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Quinta-feira, 15 de Julho de 2010 I Série — Número 80

XI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2009-2010)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE JULHO DE 2010

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 12 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 375 a 378/XI (1.ª), das apreciações parlamentares n.os 54 a 56/XI (1.ª) e dos projectos de resolução n.os 216, 221 e 222/XI (1.ª).
A Câmara apreciou o relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à actuação do Governo em relação à Fundação para as Comunicações Móveis, tendo proferido intervenções, além da relatora da Comissão, a Sr.ª Deputada Carina Oliveira (PSD), os Srs. Deputados Pedro Filipe Soares (BE), Hélder Amaral (CDS-PP), Jorge Costa (PSD), Ramos Preto (PS) e Bruno Dias (PCP).
Foi também apreciado o relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar relativa à Relação do Estado com a Comunicação Social e, nomeadamente, à Actuação do Governo na Compra da TVI, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados João Semedo (BE), que interveio na qualidade de relator da Comissão, Pedro Duarte (PSD), João Oliveira (PCP), Cecília Meireles (CDS-PP), José Manuel Pureza (BE) e Ricardo Rodrigues (PS), bem como o Sr. Deputado Mota Amaral (PSD) na qualidade de presidente da Comissão.
Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 48/2010, de 11 de Maio, que estabelece o regime jurídico de acesso e de exercício da actividade de inspecção técnica de veículos a motor e seus reboques e funcionamento dos centros de inspecção e revoga o Decreto-Lei n.º 550/99, de 15 de Dezembro [apreciações parlamentares n.os 41/XI (1.ª) (PSD), 35/XI (1.ª) (PCP) e 42/XI (1.ª) (CDS-PP)]. Intervieram no debate, além do Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Carlos Correia da Fonseca), os Srs. Deputados Carina Oliveira (PSD), Agostinho Lopes (PCP), Hélder Amaral (CDS-PP), Jorge Fão (PS), Heitor Sousa (BE) e Jorge Costa (PSD).
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 147/XI (1.ª) — Altera o período de referência do pagamento de complemento solidário para idosos para 14 meses (BE), 152/XI (1.ª) — Prevê o recálculo oficioso do montante do complemento solidário para idosos

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atribuído às pessoas em situação de dependência severa, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 151/2009, de 30 de Junho (BE), 153/XI (1.ª) — Altera o Decreto-Lei n.º 232/2005, de 29 de Dezembro (Cria o complemento solidário para idosos), não fazendo depender dos rendimentos do agregado fiscal dos filhos a atribuição desta prestação (BE) e 367/XI (1.ª) — Altera o complemento solidário para idosos tornando mais justa a sua atribuição (PCP). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Helena Pinto (BE), Jorge Machado (PCP), Maria Paula Cardoso (PSD), Artur Rêgo (CDS-PP), Maria José Gambôa (PS) e José Luís Ferreira (Os Verdes). Os projectos de lei n.os 322/XI (1.ª) — Segunda alteração à Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, alterada pela Lei n.º 45/2005, de 29 de Agosto, que revoga o rendimento mínimo garantido, previsto na Lei n.º 19-A/96, de 29 de Junho, e cria o rendimento social de inserção (CDS-PP) e 323/XI (1.ª) — Segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 283/2003, de 8 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 42/2006, de 23 de Fevereiro, que regulamenta a Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 45/2005, de 29 de Agosto (CDS-PP) foram debatidos conjuntamente, na generalidade. Usaram da palavra os Srs. Deputados Pedro Mota Soares (CDS-PP), Jorge Machado (PCP), Helena Pinto (BE), Maria Conceição Pereira (PSD) e Maria José Gambôa (PS).
Foram ainda debatidos, em conjunto e na generalidade, o projecto de resolução n.º 160/XI (1.ª) — Instituição do princípio de isenção do pagamento de taxas por parte da população residente nas áreas protegidas (PSD), o projecto de lei n.º 73/XI (1.ª) — Revoga as taxas cobradas pelo acesso às áreas protegidas e serviços públicos prestado pelo ICNB, garantido o direito fundamental ao ambiente e qualidade de vida (PCP), o projecto de resolução n.º 222/XI (1.ª) — Isenção da aplicação das taxas devidas ao ICNB à população residente nas zonas protegidas e utilização das receitas resultantes na integração desses residentes neste modelo de desenvolvimento de território e na melhoria dos meios de fiscalização do ICNB (CDS-PP), o projecto de lei n.º 366/XI (1.ª) — Garante a gestão pública das áreas classificadas e protege as populações residentes e actividades económicas locais (BE) e o projecto de resolução n.º 221/XI (1.ª) — Discriminação positiva e política de apoio às populações residentes nas áreas protegidas (PS). Produziram intervenções os Srs. Deputados António Cabeleira (PSD), Paula Santos (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Rita Calvário (BE), Frederico Castro (PS) e José Luís Ferreira (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 12 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS)
Acácio Santos da Fonseca Pinto
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Paula Mendes Vitorino
Anabela Gaspar de Freitas
António Alves Marques Júnior
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Carlos Filipe de Andrade Neto Brandão
Catarina Marcelino Rosa da Silva
Defensor Oliveira Moura
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eurídice Maria de Sousa Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Frederico de Oliveira Castro
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Inês de Saint-Maurice de Esteves de Medeiros Vitorino de Almeida
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Rosendo Gonçalves
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Duarte Piteira Rica Silvestre Cordeiro
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José João Pinhanços de Bianchi
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pereira Ribeiro
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rui Alves Duarte Cruz
João Barroso Soares
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Paulo Feteira Pedrosa
João Paulo Moreira Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
João Saldanha de Azevedo Galamba

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Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luís Miguel Soares de França
Luís Paulo Costa Maldonado Gonelha
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José de Faria Seabra Monteiro
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Figueiredo de Sousa Rebelo
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Isabel Solnado Porto Oneto
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Luísa de Jesus Silva Vilhena Roberto Santos
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Odete da Conceição João
Maria da Conceição Guerreiro Casa Nova
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Miguel de Matos Castanheira do Vale de Almeida
Mário Joaquim da Silva Mourão
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Miguel da Costa Araújo
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui José Prudêncio
Rui José da Costa Pereira
Sofia Isabel Diniz Pereira Conde Cabral
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Teresa do Rosário Carvalho de Almeida Damásio
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Brandão de Sousa Fontes

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Partido Social Democrata (PSD)
Adriano Rafael de Sousa Moreira
Adão José Fonseca Silva
Amadeu Albertino Marques Soares Albergaria
Antonieta Paulino Felizardo Guerreiro
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos Sousa Gomes da Silva Peixoto
António Cândido Monteiro Cabeleira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Egrejas Leitão Amaro
António Fernando Couto dos Santos
António Joaquim Almeida Henriques
Arménio dos Santos
Carina João Reis Oliveira
Carla Maria Gomes Barros
Carla Maria de Pinho Rodrigues
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Manuel Faia São Martinho Gomes
Celeste Maria Reis Gaspar dos Santos Amaro
Cristóvão da Conceição Ventura Crespo
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Nuno Fernandes Ribeiro dos Reis
Fernando Ribeiro Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isabel Maria Nogueira Sequeira
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Cláudio de Bacelar Gouveia
Jorge Fernando Magalhães da Costa
José Alberto Nunes Ferreira Gomes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Marques de Matos Rosa
José Manuel de Matos Correia
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José de Almeida Cesário
José Álvaro Machado Pacheco Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Figueiredo Antunes
João José Pina Prata
Luís António Damásio Capoulas
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Valenzuela Tavares Menezes Lopes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Margarida Rosa Silva de Almeida
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Francisca Fernandes Almeida

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Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto
Maria Luísa Roseira da Nova Ferreira de Oliveira Gonçalves
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Paula da Graça Cardoso
Maria Teresa Machado Fernandes
Maria Teresa da Silva Morais
Maria da Conceição Feliciano Antunes Bretts Jardim Pereira
Maria das Mercês Gomes Borges da Silva Soares
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Nuno Miguel Pestana Chaves e Castro da Encarnação
Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto
Paulo César Lima Cavaleiro
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Augusto Lynce de Faria
Pedro Manuel Tavares Lopes de Andrade Saraiva
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Raquel Maria Martins de Oliveira Gomes Coelho
Teresa de Jesus Costa Santos
Ulisses Manuel Brandão Pereira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vânia Andrea de Castro Jesus

Partido Popular (CDS-PP)
Abel Lima Baptista
Altino Bernardo Lemos Bessa
Artur José Gomes Rêgo
Cecília Felgueiras de Meireles Graça
Filipe Tiago de Melo Sobral Lobo D' Ávila
Isabel Maria Mousinho de Almeida Galriça Neto
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro
José Helder do Amaral
José Manuel de Sousa Rodrigues
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Manuel de Serpa Oliva
João Rodrigo Pinho de Almeida
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Maria de Assunção Oliveira Cristas Machado da Graça
Michael Lothar Mendes Seufert
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Raúl Mário Carvalho Camelo de Almeida
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE)
Ana Isabel Drago Lobato
Catarina Soares Martins

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Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Heitor Nuno Patrício de Sousa e Castro
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
José Guilherme Figueiredo Nobre de Gusmão
José Manuel Marques da Silva Pureza
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira
Pedro Filipe Gomes Soares
Pedro Manuel Bastos Rodrigues Soares
Rita Maria Oliveira Calvário

Partido Comunista Português (PCP)
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado
Paula Alexandra Sobral Guerreiro Santos Barbosa
Rita Rato Araújo Fonseca

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV)
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Luís Teixeira Ferreira

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 375/XI (1.ª) — Altera a Lei n.º 43/2006, de 25 de Agosto, reforçando os meios de acompanhamento, apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do processo da Construção da União Europeia (BE), que baixou à 4.ª Comissão, 376/XI (1.ª) — Extingue o cargo de comandante operacional municipal no âmbito dos serviços municipais de protecção civil (1.ª alteração à Lei n.º 27/2006, de 3 de Julho, que aprova a Lei de Bases da Protecção Civil e à Lei n.º 65/2007, de 12 de Novembro, que define o enquadramento institucional e operacional da protecção civil no âmbito municipal, estabelece a organização dos serviços municipais de protecção civil e determina as competências do comandante operacional municipal) (PCP), que baixou à 12.ª Comissão, 377//XI (1.ª) — Redução dos vencimentos dos membros dos gabinetes do Governo, dos presidentes das câmaras municipais e dos governadores civis (CDS-PP), que baixou à 5.ª Comissão, e 378/XI (1.ª) — Altera o regime de renda apoiada para uma maior justiça social (primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio) (BE), que baixou à 11.ª Comissão; apreciações parlamentares n.os 54/XI (1.ª) — Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, que estabelece as regras para a determinação da condição de

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recursos a ter em conta na atribuição e manutenção das prestações do subsistema de protecção familiar e do subsistema de solidariedade, bem como para a atribuição de outros apoios sociais públicos, e procede às alterações na atribuição do rendimento social de inserção, tomando medidas para aumentar a possibilidade de inserção dos seus beneficiários, procedendo à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, à segunda alteração à Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto, à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 283/2003, de 8 de Novembro, e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de Abril (CDS-PP), 55/XI (1.ª) — Decreto-Lei n.º 66/2010, de 11 de Junho, que estabelece o procedimento aplicável à extinção das tarifas reguladas de gás natural a clientes finais, com consumos anuais superiores a 10 000 m3, e procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de Fevereiro, e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho (PCP) e 56/XI (1.ª) — DecretoLei n.º 75/2010, de 23 de Junho, que procede à alteração ao Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril (PCP); e os projectos de resolução n.os 216/XI (1.ª) — Recomenda ao Governo a tomada de medidas destinadas ao reforço da prevenção e do combate à corrupção (PS, PSD, CDS-PP, BE e PCP), 221/XI (1.ª) — Discriminação positiva e política de apoio às populações residentes nas áreas protegidas (PS), que baixou à 12.ª Comissão, e 222/XI (1.ª) — Isenção da aplicação das taxas devidas ao ICNB à população residente nas zonas protegidas e utilização das receitas resultantes na integração desses residentes neste modelo de desenvolvimento de território e na melhoria dos meios de fiscalização do ICNB (CDS-PP), que baixou à 12.ª Comissão.
Em termos de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, do primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos de hoje consta a apreciação do relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à actuação do Governo em relação à Fundação para as Comunicações Móveis.
Em primeiro lugar, para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada relatora, Carina Oliveira.

A Sr.ª Carina Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O relatório que venho hoje aqui apresentar é o resultado de muitas horas de audição a várias entidades e personalidades e à consulta de dezenas e dezenas de documentos que chegaram durante o funcionamento da Comissão de Inquérito.
Resultou da leitura de cerca de 3000 folhas da Acta e a um genuíno esforço de conciliação apartidário de várias visões, várias posições, feito com o contributo de todos, na medida do possível, norteado por princípios de factualidade e assentando no enquadramento de transcrições ipsis verbis das audições havidas com as várias entidades e os vários intervenientes.
Ao longo do funcionamento desta Comissão de Inquérito ficou provado que foi o Governo — e não os operadores — que decidiu criar a Fundação para as Comunicações Móveis.
O Governo aproveitou o crédito sobre os operadores resultante das contrapartidas decorrentes da atribuição de licenças UMTS para «obrigar» estes agentes comerciais privados a uma missão fora daquilo que seriam obrigações exclusivamente pecuniárias, para assim, longe da fiscalização directa incidente sobre as entidades públicas, prosseguir com os seus objectivos.
O Governo controlava directamente e integralmente a Fundação. Não foi um mero regulador ou fiscalizador, esteve na génese dos processos, definiu-os (até ao detalhe), inclusivamente com a faculdade exclusiva de pagamentos e autorizações de despesas através do Conselho de Administração da Fundação, por si integralmente controlado. Daí que a sua actuação seja, em tudo, a de uma entidade adjudicante, devendo por isso ter havido concurso público para estes fornecimentos.
Três anos depois, ainda não existe um documento oficial de prestação de contas consolidadas sobre a execução do programa e.escola.
Os actos de gestão, as transacções, as transferências financeiras e as vendas de bens e serviços associados a este programa permanecem por demonstrar, numa intrincada rede de financiamentos cruzados que envolve operadores de telecomunicações e Estado, estudantes e suas famílias, fornecedores de computadores e software.
Verifica-se uma grave falha de transparência na gestão pública da Fundação e dos programas e.iniciativas que lhe incumbe gerir.

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Ainda não há uma cabal prestação de contas! Referidas por testemunho nas audições, ainda há dívidas aos operadores difíceis de apurar. Dos testemunhos recolhidos, contabilizamos 109,1 milhões de euros em dívida, que ainda não estão apurados.
As compras de computadores e.escolinha foram feitas segundo as especificações transmitidas pela Fundação aos operadores, onde se encaixava apenas um fabricante e um computador: a JP Sá Couto e o computador Magalhães, onde se junta o processador Intel, curiosamente com acordos assinados em que o Estado serviu de «chapéu» para a cobertura a dar ao negócio.
O Governo criou uma situação de monopólio por parte do fabricante JP Sá Couto e do respectivo computador Magalhães, concluindo-se assim que a sua acção directa neste negócio distorceu as normais condições de mercado.
Como recomendações desta Comissão de Inquérito, destaca-se o seguinte: «Recomenda-se que o Governo, de futuro, promova e adopte o acesso às tecnologias de informação e comunicação (TIC), com inclusão de tecnologias abertas e de software livre. Recomenda-se o envio deste relatório para o Tribunal de Contas e à Comissão Europeia, duas instâncias onde decorrem processos abertos à investigação desta Fundação. Recomenda-se ainda que, depois do cumprimento de todas as obrigações legais, o Governo proceda à extinção da Fundação para as Comunicações Móveis, o que faz especial sentido no actual contexto de combate ao despesismo do Estado, onde são pedidos tantos e tantos sacrifícios aos portugueses.»

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os trabalhos desta Comissão Inquérito permitiram identificar a ligeireza com que as contrapartidas do concurso UMTS foram consideradas.
Essa ligeireza é bem visível quando nenhuma entidade, em todas as audições que realizámos, foi capaz de indicar o valor total que foi considerado no concurso. Apenas se conclui que seria superior a 1300 milhões de euros. Estes 1300 milhões de euros deveriam ser usados em projectos em prol da Sociedade de Informação.
Nas audições desencadeadas constatámos como é incompreensível a forma como são avaliadas as contrapartidas no concurso UMTS, dado os elevados montantes que estão envolvidos e a falta de rigor da avaliação em causa. Se juntarmos a este facto um perdão de 300 milhões de euros às operadoras do então ministro Carlos Tavares, percebemos que esta matéria deveria ter ficado cabalmente esclarecida.
A primeira nota que realço é a da coligação negativa que PS e PSD criaram para impedir que a Comissão de Inquérito averiguasse a execução da totalidade das contrapartidas. Este era um dos pontos referidos no documento de criação da Comissão de Inquérito aprovada neste Plenário também por estes partidos. O seu não cumprimento impediu que fosse analisada a execução de cerca de 900 milhões de euros.
A segunda nota é referente à gestão do programa e.escola. O seu início, em 2007, permite identificar muitas das más práticas que deveriam ser corrigidas na acção do Estado. O início deste programa impediu a criação de um ambiente de igualdade entre todos os fornecedores. Aliás, esta desigualdade dificultou a presença de empresas nacionais entre os fornecedores, com a consequente perda de valor para a nossa economia.
A gestão de todo o programa é outra das questões que merecem enormes críticas. Estamos perante todo um império da informalidade, onde os diversos programas que constituem o e.escola são colocados em acção sem que os contratos que os balizam tenham sido assinados. São distribuídos computadores nas escolas sem qualquer clarificação contratual das obrigações do Estado e das operadoras. Aliás, até à criação da Fundação para as Comunicações Móveis todo o processo do e.escola foi gerido pela entidade gestora do Fundo para a Sociedade de Informação, fundo este que nunca foi activado nem capitalizado.
A prática é que ditava as regras, que, posteriormente, eram convertidas em contrato, ilustrando uma forma de trabalho completamente discricionária e potencialmente lesiva dos interesses públicos.
A terceira nota decorre desta prática, que potenciou a criação de novos espaços de dominação da Microsoft. Contra todas as práticas que até à altura existiam no Ministério da Educação, os programas dos primeiros computadores que foram distribuídos não incluíram software livre. Este foi um enorme negócio para a Microsoft, que conseguiu, sem qualquer concurso público, um encaixe financeiro superior a 8 milhões de

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euros. E não foi por acaso que tal aconteceu. Foi o próprio Governo, como reconheceu o Eng.º Mário Lino, quem entrou em contacto com a Microsoft.
A formalização de acordos com a Intel reflecte também a situação privilegiada desta empresa face aos outros fornecedores. Não será de estranhar, por isso, que todos os computadores do programa e.escola tenham tecnologia da Intel.
Uma quarta nota para referir a inoperância da Fundação para as Comunicações Móveis. O insistente atraso na publicação e aprovação dos seus documentos oficiais ilustram a desadequação dos processos de funcionamento da Fundação.
A Fundação foi criada por iniciativa governamental e é gerida sob a alçada do Ministério das Obras Públicas, sendo o Governo, portanto, o principal responsável pela inadequação do modelo de funcionamento adoptado.

O Sr. Presidente: — Agradeço que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É responsável, também, pela criação de um clima de favorecimento à JP Sá Couto, empresa que criou um computador destinado a crianças depois de ter sido avançada pelo Ministério a hipótese de ser criado um programa de distribuição de computadores pelos alunos do 1.º ciclo.
O Governo preparou um programa de distribuição de computadores e a apresentação de um computador e do programa ocorreu no mesmo espaço que tinha sido alugado pelo Governo.
Um programa governamental, um computador, uma empresa: o sonho de qualquer empresário.
Acresce que foi o Governo (foi o próprio Governo) quem custeou mais de 60% do programa e.escolinha (cerca de 50 milhões de euros), através da acção social escolar.
Concluo, Sr. Presidente, dizendo que esta é uma história de informalidade e de incumprimento para com os preceitos da contratação pública. Quando não se seguem as regras, criam-se climas de favorecimento. E essa foi a prática do Governo, que esta Comissão de Inquérito apurou e que o Bloco de Esquerda afirmativamente condena.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é uma matéria tão simples quanto confusa. E se isto é uma contradição, verão o que quero dizer.
O Governo escolheu, deu abrigo, nomeou os seus dirigentes e quis dirigir, controlar e monitorizar a Fundação para as Comunicações Móveis. Foi, até, mais longe: inscreveu nos contratos que reagiria subsidiariamente à Fundação para as Comunicações Móveis, ou seja, sempre que houvesse falhas, diferenças ou dívidas da Fundação, o Estado garantiria.
O Estado, na pessoa do seu dirigente do Plano Tecnológico, que, no fundo, serviu de base a toda esta concepção, disse, em Comissão, que a criação da Fundação foi pensada, aconselhada e produzida pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. E disse mais: que as definições para o programa e.escolinha e para o computador Magalhães foram feitas por uma task force.
Até ao fim do funcionamento da Comissão de Inquérito, não foi possível descobrir numa Acta «quem», «quando», «onde», definiu essas mesmas especificações. É um facto que essas definições existiram.
Chegaram no dia 15 de Setembro à mão das operadoras e diziam: «O Magalhães tem de ter estas características e podem comprá-lo num determinado sítio».
Mas o que é estranho é que, antes, no dia 30 de Julho, dia que eu apelido de «dia de S. Magalhães», o Governo, numa festa no Pavilhão Atlântico, fez os convites, alugou o espaço, definiu o sítio onde ficavam as flores, a cor do ambiente, mas não pagou o Pavilhão Atlântico; isso foi feito por uma empresa privada.

Aplausos do CDS-PP.

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E, nesse dia, o Governo fez mais: assinou um protocolo com a Intel, dizendo que, a partir dali, deveriam escolher uma empresa portuguesa para produzir o Magalhães. Mas, estranhe-se!, nesse mesmo dia, já lá estava o computador Magalhães e já lá estava a empresa JP Sá Couto com o Magalhães.
Mais ainda: nessa mesma noite, num programa da SIC — vídeo que consta do relatório — , o Presidente da JP Sá Couto dizia: «Eu tenho aqui o computador Magalhães, que vai servir para o programa e.escolinha», o tal que só teve critérios e definições em 15 de Setembro.
Portanto, fica claro como, utilizando uma expressão usada por um senhor da Prológica, houve um conhecimento empírico das características e do Magalhães.
Gostaria, pois, de dizer que tudo isto são factos provados, constam do relatório e foram apurados em sede da Comissão de Inquérito.
Fica, assim, claro que o Governo criou o Magalhães, escolheu o seu produtor e até promoveu o computador. Aliás, todos nos lembramos de o Sr. Primeiro-Ministro, muito ao jeito do homem da Regisconta que, na altura, era «aquela máquina», mas não tão eficiente, ter assumido como seu o produto. Bom, nada disso é grave! Aliás, até gostávamos de ver o Sr. Primeiro-Ministro promover outras marcas portuguesas e, porventura, assumir também como suas outras marcas portuguesas.
O problema é que ficamos sem saber se era possível fazer um computador melhor, mais barato e mais eficiente pela simples razão de que não houve concurso público. E como não houve concurso público nunca ficaremos a saber se era possível ou não ter mais, melhor e mais barato.

Aplausos do CDS-PP.

Terminarei, dizendo que o Governo escondeu que a criação da Fundação para as Comunicações Móveis servia para resolver o problema da falta de transparência e do cumprimento das regras da contratação pública.
Mas, estranhe-se: a Fundação para as Comunicações Móveis não tem plano, não tem relatório, não tem auditoria e pudemos ouvir, da boca das pessoas das operadoras que constituem o Conselho de Fiscalização, que da análise que fazem da gestão da Fundação, com os critérios normais de gestão de qualquer empresa, esta fica muito a desejar em relação àqueles que são os critérios mínimos de uma boa gestão.
Por isso ç que se sugere, e bem,»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não se sugere, é uma recomendação concreta!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — » a extinção da Fundação para as Comunicações Móveis.
É por isso que se diz, e bem, no relatório, que o Governo criou uma fórmula para ser transparente, para ser claro, e acabou por ser trapalhão, por criar uma nebulosa e por criar a dúvida e transformar aquilo que é uma boa ideia, que é pôr cada vez mais portugueses junto das novas tecnologias, naquilo que é uma marca do Governo socialista: tudo deve ser feito segundo as regras, mas ser tudo feito por fora e à margem das regras.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa.

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se dúvidas houvesse, ficou demonstrado que o PSD tinha razão ao propor a constituição desta Comissão de Inquérito.
A Comissão de Inquérito permitiu esclarecer e confirmar muitas das dúvidas que se colocaram desde o primeiro momento quando vimos uma dezena de membros do Governo, em fila, para ficarem no retrato dos beneméritos dos alunos deste país, arvorando o archote das novas tecnologias em cerimónias públicas pormenorizadamente ensaiadas e mediatizadas, mas sem que sobre aquela actividade houvesse um imediato registo público visível, transparente e fiscalizável, como era manifestamente exigível.
O Governo criou uma entidade gerida por pessoas da sua confiança política, contornando disposições legais, nacionais e comunitárias, aplicadas à contratação pública e dificultando o controlo da utilização dos fundos públicos.

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Através de um artifício, o fornecimento de equipamentos informáticos foi efectuado por operadores privados, os quais, para o efeito, e sem prejuízo do próprio financiamento, receberam fundos públicos do Estado.
A aquisição dos computadores para a iniciativa e.escolinha era, inevitavelmente, efectuada a uma só empresa, já que, coincidência das coincidências, as características técnicas dos computadores definidas pelo Estado só coincidiam com as dos fabricados por essa empresa.
A prioridade atribuída pelo Governo à mediatização da iniciativa e.escolinha, que envolveu 11 governantes e filmes promocionais obtidos de forma abusiva, não encontrava paralelo na apresentação a escrutínio público da actividade das entidades que lhe davam suporte.
A prestação de contas foi feita fora dos prazos legais já depois de levantadas as dúvidas aqui, na Assembleia da República.
Em suma, concluiu-se, inequivocamente, que o Governo criou a Fundação para fugir à obrigatoriedade de promover um concurso público. A Fundação, sendo uma fundação sui generis à nascença, funcionou de forma descontrolada, pouco transparente, a ponto de os próprios operadores privados salientarem a sua ineficiente gestão.
Veja-se, a título de exemplo, que o orçamento e plano para 2009 desta Fundação foi aprovado em 30 de Dezembro de 2009. Isto é, no último dia do ano aprovou-se o plano e orçamento para o próprio ano, e em Julho de 2010, nesta data, ainda não há relatório e contas de 2009.
Foram também utilizados dinheiros públicos da ANACOM e da acção social escolar, o que reforçava a necessidade de fiscalização.
Em suma, o Governo envolveu-se, desenhou todo o processo desde o início, fez o «fato à medida» ao definir as especificações dos computadores a adquirir, onde só cabia, ao milímetro, o computador Magalhães, produzido por uma única empresa, estabeleceu directamente os acordos com entidades terceiras, que não vêm no programa, e, ainda, promoveu a cerimónia da sua apresentação pública.
Não está em causa, como sempre dissemos, o mérito ou o demérito da atribuição de computadores a estudantes ou a professores, o que, aliás, nem sequer foi discutido nesta Comissão de Inquérito, mas sim, como sempre afirmámos, a actuação do Governo em todo o processo que conduziu à sua aquisição, subtraindo-se ao controlo público e à transparência que eram exigíveis face à presença de dinheiros públicos.
A forma como o Governo agiu suscitou legítimas e fundadas dúvidas e mereceu já a crítica pública da Comissão Europeia, tendo motivado também a realização de uma auditoria pelo Tribunal de Contas, que ainda decorre, e até originou a modificação, pelo próprio Governo, dos procedimentos a posteriori.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que este modo de operar do Governo configura, para com quem o elegeu, uma violação dos mais elementares deveres éticos e deontológicos, pondo mesmo em causa a imagem do Estado enquanto pessoa de bem, ao agir reiteradamente de uma forma pouco transparente, quando devia, precisamente, ser irrepreensível. E isso merece total censura por parte do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Ramos Preto.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Prestes a concluir a presente sessão legislativa, temos também de fechar um dossier que nunca deveria ter sido aberto, pois a polémica criada em torno da Fundação para as Comunicações Móveis resultou numa mão cheia de coisa nenhuma.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ramos Preto (PS): — E aquilo que era verdadeiramente importante não foi tratado na Comissão de inquérito, ou seja esta Comissão não curou de saber o alcance e os efeitos que o programa e.escola teve na sociedade portuguesa.
A verdade é que, ao abrigo do referido programa, foram distribuídos até hoje mais de 1,3 milhões de computadores.

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Aplausos do PS.

A verdade é que mais de 500 000 pessoas beneficiárias da acção social escolar beneficiaram deste programa. A verdade é que professores tiveram acesso a um computador. A verdade é que há uma nova geração que associa o computador à aprendizagem, à educação e à escola.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Com este programa, que, em boa hora, foi lançado pelo Governo do PS, foram criadas as bases para o cluster tecnológico na área da educação e formou-se uma dinâmica de oferta de conteúdos digitais educativos, tendo sido mobilizadas as verbas dos operadores de comunicações para uma estratégia que envolveu os próprios operadores e as empresas portuguesas num projecto que consubstancia um autêntico desígnio nacional.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Graças ao programa e.escola Portugal é hoje o segundo país da União Europeia com acesso à banda larga, posicionou-se de forma indelével no acesso a infra-estruturas tecnológicas e foram lançadas as bases para a construção de uma nova geração de infra-estruturas para a economia do conhecimento.

Aplausos do PS.

Não menos importante, Portugal lançou o maior projecto de info-inclusão do mundo, rompendo assimetrias sociais e regionais, que mereceu e merece a atenção da indústria internacional das tecnologias de informação, que vêem no nosso país um farol nesta área, e também dos governos dos países desenvolvidos e em desenvolvimento que pretendem adoptar políticas semelhantes.
A política desenhada e levada a cabo pelo Governo no âmbito da sociedade de informação e do conhecimento foi enquadrada numa estratégia global de desenvolvimento e modernização do país que permitiu que Portugal seja hoje o primeiro, entre os 27 da União Europeia, na disponibilização de serviços electrónicos aos cidadãos e às empresas.
O acesso generalizado à Internet permitiu também o desenvolvimento de serviços electrónicos privados, como é o caso da banca electrónica, aproximando os cidadãos dos serviços mais modernos que a sociedade pode oferecer, nomeadamente junto daqueles que sofrem de exclusão estrutural.
O programa e.escola, recorde-se, foi gerido mobilizando recursos privados que asseguraram também os custos de gestão dos mesmos. Nesse sentido, a Fundação para as Comunicações Móveis é uma estrutura que congregou o Estado e as empresas em torno de objectivos estratégicos comuns.
A Fundação conseguiu congregar esforços públicos e privados, afirmando sempre o interesse público através do rigor no controlo da execução do programa e.escola, que primou por não ter tido gastos supérfluos, focalizando a sua actividade a partir de uma sede modesta com estruturas igualmente modestas.
Aspecto relevante que não posso deixar de sublinhar reside no facto de a Fundação, no seu primeiro ano de existência, ter sido auditada, política e tecnicamente, por diversas entidades sem que lhe tenha sido assacada qualquer responsabilidade grave ou censurável.
Em conclusão, o Governo e a Fundação para as Comunicações Móveis foram atacados nesta Casa por terem feito, por terem agido, por terem executado, como bem ficou patente ao longo dos trabalhos da Comissão de Inquérito.
Se este Governo tivesse tido a atitude de governos anteriores, que permitiu que 23 milhões de euros se mantivessem na mão dos privados,»

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Isso é que mereceria uma comissão de inquérito.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Efectivamente, isso é que merecia uma comissão de inquérito.

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Aplausos do PS.

Como dizia, se este Governo tivesse tido a atitude de governos anteriores, que permitiu que 23 milhões de euros se mantivessem na mão dos privados e que permitiu que, em 2008, dos 960 milhões de euros que as operadoras estavam vinculadas a investir na sociedade de informação e conhecimento só 170 milhões tinham sido investidos, isso é que devíamos ter procurado investigar e isso é que teria merecido uma comissão de inquérito.
Sei que o PSD, que promoveu esta Comissão de Inquérito, lida mal com o sucesso do programa e.escola.
Paciência! Como dizia um antigo primeiro-ministro: «É da vida!».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Bem dizia agora o Sr. Deputado António Ramos Preto, do PS, que este dossier nunca devia ter sido aberto. Ouvimos perfeitamente, Sr. Deputado, e compreendemos porque é que havia de começar a sua intervenção por dizer uma coisa dessas.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas é caso para dizer que, para nós, a transparência não se troca nem por um computador portátil nem por um milhão de computadores portáteis.
E a justiça e a forma como o Governo e o Estado português devem actuar e defender, de forma decente, de forma escrupulosa e rigorosa, o interesse público e o interesse nacional, é algo que não se troca por apresentações propagandísticas, pela entrega de computadores em escolas ou por acções de pré-campanha, como o Governo teve ocasião de fazer.

Aplausos do PCP.

Não é por aí que nós vamos, e esta Comissão foi contra esta atitude e foi contra essa estratégia.
É caso para dizer, Sr. Presidente, que esta Comissão de Inquérito fez um caminho importante, mas não fez o caminho todo.
Foi importante o trabalho e o apuramento realizado, que evidenciou factos que não podem passar em claro: a forma como foi conduzida a gestão das chamadas contrapartidas no concurso para os telemóveis de 3.ª geração — é verdade que é um problema que resulta da inoperância e da falta de vontade política quer do governo anterior quer dos que se lhes antecederam, do PSD e do CDS, e essa é uma questão que une o arco PS/PSD/CDS-PP; a forma como o interesse público foi ignorado, com os grupos económicos privados a negociar a interpretação dos próprios compromissos que haviam assumido para com o Estado; a forma como o Ministério das Obras Públicas negociou em nome do Estado com multinacionais, com destaque para a Microsoft, evidentemente, permitindo-lhe uma posição de absoluto privilégio; ou ainda a forma como o Governo preparou — preparou, eu disse bem! — o caminho de sentido único para a adopção do computador Magalhães, que mais não era do que a versão portuguesa do Intel Classmate, feito em Portugal, com tecnologia da multinacional, aplicando-se aqui as normas e os padrões de exploração que os trabalhadores da JP Sá Couto, muitos deles jovens, que daqui saudamos, suportaram, na sua luta, enfrentando o despedimento, a precariedade e a exploração.
Perante tudo isto, as recomendações tinham de ser consequentes e apontar para as medidas que constam do relatório final, nomeadamente para a garantia da adopção de software livre e de formatos abertos em todas as futuras iniciativas do Estado português nesta área e, particularmente, para a extinção da Fundação para as Comunicações Móveis, porque, Srs. Deputados, é tempo de pôr um ponto final neste regabofe de negócios arbitrários e de falta de transparência.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Perante uma Fundação que não apresenta contas ao País desde 2008, numa altura em que o programa e.escolinha é, ele próprio, conduzido e coordenado pelo Ministério da Educação, só há uma decisão a tomar, e essa decisão é, evidentemente, a da extinção da Fundação para as Comunicações Móveis.

Aplausos do PCP.

Estas propostas foram apresentadas pelo Partido Comunista Português, que se honra de ver presentes neste relatório final recomendações para as quais contribuiu de forma activa e empenhada.
E só faltava que o Governo mantivesse a atitude de ignorar as conclusões e recomendações da Assembleia da República! Não é uma sugestão de um grupo de cidadãos, não é uma reivindicação local ou sectorial, é uma posição assumida por um órgão de soberania, que tem de ser respeitada e cumprida pelo Governo português.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Perguntámos hoje ao Sr. Ministro se o Governo vai persistir nesta lamentável atitude. A resposta do Sr. Ministro foi tão pouco clara como as contas da Fundação: «Não deixarei de assumir as minhas competências». Falou e disse! Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, também é verdade que esta Comissão de Inquérito, tendo feito um caminho importante, parou na recta final, por opção do PS e do PSD. Por isso, houve matérias que não foram apuradas, requerimentos do PCP que foram chumbados, factos que não foram averiguados. É o caso da relação do Estado com a Microsoft, nomeadamente nos negócios que continuam por explicar, com lucros e receitas que ficam por conhecer.
Nesse sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pela parte do PCP, tudo faremos para que esta matéria e este processo de má memória, esta experiência lamentável em matéria de interesse nacional e de interesse público, que devia ter sido salvaguardado mas foi malbaratado ao sabor dos interesses e das agendas de multinacionais e grupos económicos, não fique no esquecimento e possa constituir lição e ensinamento. É que a transparência não pode ser palavra vã, o rigor na condução e na gestão dos dinheiros públicos não pode ser gratuito e a credibilidade do Estado português na defesa do interesse público e do interesse nacional não pode ser matéria para troca por um computador ou por 1 milhão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, terminado este ponto, segue-se a apreciação do relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar relativa à Relação do Estado com a Comunicação Social e, nomeadamente, à Actuação do Governo na Compra da TVI.
Para uma intervenção, na qualidade de relator, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tentarei, em 3 minutos, resumir as principais conclusões aprovadas pela Comissão de Inquérito relativamente à aquisição da TVI e, também, aos respectivos fundamentos.
Antes de mais, quero registar e reconhecer o trabalho realizado pelos funcionários da Assembleia que, directamente, e, em alguns casos, indirectamente, apoiaram o trabalho da Comissão.
Também não quero deixar de referir e de registar o desempenho da própria Comissão, dos Deputados que a constituíram e do Deputado Mota Amaral, que conduziu e presidiu aos seus trabalhos. Julgo que todos contribuíram para que a Comissão de Inquérito, com rapidez e com clareza, respondesse aos objectivos que levaram à sua constituição.
Dito isto, e entrando nas conclusões da Comissão de Inquérito, em 2008 e 2009, a TVI/Media Capital foi alvo de duas tentativas de aquisição: a primeira pela sociedade Tagusparque e a segunda conduzida pela

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Portugal Telecom. Há um elo comum às duas tentativas, que é a participação de Rui Pedro Soares, administrador daquelas duas empresas, ex-dirigente nacional do Partido Socialista e que em ambas desempenhou um papel proeminente, tendo mesmo, nalguns casos, desenvolvido diligências e iniciativas sem o conhecimento das administrações a que pertencia.
Estas duas tentativas desenvolveram-se num tempo em que a informação da TVI e, em particular, o Jornal Nacional, de sexta-feira, eram alvo de críticas públicas e contundentes por parte do Primeiro-Ministro, de membros do Governo e de diversos dirigentes do Partido Socialista.
O convite para consultor e assessor da Portugal Telecom que o Eng.º Zeinal Bava dirigiu a José Eduardo Moniz revela que a transacção em preparação, o negócio PT/TVI, incluía também a substituição do seu director, José Eduardo Moniz, para, nessa perspectiva, se poder alterar a linha editorial da TVI.
Tomando por referência o debate parlamentar aqui realizado no dia 24 de Junho à tarde, a Comissão de Inquérito concluiu que o Primeiro-Ministro e o Governo tinham, naquela data, conhecimento do negócio PT/TVI pelas razões que, resumidamente, passo a enunciar: na véspera, dia 23 de Junho, a Portugal Telecom tinha comunicado formalmente à CMVM a existência das negociações, comunicação esta de que o ex-Ministro Mário Lino, na altura Ministro da tutela, tomou conhecimento, de acordo com o seu próprio depoimento à Comissão de Inquérito; ainda no mesmo dia 23 de Junho, e também no próprio dia 24, o negócio PT/TVI era manchete de dois jornais diários, um dos quais chegou mesmo a solicitar um comentário ao então Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, que, na altura, tutelava a comunicação social.
Ora, nem tudo o que os jornais publicam ou perguntam ç verdade,»

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Isso é verdade!

O Sr. João Semedo (BE): — » mas, naquele caso, como todos sabemos, era mesmo verdade: o negócio estava em acelerada preparação. E, tratando-se da PT, a maior empresa do País,»

O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Semedo (BE): — Estou a concluir, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, tratando-se da PT, a maior empresa do País, e da TVI, televisão com a qual o Governo tinha um aceso conflito, não é possível, Sr.as e Srs. Deputados, que aqueles dois Ministros, o Governo e o próprio Primeiro-Ministro ignorassem, desvalorizassem ou se desinteressassem da informação publicada.
Aliás, nas respostas enviadas à Comissão Parlamentar de Inquérito e nas múltiplas declarações públicas que fez sobre este negócio, o próprio Primeiro-Ministro reconhece que o conhecia,»

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Não leu!

O Sr. João Semedo (BE): — » distinguindo dois tipos de conhecimento: formal e informal ou, se quiserem, oficial e particular. Como é evidente, e todos sabemos, ambos os tipos de conhecimento constituem conhecimento no sentido de informação adquirida.
De acordo com os depoimentos recolhidos na Comissão, este conhecimento por parte do Primeiro-Ministro não decorreu de qualquer informação da Portugal Telecom. Mas o que está em causa neste inquérito não é se a Portugal Telecom informou ou não o Governo ou o próprio Primeiro-Ministro; o que está em causa e interessa apurar é se, sim ou não, o Governo sabia do negócio.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Não!

O Sr. João Semedo (BE): — Aliás, nas 35 páginas de contrapropostas que o PS apresentou à Comissão Parlamentar de Inquérito, o PS nunca escreve, preto no branco, sem qualquer subterfúgio, que o PrimeiroMinistro desconhecia o negócio, o mesmo acontecendo, aliás, nas respostas do próprio Primeiro-Ministro.
Termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dizendo que a Comissão de Inquérito concluiu que o Governo interveio no negócio PT/TVI em duas fases e de duas maneiras diferentes: primeiro, deixando as negociações

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evoluir e progredir sem que tivesse manifestado qualquer reserva à realização deste negócio; depois, já no dia 25 de Junho, com as administrações da PT e da Prisa ainda a discutir o próprio negócio, o Primeiro-Ministro e o Ministro Mário Lino decidem opor-se ao negócio, perante o debate público, o debate no Parlamento e a própria intervenção do Sr. Presidente da República.
Esta decisão do Governo, de se opor ao negócio, é assumida pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro Mário Lino, reconhecendo, um e outro, que o fizeram sem sequer ouvir a administração da Portugal Telecom, o que é uma evidente contradição com a autonomia desta empresa, que sempre disseram respeitar e em nome da qual deixaram este negócio avançar, quando dele tiveram conhecimento.
São estas as principais conclusões da Comissão de Inquérito, que, de uma forma reduzida, pretendi transmitir ao Plenário da Assembleia da República.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito à actuação do Governo na tentativa de compra da TVI permitiram provar, inequivocamente, o carácter obscuro que caracterizou este aparente negócio.
Desde logo, não subsistem dúvidas de que a origem deste negócio não passou por qualquer motivação de cariz empresarial. Pelo contrário, é hoje absolutamente claro, para todos os portugueses, que por detrás deste negócio estava uma motivação político-partidária de tentativa de controlo da estação de televisão com maior audiência no País nas semanas que antecederam as últimas eleições.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Não restam, hoje, dúvidas de que um esquema foi montado para silenciar um director de informação e uma jornalista incómoda para o Primeiro-Ministro. Tratou-se de uma operação política nada transparente! Tal como não foi transparente, em todo este processo, a relação do Governo socialista com a empresa PT. A forma ligeira — deliberadamente ligeira — , sem formalidades, sem papéis, sem rasto de contactos, legitima as maiores suspeições. E a falta de memória que, estranhamente, caracterizou os depoimentos de diversas personalidades, incluindo o do Sr. Primeiro-Ministro, só acrescentam nuvens cinzentas a esta verdadeira operação negra.
O papel específico do enigmático Rui Pedro Soares é, a este respeito, paradigmático. São conhecidas as suas responsabilidades na organização da campanha eleitoral do PS e é conhecida a sua proximidade ao Primeiro-Ministro. Mas são absolutamente desconhecidas as razões que levaram à sua ascensão meteórica em empresas participadas pelo Estado, desde que o Eng.º Sócrates é Primeiro-Ministro de Portugal.
Ora, este jovem gestor socialista foi precisamente o elemento-chave, nesta tentativa quase desesperada de controlar a TVI, primeiro na Tagusparque, depois na PT.
Por todas estas razões, o PSD lamenta que a Comissão não tenha podido ir mais longe, de forma a poder comprovar, indubitavelmente, as responsabilidades do Governo e, em particular, do Sr. Primeiro-Ministro nesta obscura operação de controlo da comunicação social e, em particular, da TVI.
Em devido tempo, os Deputados do PSD nesta Comissão propuseram uma metodologia diferente, segundo a qual, respeitando escrupulosamente o princípio da separação de poderes, as normas vigentes e o direito à privacidade, cumpriríamos melhor o nosso dever de apuramento da verdade. Assim, ficamos, infelizmente, por «meias verdades»! Contudo, e apesar destas limitações, o PSD congratula-se com a aprovação do relatório, e cumprimenta o seu autor, assim como se congratula com o intenso trabalho realizado na Comissão de Inquérito. Apesar das limitações referidas, esta Comissão, de facto, valeu a pena, e valeu a pena, desde logo, pela sua função profilática, preventiva.
Acreditamos que, no futuro, este ou qualquer outro Governo serão mais diligentes e mais ponderados na relação com a comunicação social.

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Mas valeu também a pena esta Comissão, porque ela abriu as portas para que, um dia, quando todos os factos forem conhecidos, se conheça toda a verdade, sendo, assim, politicamente penalizados os responsáveis por este ataque a um dos princípios basilares do nosso Estado de direito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tal como sucedeu no debate parlamentar aquando da constituição desta Comissão de Inquérito, não procurámos fazer desta Comissão, e não fizemos, um instrumento de prova da nossa oposição às políticas do Governo, nem cedemos a tentativas de instrumentalização que procuraram fazer dela uma antecâmara da apresentação de uma qualquer moção de censura.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Procurámos, isso, sim, numa postura séria e empenhada, contribuir para o apuramento da verdade e tentar ultrapassar todos os obstáculos com que o trabalho desta Comissão Parlamentar de Inquérito se confrontou, entre os quais se contam as inúmeras tentativas desenvolvidas pelos Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, procurando obstaculizar ao funcionamento da Comissão, os que resultaram da forma como decorreram as inquirições e de como a Comissão obteve as informações que procurou apurar, quer com a invocação de vários tipos de segredos, por parte dos depoentes, quer com as contradições entre os depoimentos prestados, quer com as faltas selectivas de memória reveladas por vários depoentes, incluindo o Primeiro-Ministro, e os que resultaram não só do contexto de informalidade e casualidade com que decisões importantes do ponto de vista empresarial são tomadas mas também com que são estabelecidas as relações de grandes empresas com o Governo.
Por último, houve obstáculos que resultaram também do facto de o objecto da Comissão de Inquérito, em alguns momentos, colidir com processos judiciais que estão em curso, questão relativamente à qual a posição do PCP sempre foi bastante clara: não devendo a Comissão Parlamentar de Inquérito abdicar de qualquer uma das prerrogativas ou de qualquer um dos poderes de que dispunha, era fundamental não ultrapassar a fronteira que deve balizar a actuação do poder político face à actuação do poder judicial. Por isso, procurámos contribuir para que essa fronteira fosse claramente demarcada e não fosse ultrapassada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, o que, obviamente, exigiu particular atenção e melindre no tratamento da matéria relacionada com processos judiciais que chegou à Comissão de Inquérito, em especial a matéria relacionada com os regimes de escutas telefónicas.
No final do trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito, obviamente que o PCP acompanha as conclusões propostas pelo relator, melhoradas, julgamos nós, com os aditamentos que resultaram das propostas de alteração apresentadas. Não acompanhamos, porém, o fetiche criado em torno da inclusão, nas conclusões, da palavra «mentira» a propósito das declarações do Sr. Primeiro-Ministro perante este Parlamento.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não contribuímos para alimentar o fetiche criado em torno da palavra «mentira» porque julgamos que aquilo que é verdadeiramente grave e significativo é saber que decorreu uma operação com motivações políticas para controlar um órgão de comunicação social, da qual o PrimeiroMinistro teve conhecimento e foi sendo informado ao longo do tempo, tendo o Governo tido intervenção nessa tentativa de aquisição, nessa tentativa de controlo de um órgão de comunicação social com motivações políticas. Esse é o facto grave que importa salientar no final dos trabalhos desta Comissão Parlamentar de Inquérito.

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Portanto, às conclusões aprovadas, e constantes do relatório da Comissão de Inquérito, julgamos que se deve acrescentar outras duas, que não tendo directamente que ver com a matéria da Comissão de Inquérito são conclusões de que a Assembleia da República não pode ficar alheada.
A primeira tem que ver com a confirmação da crescente promiscuidade entre o poder político e o poder económico. Esta é uma forma de actuação que não é nova nem era desconhecida, mas tiveram confirmação nesta Comissão de Inquérito os particulares reflexos que esta promiscuidade vai tendo do ponto de vista do condicionamento da comunicação social.
Trata-se, de facto, de uma relação de promiscuidade que funciona em dois sentidos: por um lado, garante ao poder económico a satisfação dos seus interesses e a manutenção dos seus privilégios e, por outro lado, serve ao poder político, na medida em que permite a concretização de lógicas de manutenção do poder, particularmente do poder executivo.
Esta relação promíscua põe, de facto, em causa a violação do preceito constitucional que estabelece a subordinação do poder económico ao poder político e acentua a degradação da democracia política. Essa é uma nota de que não prescindimos nas conclusões desta Comissão de Inquérito.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Para concluir, Sr. Presidente, deixo uma outra nota que também julgamos importante, respeitante ao sentimento de impunidade manifestado pelos envolvidos nesta operação de controlo de um órgão de comunicação social por motivações políticas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Esta é uma nota que importa também deixar aqui relevada, sobretudo porque dá a verdadeira dimensão do acentuado grau de degradação da democracia política. Isto é particularmente grave porque, na actuação concreta e na violação do quadro constitucional vigente, os operacionais, nestas tentativas de controlo da comunicação social, actuam com a tranquilidade de quem julga ter garantida a impunidade da sua conduta.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Esta matéria tem de ter resposta por parte da democracia, tem de ter uma resposta por parte daqueles que defendem o Estado de direito democrático. Por tudo isto se compreende que o PS tenha procurado subverter as conclusões do relatório.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.
Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, em vez de tentarem esconder uma actuação condenável por parte de membros deste Governo, mas valia que alterassem as opções e as práticas políticas pelas quais são responsáveis.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta Comissão de Inquérito foi diferente de todas as anteriores. O que estava em causa eram essencialmente motivações, o que importava apurar não era somente factos mas, sobretudo, as suas causas e a prova possível era apenas testemunhal, não havendo suportes documentais.
Foi uma Comissão completamente atípica, que resultou, aliás, da iniciativa potestativa do PSD e do BE. O CDS sempre considerou a Comissão importante, mas nunca fez dela a prioridade da sua agenda política. Não

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esperámos demais da Comissão, pelo que não temos, agora, nem de contrariar expectativas nem de alterar posições.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Mas uma coisa tem de ser dita: não é inocentemente que um Primeiro-Ministro designa uma estação de televisão e um telejornal em particular como adversários, nem háde ser mera coincidência dos astros que, meses depois, esta televisão e este noticiário mudem de responsáveis.
Sendo a prova central de natureza testemunhal, a Comissão deparou-se com vários obstáculos: o muro de silêncio que envolveu as verdadeiras motivações do negócio; a memória altamente selectiva de vários depoentes; as clamorosas contradições que íamos ouvindo, muitas vezes, no mesmo depoimento; e a recusa em testemunhar, aliás ilegal, da peça central de todo este infeliz caso — o Dr. Rui Pedro Soares.
A tudo isto veio juntar-se a recusa, legítima, do Primeiro-Ministro em comparecer pessoalmente perante a Comissão, utilizando a sua prerrogativa de depor por escrito. Certamente que com o Primeiro-Ministro no Parlamento algo mais se teria sabido, tal como, aliás, sucedeu das duas vezes em que o CDS o questionou e interpelou sobre o tema da TVI em Plenário, das duas vezes obtendo respostas contraditórias.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — No meio de todas estas limitações, há uma fronteira que o CDS decididamente não ultrapassou: é a que separa o poder político do poder judicial. Para nós, sempre foi claro que no Parlamento se faz política e que nos tribunais se faz justiça.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Assim, e porque os fins não justificam os meios, o CDS decidiu não consultar os resumos das escutas solicitados por alguns membros da Comissão. Para agir de outro modo teríamos de rever todo o nosso pensamento político sobre a separação de poderes.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não sacrificamos um princípio basilar do Estado de direito — o princípio da separação de poderes — por um objectivo político, por mais pertinente e justo que seja.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Quanto a conclusões, devo dizer que, por um lado, ficou provado, sem sombra de dúvida, que a compra da TVI via Media Capital foi persistentemente tentada, durante dois anos, pelo Dr. Rui Pedro Soares, através da Tagusparque e da PT, o que por várias vezes foi classificado de uma estranha coincidência de vontades.
O mesmo Dr. Rui Pedro Soares é ex-dirigente do Partido Socialista e amigo pessoal do Sr. PrimeiroMinistro, do então Ministro Mário Lino, do Dr. Armando Vara e do Dr. Paulo Penedos, aliás seus companheiros de partido. Todas estas pessoas desempenharam um papel ora no ataque ora na tentativa de compra da TVI.
As motivações do Dr. Rui Pedro Soares assumem um papel central e não é plausível que uma enorme quantidade de coincidências o tenha catapultado para o centro do negócio, salvo se se recorrer à explicação de que a sua vontade era orientada politicamente, favorecendo, de modo objectivo, o propósito do Governo e do Primeiro-Ministro de modificar a linha editorial da TVI.
Quanto às afirmações feitas aqui, no Parlamento, pelo Primeiro-Ministro, no dia 24 de Junho, em resposta a uma pergunta concreta colocada pelo CDS, as suas próprias palavras tornam bastante clara a escassa adesão à realidade das afirmações que então proferiu. Mais uma vez, é legítimo pensar que o Primeiro-

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Ministro não disse ao Parlamento tudo o que sabia; outra coisa é pensar que através desta Comissão se pudesse provar até onde ia o conhecimento do Primeiro-Ministro ou através de quem o obteve.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Por último, não posso deixar de dizer que espero que esta Comissão, com todas as suas limitações e obstáculos, sirva, ao menos, para uma coisa: que este Primeiro-Ministro de Portugal — ou qualquer outro, no futuro — pense duas vezes antes de tentar interferir na comunicação social e na sua liberdade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um parlamento democrático honra-se quando leva a cabo, com tenacidade e coragem, a missão de fiscalizar os actos do governo. Fez bem, por isso, esta Assembleia da República quando decidiu investigar o envolvimento do Governo no negócio entre a PT e a TVI. Fê-lo em nome da garantia do princípio essencial da liberdade de orientação editorial dos meios de informação. E, não obstante todos os obstáculos que foram criados ao seu trabalho, honrou a democracia e este Parlamento.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — As manobras dilatórias, o ruído de distracção e todos os boicotes orquestrados não impediram a Comissão de Inquérito de ter precisado apenas de três meses para pôr a nu, com coerência e verdade, uma história muito mal contada pelos seus protagonistas, quer governantes, incluindo o Primeiro-Ministro, quer administradores das empresas envolvidas — a PRISA/Media Capital/TVI, a PT e, num processo anterior, a Tagusparque.
O trabalho aturado e célere da Comissão de Inquérito permitiu tornar claro para o País e para este Parlamento três coisas essenciais.
Em primeiro lugar, que o Primeiro-Ministro e o Governo tinham conhecimento da tentativa da PT de adquirir a TVI e que só se opuseram a esse negócio, já na sua fase final, quando a isso se viram obrigados pela contestação política que entretanto se levantara.
Em segundo lugar, que tanto o negócio PT/TVI como a anterior tentativa da Tagusparque sobre a TVI, apesar do secretismo com que ambos evoluíram nas empresas compradoras, se desenvolveram num quadro de uma estranha informalidade, que alimentou o seu conhecimento por pessoas exteriores ao negócio, que têm em comum as suas relações pessoais com o Primeiro-Ministro e reconhecidas afinidades políticas e partidárias.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Em terceiro lugar, que a aquisição da TVI não seria, e nunca foi, uma mera transacção comercial, antes tinha por objectivo também a mudança da direcção editorial da TVI e, por essa via, uma alteração na informação ali produzida.
O relatório da Comissão de Inquérito mereceu um amplíssimo consenso político e parlamentar, do qual apenas o PS se auto-excluiu, sem surpresa — ainda a Comissão não era mais que uma proposta do Bloco de Esquerda e já o Partido Socialista assestava baterias contra ela.
A preocupação de proteger о Governo e o Primeiro -Ministro foi, para о Partido Socialista, sempre superior ao empenhamento no apuramento da verdade e na identificação das suas consequências políticas. O PS escolheu sempre a conveniência das verdades oficiais mesmo quando elas não tinham qualquer lógica a sustentá-las ou quando eram mesmo desmentidas pelas provas reunidas durante o inquérito.

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Nessa campanha contra a Comissão de Inquérito, o PS chegou ao extremo, em escrito do Ministro Augusto Santos Silva, de comparar a Comissão de Inquérito aos processos de Moscovo.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — E muito bem!»

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Pouco antes, já Rui Pedro Soares, menos sofisticado e mais tosco, a tinha assemelhado aos processos da Inquisição.
As recorrentes qualificações tremendistas de quem antevê um golpe de Estado constitucional ao virar de cada esquina não são para levar muito a sério, mas o facto de um Ministro da Defesa apoucar, de modo tão grosseiro como ridículo, o desempenho da função fiscalizadora do Parlamento é um mais do que evidente sinal do desnorte do Governo.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Ora, a verdade é que, ao contrário do que as cortinas de fumo retóricas do PS quiseram instilar na opinião pública, o objecto deste inquérito não é um problema menor da democracia portuguesa. Bem pelo contrário, a tentativa de mudar a linha editorial de uma televisão através da sua aquisição por uma grande empresa privada — para mais uma empresa em cuja estrutura accionista o Estado detém uma participação muito relevante — , com o conhecimento do Primeiro-Ministro e de outros ministros, como ficou claramente provado pela Comissão de Inquérito, constitui um ataque a valores fundamentais e intocáveis da sociedade democrática em que vivemos e pretendemos continuar a viver, como a liberdade e o pluralismo informativos. Em substância, foi isso o que esteve em causa no projecto de compra da TVI, tanto pela PT como pela Tagusparque, seja qual for a opinião sobre a informação e o jornalismo desse canal.
Não é a primeira vez que o poder político não resiste à tentação de silenciar vozes incómodas. Por outras formas, antigos governos, tanto do PS como do PSD, o fizeram. Este passado de maus exemplos não pode servir de desculpa nem isenta de responsabilidades os protagonistas do negócio PT/TVI. О Bloco não se resigna perante qualquer tentativa de condicionar a liberdade de informar e de ser informado.
A democracia é o contrário da promiscuidade do poder político com o poder económico; a democracia não tolera qualquer conspiração destes poderes contra a liberdade de imprensa. Por isto mesmo, o Bloco de Esquerda esteve bem quando propôs a realização deste inquérito parlamentar.
O trabalho da Comissão e as suas conclusões valem não apenas pelos factos que apuraram e as responsabilidades que identificaram mas também porque constituem, para o futuro, um travão aos impulsos do poder político e dos grupos económicos para controlar e domesticar a comunicação social.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Deputados do PS tiveram uma participação activa e construtiva durante todos os trabalhos desta Comissão de Inquérito.
O PS constata que toda a construção do relatório é insidiosa e em vários aspectos revela o intuito de fornecer um enquadramento manipulado e orientado para tornar credível uma tese a que faltam, manifesta e cabalmente, factos e provas de sustentação.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não contém nenhuma prova que permita sustentar as gravíssimas acusações que foram dirigidas ao Primeiro-Ministro pela oposição. Pelo contrário, todos os factos apurados pela Comissão confirmam que o Primeiro-Ministro não foi previamente informado do negócio e de que o negócio correspondeu a uma iniciativa estritamente empresarial da PT, sem qualquer interferência do Governo. Foi isso que os próprios administradores da PT afirmaram.

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A verdade é que a Comissão não reuniu nenhuma prova de que o Primeiro-Ministro tivesse mentido ao Parlamento ou de que o Governo tivesse interferido no negócio PT/TVI.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Particularmente grave e inaceitável é a forma como o relatório refere o alegado conhecimento do negócio pelo Primeiro-Ministro e pelo Governo. Não tendo a Comissão apurado qualquer informação sobre o negócio que tivesse sido prestada pela PT ao Governo, pretendeu sustentar-se, nas suas conclusões, que o Primeiro-Ministro, à data do debate parlamentar de 24 de Junho, conhecia essas negociações, pelo facto de, na véspera, terem sido publicadas nos jornais algumas notícias sobre o assunto, embora o fundamento dessas notícias fosse totalmente desconhecido.
Esta pretensão é absolutamente ridícula e constitui uma pura mistificação. É ridícula porque, como é óbvio, uma notícia no jornal, cujo fundamento se desconhece, não constitui para ninguém um conhecimento fidedigno do que quer que seja, e muito menos o conhecimento que habilite um Primeiro-Ministro a dar explicações ao Parlamento.
Mas é também uma mistificação, porque obviamente o Primeiro-Ministro não foi questionado no Parlamento sobre se tinha lido os jornais da véspera, mas, sim, se estava em condições de dar determinadas informações sobre o negócio em preparação por parte da PT.
Por exemplo, conclui-se que a prova de que o Governo interferiu no negócio é o facto de o Governo não ter interferido no negócio.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Esta conclusão desafia toda a lógica e os princípios elementares da honestidade intelectual.

Aplausos do PS.

Por esta mesma ordem de ideias, o Governo estava neste momento, hoje mesmo, a interferir em numerosos negócios, pelo facto, justamente, de não estar a interferir neles.
A tentativa que o PSD fez de trazer a área da justiça, dos tribunais, para dentro do Parlamento, constitui também uma má ideia e contraria os princípios do Estado de direito; e, mais do que os princípios, contraria também o que são os princípios da separação de poderes.
Srs. Deputados do PSD, nesta matéria, para atingir os seus fins — os vossos fins! — não deveria valer tudo e em democracia não vale tudo!

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Por último, não posso deixar de realçar e elogiar a forma como a mesa da Comissão conduziu os trabalhos, embora não tenhamos estado sempre de acordo com as suas decisões.
O Partido Socialista realça o equilíbrio e o bom senso manifestados no decorrer dos trabalhos da Comissão, os quais muito dignificaram a Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Presidente da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar relativa à «Relação do Estado com a Comunicação Social e, nomeadamente, à actuação do Governo na compra da TVI», Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Chega então ao fim, hoje, o labor da Comissão Parlamentar de Inquérito, a que tive a honra de presidir.

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Desde o início, deixei claro que exerceria a função com total rigor e independência, por isso, me abstive em todas as votações da Comissão, incluindo na do relatório final.
Repito aqui formalmente o meu louvor e o meu agradecimento às Sr.as Deputadas e aos Srs. Deputados que fizeram parte da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), tanto efectivos como suplentes, em especial aos membros da mesa, ao relator da Comissão e àqueles que tiveram o encargo de coordenadores de grupo, pelo seu exemplar empenhamento no cumprimento do mandato recebido.
O mesmo digo dos funcionários do Parlamento destacados para apoiar a actividade da CPI, tal como dos representantes dos órgãos de comunicação social, que asseguraram a divulgação dos nossos trabalhos à opinião pública.
Realizou a CPI, dentro da estreita margem de tempo fixada para o seu mandato, prolongada com calculada parcimónia, um número apreciável de diligências instrutórias, incluindo a inquirição de cerca de duas dezenas de testemunhas, entidades todas consideradas como testemunhas válidas dos factos em análise.
Com uma única excepção, que deu origem ao procedimento legalmente previsto, todas as entidades solicitadas se prestaram a colaborar com a Comissão de Inquérito, cumprindo assim o seu dever cívico.
A Comissão de Inquérito, por iniciativa potestativa de alguns dos seus membros, requereu às entidades judiciais competentes peças de processos criminais em curso, no entendimento, de uma parte e de outra partilhado, de que o segredo de justiça, nos termos da lei aplicável, não é oponível às comissões parlamentares de inquérito.
Entendeu, porém, a CPI, por iniciativa minha, reforçada por deliberação da mesa, obtida por maioria, com uma abstenção — deliberação essa recorrível, nos termos gerais do nosso Regimento, mas da qual ninguém recorreu — , não utilizar directamente o conteúdo dos resumos de escutas telefónicas incluídos na documentação recebida do Tribunal de Comarca do Baixo Vouga, nem nos trabalhos da CPI nem no seu relatório final.
Acerca desta matéria gerou-se alguma confusão, que tentei esclarecer, nem sempre com sucesso. A ninguém foi proibido a acesso às famosas escutas, mas apenas a utilização directa do seu conteúdo pela CPI.
Expressamente foi dito que o conhecimento das mesmas poderia até sugerir novas diligências instrutórias» O que me pareceu — e à CPI — de todo inaceitável foi a utilização de escutas num procedimento parlamentar, que não tem, obviamente, a natureza de investigação criminal.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Mota Amaral (PSD): — Na verdade, a Constituição, no seu artigo 34.º, n.os 1 e 4, declara invioláveis «ο domicílio e o sigilo da correspondência e outros meios de comunicação« e proíbe expressamente «toda a ingerência das entidades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal».
Por outro lado, a mesma Constituição, no artigo 32.º, n.º 8, considera nulas todas as provas obtidas mediante «abusiva intromissão na correspondência ou nas telecomunicações», aplicando-lhes o mesmo regime que determina para as provas obtidas mediante «tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa».
Aduzem alguns o argumento seguinte: dispondo a Constituição, no seu artigo 178.º, n.º 5, que as comissões eventuais de inquérito «gozam de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais», está-lhes facultado o uso de escutas telefónicas.
A questão, porém, a meu ver, não é orgânica mas, sim, material: a Constituição só permite a violação do sigilo da correspondência e das telecomunicações em processo-crime, o que exclui em absoluto os inquéritos parlamentares,»

Aplausos do PS.

» porque visam apurar responsabilidades de natureza política e não investigam e punem crimes, função do Estado constitucionalmente atribuída ao Poder Judicial.

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Aliás, os que defendem que as comissões de inquérito, pelo argumento invocado, podem utilizar escutas, também deveriam defender que elas podem ordenar escutas, o que é manifestamente absurdo e claramente repugna.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Muito bem!

O Sr. Mota Amaral (PSD): — O Estado de direito democrático assenta na limitação dos poderes públicos face a uma incompressível e inultrapassável esfera de privacidade dos cidadãos, quem quer que sejam. Há já, infelizmente, demasiadas brechas neste princípio e é bom que não seja o Parlamento a dar facilidades na matéria; antes, pelo contrário, deve zelar no sentido oposto, em defesa dos direitos dos cidadãos e das cidadãs.

Aplausos do PS.

Os citados artigos da Constituição constam dela desde a sua redacção inicial e não sofreram, ao longo desses 34 anos, substancial alteração. Como Deputado Constituinte, congratulo-me com o continuado reconhecimento da profunda sabedoria de tais preceitos.
Acresce ainda — do que já não me lembrava, mas fui verificar no Diário das Sessões de 1975 — terem sido esses preceitos aprovados em sessão plenária da Assembleia Constituinte sem discussão, o que evidencia o consenso unânime — quanto a um deles com uma única abstenção, previsível — que sobre eles se gerou.

Risos do Deputado do PS Francisco de Assis.

E, como se o já referido não bastasse para justificar o meu apego a tais princípios, tão fundamentais, os preceitos em causa foram transcritos, palavra por palavra, do projecto de Constituição apresentado pelo PPD, designação pela qual assim se designava antigamente o Partido Social-Democrata.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Velhos tempos»!

Risos de alguns Deputados do PS.

O Sr. Mota Amaral (PSD): — A comissão competente que estudava a matéria de direitos, liberdades e garantias, considerou que o projecto do PPD/PSD, em confronto com os outros projectos de outros partidos, continha a formulação mais completa e perfeita, digna de figurar na Lei Fundamental da nova democracia portuguesa.

Aplausos do PS.

Os preceitos da Constituição, enquanto constam do seu texto, têm igual valor jurídico, mas no que toca aos direitos, liberdades e garantias esse valor é reforçado por instrumentos internacionais a que Portugal se encontra vinculado, nomeadamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, do Conselho da Europa — esta última com peculiar garantia jurisdicional.
Mais importante ainda é que em tais direitos, liberdades e garantias se protege o núcleo duro da dignidade de cada pessoa humana, que é anterior ao Estado e a ele se impõe, exigindo integral respeito da parte do Poder, que assim fica limitado em termos absolutos.
Com tantos e tão fortes argumentos, quanto à questão das escutas, a CPI procedeu bem! E eu pude terminar a missão com o melhor prémio: de consciência tranquila!

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao próximo ponto da ordem do dia que consta da apreciação do Decreto-Lei n.º 48/2010, de 11 de Maio, que estabelece o regime jurídico de acesso e de exercício da actividade de inspecção técnica de veículos a motor e seus reboques e funcionamento dos centros de inspecção e revoga o Decreto-Lei n.º 550/99, de 15 de Dezembro [apreciações parlamentares n.os 41/XI (1.ª) (PSD), 35/XI (1.ª) (PCP) e 42/XI (1.ª) (CDS-PP)].
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carina Oliveira.

A Sr.ª Carina Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A apreciação parlamentar de alteração ao modelo jurídico que regula as inspecções automóveis é pedida pelo PSD, em primeiro lugar, porque se trata de uma reforma que foi feita pelo Governo a este sector, contra todas as associações do mesmo.
Este novo modelo assenta numa falsa ideia de liberalização, mas apenas conduz a uma liberalização selvagem, promove apenas uma «canibalização» do mercado, que neste caso não é elástico.
Para haver rentabilidade de um centro de inspecção, tem de haver mercado, ou seja, tem de haver carros e isto não estica! O que vai acabar por acontecer com este novo modelo é que haverá uma captação de clientes a curto prazo, mas irá matar todo um sector, a longo e a médio prazos.
Que garantias há de protecção do interesse público? Que confiança acha, Sr. Secretário de Estado, que haverá nos investidores, em especial numa altura de crise como esta? Este novo modelo mais não fará do que arruinar mais algumas dezenas de pequenas e médias empresas em Portugal.
Os critérios propostos pelo Governo assentam em pressupostos muito discutíveis, com os quais o PSD não concorda, pois potenciam o aparecimento de empresas marginais, com exigências muito menores. E a luta do PSD é pela exigência e pela qualidade, e não pela facilidade e pelo desleixo! O critério do Governo de localização geográfica, que permite um centro por concelho, é ridículo. Vejamos: alguém pensa que há mercado para isto? Como pode um centro operar sem rentabilidade, num momento em que fecham escolas, centros de saúde, urgências e maternidades? Parece-vos lógico que abram novos centros de inspecção automóvel?

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Carina Oliveira (PSD): — A actividade deste mercado não se mede pelas fronteiras de um concelho! O mercado não funciona assim!...
Outro critério «brilhante» deste Governo: o ratio por habitante. Nos centros de inspecção fazem-se inspecções automóveis, por isso este ratio só pode ter em conta a posse de um automóvel. Daí que o critério «eleitores» seja o mais aproximado da racionalidade — só com mais de 18 anos alguém tem carta de condução e, consequentemente, pode ter a possibilidade de ter um carro.
Outro critério «pérola»: a avaliação de candidaturas para a abertura de novos centros é a ordem de chegada. Para o PSD isto não é uma corrida de obstáculos!... Não interessa ver quem chega primeiro! A avaliação tem de ser feita pelo seu mérito e em virtude da qualidade do projecto.
Pode haver espaço para mais centros? Pode e deve! Mas para o PSD terão de assentar em critérios racionais e lógicos, com garantia de rentabilidade técnica e económica. Não queremos matar as pequenas e médias empresas; elas são a sustentabilidade da nossa economia, em especial em épocas de crise como esta.
É por estas razões que o PSD pede hoje a revogação do diploma do Governo, para evitar a entrada em vigor em Agosto deste ano. No entanto, para que o Governo não venha argumentar no sentido de que a ausência de alterações ao Decreto-Lei n.º 550/99, que o precedeu, que será repristinado, possa ser motivo de qualquer penalização a Portugal no âmbito do processo que está em curso na Comissão Europeia, anunciamos aqui que apresentaremos ainda hoje um projecto de lei que visa alterar o Decreto-Lei n.º 48/2010, que acabámos de apreciar parlamentarmente, mas com critérios lógicos e coerentes.

Aplausos do PSD.

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Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP requereu a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 550/99 em virtude do seu conteúdo liberalizador e liberalizante, que irá traduzir-se, na nossa opinião, na degradação do serviço e na redução da cobertura do País, e também pela forma como o Governo conduziu a revisão, violando a boa-fé da participação das associações empresariais, numa posição de completa subserviência face aos órgãos comunitários.
A actividade de inspecção periódica de veículos em centros de inspecção foi regulada, pela primeira vez, no Decreto-Lei n.º 154/85, de 9 de Maio. Desde então esteve cometida à Direcção-Geral de Viação, sendo que logo foi admitido o regime de concessão a outras entidades. Desde aquela data foram feitas sucessivas alterações, numa evolução crescentemente liberalizadora. De facto, foi transferida para o sector privado uma actividade correspondente a uma evidente e intrínseca atribuição e competência pública, ou seja, o serviço público de inspecção. Mas tal legislação criou um facto consumado: um mercado fortemente condicionado, com cerca de 171 centros de inspecção, 80 empresas, na sua generalidade pequenas e médias empresas, com excepção de dois grupos que dominam 50% do sector.
Face a questionamentos da União Europeia, nomeadamente da figura da «autorização administrativa», durante 2009 a Secretaria de Estado dos Transportes elaborou, em articulação com as associações, um projecto de um novo quadro jurídico onde a autorização administrativa era substituída pela figura da concessão — anteprojecto que certamente tinha em conta as imposições da União Europeia, pois só assim se admite que tivesse tido o acordo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT) e do próprio Secretário de Estado dos Transportes.
Surpreendentemente, em 29 de Janeiro deste ano, as associações são confrontadas com outra versão, que, tendo como conteúdo central a liberalização do acesso à actividade, reformulava de fundo o que tinha sido acordado.
Por requerimento do Grupo Parlamentar do PCP, foi ouvido o Secretário de Estado dos Transportes que não esclareceu questões essenciais, concretamente as ligadas aos riscos do processo de liberalização.
Acrescente-se que a resposta do Ministério a uma pergunta escrita do PCP só fortaleceu as nossas opiniões sobre a falta de sustentabilidade dos argumentos do Governo para rever o decreto-lei.
Face às considerações acima expostas, o Grupo Parlamentar do PCP propõe que a Assembleia revogue o Decreto-Lei n.º 48/2010 e repristine o Decreto-Lei n.º 550/99.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS apresenta também um projecto para revogação do diploma do Governo por uma razão muito simples: reconhecemos e aceitamos que é preciso preservar o direito da liberdade de estabelecimento, mas também reconhecemos que estamos perante um sector específico e que uma coisa não tem de levar ao seu contrário, ou seja, facilitar, melhorar e alargar a oferta deste tipo de serviço não deve pôr em causa a necessária segurança, o interesse geral e a prevenção rodoviária.
E porquê? Porque entendemos que uma massificação de centros de inspecção automóvel pode prejudicar o princípio fundamental que norteia a criação destes centros. Eles têm de ser rigorosos, têm de ser investigados e têm de ser avaliados. O próprio Estado reconhece que não tem capacidade para avaliar os 170 centros existentes. Caso contrário, a pergunta impõe-se: quantos foram, de facto, avaliados? Quantos tiveram a sua actividade suspensa? Em relação a quantos é que foi accionado qualquer tipo de caução ou multa por mau funcionamento?

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Portanto, há aqui alguns interesses que importa ponderar: se o interesse de um bem escasso, como é este, obriga a que qualquer cidadão tenha, num prazo e numa distância razoável, acesso a um centro de inspecção automóvel, também é verdade que não deve haver uma massificação desses centros. Estamos a falar de um investimento considerável feito essencialmente por pequenas e médias empresas que criaram alguma expectativa no seu investimento e que, de um momento para o outro, a meio do jogo, vêm as regras alteradas.
O Governo tem a obrigação e o dever de ser um fautor de estabilidade e de credibilidade. Não pode, portanto, acordar com as associações do sector em Dezembro um projecto legislativo — que é resultado do que deve ser qualquer alteração legislativa, ou seja, uma concertação entre os interessados e o interesse geral representado pelo Estado — para depois dar o dito por não dito. Não fica bem ao Governo, não fica bem ao País e não é propriamente a melhor defesa que se faz a um sector que tem, de facto, uma capacidade instalada e um investimento e um know-how muito específicos.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Portanto, defendemos que teremos de encontrar critérios de população e geográficos para que se possa aproximar esse serviço do cidadão, mas sempre tendo em conta que é fundamental preservar a qualidade e o rigor desse serviço. E porquê? Porque o que importa hoje não é tanto avaliar a qualidade das vias — penso que esse é um problema resolvido — , mas essencialmente ter a noção clara de que a qualidade do veículo não levanta dúvidas e não pode ser posta em causa. E essa é uma garantia que é dada pelos centros de inspecção automóvel.
Estaremos à espera de ver o diploma apresentado pelo Partido Social Democrata para ver se nesse texto estão, de facto, resolvidos esses problemas: se, por um lado, aproximamos o cidadão à oferta de um conjunto significativo de centros de inspecção automóvel e se, por outro lado, ficam garantidas as condições para existirem centros bem geridos, com uma definição muito clara de incompatibilidades para a detecção de irregularidades poder ser feita facilmente, mas acima de tudo centros que prestem um serviço de rigor e que sejam eles próprios factores de segurança e de preservação rodoviária.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Fão.

O Sr. Jorge Fão (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje, nesta Câmara, as apreciações parlamentares apresentadas pelo CDS-PP, pelo PCP e pelo PSD relativas ao Decreto-Lei n.º 48/2010, de 11 de Maio, que revoga o Decreto-Lei n.º 550/99. Este decreto-lei, publicado em Maio, define o regime jurídico de acesso e de exercício da actividade de inspecção técnica de veículos e de funcionamento dos centros de inspecção automóvel.
As apreciações parlamentares que hoje discutimos estão essencialmente centradas em dois níveis de preocupações: por um lado, naquilo que aponta a nova legislação no sentido da liberalização do exercício desta actividade e da criação de novos centros de inspecção e, por outro lado, em preocupações sobre o que são os legítimos interesses das actuais empresas e dos grupos que desenvolvem esta actividade, para além de centrar também algumas questões relacionadas com a preocupação sobre a hipotética redução do rigor e do grau de exigência em futuros trabalhos de inspecção da qualidade técnica dos veículos.
Convém que se perceba qual é o panorama actual no nosso país sobre esta matéria. Como já aqui foi referido, existem neste momento 170 centros de inspecção em funcionamento detidos por 80 empresas, em muitos casos agrupadas por região, e uma parte significativa deles detidos por grupos relativamente reduzidos de empresas. Existem ainda 161 municípios ou concelhos neste país que não têm resposta deste serviço, o que não quer dizer que todos os concelhos tenham de ter resposta, mas este é um dado estatístico que nos serve para argumentar também quanto ao estado actual das coisas.
Convém recordar ainda que o processo de regulamentação desta actividade se iniciou em 1985, foi revisto em 1992, e que em 1999 foi estabelecido o último regime que vigorava antes desta revisão, não tendo sido alterado, contudo, de forma significativa, o regime de funcionamento e sobretudo de atribuição de autorizações de funcionamento de centros, que estava baseado essencialmente em autorizações administrativas. No

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entanto, a legislação de 1999 prevê a existência de concurso público para o desenvolvimento desta actividade, o qual nunca foi realizado, tendo-se mantido ininterruptamente até esta data o exercício desta actividade por parte de entidades e de empresas que são detentoras dos centros em regime de exclusividade. Note-se também que, desde 2005, não é criado qualquer novo centro de inspecção automóvel em Portugal.
Então, coloca-se a questão: porque é que se publica uma nova legislação agora, em 2010, sobre esta matéria? Em primeiro lugar, realço que em 2005 a União Europeia iniciou um procedimento contra Portugal por incumprimento de um conjunto de regras, sobretudo as que estão estatuídas no artigo 43.º do tratado de funcionamento da União, que consagram a livre concorrência e o livre exercício da actividade e do funcionamento de empresas neste sector. Até 2008, o Estado português, com várias argumentações, foi tentando manter o sistema, mas percebeu-se, em 2008, que era inevitável iniciar o processo de revisão da legislação actualmente em vigor, substituindo o modelo de autorização administrativa por um modelo concursal.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Fão (PS): — Já termino, Sr. Presidente.
Esta proposta mereceu completa discordância quer do Tribunal de Justiça Europeu, que publicou um acórdão no sentido de penalizar Portugal, quer da Autoridade da Concorrência, o que obrigou efectivamente à publicação, então em regime revisto, do Decreto-Lei n.º 48/2010. Este decreto-lei não impõe a abertura de qualquer novo centro, como também não determina o encerramento de nenhum deles; procura estabelecer melhor as regras do exercício da actividade e abrir a concorrência a outras empresas do sector, e também cria um regime transitório do exercício desta actividade que salvaguarda um conjunto de aspectos que são importantes para os já estão no exercício da actividade neste momento e que querem ver salvaguardados esses legítimos interesses.
Portanto, Sr. Presidente, terminando efectivamente, os pedidos de apreciação parlamentar em apreço merecerão da parte do Partido Socialista receptividade para discutir alguns ajustamentos, desde que e sempre salvaguardem o interesse público, defendam os direitos dos consumidores, respeitem as regras do Tratado da União Europeia e o acórdão do Tribunal de Justiça, e protejam naturalmente também os legítimos interesses dos actuais empresários que detêm o sector.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Heitor Sousa.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A apreciação deste decreto-lei tem uma história que precisa de ser brevemente recordada para se entenderem as propostas que estão em presença. E a história tem a ver com a forma como о Governo — este Governo — geriu as relações com os vários agentes que intervêm neste sector de actividade de inspecção técnica de veículos.
Mesmo tratando-se da transposição de uma directiva comunitária — a Directiva n.º 2009/40/CE — , a verdade é que isso não isenta a indispensável auscultação prévia de vários parceiros sobre uma proposta de diploma que procure salvaguardar, entre outras, as razões apresentadas pelos diferentes actores do processo, bem como responder aos objectivos gerais de enquadramento da actividade inspectiva de veículos, melhorando os índices de qualidade e de prestação do serviço público, pois esta, mesmo concessionada, não deixa de ser uma actividade regulada pelo interesse público.
Assim, o Governo, depois de ter andado ao longo de vários meses em negociações com as associações representativas dos centros de inspecção automóvel e depois de ter acordado um projecto de diploma que merecia o acordo destes, veio, súbita e inesperadamente, alterar os seus compromissos e subverter os termos do pré-acordo anterior sobre o futuro diploma.
Por outro lado, e de uma forma que deixa supor um profundo desprezo pela negociação e pelo direito de auscultação e informação prévia, o Governo deu dois dias para as associações do sector, designadamente a Associação Nacional de Centros de Inspecção Automóvel (ANCIA), se pronunciarem sobre a nova proposta.

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Para além de várias questões de conceito que estão plasmadas no novo Decreto-Lei n.º 48/2010, de 11 de Maio, e que não garantem, a nosso ver, o respeito abrangente pelos padrões de qualidade e de cumprimento das normas inspectivas relativas à segurança dos veículos, coloca-se também uma outra questão ao decretolei, a qual resulta da própria avaliação que hoje é feita dessa actividade inspectiva: se com 170 centros de inspecção de veículos a fiscalização que existe (que deve ser feita pelo IMTT) é já de si bastante insuficiente e exígua, imagine-se o que será com a abertura a mais de uma nova centena de centros inspectivos, sem que se cuidem das indispensáveis condições de enquadramento para que isso seja feito!...
O diploma, ao pretender desregular completamente o acesso a esta actividade, trocando o certo pelo incerto, trocando o que poderia ser uma regulação desta actividade, segundo padrões de qualidade e de acesso minimamente aceitáveis, pela lei cega do mercado, merece ser revogado como condição para recolocar os termos de um novo entendimento que melhore o exercício desta actividade, em nome de princípios de salvaguarda do interesse público, da transparência e da democraticidade de processos.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Por isso, concordamos com a cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 48/2010, de 11 de Maio, e ficamos a aguardar as propostas de projectos de lei que agora foram anunciadas para ponderarmos eventuais iniciativas legislativas alternativas, se se justificarem.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Carlos Correia da Fonseca): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a 22 de Outubro de 2009, o Tribunal de Justiça da União Europeia condenou o Estado português por impor restrições incompatíveis com o Tratado quanto à liberdade de estabelecimento de organismos de outros Estados-membros que pretendessem exercer a actividade de inspecção de veículos em Portugal.
De recordar que o modelo que estava em vigor nessa data era um modelo de autorização em que se exigia um capital social mínimo de 100 mil euros, havia uma limitação do objecto social das empresas e regras de incompatibilidade aos seus sócios, gerentes e administradores.
O tribunal deu dois meses ao Estado português para executar o acórdão, conformando o regime de actividade de inspecção de veículos ao Direito Comunitário.
O Governo apresentou um projecto de decreto-lei com um modelo concessório de serviço público baseado no lançamento de concursos públicos para cada centro de inspecção, culminando com a celebração de um contrato de concessão pelo prazo de 15 anos, prorrogáveis por igual período.
As autorizações existentes seriam convoladas em contratos de concessão. As associações representativas do sector foram consultadas sobre este projecto, sendo favoráveis à adopção deste regime.
No entanto, o Estado português consultou a Comissão Europeia, que manifestou a sua discordância com o modelo proposto, designadamente pela exigência da abertura de procedimento concursal. Em função desta pronúncia e do parecer da Autoridade da Concorrência, o Governo apresentou o modelo que está agora em discussão. O modelo actual é um modelo a caminho da liberalização, em que se estabelecem exclusivamente requisitos técnicos de acesso, o que vai ao encontro de uma directiva comunitária comummente designada como «Directiva Serviços».
No período transitório de cinco anos, e com vista à adaptação do sector a um novo modelo, são estabelecidos critérios de localização geográfica e tarifas fixas; critérios de localização geográfica para evitar a acumulação de serviços em áreas separadas por curtas distâncias, que levasse a uma concorrência que aí não faria sentido, por ser predadora, e tarifas fixas para evitar que a concorrência se faça por abaixamento de preços e eventual degradação de qualidade.
A eventual revogação do Decreto-Lei n.º 48/2010, que aprovou este modelo, seria interpretada de forma muito negativa por parte da Comissão Europeia, que já confirmou a sua concordância com o actual modelo.

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De salientar apenas que o mesmo se aproxima dos vigentes por toda a União Europeia, designadamente Espanha, França, Inglaterra ou Dinamarca, sendo que naqueles países onde o modelo ainda é mais proteccionista também estão neste momento em curso processos de revisão no mesmo sentido da que introduzimos.
Finalmente, com o novo modelo, torna-se necessário reforçar a fiscalização.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem de terminar, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes: — Sr. Presidente, se me permite, utilizarei mais 30 segundos, só para responder directamente a uma questão.
Em 2009, inspeccionámos 951 centros de inspecção, 36 na estrada e 104 inspecções extraordinárias, disso tendo resultado o encerramento de vários centros.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com o novo modelo torna-se, portanto, necessário reforçar a fiscalização, que está a cargo do IMTT, para evitar a degradação da qualidade das inspecções e manter o objectivo primeiro, que é a segurança rodoviária.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa.

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, darei apenas uma nota relativamente a este processo, porque assim me suscitaram quer a intervenção de V. Ex.ª, quer a do Sr. Deputado Jorge Fão, e para dizer que o PSD está contra a liberalização selvagem proposta neste diploma.
Por isso, quando ouvimos dizer que é preciso mudar as regras, que é preciso estabelecer um conjunto de requisitos, somos favoráveis a isso, mas não escolhendo o caminho que o Governo entendeu.
Repare-se — dizia o Deputado Jorge Fão — que desde 2005 que não abrem novos centros. Ora, não abrem porque o Governo não utilizou a prorrogativa que tinha na legislação, e que agora quer revogar, de abrir concurso público para essa possibilidade.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Jorge Costa (PSD): — Foi o Governo que não utilizou essa prorrogativa, porque ela estava disponível na lei.
Sr. Secretário de Estado, não tenha medo nem da Comissão Europeia nem do Tribunal Europeu!... Aliás, solicito-lhe que dê resposta ao nosso requerimento, em que pedimos o envio de cópia da correspondência trocada entre o Governo e a Comissão Europeia a propósito deste processo. Já o apresentámos há dois meses, pelo que era importante para nós ter essa informação.
Dizia-lhe eu, Sr. Secretário de Estado, para não ter medo, porque o nosso propósito — e saudamos a disponibilidade manifestada pelo Partido Socialista, através do Deputado Jorge Fão, para tentar acertar detalhes neste decreto-lei — é apresentar, hoje, um projecto de resolução no sentido da cessação de vigência deste diploma, para que ele não entre em vigor a 9 de Agosto, tal como está previsto.
Apresentamos, hoje, também, na Mesa, um projecto de lei que visa proceder a pequenas alterações ao decreto-lei hoje em apreciação, para que, por um lado, não haja vazio, mas, por outro, se introduza um conjunto de critérios que permitam que esta liberalização não seja feita da forma selvagem como o Governo está a pretender.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

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O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, não deixa de ter graça ver o Partido Social Democrata a dar lições de antineoliberalismo ao Governo PS» Sr. Secretário de Estado, ou esta história está mal contada ou o Governo não soube defender os interesses do Estado português neste processo»! Na resposta que deram à pergunta feita pelo Grupo Parlamentar do PCP refere-se que a Comissão Europeia diz que o modelo concessório concursal representa um entrave injustificado à liberdade de estabelecimento e ainda um encargo oneroso para o Estado português. A preocupação da União Europeia não deixa de ser sensata.
Mas, na mesma resposta, dão uma informação sobre os modelos vigentes na Europa. O que é que temos? Em Espanha foi estabelecido um regime de concessões regionais; na Bélgica, uma única empresa de capitais públicos concessiona; na Itália, o Ministro dos Transportes concessiona o serviço; na Irlanda há uma concessão estatal a uma única empresa privada; e na Suécia o regime é semelhante, com a diferença de que a empresa concessionária é de capitais públicos.
Então, é possível ou não a concessão? É possível, sim! O Governo não soube defender os interesses do Estado português!! Depois, são espantosas as contradições do Governo na mesma resposta. Os senhores dizem que a Autoridade da Concorrência, que foi consultada (é uma informação que não deram durante a sua audição), entendeu que o diploma representava um entrave inadmissível à liberdade de estabelecimento, violadora das regras do Tratado da União Europeia. Lá vinha a concessão como o grande problema»! Depois, na página seguinte, dizem assim: «Porém, também já a Autoridade da Concorrência vinha a defender que o modelo concessório, que em si mesmo não representa um entrave à liberdade de estabelecimento »«» Sr. Secretário de Estado, afinal ç ou não possível a concessão, nos termos da regulamentação europeia e da regulamentação portuguesa da lei da concorrência?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, não há mais inscrições neste ponto.
Quero informar a Câmara da apresentação de três projectos de resolução relativos às apreciações parlamentares n.os 41/XI (1.ª), 35/XI (1.ª) e 42/XI (1.ª), que serão votados no próximo dia de votações regimentais, sexta-feira.
Vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 147/XI (1.ª) — Altera o período de referência do pagamento de complemento solidário para idosos para 14 meses (BE), 152/XI (1.ª) — Prevê o recálculo oficioso do montante do complemento solidário para idosos atribuído às pessoas em situação de dependência severa, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 151/2009, de 30 de Junho (BE), 153/XI (1.ª) — Altera o Decreto-Lei n.º 232/2005, de 29 de Dezembro (Cria o complemento solidário para idosos), não fazendo depender dos rendimentos do agregado fiscal dos filhos a atribuição desta prestação (BE) e 367/XI (1.ª) — Altera o complemento solidário para idosos tornando mais justa a sua atribuição (PCP).
Para apresentar os projectos de lei do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, todos os estudos e todas as estatísticas apontam no sentido de que os idosos são um grupo particularmente vulnerável e exposto a situações de pobreza.
Acresce que o facto de serem idosos os coloca em desvantagem objectiva para ultrapassarem a situação de pobreza. Na origem desta situação estão as pensões extremamente baixas que todos sabemos que se praticam no nosso País.
A realidade é, portanto, esta: temos uma parte significativa da população portuguesa com pensões muito baixas que vive no limiar da pobreza, ou mesmo abaixo deste limiar.
O complemento solidário para idosos é uma medida de política social positiva. Srs. Deputados do Partido Socialista, não temos problemas em assumir que é positiva e que pode contribuir para minorar a situação de pobreza dos idosos, mas precisa de ser melhorada, e é esse o desafio que queremos trazer a debate.

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Teve o seu início marcado pela excessiva e desnecessária burocracia, como ficou provado, aliás, quando o Governo recuou e procedeu a alterações, eliminando a burocracia, o que fez desbloquear o acesso ao complemento solidário para idosos (CSI) e a sua aplicação.
O Bloco de Esquerda propõe, agora, o seu aperfeiçoamento em três aspectos concretos e, do nosso ponto de vista, essenciais.
O primeiro é muito simples: trata-se de considerar obrigação dos serviços da segurança social o recálculo da prestação do CSI nos casos em que o idoso aufere também o complemento de dependência severa e retirar essa obrigação e essa carga do idoso e passá-la para os serviços da segurança social.
O segundo prende-se com a obrigação, que hoje existe, de fazer depender o direito à prestação dos rendimentos do agregado fiscal dos filhos. Esta obrigação tem-se revelado socialmente injusta e particularmente penalizadora dos idosos. Acaba, na prática, por levar muitos idosos a nem sequer apresentarem a sua candidatura ao CSI, embora dela necessitem e possam mesmo a ela ter direito.
O acesso ao CSI tem lugar numa fase da vida das pessoas particularmente vulnerável, em que têm mais de 65 anos, e se o objectivo é garantir um mínimo para viver com dignidade, então, o complemento só deveria depender do seu próprio rendimento.
E, assim, chegamos ao terceiro aspecto: a nossa proposta vai no sentido de que a prestação deveria ser paga por um período correspondente a 14 meses/ano, exactamente como as pensões. Se é um complemento, se é o complemento da pensão e se estamos a contribuir para dar dignidade a este estrato da população, então, pague-se por um período corresponde a 14 meses/ano e não por um período de 12 meses/ano.
São três medidas pontuais, três pequenos passos, que permitirão combater a pobreza.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para apresentar o projecto de lei do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os baixos salários e a exploração de quem trabalha criaram, no nosso país, uma grave situação, com a existência de milhares de pensionistas que vivem com pensões de miséria, que são absolutamente inaceitáveis.
Na verdade, as pensões de miséria no nosso país, resultantes da exploração de quem trabalha, são um problema presente, que, se não houver uma alteração da política existente actualmente, se irá perpetuar no futuro.
Na verdade, hoje, 75% dos nossos reformados recebem abaixo do salário mínimo nacional e 1,5 milhões deles recebem menos de 330 euros por mês, o que é absolutamente inaceitável.
Face a este cenário, que importa corrigir, o que o Governo do PS fez foi alterar os critérios de actualização destas reformas, através do indexante dos apoios sociais, que faz depender os aumentos de crescimento económico e de inflação e, recentemente, alterou a condição de recurso a uma série de prestações, que vem dificultar, ainda mais, a vida dos mais idosos do nosso país.
Portanto, o cenário, em vez de melhorar, irá, naturalmente, perpetuar-se, se não houver uma alteração das medidas, nomeadamente no que diz respeito aos aumentos anuais de pensões que o Governo PS tem vindo a fazer.
O complemento solidário para idosos era entendido por parte do Governo como a resposta face a este cenário de pobreza entre os reformados, mas a verdade é que esta resposta é claramente insuficiente graças aos obstáculos que foram introduzidos deliberadamente por parte do Governo no acesso a esta prestação.
Os rendimentos dos filhos são considerados para a atribuição da prestação, uma espécie de solidariedade definida por decreto, sabendo bem o Governo que há idosos que não têm contacto com os filhos e que, portanto, são duplamente penalizados; a prestação é paga a 12 meses e não a 14 meses; as questões burocráticas foram e continuam a ser ainda hoje, em certa medida, um entrave de acesso a esta prestação.
Portanto, o cenário que temos é o de que esta prestação do complemento solidário para idosos tem uma abrangência muitíssimo reduzida face a estes números que aqui são apontados de insuficiência de rendimentos dos idosos, nomeadamente os 75% que recebem menos do que o salário mínimo nacional e os 1,5 milhões que recebem menos de 330 euros.

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Portanto, o caminho que o PCP propõe é o do aumento das pensões, porque esta é a resposta fundamental, mas entendemos que o complemento solidário para idosos pode ser um instrumento precioso para melhorar esta situação.
Por isso o PCP, com a sua iniciativa — que, aliás, já tinha sido apresentada na anterior legislatura, tendo, infelizmente, sido rejeitada — , propõe a inclusão dos pensionistas por invalidez como beneficiários desta prestação; a eliminação da inclusão dos rendimentos dos filhos como condição de acesso; a simplificação do acesso à prestação e da sua renovação; a atribuição do complemento solidário para idosos por um período correspondente a 14 meses/ano e não por apenas 12 meses/ano, como actualmente está consagrado; a alteração do critério de actualização do complemento, tendo em conta as efectivas necessidades dos idosos; e a eliminação da norma que penaliza os casais de idosos, garantindo a atribuição individual da prestação no seu montante integral.
Diz a Constituição, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que «as pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social». Cumpra-se, pois, a Constituição!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Paula Cardoso.

A Sr.ª Maria Paula Cardoso (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projectos de lei hoje aqui apresentados pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP visam alterações aos diplomas que regulamentam o complemento social para idosos em três matérias.
A saber: — A alteração do período de referência do pagamento deste complemento de 12 para 14 meses; — A pretensão de que não se faça depender dos rendimentos do agregado fiscal dos filhos a atribuição desta prestação; e — O recálculo oficioso do montante do complemento, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 151/2009, de 30 de Junho.
Todas estas alterações trazidas a esta Câmara pelo Bloco de Esquerda e PCP são propostas pontuais, populistas e eleitoralistas, que pecam pela completa falta de oportunidade na sua apresentação, norteando-se mais por uma agenda partidária do que pelo real interesse do País.
Todos compreendemos as dificuldades dos idosos e somos sensíveis à pobreza e à exclusão social de que são vítimas, por se tratar, como todos sabemos, de uma população particularmente fragilizada e vulnerável; não somos, porém, sensíveis ao despesismo e à completa cegueira relativamente à situação económicofinanceira que neste momento o País atravessa. Ora, o aumento de 12 para 14 meses no número das prestações pagas aos idosos a título de complemento solidário implica mais um aumento da despesa,»

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É despesa justa!

A Sr.ª Maria Paula Cardoso (PSD): — » para o qual não se encontra nem justificação, nem oportunidade.
Quanto ao projecto de lei que pretende que o complemento solidário para idosos possa vir a ser prestado pelo Estado, independentemente dos rendimentos dos filhos, o mesmo não merece a nossa concordância. E não a merece, desde logo, porque os filhos, de acordo com o disposto no artigo 2009.º do Código Civil, estão obrigados a prestar alimentos aos pais. Ora, esta obrigação ficaria esvaziada de sentido com a aprovação destes projectos de lei do BE e do PCP.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Estado não pode estar disponível para subsidiar idosos cujos filhos têm capacidade de lhes prestar alimentos. Os filhos têm por obrigação prestar alimentos aos seus pais, caso eles o necessitem. Fazer tábua rasa deste princípio basilar do nosso Direito da Família é adensar ainda mais a crise de solidariedade familiar que se vai vivendo e que é necessário estancar.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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A Sr.ª Maria Paula Cardoso (PSD): — Seria aderir a uma medida que abriria um precedente de injustiça social e de facilitismo na atribuição deste benefício.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Que disparate!

A Sr.ª Maria Paula Cardoso (PSD): — Numa altura em que os recursos económicos do País são escassos e se assiste a um agravamento da situação social da população mais imperioso se torna atribuir subsídios a quem efectivamente deles necessita, de forma equitativa, ponderada e séria.
Não embarcamos no facilitismo com que o Governo do Partido Socialista, nos últimos anos, vem distribuindo subsídios, sem critério, sem rigor e sem fiscalização, que, ao invés do que se pretendia nomeadamente com o Plano Nacional de Acção para a Inclusão, contribuíram e resultaram no aumento da pobreza e da exclusão social e não na sua erradicação ou, porventura, sequer na sua diminuição.
Não é por esta via de subsidiação em cadeia que se combate a pobreza endémica em que o País se encontra, nem com estas propostas, que mais não são do que mera propaganda mediática.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Paula Cardoso (PSD): — Termino já, Sr. Presidente.
O Bloco de Esquerda e o PCP bem deviam saber que o País atravessa um momento em que a todos é preciso pedir sacrifícios,»

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — A todos?!»

Vozes do BE: — A todos?!»

A Sr.ª Maria Paula Cardoso (PSD): — » contenção e responsabilidade nas políticas que se propõem.
Não pode, assim, o PSD acompanhar estas medidas, por entendê-las inoportunas, desgarradas e despesistas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os pensionistas, em geral, e os beneficiários das pensões mínimas, pensões sociais e pensões rurais, em particular, são dos grupos populacionais que mais sentem o efeito da crise e foram, durante os últimos anos de Governo socialista, dos portugueses que mais perderam poder de compra e, consequentemente, que mais perderam qualidade de vida.
Os pensionistas são, em muito casos, cidadãos que necessitam de cuidados de saúde e cuidados especiais muito acima dos que são necessitados por cidadãos em plena actividade laboral, daí que seja um agravamento injustificado esta estagnação do valor da sua prestação de reforma.
O actual executivo governamental, no Programa de Estabilidade e Crescimento, veio avançar com o anúncio da manutenção do valor do indexante dos apoios sociais (IAS) até 2013 nos 419,22 euros, valor fixado para o ano 2010, através do Decreto-Lei n.º 323/2009, de 24 de Dezembro, que consta expressamente da página 20.
No mesmo documento, na página 10, o Governo avança com uma subida da inflação para os anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, num total de acumulação de 6,6% em relação ao índice de preços no consumidor (IPC) actualmente registado.
Ora, cruzando estes dados, verificamos que, a existir estagnação do valor nominal do IAS, as pensões mínimas social e rural deixarão de subir 0,8% no próximo ano; 1,9%, em 2012; 1,9%, em 2013; e 1,9% e 2%,

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em 2014, o que se traduzirá numa diminuição real de 16,66 euros para as pensões mínimas, de 12,05 euros para as pensões sociais e de 15,38 euros para as pensões rurais, conforme se demonstra.
O CDS-PP defende, como sempre defendeu, que as pensões mínimas devem estar indexadas à retribuição mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida — é claro — da cotização correspondente à taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem, porque entendemos que só assim se poderá ter uma medida e uma actualização justa dos rendimentos daqueles que são, efectivamente, os mais desfavorecidos entre as classes portuguesas.

Risos de alguns Deputados do BE.

Defendemos, pois, um modelo diferente de actualização destas pensões, o qual propusemos na discussão conjunta das propostas de lei n.os 102/X e 101/X, que viriam a dar origem à Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro, e à Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro. Infelizmente, as propostas do CDS-PP que consubstanciavam o princípio da convergência das pensões mínimas com o salário mínimo foram recusadas com os votos contra do Partido Socialista.
É importante realçar que, enquanto o CDS esteve no governo e teve a responsabilidade directa nesta área e no aumento das pensões, a pensão mínima aumentou, em três anos, 37,23 euros, ou seja, 20,7%. E, durante a última legislatura, durante o «consulado» socialista, em cinco anos e meio, a pensão mínima aumentou somente 29,57 euros, ou seja, 13,6% — portanto, quase metade no dobro do tempo.
Em relação aos projectos de lei que hoje nos são apresentados pela mão do Bloco de Esquerda e do PCP cabe destacar alguns elementos.
Em primeiro lugar, cabe dizer que vimos com bons olhos o recálculo oficioso do montante do complemento solidário para idosos atribuído às pessoas em situação de dependência severa. Não se compreende como é que o Governo quer obrigar os idosos em situação de dependência grave a apresentar novo requerimento para poderem usufruir das novas condições.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.
Por outro lado, temos de dizer que não nos parece ser este o momento oportuno para alterar o pagamento do CSI para 14 meses. E, sendo até uma «prestação extraordinária de combate à pobreza dos idosos», justifica-se a manutenção do seu pagamento em 12 meses e não em 14 meses.
Para terminar, quero apenas dizer o seguinte: estamos aqui a falar das pessoas que, na nossa sociedade, são as mais desprotegidas»

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Pois»!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Portanto, não compreendemos como é que partidos que se dizem de esquerda, como o Partido Socialista, fazem o que fizeram agora, através do Programa de Estabilidade e Crescimento, condenando as suas prestações à estagnação, e como é que uma Administração Pública diz que não há dinheiro para acorrer a estas pessoas quando no seu seio continua a não pôr limites salariais objectivos e razoáveis às pessoas que contrata para os institutos e fundações, a assessores e a outros cargos de nomeação política.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos neste momento a apreciar três projectos de lei do Bloco de Esquerda e um do Partido Comunista Português sobre um conjunto

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de aspectos que envolvem a medida do complemento solidário para idosos. São projectos de lei que reflectem a preocupação que estes grupos parlamentares apresentam na sua reflexão a propósito desta medida.
Para o Partido Socialista, esta medida, criada há cerca de três anos e meio, foi uma aposta muito profunda no combate à pobreza dos idosos. Ela hoje traduz um apoio a 250 000 beneficiários, com um valor mensal mçdio de 90 €/mês, sendo certo que 35% dos idosos desta prestação recebem mais de 100 €/mês.
Há relativamente pouco tempo, o INE dizia-nos que, entre 2006 e 2007, 4% significava o número da redução da pobreza dos idosos em Portugal, o que, de certa maneira, traduz a eficácia desta medida de suporte social.
No entanto, quando criou esta medida, o Partido Socialista criou-a com uma filosofia diferente daquela que sustenta as pensões sociais. Por isso, ao pensar no complemento solidário para idosos, entende que este não pode ser pensado na lógica das pensões, porque é apenas um complemento, sujeito a uma condição de recurso.
A principal dimensão desta condição de recurso é também uma novidade na forma de pensar a sociedade e a solidariedade intergeracional. Esta condição de recurso supõe, entre outras dimensões, a responsabilidade familiar, que é uma dimensão concreta do que consideramos ser o pensamento das políticas de esquerda: conciliar a solidariedade intergeracional com a responsabilidade do Estado, subsidiária a esta solidariedade.

Aplausos do PS.

É desta forma que o Partido Socialista afirma que reflecte a sociedade em Portugal. É assim que reflecte a capacidade que temos de ter para fomentar, construir e reconstruir o estreitamento dos laços neste sentido de responsabilidade para com os mais idosos, neste momento aqui em reflexão e, um dia mais tarde, noutras dimensões de outros grupos da sociedade portuguesa.
Permite-se, então, desta maneira e neste compromisso, que os recursos disponíveis hoje para apoiar um grupo importantíssimo da pobreza em Portugal — não hoje o mais pobre, porque o mais pobre hoje são as crianças, mas um grupo que continua a ter um elevado grau de pobreza e que tem de merecer a nossa capacidade, sempre, de pensar as coisas em cada momento em que sobre elas falamos — sejam distribuídos de uma forma mais equitativa e com maior rigor.
Não é, pois, apenas uma questão de gestão financeira aquela que hoje nos faz falar nestes termos. Este continua a ser, sobretudo, um modelo de sociedade que nos fez pensar, há três anos e meio, que os idosos pobres em Portugal precisavam de contar com a solidariedade dos seus filhos, a par da solidariedade do Estado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projectos de lei, apresentados pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, que estamos a discutir pretendem simplificar a concessão do complemento solidário para idosos, tornando a sua atribuição mais justa.
Estas são, a nosso ver, propostas que se impõem, sobretudo face aos resultados das políticas do Governo no que diz respeito ao combate à pobreza entre os idosos. Desde logo, devido às medidas do Governo para a segurança social, que tiveram um alcance social do complemento solidário para idosos quase incipiente, mas também pelos magros aumentos anuais das pensões e reformas ou ainda pelo recente Decreto-Lei n.º 70/2010, que mais não pretende do que dificultar o acesso dos cidadãos às prestações sociais, sobretudo às prestações de combate à pobreza. Mas há mais, como seja a nova fórmula de cálculo das pensões ou a criação do indexante dos apoios sociais, que tiveram como resultado a diminuição do valor das pensões, agravado com o congelamento do valor do indexante dos apoios sociais para 2010.
Tem sido esta a política do Governo e os idosos continuam à espera do cumprimento da promessa feita no Programa do Governo que consistia na criação de uma prestação extraordinária de combate à pobreza dos

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idosos. Esta medida pretendia estabelecer critérios de forma a que nenhum pensionista tivesse de viver com um rendimento abaixo dos 300 euros.
Mas como esta promessa não passou disso mesmo, torna-se imperioso proceder a alterações em relação ao complemento solidário para idosos, não só com o propósito de simplificar a sua concessão, como também para remover os obstáculos que não permitem o acesso de muitos idosos a esta prestação, como seja a eliminação da inclusão dos rendimentos dos filhos enquanto requisito de acesso à prestação, alargar a atribuição do complemento solidário para idosos para os 14 meses e não a limitar aos 12 meses actuais, e a inclusão dos pensionistas por invalidez como beneficiários desta prestação.
Todas estas são medidas que tanto os projectos de lei do Bloco de Esquerda como o projecto de lei do PCP contemplam e que, portanto, contam com o voto favorável de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma segunda intervenção, em tempo muito escasso, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Chegámos ao fim deste debate e penso que podemos concluir que todos e todas reconhecem que os idosos são um grupo vulnerável e exposto de forma especial à pobreza. No entanto, temos pelo menos duas bancadas que, reconhecendo isso, dizem: «Bom, mas reforçar os apoios não pode ser! Fica para a próxima.» Eu nem quero responder à bancada do PSD, porque dizer que se tem de pedir sacrifícios a quem tem pensões de 180, 200 ou de 300 euros é demais, Sr.ª Deputada, embora eu saiba qual é a solução do PSD. É que, entre ir ao centro de saúde, à consulta, à farmácia e à mercearia, os idosos, provavelmente, ainda terão de prestar o chamado tributo social.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Bem lembrado!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — É essa a solução que o PSD apresenta para os mais pobres! Mas o Partido Socialista também não fica muito longe. Aliás, não percebi qual é o sentido de voto do Partido Socialista sobre estas três medidas pontuais que visam melhorar uma prestação pública de apoio social. Não percebi, sinceramente, e pergunto à bancada do Partido Socialista se, pelo menos em relação ao recálculo oficioso da prestação para os idosos dependentes de forma severa, não estão disponíveis para alterar a legislação, que até entra um pouco em contradição, como sabem, no que se refere a este aspecto concreto.
Sr.as e Srs. Deputados, há aqui dois caminhos. É sempre possível encontrar recursos para investir no grupo mais vulnerável e sujeito à pobreza. Trata-se de um investimento na qualidade de vida destas pessoas e na sua dignidade. São pessoas que merecem esse tributo da sociedade para com elas.
Depois, há outras opções. Basta ver: queremos ou não tributar a banca em IRC, exactamente como qualquer outra entidade comercial? Queremos ou não? Talvez se arranjasse todo o dinheiro e muito mais para completar este apoio no complemento solidário para idosos.
É tudo uma questão de opção política e de decidirmos de que lado estamos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção também muito rápida, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas registar dois factos, muito rapidamente. O primeiro é que o PSD consegue ter uma atitude ainda mais reservada e conservadora que o próprio Partido Socialista na defesa da injustiça que é a insuficiência das prestações de milhares de reformados portugueses. O segundo facto que queria registar é até onde vai o tango entre PS e PSD na defesa das políticas de direita.
Por outro lado, queria referir ainda uma outra matéria que diz respeito a um dado que foi avançado pela Deputada Maria José Gambôa. O último dado de que dispúnhamos era que os beneficiários do complemento

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solidário para idosos eram cerca de 190 000, mas a Sr.ª Deputada refere 250 000. Tomemos como bom este dado, ou seja, de que são 250 000 os beneficiários do complemento solidário para idosos. Tendo em conta que existe 1,5 milhões de reformados com menos de 330 €, tendo em conta que 75% dos reformados recebem menos do que o salário mínimo nacional, fica bem clara a insuficiência desta prestação e como é urgente e necessário alterar esta prestação social. É por isso que o PCP apresenta estas propostas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições está concluído este ponto.
Passamos à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 322/XI (1.ª) — Segunda alteração à Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, alterada pela Lei n.º 45/2005, de 29 de Agosto, que revoga o rendimento mínimo garantido, previsto na Lei n.º 19-A/96, de 29 de Junho, e cria o rendimento social de inserção (CDS-PP) e 323/XI (1.ª) — Segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 283/2003, de 8 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 42/2006, de 23 de Fevereiro, que regulamenta a Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 45/2005, de 29 de Agosto (CDS-PP).
Para apresentar estes diplomas, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: 18 de Junho de 2010, «aguardam julgamento na cadeia por furtos, roubos, tráfico de armas e até mesmo violações. A maioria é reincidente e até já cumpriu penas de prisão. Nada disto impede, no entanto, que os reclusos continuem a receber o rendimento mínimo.» 5 de Maio de 2010: «Uma rede de traficantes de armas, 13 pessoas, na posse de 38 000 €, foi detida. A PSP de Lisboa deu á operação o nome de ‘rendimento máximo’ para sublinhar o facto de os detidos receberem o rendimento social de inserção e se dedicarem a actividades ilegais, como o tráfico de armas.»

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — 28 de Outubro de 2009: «Traficante de droga, reincidente, capturado em flagrante delito, recebia rendimento mínimo.» 27 de Setembro de 2009: «Quatro assaltantes detidos em flagrante delito, que assaltaram, espancaram e sequestraram uma vítima, foram apresentados a tribunal. Todos recebiam o rendimento mínimo.»

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Uma vergonha!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Essas citações são de onde? O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não estamos aqui a falar de uma pequena criminalidade associada à pobreza. Estamos a falar de criminalidade que recorre a armas sofisticadas, a veículos caríssimos, a redes nacionais e internacionais e por isso mesmo os projectos que hoje apresentamos à Câmara não têm a ver com esquerda ou direita. Têm a ver com o que julgamos ser um meridiano ético na nossa sociedade. Têm a ver com uma questão que julgamos ser, acima de tudo, de bom senso.
O que CDS quer aqui hoje fazer é tão simplesmente abrir a esta discussão com segurança jurídica.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Entendemos que há um mínimo que o Parlamento pode fazer: quem seja acusado pela prática de crimes muito violentos com penas superiores a 3 anos, como tráfico de droga, tráfico de armas, assalto à mão armada, quando acusado, a prestação do rendimento mínimo seja suspensa e seja feita uma avaliação pela segurança social, para que casos em que pessoas que são detidas

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em flagrante delito, muitas vezes com 30, 40, 50 ou 100 000 € á sua posse, não possam continuar a receber o rendimento mínimo.

Aplausos do CDS-PP.

Na especialidade, gostaríamos até de ir mais longe e permitir que, em casos de flagrante delito, em casos de prisão preventiva, se possa dar ao tribunal a possibilidade de este oficiar à segurança social para que seja suspensa a prestação.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Retomamos também aqui uma iniciativa que já apresentámos e que é a de não permitir que portugueses condenados, com trânsito em julgado das suas sentenças, por crimes que atentam violentamente contra valores essenciais do Estado, como o tráfico de droga, como o tráfico de armas, como atentados à vida humana ou homicídios violentos, não possam continuar a receber esta prestação.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — É lógico!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — É um debate que queremos fazer e é um debate que é imposto, acima de tudo, pelo bom senso e pelo que sabemos que são as preocupações das pessoas que aqui, nesta Câmara, devíamos representar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é já um rotineiro ataque do CDS-PP à prestação do rendimento social de inserção e esta estratégia é claramente utilizada para deixar absolutamente intocados os mais ricos e os poderosos do nosso país, que continuam a engordar com a miséria e com a exploração dos outros. Quanto a estes, o CDS não toca, não diz uma palavra.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Portanto, o CDS, sentindo que o PS e o PSD atacam a prestação do rendimento social de inserção, aumenta a parada e ataca de novo esta prestação social, com a apresentação destes dois projectos de lei, que importa discutir.
Segundo o primeiro, basta a mera acusação por parte do Ministério Público para a suspensão da prestação do rendimento social de inserção. Isto é, o CDS não exige a condenação em tribunal, basta a acusação. Basta haver uma acusação particular de ofensas à integridade física entre vizinhos, que, no entendimento do CDSPP, é o suficiente para suspender a prestação do rendimento social de inserção. É a desconfiança absoluta relativamente a quem recebe esta prestação e, aliás, isto viola claramente a presunção de inocência, mas o CDS a isso não responde.
No segundo projecto de lei já é referida a questão da condenação e o trânsito em julgado, mas importa dizer que, ao contrário do que foi dito na intervenção inicial do CDS-PP, a lei hoje já proíbe a atribuição e diz que é condição de cessação da prestação a seguinte causa: «Após trânsito em julgado da decisão judicial condenatória do titular que determine a privação da sua liberdade». Isto é, se houver uma condenação que tenha como consequência a privação da liberdade da pessoa que recebe o rendimento social de inserção, cessa automaticamente a prestação.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Está na lei!

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — O CDS não o diz, mas cessa, é isso que está claramente na lei, pelo que não existem dúvidas relativamente a esta matéria.
O que é que o CDS faz? Além desta alínea, alarga a um conjunto muito vasto de crimes a cessação da prestação, o que é, na nossa opinião, algo exagerado e, depois, cria uma condição de atribuição desta prestação em que diz que uma pessoa que tenha, eventualmente, sido condenada no passado não pode receber o rendimento social de inserção, porque depende da não condenação após trânsito em julgado. Isto é, uma pessoa uma vez condenada, tendo cumprido a pena e tendo pago a sua dívida à sociedade, continua a ser marginalizada, porque não pode aceder a esta prestação social, sendo que esta prestação social, importa referi-lo, pode ter um papel determinante na inserção das pessoas que, no passado, tenham cometido um crime e esta é uma questão fundamental. Esta prestação pode ter um papel de inserção e tirar pessoas da criminalidade mas isso, pelos vistos, não é objectivo do CDS-PP, que condena ad eternum estas pessoas.
Por fim, quero dizer que o CDS mete toda a gente no mesmo saco. O CDS é incapaz de dizer que existem 82 000 famílias que trabalham mas cujo salário não chega para sobreviver até ao fim do mês e recebem o rendimento social de inserção; o CDS não é capaz de dizer que existem 25 000 pensionistas cuja pensão não chega para sobreviver e precisam do rendimento social de inserção; o CDS é incapaz de valorizar aquilo que deveria ser o efectivo objectivo desta prestação, que é a inserção social e retirar da situação de pobreza extrema as pessoas que aí vivem.
É evidente que há situações de fraude que precisam de ser combatidas, mas, quanto a isso, o CDS-PP não «mexe uma palha», porque apenas condena toda a gente por igual.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos dois projectos de lei, apresentados pelo CDS-PP, que vêm na linha que vem sendo usada pelo CDS-PP de estigmatizar os beneficiários do rendimento social de inserção — de preguiçosos passaram todos a potenciais criminosos.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — É a continuação da campanha por demais conhecida — é o viver à conta do Estado, é o financiamento da preguiça, etc., etc. É a dureza, a firmeza contra os mais pobres dos pobres.
Nada de novo, Srs. Deputados do CDS-PP! Pega, agora, o CDS num exemplo ultra-minoritário e generaliza aos mais de 395 000 beneficiários o estigma de terem cometido um crime. Ora, isso não é sério, não é justo tratar assim as pessoas.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — O CDS está a cumprir calendário da sua campanha demagógica, por isso agenda estes projectos de lei e não hesita, como sempre, em usar os mais pobres.
O que hoje já está acautelado na lei é a cessação do rendimento social de inserção para quem fica privado da liberdade — é isto que está hoje na lei — , depois de estar definitivamente condenado.
Quando o CDS propõe a suspensão do rendimento social de inserção sem condenação, está a dizer o seguinte: para os pobres, a regra muda; são culpados até prova em contrário. É isso que os senhores estão a dizer!

Vozes do BE: — Exactamente!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — E estamos a falar de casos pontuais, caso existam. Aliás, o Sr. Deputado Pedro Mota Soares disse «fim de citação» não sei quantas vezes mas não percebi de onde é que vinham

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essas citações, e era bom dizê-lo. Era bom dizer a fonte dessas citações para percebermos quão fidedignas serão.
Sr.as e Srs. Deputados, os beneficiários do rendimento social de inserção são pessoas, são famílias, são crianças que vivem abaixo do limiar de pobreza e a nossa obrigação é combater a pobreza, apurar os instrumentos de combate à pobreza e não insultar e estigmatizar, permanentemente, todos os pobres.
Assim, não contem connosco em nenhuma destas vossas iniciativas.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Conceição Pereira.

A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: «Neste tempo de crise é preciso muito cuidado na definição de prioridades, quer a nível central, quer a nível local. A emergência social não pode deixar de ser a primeira prioridade». Quem referiu estas palavras, ontem, foi S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, no seu roteiro de ontem pelas áreas metropolitanas.
A situação de crise que o País está a viver, com tendência a agravar-se, segundo previsões do Banco de Portugal, que, embora revendo em alta a sua estimativa de crescimento para 2010, afirma que existe uma probabilidade superior a 50% de o País reentrar mesmo em recessão.
O Sr. Primeiro-Ministro bem pode afirmar que é um optimista, o que nós, nesta Casa, já sabemos, mas isso não resolve as dificuldades das famílias portuguesas, nomeadamente as situações de carência alimentar, que também ontem tanto impressionaram o Sr. Presidente da República nos contactos que teve, nomeadamente nas escolas do concelho de Sintra. A menos que seja, Sr.ª Deputada, através da campanha, que o Sr. Ministro da Agricultura ontem apresentou — «Previna-se e viva» — recomendando à população que guarde alimentos na despensa e numa mochila.
Mas, falando a sério e com responsabilidade, é nestes momentos em que o País apresenta sinais cada vez mais graves de pobreza que as medidas sociais são necessárias.
O rendimento social de inserção é um desses instrumentos, que, aplicado a quem verdadeiramente necessita, será uma resposta que todos desejamos que seja temporária mas que pode ter um resultado eficaz.
Infelizmente, o Partido Socialista, fazendo «ouvidos moucos» aos inúmeros avisos de facilitismo, de despesismo e de falta de fiscalização, só em 2010, através do Decreto-Lei n.º 70/2010, veio reconhecer o que há muito lhe era dito, ou seja, maior necessidade de rigor e de eficiência na prestação.
O aumento constante de processos entrados em 2009, com mais 114 884 requerimentos, e com tendência a manter-se no corrente ano, sendo que só no 1.º trimestre este número cresceu 20%, independentemente do tecto imposto pelo PEC e sobre o qual nos interrogamos sobre se vai ou não ser cumprido, deixa o PSD profundamente preocupado.
Infelizmente este processo pode levar a cortes a quem mais precisa, a quem nunca abusou e a quem sempre trabalhou.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Estamos hoje aqui, como já ouvimos, a tentar dignificar e dar bom nome a um instrumento social fundamental e é isso que o CDS-PP propõe, sendo que já ouvimos algumas situações que levam a que o rendimento social de inserção seja ligado, muitas vezes, a momentos menos bons.
O PSD mostra-se favorável aos projectos de lei apresentados pelo CDS-PP, sem embargo de sugerir algumas alterações, na discussão na especialidade, que mantenham o sentido humanista e de solidariedade social que o PSD sempre defendeu.

Aplausos do PSD.

Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta sessão legislativa é a sessão RSI (rendimento social de inserção) para o CDS-PP.
Quantas iniciativas? Eu conto: cinco projectos de lei, uma apreciação parlamentar. O que significará, então, para o CDS-PP esta opção, que mais parece uma obsessão pelos beneficiários do rendimento social de inserção? Significa, sobretudo, a incapacidade política do CDS-PP para atingir os seus objectivos, ou seja, extinguir o rendimento social de inserção através de pequenas e regulares iniciativas legislativas.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Os projectos de lei hoje em apreço têm um alvo novo e diferente: os beneficiários ou os titulares com problemas com a justiça.
Propõe, então, o CDS-PP a inibição do acesso à prestação através do registo criminal, a suspensão do RSI a todos os cidadãos acusados da prática de um conjunto de crimes e, depois, uma medida burocrática da comunicação dos tribunais à segurança social dos mesmos acusados.
Mas o que o CDS hoje mais nos vem propor é que uma vez — uma vez! — qualquer cidadão acusado adquira, por imediato, a condição de condenado, numa sociedade hoje mediatizada, no seu meio social, no seu meio laboral, no seu grupo de pertença.
Mas há mais: se condenados, propõe o CDS o ostracismo social, humano e moral destes cidadãos.
Porquê? Porque a palavra reinserção social, o seu conteúdo, o seu conceito é prática que o CDS não conhece,»

Aplausos do PS.

» porque, se conhecesse, junto da Direcção-Geral de Reinserção Social, junto dos serviços prisionais, poderia, na verdade, melhorar o seu pensamento sobre esta dimensão que hoje nos apresenta aqui.
A reinserção social para o CDS-PP é uma pena acessória, embrulhada em esmola, mas uma esmola de mão estendida, porque é assim que os senhores olham para este grupo absolutamente minoritário da sociedade portuguesa.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Estamos a falar de menos de 5% dos pobres portugueses, que são os beneficiários do rendimento social de inserção, e, de entre estes beneficiários, de uma ínfima expressão, da qual nem sequer o CDS sabe quantos são.
Mas o que é grave, Srs. Deputados, é que o CDS parece querer transformar a Constituição da República Portuguesa, que trata toda a gente com dignidade, numa qualquer folha de jornal que conta uma qualquer história sobre alguém a quem o CDS nem sequer tem a preocupação de seguir o rasto para saber se pode vir a esta Câmara abanar uma fotocópia de uma qualquer notícia, e isto é, verdadeiramente, de uma indignidade que não tem registo.

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

Isto, Srs. Deputados, faz-me lembrar alguma coisa» Faz-me vir à memória a servidão humana, a condição da servidão humana. Na verdade, para o CDS-PP, a sociedade ou é a preto ou é a branco. O sentido dos porquês não interpela o CDS. Por que é que será que uns estão dentro da sociedade, por que é que será que uns estão na margem da sociedade e por que é que será que outros estão fora dessas margens?

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — O PS defende traficantes de droga?!

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Srs. Deputados, quando os senhores se preocupam com este pequeno grupo de portugueses esquecem que 41% dos beneficiários do rendimento social de inserção são crianças e jovens.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Será que também os transformam em condenados nas condenações dos seus pais e das suas mães?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — O PS defende os traficantes de droga? Defende?

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Será que não consegue estabelecer um patamar de racionalidade, de respeito intelectual, de respeito constitucional perante um conjunto de cidadãos que hoje não está nas Galerias mas poderia estar, que, eventualmente, até deveria aqui estar, porque é das suas vidas que, permanentemente, o CDS faz também um tempo da vida esta Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, de forma rápida, comecemos pelo caso da acusação que o PS agora, pelos vistos, acha que é inconstitucional, quando apresentou a esta Câmara a proposta para um presidente de câmara que seja acusado perder o seu mandato. Isso não era inconstitucional mas, agora, para o rendimento social de inserção, já é inconstitucional.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Isto é uma prestação social, não é o exercício de nenhuma função pública!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Mas, então, Sr.ª Deputada vai explicar-me uma coisa: quando alguém é detido, muitas vezes é-lhe aplicada uma medida de coação, que pode ser, inclusivamente, a de lhe ser retirada a liberdade. Então, o Estado pode tirar a liberdade mas não pode tirar o rendimento?! Explique-me se isto faz sentido, Sr.ª Deputada. Explique aos portugueses se isto faz sentido! E convém também que tenhamos a noção de que não estamos a falar de fontes de jornais. Vá aos tribunais,»

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Eu sou de lá!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — » fale com magistrados, fale com juízes, veja a frustração que, muitas vezes, polícias, juízes e magistrados têm ao deterem em flagrante delito criminosos muito poderosos, criminosos altamente organizados, em operações policiais a que se chama «rendimento máximo», e não conseguirem sequer retirar-lhes o rendimento mínimo.
A Sr.ª Deputada Maria José Gambôa considera que isto é normal numa democracia? Entende que isto é ético e justo? Nós, sinceramente, não o consideramos. E entendemos mais: entendemos que se trata de um erro que tem de ser corrigido muito rapidamente.
Não estamos aqui a falar das famílias que estão no rendimento mínimo e que trabalham, porque essas não são abrangidas pelo nosso projecto, os que são abrangidos pelo nosso projecto, e até parece que são esses que o Partido Socialista quer proteger, são aqueles que cometem crimes, que muito atentam contra os valores da nossa sociedade.
Há mais uma coisa que lhe digo, Sr.ª Deputada: o CDS apresentou cinco projectos sobre o rendimento mínimo e apresentou projectos sobre muitas outras coisas, como, por exemplo, a majoração do subsídio de

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desemprego aos casais, a devolução do IVA a 30 dias às PME, a obrigação de o Estado pagar juros de mora, todos eles aprovados.

O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Há uma coisa de que pode ter a certeza: as iniciativas que o Partido Socialista e o Governo apresentaram nesta Câmara são quase todas de aumento de impostos mas esta Legislatura não é, para nós, a Legislatura do aumento de impostos, como o é para o Partido Socialista.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Não fuja à questão!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminado o debate, na generalidade, dos projectos de lei n.os 322/XI (1.ª) e 323/XI (1.ª), passamos à apreciação conjunta, também na generalidade, do projecto de resolução n.º 160/XI (1.ª) — Instituição do princípio de isenção do pagamento de taxas por parte da população residente nas áreas protegidas (PSD), do projecto de lei n.º 73/XI (1.ª) — Revoga as taxas cobradas pelo acesso às áreas protegidas e serviços públicos prestado pelo ICNB, garantido o direito fundamental ao ambiente e qualidade de vida (PCP), do projecto de resolução n.º 222/XI (1.ª) — Isenção da aplicação das taxas devidas ao ICNB à população residente nas zonas protegidas e utilização das receitas resultantes na integração desses residentes neste modelo de desenvolvimento de território e na melhoria dos meios de fiscalização do ICNB (CDS-PP), do projecto de lei n.º 366/XI (1.ª) — Garante a gestão pública das áreas classificadas e protege as populações residentes e actividades económicas locais (BE) e do projecto de resolução n.º 221/XI (1.ª) — Discriminação positiva e política de apoio às populações residentes nas áreas protegidas (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Cabeleira.

O Sr. António Cabeleira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a viver um tempo em que, por infortúnio nosso, se confrontam duas crises, qual delas a mais grave: uma, estrutural, e do nosso descrédito, outra, a da desorganização financeira da Europa.
De um momento para o outro, faltaram os recursos dos empréstimos, diminuíram as receitas das exportações e as remessas de dinheiro dos nossos emigrantes. É esta a crise fundamental, a crise que reclama todas as atenções e para a qual não bastam medidas legislativas; é esta a crise que só o tempo, muito estudo, muito trabalho, muita poupança e muita dedicação podem resolver.
Perante tão difícil situação, descobre este Governo uma coisa extraordinária: pagam todos, os que podem e os que não podem.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, a resolução desta crise não pode passar por penalizar quem menos culpa tem e quem menos contribuiu para a sua existência: os portugueses residentes nas áreas protegidas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A portaria aqui colocada em causa, através destas iniciativas, revela uma total descoordenação, do anterior e do actual Governo.
O Programa do Governo refere: «O Governo prosseguirá uma política de desenvolvimento regional baseada nas especificidades e complementaridades dos diversos territórios, orientada para a coesão social e territorial (»)«.
«Os agricultores desempenham um papel fundamental no aprisionamento do carbono e na biodiversidade» — diz o nosso Ministro da Agricultura.
Como é possível, no mesmo Governo, pensar-se uma coisa e o seu contrário?! Será que o Sr. PrimeiroMinistro ainda coordena o Governo?! A penalização dos agricultores com o pagamento de taxas é, no mínimo, ridícula. Como podem os residentes nas áreas protegidas ter de ajudar a pagar os vencimentos dos funcionários do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) residentes em Lisboa?! Expliquem aos residentes em Castro Laboreiro, Lindoso, Soajo, Ermida, Pitões das Júnias, Lamas de Olo, Ermelo, Rio de Onor, Moimenta, Malhadas, Urros, Linhares, Unhais da Serra, Mizarela, Machoca, Olhos

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d`Água, etc., que têm de pagar taxas pela prática secular de corte de carvalhos para amenizar os duros Invernos.
Se a comunidade nacional exige e quer áreas protegidas, então, tem de as financiar. De forma nenhuma é admissível o acréscimo de um cêntimo de receita através da aplicação de taxas às populações mais abandonadas do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP propõe a eliminação das taxas do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade por considerar que assentam numa política mercantilista das áreas protegidas, promovem uma triagem social no acesso a estas áreas e, simultaneamente, continuam a permitir que os interesses privados e economicistas explorem uma riqueza que é de todos os portugueses.
A subversão dos serviços públicos prestados pelo ICNB, para além de colocar o ordenamento do território e os actos de conservação da natureza sob os ditames do mercado e dos interesses privados, penalizam os habitantes das áreas protegidas.
A conservação da natureza é uma responsabilidade do Estado para a qual todos os portugueses contribuem, numa concepção de solidariedade nacional e de preservação de um património de todos, pelo que o Governo não deve fazer incidir os seus custos sobre os habitantes das áreas protegidas nem sobre as actividades económicas tradicionais que se desenvolvem dentro destas áreas. Estas populações e as suas actividades tradicionais não devem ser prejudicadas mas, sim, apoiadas, pois, muitas vezes, são quem assegura a preservação e a conservação das áreas protegidas.
O PCP entende que o projecto de lei que hoje apresenta é a solução para os problemas que se colocam às populações autóctones das áreas protegidas, mas é também a salvaguarda para a garantia de uma gestão pública, de acordo com os interesses do ambiente e do País.
Os projectos de resolução apresentados pelo PS, PSD e CDS não resolvem os problemas destas populações e a salvaguarda destas áreas.
A aprovação de recomendações ao Governo, que o próprio, na maioria das vezes, não aplica, quando a Assembleia da República tem o poder legislativo e pode, hoje, resolver esta questão, com a aprovação do projecto de lei do PCP, pecará por insuficiência.
Por isso mesmo, esperamos a aprovação da nossa iniciativa e estamos disponíveis para uma discussão mais alargada, na especialidade, reunindo os contributos de todos os grupos parlamentares sobre esta matéria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que está em causa nesta discussão é o facto de o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade ter publicado, através de portaria, duas taxas completamente inaceitáveis, do ponto de vista do equilíbrio, no que diz respeito aos residentes nestas áreas.
O que sucede é que temos de decidir qual a interpretação que fazemos da conservação da natureza e da biodiversidade, isto é, se entendemos que se conservam só por si, retirando, completamente, a acção do homem destas regiões, deixando-as completamente ao abandono, ou se entendemos que a integração e a acção do homem são positivas para a sua preservação. E isto é fundamental quando muitas das populações residentes nestas áreas desenvolvem actividades como a agricultura ou a pecuária, as quais são essenciais para o moldar destas áreas, para a manutenção da biodiversidade e para a conservação da natureza.
É exactamente esta a nossa perspectiva e, portanto, neste sentido, consideramos totalmente inaceitável que se apliquem taxas aos residentes e a quem desenvolve uma determinada actividade económica que

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contribua para o próprio objectivo de criação destas áreas, que é a preservação da natureza e da biodiversidade.
Mas entendemos que é importante ir mais longe. Parece-nos importante que as receitas que provêm das restantes taxas aplicáveis tenham um destino definido. É por isso que, no segundo ponto do projecto de resolução do CDS, definimos que essas receitas se devem destinar, por um lado, à promoção dos locais e à conservação da biodiversidade e ecossistemas, convocando a participação da população nesse processo, como agente de representação e salvaguarda do novo modelo de desenvolvimento do território, e, por outro, à melhoria dos meios de fiscalização do ICNB, de modo a dar resposta às situações de crime e atropelo ambiental que se têm verificado nas zonas e áreas protegidas de Portugal.
Em suma, a perspectiva do CDS é a de que a intervenção do homem, sempre que positiva para a preservação da natureza e da biodiversidade, não deve ser taxada, antes deve ser promovida e apoiada. É esta a nossa visão de desenvolvimento sustentável e é por isso que defendemos que não devem ser aplicadas muitas destas taxas mas também que deve ser dado um destino claro ao dinheiro que delas se retira, de forma a que possamos aplicá-lo na preservação da natureza e da biodiversidade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Calvário.

A Sr.ª Rita Calvário (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, todos os projectos hoje aqui em discussão têm um ponto muito claro em comum: respeitar as populações residentes nas áreas classificadas para protecção. Para o Bloco de Esquerda, este respeito é absolutamente necessário, pois estas populações têm sido duramente penalizadas pela política de conservação da natureza e da biodiversidade que, ao longo dos anos, tem sido seguida pelos sucessivos Governos do PS e do PSD.
Trata-se de uma política que tem esvaziado o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade tanto de recursos humanos como financeiros, forçando-o, assim, a aplicar taxas por tudo e por nada, incidindo sobre tudo e sobre todos, como os residentes ou quem queira visitar as áreas protegidas, mas também de uma política que visa entregar aos privados a gestão destas áreas, a qual se fará, então, de acordo com critérios económicos e empresariais e não ambientais ou de serviço público.
Mas esta é, ainda, uma política que tem visado entregar as melhores áreas e zonas ambientais do País aos interesses dos grupos económicos, seja para os grandes resorts turísticos dos PIN, seja para a agricultura intensiva, seja para as pedreiras ou cimenteiras localizadas em áreas protegidas.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Calvário (BE): — Isto é evidente um pouco por todo o País, de norte a sul.
Ao mesmo tempo que faz isto, esta política tem colocado todas as restrições sobre as populações residentes e as pequenas actividades económicas locais, como a pequena agricultura ou o turismo da natureza sustentável, actividades estas que são absolutamente fundamentais para manter estas zonas com vida e para preservar e salvaguardar a sua própria riqueza ambiental e paisagística.
Para o Bloco de Esquerda, as populações residentes nas áreas classificadas e estas pequenas actividades económicas locais devem ser respeitadas. Um sinal mínimo deste respeito é isentá-las das taxas que só existem precisamente para os que nelas residem ou aí desenvolvem essas pequenas actividades.
Mas, para o Bloco de Esquerda, isto não basta, é preciso ir mais longe. Não compreendemos como é possível taxar o acesso e a visitação a áreas protegidas, por que se admite que se coloquem portagens nas áreas protegidas. Entendemos que estas áreas devem ser geridas de acordo com critérios de serviço público, não podem estar sujeitas aos apetites e aos critérios empresariais e económicos e a sua gestão não deve ser entregue a privados.
Por isso mesmo, o Bloco de Esquerda apresenta o projecto de lei em apreciação, o qual expressa bem as mudanças necessárias, em termos da lei, porque mais do que recomendações, que muitas vezes não são cumpridas pelo Governo, é preciso tomar decisões, e tomá-las de forma urgente.

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É isto que esperamos dos restantes grupos parlamentares: que tomem decisões e que, por isso mesmo, viabilizem o projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda. Estaremos, obviamente, disponíveis para o discutir e para, em sede de especialidade, aperfeiçoar um conjunto de matérias que considerem fundamentais.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Frederico Castro.

O Sr. Frederico Castro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As áreas protegidas exigem, para garante da sua manutenção, um elementar equilíbrio entre a conservação da sua riqueza e singularidade ambiental e a ocupação humana do território. É a partir deste equilíbrio, onde a população desempenha um papel fundamental na desejada sustentabilidade das áreas protegidas, que surgem paisagens naturalizadas de beleza e valor incalculáveis.
O Partido Socialista tem presente que actividades como a agrícola, a silvícola e a agropecuária são cruciais nessa conservação da natureza e da biodiversidade.
O actual Governo, através da Portaria n.º 138-A/2010, de 4 de Março, estabeleceu um amplo regime de isenções, que abrange grande parte das actividades dos residentes em áreas protegidas, e reduziu significativamente o valor das taxas cobradas pelo ICNB, promovendo a fixação da população e incentivando a prática das suas actividades. Como exemplo das melhorias levadas a cabo pelo Governo do Partido Socialista aponto a isenção do pagamento de taxas nos seguintes casos: nos pedidos relativos ao exercício das actividades agrícolas florestais; nos pedidos relativos a edificações para habitação própria permanente; nos pedidos relativos a tratamentos fitossanitários e para evitar a propagação de pragas; para as actividades recreativas ou culturais relacionadas com romarias, procissões, festas populares, festejos locais, bem como feiras e mercados de produtos tradicionais.
Não obstante se verificarem, no espaço de tempo decorrido, melhorias significativas na vida dos moradores em áreas abrangidas pelo Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAC), subsistem alguns sentimentos de injustiça que devem ser atendidos.
O PS, revendo-se na portaria supra citada e na filosofia que a orienta, considera que as populações residentes devem ser alvo de isenções não só de taxas cobradas pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) mas também das demais taxas cobradas pelas diversas entidades da Administração Pública que resultam da sua condição específica de moradores em áreas abrangidas pelo Sistema Nacional de Áreas Classificadas.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): — Muito bem!

O Sr. Frederico Castro (PS): — O PS considera ainda que o ICNB pode e deve assumir um papel cada vez mais interventivo e presente no apoio às populações residentes, por um lado, ajudando-as a promover, no quadro da lei, as alterações que idealizam para melhorar a sua qualidade de vida e, por outro, na maximização do valor dos produtos regionais ou artesanais e das unidades hoteleiras inseridas nas áreas, realçando a sua excelência.
O ICNB visto como um parceiro das populações será um ICNB mais eficaz, mais eficiente e mais próximo na prossecução do objectivo de conservação da natureza e da biodiversidade.
Assim, no sentido de promover uma discriminação positiva das populações residentes nas áreas protegidas, propomos que a Assembleia da República aprove recomendar ao Governo que o ICNB, no âmbito da gestão das áreas abrangidas pelo Sistema Nacional de Áreas Classificadas, intervenha como parceiro efectivo para o desenvolvimento sustentável das respectivas comunidades locais, para melhoria da sua qualidade de vida e prossecução das actividades económicas sustentáveis geradoras de valor, em particular as actividades agrícola, zootécnica, florestal, artesanal e de turismo da natureza, promovendo parcerias com as autarquias locais, com as outras entidades públicas, com o sector privado e com as organizações representativas da sociedade civil, tais como associações de agricultores e regantes, associações de moradores, conselhos directivos de baldios, organizações não governamentais de ambiente e agências de desenvolvimento regional, para a prossecução das suas atribuições.

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Propomos ainda que o ICNB promova a criação e utilização de logótipos e marcas associadas a cada uma das entidades do SNAC cuja exploração possa contribuir para a valorização dos produtos regionais artesanais e das unidades hoteleiras, em especial do turismo da natureza.
Propomos que reconheça o princípio geral de isenção do pagamento de taxas que são cobradas pelas diversas entidades da Administração Pública às populações residentes em áreas abrangidas pelo SNAC e que defina, após audição e devida ponderação dos contributos de entidades representativas das populações residentes, nomeadamente as respectivas autarquias locais, o valor das taxas referidas anteriormente.
Propomos também que reforce a discriminação positiva das autarquias locais abrangidas pelo Sistema Nacional das Áreas Classificadas.
Os partidos à nossa esquerda propõem revogar e acabar com as taxas, à imagem daquilo que é a sua matriz ideológica e dos interesses pontuais que vão surgindo. Os partidos à nossa direita apresentam duas propostas de resolução que acompanhamos e que entendemos, mas queremos ir mais longe: queremos aplicar um princípio de transversalidade na isenção das taxas e queremos, acima de tudo, valorizar o papel do ICNB e das entidades locais, introduzindo uma marca e um logótipo que façam com que a valorização da sua função no terreno seja efectiva e eficaz.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Como foi a primeira vez que o orador que acabou de intervir se dirigiu ao Plenário, a Mesa foi generosa em relação ao tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta matéria das áreas protegidas e dos serviços públicos prestados pelo ICNB tem sido alvo da intervenção por parte de Os Verdes com bastante regularidade, decorrente das denúncias que temos feito em relação à forma como o Governo entende a conservação da natureza.
O facto é que, em todas as áreas da tutela do ambiente, o Governo mete mãos à obra pelos caminhos que levam a gerar negócios privados e que levam ao desinvestimento público, de modo a que o Estado não gaste dinheiro com quase nada.
A conservação da natureza, com o novo regime jurídico e a respectiva portaria de regulamentação, não fugiu à regra. Sob a forma de parcerias público-privadas ou de concessão, lá estão os privados a engendrar formas de gerar lucro com os valores naturais classificados que deveriam ser património colectivo.
Foi esta, e só esta, a opção do Governo. E, claro, do outro lado, estarão as populações a pagar taxas de acesso, de utilização, de pareceres obrigatórios e tudo o mais que se possa inventar para a cobrança de pagamentos que gerem mais e mais receitas.
Os Verdes sempre contestaram esta opção. Na nossa perspectiva, não há remendo possível a este regime, que deve, portanto, ser cortado pela raiz. Contestamos, assim, com toda a firmeza, esta desresponsabilização do Estado em relação à conservação da natureza, que tem sido bem visível através do estrangulamento financeiro a que o ICNB tem sido remetido Compensar isso com taxas tão absurdas como pôr os residentes a pagar pareceres que têm obrigatoriamente de ser pedidos ao ICNB, porque é de uma área protegida que se trata — se fosse noutro sítio qualquer não necessitariam de pagar — , é um perfeito absurdo e atinge todos os limites aceitáveis.
O Governo bem fingiu que alteraria este regime com a Portaria n.º 138-A/2010, de 4 de Março, mas, na verdade, maquilhou o problema, mantendo-o bem real.
Por fim, Os Verdes entendem que, nesta matéria, os projectos de resolução apresentados não constituem propriamente uma fonte directa de resolução do problema, ao contrário dos projectos de lei apresentados, que, transportando a componente vinculativa, dão certamente um contributo muito mais importante para resolver o problema e que, por isso, merecem a nossa preferência.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião terá lugar amanhã, quinta-feira, às 15 horas, constando como ponto único da ordem do dia o debate sobre o estado da Nação.

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Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 5 minutos.

Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS)
Júlio Francisco Miranda Calha
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Social Democrata (PSD)
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Mendes Bota

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)
José Carlos Bravo Nico

Partido Social Democrata (PSD)
Agostinho Correia Branquinho
Carlos Henrique da Costa Neves
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Pedro Nuno Mazeda Pereira Neto Rodrigues
Sérgio André da Costa Vieira
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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