ou seja, temos um cenário em que está decidida outra localização para o novo aeroporto de Lisboa. E agora estou com a mesma expectativa que, com certeza, as outras bancadas têm em saber qual será a posição do Partido Socialista. Mas estou em crer que não vai manter a sua postura de teimosia…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não!…

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … de outros tempos e que vai, sim, ter uma posição aberta, indo ao encontro das necessidades de acompanhamento de uma obra deste tipo! Portanto, vou partir desse princípio, continuando a minha intervenção na lógica de que a constituição desta comissão de acompanhamento vai, finalmente, ser aprovada.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Por unanimidade!…

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — O novo aeroporto internacional de Lisboa, uma obra deste tipo e com estas características, que já todos conhecemos tão bem, assim como, eventualmente, no futuro, a rede ferroviária de alta velocidade devem, do nosso ponto de vista, ser acompanhados passo a passo. É que, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, não é só o aeroporto que está em causa. É o aeroporto e todo o impacto a nível ambiental, a nível urbanístico, a nível do ordenamento do território e, até, a nível financeiro que esta obra vai determinar.
Por isso, Srs. Deputados, ela merece ser acompanhada por uma comissão que se especialize e dedique a esta questão — não tirando, com certeza, competências à Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
Já que falei nos impactos financeiros, não posso deixar de referir o modelo de financiamento. Aliás, o projecto de resolução do PP faz referência ao modelo de financiamento na sua introdução, embora, lamentavelmente, não o coloque na parte resolutiva. Do ponto de vista do Bloco de Esquerda, o projecto de resolução do PP deveria fazer referência ao modelo de financiamento na parte resolutiva.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Bem lembrado!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Porque o impacto do modelo de financiamento desta obra e da privatização da ANA, que não vai ocorrer apenas neste aeroporto mas, sim, em todos os aeroportos do território nacional — todos! —, no continente e nas regiões autónomas, não é matéria de somenos importância e deve ser acompanhada, também, por esta comissão, mais ainda quando o relatório saído do próprio LNEC é muito claro sobre a viabilidade económica e financeira da construção do novo aeroporto.
Sr.as e Srs. Deputados, a privatização da ANA está decididamente posta em causa e nós temos de nos pronunciar sobre isso, também.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que, da parte do Bloco de Esquerda, nada há a opor à constituição desta comissão e, por isso, ela contará com o nosso voto favorável.

Vozes do BE: — Muito bem!

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Baltazar.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Naturalmente, todas as discussões sobre estes grandes investimentos nacionais são discussões que importam fazer.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — E importa fazer em sede própria.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — No Parlamento, importa fazer a discussão política.
Julgo que o que está em causa não é uma discussão nem técnica nem de fiscalização efectiva da obra,…

Risos do Deputado do PCP Bruno Dias.

… porque o acompanhamento e fiscalização efectiva da obra compete, como todos sabemos, ao Tribunal de Contas. É da competência exclusiva do Tribunal de Contas.

Vozes do CDS-PP: — Ahh!…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — No Euro 2004, não era!

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — Não é esse o tipo de acompanhamento que aqui estamos a discutir mas, sim, o acompanhamento político desta matéria.
Os Srs. Deputados do CDS e do PSD propuseram há mais de um ano — recordo, aliás, que debatemos pela primeira vez esta questão no programa Parlamento há mais de um ano —, na Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, a constituição de comissões eventuais de acompanhamento. Ora, quando queremos fazer uma qualquer discussão política, que é o que os Srs. Deputados querem, temos o Plenário e, em sede de especialidade, as respectivas comissões.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Quando o PS deixa!…

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — Assim, se os Srs. Deputados querem discutir obras públicas, transportes e comunicações, temos uma comissão específica para o efeito, uma comissão permanente;…

Vozes do PS: — Exactamente!

Protestos do CDS-PP e do PCP.

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — … se os Srs. Deputados querem discutir ambiente, poder local e ordenamento do território, temos uma comissão específica para esse efeito;…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — É extraordinário! Acabaram-se as comissões de acompanhamento!

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — … se os Srs. Deputados querem discutir economia, inovação e desenvolvimento, temos uma comissão específica para discutir esta matéria.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Está a fazer uma revisão do Regimento!

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O Sr. Nelson Baltazar (PS): — Ou seja, temos três comissões permanentes onde podemos discutir estas matérias.
Concretamente, na apresentação do CDS foi-nos dito que estes investimentos significativos importavam e obrigavam à existência de uma comissão eventual. Srs. Deputados, então, e o TGV? Não é um investimento significativo?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bela ideia!

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — É maior do que este!

Aplausos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Então, e a terceira travessia do Tejo? E as plataformas logísticas?

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Já lá vamos!

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, em breve, teremos aqui 10 comissões específicas, que serão eventuais, para discutir esta matéria!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Não! Duas!

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — Os Srs. Deputados sabem que, para além destas questões, que são investimentos novos, há investimentos importantíssimos em curso, podendo cada um ter uma comissão eventual de discussão — também as novas comunicações e as novas tecnologias podem ter uma comissão específica. E podemos acrescentar ainda a rede ferroviária e a rede rodoviária.
Srs. Deputados, quando o PS, por uma razão que entenda adequada, não votar documentos dos vossos grupos parlamentares que os Srs. Deputados entendam que devem ser votados nas comissões para discussão (não o temos feito, mas quando o fizermos!), os Srs. Deputados podem sempre recorrer àquele modelo regimental que hoje está em curso: o direito potestativo para discussão destas matérias.

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

Srs. Deputados, mais comissões, mesmo que eventuais, para discutir esta matéria só são razoáveis, diria, depois de as comissões permanentes estarem completamente bloqueadas na discussão destas matérias.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Nelson Baltazar (PS): — Esta é a posição do PS.
E por aqui me fico, Sr. Presidente.

Aplausos do PS.

Protestos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao fim da apreciação dos projectos de resolução n.os 253/X (CDS-PP) e 258/X (PSD).
Concluídos os trabalhos de hoje, resta-me informar que a próxima sessão plenária se realiza amanhã, quinta-feira, com início às 15 horas, constando da ordem do dia a aprovação dos Diários n.os 13 a 30, respeitantes às reuniões plenárias de 6 a 30 de Novembro e de 5 a 21 de Dezembro, e um agendamento potestativo do PCP para discussão do projecto de resolução n.º 241/X — Proposta de referendo ao Tratado de

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Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa a 13 de Dezembro de 2007, que vai ser apreciado em conjunto com os projectos de resolução n.os 246/X (BE), 248/X (CDS-PP) e 250/X (Os Verdes), todos de idêntico teor, que serão votados no final da sessão.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
António Ribeiro Gameiro
João Carlos Vieira Gaspar
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Isabel da Silva Pires de Lima

Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Arménio dos Santos
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Renato Luís Pereira Leal
Umberto Pereira Pacheco

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Paulo Miguel da Silva Santos

Partido Popular (CDS-PP):
José Helder do Amaral

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

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Partido Socialista (PS):
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Maria de Lurdes Ruivo
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

Partido Social Democrata (PSD):
Agostinho Correia Branquinho
Carlos António Páscoa Gonçalves
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Mário Henrique de Almeida Santos David

Bloco de Esquerda (BE):
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

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