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Quinta-feira, 8 de Maio de 2008 I Série — Número 80

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE MAIO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da moção de censura n.º 2/X, dos projectos de lei n.os 524 a 526/X e dos projectos de resolução n.os 322 e 323/X.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro (PS), a propósito de dados divulgados pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) que revelam o aumento de homicídios devido a violência doméstica, chamou a atenção para a necessidade de avaliação das medidas legais adoptadas com vista ao combate a este fenómeno social. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mendes Bota (PSD), Helena Pinto (BE), Teresa Caeiro (CDS-PP) e João Oliveira (PCP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado José Moura Soeiro (BE) deu conta de resultados de um estudo sobre o comportamento sexual dos portugueses cujos resultados indicam necessidade de alteração do modelo de educação sexual nas escolas, tendo anunciado a apresentação de uma iniciativa legislativa nesse sentido. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luísa Salgueiro (PS) e Miguel Tiago (PCP).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Agostinho Lopes (PCP) falou acerca da carência de alimentos no mundo, tendo apontado algumas causas, e pediu a alteração da política agrícola comum, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Almeida (PS), José Miguel Gonçalves (Os Verdes), Francisco Louçã (BE) e Abel Baptista (CDS-PP).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro (CDS-PP) falou sobre o acesso aos cuidados de saúde e criticou o Governo pela falta de medidas que diminuam as listas de espera. Depois, deu resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Maria Antónia Almeida Santos (PS) e Carlos Andrade Miranda (PSD).
Foram apreciadas, conjuntamente e na generalidade, as propostas de lei n.os 184/X — Aprova a Lei de Segurança Interna e 185/X — Aprova a Lei de organização da Investigação Criminal, tendo intervindo, a diverso título, além dos Srs. Ministros da Administração Interna (Rui Pereira) e da Justiça (Alberto Costa), os Srs. Deputados Fernando Rosas (BE), António Filipe (PCP), Helena Pinto (BE), Fernando Negrão (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Sónia Sanfona (PS), Nuno Magalhães (CDS-PP) e Helena Terra (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira

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Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques

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António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Olímpia do Nascimento Castro Candeias
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães

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Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Miguel Pacheco Gonçalves

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Rosa Maria Albernaz): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: moção de censura n.º 2/X (PCP); projectos de lei n.os 524/X — Alteração do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394B/84, de 26 de Dezembro, e do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro (PCP), que baixou à 5.ª Comissão, 525/X — Elevação à categoria de vila da povoação da Senhora da Aparecida (PS), que baixou à 7.ª Comissão, 526/X — Estabelece a pensão de reforma por inteiro com 40 anos de descontos, sem penalização (BE), que baixou à 11.ª Comissão; projecto de resolução n.º 322/X — Recomenda ao Governo a suspensão dos projectos hidroeléctricos de Foz Tua, Fridão, Almourol e Baixo Sabor (BE), 323/X — Cessação de vigência do DecretoLei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e repristinação das normas expressamente revogadas (PCP).
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao período das declarações políticas.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: 28 mulheres foram vítimas de tentativa de homicídio nos primeiros quatro meses de 2008, em Portugal. 11 estão em estado grave, 17 morreram.
Estes são os dados divulgados pela UMAR, difundidos em vários jornais de ontem.

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O horror destes factos impõe uma sentida e empenhada manifestação de pesar por estas vidas violadas, por esta dignidade humana recusada, por esta humanidade que se reduz em cada acto de violência praticado.
O horror destes factos impõe a veemente denúncia dos direitos humanos negados.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, o horror destes factos não pode ser simplesmente um pretexto para uma intervenção política que marque a agenda. Bem pelo contrário, tem que ser determinante de uma reflexão que permita compreender as razões da nossa incapacidade e, por isso, indutora de uma persistente procura de respostas enérgicas.
Nos últimos anos, registou-se em Portugal um esforço sistemático de definir políticas que enquadrem e definam o crime, que protejam a vítima, que adeqúem a intervenção e, sobre elas, produzir a consequente legislação.
De facto, a par do trabalho pioneiro das ONG, o Parlamento e o Governo acompanham o esforço colectivo europeu de combater o flagelo da violência doméstica de forma organizada, sistemática, institucional.
Revisões dos códigos, formação das polícias, construção progressiva de uma rede abrangente de casasabrigo e sua regulamentação, planos nacionais de luta contra a violência doméstica, planos nacionais de igualdade, são algumas das medidas adoptadas.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — A Assembleia da República, em 2007, associou-se à campanha pan-europeia deliberada pelo Conselho da Europa de luta contra a violência sobre as mulheres, incluindo a violência doméstica, e à iniciativa da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, Parlamentos Unidos no Combate à Violência Doméstica. Através do Grupo de Trabalho sobre a Campanha contra a Violência Doméstica tem-se percorrido o País procurando boas práticas assim, como a identificação de estrangulamentos e limitações na concretização das alterações legislativas.
Contudo, Sr.as e Srs. Deputados, somos confrontados com números terríveis, que nos apresentam uma realidade de violência doméstica que persiste em aumentar apesar do que se tem caminhado e investido no seu combate. Aumenta em número de casos, aumenta em intensidade e aumenta, ainda, no seu alargamento a grupos cada vez mais jovens.
Sabe-se que uma parte do aumento das queixas registadas se deve ao trabalho desenvolvido junto dos mais variados grupos a quem se tem dado informação sobre a natureza do crime e as medidas de protecção.
Sabe-se que parte do aumento das situações conhecidas se deve a um maior esclarecimento das vítimas, a uma melhor preparação das polícias. Mas sabe-se também que há um aumento real da violência exercida, contrariando as expectativas dos impactos do aumento dos níveis educacionais, da crescente autonomia das mulheres face a uma generalizada participação no mercado de trabalho, das campanhas de informação, do gradual alargamento das redes de apoio.
De facto e apesar de uma progressiva e significativa melhoria das condições gerais de vida, não podemos deixar de registar que vulnerabilidades, assimetrias, exclusões persistentes, são responsáveis por uma violência que não cede, antes se acentua.
De facto e apesar de uma significativa e compreensiva evolução na feitura de leis que definem o crime, que prevêem a protecção da vítima, que punem o agressor, não podemos deixar de registar que a identificação das situações que configuram crime, a análise da vítima, continuam condicionados a preconceitos e estereotipias.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, tendo presente o primado dos direitos humanos dramaticamente posto em causa pelo número de vítimas de violência doméstica registado em 2008, propõe-se uma rigorosa avaliação da aplicação das leis, sobretudo das suas alterações mais recentes e dos seus resultados.
Neste sentido propomos que o Governo dê prioridade na próxima avaliação semestral a realizar pelo Observatório Permanente de Justiça Portuguesa, dirigido pelo Prof. Boaventura Sousa Santos, ao impacto da aplicação neste âmbito dos Códigos Penal e de Processo Penal, para dela poder retirar em tempo oportuno as devidas consequências.

Vozes do PS: — Muito bem!

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A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Relembro: 28 mulheres foram vítimas de tentativa de homicídio; 17 morreram! Reafirmamos, perante esta barbárie, uma sentida manifestação de pesar, formulamos uma veemente denúncia e condenação.

Aplausos do PS, do PSD e do BE.

Convocamos a consciência nacional para pôr cobro a este continuado atentado civilizacional contra os mais elementares direitos da dignidade humana, bem como à integridade física e moral das mulheres.

Aplausos do PS, do BE e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: — Há quatro pedidos de esclarecimento, sendo o primeiro do Sr. Deputado Mendes Bota. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, o PSD associa-se às preocupações expressas pela Sr.ª Deputada e manifesta a sua disponibilidade para, conjuntamente com todas as bancadas deste Parlamento, podermos exercer a nossa função de Deputados, de parlamentares, não só na criação das leis que regem este País mas, sobretudo, na monitorização da sua aplicação.
Por isso, é fundamental que, após este Parlamento ter aprovado o Código Penal e o Código de Processo Penal, saibamos reagir àquilo que tem sido até hoje a constatação de algumas evidências e de algumas insuficiências. Nomeadamente, há aspectos do novo Código de Processo Penal que desprotegeram as vítimas da violência doméstica, que colocaram as vítimas ao sabor dos seus agressores e, portanto, é necessário termos também a humildade de reconhecer onde errámos e onde não estivemos bem.
Eu diria que a nossa missão como parlamentares — e gostaria de lhe colocar esta questão — será também a de procurarmos seguir os padrões internacionais no combate à violência doméstica contra as mulheres. E sublinho «contra as mulheres», porque muitas vezes, dentro da generalidade do conceito de igualdade de género, tende-se a esquecer que a esmagadora maioria das vítimas da violência doméstica são mulheres.
Ora, internacionalmente, e no âmbito do Conselho da Europa, pôs-se como referência que deveria haver anualmente, ao nível de todas as instituições públicas, um orçamento de um euro por habitante no combate a este flagelo. Por outro lado, há também outro padrão, que tem que ver com a disponibilidade de um lugar em casas-abrigo para as vítimas, por cada 7500 habitantes de um determinado país.
Quer num caso quer noutro, Portugal, infelizmente, ainda está longe desses padrões. Gostava de saber se a Sr.ª Deputada reconhece ou não que deve ser feito um esforço, primeiro, em sede orçamental para que seja bem discriminado, ao nível de cada ministério, qual é o investimento que o Estado faz para combater a violência doméstica contra as mulheres, e, em segundo lugar, ao nível das casas-abrigo, colmatar aquilo que ainda é um défice no número de lugares disponíveis.
Por outro lado, gostaria também de lhe perguntar se pensa ou não que é importante que haja algumas casas-abrigo para agressores, porque muitas vezes — e sobretudo em Portugal — há dificuldade em retirar os agressores, por via pacífica, de dentro da casa familiar porque eles não têm para onde ir, e a alternativa é a rua. Há países, na Europa, que já têm hoje alguns bons exemplos e boas práticas, havendo casas-abrigo para os agressores onde eles começam imediatamente os seus programas de tratamento.
Portanto, este é o conceito global. Poderíamos ir muito mais longe, mas no âmbito desta questão terei de ficar por aqui.
Finalizo, perguntando-lhe se considera ou não que seria oportuno e mesmo necessário, ao nível de todos os estados da Europa, desde o Atlântico até ao Cáucaso, que houvesse um tratado, uma convenção internacional para o combate à violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

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A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, felicito-a por ter trazido novamente à Assembleia da República o tema da violência contra as mulheres. Infelizmente, as notícias que ontem saíram sobre o fenómeno devem deixar-nos a todos e a todas deveras preocupados, pois prendem-se com o número de homicídios conjugais que tiveram lugar este ano.
Relembro, Sr.ª Deputada, que, no ano de 2007, foram assassinadas 21 mulheres em 12 meses. Em 3 meses deste ano, já foram assassinadas 17 mulheres. Só este número devia fazer soar todos os sinos de alerta não só nas consciências como também na responsabilidade de quem detém o poder político.
Por isso, Sr.ª Deputada, gostava de lhe colocar algumas questões.
Ouvimos a sua proposta, que pressupomos que é a da bancada do Partido Socialista, de que o Observatório da Justiça realize uma rigorosa avaliação sobre as leis em curso. Nada temos a opor a essa proposta e parece-nos, com certeza, bem vinda.
No entanto, gostava de a questionar sobre a disponibilidade de a bancada do Partido Socialista aprofundar aquilo que, já se sabe, corre menos bem em termos da violência doméstica e que se prende com a situação dos tribunais.
Como sabe, decorre, neste momento, nesta Assembleia, em sede da 1.ª Comissão, um variado conjunto de audições sobre o projecto apresentado pelo Bloco de Esquerda. Uma das propostas que apresentámos visa resolver, ou pelo menos tentar resolver, o problema no local onde ele acaba por ser bloqueado, ou seja, nos tribunais.
Acontece que estamos a falar, neste caso, de números relativos a homicídios e estes são bons para ilustrar uma situação que não tem a ver com o número de queixas. É verdade que, quando as queixas aumentam, todos vêm dizer: «Bom, o fenómeno tem mais visibilidade, as mulheres têm mais consciência dos seus direitos e, então, apresentam queixa, o que não quer dizer quer o fenómeno tenha aumentado.» Mas agora estamos perante um dado objectivo: o homicídio conjugal disparou, em Portugal, com números inaceitáveis! E isto leva-nos a outra questão que é fundamental, Sr. Deputado Mendes Bota. O que é fundamental não são os agressores mas a sua impunidade. No nosso país, vivemos uma situação em que o agressor comete um crime mas fica impune, e é preciso tratar deste problema de uma vez por todas.
Eram estas questões que lhe queria colocar, assim como outra, Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro: não acha que é tempo de o Governo apresentar o seu programa sobre a vigilância electrónica dos agressores, coisa que promete desde 2006, e que seriam medidas muito bem vindas para ajudar também ao combate à violência doméstica?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder a estes dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados Mendes Bota e Helena Pinto pelas questões que colocam.
Queria ressaltar, em primeiro lugar e sobretudo, esta convergência de preocupação relativamente ao fenómeno que estamos aqui a tratar, esta realidade dramática, que é, como disse a Sr.ª Deputada Helena Pinto, um dado completamente objectivo e real: são 28 vítimas de tentativa de homicídio, das quais 17 morreram. E trata-se exactamente da objectividade deste dado, porque, como foi referido pelos Srs. Deputados, muitas das queixas carecem de fundamentação e não sabemos exactamente o terreno em que estamos a laborar. Ora, este dado, com o qual fomos confrontados ontem nas notícias que foram difundidas, é inaceitável.
Por isso, a necessidade de nos confrontarmos todos, aqui, na Assembleia da República, com a avaliação daquilo que temos definido e dentro do nosso âmbito de responsabilidades, que tem a ver, nesta matéria concreta, com a avaliação de leis que tão recentemente produzimos.
Como sabem, foi accionado um mecanismo de avaliações periódicas a cargo do Observatório Permanente da Justiça, dirigido pelo Professor Boaventura de Sousa Santos, que está prestes a concluir o primeiro relatório. Está já acordado com o Governo que a próxima avaliação será feita exactamente sobre a medida, o impacto e a eficácia das alterações que foram introduzidas, quer no Código Penal quer no Código de Processo

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Penal, sobre a violência doméstica e a forma de conseguirmos introduzir mecanismos mais eficazes na sua prevenção e no seu combate.
É evidente que se trata de uma legislação novíssima, que nos confronta com estes dados reais e objectivos, mas também sabemos que não podemos avançar antecipadamente com outras alterações e que temos de cuidar daquilo que seja avaliado criticamente em sede própria para depois, então, se fazer a adequada e necessária alteração, no caso de ser necessária e adequada como pensamos, e que desejamos que seja ainda no decurso desta Legislatura.
Do conjunto de questões que os Srs. Deputados me colocam, quer o Sr. Deputado Mendes Bota quer a Sr.ª Deputada Helena Pinto, há umas que são fundamentais e que têm a ver com o próprio funcionamento de mecanismos que entretanto têm vindo a ser criados, promovidos e iniciada a sua prática no terreno.
No fundo, trata-se de práticas que são novas. Temos ainda uma história recente no combate activo relativamente à violência doméstica, mas isto não nos pode servir de resposta na aceitação da ineficiência e, sobretudo, na aceitação da incapacidade de prevenir esta situação com que nos confrontamos, que são as mortes. Mas é evidente que também temos de aprender com a prática.
A Sr.ª Deputada colocou a questão dos tribunais. Esta é uma questão de prática em que se aprende as alterações legislativas, e tem de haver claramente um controlo mais eficaz, o que resultará da própria avaliação do que está definido em tecido normativo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Rosário Carneiro, gostaria também, em nome do CDS, de saudar a iniciativa de ter trazido, mais uma vez, a esta Câmara a discussão de um dos problemas mais tenebrosos e de um dos crimes mais hediondos com que nos confrontamos na nossa sociedade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Estes dados que agora nos trouxe e que ontem foram divulgados vieram, infelizmente, resolver uma questão que a todos se nos colocava, que era a de saber se tinha havido realmente um aumento da violência, um aumento da criminalidade associada ao género, ou se os números eram empolados pelo facto de haver mais informação e mais queixas. Ficamos agora a saber que, infelizmente, não é assim. De facto, este tipo de crimes aumentou e na sua forma mais violenta.
É verdade que o Observatório da Justiça tem um papel na avaliação da execução da lei e nos seus resultados. No entanto, há outro aspecto que não posso deixar de colocar à Sr.ª Deputada como membro da bancada que apoia o Governo.
Na semana passada, esteve cá o Sr. Ministro da Presidência a anunciar as verbas do QREN para acções de formação, de sensibilização, nomeadamente por parte da sociedade civil e de organizações não governamentais, para várias áreas relacionadas com o género, entre as quais a violência doméstica. Ora, estas verbas não são negligenciáveis mas também não são muito avultadas, pois trata-se de quase 7 milhões de euros para sete anos, sendo que serão distribuídas também para acções relacionadas com a igualdade, com o tráfico de seres humanos.
Assim, queria colocar-lhe a pergunta que coloquei ao Sr. Ministro da Presidência mas para a qual não obtive resposta, ou seja, gostaria de saber quem faz o acompanhamento e a avaliação da qualidade e dos resultados destas acções.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Não nos podemos permitir continuar a entregar verbas para programas ao longo de anos quando a avaliação final se traduz em dados como os que ontem foram apresentados. Tem

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de haver uma avaliação! Tem de haver um acompanhamento! Alguém tem de fazer este acompanhamento! Senão, estas acções não servem absolutamente para nada.
Para concluir, Sr.ª Deputada, é verdade que há uma impunidade legal e que é preciso assegurar o cumprimento da lei, mas concordará — e este é um grande desafio que todos temos — que não há ainda um estigma social suficiente. E se é verdade que a forma mais violenta, que culmina em homicídios, tem de ser acompanhada do ponto de vista criminal, também há outros crimes de violência mais silenciosa, mas igualmente duradoura, que são praticados ao longo de anos, de violência psicológica e de violência física, mas que não culminam em homicídios.
Assim, gostaria de saber o que é que a Sr.ª Deputada propõe por forma a incutir na sociedade um verdadeiro estigma social relativamente a estas atitudes.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Rosário Carneiro, trouxe-nos, com a sua intervenção, um gravíssimo problema da sociedade portuguesa, que ao longo do tempo tem persistido, apesar de se registar uma evolução quer no quadro legal e normativo quer mesmo na denúncia do fenómeno e naquilo que é a afirmação de princípios e o combate a este fenómeno.
Aliás, o quadro legal que temos hoje tem na sua base uma lei que decorreu de um projecto apresentado pelo Partido Comunista Português, a Lei n.º 61/91, que abriu o campo a esta evolução que nos últimos anos se tem registado na definição do regime legal que permita o combate ao fenómeno da violência doméstica.
Mas, ainda assim, importa a maior das atenções na sua análise e na avaliação do que hoje entrava o combate à violência doméstica.
A proposta que a Sr.ª Deputada aqui nos trouxe de avaliação do Código Penal e do Código de Processo Penal é uma dimensão dessas preocupações, porque, por um lado, temos de perceber se o quadro legal que temos, do ponto de vista penal, processual penal ou mesmo de outra dimensão legislativa, é ou não adequado ao combate ao fenómeno da violência doméstica, mas é preciso também saber se há ou não problemas na aplicação da lei, nos meios postos à disposição para a aplicação da lei. Esse é também um problema fundamental.
Quando falamos de estudos, queria alertar a Sr.ª Deputada para o facto de ainda ontem, nesta Assembleia da República, no grupo de trabalho que está em funções, termos sido alertados para a existência de um estudo relativamente ao funcionamento das casas-abrigo, feito acerca um ano, do qual o Governo já tem conhecimento mas de que não foi dada qualquer informação quanto às suas conclusões e a medidas tomadas em função desse mesmo estudo.
Portanto, importava também saber que disponibilidade pode ter o Partido Socialista e o Governo para, de acordo com as conclusões do estudo, haver um reforço dos meios à disposição deste combate à violência doméstica, se for essa a indicação do estudo.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Por outro lado, importa também saber, Sr.ª Deputada, se os planos de combate à violência doméstica, este quadro legal e político no plano da afirmação de princípios por parte do Governo, têm depois correspondência com os meios que são postos à disposição para a sua concretização.
Sobretudo, há uma questão que para nós é fundamental, Sr.ª Deputada, que tem que ver com o papel que, neste campo, desempenham as organizações não governamentais e outras que vão actuando nesta matéria.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente.

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Na nossa perspectiva, não é admissível que o Estado se demita das suas responsabilidades e ponha aos ombros das organizações não governamentais a responsabilidade de concretizar aquilo que o Governo entende como princípios da sua actuação.
Portanto, continuamos a definir como fundamental a existência de uma rede de casas-abrigo que, de facto, permita dar resposta às necessidades do combate a este fenómeno da violência doméstica e a disponibilização de meios que permitam a articulação entre as várias entidades públicas que, neste domínio, necessitam de intervir, de forma articulada e com os meios necessários para que a sua intervenção seja eficaz.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, agradeço as questões que são colocadas pelos Srs. Deputados Teresa Caeiro e João Oliveira.
Queria de novo ressaltar que, nesta matéria, felizmente, estamos todos de acordo. É necessário intervir e fazer uma convergência eficaz, enérgica e comprometida de todos os recursos que consigamos reunir. E esse é um bom ponto de partida para um Parlamento que se declara comprometido neste combate.
A Deputada Teresa Caeiro começou por colocar a questão da avaliação. Ora, sabemos que a avaliação é crucial para a intervenção, para a alteração e para a modificação, no sentido de garantir uma maior eficácia dos objectivos que nos propomos, visando conseguir uma maximização dos recursos de que dispomos.
É que, convenhamos, nunca haverá recursos suficientes para fazer face a um problema de uma dimensão tão imensa e tão complexa quanto este, que tem como face visível a violência doméstica. Quando falamos de violência, falamos da face visível de tudo aquilo que está por detrás e que a condiciona.
A Sr.ª Deputada coloca também a questão da violência silenciosa. Efectivamente, aquilo que abordei na minha intervenção de hoje foi o que é explicitado de uma forma inaceitável e que se conclui em mortes. Mas a morte é a última das etapas da violência, que é sistematicamente silenciosa.
O que aqui relatei consubstancia todo o drama que está subjacente. Portanto, a avaliação que propomos que seja feita por este Observatório é a da aplicação da lei no que se refere a toda a violência doméstica, evidentemente, não só da que se traduz em homicídios mas de toda a manifestação de violência doméstica, qualquer que seja a sua conclusão.
Sr. Deputado João Oliveira, ainda bem que concorda connosco que é importante avaliar, em primeiro lugar, a eficácia ou a forma de aplicação daquilo que legislámos. O Sr. Deputado referiu mais adiante, na sua intervenção, que se tratava de avaliar a aplicação de mais leis. Ora, a avaliação que propomos é exactamente a avaliação de tudo isto, não só de um desenho teórico de um ordenamento mas de um ordenamento que se propõe combater de facto o fenómeno e dos meios que estão disponibilizados para realizar este objectivo de combater e erradicar a violência que se abate sobre as mulheres.
Gostava de fazer ainda uma pequena referência relativamente às casas-abrigo que a Sr.ª Deputada também referiu quando citou o QREN e as verbas que lhes estão atribuídas.
As casas-abrigo, como o Sr. Deputado disse, foram objecto de uma avaliação que foi divulgada recentemente. Ora, gostaria de fazer uma articulação entre…

O Sr. João Oliveira (PCP): — A avaliação foi divulgada?! Não foi divulgada!

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Ah, não foi divulgada! Foi divulgado um resumo. Esse é um dos problemas. Então, foi um resumo. Peço desculpa e corrijo.
De qualquer modo, sabemos que foi feita uma avaliação de aspectos relativamente às verbas do QREN e aos financiamentos das casas-abrigo e de outros meios invocados e incorporados para a promoção dos planos nacionais de combate contra a violência doméstica.
Evidentemente, todos os mecanismos de financiamento são sempre acompanhados de mecanismos de avaliação. Ora, naturalmente, isso compete ao Governo, à administração.

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O Sr. Presidente: — Pode concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Concluo já, Sr. Presidente.
A nós, Parlamento, compete-nos também acompanhar a execução, a aplicação destas mesmas verbas.
Essa é uma tarefa que nos cabe a nós, em sede parlamentar, assim como chamar a avaliação do acompanhamento da execução dos investimentos previstos em sede de QREN.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Moura Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um quarto dos portugueses nunca usou preservativo na vida; mais de metade dos portugueses — cerca de 60% — admitem que não usaram o preservativo na primeira relação com o parceiro mais recente; mais de metade dos portugueses nunca fizeram o teste da SIDA; um terço das mulheres portuguesas já engravidou sem querer. Estes são os dados de um estudo apresentado ontem sobre comportamentos sexuais e a infecção VIH/SIDA em Portugal.
Mas há mais estudos e mais dados concretos. Há cerca de 60 000 infectados com SIDA, em Portugal, sendo que os jovens são responsáveis por cerca de metade dos novos casos de infecção e que cerca de 15% dos infectados com SIDA têm menos de 25 anos. Há 16% de mães adolescentes em Portugal, valor que faz do nosso país o segundo país da Europa com maior proporção de gravidez na adolescência.
Persistem também em Portugal, como se sabe, vincadas desigualdades de género e o preconceito (machismo e homofobia) marca ainda de forma profunda o dia-a-dia daqueles que têm uma orientação sexual ou uma identidade de género diferente das dominantes.
Perante esta realidade, não podemos olhar para o lado. Ela exige uma acção imediata e urgente para resolver um gravíssimo problema de saúde pública. É preciso intervir em muitos domínios, mas há certamente um que é fundamental: a educação sexual.
Há décadas que se fala nisso. Fizeram-se leis, projectos, grupos de trabalho, mas quase nada avançou.
Desde Dezembro que o Bloco de Esquerda tem visitado dezenas de escolas por todo o País para discutir a educação sexual. Em todas elas, centenas de alunos acorreram aos debates.
Contrariando as generalizações simplistas de alguns «velhos do Restelo», quando a política se interessa pelos jovens, os jovens interessam-se pela política. Quando a política tem a ver com as preocupações e os seus quotidianos, a política entusiasma os mais jovens porque é da nossa vida colectiva que falamos.
Mas nas escolas verifica-se um paradoxo: apesar de as leis e de as intenções, não existe educação sexual nas escolas. Há projectos, há vontade dos estudantes e até de alguns professores, há experiências pontuais, mas não existe, realmente, educação sexual nas escolas. Toda a gente que anda nas escolas sabe disso.
É o próprio psiquiatra Daniel Sampaio, nomeado pelo Governo para o grupo de trabalho que fez propostas sobre a educação sexual, quem reconhece este fracasso, quando afirmou há dias, nos jornais, que tem tardado a concretização no terreno de medidas concretas e que «temos propostas que, infelizmente, ainda não foram postas em prática nas escolas. Não posso deixar de lamentar». Ou quando afirmou que a educação sexual é «uma das promessas não cumpridas de sucessivos governos».

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — A educação sexual corresponde a uma das mais persistentes reivindicações dos movimentos dos jovens em Portugal. Contudo, os sucessivos governos nunca priorizaram esta questão e nunca souberam dar-lhe a resposta séria e empenhada.
É revelador que a escola tenha sido incapaz de incorporar verdadeiramente este tema no seu currículo e de abrir espaços para se discutir aquilo que é uma parte fundamental das vivências juvenis, mostrando as resistências que existem à mudança e a distância que separa a escola da vida dos jovens.
As sucessivas leis que foram sendo aprovadas, desde 1984, mesmo quando pareciam avanços, nunca resultaram em nada de substancial. Houve projectos e experiências localizadas muito interessantes, mas

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faltou coragem política, clareza na atribuição de responsabilidades e recursos a sério para dar sequência às intenções anunciadas.
Apesar das expectativas geradas em sentido contrário, este Governo voltou a cometer o erro do costume: diluir a educação sexual numa área muito mais vasta, cujas preocupações centrais são de regulação dos comportamentos dos alunos, em vez de criar uma área específica e contratar profissionais especificamente formados e responsáveis para essa área. Esta incapacidade de assumir algo diferente, mas sobretudo esta falta de vontade política do Ministério, num contexto em que os professores estão «afogados» em tarefas burocráticas e exigências crescentes, fez com que a educação sexual tenha sido, mais uma vez, um completo fracasso.
Ao longo de todos estes anos, de facto, muito pouco mudou. Não é que nada tenha evoluído. Há escolas com experiências interessantes, há estudantes que aproveitam a área-projecto para desenvolver iniciativas exemplares, há associações que têm desempenhado um papel precioso, há centros de saúde que, contrariando as dificuldades, se empenham em passar informação.
Mas falta, Sr.as e Srs. Deputados, uma coisa essencial: redes sólidas, profissionais especificamente formados e contratados para se responsabilizarem por esta área, medidas políticas efectivas. E talvez a grande conclusão que pode ser retirada deste processo de mais de duas décadas de implementação da educação sexual é que a insistência na transversalidade e na não obrigatoriedade de facto serviu a desresponsabilização política dos Ministérios da Educação e da Saúde, a diluição de responsabilidades nas escolas e um discurso de ocultação do que sempre ficou por fazer nesta área.
Os resultados de décadas de irresponsabilidade estão à vista: os portugueses continuam sem recorrer a meios anticoncepcionais e que garantam a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis.
É urgente uma nova proposta que responda aos problemas de saúde pública que se vêm agravando.
O Bloco apresenta hoje essa lei no Parlamento. Discutimo-la com milhares de estudantes e professores, em dezenas de escolas pelo País. O conhecimento concreto da realidade tem sido precioso para escolher caminhos.
A proposta do Bloco defende uma área curricular específica de educação sexual, de frequência obrigatória.
Defendemos a criação de uma bolsa de profissionais em cada agrupamento de escolas, cuja responsabilidade exclusiva é dinamizar essa área curricular e os gabinetes de atendimento aos alunos que têm de existir em cada estabelecimento de ensino, o que significa não atirar esta responsabilidade para cima de professores sobrecarregados e sem formação específica. Queremos que na educação sexual se utilizem metodologias activas e participadas. Queremos que se fale de tudo e não apenas da regulação dos nossos comportamentos. A educação sexual não deve ser a imposição de uma moral mas um espaço de informação e preparação para uma autonomia responsável.
Queremos distribuição de preservativos em todas as escolas secundárias. Queremos abrir um espaço de liberdade e de emancipação. A responsabilidade, Sr.as e Srs. Deputados, não aceita menos do que isso.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro.

A Sr.ª Luísa Salgueiro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Moura Soeiro, agradeço o facto de ter trazido este tema para debate, tema esse que preocupa todos nós e que ganhou maior visibilidade com os resultados tornados públicos esta semana relativamente a comportamentos sexuais de risco.
O Partido Socialista acompanha-o nesta preocupação e não é necessário referi-lo aqui. Aliás, o Governo do Partido Socialista tem dado nota clara do seu empenho em tratar deste assunto.
Na verdade, quando o Partido Socialista chegou ao Governo, aquilo que constatámos foi que o anterior governo de direita tinha tentado simplesmente ocultar esta matéria dos currículos escolares e aquilo que o Governo do Partido Socialista começou por fazer foi constituir um grupo de trabalho de mérito técnico inquestionável, liderado, como aqui já disse, pelo Sr. Prof. Daniel Sampaio.
Esse grupo de trabalho apresentou um conjunto de conclusões, conclusões essas que foram na íntegra apropriadas pelo Ministério e que levaram a um conjunto de medidas que têm vindo a ser implementadas.

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Como se sabe, a orientação foi no sentido de que a problemática da educação sexual deva ser tratada em conjunto com outras áreas de promoção e de educação para a saúde, como sejam os problemas da toxicodependência e da obesidade. Nesse sentido, Ministério lançou um conjunto de programas que permite que os agrupamentos se venham candidatar para implementar nos seus territórios a educação sexual.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Luísa Salgueiro (PS): — Na verdade, curiosamente, o Sr. Deputado disse-nos que a implementação destas medidas tem tardado e depois, contradizendo-se, diz que elas não existem. Sr. Deputado, sabe bem que existem. O que acontece é que ainda há algo por fazer, porque o Partido Socialista chegou ao Governo e não havia nada feito. Tentámos alterar a perspectiva política sobre a educação sexual do governo anterior,…

Aplausos do PS.

… ou seja, esquecer a necessidade de tratar a educação sexual.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não é verdade! Não sabe do que está a falar!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E antes disso?!

A Sr.ª Luísa Salgueiro (PS): — Antes disso, Srs. Deputados, já o Partido Socialista, nesta Casa, tinha apresentado inúmeras iniciativas legislativas que visavam a adopção da educação sexual nas escolas e o anterior governo socialista tinha também adoptado medidas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não apresentou nada! Aprovou a do PCP! A Sr.ª Luísa Salgueiro (PS): — Portanto, Srs. Deputados, não vale a pena vir aqui com moralismos, tentar dar qualquer tipo de lição de moral, porque sobre esta matéria o Partido Socialista pede meças.

Aplausos do PS.

Srs. Deputados, efectivamente, sabemos que há projectos, há interesse, os jovens interessam-se pela política quando a política se interessa pelos jovens. Estamos de acordo relativamente a esses princípios. A diferença entre o Governo do Partido Socialista e os senhores é que o Partido Socialista fez pouco mas fez algo e os senhores nada fizeram até agora!

Risos do PCP e do BE.

Vamos ver então. Vão apresentar hoje um projecto e vamos ver.
Sr. Deputado, reconhece, ou não, a existência de uma clara divergência entre a situação actual e aquela que existia há três anos atrás? Reconhece, ou não, uma evolução clara na situação das escolas no que toca à matéria de educação sexual? Penso que isso é evidente e, por isso, gostaria de saber a sua opinião relativamente a essa matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Moura Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, não reconheço que tivesse havido evolução significativa nos últimos três anos e se a Sr.ª Deputada estivesse nas escolas saberia isso, como sabem todos os estudantes e todos os professores, como sabe o próprio responsável que o seu Governo nomeou e que, hoje, vem dizer que não aconteceu nada.

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Vozes do BE: — Exactamente!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Daniel Sampaio, o responsável nomeado pelo Governo, veio dizer que não aconteceu nada! Não aconteceu nada e as pessoas estão fartas das intenções, das declarações vazias que, depois, não têm nenhuma consequência. Esse é o grande problema.
Há mais de 20 anos que esta Assembleia fala de educação sexual nas escolas, há mais de 20 anos que existem leis sobre esta matéria e, na realidade, a educação sexual ainda não faz parte do quotidiano das escolas.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Exactamente!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Digo-lhe mais, Sr.ª Deputada: não haverá educação sexual se se insistir nos erros de sempre. É preciso um compromisso diferente.
É por isso que apresentamos uma proposta que configura uma ruptura em relação ao modelo que tem existido. Dizemos que é preciso haver profissionais com formação específica e que sejam exclusivamente responsáveis pela dinamização da área de educação sexual. Concorda ou não, Sr.ª Deputada? Dizemos que é preciso haver distribuição de preservativos nas escolas. Foi o Partido Socialista que fez com que isso não acontecesse.
Defendemos que deve haver uma disciplina curricular específica de educação sexual durante todo o período de escolarização obrigatória, até ao ensino secundário.
Estas são propostas concretas que correspondem aos anseios dos estudantes.
Das intenções, das experimentações e das declarações vazias do Partido Socialista estamos nós fartos, como estão todos os que vivem no meio escolar e que se vêem confrontados com estas dificuldades.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Moura Soeiro, uma saudação por ter trazido este tema à Assembleia da República na sua declaração política. Independentemente do estudo que agora foi divulgado, o tema tem uma importância que nunca devemos menosprezar.
Aliás, é por isso mesmo que, logo em 1982, o PCP trouxe a esta Assembleia da República o projecto de diploma que, em 1984, haveria de dar origem à lei do planeamento familiar e educação sexual, essa mesma que, hoje, não está a ser a ser cumprida. Trata-se de uma lei com mais de 20 anos e que, curiosamente, continua por cumprir, uma lei que prevê que possa existir educação sexual nas escolas, integrada nos diversos currículos das diversas disciplinas, como forma de dar resposta ao conjunto de problemas que bem enunciou durante a sua intervenção.
A sua intervenção teve também o mérito de nos proporcionar este momento em que a bancada do PS reconhece que pouco fez.
Aliás, dizer que fez pouco já de si é lisonjeiro porque, na verdade, o que este Governo fez — e que foi gabado através da bancada do Partido Socialista! — foi constituir um grupo de trabalho cujo relatório está pronto desde 2007 mas que, até hoje, não deu origem a absolutamente nenhuma medida governamental.

Vozes do PCP: — Muito bem!

Protestos do PS.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — O Governo e o Partido Socialista sabem que o PCP defende a integração transversal desta matéria nos currículos escolares — e julgo que o Bloco de Esquerda tem outro entendimento quanto à matéria —, mas isso de maneira nenhuma pode servir para não fazer nada! O que o Partido

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Socialista não pode fazer é utilizar a desculpa de, dado propormos uma integração transversal, não ser de maneira nenhuma.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — O que é certo é que o Partido Socialista tem atrasado e tem desempenhado exactamente o mesmo papel que a direita. A diferença está em que a direita fá-lo assumidamente e o Partido Socialista tenta mascarar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, muito obrigado pelo comentário que fez à nossa intervenção.
Sei que a lei da educação sexual é mais velha do que eu próprio mas, apesar disso, continuamos a ver que os resultados do «excelente» trabalho que tem sido feito em Portugal são 60 000 infectados por SIDA, sendo jovens mais de metade dos novos infectados— é verdade!; um quarto dos portugueses nunca usou preservativo; mais de 18% dos jovens declaram que não utilizaram preservativo na sua última relação sexual.
Perante isto, precisamos de olhar para a realidade, de pensar os modelos teóricos, mas sermos pragmáticos na aplicação das medidas. É esse o espírito que preside à proposta do Bloco de Esquerda.
A questão da transversalidade tem servido, de facto, para uma desresponsabilização do Ministério da Educação.
Dentro das escolas, a ideia de que toda a gente vai falar do assunto enquanto, na prática, ninguém fala, tem servido para diluir as responsabilidades no meio escolar. Esse é um problema concreto com que temos de confrontar-nos, independentemente da bondade da ideia da transversalidade.
É por isso que entendemos que faz todo o sentido que a educação sexual faça parte do projecto educativo da escola e que, portanto, possa ser abordada de forma transversal, faz todo o sentido que todos os professores possam receber formação sobre educação sexual e que, portanto, estejam preparados para responder a esses problemas e dar informação sobre a matéria. Mas o que queremos assegurar, para além disso, é que existam os gabinetes que estão prometidos e, mais ainda, que, pelo menos no último ano de cada ciclo, todos os estudantes frequentem uma área curricular de educação sexual, com a duração de 90 minutos, por forma a assegurar que, no mínimo, abordaram a matéria, discutiram o assunto, tiveram informação, independentemente de outros projectos transversais que o projecto educativo da escola e a própria comunidade decidam levar a efeito.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, em representação do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assiste o mundo e o País, entre o pânico e o espanto, à subida desenfreada dos preços dos produtos alimentares básicos.
O pânico, perante as consequências dramáticas para centenas de milhões de cidadãos no mundo, que são conhecidas: fome, sub e malnutrição, atingindo, neste abraço de miséria e morte, milhões de crianças. Só os números assustam. É, assim, posta em causa a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que enuncia, como um direito imprescritível, o de cada ser humano ter acesso a uma alimentação sã e suficiente.
O espanto porque lhes tinham dito, nos tinham dito, que o problema da produção de alimentos estava resolvido. Houve até quem dissesse que a agronomia tinha morrido. Os factos a que assistimos são um desmentido brutal.
O problema estratégico da soberania alimentar, a que alguns chamarão segurança alimentar, de cada país, de cada povo e do planeta globalmente considerado, ressurge com a violência de um tsunami nas ideias feitas

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do pensamento único, neoliberal, com que se pretendeu esconder, ocultar, disfarçar os interesses do grande capital transnacional do comércio e indústria agro-alimentares e agroquímicos, os interesses do latifúndio e da grande exploração agropecuária de algumas potências agrícolas e os objectivos do imperialismo norteamericano de fazer da alimentação dos povos «a arma mais poderosa de que nós dispomos no curso dos próximos 20 anos», no dizer de John Block, antigo Secretário de Estado da Agricultura de Reagan.
As causas do problema decorrerão, certamente, de um complexo conjunto de factores onde estarão presentes, seguramente, as questões climáticas, responsáveis por más colheitas, as alterações climáticas e os seus efeitos na desertificação de territórios e na escassez de água, o aumento do preço do petróleo e consequente subida do custo dos transportes, a melhoria, em quantidade e qualidade, da dieta alimentar em alguns países, como a China e a Índia, o agravamento da situação de ocupação de solos com culturas industriais (que já as havia), com a criminosa política dos agrocombustíveis de produção dedicada (que agências da ONU não hesitam em classificar como «crime contra a humanidade»).
Mas, no cruzamento das causas estruturais com a presente conjuntura, destacam-se (e não temos dúvidas em considerá-las as principais responsáveis), primeiro, as políticas de liberalização do comércio mundial no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), com a alimentação transformada em banal mercadoria, sujeitando o volume e o preço da produção agrícola aos resultados de um mercado dominado pelas transnacionais do sector e dependente da flutuação especulativa da Bolsa de Chicago; segundo, as políticas de «ajustamento estrutural», impostas aos países do Sul pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), cumprindo ordens das grandes potências, com a liquidação das suas agriculturas de subsistência e autoconsumo; terceiro, a «conjuntura» da crise financeira internacional, desencadeada pela crise do subprime, num quadro em que meia dúzia de oligopólios/monopólios dominam o comércio mundial agropecuário, com a capacidade de controlarem os fluxos dos produtos, armazená-los ou escoá-los, e a capacidade para manipular os respectivos preços spot e «futuros».
Isto, no contexto de uma crise em que produtos agro-alimentares estratégicos básicos, como o trigo, o arroz, o milho, a soja (aliás, como o petróleo), se transformam em refúgio seguro de acções, obrigações e outro papel bolsista, mais ou menos especulativo.
A crise estava há muito anunciada e há muito que a FAO (pesem as suas contradições) e outras entidades internacionais a vinham anunciando.
A especulação em curso é apenas o rebentamento da bolha, mais uma, que a crise financeira detonou.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — O problema resulta, assim, claramente, de opções e escolhas políticas feitas por interesses económicos, países, organizações internacionais, partidos e responsáveis políticos.
Também no nosso país o problema causa preocupações e tem suscitado um numeroso conjunto de alertas e denúncias.
O Grupo Parlamentar do PCP assinala a gravidade da situação de subida brutal dos preços, no contexto de um país de 2 milhões de cidadãos no limiar da pobreza, de profundas desigualdades sociais, de baixos salários e baixas pensões (algumas das quais o Governo ainda quer reduzir mais um pouco), motivo para grande alarme social e para a tomada de sérias medidas de emergência. Um país que, em consequência das políticas de direita prosseguidas, viu agravar-se drasticamente a sua vulnerabilidade e a dependência agroalimentar.
Srs. Deputados, mas talvez o mais esclarecedor é o comportamento político de responsáveis e exresponsáveis por esta área da governação.
Não é que o mentor e responsável pela reforma da PAC de 1992, a primeira grande machadada na agricultura portuguesa, vem agora queixar-se das políticas que vieram depois dele e defender até que «é fundamental haver alguns mecanismos de protecção na fronteira»?! Extraordinário!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Uma vergonha!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — E não querem ver que o responsável pelo desligamento das ajudas à produção agrícola é o PCP?!

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O actual Ministro, mesmo depois de aprovar em Bruxelas o desligamento no caso dos hortofrutícolas e de ter decidido desligá-los a 50%, em Portugal, com possíveis consequências particularmente gravosas para a produção de tomate industrial, mesmo depois de ter dado sequência aos desligamentos decididos pelos governos PSD/CDS-PP, está contra o desligamento das ajudas! O que significa isto em política? Ministro e Governo PS/Sócrates dão inteira continuidade às decisões do ex-ministro Capoulas Santos, do governo PS/Guterres, que, em Março de 1999, considerava um êxito os resultados finais das negociações da segunda reforma da PAC, para Portugal, onde defendeu entusiasticamente o desligamento das ajudas — extraordinário!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E o resultado está à vista!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Mas será que o Governo PS/Sócrates e o seu Ministro perceberam ou tiraram qualquer conclusão da situação que o País e o mundo vivem? Zero! O Governo prossegue alegremente uma política agrícola e um ProDeR (Programa de Desenvolvimento Rural) onde, sob o imperativo da «competitividade», se liquidam, de facto, compensações e complementos do chamado segundo pilar da PAC para a agricultura dita não competitiva e liquidam-se também as produções e explorações ditas competitivas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PCP considera que o Estado Português deve, na União Europeia e noutras instâncias internacionais, impulsionar e apoiar as medidas que a FAO vem reclamando.
O PCP considera que o Governo deve desencadear um programa de emergência às carências alimentares que atingem já milhares de famílias.
O PCP considera que se deve promover uma profunda avaliação da situação agrícola do País que sustente outra PAC e outra política agrícola para o País. Uma política agrícola que garanta a soberania alimentar, a segurança alimentar, os rendimentos dos agricultores e os salários dos trabalhadores agrícolas, a coesão económica e social.
E há uma questão crucial que o País e a União Europeia devem colocar: a saída da agricultura da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Há quatro pedidos de esclarecimento. O primeiro é do Sr. Deputado Jorge Almeida, que tem a palavra.

O Sr. Jorge Almeida (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, mais uma vez o Sr. Deputado traz ao Plenário um discurso sem saída e dominado pelo pânico, pelo pessimismo e pelo negativismo. Um discurso objectivado para a «diabolização» de alguma instituição, neste caso, mais uma vez a União Europeia e a da Organização Mundial do Comércio.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, o que é sério é fazer uma avaliação rigorosa do que se passou e do que se está a passar neste momento. O que é sério é perceber a problemática conjuntural que advém do facto de ter havido em vários países do mundo um processo de más colheitas aliado às alterações climáticas. O que é sério é perceber as alterações estruturais que estão a acontecer em vários países emergentes no mundo, particularmente na China e na Índia, o que fez aumentar substancialmente o consumo de cereais e de carne produzida a partir do consumo destes e que levou a que a própria China, um País que era auto-suficiente, pela primeira vez, a importar no ano passado 400 milhões de toneladas de cereais.
O que é sério, Sr. Deputado, é perceber um outro factor importantíssimo que está a acontecer no mundo do comércio: é que a Europa cometeu o erro de ter deixado esgotar os seus stocks públicos de cereais e permitiu que, hoje, os stocks de cereais sejam essencialmente privados — e é aqui que entra o factor especulativo.
Esta identificação é importante para perceber que o factor especulativo entrou aqui, a União Europeia permitiu o esvaziamento de stocks públicos, permitiu que fossem até ao zero, e é perante esta análise séria e rigorosa da circunstância que é preciso pensar as medidas ajustadas para tomar. E tomámo-las; a União Europeia resolveu acabar com o set aside e incluir os 10% de terrenos em pousio para novas culturas e retirou os subsídios à exportação.

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Portugal aderiu a estas medidas, vai tentar reforçar o «healthcheck», a análise da PAC de 2003 para combater este problema. Portugal vai reforçar também com melhorias e ajudas aos sectores populacionais mais frágeis da nossa população.
Depois deste discurso pessimista, mais uma vez direccionado para tudo o que é mau e negativo, o seu discurso não tem saída, Sr. Deputado. Pergunto: perante este quadro difícil, o que é que o Sr. Deputado tem a dizer aos agricultores portugueses? Dizer mal de tudo, inclusivamente do futuro, o que é próprio de um partido passadista, ou dizer aos agricultores que têm aqui uma grande janela de oportunidade para aumentar o seu rendimento e reforçar o desenvolvimento rural?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Almeida, sobre esta matéria, era interessante que o Governo e os Deputados do Partido Socialista fizessem, pelo menos, aquilo que, embora hipocritamente, o Banco Mundial vai fazendo, que é «bater com a mão no peito» e dizer que há 20 anos que se engana nas políticas agrícolas que desenvolve.
Relativamente às causas da situação, vou dar-lhe uma informação que não referi na minha intervenção: o investimento total em fundos, indexados na bolsa de Chicago, em milho, soja, trigo, gado bovino e suíno aumentou para mais 47 000 milhões acima dos cerca de 10 000 milhões em 2006, de acordo com a imprensa de pesquisa agrícola.
A Comissão do Comércio de Futuros de Mercadorias promoveu, na semana passada, uma audição, em Washington, para examinar o papel que os fundos indexados a outros especuladores estão a desempenhar na elevação dos preços dos cereais. E não lhe vou falar — porque não tenho tempo — dos lucros brutais do conjunto das empresas transnacionais deste sector… Sr. Deputado Jorge Almeida, a União Europeia deixou esgotar o stock público de cereais?!... De quem é a responsabilidade? É do PCP? É dos anteriores governos do PS, dos Srs. Ministros da Agricultura e também dos governos do PSD/CDS-PP!! O Governo prossegue políticas para a pequena agricultura relativamente à liquidação, por exemplo, dos chamados apoios do segundo pilar para a agricultura familiar, como sabe, obrigatoriamente transformada e obediente às leis da competitividade, liquidando as medidas agro-ambientais que existiam, eliminando os apoios a explorações abaixo de 1 ha!! Sr. Deputado Jorge Almeida, sabe que o Banco Mundial diz que é preciso apoiar a pequeníssima agricultura?! Mas os senhores não ficam apenas pela agricultura familiar de subsistência que existe no nosso país: estão mesmo a liquidar a agricultura que dizem ser competitiva. Basta olharmos para o que aconteceu com a reforma da OCM do vinho e para aquilo que acaba de acontecer com a OCM do leite, em que este Governo aceita já a liquidação das quotas leiteiras, admitindo, inclusive, o aumento uniforme das quotas para todos os países da União Europeia — o que é inadmissível —, quando ele devia ser claramente discriminado para países como Portugal, que têm uma capitação de quota claramente inferior à da média europeia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Gonçalves.

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, gostaria de felicitá-lo pela matéria que traz a este Parlamento.
O Partido Socialista, até pela intervenção que acabámos de ouvir, continua a negar que a Política Agrícola Comum desenvolvida desde 1986 teve efeitos graves na nossa agricultura e a dizer que, face a esta crise alimentar, a situação não é preocupante e que se continua a especular em relação às notícias… No entanto, numa entrevista que deu ao Jornal de Negócios, o Sr. Ministro da Agricultura, quando lhe perguntam qual é o seu comentário face à escalada de preços, diz que a exposição de Portugal é enorme

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porque somos importadores líquidos, só produzimos 20% do que consumimos. De facto, a situação «não é preocupante»…! Até porque a questão da adesão à União Europeia teve um efeito muito positivo em Portugal, porque — veja-se bem! — em 1986 produzíamos 75% do que consumíamos e hoje só produzimos 20%...!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ora aí está!

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Gostaria de dizer que, hoje, a crise alimentar tem várias razões: há que ter em conta as questões do poder de compra de países como a China e a Índia, da especulação de preços e o facto de ter havido dois ou três maus anos agrícolas seguidos, mas também a questão dos biocombustíveis.
Gostaria de deixar alguns dados, por exemplo, relativamente aos Estados Unidos, que produzem 40% da produção de milho a nível mundial, sendo que, em 2006, 20% desse milho dos Estados Unidos foi para a produção de bioetanol.
O preço dos cereais não é só por causa do milho e dos restantes cereais que já estão a ser encaminhados para a produção de biocombustíveis. A questão da especulação também se baseia muito nas metas que foram apontadas. Por exemplo, só os Estados Unidos prevêem aumentar em sete vezes a produção do bioetanol para os próximos anos. Portugal tem uma meta de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis fósseis até 2010 de 10%, bastante acima da meta da União Europeia — onde é de 5,75%. Por isso, pergunto se Portugal, face a esta situação, não deveria deixar cair a meta dos 10% e fazer sair a portaria, que está para breve, de atribuição de isenção do imposto sobre produtos petrolíferos para o bioetanol já para 2009.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Gonçalves, julgo que é uma evidência que o País e o Governo deveriam suspender imediatamente o programa que têm em matéria de agrocombustíveis, procedendo a uma revisão de fundo e tratando, inclusive, este problema no âmbito da União Europeia em função dos dados da Agência Europeia para a Energia, que levantou dúvidas relativamente ao desenvolvimento deste projecto.
Devemos começar por criticar este Governo porque não só enfileirou, sem qualquer reflexão, nesta matéria, relativamente à situação das características agricultura portuguesa, como resolveu logo ir, com a farronca conhecida, mais à frente, propondo uma meta superior àquela que a União Europeia determinava, sendo sempre «mais papista do que o Papa» nestas questões.
Devemos dizer que esta questão dos agrocombustíveis levanta ainda um outro problema energético central na resolução dos problemas de energia: é porque estamos a avançar com a criação de combustíveis para acrescentar à fileira petrolífera, rumo que não se desliga do grande problema da dependência do petróleo e da energia na base do sector petrolífero.
Uma vez que o Deputado José Miguel Gonçalves falou deste problema, gostaria de referir a redução de produção de alimentos no País, com as consequências a que hoje estamos a assistir. Pelos vistos, é um «problema europeu» para o Deputado Jorge Almeida..., mas, de facto, é um problema também relativo às políticas nacionais!! Gostaria de recordar o problema do desligamento das ajudas à produção, cujas consequências não se prenderam com a ignorância dos governos. Quer o anterior governo do PS, quer o do PSD/CDS-PP, quer o actual governo do PS têm um estudo no Ministério da Agricultura, que foi distribuído, que previa como consequências para o desligamento das ajudas o seguinte: nas culturas arvenses de sequeiro — cereais, oleaginosas e proteaginosas —, a paragem da produção poderia atingir 61% do número de explorações e 59% da área; nas culturas arvenses de regadio e arroz 11% das explorações, 33% de área; na carne de vaca, 33% das explorações, 57% dos efectivos; nos bovinos 22% das explorações e 7% do efectivo; e nos pequenos ruminantes 17% de explorações e 21% do efectivo.
Não foi um problema de ignorância, mas de opções políticas, de seguidismo relativamente à União Europeia, com gravíssimos problemas e riscos para a agricultura portuguesa!!

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, sublinhou, ao longo da sua intervenção, algumas das razões fundamentais para o aumento dos preços nos mercados mundiais. Creio que o Parlamento constatou, hoje, que o Partido Socialista nos dá garantias para as quais não tem crédito, nomeadamente quando nos pede para que esperemos que a União Europeia ajude a resolver um problema que ela ajudou a criar.

Vozes do BE e do PCP: — Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Se alguém espera que a reforma da PAC possa contribuir para a solução dos problemas da alimentação melhor fará em «esperar sentado». A PAC financiou o fim das explorações agrícolas, pagou a destruição de culturas, ajudou à diminuição da produção de bens alimentares e, em vez de ajudar a criar emprego, a aumentar a produção dos bens fundamentais, destruiu produção.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Há pouco tempo, a Europa destruía leite, lacticínios, que são necessários em todo o mundo para a alimentação de tanta gente. Por isso, Sr. Deputado, estou de acordo com o fundamento da sua intervenção.
Quero, sobretudo, questioná-lo sobre um outro problema. O Governo prevê uma inflação para este ano de pouco mais de 2%. Terminados os primeiros quatro meses deste ano já estamos em 3%. O aumento dos preços da habitação, da alimentação, de muitos outros bens de referência para o cabaz fundamental das famílias, em particular das mais pobres, demonstra que a derrapagem da inflação vai atingir os que têm mais dificuldades. O aumento do preço do arroz, do leite, do pão, das massas, das farinhas e dos óleos está, em muitos casos, acima de 30%, no ano de 2007 e, em 2008, ainda atinge níveis superiores.
Foi por isso que o Bloco de Esquerda propôs que, para corrigir os erros do índice geral da inflação, se introduzisse um índice de urgência social que pudesse determinar, para os medicamentos, a habitação e, sobretudo, os alimentos, a incidência do aumento dos preços sobre as famílias mais pobres.
Não podemos continuar a aceitar que a pobreza seja vitimada por esta política inflacionária que é um imposto contra os mais pobres — aliás, ainda no último fim-de-semana, o Ministro da Agricultura se encheu de orgulho para propor um aumento do preço da carne em mais 7%...!

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — O Governo é um motor do aumento dos preços, promove e apoia o aumento dos preços nos bens mais necessários, naqueles que mais atingem os mais pobres.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — É por isso que a inflação tem de dizer verdade — e dizer verdade é assinalar o custo do que é mais importante para a maioria das famílias que são as mais pobres — e por isso é que este índice de urgência social é tão importante para o futuro. Gostaria de conhecer a sua opinião a este respeito, Sr. Deputado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, começo por dizer que é uma evidência a necessidade de o Governo actualizar, rapidamente, a taxa de inflação e outros índices da

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economia portuguesa — e actualizá-la corrigindo-a na base da sua estrutura de cálculo, em função do índice de preços ao consumidor e do Inquérito aos Orçamentos Familiares, recentemente publicado pelo INE —, pois, só isso, traduzirá um diferencial significativo para muitos milhares de famílias portuguesas e deverá ter como consequência lógica e imediata a revalorização adequada dos salários e das pensões mais degradadas.
O Sr. Deputado falou ainda do quadro em que se perspectiva a actual reforma da PAC. De facto, podemos dizer que o que aí vem não é para termos grandes esperanças, a não ser que haja um outro movimento de fundo por parte de cada país ou de um conjunto de países ao nível das negociações agrícolas na União Europeia.
É porque esse quadro que a Comissária vem impulsionando é o quadro de negociações que acontece neste momento ao nível da Ronda de Doha da Organização Mundial do Comércio, ronda esta na qual o Presidente da OCDE, importante organismo que tem uma influência decisiva nesta matéria, defende, exacta e espantosamente, uma rápida e maior liberalização do comércio mundial, isto é, propõe como solução «deitar gasolina no fogo», propõe como solução uma medida que é a principal responsável pela situação em que os países e o mundo hoje se encontram em matéria de alimentação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, traz V. Ex.ª aqui hoje uma questão de extrema actualidade e de grande preocupação para todos nós, pelo que obviamente não deve deixar de merecer a nossa maior atenção.
Há é necessidade de retomar aqui um discurso de verdade que não tem sido feito, sobretudo por parte do Governo.
Estamos numa situação de crise grave em termos económicos, assim como em termos alimentares. Em termos económicos, porque temos necessidade, por um lado, de consumir combustíveis — e isso é difícil de reduzir, drástica e momentaneamente — e, por outro, de encontrar alternativas aos combustíveis fósseis, o que, como referiu, está a levar a uma procura excessiva de cereais para este efeito e, consequentemente, a provocar situações de fome.
Porém, neste aspecto económico, a reacção do Governo tem sido a de dizer: «não, está tudo bem, não há qualquer problema», o que é a pior resposta que se pode dar a um problema quando ele existe.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Relativamente à questão social, temos, neste momento, um problema de fome, em Portugal, mas que, infelizmente, não deriva ainda da falta de bens essenciais, nomeadamente dos cereais, mas, sim, da falta de dinheiro para poder comprá-los — este, sim, é o grave problema! Felizmente, o nosso é um país solidário — verificámo-lo no fim-de-semana passado, com o resultado da recolha de bens por parte do Banco Alimentar contra a Fome.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A caridade não resolve o problema!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Necessário era que houvesse um apoio ao voluntariado. Daí que, muito em breve, o Grupo Parlamentar do CDS-PP vá apresentar medidas legislativas no sentido de um apoio concreto a esse voluntariado — isto após termos trabalhado com o grupo de trabalho do voluntariado, do qual eu próprio fiz parte, dentro do partido.
Sr. Deputado Agostinho Lopes, gostaria de colocar-lhe algumas questões.
Há cerca de dois anos, os cereais não eram estratégicos para o Ministro da Agricultura; hoje, verifica-se que o grave problema da agricultura portuguesa é a falta de cereais.

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Porém, para essa falta de cereais, não há solução por parte da agricultura portuguesa nem por parte do Ministério da Agricultura nacional, pois este não tem uma política agrícola nacional — apesar de termos terrenos aptos para a produção de cereais, eles estão a ser utilizados para a plantação do olival…!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E quando foram governo, o que é que os senhores fizeram?!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Ainda ontem, ouvimos o Sr. Ministro dizer…

O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.
Ainda ontem, ouvimos o Sr. Ministro dizer que, agora, a madeira do pinheiro, uma vez que está contaminada com o nemátodo do pinheiro, vai abastecer centrais de produção de biocombustíveis…! Assim, o sinal que este Governo está a dar à floresta e aos agricultores é dizer: «o vosso produto, que deveria ser de excelência, é utilizado apenas como resíduo para ser queimado em centrais de biomassa».
Sr. Deputado Agostinho Lopes, esta é a política que está a ser seguida. Diz V. Ex.ª que estamos com um problema de fome e de falta de cereais e que, para resolver este problema, deveria haver imediatamente uma alteração da política agrícola comum. O que lhe pergunto é se não tinha era de haver uma política agrícola nacional e não uma mudança da política agrícola europeia.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Abel Baptista, gostaria de começar por dizer que, não desvalorizando iniciativas como a do Banco Alimentar e outras, julgo ser necessário uma intervenção de emergência do Estado português no sentido de assegurar a todos os cidadãos, com a salvaguarda da sua dignidade e não os considerando apenas como receptores de esmolas, um mínimo para que as suas famílias sobrevivam, do ponto de vista alimentar.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Uma segunda questão tem a ver com o seguinte: o problema, Sr. Deputado, é que o Governo não diz apenas que está tudo bem; o Governo prossegue a política que levou o País a esta situação! O Sr. Ministro, na entrevista já aqui hoje referida, diz que hoje o País produz 20% dos cereais que consome. Ora, em 1991, produzia 50%! Em 15 anos, as políticas agrícolas de direita, neste país, pelas quais os senhores também são responsáveis, eliminaram uma taxa de suficiência do País nesta matéria em 30 pontos percentuais!!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Aí, tiveram a vossa quota-parte de responsabilidade!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — E, do nosso ponto de vista, não basta apresentar desculpas com a política agrícola europeia relativamente à política agrícola nacional, nem com política agrícola nacional relativamente à política agrícola europeia.
Julgamos que, na União Europeia, é necessário defender outra PAC, que garanta a segurança alimentar e a soberania alimentar, distinguindo aqui entre a segurança alimentar, na base das condições higienosanitárias, e a soberania alimentar como aquele mínimo de que um país necessita de ter para garantir a sua independência, como conceito estratégico — e, infelizmente, as políticas de direita eliminaram este conceito de soberania alimentar do conceito estratégico de defesa nacional no nosso país.
Portanto, não basta lutar na União Europeia por uma outra PAC — e devemos fazê-lo! —, mas temos de inverter completamente as políticas agrícolas no nosso país, no sentido de valorizar tudo aquilo que este país

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pode produzir — e pode produzir muito! Basta lembrarmo-nos do crescimento brutal de terra agrícola a monte, por este país fora, de norte a sul, para lá de toda aquela que está claramente ocupada com culturas, não diria inúteis mas que não respondem a este problema da soberania alimentar, produções estratégicas, ou mesmo outro tipo de usos. Como sabemos, está em curso a ocupação de grandes áreas deste território, com boas terras agrícolas, quer por planos de urbanização, quer por plataformas logísticas, quer por projectos turísticos de alto luxo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O acesso a cuidados de saúde de qualidade e em tempo, clínica e eticamente, aceitável a todos os cidadãos, em todo o País, deve ser a preocupação central de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) que pretende ser universal.
É certo que os indicadores, na qualidade dos serviços prestados, melhoraram muito nos últimos tempos, sobretudo, na área da saúde materno-infantil, neonatal e perinatal.
Mas é certo e é grave que o Serviço Nacional de Saúde tem falhado redondamente no seu propósito universalista. E destaco duas situações inaceitáveis: em primeiro lugar, o tempo de espera para primeira consulta de especialidade e o tempo de espera para cirurgia. Neste domínio, os números atingem, hoje, níveis que não podemos tolerar: cerca de 400 000 portugueses aguardam meses, anos, por uma primeira consulta de especialidade e mais de 200 000 aguardam por um acto cirúrgico. É isto um Serviço Nacional de Saúde universal? Em 2003, o Governo de coligação PSD/CDS, perante números muito menos assustadores do que os actuais, deu um passo histórico para combater as listas de espera de cirurgia. Para esse efeito, elaborou um Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), que, desde então, tem vindo a permitir reduzir as listas de espera em cirurgia. Mas foi necessária lucidez para compreender a urgência e vontade política para encontrar uma solução.

Aplausos do CDS-PP.

Hoje, encontramos o seguinte panorama: numa área especialmente afectada, como é oftalmologia, temos 30 000 portugueses à espera de uma cirurgia às cataratas. Estamos a falar de idosos, para quem cada dia conta, para quem um Estado de Direito tem a obrigação de proporcionar a cura.
O sistema nacional de saúde assenta na complementaridade entre o público, o privado e o social. De 2006 até agora, o SNS só reduziu em 2000 a lista de espera para cirurgia. A este ritmo, só daqui a cerca de 30 anos é que conseguiríamos reduzir a lista de espera para cirurgias oftalmologistas.
Perante esta manifesta incapacidade do SNS, tal como está actualmente organizado, em resolver o problema em tempo útil, há que encontrar uma solução, mas uma solução urgente.
Ora, o sector social tem capacidades técnicas e humanas instaladas para realizar cerca de 3000 operações por mês — e isto ao preço convencionado para o SIGIC. Mas em três anos — três anos! —, o Governo nada disse, nada fez para reduzir estas listas de espera.

Vozes do CDS-PP: — É uma vergonha!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Foi necessário passar estes três anos e que autarquias começassem, uma após outra, a organizar excursões a Cuba para a realização de operações às cataratas, para que o Governo viesse, hoje de manhã, reconhecer que se trata de um problema que carece de solução urgente. Mas essa solução… nem vê-la! Até agora, repito, a única solução apresentada foi a contratualização de 2900 cirurgias com a Cruz Vermelha Portuguesa — e 2900 não por mês, mas até ao fim do ano. Ora, isto são apenas 10% dos inscritos para cirurgia. É esta a noção socialista de urgência.

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Em segundo lugar, o cancro é um flagelo mundial e a segunda causa de morte em Portugal. Todos os esforços são poucos para combater esta tremenda dor que afecta tantas pessoas, com impactos inimagináveis em qualquer sociedade.
Em 2001, foi aprovado o Plano Oncológico Nacional, válido para o período entre 2001-2005. Em 2005, foi criada a coordenação nacional para as doenças oncológicas, com a atribuição específica de desenvolver, coordenar, dirigir e avaliar a execução do Programa Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas. Lembro que o Plano Nacional de Saúde 2004-2010 se refere expressamente a este Programa Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas. Em Junho de 2005, foi nomeado o coordenador nacional para as doenças oncológicas, com os objectivos específicos de coordenar, dirigir e avaliar o Programa Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas.
Lê-se ainda, no Programa do Governo e no Plano Nacional de Saúde, que a luta contra o cancro é uma das prioridades socialistas. Mas se observarmos o panorama actual verificamos que não há programa de prevenção e controlo das doenças oncológicas.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Uma vergonha!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Desde 2005 — há três anos! — que Portugal não tem um plano de combate às doenças oncológicas.
É este o conceito socialista de prioridade!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, depois das afirmações que fez, não posso deixar de lhe fazer alguns pedidos de esclarecimento.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — E de desculpa!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Diz a Sr.ª Deputada que o Governo nada fez para resolver o problema das listas de espera.
Ó Sr.ª Deputada, vou dar-lhe apenas alguns números: a lista de inscritos de cirurgia geral, em 31 de Dezembro de 2005, tinha 242 000 pessoas e a mediana do tempo de espera na mesma data era de 8,6 meses; em 31 de Dezembro de 2007, a lista de inscritos em cirurgia geral tinha 199 000 pessoas e a mediana de tempo de espera era de 4,3 meses…! O Governo nada fez, Sr.ª Deputada? Penso que esta informação basta para a Sr.ª Deputada perceber que eu não podia ficar calada perante as suas afirmações.
Em 2005, foram operados, no Serviço Nacional de Saúde, 275 000 doentes; em 2007, foram operados 403 000 doentes.
O Governo nada fez, Sr.ª Deputada?

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não! Nem fez este nem fez o anterior!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Penso que estes dados revelam que se está a operar mais, que se está a diminuir o número de inscritos nas listas de espera e também que a mediana do tempo de espera baixou.
É claro que há áreas com problemas, Sr.ª Deputada, sobretudo no que toca ao acesso à primeira consulta.
Evidentemente que há! Mas também aí o Governo, com o programa «Consulta a tempo e horas», vai fazer o mesmo que fez no plano das cirurgias.
Hoje a Sr.ª Deputada teve oportunidade de ouvir a Sr.ª Ministra da Saúde dizer, na Comissão de Saúde, que está para breve a apresentação de um plano de acesso à oftalmologia. O Grupo Parlamentar do Partido

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Socialista está de acordo com o facto de este plano privilegiar o serviço público, Sr.ª Deputada. Compreendo que esta decisão possa, de certa forma, desapontar o CDS, mas nós estamos muito contentes com o anúncio que a Sr.ª Ministra fez hoje! Em relação ao Plano Oncológico Nacional, deixe-me dizer-lhe que, sinceramente, não consigo entendê-la, Sr.ª Deputada. Existe um Plano Oncológico Nacional que termina em 2010 e é revisto em cada cinco anos.
Este Plano existe, a par de outros, como o Programa Nacional de Luta Contra a Combate ou o Programa Nacional de Saúde Materno-Infantil.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, faça favor de concluir.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Concluo já, Sr. Presidente.
Por isso, sinceramente, não consigo compreendê-la, Sr.ª Deputada, porque até o Plano Nacional de Saúde, que terá o seu término em 2010, integra todos estes planos e tem nele definidas as metas e prioridades, sendo que as doenças oncológicas são nele uma prioridade.
Sr.ª Deputada, a única pergunta que lhe quero deixar é a seguinte: isto é o CDS a criar mais um facto político artificialmente?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, não fosse eu conhecê-la e acharia uma ousadia as palavras que disse ao pretender afirmar que afinal está tudo bem, que não há problemas…

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Eu não disse isso!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — … como se os problemas no sector da saúde fossem factos criados artificialmente pelo CDS.

Vozes do CDS-PP: — Exactamente!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Deputada, só os senhores é que não vêem a realidade. As pessoas têm de «dar a volta ao mundo» para serem operadas às cataratas, uma operação que se faz em meia hora… As pessoas sentem-se totalmente desprotegidas, mas os senhores afirmam que é um problema criado artificialmente pelo CDS.

Protestos da Deputada do PS Maria Antónia Almeida Santos.

Sr.ª Deputada, a grande diferença aqui é o vosso conceito de urgência e o vosso conceito de prioridade, porque os senhores consideram que, sim senhora, é urgente tratar da questão da lista de espera para a cirurgia às cataratas, mas só ao fim de três anos é que chegaram a essa conclusão.
Para nós, urgente é detectar o problema e encontrar uma solução, como a solução que arranjámos em 2002 e 2003 com o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos em Cirurgia (SIGIC), que os senhores — e bem! — aproveitaram. Foi esse mesmo SIGIC que permitiu uma redução na lista de espera.

Protestos da Deputada do PS Maria Antónia Almeida Santos.

Uma solução urgente prende-se com o que acabo de referir: o nosso conceito é detectar o problema e atacá-lo, não é deixar as coisas como estão.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — O que nos distingue, Sr.ª Deputada, é o conceito de prioridade. Para nós, prioridade — e o combate às doenças oncológicas tem de ser uma prioridade — é estabelecer um plano nacional.
Ora, se calhar a Sr.ª Deputada não viu bem, mas o Plano Oncológico Nacional é de 2001 a 2205. Por isso, se consultarmos o Plano Nacional de Saúde, para o período de 2004 a 2010, para nele tentarmos encontrar o actual Plano Oncológico Nacional, não conseguimos encontrá-lo. Dizem que está a ser revisto…, o certo é que o mesmo acabou em 2005, ou seja, há três anos!! Esse não é o nosso conceito de prioridade, Sr.ª Deputada, mas tenho todo o gosto em entregar-lhe o Plano Oncológico Nacional, que acabou em 2005. Talvez os senhores possam inspirar-se nele, para fazerem o vosso.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, saúdo-a e associome a si neste grito de alerta em relação ao problema das listas de espera, quer cirúrgicas quer de consulta, nos hospitais portugueses.
Como V. Ex.ª sabe, o Governo português dispõe há vários meses de um relatório circunstanciado na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, de um relatório circunstanciado da Direcção-Geral de Saúde e de uma informação muito completa da Entidade Reguladora da Saúde, documentos que permitiram que, ainda esta manhã a Sr.ª Ministra nos tenha confirmado que existem 382 000 portugueses que aguardam a primeira consulta de especialidade nos nossos hospitais e que existem 200 000 portugueses que aguardam a cirurgia que resolva os seus problemas de saúde.
Ora, o Governo recusa-se a disponibilizar estes dados à Assembleia da República, sequestrando estas informações e fazendo delas um jogo político pouco lícito.
Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, de acordo com as informações de que dispomos e de que V. Ex.ª privilegiadamente dispõe, a primeira questão que gostaria de lhe colocar é se existe ou não a capacidade instalada em Portugal para resolver o problema quer das consultas de especialidade quer das cirurgias que aguardam em lista de espera.
Segunda questão: está V. Ex.ª de acordo que se aplique em Portugal aquilo que já é decisão uniforme do Tribunal Europeu de Justiça, que determina que um doente que não pode receber no seu país o tratamento de que necessita, ou que está sujeito a uma espera excessivamente longa, deverá poder obtê-lo em qualquer ponto da União Europeia, a expensas do sistema de saúde do seu país? Pergunto-lhe, pois, se esta proposta seria eventualmente abraçada também pelo CDS.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Finalmente, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, quanto ao Plano Oncológico Nacional, gostaria de confrontá-la também com uma informação que aguardamos há dois anos e que é fundamental para a resolução do problema das listas de espera em cirurgia em oncologia, que é o novo traçado da rede de referenciação oncológica, que não está feito. Sabemos (e estamos «ameaçados» há dois anos por este Governo) que o Governo se prepara para reduzir os 20 pontos de oncologia a nível nacional para cinco pontos em termos nacionais, voltando a afastar a oncologia das populações.
Era sobre estas questões que gostaria de saber a sua opinião, Sr.ª Deputada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

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A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda, agradeço as questões pertinentes que colocou e começo por dizer que, de facto, é verdade, estas informações curiosamente normalmente resultam de entidades exteriores ao próprio Ministério da Saúde. Um dos elementos fundamentais foi exactamente o relatório do Tribunal de Contas, que veio sinalizar estes números inconcebíveis.
Mas há outro aspecto, Sr. Deputado: como compreenderá, estamos a falar em 30 000 pessoas à espera de cirurgia oftalmológica, mas não sabemos se este é o número real. Pensamos que não deve ser porque há 116 000 pessoas que estão à espera da primeira consulta dessa especialidade. Ora, de entre estas 116 000 pessoas, certamente que muitas estarão a necessitar de uma intervenção cirúrgica.
O que nos distingue do Governo socialista é que, quando estivemos no governo e foi detectada a necessidade de intervir com urgência nas listas de espera para cirurgia, apelámos a todas as capacidades instaladas no país. Através do SIGIC, a complementaridade entrou em vigor, recorrendo ao sector privado ou ao sector social, sem prejuízo de se tentar esgotar todas as capacidades do público.
Foi esta a lucidez que, penso, tivemos, mas que o Governo socialista não foi capaz de demonstrar.
Em relação à pergunta sobre se existe capacidade instalada, penso que existe capacidade instalada. Por um lado, é evidente que as capacidades instaladas no sector público não estão nem pouco mais ou menos esgotadas.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Exactamente!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — E as reformas que têm vindo a ser levadas a cabo não são eficazes.
Não podemos, por exemplo, permitir que existam 51 serviços de oftalmologia espalhados pelo País e que nenhum deles funcione ou que funcionem com um horário das 14 horas às 16 horas. Isto é inconcebível, Sr. Deputado! Claro que existem outras capacidades que também não estão a ser aproveitadas, tanto no sector privado como no sector social. O sector social, Sr. Deputado, entregou há mais de um ano ao Ministro Correia de Campos uma proposta de parceria para colaborar com o Governo na resolução do problema das listas de espera. Portanto, tem capacidade instalada, têm 100 médicos capazes de fazer 3000 cirurgias por mês, ao valor que está contratualizado para efeitos do SIGIC!!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — O que significa que não sai mais caro ao Estado, porque quando é o próprio Estado a fazer as cirurgias também gasta dinheiro.
Por isso, em nosso entender, só por uma questão de absoluto preconceito é que ainda não se recorreu a estas capacidades instaladas, o que me leva a responder à sua terceira pergunta sobre se estaria de acordo com o recurso a instâncias internacionais. Em relação a esta matéria, Sr. Deputado, devo dizer que tenho a certeza de que Portugal tem as capacidades necessárias para atender a todas estas necessidades, desde que esta matéria seja gerida de uma forma eficaz e sem preconceitos.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Por fim, relativamente ao tratamento do cancro, Sr. Deputado, esta noção de prioridade socialista é aterradora porque, se por um lado, se escreve que é uma prioridade, por outro lado, faz-se tudo ao contrário. É o caso da rede de referenciação ou do IPO de Lisboa, que está no estado em que sabemos, com as carências que conhecemos.
E depois temos esta questão emblemática de durante três anos existir um coordenador e uma autoridade nacional para a coordenação das doenças oncológicas e de não se terem sequer dignado a dar cumprimento aos despachos que os nomearam no sentido de fazer um plano nacional de prevenção. Isto é inconcebível e inaceitável!!

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao debate conjunto, na generalidade, das propostas de lei n.os 184/X — Aprova a Lei de Segurança Interna e 185/X — Aprova a Lei de Organização e Investigação Criminal.
Os Srs. Ministros da Administração Interna e da Justiça farão a apresentação sequencial dos dois diplomas e, depois, abriremos um período de perguntas, respectivamente, ao primeiro e ao segundo dos Ministros.
Para apresentar a proposta de lei n.º 184/X, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Rui Pereira): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nas sociedades modernas — e em Estados de direito democráticos, como o português —, a segurança é um direito fundamental dos cidadãos, constitui pressuposto da própria liberdade e corresponde a uma prestação essencial a que o Estado se obriga pelo contrato social. Não faz sentido falar em direitos, liberdades e garantias, no exercício da cidadania plena ou em desenvolvimento económico-social, esquecendo que o futuro não é viável sem a segurança de cada um dos membros da comunidade.
O Sistema de Segurança Interna que vigora em Portugal, criado no final da década de 80, nasceu numa conjuntura internacional e interna ultrapassada. Foi concebido ainda no quadro da Guerra Fria e da acção das organizações terroristas de inspiração ideológica. Por outro lado, o quadro legal que o regula contém várias omissões e imprecisões — por exemplo, as medidas cautelares e de polícia não correspondem às consagradas no Código de Processo Penal de 1987 e até o nome dos responsáveis e organismos de segurança interna está desactualizado.
As sociedades democráticas e abertas em que vivemos são, cada vez mais, sociedades de risco. As situações de perigo adquirem hoje novas dimensões que impõem estratégias de resposta inovadoras e globais. A emergência de fenómenos criminais complexos, designadamente a criminalidade de massa, a criminalidade grave e violenta, a criminalidade organizada e transnacional — dedicada aos tráficos de droga, pessoas e armas —, a criminalidade económico-financeira, a sabotagem, a espionagem e o terrorismo obrigam a uma revisão dos diplomas que regulam o Sistema de Segurança Interna e a Organização da Investigação Criminal.
No domínio da investigação criminal, é necessário reforçar a coordenação, assegurar a cooperação estreita entre todos os órgãos de polícia criminal (possuam eles competência genérica, reservada ou específica) e garantir, através da interoperabilidade de sistemas, a troca de informações segundo princípios de disponibilidade, competência e necessidade. Essa troca é conditio sine qua non do sucesso da investigação criminal, tanto no âmbito interno como no plano internacional, numa época em que a pequena criminalidade é, com frequência, a chave para a penetração em associações criminosas ou organizações terroristas.
Tendo presentes estas considerações, as propostas agora apresentadas são as seguintes: o Sistema de Segurança Interna continua a englobar o Conselho Superior de Segurança Interna, onde passam a ter assento, para além dos membros actuais, dois deputados designados pela Assembleia da República, o Secretário-Geral do SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa) e o Director-Geral dos Serviços Prisionais; o Procurador-Geral da República continua a participar nas reuniões, por sua iniciativa ou mediante convite; os ministros que tutelam os órgãos de polícia criminal de competência específica e os respectivos dirigentes máximos são chamados a participar nas reuniões, sempre que necessário.
O Secretário-Geral mantém-se na dependência do Primeiro-Ministro, que continua a poder delegar a sua competência no Ministro da Administração Interna. As únicas alterações relativas ao Secretário-Geral traduzem-se na sua equiparação a Secretário de Estado e na audição parlamentar prévia à nomeação, que implicam uma valorização do seu estatuto. O Secretário-Geral passa a possuir um conjunto de competências diferenciadas: de coordenação das forças e serviços de segurança; de direcção e gestão de certos recursos comuns e de controlo de eventos de elevado risco ou de incidentes táctico-policiais muito graves.
Em situações excepcionais, como ataques terroristas, acidentes graves ou catástrofes, os elementos de vários serviços e forças de segurança que intervenham na operação podem ser colocados sob comando operacional do Secretário-Geral, através dos seus dirigentes máximos. Para tanto, é necessária uma decisão fundamentada do Primeiro-Ministro, comunicada ao Presidente da República.
Continuam a existir os gabinetes coordenadores de segurança distritais, mas são criados também gabinetes coordenadores de segurança nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Estes organismos

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descentralizados são presididos directamente pelo Secretário-Geral e integram um representante do Governo Regional respectivo, para além dos responsáveis regionais pelas forças e pelos serviços de segurança.
Às medidas de polícia são acrescentadas novas figuras: a interdição temporária de acesso e circulação e a evacuação ou o abandono temporários de locais ou de meios de transporte. Às medidas especiais de polícia sujeitas a autorização prévia ou a validação judicial posterior, quando a autorização prévia não é possível, acrescentam-se, designadamente, a busca e a revista cautelares, as acções de fiscalização em estabelecimentos e as acções de vistoria ou instalação de equipamentos de segurança.
O regime preconizado para as medidas de polícia assegura o respeito integral de direitos, liberdades e garantias: a aplicação das medidas susceptíveis de afectar direitos, liberdades e garantias é objecto de autorização prévia de juiz; quando não seja possível obter essa autorização prévia, tem de haver comunicação ao Tribunal competente no prazo máximo de 48 horas; se houver violação dos requisitos legais, as provas recolhidas no âmbito das acções não podem ser utilizadas em processo; por fim, as medidas só são aplicadas quando necessário, pelo período de tempo estritamente indispensável para garantir a segurança e a protecção de pessoas e bens e desde que haja indícios fundados de preparação de actividade criminosa ou de perturbação séria ou violenta da ordem pública.
Por fim, o Conselho Coordenador dos Órgãos de Polícia Criminal é reformulado, passando a integrar, agora, todos os órgãos de polícia criminal, quer possuam competência genérica, reservada ou específica. Na verdade, não é possível coordenar órgãos de polícia criminal à sua revelia.
Para garantir uma boa cooperação entre os vários órgãos de polícia criminal são introduzidas, pela primeira vez, normas de resolução de conflitos de competência. Tais normas acolhem os princípios da especialização e da racionalização na afectação dos recursos disponíveis e são accionadas pelo Ministério Público ou pelo juiz, consoante a fase do processo.
O sistema passa a ser mais flexível, para responder às necessidades da investigação. Assim, são alargadas as competências da Polícia Judiciária através da possibilidade de deferimento da investigação de crimes que não se encontram no catálogo das suas competências reservadas. Em contrapartida, é mantida a possibilidade de deferimento noutros órgãos de polícia criminal da investigação de certos crimes da competência reservada da Polícia Judiciária. Todavia, uma parte significativa e nuclear dos crimes incluídos nesta reserva é insusceptível desse deferimento.
Para assegurar a exequibilidade do regime, permite-se que o deferimento de competências seja efectuado por despacho de natureza genérica do Procurador-Geral da República. Este despacho pode indicar, nomeadamente, os tipos de crimes, as suas concretas circunstâncias ou os limites das penas que lhes são aplicáveis.
Reforçam-se os poderes do Procurador-Geral da República, atribuindo-lhe a iniciativa neste domínio.
Assim, ele deixa de estar limitado às propostas conjuntas dos órgãos de polícia criminal, como até hoje sucedia. Além disso, pode delegar as suas competências nos Procuradores-Gerais Distritais, para estes, caso a caso, deferirem competências nos órgãos de polícia criminal.
Por outro lado, aprofunda-se o dever de cooperação entre os órgãos de polícia criminal e permite-se que todos colaborem no âmbito da Europol e da Interpol. Estes organismos, apesar de manterem a sua ligação privilegiada à Polícia Judiciária, possuem hoje competências que exigem a partilha de informações por outros órgãos de polícia criminal.
Esclarece-se também que o Sistema Integrado de Informação Criminal, previsto na lei desde 2000, não corresponde a uma base de dados única. Esse sistema é criado através da interoperabilidade de sistemas das várias polícias, que partilharão informações segundo os princípios da disponibilidade, da competência e da necessidade, mas sempre com salvaguarda do regime do segredo de justiça.
O Secretário-Geral passa a coadjuvar a presidência do Conselho Coordenador dos Órgãos de Polícia Criminal, a qual é atribuída aos Ministros da Justiça e da Administração Interna. Assim, cabe-lhe participar na preparação e na condução das reuniões. Além disso, vela pela cooperação, partilha de informações e disponibilização de meios e serviços. Porém, o Secretário-Geral nunca acede a processos-crime, a elementos deles constantes ou às bases de dados.
O regime agora preconizado respeita escrupulosamente os princípios do Estado de direito democrático consagrados na nossa Constituição. Nem o Secretário-Geral nem o Conselho Coordenador dos Órgãos de

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Polícia Criminal se podem imiscuir em investigações concretas ou processos determinados. Não têm acesso a informações e não podem emitir directivas, instruções ou ordens que incidam sobre tais processos.
Por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o passo que agora projectamos assenta num correcto balanceamento entre liberdade e segurança, garantindo uma prevenção e uma repressão do crime mais eficazes. Creio que a aprovação destas propostas do Governo será uma mais-valia na perspectiva da tutela dos direitos dos cidadãos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a proposta de lei n.º 185/X, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa): — Sr. Presidente, Srs. e Sr.as Deputados: A aprovação da Lei de Organização da Investigação Criminal por esta Assembleia, há oito anos, constituiu um marco relevante na evolução do nosso sistema de investigação criminal.
Em função do período decorrido, e das alterações verificadas e em curso, há agora actualizações e aperfeiçoamentos que se impõem. E algumas razões são bem evidentes.
Esta Assembleia aprovou em data recente a revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal, com novos tipos e novas soluções. Foi aprovada a Lei-Quadro e a primeira Lei de Política Criminal. Discutimos agora também a lei de segurança interna — e tudo isso exige a necessária adequação.
O balanço da aplicação da Lei de Organização da Investigação Criminal evidenciou áreas em que é preciso melhorar a solução dos problemas ou, por exemplo, a composição dos órgãos.
Não menos importante, a crescente internacionalização e a evolução recente do processo europeu neste domínio colocam novos desafios aos nossos órgãos da polícia criminal, nomeadamente àqueles que, pelas suas competências, mais contactos são levados a desenvolver com essas novas realidades. Isto é muito evidente quando se avalia o processo de expansão das competências da Europol e a sua própria reformulação estatutária, há poucas semanas concluída no Conselho de Justiça e Assuntos Internos.
As premissas fundamentais de que partimos são consolidadas: a actividade processual desenvolvida pelos órgãos da polícia criminal decorre na dependência funcional das autoridades judiciárias, mas sem vinculação orgânica e sem prejuízo da respectiva organização hierárquica, a qual se manifesta nas formas próprias do poder hierárquico.
Preserva-se também legalmente um nível de autonomia técnica e táctica, que já encontra hoje acolhimento, e orientada para o eficaz exercício das missões por parte dos funcionários designados pelas autoridades da polícia criminal.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro da Justiça: — Num sistema caracterizado pela pluralidade dos órgãos da polícia criminal, é fundamental delimitar o papel da lei e dos mecanismos de ajustamento mais finos a pôr em prática através de intervenções concretas.
No plano da lei, aperfeiçoam-se os conceitos que enquadram os diferentes papéis, reafirmando-se a Polícia Judiciária como o órgão de polícia criminal por excelência, as forças de segurança — Polícia de Segurança Pública e Guarda Nacional Republicana — como órgãos da polícia criminal indispensáveis para a investigação de um vasto número de crimes e, ainda, vários outros organismos como órgãos de polícia criminal vocacionados para a investigação de crimes inscritos em áreas ou actividades dotadas de assinaláveis especificidades.
Em linha com essa visão, constituem competência reservada da Polícia Judiciária os crimes graves e complexos. Mas a lei é chamada agora a distinguir — a lei e não qualquer autoridade — entre uma reserva absoluta, insusceptível de deferimento a outro órgão de polícia criminal, e uma outra em que o deferimento é possível, por decisão do Procurador-Geral da República ou por delegação sua, e no respeito de critérios legalmente densificados.
A proposta caracteriza-se neste domínio por duas inovações de significado: amplia a esfera de actuação do Procurador-Geral da República, que passa a dispor de iniciativa e não apenas a actuar sob solicitação —

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vigorando leis de política criminal e havendo apreciação parlamentar da sua aplicação, esta é a solução mais correcta; fixa índices legais específicos para a actuação desses mecanismos, o que não se verificava.
A proposta referencia as situações em que haja provas simples e evidentes, em que estejam verificados os pressupostos das formas especiais de processo ou em que incidam orientações sobre a pequena criminalidade ou a investigação não exija especial mobilidade de actuação ou meios de elevada especialidade técnica, e é nestas situações que se admite deferimento. Trata-se de evitar que a Polícia Judiciária perca operatividade em relação à sua vocação e responsabilidade nuclear, por se ocupar de processos de importância relativamente limitada.
Em sentido contrário, estabelece-se que não poderá haver deferimento se a investigação assumir especial complexidade, por força do carácter plurilocalizado das condutas ou da pluralidade dos agentes e das vítimas, se os factos tiverem sido cometidos de forma altamente organizada ou assumido carácter transnacional, ou se a investigação requerer, de forma constante, conhecimentos ou meios de elevada especialidade técnica.
Sr.as e Srs. Deputados: Um sistema de investigação plural cuja actividade esteja submetida aos efeitos de um processo de internacionalização crescente carece de formas de ligação mais eficientes aos sistemas com que interage. Formas que tenham em conta também a dinâmica dos serviços internacionais e europeus e das suas competências, como é bem visível no caso da Europol.
Daí que, sem quebra da responsabilidade básica nesse domínio, que continua cometida à Polícia Judiciária, se tivesse acentuado a natureza de um serviço prestado no interesse do conjunto do sistema, como o deve ser, e se tivesse previsto a adequada ligação, no âmbito das estruturas próprias, através de oficiais de ligação dos órgãos da polícia criminal de competência genérica e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em relação às quais o problema se coloca com uma acuidade maior.
No plano dos sistemas de informação — componente que é hoje de importância fundamental —, quer as concepções, quer também a realidade dos órgãos de polícia criminal evoluíram muito numa década.
O que se perspectiva nesta proposta não é uma solução de concentração numa base única de dados mas uma solução de interoperabilidade, com o acesso assegurado entre os vários órgãos de polícia criminal, segundo critérios de disponibilidade, de necessidade e de competência, com regras específicas e níveis de acesso bem definidos em diploma próprio, em que se respeitem todos os princípios constantes da decisãoquadro recentemente aprovada, e concluída sob a Presidência portuguesa, sobre a protecção de dados em sede de justiça e polícia.
Com objectivos de eficiência e economia, atribui-se ao secretário-geral de segurança interna a missão de velar pela coordenação, cooperação e efectividade da partilha de informações entre os órgãos de polícia criminal. Ao mesmo tempo, é-lhe atribuído, no âmbito do conselho de coordenação dos órgãos de polícia criminal, a missão de coadjuvar a respectiva presidência, por forma a assegurar a cooperação corrente e a disponibilização de meios e de serviços aos órgãos de polícia criminal. Daí a sua presença nesse órgão, cujas feições se mantêm, enriquecendo a participação.
Estas são opções incontornáveis no âmbito de um sistema composto de uma pluralidade de órgãos de polícia criminal.
As balizas ficam, no entanto, absolutamente claras: não pode haver, em qualquer caso, emissão de directivas, instruções ou ordens sobre processos determinados ou acesso a eles.
Os órgãos previstos têm por missão promover uma coordenação mais eficaz e uma cooperação mais estreita entre os órgãos de polícia criminal, mas devem fazê-lo ao serviço do Estado de direito e no respeito dos seus princípios fundamentais. E o sistema deve adoptar as garantias necessárias para que assim seja.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro da Justiça: — Como há uma década, devemos ter a consciência de que este não é o fim do caminho mas é, agora, um passo que actualiza e reforça o papel da lei, densifica os seus critérios, torna mais eficientes as soluções de coordenação, partilha e repartição, actualiza respostas no quadro internacional e informacional e amplia o papel cometido à Procuradoria-Geral da República, o que bem se harmoniza com as responsabilidades previstas na Constituição e na lei de política criminal.

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Como sempre, estamos abertos a contributos que permitam, em sede de especialidade, melhorar as soluções. É com este espírito que submetemos esta proposta à apreciação de uma Câmara que é a primeira guardiã dos direitos, liberdades e garantias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Ministros, o primeiro grupo de perguntas destina-se ao Sr. Ministro da Administração Interna, havendo dois Srs. Deputados inscritos.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, antes de mais, quero cumprimentá-lo.
Gostaria de lhe perguntar se já ouviu falar no BOPE, Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro. Trata-se de uma força que também é conhecida por «Caveirão», porque usa uma caveira e duas tíbias como símbolo ou emblema. Tem sido objecto de grande controvérsia no Brasil, pela forma atrabiliária e criminosa como actua nas favelas — vários mortos, muitos feridos, tortura sistemática de suspeitos —, e de denúncia frequente em vários relatórios da Amnistia Internacional, pela forma como actua, pela especial e incontida violência com que actua.
Há pouco tempo, a imprensa brasileira, nomeadamente O Globo, revelava alguns dos métodos de treino desta polícia, que tem uma música com o seguinte refrão: «O interrogatório é muito fácil de acabar/Pega o bandido e dá porrada até matar».
É com essa polícia que o nosso Grupo de Operações Especiais (GOE), segundo foi noticiado, se vai treinar em breve. A imprensa, sem desmentido do Ministério, noticiou que o GOE irá ter exercícios de treino com a força brasileira BOPE.
O que pergunto ao Sr. Ministro é se considera que o «Caveirão» é um modelo para o treino do nosso Grupo de Operações Especiais e se quer que ele acabe também a cantar aquele refrão.
À luz desta notícia, que não teve um desmentido — e, por isso, estou aqui a suscitá-la directamente a V.
Ex.ª, uma vez que já fiz um requerimento sobre esta matéria, o qual não obteve ainda resposta,…

O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Concluo de imediato, Sr. Presidente.
O que lhe pergunto, Sr. Ministro, é se entende que, à luz desta notícia, até agora não desmentida — espero que o seja agora —, não são de levar a sério as alegações das associações profissionais no sentido de que a filosofia da presente Lei de Segurança Interna desvaloriza a estratégia da polícia de proximidade, em função de estratégias de criação de corpos especiais de intervenção pontual,…

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — … e se o tipo de treino que se quer dar a este corpo especial não vem confirmar algumas das piores suspeitas que sobre o assunto se podem ter. A menos que V. Ex.ª nos sossegue a todos e venha dizer que tal não passa de um boato infeliz.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, na sua intervenção, veio fundamentar a proposta de Lei de Segurança Interna na segurança dos cidadãos e na necessidade de a salvaguardar. Mas, Sr. Ministro, quero dizer-lhe que, do nosso ponto de vista, a segurança dos cidadãos é muito estimável e não exige rigorosamente nada daquilo que o Sr. Ministro aqui veio propor. É que aquilo que se vem aqui propor não são mecanismos de melhoria das condições para a garantia da segurança e

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tranquilidade dos cidadãos, o que se vem aqui propor é um grau de concentração e de governamentalização das forças policiais e da própria investigação criminal que não tem precedentes ao longo do regime democrático…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — … e a criação de uma figura de secretário-geral, ou seja, de «PrimeiroMinistro» por interposta pessoa, com um grau de concentração de poderes policiais que são absolutamente desproporcionados, não havendo nada, rigorosamente nada, que o possa justificar.
De facto, esta proposta de lei reflecte uma multiplicação de estruturas, de gabinetes de coordenação, relativamente aos quais ainda estamos para perceber como se vão coordenar todos, uns aos outros, mas que acabam por «desaguar» na figura de um secretário-geral, o que significa que há, de facto, uma multiplicação de estruturas que, no fundo, vem baralhar aquilo que é essencial, ou seja, que é o secretário-geral do sistema de segurança interna que vai, efectivamente, controlar e coordenar tudo. E não é verdade que tenha apenas funções de coordenação, pois tem também funções de comando operacional, em situações — diz o Sr.
Ministro! — excepcionais, mas cuja excepcionalidade é o Governo, exclusivamente, que decide.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, Sr. Ministro, do nosso ponto de vista, estamos perante um passo muito inquietante de concentração de poderes no Governo, em matéria policial, o que reflecte uma deriva securitária a que não podemos, de forma nenhuma, associar-nos.
Para nós, Sr. Ministro, em nome da segurança, não vale tudo! A segurança, como disse, é um valor estimável, é um valor importante, o que não aceitamos é que se criem mecanismos legais que vão sacrificar liberdades fundamentais ou que representam um perigo para liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, sob a chantagem securitária, isto é, invocando a segurança não para salvaguardar, realmente, valores essenciais, em matéria de segurança dos cidadãos, mas para obter outros desígnios e outros objectivos que não podemos, de maneira nenhuma, aceitar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, a questão que colocou é de fácil resposta e, na realidade, o esclarecimento já foi feito, pela Polícia de Segurança Pública, antes ainda de o Sr. Deputado formular o seu requerimento, o qual será respondido nos termos normais. E a resposta dada foi a seguinte: ao contrário do que noticiou a comunicação social, a Polícia de Segurança Pública portuguesa não foi, não vai nem irá treinar com o BOPE. Eis a resposta!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Ainda bem!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Claro que isso não significa que não desenvolvamos projectos de cooperação com todos os Estados…

Vozes do BE: — Ah!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Ah! Afinal, vai!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Não, não! Mas isso não significa que não desenvolvamos projectos de cooperação com todos os Estados da CPLP. Aliás, já reunimos aqui, ao nível de chefes de

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polícia, com a minha presença, e não esteve cá ninguém do BOPE, estiveram cá os chefes das polícias e os ministros responsáveis pela administração interna.
Para que não restem dúvidas e, peço desculpa, para não dizerem, em aparte, «Afinal, vai!», repito: a Polícia de Segurança Pública não treinou nem vai treinar com o BOPE. Portanto, não tenciono aprender o hino que o Sr. Deputado trauteou.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Quanto ao que foi dito pelo Sr. Deputado António Filipe, quero dizer o seguinte: o secretário-geral não vai ter poderes «concentracionários»,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não!…

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … vai ter, em casos excepcionais, poderes de comando operacional. Mas esses casos não são decididos, arbitrariamente, pelo Governo — está enganado! —, são definidos na lei,…

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … isto é, são casos de atentados terroristas ou de catástrofes ambientais ou de grandes desastres, enfim, casos em que a falta de uma coordenação, controlo e comando operacionais é irresponsável, porque pode causar prejuízos gravíssimos a pessoas e bens. Nestes casos, quando o Governo vai para o comando único, não de todas as forças mas dos agentes envolvidos, tem de o comunicar fundamentadamente ao Presidente da República.
Diria, a terminar, Sr. Deputado António Filipe, se me permite, que V. Ex.ª, em relação a propostas de segurança, só as compreende — lamento ter de o dizer — com 10 anos de atraso. É que o Sr. Deputado, certamente, discordou da Lei de Segurança Interna que está em vigor…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Até o Sr. Ministro, na altura, deveria discordar.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … e que foi aprovada em 1987. Agora, certamente, concorda com essa proposta e discorda das propostas que são absolutamente necessárias para garantir a segurança interna.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas quem é que disse que concordávamos com essa?

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Concorda, visto que não pretende alterá-la.

O Sr. António Filipe (PCP): — Essa é a lógica da batata! O Sr. Ministro da Administração Interna: — Não, é a lógica do imobilismo…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Disso, de facto, não podemos acusá-lo!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … e a lógica de quem não compreende as alterações que são necessárias para garantir a segurança.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Passamos ao segundo grupo de pedidos de esclarecimento, agora dirigidos ao Sr.
Ministro da Justiça.
Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

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A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, apresentou-nos a Lei de Organização e Investigação Criminal e gostaria de colocar-lhe uma questão bastante concreta, porque dessa lei consta um artigo dedicado ao já tão prometido Sistema Integrado de Informação Criminal. Aliás, o Sr. Ministro da Administração Interna também fez referência a este Sistema.
Ficámos para já a saber, quer através da intervenção do Sr. Ministro da Justiça quer da intervenção do Sr.
Ministro da Administração Interna, que não é uma base de dados única, coisa que não é clara no articulado da lei.
Mas, como sabe, Sr. Ministro, trata-se de uma matéria muito sensível, pois estamos a falar de uma base de dados com toda a informação criminal, podendo alguma dela estar ainda sujeita a segredo de justiça.
Sr. Ministro, se não é uma base de dados, se são várias bases de dados e existe um Sistema, a pergunta impõe-se: quem vai tutelar o Sistema?

A Sr.ª Helena Terra (PS): — A lei é clara! Basta lê-la!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Depreendemos das palavras do Sr. Ministro da Administração Interna que será a tal figura – que afinal não tem assim tantos poderes como diz o Sr. Ministro – do todo-poderoso secretário-geral.
A questão que coloco é, pois, a seguinte: é o secretário-geral que tutela o sistema da base de dados, independentemente, Srs. Ministros, de ter acesso directo ou não a um processo concreto?

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Convém ler a lei!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Isso não nos descansa!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Se a lei não a descansa, o que é que a vai descansar?

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Isso não nos descansa absolutamente nada! A pergunta é, pois: quem tutela? Algum órgão de polícia criminal vai tutelar o Sistema? Será a Polícia Judiciária, como uma das polícias vocacionadas para a investigação policial?

O Sr. Presidente: — Tem que concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Não me diga, Sr. Ministro, que até há alguma hipótese – irei concluir, Sr.
Presidente – de vir a ser a PSP ou a GNR! Mas, Sr. Ministro, porquê um decreto-lei para regular a partilha e o acesso à informação? Por que não fica já tudo definido nesta lei? Por que não fica já tudo definido e com a transparência que o assunto requer? E, já agora, Sr. Ministro, no órgão próprio, que é a Assembleia da República! É que, pelo articulado da lei, ficamos sem perceber como é que vai funcionar este sistema das várias bases de dados!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, vou colocar-lhe duas perguntas muito concretas acerca da competência reservada da Polícia Judiciária no que diz respeito ao naipe de tipos legais de crimes.
A primeira pergunta tem que ver com o crime de extorsão.
Todos sabemos que esse crime, até 2000, foi da competência reservada da Polícia Judiciária. A partir de 2000, com a entrada em vigor da Lei de Organização e Investigação Criminal, a competência passou a ser «espalhada» – diria – por todos os órgãos de polícia criminal, designadamente a Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana. Isto é, perdeu-se a visão global do fenómeno da extorsão.

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A Sr.ª Helena Terra (PS): — Não é verdade!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Deu origem a que, a partir de 2000, Sr. Ministro, nunca mais tenhamos ouvido falar na investigação de redes organizadas de extorsão, designadamente das redes que eram classificadas e conhecidas, através da comunicação social, como as máfias de Leste…

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Não é verdade!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — … e toda a criminalidade envolvida.
Sr. Ministro, este é um crime de natureza complexa, muitas vezes altamente organizado e tem que ver com o que se passa nas noites de muitas das nossas cidades e com a criminalidade que acontece à noite em muitos espaços urbanos no nosso País.
Sr. Ministro, por que é que este crime não foi incluído como sendo de competência reservada da Polícia Judiciária, uma vez que a partir de 2000 passámos a ter, relativamente a este crime, somente a detecção localizada de extorsões singulares? A segunda pergunta tem que ver com o regresso à competência reservada da Polícia Judiciária da investigação de burlas às quais cabe uma pena, em abstracto, superior a 5 anos.
Todos sabemos que são milhares os processos que vão regressar à Polícia Judiciária.
Todos sabemos que isto implica uma investigação de grande complexidade.
Todos sabemos que a Polícia Judiciária não tem meios humanos nem meios laboratoriais suficientes para poder investigar estes crimes.
Sr. Ministro, pergunto-lhe se, juntamente com o regresso destes crimes à competência reservada da Polícia Judiciária, tem previstas medidas de aumento dos recursos humanos e dos recursos técnicos para que a Polícia Judiciária os possa investigar. Ou será que eles vão morrer nas secretárias da Polícia Judiciária nos próximos anos?

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, começando por responder à Sr.ª Deputada Helena Pinto, queria dizer-lhe que esse Sistema, que lhe suscita todas as interrogações que aqui nos apresentou, será objecto de uma proposta de lei de maneira a que a Assembleia, como disse no final da minha intervenção, tenha oportunidade de actuar como guardiã de direitos, liberdades e garantias.
Trata-se de um passo que vai ser dado e que é precedido de um outro, que vai ocorrer a breve trecho, que é o sistema de informação respeitante à área da justiça, onde se trata de organizar e de aprovar, nesta Assembleia, um regime de acesso e de protecção de todos os elementos relacionados com o andamento dos processos e os seus intervenientes, que já foi explicado na 1.ª Comissão e que será apresentado a esta Assembleia.
Desta forma, estes sistemas serão rodeados de um prévio escrutínio público e de deliberação por parte da Assembleia da República.
A nossa intenção não é no sentido de diminuir ou baixar o actual nível de protecção de direitos, liberdades e garantias, nomeadamente em matéria de dados pessoais, mas, sim, de reforçá-lo. E foi justamente nesse sentido que actuámos durante a Presidência portuguesa, levando ao fim o actual regime europeu de protecção de dados em matérias policiais e de justiça.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Tem que mudar a lei, Sr. Ministro!

O Sr. Ministro da Justiça: — Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Fernando Negrão, queria dizer que reconheço que a sua experiência pessoal, o seu contacto com esta matéria e a sua vivência concreta dos problemas da Polícia Judiciária certamente constituem um elemento digno de ponderação.

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Portanto, uma vez que o Sr. Deputado coloca essa questão e argumenta com elementos que concretamente conhece, eis um ponto – gostaria de dizê-lo aqui – que estamos abertos a discutir, na especialidade, como aliás outros pontos, porque a solução que queremos é, realmente, a que for a melhor para a investigação criminal e para a obtenção de resultados concretos.
Quanto à outra questão que colocou, devo dizer-lhe que estamos em vésperas do início da formação de 150 inspectores — no dia 22 iniciar-se-á essa formação. Também se vai iniciar, logo a seguir, a formação de 40 especialistas. Pensamos, com isso, reforçar e atingir um panorama completamente diferente no ano que vem, pelo que julgo que as perspectivas são animadoras nesta matéria.
Sabemos das deficiências que ao longo dos anos se foram registando, acumulando, sendo insuficientemente supridas, mas acreditamos que com as novas medidas e um novo impulso será possível melhorar a resposta. É esse o nosso objectivo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, realizamos este debate sobre a Lei de Organização e Investigação Criminal em cima de mais um episódio da crise da Polícia Judiciária.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — O Sr. Ministro vai dizer que a crise está superada porque nomeou um novo director. Mas não está, Sr. Ministro. Está tão superada agora como estava quando o Sr. Ministro nomeou o Dr.
Alípio Ribeiro para substituir o Conselheiro Santos Cabral. O que temos verificado é que a Polícia Judiciária tem vivido numa instabilidade permanente.
Relativamente ao que foi denunciado aquando da saída do Conselheiro Santos Cabral de director nacional de Polícia Judiciária, ou seja, que esta Polícia estava a braços com uma gritante falta de meios, por responsabilidade do poder político, que punha em causa aspectos essenciais da sua operacionalidade, foi afirmado pelo Governo que tinham sido tomadas medidas e que a situação estava ultrapassada.
Contudo, o que hoje verificamos é que sai mais um director nacional, a situação não se alterou…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — … e a Polícia Judiciária continua a ter grandes dificuldades. Não obstante o enorme profissionalismo e a enorme capacidade das pessoas que nela trabalham, continua a ver-se a braços, por responsabilidade do poder político, com uma grande dificuldade para cumprir mais eficazmente as suas missões.
Por isso, gostaríamos de saber, para além da nomeação de um novo director, que obviamente teria que ser feita, o que é que o Governo tenciona fazer para assumir as suas responsabilidades relativamente à Polícia Judiciária e permitir que ela tenha melhores condições de trabalho.
Há ainda uma questão essencial, Sr. Ministro, sobre a qual gostaríamos de obter uma resposta muito clara da sua parte.
Está em debate, na opinião pública, a questão da tutela da Polícia Judiciária. Aliás, o Dr. Alípio Ribeiro veio defender até uma tutela conjunta, isto é, no sentido de que apenas um ministério tutelasse todas as forças de segurança, incluindo a Polícia Judiciária.
Gostaria de saber, Sr. Ministro da Justiça, muito claramente, qual é a sua opinião acerca desta matéria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, queria apenas saber quem será o responsável directo pelo Sistema Integrado de Informação Criminal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, podemos olhar para os acontecimentos como uma sucessão de episódios, de acidentes de percurso e ver apenas, como hoje lembrava um jornal, que nos últimos 34 anos tivemos 16 directores da Polícia Judiciária e que nos 30 anos anteriores só tínhamos tido 3 directores da Polícia Judiciária. Trata-se de um contraste elucidativo para fazer uma interpretação sistemática do ambiente político em que se processa a vida das instituições e a nossa própria vida: três directores-gerais em 30 anos, 16 directores-gerais em 34 anos. Mas não é essa a questão relevante.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não pusemos essa questão!

O Sr. António Filipe (PCP): — É o resto!

O Sr. Ministro da Justiça: — A questão relevante não é o episódio, não é o incidente! A questão relevante é o impulso e o desenvolvimento institucional; é a aposta nas pessoas; é a aposta nos quadros;…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O que é que vai fazer?

O Sr. Ministro da Justiça: — … é a aposta naqueles que diariamente trabalham na Polícia Judiciária!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro da Justiça: — E essa aposta é feita com base num desenvolvimento próprio…

O Sr. António Filipe (PCP): — Quanto é que aposta, Sr. Ministro?

O Sr. Ministro da Justiça: — … e numa base que a própria lei permite.
Esse é – e o Sr. Deputado sabe-o bem – o momento relevante na vida de qualquer instituição e também na vida das forças e serviços de segurança! O Sr. Deputado tem acompanhado essa evolução ao longo de muitos anos e sabe bem o que é que isso significa! Portanto, não lhe fica bem apoucar o significado das evoluções institucionais e dos primeiros passos que são dados! Queria, pois, sublinhar essa aposta, essa novidade.
Quanto aos meios de que o Sr. Deputado sempre fala, gostaria de dizer-lhe que houve uma reposição das situações que, no âmbito da Polícia Judiciária, apresentavam mais dificuldades, como, por exemplo, no domínio da frota automóvel, tendo sido adquiridas 200 viaturas, e no plano das admissões, na medida em que, como disse, iniciam a sua formação mais 150 inspectores e 40 especialistas. É nossa intenção prosseguir esta política e afectar uma parte da nossa quota de contratação à admissão de mais inspectores para a Polícia Judiciária.

O Sr. António Filipe (PCP): — E a tutela?

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Deputado, há pouquíssimos dias, esta Assembleia aprovou — até suponho que esse artigo foi aprovado por unanimidade — a dependência da Polícia Judiciária do Ministro da Justiça.

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O Sr. António Filipe (PCP): — E qual é a sua opinião?

O Sr. Ministro da Justiça: — Saiba que isso faz parte do Programa do Governo, faz parte das leis da República e faz parte daquelas leis que, há poucas semanas, foram reafirmadas e aprovadas por esta Assembleia.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Fica registado, estamos entendidos!

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, a interoperabilidade de que falamos mantém os dados na titularidade dos diversos órgãos de polícia criminal. É esse o conceito e é isso que o distingue de outras figuras que estão actualmente consagradas. Mas V. Ex.ª poderá ocupar-se do tema, com todo o detalhe, quando vier a esta Assembleia a proposta de lei que referi há pouco.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao período das intervenções.
O primeiro orador inscrito é o Sr. Deputado Fernando Negrão, a quem dou a palavra.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: O quadro de ameaças e riscos à segurança dos cidadãos, da comunidade, bem como ao normal funcionamento das instituições democráticas, obriga o Estado a fixar uma orgânica institucional e a criar «ferramentas» adequadas à prevenção e combate dessas ameaças e desses riscos.
O Estado tem a obrigação de se organizar de forma a enfrentar «actores não estatais» que, em crescendo, vêm com ele concorrendo pelo monopólio do uso da força e, assim, evitar que outros poderes sejam exercidos no interior do seu território.
O sentimento de insegurança dos cidadãos acentuou-se, seja por via da ampliação comunicacional da criminalidade local e global, seja por via da tomada de consciência da vulnerabilidade das sociedades contemporâneas.
Há muito que o PSD vem alertando o Governo e a maioria PS para os novos fenómenos da criminalidade, para as suas características cada vez mais violentas e organizadas e para a consequente atmosfera de medo que se vem instalando.
A nossa preocupação (que, cremos, seja a preocupação de todos) é a de salvaguardar a liberdade dos nossos concidadãos e proteger os seus direitos individuais.
O sentimento de insegurança que marca a vida dos portugueses nos dias de hoje abala o nosso sistema democrático, diminui a liberdade e prejudica a economia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aprovadas que estão as leis orgânicas dos principais órgãos de polícia criminal, temos hoje em apreciação as propostas de lei da segurança interna e da organização da investigação criminal, cuja arquitectura não pode, nem deve, resumir-se às atribuições, competências, missões das polícias e seus órgãos coordenadores.
Embora estas constituam o seu «instrumento» decisivo, com funções constitucionalmente definidas, que são as de «(…) defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos», a isto deve acrescentar-se a indispensabilidade da participação individual e colectiva de todo o cidadão como dever de cidadania, bem como do Estado como tendo por obrigação, também nos termos constitucionais, «incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais».
Assim, falar de segurança interna não é fecharmo-nos nos quadros jurídico-constitucional e jurídicocriminal, é ir mais além! É buscar as respectivas raízes nos quadros não só da operacionalidade policial como da realidade social, cultural e económica, designadamente na realidade não de um só Estado mas na de vários Estados-fronteira face à desterritorialização da segurança e aos riscos eminentes de ameaças regionais, continentais e globais.

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Ao nível da redefinição do edifício legislativo hoje em apreciação — e anunciado nesta Câmara há já mais de um ano —, os dois diplomas em debate mostram-se essenciais para promover uma nova estruturação, coordenação e cooperação entre os vários órgãos da polícia criminal e entre agentes judiciários e policiais.
Contudo, o PSD mantém reservas na construção do modelo apresentado pelo Governo, que considera potenciador da governamentalização da investigação e da informação criminal, por um lado, e da disseminação de competências investigatórias, por outro lado.
A primeira reserva prende-se com o facto de não ser feita uma distinção clara entre segurança interna e investigação criminal.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — O que permitirá tratamento igual para as forças de segurança enquanto instrumento de manutenção da ordem pública ou enquanto órgão de polícia criminal com competência para a investigação criminal sob a dependência funcional do Ministério Público.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — A possibilidade que é dada à figura do «secretário-geral», através das competências de controlo e comando operacional bem como de direcção dos órgãos de polícia criminal, no âmbito da investigação criminal, fere o princípio da autonomia do Ministério Público, consagrado no artigo 219.º da Constituição.
Exige-se, por isso, que fique bem claro, em nome da credibilidade e da autonomia da investigação criminal, que nenhum órgão emanado do poder político possa ter qualquer competência ou possibilidade de interferência no exercício da investigação criminal.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — A segunda reserva, decorrente da primeira, é a que respeita ao acesso à informação, por parte do chamado secretário-geral, designadamente, quando na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º da proposta de lei lhe é possibilitado o acesso a praticamente toda e qualquer informação de natureza criminal, já que para garantir o acesso às informações necessárias, com vista a reforçar a colaboração entre as forças e serviços de segurança, tal implica, necessariamente, o conhecimento por parte do secretário-geral do respectivo conteúdo dessa informação.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Não é verdade!

Vozes do PSD: — É, é!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — E, ainda, na alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º, quando se diz competir ao secretário-geral «garantir a interoperabilidade entre os sistemas de informação das entidades que fazem parte do Sistema de Segurança Interna e o acesso por todas, de acordo com as suas necessidades e competências».
Pergunta-se: como será possível exercer esta competência sem ter conhecimento do conteúdo da dita informação?

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Esta é a questão!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — É esta, também, uma clara forma de intromissão nessa área — a investigação criminal —, que cabe a uma autoridade judicial realizar com plena autonomia.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Não é verdade!

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O Sr. Fernando Negrão (PSD): — É esta, também, uma clara forma de intromissão do poder executivo no âmbito da investigação criminal, que goza de um espaço próprio assegurado pelo princípio da autonomia, e que o PSD tudo fará para que não se concretize.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — A terceira reserva prende-se com a amplitude das medidas de polícia, que, para além de terem um âmbito mais vasto do que aquelas que se encontram previstas no Código de Processo Penal, contêm um menor grau de exigência no que respeita à sua aplicação.
Não se encontra devidamente clarificado se alguma dessas medidas de polícia é levada a cabo pelas forças de segurança no âmbito da Lei de Segurança Interna, ou no âmbito do regime previsto no Código de Processo Penal.
Não está devidamente clarificado o modo como se processa a autorização do juiz de instrução criminal, designadamente quando se afigura ser maior a exigência quando a aplicação deriva do Código de Processo Penal do que quando tem origem na proposta de lei da segurança interna.
E, questão crucial, está prevista a intervenção do juiz de instrução criminal sem se esclarecer quais os critérios que deve o juiz aferir para proceder à validação da medida e, mais grave, dada a validação do juiz no âmbito de uma mera autorização, fora do quadro processual de um inquérito, pode estar a ser criada a possibilidade de serem desenvolvidas actividades de investigação exteriores a quem tem a competência, dotada de autonomia, para a sua realização — o Ministério Público.
A quarta reserva é relativa à investigação criminal e sua operacionalidade e à ausência, na respectiva proposta de lei, da consagração do princípio de que o «sistema integrado da informação criminal» deve estar sediado no órgão de polícia criminal com competência para a investigação mais complexa e organizada, ou seja, a Polícia Judiciária.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — O PSD bater-se-á, por razões de eficácia no combate ao crime, para que a Polícia Judiciária se constitua como a força de segurança «gestora» da informação criminal, com a obrigação de, juntamente com os restantes órgãos de polícia criminal — definindo-se previamente níveis de acesso diferenciados —, proceder à sua recolha, análise e distribuição dessa informação.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há uma história, há uma tradição, na Assembleia da República, e mesmo fora dela, em que todos os partidos políticos, mormente os partidos que têm tido responsabilidades governativas, em diálogo, fazem um esforço de consensualização de forma a não só obter as melhores soluções mas, sobretudo, a conferir estabilidade a essas mesmas soluções.
É que a estabilidade das soluções na área da segurança significa a estabilidade da própria segurança e, também, a estabilidade do próprio sistema e da nossa democracia.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Ministro, já aqui o desafiámos para discutir várias questões. V. Ex.ª não consegue ter abertura, sobretudo para discutir uma matéria fundamental, ou seja, o novo modelo que o Governo anunciou. Vem discutir leis orgânicas antes de discutir a lei estruturante do sistema de segurança, que é a Lei de Segurança Interna.
O Partido Socialista tem hoje, conjunturalmente, maioria absoluta na Assembleia da República, mas não deve confundir essa maioria absoluta com o poder absoluto e não deve confundir o exercício dessa maioria absoluta com o facto de, numa matéria de Estado e de soberania, podermos alcançar a estabilidade dos normativos que se lhe aplicam.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr. Presidente, Srs. Ministros da Justiça e da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que aprova a lei da segurança interna, hoje trazida à discussão nesta Câmara, é mais do que bem-vinda, é, sobretudo, mais uma conquista na luta pela qualidade da administração da justiça e da segurança em Portugal.
A Lei da Segurança Interna vigente até hoje data de 1987 e, se outra razão não houvesse, a passagem de mais de duas décadas justifica a revisão hoje apresentada, especialmente quando nos debruçamos sobre uma das áreas mais sensíveis da vivência em sociedade, como é o caso da segurança.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Como sabemos, tanto o quadro histórico como o contexto social, nacional e internacional, que serviram de base ao articulado da Lei de Segurança Interna — Lei n.º 20/87, de 12 de Junho — estão hoje ultrapassados e revelam-se absolutamente insuficientes para fornecer uma resposta célere e eficaz às ameaças à segurança da actualidade.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Em rigor, é esta a principal razão que sustenta a apresentação, por parte do Governo, desta proposta de lei: a constante mutação conjuntural que originou a inadequação desta lei à realidade portuguesa no que concerne à segurança, a sua aplicação e capacidade de resposta, uma vez que o Sistema de Segurança Interna, que vem vigorando em Portugal, é fruto de uma conjuntura internacional e interna que, como já classifiquei anteriormente, se encontra hoje ultrapassada.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — O Sistema de Segurança Interna em vigor foi concebido num quadro muito diverso do actual, um quadro de Guerra Fria e de acção das organizações terroristas de inspiração ideológica.
Por outro lado, decorre de um quadro legal e institucional cujas componentes foram emergindo em circunstâncias muito diversas, gerando zonas de indefinição, em especial no tocante às responsabilidades das forças e serviços intervenientes.
A inadequação do presente sistema verifica-se em diferentes domínios.
No domínio da prevenção, verifica-se a falta de um órgão coordenador, com capacidade interdisciplinar, de ligação e coordenação entre os vários níveis da Administração e entre esta e a sociedade civil.
No domínio da ordem pública, as competências do Gabinete Coordenador de Segurança são limitadas, o que afecta a sua capacidade para determinar soluções operacionais quando as várias forças e serviços têm de actuar em conjunto.
No domínio da investigação criminal, é manifesta a necessidade de um sistema de informação criminal moderno, essencial à prevenção e repressão da criminalidade, que promova a troca de informações criminais de forma transversal, partilhado por todos os órgãos de polícia criminal, em articulação com organizações internacionais e organismos e serviços estrangeiros homólogos.
No domínio da informação, urge assumir e praticar uma cultura de partilha de informações e a adopção de formas eficazes de articulação institucional entre os vários serviços envolvidos, o único meio de evitar a duplicação de recursos e a excessiva compartimentação da informação, garantindo a existência de um fluxo contínuo e profícuo de informações entre os serviços competentes, o que não é possível actualmente.
E, finalmente, no que concerne ao domínio da cooperação internacional, importa superar as disfunções nas estruturas e procedimentos em matéria de segurança, adequando-os a uma era de globalização e de activa participação de Portugal na construção do espaço europeu de liberdade, segurança e justiça e em múltiplas iniciativas tendentes a garantir a segurança mundial.

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Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Revelou-se, portanto, de absoluta necessidade proceder à reforma do Sistema de Segurança Interna, de forma a identificar com rigor os problemas e disfunções do modelo de organização ainda vigente e caracterizar um novo paradigma de segurança.
Concomitantemente, foi visível que a mudança necessária exige mais do que o aditamento avulso de novas funcionalidades ao quadro vigente, pelo que se concluiu pela aprovação de uma nova lei de segurança interna que consagre um conceito estratégico de segurança interna inovador e adequado ao ciclo histórico actual.
Assim, a iniciativa hoje apresentada pelo Governo traz à colação matérias atinentes à organização e funcionamento das forças e serviços de segurança, em que foram adoptadas medidas de reforma, sem proceder, contudo, a alterações radicais no sistema.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Permitam-me que destaque da proposta de lei em discussão um ponto de especial relevância, pois há muito era sentida a falta de articulação neste sector. Falo da criação de um sistema de segurança interna liderado por um secretário-geral, com estatuto equiparado ao de secretário de Estado e directamente dependente do Primeiro-Ministro.
A criação deste órgão intermédio, dotado de meios efectivos de articulação e até de direcção, comando e controlo em situações devidamente tipificadas na lei, desvaloriza a relevância de soluções de fusão, extinção e reagregação de estruturas, pois tais opções teriam sempre custos e exigiriam regimes complexos de transição, sem apresentarem garantias bastantes da obtenção efectiva de resultados positivos.
Acreditamos ser esta a melhor via para fazer face às dificuldades de direcção, articulação, cooperação e até de funcionamento sentidas até esta data.
Esta reforma agrega um conjunto diversificado de alterações legislativas, abrangendo designadamente a Lei de Segurança Interna, a Lei de Organização e Investigação Criminal, que estamos a discutir conjuntamente, bem como as leis de organização e funcionamento das forças e serviços de segurança, pelo que assume especial importância assegurar a coerência global da reforma pretendida, coerência esta que acreditamos ter sido conseguida com a apresentação desta proposta de Lei de Segurança Interna e da proposta de Lei de Organização e Investigação Criminal.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como sabemos, a segurança é um direito fundamental dos cidadãos e, em simultâneo, uma obrigação essencial do Estado, e o sentimento de segurança de cada um de nós é uma condição basilar para a avaliação da qualidade de vida de qualquer país.
Contudo, a sociedade social actual em que vivemos é também uma sociedade de risco e este adquire novas formas e dimensões.
Consequentemente, este quadro de novas ameaças à nossa segurança pessoal e global impõe, como reverso, uma estratégia de resposta igualmente inovadora e foi esta a linha orientadora que conduziu os trabalhos do Governo nesta matéria que agora apreciamos. Assim, o Governo elaborou propostas que visam responder aos riscos típicos do actual quadro histórico, como sejam a criminalidade de massa, a criminalidade grave e violenta ou mesmo a criminalidade organizada e transnacional.
Concluo, Sr. Presidente, apenas com uma nota final, para sublinhar que Portugal é um país seguro, sentimento, aliás, confirmado pelos principais indicadores internacionais, mas este facto não é e jamais será para nós um factor de inércia, mas antes um factor de grande motivação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em 1 de Março de 2007, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2007, o Governo decidiu criar um Sistema Integrado de Segurança Interna em substituição do Gabinete Coordenador de Segurança, considerando que as competências deste eram limitadas, por não ter capacidade para determinar soluções operacionais. Extinguir-se-ia, assim, o Gabinete Coordenador de Segurança e criar-se-ia o Sistema Integrado de Segurança Interna, com um secretário-geral nomeado pelo Primeiro-Ministro, dotado de meios efectivos de articulação e até de direcção, comando e controlo em situações devidamente tipificadas.
Quando fingiu ouvir os partidos da oposição, o Sr. Ministro da Administração Interna fez por desvalorizar as críticas de que estaríamos perante um passo preocupante de concentração de poderes policiais e de governamentalização das funções de investigação criminal, afirmando que o então chamado SISI não era mais que um upgrade do Gabinete Coordenador de Segurança, sendo até o secretário-geral nomeado nos mesmos termos em que já o era o secretário-geral desse Gabinete.
Acontece, porém, que o que vemos e lemos na proposta de lei que hoje discutimos é muito diferente do que, então, ouvimos. Ao contrário do que consta da resolução do Conselho de Ministros, a proposta de lei não extingue o Gabinete Coordenador de Segurança, mas reforça-o em meios e em competências, e cria um novo cargo de secretário-geral adjunto do Sistema de Segurança Interna, precisamente para ficar a dirigir esse Gabinete.
Estas propostas de lei pretendem ser a transposição legislativa da deriva securitária que anda por aí e contêm três aspectos que consideramos muito preocupantes: em primeiro lugar, estes diplomas constituem um passo sem precedentes na governamentalização das medidas de polícia e da própria investigação criminal; em segundo lugar, estes diplomas representam um grau de concentração de poderes policiais e erguem um complexo aparelho securitário que é perigoso do ponto de vista da fiscalização democrática e jurisdicional e que é, porventura, disfuncional do ponto de vista dos valores que, alegadamente, visa proteger;…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — … e, em terceiro lugar, estes diplomas contêm um arsenal de medidas especiais de polícia desproporcionado e de mais do que duvidosa constitucionalidade.
Vejamos a orgânica do Sistema de Segurança Interna: acima de tudo está o Primeiro-Ministro, que pode delegar funções no Ministro da Administração Interna e que preside ao Conselho Superior de Segurança Interna, cuja composição é absolutamente governamentalizada; o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna é nomeado e exonerado pelo Primeiro-Ministro, sob proposta do Ministro da Administração Interna, e tem competências exorbitantes de coordenação, direcção, controlo e comando operacional das forças e serviços de segurança.
O que consta da resolução do Conselho de Ministros é que as funções de comando do secretário-geral seriam excepcionais e devidamente tipificadas. Mas não é isso que é proposto.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — É, é!

O Sr. António Filipe (PCP): — A proposta de Lei de Segurança Interna atribui ao secretário-geral vastas competências de coordenação da acção das forças e serviços de segurança, incluindo o controlo dos mecanismos de partilha de informações. Atribui-lhe também vastas competências de direcção, de organização e de gestão administrativa, logística e operacional dos serviços, sistemas, meios tecnológicos e outros recursos comuns das forças e serviços de segurança. Atribui-lhe ainda vastas competências de controlo, de direcção e articulação das forças e serviços de segurança no desempenho das suas missões ou tarefas específicas. Atribui-lhe ainda mais o comando operacional dessas forças em situações excepcionais, sendo que a natureza excepcional dessas situações é determinada pelo Primeiro-Ministro.
Para além de tudo isto, o secretário-geral preside ao Gabinete Coordenador de Segurança, que, afinal, se mantém, e que integra o Gabinete SIRENE e a Autoridade Nacional de Segurança. Acresce ainda a criação de uma Unidade de Coordenação Antiterrorismo, de onde sobressai, mais uma vez, o secretário-geral.

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Depois, na proposta de Lei de Organização e Investigação Criminal, também se prevê a existência de um Conselho Coordenador dos Órgãos de Polícia Criminal, presidido pelos Ministros da Administração Interna e da Justiça, onde estão o secretário-geral…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O secretário-geral está em todo o lado!

O Sr. António Filipe (PCP): — … e os responsáveis das forças de segurança, sendo certo que é mais uma vez o secretário-geral que é incumbido de coordenar os órgãos de polícia criminal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Está em todo o lado!

O Sr. António Filipe (PCP): — Estamos, pois, perante uma operação legislativa que visa assegurar um controlo político do aparelho policial e da investigação criminal que não tem precedentes em democracia.
O secretário-geral do Sistema de Segurança Interna é um cargo de confiança directa do Primeiro-Ministro, que detém poderes absolutamente exorbitantes em matéria policial. Os órgãos fundamentais de coordenação das polícias e da investigação criminal são estritamente governamentalizados, enquanto as autoridades judiciárias são remetidas para um papel secundaríssimo no funcionamento do sistema.
Se o que se pretendia era assegurar a coordenação das forças e serviços de segurança, o que, em si mesmo, é perfeitamente legítimo, não se compreende como é que para esse efeito, para além das forças de segurança, se cria um Conselho Superior, mais um Gabinete Coordenador, mais uma Unidade de Coordenação, mais uma Autoridade Nacional e mais um Conselho Coordenador.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não há coordenação que resista a tantos coordenadores.

Aplausos do PCP.

O que há é concentração de poderes, porque o resultado final é que quem controla tudo é o Governo, por interposição do secretário-geral.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Por outro lado, basta verificar a vastidão das medidas especiais de polícia que estão previstas nas propostas de Lei de Segurança Interna, que passam por buscas, revistas, apreensões, acções de fiscalização, vistorias, encerramentos de instalações, revogação de autorizações, cessação de actividade de organizações ou associações ou corte de comunicações, sem controlo judicial prévio, para perceber que estamos perante uma deriva securitária, que não pode deixar de preocupar todos aqueles que prezam a democracia e as liberdades.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje duas propostas de lei estruturantes para a democracia portuguesa e para a segurança dos portugueses e das portuguesas. Trata-se de um debate essencial e de um debate estruturante, que requer, acima de tudo, rigor na análise e sentido de Estado na altura de retirar conclusões.
Ao ouvir hoje o Sr. Ministro da Administração Interna e o Sr. Ministro da Justiça a apresentarem quer a Lei de Segurança Interna quer a Lei de Organização e Investigação Criminal, parece que tudo está bem ao nível das forças e serviços de segurança e que para aquilo que não está bem estas leis são o remédio para todos os males de que enfermam as nossas forças e serviços de segurança. Mas, infelizmente, os portugueses e as portuguesas ou os homens e as mulheres que servem as forças e serviços de segurança sabem que assim não é.
Senão, vejamos.

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Em relação à PSP, vimos uma lei orgânica e uma reestruturação falhada, que atribuiu mais competências e mais área para patrulhamento à PSP, com os mesmos polícias, para não dizer com menos polícias.

A Sr. ª Helena Terra (PS): — Não é verdade!

Vozes do CDS-PP: — É verdade!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Em relação à GNR, houve uma lei orgânica que era tão má que, inclusivamente, foi objecto de um veto por parte do Sr. Presidente da República.
Em relação à Polícia Judiciária, para não falar no episódio dos últimos dias, verificamos a existência de uma lei orgânica que tão-pouco contempla a fiscalização pelo Ministério Público, conforme o Procurador-Geral da República, aqui mesmo, nesta Casa, solicitou, para não falar do facto de remeter para portaria algo de tão importante como a definição das competências, em concreto, das unidades da Polícia Judiciária.
É caso para dizer, Sr.as e Srs. Deputados, que não há lei, por muito boa que seja — e não é o caso —, que resista à insegurança da política de segurança deste Governo.

Aplausos do CDS-PP.

Na verdade, hoje, como o CDS tem vindo a denunciar, as forças de segurança têm falta de meios humanos e materiais, encontram-se desmotivadas por um estatuto que está gasto e nelas reina a instabilidade.
Senão, vejamos.
A PSP teve dois directores nacionais em três anos; a GNR teve dois comandantes-gerais em três anos; e a Polícia Judiciária — é um recorde — teve três directores nacionais em três anos. Três equipas diferentes e três projectos diferentes numa área estruturante — combate à criminalidade violenta e organizada. É esta a política, da insegurança e da instabilidade, do Partido Socialista em relação às polícias portuguesas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Mas, Sr.as e Srs. Deputados, vamos à lei, nomeadamente à Lei de Segurança Interna, em concreto. O diagnóstico que o Sr. Ministro aqui apresentou é real: é necessário reforçar a coordenação das forças e serviços de segurança. Sempre o dissemos, basta consultar as actas das sessões plenárias de há 12 anos a esta parte para verem, Sr.as e Srs. Deputados, que foi o CDS que, desde logo, levantou esta questão.
O diagnóstico é, pois, real. Diria mais, Sr. Ministro: a ideia até é boa,…

Vozes do PS: — Oh!…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … pena é que a lei seja má!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Diz o CDS!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É esse o problema, Sr. Ministro.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Concordamos que é necessário mais e mais efectiva coordenação entre as forças e serviços de segurança. O problema é que esta lei não só não promove essa coordenação como, pelo contrário, vai gerar ainda maiores descoordenações e conflitos entre as forças e serviços de segurança. E as razões para isso, Sr. Ministro e Sr. Presidente, são várias.
Em primeiro lugar, nesta lei não se coordena, concentra-se. Um exemplo: então, é o Conselho de Ministros que aprova o plano operacional das forças e dos serviços de segurança? Basta ler o artigo 8.º É o Governo que define onde, quando e como as forças de segurança em concreto, no momento concreto, intervêm? Fará

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algum sentido, então, existir directores nacionais e comandantes-gerais? Bem sabemos que o Partido Socialista muda de comandantes-gerais e de directores nacionais a toda a hora, mas, ainda assim, mereceriam, certamente, maior confiança.
Em segundo lugar, é uma lei que não agiliza, antes, burocratiza, desmultiplica em criação de órgãos com estruturas pesadas, com composições excessivamente alargadas para as necessidades dos serviços e forças de segurança, que requerem decisões certas e rápidas no momento exacto.
Em terceiro lugar, é uma lei que não clarifica, antes, complica,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … com a introdução de conceitos vagos, de conceitos que não têm uma determinação concreta e que, certamente, no momento e na altura certa, irão gerar aquilo que se pretende evitar: conflitos entre as forças e serviços de segurança; descoordenações entre as forças e serviços de segurança. Um, entre muitos exemplos: artigo 18.º e os chamados «incidentes táctico-policiais» de controlo do secretário-geral. Poderá, então, esta nova figura ter poderes de controlo sempre que estes incidentes envolverem armas de fogo e risco para a vida de uma pluralidade de pessoas? Repito: poderá o secretáriogeral ter poderes de controlo em incidentes que envolverem armas de fogo e risco para a vida de uma pluralidade de pessoas? Quem quantifica a pluralidade de pessoas? Como? Quando? Será no decurso do incidente? Será no momento em que está a ocorrer um incidente grave, que pode envolver a tal questão do risco para uma pluralidade de pessoas, que vão estar o secretário-geral, o Conselho Superior de Segurança Interna e o Gabinete Coordenador de Segurança a discutir se se enquadra ou não neste artigo e nesta alínea, se se trata ou não de uma pluralidade de pessoas? É isto o conceito de coordenação? É isto o conceito de agilização? Não. Por isso dizemos que não agiliza, antes, complica.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Por último, esta lei confere poder excessivo a uma só pessoa, seja ela qual for, na dependência directa do Sr. Primeiro-Ministro. Basta atentarmos ao articulado e à elencagem das competências.
Este secretário-geral manda, articula, conjuga, partilha, coopera e desenvolve acções com tudo e com todos, nacional e internacionalmente. É caso para dizer: o que será da vida dos Srs. Ministros da Administração Interna e da Justiça, dos Srs. Secretários de Estado da Administração Interna e da Justiça, para não falar do director nacional? Deixarão de constar, certamente, da lei orgânica, porque está cá um secretáriogeral que manda, articula, conjuga, partilha, coopera e desenvolve as acções que seriam os ministros, em primeira instância, a ter de desenvolver.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Ministros: Em suma, esta lei, a nosso ver, parte de um diagnóstico que é real. Tem algumas ideias que até merecem o nosso acordo, mas padece de males demasiado graves para podermos aprová-la e que, por isso mesmo, irão merecer o nosso voto contra.
Confunde coordenação com substituição de competências e, a nosso ver, isso é errado numa política de segurança, que se requer segura, com certeza jurídica e com opções bem claras.
Iremos, certamente, em nome de uma matéria que muito nos preocupa, que é a segurança, ou a insegurança, apresentar propostas muito concretas em sede de especialidade. Porém, para leis que concentram em vez de coordenarem, que complicam em vez de agilizarem, não contam com o CDS-PP.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Terra.

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A Sr.ª Helena Terra (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje a proposta de lei n.º 185/X, do Governo, que aprova a Lei de Organização e Investigação Criminal e que tem por objectivo o conjunto de diligências que, nos termos da lei processual penal, se destinam a averiguar da existência de um crime, a determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e a descobrir e a recolher as provas no âmbito do respectivo processo.
A presente proposta de lei responde, por um lado, à necessidade de adaptar a organização da investigação criminal às reformas do Código Penal e do Código de Processo Penal, à Lei-Quadro de Política Criminal, à lei sobre política criminal e, ainda, às novas leis orgânicas de forças e serviços de segurança e, por outro lado, aos ensinamentos recolhidos da aplicação da lei ainda em vigor, durante sete anos. Daqui resulta que algumas das modificações introduzidas pela presente proposta de lei constituam necessárias harmonizações com a legislação entretanto já aprovada em matéria penal, das quais releva, como exemplo, a introdução do prazo de 10 dias para a comunicação da notícia de crime ao Ministério Público, estatuído no n.º 3 do artigo 2.º e em conformidade com o disposto no artigo 243.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
As principais novidades introduzidas por esta proposta de lei dizem respeito à clarificação de competências em matéria de investigação criminal. Assim, resultam perfeitamente distintas a competência genérica, a competência específica e a competência reservada.
Mantêm-se como órgãos de política criminal de competência genérica a Polícia Judiciária, a GNR e a PSP, sendo que todos os restantes órgãos de polícia criminal passam a ter competência específica; é comum a todos os órgãos de polícia criminal, além das competências de investigação criminal e de coadjuvação das autoridades judiciárias nessa tarefa, competências na área de prevenção criminal, acentuando o papel pedagógico que aos órgãos de polícia deve também ser reservado.
A atribuição de competência reservada para a investigação criminal a determinados órgãos de polícia depende de lei expressa, pela qual se confere, por exemplo, à Polícia Judiciária, competência que não pode ser deferida a outros órgãos de polícia criminal para a investigação de determinados tipos de crime. No caso, aqueles a que alude o n.º 2 do artigo 7.º, dos quais se destacam: todos os crimes dolosos ou agravados pelo resultado contra as pessoas; os crimes contra a segurança do Estado; o terrorismo e os vulgarmente designados de crimes de corrupção, entre outros.
A atribuição de competência específica obedece aos princípios da especialização e racionalização na afectação dos recursos disponíveis para a investigação criminal.
Quanto à atribuição de competência genérica, deixa-se a cargo da GNR e da PSP a investigação criminal dos crimes cuja competência não esteja reservada a outros órgãos de polícia criminal ou quando, estando-a, esta lhes seja cometida pela autoridade judiciária a quem compete a direcção do inquérito.
Na distribuição de competências é atribuída competência exclusiva à Polícia Judiciária para a investigação dos crimes mais complexos e mais graves, sendo certo que a competência exclusiva da Polícia Judiciária pode ser absoluta, no caso dos crimes previstos no n.º 2 do artigo 7.º, ou relativa, nos casos previstos no n.º 3 do mesmo artigo. Nestes últimos casos, o Procurador-Geral da República, ouvidos que sejam os órgãos de polícia criminal envolvidos, pode deferir a outro órgão de polícia criminal a investigação de um crime cuja competência caberia à Polícia Judiciária, desde que, no caso concreto, tal se afigure como mais adequado.
No que acaba de ser dito, se traduz mais uma das inovações da presente proposta de lei — o reforço dos poderes de iniciativa do Procurador-Geral da República, nos termos do disposto no n.º l do artigo 8.º. Com esta alteração, visa-se conferir maior celeridade e eficácia à investigação criminal, evitando que a Polícia Judiciária perca ou disperse recursos com investigações em que as provas sejam simples e evidentes e/ou em que a investigação não exija especial mobilidade ou alocação de meios de elevada especialidade técnica, conseguindo-se, por essa via, ganhos incomensuráveis de operatividade da Polícia Judiciária.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No mundo cada vez mais globalizado em que vivemos, o crime assume, muitas vezes, carácter internacional e transfronteiriço. Este é o motivo pelo qual a proposta de diploma em análise aprofunda o dever de cooperação entre os diversos órgãos de polícia criminal entre si e o dever de cooperação internacional, assegurando o funcionamento da Unidade Nacional da Europol e do Gabinete Nacional da Interpol junto da Polícia Judiciária, a quem competirá, por um lado, a gestão dos respectivos gabinetes e, por outro, garantir, através de um sistema integrado de informação, com a partilha de dados existentes e que sejam necessários à investigação em curso, maior eficácia quer na investigação quer na prevenção da criminalidade.

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A boa coordenação, cooperação e partilha de informações entre os diversos órgãos de polícia criminal compete ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna.
A coordenação dos vários órgãos de Polícia continua a competir ao Conselho Coordenador dos Órgãos de Polícia Criminal, que mantém as competências previstas na lei ainda em vigor mas vê alargada a sua composição. Continuando a ser presidido pelos Ministros da Administração Interna (MAI) e da Justiça (MJ) e participado pelo Procurador-Geral da República, passa agora a ser integrado também pelo Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, que coadjuvará o MAI e o MJ na preparação e condução das reuniões para assegurar a cooperação e partilha de informações, sem exercer, contudo, competências intraprocessuais, não podendo intervir em investigações ou processos concretos,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Já agora!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — … nem aceder aos elementos que os compõem, salvaguardando-se, assim, a manutenção do segredo de justiça e do segredo de Estado.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — A presente proposta de lei, depois de aprovada nesta Câmara, fará parte de um vasto conjunto de diplomas, uns já aprovados nesta Legislatura e outros ainda em processo legislativo, que proporcionarão inúmeros ganhos de eficiência e, por isso, de maior justiça penal, entendida esta na sua perspectiva punitiva e preventiva.
Eis os motivos pelos quais esta proposta merecerá a nossa aprovação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A lei hoje discutida, na sua versão final, foi objecto de muitas críticas na fase anterior à sua apresentação, como sabem, nomeadamente no que diz respeito à figura do secretário-geral, que, é verdade, já existia, sim, senhor, mas cujos poderes ficam bastante reforçados com esta lei, assim como a sua total dependência do poder político, na pessoa do Primeiro-Ministro. Houve várias críticas a esta ideia do Governo e a esta questão em concreto, mas os senhores não mudaram uma linha no que diz respeito à proposta de lei.
Esta concentração de poderes em relação a todas as polícias excede, em muito, o carácter meramente operacional, Srs. Deputados.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Trata-se, objectivamente, de um superpolícia, com um conjunto de conselhos consultivos, cuja utilidade ainda está por provar e cujos poderes são vastos e não devidamente delimitados, como deveria ser. Esta lei deveria delimitar os poderes que tem.
Outro aspecto muito preocupante são as «medidas de polícia» e as «medidas especiais de polícia». A lei consegue criar uma situação em que estas medidas — as de polícia e as especiais de polícia — se podem realizar sem autorização de um juiz. Esta é verdade dos factos.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Exactamente!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — A introdução do conceito «casos de urgência e de perigo na demora» dá para tudo, Srs. Ministros, e acaba por possibilitar, na prática, a aplicação de medidas de polícia e medidas especiais de polícia sem autorização de um juiz.

Vozes do BE: — Exactamente!

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A Sr.ª Helena Pinto (BE): — É isto que vai passar a acontecer.
Elimina-se, assim, um factor muito importante de controlo daquilo que são medidas excepcionais e não medidas banais, mas não fica claro quais são as situações em que tais medidas podem ser aplicadas.
A possibilidade de buscas e revistas — alínea a) do artigo 28.º — passa a poder ser decida por um agente das forças de segurança (por um agente), que, depois de executar, comunica à autoridade de polícia para que a confirme, depois de ter sido realizada! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A segurança interna e a organização da investigação criminal devem ser vistas e programadas para a realidade do nosso país — não para o tempo da Guerra Fria, convenhamos —, mas também para o concreto da realidade que vivemos do nosso país.
Nós bem sabemos que o Sr. Ministro da Administração Interna quer densificar os conceitos da Constituição da República, mas, Sr. Ministro, a eficácia policial não justifica medidas securitárias.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Exactamente!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — É um passo errado.
O Governo opta por restringir e prensar, não densificar, direitos e garantias dos cidadãos, opta por medidas securitárias, opção que pode, inclusive, pôr em causa uma política de polícias de proximidade, não tem nada de inovador, é bem conhecido desde há muitos anos, Sr. Ministro. É o caminho de criar um aparelho centralizado e governamentalizado, não é, com certeza, o caminho do aprofundamento da democracia.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Algumas reflexões muito breves, se me permitem.
Entrei aqui convencido de que as duas propostas de lei eram positivas para reforçar a segurança dos cidadãos.

O Sr. António Filipe (PCP): — Não esteve com atenção ao debate!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Saio daqui com essa convicção muito reforçada.
Vou apenas, a título de exemplo, referir quatro aspectos que aqui foram focados e que me levam a esse convencimento.
O Sr. Deputado Fernando Negrão falou nas medidas cautelares e de polícia e disse temer que esta lei crie um sistema de medidas cautelares e de polícia à revelia do processo penal. Sr. Deputado, recordo-lhe que as medidas cautelares e de polícia já estão previstas no Código de Processo Penal de 1987, exactamente nos termos e com um regime semelhante àquele que agora é avocado por estas leis. Aquilo que estava desactualizado, antes, era o conjunto das leis que não correspondiam ao Código de Processo Penal.
Segundo, o Sr. Deputado António Filipe diz que o Gabinete Coordenador de Segurança é agora substituído por um Sistema de Segurança Interna.

O Sr. António Filipe (PCP): — Citei a resolução do Conselho de Ministros!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Mas será que o Sr. Deputado António Filipe ignora que já existe há 20 anos um Sistema de Segurança Interna? E como pode dizer o Sr. Deputado António Filipe que há uma governamentalização de um Conselho Superior de Segurança Interna, que, pela primeira vez e por proposta do Governo, passa a integrar dois Deputados eleitos pela Assembleia da República?!

Aplausos do PS.

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Vozes do PCP e do BE: — Ah!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Não é exagero, Sr. Deputado? Terceiro, o Sr. Deputado Nuno Magalhães, um pouco à margem do debate, disse que o Governo não reforça o dispositivo. Sr. Deputado, sou obrigado a recordar-lhe, mais uma vez, que este Governo, durante a Legislatura, via admitir cerca de 4500 novos polícias e militares da Guarda Nacional Republicana — quase 4500! —, num esforço incomparável com outra Legislatura, vai duplicar o investimento nas forças de segurança, num período de cinco anos, de acordo com a Lei de Programação.
Portanto, não nos ocupamos apenas de normas mas também de dar às forças de segurança, nas quais muito confiamos, os meios necessários a prosseguirem as suas missões.
A Sr.ª Deputada Helena Pinto falou, mais uma vez, num superpolícia.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sim! Falei!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Há um superpolícia que não tenha acesso a informações?! A processos?! A base de dados?!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Há!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Que não tenha nenhumas competências de investigação criminal?! Que superpolícia é esse?! Claro que não há superpolícia nenhum!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Há, há!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Entretanto, quanto às revistas e buscas, faço-lhe também a observação que já aqui deixei. Sr.ª Deputada, há revistas e buscas como medidas preventivas, cautelares de polícia no Código de Processo Penal!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sim! Eu sei!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Leia V. Ex.ª o Código de Processo Penal, porque não são apenas meios no âmbito do processo. São medidas cautelares e de polícia! A única coisa que estamos a fazer é a adaptar leis desactualizadas, de 20 anos, ao novo regime processual penal, que já vem de 1987.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Administração Interna: Deixe-me que lhe diga que pior do que não resolver um problema é ignorá-lo ou fingir que ele não existe.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — O que eu disse, Sr. Ministro, e repito, é que não há leis que resistam quando, no terreno, repito, no terreno, as circunstâncias em que as nossas forças e serviços de segurança exercem as suas funções e missões são manifestamente insuficientes. E são insuficientes não só do ponto de vista material como do ponto de vista humano.
O Sr. Ministro fala em 4300 elementos, salvo o erro, em toda a Legislatura, mas nunca fala daqueles que já saíram e daqueles que vão sair. Era esse número, Sr. Ministro, que nos daria a exacta medida daquilo que tem sido a política deste Governo.

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Primeiro, disse que não eram necessários mais polícias. Recorda-se? «Congelamento de concursos para 2008 e 2009. Temos polícias suficientes!» — dizia o seu antecessor e o Sr. Ministro. Apelidaram o CDS-PP — que, durante meses, afirmou que essa medida era uma irresponsabilidade — de fazer demagogia, diziam que éramos securitários. Bastaram três dias de crimes violentos noticiados na imprensa para o Sr. Ministro «rasgar» toda a política de uma Legislatura e, afinal, vir admitir — curioso número! — 1000 elementos para a PSP e 1000 elementos para a GNR, curiosamente aquilo que tínhamos proposto no Orçamento do Estado e o Partido Socialista rejeitou! Sr. Ministro, todos podemos manipular os números, mas há uma coisa que não podemos fazer, em nome da segurança — com a qual está, com certeza, tão preocupado como eu —, que é ignorar um problema. E o seu Governo tem este problema e estamos a pagar caro a decisão do congelamento de concursos durante dois anos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Diz o Sr. Ministro — e vou terminar — que há um investimento para recuperar esquadras e postos da GNR. De facto, há, mas, lamento informá-lo, é só no papel. A Lei de Programação de Instalações e Equipamentos das Forças de Segurança prevê 62,5 milhões de euros para este ano de 2008, mas ainda não vimos onde estão as pistolas, os veículos, os coletes balísticos ou a recuperação de esquadras. Esses 62,5 milhões de euros estão, e bem, no papel, mas era importante que estivessem nas forças e serviços de segurança.
No papel, Sr. Ministro, é fácil. No terreno, é um bocadinho mais difícil!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, com efeito, em relação ao reforço do dispositivo, o que se passa entre nós é o seguinte: V. Ex.ª propõe e o Governo faz; no entanto, V. Ex.ª propõe quando está na oposição, mas não faz quando está no governo!

Aplausos do PS.

É realmente uma diferença essencial.
Em relação aos polícias, quero dizer-lhe, muito francamente, que tomámos a decisão de recrutamento quando essa decisão era necessária, isto é, quando acabaram de ser recrutados os anteriores elementos, porque, em Dezembro, repito, em Dezembro, foram admitidos 996 agentes da PSP e agora, em Maio, vão ser admitidos 1278 militares da GNR. Ou seja, estamos a fazer concursos consecutivos, o que não aconteceu com outros governos, como V. Ex.ª bem sabe.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — É bom lembrar!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Quanto a factos, queria recordar-lhe que, neste ano — e não são apenas palavras! —, já distribuímos centenas de viaturas, vamos distribuir perto de 1000 viaturas pela PSP e pela GNR,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Vamos…! Vamos…!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Não, não! Já distribuímos algumas centenas de viaturas, já inaugurámos várias instalações novas da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana e já adquirimos vários milhares de armas de 9 mm, com as quais, de resto, as forças de segurança já dispararam.

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Portanto, não há apenas palavras. Há gestos, há factos, e é assim que lidamos com a segurança dos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, concluído o debate conjunto, na generalidade, das propostas de lei n.os 184 e 185/X, resta-me informar que a próxima sessão plenária se realiza-se amanhã, com início às 15 horas, e a ordem do dia será preenchida com o debate da moção de censura n.º 2/X — Ao XVII Governo Constitucional (PCP), que será votada no final do debate. Haverá, ainda, votações regimentais.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
António José Ceia da Silva
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves

Partido Social Democrata (PSD):
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Zita Maria de Seabra Roseiro

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Jacinto Serrão de Freitas
Júlio Francisco Miranda Calha
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Social Democrata (PSD):
João Bosco Soares Mota Amaral
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado

Partido Popular (CDS-PP):
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo

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Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
Glória Maria da Silva Araújo
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Teresa Maria Neto Venda

Partido Social Democrata (PSD):
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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