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Sexta-feira, 29 de Fevereiro de 2008 I Série — Número 53

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE FEVEREIRO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 462 a 466/X, da apreciação parlamentar n.º 66/X e dos projectos de resolução n.os 278 e 279/X.
Procedeu-se ao debate sobre as actividades profissionais e o regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos titulares dos cargos políticos e altos cargos públicos, requerido pelo PSD, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento. Após a intervenção de abertura pelo Sr. Deputado Rui Gomes da Silva (PSD), usaram da palavra, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva), os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Ricardo Rodrigues (PS), Bernardino Soares (PCP), Luís Fazenda (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Pedro Santana Lopes (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado Paulo Portas (CDS-PP) deu conta da posição do seu partido acerca da declaração unilateral de independência do Kosovo e chamou a atenção para a posição dos Estados-membros da União Europeia e para os problemas internacionais que podem surgir devido à quebra de princípios do Direito Internacional.
No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Vitalino Canas (PS), Bernardino Soares (PCP), Fernando Rosas (BE) e Pedro Santana Lopes (PSD).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Drago (BE) condenou a política educativa do Governo e deu resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luiz Fagundes Duarte (PS), Miguel Tiago (PCP), Pedro Duarte (PSD) e José Paulo Carvalho (CDS-PP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Fernando Cabral (PS) fez um balanço das Jornadas Parlamentares do seu partido, realizadas no início da semana, e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ana Manso (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e Bernardino Soares (PCP).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Honório Novo (PCP) trouxe à colação os lucros da banca, respondendo, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Victor Baptista (PS) e Patinha Antão (PSD).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes), a propósito do relatório conjunto de 2008, sobre Protecção e Inclusão sociais, insurgiu-se contra os elevados níveis de pobreza, designadamente entre as crianças, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Machado (PCP) e Maria José Gambôa (PS).
Foi aprovado, na especialidade e em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Defesa Nacional, relativo à proposta de lei n.º 168/X — Primeira alteração à Lei do Serviço Militar, aprovada pela Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro.

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Foram igualmente aprovados os votos n.os 132/X e 133/X, ambos apresentados pelo PS, de pesar, respectivamente, pelo falecimento dos cidadãos angolanos Joaquim Pinto de Andrade e de Gentil Ferreira Viana, tendo, depois, a Câmara guardado 1 minuto de silêncio.
Foram rejeitados os projectos de resolução n.os 259/X — Suspensão do processo de encerramentos de serviços de atendimento permanente, urgências, maternidades e outras valências (PCP), 269/X — Recomenda ao Governo a suspensão do encerramento de serviços de saúde e uma orientação para o processo de requalificação das urgências hospitalares e da rede de socorro pré-hospitalar (BE) e 272/X — Reavaliação do processo de reestruturação de serviços de saúde (PSD).
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 468/X e do projecto de resolução n.º 280/X.
Procedeu-se à discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 262/X — Recomenda ao Governo a criação de um sistema de dinamização de parcerias e de apoio à gestão das PME no âmbito do QREN (PS), 273/X — Recomenda ao Governo um programa de apoio às micro, pequenas e médias empresas (PSD) e 274/X — Responder à difícil situação das micro, pequenas e médias empresas com a QREN e outras políticas (PCP). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Paula Nobre de Deus (PS), Hugo Velosa (PSD), Hélder Amaral (CDS-PP), Almeida Henriques (PSD) e Agostinho Lopes (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira

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Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Marisa da Conceição Correia Macedo
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

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Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Olímpia do Nascimento Castro Candeias
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Zita Maria de Seabra Roseiro

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Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Paulo Sacadura Cabral Portas
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Miguel Pacheco Gonçalves

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 462/X — Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro (CDS-PP), que baixou à 5.ª Comissão, 463/X — Garante o porte pago aos órgãos de imprensa e a publicações especializadas (PCP), que baixou à 12.ª Comissão, 464/X — Não prescrição do direito à indemnização emergente de doenças profissionais por parte de todos os ex-trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, SA, abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 28/2005, de 10 de Fevereiro (BE), que baixou à 11.ª Comissão, 465/X — Lei da autonomia, qualidade e liberdade escolar (CDS-PP), que baixou à 8.ª Comissão, 466/X — Regula o cultivo de variedades agrícolas geneticamente modificadas (PCP), que baixou à 6.ª Comissão, e 467/X — Orientações estratégicas em matéria de política de segurança interna e externa (BE), que baixou à 1.ª Comissão; apreciação parlamentar n.º 66/X — Decreto-Lei n.º 20/2008, de 31 de

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Janeiro, que simplifica o regime do registo de veículos e procede à nona alteração ao Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, à sétima alteração ao Regulamento do Registo de Automóveis, aprovado pelo Decreto n.º 55/75, de 12 de Fevereiro, à décima sexta alteração ao Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, e à segunda alteração ao DecretoLei n.º 178-A/2005, de 28 de Outubro (PSD); e projectos de resolução n.os 278/X — Planos energéticos municipais (CDS-PP) e 279/X — Sobre riscos de inundações (PS).

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos iniciar o debate de actualidade, requerido pelo PSD, sobre actividades profissionais e regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: O PSD traz a debate a questão das actividades profissionais e o regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Temos, hoje, um Estado quase omnipresente na economia, quando o Estado deveria ter — e esta é a nossa opção de base — um papel regulador e não tanto interventivo.
Paralelamente — e, também por isso, em face dessa omnipresença do Estado na economia —, exige-se o máximo rigor e a máxima transparência nas regras das incompatibilidades e impedimentos, matéria nuclear da ética política.
Muito pode ser, em última instância, permitido, desde que seja assegurada a transparência, porque esta transparência, Srs. Deputados, é fundamental para elevar a confiança dos cidadãos no poder político.
Devemos assegurar o exercício isento e independente de todos os mandatos, de forma a evitar promiscuidade entre interesse público e interesses privados.
Este é um tema extremamente importante da vida democrática, que merece estar em permanente discussão em sede parlamentar. Há, pois, matérias que devem merecer a nossa reflexão.
No regime aplicável após a cessação de funções, a única limitação que existe é a de os titulares de cargos políticos não poderem, durante três anos, exercer cargos em empresas privadas que prossigam actividades nos sectores por eles directamente tutelados e desde que, no período do respectivo mandato, tenham sido objecto de privatização ou de operações de privatização ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual.
Assim, trazemos aqui algumas perguntas.
Em primeiro lugar, não fará sentido estender este regime ao exercício de cargos ou à prestação de serviços profissionais, nomeadamente de consultadoria, assessoria e patrocínio, a empresas públicas ou do sector empresarial do Estado que os titulares de cargos políticos tenham directamente tutelado? Será adequado que, por exemplo, um presidente de câmara ou vereador, quando cesse funções, possa exercer o cargo de administrador numa empresa municipal por ele anteriormente tutelada ou mesmo prestar serviços profissionais ao município a que anteriormente presidiu? Quanto à actualização de conceitos legais das sociedades, fará sentido continuar a recorrer — questão já suscitada pelo PCP —, na definição das incompatibilidades e impedimentos, ao conceito de sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos, deixando de fora as sociedades em que o Estado, apesar de ter uma participação minoritária, exerce uma influência dominante, como é o caso de algumas grandes empresas portuguesas? Não será de substituir o conceito de sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos pelo de empresas públicas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro? E, quanto ao conflito de interesses, não será de ponderar a introdução de uma consequência jurídica, isto é, de uma sanção, para os casos de omissão da declaração de existência de conflito de interesses? Ou a possibilidade de um membro de um órgão colegial, por força dessa mesma declaração, poder suspender o seu mandato apenas e tão-só para esse efeito? O Estatuto dos Deputados impõe a obrigação de declarar a existência de conflito de interesses, sempre que um Deputado tenha um interesse particular na matéria objecto dos trabalhos parlamentares. Todavia, não

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prevê nenhuma consequência jurídica para a omissão desse dever legal. Aquilo que perguntamos é se não será de prever uma forma de censura política dessa mesma conduta? Uma advertência? A perda de parte da respectiva remuneração? A perda de mandato? São questões que deixamos para o debate parlamentar.
Quanto ao exercício de profissões liberais, não deve merecer reflexão a questão de não existir hoje qualquer incompatibilidade ou impedimento entre o exercício do mandato de Deputado e a prestação de serviços profissionais, designadamente de consultadoria, assessoria e patrocínio, a pessoas colectivas de direito público, como já existiu anteriormente? Por que não estender este regime a outros titulares de cargos políticos, nomeadamente autarcas, sempre que se interponham interesses incompatíveis, como, por exemplo, prestação de serviços jurídicos, projectos de arquitectura ou de engenharia? Não fará sentido manter a sujeição ao mesmo regime a que se encontra vinculado um titular de um cargo político ou público para «os ascendentes e descendentes em qualquer grau e os colaterais até ao 2.º grau», impedindo-os de participar em concursos públicos ou celebrar contratos com o Estado ou demais pessoas colectivas públicas? Não deverá merecer a nossa reflexão a extensão desse regime, previsto na Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, a outros titulares de órgãos com consagração constitucional ou a titulares de funções ou actividades com influência ou interferência na relação entre representantes e representados? Quanto às incongruências da Lei n.º 45/2006, recentemente aprovada, em 25 de Agosto de 2006, trata-se de uma Lei que veio introduzir, no Estatuto dos Deputados, alterações significativas em matéria de registo de interesses. Todavia, o legislador — todos nós — esqueceu-se de adequar ao novo regime a correspondente norma do regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, havendo, assim, um desfasamento que, porventura, importará ser corrigido.

O Sr. Virgílio Almeida Costa (PSD): — Muito bem!

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados, um último tema de que gostaria de falar: o PSD defende uma maior abertura ao financiamento privado dos partidos políticos.
A actual lei de financiamento dos partidos consagra um modelo de financiamento predominantemente público. Devemos, no entender do PSD, repensar esse mesmo modelo.
Devem, os partidos políticos, viver quase exclusivamente à custa do Estado, como se fossem «repartições públicas»? É que, Srs. Deputados, o Estado já paga tanta coisa indevidamente! Terá também de gastar milhões de euros para suportar os partidos, à custa dos contribuintes, para além de uma base mínima e razoável?

O Sr. Mota Andrade (PS): — E a proposta da RTP?!

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — O financiamento privado deve, pois, ser possível, desde que haja transparência. Se houver transparência nas contas — por que não tornar público o relatório anual das contas dos partidos?! —, um rigoroso controlo destas — por que não pelo Tribunal de Contas, ao invés do Tribunal Constitucional?! — e sanções pesadíssimas para quem ocultar financiamentos, por que não admitir em Portugal um modelo semelhante, por exemplo, àquele que é seguido em Inglaterra?! Por isso, Sr. Presidente, deixamos aqui uma proposta para debate: que seja criada uma comissão eventual para, no prazo imperativo de 90 dias, analisar e debater estas e quaisquer outras matérias do regime das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, bem como do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, e com competência para apreciar eventuais iniciativas legislativas neste âmbito.
É esta a proposta que aqui deixamos, são estes os temas que queremos ver debatidos, hoje, em sede de Plenário.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Este é um debate dito de actualidade, em cima de uma declaração inflamada e mediatizada, mas, devo dizer, de justeza muito duvidosa.
Este debate nasce em cima de uma entrevista de um bastonário — é bom que tenhamos disto consciência —, alguém que, representando uma profissão que passa dificuldades, por razões que vão muito além disto, à míngua de melhores soluções, lança o que, emocionalmente, vende bem. E tenhamos consciência de que «dar fogo» nos políticos, neste País, vende bem e há muito quem «dê para esse peditório». Devo dizer que nós não «damos para esse peditório»!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — De acordo com essa declaração, advogado não podia ser Deputado mas já podia ser jornalista, com tudo o que isso implica.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Pois nós, também não «damos para esse peditório»!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Tenhamos consciência de que há muito quem defenda a exclusividade do mandato dos Deputados, há quem defenda a funcionalização dos políticos. São quase sempre os mesmos e são quase sempre, também, aqueles que, depois, apontam o dedo, dizendo como os políticos fazem pouco e já ganham demasiado pelo que fazem.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Por isso, na perversão do argumento, quem queira ser mais qualquer coisa para além de político, não o poderá ser, porque usa da sua função em benefício próprio.
Devo dizer que considero esta lógica e este raciocínio tão esquizofrénico que me custa ter aqui um debate minimamente racional…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — … que vá para além daquilo que é o pendor eleitoralista que o motiva.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem! É preciso moralizar!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — E não me refiro, obviamente, ao PSD, que, do ponto de vista da oportunidade, tem-na toda, refiro-me a este debate de um ponto de vista genérico.
Sou daqueles que entende que é bom que os Deputados tenham vida para além do Parlamento.

Aplausos do CDS-PP.

Entendo que é bom que os Deputados não dependam financeiramente do Parlamento, até porque a dependência financeira do que quer que seja nunca foi boa conselheira.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — É que, normalmente, um dia, fala mais alto e, às vezes, quando é mais preciso que assim não seja.
O que entendo é que o Parlamento deve ser um espelho do País. E é por isso mesmo que há aqui médicos, advogados, Deputados, jornalistas, docentes, operários, engenheiros… É assim que deve ser! Nós, os eleitos pelo povo, somos parte desse povo, representando-o! Não podemos ser menos do que isso!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Nem devemos querer ser uns párias do sistema que aceitamos a suspeição genérica de quem, olhando para aqui, já vê coisa pouca ou coisa que justifique a atenção do País.
O Parlamento é um órgão de soberania. O Parlamento não é a «mãe» de todas as liberdades só quando dá jeito, em discursos recorrentes sobre o 25 de Abril.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — O Parlamento é muito mais do que isso em cada dia do ano, ou, pelo menos, deve sê-lo.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — E quem, numa lógica quase autofágica, entende que «dá fogo» nos políticos, em si mesmo e naquilo que representa, convencido de que, nesse discurso contra os políticos e contra os Deputados, depois, se distingue e é melhor considerado, muito se engana.

Aplausos do CDS-PP.

É que, perante quem critica, não se distingue! É igual a todos os outros! Contudo, questão diversa é, obviamente, a das garantias que temos de ter, e que temos de dar, de que quem desempenha mandatos políticos não o faz em benefício próprio. Daí o regime das incompatibilidades, que é coisa bem diversa.
Se quiserem discutir o regime das incompatibilidades, cá estamos para o fazer, afinando-o, porque o regime das incompatibilidades que temos não nasceu «para português ver», para dizer que aqui, numa lógica mais ou menos de marketing conveniente e corporativo, temos que dar um sinal lá para fora! O regime das incompatibilidades que temos nasceu porque sentimos que há necessidade de garantir que esse aproveitamento no exercício do mandato não acontece. Se, nesse espírito, quiserem trabalhar o regime das incompatibilidades, sim senhor! De outra forma, não estamos cá para esse «peditório».
Sr. Presidente, termino dizendo que bom será que, mais do que discutirem aqui o regime das incompatibilidades, porque o País está atento ao que diz um bastonário e até se «inflama» com ele, mesmo que não tenha razão, queiram discutir, entre outras coisas, a qualidade da nossa democracia, porque também é isso que está em causa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — E a democracia não tem qualidade, seguramente não se lhe assegura essa qualidade, se quiserem políticos de preferência mal pagos e que não façam mais coisa nenhuma, porque é isso que o povo quer e aplaude!

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Nisto não têm razão! Até porque tenho a certeza que o povo consciente, o povo que vota conscientemente para o Parlamento e que vê que o Parlamento tem, na democracia, a única vantagem que nenhum outro órgão de democracia pode ter, está com este discurso, não

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está, porventura, com o outro discurso que acha que, dizendo mal dos Deputados, mesmo sendo Deputado, colhe alguma coisa, nem que seja literalmente.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos hoje, aqui, um debate de actualidade trazido pelo PSD, que registamos. Mas da intervenção ficou uma mão cheia de nada.
A intervenção do PSD pautou-se pelo seguinte: «não será de?», «não deve merecer reflexão?», «por que não estender o regime?», «não fará sentido?».
Mas, afinal, qual é a vossa proposta?

O Sr. Mota Andrade (PS): — Não têm! O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — O que é que os senhores pretendem? Não percebemos! Nós estamos do lado da transparência, do rigor e da isenção. Se é disso que os senhores querem tratar, estamos aqui para tratar desse assunto.
Porém, os senhores trazem aqui a debate um tema que é importante mas que está na moda, e nós não gostamos de ir a reboque da moda, porque já legislámos sobre essa matéria e os senhores sobre ela votaram contra.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Mas contra o quê?

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Quando é para votar, votam contra.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Mas votámos contra o quê?

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Quando é para trazerem, aqui, à liça alguma política barata, os senhores estão dispostos a isso. Nós não entramos nesse capítulo.
Se os senhores têm alguma proposta concreta que aumente a transparência em relação aos Deputados e aos políticos, se os senhores têm alguma proposta concreta que contribua para a transparência da democracia, para a eficácia do regime democrático, contam com o Partido Socialista para essa batalha.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Essa agora!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Mas os senhores trazem aqui uma confusão, que não sabemos o que é, porque não percebemos uma única proposta da intervenção do PSD.
Ainda têm 5 minutos para nos esclarecer, para retirarem da dúvida e colocarem na certeza as vossas propostas. Estamos disponíveis para isso, mas da intervenção que vimos não restou uma única proposta concreta. Repito: foi uma mão cheia de nada.
Aguardamos com curiosidade, para saber se a vossa proposta merece, ou não, o apoio do Partido Socialista, porque até aqui ficámos com a dúvida. Os senhores querem trazer um assunto sério mas, afinal, estão apenas a lançar alguma «areia». Vamos esperar pela vossa proposta. Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero desde já anunciar que o PCP apresentará, hoje mesmo, uma iniciativa legislativa sobre esta matéria que, retomando algumas das questões de projectos anteriores, tem também alguns aperfeiçoamentos, que a vida tem vindo a provar serem necessários, em matéria de impedimentos quer para os Deputados quer para outros titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.
Julgo que o problema das incompatibilidades e dos impedimentos tem duas vertentes muito importantes.
A primeira é a de garantir que o exercício desses cargos se faz de forma totalmente independente. É por isso que não pode haver vinculação a outras entidades públicas, a cargos de nomeação pelo Governo, e existe uma série de outras incompatibilidades que preservam a independência do exercício do mandato de Deputado.
Mas cada vez mais, na sociedade em que vivemos, a importância destes dois regimes tem também que ver com a limitação da promiscuidade com interesses nos sectores privados. Essa outra vertente tem uma importância crescente e não deve ser desprezada na elaboração da legislação sobre esta matéria.
É desse ponto de vista que, de facto, o País assiste, com muita preocupação, a uma cada vez maior subordinação do poder político ao poder económico.
É ver o corrupio de membros de governos e de administrações de empresas públicas para o sector privado, e vice-versa, logo que termina um governo ou começa outro.
É ver como, mesmo respeitando os períodos de nojo da lei, o que há é, evidentemente, uma confluência de exercício ao serviço do interesse privado, quando se está em funções públicas e quando, depois, se vai para as funções privadas.
É isso que mina, em boa parte, a nossa democracia e a credibilidade das instituições políticas, e atalhar esses problemas é um requisito indispensável para melhorar a qualidade da democracia. É evidente que nenhuma lei, por mais perfeita que seja, pode impedir comportamentos não éticos, ou contra a ética, no exercício dos mandatos públicos. Isso nunca será possível evitar pelo aperfeiçoamento da lei. Mas isso é uma coisa e outra coisa é fecharmos os olhos a situações absolutamente inaceitáveis, que continuamos a ter nas malhas da lei.
Sobre isso, quero dizer que, nesta Legislatura, temos feito um esforço de propor soluções para esses problemas, até tendo em conta não só insuficiências da lei mas também interpretações abusivas que a maioria do Partido Socialista impôs na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, durante esta Legislatura.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A ideia de que os advogados, ou outros profissionais, estão sujeitos a um regime de impedimentos mas as sociedades de advogados já não estão sujeitas a nenhum regime de impedimentos é um absurdo total e não é compaginável com uma democracia que se quer transparente e com o exercício transparente dos cargos públicos e políticos.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E essa interpretação abusiva, feita a propósito de um caso concreto, feita para justificar um caso concreto,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — … tem de ser corrigida e clarificada, como sucede com muitas outras.
Por exemplo, não é justo – e consideramos que é – que as limitações não se façam só em relação às empresas maioritariamente públicas mas também em relação a todas aquelas em que o Estado tenha uma participação? Não é justo que o regime que se aplica após a cessação de funções dos membros do Governo tenha que aplicar-se também a altos cargos públicos, como a presidência de empresas públicas, para que se possa proibir que logo depois de se sair de uma instituição pública, por exemplo, da Caixa Geral de Depósitos, se

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possa estar já no seu concorrente privado, com todo o conhecimento que se tinha da estratégia comercial da empresa pública?

O Sr. António Filipe (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isto não tem que ser proibido e esses impedimentos pós-exercício de funções não têm que ser alargados não só aos titulares de cargos políticos – e bem – mas também àqueles altos cargos públicos em que esta questão tem ainda que colocar-se? É igualmente condenável que um dirigente nomeado politicamente para uma empresa pública ou para um alto cargo público possa, depois, estar numa empresa privada do mesmo sector a defender interesses contrários ao interesse público, tantas vezes! Isso não pode ser e propomos que deixe de acontecer.
Queria ainda dizer que há uma série de artifícios que, hoje, se continuam a utilizar que não podem ser mantidos.
O facto de se ter menos de 10% de participação numa sociedade não quer dizer que essa participação não seja relevante.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
A relevância vê-se em função do caso concreto e não em função da dimensão da participação.
O PSD, que trouxe a este debate à Assembleia da República, fez aqui um bocadinho o papel daquela noiva que atira o ramo ao ar, de olhos fechados, e não sabe bem onde é que ele vai cair.
Mas ficamos à espera de ver onde é que cai o «ramo» do PSD, não sem lembrar que todas estas propostas, a maioria das quais já apresentámos duas vezes nesta Legislatura, tiveram sempre o voto contra do PSD.

Vozes do PCP: — Bem lembrado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Provavelmente, nessa altura não tinham o interesse mediático que hoje têm e, portanto, não despertavam a simpatia do Partido Social Democrata.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Deputados do PS: Creio que fazer uma intervenção de fundo, de reflexão acerca do regime de incompatibilidades, de impedimentos, de todo o enquadramento legal da função política, seja ela parlamentar, de altos cargos ministeriais ou de outros cargos políticos, sem que da parte do partido que é autor deste debate haja qualquer demarcação da situação que se vive, hoje, no parlamento madeirense, é francamente inaceitável,…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Isso é uma boa maneira de desviar o problema!

O Sr. Luís Fazenda (PCP): — … porque desvirtua totalmente qualquer boa intenção que possa ter presidido a este debate.
Com o devido respeito, direi, nessa circunstância, perante esse tão pesado silêncio, que soa sempre a uma homenagem do vício à virtude. E enquanto do Partido Social Democrata não se demarcar definitivamente do escandaloso regime de incompatibilidades que vigora na Madeira,…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Isso é uma obsessão!

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O Sr. Luís Fazenda (PCP): — … creio que terá a sua autoridade política e ética francamente diminuída para propor o que quer que seja.
Em relação à temática que aqui nos trouxeram, devo dizer que o Bloco de Esquerda há muito defende o alargamento do período de inibição depois de cessação de funções. Retomámos uma proposta acerca disso, estamos abertos para o alargamento a outros cargos políticos e não exclusivamente a Deputados, a secretários de Estado ou a ministros, e acompanhamos – propusemos e já foi aqui reprovado – que não deve haver perseguição a profissões. Não fazemos uma perseguição à profissão forense, pelo que não nos referimos só a ela mas a todas as profissões que possam prestar consultadoria, qualquer outro tipo de serviço em relação a entidades públicas, e não apenas ao Governo, mas a todas as entidades públicas. Já o propusemos e acolhemos largamente.
Acolhemos soluções que tenham que ver com uma delimitação mais rigorosa do que poderá vir a ser o conflito de interesses.
Não acompanharemos a solução de intermitência na função de Deputado derivando de interesses particulares, mas acompanhamos uma solução sancionatória para uma não delimitação rigorosa do que possa ser o conflito de interesses.
Estamos abertos a esse conjunto de propostas. Aliás, temo-las apresentado! Temos é esbarrado com uma maioria alargadíssima que não retirou delas o que poderá ser confiável, não retirou delas a confiança da cidadania nas instituições democráticas, no Parlamento, não retirou delas o que poderá ser um «bisturi» para abrir uma nova relação com os cidadãos no exercício da política para superar um conjunto de factores da crise do exercício da política.
Não! O que a maioria retirou dessas propostas foi a conservação do sistema, o fechamento sobre si própria, o corporativismo político e a defesa de situações estabelecidas, a defesa não de uma função política mas do emprego político. Foi isso que rejeitámos.
Por isso, mantemo-nos abertos ao debate da lei de incompatibilidades, do regime de incompatibilidades de altos cargos políticos, de impedimentos. Estamos abertos a todas essas soluções. Isso não é colaborar com a desqualificação dos Deputados, pelo contrário, é encontrar um registo diferente, mais transparente, dos Deputados em relação aos cidadãos.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (PCP): — Nós não fazemos coro populista contra as instituições e muito menos contra o Parlamento. Mas isso não pode ser o biombo atrás do qual se escondem…

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Exactamente!

O Sr. Luís Fazenda (PCP): — … todas as tentativas de manter o status quo, que é francamente inaceitável, e, hoje, os cidadãos não o aceitam mais.
Portanto, é preciso passar às propostas concretas e haver uma evolução no Estatuto dos Deputados e no conjunto de outros enquadramentos legais.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda reitera as suas posições anteriores, não anda a reboque de nenhum acontecimento mediático mais recente ou mais distante no tempo. Muito pelo contrário, tem tido uma posição de coerência e de persistência, ainda esta semana reafirmada com a apresentação de novos projectos de lei.
Entendemos que a todo o tempo pode ser reaberto o debate do Estatuto dos Deputados. E como o Partido Socialista até encontrou uma forma legal estranhíssima, porque fizemos, na anterior sessão legislativa, uma revisão do Estatuto dos Deputados em que uma parte entrou em vigor e a outra ainda não entrou (portanto, é um Estatuto dos Deputados que está em trânsito, em parte é um fenómeno e em parte é um epifenómeno),

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talvez seja a ocasião, já que uma boa parte das disposições ainda não entrou em vigor, de retocar, mas modificando a substância, a feição do que entendemos ser um necessário e absoluto reforço da transparência.
Se o Partido Socialista não corresponder a esse objectivo, a essa expectativa, não é a reforma do Parlamento completa que desejávamos para uma maior vivacidade da democracia e, sobretudo, para que as mãos estejam sempre visíveis para os cidadãos e o escrutínio possa ser feito a partir da transparência total de quem exerce funções políticas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, aproveito para assinalar a presença, na Tribuna do Corpo Diplomático, de uma delegação da Assembleia da República de Moçambique, presidida pela Sr.ª Primeira Vice-Presidente Verónica Macamo, que se encontra em visita à Assembleia da República, para a qual peço a habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estávamos todos um pouco na expectativa em relação ao que o Partido Social Democrata ia anunciar-nos hoje, com este debate, mas o que podemos concluir é que ficaram muitas perguntas e muito poucas respostas.
Evidentemente, o PSD já deve ter reflectido sobre o tema, até porque, na Assembleia da República, nesta Legislatura, já houve várias oportunidades para reflectirmos, e não só, também para nos pronunciarmos e tomarmos posição concreta sobre o tema.
Contudo, o que o PSD anunciou, afinal, foi a criação de uma comissão eventual para continuarmos a reflectir sobre um tema que quer o PSD quer o PS têm inviabilizado em termos de propostas concretas.
Segunda nota: penso que não estamos a discutir aqui o regime da exclusividade dos Deputados, se bem que algumas bancadas tenham entendido entrar por aí. De qualquer modo, gostaria de deixar clara a posição de Os Verdes sobre esta matéria, referindo expressamente que entendemos que devemos caminhar, gradualmente, para que um Deputado assuma plenamente o seu mandato.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — E, já agora, ainda deve pagar por isso!…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — O mandato de Deputado não pode ser, de todo, secundarizado, deve ser uma prioridade daquele que assume essa função pública.
Terceira nota: estamos a discutir se é ou não necessário restringir o regime de incompatibilidades. Ou seja, estamos a aferir se o regime actual permite ou não situações de promiscuidade entre o interesse público e o interesse privado, e todos parecemos chegar à conclusão de que, de facto, o regime actual o permite.
Permite que, por exemplo, um ministro que tutela uma determinada área durante um certo tempo, venha à Assembleia da República durante três anos e, depois, vá ocupar um lugar na administração de uma empresa exactamente do sector que tutelou; permite que um Deputado, na sua actividade privada, tenha negócios com o Estado, celebre contratos, preste serviços e tenha relações comerciais com o Estado, designadamente em sociedades de advogados mas não só. De facto, não são só os advogados que estão nesta senda relativamente à promiscuidade de actividades.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, olhando para nós agora, aqui mesmo, na Assembleia da República, diria que subordinar o exercício do cargo de Deputado a interesses da respectiva actividade privada não é, de todo, correcto e não serve os interesses da transparência na política, não apenas nas suas funções de fiscalização ao Governo que estão inerentes ao cargo de Deputado mas também na própria propositura de iniciativas legislativas.
Por outro lado, em relação à questão concreta levantada pelo PSD sobre o financiamento privado dos partidos políticos — por empresas, entenda-se —, Os Verdes dão um «não» rotundo como resposta,

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reflectindo, designadamente, sobre as efectivas contrapartidas que daí podem resultar no exercício de um determinado cargo político. Tal não abona, de todo, a favor da transparência do exercício dos cargos políticos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, tudo o que nesta Assembleia for proposto no sentido de acabar com a promiscuidade entre o serviço público, através de um determinado mandato, e interesses privados e económicos concretos terá o nosso voto favorável. Fá-lo-emos em abono da transparência e da clareza do exercício de cargos públicos.

Vozes de Os Verdes e do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Do ponto de vista do Governo, o regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos pode ser sempre sujeito a reflexão, escrutínio e, eventualmente, aperfeiçoado.
Todavia, convém nunca perder de vista os três valores essenciais que o guiam.
Em primeiro lugar, o valor da independência. Tudo deve ser construído de forma a garantir condições de independência para aqueles que exercem cargos políticos e altos cargos públicos e para prevenir eventuais situações de conflitos de interesses.
Em segundo lugar, o valor da transparência. Convém que a opinião pública, o conjunto dos cidadãos tenha informação plena e actualizada acerca de quais são os interesses, as actividades daqueles que elegeu para o exercício de funções públicas ou daqueles que só exercem funções porque mereceram a confiança dos que foram eleitos.
O terceiro valor — a meu ver, não menos importante — é o do enraizamento social, o da ligação à sociedade por parte daqueles que ocupam, em representação, em nome da sociedade e a favor do interesse público, cargos políticos ou cargos públicos de direcção. Designadamente, quando esses são representantes do povo, convém que eles conheçam o conjunto das actividades e também representem, na sua pluralidade, as diversas formas de acção social e de profissão existentes na sociedade que os elegeu.
Este é, dito de outra forma, um valor que está nos antípodas das lógicas de funcionalização, de tratamento de Deputados como se fossem meros funcionários.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Tendo presentes estes valores, que podem e devem guiar qualquer reflexão e eventual aperfeiçoamento do regime das incompatibilidades e impedimentos, conviria também que todos fossemos cautelosos, cuidadosos na forma como analisamos essa questão.
E o cuidado pode ver-se das seguintes formas: em primeiro lugar, convém que não sejamos movidos apenas pelas nossas próprias dificuldades do momento. A Assembleia da República não é o lugar para cada um tentar psicanalisar-se a si próprio em público e, portanto, não devem ser os nossos problemas internos circunstanciais a ditar as propostas que façamos em matéria de reforço ou aperfeiçoamento do regime das incompatibilidades e impedimentos.
O segundo cuidado é que sejamos coerentes. Não é possível, na minha opinião, defender-se — como o PSD aqui defendeu — uma reflexão no sentido de aperfeiçoar o regime das incompatibilidades e impedimentos e ter no seu próprio registo uma votação contrária à última medida tomada pela Assembleia da República em matéria de aperfeiçoamento do regime de impedimentos e de transparência no registo de interesses.
Para usar bem o exemplo já aqui dado, não é possível defender o aperfeiçoamento do regime das incompatibilidades a que estão sujeitos, por exemplo, os Deputados da Assembleia da República e, ao mesmo tempo, usar todos os expedientes para impedir a existência de um regime de incompatibilidades na Assembleia Legislativa Regional da Madeira. Não é possível, porque isso viola o valor essencial da coerência.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Pensei que essa obsessão era só do BE!

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — O terceiro cuidado é termos estabilidade nas nossas posições políticas. Também é extraordinário que o PSD, introduzindo «a martelo», aliás, no debate cujo tema ele próprio fixou a questão do financiamento partidário, venha agora desdizer traços essenciais da lei de financiamento dos partidos em vigor, uma lei de 2003. E aprovada por quem? Pelo PSD e pelo CDS-PP! O quarto e penúltimo cuidado é o de que não devemos conduzir esta discussão numa lógica de suspeição, não devemos actuar na política como se fossemos sensíveis a quaisquer processos ou tentações de «tabloidização» da política.
E, finalmente, devemos fazer isto com convicção, segundo os programas e as propostas que são nossas desde sempre, que apresentámos ao eleitorado quando nos candidatámos e que correspondem às nossas convicções. Não se pode andar atrás das circunstâncias, da espuma dos dias, dos casos do dia nem se pode — é um mau princípio! — fazer esta discussão apenas porque se tem problemas internos circunstanciais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Em primeiro lugar, queria dizer que agendámos este debate na sequência de um outro, que travámos no dia 7 de Fevereiro, sobre o Estado de direito, a ética e a corrupção.
Cada um vê ao espelho o que gosta e julga as intenções dos outros por si próprio.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Em segundo lugar, gostava de sublinhar o seguinte: partimos do modelo de Deputado que não é o de Deputado funcionário mas, sim, o de Deputado com competência na sua área de actividade, com vida profissional própria e, portanto, com um regime de incompatibilidades que permita, por um lado, a exclusividade (como está definido) e, por outro lado, essa conciliação.
Em terceiro lugar, queria dizer que não andamos a reboque do som de batuques tocados seja em que momento for! Sublinho a intervenção que o Sr. Presidente da República fez no dia 5 de Outubro de 2006, à porta da Câmara Municipal de Lisboa, e sublinho as intervenções que foram feitas na abertura deste ano judicial. Não é só quando é colocada na Assembleia da República a questão que a situação deve ser censurada e já ouvi muitos desses titulares de cargos enunciarem preocupações sem chegarem a conclusões nem formularem propostas concretas.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Em quarto lugar, apresentámos aqui, pela voz do Vice-Presidente do PSD, Rui Gomes da Silva, propostas concretas para um trabalho com prazo imperativo de 90 dias, mas se as tivéssemos apresentado como posição definitiva seríamos acusados de prepotência ou de alguma vaidade injustificada — talvez a de nos arrogarmos de uma maioria que não temos na representação parlamentar. Por isso, colocámos questões.
Primeira questão: não será de alargar a incompatibilidade na actividade privada a quem exerceu determinados cargos, não só ao exercício de cargos mas também à prestação de serviços a empresas que tenham sido tuteladas ou com as quais tenha havido um determinado tipo de relacionamento no exercício de cargos públicos? Segunda questão: não será de estabelecer uma sanção — nós entendemos que sim — para quem viole os deveres decorrentes da declaração de interesses que proferiu em função da actividade profissional que exerce? O regime actual não estabelece nenhuma sanção, por isso pergunto: deve haver ou não uma sanção, nomeadamente, a da perda de mandato? Gostaria ainda de sublinhar o seguinte: aprovámos legislação anti-corrupção ainda recentemente e os senhores falaram aqui em votos contra, num momento de liderança anterior do PSD, relativamente ao estatuto

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das incompatibilidades — estiveram em causa divergências concretas. Mas quer a liderança anterior do partido e do grupo parlamentar quer a actual não têm largado o tema, nomeadamente através da realização de colóquios com convidados estrangeiros e da apresentação de iniciativas legislativas, bem como a matéria do enriquecimento ilícito e outras. E quem se incomodou com o «pacote Cravinho» não fomos nós!… O Sr. Deputado Bernardino Soares disse que nós nos comportávamos como a noiva que atira o ramo de flores. Ora, quem vai a casamentos constata que, quando a noiva atira o ramo de flores, uns até admitem casar e não fogem a correr, outros dizem «cruzes, canhoto! Casar nunca!» e correm porque não querem apanhar o ramo. Mas eu parto do princípio de que, quer aqueles que querem casar quer os que não querem, todos são boas pessoas, pessoas bem formadas e com bons propósitos.
O que nunca vi, Sr. Ministro, foi um Ministro dos Assuntos Parlamentares — e o senhor é reincidente na matéria — vir ao Parlamento dar lições, julgar intenções, fazer processos de intenção. Estamos saturados de o ouvir nessa arrogância e nessa pesporrência sem limites.
É esta a nossa posição. Estamos fartos de o ouvir!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Pensava que estávamos numa discussão política, natural no Parlamento, e não numa zanga entre «compadres» ou «comadres». Mas deve ser uma coisa passageira e nós compreendemos o Sr. Deputado. O Sr. Deputado Santana Lopes voltará, naturalmente, à paz que é habitual aqui no Parlamento.
Aquilo que convém que fique muito claro é que o Partido Socialista está disponível, repito, está disponível para…

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Apresentem propostas!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não! Os senhores é que anunciaram o debate! Foram os senhores anunciaram o debate e, agora, estão à espera que façamos as vossas propostas?! Vamos aguardar, naturalmente sentados, à espera das vossas propostas! Mas aquilo que convém que fique claro, para que não haja dúvidas, é que entendemos que a qualidade do exercício da actividade política está muito relacionada com a garantia da independência de quem a exerce e que a junção da qualidade do exercício da actividade política com a independência determina a qualidade da democracia. E, assente nesses princípios, Sr. Deputado, faremos as alterações que estiverem ao nosso alcance. Portanto, não temos receio de ir para um debate.
Agora, o Sr. Deputado invoca factos que, naturalmente por má informação, não são verdadeiros. O senhor disse que hoje não há sanções para incorrectas declarações de regimes que estão previstos. É falso, Sr. Deputado! É um crime! São falsas declarações! Se o senhor declarar que não tem qualquer actividade e, depois, se vier a verificar que a tem, o senhor comete um crime de falsas declarações. Portanto, existem sanções no nosso regime. Não há aqui qualquer área de actividade descoberta, não existe qualquer lacuna, pois existe uma sanção.
O Sr. Deputado tem de rever esse seu conceito, porque nós não vivemos, de facto, na «república das bananas», somos uma democracia com princípios. Agora, conhecemos algumas regiões onde, eventualmente, isso é assim, mas aqui no continente não é, Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

O que, naturalmente, pretendemos é um justo equilíbrio entre a eficácia do escrutínio público e a não funcionalização do exercício da actividade política.
Conhecemos alguns partidos que radicam a sua organização na funcionalização dos seus membros,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É um direito!

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O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — … mas nós não somos desses, não queremos funcionalizar o exercício da actividade política.

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

A independência desse exercício é uma garantia de qualidade da democracia, e dessas questões de princípio não abdicamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero aproveitar estes 33 segundos que me restam para dizer quatro coisas ao Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.
A primeira coisa é que, por mais saturado que esteja, vai continuar a ouvir-me e não vale a pena projectar no microfone a fúria que sente em relação a mim.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — E você também vai ouvir, e cada vez mais!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — A segunda coisa é que a associação que fez, no início da discussão, deste tema à corrupção diz tudo sobre o seu propósito.
A terceira coisa é que a melhor prova de que o PSD pode dar a todos os portugueses de que leva a sério o regime de incompatibilidades é fazê-la aprovar na assembleia legislativa em que tem maioria absoluta.

Aplausos do PS.

A quarta coisa é que, por alguém ter sido apanhado a passar um sinal vermelho, não significa que os sinais de trânsito tenham de ser revistos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostava de concluir este debate, pela nossa parte, no seguinte sentido: o Sr. Ministro referiu que o facto de se aliar a questão das incompatibilidades ao tema da corrupção é a melhor prova do espírito distorcido com que teríamos abordado este debate. Não é! A corrupção não se combate só a jusante, combate-se preventivamente.
Mas mais importante ou tão importante como combater a corrupção é aqueles que representamos acreditarem que estamos a exercer o mandato que nos conferiram como deve ser, aos mais diferentes níveis do Estado, nas mais variadas actividades. E nós não falámos só para uma actividade profissional, para um órgão de soberania ou para a actividade política, falámos para várias áreas.
Por isso, devo dizer, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados — volto a repetir —, que não trabalhamos com a suspeição, fazemos propostas construtivas; não trabalhamos com a insinuação, reflectimos com base em realidades por todos vividas; não somos autistas em relação aos discursos dos mais altos responsáveis do Estado, acreditamos que falam com justos propósitos, e foi por isso que agendámos, mais uma vez, este tema.
E dizemos, por muito que custe ao Sr. Ministro e a alguns Srs. Deputados, que vão continuar a ouvir este tema. Mesmo que a Assembleia não assuma este propósito de trabalho em 90 dias, nós iremos fazê-lo nesse prazo com aqueles que estivem disponíveis para isso.

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Na Madeira?!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Quanto à Madeira, Sr. Ministro Augusto Santos Silva e Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, a Assembleia da República, o Estado português, tem meios para agir, se algo de incorrecto entender que existe, e não apenas para proclamar ou insinuar.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Em relação às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores os senhores são mestres a insinuar e pouco em agir.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Não, não! Está enganado!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Se têm algo a dizer ou a fazer, sabem o endereço da ProcuradoriaGeral da República ou de qualquer outra entidade.
Não é só o Sr. Ministro, pelos vistos, que é mestre nessa arte.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues. Dispõe de sete segundos.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, é apenas para concluir, dizendo o seguinte: Srs. Deputados do PSD, os senhores chegaram três anos atrasados a este debate. Nós já fizemos esse debate nesta Casa e os senhores votaram contra.
Estamos disponíveis para voltar a debater estas questões. Não gostamos de ir a reboque de conjunturas demagógicas mas, mesmo assim, nunca voltamos a face.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Não parece! Não parece!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Os senhores vão aprender que não é indo atrás dos outros que se faz política.

Aplausos do PS.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Essa é uma boa desculpa!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está concluído este debate de actualidade marcado pelo PSD.
Passamos, agora, à fase das declarações políticas.
O primeiro inscrito é o Sr. Deputado Paulo Portas, a quem dou a palavra.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tema que o CDS entende trazer a este Plenário é um tema de política internacional, de política europeia e, nessa medida, também de política nacional. Refiro-me à declaração unilateral de independência do Kosovo e à posição dos Estados-membros da União Europeia sobre a matéria.
Como é sabido, o CDS tem, desde o início, uma posição reticente e fortemente crítica relativamente ao modo como as coisas aconteceram. E vale a pena explicitar, para registo, quais são os fundamentos desta nossa posição crítica.
Em primeiro lugar, preocupa-nos que o princípio fundamental da não alteração das fronteiras, excepto nas circunstâncias que são conhecidas e admitidas, tenha sido, evidentemente, precludido.

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Desde o fim da II Grande Guerra que este princípio, imperfeito, como muito outros, foi necessário e ajudou à construção da paz. Não me parece que, com muita leviandade, se devam ou possam deitar fora princípios como o da estabilidade das fronteiras, em nome apenas das circunstâncias de facto.
Em segundo lugar, consideramos que o que aconteceu no Kosovo com a declaração unilateral é um precedente aplicável. E a abertura de um precedente aplicável só pode trazer-nos problemas no futuro. De um problema podemos estar a criar muitíssimos problemas.
É um precedente aplicável na região da Europa mais sensível, do ponto de vista histórico e cultural, do ponto de vista da segurança, que são os Balcãs; é um precedente aplicável ou reivindicável no próprio território da União Europeia, onde não faltam Estados que se debatem com problemas nacionais seriíssimos; e é um problema aplicável ou reivindicável, por exemplo, na região do Cáucaso, onde, como toda a gente sabe, permanecem por resolver questões muito sérias em territórios onde minorias estaduais são maiorias territoriais de natureza russófila, apesar de ter deixado de existir a União Soviética.
Em terceiro lugar, consideramos que há um factor potencialmente perigoso nesta declaração unilateral, que é aquele que afastará mais — não querendo nós que isso seja desejável — a relação da União Europeia com a Rússia. Para aqueles que acham que a História acabou, confundindo o fim do comunismo com o fim da União Soviética e decretaram o fim da História, facto rapidamente desmentido, é evidente que a Europa tem de encontrar uma relação estável com a Rússia, que é o que sempre foi, olha para si própria com sempre olhou e tem um poder constituído, é um Estado a reemergir e que coloca à União Europeia questões de relacionamento que, a nosso ver, não devem ser agravados.
Em quarto lugar, não deixa de ser significativo, particularmente para aqueles que sempre proclamaram objectivos utópicos quanto à Missão Internacional da União Europeia, que o objectivo pragmático, ou seja, que a Europa seja capaz de providenciar e garantir segurança no seu território, a começar pelo seu território, esteja aqui, a nosso ver, a claudicar. A Europa não foi um actor principal numa questão que acontece no continente europeu.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Também nos impressiona que, com tanta facilidade, se diga que a declaração unilateral e eventuais reconhecimentos constituem o fim da História, mais uma vez, como se fosse possível acantonar este facto como uma espécie de lapso que não tem reivindicação homóloga nem consequências. Nós não pensamos assim, somos realistas e, portanto, parece-nos evidente que, a prazo, nascerá, por exemplo, a discussão sobre o que fazem separados dois povos, afinal, quase não dissemelhantes, como os que constituem a população da Albânia e, agora, a população do Kosovo.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — A História não terminou aqui.
Também nos acorre a dúvida que, recentemente, num seminário nesta Assembleia, o Prof. Adriano Moreira colocava. É prioritário para a Europa ser capaz de promover a integração de comunidades culturalmente diferentes que hoje habitam no seu território? Será uma prioridade estratégica para a União Europeia contribuir, com a sua legitimação, para a criação de um Estado que, naturalmente, é islâmico ou sê-lo-á, no continente europeu? É uma pergunta que nos ocorre.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O erro está feito com a declaração unilateral. Não achamos que Portugal tenha qualquer interesse em precipitar-se. Não recomendamos ao Governo, que, com o Sr. Presidente da República, tem competências essenciais nesta matéria, qualquer pressa, qualquer precipitação.

Aplausos do CDS-PP.

A prioridade é aguardar, não é reconhecer.

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Com este sinal claro, queremos dizer que se, porventura, houver uma precipitação de reconhecimentos, estar-se-á a dar um sinal, em termos internacionais, de que vale a pena quebrar princípios fundamentais.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, o tema que nos traz aqui hoje é de inegável importância. E quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que algumas das preocupações que aqui sublinhou são partilhadas pelo Partido Socialista.
Olhamos para a situação do Kosovo e sentimos que há ali delicados equilíbrios de direito internacional que estão, naturalmente, em jogo. Por isso, estamos cientes de que, perante o Kosovo, devemos todos ter uma atitude de grande prudência e de grande contenção. Estão em jogo princípios de Direito Internacional e estão em causa acordos, como, por exemplo, os Acordos de Helsínquia, e a Europa tem uma responsabilidade essencial na observância quer das regras do Direito Internacional quer dos acordos.
Sabemos que aquilo que está a passar-se no Kosovo pode ter ondas de choque quer nos Balcãs Ocidentais, quer noutras zonas da Europa, quer fora da Europa. Sabemos que pode haver ondas de choque no Vale do Presevo, na Macedónia, até na Bósnia-Herzegovina, sobretudo na República Srpska, e também na Albânia, para já não falar da situação do Sérvia.
Todos nós estamos cientes de que a Sérvia tem feito um percurso que apraz realçar no sentido da integração nas instituições euro-atlânticas. A recente vitória do Presidente Tadic em relação ao nacionalista Nikolic é reveladora de que o povo sérvio quer, de facto, a integração nas instituições euro-atlânticas.
Por tudo isto e por muitas outras razões que podíamos aqui apontar, naturalmente que a situação deve ser acompanhada com atenção e com sensatez. E o Governo português tem mostrado essa sensatez. Tem mostrado, por um lado, que pretende preservar, na medida do possível, a unidade da Europa em relação à questão do Kosovo, tem mostrado precaução e sensatez nas consultas que tem feito, no facto de não ter ainda tomado nenhuma decisão em relação ao Kosovo e em ter dito que continuará a fazer consultas e que só tomará uma decisão quando estiver convencido de que é a oportunidade exacta para o fazer.
Por outro lado, o Governo português tem sublinhado também a necessidade de continuarmos a mostrar à Sérvia que queremos que esta prossiga no seu caminho de integração euro-atlântica.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Concluo já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, quero deixar-lhe uma pergunta.
Observamos com alguma apreensão alguns acontecimentos violentos que começam a verificar-se naquela zona. Pergunto-lhe se não se associa a nós e aos governos europeus no apelo que se faz no sentido de que tudo isto seja resolvido pelo diálogo e pela concertação e nunca pela violência.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Até agora foi!

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, agradeço as suas observações.
Naturalmente — e é pressuposto da intervenção que fiz e da posição do CDS —, para quem conheça a História da Europa e algumas das tragédias fundamentais, nomeadamente do século XX mas não só, e saiba

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o que é que os Balcãs representam nessa História e nessas tragédias, o princípio elementar é desejar que qualquer espécie de resolução dos conflitos seja pacífica e não tenha recurso à violência.
Mas, Sr. Deputado, quero chamar a sua atenção para um ponto que citou e que constitui pressuposto da nossa intervenção. A Sérvia, desde que democrática, é o aliado natural da Europa naquele espaço.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — E isto tem de ser dito com clareza.
Ora, a verdade é que a Sérvia tem observado, relativamente ao seu Estado e ao seu território, uma sucessão de procedimentos e de processos que permitem que muitos dos sérvios, sem serem antieuropeus nem antidemocratas, olhem para o que acontece ao seu Estado-nação como uma humilhação.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — E assim como lhe digo que acho que a Sérvia é o aliado natural da Europa, desde que com uma ordem constitucional democrática, e daqui retiro a consequência de que é preciso trabalhar para aproximar e integrar, obviamente também retiro daqui a consequência de que a declaração unilateral de independência do Kosovo, nos termos em que foi feita, não beneficia o processo de aproximação entre a Sérvia e a Europa. Isto parece-me manifesto e esta situação não me parece positiva nem para a Sérvia nem para a Europa.
Por isso mesmo, devo sublinhar também que o que aqui quis fazer foi explicar uma posição de princípio e os seus fundamentos.
Registo que o Governo português, até ao momento, não procedeu ao reconhecimento e, a nosso ver, até momento, fez bem.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, quero valorizar o interesse da sua intervenção, tal como quero registar que o CDS se absteve quanto a um voto recentemente apresentado pelo PCP, o que, vindo do CDS, tem um significado muito particular, sobretudo em questões internacionais, em que esse tipo de voto em relação a uma moção do PCP é tudo menos frequente.
No entanto, Sr. Deputado Paulo Portas, quero dizer-lhe, quando falou na confusão entre o fim da União Soviética e o fim da História e disse que o que tinha havido era o fim do comunismo, que também há uma grande confusão da sua parte entre o fim da União Soviética e o fim do comunismo. Basta estar atento, aliás, a resultados recentes de eleições de países da União Europeia para ver que, provavelmente, esse anseio está longe de concretizar-se e que nunca se concretizará.
Quero também salientar que já percebemos, neste debate, que o PS, e em concreto o Sr. Deputado Vitalino Canas, suavizou o discurso. É que, na sexta-feira passada, a intervenção que o PS aqui fez foi a todos os títulos reprovável e completamente irresponsável em relação ao que está em causa, a esta situação concreta.
De facto, é a primeira vez que se alteram fronteiras entre Estados, pois o que houve até agora, na Europa, foi desagregação de Estados federais. Este é um precedente gravíssimo e único, desde a II Guerra Mundial.
Trata-se de uma situação que sabemos como começou mas que ninguém sabe como vai acabar. É um lugar comum mas penso que perfeitamente aplicável a esta situação.
Em relação ao papel de Portugal, penso que não chega dizer, e julgo que o Sr. Deputado também o disse, que é preciso ter calma e não reconhecer já. Como País soberano, preocupado com as relações internacionais e com um determinado quadro constitucional nessas relações de respeito pela soberania dos outros países e dos outros povos, temos de pôr a hipótese — e é isso que fazemos — o não reconhecimento deste

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autoproclamado novo Estado, porque isso é que corresponde ao respeito pelo Direito Internacional e isso é que é um contributo para a paz e para a estabilidade na Europa.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Paulo Portas, uma intervenção da União Europeia no território em causa, no quadro jurídico internacional, é ou não uma intervenção que pode ser entendida pela Sérvia como uma ocupação ilegítima? Sr. Deputado, considera ou não que há um papel activíssimo da NATO e das suas estruturas que é censurável e que contribuiu muito para o estado a que chegámos nesta matéria?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, agradeço as suas considerações.
Devo dizer-lhe que, certamente, alguns se surpreenderam com a abstenção que referiu, mas, tirando as proclamações ideológicas com as quais não concordava, tinha, e temos, uma dúvida de fundo quanto ao sucedido. Portanto, primeiro, mais do que olhar a quem propõe, gosto de olhar ao que está escrito.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Com o que não concordo, não concordo. E, portanto, com as proclamações mais ideológicas e retóricas não posso concordar, tal como o Sr. Deputado nunca concordaria com aquelas que eu fizesse.
A questão e o problema existem, e agravaram-se com a declaração unilateral.
Como sabe, houve algumas teses académicas — que, repito, os factos desmentiram com uma rapidez inquestionável — que atribuíam ao fim do regime comunista na União Soviética (se quer que diga assim) o fim da União Soviética, o que juridicamente é verdade, mas também o fim da Rússia, o que manifestamente não é verdade. E essa é uma confusão precipitada, que V. Ex.ª não fez e eu também não.
Rapidamente se percebeu que a História tem constantes e valores permanentes que, em momentos de maior fraqueza ou de maior força, imergem e reemergem. Aquilo a que qualquer observador atento assiste é, obviamente, à reemergência da Rússia, o que coloca questões de sempre e novas ao relacionamento com a União Europeia.
Não sou favorável a uma política europeia de conflito com a Rússia, nem sou favorável — nunca o fomos e sempre o dissemos, a este Primeiro-Ministro e a este Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros — a qualquer reaparição de modelos que nos fazem lembrar um pouco o tempo da Guerra Fria no relacionamento com a Rússia. E, portanto, sou realista, sou pragmático e entendo que é preciso ter em atenção, particularmente na Europa, o relacionamento com a Rússia. Acho que o que sucedeu no Kosovo não ajuda.
Sr. Deputado, não acho que a Resolução n.º 1244 do Conselho de Segurança das Nações Unidas seja aplicável à situação actual. Não vejo como é possível, com mais exercício de ginástica que se faça, alcançar essa cobertura, mas acho que a palavra primeira compete ao Secretário-Geral das Nações Unidas, que ainda não a disse.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, na realidade, acompanhamos algumas das considerações que fez.

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A declaração unilateral de independência viola uma resolução das Nações Unidas garantidora da integridade de um Estado soberano, que agora foi violada, nos termos em que o Sr. Deputado referiu; cria um Estado delinquente, fautor provável dos maiores distúrbios futuros na Europa da zona e na Europa em geral, sem resolver qualquer problema das minorias em causa; consagra a falência de uma política autónoma da União Europeia na zona relativamente ao interesse dos Estados Unidos; e agudiza, portanto, as relações de tensão na Europa e com a própria Rússia, mas não só.
Estando de acordo com isso, gostava de saber a sua opinião sobre duas questões.
Primeira questão: as forças internacionais foram destacadas para o Kosovo ao abrigo de uma resolução que deixou de existir na prática (não deixou de existir juridicamente, mas deixou de existir na prática). Qual é o seu ponto de vista, Sr. Deputado? É preciso mudar o título internacional para a permanência de forças estrangeiras no Kosovo ou deixou de haver título internacional para que essas forças lá estejam? De qualquer maneira, o título que existia rompeu-se. Qual é, neste momento, a legitimidade em termos de Direito Internacional — e falo só dessa — para se manterem tropas estrangeiras no Kosovo? Qual é o seu ponto de vista sobre esta questão, Sr. Deputado? Passo à segunda questão: Sr. Deputado, do seu ponto de vista, o Governo, por enquanto, não deve reconhecer ou o reconhecimento não é admissível à luz do Direito Internacional e das premissas que — e bem! — adiantou? Dessas premissas o que é que se extrai? Uma oposição ao reconhecimento ou um adiamento do reconhecimento?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, gostaria de dizer-lhe duas coisas.
Em primeiro lugar, uma das coisas que impressiona em toda esta matéria relativa ao Kosovo é que, quando se participa em fóruns internacionais, se percebe que o discurso viável e razoável de muitas autoridades quando falam em particular ou com maior liberdade é um discurso consciente do erro, do perigo e das consequências. E, depois, há uma espécie de inércia oficial que conduz essas mesmas autoridades a darem cada vez mais passos para uma direcção que sabem ser imprudente.
Não deixo de anotar que impressiona esta espécie de esquizofrenia na gestão de alguns temas internacionais, nomeadamente agora, deste caso do Kosovo.
E também não quero elidir nem farei nenhum comentário… Percebo que o Sr. Deputado tem outra vida para além desta e, portanto, gosta de significar as afirmações… Muitos de nós poderemos ter (ou tivemos) outra vida para além desta — eu, se tivesse outra vida para além desta, provavelmente também definiria de algum modo o Estado que recentemente declarou a sua independência — mas não me parece curial estar a defini-lo nos termos em que o Sr. Deputado o definiu aqui, no Parlamento, mas percebo o que quis dizer.
Quero só referir que há pouco disse aqui ao Sr. Deputado Bernardino Soares o seguinte: penso que não há forma de «esticar» a Resolução que está aprovada pelas Nações Unidas e que tem um conjunto de princípios, nomeadamente sobre a integridade territorial, para a situação nova que foi criada. Portanto, pretender o contrário é, a meu ver, um acto de pouca lucidez, pelo que está criado um problema também nessa sede.
Parece-me que o problema tem de ser resolvido pelas organizações internacionais e, em primeiro lugar, pelas Nações Unidas e pela cobertura que dão à missão.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Sr. Deputado, o seu tempo terminou.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Nós, portugueses, em particular, temos de ter o especial cuidado de termos a noção de que muitos soldados portugueses contribuíram e contribuem, diariamente, para que a situação seja menos instável e que merecem o apoio de todas as instituições, sabendo nós que o problema existe e vai ter de ser resolvido.

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Para terminar, Sr. Deputado, considero que a declaração unilateral foi um erro; a precipitação da comunidade internacional em reconhecimentos erro será; Portugal não deve fazê-lo, mas se algum dia tiverem de se avaliar, outra vez, as circunstâncias cá estaremos para o fazer.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, o nosso partido tomou uma posição clara, em devido tempo, sobre esta matéria…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Até tomou duas!

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — … que se traduz no aconselhamento ao Governo, se nos é permitida a expressão, do não reconhecimento desta declaração unilateral de independência.
Foi uma posição, como disse, tomada em devido tempo, mal a questão se colocou e outros partidos representados neste Parlamento fizeram o mesmo. Compreendemos, nesta matéria, a dificuldade de quem tem responsabilidades de Governo e do Partido Socialista e a este propósito gostava de sublinhar esta regra com a qual penso que concordam: é ao Governo que compete definir a política externa no respeito por aquele que é o estatuto da oposição.
Mas julgo que depois das palavras do Sr. Presidente da República, depois do sentido da generalidade das intervenções havidas por parte de diferentes forças políticas com representação parlamentar e mesmo depois das palavras que ouvimos aqui ao Sr. Deputado Vitalino Canas, consideramos possível e desejável — e essa era a questão que gostava de colocar-lhe — uma posição consensual nesta matéria em nome da República Portuguesa que traduza esse espírito de convergência da parte dos diferentes órgãos de soberania com responsabilidades ou possibilidade de intervenção, neste assunto, e também das diferentes forças políticas.
Sr. Deputado, coloco-lhe outra questão: apesar da declaração que fez, algo peremptória, de que a Sérvia é o aliado natural da União Europeia naquela zona, gostava de saber se partilha da opinião — que admito ser a sua — de que a União Europeia deve ter uma posição muito prudente, a todos os títulos, nesta situação, como noutras, numa zona tão sensível como aquela, para toda a evolução do continente europeu e fez alusão às tragédias, nomeadamente do século XX, mas não só, com origem naquela área do nosso continente.
Acerca da sua intervenção, coloco-lhe ainda uma terceira questão: a consideração por parte do Estado português em relação ao papel da Rússia e às suas relações com a União Europeia.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo). — Sr. Deputado, o seu tempo terminou.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — A nossa evolução para um mundo cada vez mais polarizado, cada vez menos unipolar e, portanto, a noção de como a vários títulos o dar passos que signifiquem hostilidade ou irrealismo nesta matéria são profundamente desaconselháveis, embora salvaguardando sempre a nossa total independência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, agradeço a sua pergunta e tentarei responder-lhe.
Em primeiro lugar, gostaria — e farei disso o esforço que for necessário — que a questão do Kosovo pudesse integrar-se no consenso tradicional pró-europeu e pró-atlântico da política externa portuguesa, mas não deixo de sublinhar as dificuldades. É uma questão difícil face à qual penso que se deve ter um discurso razoável mas claro nos fundamentos e nas consequências.

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Portanto, trabalharemos para que este consenso, pela nossa parte, seja possível, mas não partilharemos opções erradas, até porque aquilo que eu disse aqui, hoje, o Primeiro-Ministro e o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros conhecem, porque pude dizê-lo ao longo de meses naquelas audições que temos com o Primeiro-Ministro, quando há conselhos.
Em relação à questão da Sérvia, aquilo que digo é que por circunstâncias históricas, por circunstâncias culturais, me parece evidente que a Europa, se for associada a uma política de acantonamento da Sérvia, nada ganhará, absolutamente nada, com isso, até porque aqueles que fora do Continente europeu têm uma posição sobre este problema não sofrem as suas consequências directamente se essas consequências existirem.
Portanto, estamos a trabalhar com a região política mais sensível e mais delicada da Europa e, por isso mesmo, toda a cautela é pouca. Ocorre-me esta dúvida e, como alguém que é mestre nestas matérias se expressou na Assembleia, não deixa de ser surpreendente que a Europa possa ser associada a um tratamento considerado como humilhante da Sérvia e escolha como parceiro principal, ou amigo primeiro, aquele que hoje ou amanhã, ou depois de amanhã será seguramente, pela natureza das coisas — é uma constatação objectiva — um Estado islâmico.
Por fim, competência essencial do Governo e do Sr. Presidente da República e, por isso mesmo, é que eu acho que os debates nesta Casa devem levar em linha de conta essa circunstância.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, 2000 professores nas ruas do Porto, 3000 em Coimbra, 1500 em Viseu, 700 em reunião em Leiria, centenas nas ruas da Guarda, outras tantas centenas nas Caldas da Rainha. Convocados por sms, por blog, por «passa palavra», todos para contestar as políticas de educação.
E as palavras da contestação dos professores repetem-se e dizem: não aceitamos a humilhação, não abdicamos da nossa dignidade.
A meio do ano lectivo, é todo o sistema educativo que está em convulsão.
Estes professores somam as suas vozes às dos pais dos alunos do ensino especial que não aceitam a exclusão irresponsável e inaceitável que o Ministério da Educação quer impor aos seus filhos; a que se somam as vozes de pais, professores e alunos das escolas públicas de música que não aceitam a decisão «cega» de cortar pelas pernas o ensino especializado da música; e a que soma a indignação dos pais dos milhares de alunos do primeiro ciclo que, hoje, por todo o País, têm hoje aulas em contentores e em salas sem janela. A convulsão das últimas semanas, na área da educação, não chegou de surpresa, Srs. Deputados! A verdade é que as manifestações dos últimos dias não confrontam apenas um, ou dois, ou sequer três diplomas lançados pelo Ministério da Educação. Não! O que está em causa é o desenho incongruente, autoritário, feito aos supetões e que tem vindo a ser traçado pelo Ministério da Educação nos últimos anos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — É por isso que a contestação não pára de crescer, por razões várias. Desde logo, por causa do concurso de professores titulares — «dividir para reinar» era o mote e o objectivo ficou absolutamente claro quando o Ministério nada fez para responder aos manifestos casos de injustiça, para os quais até o Provedor de Justiça alertou.
Por causa do novo modelo de gestão das escolas, com a sua «cascata» de chefias, todas nomeadas, o esquema da nomeação por confiança (será confiança política?) estreia-se, agora, nas escolas pública: no professor vai mandar o subchefe, no subchefe manda o chefe e no chefe vai mandar o Ministério da Educação. Foi para isto que o modelo jobs for the boys foi criado e é assim que vai ser.
Por causa da avaliação dos professores, onde o Ministério impôs um modelo burocrático e tortuoso onde não cumpriu sequer as tarefas que lhe eram devidas, as escolas estão, hoje, mergulhadas na incerteza e na

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avalanche burocrática a meio do ano escolar e o Ministério não quer saber. A avaliação, aliás, não é para avaliar ou sequer para qualificar o sistema, é apenas para que o Primeiro-Ministro possa anunciar como «uma meta alcançada».
Por causa do ensino especial, o Governo impõe uma tabela de classificação médica desenhada para adultos, que nada tem que ver com necessidades educativas e com crianças e com isto vai retirar apoio aos alunos mais vulneráveis do sistema educativo. E quer, agora, «fazer» professores de ensino especial num esquema em que «tem-se o professor e é só juntar água»... Pega num professor, 50 horas de formação e este já está apto para trabalhar com crianças autistas e com multideficiência. Diz o Ministério da Educação que é em nome da escola inclusiva. É preciso não ter vergonha! Ou por causa do parque escolar com milhares de crianças do 1.º ciclo que têm hoje o seu primeiro contacto com a escola em contentores e em salas sem janelas; ou por causa das actividades de enriquecimento curricular, uma boa política traída em nome das estatísticas, que têm hoje professores contratados tipo tarefeiros, pagos a 9 € à hora, sem ninguém que vele pela qualidade; ou por causa do ensino artístico, o Governo invoca a democratização do ensino generalista da música para, na prática, «cortar as pernas» às escolas públicas de formação musical especializada; ou por causa das aulas de substituição; ou do estatuto do aluno; ou dos exames do 12.º ano!... É uma sucessão de peças legislativas e decisões arbitrárias, deficientes e desconexas.
O que pretendem o Governo e o Partido Socialista para a escola pública? Há algumas semanas, no debate que fez o lançamento de um manifesto pela escola pública e pela igualdade, Ana Benavente, ex-secretária de Estado da Educação do governo de António Guterres — governo do Partido Socialista!! —, dizia que era bom que nos dessem o desenho do puzzle, que percebêssemos para onde estamos a caminhar e qual o modelo de escola que se pretende construir. Creio que estava a ser irónica! Hoje, todos parecem concordar que esta aparente desordenação, esta multiplicação de incongruências e de guerras políticas é a única resposta política do Governo. A guerra com docentes, com pais, com alunos, a sucessão de medidas mal pensadas e mal estudadas, são uma política, são a política do Partido Socialista para a educação! O Governo tem-se regido por duas únicas ideias-chave: primeira, criar um culpado que não o poder político para os problemas do sistema educativo e os culpados são os professores. Em pano de fundo está o epíteto de «Os professorzecos», enunciado à porta fechada, é verdade, mas ele foi dito e ninguém o esquece porque ele é a marca da política da governação do Partido Socialista no sector da educação.

O Sr. Fernando Rosas (BE) — Muito bem!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Quando todos se juntam na contestação às políticas, o argumento de um Ministério que é vítima de resistências e de interesses instalados «não cola». O Ministério perdeu toda a credibilidade por culpa própria e foi sempre, sempre, prepotente e até insultuoso com quem o criticou e se lhe opôs.
Segunda estratégia do Partido Socialista: criar uma torrente de medidas de nome pomposo, sobre matérias que estudou mal para tentar ganhar a legitimidade de uma reforma que de facto não faz. Julga que inventando uma Novilíngua consegue iludir o sentido real das políticas que escolheu, mas todos já sabem que quando fala de autonomia das escolas quer dizer fim das escolhas de autonomia na organização democrática da gestão escolar; quando fala em avaliação de desempenho quer dizer burocracia e trapalhada processual…

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Qual é a proposta do Bloco de Esquerda?

A Sr.ª Ana Drago (BE): — … quer dizer um processo de avaliação que a Ministra anunciou, desde o princípio, como punitivo; quando fala de democratização do ensino artístico quer dizer ataque às escolas públicas de ensino musical especializado; quando fala de escola inclusiva quer dizer exclusão dos alunos com necessidades educativas das escolas de ensino especial, nomes sonantes para aquela que é uma política autoritária e sem soluções!

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Sr.ª Deputada, o seu tempo terminou.

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A Sr.ª Ana Drago (BE): — É por isso que o Sr. Primeiro-Ministro finge que não ouve os protestos, que não sabe das medidas irresponsáveis e que leva a mal a contestação nas ruas, porque esta é também a sua estratégia política: dar um ar de quem faz uma guerra em nome de uma mudança que não é real e lançar umas campanhas promocionais de medidas políticas que parece que soam bem. Arrogância e propaganda é toda a receita! Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão não é a simpatia pessoal de quem tem responsabilidades na área da política educativa nem sequer a simpatia da Ministra ou do Sr. Primeiro-Ministro.
A questão é saber se o Partido Socialista, enquanto força política,…

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Sr.ª Deputada, tem mesmo de terminar.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — … enquanto partido com responsabilidades — e termino, Sr. Presidente —, resolve levar avante esta estratégia eleitoral medíocre, que sacrifica políticas educativas no «altar» de um calendário eleitoral. Não há hoje ninguém, no campo da educação, que acredite que esta política tem ainda a capacidade de responder àquilo que é necessário fazer no sistema educativo. Ninguém! Nem mesmo os mais fervorosos militantes do Partido Socialista! Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, é vossa responsabilidade e é vosso mandato pôr fim a esta política e a esta governação. Terá morrido a vossa paixão pela educação, mas fica a vossa responsabilidade de responder aos problemas e às exigências do sistema educativo!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luiz Fagundes Duarte, Miguel Tiago, Pedro Duarte e José Paulo Carvalho. Peço contenção no tempo da pergunta e da resposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, o Bloco de Esquerda entende que governar é insultar e, portanto, que pode vir aqui atirar um conjunto de «bojardas»…

Vozes do PSD: — «Bojardas»?...

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — … contra uma política sistemática que está a ser posta no terreno no sentido de renovar a política de educação em Portugal. De facto, Sr.ª Deputada, essa não é a nossa maneira de funcionar.
A Sr.ª Deputada continua a confundir as árvores soltas com a floresta… Enunciou aqui um conjunto de medidas… Obviamente que, para o Bloco de Esquerda, todas as medidas do Governo são negativas porque gosta que tudo corra pelo pior para, depois, poder fazer estes «sermões moralistas» da tribuna — que agradecemos, mas de que, de facto, não precisamos.
A Sr.ª Deputada começou por falar em respeito. Respeito, para nós, é cumprir com o Programa do Governo. É essa a obrigação que temos!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — O Programa do Governo está a ser cumprido — nele estão incluídas medidas, como a avaliação de professores e a renovação de tudo o que tem a ver com a gestão das escolas.
Todas estas medidas que a Sr.ª Deputada apresentou como negativas, o Governo entendeu, com o nosso apoio, que é assim que deve ser feito.
Para mal, tínhamos o que existia. Para mal, temos tudo o que o Bloco de Esquerda defende. Das suas palavras, não entendi que exista um projecto na vossa cabeça — que é uma cabeça simpática, mas inútil.

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Vozes do PS: — Muito bem!

Protestos do BE.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Não entendi que tenham um projecto que venha dizer aos portugueses o que é que pretendem. Vão atrás das «bocas» que ouvem na rua. Lêem o jornal de manhã e vêm aqui fazer declarações políticas à tarde. Também lemos os jornais, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Parece que não!

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Também vemos os professores na rua e também vemos quem é que os manipula!

Vozes do PS: — Muito bem!

Protestos do PSD, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Sr. Presidente, vou já terminar, mas a Sr.ª Deputada, que acusa o Governo de não saber governar, não soube «governar» o seu tempo e usou 1 minuto a mais… Portanto, Sr.ª Deputada, exactamente pela incongruência entre o discurso vazio que fez agora e a prática, nada temos a responder. A nossa resposta está no terreno, naquilo que provoca essas manifestações atrás das quais os senhores vão. Antigamente, os miúdos iam atrás das bandas; agora, os senhores vão dançando, cantando e rindo atrás das manifestações.
Queremos ver o que dizem no terreno e não da tribuna.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte, exige-se alguma seriedade neste debate.

Vozes do PS: — Claro!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Portanto, o debate tem de ter como ponto central o que acontece no sistema educativo.
Sr. Deputado, das duas uma: ou acredita que os professores, os pais e os alunos perderam a capacidade de fazer as suas próprias escolhas e, quando vão para o terreno, estão hipnotizados, sendo levados pelo Bloco de Esquerda — não pensará, com certeza, que conseguimos arrastar para o terreno os pais, os professores e os alunos, em contestação…; ou, então, é preciso perceber exactamente o que é que está a acontecer no sistema educativo.
O apelo que aqui fiz, Sr. Deputado, é que consiga analisar cada medida que foi sendo lançada pelo Ministério da Educação e que veja ao que é que ela conduziu.
Deixe-me, no entanto, falar-lhe sobre um assunto que tem estado em debate, mais recentemente: a avaliação dos professores.
O processo de avaliação dos professores deveria permitir ao sistema educativo identificar os seus problemas, perceber o papel dos professores como peças-chave no processo educativo (não a central, porque esta são os alunos) e saber quais as respostas que têm de ser dadas. No entanto, o Ministério da Educação, primeiro, impôs um processo absolutamente burocrático, tendo sido avisado para tal — pelo que agora se

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percebe por que é que as escolas não o conseguem cumprir —, e, num segundo momento, não cumpriu sequer as tarefas que ele próprio tinha de fazer.
Portanto, à sua surdez às críticas e às reflexões que vinham do meio educativo juntou a sua capacidade de criar incompetências.
Estamos a meio de um ano lectivo. Percebemos que o sistema está atulhado em papéis que o Ministério da Educação acha que são úteis. Devia, contudo, ouvir quem está no terreno e perceber que só está a criar empecilhos na capacidade de dar resposta do sistema educativo.
Quando a Sr.ª Ministra não ouve todos os avisos que vêm do terreno, quando há nas reuniões do Grupo Parlamentar do Partido Socialista o epíteto de «professorzecos»,…

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — O seu tempo terminou, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — … quando a Ministra chama elitistas aos estudantes, professores e pais do ensino artístico, quando o Sr. Primeiro-Ministro não é capaz de dar uma única resposta àquilo que está na rua, percebe-se que o que querem é fazer propaganda! Querem chegar a 2009 e dizer: «Fizemos isto!» Mas isso não significa dar qualquer resposta política aos problemas do sistema educativo!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, queria saudar a oportunidade da sua intervenção, que é por demais óbvia, basta olhar à nossa volta. Os acontecimentos dos últimos tempos são o corolário de um processo de luta que certamente continuará a desenvolver-se, assim tendam a continuar estas políticas do Governo — por mais que o Partido Socialista queria negar as suas existência e dimensão, acabando, na verdade, por «reconhecer a medo».
De facto, o conjunto de matérias que a Sr.ª Deputada aqui nos trouxe reflecte aquilo que têm sido as políticas do Governo na educação e os efeitos que têm tido. No geral, assistimos à criação de um clima de cada vez maior instabilidade e a uma afronta sem precedentes à escola pública, por via do ataque aos direitos dos professores, mas não só.
O PCP não nutre ilusões quanto ao papel do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e quanto ao verdadeiro objectivo desta campanha, que visa desmantelar a escola pública e incapacitar o Estado de ter um mecanismo de educação de massas e de educação pública capaz de dar resposta às necessidades do País.
O que a avaliação dos professores provocou é um exemplo claro dessa intenção. Ela não visou aperfeiçoar a escola nem, tão pouco, identificar as suas falhas, mas apenas lançar a escola na confusão e confrontá-la com a impossibilidade de aplicação daquilo que o Ministério apontava como necessário fazer-se, não tendo o próprio Ministério cumprido os prazos que tinha estipulado. São vários os exemplos: no ensino especial, como bem descreveu, a redução das necessidades educativas especiais ao conceito de deficiência médica, através da classificação internacional; no ensino artístico; e, agora, o não pagamento das aulas de substituição. Era bom que pudéssemos aprofundar estes temas, tendo em conta que assim se aprofunda também o carácter prepotente do Governo quando diz que não cumprirá as ordens dos tribunais.
Aproveito para dizer que o PCP acabou de propor, na Comissão de Educação, a conversão do projecto de decreto-lei que regulamenta o regime de autonomia e gestão da escola pública e dos estabelecimentos de ensino em proposta de lei.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Todos os partidos votaram favoravelmente a nossa proposta menos o Partido Socialista, o que bem demonstra a sua pouca vontade de discutir este diploma de forma democrática e em confronto com os outros partidos.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Para finalizar, queria dizer que o Grupo Parlamentar do PCP agendou uma interpelação ao Governo sobre esta matéria para o dia 18 de Março, porque entendemos que não se pode continuar a permitir que o Governo «passe por entre as gotas da chuva».

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, concordamos com o diagnóstico que fez daquilo que têm sido as políticas lançadas pelo Ministério da Educação. O que me parece mais preocupante é perceber que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não assume aquilo que, na prática, é a sua responsabilidade política e é o seu mandato de representação.
Compreendemos que a estratégia do Ministério da Educação não seja exactamente a de dar resposta aos problemas que o sistema tem, e que, como dizia, já conhecemos.
Quando todos os agentes no sistema dizem que o processo de avaliação de professores não pode avançar nos termos em que está a ocorrer, pois ou será uma fraude ou vai paralisar as escolas, o que é que cabe a um governante que esteja à frente dos destinos da educação? Ouvir quem está no terreno e parar. Ser capaz de avançar com uma avaliação de professores no ano seguinte, que permita dar respostas.
Quando se avança a todo o custo, a todo o vapor, independentemente das críticas que são feitas, percebese que o objectivo não é qualificar o sistema, mas ter uma bandeira política. Assim, José Sócrates, numa qualquer outra entrevista que venha a existir num outro canal de televisão, pode dizer, contra tudo e contra todos, contra a opinião mais sensata, que fizeram a avaliação de professores. Passou-se o mesmo na gestão das escolas. Há aqui uma lógica de criar todo um sistema absolutamente autoritário nas escolas públicas, com a intenção, obviamente, de que o director seja, na prática, o «braço armado» do Ministério da Educação dentro das escolas.

Vozes do PCP: — Claro!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Portanto, anuncia-se a autonomia, retirando a autonomia.
Qual é a responsabilidade do Grupo Parlamentar do Partido Socialista? É ouvir as vozes dos socialistas que estão nas ruas! Porque não são apenas do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista Português ou até do PSD!... São também socialistas que estão nas ruas, que estão a fazer movimentos, petições ou a lançar sms.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — São manipulados!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — São manipulados, Sr. Deputado?! Os próprios militantes do Partido Socialista são manipulados?!...
A vossa responsabilidade é responder por uma política de educação que seja séria. Assumam essa responsabilidade! Façam frente a uma Ministra que quer apenas fazer propaganda para o Primeiro-Ministro!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, o Partido Social-Democrata junta a sua voz à enorme preocupação com que o Parlamento e, principalmente, a sociedade portuguesa estão a encarar a situação que hoje se vive no nosso sistema educativo.
Vivemos hoje um enorme impasse no que diz respeito ao nosso sistema de ensino: uma Ministra sem qualquer autoridade para exercer o seu mandato; uma situação de caos nas nossas escolas; uma situação de

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desmotivação e até de revolta na generalidade dos professores. Temos, portanto, uma política educativa completamente esgotada e sem qualquer esperança de melhoria para o futuro.
Assim, como consequência, temos uma política de educação a prazo. A dúvida é saber quando chegará o momento em que o Primeiro-Ministro vai descartar, vai «deitar borda fora» (se me permitem a expressão) esta Ministra da Educação. Não porque tenhamos a esperança de que o Primeiro-Ministro vá inverter a sua política educativa e a sua visão para este modelo mas porque é sensível a questões eleitorais e eleitoralistas e, portanto, é natural que, com o aproximar do próximo acto eleitoral e com os estudos de opinião a começarem a ser bastante preocupantes para o Partido Socialista e para o Governo, tenha a mesma atitude que adoptou na área da saúde. Isso, contudo, não resolve o problema de fundo da política educativa.
A verdade é que o Partido Social-Democrata avisou. Sr. Deputado Fagundes Duarte, não vamos atrás de manifestações de rua! Andamos a avisar, há muitos anos, há muitos meses e há muitas semanas, ao que iria conduzir esta política errática do Governo socialista. Está aqui, hoje, o resultado, pelo que vemos na nossa sociedade.
Por isso, quando uma política educativa se esgota, por um lado, em arrogância e em prepotência e, por outro lado, em propaganda, mascarando a realidade, é óbvio que o resultado teria de ser aquele a que hoje assistimos.
Sr.ª Deputada, para terminar, deixo-lhe uma questão muito concreta:para além de tudo aquilo que já aqui disse hoje, não a preocupa também a deriva autoritária deste Governo? Vendo-se sem razão, sem os argumentos do seu lado, está a adoptar uma atitude que choca com as liberdades individuais.
Recordo um episódio, mais um apenas desta área da educação — e não me vou referir ao caso do professor Charrua, à invasão ao sindicato na Covilhã, etc.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Sr. Deputado, agradeço que termine.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Refiro-me ao que se passou no passado fim-de-semana no Porto, na Avenida dos Aliados. A polícia identificou professores que se estavam a concentrar — precisamente aqueles que prestaram declarações à comunicação social. Considera que isto é próprio de um regime democrático, Sr.ª Deputada?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, eu considero que não é apenas a Ministra da Educação que tem respostas arrogantes a qualquer crítica que lhe seja endereçada e às vezes até mesmo respostas insultuosas dirigidas a alguns actores do sistema educativo. O problema reside em todo o estilo, em toda a estratégia que José Sócrates resolveu imprimir à sua equipa governativa e que tem tido efeitos ao criar este anátema e ao mesmo tempo esta pressão e esta intimidação em todas as vozes que se opõem e que fazem contestação em sectores-chave da governação.
Foi exactamente por isso que a minha intervenção de hoje foi dirigida aos Deputados do Partido Socialista.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Que honra!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — É porque penso que eles ainda terão uma réstia de independência e de relação com a realidade da situação social em Portugal para compreenderem que isto é inaceitável e que não é sustentável até às próximas eleições. Não é aceitável cometer erro atrás de erro, posição absolutamente arrogante como se fosse uma posição de força, e criar medidas legislativas desconexas e incapazes de dar resposta e manter — desculpem-me a expressão — a mesma «cara de pau».
Portanto, alguém tem de ter a capacidade de, a um ano e meio de eleições, fazer a avaliação da desgraça que está a acontecer e do clima de «guerrilha» que existe hoje no sistema educativo. Nós não podemos sacrificar o sistema educativo a uma qualquer estratégia eleitoral de afirmação de uma Ministra da Educação.

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É nesse sentido que alguém tem de ter a capacidade e a ponderação de dizer ao Eng.º José Sócrates e à Ministra da Educação que é tempo de parar com esta política e de arranjar toda uma outra forma de governação.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, antes de mais queria saudá-la pelo facto de ter trazido a debate, mais uma vez, o tema da educação.
Ora, gostava de constatar aqui, perante esta Câmara, o seguinte: o tema da educação tem sido objecto de debate em Plenário porque o CDS já promoveu esse debate, o PSD já promoveu esse debate, o PCP já promoveu esse debate, o Bloco de Esquerda já promoveu esse debate, mas, curiosamente, nunca é o Partido Socialista que traz a matéria da educação para debate em Plenário!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Porque será?!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Srs. Deputados, era importante que esta questão fosse esclarecida. Mas é simples: é porque já nem os senhores têm capacidade de vir aqui defender as políticas do Governo! Se assim é, fica aqui o desafio para que, na próxima semana, a declaração política do Partido Socialista seja sobre educação e venham defender aquilo que consideram útil.

Protestos do PS.

Sejam os senhores a trazer aqui o debate! Já agora, gostava de salientar que já não me recordo de qual foi o último projecto de lei do Partido Socialista em matéria de educação… Já não me recordo, não me recordo mesmo, mas gostava que me lembrassem. No entanto, recordo-me dos outros partidos…

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Já esteve melhor…!

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Sr.ª Deputada, a Sr.ª Ministra da Educação também já teve dias melhores! Sobre esta matéria não temos uma perspectiva de classe mas, sim, uma perspectiva de sistema. Portanto, aí temos alguma divisão face ao Bloco de Esquerda.
Na verdade, o comportamento que a Sr.ª Ministra da Educação tem tido nos últimos tempos permite-nos assumir como absoluta verdade que a Sr.ª Ministra disse: «Perdi os professores, mas ‘pisquei o olho’ ao País; ganhei o País». Ora, isso é lamentável porque, no fundo, funciona ao contrário… Foi uma escolha pelo Governo de uma classe a abater.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada, antes de terminar gostava de lhe colocar a seguinte questão: só é possível fazer mudanças com um clima de credibilidade e de confiança — que foi tudo aquilo que o Governo conseguiu destruir. Não há nem credibilidade nem confiança no sistema. Por isso, pergunto: partilha das considerações que fiz e considera ser possível fazer algo com o clima de desconfiança total que foi gerado no sistema educativo?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

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A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Paulo Carvalho, creio que o que é mais impressionante são os testemunhos dos professores que têm estado nas ruas nos últimos dias, em que a frase que mais se ouve é: «exigimos respeito, exigimos que respeitem a nossa dignidade». Quando há um conjunto de profissionais de um sistema educativo em Portugal que vêm à rua dizer que estão fartos de ser humilhados e mal tratados pelos nossos governantes há algo que está profundamente errado na forma como se está a governar.
Creio que é absolutamente óbvio que, com a multiplicação de guerras e dos erros legislativos dos últimos meses por parte do Ministério da Educação, todo o País, das mais diferentes áreas políticas, compreende que não é sustentável manter esta equipa governativa nem esta lógica política.

O Sr. José Lello (PS): — Isso era o que vocês queriam!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Já ninguém acredita que quem manda numa das peças basilares do sistema que são os professores, que quem os imola na praça pública dizendo que eles são os culpados de todas as insuficiências do sistema educativo, é capaz de mobilizar aqueles que durante 30, 20 ou 10 anos da sua vida profissional se esforçaram, que dão horas à sua escola, que se esforçam por criar projectos nas suas escolas e que são tratados na praça pública como se fossem malandros! É inaceitável ter esta lógica política! Hoje, é necessário recuperar e respeitar esses profissionais.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Apresentem uma proposta!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Vou fazer-vos uma proposta concreta: ouçam quem está no terreno — dizemolo há semanas —, ouçam quem está no terreno. Não nos ouçam a nós, nem ao PSD, nem ao PCP!

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Srs. Deputados, aos gritos não se ouve a Sr.ª Deputada nem se ouvem os apartes! Peço silêncio.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Ouçam quem está no terreno, ouçam quem sabe, ouçam os pais, ouçam os professores, ouçam os alunos! Não ouvem ninguém! Perderam o sistema educativo. Isto não pode continuar porque estamos a meio de um ano lectivo! Isto não pode continuar!

Aplausos do BE.

O Sr. José Lello (PS): — Vocês queriam era mandar no Governo!

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cabral.

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Durante os dias 25, 26 e 27 de Fevereiro de 2008, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista realizou, na Guarda, as Jornadas Parlamentares sobre políticas sociais.
A realização destas jornadas permitiu ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista fazer um balanço da acção governativa dos últimos três anos no domínio das políticas sociais e uma profunda reflexão em torno dessas políticas e do seu impacto na vida dos cidadãos.
O tema das políticas sociais, enquanto instrumento privilegiado de combate contra a pobreza, a exclusão e as desigualdades sociais assume grande relevância para o Partido Socialista.
A aposta nas políticas sociais e no reforço do Estado social enquanto pilar fundamental da nossa vida colectiva, mesmo em períodos de menor crescimento económico, constitui uma das marcas indeléveis da governação do Partido Socialista.

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Foi assim no passado, continua a sê-lo no presente e será também assim no futuro, porque temos plena consciência de que só através de políticas sociais fortes será possível criar uma sociedade mais justa, mais solidária e mais coesa no plano social e territorial.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!

O Sr. Fernando Cabral (PS): — A economia portuguesa atravessa, como todos o sabemos, um processo de profundas transformações e mudanças com implicações, muitas vezes negativas, na vida dos portugueses.
A destruição do emprego, a rapidez com que as novas tecnologias chegam ao mundo do trabalho, o elevado défice de qualificações acumulado ao longo de várias gerações, a persistência de riscos de pobreza e de exclusão, especialmente no segmento dos idosos e dos trabalhadores com baixos salários, e a existência de um elevado número de famílias com vulnerabilidades no acesso a dimensões essenciais da nossa vida colectiva, colocam-nos perante dificuldades que não ignoramos nem escondemos.
Temos consciência de que a transposição destas dificuldades se faz através do crescimento económico porque só o crescimento económico permite assegurar uma melhoria sustentada das condições de vida dos portugueses. Mas, ainda assim, não abdicamos de políticas sociais fortes e coesas porque também entendemos que só com políticas sociais fortes e coesas é possível fazer chegar o crescimento a todos.
Por isso, ao longo dos últimos três anos, temos vindo a concretizar de forma plural, responsável e participada, numa intensa agenda reformista na área social, dando cumprimento aos compromissos que o Partido Socialista assumiu com os portugueses.
A concretização desta agenda prova que o Partido Socialista é o único partido capaz de conjugar a necessária disciplina orçamental com uma nova geração de políticas sociais e de reformas, designadamente da segurança social, da administração pública, da educação, da saúde e da justiça.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Nenhum outro governo apostou tanto no combate contra a pobreza, a exclusão e as desigualdades sociais como os governos do Partido Socialista, e isso é para nós motivo de grande orgulho.
Os partidos da oposição, de forma incompreensível, têm demonstrado uma total ausência de ideias, de medidas e de propostas limitando-se alguns deles a defender o esvaziamento do papel do Estado em áreas prioritárias para os cidadãos, como sejam a segurança social, a saúde e a Administração Pública.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao longo dos últimos três anos temos estado fortemente empenhados na renovação das políticas sociais afirmando os princípios da solidariedade, da igualdade e da justiça social.
No plano das políticas sociais e do reforço do Estado social, realça-se, por um lado, a reforma da segurança social que assegurou a sua sustentabilidade financeira, económica e social e, por outro, as medidas de protecção dos cidadãos e das famílias, designadamente: o reforço do rendimento social de inserção; o complemento solidário para idosos, medida de combate à pobreza dos cidadãos idosos, que abrange 65 000 idosos e cujo valor foi recentemente aumentado para os 400 euros; o subsídio de desemprego para todos os trabalhadores da administração pública; o alargamento da rede de equipamentos sociais (PARES) destinados ao apoio à infância e à terceira idade; o abono pré-natal, reforçando o apoio à maternidade; o reforço das medidas fiscais para famílias com filhos até aos 3 anos; o reforço do abono de família para famílias monoparentais; o subsídio social de maternidade para mães sem carreira contributiva; o aumento sustentado do salário mínimo nacional, que atingiu, em 2008, os 426 euros, ou seja, o maior aumento da última década; a consagração de benefícios fiscais para as empresas que construam creches e jardins-deinfância; a consagração de benefícios fiscais para as empresas que se estabeleçam no interior fomentando a coesão social e territorial.
Esta nova geração de políticas sociais, que constituirá, de novo, a marca socialista, contribuiu de forma decisiva para o combate contra a pobreza, a exclusão social, as desigualdades sociais e para a afirmação do Estado social enquanto pilar estruturante do sistema democrático.

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A luta contra a pobreza e a exclusão social, bem como a protecção das famílias, em particular das crianças e dos idosos, a par da promoção da igualdade de oportunidades devem, no entendimento do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, continuar a constituir uma prioridade central da governação através de novas políticas e instrumentos e do reforço do sistema de protecção social.
Para o Grupo Parlamentar do Partido Socialista o desemprego continua a constituir o maior desafio que o País enfrenta, cuja resposta assenta num maior crescimento económico e no reforço da qualificação dos portugueses. Neste contexto, importa continuar o esforço de qualificação e de formação dos portugueses, mas também o reforço de políticas públicas que contribuam para o investimento privado e, por essa via, para o crescimento da economia e para a criação do emprego.
Por outro lado, no quadro da revisão do Código do Trabalho, a ocorrer muito em breve, asseguraremos a necessária compatibilização entre a adaptabilidade e a segurança, mas também o aprofundamento dos direitos sociais dos trabalhadores, designadamente no plano da maternidade e da paternidade e da conciliação entre a vida familiar e a vida profissional.
O Governo e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista manterão o rumo reformista até ao final da legislatura de forma a modernizar o País, a fortalecer o Estado social e a cumprir o contrato que firmaram com os portugueses.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A realização das Jornadas Parlamentares do PS, na Guarda, constituiu um momento privilegiado da nossa vida política e um sinal claro de que o Partido Socialista está preocupado com as questões da coesão social e territorial.
Mas para a Guarda este também foi um momento de clarificação. O novo hospital da Guarda, que resultará da ampliação e requalificação das actuais instalações do Hospital Sousa Martins, vai mesmo ser uma realidade. A Sr.ª Ministra da Saúde confirmou que o projecto está em fase de elaboração, será concluído em Setembro deste ano, após o que será lançado o concurso para a sua construção.
O Partido Socialista, que está associado indelevelmente ao desenvolvimento e ao progresso da Guarda com a construção da A25, da A23, do Museu do Côa, do IP2 a norte da Guarda, de uma rede moderna de unidades de cuidados primários de saúde, ficará, também agora, associado à construção dos novos hospitais da Guarda e de Seia.
A este propósito, e na decorrência da última reunião plenária que teve lugar na passada sexta-feira, em que fiquei de entregar na Mesa um conjunto de documentos, aproveito esta oportunidade para lhos entregar.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, os documentos que entregou serão distribuídos.
Entretanto, para pedir esclarecimentos, inscreveram-se a Sr.ª Deputada Ana Manso e os Srs. Deputados Pedro Mota Soares e Bernardino Soares.
Para o efeito, tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, começo por fazer um cumprimento ao Sr. Deputado Fernando Cabral, porque é a primeira intervenção que V. Ex.ª faz nesta Assembleia da República…

Risos do PSD.

Cumprimento também V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar por terem escolhido a Guarda para realizar as Jornadas Parlamentares do Partido Socialista. E em boa hora o fizeram porque, de facto, na Guarda, pelo menos, não foram incomodados por nenhuma conferência de imprensa de nenhum outro partido a reflectir sobre, ou a comentar, aquelas Jornadas Parlamentares…

Risos do PSD.

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Quero, ainda, deixar-vos um muito sincero agradecimento por terem colocado o PSD no centro do debate e por terem manifestado tantas preocupações, não só relativamente às acções que o PSD vem desenvolvendo por todo o País como em relação ao Presidente do Partido Social-Democrata.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Posto isto, gostaria de colocar-lhe duas ou três questões.
Quando ouvimos dizer que este Governo, e o Grupo Parlamentar do PS, está preocupado com as questões da coesão territorial e social, ficamos todos satisfeitos, naturalmente. No entanto, depois, tenho de concluir que, de facto, este Governo tem sido o campeão em termos das políticas de discriminação negativa em relação ao interior do País, tem contribuído também para agravar, de forma muito clara, as desigualdades sociais e económicas no País, agravando igualmente todo o processo de desertificação e de abandono do interior.
A nível da educação, o encerramento de escolas foi, de facto, «admirável»: não há uma aldeia que tenha ficado de fora desta fuga para diante em termos de afrontar as populações do interior. Dá a impressão de que, quando os alunos são poucos, não podem continuar a ter aulas…

A Sr.ª Isabel Jorge (PS): — Aulas têm!

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — … e têm de sair da sua aldeia.
Depois,…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Concluo já, Sr. Presidente.
No que diz respeito aos serviços de saúde, este Governo é, de facto, o campeão quanto ao encerramento de serviços de saúde de proximidade — extensões de saúde —, à diminuição dos horários dos serviços de atendimento permanente e dos centros de saúde. De facto, está desenhado um novo mapa em que a saúde é cada vez mais concentrada, mais longe das pessoas e em que estas são cada vez mais abandonadas.
A nível da justiça, o novo mapa judiciário, de facto, é de «bradar aos céus»… Por tudo isto, Sr. Deputado Fernando Cabral, devo dizer-lhe que, em teoria, V. Ex.ª até pode ter razão, mas a prática deste Governo é tudo menos a de defender as pessoas e pensar no interior.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado Fernando Cabral, pretende responder de imediato?

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Então, tem a palavra.

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Sr. Presidente, quero agradecer à Sr.ª Deputada Ana Manso as questões que colocou, mas começo já por fazer duas correcções.
Esta não foi a minha primeira intervenção. Se a Sr.ª Deputada não esteve presente por ocasião de outras intervenções que aqui fiz,…

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Não as notei, Sr. Deputado! Ninguém notou!

Risos do PSD.

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Pois! Não notou…! É uma questão de presença ou ausência da Sr.ª Deputada, mas os registos do Diário da Assembleia da República confirmarão o que digo.

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Por outro lado, também quero dizer-lhe que não é verdade que não tenha havido partidos a efectuar conferências de imprensa.
Na segunda-feira, decorria a abertura das Jornadas Parlamentares do Partido Socialista e, ao mesmo tempo, a Comissão Política Distrital do PSD estava a dar uma conferência de imprensa.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Não é verdade! Está a faltar à verdade!

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Portanto, eram estas as duas breves correcções.
Passemos à questão essencial: aquela que suscitou acerca do interior e sobre quem é que discrimina ou não, positivamente, o interior.
Há bem pouco tempo, neste Plenário, assisti, tal como todos nós, a um debate agendado pelo PSD sobre os problemas das assimetrias regionais. No final desse debate, um pouco como aconteceu hoje mesmo, aquando do debate de actualidade que realizámos, verifiquei que as propostas apresentadas foram zero! O diagnóstico foi muito bem feito — «a culpa é de todos» — mas, quanto a medidas concretas, não foi apresentada uma única.
Ora, quero dizer-lhe que, na minha intervenção, enunciei um conjunto de obras que a Sr.ª Deputada não refutou.
Se existe a auto-estrada A23, que chega à Guarda, resulta de uma decisão de um governo do Partido Socialista.
Se existe a auto-estrada A25, que vai de Aveiro até Vilar Formoso, resulta de uma decisão de um governo do Partido Socialista.
Se, hoje, há fornecimento de gás natural na Guarda, resulta de uma decisão do Governo do Partido Socialista.
Se vamos ter um novo hospital na Guarda e se temos já quase concluído um novo hospital em Seia, tal deve-se a decisões de um governo do Partido Socialista.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Não é verdade! O Sr. Deputado está a faltar à verdade!

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Portanto, estes são factos indesmentíveis e provam bem quem se interessa e quem não se interessa pelo desenvolvimento do interior.
Já agora,…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Só para terminar, Sr. Presidente, quero dizer que, até ao momento, no distrito da Guarda, não houve qualquer encerramento, no período nocturno, de serviços de atendimento permanente. Todos os SAP continuam a funcionar 24/24 horas.
Se houve encerramento de escolas, quero dizer-lhe que foi um processo pacífico, até junto dos próprios autarcas do seu partido, porque os mesmos perceberam que, em primeiro lugar, estava a qualidade do ensino e não a questão de haver mais ou menos escolas a funcionar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Cabral, começo, obviamente, por felicitá-lo e ao seu grupo parlamentar pela realização das Jornadas Parlamentares, que sempre são um momento muito importante para a reflexão política por parte dos grupos parlamentares.
Felicito-o também, sendo o Sr. Deputado eleito pelo círculo eleitoral da Guarda, por o PS ter escolhido essa cidade para aquele efeito.
No entanto, não posso deixar de dizer-lhe que vejo com alguma perplexidade que o Sr. Deputado e o Grupo Parlamentar do PS «encham tanto a boca», permita-me a expressão, com o tema das políticas sociais.

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Por isso mesmo, gostava de fazer duas perguntas muito concretas para as quais espero respostas igualmente concretas.
O Sr. Deputado, do alto da tribuna, anunciou que, neste momento, o complemento solidário para idosos, que considero uma prestação muito positiva, abrange 65 000 cidadãos.
Ora, pergunto-lhe se o Grupo Parlamentar do PS mantém a promessa eleitoral. É porque todos nos lembramos dos cartazes em que figurava o actual Primeiro-Ministro, na altura líder do PS, na oposição, nos quais prometia que aquela prestação que referi iria abranger 300 000 idosos — não é 30 000 idosos, é 300 000! Portanto, torno a perguntar-lhe, muito concretamente, se o Sr. Deputado e o seu grupo parlamentar mantêm essa promessa eleitoral de atribuição do complemento solidário para idosos a 300 000 idosos.
Passo à segunda questão muito concreta.
O Sr. Deputado sabe, tal como eu próprio, que de entre os mais carenciados da sociedade portuguesa conta-se o meio milhão de pensionistas que recebem a pensão mínima cujo valor, neste momento, é de 236 €/mês. A pensão destas pessoas foi aumentada 2,4% este ano.
Ora, como o Sr. Deputado sabe, no ano passado, a inflação foi 2,5% e atingiu 2,9%, só em Janeiro de 2008. Portanto, estes pensionistas já estão a perder 0,5% em termos de poder de compra.
Como o Sr. Deputado sabe, este último foi o mais baixo aumento das pensões mínimas no prazo de 30 anos desde que vigora a nossa democracia.
Assim, está ou não disponível o seu grupo parlamentar para, em relação a estas pessoas que, de facto, são os cidadãos mais carenciados, proceder a um aumento intercalar das respectivas pensões, tal como o CDS propôs, corrigindo-as no final do ano, se for possível? É porque, Sr. Deputado, para estas pessoas, que, de facto, precisam do apoio do Estado, é que «muito lhes tarda o seu amigo na Guarda»...

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cabral.

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, muito obrigado pelas questões colocadas.
Respondendo muito concretamente à questão que coloca, quero dizer-lhe que os compromissos que o Partido Socialista assumiu, na campanha eleitoral, em 2005, são para cumprir. Portanto, esteja descansado! O senhor sabe que, até agora, o complemento solidário para idosos abrangia 65 000 idosos porque eram os que tinham mais de 70 anos de idade, mas, como sabe, houve uma redução na idade, o que, naturalmente, vai fazer com que aumente o número dos abrangidos, para além de que também sabe que o valor da prestação aumentou para 400 €. Esta é das medidas mais importantes que este Governo implementou para combater a pobreza. Isto é que é um facto. É esta a realidade. Isto é que é um facto.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP). — Era para abranger 300 000, Sr. Deputado!

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Portanto, como referi na minha intervenção, o Partido Socialista está empenhado em reformar a segurança social, tornando-a sustentável, mas dando cada vez mais apoio aos que são necessitados.
A este propósito, vou dar-lhe um exemplo relativamente ao distrito que represento, e talvez este seja um número que muito poucos cidadãos conhecem.
Só através de protocolos de cooperação celebrados com IPSS no distrito da Guarda são abrangidos 17 000 idosos, ou seja, 10% da população do distrito, o que corresponde a um encargo anual de 35 milhões de euros. Este é um muito significativo esforço por parte do Estado, é meritório e deve continuar a ser acompanhado.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Cabral, em primeiro lugar, debruço-me sobre as questões gerais a que dedicou boa parte da sua intervenção.
O desemprego.
Quanto ao desemprego, cresce com o Governo do Partido Socialista, ao mesmo tempo que diminui o número de desempregados que têm direito ao subsídio de desemprego. Esta é a política do Partido Socialista para o desemprego.
O subsídio de desemprego para os trabalhadores da Administração Pública.
Ora, Sr. Deputado, sabe por que existe subsídio de desemprego para os trabalhadores da Administração Pública? É porque passou a poder haver despedimento na Administração Pública. Portanto, o que os senhores criaram foi o despedimento na Administração Pública, que não existia antes, e essa é que é a novidade do Governo do Partido Socialista.
A reforma da segurança social.
Quer o Sr. Deputado comprometer-se, em nome do seu grupo parlamentar, a rever a fórmula de cálculo que o Governo impôs, contrariando uma outra, decidida pelo governo do PS que foi chefiado por António Guterres, que leva a que muitos trabalhadores estejam a ser altamente penalizados em termos das respectivas reformas, especialmente no que se refere a pensões mais baixas? Quer comprometer-se com isso e retomar a versão da fórmula de cálculo decidida por anteriores governos PS? Quanto à pobreza, o Sr. Deputado não viu o relatório da União Europeia, publicado nos últimos dias, que diz que se agravou a pobreza em Portugal — pior do que nós só está a Polónia — e que, em matéria de crianças em risco de pobreza, o nosso país está em situação dramática? Não viu esse relatório? De quem é a responsabilidade por esta situação? Compreendo que o Sr. Deputado não tenha querido falar muito acerca da Guarda — compreendo-o, Sr. Deputado! É porque o distrito da Guarda é aquele onde a taxa de mortalidade infantil é 7,2/1000, enquanto, no País, essa taxa é 3,5/1000. É o distrito onde, por exemplo, na NUTS da Beira Interior, a esperança média de vida, à nascença, é de apenas 74,2 anos, enquanto, a nível nacional, é de 78,6 anos. É o distrito onde o poder de compra se situa entre 60% a 70% do poder de compra per capita a nível nacional…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Que já é baixo!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Este é o distrito da Guarda que as políticas do seu Governo e dos do PSD e do CDS têm atirado para baixo.
O Sr. Deputado anunciou aqui, mais uma vez, a construção do novo hospital da Guarda.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Vou terminar de imediato, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, há quantos anos está a população da Guarda à espera de que ora o PS, ora o PSD se decidam pela construção do hospital que, décadas depois de ser necessário, continua a não existir?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cabral.

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, muito obrigado pelas questões que colocou, umas das quais acabam por ser de carácter nacional e outras de carácter local, mas todas têm o mesmo contexto: o que os senhores defendem politicamente é que tudo se mantenha, que não haja mudança, e nós não!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Diga qualquer coisa de novo!

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O Sr. Fernando Cabral (PS): — Somos um partido reformista e procuramos alterar para que os portugueses tenham uma vida melhor, incluindo os que residem no interior.
O Sr. Deputado colocou uma série de questões e referiu números em relação ao interior. Não os negamos!... Por isso é que se exige uma política de discriminação positiva para o interior, que está a ser feita.
Eu disse, na sessão de abertura das Jornadas Parlamentares do Partido Socialista, que a maior riqueza do distrito da Guarda são as pessoas, que estão na Guarda e que continuam a trabalhar na Guarda.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E conseguiu convencê-las?!

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Mas também são a nossa maior debilidade, porque estamos a decrescer demograficamente, e é um problema que nos aflige. Trata-se de um distrito que está envelhecido e este é um problema que nos aflige, mas, por isso é que há medidas de discriminação positiva.
Há pouco, na resposta que dei à Sr.ª Deputada Ana Manso, não falei da questão dos benefícios fiscais para as empresas que se localizam ou que se venham a localizar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso é um milhão de euros para um ano inteiro!

O Sr. Fernando Cabral (PS): — Mas, Sr. Deputado, é muito importante que consigamos localizar empresas no interior para criar emprego e para conseguirmos inverter esta tendência demográfica negativa.
Isto é que é importante.
Portanto, a diferença entre o PS e o PCP é que o PS é um partido reformador que está a trabalhar para que essas realidades, que não são as melhores, se alterem, e o PCP queria que tudo ficasse na mesma.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os resultados há dias divulgados pelos bancos portugueses deixaram o País boquiaberto: apesar da crise que afecta o mercado financeiro desde a segunda metade do ano anterior, apesar do colapso provocado pelo crédito hipotecário de alto risco que levou tantos bancos por aí fora a prejuízos ou mesmo à falência, em Portugal, os lucros — os enormes lucros — não deixam de aumentar!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Quase 3000 milhões de euros foi quanto os cinco maiores bancos portugueses lucraram em 2007! Quase 8 milhões de euros de lucro por dia é o número que enche de indignação milhões de portugueses.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Apesar da crise financeira e das alegadas ilegalidades, nem sequer o BCP deixou de obter lucros chorudos.
De facto: depois de 100 milhões de euros de custos com a OPA falhada ao BPI, apesar de 80 milhões para reformas de meia dúzia de «competentíssimos» administradores, após quase 100 milhões de provisões para fazer face a custos extraordinários e às eventuais consequências das alegadas ilegalidades, depois de quase 300 milhões de euros abatidos ao activo por causa da utilização de offshore, esperar-se-ia ao menos que o BCP pudesse ter prejuízo ou, no máximo, lucros bem menores. Nada disso. Foram quase 600 milhões de euros de lucro, apesar da «tempestade»... — «bendita tempestade», dirá a nova administração! Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por tudo isto que temos de falar novamente no Dr. Vítor Constâncio. É porque boa parte dos lucros quase imorais da banca é obtida à custa dos depositantes, não dos grandes

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depositantes/accionistas, particulares ou empresariais, porque esses têm acesso privilegiado ao crédito e, se a coisa correr mal, até beneficiam de perdões da banca; é à custa da generalidade de outros depositantes, dos pequenos depositantes, das pequenas empresas deste país que se vai construindo o reino dos lucros chorudos da banca em Portugal. É à custa de comissões e mais comissões, cujos valores não têm limites ou são até imorais, que esse lucro se cimenta! Alguém se esquece dos custos cobrados a quem tem contas com saldo médio inferior a 1000 € mensais? Alguém se esquece de que só os pequenos depositantes pagam estas comissões? E o que dizer dos custos cobrados só para encerrar contas bancárias, os quais podem ascender a mais de 100 € por conta?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um escândalo!

O Sr. Honório Novo (PCP): — E é verdade, ou não, que paira a ameaça da criação de taxas por operações feitas em Multibanco? Tudo isto sucede perante o silêncio ou a omissão da entidade reguladora, que poderia e deveria agir impondo normas e regras que moralizassem a actividade bancária.
Não, Srs. Deputados! Nós não queremos que o Banco de Portugal fixe valores uniformes e rígidos de taxas e comissões. Não é isso! Queremos apenas que regulamente a sua fixação, que imponha limites máximos, que proíba a existência de algumas delas pela sua natureza evidentemente imoral e pouco ética.
É esta a competência reguladora que tem estado esquecida no actual debate sobre a acção do Banco de Portugal. É, contudo, esta a função primeira que a entidade reguladora deve ter para justificar a defesa dos depositantes, de todos os depositantes, mesmo que fosse — teria certamente que ser — cortando nos lucros da banca! Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto os seus lucros continuam a subir desta maneira, o IRC que a banca paga está longe de aumentar da mesma forma. Bem pelo contrário! O BCP (sempre o BCP…), apesar de os seus lucros terem descido 28%, parece ter pago, em 2007, menos 55% de IRC do que em 2006! Isto é, pagou menos, apesar de os lucros de 2006 terem atingido valores record! Quanto à banca nacional, globalmente pagou, em 2007, menos 1% do que em 2006! E para cada banco, em particular, o acréscimo de IRC pago é sempre inferior ao acréscimo dos lucros! Quando o Governo nos fala de equidade e transparência fiscais, o conhecimento destes números permitenos concluir que isso não é verdade, que alguns continuam a pagar pouco, a pagar menos do que deviam, ao mesmo tempo que os trabalhadores, a generalidade da população e das pequenas empresas, continuam a pagar bem mais do que pode e deveria pagar.
Por último, importa sublinhar a imoralidade social da existência de lucros deste tipo em Portugal.
Imoral para os que vivem no limiar da pobreza, e são quase dois milhões em Portugal.
Imoral para os trabalhadores a quem se diz que aumentos reais do poder de compra podem pôr em cheque a economia nacional.
Imoral para os reformados deste país, a quem é quase mendigado um aumento nas suas pensões e reformas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Para todos estes, a existência de lucros com este nível é imoral, é indigna, é ultrajante! Quando ouvimos dizer que um banco dá 80 milhões de euros para reformar meia dúzia de gestores, pensamos logo nos aumentos das reformas e pensões que o Governo aprovou para este ano: 2,4% foi o valor máximo concedido a quem tem uma reforma inferior a 600 €!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Será que o Governo acha isto moral e justo? Será que nem sequer reparou que a inflação, em 2007, foi, afinal, de 2,5%, segundo os números oficiais do Instituto Nacional de Estatística?

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Será que nem sequer reparou que no mês passado aqui disse que os pensionistas tinham sido aumentados pela inflação verificada em 2007, isto é, por 2,4%? Será que anda distraído ou vai, antes, pelo menos acertar as contas e pagar a diferença entre o que julgava poder ser a inflação em 2007 e o valor que realmente ocorreu nesse mesmo ano?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Boa pergunta!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Por fim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao PCP causa tanta revolta os ordenados exorbitantes de gestores públicos e privados como a existência de lucros imorais desta grandeza, face à situação económica do País e à situação social dos trabalhadores e reformados e suas famílias.
Esperamos que alguns dos que mostraram indignação pela diferença escandalosa de ordenados em Portugal também nos acompanhem na revolta e na indignação que provocam estes lucros quase imorais dos bancos portugueses.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Victor Baptista e Patinha Antão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista.

O Sr. Victor Baptista (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, vou tentar interpretar a sua intervenção segundo dois pontos de vista.
Primeiro, ao ouvi-lo falar da banca portuguesa, fica-se com a sensação de que anda, desde há uns anos, numa «cruzada» contra os bancos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não! Contra os lucros indecorosos!

O Sr. Victor Baptista (PS): — Evidentemente, é bom saber que a banca portuguesa tem as suas contas consolidadas, produz lucros e que o sector financeiro português passa por um bom momento.
Contudo, pensei que, hoje, o Sr. Deputado trouxesse novidades.
Vamos, então, à taxa efectiva de pagamento de IRC pelos bancos. Pelos vistos, não sabe, mas ficará hoje a saber, que a taxa era, em 2005, de 18,3%, e, em 2006, foi de 20%. Ainda não há dados definitivos sobre 2007, mas tudo indicia que a taxa será da mesma dimensão e que terá tendência a subir.
Portanto, os bancos produzem lucros, a matéria colectável aumenta e pagam obrigatoriamente mais impostos.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Sr. Victor Baptista (PS): — A segunda perspectiva da sua intervenção é a dos Deputados enquanto cidadãos. Também nós somos contribuintes, também nós recorremos ao crédito e temos de assumir esses custos. A questão é a de saber se os custos da banca portuguesa são diferentes, ou não, dos da banca mundial, em particular da banca europeia, e, se analisarmos os custos, verificamos eles são em tudo muito semelhantes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Os rendimentos das pessoas é que são diferentes!

O Sr. Victor Baptista (PS): — Sempre se poderá constatar alguns excessos. Há excessos em todas as áreas da economia, o que merece intervenção para os evitar, regular e eliminar. E, nessa matéria, garantidamente, a sua preocupação é a preocupação do Grupo Parlamentar e é a preocupação do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

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O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Victor Baptista, agradeço a sua questão.
Pensei que o Sr. Deputado vinha associar-se à intervenção que acabei de fazer sobre os lucros imorais da banca, mas, pelos vistos, não. Quando o País está de rastos, quanto o País «aperta o cinto», quanto há 2 milhões de pobres ou de pessoas no limiar da pobreza, quando um relatório recente da União Europeia aponta para que os índices de Portugal sejam cada vez piores, quando tudo isto se passa, o Sr. Deputado Victor Baptista devia, comigo, abrir a boca de espanto por o sector financeiro ter os lucros que tem. E estes lucros não acontecem por acaso, Sr. Deputado. Acontecem num contexto internacional de crise financeira onde outros bancos diminuíram fortemente os lucros, onde alguns bancos tiveram prejuízos, mas a banca portuguesa é completamente imune.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Haja o que houver no mundo, haja no mundo a maior crise, a banca portuguesa continua sempre, inexoravelmente, a aumentar os seus lucros.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Mas sabe à custa de quem, Sr. Deputado? Era importante que se dissesse à custa de quem! À custa dos pequenos e médios empresários, que vão ao banco e lhes «apertam o pescoço» com as condições de crédito que oferecem.
São os pequenos e microempresários deste país que não conseguem «levantar o pescoço», porque o que a banca quer é lucrar cada vez mais! Sabe à custa de quem é que isto se passa, Sr. Deputado?! À custa dos depositantes, não dos grandes depositantes e dos accionistas — esses até se lhes perdoa a dívida, como bem sabe o Sr. Deputado!… —, mas dos depositantes normais, que vêem as suas comissões aumentadas, que vêem os seus spreads aumentados.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um escândalo!

O Sr. Honório Novo (PCP): — O Sr. Deputado considera normal que o presidente de um conselho de administração do maior banco português tenha dito outro dia: «Ai é? Se descem os juros, é fácil manter os lucros: aumenta-se os spreads!». O senhor acha normal esta situação? Acha que é normal que a entidade reguladora e supervisora, que é o Banco de Portugal, que tem por obrigação a defesa não dos accionistas mas dos depositantes, permaneça a leste deste problema, deixe a banca aumentar o que quiser aumentar e continue silencioso, permitindo esta imoralidade? Isto é que não é normal, Sr. Deputado!

Aplausos do PCP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, fazendo uma brevíssima consideração, quero referir, fundamentalmente, dois ou três pontos que me parecem relevantes.
O primeiro é que o PCP demoniza o lucro, em geral. Esta é uma atitude não avisada que não acompanhamos e que achamos ser uma manifestação de ausência de modernidade. VV. Ex.as já deviam ter encurtado essa distância, mas persistem numa visão que não é adequada ao mundo em que vivemos.

Protestos do PCP.

O lucro é uma remuneração de um investimento de risco, que diligentemente consegue vencer na concorrência.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Consegue esmagar os pequenos!

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Neste sentido, deve, inclusivamente, ser avaliado positivamente.
Quando VV. Ex.as falam em lucros anormais e na banca, conviria dizer também o seguinte: neste momento, por força da crise internacional e por uma má gestão de risco, como é sabido, dos subprime e dos seus derivados, acontece que há perdas anormais em muitos bancos. Felizmente, isso não acontece nos bancos portugueses e essa é uma nota positiva que não podemos deixar de fazer.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Vão sempre buscar aos bolsos dos mais pobres!

O Sr. Patinha Antão (PSD): — E Srs. Deputados, permitam-me dizer-lhes que é preciso ter cuidado e não falar da banca com a ligeireza com que falaram,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sentiu-se ofendido!

O Sr. Patinha Antão (PSD): — … porque há um risco sistémico de credibilidade…

Vozes do PCP: — Está a curvar-se!

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Não, não se trata de «curvar», Srs. Deputados! Trata-se, pura e simplesmente, de ver as coisas com inteligência e com rigor.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É, é!…

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Coisa diferente, que os senhores não disseram — e nisso acompanhamosvos —, é a circunstância de, do ponto de vista da aferição das condições de concorrência interna, o exercício da actividade bancária em Portugal, a nosso ver, e salvo demonstração em contrário, não estar a ser, nem ter sido, devidamente acompanhado, designadamente pelo Banco de Portugal e pela própria Autoridade da Concorrência.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, particularmente do PCP, gostaríamos de vos dizer que seria importante, oportuno e adequado que o Parlamento, em sede própria, com serenidade e objectividade, se preocupasse em avaliar as condições de concorrência hoje existentes no exercício da actividade bancária em Portugal, com o contorno que aqui acabámos de traçar.
Fazemos essa análise com rigor, mas sem demonizar e, sobretudo, sem pôr em risco a reputação e a credibilidade internacional do nosso sistema bancário.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Continuam a esmagar o pequeno!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Patinha Antão, agradeço a sua questão.
Bem se percebe — e não me espanta rigorosamente nada — que, em matéria tão sensível como a imoralidade social de tão elevados níveis de lucro neste país, o PSD venha em socorro do PS, dando-lhe, mais uma vez, uma mãozinha naquilo que é um bloco central de interesses, dos grandes interesses financeiros deste país.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Não me surpreende, portanto, a «mãozinha» que o Sr. Deputado Patinha Antão veio dar à «mãozinha» do Sr. Deputado Victor Baptista para defender interesses comuns.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não é invisível! É bem visível!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Mas a verdade, Sr. Deputado Patinha Antão, é que me espanta essa «mãozinha» vinda do senhor! Do senhor que, ultimamente, a propósito do BCP, tem defendido uma fiscalização atenta, por parte da entidade reguladora e supervisora, da banca em Portugal.
De facto, o que preocupa o Sr. Deputado não é o que preocupa sobremaneira o PCP. O que nos preocupa é que, por exemplo, se continue a assistir a situações absolutamente imorais, de gerar lucros à custa da generalidade dos pequenos depositantes, à custa, por exemplo, daqueles que contraíram crédito para comprar uma casa ou daqueles que têm contas bancárias abaixo de 1000 € e que são obrigados a pagar comissões por essas contas. Efectivamente, quem tenha uma conta com um saldo médio superior a 100 € não paga comissões, mas se o saldo for inferior a esse montante, já paga.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É imoral!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Igualmente, a quem queira encerrar uma conta, há bancos que levam mais de 100 €. Acha isto normal? Acha isto moral? Não acha que tem de se chamar a atenção do Banco de Portugal para o facto de ser essa a sua função, a função reguladora, e de ele não a exercer? Não acha que esta é a atitude comportamental que deveria ser direccionada, balizada, limitada, pelo Banco de Portugal e que o Banco de Portugal não tem dito uma palavra?

O Sr. Patinha Antão (PSD): — Foi exactamente isso que eu disse!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Mas não! No que o senhor está mais interessado é em ajustar contas sobre o famoso défice de 6,83%, de 2005!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): — E deixa de lado aquilo que é essencial, aquilo que é verdadeiramente importante para os portugueses e para o País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão Europeia lançou o Relatório Conjunto de 2008 sobre Protecção e Inclusão Sociais, o qual será discutido, amanhã, no Conselho de Ministros do Emprego e Segurança. Os dados são, mais uma vez, profundamente preocupantes no que se refere a Portugal.
O nosso país está entre os Estados da União Europeia que têm níveis mais elevados de pobreza, designadamente entre as crianças. De facto, 24% das crianças, em Portugal, estão em risco de pobreza.
Refere o relatório que as crianças estão mais expostas à pobreza do que o resto da população. E pobreza, Srs. Deputados, é algo tão revoltante quanto uma situação de privação de necessidades básicas, gerada por falta de recursos. Mais: afirma o relatório que esta situação se tem agravado, em Portugal.
Estas crianças nascem na pobreza, vivem na pobreza, nunca conheceram outra forma de vida e tenderão a engrossar os números da pobreza duradoura — reproduzirão os modelos de interesses e de vivências familiares. A pergunta que se impõe é: afinal, qual é a responsabilidade desta Assembleia sobre esta realidade que envergonha o País? Dirão alguns, provavelmente, que este relatório, embora de 2008, se refere a dados de 2005. É bem verdade que assim é. Mas, primeiro, é um ponto de partida preocupante que tem, necessariamente, de ser tido em conta nas opções políticas que se tomam hoje; e, em segundo lugar, temos razões objectivas para entender, como o fazem vários especialistas na matéria, que a situação se agravou nos últimos anos.

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Com efeito, em 2004 e em 2005, tínhamos taxas de desemprego inferiores às que temos hoje e até tínhamos um registo de aumento da taxa de emprego global. Hoje, temos mais desempregados e, consequentemente, mais pessoas impedidas de auferir recursos que lhes permitam uma vida digna.
Mas o desemprego, como todos já sabemos, não é a única situação que gera ausência ou insuficiência de recursos. O relatório é bem claro quando analisa a exposição ao risco de pobreza de crianças filhas de pais trabalhadores. Conclui mesmo que Portugal está entre os dois países da União que têm níveis muito elevados de pobreza entre os trabalhadores, alastrada consequentemente às suas famílias. Em Portugal, estar empregado, até a tempo inteiro, não evita, pois, a pobreza.
É por isso, na perspectiva de Os Verdes, por demais importante, Sr. Presidente e Srs. Deputados, denunciar que, enquanto não formos ao cerne da questão, pouco ou nada se alterará efectivamente nos riscos de pobreza do País. E o cerne da questão é o acesso ao trabalho com remuneração, que permita às pessoas ter acesso a condições básicas de vida. Ora, o Governo tem aqui feito a sua opção de política anti-social: manter uma política de baixos salários a todo o custo para a generalidade da camada trabalhadora, em nome de uma competitividade que gera pobreza.
O Governo, pese embora já ter declarado que «fechou a torneira» em relação a novas prestações sociais, pode criar mil remendos, mil subsídios para dar aos mais pobres, pode inventar mil apoios, mas o que sabemos é que eles nunca, mas nunca, abrangerão a totalidade daqueles que verdadeiramente deles precisam e serão sempre insuficientes para retirar uma família da pobreza. Mas, já agora, os subsídios criados por este Governo têm algumas particularidades que importa denunciar, tais como processos altamente burocráticos para dificultar o acesso a esses mesmos apoios, e também atrasos de pagamento, como denunciou o Provedor de Justiça, em relação ao rendimento social de inserção e à educação especial. Aqui, o Governo não aplica o Simplex! E temos razões objectivas para acreditar que a tendência em relação aos números da pobreza não se alteraram desde 2005, também porque a precarização do emprego tem aumentado substancialmente no nosso país.
Não deixa de ser curioso observar declarações do Sr. Ministro Vieira da Silva, onde afirma que é preciso «combater os níveis de precariedade que são inaceitáveis». O problema não reside no que o Ministro disse mas, sim, no que o Ministro e todo o Governo faz, ou seja, alargar os níveis de precariedade — e a flexissegurança é disso bom exemplo.
Conforme dados do INE, a criação líquida de emprego, em 2007, foi exclusivamente feita através de contratos a prazo. E, em 2008, a tendência é idêntica. Veja-se, por exemplo, a situação dos trabalhadores da Gestnave, que desmascara bem estas declarações do Sr. Ministro do Trabalho. Repare-se bem: a Lisnave estava obrigada a integrar os trabalhadores da Gestnave nos seus quadros. O Governo PSD/PP «deu o pontapé de saída» para o encerramento da empresa e, agora, o Governo PS acabou o «cozinhado», emitindo um despacho dos Ministros das Finanças e da Economia, que condena aqueles trabalhadores ao desemprego, ou apenas uma parte ao trabalho precário. Ou seja, trabalhadores a quem foi assegurada e prometida a manutenção de trabalho, com direitos, estão agora, em 2008, sob a ameaça do desemprego ou da precariedade. É, então, assim que se combate ou, afinal, que se agrava o tipo de trabalho que gera justamente a pobreza? Sr. Presidente e Srs. Deputados: Enquanto isso, os grandes grupos económicos e financeiros vão gerando lucros de montantes inimagináveis, para a generalidade dos portugueses, de tão elevados que são.
São estas verdades que desfazem a propaganda de políticas sociais do Governo. O Governo, dito socialista, governa também para a concentração da riqueza, para a injusta repartição de recursos, com remendos de políticas que não combatem estruturalmente o problema da pobreza no País e que, por isso, são anti-sociais.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Jorge Machado.
Tem a palavra.

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em primeira instância, queria saudar a oportunidade da sua declaração política pela actualidade e importância que tem.
O relatório que nos trouxe contém um conjunto de dados muito preocupantes relativamente à pobreza. E fica, desde já, registado o silêncio dos Deputados da bancada do Partido Socialista (pelo menos, até agora, mas ainda estão a tempo de se inscrever), que certamente não falam por vergonha.
Portugal está efectivamente no pódio dos países da União Europeia com os mais elevados níveis de pobreza na infância, sendo apenas ultrapassado pela Polónia e pela Lituânia. De facto, 24% das crianças, em Portugal, estão expostas ao risco de pobreza.
Mas também os adultos, Sr.ª Deputada, os adultos desempregados e até as famílias onde não há desemprego têm elevados níveis de risco de pobreza. Os salários de miséria, a menor protecção no desemprego, o trabalho precário, as pensões de miséria, são as principais causas da pobreza no nosso país.
A perpetuação da pobreza, não obstante medidas esporádicas de prestações sociais de duvidosa eficácia, como muito bem referiu, é uma realidade, se se mantiverem as opções de classe do Governo.
Não há combate à pobreza sem aumento das pensões, sem mais protecção no desemprego, sem combate ao desemprego e ao trabalho precário e sem aumento dos salários. E quanto a estas matérias, a intervenção do Partido Socialista é absolutamente desastrosa.
A reacção do Sr. Ministro, face a este relatório, que contém dados absolutamente desastrosos para Portugal, foi a de, por um lado, desvalorizar o relatório e, por outro, afirmar que a situação actual é muito melhor.
Sr.ª Deputada, a pergunta que lhe deixo é esta: acredita que isso é verdade? A situação de hoje é melhor do que a de 2005? Face ao aumento do desemprego, à diminuição das pensões, face à menor protecção no desemprego, a Sr.ª Deputada acredita mesmo que este cenário se inverteu ou acredita que as políticas do Governo do Partido Socialista, ao invés de inverterem esta tendência, perpetuaram estas situações de miséria?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, agradeço a questão que colocou.
Queria, em primeiro lugar, estranhar também o facto de o Partido Socialista ter entendido silenciar-se relativamente a esta matéria. Pode ser até, Sr. Deputado, que a intervenção que Os Verdes acabaram de fazer tenha deixado alguns Deputados do Partido Socialista a reflectir sobre estes dados e factos concretos.
Na verdade, o Sr. Deputado Fernando Cabral, há pouco, fez uma intervenção relativamente às Jornadas Parlamentares do PS e focou-se em grande parte dela nos níveis de pobreza, fazendo o rol dos subsídios que o Governo tinha criado no sentido de combater a pobreza.
Não sei se o Sr. Deputado reparou mas o Sr. Deputado Fernando Cabral não se referiu aos números do desemprego nem aos do trabalho precário.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Provavelmente, o Sr. Deputado Fernando Cabral leu o relatório, que vem denunciar e clarificar o que, de resto, todos nós sabíamos! Não precisávamos do relatório da União Europeia para ter acesso a estes dados; contudo, ele vem concentrar alguns deles.
Na verdade, os Deputados do Partido Socialista sabem que os níveis de desemprego, mais gravosos hoje do que em 2005, e o emprego que dizem que estão a criar e que é todo sustentado na precariedade geram estruturalmente pobreza e que aquilo que o Governo do PS está a fazer é uma política anti-social, porque remenda — remenda, mas nunca o «bolo» global, evidentemente! — através de alguns subsídios que vão sendo criados, mas não resolve nem contribui para solucionar estruturalmente o problema da pobreza em Portugal.

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Portanto, se calhar, em 2010 vamos conhecer dados de 2007 bastante preocupantes e as responsabilidades serão sempre assacadas de legislatura para legislatura, situação que nos preocupa sobremaneira.
Respondendo à sua questão, Sr. Deputado Jorge Machado, refiro que, face aos números do desemprego e aos da precariedade do trabalho, a situação não pode estruturalmente estar melhor mas, sim, pior.

O Sr. Presidente: — Inscreveu-se também, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa.
Tem a palavra.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Presidente, o Partido Socialista nunca foge da pobreza.
Queria cumprimentar a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia pela pertinência do tema que aqui nos traz, porque penso que é necessário falarmos sempre da pobreza, por a mesma ser, na verdade, a razão de todas as lutas sociais da humanidade, sendo também a razão da grande luta social que o Partido Socialista tem feito ao longo da sua história, juntamente com os outros partidos que construíram a democracia em Portugal.
Falar da pobreza é falar de um fenómeno social que exige grande rigor na sua apreciação, é falar de uma herança profunda que atravessa as sociedades pobres, como é a sociedade portuguesa, e que se enraíza na sua crosta, mesmo quando determinados níveis de riqueza avançam, contrariamente aos níveis de pobreza, que, culturalmente, tem um fenómeno de reprodução acoplado.
Percebo muito bem a razão de ser da sua opção à volta de um relatório que fala do nosso país, numa matriz concreta de avaliação de indicadores. Em relação a este aspecto, gostaria que a Sr.ª Deputada informasse a Câmara sobre o ano a que o relatório se refere concretamente, porque é importante que situemos sempre historicamente estas avaliações.
Queria, ainda, registar um aspecto que faz sentido na sua reflexão. A Sr.ª Deputada vem aqui responsabilizar a governação do Partido Socialista por uma pobreza que se estende por todo o País. Gostaria de lhe dizer que, hoje, todas as políticas de luta contra a pobreza desencadeadas pelo Governo do Partido Socialista são absolutamente transversais em relação a toda a governação, porque essa é a única forma de combatermos a pobreza. Podemos olhar para a pobreza e pensar nos subsídios a curto prazo, na reparação da pobreza e na reparação do risco da pobreza, com vista ao conforto da vida das pessoas. Podemos olhar para as famílias portuguesas e entendê-las, hoje, como objecto de reparação da sua pobreza. Podemos olhar para as crianças portuguesas e apreciá-las como investidas de um controlo de risco de pobreza. Podemos olhar para os idosos e perceber que lhes tentamos dar melhor qualidade de vida. Podemos olhar para os trabalhadores e para as trabalhadoras portugueses e perceber que a luta por um salário mínimo nacional autónomo e a caminho de uma maturidade salarial é também um processo de luta contra a pobreza.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Concluo de imediato, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, os pedidos de esclarecimentos devem ser feitos em 2 minutos.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — A redução da pobreza faz-se hoje a partir das políticas activas de apoio à formação profissional e à qualificação dos portugueses. Peço que comente, então, Sr.ª Deputada, o programa Inov-Jovem e o programa Novas Oportunidades no compromisso que encerram de luta contra a pobreza.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, afinal o PS sentiu-se comprometido e falou.

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Vozes do PS: — E falou bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não falou bem em relação a algumas matérias, e já vou contrapor, mas foi importante ter falado.
Sr.ª Deputada, devo dizer que já estou um pouco farta dessa questão da herança. Sim, farta desse argumento da herança,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E o País também!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … porque, de governo em governo, sucessivamente, vamos ouvindo o argumento da herança usado como sustentação dos problemas estruturais que temos na nossa sociedade, entre os quais o da pobreza. No que é que isso se traduz? Traduz-se na não adopção de medidas eficazes, «porque a herança já foi pesada», «porque o problema é estrutural», e as medidas estruturais nunca aparecem para combater a «pesada herança».

Vozes do PCP: — Exactamente!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — E vão sempre argumentando assim, de governo em governo.
Mas a Sr.ª Deputada está enganada. Eu responsabilizo todos os governos que se têm alternado e que não têm levado a cabo políticas sociais adequadas para combater justamente a pobreza, pelo que com certeza que a responsabilidade deste Governo é também uma evidência.
Foi curioso a Sr.ª Deputada ter falado da questão da transversalidade do combate a pobreza. É bem verdade. Em relação a esta questão da transversalidade, não deixa de ser curioso que o relatório (e já volto a falar da data do relatório, que, de resto, referi na minha intervenção) fala justamente sobre um ponto fulcral, que é a questão da saúde. Ou seja, o relatório analisa também as consequências de algumas medidas tomadas nalguns sectores e da pobreza relativamente ao acesso a esses sectores e aquilo que conclui é que, em Portugal, o acesso à saúde está direccionado para aqueles que têm maiores rendimentos e que os serviços de proximidade (veja lá bem, Sr.ª Deputada!) são fundamentais para ajudar o acesso à saúde das pessoas com menos rendimentos ou com parcos rendimentos. O que é que o Governo do Partido Socialista faz? Viola o princípio da proximidade, encerrando serviços de saúde e afastando estes serviços das populações.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Deputada, relativamente à data do relatório, gostaria de lhe dizer que a foquei claramente na minha intervenção. Por isso, sugiro-lhe que a releia.
Por fim, no que diz respeito à questão da qualificação, remeto-a para o número de jovens licenciados desempregados.

Aplausos de Os Verdes e do PCP

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início ao período regimental de votações.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico. Os Srs. Deputados que, por qualquer razão, não o puderem fazer, terão de o sinalizar à Mesa e depois, para que seja considerada a respectiva presença na reunião, assinar uma folha de presenças, que se encontra na mesa do serviço de apoio ao Plenário.
Recordo que iremos, depois, proceder a uma votação com recurso ao voto electrónico e que devem repetir o mesmo procedimento, pelo que, peço, estejam atentos a esse facto.

Pausa.

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Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 187 presenças, havendo mais 6 Srs. Deputados que assinalaram a sua presença, o que perfaz um total de 193, pelo que temos quórum de deliberação.
Relativamente ao texto final, apresentado pela Comissão de Defesa Nacional, sobre a proposta de lei n.º 168/X — Primeira alteração à Lei do Serviço Militar, aprovada pela Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro, pergunto se podemos votar em conjunto, na especialidade, os artigos 1.º e 2.º do mencionado texto final.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não, Sr. Presidente. Solicito que sejam votados em separado, podendo, no entanto, ser votado em conjunto os n.os 1, 2 e 3 do artigo 8.º da Lei do Serviço Militar, constantes do artigo 1.º do texto final.

O Sr. Presidente: — Com certeza.
Vamos, então, votar, em primeiro lugar, os n.os 1, 2 e 3 do artigo 8.º da Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro, constantes do artigo 1.º do texto final.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Vamos agora proceder à votação do n.º 1 do artigo 58.º da Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro, constante do artigo 1.º do texto final.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos votar o corpo do artigo 1.º do texto final.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS-PP, do PCP, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita e a abstenção do BE.

Srs. Deputados, vamos agora votar o artigo 2.º do texto final.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Defesa Nacional, relativo à proposta de lei n.º 168/X — Primeira alteração à Lei do Serviço Militar, aprovada pela Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro.
Uma vez que o diploma exige uma maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, o sistema será o seguinte: por levantados e sentados e por recurso ao voto electrónico. Os Srs. Deputados que não têm cartão terão de o sinalizar à Mesa e, depois, assinar uma folha de presenças, que se encontra na mesa do serviço de apoio ao Plenário, mencionando o seu sentido de voto.
Vamos, então, proceder à votação final global do texto final.

Submetido à votação, obteve a maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, tendo-se registado 200 votos a favor (PS, PSD, CDS-PP, PCP, Os Verdes e 1 Deputada não inscrita) e 8 abstenções (BE).

Seguidamente, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do voto n.º 132/X — De pesar pelo falecimento do cidadão angolano Joaquim Pinto de Andrade (PS).
Tem a palavra, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

Foi com grande consternação e pesar que tomámos conhecimento do falecimento, no passado dia 24 de Fevereiro, de Joaquim Pinto de Andrade.

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Nascido em 1926, Joaquim Pinto de Andrade licenciou-se em Teologia e estudou Direito em Portugal, tendo sofrido várias vezes a prisão política e a fixação de residência durante a ditadura do Estado Novo.
Irmão de Mário Pinto de Andrade, foi um dos principais protagonistas da luta pela independência de Angola, tendo sido eleito pelos seus camaradas, na clandestinidade, presidente honorário do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA).
Após a independência de Angola, integrou, no MPLA, a corrente de opinião «Revolta Activa», onde foi companheiro de seu irmão, de Gentil Viana, Vieira Dias, Maria do Céu Carmo Reis e outros intelectuais angolanos. Pinto de Andrade foi preso, em Angola, na sequência desta participação. Contribuiu, depois, decisivamente para a criação da ACA, Acção Cívica Angolana, organização não governamental dedicada à luta pela defesa dos direitos do homem e pela institucionalização da democracia angolana. Em 1992, participou no primeiro processo eleitoral angolano, pelo Partido Reformador Democrático.
Joaquim Pinto de Andrade, grande humanista, homem tolerante e patriota desassombrado, sempre entendeu a militância partidária como instrumento ao serviço do seu povo e do seu país. Profundamente ligado à comunidade lusófona, nunca confundiu a luta contra o regime colonial deposto pela Revolução de Abril de 1974 com a solidariedade devida ao povo português, também sujeito à opressão pelo mesmo regime.
A Assembleia da República presta sentida homenagem à memória de Joaquim Pinto de Andrade, manifesta profundo pesar pelo seu falecimento e endereça, em nome de todos os grupos parlamentares, os mais sentidos votos de condolência à sua família e amigos e ao povo angolano.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do voto n.º 133/X — De pesar pelo falecimento do cidadão angolano Gentil Ferreira Viana (PS).
Tem a palavra, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Rosa Maria Albernaz): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

Gentil Ferreira Viana faleceu em Lisboa, onde se encontrava hospitalizado, no passado dia 24 de Fevereiro, aos 72 anos.
Licenciado em Direito em Portugal, exerceu funções, entre nós, de subdelegado do Ministério Público.
Depois de concluir a licenciatura, em meados da década de 1960, empreendeu uma fuga célebre com mais cerca de 100 companheiros de várias ex-colónias portuguesas de África, entre os quais os moçambicanos Joaquim Chissano e Pepetela, iniciando um longo périplo que o levaria a Paris, Gana, Congo Brazzaville, Argélia, China e, mais tarde, à guerrilha, em Angola.
Depois da independência angolana, integrou, no MPLA, a corrente de opinião «Revolta Activa», onde foi companheiro de Mário Pinto de Andrade, Joaquim Pinto de Andrade, Vieira Dias, Maria do Céu Carmo Reis e outros intelectuais angolanos.
Após a prisão de dois anos em Angola, em resultado da sua participação na «Revolta Activa», Gentil Viana estabeleceu-se em Portugal, em 1977, onde desde então residiu, exercendo a advocacia.
Gentil Viana foi um grande lutador pela independência de Angola, um homem de coragem também, tendo, depois da independência, combatido pela democracia, pela tolerância e em nome da conciliação nacional.
Gentil Viana foi um grande vulto de Angola e um grande amigo de Portugal, tendo-lhe sido prestada grata e consensual homenagem pelas forças políticas e pela sociedade civil angolana, aquando do seu funeral.
A Assembleia da República presta sentida homenagem à memória de Gentil Viana, manifesta profundo pesar pelo seu falecimento e endereça, em nome de todos os grupos parlamentares, os mais sentidos votos de condolência à sua família e amigos e ao povo angolano.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Srs. Deputados, peço a todos 1 minuto de silêncio, em memória de Joaquim Pinto de Andrade e de Gentil Viana.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Vamos, agora, votar o projecto de resolução n.º 259/X — Suspensão do processo de encerramentos de serviços de atendimento permanente, urgências, maternidades e outras valências (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.

Passamos à votação do projecto de resolução n.º 269/X — Recomenda ao Governo a suspensão do encerramento de serviços de saúde e uma orientação para o processo de requalificação das urgências hospitalares e da rede de socorro pré-hospitalar (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.

Vamos, agora, proceder à votação do projecto de resolução n.º 272/X — Reavaliação do processo de reestruturação de serviços de saúde (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.

O Sr. Jorge Almeida (PS): — Sr. Presidente, peço desculpa, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Almeida (PS): — Sr. Presidente, quero apenas anunciar que, relativamente à votação destes três projectos de resolução, irei apresentar, na Mesa, uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, no mesmo sentido, relativamente a estes três projectos de resolução, o Grupo Parlamentar do CDS-PP apresentará também, na Mesa, uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista a indicação, Sr. Deputado.
Peço, agora, à Sr.ª Secretária que nos dê conta de diplomas que, entretanto, deram entrada na Mesa.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, o projecto de lei n.º 468/X — Altera o regime jurídico de acesso às pensões de invalidez e velhice pelos trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, SA (PSD) e o projecto de resolução n.º 280/X — Recomenda ao Governo adoptar medidas que visem a protecção dos produtores e produtos tradicionais (PSD).

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos retomar a ordem de trabalhos de hoje, com a apreciação conjunta dos projectos de resolução n.os 262/X — Recomenda ao Governo a criação de um sistema de dinamização de parcerias e de apoio à gestão das PME no âmbito do QREN (PS), 273/X — Recomenda ao

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Governo um programa de apoio às micro, pequenas e médias empresas (PSD) e 274/X — Responder à difícil situação das micro, pequenas e médias empresas com o QREN e outras políticas (PCP).
Para apresentar o projecto de resolução n.º 262/X, do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Nobre de Deus.

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: O Partido Socialista está a avançar em todas as frentes no incentivo e apoio às pequenas e médias empresas. Também na Assembleia da República assumiu este desígnio.
Mais uma vez, a oposição vem por arrastamento, pois foi na sequência da iniciativa do PS de apresentar um projecto de resolução de apoio às pequenas e médias empresas, no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), que apresentaram propostas neste campo específico.
O Partido Socialista assumiu um compromisso com o apoio às pequenas empresas e o QREN é o seu cumprimento, com a atribuição de 2000 milhões de euros.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — O QREN?

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — A aplicação prioritária dos fundos comunitários abrange as nossas pequenas e médias empresas (PME).
Fica assim evidente que o Governo assume o crescimento, a inovação e a internacionalização destas empresas como uma aposta forte da sua política, e foi com esta convicção e determinação que lançou o QREN.
O Governo tem a convicção de que está em causa o processo de retoma e transformação da economia portuguesa.
Na Assembleia da República, o Partido Socialista associa-se a esta preocupação com um projecto de resolução, que recomenda a criação de um sistema de dinamização de parcerias e de apoio às PME, no âmbito do QREN.
Sr.as e Sr. Deputados, uma ideia-chave: sustentamos a ambição de aproximarmos o mais possível o QREN das PME, porque o desenvolvimento destas empresas é fundamental para a coesão e o desenvolvimento sustentável das regiões.
O QREN já está estruturado e em marcha, a informação on-line está disponível e as empresas já estão a apresentar as suas candidaturas.
Todavia, porque o Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera que estamos perante uma questão vital para a economia portuguesa, recomenda ao Governo uma presença pró-activa e próxima do Estado na ajuda às pequenas e médias empresas no processo de candidatura aos fundos comunitários. A ideia é a de criar um ponto de contacto ágil e personalizado nos territórios, em conexão directa e em rede ao sistema de informação do QREN.
Este serviço não será mais uma estrutura burocrática; pretende, antes, e de forma prática, trazer para o terreno a informação disponível. Recomenda-se que seja uma resposta interactiva e flexível que parta das necessidades concretas dos empresários.
A ideia é a de promover na base, nos territórios, uma parceria entre serviços da Administração Pública, nomeadamente o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), os municípios e as associações empresariais, que, obedecendo a uma estratégia concertada de observação da dinâmica empresarial, vá para o terreno, de forma sistemática e contínua, sensibilizar e esclarecer os empreendedores das ofertas do QREN e das condições de candidatura.
Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: Em termos políticos, esta recomendação vai no sentido de se pensar a forma de governância territorial não só como uma mera gestão do território mas, fundamentalmente, como uma estratégia de dinamização e eficiência de todo o sistema de relações entre instituições, organizações e cidadãos, que assegure determinadas opções e a forma de as concretizar.
As associações empresariais têm um papel muito importante na divulgação da informação e no apoio às candidaturas aos fundos comunitários, existindo também espaço reservado à iniciativa individual.

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Mas, face ao que representa este quadro comunitário para o desenvolvimento do País, consideramos ser importante investir numa rede de apoio às PME no âmbito do QREN, numa lógica de dinamização dos territórios, e não condicionar apenas à iniciativa dos empresários a apresentação das candidaturas.
O QREN é uma oportunidade de viragem para Portugal e as PME fazem parte desta dinâmica de mudança.
É de salientar que, em 2005, operavam em Portugal perto de 297 000 PME, as quais geravam cerca de 2,1 milhões de postos de trabalho e mais de 173 000 milhões de euros de facturação.
Note-se que, entre 2000 e 2005, foi nas micro e pequenas empresas que se registaram as maiores dinâmicas de crescimento. E é aqui que o PS aposta.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — É neste potencial emergente que temos de acreditar, é este potencial que temos que desafiar, para ambicionarmos crescer rumo à internacionalização num mercado global.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — É na convicção de que as nossas pequenas e médias empresas têm potencial para superarem os constrangimentos à sua capacidade competitiva que recomendamos que o Governo amplie a sua política de proximidade e de agregação de serviços ao acesso das pequenas e médias empresas ao QREN.
Actualmente, os empreendedores portugueses são maioritariamente jovens, com um nível cada vez mais elevado de qualificações. Aliás, uma parte significativa é composta por jovens licenciados com capacidade de adaptação e de modernização.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Aonde é que isso está escrito?!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Mas a realidade é que um número significativo de empresas elege o mercado local como principal fonte de geração de negócios. Acresce o facto de existir uma cultura avessa ao risco que condiciona a capacidade de explorarem o seu potencial empresarial. No entanto, temos que sustentar a ambição de os desafiar a ir mais longe e, sobretudo, a investirem na cultura de parceria.
O actual quadro comunitário é exigente e não pode transigir na qualidade dos projectos que apoia.
Assim, e partindo dos objectivos do QREN e das características das nossas PME, é importante lembrar que a maioria destas empresas tem apenas um ou dois sócios, sendo empresas familiares que se constituem e crescem no seio de uma única família. Precisamente por isto e por tudo o que foi dito, devemos ter, a montante, um mecanismo dinâmico de apoio ao nosso tecido empresarial, que acelere a constituição de parcerias e a criação de condições para que as empresas desenvolvam a sua capacidade competitividade.
Dessa forma, estaremos a contribuir para desenvolver regiões competitivas, sobretudo nas zonas menos desenvolvidas.
Precisamos de ter empresas competitivas num território igualmente competitivo.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — É por isso que defendemos que o Estado deve dar mais um passo em frente, criando um sistema de apoio à dinamização do tecido empresarial para efeitos de acesso aos fundos comunitários disponibilizados através do QREN.
O Estado deve ter a plasticidade de estar próximo, de estender a mão amiga, que regula e incentiva. Todos os empresários devem ser apoiados. Os que receiam inércia tendem a ficar de fora, nomeadamente nos sectores mais tradicionais, que hoje são fundamentais para a diferenciação competitiva das regiões.
O Partido Socialista faz da qualificação de todos os cidadãos, em especial dos nossos empreendedores, mas também das empresas, uma questão de Estado.

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A economia portuguesa será tanto mais competitiva quanto maior for a qualidade e a sustentabilidade das suas empresas, com uma aposta clara no potencial de internacionalização e de inovação das pequenas e médias empresas.
Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Termino, reafirmando a convicção do Partido Socialista de que temos condições para que, depois deste quadro comunitário, Portugal consiga ser um player global, com as nossas pequenas e médias empresas bem posicionadas no campo de jogo, que é a globalização, num processo que faz apelo às modernas tecnologias de informação e comunicação e ao funcionamento em rede, com vista ao reforço do potencial e da capacidade competitiva das regiões.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Hugo Velosa e Hélder Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula de Deus,…

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Que Deus nos valha!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — … ao ouvi-la, cheguei à conclusão de que o que estava a dizer eram só palavras.

Protestos do PS.

Eram só palavras, sem conteúdo.
Começou por referir que os outros partidos nunca tinham feito, ou dito, nada sobre as micro, pequenas e médias empresas.
Quem está por arrastamento é o Grupo Parlamentar do Partido Socialista!

O Sr. Afonso Candal (PS): — Homessa!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — E ainda não está por arrastamento o Governo, porque parece haver uma divisão…

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Não há divisão nenhuma!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr.ª Deputada, Srs. Deputados do Partido Socialista, ao apresentarem um projecto de resolução, parece que o próprio Governo não tem políticas para resolver estes problemas do QREN porque o centralizou, porque o burocratizou… Não estou a dizer que o projecto não está correcto.

Vozes do PS: — Ah!…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Contudo, pergunto-lhe se isto é feito à revelia do Governo. É porque, na realidade, o Governo, nestes três anos, como é por todos aceite, menos pelo próprio, nada fez pelas micro, pequenas e médias empresas! Basta falar com os empresários! Pelo contrário, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata já fez projectos de resolução, já os discutiu aqui, já apresentou propostas em sede de discussão do Orçamento do Estado, e o que o Partido Socialista sempre fez foi votar contra.
Feita esta rectificação quanto a saber quem se preocupa com as micro, pequenas e médias empresas, deixo-lhe duas questões muito concretas sobre esta matéria.
Primeira: o vosso projecto de resolução é feito com o apoio do Governo ou à revelia do Governo?

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Segunda questão, também muito importante: para além das palavras que a Sr.ª Deputada proferiu da tribuna, estamos ou não perante a confirmação de que o Governo ainda nada fez pelas micro, pequenas e médias empresas e de que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem de apresentar, ele próprio, um projecto de resolução, já que o Governo não resolve estes problemas em relação ao QREN?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputada Paula de Deus, quase subscrevo por completo as palavras do Sr. Deputado Hugo Velosa, mas gostava de acrescentar mais qualquer coisa.
De facto, o Partido Socialista faz aqui um exercício difícil. Primeiro, é responsável pelo alastrar das «doenças» nas pequenas e médias empresas e, depois, vem tentar dar uma espécie de «remédio». Mais não é do que tentar curar um cancro com uma aspirina!

O Sr. João Oliveira (PCP): — É má consciência!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É má consciência.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Aspirina é um pouco forte! É melhor com um placebo!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Ficou clara, na intervenção da Sr.ª Deputada, uma certa crítica à acção do Governo. Se assim não é, gostava que me respondesse se conhece as Soluções Integradas para a Modernização das Pequenas e Médias Empresas. Sabe o que isto é, Sr.ª Deputada? É o plano SIM, que o Sr.
Ministro da Economia diz ser a resposta a tudo o que é micro, pequenas e médias empresas para acesso ao QREN (informação e candidatura).
Ora, o que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista vem dizer é que nada disso funciona ou, se funciona, funciona mal! É por isso que apresentam um projecto de resolução que recomenda mais Estado, mais burocracia e menos facilidade de acesso para os empresários.
Sabe o que resulta desse excesso de burocracia, Sr.ª Deputada? Chegou-nos uma carta de um empresário que, após um contacto com alguém do Ministério da Economia, obteve a seguinte resposta: «Já pusemos ao seu dispor tudo o que era possível. Eu não sou sua mãe!» — e desligou o telefone ao empresário. É uma empresa de topo.
É precisamente para evitar estas situações que, às vezes, os projectos de resolução, para além de palavras, convinha que tivessem medidas concretas,…

O Sr. Afonso Candal (PS): — Vai votar contra?!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … aquelas medidas concretas que propusemos em sede de Orçamento: isenções fiscais sérias para empresas situadas em zonas deprimidas há mais de cinco anos, para poderem ter acesso ao break-even e obter lucro; apoios aos jovens empresários, apoios aos estudantes empreendedores; apoios de vária ordem, inclusive, apoios àquilo que são os capitais de risco, ou seja, isenções fiscais — o que me diz a isto?! — aos business angels, que apoiam as pequenas empresas, nomeadamente, na sua fase de nascença ou, como se diz em inglês, nos early stages.
Gostava que a Sr.ª Deputada me respondesse a estas questões concretas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Nobre de Deus.

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Sr. Presidente, só a distracção Sr. Deputado Hugo Velosa justifica que não tenha ouvido as palavras do Sr. Presidente da Comissão Europeia, Dr. José Manuel Barroso, quando

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afirmou que Portugal tem uma boa política para as pequenas e médias empresas, posição que é, inclusive, oficialmente defendida pela Comissão Europeia.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Ouça as palavras do Presidente da República!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Mas essa distracção não é apenas do Sr. Deputado Hugo Velosa, porque nas entrevistas dos vossos líderes, tanto do grupo parlamentar como do partido, lembro-me de ter ouvido, vagamente, umas preocupações em relação a retirar a publicidade do canal público de televisão, mas não me lembro de, nessas entrevistas, ter ouvido manifestarem alguma preocupação com o QREN.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Anda muito distraída!…

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Portanto, o QREN não tem estado propriamente no discurso do PSD.
Era, pois, importante que a Câmara ficasse com esta questão bem presente.

Protestos do PSD.

Estão nervosos, Srs. Deputados? Não vale a pena! Querem ouvir números, Srs. Deputados? Peço um pouco da vossa atenção para os ouvirem: 1568 foram as candidaturas aprovadas no âmbito do QREN. Este Governo já fechou a 1.ª fase de concursos e, como sabem, reduziu de 160 para 90 dias o prazo de apreciação dos projectos…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Então, para que serve o projecto de resolução?!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Este Governo está a fazer um esforço para corrigir as dificuldades sentidas nos quadros comunitários anteriores e está a dar uma resposta clara aos empresários.
Mas podemos falar de medidas, nomeadamente das medidas de formação aos empresários!

Protestos do PSD.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Anda muito distraída!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Se calhar — e pelos vistos é —, a distracção é geral, mas eu terei oportunidade de esclarecer o Sr. Deputado. Basta que mo solicite e eu enviar-lhe-ei documentação detalhada com todas as medidas do Governo e com os seus resultados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projecto de resolução n.º 273/X, do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aquilo a que assistimos há pouco por parte da nossa colega Deputada Paula Nobre de Deus está exactamente em linha com aquilo que o Governo tem feito. Do ponto de vista conceptual e formal, a intervenção da Sr.ª Deputada até se pode considerar boa…

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — … agora, quando passamos à prática,…

O Sr. Afonso Candal (PS): — Não estrague agora!

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O Sr. Almeida Henriques (PSD): — … é exactamente aquilo que se passa com o Governo: coloca-se, do ponto de vista dos princípios, com um discurso virado para as PME, mas, depois, não têm prática para as PME. É a total inexistência de política para as PME.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Exactamente!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Eu gostava que o Partido Socialista aqui, neste Hemiciclo, tivesse falado dos problemas concretas das micro e pequenas e médias empresas.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Do País real!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Reparem: em relação à importância, todos estamos de acordo, parece que só o Governo é que não percebe a importância das micro e pequenas e médias empresas, só o Governo é que teima em não ter políticas concretas para as PME.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Agora, Sr.ª Deputada e Srs. Deputados do Partido Socialista, se há partido que nesta Assembleia da República tem defendido a questão das micro e pequenas e médias empresas é claramente o PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — É pena que não o faça quando está no Governo!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Sr.ª Deputada, aconselho-a a ler com atenção as 29 propostas concretas que nós fazemos, porque se ajuda as micro e as pequenas e médias empresas com propostas concretas e não com frases bonitas como as que a Sr.ª Deputada disse.
Pergunto à Sr.ª Deputada e ao Partido Socialista: em que estado está o comércio tradicional deste país? Como é que estão os microcomerciantes das zonas transfronteiriças? Como é que estas situações estão? Aliás, os Srs. Deputados estiveram agora na Guarda, nas vossas jornadas parlamentares, e, se tiveram a oportunidade de visitar o centro histórico da Guarda, viram as lojas fechadas com o dístico «trespassa-se».

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Até o gasóleo foram meter ao lado de lá, a Espanha!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Isto é que é um problema concreto das micro e pequenas e médias empresas, tal como o número de falências! A Sr.ª Deputada sabe em quanto cresceram as falências de 2006 para 2007? Cresceram 12,3% em Portugal.

Vozes do PSD: — Oiçam! Oiçam!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — São mais de 227 empresas! Sabe onde é que se verificaram estas falências? Em primeiro lugar, no comércio por grosso; em segundo lugar, no comércio a retalho; e, em terceiro lugar, na construção civil. E sabe em que concelhos é que elas mais cresceram? Foi nos concelhos de Castelo Branco e de Viseu. Este é outro problema concreto das micro e pequenas e médias empresas que o Governo deveria resolver.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Sabe como é que o Sr. Secretário de Estado do Comércio responde a isto? Critica os comerciantes, dizendo que não concorrem ao MODCOM. Sabe o que é o MODCOM, minha senhora?

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A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Minha senhora!?

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — O MODCOM é, pura e simplesmente, uma medida que… É como distribuir telemóveis no âmbito do Plano Tecnológico. É exactamente isto!

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): — E, para mais, depois não pagam!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Distribuir, distribuem! Só que, depois, não pagam!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Srs. Deputados, é exactamente por querermos combater estas situações e que o Governo, de uma vez por todas, acorde — porque o Governo vê os problemas no terreno e «assobia para o ar», é o que o Governo está a fazer neste momento em relação à economia portuguesa — que apresentamos as 29 propostas concretas. É por isso que apresentamos uma proposta no sentido de se dinamizarem os pólos urbanos, de se utilizar o QREN para o colocar ao serviço da dinamização do comércio de proximidade, de se dinamizarem centros comerciais ao ar livre nos pólos urbanos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — É por isso que avançamos com propostas concretas, como a da criação de um sistema de microcrédito para as empresas.

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Está lá tudo!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Eu conheço muito bem todas essas políticas, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Não parece!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Agora, o que lhe digo é que elas, além de inoperativas, não estão a ser aplicadas como deve ser.
Há pouco, o que eu disse é que a Carta das PME — hoje aprovada em termos comunitários — está, obviamente, em vigor nos vários países da União Europeia, só que, em Portugal, não está a ser praticada.
Este é que é o grave problema.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Há 10 anos que deveria ter sido posta em prática!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Um outro problema sobre o qual eu também gostaria que a Sr.ª Deputada aqui tivesse falado tem a ver com os pagamentos do Estado às empresas. Que grande imoralidade, Sr.ª Deputada, termos um Governo que, por um lado, «aperta» as empresas, do ponto de vista do combate à fraude fiscal — e bem! —, e, por outro, não dá o exemplo.
É caso para dizer: «Olha para o Frei Tomás, não olhes para o que ele diz, olha para o que ele faz». É que, efectivamente, o Governo aplica-se na cobrança dos impostos mas, depois, tem uma atitude laxista nos pagamentos às empresas.
E sabe como é que, mais uma vez, o Governo responde? Vem, mais uma vez, com uma medida de propaganda, o Programa Pagar a Tempo e Horas. Mas que belo programa de pagamento na hora!… Aquilo que as empresas gostariam, aquilo que ajudaria a dinamizar a economia, era que os 3000 milhões de euros que o Estado deve às empresas fossem pagos a tempo e horas, era que o IVA que as empresas têm de pagar sem terem recebido do Estado passasse a só ser pago no final. São medidas destas, concretas, que as empresas esperariam.
Já agora, refiro-me também a uma questão de que ainda hoje falávamos na comissão de economia, os pagamentos às empresas e às associações. O prejuízo que não causa, quer na credibilidade do Estado quer na vida das empresas e das associações, o facto de o Estado se atrasar sistematicamente nos pagamentos!

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Há pagamentos do PRIME que estão para ser feitos desde Julho do ano passado e que não são feitos. O gestor do Programa Operacional (PO) veio à Assembleia da República referir que tinha sido o contributo do PRIME para o défice.

Vozes do PSD: — Uma vergonha!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Uma verdadeira vergonha essa situação! E é também neste sentido que apontamos uma série de medidas para que haja uma regularização das dívidas do Estado às empresas.
No domínio do QREN, há duas sugestões que fazemos e que achamos de muita importância.
Obviamente que achamos que deve ser criada uma rede de dinamização do QREN e de proximidade às empresas, embora esse papel já seja feito em larga medida pelas associações empresariais, hoje em dia, e, portanto, podia continuar a ser incrementado. Assim, nesse sentido, até estou de acordo com a Sr.ª Deputada em que este aspecto era importante,…

O Sr. Afonso Candal (PS): — Ah!… Também terminou bem!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — … porém, há a assunção de uma coisa: estamos praticamente no mês de Março e uma boa fatia das medidas do PO Factores de Competitividade ainda não tem regulamento, ainda não está aberto para efeito de candidaturas, assim como acontece, por exemplo, nos programas de apoio Valorização do Território, em que a maior parte das candidaturas não pode entrar.
Portanto, o que pretendemos através das medidas concretas que propomos é que também no QREN o Governo adopte outra postura.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Henriques, li com atenção e vejome forçado a concordar com quase tudo o que consta do vosso projecto de resolução. No entanto, gostaria de perguntar-lhe — não sei se houve da minha parte uma leitura pouco atenta — se não faltam aqui algumas medidas relativas às infra-estruturas, nomeadamente às acessibilidades, para que todas estas medidas possam ser eficazes e ter, de facto, algum sucesso.
Quero também chamar a atenção para a medida 25, que refere a criação de gestor de cliente para as micro e pequenas empresas no âmbito do IAPMEI. Ainda hoje o PS inviabilizou a audição do IAPMEI, a proposta do Partido Comunista Português, para esclarecer como é que este funciona e quanto ele é eficaz, porque a notícia que temos é que ele não funciona. Os próprios sindicatos e empresários lamentam que cada vez o IAPMEI esteja mais longe dos problemas e mais desconhecedor das realidades.
De facto, julgo que valia a pena que esta fosse uma medida de apoio à internacionalização das empresas, quer seja para mercados emergentes quer seja de produtos que para nós são âncoras, e não mais uma burocratização, mais um reforço de um organismo que não funciona.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hélder Amaral, de uma forma telegráfica, quero dizer-lhe que V. Ex.ª só demonstra bom senso quando acha que estas medidas têm aplicabilidade prática. Foi isso exactamente o que quisemos com estas 29 medidas, ou seja, dar ao Governo e ao PS a oportunidade de apoiar 29 medidas que teriam um efectivo resultado prático junto das empresas. Por isso é que elas são todas muito viradas para o apoio directo às micro e às PME.

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O gestor do cliente é para instituir alguma equidade. Não se pode ter um tratamento para as grandes e médias empresas e, depois, o IAPMEI não ter estrutura para apoiar as micro e pequenas empresas pelo País.

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Existe!

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Minha senhora, em Viseu existem duas pessoas no IAPMEI: um administrativo e um técnico! Veja lá que apoio é que isso dá!… Sr. Deputado, uma última questão referida no projecto de resolução e que eu gostava de enfatizar é a das compras do Estado às empresas.
Até nos Estados Unidos, que é uma economia extremamente liberal, existe uma norma que diz que 20% das compras do Estado devem ser feitas às micro e pequenas empresas. Em Portugal, temos de adoptar, de uma vez por todas, algumas medidas práticas que aguentem o tecido das micro e pequenas empresas. Com a política deste Governo, o que vai acontecer é que, qualquer dia, temos grandes empresas mas, depois, falta a «malha» pelo País fora.
Esta medida concreta que propomos — cinjo-me a ela — e que o PS e o Governo deviam adoptar, é no sentido de proteger as micro e pequenas empresas, porque a reforma que está a ser feita no âmbito das compras do Estado vai levar a um resultado: jamais alguma micro ou pequena empresa vai fazer qualquer fornecimento ao Estado e isso é uma machadada final nas micro e pequenas empresas deste País, que já estão tão mal tratadas por três anos de falta de políticas deste Governo.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projecto de resolução do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, falando de pequenas empresas, sabem Srs. Deputados o que muitos e muitos pequenos empresários exclamaram ou pensaram um dia destes, quando souberam que, em 2007, os cinco principais bancos portugueses afixaram de lucros 3624,8 milhões de euros? Ladrões! Mas que havia de dizer quem atravessou o ano de 2007 a fazer equilibrismos financeiros, com sistemáticos problemas de tesouraria, a aturar credores públicos e privados, a bater desesperadamente às portas fechadas das agências bancárias e em centenas de situações de falências e encerramento de empresas?! Mas que outra coisa haviam de dizer ao contemplar o escândalo, já hoje aqui abordado, dos lucros do sistema financeiro português? Que outra coisa hão-de dizer quando ouviram o Governo e o Banco de Portugal fazerem o discurso dos sacrifícios — para todos, julgava-se! — necessários para o País sanear as contas públicas? Escândalo que se repete despudoradamente ano após ano.
Entre 2004 e 2006, segundo o Banco de Portugal, os lucros de todo o sistema bancário aumentaram 136% – em três anos, Srs. Deputados! –, lucros onde cresce o peso dos juros e comissões bancárias cobradas.
Cobradas também às pequenas empresas, garrotando-as, conhecido que é o seu elevado nível de endividamento – 105% do PIB em 2006, duplicando o valor de 1995, que foi de 60%.
É a esta e outras questões estruturais e estruturantes da economia portuguesa e dos problemas e estrangulamentos das micro, pequenas e médias empresas que o PS e o PSD «fogem» quando apresentam, na Assembleia da República, projectos de resolução para pretensamente lhes responder.
O projecto de resolução do PS tem dois objectivos políticos claros: pretende fazer de conta que está atento e pretende responder aos problemas das micros e pequenas empresas, simultaneamente é a má consciência — já hoje aqui foi dito — e o tácito reconhecimento de um QREN completamente arredado da generalidade das pequenas empresas portuguesas.
Sem tempo para me pronunciar sobre o preâmbulo, queria assinalar a pouca consistência e grau de concretização da sua recomendação, mesmo no seu reduzidíssimo objectivo.
O projecto de resolução do PSD reitera e desenvolve o projecto de resolução de Março de 2007, debatido neste Plenário. O PSD não se livra facilmente do programa específico para as pequenas empresas em 100 dias, proposto pelo então Deputado na oposição, Durão Barroso.
Mas, independentemente da avaliação diferenciada das numerosas medidas da recomendação, julgo que se perde pelo caminho uma importante medida, considerada no anterior projecto de resolução, aquela em que

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se propunha assegurar que o sistema bancário público atribui prioridade à concessão de crédito para investimento e crescimento das PME.
Mas a principal questão dos dois projectos de resolução, particularmente do apresentado pelo PS, é que as medidas não rompem com os estrangulamentos económicos e de mercado que estão no centro dos problemas das pequenas empresas portuguesas. Algumas são medidas paliativas, outras nem isso, mas não respondem aos problemas de uma economia e mercado crescentemente monopolizados ou oligopolizados, se quiserem, pelo grande capital dos grupos nacionais estrangeiros – mercado onde não intervém a regulação ou, quando se faz, é seguindo a lógica e, quantas vezes, os interesses directos desses grupos; economia onde não se faz uma distribuição e redistribuição da riqueza adequada a princípios de justiça social e progresso económico.
Os projectos de resolução do PS e do PSD não respondem aos estrangulamentos do mercado interno e à brutal perda de poder de compra dos portugueses; às dificuldades recentes nos mercados externos; à sufocante política de crédito do sistema bancário português; a uma política fiscal altamente penalizadora das pequenas empresas; à dominante e avassaladora presença nos mercados nacionais de grupos económicos e financeiros com uma intervenção monopolista; ao problema do elevado nível de preços de bens e serviços, como a energia, o crédito e os transportes; aos grandes e recorrentes atrasos no pagamento das ajudas comparticipadas por fundos comunitários ou mesmo só por fundos nacionais, como sucede com o MODCOM (Sistema de Incentivos a Projectos de Modernização do Comércio); a uma legislação comunitária e nacional desajustada – ver o processo em curso de revisão pelo Governo da lei que regula o licenciamento comercial.
São de grande importância os problemas estruturais da gestão e organização das empresas. Mas tal constatação não pode servir para não identificar e, pior, tentar iludir as condições e condicionantes em que operam os empresários portugueses.
A visão redutora que reduz (pese o pleonasmo) o problema das pequenas empresas à qualidade da gestão e dos gestores tem um evidente e oportunista interesse político: auto-culpabiliza o empresário e iliba o poder político e os governos das suas responsabilidades! E não haverá qualidade de gestão que possa ultrapassar com êxito alguns dos problemas e estrangulamentos enunciados, nomeadamente para vencer a batalha da competitividade externa.
É assim que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta um projecto de resolução, onde se propõem as seguintes medidas: a audição das associações de pequenos empresários em toda a legislação que lhes respeita, o que este Governo não está a fazer; novas regras para o ordenamento comercial; a prioridade efectiva na aplicação dos fundos comunitários às pequenas empresas, com uma regulamentação adequada do QREN;…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Propomos ainda uma política fiscal que responda às características destas empresas; a urgente intervenção nos preços da energia (electricidade, gás natural e combustíveis líquidos);…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso é que fazia falta!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — … uma política de crédito em que a Caixa Geral de Depósitos tenha um papel central, regulador e «pedagógico» no mercado bancário nacional;…

O Sr. Honório Novo (PCP): — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — … uma entidade específica no Ministério da Economia para as pequenas empresas, recuperando o papel e a natureza inicial do IAPMEI, quando foi constituído em 1975; uma forte e tempestiva intervenção da Autoridade da Concorrência; o pagamento, nos prazos definidos por lei, das dívidas do Estado; o apoio ao associativismo específico e autónomo dos micro, pequenos e médios empresários; uma particular atenção às negociações bilaterais e multilaterais da política comercial da União Europeia.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para tornar ainda mais clara a importância da discussão destes temas relacionados com as pequenas e médias empresas, gostava de deixar aqui mais alguns dados que ultrapassam aquilo que vem no preâmbulo dos projectos de resolução.
Se compreendermos somente a faixa litoral de Braga a Setúbal, temos, em apenas um quarto da superfície do País, dois terços da população, nove décimos das empresas e quatro quintos de profissionais liberais.
O Sr. Presidente da República tem toda a razão quando diz que são os apoios do QREN às políticas das pequenas e médias empresas que podem fazer com que este desequilíbrio entre o litoral e o interior se possa corrigir.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Assim, a importância das micro, pequenas e médias empresas é cada vez maior e as orientações das políticas, quer dos países desenvolvidos quer dos países comunitários, vão todas nesse sentido. Diz mesmo o Presidente do Comité Económico e Social Europeu que o empreendorismo é a chave para a Europa enfrentar os desafios da globalização, da criação de novos empregos e da inovação.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Entendemos, por isso, que todos os projectos aqui apresentados pecam por defeito. É certo que o do PS peca bastante mais, o do PCP peca um pouco menos, pois estamos de acordo com as medidas 3, 7, 9 e 10, e o do PSD peca muito menos, como já tive oportunidade de dizer.
No entanto, gostaria de deixar um contributo da nossa bancada, pois há mais algumas medidas que me parece que ficavam muito bem serem levadas em linha de conta. São elas: assegurar que o sistema bancário público atribui prioridade à concessão de crédito para investimento e crescimento das pequenas e médias empresas; incentivar a contratação de licenciados em situação de desemprego — nada mais actual e real nos dias de hoje;…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … dar um novo impulso ao ensino profissionalizante, com a oferta de cursos profissionais em espaços e oficinas nas escolas do 3.º ciclo e secundário, para o ensino de profissões de carácter eminentemente técnico — é uma lacuna de hoje damos conta e que os próprios empresários fazem notar; …

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … discriminar positivamente, no âmbito dos apoios do QREN, os concursos promovidos pelo Estado, as PME e os seus projectos, que acrescentem mais valor à economia, na linha do que era a medida do PSD para as compras do Estado e também muito próximo daquilo que propõe o PCP; criar um apoio à exportação para as pequenas e médias empresas, com base num serviço exclusivo de consultoria à internacionalização.
Aqui parece-me ser a grande aposta dos projectos de resolução, pois países como a Espanha têm apoios claros à internacionalização das empresas e à exportação. Não é um gestor no âmbito do IAPMEI que resolve o problema. É a concepção da viagem, é a concepção e indicação de mercados prioritários, de produtosâncora que podem, caso a caso, apoio a apoio, empresa a empresa, conseguir que as nossas empresas se possam internacionalizar e mudar o paradigma da economia portuguesa.

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Ora, essas medidas conseguem-se não só com aquilo que é proposto mas, essencialmente, com algo que tem vindo a falhar e de que o Partido Socialista é culpado: a administração na hora. Não há empresa situada no interior, por si só discriminada, que consiga vencer a barreira de uma justiça lenta, de uma organização burocrática, de pouca informação, de dificuldade de acesso ao crédito, de dificuldade de uma luta desigual por uma pequena empresa junto da banca.
Devia ser com medidas destas que devíamos combater a «ilha» das pequenas e médias empresas que têm criado emprego e riqueza e aquilo que pode ser a salvação da economia portuguesa, que são exactamente as micro, as pequenas e médias empresas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Paula Nobre de Deus.

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o debate de amanhã tem sete temas propostos pelo PSD e nenhum se refere à economia ou ao apoio às pequenas e médias empresas.

O Sr. Afonso Candal (PS): — É verdade!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Mais uma vez, perderam a vossa oportunidade de demonstrar aquilo que realmente pensam e o apoio que querem manifestar.
Os Srs. Deputados Hugo Velosa e Almeida Henriques vieram aqui fazer um «acto de contrição», vieram pedir desculpa, por aquilo que o PSD não fez, pela memória selectiva do PSD.
Sabem por que estão bem na oposição, Srs. Deputados? Porque só têm ideias quando estão na oposição.
É que o vosso plano de apoio às pequenas e médias empresas, o plano de apoio do PSD, ninguém o conhece, nunca ninguém o viu. Agora que estão na bancada da oposição — e é aí que devem continuar — é que têm umas vagas ideias…

Protestos do PSD.

Mas o mais grave é que os Srs. Deputados não leram o QREN. Os 2000 milhões de euros que estão consignados no QREN dizem claramente que o PS priorizou e tem no seu programa de competitividade o apoio claro às pequenas e médias empresas.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Mas nem os Deputados do PCP, nem do CDS, nem do PSD leram o QREN. É isso que este debate de hoje comprova.

O Sr. Afonso Candal (PS): — É verdade!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Se o tivessem lido sabiam perfeitamente os apoios que lá estão consignados.
Mas também não conhecem a política do Governo, que ainda é mais grave!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Não tem!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Os Srs. Deputados do CDS, que neste momento já não estão atentos ao debate porque já falaram deles próprios, não conhecem os 17 milhões de euros do programa FINICIA, os 400 postos de trabalho e os 170 projectos já aprovados que se referem a pequenas e médias empresas.
Mas ainda mais grave: falam de formação e de qualificação dos nossos empresários e não sabem que já temos programas concretos para a formação desses empresários, o Inov-Jovem e Inov-Contacto, estando abrangidos por estes programas 5000 jovens empresários de pequenas e médias empresas. É da qualificação

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das pequenas e médias empresas, em ordem a torná-las mais competitivas, que estamos a tratar. É isso que o Partido Socialista está a fazer.
Por isso, Srs. Deputados, quando estamos a apresentar resultados, não precisam de ficar nervosos pelo facto de os senhores nunca os terem tido.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Não estamos nervosos, estamos preocupados!

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — O que os senhores têm é memória selectiva! Lembram-se quando estão aqui, mas quando estão no governo não têm memória. Ora, isso é grave para quem pretende ser um partido de governação.

Protestos do PSD.

Já foi aqui dito que há mais de 1500 projectos entregues.
Por falar na proposta do Partido Socialista, registo que o Sr. Deputado Almeida Henriques disse que a proposta que o PS apresenta para chegar aos empresários era uma proposta bem pensada.

O Sr. Presidente: — Pode concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Nobre de Deus (PS): — Ora, o que o PS propõe é um balcão de apoio ao empresário no âmbito do QREN, um balcão activo, em contacto directo com os empresários ao longo deste quadro comunitário de apoio.
O PSD, até hoje, só se lembra de ter ideias quando está aí sentado. Ora, é aí que deve ficar!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está concluído o debate em torno destes projectos de resolução, terminando assim os nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, pelas 10 horas, será preenchida com o debate com o Primeiro-Ministro, nos termos da alínea b) do artigo 224.º do Regimento, e os temas já foram indicados pelos vários grupos parlamentares.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação dos projectos de resolução
n.os 259/X (PCP), 269/X (BE) e 272/X (PSD).

Os projectos de resolução n.os 259/X, do PCP, 269/X, do Bloco de Esquerda, e 272/X, do PSD, foram
votados em Plenário no dia 28 de Fevereiro de 2008, tendo sido rejeitados com os votos do Partido Socialista.
O meu sentido de voto foi também, naturalmente, de rejeição. Mas por se tratar duma matéria muito
sensível, com repercussões sociais importantes nalguns pontos do território, entre os quais o distrito por onde
fui eleito, Vila Real, entendo dever justificar o porquê da minha solidariedade para com o voto partidário.
1 — Quer através do Sr. Primeiro Ministro, quer através da nova titular da pasta da Saúde, foi claramente
transmitida a assunção da existência de problemas na operacionalização da reforma dos SAP e dos SUS, que
conduziu à perda da confiança dos cidadãos no sistema que estava a ser implementado.
2 — No seguimento dessa avaliação, foi também assumida como medida imediata a suspensão do
encerramento de mais serviços de atendimento urgente enquanto não fossem criadas alternativas
consistentes e reconhecidas.
3 — Perante a complexidade da rede de referenciação, perante a evolução da reforma dos cuidados de
saúde primários em curso, concretamente USF e ACE, tudo indica que o estudo do conjunto de todas as

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variáveis, a montante e a jusante, venha a permitir a curto prazo a realização de ajustamentos pontuais ao
processo de requalificação das urgências iniciada com o anterior titular da pasta.
4 — Perante esta nova evolução decorrente da remodelação governamental, não faz qualquer sentido
viabilizar os projectos de resolução em causa, uma vez que vêm propor recomendações fora de tempo e ainda
propor uma regressão no processo reformista, prejudicando aquilo que já foi conseguido e consolidado em
muitos locais do país.

O Deputado do PS, Jorge Almeida.

Nota: A declaração de voto anunciada pelo Sr. Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares será publicada
oportunamente.

———

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
António Ramos Preto
Fernando Manuel de Jesus
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Arménio dos Santos
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro

Partido Social Democrata (PSD):
Fernando Mimoso Negrão
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva

Partido Popular (CDS-PP):
Nuno Miguel Miranda de Magalhães

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

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Partido Socialista (PS):
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria Isabel Coelho Santos

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Jorge Martins Pereira
José António Freire Antunes
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
Luís Miguel Pais Antunes
Mário Henrique de Almeida Santos David
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro Augusto Cunha Pinto

Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º 77/2003, de
11 de Outubro).

Partido Socialista (PS):
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Jacinto Serrão de Freitas

Partido Social Democrata (PSD):
José Eduardo Rego Mendes Martins
Luís Miguel Pereira de Almeida

Partido Popular (CDS-PP):
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Paulo Sacadura Cabral Portas

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