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Sexta-feira, 4 de Julho de 2008 I Série — Número 102

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE JULHO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Fernando Santos Pereira
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da apresentação dos projectos de resolução n.os 355 e 356/X e da retirada do projecto de lei n.º 153/X.
O Sr. Presidente informou a Câmara da eleição do Sr. Deputado João Soares (PS) para presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE.
Em declaração política e a propósito da entrevista do Sr.
Primeiro-Ministro à RTP, o Sr. Deputado Paulo Portas (CDSPP) falou da actual situação política nacional. No fim, respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Junqueiro (PS), Ana Drago (BE) e Bernardino Soares (PCP).
Em declaração política, o Sr. Deputado Paulo Rangel (PSD), recentemente eleito líder da sua bancada, teceu considerações sobre o papel do seu partido na oposição à política desenvolvida pelo Governo e, depois, deu resposta aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Alberto Martins (PS), Luís Fazenda (BE) e Bernardino Soares (PCP).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Celeste Correia (PS) criticou a chamada Directiva de Retorno, aprovada pelo Parlamento Europeu por proposta da Comissão Europeia, por permitir a violação de direitos humanos, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Filipe (PCP), Luís Fazenda (BE) e Nuno Magalhães (CDS-PP).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado José Moura Soeiro (BE) falou sobre a crise social e o balanço que faz o Primeiro-Ministro acerca do seu mandato e respondeu, depois, ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Helder Amaral (CDS-PP).
Finalmente também em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Machado (PCP) insurgiu-se contra o curto período de tempo que a Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública dispõe para discussão, na especialidade, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas e do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, tendo respondido, depois, ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Pedro Mota Soares (CDS-PP).
Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 212/X — Procede à quarta alteração ao regime jurídico do recenseamento eleitoral, estabelecido pela Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e consagra medidas de simplificação e modernização que asseguram a actualização permanente do recenseamento. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna (José Magalhães), os Srs. Deputados Miguel

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Macedo (PSD), Cláudia Couto Vieira (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e António Filipe (PCP).
Foi apreciado o projecto de resolução n.º 220/X — Estratégia de desenvolvimento para o distrito de Setúbal: Plano de Desenvolvimento Integrado da Península de Setúbal (PDIPS) e Plano de Desenvolvimento Integrado do Alentejo Litoral (PDIAL) (PCP), tendo proferido intervenções os Srs. Deputados Francisco Lopes (PCP), Vítor Ramalho (PS), Luís Rodrigues (PSD), Nuno Magalhães (CDS-PP), Fernando Rosas (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Bruno Dias (PCP).
Foram ainda apreciados, conjuntamente, a petição n.º 407/X (3.ª) — Apresentada pela Comissão Nacional de Justiça e Paz e outros, solicitando que a Assembleia da República reconheça a pobreza como uma violação dos Direitos Humanos, estabeleça um limiar oficial e crie um mecanismo parlamentar de observação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas para a sua erradicação e o projecto de resolução n.º 356/X — Recomenda a definição de um limiar de pobreza e a avaliação das políticas públicas destinadas à sua erradicação (PS, PSD, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes). Usaram da palavra os Srs. Deputados Esmeralda Ramires (PS), Fernando Negrão (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Jorge Machado (PCP), Helena Pinto (BE) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Celeste Lopes da Silva Correia

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Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Vasco Seixas Duarte Franco
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Emídio Guerreiro
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva

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Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes

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Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta do expediente.

A Sr.ª Secretária (Rosa Maria Albernaz): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de resolução n.os 355/X — Recomenda a Ratificação da Convenção Internacional da ONU sobre a protecção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e membros das suas famílias (Adoptada pela Resolução n.º 45/158, da Assembleia-Geral, de 18 de Dezembro de 1990) (PCP) e 356/X — Recomenda a definição de um limiar de pobreza e a avaliação das políticas públicas destinadas à sua erradicação (PS, PSD, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes).
Temos ainda uma comunicação do Partido Comunista Português dizendo que retira o projecto de resolução n.º 153/X — Ratificação da Convenção Internacional da ONU sobre a protecção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e membros das suas famílias (Adoptada pela Resolução n.º 45/158, da AssembleiaGeral, de 18 de Dezembro de 1990) (PCP).

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, também aproveito para informar que o nosso colega João Soares, Presidente da delegação da Assembleia da República à Assembleia Parlamentar da Organização de Segurança e Cooperação Europeia, foi eleito hoje Presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE.

Aplausos gerais.

Agradeço o concurso de todos os Srs. Deputados e grupos políticos na obtenção deste resultado.
Passemos, então, ao período de declarações políticas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Primeiro-Ministro fez ontem o seu «estado da Nação» privativo na televisão do Estado. Não ficará sem resposta, aqui, onde está representada a soberania do povo.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Esperamos, aliás, que a televisão do Estado dê iguais oportunidades a toda a oposição.

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Aplausos do CDS-PP.

O que verificámos, o que vimos, foi um Primeiro-Ministro que é mau a prever, lento a perceber, desorientado a escolher, injusto a priorizar e que, ainda por cima, se transformou num Primeiro-Ministro queixinhas.

Protestos do PS.

Vejamos ponto por ponto. Em primeiro lugar, o Sr. Primeiro-Ministro cometeu, e não pode escondê-lo, um erro colossal de previsão sobre a crise económica, financeira e social.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Lembro-vos a discussão do Orçamento do Estado, em que o petróleo estaria a 80 dólares, quando todos os analistas internacionais já apontavam para mais de 100.
Mas lembro-vos também, Srs. Deputados, aquilo que aqui se passou na sexta-feira passada e que o País tem de saber. Na sexta-feira passada, o Governo, na apresentação das Grandes Opções do Plano, garantiu por escrito que o preço do barril de petróleo seria, em 2008, de 115,5 dólares, no mesmo dia que já tinha atingido os 143 dólares. Hoje está em 146 dólares. À primeira todos podem enganar-se, à segunda só se engana quem quer e só se deixa enganar quem não está advertido.

Aplausos do CDS-PP.

Em segundo lugar, o Governo não percebe os problemas quando as pessoas os sentem. O Governo percebe os problemas quando sente em risco a sua maioria absoluta.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — O caso exemplar é o da política fiscal para a classe média em matéria de juros dos empréstimos. Há um ano, tivemos aqui esta discussão. Perguntei ao Primeiro-Ministro: «O que vai fazer, em matéria de juros, com os empréstimos de habitação no Orçamento do Estado para 2008?» Pedi-lhe uma subida moderada da dedução e pedi ao Primeiro-Ministro que não me respondesse com aquele argumento absurdo de que melhorar a dedução dos empréstimos era pôr quem não tem casa a pagar quem tem casa.
Olhando os acontecimentos de hoje, há uma interjeição do Diário das sessões do Ministro das Finanças que é extraordinária. Respondeu o Ministro das Finanças: «Mas é verdade que é pôr os que não têm casa a pagar os que tem casa.» Nessa altura, o CDS foi considerado um partido irresponsável e demagógico. Então chegamos a esta conclusão: quando os juros já tinham subido sete vezes e o CDS propôs melhorar a dedução com os empréstimos, o CDS era demagógico; quando os juros subiram nove vezes e o Governo reconhece que tínhamos razão, o Governo é grandioso. Quem não vos conheça que acredite em vós!

Aplausos do CDS-PP.

Em terceiro lugar, este Governo recusou, desde o início, uma medida global para ajudar as famílias e dinamizar a economia, ou seja, a baixa da carga fiscal sobre os combustíveis. Em vez disso, tomou medidas fragmentadas, foi ao «sabor da rua» e, em grande medida, ao «sabor do vento das sondagens». Tivemos, portanto, um IVA pouco eficiente na baixa dos preços e temos medidas a retalho que não se compreendem umas com as outras: os transportadores terão um IVA especial com o recebimento, mas as pequenas e médias empresas continuam a pagar o IVA com a factura; os taxistas aumentam o preço, os transportes regionais sobem o quilómetro; os passes ficam congelados, o abono de família melhora, mas as pensões são

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ignoradas; os agricultores eram «um grupo de privilegiados», até que finalmente o Sr. Ministro da Agricultura foi reduzido à condição de assessor!... As medidas já fazem sentido umas com as outras.
Ora, a pergunta que aqui fica e que deixo aos socialistas é a seguinte: o que fará o Governo se o barril do petróleo atingir os 160 dólares, ou mais, como pode vir a atingir? Continuarão a recusar a baixa da carga fiscal? Continuarão, em nome de uma teimosia, a ignorar que é preciso aliviar a vida das pequenas e médias empresas e melhorar a vida da classe média mexendo na carga fiscal sobre os combustíveis? Sim ou não? Este Governo é também injusto a priorizar as suas medidas. O Primeiro-Ministro diz que tem tomado medidas para ajudar os mais vulneráveis. Nós concordamos com algumas, mas há uma coisa que tem de ser aqui dita. É que aqueles que em Portugal são mais fracos, mais vulneráveis são os idosos. As pensões de 218 euros, de 181 euros ou de 236, respectivamente pensões rurais, sociais e mínima, não tiveram, até agora, qualquer medida de apoio à reposição do poder de compra.
Finalmente, temos um Governo queixinhas: é porque antigamente a culpa era do passado, agora a culpa é do mundo. Mas a culpa é sempre dos outros e o Primeiro-Ministro nunca é responsável. Vejamos, então: o erro da Ota foi, certamente, por culpa da Espanha; o erro da avaliação dos professores deveu-se à culpa de alguém da Europa; o erro do número de polícias deve-se à culpa do mundo; o erro de decretar o fim da crise é o planeta que tem a culpa; o erro dos certificados de aforro é por culpa do universo; o erro do encerramento das urgências é por culpa do cosmos; o erro da doença do pinheiro, certamente, é por culpa de D. Dinis…!

Aplausos do CDS-PP.

Nunca são responsáveis por nada! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, como partido que é crítico, mas que sabe ter iniciativa, deixamos aqui, à consideração da Câmara, algumas propostas: primeiro, que a dedução com os juros da habitação entre em vigor ainda em 2008. Não qualquer há razão para que o Parlamento não faça uma sessão especial para poder aprovar a nova dedução dos juros de modo a que ela não entre apenas em vigor daqui a ano e meio, que é o que sucederá se apenas for aprovada em sede do próximo Orçamento.
Segundo, que o Estado aceite, de uma vez por todas, devolver o que ganhou a mais em IVA. É inaceitável, com a crise dos combustíveis, que o Estado arrecade cada vez mais dinheiro todos os dias!! Terceiro, estamos disponíveis para conversar sobre a taxa, sobre os lucros excepcionais, mas o Governo…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ah, finalmente!... Bem-vindo ao grupo! Agora só falta o PSD!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sempre o disse! Meu caro Deputado Bernardino Soares! É a teoria da justa repartição do esforço! Como eu dizia, estamos disponíveis para conversar sobre a taxa, sobre os lucros excepcionais — os lucros são excepcionais e não são aceitáveis —, desde que o Primeiro-Ministro nos garanta algo muito simples: que no dia seguinte a Galp não aumenta o preço para compensar o imposto!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Ou seja, que no dia seguinte não é outra vez o consumidor a pagar essa taxa!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Quarto, que o Estado reconheça que é imoral que o outro «Xerife de Nottingham», ou seja, o fisco, a administração fiscal, continue a ganhar dinheiro à custa do sacrifício dos cidadãos e dos contribuintes.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Espero que alguém no Governo peça às entidades supervisoras para serem exigentes com os produtos de crédito que atiram as pessoas para «precipícios», que continuam a existir, publicados nos jornais, todos os dias, anúncios que garantem que dão um empréstimo amanhã sem precisar de ver as contas bancárias, sem precisar de saber para quê, cobrando juros de 28%.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Nuno Portas… Perdão…

Risos.

Sr. Deputado Paulo Portas, tem de terminar.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Tudo isto se passa, tudo isto é usura e ninguém faz nada!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Paulo Portas,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.

Protestos do PS.

Ó Sr. Presidente, eu obedeço às suas ordens. Não é o barulho da maioria que me dá ordens, é V. Ex.ª…

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Nem o mérito da minha tolerância decorria da confusão dos nomes…

Risos.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito obrigado. Eu termino, Sr. Presidente.
Por fim, desejo que tenham o sentido de justiça social de pensar que os mais pobres são os pensionistas e que é preciso tomar uma medida a favor das pensões de 236 euros, de 218 euros e de 181 euros, cujo poder de compra está devastadoramente consumido por esta crise.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Há três inscrições para pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas: V. Ex.ª veio fazer uma declaração política de congratulação pelo abrandamento das economias em toda a Europa e no mundo em geral, sendo certo que isso é para o CDS-PP fazer oposição, mas esquecendo que é mau para as populações de Portugal e do resto da Europa.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. José Junqueiro (PS): — Isto leva-me a pensar que V. Ex.ª ignorou deliberadamente, quando atribui enganos ao eleitorado…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Ao eleitorado?!

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O Sr. José Junqueiro (PS): — …, que também deve ter sido um engano e um erro o eleitorado ter «tributado» ao CDS-PP a confiança mínima nas eleições que ocorreram. Não se trata de culpa do eleitorado, mas de falta de credibilidade do CDS-PP e do Deputado Paulo Portas!

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

Fala V. Ex.ª na segurança social. Gostaria de saber se a segurança social do CDS-PP e de Bagão Félix é aquela que V. Ex.ª deixou em pré-falência e se, hoje, tem autoridade moral e legitimidade política para falar nas pensões, nas reformas, nos complementos para idosos quando deixou à beira da ruína aquela que é uma garantia essencial dos cidadãos e que o Governo do Partido Socialista tornou agora numa garantia forte e consolidada.
V. Ex.ª também esquece questões essenciais, como alguns dos sacrifícios que os portugueses tiveram de fazer pela má governação de que foi autor, nem que diga que o foi apenas de 8%! Sobre as medidas que partilham com o Governo, sobre as dificuldades que sentem as populações, que ainda ontem à noite foram anunciadas, nomeadamente o abrandamento do IMI, que atingiu um aumento máximo de 15%, ou as deduções no IRS, o Sr. Deputado Paulo Portas e o CDS-PP nada disseram! Para terminar, pergunto se a política do CDS-PP é ignorar estas realidades, se é fazer do abrandamento da economia uma oportunidade para o CDS-PP, ou se é incitar, como ainda recentemente vimos, aquando do problema das transportadoras, as pessoas à violência, e não ao diálogo, para resolver as questões sociais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, com toda a estima pessoal que, sabe, tenho por si, quando o partido maioritário começa a entrar em risco sério no sentimento da população, depois, defendê-lo, às vezes, leva-o a fazer caricaturas, como hoje fez.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Não culpei o eleitorado, respeito sempre a vontade do eleitorado! O que eu disse foi que o Governo se tinha enganado seriamente nas previsões, porque o Sr. Primeiro-Ministro disse que não podia prever a crise internacional. Mas já aqui demonstrámos outra coisa — e podia mostrar-lhe o Finantial Times de Outubro do ano passado, que dizia que o barril de petróleo iria aumentar para cima de € 100. Nessa altura, o que é que dizia o Dr. Teixeira dos Santos? Dizia: «Ficamo-nos por € 80».
Mais, mais grave: sexta-feira passada, na discussão das Grandes Opções do Plano que ocorreu aqui, o Governo disse que o barril do petróleo, em 2008, iria custar € 115 e está a € 145!! Mas disse mais: disse que «no 2.º semestre vai baixar»! Esta previsão é atrevida, Sr. Deputado José Junqueiro!! É porque não há muitas pessoas a prever que o petróleo vá baixar no 2.º semestre e, quando se erra na previsão do petróleo, com o impacto que isso tem do ponto de vista económico, todas as outras previsões saem erradas! Sr. Deputado José Junqueiro, já agora quanto à área social, penso que ainda não estão bem adaptados a este novo tempo de crise, porque se tivessem feito o vosso trabalhinho de casa reparariam que propusemos, no último Orçamento, a melhoria das deduções com os juros dos empréstimos à habitação. Sabemos quem votou a favor!!... Sabemos quem votou contra!!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Está a ver? Os senhores copiaram!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Quando os juros já tinham subido sete vezes, o CDS-PP disse que era preciso ajudar a classe média, melhorar os juros dos empréstimos.

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O Sr. José Junqueiro (PS): — E as fontes de receita?!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Responderam-me com os epítetos habituais. Mas afinal quem é que tinha razão?! Quem viu mais cedo e fez a proposta correcta? VV. Ex.as que, depois de dizerem que não podiam fazer, acabam por reconhecer que tínhamos razão?!

Aplausos do CDS-PP.

Último ponto: o Sr. Deputado não se iluda quanto à questão da pobreza maior dentro da pobreza. Há algo que os senhores nunca conseguem desmentir: sob a nossa influência, as pensões mínimas subiram, em três anos, 34 €; sob a vossa gestão, as pensões mínimas subiram, em três anos, 13 €. É a diferença de um compromisso!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas: Ontem, tivemos uma entrevista do Sr. Primeiro-Ministro que vinha recheado de slogans, mas que, na prática, não resistiu a aplicar o que nos últimos tempos tem aplicado na comunicação política, o «estilo Kalimero»: o mundo está cheio de azares, está cheio de maldades e o Sr. Primeiro-Ministro e os ministros do Governo do Partido Socialista são vítimas das maldades do mundo. A verdade é que fazer o teste da governação é perceber como é que se comportam os diferentes países quando há uma crise internacional. E aquilo que percebemos é que nós estamos menos preparados e, portanto, provavelmente, no final desta crise, vamos estar mais pobres do que os nossos parceiros europeus.
Foi até uma entrevista fácil, deva dizer-se. As questões do desemprego, da saúde e da educação são escolhas editoriais da RTP. Mas a verdade é que, com aquilo com que os portugueses se confrontam todos os dias nos serviços públicos e com uma taxa que se aproxima dos 8% de desemprego, o Sr. Primeiro-Ministro não foi confrontado! Houve outros aspectos curiosos. O Sr. Primeiro-Ministro anunciou, mais uma vez, fazer uma taxação sobre os lucros inesperados das petrolíferas. Tivemos também aqui, hoje, com as palavras do Sr. Deputado, um momento histórico: o CDS-PP reconhece, pela primeira vez, a possibilidade de vir a taxar esses lucros.
Pergunto-lhe mesmo, Sr. Deputado: quando é que o CDS-PP vai chegar a adoptar a posição de que é necessário regular o mercado dos combustíveis e os preços? Há outra matéria que penso que devíamos discutir. Ainda ontem, aqui, tivemos oportunidade de discutir com o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros aquela que, na prática, constitui a «morte anunciada» do Tratado de Lisboa. Quando se fala de taxas de juros no que diz respeito aos empréstimos à habitação, quando se fala do impacto que isso tem tido na vida dos portugueses, é preciso perceber que se trata de política europeia. Ou seja, discutir, hoje, uma estratégia para a Europa é perceber que as decisões do Banco Central Europeu são tomadas sem qualquer tipo de controlo político e, portanto, sem qualquer possibilidade de ajudar os portugueses.
Ora, quando se discute política europeia é isto que se deve discutir, e não podemos, portanto, ter a atitude do Partido Socialista, que pensa que quando as pessoas votam «não» em relação aos tratados europeus estão a votar por causa de questões internas e que quando votam «sim» é porque querem construir uma Europa. Não! Falar de taxas de juros da habitação é falar de política europeia!! Gostaria, portanto, de saber qual a posição do CDS-PP sobre esta matéria, porque quando fala do Tratado de Lisboa são exactamente estas subidas das taxas de juro sem qualquer tipo de controlo político que o CDSPP está defender!

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, agradeço a sua pergunta.
Manifestamente, há uma grande diferença entre o proclamado «Menino de Ouro» e a crise de «chumbo» que o País está obviamente a viver, do ponto de vista dos mais pobres, dos idosos, dos que têm enormes dificuldades e face aos quais o Governo podia ter optado pelas medidas que estão à sua disposição.
A carga fiscal está à disposição dos governos, não é da competência comunitária, excepto na questão do IVA — e mesmo neste caso há margem de manobra —, e este Governo decidiu não o fazer. Considero que o Governo devia ter tomado, desde o início, uma medida que beneficia toda a economia por causa do impacto dos combustíveis em toda a economia, e beneficia uma grande parte — para não dizer a totalidade — dos consumidores, directa ou indirectamente. Isto é, a medida que permitia estancar o declínio da nossa economia e responder excepcionalmente a uma situação excepcional era, obviamente, a de diminuir a carga fiscal sobre os combustíveis.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Era muito mais eficiente do que o ponto a menos no IVA, do ponto de vista dos preços e da devolução do poder de compra.

Aplausos do CDS-PP.

Mas devo dizer que nunca confundi, nem no Banco de Portugal nem no Banco Central Europeu, a independência dos órgãos com a ausência de escrutínio ou de raciocínio crítico.
Portanto, defendo, como outras pessoas na União Europeia, uma Europa bastante menos abstracta e bastante mais atenta à realidade e à necessidade de ter competitividade e crescimento económico.
Deixe-me dizer ainda que percebo que a Sr.ª Ana Drago não preste demasiada atenção às intervenções do CDS-PP. Mas, Sr.ª Deputada Ana Drago, de todo em todo, não é esta a primeira vez que defendemos que lucros excepcionais podem ter medidas excepcionais de tributação.
Defendi, aqui, em diálogo com o Sr. Primeiro-Ministro, que era preciso, perante a crise dos combustíveis, elaborar aquilo a que eu chamei uma «teoria da justa repartição do esforço». Há três partes no contrato dos combustíveis: a Galp continua a manter a sua margem de lucro; o fisco está a arrecadar mais dinheiro; e cai tudo em cima do contribuinte ou do consumidor. Não considero que seja justo que lucros excepcionais não tenham qualquer tributação nem considero que seja moral, e não aceito, que o Estado arrecade todos os dias mais dinheiro em IVA sobre a totalidade do preço! Cada vez que o preço do barril sobe e o preço sobe, o Estado está a arrecadar mais dinheiro e, perante o sacrifício da economia, não aceito que o Estado nada faça! Portanto, as três partes do contrato têm de fazer um esforço. Neste momento, só o contribuinte é que o faz.
Mas, Sr.ª Deputada, o Sr. Primeiro-Ministro tem de garantir que, se lançar a taxa, no dia seguinte a Galp não aumenta o preço para compensar a taxa que o Sr. Primeiro-Ministro lançou. Atenção a esta questão!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, traz-nos hoje o Sr. Deputado um assunto com grande actualidade política: a entrevista dada ontem pelo Sr. Primeiro-Ministro.
Acho que da entrevista do Sr. Primeiro-Ministro resultou que o Governo continua a não ter resposta para a dimensão da crise económica e social que estamos a viver — e esse é o ponto fundamental da situação política actual. É que a crise aumenta, as taxas de juro aumentam, com a conivência do nosso banco central e do Governo, o custo de vida aumenta, enquanto os salários e as reformas diminuem, e o Governo não tem uma política séria e contundente para fazer face a esta crise.
E a falta de resposta do Primeiro-Ministro é tão evidente e ele ficou tão incomodado com as sete medidas urgentes que o PCP apresentou há poucos dias nesta Assembleia que procurou ridicularizá-las.

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Mas é ridículo propor que, numa situação em que aumenta brutalmente o custo de vida, muito acima daquilo que é a estatística do INE, os salários, que há vários anos se degradam, tenham um aumento para compensar uma parte desse aumento do custo de vida?! É ridículo propor-se que as reformas (muitas das quais aumentaram abaixo da inflação), designadamente as reformas mais baixas, sejam revalorizadas para face ao aumento do custo de vida?! É ridículo propor que, face ao aumento do desemprego — e o Primeiro-Ministro, que, há três meses, anda a falar do início da queda da taxa de desemprego, ontem não falou de desemprego, pois o desemprego aumentou novamente —, não possa haver menos gente a receber o subsídio de desemprego e que essa situação seja alterada?! Não, não é ridículo!! Tal como não é ridículo propor que a taxa de juro, que hoje é suportada pelas famílias nos empréstimos à habitação, tenha uma interferência do banco público, para que o mercado não vá compensar os prejuízos que tem a nível internacional carregando, ainda mais, nas famílias portuguesas e nos seus empréstimos à habitação.
Isso não é ridículo; é necessário e indispensável! Mas quero falar, em particular, da questão dos combustíveis. É porque o PCP tem vindo a propor — e agendou um projecto de resolução que foi votado no dia 26 — que se taxem os lucros especulativos, aqueles que são baseados na valorização dos stocks, por via do aumento do preço do petróleo.
Ora, o que é que o Governo, o PS, e também o PSD e o CDS, diziam? Diziam: «Nem pensar! Lá estão os senhores a querer atacar as empresas!» Pois agora vemos que já conquistámos o Sr. Primeiro-Ministro para essa nossa proposta e que aquilo que era inaceitável antes, depois de na União Europeia lhe terem dito que era melhor pensar melhor no assunto, já parece ser agora uma coisa aceitável.
Ficamos contentes por ter conseguido apresentar uma proposta importantíssima para conter a subida do preço dos combustíveis, tão importante e tão séria que se impôs ao Governo e à sua relutância e que se impôs até ao CDS, que no passado dia 26 votou contra ela, aqui, na Assembleia da República.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Ó Paulo Portas…!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sabe porquê! Sabe porquê!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas, Sr. Deputado Paulo Portas, digo-lhe com sinceridade…

O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.
Ficamos contentes, Sr. Deputado, por ter mudado de posição, ficamos contentes por não falar só na parte fiscal e por olhar — por uma vez que seja, mesmo que por imposição da realidade — para o escandaloso lucro que está a onerar as famílias portuguesas.
Esta nossa proposta fez vencimento e muitas outras vão ter de fazer também.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, em primeiro lugar, gostaria de dizer o seguinte: do meu ponto de vista, politicamente, há dois aspectos que prejudicaram seriamente a paciência que o País tem para este Primeiro-Ministro. Primeiro, o facto de ele nunca responder ao que se lhe pergunta; e, segundo, a tentativa que ele faz, vezes de mais, de ridicularizar os adversários.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Não concordo com muitas das vossas propostas, mas não as ridicularizo. São legítimas e representam um sector de opinião nesta Câmara! O Primeiro-Ministro, vezes de mais, desqualifica, procede a ataques de carácter e tenta ridicularizar a oposição.

Vozes do PS: — Não é verdade!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — O que o Primeiro-Ministro não consegue entender é que, quando um ano depois dá razão à oposição, quem não fez boa figura foi ele e quem fez o que devia foi a oposição.

Aplausos do CDS-PP.

Em segundo lugar, quero dizer-lhe o seguinte: exactamente porque temos divergências, o Deputado Bernardino Soares sabe, porque é uma pessoa atenta, que nós defendemos, desde o início, que era preciso uma justa repartição do esforço — dissemo-lo aqui vezes sem conta! —, que não era possível manter lucros excepcionais sem nada acontecer, seja da parte da companhia, seja da parte do fisco, e que não era possível tributar, cada vez mais, o consumidor.
Agora, em relação à sua proposta, ela não resolve dois problemas. O primeiro, para o qual volto a chamar a atenção (e é por isso que acho que o Primeiro-Ministro anda a estudar, a estudar, a estudar, e que, depois, vai passar o Verão a estudar…) é o seguinte: como é que se impede que a companhia, no dia seguinte, aumente o preço «para compensar» — dirá ela — o imposto?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A nossa proposta resolve!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — O segundo problema é o de que o Partido Comunista Português não defende, e nós defendemos, a queda da carga fiscal que o Estado arrecada sobre o litro do gasóleo e da gasolina. E defendemo-lo por uma razão muito simples: não é moral, não é aceitável, não tem equidade e não é justo que, quanto mais sobe o preço do barril e quanto mais sobe o preço, mais o Estado ganhe em IVA, todos os dias.

O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — O Estado vê as empresas com um garrote, vê as pequenas e médias empresas a perder dinheiro, vê a classe média a ter o seu poder de compra arruinado, e continua a ganhar dinheiro com isto. Não é aceitável! Ou seja, justo é tributar excepcionalmente o que é excepcional, impedir que o Estado ganhe com a crise dos outros e aliviar o contribuinte e o consumidor. Isto é que é uma teoria e um sistema justos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Na sua «estreia parlamentar absoluta» como líder parlamentar, tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Paulo Rangel.

Risos.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Faço, aqui e agora, a minha primeira declaração política como Presidente do Grupo Parlamentar do PSD — e faço-a, naturalmente, só e já depois da primeira reunião do Grupo Parlamentar, após a eleição da nova direcção.
Eis o que impõe, perante a Assembleia da República e os portugueses que ela representa e nela representados, uma tomada de posição quanto à nossa atitude política e programática.

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Antes do mais, uma palavra de agradecimento para as duas direcções parlamentares do PSD desta Legislatura, respectivamente encabeçadas pelos Deputados Luís Marques Guedes e Pedro Santana Lopes, que desenvolveram com afinco e brilho o seu trabalho em condições singularmente difíceis.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Faço, pois, a título excepcional, uma confissão de vezo pessoal: foi com essas direcções e com esses presidentes que aprendi a ser Deputado e que adquiri o brio e o orgulho em representar os portugueses. Presto, portanto, a essas direcções e aos seus presidentes as nossas e as minhas pessoalíssimas homenagens.

Aplausos do PSD.

Sr.as e Srs. Deputados: O PSD — na esteira da sua tradição nunca quebrada — actuará, relativamente a todas as bancadas, com uma atitude de lealdade, de cooperação e de responsabilidade. Trabalharemos sempre com o sentido de serviço próprio do mandato popular. Recusaremos liminarmente o «facciosismo» ou o espírito de facção — essa doença viral que tantas vezes mina e perturba a actividade parlamentar.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Diremos mesmo à bancada que apoia o Governo e, bem assim, ao Governo que podem contar com uma oposição aguerrida e motivada, mas construtiva. Mas que não haja ilusões: seremos exigentes, vigilantes, veementes!

Aplausos do PSD.

Sabemos bem que Portugal se encontra hoje num impasse: a governação de 10 longos anos do PS — 1995-2002 e 2005-2008 — falhou e claudicou. É agora evidente para todos o que de há muito era já manifesto para nós: o PSD é chamado a assumir a sua responsabilidade histórica!

Aplausos do PSD.

Responsabilidade histórica que assume com o sentido de dignidade que sempre o marcou e com o sentido de defesa irredutível das liberdades públicas e, em particular, da centralidade e do prestígio do Parlamento como coração da democracia.
Não aceitaremos, por isso, que o Governo se dirija ao Parlamento como uma espécie de palco ou plateau para fazer oposição à oposição.

Aplausos do PSD.

Um Governo que centra o seu discurso na oposição à oposição é um Governo em desnorte e desespero, que já não governa, que renunciou à tarefa de governar.
Por muito que isso custe aos titulares do poder executivo, no nosso sistema constitucional, é o Governo que depende da Assembleia da República e não o contrário. É o Executivo que tem de dar explicações, que tem de responder a perguntas, que tem de se submeter ao escrutínio dos Deputados, legitimamente eleitos — e precisamente eleitos — para fiscalizarem a actividade governativa.

Aplausos do PSD.

Rejeitaremos também, e sempre, o argumento estafado e pirotécnico de uma subitamente adquirida «autoridade moral». No Parlamento, Srs. Deputados, não se trata da autoridade moral, nem de moralismo ou moralismos, seja o serôdio, seja o calvinista. No Parlamento, trata-se só de autoridade política. E os

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Deputados do PSD, todos e cada um, sem excepção, gozam da plena autoridade política que lhe confere o voto dos cidadãos. Não quis o povo que fôssemos eleitos, entre 2005 e 2009, para governar; mas quis que estivéssemos aqui para fiscalizar a actividade do Governo e apresentar as nossas propostas alternativas. É o que temos feito e é o que vamos fazer, sem tibiezas, nem complexos.

Aplausos do PSD.

Não deixaremos passar incólume — porque é essa a obrigação que temos para com o povo português — a grande, a maior das contradições deste Governo: uma política que faz «juras de amor» ao rigor nas contas públicas, mas não hesita em propor um programa ciclópico e impagável de obras públicas.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Programa esse que, sem mais explicações e tal como se conhece, comprometerá as finanças públicas por décadas e décadas e agravará dramaticamente a actual situação de endividamento do Estado, das empresas e das famílias.
Mas que rigor é este — que rigor de pacotilha e algibeira — que, hoje, proclama as virtudes do saneamento das finanças públicas e não se importa com a saúde e com a transparência das mesmas, nos próximos anos e décadas?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Que rigor é este que, em nome de um suposto espírito empreendedor, se dispõe a hipotecar — a hipotecar literalmente — a liberdade de escolha e os meios de vida das gerações futuras? Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É com este sentido de missão, é com um agudo sentido do dever que exerceremos o nosso mandato.
Mas à consciência do dever e do privilégio vamos juntar a convicção, o entusiasmo, o ânimo, a alma de quem sabe que se abre agora uma janela de expectativa e de esperança para os portugueses. De expectativa e de esperança numa nova política onde pontifique a relação de verdade com os cidadãos, a promoção da liberdade pessoal e geracional, a criação de condições económicas e sociais de uma vida melhor.
Por isso mesmo, termino com uma citação de um discurso da Presidente do partido no momento em que fez a sua primeira intervenção como líder parlamentar do PSD: «A minha maior ambição é vir a ser o último líder parlamentar do PSD na oposição».

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Rangel, quero começar por felicitá-lo e desejar-lhe um bom desempenho nas funções para as quais foi eleito pelo seu grupo parlamentar.
Seguidamente, gostaria de dizer-lhe que não podemos estar mais de acordo com a ideia a que aludiu há pouco relativamente à centralidade do Parlamento. Mas quero recordar que, pela primeira vez na história da nossa República democrática, a centralidade do Parlamento foi correspondida com uma reforma estrutural dos poderes de fiscalização da Assembleia da República contra a qual os senhores estiveram.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — É bom lembrar!

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O Sr. Alberto Martins (PS): — A Assembleia da República, como espaço central do debate político e como instância fiscalizadora, teve, nesta legislatura, uma ruptura radical, através da reforma do Parlamento. O único partido que esteve contra foi o PSD!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Alberto Martins (PS): — Por isso, Srs. Deputados, o Parlamento, no coração do nosso Estado constitucional, tem um lugar determinante, decisivo, fiscalizador, um lugar político liderante. O Partido Socialista e as restantes bancadas, contra o PSD, deram provimento a essa situação constitucional.
Por outro lado, devo dizer que o Sr. Deputado não resistiu, nesta sua primeira intervenção, à tentação de seguir de perto a linha ideológica do Deputado Paulo Portas, integrando o cortejo dos «profetas da desgraça» e até, no caso, dos «profetas do dia seguinte».

Risos.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — A linha ideológica é boa, não é desgraça!

O Sr. Alberto Martins (PS): — Ora, o que se passa é que o Governo já tomou medidas estruturais para responder à crise internacional ao nível dos combustíveis, das matérias-primas, dos produtos alimentares, da elevação das taxas de juro.
O Governo tomou medidas em quatro vertentes essenciais, e não há que esconder ou deixar de as tomar na devida nota. São elas: atenuar de forma equitativa e solidária os sectores mais abalados pela crise; levar a cabo medidas no âmbito da revelação e do controlo dos preços dos produtos; tomar medidas no âmbito da poupança energética e da procura de soluções energéticas alternativas e, ao nível da União Europeia, medidas conducentes a taxas justas no sentido de debelar a crise em que estamos.
Por último, o Sr. Deputado fez uma afirmação muito justa no plano ético-político relativamente à ideia da lealdade e responsabilidade.
A pergunta que lhe deixo, cumprimentando os seus antecessores na direcção da bancada, Dr. Luís Marques Guedes e Dr. Pedro Santana Lopes, é se agora, com a sua liderança, podemos contar com um Partido Social Democrata que honra a palavra dada.

Aplausos do PS.

Nós fizemos um acordo. Pus a minha assinatura com a de honrados Deputados do PSD no pacto da justiça e no pacto sobre a Lei Eleitoral Autárquica. Esse acordo foi violado de forma inaceitável.
Por isso, repito, estando de acordo com os valores da lealdade e da responsabilidade, a pergunta que lhe deixo é se, agora, a honra pela palavra dada será cumprida pelo PSD.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, agradeço penhorado os seus cumprimentos.
Permita-me que lhe diga, quanto à questão do Regimento, que penso que é tempo de não se fazer aqui demagogia.

Protestos do PS.

Todos sabemos que o PSD não votou o Regimento por razões que têm que ver com a compreensão tradicional nas democracias parlamentares sobre qual é o estatuto do maior partido da oposição. Foi por isso, e só por isso!

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Quanto ao resto, não me custa nada dizer-lhe (porque a nós isso não custa nada) que houve, de facto, uma melhoria no plano regimental. Sobre isto não temos dúvidas.
Mas uma coisa são as leis, outra coisa são as práticas.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — E as práticas do Governo, nesta matéria, deixam muito a desejar.
O Sr. Primeiro-Ministro raras vezes responde às perguntas que lhe fazem, os Ministros raras vezes trazem os elementos que lhes são pedidos, e isto não é uma prática parlamentar saudável. Mas isso já sabemos.
Há a law in books e a law in action. Quanto à law in books, houve progressos e eu saúdo o PS por ter promovido esses progressos. Não tenho qualquer problema em afirmar isto, porque não nos custa nada. Mas quanto à prática, creio que ela é, ainda hoje, mais ultramontana do que era antes do Regimento.

Aplausos do PSD.

De resto, devo dizer-lhe que a nossa leitura sobre a actual situação económica e social em Portugal não é uma leitura catastrofista. É uma leitura de grave preocupação.
E a melhor prova, a prova mais evidente de que o Governo não tem respostas para esta crise — que, aliás, em muitos casos, já estava presente antes mesmo da crise internacional —, foi a entrevista de ontem com o Sr. Primeiro-Ministro. Não há uma medida, não há um plano que ontem tenha sido apresentado. «Nada de novo debaixo do sol»! A verdade, meu caro Deputado Alberto Martins, é que da entrevista do Sr. Primeiro-Ministro — aliás, de certa forma, pouco respeitadora do Parlamento, porque quis antecipar o debate do estado da Nação, anunciando, na comunicação social, aspectos que traria para aqui — não saiu uma única solução para a crise.
Ou seja, tenha ela origem, como estamos convencidos, nas políticas que o PS segue desde 1995, tenha ela origem na crise internacional actual, a verdade é que não foi apresentada solução alguma.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Rangel, cumprimento-o pela sua declaração política enquanto líder parlamentar.
Não vou reiterar as felicidades que já lhe desejei, aqui, no Hemiciclo, porque felicidades ao quadrado já seriam suspeitas.

Risos do PS.

Mesmo vindas do Bloco de Esquerda… Reparo que, numa ingressão interna que fez na actividade do Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado teve a oportunidade de saudar as anteriores direcções parlamentares, e nós, que somos observadores empenhados, verificámos que essas direcções tiveram contradições nas políticas apresentadas, quer sobre obras públicas, quer sobre o referendo ao Tratado europeu, quer sobre o sistema fiscal, bem como em variadíssimas outras matérias. Umas direcções defenderam umas coisas, outras defenderam outras, independentemente do programa e dos compromissos eleitorais do seu partido.
Creio que, na sua intervenção de hoje, o Sr. Deputado descobriu o «ovo de Colombo». É que, sobre isso e nada, disse tudo ou coisa nenhuma! Foi uma intervenção absolutamente vazia de proposta política, pelo que não sofre o ónus das anteriores direcções parlamentares do seu partido, que tinham de contradizer-se umas às outras. O Sr. Deputado conseguiu fazer o pleno: dizendo nada, conseguiu unificar toda a bancada.
Parece-me que isso não é muito vitalizador do debate parlamentar. Portanto, julgo que se trata de uma nova «moda» no Partido Social Democrata: dizer o menos possível e não apresentar qualquer proposta. Foi exactamente esse vazio que esta bancada sentiu.

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Ouvimo-lo com a máxima atenção, com todo o rigor que seria necessário, mas, da sua parte, e para augurar novos tempos de intervenção do Partido Social Democrata, não houve uma única proposta sobre qualquer área da vida nacional.
É exactamente isto que temos a reprovar no Partido Social Democrata, porque ao menos as outras bancadas tiveram o esforço e o ónus político de apresentar as suas alternativas. A não ser que o PSD tenha inventado este estilo, que é um estilo de existir no «limbo», proclamando-se como alternativa e não ter uma única proposta política.
Sr.ª Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, esse estilo não é acompanhado, e esperamos propostas.
Se nós dizemos ao partido da maioria: «Digam alguma coisa de esquerda!» — que é coisa que não fazem —, dizemos também ao Partido Social Democrata: «Apresentem alguma coisa!».

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, tenho a dizer-lhe que o que hoje aqui fizemos (e foi isso taxativamente que fizemos) foi, no fundo, um roteiro sobre a forma como vamos estar no Parlamento.
Creio que isto era uma coisa que desde logo se impunha ao próprio Parlamento e, portanto, foi como tributo aos meus colegas Deputados das várias bancadas que o fiz. Se sente isso como uma coisa vazia, é um problema seu! Terá de viver isso como uma coisa vazia! Mas há um segundo aspecto que gostaria de referir, porque, ainda assim, julgo que não ouviu a intervenção toda com a atenção devida. Fizemos claramente uma demarcação da política governamental. A política governamental, neste momento, é uma política que está apostada na expansão colossal da despesa pública, mas, claro, com uma moratória de cinco ou seis anos, para que o Governo que está em funções não tenha de sofrer os efeitos da mesma.
E o que queremos dizer é que isso não é bom para o País. E não é bom para o País por várias razões: não é bom, em primeiro lugar, porque vai concentrar todo o desenvolvimento económico em duas ou três áreas, fazendo com que o País esteja cada vez mais dependente de certos sectores.
Em segundo lugar, não é bom para o País porque vai agravar o endividamento externo, ou seja, vai agravar o endividamento do Estado, das famílias e das empresas, e isso significa, claramente, uma política que retira da sociedade dinheiro livre para o investimento e que o concentra em dois ou três grandes «elefantes brancos».
Em terceiro lugar, devo também dizer-lhe que não é bom para o País porque acaba por também concentrar muito os sectores de actividade económica, essencialmente, na «alavanca» da construção civil. Aquilo que esperávamos, hoje, como políticas, eram outras políticas.
Portanto, se isto não são propostas — e hoje não era o dia de as fazer —, então, compreendemos por que é que o Bloco de Esquerda está há tantos anos numa oposição fora do arco da governabilidade: é porque não defende propostas sustentadas!

Aplausos do PSD.

Protestos do Deputado do BE Luís Fazenda.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Paulo Rangel, quero cumprimentá-lo, nesta sua primeira declaração política como líder parlamentar do PSD e dizer-lhe que em tudo o que diga respeito à valorização das competências da Assembleia e ao respeito pelos seus poderes de fiscalização do Governo terá, com certeza, o PCP a actuar. Sempre foi essa a nossa política e pensamos

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que é isso que valoriza o debate democrático e o funcionamento correcto dos órgãos de soberania nas suas relações entre si.
Agora, Sr. Deputado, respeito que tenha querido trazer-nos aqui uma apresentação da forma como o seu grupo parlamentar vai desenvolver a sua actividade, mas a verdade é que não há forma sem conteúdo. E é preciso olharmos todos — no País, olhamos todos — para o que é o conteúdo do PSD neste momento.
O PSD diz, com muita facilidade, o que não quer, mas com mais dificuldade diz o que quer. E se o Sr. Deputado diz, e bem, que ontem da entrevista do Sr. Primeiro-Ministro não saiu qualquer ideia que vá resolver os problemas principais do País, penso que podemos dizer o mesmo da entrevista que ocorreu no dia anterior.

Protestos do PSD.

Compreendemos bem a dificuldade do PSD! A dificuldade do PSD é a de querer aproveitar a justa indignação com a política deste Governo mas não querer dizer que a sua política é em tudo semelhante àquela este Governo pratica.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E esse é que é o problema! Permita-me que lhe diga mas essa é que vai ser a sua principal dificuldade, até ao fim da Legislatura: dizer que está contra o Governo sem querer dizer que, em muitas coisas, está de acordo com aquilo que o Governo pretende e propõe.

Vozes do PCP: — Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não basta dizer, Sr. Deputado Paulo Rangel, que o PSD quer uma política de verdade e de liberdade pessoal, uma vida melhor — isso está tudo muito bonito! Mas nós queremos é saber se o PSD está a favor ou contra o Código do Trabalho; se o PSD está a favor ou contra uma mais justa tributação dos lucros da banca; se o PSD está a favor ou contra a preservação do Serviço Nacional de Saúde ou da sua progressiva privatização; se o PSD está a favor ou contra a continuação das privatizações de empresas essenciais, como este Governo está a fazer; se o PSD está a favor ou contra a política de direita do PS — que é a sua, é a que seguiram sempre — ou se o PSD vai trazer aqui alguma novidade, de que ninguém está à espera, porque ninguém espera que do PSD venha a tal «janela» de expectativa e de esperança, porque não há expectativa com políticas semelhantes, não há esperança em partidos que sempre apresentaram a mesma política, com a qual é preciso romper.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, permita-me dizer-lhe — já agora, pegando mesmo nesta frase final — que se há partido que nunca nos causa surpresa, esse é o PCP.

Vozes do PSD: — Exactamente!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Esse é o único de todos que não nos causa surpresa alguma!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso é um elogio!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Claro, é um elogio também, vai a favor da coerência, mas é uma coerência tão férrea, tão férrea, tão férrea que nunca consegue surpreender seja quem for!

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Incoerência é que é bom!…

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Isso até o Bloco de Esquerda consegue surpreender, mas o PCP não! Esta é a primeira coisa que quero dizer-lhe.
Depois, Sr. Deputado Bernardino Soares, devo dizer que, de toda a sua intervenção, há um aspecto que quero realmente realçar: esse aspecto é o da entrevista da Presidente do PSD. É que, de facto, essa entrevista pôs um conjunto de questões para as quais, depois de 48 horas, ainda não há uma única resposta.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Nem da própria!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Até este momento, não há uma única resposta! Continuamos à espera e, por isso, a sua pergunta sugere-me, de facto, uma interpelação — que, no fundo, é uma interpelação ao Governo e à bancada do PS — que é a seguinte: quando é que vão responder às questões que, neste momento, afligem os portugueses e que foram claramente enunciadas nessa entrevista da última terça-feira?

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Questões sérias!

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — É esta a reflexão que me sugere a sua intervenção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para proferir uma declaração política, em nome do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste nosso tempo, em que as diferenças políticas e ideológicas são cada vez mais discutidas e resolvidas democraticamente, nenhuma utopia, nenhuma visão do mundo tem o direito de sequestrar pessoas em nome de um amanhã qualquer.
É por isso que saúdo a libertação dos sequestrados das FARC — Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, nomeadamente Ingrid Betancourt, a quem quase foram roubados os sonhos e a vida.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

Mas subi a esta tribuna para abordar outro tema, Sr.as e Srs. Deputados: há cerca de duas semanas, o Parlamento Europeu aprovou a directiva que estabelece normas e procedimentos comuns nos Estadosmembros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, a chamada Directiva de Retorno.
A aprovação desta directiva é um revês para os objectivos da Cimeira Europa/África que a Presidência Portuguesa efectuou em Lisboa, em Dezembro de 2007, e é, por igual, uma derrota para as organizações de direitos humanos. Efectivamente, foram derrotadas as igrejas, as organizações laicas, as associações de imigrantes; foram derrotados os que acreditavam que, pondo em risco a defesa dos direitos fundamentais, como põe, a Directiva seria recusada pela maioria dos eurodeputados. Mas não! Os eurodeputados da esquerda votaram contra, a direita votou a favor e a directiva foi adoptada tal como foi apresentada pelo Conselho.
Esta Directiva tem as seguintes características: admite a detenção até 18 meses — repito, 18 meses! — de homens, mulheres e crianças, não por terem cometido crimes mas pelo simples facto de estarem em situação irregular, pelo simples facto de terem procurado uma vida melhor. É uma medida claramente desproporcionada, exagerada e de conteúdo sancionatório parapenal evidente, é uma discriminação e um atentado ao direito à liberdade. Ela é apresentada como último recurso, mas poderá converter-se em medida ordinária.
Esta Directiva permite a detenção de menores com o pretexto de unidade familiar; permite a expulsão de menores não acompanhados, aceitando-se a possibilidade de serem devolvidos a tutores que não sejam parentes directos ou a instituições do seu país de origem.

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Esta Directiva impõe que a interdição de readmissão possa ir até aos cinco anos, penalizando duplamente os imigrantes, e poderá limitar o direito de asilo ao não ter em conta as diferentes circunstâncias políticas dos países de origem dos imigrantes, apesar de o direito de asilo ter uma directiva própria.
Esta Directiva limita as possibilidades de retorno voluntário.
Sei que alguns defendem que o fracasso da Directiva teria como única consequência a manutenção da actual desprotecção que, hoje, existe em alguns dos 27 países (concretamente em nove, Dinamarca, Finlândia, Reino Unido, Suécia, etc.).
Sei que a Directiva estipula que as decisões de repatriamento têm de ser tomadas caso a caso e devem assentar em critérios objectivos; que a Directiva determina que se tome em conta situações excepcionais; que a detenção só será permitida se outras medidas coercivas não puderem ser aplicadas ao caso e requer uma decisão escrita, fundada factualmente e nos termos da lei; que, no futuro, a Comissão terá capacidade para controlar e acompanhar mais de perto o que os Estados-membros fazem no domínio do regresso; que a existência de regras mais eficientes no domínio do combate à imigração ilegal e regresso permitirá que a União Europeia seja mais generosa em termos de imigração legal.
Sei tudo isto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, mas sejamos claros: esta argumentação não é convincente e, como diz um amigo meu, há pessoas que gostam de ser enganadas.

O Sr. António Filipe (PCP): — Está a falar do Rui Pereira!

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — O que a realidade factual nos diz é que estamos no século XXI, o século dos povos em movimento, como o qualifica António Guterres — 11,4 mil milhões de refugiados, 26 milhões de deslocados, 200 milhões que vivem, já hoje, num local diferente do seu país de origem.
Se juntarmos a tudo isto a acentuação da pobreza e das desigualdades, as alterações climáticas, a crise de combustíveis e dos alimentos, eis o cenário que leva a Europa a sentir medo: a sentir medo da imigração e a abdicar da sua matriz — a defesa da dignidade da pessoa humana e do Estado de Direito e é isso fundamentalmente que está em causa.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Todos sabemos que se não houver mecanismos que facultem a imigração legal, tende a aumentar a ilegal, promovida crescentemente por traficantes estruturadas em verdadeiras multinacionais do crime. Mas nós, socialistas, não devemos, não podemos nem queremos aceitar que a União Europeia aceite baixar padrões de protecção de direitos, que a União Europeia abdique da concepção de uma Europa de progresso social, respeitadora dos direitos humanos.
É evidente que não abdicamos do direito de os Estados terem instrumentos de defesa e que combatam a imigração ilegal, promovendo a legal, mas a aprovação desta Directiva não deixa de trazer brumas nefastas relativamente ao respeito pelos direitos humanos, que, em muitos países europeus, designadamente em Portugal, são dados adquiridos. Felizmente e orgulhamo-nos disso.
Com efeito, em Portugal, a legislação existente relativamente a esta temática é bem mais elevada e respeitadora dos direitos dos imigrantes do que a Directiva de Retorno. Um comunicado do Ministério de Administração Interna declarou: «A directiva não invalida as soluções que Portugal adoptou na lei dos estrangeiros. A legislação nacional vai continuar a ser aplicada» —, o que é aliás um direito consagrado na Directiva, nomeadamente no seu artigo 4.º.
As normas portuguesas já contemplam um regime de retorno voluntário e de afastamento que consagra com maior amplitude os direitos humanos.
Perguntar-me-ão: «mas qual é a alternativa? É deixar entrar toda a gente?» Não! Mas terá a União capacidade, não para receber toda a miséria do mundo, como disse o Presidente francês, numa expressão infeliz e redutora, mas para dar uma oportunidade a si própria e aos que desejam contribuir para o desenvolvimento da União Europeia, o que é generalizadamente reconhecido como necessário.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Vou terminar Sr. Presidente, dizendo que sei que a resposta à questão que enunciei não é fácil, mas não abdicamos de que os imigrantes sejam tratados de forma justa, humana e no respeito pela sua dignidade.
Numa Europa em crise demográfica, a imigração representa uma oportunidade e não uma ameaça.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista três pedidos de esclarecimentos, sendo o primeiro o do Sr. Deputado António Filipe, a quem dou a palavra.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Celeste Correia, trouxe a este Plenário uma questão relevantíssima, que é a da chamada Directiva de Retorno, foi aprovada no Parlamento Europeu depois de ter sido aprovada no Conselho.
A Sr.ª Deputada qualificou – e bem – na sua intervenção os aspectos mais negativos e repudiáveis desta directiva do retorno. Agora, gostaria de saber – por isso é que faço este pedido de esclarecimento – qual é a posição que devemos considerar a do Partido Socialista, se é a que a Sr.ª Deputada expressou na Tribuna ou se é a do Governo.
Isto porque, se é verdade que os Deputados portugueses do Partido Socialista, no Parlamento Europeu, votaram contra a Directiva de Retorno, também é verdade que não foi essa a posição do Governo português no Conselho,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — … pois fez uma declaração de voto mas votou favoravelmente.
Quando, há mais tempo, nesta Assembleia, na 1.ª Comissão, nós próprios questionámos o Governo sobre qual seria a sua posição, o discurso não era esse mas, sim, o de procurar trabalhar para uma posição de consenso, sendo que já se sabia perfeitamente que as posições do Presidente Sarkozy e do governo italiano, por exemplo, eram claramente xenófobas, posições às quais o Governo português tinha a obrigação estrita de se opor firmemente, e não o fez!

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, o Governo português também é responsável pela adopção da Directiva de Retorno na União Europeia,…

Vozes do PCP e de Os Verdes: — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — … e aquilo que a Sr.ª Deputada aqui diz que não quer que a Europa faça é aquilo que a Europa está a fazer, com a conivência do Governo português, infelizmente! Agora, sabemos o repúdio, designadamente nos países do MERCOSUL e da União Africana, que esta posição da União Europeia está a suscitar pela xenofobia que ela representa.
Mas há uma forma de a Assembleia da República dar um sinal muito claro nesta matéria, que é ratificar a convenção das Nações Unidas sobre os direitos dos trabalhadores migrantes e das suas famílias. Essa é uma proposta que o PCP trará em breve a esta Assembleia, que será agendada e que cremos ser a melhor resposta que a Assembleia da República pode dar a estes ventos de xenofobia que sopram na União Europeia.
E, aqui, coloco a pergunta: está ou não o Partido Socialista disponível para que o Estado português ratifique essa convenção das Nações Unidas, que o Governo português assinou mas que o Estado português ainda não ratificou?

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, muito obrigada pela sua questão.
Sr. Deputado, este é um tema à volta do qual é fácil misturar, às vezes, meias verdades, alguma demagogia e enganar desprevenidos. Referi daquela Tribuna – e é público e notório – um comunicado do Ministério da Administração Interna que declarou (e vou repetir) o seguinte: «a directiva não invalida as soluções que Portugal adoptou na lei de estrangeiros».

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas o Governo votou a favor!

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — A legislação nacional vai continuar a ser aplicada.
É um direito consagrado na directiva, nomeadamente no artigo 4.º As nossas normas já contemplam um regime de retorno voluntário, de afastamento, que tem uma amplitude maior relativamente aos direitos humanos.
Sr. Deputado, gostava de dizer-lhe que o que me parece é que o Governo português pretendeu que alguns países tivessem, pelo menos, essas regras mínimas. É que há países que não têm regras nenhumas e nem essas regras mínimas querem ter, como, por exemplo, os Estados Unidos.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ah, nivelam por baixo! Se alguém tivesse a escravatura, tínhamos a escravatura!

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — E, Sr. Deputado, quanto à convenção, discuti-la-emos proximamente, quando ela vier, aqui, à discussão.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ah, não se comprometem! O Governo não deixa!

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Celeste Correia, compreendo que tenha alguma dificuldade em defender as suas posições. Subscrevemos na íntegra a sua intervenção – na íntegra, não tenho a menor dúvida –, é uma intervenção oportuna, de grande rigor no seu conteúdo e de grande coragem política e que vai em contracorrente àquilo que são aos ventos da União Europeia.
Aliás, ela tem outras extrapolações bem mais importantes do que a já dramática situação dos trabalhadores imigrantes clandestinos. É que a Directiva de Retorno, chamada já popularmente directiva da vergonha, elimina completamente a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e quaisquer outras propagandas que os euro-entusiastas, até da sua própria bancada, vêm aqui fazer, porque essa directiva «arruma» todos os direitos humanos na União Europeia, bem como outras, tal como a directiva do tempo de trabalho.
Esses é que são verdadeiramente os direitos fundamentais na União Europeia, e os ventos são conservadores e muito à direita.
Já aqui foi assinalada a contradição entre a sua posição, justíssima, e a posição do Governo.
O Governo não teve «espinha» no Conselho Europeu.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Exactamente!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Aceito que a Sr.ª Deputada não o admita aqui. Muito bem, entendemos isso perfeitamente. Mas o Governo português não teve «espinha»,…

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O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — É um molusco!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — … não foi capaz de dizer «isso é uma barbárie e nós não votamos isso». Não foi capaz de dizer isso! E a Sr.ª Deputada bem sabe que, infelizmente também, o seu grupo parlamentar no Parlamento Europeu não foi uno, não teve todo a mesma posição acerca disto, o que lamentamos.
Mas, enfim, não queremos embaraçar a Sr.ª Deputada com as contradições do seu partido político e do seu Governo. Queremos, sobretudo, sublinhar que estamos consigo no que disse e numa luta fundamental pelos direitos humanos na União Europeia.
Qualquer carta de direitos – ainda ontem aqui proclamada em vão, absolutamente em vão, por um Deputado do Partido Socialista – é espezinhada quando se detêm crianças! Detêm-se crianças! É esta a União Europeia pré-revolução francesa, das elites, como dizia ontem, aqui, o Sr. Ministro Luís Amado! É esse o resultado concreto e bem-haja, Sr. ª Deputada, pela sua denúncia. Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, obrigada pelas suas palavras.
Gostava de lhe recordar – sem querer dar lições a ninguém mas também não as recebendo – que o PS tem na sua matriz a defesa dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Nós também!

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Contudo, gostava de lhe dizer com toda a clareza, que, de facto, o PS e o Bloco de Esquerda têm sobre estas questões de imigração visões muito diferentes.
Os senhores defendem para Portugal quase um programa de «Portugal de porta aberta», tipo «Palácio de São Bento de Porta Aberta» (não desfazendo, Sr. Presidente, no programa da Assembleia), mas nós não.
Os senhores, por exemplo, vão a Marrocos acompanhar os imigrantes expulsos, naquilo que me parece um claro convite à imigração ilegal – desculpe que lhe diga isso.
Isto é, Sr. Deputado Luís Fazenda, às vezes, os senhores endeusam os imigrantes; nós não os endeusamos mas também não os diabolizamos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — 18 meses!

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Além do mais, Sr. Deputado, se aprovássemos na lei de estrangeiros as vossas sugestões, teríamos deixado o Estado português sem meios para se defender do terrorismo, do tráfico de pessoas e da imigração ilegal. É essa a nossa diferença, Sr. Deputado, e é muita e grande.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Celeste Correia, começo por dizer que V. Ex.ª fez uma intervenção sobre um tema que julgo importante, o da imigração, cada vez mais importante, que é, aliás, uma das prioridades da presidência francesa, e relativamente ao qual o CDS sempre teve uma política clara e objectiva, que baseia a indispensável humanidade no acolhimento no rigor que é necessário nas entradas.

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Mas se a intervenção de V. Ex.ª me parece importante – e felicito-a por isso – no sentido de trazer um tema que é relevante, deixe-me que lhe diga que já não posso acompanhar o seu conteúdo, o qual me causou até alguma estupefacção.
Na verdade, fiquei com dúvidas (não as tinha, confesso) se o Partido Socialista defende, ou não, perante um fenómeno global que merece respostas também globais e que é complexo, a necessidade de uma política europeia comum! Francamente, fiquei com dúvidas se defende, de facto, uma política europeia comum para a área da imigração e do asilo, como julgava ser património do Partido Socialista! É que V. Ex.ª esqueceu-se de referir que os 18 meses da chamada Directiva de Retorno são para casos manifestamente excepcionais, não são para casos generalizados, e estão perfeitamente previstos! O que V. Ex.ª se esqueceu de referir é que esta directiva, há muito discutida, é um sinal claro, para as redes que exploram indecentemente homens e mulheres, de que desta vez é a sério.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — E a imigração legal é a única que, de facto, deve prevalecer e não continuar no limbo, em meias respostas do politicamente correcto da esquerda, que só promove a imigração ilegal e prejudica, em última análise, os imigrantes ilegais.
Aliás, tivemos aqui bem perto, em Espanha, um sinal do que é esta «política do coração e sem razão». Foi dado pelo Sr. Zapatero, que tragicamente, num processo de regularização extraordinário previsto para 400 000 imigrantes ilegais, no fim de dois meses tinha 800 000 e, no fim de seis meses, tinha mais 1,2 milhões. Ora, é o chamado efeito retorno que faz com que hoje o Sr. José Luis Zapatero, camarada de V. Ex.ª, assine esta directiva e volte completamente atrás naquela que era uma política de coração aberto que só deu em tragédias racionais.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr. Deputada esqueceu-se também que nesta directiva, nomeadamente na próxima presidência francesa, estará a questão da união para o mediterrâneo. Está previsto o apoio, como era necessário, ao desenvolvimento desses países como forma de combate efectivo à imigração. Não o disse! Ora, Sr.ª Deputada, tenho uma pergunta clara para lhe fazer.
Quanto a nós, somos claros há muito tempo: uma política de imigração tem que ser rigorosa nas entradas para ter coração na forma como acolhe. E enquanto País de emigração que já fomos, e ainda somos, infelizmente, por força das condições sociais em que vivemos, é necessário ser rigoroso na entrada.
Por isso, dada a intervenção que V. Ex.ª hoje nos trouxe, gostaria de deixar uma pergunta muito clara.
V. Ex.ª mostrou uma oposição clara relativamente ao partido que suporta a maioria relativamente a esta directiva. Vai ou não o Governo transpor esta directiva, como é a sua obrigação, não só legal como moral, dentro do prazo?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — O Sr. Ministro Rui Pereira disse que sim. Mas perante esta intervenção de hoje, Sr.ª Deputada, deixe-me que lhe diga, que fico com dúvidas. Mais uma vez, o Sr.
Primeiro-Ministro irá dizer que, afinal, a culpa é do Sr. Sarkozy, porque também não é dele…

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia, para responder.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, a questão é que a excepção tornou-se regra, e isso é que é grave.

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Como disse na minha intervenção, a legislação que temos em Portugal é bem mais respeitadora dos direitos dos imigrantes do que a directiva. E até referi o comunicado do Ministério da Administração Interna: «a directiva não invalida as soluções que Portugal adoptou na lei de estrangeiros». A legislação nacional vai continuar a ser aplicada.
Sr. Deputado, é esta a nossa posição: a legislação nacional vai continuar a ser aplicada…

O Sr. António Filipe (PCP): — Então, o que é que será que a preocupa?!

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — … porque, Sr. Deputado, as nossas normas já contemplam o retorno voluntário e de afastamento, as nossas normas já consagram, com muito maior amplitude, os direitos humanos.
Portanto, não vamos abdicar das nossas normas a favor da Directiva de Retorno.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — E o que fazem ao Dr. Rui Pereira?!

O Sr. Presidente: — Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Primeiro-Ministro, José Sócrates, entrou-nos ontem pela casa adentro para nos falar do seu Governo. Basicamente, veio pedir-nos desculpa pela crise em que vivemos, veio afirmar que «não havia alternativas ao sacrifício», veio dizer que tudo isto é inevitável e não depende dele: «a crise é internacional», não se pode fazer nada. E e, no que se pode, o Governo faz bem e não podia fazer melhor, garante o Primeiro-Ministro.

O Sr. Horácio Antunes (PS): — É verdade!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — O País que sufoca, que vê o futuro fugir-lhe debaixo dos pés, sabe que não é assim. Tudo, em política, depende de uma escolha e, nos momentos difíceis, tornam-se mais evidentes as escolhas que se fazem.
«Não havia alternativas aos sacrifícios», diz o Primeiro-Ministro. Mas aos sacrifícios de quem, Sr. PrimeiroMinistro e Srs. Deputados do Partido Socialista? Veja-se, por exemplo, como baixou a taxa efectiva de IRC paga pela banca no ano passado, que pagou menos 10%, quando os seus lucros subiram. Veja-se, por exemplo, o aumento brutal do lucro das gasolineiras. A Galp fechou o ano com 777 milhões de euros de lucro. Os especuladores gostam do «sacrifício» dos outros!… Ou veja-se, por exemplo, quem paga a factura da segurança social, com a nova lei que o Partido Socialista aprovou, de redução das pensões.
«Vencemos a crise interna, temos agora uma crise internacional que não depende de nós», diz o PrimeiroMinistro. Vencemos que crise interna? Mas quem é que a venceu? E, quanto à crise internacional, vamos cruzar os braços? É a total falta de vergonha na cara do Primeiro-Ministro,…

Protestos do PS.

… que nos disse, na campanha eleitoral, em 2005, que 7% de desemprego é a «marca de uma governação falhada» e de uma «economia mal conduzida», e que vem agora dizer, na televisão, que se venceu a crise interna porque se criou emprego! Como é possível tamanha lata quando temos hoje mais desempregados?!

Protestos do PS.

Srs. Deputados do Partido Socialista, exactamente, protestem!

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Temos hoje mais desempregados, em número absoluto, do que quando este Governo tomou posse.

Aplausos do BE.

Ainda ontem, a OCDE veio dizer que Portugal continuará a assistir ao aumento do desemprego ao longo de 2008 e, há dois dias, soube-se que o desemprego, no último mês, aumentou.
É por isso que o Primeiro-Ministro nunca se refere ao desemprego nem ao trabalho temporário e, quando fala de precariedade, é para explicar às empresas como é que podem fazer para legalizar o abuso.
O desemprego e a precariedade são a marca maior desta governação falhada do Partido Socialista…

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — … e não há truque de retórica que esconda esta realidade. O défice social a que o Primeiro-Ministro, ontem, tentou fugir é, precisamente, essa precariedade, a pobreza e as desigualdades.
Nenhum jogo com os números permite esconder o que todos os portugueses sabem: Portugal permanece o País mais desigual da Europa. O último relatório do Eurostat revela mesmo que Portugal é o único país da Europa com um fosso entre ricos e pobres maior do que o dos Estados Unidos.
Como mostra, aliás, um estudo coordenado pelo ex-Ministro Bruto da Costa, apresentado hoje mesmo em livro, entre 1995 e 2000, 46% das famílias portuguesas passaram pela pobreza.
Ao mesmo tempo que nos confrontamos com situações alarmantes de pobreza, denunciadas pelas instituições internacionais, é batido o recorde do número de milionários portugueses na lista dos mais ricos do mundo. Que orgulho!… Os quatro portugueses mais ricos têm só para si o equivalente a 5% do PIB português.
São 10 000 milhões de euros, num país em que o índice da desigualdade é o maior da Europa. E os mais ricos ainda ficaram mais ricos com as privatizações ao desbarato que este Governo lhes ofereceu.
Bem pode o Primeiro-Ministro vir à televisão dizer que Portugal está cada vez melhor que não é verdade, a realidade desmente-o. A vulnerabilidade social aumentou significativamente, há cada vez mais categorias de novos pobres, muitos dos quais são vítimas do sobreendividamento bancário e do despedimento.
E não é apenas o Bloco de Esquerda que o constata. Todas as instituições denunciam publicamente o aumento do número de famílias que recorrem à distribuição de alimentos.
Isabel Jonet, do Banco Alimentar Contra a Fome, veio afirmar que a situação estava a tornar-se «insustentável» e que o Banco Alimentar já não conseguia dar resposta aos pedidos de apoio de instituições, sendo que responde já a cerca de 232 000 pessoas.
Também a AMI, no Porto, denunciou que, entre 2006 e 2007, os pedidos de ajuda duplicaram e 60% das pessoas que pedem ajuda à AMI vão em busca de alimentos.
A crise social, o aumento da pobreza e o aumento do custo dos bens alimentares primários, muito superior ao aumento dos salários ou das pensões, coloca centenas de milhares de concidadãos na condição mais severa da pobreza, que é a fome.
Perante este drama social, perante o endividamento, o aumento da pobreza, as dificuldades, que resposta tem a política liberal para dar às pessoas? Os responsáveis do Banco Central Europeu (BCE), sentados no conforto das suas poltronas, decidiram esta manhã subir as taxas de juro em mais 0,25%. Os responsáveis do BCE defendem que, e passo a citar, «é preciso evitar que a actual alta da inflação pressione os Governos a serem mais generosos nos aumentos salariais»! Extraordinário!… «é preciso evitar que a actual alta da inflação pressione os Governos a serem mais generosos nos aumentos salariais»! «Generosos», os Governos?! Sabemos que os salários se têm perdido todos os anos e percebemos bem o que estes banqueiros nos estão a dizer: os desempregados, os pobres, os trabalhadores que paguem a crise.
Esta política monetária do Banco Central Europeu é para manter a injustiça e agravar as condições de vida das pessoas. E esta política monetária tão insensível e tão brutal tem responsáveis: José Sócrates e os seus apoiantes da bancada do Partido Socialista são exactamente os responsáveis pelo aumento das taxas de juro, porque fizeram os tratados que consagram este poder não democrático do Banco Central Europeu.

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Esta subida das taxas de juro, Srs. Deputados do Partido Socialista, é a vossa política para a Europa e o vosso Tratado. Não finjam que não é nada convosco, porque os senhores assinaram cada um destes aumentos dos juros.
O Primeiro-Ministro anunciou ontem que vai implementar medidas para compensar o aumento das taxas de juro. Ficamos à espera delas. Mas registamos, desde já, que o PS rejeita a proposta do Bloco de Esquerda de criar um juro bonificado para os desempregados de longa duração.
A direita anda encantada com o «menino de ouro»! Uma parte da direita desfaz-se em elogios ao Governo, outra parte, como é o caso da direcção do PSD, acha que a resposta para a crise se resume a uma medida: discriminar os homossexuais, como disse Manuela Ferreira Leite. Não se pode esperar nada destas ideias e destes deslumbramentos.
Por isso, a esquerda não pode conformar-se. Não é aceitável qualquer política que destrua direitos, que mantenha privilégios, que aceite e promova a injustiça como inevitável. O Governo do PS é, como reconheceu ontem o Primeiro-Ministro, uma desilusão e um desânimo. Isto não é novidade e, pelo menos nisto, podemos dizer que estamos de acordo com ele.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Helder Amaral.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Moura Soeiro, ouvi-o com atenção, registo a convicção do seu discurso e gostava de lhe fazer uma pergunta que tem a ver, essencialmente, com a parte fiscal e com a parte económica, porque, de facto, não é demais todos repetirmos aqui que há uma crise, como há muito pouco tempo o Sr. Primeiro-Ministro resolveu reconhecer, já que andou muito tempo no estilo do programa de ontem da televisão, por coincidência ou não, à «hora do Vitinho»,…

Risos.

… com um discurso mole, sorridente e para adormecer,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — … sem querer resolver os problemas do País.

Protestos do PS.

Mas quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que estamos numa economia de mercado. Esta é uma realidade inelutável e, quanto a isto, penso que concordará comigo, nada há a fazer. Por conseguinte, em vez de juntar a minha voz à do Sr. Deputado, nas críticas, gostava de dar aqui o meu contributo no sentido de tentar apresentar algumas alternativas quanto àquilo que o Governo pode fazer. E, por isso mesmo, quero fazer-lhe perguntas sobre alternativas, nomeadamente, em política fiscal.
Por exemplo, se olharmos para o preço do combustível e para a sua formação, verificamos que a refinação e o imposto são os dois grandes pesos na formação desse preço. Ora, a tributação será, de facto, o domínio em que o Governo pode intervir, por pequena que seja essa intervenção, não só porque, durante estes aumentos de preço, arrecada mais dinheiro em imposto, como já hoje aqui foi dito, mas também porque se trata de uma receita não expectável e, por isso, não interfere com a política de combate ao défice. Portanto, pergunto-lhe se consideraria justo ou não que se pudesse diminuir a carga fiscal do ISPP.
Outra verba que, se for ver, é paga por todos os portugueses — e esta é uma matéria que o Bloco de Esquerda percebe bem — é uma verba de cerca de 11 cêntimos, no combustível, para portagens nas autoestradas, quando nem todos os portugueses usam auto-estradas.

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — Sei que o Bloco de Esquerda concorda com uma maior utilização dos transportes públicos, com a protecção do ambiente que é possível fazer com um uso mais cuidado dos transportes públicos.
A minha pergunta é muito simples: concorda ou não que se devem introduzir portagens nas auto-estradas, mesmo criando uma discriminação positiva em zonas onde os critérios económicos possam ser relevantes e indicar que ela deve existir, responsabilizando o consumidor e não perseguindo o contribuinte,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — … ou seja, não fazendo pagar quem não usa auto-estradas e aplicando o princípio do utilizador/pagador, poupando-se, assim, 11 cêntimos no imposto sobre o combustível. Esta seria ou não uma medida interessante, que o Bloco de Esquerda também apoiaria?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Muito obrigado, Sr. Deputado Helder Amaral…

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra, Sr. Deputado José Moura Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Peço desculpa, Sr. Presidente.
Em primeiro lugar, agradeço ao Sr. Presidente e, depois, ao Sr. Deputado Helder Amaral.

O Sr. Presidente: — Ainda a Assembleia da República fará de V. Ex.ª um parlamentar de estilo tradicional.

Risos.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Veremos, Sr. Presidente. Veremos.
De qualquer forma, quero responder ao Sr. Deputado, porque já percebemos que há uma grande diferença entre o que o Bloco de Esquerda e o CDS-PP defendem. Para o CDS-PP, há princípios sacrossantos nos quais não se pode tocar: o mercado é sacrossanto, mesmo quando rouba os consumidores e os contribuintes.

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): — Roubar é pecado!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — O CDS sempre rejeitou tocar nos grandes lucros das gasolineiras e, portanto, quando o Bloco de Esquerda veio propor alternativas, nomeadamente a regulação administrativa dos preços, percebemos que o CDS rejeitava qualquer política de justiça que tocasse nos grandes interesses dessas empresas.

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Está desatento!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sobre as portagens, o Bloco de Esquerda é a favor de políticas de mobilidade que, evidentemente, beneficiem o transporte público, mas também sabemos que é preciso haver uma discriminação positiva das populações que têm menos acesso às vias de transporte e, portanto, rejeitamos as portagens onde esse acesso é indispensável.
Agora, o que é extraordinário é que sobre tudo isto o Partido Socialista não tenha vindo dizer nada nem defender o Primeiro-Ministro.
Ontem, discutimos aqui os rumos da Europa e percebemos que, quando os irlandeses dizem «não» a esta Europa liberal, que é também a Europa da Directiva de Retorno, bem como a Europa das leis sobre o trabalho,

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estão a dizer «não» aos tratados que dão poder ao Banco Central Europeu para fazer estas subidas das taxas de juro.
O Governo vem agora, de forma conformista e hipócrita, «deitar as mãos à cabeça» e tentar arranjar remedeios, quando a responsabilidade é vossa, Srs. Deputados do Partido Socialista, totalmente vossa, completamente vossa.
Os Srs. Deputados do Partido Socialista, que aprovaram estes tratados e apoiam esta construção europeia, a não democraticidade das instituições europeias e o não controlo democrático do Banco Central Europeu, ficam nestas situações remetidos a um confortável silêncio, mas é um silêncio que também diz muito sobre estas questões.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na passada terça-feira, assistimos a mais um lamentável episódio de exercício de arrogância por parte da maioria parlamentar do PS.
A bancada do PS, por instrução do Governo, impôs para a discussão, na especialidade, do diploma do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas e do diploma do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas um calendário vergonhoso e inaceitável.
A bancada do PS, para estes diplomas de enorme complexidade técnica e política, impôs as datas de 9 e 11 de Julho, depois do Plenário, para a audição das estruturas representativas dos trabalhadores. As propostas de alteração têm de dar entrada até ao dia 14 e a discussão na especialidade está agendada para o dia 15 e para a manhã do dia 16 de Julho.
Ora, estes diplomas, que vão alterar profundamente as relações laborais de milhares de trabalhadores da Administração Pública, não se compadecem com uma discussão na especialidade de um dia e meio.
Importa referir que o diploma que cria o Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas: é constituído pelo Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, e pelo respectivo regulamento, aprovado pela Lei n.º 35/2004, aos quais são feitas muitas alterações; altera o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, que trata do regime dos acidentes de trabalho dos trabalhadores da Administração Pública; altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos; altera o Código dos Contratos Públicos; e revoga dois decretos-leis. São, assim, mais de 1100 artigos, um diploma de enorme complexidade e importância para os trabalhadores da Administração Pública.
Ao mesmo tempo, a Comissão de Trabalho vai discutir e aprovar o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, que contém 82 artigos e propostas muito gravosas para os trabalhadores.
Isto tudo em menos de 10 dias úteis, sendo que destes, apenas um dia e meio é dedicado à discussão na especialidade, o que significa, na prática, uma não discussão destes diplomas.
Estes prazos de discussão na especialidade não são sérios e não permitem uma discussão aprofundada sobre as propostas do Governo. Este calendário condiciona, de uma forma inaceitável, o trabalho dos diferentes grupos parlamentares, eleitos pelo povo, e constitui uma ofensa à própria Assembleia da República.
Não há qualquer razão que determine esta pressa. Nada aconselha acelerar este processo legislativo, antes pelo contrário. A discussão do Código do Trabalho irá produzir alterações a este diploma, pelo que até seria aconselhável esperar. Apenas o calendário e a agenda política do Governo determinam, de forma irresponsável e com gritante falta de respeito pela Assembleia da República, estes prazos de discussão na especialidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bem se percebe as razões do PS para não querer uma verdadeira discussão na especialidade.
Percebemos que o PS esteja incomodado com estes diplomas, que constituem verdadeiros retrocessos sociais e laborais para milhares de trabalhadores…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — … e que são apresentados não pela mão da direita — que teria todo o orgulho em apresentar tais diplomas — mas, sim, por um PS que, fazendo um discurso à esquerda na campanha eleitoral, pratica uma política de direita.
Percebemos que o PS não queira ouvir os sindicatos, nomeadamente os da CGTP, que são frontalmente contra estes diplomas e mobilizaram os trabalhadores contra esta política e este Governo.
Percebemos que o PS queira limitar uma discussão na especialidade onde vai ser confrontado com os aspectos mais gravosos destes diplomas, tais como a possibilidade do despedimento por inadaptação, seja por não cumprimento de objectivos, por uma avaliação negativa ou por um alegada redução da produtividade, o que constitui um despedimento sem justa causa, proibido constitucionalmente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — O Governo e a bancada do PS não querem ser confrontados com uma discussão na especialidade onde fique claro o propósito de desregulamentar os horários de trabalho através da adaptabilidade, que abre as portas a horários de trabalho que podem atingir as 50 horas de trabalho semanal.
O Governo PS não quer ser responsabilizado pelo facto de introduzir a caducidade dos contratos colectivos de trabalho, obrigando, também na Administração Pública, os sindicatos a negociar sob a ameaça de caducidade.
O Governo PS não quer ser confrontado com a sua proposta de passar a ser considerado trabalho nocturno a partir das 22 horas e não das 20 horas, como actualmente.
A bancada do PS pretende furtar-se a uma discussão sobre o ataque que é feito à liberdade sindical, entre muitas outras questões. O Governo pretende determinar quem pode ou não negociar convenções colectivas de trabalho e pretende limitar o número de dirigentes que têm direito a créditos de horas para a actividade sindical a apenas 50 trabalhadores.
Estas são algumas das questões que estes diplomas comportam, o que demonstra, desde já, a complexidade dos mesmos e a importância de uma discussão aprofundada, que o PS quer negar.
Este comportamento e estes prazos de discussão na especialidade não são aceitáveis. São uma vergonha que mancha o trabalho legislativo da Assembleia da República e demonstram, mais uma vez, a falta de respeito que este PS tem pelos trabalhadores da Administração Pública

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O PS não pergunta nada?! Tem medo?!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, quero felicitá-lo por trazer este tema a Plenário.
Como sabe, o Grupo Parlamentar do CDS foi o primeiro grupo parlamentar a levantar esta discussão na Comissão de Trabalho.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — E bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — O que estamos aqui a discutir, para que não fiquem dúvidas na Câmara, não é o conteúdo deste diploma, pois admito que, no tema da função pública, o meu grupo parlamentar tenha uma visão muito diferente da do seu, e isso é legítimo, mas, sim, a forma como a maioria — e, para que não sobrem dúvidas, foi a maioria que propôs um calendário de discussão e não o Governo, é o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que tem esta responsabilidade e não o Governo, são os Deputados do Partido Socialista que se sentam na Comissão de Trabalho e não os membros do Governo, ainda que, pelos vistos, os Srs. Deputados do Partido Socialista estejam muito solidários com os membros do Governo —

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, como Grupo Parlamentar do Partido Socialista, propôs um calendário que é absolutamente inaceitável e impossível de cumprir.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista quer que, em cerca de um dia, se discutam e se votem na especialidade mais de 1100 artigos, todos eles com uma enorme dificuldade e complexidade do ponto de vista técnico.
Pergunto, Sr. Deputado, como comenta esta enorme teimosia do Partido Socialista, que ainda por cima é totalmente desnecessária. É que estamos a falar de um diploma que só vai entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009, pelo que não havia qualquer problema em fazer esta discussão com calma e ponderação em Setembro, quando já conhecêssemos a proposta do Código do Trabalho. Convém que não esqueçamos — e o CDS também perguntou isso ao Governo — que este é um diploma que altera um conjunto de disposições do Código do Trabalho, que vai, ele próprio, ser alterado.
Acha que o Partido Socialista está, eventualmente, com medo de que haja alguma declaração de inconstitucionalidade deste diploma por parte do Tribunal Constitucional, como já existiram outras também na reforma da Administração Pública? Acha que o que o Partido Socialista e o seu grupo parlamentar querem fazer é fugir a alguma contestação ou, única e exclusivamente, estão a agir a «toque de caixa» do Governo? Eu fiquei muito perplexo com o comportamento do Partido Socialista, porque admito que não é consentâneo com o comportamento de anteriores bancadas do Grupo Parlamentar do PS, que tinham uma forma diferente de discutir assuntos que são muito sérios. Mas, obviamente, gostava de ouvir o seu comentário sobre este tema.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, é verdade que o diploma apenas vai entrar em vigor em 2009 e, portanto, não há razão objectiva que determine, que obrigue, esta Assembleia da República a discuti-lo nestes prazos.
E para termos bem a noção do que está em causa, devo dizer que estamos a falar de um diploma complexo, isto é, são mais de 1100 artigos, são cerca de 1200 artigos,…

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — É obra!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — … para discutir e votar num só dia e meio. E discutir este diploma num dia e meio é absolutamente ridículo, e ninguém que nos ouve em casa nem qualquer dos Srs. Deputados acredita que se pode ter uma discussão séria relativamente a um diploma desta dimensão e desta complexidade com este calendário.
Portanto, Sr. Deputado, parece que a Assembleia da República vai passar aqui uma espécie de carimbo sobre esta proposta de lei do Governo,…

O Sr. António Filipe (PCP): — Nem pode carimbar todos os artigos!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — … porque uma discussão a sério sobre esta legislação de trabalho para a Administração Pública não vai ser possível, porque o PS, pura e simplesmente, usou, de uma forma arrogante, a sua maioria na Comissão de Trabalho para impor um calendário que foi claramente concertado com o Governo. Sobre isso, não haja dúvidas.
Portanto, o que este PS está a dizer a todos os trabalhadores da Administração Pública é que eles vão ter um novo Código do Trabalho, sem que este tenha um mínimo de discussão cuidada nesta Assembleia da República,…

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — É verdade!

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — … o que não só demonstra falta de respeito pelos trabalhadores da Administração Pública mas também falta de respeito pela função essencial da Assembleia da República, que é a função de legislar com seriedade e com profundidade.
Só a agenda do Governo de não querer confundir esta legislação com o Código do Trabalho, para não mostrar aquilo que já é óbvio para todos os trabalhadores, isto é, que a ofensiva do Governo contra os trabalhadores é global, é que o leva a ter esta pressa. Agora, ataca-se os trabalhadores da Administração Pública com a aprovação desta legislação a correr e de uma forma pouco séria e, depois, atacam-se os restantes trabalhadores com a aprovação do Código do Trabalho! Em nossa opinião, Sr. Presidente e Sr. Deputado Pedro Mota Soares, este comportamento é absolutamente inaceitável e é uma vergonha que fica claramente associada a esta Assembleia da República, por culpa da bancada do Partido Socialista.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 212/X — Procede à quarta alteração ao regime jurídico do recenseamento eleitoral, estabelecido pela Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e consagra medidas de simplificação e modernização que asseguram a actualização permanente do recenseamento.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna (José Magalhães): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de exprimir aqui o agradecimento do Governo ao Sr. Presidente, aos grupos parlamentares e aos Srs. Deputados, que aceitaram dar prioridade a esta proposta de lei tanto na 1.ª Comissão como, agora, no Plenário. Essa celeridade é de importância crucial para o sucesso da reforma planeada e que está sintetizada no título da iniciativa, acabado de ler pelo Sr. Presidente.
Três minutos, três notas justificativas.
Primeira nota: a proposta de lei em apreço visa dar o necessário enquadramento legal à utilização de novos meios tecnológicos de suporte ao recenseamento eleitoral. Passaremos, portanto, Sr.as e Srs. Deputados, a ter um Sistema de Informação e Gestão do Recenseamento eleitoral, o SIGRE. Com isso conseguiremos o recenseamento automático, que é uma antiquíssima aspiração e uma meta relevante que incluímos este ano no Simplex 2008.
Numa palavra, vamos criar, de forma cautelosa e fiscalizada, novas formas de interacção, mais eficazes, entre a informação já constante da base de dados do recenseamento eleitoral, criada, aliás, por lei da Assembleia da República, aprovada por largo consenso em 1997 e objecto de revisão em 1999, e os sistemas de informação de identificação civil e militar hoje existentes, alguns deles em mudança significativa, tirando, em especial, o maior partido possível da plataforma tecnológica de suporte ao Cartão de Cidadão.
Mais tecnologia, pois, mas nunca menos cidadania. Donde a preocupação de preservar as comissões recenseadoras, cujo papel fundamental em todo o processo do recenseamento eleitoral deve ser reforçado através do acesso à nova plataforma digital de gestão dos dados eleitorais, o SIGRE Web, garantindo a intervenção democrática e cívica dos cidadãos, dos partidos políticos e das autarquias locais.
Segunda nota: obviamente, a aposta na modernização tecnológica deve combinar-se com o escrupuloso respeito pelos princípios decorrentes do n.º 2 do artigo 113.º da Constituição da República, ou seja, obrigatoriedade, oficiosidade, permanência e unicidade do recenseamento.
O recenseamento eleitoral, sendo instrumental, é uma das traves mestras em que assenta a genuinidade do processo eleitoral, nele assenta o exercício do direito ao sufrágio. Também por isso, o Governo não só teve a preocupação de envolver na preparação do diploma relevantes actores institucionais como entende que deve ser mantida a matriz da organização do recenseamento, cujo código genético democrático tem dado muito boas provas.
Terceira nota: gostaria de me regozijar com os pareceres favoráveis que a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) emitiram, dando um claro apoio às alterações à lei e ajudando, aliás, significativamente, a precisar as competências próprias das câmaras municipais e das freguesias no novo quadro legal em gestação.

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A Comissão Nacional de Protecção de Dados deu igualmente parecer favorável a esta reforma e as suas sugestões sobre as melhores formas de proteger a privacidade foram acolhidas no texto apresentado, cabendo-lhe, no futuro, fiscalizar o Sistema de Informação e Gestão do Recenseamento Eleitoral, como é inteiramente necessário e adequado.
Com o SIGRE, Sr.as e Srs. Deputados, poderá fazer-se a inscrição automática no recenseamento dos cidadãos que completem 18 anos e dos cidadãos eleitores que mudam de morada, recorrendo à plataforma de interoperabilidade do Cartão de Cidadão.
Também será possível a inscrição automática no recenseamento dos estrangeiros residentes, com capacidade eleitoral, que façam essa declaração de vontade, nos termos legais, junto das comissões recenseadoras ou do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Além disso, graças à autorização contida na lei, poderemos, por exemplo, incluir nos cadernos eleitorais mais de 300 600 jovens entre os 18 e os 24 anos que, figurando embora na base de dados de identificação civil, não estão hoje recenseados.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna: — Concluo, Sr. Presidente.
Colocando as ferramentas digitais do século XXI ao serviço da real aproximação entre o recenseamento e o universo eleitoral, estaremos, afinal, a dar cumprimento a uma justa e sempre actual opção, plasmada há muitas décadas pelos Deputados Constituintes, no artigo 49.º da nossa Lei Fundamental.
Faço votos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de que o consenso parlamentar, que sempre tem rodeado as iniciativas sobre o recenseamento eleitoral, se renove agora e tenha continuidade em torno da proposta que acabo de fundamentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Vou começar pelo fim da intervenção que quero aqui fazer. E o fim da intervenção é dizer que esta proposta de lei é do Governo, o PSD está de acordo com ela e, em consequência, vai votar a favor. Digo isto porque, ontem, o PS inaugurou um novo estilo na Assembleia da República. Havia uma proposta da oposição, o PS estava a favor da mesma mas, depois, em consequência, votou contra a proposta porque ela era da oposição.
Portanto, fica já esclarecida a posição do PSD sobre esta matéria.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Queria deixar duas notas sobre este diploma.
A primeira delas é que, do nosso ponto de vista — e a respectiva comissão, de resto, ao trabalhar sobre este diploma verificou isso —, estão cumpridos aqui todos os requisitos essenciais que, nos termos constitucionais, em particular no n.º 2 do artigo 113.º da Constituição, são necessários nesta matéria do recenseamento, designadamente a obrigatoriedade, a oficiosidade, a permanência e a unicidade do recenseamento. São os quatro requisitos fundamentais inscritos na Constituição.
Acresce que, com este procedimento — tenho só um pequeno reparo a fazer no fim — que o Governo aqui nos traz, julgo que se faz a adequada ligação entre a matéria relativa às operações eleitorais (o recenseamento faz parte das operações eleitorais) e as vantagens que advêm da circunstância de estarmos em fase inicial de introdução do Cartão de Cidadão, que contém virtualidades várias do ponto de vista técnico.
E, portanto, com aquilo que está a acontecer na base de dados do Registo Civil, com aquilo que acontece, apesar de eu não conhecer tão bem, na área militar e noutras bases de dados, permite que, de uma forma automática — como sublinhou o Sr. Secretário de Estado, e bem! —, possamos ter um recenseamento mais verdadeiro, mais actualizado, um recenseamento mais simples para as pessoas e (quero sublinhar este ponto) uma possibilidade muito maior de acesso aos dados do recenseamento. E tudo — quero sublinhar este ponto

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porque a proposta de lei é importante nesta matéria — com segurança, que é também uma questão importante, e com preservação dos dados, nos termos daquilo que, de resto, foi a pronúncia da Comissão de Protecção de Dados Pessoais.
Portanto, Sr. Presidente, para não demorar mais, só mesmo 3 minutos, quero dizer que estamos de acordo com a proposta de lei em causa, achamos que ela tem inteiro cabimento e que vai ao encontro de uma necessidade de actualizarmos os mecanismos no que diz respeito ao recenseamento eleitoral.
A nota que não é de discordância mas, sim, de alguma preocupação refere-se ao facto de, durante um tempo, que, de resto, não está determinado, irem coexistir cartão de eleitor, certidão de eleitor, cartão de cidadão, bilhete de identidade, portanto, uma série de documentos que têm a ver com todo este procedimento.
Não sei se era possível, nesta fase, pôr as coisas de outra forma, mas julgo que, logo que seja possível passarmos à fase seguinte, deve tomar-se as disposições legislativas, e outras, capazes de não termos durante muito tempo a coexistência de todos estes documentos no processo eleitoral e nas operações eleitorais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Couto Vieira.

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.
Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa, no Título II e no Capítulo II, respeitantes aos Direitos, Liberdades e Garantias, consagra, no artigo 49.º, o direito de sufrágio, ou seja, a capacidade eleitoral activa de todos os cidadãos maiores de 18 anos.
Porém, o exercício efectivo desse direito depende da inscrição num registo específico criado com o objectivo de dar a conhecer a qualidade de eleitor de certo cidadão. Ou seja, a inscrição no recenseamento eleitoral constitui um pressuposto essencial ao exercício do direito de sufrágio.
Ora, de acordo com o estatuído no artigo 113.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, o recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório, permanente e único para todas as eleições por sufrágio directo e universal, sendo oficioso por ser independente da vontade ou da iniciativa dos cidadãos.
Impõe-se, assim, implementar esse princípio constitucionalmente consagrado, imposição a que a presente proposta de lei vem dar resposta, promovendo o denominado recenseamento automático.
Através da proposta de lei em discussão, pretende enquadrar-se juridicamente a introdução de novos meios tecnológicos de suporte ao recenseamento eleitoral, conferindo à reforma iniciada pela Lei n.º 130-A/97, que criou a base de dados do recenseamento eleitoral, prosseguida pela Lei n.º 13/99, que consagrou novos mecanismos de actualização do recenseamento, o impulso final, potenciando novas formas de interacção, mais céleres e eficazes, entre a informação da base de dados do recenseamento eleitoral e os sistemas de informação de identificação civil existentes, com particular destaque para o Cartão de Cidadão, que se encontra em fase de expansão um pouco por todo o território.
Para além disso, pretendem ainda as alterações agora propostas à Lei n.º 13/99, na redacção resultante das sucessivas alterações que lhe foram sendo efectuadas, colmatar algumas das falhas que persistem no actual sistema de recenseamento.
Isto é, decorridos que foram mais de nove anos desde a consagração e implementação da mais recente estrutura do recenseamento eleitoral, também da responsabilidade do Partido Socialista, sustentado em larga medida na base de dados do recenseamento eleitoral, vem agora o Governo, com a mesma filosofia modernizadora, propor novas medidas de simplificação, designadamente a inscrição automática dos cidadãos nacionais que completam 18 anos de idade, bem como dos cidadãos eleitores que mudem de residência, através da plataforma de interoperabilidade do Cartão de Cidadão, ou a inscrição automática no recenseamento de cidadãos estrangeiros residentes com capacidade eleitoral que manifestem essa declaração de vontade junto das entidades competentes.
A inscrição prévia é efectuada provisoriamente para que, no momento próprio, e sob condição de comprovação de maioridade, constem dos cadernos eleitorais todos os cidadãos com capacidade eleitoral, com a finalidade de evitar o incumprimento da Constituição, sendo, pois, plenamente legítima a adopção das medidas técnicas em causa.

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A expansão natural do Cartão de Cidadão permitirá, no futuro, outras inovações nesta matéria, designadamente o apetrechamento do sistema de recenseamento para comportar, em certas circunstâncias, o chamado «voto em mobilidade».
A proposta de lei em discussão vem, pois, tal como já nos habituou este Governo, colocar as novas tecnologias ao serviço das finalidades do recenseamento eleitoral, ou seja, da segurança e da transparência política.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo para uma intervenção.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.
Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS tem, a este propósito, uma preocupação principal — a da verdade eleitoral e a do estímulo à participação democrática. E a garantia que tem de se impor é a da eliminação de todos os expedientes de duplas inscrições desde logo, que, uma vez ou outra, lá vão acontecendo, o que equivale a dizer, neste exemplo por todos, a eliminação de todas as habilidades eleitorais.
A verdade é que a democracia se presta muito a estas habilidades eleitorais, e eu sou testemunho vivo do que falo.

O Sr. António Filipe (PCP): — Ai é?!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — É que, em 2002, para dar um exemplo, em eleições legislativas, em Braga, onde fui cabeça de lista pelo CDS, apurados os votos, verificou-se que o CDS ficou a dois mil e muitos votos da eleição de um segundo Deputado. Um partido que não o CDS pediu, em 2002, uma recontagem dos votos. Facto extraordinário e mais ou menos milagroso: feita a recontagem, o CDS ficou, afinal, a 147 votos da eleição do segundo Deputado. Isto é, dos 2000 e muitos votos de diferença para a eleição do segundo Deputado passou, afinal, para 147 votos de diferença.

Vozes do PS: — Não sabem contar votos!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — E porquê este exemplo? Porque funciona quase numa base pedagógica, pois os mesmos que não resistem a proceder assim são os mesmos que também, não raras vezes, aparecem recenseados em mais do que um local. Facto extraordinário, de demonstração de um dom de ubiquidade que alguns têm, mas que normalmente o ser humano não possui.
Há até mortos que voltam, neste caso uma manifestação transcendental da democracia participativa — votos que vêm do além! Perante tudo isto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, gostaria de dizer que o CDS aprova e apoia tudo quanto vise conferir verdade democrática aos processos eleitorais. E tudo o que seja uma certificação efectiva de que quem vota reside ali, de que quem vota não votará em qualquer outro lugar e de que quem vota está vivo é bom. Daí o nosso voto agora e os nossos votos futuros de que, em próximas eleições legislativas, mas não só, o que sucedeu numas eleições onde fui cabeça de lista, em que o segundo Deputado que à data, certamente, o CDS elegeu, mas que não se pôde aqui sentar por aquilo que, infelizmente, é fraude eleitoral, mas que muitas vezes vai acontecendo, não volte a acontecer, nem em Braga, nem em nenhum outro ponto deste País.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta reforma do recenseamento eleitoral é bem-vinda, tal como tivemos oportunidade de o manifestar já na 1.ª Comissão, quando foi feita uma primeira apresentação desta proposta de lei.
Em primeiro lugar, porque importa corrigir desvios que existem hoje entre o recenseamento eleitoral e o universo dos cidadãos que potencialmente deveriam fazer parte do recenseamento eleitoral, quer por excesso quer por defeito. Por defeito, porque todos nós nos apercebemos, à vista desarmada, que há jovens que não se recenseiam e este sistema de recenseamento automático terá a virtude de os recensear automaticamente e de permitir que, independentemente de qualquer iniciativa da sua parte no acto de recenseamento, eles possam via a exercer o seu direito de voto. E também porque há erros por excesso que importa corrigir e que são os vulgarmente chamados eleitores-fantasma, designadamente duplicações de inscrições.
Há alguma especulação, porventura exagerada, em torno do número dos chamados eleitores-fantasma, mas em todo o caso há estudiosos com credibilidade que apontarão para uma margem de cerca de 5% desses eleitores. Também será possível limitar muito essa margem de erro.
Isto tem importância não apenas relativamente à definição dos níveis de abstenção, o que, designadamente quanto à eficácia vinculativa de referendos, pode ser decisivo, mas tem outra importância, que é a determinação do número de mandatos em cada círculo eleitoral para a Assembleia da República e a determinação do número de eleitos em cada órgão autárquico.
Estas não são questões de somenos e haver nesta matéria exactidão do número de cidadãos recenseados em cada circunscrição eleitoral é, obviamente, de grande importância. Daí a importância de o País ser dotado de um sistema fiável que faça uso dos meios informáticos disponíveis para que o recenseamento seja rigoroso.
No tempo de que ainda disponho, chamaria ainda a atenção para dois aspectos. Um deles tem a ver com a importância de haver alguma tendencial coincidência entre o local de residência e o local no qual o eleitor está recenseado. Dir-se-á que há eleições em que isso não tem importância nenhuma. Obviamente que nas eleições presidenciais não tem, nas eleições para a Assembleia da República tem, mas nas eleições locais tem uma importância muito grande, porque é desejável que um eleitor exerça o seu direito de voto para eleger autarcas que têm que ver com o seu dia-a-dia e que ele seja afectado para o bem ou para o mal pela acção dos eleitos para cujo voto contribui.
Ora, sabe-se que cada vez mais não é assim. Designadamente, há uma grande mobilidade das pessoas, principalmente nas áreas metropolitanas, e são muitos milhares os cidadãos que exercem o seu direito de voto no local onde não residem e, portanto, não elegem os seus autarcas, mas contribuem para eleger os autarcas dos outros.
Assim, isto é incontornável, continuará a ser assim para muita gente, mas quanto mais circunscrito for o número de eleitores que votam deslocados do seu local de residência melhor e se se puder contribuir para isso por via legislativa é um ganho.

O Sr. Luís Fazenda (BE):— Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Finalmente, importa consolidar o avanço de 1999 relativamente ao voto dos jovens. Até 1999, o direito de voto só teoricamente se adquiria aos 18 anos, porque todos sabemos que quando a actualização do recenseamento era feita só em Maio chegávamos a ter eleições para o Parlamento em Junho em que cidadãos com 19 anos ainda não votavam.
Em 1999, através da possibilidade de recenseamento voluntário aos 17 anos, foi possível eliminar essa anomalia e hoje um cidadão que se recenseie voluntariamente aos 17 anos no dia em que completa 18 anos já pode votar, se houver eleições.
Esse foi um ganho muito importante que deve ser consolidado agora, através da inscrição automática, que não deve ser abandonada — e a proposta de lei, obviamente, vai nesse sentido —, ou seja, que aos 17 anos o cidadão fique provisoriamente inscrito e no dia em que complete 18 anos adquira automaticamente o direito de voto. Essa foi uma aquisição que deve ser aqui consolidada, agora já não por via da actuação voluntária e facultativa, nesse caso do cidadão, mas por via automática.
Creio que o País e a democracia ganharão com isso.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do projecto de resolução n.º 220/X — Estratégia de desenvolvimento para o distrito de Setúbal: Plano de Desenvolvimento Integrado da Península de Setúbal (PDIPS) e Plano de Desenvolvimento Integrado do Alentejo Litoral (PDIAL) (PCP).
Para apresentar o projecto de resolução, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Lopes.

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de saudar os representantes de entidades, estruturas e instituições regionais que se encontram presentes nas galerias a acompanhar este debate.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõe à Assembleia da República a concretização de uma estratégia de desenvolvimento do distrito de Setúbal que, prosseguindo a experiência do PEDEPS (Plano Estratégico de Desenvolvimento da Península de Setúbal) e de outras iniciativas das autarquias e das associações de municípios, se expressa nos planos de desenvolvimento integrado da península de Setúbal e do Alentejo Litoral.
Trata-se de aproveitar as potencialidades da região que, apesar dos avanços inseparáveis da intervenção do poder local, estão muito longe de ser aproveitadas.
Trata-se de dar resposta à fragilidade da estrutura económica, à degradação da situação social e à insuficiência dos investimentos e dos serviços públicos, problemas criados por sucessivos governos e agravados pelo actual.
Trata-se de enquadrar e aproveitar o impacto de importantes infra-estruturas, integradas na proposta do PCP, que o Governo PS recusou durante anos, numa obstinação que incluiu a utilização de declarações insultuosas e ridículas como as proferidas pelo Ministro Mário Lino, mas que acabou por ser obrigado a decidir favoravelmente.
Agora, a implantação do aeroporto, a alta velocidade ferroviária, a ponte Chelas/Barreiro e os investimentos que comportam não podem ser pretexto para o corte ou limitação do investimento que garanta o equilíbrio no desenvolvimento do conjunto do território. Não podem ser, como muitas vezes tem acontecido por todo o País, vias que façam passar o desenvolvimento ao lado das regiões e das populações que deviam servir.
É necessário, e o PCP propõe, objectivos e grandes linhas do desenvolvimento integrado, programas estruturantes e projectos estratégicos e a criação de soluções institucionais para a sua coordenação, dinamização e acompanhamento, que articulem o poder central com o papel decisivo do poder local, do associativismo municipal e a participação de outras instituições, associações e entidades do mais diverso tipo.
Ao invés de uma visão caótica, subordinada à lógica das multinacionais e dos grandes grupos económicos e financeiros, aponta-se uma visão global sobre problemas a resolver, potencialidades a aproveitar, com a definição de grandes vectores estratégicos que permitam integrar pequenos e grandes projectos, investimento público e privado, nacional e estrangeiro, não contra (ou à margem), mas contribuindo para o desenvolvimento e a qualidade de vida, com o Estado a assumir as suas responsabilidades.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Francisco Lopes (PCP): — Tal é o conteúdo do projecto do PCP para o desenvolvimento de Setúbal, que constitui uma necessidade ainda mais importante e mais actual no quadro dos graves problemas que o País enfrenta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ramalho.

O Sr. Vítor Ramalho (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O distrito de Setúbal foi, todos o sabemos, um distrito-problema. Vai deixar de o ser. Mais, já está a deixar de o ser.

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Pela sua localização geográfica, pela centralidade, pela relação euro-atlântica, funcionando como porta de entrada e de saída da Europa, será cada vez mais a plataforma motora do próprio desenvolvimento do País e da afirmação dele no mundo.
Os investimentos públicos e público-privados projectados, desde a terceira travessia do Tejo, passando pelo aeroporto internacional, prosseguindo pela maior plataforma logística do País no Poceirão e do metro ao sul do Tejo, até ao alargamento da fábrica da Portucel, bem como o novo enquadramento turístico na costa alentejana, o maior do País neste domínio, que se estende complementarmente a Alcácer do Sal, terminando no IP8, que liga Sines a Beja, de par com a reestruturação dos portos, para já não falar no troço do TGV que ligará o Poceirão a Caia e o incremento em curso na plataforma industrial, falam por si e estão aí a atestá-lo.
O PCP sabe disso, tal como sabe, por efeito dos resultados de sucessivas eleições legislativas ganhas confortavelmente pelo PS, que o coração dos cidadãos do distrito bate ao ritmo da esquerda, uma esquerda tolerante e universalista, que o PS protagoniza.
É isso que preocupa o PCP, sentado incomodamente numa mera maioria conjuntural autárquica, que, aliás, é afectada sempre que os eleitores afluem às urnas em número superior ao que é infelizmente normal ocorrer em eleições autárquicas. No passado foi assim nos concelhos de Setúbal, é assim em Grândola, em Alcácer e no Barreiro.
Obviamente que a direita, do CDS ao PSD, não conta para este campeonato. Nunca tiveram a gestão de uma câmara no distrito. Vaticino que vai continuar a ser assim e será assim.
Quanto ao BE, apesar dos resultados autárquicos alcançados nas últimas eleições, como, por exemplo, em Sesimbra, de 10,6%, não conseguiu elegeu nenhum vereador. O que quer dizer que estes votos foram perdidos e sê-lo-ão no futuro.
Voltando ao projecto de resolução do PCP, nós, PS, entendemos, ao contrário dos proponentes, que tudo aquilo que sirva o distrito e as suas gentes, venha de onde vier, é de aplaudir. E, mais, queremos conjugar esforços. Sempre o dissemos. Não somos nem seremos sectários.
Só que este projecto de resolução é uma oportunidade falhada para estes objectivos. Os planos, dois, que se pretendem criar para o litoral alentejano e para a península de Setúbal integram, na maior parte dos casos, objectivos que são, pura e simplesmente, de âmbito nacional. Os específicos do distrito, como os investimentos acima referidos, foram lançados — e bem — pelo actual Governo e a criação de mais estruturas de alegado acompanhamento não fazem, por isso, qualquer sentido. E não fazem, porque, no que respeita ao litoral alentejano, a Associação de Municípios do Litoral Alentejano (AMLA) já terminou um projecto articulado e, como é referido no próprio preâmbulo da resolução, são inúmeros os instrumentos de planeamento existentes, para além do QREN, incluindo o plano estratégico que envolve todos os municípios de Setúbal e 249 entidades públicas e privadas. Para quê mais? Por todas estas razões, o PS votará obviamente contra, não sem que reconheça que o PCP fez anotar no preâmbulo — e bem — os elevados níveis de qualidade de desenvolvimento do distrito. Seguramente que o Governo agradece.
Desejaríamos que o nosso voto fosse outro. E seria outro se, antes, o PCP tivesse colocado à consideração dos demais partidos uma ideia que fosse consensualizadora de desígnios comuns para bem do distrito, pura e simplesmente, porque há desígnios para bem do distrito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Rodrigues.

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Representantes de instituições do distrito de Setúbal: A estratégia de desenvolvimento do PSD para Portugal e para o distrito de Setúbal nunca foi, não é e nem poderá ser a mesma que o PCP defende e propõe.
Sabemos que a península de Setúbal é a principal base de apoio do Partido Comunista. Sem o poder que detém nas autarquias locais deste território, a sua representatividade nacional estaria fortemente afectada.
Compreende-se que a componente eleitoral tenha, nesta iniciativa do PCP, um papel importante,…

Vozes do PSD: — É verdade!

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Os senhores é que falam nisso!

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): — … não deixando, no entanto, de alertar a opinião pública para as promessas demagógicas e reiteradas do PS e do Governo.
Sabendo o PCP que nunca terá a responsabilidade governativa, pode criar todas as ilusões, utilizando a sua velha e desgastada táctica: o PCP reivindica tudo e mais alguma coisa com o mesmo grau de prioridade, ou seja, exige fazer tudo ao mesmo tempo, como se todos os investimentos de Portugal para os próximos anos estivessem concentrados, hoje, na península de Setúbal.
Como isto não é possível, e o PCP sabe-o, este partido aproveita para, depois, acusar os diversos governos pela não execução desses investimentos,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E é mentira, não?!

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): — … dizendo que o PCP até os propôs na Assembleia da República.
Por outro lado, é muito estranho que um partido que detém a larga maioria do poder nos municípios e freguesias de Setúbal desde o 25 de Abril,…

O Sr. Jorge Machado (PCP): — E muito bem!

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): — … atribua a outros todas as responsabilidades pelas maleitas deste território.

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Só as do poder central!

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): — Assim, não tendo as autarquias locais de Setúbal qualquer responsabilidade em encontrar soluções para o desordenamento do território, a degradação dos centros urbanos, a não erradicação de bairros de lata e de bairros clandestinos e para o congestionamento do tráfego nas vias municipais, entre outros problemas, então, não vale a pena existirem.
Sr. Presidente, no entanto, grande parte das preocupações aqui levantadas têm razão de ser…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Afinal!…

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): — … pois os sinais de crise são por demais evidentes, sem que o Governo do PS tenha, ao fim de mais de três anos de mandato, encontrado soluções para os problemas e um rumo para o País e para o distrito de Setúbal.
O PS é reincidente nas promessas e um «mãos largas» nos anúncios, mas muito avarento na sua concretização. Os argumentos para adiar e atrasar os investimentos são utilizados até à exaustão.
Quase no final do mandato, o PS apenas tem «sonhos» para apresentar e «pesadelos» para oferecer.
Infelizmente, a realidade do bolso dos cidadãos e das empresas é muito diferente da imagem que o Governo pretende transmitir.
Concluindo, não se pode continuar a encarar o distrito de Setúbal como uma «quinta» isolada do resto do mundo, separada por um qualquer muro no imaginário de alguns colectivismos já desaparecidos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O PSD, sem regionalismos, defende uma estratégia de desenvolvimento do País e do distrito de Setúbal que passe por definir objectivos ambiciosos, mas exequíveis, que passe por definir prioridades sérias e que passe também por adequar essa estratégia à realidade, não hipotecando as gerações futuras.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O presente projecto de resolução do PCP tem um mérito indiscutível, porquanto chama a atenção para um conjunto de problemas graves e reais que existem no distrito de Setúbal.
Este distrito é conhecido por todos, certamente pela sua diversidade, pelas suas assimetrias, pelas suas belezas naturais, pelas suas potencialidades económicas, turísticas, de investimento, mas infelizmente também é conhecido pelos graves problemas sociais que encontra, pela pobreza que existe — e é bom que hoje se repita esta palavra sem qualquer tipo de preconceito, porque, de facto, existe pobreza no distrito —, pela falta de cuidados primários e básicos de saúde, pela grande insegurança e por uma total ausência de estratégia de desenvolvimento sustentável ao longo dos anos.
Nesta matéria, o CDS pode falar com à-vontade, como disse o Sr. Deputado Vítor Ramalho, porque nunca teve responsabilidades governativas ao nível local no distrito. Se calhar, por isso é que o distrito tem os problemas que tem.
É, pois, importante relembrar estes problemas, mas com esperança, dizendo, nomeadamente aos representantes das autarquias locais do distrito de Setúbal, que se encontram a assistir à sessão, e que quero saudar, que é verdade que o distrito de Setúbal é uma terra adiada, mas é também uma terra com potencialidades e que pode e deve crescer, se conseguir criar, quer ao nível local quer ao nível central, uma estratégia orientadora e integrada para todo o distrito, na sua multiculturalidade, na sua diversidade.
Para isso, não basta fazer promessas e quase a «declaração solene» que ouvimos aqui da parte do Sr. Deputado Vítor Ramalho no sentido de que vai haver o novo aeroporto de Lisboa, a terceira travessia do Tejo, que finalmente será concluída a ligação ao cluster do porto de Sines. Ou seja, ficámos hoje a saber que, por decreto — como alguém aqui fez há pouco tempo, dizendo que terminou a crise —, o distrito de Setúbal deixará de ser aquilo que é.
Sr. Deputado Vítor Ramalho, não teria dúvidas em aplaudi-lo se tivesse a mínima esperança de que isso iria ser verdade com este Governo. Na verdade, VV. Ex.as apresentam um conjunto de obras, algumas delas importantes, mas sejamos francos: são especialmente dirigidas — e esse facto, por si só, não é mau — aos portugueses, mas não, em concreto, aos setubalenses.
E do que importa aqui falar é de uma estratégia para o distrito de Setúbal, dirigida aos problemas específicos de quem vive em Setúbal! Não dirigida a quem passa lá férias, aos grandes industriais que lá deixam os seus produtos, mas às populações que moram em Setúbal. E em relação a isso, Sr. Deputado, este Governo não tem nenhuma estratégia.
Portanto, em suma, Sr.as e Srs. Deputados, com este projecto de resolução, o PCP, certamente atento ao calendário eleitoral, apresenta aqui um conjunto de planos e mais planos: PDIPS, PDIAL, Polis. Sr. Deputado, se não soubesse que VV. Ex.as têm interesses neste distrito e nesta região, quase diria que o PCP não quer resolver os problemas, tal é o número de grupos de trabalho, comissões, planos e entidades que são acumuladas que ficaríamos aqui a discutir até à próxima Legislatura.
No entanto, não deixo de reconhecer que este projecto de resolução faz um diagnóstico sério acerca dos problemas do distrito, tem algumas soluções que, para nós, são discutíveis, mas, não obstante, é um documento de trabalho que importa reflectir, analisar e trabalhar. E será esse contributo que, em prol de Setúbal e dos setubalenses e do desenvolvimento que merecem, o CDS dará.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria começar por cumprimentar os representantes das autarquias locais do distrito de Setúbal que se encontram a assistir à sessão.
Queria também dizer que ouvi, surpreso, o Sr. Deputado Vítor Ramalho, porque resolveu, por uma vez, descer ao distrito de Setúbal não para falar com as populações dos problemas do distrito e da maneira de os resolver, mas para prevenir os militantes do PS contra esse novo perigo que ronda o distrito de Setúbal, que é

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o Bloco de Esquerda. Já não é mau, é um princípio de política, mas de política não para resolver os problemas da população, mas para resolver os seus.
É um facto que a governação pós-Abril de 1974, apesar de melhorias pontuais conquistadas pelas populações quanto às suas condições de vida, não logrou inverter, no distrito de Setúbal, o modelo de desenvolvimento socialmente injusto e economicamente desequilibrado, herdado historicamente das épocas de discriminação e exploração do Estado Novo. É preciso dizer até que, qual punição pelo papel de primeira linha desempenhado pelas populações do distrito na Revolução de 1974/75, os governos do PS e do PSD precipitaram a desindustrialização, o desemprego e a exclusão social na região a níveis de que ela ainda hoje não recuperou inteiramente.
Isso é notório quanto a seis questões, relativamente às quais as políticas anti-sociais e neoliberais do Governo actual marcam, com a maior dureza, ainda hoje e de forma agravada, a vida das populações do distrito e o futuro da qualidade de vida no mesmo.
Em primeiro lugar, o desemprego e as privatizações de sectores estratégicos da indústria e do País, fomentadas pelo próprio Estado, pelo próprio Governo, como é o caso da ameaça de reestruturação e destruição do Alfeite, precedida dos despedimentos na Gestenave e na Lisnave, violando promessas explícitas do Governo em sentido contrário.
Em segundo lugar, a guetização e a exclusão social dos mais pobres em geral e das comunidades imigrantes em especial, como são os casos da Bela Vista, no concelho de Setúbal, do Vale da Amoreira, na Baixa da Banheira, da Jamaica, no Seixal, com graves carências. Hoje recomeça-se a falar de fome em alguns destes locais.
Em terceiro lugar, a ofensiva destruidora da especulação imobiliária contra a orla litoral do distrito, comandada pelo Banco Espírito Santo e outras multinacionais. O escândalo da mata de Sesimbra, a verdadeira expropriação de Tróia como zona de lazer popular ou o que se está a passar com os projectos sinistros na herdade da Comporta marcam esta realidade.
Em quarto lugar, a degradação dos cuidados primários de saúde no distrito, aquele onde há maior percentagem de população sem médico de família, a restrição da oferta de cuidados primários com o encerramento dos serviços de atendimento permanente a certas horas e o congestionamento consequente das urgências nos hospitais de Setúbal, do Barreiro e de Almada, num processo claro de degradação do Serviço Nacional de Saúde.
Em quinto lugar, o cerco contra a qualidade ambiental, claramente posta em risco no distrito, seja pela coincineração ou pelas pedreiras na serra da Arrábida, pela poluição atmosférica de Sines, pela incapacidade ou carência das estações de tratamento de águas residuais (ETAR) no arco ribeirinho, etc.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Em sexto lugar, o magno problema das acessibilidades, a que nem a promessa do aeroporto que aí vem ou de outras grandes infra-estruturas assegura, no que respeita à sua solução, um destino no interesse da população.
Para terminar, Sr. Presidente, queria esta bancada dizer que concorda com o espírito do projecto de resolução apresentado. Achamos que deve, sem dúvida, assentar na regionalização, assentar num planeamento activamente participado pelas populações e assentar numa concepção de plano integrado, sustentado e ao serviço das mesmas. Para isto, convenhamos, é preciso mudar de Governo e de política, é preciso dar voz à esquerda, é preciso preparar, no distrito e no País, um novo futuro. Votaremos a favor.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar de «Os Verdes», também quero saudar os representantes das autarquias locais e de diversos movimentos de cidadãos do distrito de Setúbal que entenderam vir assistir a esta sessão, porque certamente estão

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interessados em ouvir o que os Deputados das diferentes bancadas têm a dizer em relação à realidade e ao que perspectivam para o distrito.
O distrito de Setúbal, não nos esqueçamos, foi apelidado, por um Ministro do Partido Socialista, de «deserto», o que, para além da gaffe cometida, quer dizer alguma coisa. Certamente transpareceu daí a situação do distrito de Setúbal perante os sucessivos desinvestimentos por parte dos sucessivos governos, de Orçamento do Estado para Orçamento do Estado, de PIDDAC para PIDDAC, os inúmeros investimentos prometidos mas nunca concretizados por falta de financiamento — e são muitos, Srs. Deputados!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É bom não esquecer também que aqueles mesmos governos têm dificultado a vida às autarquias que, na realidade, vão sendo a verdadeira alavanca do distrito em termos de potenciar o seu desenvolvimento, mas que são bem estranguladas pelas opções dos sucessivos governos, designadamente ao nível do financiamento do poder local.
De facto, o distrito de Setúbal, como aqui disseram vários Srs. Deputados, porque é uma evidência, confronta-se com inúmeras contradições e dificuldades de ordem social, económica, ambiental.
Assinalo o desemprego, sempre acima da média no distrito de Setúbal, que, evidentemente, dificulta a vida a tantas famílias e os sérios problemas que se verificam, de sul a norte do distrito, a nível do acesso à saúde, verdadeiros dramas em muitos casos.
A nível económico, assistimos, por um lado, à recorrente quebra de compromissos por parte do Governo em relação à estabilização de determinadas empresas, à integração de determinados trabalhadores e, por outro, à facilitação da vida de determinadas empresas, com resultados exactamente ao contrário — o encerramento de empresas tem sido uma realidade no distrito.
Ao nível ambiental, Srs. Deputados, tantas e tantas vezes trouxemos aqui a realidade concreta do distrito de Setúbal.
Este é o distrito do País onde se encontra o maior número de áreas protegidas. Portanto, todas as políticas que se direccionam para o ICNB (Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade), também ao nível dos cortes no financiamento, reflectem-se imediatamente nas áreas protegidas e na respectiva valorização.
Refiro, ainda, o fenómeno da co-incineração, aquele travão ao potencial desenvolvimento turístico do distrito. Aliás, daqui a uns anos, andaremos a discutir os efeitos da opção tomada pelo Governo — coincineração em pleno Parque Natural da Arrábida, criando, evidentemente, mais um cancro naquela área protegida, que deveria ser plenamente valorizada.

Vozes de Os Verdes: — Muito bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — O que acontece, Srs. Deputados, e o que entendemos depois de termos ouvido a intervenção do Partido Socialista, é que este último não quer a aprovação do projecto de resolução que o PCP traz a debate nesta Assembleia, porque aprová-lo implicaria, de facto, uma enorme responsabilidade. É que institucionalizar o que nele está inscrito pressupunha assumir um compromisso concreto em relação ao que, muitas vezes, está presente em termos de discurso mas que, quando é transportado para o Orçamento do Estado, desaparece pura e simplesmente. Ora, a aprovação deste projecto de resolução implicaria um reforço importante e o assumir de um compromisso pelo qual os senhores não querem responsabilizar-se, o que é grave, na nossa perspectiva.
Mais uma vez, queremos reafirmar que o distrito de Setúbal tem inúmeras potencialidades. Há que aproveitá-las, mas as políticas que têm sido desenvolvidas pura e simplesmente têm-nas desaproveitado.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegados a este ponto do debate, constatamos, infelizmente, que, mais uma vez, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista prefere não fazer o

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debate político concreto e construtivo que o assunto exige e, permitam-me a expressão, opta por «chutar para canto» e fugir à apreciação das propostas concretas que temos aqui em debate.
Pela mão do PCP, trouxemos aqui uma visão estratégica e de futuro para o desenvolvimento integrado, cultural, económico e social do distrito de Setúbal, não apenas para dar a esta região o investimento de que precisa e que merece mas, principalmente, para que o seu potencial, as suas capacidades sejam colocadas, efectiva e plenamente, ao serviço do País e do seu desenvolvimento.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Srs. Deputados, não estamos a falar de iniciativas para encher os cofres dos grandes grupos económicos e de multinacionais, como as famosas parcerias público-privadas, os projectos PIN e PIN+ e outros que, reiteradamente, aparecem no discurso do Governo e da maioria parlamentar.
Falamos de uma visão integrada e não avulsa, como é a que tem sido demonstrada por sucessivos governos.
É de lamentar que a resposta tenha sido ou o disparate puro e simples, que também aqui passou, ou este contorcionismo político, a profunda desonestidade e irresponsabilidade política de quem acusa os outros de não terem uma estratégia coerente e de desenvolvimento e, depois, fecha os olhos às propostas concretas, demonstrando, afinal, ter a atitude que procura acusar os outros de terem.
O Sr. Deputado Vítor Ramalho citou todo um elenco de projectos que, durante anos e anos, foram reivindicados pelas autarquias locais, pelos agentes de desenvolvimento, pelo PCP, que propôs medidas concretas neste Parlamento perante a sistemática recusa de sucessivos governos e maiorias parlamentares.
Cá estaremos para ver se, mais cedo ou mais tarde, ou talvez mais cedo do que tarde, não anunciarão ao País, com pompa e circunstância, as medidas e as iniciativas que agora rejeitam.
Pela nossa parte, continuaremos a intervir de forma séria e empenhada para a concretização desta estratégia de futuro ao lado das populações, dos agentes locais e de desenvolvimento. E, mais uma vez, haverá alguém, tal como hoje, a dar o dito por não dito.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Passamos agora à apreciação conjunta da petição n.º 407/X (3.ª) — Apresentada pela Comissão Nacional de Justiça e Paz e outros, solicitando que a Assembleia da República reconheça a pobreza como uma violação dos Direitos Humanos, estabeleça um limiar oficial e crie um mecanismo parlamentar de observação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas para a sua erradicação e do projecto de resolução n.º 356/X — Recomenda a definição de um limiar de pobreza e a avaliação das políticas públicas destinadas à sua erradicação (PS, PSD, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Esmeralda Ramires.

A Sr.ª Esmeralda Ramires (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta Câmara discute hoje a petição n.º 407/X, apresentada pela Comissão Nacional Justiça e Paz, através da qual os peticionários, a quem saúdo, pretendem que seja reconhecida a pobreza como violação dos direitos humanos e criado um mecanismo parlamentar de acompanhamento e avaliação das políticas públicas para a sua erradicação.
Para o Governo do Partido Socialista, a pobreza e as questões sociais que lhes estão associadas constituem um primado da sua governação e, nessa perspectiva, o Governo começou, desde logo, por conferir sustentabilidade ao sistema público da segurança social, capacitando-a para intervir junto dos mais desprotegidos e carenciados, o que se tem materializado em sucessivas medidas sociais, de que se destaca a criação do complemento solidário para idosos que, em Junho de 2008, abrangia cerca de 90 000 idosos e o reforço do rendimento social de inserção que, em Maio de 2008, abrangia mais de 118 000 famílias e mais de 329 000 beneficiários.
Salienta-se ainda o investimento em incentivos à natalidade, a criação da rede de cuidados continuados a idosos, bem como o desenvolvimento de políticas de integração de pessoas com deficiência e de acolhimento e integração de imigrantes e minorias étnicas.

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Ainda na perspectiva de acabar com a pobreza associada ao trabalho, o Governo tem respondido com políticas pró-activas, designadamente na sensibilização e mobilização dos diferentes agentes para o crescimento económico, na qualificação dos portugueses e na inovação tecnológica.
Na mesma senda, recentemente, o Governo reforçou o apoio às famílias, ao aumentar 25% no abono de família que, no total, abrange cerca de 1 milhão de beneficiários. E, ainda ontem, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou publicamente duas novas medidas de apoio às famílias com menores rendimentos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista, não obstante as especiais dificuldades que a conjuntura internacional introduziu em Portugal, recusa-se a partilhar qualquer pensamento negativo e conformista e envidará todos os esforços para que a erradicação da pobreza venha a ser uma realidade e um novo paradigma da nossa sociedade.
Por isso, solidário com as políticas sociais do Governo que sustenta, o seu Grupo Parlamentar, já nesta sessão legislativa, considerou que a pobreza conduz à violação dos direitos humanos e apresentou e aprovou um projecto de resolução, através do qual assumiu a missão específica de observação permanente e de acompanhamento da pobreza em Portugal e a solicitação ao Governo da apresentação de um relatório anual sobre o Plano Nacional de Acção para a Inclusão.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Esmeralda Ramires (PS): — E agora, também na convicção de que a materialização dos princípios que norteiam as políticas sociais do Governo protegerá de imediato os mais desprotegido e carenciados e conduzirá à erradicação da pobreza, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acolhe o contributo contido na petição em apreço e subscreve o projecto de resolução n.º 270/X, que recomenda ao Governo a definição de um limiar de pobreza em função do nível de rendimento nacional e das condições de vida-padrão da nossa sociedade que, por sua vez, sirva de referência obrigatória à definição da avaliação das políticas públicas de erradicação da pobreza, bem como à avaliação regular dessas políticas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão para uma intervenção.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que comece pelos factos.
Primeiro facto: 2 milhões de portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza, o que significa 20% dos portugueses a viverem em condições de exclusão social, o que significa 1 em cada 5 portugueses a viver sem condições básicas de sobrevivência.
Segundo facto: Portugal é o país da União Europeia onde as crianças que vivem com adultos empregados representam os níveis mais elevados de pobreza, sendo que 1 em cada 5 crianças portuguesas está exposta ao risco de pobreza, afectando tanto as crianças que vivem com adultos desempregados como as que vivem em lares onde o problema do desemprego não se põe.
Este é um fenómeno social, no mínimo inquietante, que todos deve envergonhar e que exige de todos nós todos os esforços que tenham por objectivo a definição de políticas eficazes que se destinem a combater e a inverter este flagelo.
20 000 cidadãos que subscreveram a petição agora em apreciação, os quais aproveito para saudar, são o reflexo de um apelo colectivo que pretende ver a pobreza tratada como um relevante problema nacional.
A Assembleia da República não ignora este problema, já uma vez debatido nesta Câmara, a 7 de Março do corrente ano, em que o PSD, através do Deputado Ricardo Martins, teve oportunidade de dizer o seguinte: «Para nós, o verdadeiro combate à pobreza faz-se apostando em políticas que promovam um forte crescimento económico, faz-se através de uma política activa de promoção do emprego, com políticas de apoio à família e com políticas sociais que garantam uma maior equidade na distribuição dos apoios mas que, simultaneamente, dêem o necessário impulso para que a condição de pobreza seja rapidamente ultrapassada.»

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A 1.ª Comissão já deliberou a criação de um grupo de trabalho no sentido de fazer concretizar o estipulado na resolução aprovada nesta Assembleia no referido dia 7 de Março. Este é um primeiro passo importante.
Cabe agora associarmo-nos aos peticionários dando assim mais consistência e solidez a esta caminhada, recomendando ao Governo o seguinte: primeiro, a definição de um limiar de pobreza em função do nível do rendimento nacional e das condições de vida de padrão da nossa sociedade; segundo, a avaliação regular das políticas públicas e de erradicação de pobreza; terceiro, que o limiar da pobreza estabelecido sirva de referência obrigatória à definição e à avaliação das políticas públicas de erradicação da pobreza — é um segundo passo de grande progresso; por fim, o reconhecimento da pobreza como uma violação dos direitos humanos. É o passo que deve estar bem ancorado nos anteriores para evitar a banalização da discussão acerca da pobreza e, principalmente, para impedir discussões sem conteúdo.
O PSD, com sentido de responsabilidade, com critérios de equidade e sempre atento ao sentido da sociedade civil, nunca recusará o seu contributo para a construção de uma sociedade mais decente e por isso mais justa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Obviamente, o CDS associa-se à resolução de hoje aqui em discussão e, consequentemente, à posição tomada. Por isso, aproveito para saudar os promotores nas pessoas da direcção e do Sr. Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz.
Efectivamente, fazemo-lo porque o CDS, responsavelmente com o seu ideário e com a sua doutrina, como partido da democracia cristã, sempre colocou o maior dos enfoques na preocupação e na protecção social daqueles que por um ou por outro motivo muitas vezes não conseguem acompanhar o progresso e a evolução social e económica do País.
Mas hoje os dados da pobreza são dados que merecem de todos nós a mais séria das reflexões. Hoje a pobreza já não é só um problema de exclusão social. Hoje os novos pobres do País são pobres que muitas vezes têm rendimentos do trabalho. São pobres que têm encargos e dívidas junto da banca e que, muitas vezes, não conseguem honrar esses mesmos compromissos, e por não o conseguirem fazer são afastados do nível mínimo digno de existência. Todos os dias cresce o número de pessoas que vivem e que só conseguem chegar ao final do mês se tiverem o apoio e a protecção de uma entidade social, que na sua esmagadora maioria não está na esfera do Estado, mas na esfera da Igreja Católica, de associações sociais e de muitos portugueses que dedicam o melhor da sua vida para poderem ajudar os outros.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Por isso, não compreendemos — e digo-o com sincera lástima — o auto-contentamento do Partido Socialista nesta matéria…

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Mas qual auto-contentamento?!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — … dizendo que já fez aprovar algumas medidas.
Conhecemos os dados da pobreza e ficamos satisfeitos com a redução sistemática desses dados, desde 2002 até 2005 e, pelos vistos, agora também até 2006. Porém, sabemos que se essa redução existe é porque também foi possível actuar no maior foco de desprotegidos dentro da sociedade portuguesa, ou seja, os idosos, designadamente aqueles que auferem a pensão mínima, isto é, aquelas pessoas que recebem 236 euros. Ora, isso foi possível porque houve um esforço, houve uma prioridade nacional para dar a essas pessoas um patamar mínimo de dignidade de existência e que se traduziu na convergência das pensões de reforma com o salário mínimo nacional. Ficámos muito preocupados quando se destruiu essa convergência, quando se atacou aquilo que considerávamos ser já um património nacional e um mínimo de dignidade humana.

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Na verdade, há muitas coisas a fazer. Não somos daqueles que consideram que com uma resolução tudo está feito. Muitas coisas há a fazer: nas pensões de reforma, no voluntariado, na inclusão e na formação.
Porém, é importante registar e consagrar também hoje, aqui, neste debate que combater a pobreza é falar de inclusão social, e nisso todos estamos de acordo. Felizmente, hoje estamos todos de acordo ao considerar que o ataque à pobreza é algo que tem de se inscrever numa lógica de direitos humanos. A existência de um mínimo digno é uma existência humana e, nesse sentido, um direito de toda a Humanidade. Ora, o CDS também dá aqui hoje essa prestação e partilha a esse debate e a essa preocupação.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — A Mesa felicita o Sr. Deputado Marques Júnior pelo seu aniversário natalício.

Aplausos gerais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria começar por saudar os peticionários, nomeadamente a Comissão Nacional Justiça e Paz que tomou a iniciativa de apresentar esta petição e as mais de 21 000 pessoas que subscreveram esta petição que vem alertar para um problema de enorme gravidade.
Efectivamente, há uns considerandos que importa destacar, e com os quais concordamos, nomeadamente quando se diz que é conhecida a elevada incidência da pobreza no nosso país, mesmo depois das transferências sociais, situação que não é compreensível no actual estado de evolução material e dos conhecimentos, e que se afigura, na opinião dos peticionários, eticamente reprovável e insustentável, à luz dos critérios de dignidade humana, equidade, solidariedade e coesão sociais.
Importa, também, destacar um outro considerando, quando a Comissão Nacional Justiça e Paz refere que a pobreza constitui uma grave negação dos direitos humanos fundamentais e das condições necessárias para o exercício da cidadania.
Efectivamente, não podemos deixar de concordar que não é mais possível termos uma visão fechada dos direitos humanos, limitados àqueles valores tradicionais que todos conhecemos. Hoje, a pobreza constitui uma limitação aos direitos humanos, à liberdade e à expressão e aos direitos de cidadania, com a qual não podemos deixar de concordar.
Por fim, a Comissão Nacional Justiça e Paz tem um considerando que remete para esta conclusão: a pobreza e a exclusão têm causas estruturais e, por isso, não se resolvem apenas com sobras ou gestos de generosidade esporádica. A pobreza é um problema que reclama apoio para acorrer às urgências, mas também exige medidas de cariz económico, social e cultural.
Portanto, esta conclusão da Comissão Nacional Justiça e Paz é perfeitamente legítima e as recomendações contidas nos projectos de resolução, com os quais concordamos, infelizmente, não resolvem este problema, embora sejam positivas, porque vêm recomendar um conjunto de linhas de intervenção, de acompanhamento da situação da pobreza.
O projecto de resolução n.º 260/X, que já foi referido, refere que a Assembleia da República declara solenemente que a pobreza expressa conduz à violação dos direitos humanos — não podemos deixar de concordar. Não é no plano teórico, mas no prático que, efectivamente, se registam as nossas diferenças.
Ao contrário do que aqui foi dito, esta petição também pede medidas concretas de combate à pobreza e não vivemos no País das maravilhas que faz lembrar a «A Alice no país das maravilhas»… A culpa não é só da conjuntura internacional, como foi aqui referido pela Sr.ª Deputada Esmeralda Ramires. A culpa é das políticas e das medidas concretas dos sucessivos governos.
Portanto, é nas medidas em concreto que vamos encontrar as divergências.
Pergunto aos Srs. Deputados como é possível estarmos a falar de pobreza quando uma dita reforma da segurança social atirou as pensões ainda para valores mais baixos…!? Como é que é possível um Governo ficar indiferente ao aumento do custo de vida?! Como é que é possível um Governo ficar indiferente face ao aumento do desemprego?! Como é possível que um Governo, face a este

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cenário de pobreza, tenha chumbado as propostas do PCP de aumento de salários e das pensões e, agora, tenha um discurso totalmente antagónico no que diz respeito ao combate à pobreza?! Para concluir, Sr. Presidente, o combate à pobreza precisa de uma mais justa distribuição da riqueza, e isso é o que Partido Socialista não tem feito, pois tem agravado a pobreza no nosso país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de saudar os mais de 22 000 peticionários desta iniciativa e a Comissão Nacional Justiça e Paz, que desenvolveu o processo.
Gostaria de saudá-los pela iniciativa que tiveram e que desenvolveram ao longo de alguns meses, com certeza, pela recolha de assinaturas, mas, sobretudo, pelo conteúdo da iniciativa. O conteúdo desta iniciativa é muito importante e deve fazer-nos reflectir a todos e a todas nesta Assembleia.
É muito importante debater a pobreza, aprofundar os conceitos sobre a pobreza, diagnosticar a realidade e encontrar soluções para a situação que vivemos.
Tudo isto é muito mais importante do que fazer mera propaganda daquilo que supostamente tem sido feito em relação à pobreza.
Penso, aliás, que o objectivo dos peticionários era esse mesmo: desafiar os Deputados e as Deputadas a aprofundarem as questões relacionadas com a pobreza.
E neste aspecto existem duas situações distintas: ou nos conformamos com a contenção da pobreza — sabemos que ela existe e, então, vamos contê-la ali (já atinge dois milhões de pessoas, não vou repetir aqui os números já referidos); ou estabelecemos objectivos e metas para erradicar a pobreza. E aqui reside toda a diferença entre uma política meramente assistencialista e políticas públicas — sublinho, políticas públicas — que visem erradicar a pobreza.
Por isso, saudamos a petição e por isso também saudamos o projecto de resolução aqui apresentado, que amanhã iremos votar.
Neste contexto, é muito importante a consideração de que a pobreza encerra, ela própria, uma violação dos direitos humanos.
Sabemos que esta concepção está sob algum ataque — até hoje, verificámos que há algum ataque a esta consideração.
Mas é muito importante aceitarmos este desafio, que é, em simultâneo, um compromisso. Um compromisso que significa que não nos conformamos e muito menos, Sr.as e Srs. Deputados, entregamos ou à regulação do mercado, como alguns querem, ou às meras actividades caritativas a resolução deste problema.
Este desafio e este compromisso que a Assembleia da República agora assume têm tudo a ver com a defesa dos direitos humanos. Um desafio que deve significar que não abdicaremos — e da parte da bancada do Bloco de Esquerda não abdicaremos! — de insistir em políticas públicas eficazes, devidamente eficazes, que não se limitem a atenuar a pobreza, mas que sirvam efectivamente para erradicá-la.
E com certeza que teremos muitas oportunidades para testar este compromisso e este desafio em torno de muitas propostas concretas de luta contra a pobreza nesta mesma Assembleia da República.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — A pobreza — e, dentro desta, a pobreza extrema — é sempre, em qualquer situação, profundamente preocupante, exasperante e constitui o reconhecimento da nossa falência, enquanto Estado e sociedade, na prossecução de alguns dos objectivos mais importantes a que nos propusemos em Abril, enquanto Estado de direito social, democrático, fundado no respeito pelos direitos humanos e na dignidade da pessoa humana: o desenvolvimento, a equidade, a justiça social, a igualdade, a paz, o pão, a habitação, a saúde e a educação.

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Mas a existência de pobreza, cada vez menos em bolsas e cada vez mais disseminada, revestindo novas formas, convivendo ao lado da abundância e do desperdício que também existem na nossa sociedade, num momento, como os peticionários bem referem, em que a Humanidade, apesar de se confrontar, de uma forma cada vez mais clara, com um problema de sustentabilidade de recursos à escala global, tem meios e é capaz de produzir o suficiente para prover o mínimo de sustento digno a todos, torna-se absolutamente gritante e revoltante! Quando a pobreza alastra, em profundidade e em extensão, atingindo novos estratos sociais, ao mesmo tempo que os lucros e rendimentos de uma minoria de mais ricos cresce galopantemente na mesma exacta medida, desmentindo a ideia, que alguns tentam passar, de que quando há crescimento de riqueza todos beneficiam, corroem-se os valores da justiça e da solidariedade, e, então, a situação roça os limites da própria insustentabilidade e da paz social.
Citando o Prof. Bruto da Costa: «A pobreza não existe por acaso. A configuração e o funcionamento dos actuais sistemas geradores de riqueza, de rendimento e de poder, tanto a nível mundial como no interior de cada sociedade, tornam inevitável a existência de ganhadores e de perdedores, sem limites para os ganhos, nem para as perdas».
Como dizem os peticionários, «a pobreza e a exclusão têm causas estruturais e, por isso, não se resolvem apenas com sobras ou gestos de generosidade esporádica», só podendo ser removidas «modificando os factores económicos, sociais e culturais que geram e perpetuam a pobreza».
Não restam dúvidas de que a elevada incidência da pobreza em Portugal, mesmo depois de feitas as transferências sociais, tem causas profundas, assentes num modelo económico de mercado de competição capitalista, de acumulação selvagem de lucro e de concentração imoral e perigosa de riqueza e poder de controlo, em que os mais fracos são colocados à margem do bem-estar e dos mais elementares direitos humanos.
Em Portugal, pelos dados hoje conhecidos, cerca de 20% dos portugueses estão em risco de pobreza, enquanto os 20% mais ricos ganham em média sete vezes mais do que os 20% mais pobres. Aos grupos tradicionalmente mais afectados — os idosos, crianças e jovens, pessoas com deficiência, mulheres e imigrantes —, geralmente associado ao desemprego, junta-se uma nova realidade: a do trabalhador, mas com baixos salários e precariedade laboral, cujos rendimentos não suportam a escalada do aumento do custo de vida e dos bens essenciais, designadamente, energia e bens alimentares, para além da sangria imposta pelo sistema bancário e pelos juros do crédito à habitação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A presente petição n.º 407/X, promovida pela Comissão Nacional Justiça e Paz, e subscrita por milhares de pessoas, e a pronta resposta do Parlamento, com o projecto de resolução n.º 356/X, indo ao encontro das suas propostas, constitui um pequeno, apesar de significativo, passo no sentido do assumir das responsabilidades da Assembleia da República perante esta magna «chaga» e responsabilidade social.
Certamente que a pobreza não irá reduzir-se automaticamente apenas por via desta resolução nem da Resolução n.º 10/2008, publicada em Março último, mas elas podem constituir, se integralmente levadas à prática, instrumentos para fiscalizar as políticas dos governos e denunciar as opções erradas que ao longo dos últimos anos têm feito descer pensões e salários, aumentar as desigualdades na nossa sociedade e aumentar da pobreza.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas, constando da ordem do dia a aprovação dos n.os 79 a 90 do Diário, a que se seguirá a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 192/X — Autoriza o Governo a rever o regime jurídico de instalação e de modificação dos estabelecimentos de comércio a retalho e dos conjuntos comerciais em matéria de taxas pela apreciação da instalação e da modificação dos estabelecimentos e conjuntos comerciais e a adaptar o regime geral das contra-ordenações às infracções decorrentes da violação das regras fixadas para aquelas unidades comerciais, e da proposta de lei nº 193/X — Procede à quarta alteração ao Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.
Por fim, será apreciada a petição n.º 412/X (3.ª) — Apresentada pela União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), solicitando à Assembleia da República que condene politicamente o processo que visa a

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materialização do Museu Salazar e que tome medidas para impedir a respectiva concretização. Haverá ainda votações no final do debate.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Elísio da Costa Amorim
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Marisa da Conceição Correia Macedo
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Social Democrata (PSD):
Arménio dos Santos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Mário Henrique de Almeida Santos David
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares
Júlio Francisco Miranda Calha
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Joaquim Almeida Henriques
João Bosco Soares Mota Amaral
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
Manuel Filipe Correia de Jesus

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Partido Comunista Português (PCP):
José Batista Mestre Soeiro

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Luísa Maria Neves Salgueiro
Manuel Luís Gomes Vaz
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Umberto Pereira Pacheco

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos António Páscoa Gonçalves
Feliciano José Barreiras Duarte
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Pedro Miguel de Santana Lopes

Partido Popular (CDS-PP):
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho

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