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Quinta-feira, 13 de dezembro de 2012 I Série — Número 29

XII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2012-2013)

REUNIÃOPLENÁRIADE12DEDEZEMBRODE 2012

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Maria Paula da Graça Cardoso Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz

S U M Á R I O

A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas

e 7 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de

resolução n.os

526 a 530/XII (2.ª). Em declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Drago (BE)

acusou o Governo de falta de transparência nos processos de privatização da ANA — Aeroportos de Portugal, e da TAP e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rui Paulo Figueiredo (PS), Bruno Dias (PCP) e Paulo Batista Santos (PSD).

Em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Lacão (PS) advertiu o Governo que a concessão da gestão da RTP a um particular vai contra a Lei Fundamental e exigiu uma explicação sobre o modelo que o Executivo defende para a RTP. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Bruno Dias (PCP), Carla Rodrigues (PSD) e Cecília Honório (BE).

Foram discutidos, em conjunto, na generalidade, a proposta de lei n.º 104/XII (2.ª) — Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da

transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico, e o projeto de lei n.º 317/XII (2.ª) — Altera o regime de funcionamento dos órgãos das freguesias e dos municípios, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, e à sexta alteração à Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro (BE). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares (Miguel Relvas) (a), os Srs. Deputados Ramos Preto (PS), Paulo Sá (PCP), Helena Pinto (BE), Altino Bessa (CDS-PP), António Prôa (PSD), Hélder Amaral (CDS-PP) e Carlos Abreu Amorim (PSD). Entretanto, o Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP), sob a forma de interpelação à Mesa, questionou o facto de ter sido projetada uma imagem durante a resposta do Sr. Ministro, tendo intervindo, a este propósito, além da Sr.ª Presidente e do interpelante, o Sr. Deputado Miguel Santos (PSD).

Foi também discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 95/XII (2.ª) — Autoriza o Governo a aprovar o regime jurídico laboral dos trabalhadores dos serviços periféricos

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externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, incluindo os trabalhadores das residências oficiais do Estado, bem como a alterar a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, e o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, tendo-se pronunciado o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (José Cesário) e os Srs. Deputados Paulo Pisco (PS), Carlos Alberto Gonçalves (PSD), João Ramos (PCP), Mariana Aiveca (BE) e José Lino Ramos (CDS-PP).

Foi ainda apreciada a proposta de resolução n.º 52/XII (2.ª) — Aprova a Convenção do Conselho da Europa para a

Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011, tendo proferido intervenções a Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade (Teresa Morais) e os Srs. Deputados Mendes Bota (PSD), Elza Pais (PS), Rita Rato (PCP), Teresa Anjinho (CDS-PP), Cecília Honório (BE) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro) encerrou a sessão eram 18 horas e 20 minutos.

——

(a) Durante a resposta foi projetada uma imagem.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 7 minutos.

Os Srs. Agentes da autoridade podem abrir as galerias, por favor.

Antes de darmos início à ordem do dia, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e

foram admitidos pela Sr.ª Presidente, os projetos de resolução n.os

526/XII (2.ª) — Recomenda-se a aplicação

do sistema tarifário de resíduos baseado no instrumento económico Pay-as-you-throw (PAYT), tal como

sugestão da CE no recente estudo sobre prevenção e reciclagem de resíduos (PSD e CDS-PP), que baixa à

11.ª Comissão, 527/XII (2.ª) — Para que o Governo proceda ao pagamento das compensações por

caducidade dos contratos de professores (Os Verdes), que baixa à 8.ª Comissão, 528/XII (2.ª) — Recomenda

ao Governo que estude a possibilidade da inclusão da vacina pneumocócica no Plano Nacional de Vacinação

(CDS-PP), que baixa à 9.ª Comissão, 529/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo o pagamento das

compensações por caducidade de contrato devidas aos professores contratados (BE), que baixa à 8.ª

Comissão, e 530/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo a impenhorabilidade de bens dos estudantes do ensino

superior por dívida decorrente do não pagamento de propinas (BE), que baixa à 8.ª Comissão.

É tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à ordem do dia, que, como todos sabem, consiste

em declarações políticas.

Inscreveram-se a Sr.ª Deputada Ana Drago, pelo BE, e o Sr. Deputado Jorge Lacão, pelo PS.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Deste Governo já vimos quase tudo:

vendas apressadas de distribuição e produção de eletricidade ao mesmo dono; um monopólio de duas rendas

garantidas; ameaçaram com uma concessão que entregava a rádio e a televisão pública sem qualquer risco,

um escândalo a que o Governo respondeu, é certo, com alguma criatividade, propondo agora entregar o

controlo total por apenas meia venda. Mais uma renda.

Mas nenhum destes processos está à altura do que aqui nos traz hoje: a entrega de duas empresas

estratégicas, a ANA e a TAP, duas empresas de bandeira, que o Governo prometeu entregar fosse de que

forma fosse, fosse a quem fosse, quebrando todas as regras do mercado que pretendem proteger, garantindo

negócios de alguns para alguns à custa de todos os portugueses.

Os processos de venda da TAP e da ANA são um caso de estudo do que pode correr mal nas

privatizações: falta de transparência; estudos duvidosos; processo tortuoso desde o início; pressa de vender a

qualquer preço, mesmo quando os valores do mercado aconselhavam prudência; interesses estratégicos do

País deixados para trás. Tudo o que podia correr mal está a correr pior. É este o resumo deste processo.

Os episódios que compõem o processo guiado pelo Governo nesta história davam, na verdade, o seguinte

manual: «Como fazer truques orçamentais e negócios ruinosos para o interesse público em meia dúzia de

lições». Autoria: Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira.

Para arranjar um truque contabilístico que permitisse disfarçar o monumental buraco orçamental que os

Ministros Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira cavaram ativamente com a recessão económica ao longo do

ano, o Governo inventou um contrato de concessão das estruturas aeroportuárias para vender à ANA —

empresa que detém as estruturas —, concessão essa que virá depois a ser adquirida por quem vier comprar a

ANA no processo de privatização. Ou seja, a ANA compra a concessão das suas próprias estruturas para,

depois, as vender a quem comprar a ANA. Parece complexo, mas não é. É um mero expediente artificial que

permite encaixar, ainda este ano, os milhões de que o Ministro Vítor Gaspar precisa para maquilhar a sua

própria incompetência e o monumental falhanço no cumprimento das metas do défice orçamental que ele

mesmo definiu. A venda da ANA é, portanto, a cábula de um aluno mal comportado para melhorar a sua nota

do défice orçamental.

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Mais: o contrato de concessão da ANA foi ontem aprovado em Conselho de Ministros e as propostas de

aquisição terão de ser entregues até quinta-feira. Isso mesmo, é mesmo assim: 48 horas para os interessados

consultarem o contrato, estudarem as condições, verem o custo-benefício desta operação e apresentarem as

suas propostas. Como é que as propostas iniciais (não vinculativas) foram entregues quando ainda não se

conheciam as condições do contrato de concessão que, supostamente, estavam a tentar adquirir? Não

sabemos. Não há outra forma de ver isto: há aqui uma negociata com o «dedo de fora». Se isto não é um

contrato feito à medida, e já bem conhecido por um ou mais interessados, então o Governo está a disfarçar

muito bem.

Estes processos de privatização não são só um crime para os interesses do Estado, postos em causa pelo

negócio de meia dúzia. São também, pela forma como são conduzidos, sem pés nem cabeça e sem qualquer

transparência, um insulto à inteligência dos cidadãos.

No caso da TAP, a história também é bem ilustrativa. No próprio dia em que o Governo aprovou o caderno

de encargos relativos à privatização da TAP, escolheu também o comprador — um «dois-em-um» nunca antes

visto. O comprador, por seu lado, teve de usar a imaginação para contornar a legislação europeia que proíbe a

propriedade de transportadoras aéreas europeias por não-comunitários e conseguiu, num volte-face quase

cinematográfico, um passaporte polaco e abriu uma sucursal no Luxemburgo.

Por vezes, como dizia um antigo Primeiro-Ministro, «é só fazer as contas». Aparentemente, o comprador

terá avançado com uma oferta de 1500 milhões de euros para a TAP. Desses 1500 milhões, cerca de 1200

devem cobrir o passivo da TAP e 300 000 serão repostos na TAP, sob a forma de capitais próprios. O que

falta nesta equação é que a dívida da TAP corresponde praticamente aos seus ativos, com um diferencial de

cerca de 300 milhões e falta lembrar que, para o comprador em questão, os efeitos multiplicadores de ligação

com a área de atuação da TAP com o seu próprio negócio são quase certos. É por isso que economistas

reputados têm afirmado que a privatização, a fazer-se, deveria, pelo menos, permitir angariar 700 milhões de

euros. Mas parece que não vai ser assim. No fim, aparentemente, o comprador deixará apenas uma gorjeta ao

Governo — nos cofres do Estado entrará a módica quantia de 20 milhões de euros. Entre 700 milhões e 20

milhões «é só fazer as contas». Pior era difícil!

Por isso mesmo, todas as vozes se têm levantado, até de ex-líderes do PSD, dizendo que negócios tão

ruinosos para o interesse público não podem ser consumados.

A Transportadora Aérea Portuguesa e a ANA não são duas empresas quaisquer.

A ANA é uma das empresas públicas mais rentáveis, gerando, ano após ano, dezenas de milhões de euros

de lucros para os cofres do Estado — ou seja, até hoje a ANA foi sempre um instrumento ativo de

consolidação das finanças públicas. Aliená-la é colocar em risco essa mesma consolidação orçamental.

No caso de uma empresa estratégica de transportes como a TAP, não estamos apenas a discutir uma

companhia aérea, mas, antes, uma importante ferramenta de resposta à crise, um elemento central para

qualquer estratégia de crescimento económico que tire o País do buraco em que nos enfiaram. A TAP foi em

2010 e em 2011 a maior exportadora nacional, figura entre a meia dúzia de companhias aéreas mais eficientes

do mundo e é líder numa das ligações áreas mais apetecidas, com maior potencial de expansão mundial: a

linha entre a Europa e o Brasil.

É por isso que a sua privatização não é apenas um mau negócio, uma venda ao desbarato. É um negócio

histórico e sem paralelo na Europa, um caso de estudo que certamente o Dr. António Borges irá dedicar-se a

ensinar aos ministros sem equivalência, porque, sobretudo, é um negócio político.

E é um sinal de capitulação do Governo, que coloca o País refém de interesses estrangeiros, que não

controla, num setor estratégico e central para a competitividade da economia penhorando o futuro do País.

Não chega, portanto, ao Ministro da Economia falar de reindustrialização do País quando nada resta ao

Estado para incentivar o investimento no País. Não chega ao Ministro das Finanças emprestar dinheiro a si

próprio para levar à troica os resultados que prometeu. E não chega ao Sr. Primeiro-Ministro olhar para tudo

isto e achar que o País aguenta esta pirataria económica.

As privatizações do Governo são, hoje, o maior investimento na austeridade futura. E é nesta matéria que o

Bloco de Esquerda mantém a sua posição de princípio: não se privatizam setores estratégicos e monopólios

naturais, porque não resolvem nada, garantem apenas que todos iremos pagar mais caro as rendas dos

amigos deste Governo.

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Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada Ana Drago, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs.

Deputados Rui Paulo Figueiredo, do PS, Bruno Dias, do PCP, e Paulo Batista Santos, do PSD.

A Sr.ª Deputada informa que pretende responder um a um.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Paulo Figueiredo.

O Sr. Rui Paulo Figueiredo (PS): — Sr.ª Presidente, Caras e Caros Colegas, em primeiro lugar,

cumprimento a Sr.ª Deputada Ana Drago pelo tema que aqui nos trouxe.

O tema das privatizações também tem sido central na agenda política do Partido Socialista. Ainda hoje de

manhã, tivemos oportunidade de, finalmente, ver aprovado pela maioria, com o voto de todos os partidos, um

conjunto de audições a propósito desta matéria. Depois de reiterados chumbos, finalmente, face ao clamor da

opinião pública, à falta de transparência destes processos e à trapalhada de que eles se têm revestido, a

maioria concordou que a Assembleia da República possa aprofundar esta temática e fiscalizar o que está em

cima da mesa.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Rui Paulo Figueiredo (PS): — O Partido Socialista tem-se batido intransigentemente pela defesa

dos interesses estratégicos nacionais.

Colocámos este tema na Lei Quadro das Privatizações e continuamos à espera que ele seja

regulamentado.

É por esta ausência de definição e densificação clara dos interesses estratégicos nacionais que

entendemos — e não nos cansaremos de continuar a defender esta posição — que este processo de

privatizações e de concessões deve ser imediatamente suspenso. Aquilo a que temos assistido é a um

Governo a correr a toda a força para tentar disfarçar os maus resultados no Orçamento, na dívida, os

falhanços do Ministro das Finanças.

Temos tido — e penso que a Sr. Deputada concordará comigo — um processo marcado pela falta de

transparência.

Há falta de transparência quando, como a Sr.ª Deputada muito bem referiu, os cadernos de encargos são

aprovados ao mesmo tempo (ou com poucos dias de intervalo) que se definem os potenciais vencedores.

Há falta de transparência e de rigor quando se definem as short list de candidatos, alguns são excluídos e,

depois, reentram nas fases subsequentes do processo e até a liderar alguns consórcios.

Quanto às regras, também há falta rigor quando vão mudando e são concertadas com os parceiros

privados. Negociações diretas, ajustes diretos, negociações particulares não são aspetos que mereçam a

aprovação do Partido Socialista e, penso, da maioria dos portugueses.

Aquilo que gostávamos era que estes processos fossem suspensos, reapreciados e que tivéssemos

verdadeiros concursos públicos internacionais, com regras claras, transparentes, rigorosas, com adequada

fiscalização e acompanhamento.

Sr.ª Presidente, Caras e Caros Deputados, não queremos mais exemplos como o da Cimpor. Tivemos

muitas e muitas promessas e o que temos é uma grande empresa portuguesa a ser completamente

desmantelada e com a declaração do Professor António Borges, que fica para a história, que dizia que

Portugal não tinha dimensão para ter uma empresa como a Cimpor.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Paulo Figueiredo (PS): — Termino colocando a seguinte questão à Sr.ª Deputada Ana Drago:

com esta trapalhada do Governo, com esta falta de transparência, não acha que corremos riscos de

transformar a TAP e a ANA e outras empresas em novas Cimpor?

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente: — Pedia aos Srs. Deputados que fossem mais breves nas perguntas porque estão

quase a chegar ao dobro do tempo. Embora haja alguma compreensão da Mesa, porque é preciso acabar os

raciocínios, peço-lhes cuidado com o uso do tempo.

Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Rui Paulo Figueiredo, agradeço as questões que

me colocou.

É certo que, hoje de manhã, na Comissão de Economia foram aprovados requerimentos apresentados pelo

Partido Socialista, no sentido de serem ouvidas diferentes entidades no âmbito destes processos. Mas eu

queria avisar o Partido Socialista, deixe-me dizer-lhe com toda a amizade, para não sossegar com este

conjunto de audições que vamos ter. Isto porque toda a atuação do Governo no âmbito do Conselho de

Ministros e todas as decisões que têm vindo a ser tomadas pautam-se por esta ideia: há uma urgência e

«custe o que custar» estes negócios vão ser feitos, e vão ser feitos, aparentemente, com compradores que já

estão bem determinados, à partida. Portanto, há contratos, há cadernos de encargo que, aparentemente, são

um «fato feito à medida» e lá dentro cabe uma determinada entidade, uma determinada empresa, um

determinado investidor.

Mas mais do que isso, Sr. Deputado: eu não creio que, no momento atual que vivemos na economia

portuguesa, possamos olhar para ativos tão importantes como a ANA e a TAP e tratar este processo como se

fosse apenas um processo atribulado de privatização. Não! Nós estamos a falar de ativos fundamentais para

desenhar um modelo futuro para a economia portuguesa.

Quando olhamos para a ANA, sabemos que é uma empresa pública que tem um historial de mérito, que

contribui para as receitas do Estado, que é uma empresa lucrativa que presta um bom serviço e que é

determinante para investimentos futuros em Portugal e para setores estratégicos da nossa economia,

nomeadamente na área do turismo.

Da mesma maneira, olhamos para a TAP e sabemos que é um instrumento fundamental.

Ora, o que eu acho que o Governo nunca quis responder neste processo é ao seguinte: alienando a TAP

para mãos e para interesses estrangeiros, se houver um desinteresse ou um falhanço da TAP no futuro, quais

são as possibilidades de o Estado português ter qualquer tipo de iniciativa para lançar, de novo, qualquer

estratégia de desenvolvimento da economia nacional, nomeadamente do setor do turismo, sem ter esse

instrumento estratégico, que é a TAP?

Eu acho que é para isso que temos de olhar. Nós não podemos olhar para os processos de privatização

como histórias anedóticas e pouco transparentes, como são tratadas por parte deste Governo. Não! Nós

temos de olhar para as privatizações enquanto mecanismos que estão a alienar da parte do Estado, do

interesse público, da gestão democrática dos cidadãos instrumentos fundamentais de inventar um futuro

económico diferente desta crise.

É por isso que não podemos persistir nesta estratégia de vender não os «anéis» mas os próprios «dedos».

Colocamos Portugal na situação de não ter qualquer capacidade, no futuro, de desenhar uma política

económica anticíclica. Isso é o que nos preocupa e é essa a posição do Bloco de Esquerda. Não se podem

alienar ativos estratégicos para o incentivo à economia nacional.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Deputado, sobre a questão da transparência, creio que com o PSD vou ter

oportunidade de ter uma conversinha.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, o Governo anunciou ontem o

modelo de concessão à ANA da gestão do sistema aeroportuário nacional. No essencial, a concessão

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atribuída à ANA — Aeroportos de Portugal, é por 50 anos com a possibilidade da sua extensão para mais

tempo, no caso da construção do novo aeroporto.

Se pensarmos que só nos últimos 10 anos a ANA suportou 1277 milhões de euros de investimento público

nos aeroportos nacionais e se pensarmos nas implicações para o desenvolvimento turístico de uma errada

política de taxas, ficam por demais evidenciados os riscos e as verbas envolvidos nesta concessão.

Temos assistido, quer em relação à ANA — Aeroportos de Portugal, quer em relação à TAP, a uma

tentativa de políticas de factos consumados em que procuram apontar como inevitável que, primeiro,

tenhamos que vender os «anéis», depois tenhamos que vender os «dedos», depois vendemos os «braços» e

a seguir vendemos as «próteses»…! Nós dizemos que não é inevitável esse caminho. Esse é o caminho da

desgraça, da destruição, é o caminho do definhamento e do afundamento do País.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Assistimos, nos últimos tempos, a uma impressionante campanha de charme

de um senhor empresário, que é boliviano, que é brasileiro, que é colombiano e que é polaco — mais

recentemente é polaco. São campanhas semelhantes àquelas que tivemos há anos e que apresentavam um

futuro radioso da TAP na Swissair ou àquelas que tivemos há pouco tempo e que apresentavam um futuro

radioso da British Airways na Ibéria. E bem sabemos os resultados dessas opções!

Ora, aquilo o Grupo Parlamentar do PCP trouxe a esta Assembleia, bem recentemente, foi a oportunidade

de ser travado este processo ruinoso para o País, para as nossas comunidades no estrangeiro, para as

nossas regiões autónomas, para a nossa economia nacional em relação a estes setores e empresas

estratégicas para o nosso futuro.

Continuando a acreditar que é possível, que é necessário e que é urgente travar este processo, mais do

que discutir se é melhor assim, se é mais além ou se é mais aqui, como o PS quer, porque, no essencial, está

de acordo com a maioria sobre a privatização, embora discorde dos seus métodos, aquilo que nós queremos

aqui trazer, enquanto pergunta, à Sr.ª Deputada é se considera ou não, tal como nós consideramos, que há

cada vez mais razões para combater e travar as privatizações, se concorda connosco que há razões, que há

urgência e que há condições para travar este combate, porque esta política há de ser derrotada pela

população e pelos trabalhadores.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, há um momento em que olhamos

para a atuação do Governo, com quase dois anos de governação, e há uma estranheza: olhamos para os

diferentes ministros, secretários de Estado, olhamos para os diferentes negócios que foram feitos, e

entendemos que não temos um Governo, temos, isso sim, mais ou menos uma comissão liquidatária. Olham

para qualquer ativo que exista no Estado português, para qualquer ativo que tenha feito investimento, que

tenha sido pago pelo dinheiro dos contribuintes, e conseguem fazer negócios absolutamente extraordinários

em tempo recorde.

De facto, eu creio mesmo que há hoje uma injustiça no panorama internacional. Falava-se dos «negócios

da China». Não, não são os negócios da China; são os negócios de Portugal, é aqui que eles acontecem.

Veja o caso do BPN, esse extraordinário negócio: os portugueses meteram mais de 5000 milhões — já

nem sei muito bem quanto dinheiro dos contribuintes foi aí metido!? — e o Governo português conseguiu

vender a um grupo liderado por um ex-ministro de um Governo do PSD por menos de 1% do dinheiro que lá

foi metido pelos contribuintes!…

Achávamos nós que isto era irrepetível, que não era possível gerir tão mal a coisa pública e, enfim, não ter

alguma vergonha na cara. Mas não! Aparece o negócio da TAP que é, de facto, um negócio absolutamente

extraordinário. Há este agradecimento que é feito a este empresário multinacional pelo passaporte,

supostamente amortiza a dívida da TAP, mas nunca se fala desta coisa extraordinária: é que fica com o ativo,

fica com as rotas da TAP, fica com a sua potencialidade, fica com a sua credibilidade no espaço internacional

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e deixa esta gorjeta extraordinária de 20 milhões, ou seja, metade do valor pelo qual foi vendido o BPN ao

Eng.º Mira Amaral!

Sr. Deputado, eu acho que há momentos em que nós, se calhar, devíamos perguntar a quem sabe, a quem

está por dentro das coisas, a quem conhece bem os negócios. Esta estranheza de termos a mesma sociedade

de advogados, onde está presente, mais uma vez, um ex-ministro do PSD, que, de um lado, está do lado do

que é vendido da TAP a conhecer os ativos da TAP e no negócio da ANA está do lado do comprador… É

absolutamente extraordinário como nós não temos verdadeiramente um Governo; temos uma comissão

liquidatária de todos os instrumentos estratégicos de alteração da política económica. É esse o nome deste

Governo.

Este Governo quer vender ao desbarato — vender ao desbarato e o mais rapidamente possível para

mascarar o buraco do défice, sem ter um pingo de vergonha ou qualquer tipo de responsabilidade em relação

ao futuro económico do nosso País.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Batista Santos.

O Sr. Paulo Batista Santos (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, de facto, tem sido, diria

mesmo, um momento único parlamentar assistir a esta verdadeira disputa para ver quem está mais à

esquerda. É o PS a fazer de conta que é contra as privatizações, é, honra lhes seja feita, as bancadas mais à

esquerda a serem coerentes com as posições que têm assumido no passado. Mas o PS, de facto, neste

momento, faz um exercício político, que não é uma trapalhada, é uma grande cambalhota!

Srs. Deputados, onde VV. Ex.as

veem negociatas, onde VV. Ex.as

veem nuvens de fumo, nós vemos um

programa internacional subscrito por aqueles senhores, do PS, onde assumem o compromisso de privatizarem

a ANA e a TAP até ao final de 2011. E privatizar, em Portugal, significa transferir do domínio público para o

domínio privado.

Ora, é isso que este Governo está a fazer com toda a transparência e com dados conhecidos não deste

ano, Sr.ª Deputada, é com dados conhecidos desde o Programa Estratégico dos Transportes, é com dados

conhecidos desde a resolução do Conselho de Ministros, de agosto deste ano relativamente à TAP, com

dados conhecidos e transmitidos ao Tribunal de Contas.

Mas vamos por partes, Sr.ª Deputada.

V. Ex.ª construiu aqui uma narrativa onde disse que as privatizações são um mal para esta sociedade,

onde disse que estamos a «vender os anéis» e até, nas palavras do Sr. Deputado Bruno Dias, já nem os

«anéis» falta vender. Bom, mas não fomos nós que trouxemos Portugal a esta situação. Na nossa visão, as

privatizações significam muito mais do que isso; significam a possibilidade de os portugueses, no futuro,

pagarem menos impostos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É falso!

O Sr. Paulo Batista Santos (PSD): — É essa a nossa obrigação! As privatizações significam, sobretudo,

capitalizar empresas que hoje vivem situações de dificuldade, significa, sobretudo, manter interesses

estratégicos nacionais em empresas competitivas no quadro internacional.

A pergunta concreta que formulo muito diretamente a V. Ex.ª, cumprindo o tempo que me está confinado, é

a seguinte: não considera menos transparente, eventualmente falta de isenção, nestes contratos públicos,

nestes concursos públicos internacionais — que o PS quer criar aqui uma nova figura —, não inscrever no

decreto-lei das privatizações ou no caderno de encargos, que foi aprovado para a TAP em resolução do

Conselho de Ministros, porventura, os interesses estratégicos nacionais, nomeadamente as ligações regionais,

a manutenção do hub em Lisboa, o assegurar a manutenção dos postos de trabalho, a possibilidade de o

Estado, a todo o momento, poder reverter aquele processo de privatização para o domínio público? Isto é

clareza, Sr.ª Deputada! Não há outro nome: clareza! Clareza é remeter toda a documentação, como ontem

anunciou o Governo, para o Tribunal de Contas. Clareza é vir ao Parlamento várias vezes, como veio a Sr.ª

Secretária de Estado do Tesouro.

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Vozes do PSD — Muito bem!

O Sr. Paulo Batista Santos (PSD): — Não vejo outra interpretação. Só V. Ex.ª, a vossa criatividade e,

seguramente, os vossos ideais podem interpretar de outra forma.

Convido, de uma vez por todas, o Partido Socialista — e aproveito esta oportunidade — a ter uma posição

séria e responsável face ao que assinou.

Não é compaginável hoje de manhã querer suspender a privatização da ANA,…

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Batista Santos (PSD): — … não é compaginável hoje de manhã querer suspender a

privatização da TAP e, simultaneamente, querer participar no processo de reprivatização.

Esclareçam, de uma vez por todas, os portugueses e esta Câmara.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Paulo Batista Santos, deixe-me dizer-lhe, com

toda a clareza: eu respeito muito quem muda de opinião; o que eu não consigo entender é pessoas que dizem

uma coisa e o seu contrário, tentando utilizar exatamente os mesmos argumentos.

Apresentou o Governo sempre a ideia de que era necessário privatizar as componentes do setor

empresarial do Estado que dessem prejuízos.

Bom, tropeçamos desde já aqui numa coisa, que, Sr. Deputado, certamente não é menor: chama-se ANA

— Aeroportos de Portugal, que, como o Sr. Deputado sabe, dá lucro, é bem gerida, é uma das melhores

empresas portuguesas, faz uma coisa que eu ia jurar que o Sr. Deputado tinha dito aqui que o seu Governo

dizia, que é a consolidação das finanças públicas, é boa para o erário púbico, presta um bom serviço público

e, ainda, dá lucro. Logo, o que faz o Estado? Entende vender a ANA, entende vender um bom negócio,

criando aqui uma coisa absolutamente extraordinária — e eu estava à espera, poderia ser um engano meu!,

que o Sr. Deputado viesse aqui repor a verdade —: Vítor Gaspar coloca dinheiro na ANA, a ANA vende o seu

contrato de concessão, compra o seu contrato de concessão, o dinheiro entra… Há aqui uma maquilhagem do

défice orçamental deste ano que em nada defende o interesse público.

Mas, depois, há aspetos do processo que parecem quase de caricatura que o Sr. Deputado também não

esclareceu e, se calhar, o Sr. Deputado não sabe — se calhar, devíamos convocar o ex-ministro Arnaut para

que nos pudesse explicar, porque é um homem que o senhor bem conhece e que nos poderá elucidar.

Como é que acontece esta coisa extraordinária: tanta transparência, tanta transparência que no dia em que

o Conselho de Ministros aprova o caderno de encargos escolhe automaticamente o comprador. Eu nunca

tinha visto isso! Acho que nunca aconteceu em nenhum país da Europa. Talvez num país da África subsariana

isto possa acontecer, mas aqui, nas democracias ocidentais, isso não acontece!

Segundo facto que o Sr. Deputado não consegue explicar: havia propostas não vinculativas para um

contrato de concessão da ANA, que só hoje é conhecido, e, agora, quem quer comprar tem 48 horas para

estudar.

Sr. Deputado, estes são investidores com um grau de generosidade que se apresentam para comprar uma

coisa que, afinal, nem sabem exatamente o que é.

Tudo isto está muito mal explicado, Sr. Deputado, muito mal explicado! E o que se percebe daqui é que no

fim de contas, como dizia Marcelo Rebelo de Sousa, «é o negócio da vida deste investidor estrangeiro», mas

não é o negócio da vida do Governo português. Como é que a TAP vale 700 milhões de euros e o Governo

aceita 20 milhões, como uma gorjeta no negócio?

Mas mais do que isso, e vou ser justa com a bancada do PSD: o que é estranho, neste debate, é este

silêncio ensurdecedor do CDS que, nos debates estratégicos, numa companhia de bandeira como é a TAP,

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finge de «gato morto» no debate parlamentar sobre uma das questões determinantes para o futuro da

economia portuguesa.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Era bom que os senhores assumissem aqui, no Plenário da Assembleia da

República, a vossa responsabilidade na alienação dos maiores patrimónios que a economia portuguesa tem.

Aplausos do BE.

Protestos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Os tempos de profunda crise que o

País atravessa deveriam exigir dos decisores um forte empenhamento em estabelecer compromissos para a

solução dos problemas nacionais, pela necessidade da aceitação popular das medidas mais difíceis, a paz

social daí decorrente, a desejável eficácia das soluções e a sua indispensável estabilidade num ciclo político

de amplitude mais vasta do que o Governo e a atual maioria podem oferecer ao País.

Nenhuma destas preocupações se tem mostrado consequente na agenda do Governo. A começar nos

procedimentos de revisão sucessiva e unilateral do Memorando de Entendimento, comprometendo as

condições da coesão social de forma drástica e já com danos bem à vista de todos. A continuar com as

drásticas medidas de austeridade definidas no Orçamento do Estado para 2013, tomadas à margem de

qualquer entendimento em sede de concertação social. A persistir com o processo precipitado de

privatizações, com total evidência nos casos da TAP, da ANA ou da RTP.

Aplausos do PS.

O processo corre à medida das pressas do Governo e à margem das mais elementares exigências de

transparência. Privatizações em mau momento, a preços questionáveis, levadas a cabo por um Governo cuja

preocupação se sintetiza na obsessão de regressar aos mercados seja qual for o estado da economia e a

situação social dos portugueses, são o prelúdio do enfraquecimento do Estado e da sua capacidade operativa

para influenciar o destino real da economia.

Aplausos do PS.

Para um Governo que confunde delapidação e empobrecimento interno com competitividade externa, esta

política tem um nome: é uma política predadora dos interesses nacionais. Impõe-se, por isso, e com urgência,

atalhar os seus efeitos mais danosos. De imediato, impõe-se suspender os processos de privatização, dar

plena concretização ao disposto na Lei Quadro das Privatizações e estabelecer os critérios e as condições de

defesa dos interesses estratégicos do País. Estabelecê-los através de um processo político aberto — como o

PS propôs com as audições a realizar — na discussão dos melhores termos para defender o interesse

nacional, nomeadamente em relação aos ativos que devem ser protegidos da fúria privatizadora.

À medida que o Governo teima em hipotecar o futuro pelo desmantelamento, um após outro, dos grandes

projetos de modernização da economia e da sociedade é o País que empobrece. E que empobrece através de

um retrocesso com consequências imprevisíveis no nível de vida das novas gerações. Pelo presente caminho,

este Governo ficará responsável, em Portugal, por um retrocesso de civilização — da civilização social, cultural

e democrática até hoje levada a cabo pelo regime democrático.

Aplausos do PS.

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É, precisamente, esse retrocesso que está em marcha com a anunciada privatização da RTP. Os

malefícios da má política são arrasadores.

Primeiro, os prejuízos financeiros decorrentes da rejeição do PEC 4 e que implicaram o agravamento do

peso da dívida da televisão pública, até aí prudentemente controlada e sustentada através de uma gestão ano

a ano executada com resultados operacionais positivos.

Depois, a deriva das afirmações e desmentidos sobre o futuro da RTP, conducentes, todos eles, a uma

sucessiva perda de influência e do prestígio do espaço comunicacional do serviço público, tanto dentro como

fora do País.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Em consequência, o abandono de projetos inovadores, já em marcha, como

eram o caso do canal audiovisual da música portuguesa ou da plataforma dos mundos de língua portuguesa,

visando o reforço das condições de divulgação e promoção dos criadores de língua portuguesa e o estreitar

em rede dos órgãos e fontes de informação junto das comunidades da diáspora.

Mais recentemente, o indisfarçável escândalo patenteado pela voz de um diretor de informação da RTP, ao

denunciar, na Assembleia da República, a intromissão do poder administrativo no espaço de independência

editorial do serviço público. E, assim, na sequência das alterações ocorridas no Conselho de Administração,

elas próprias derivadas da convulsão interna em que a RTP passou a viver sob as desorientações tutelares do

atual Governo. Essas desorientações não são apenas o resultado de uma política de desnorte. São, acima de

tudo, a expressão, cada vez mais visível, do «golpe de mão», na expressão do jornalista Nuno Santos, que o

Governo prepara no assalto final ao serviço público de rádio e televisão.

Aplausos do PS.

Não se enganem os incautos. O que está em causa não são medidas de contenção financeira. Aliás, as

medidas de antecipação de pagamento da dívida da RTP, totalmente à custa dos contribuintes, outro objetivo

não visaram que preparar um ato de privatização favorável aos interesses dos particulares.

O que está em causa é o propósito, indisfarçável, de subtrair à comunidade nacional o direito a dispor de

um espaço de rádio e televisão pautado por critérios de independência, de pluralismo, de promoção dos

valores fundamentais da cultura portuguesa, com qualidade e no respeito pela diversidade e pluralismo

democráticos.

O que está em causa é a tentativa de forçar a transferência, para aparelhos privados de controlo

ideológico, da influência que o conservadorismo político até hoje não alcançou garantir, de forma perene, na

esfera pública da comunicação social.

Mas há um «mas», um grande «mas» que se chama Constituição da República Portuguesa. Segundo ela,

ao Estado cumpre assegurar a existência — a existência e não apenas o funcionamento — e o funcionamento

— o funcionamento e não apenas a existência — de um serviço público de rádio e televisão.

Salta, portanto, à vista que uma tentativa de privatização da RTP é um ato impossível e que a tentativa de

privatização parcial é um ato hipócrita que só esconde um propósito: pôr nas mãos de particulares, e de uma

forma mais barata ou ao desbarato para os interessados, a gestão do serviço público.

Há, no entanto, mais um problema. Concessionar a um particular a gestão de um serviço público é — seja

qual for o caderno de encargos — transferir esse exato serviço para o setor privado da economia. Mas é o que

— e bem — a Constituição não deixa que se faça com a RTP. Concessionar a gestão para particular é

transferir a gestão do setor público para o setor privado. Ora, nos termos constitucionais, a atribuição do

funcionamento de canais de rádio e televisão a particular só pode ocorrer mediante licença a atribuir por

concurso público e de mais nenhuma outra forma.

Neste cenário, o mais provável de quantos até agora foram anunciados, o Governo incorreria em

inconstitucionalidades grosseiras que, no conjunto, bem se podem denominar de verdadeira fraude à

Constituição.

Aplausos do PS.

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Pelo que, em conclusão, Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, uma só atitude política se impõe: em nome do

interesse nacional e na defesa dos valores mais sensíveis da sociedade democrática, suspender de imediato

os processos de privatização em curso. Não o fazer gera, além de mais, uma ilegalidade inultrapassável — a

ilegalidade que decorre do incumprimento do artigo 27.º-A da Lei Quadro das Privatizações, o qual, em nome

da «salvaguarda dos interesses estratégicos nacionais», determina ao Governo que estabeleça em 90 dias —

e já lá vai mais de um ano sem o fazer — «o regime extraordinário para salvaguarda de ativos estratégicos em

sectores fundamentais para o interesse nacional…». Sem esse regime estabelecido, democraticamente

debatido e controlado — como o PS propõe nas audições requeridas —, o que assistimos é ao insuportável

risco de delapidação dos recursos nacionais.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Mas há outro desígnio com bem maior nobreza: a da ambição de que o País

não abdique de um Estado capaz de se empenhar na promoção de uma economia em crescimento, de uma

sociedade de progresso, de uma vida justa. Dessa ambição não abdicaremos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado Jorge Lacão, é hábito da Mesa não interromper as declarações

políticas, mas hoje o Sr. Deputado prolongou razoavelmente a declaração que fez.

Passo a indicar os Deputados que estão inscritos para pedir esclarecimentos: Bruno Dias, do PCP, Carla

Rodrigues, do PSD, e Cecília Honório, do BE.

Sr. Deputado Jorge Lacão, como pretende responder?

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Um a um, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.

Sr. Deputado Bruno Dias, tem a palavra.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, pretendo abordar com mais

detalhe as questões que suscitou na sua intervenção quanto à RTP e à situação que se está a viver no serviço

público de rádio e televisão, que, aliás, já designámos — e que se confirma atualmente — como uma espécie

de estado de sítio não declarado. Isto porque a legalidade não está a passar por ali.

Mas, antes de entrar no cerne da questão, há uma pergunta concreta que gostava de colocar: o PS

concorda ou não com a privatização da RTP e da ANA, mesmo que em moldes diferentes?

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Batista Santos (PSD): — Boa pergunta!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Esta é uma pergunta que tem de ser respondida, porque nós somos contra as

privatizações e é importante que haja uma convergência de todas as forças que defendem o interesse

nacional quanto a esta matéria.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas há um problema muito grave sobre a RTP que se coloca hoje à

Assembleia da República, que é o das condições deste órgão de soberania para o exercício das suas funções

a partir do momento em que uma comissão parlamentar convoca um cidadão para nela ser ouvido e as suas

palavras originarem, no dia seguinte, um processo disciplinar…

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … e por esse «delito», o de ter respondido na comissão parlamentar às

perguntas dos Deputados, haver uma estação pública que, para dar o exemplo a todos os outros que cá

venham — e temos reuniões marcadas na comissão parlamentar —, levantou um processo disciplinar a quem

veio aqui responder às perguntas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — A questão que se coloca ao Parlamento, Srs. Deputados, é a das condições

em que vamos reunir com quem vem aqui responder às nossas perguntas sem qualquer garantia quanto

àquilo que lhe pode estar reservado no futuro, quanto a futuros processos disciplinares e ameaças que

impendam sobre eles.

E, de facto, a RTP está a ser «colonizada» pelo Ministro Miguel Relvas e pelo Governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claramente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O Governo está a deixar a sua marca indelével nestes sucessivos casos, cada

um mais escandaloso do que o outro. Temos esta espécie de exame prévio obrigatório para decisões da

Direção de Informação, que são, agora, transformadas em pedidos de autorização à administração da

empresa, para o envio de equipas de reportagem, para destacar enviados especiais, para colocar operações

de cobertura noticiosa a acontecimentos; temos um diretor de informação que é convidado a demitir-se na

sequência de acontecimentos que se dão na sua ausência; temos uma situação da maior gravidade

relativamente à qual estamos em expectativa sobre o que possa vir a acontecer aos profissionais desta Casa,

que estarão, agora, por estes dias, a ser convocados pela administração, para tomarem conhecimento de que

as delegações da rádio vão ser extintas, em vários distritos do País.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Peço desculpa, Sr.ª Presidente, vou terminar, chamando a atenção para a

responsabilidade inelutável e incontornável do Governo, que não é uma tutela para privatizações, é uma tutela

política sobre uma empresa onde a legalidade tem de imperar e ser respeitada.

Propusemos que se convocasse o Sr. Ministro para vir à comissão e a maioria, mais uma vez, exerceu o

seu veto. Perguntamos qual é a postura que é preciso exigir, da parte de um Governo e de uma maioria, onde,

notoriamente, a marca indelével da privatização custe o que custar está, todos os dias, a ceifar a legalidade e

a própria Constituição.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr.ª Presidente, em primeiro lugar, agradeço a sua benevolência relativamente

ao tempo que usei na minha declaração política.

Respondendo ao Sr. Deputado Bruno Dias, em matéria de privatização da ANA e da TAP, tal como tive

ocasião de dizer, para o PS, o que é, desde logo, fundamental é que se cumpra a lei, e não apenas a letra

mas o espírito da lei. Refiro-me, particularmente, à lei de enquadramento orçamental, que determina que o

Governo estabeleça, e cito, «a salvaguarda dos ativos estratégicos em setores fundamentais para o interesse

nacional». Esta cominação ao Governo foi estabelecida pelo prazo de 90 dias no ano de 2011, já passou mais

de um ano, mas o Governo não concretizou esta cominação legal. Em consequência, tudo aquilo que o

Governo faça é inevitavelmente carecido de transparência, porque o Governo não soube decidir, previamente,

nomeadamente com a participação da Assembleia da República, quais os critérios para a salvaguarda dos

interesses estratégicos nacionais.

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Em relação à RTP, sem qualquer sombra de dúvida, o Partido Socialista é completamente contrário à

privatização da RTP e, além de mais, pelas alegações que tive ocasião de fazer, considera-a completamente

inconstitucional, seja na modalidade de privatização direta, seja na modalidade de concessão, que é outra

forma enviesada de atribuição a particulares do exercício de canais de rádio e televisão, o que, para efeitos

constitucionais, apesar da solução envergonhada, vem a dar no mesmo.

Quanto àquilo que qualificou como o estado de sítio que, atualmente, se vive na RTP, Sr. Deputado Bruno

Dias, não tenho qualquer hesitação em afirmar o que vou afirmar, tanto mais que conheço as

responsabilidades da tutela governamental no setor, por eu próprio ter tido ocasião de as assumir no passado.

E o que lhe quero dizer é que se, na RTP, alguém, hoje, merece um processo disciplinar é o Conselho de

Administração da RTP,…

Aplausos do PS.

… porque produzir uma ordem de serviços que, na prática, condiciona à fiscalização prévia as condições

operacionais do exercício da liberdade editorial na RTP é um seriíssimo constrangimento à liberdade de

informação.

Quando o Diretor de Informação, na Assembleia da República, denuncia esta situação, se alguma coisa ele

não merece é um processo disciplinar,…

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): — … se alguma coisa ele merece é o nosso reconhecimento pela coragem e pela

frontalidade de ter denunciado um atentado à liberdade do serviço público de televisão no nosso País.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Rodrigues,

do PSD.

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, depois da sua intervenção,

apetece-me perguntar-lhe quem foi o Governo que fez mais privatizações em Portugal.

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Apetece-me perguntar-lhe se estava ou não nos planos do seu Governo

continuar com esse processo de privatizações.

Apetece-me perguntar-lhe como é possível, não obstante esse número de privatizações, o Governo do

Partido Socialista ter aumentado da forma exponencial como aumentou a dívida pública portuguesa.

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Trazem-nos aqui, novamente, o assunto da RTP e, desta vez, o assunto

é-nos trazido por um Deputado que teve especiais responsabilidades nesta matéria, porque foi ministro da

tutela.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — É preciso lembrar isso!

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — E, por ter tido especiais responsabilidades nesta matéria, deixe-me que

lhe diga, tem também uma especial responsabilidade na situação em que a empresa se encontra. Isto deveria

ter-lhe dado um cuidado acrescido no tratamento deste assunto, mas não foi isso que aqui vimos.

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!

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A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — A RTP é sucessivamente usada pela oposição como arma de

arremesso, como instrumento de combate político-partidário.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É usada é pelo Governo!

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Lamentamos que isso aconteça, porque essa utilização abusiva da RTP

apenas contribui para uma maior instabilidade dentro da empresa, para uma maior instabilidade junto dos

trabalhadores da empresa.

Risos do PS.

Lamentamos, porque a empresa deveria merecer maior respeito, por parte do Partido Socialista.

Sr. Deputado, o assunto que nos trouxe aqui, das privatizações, concretamente da privatização da RTP, é

um assunto que, efetivamente, não é pacífico na sociedade portuguesa, mas também não é pacífico dentro do

próprio PS. Ouvimos hoje, aqui, o Sr. Deputado dizer que o PS é contra a privatização da RTP, mas o senhor

não poderia dizer isso quando estava no Governo, porque, nessa altura, importantíssimas figuras do seu

Governo manifestavam-se a favor da privatização da RTP.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Bem lembrado!

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Portanto, não sei se esse assunto será assim tão pacífico dentro do PS,

porque uma coisa é o PS quando está no Governo, outra coisa é o PS quando está na oposição.

Aplausos do PSD.

Quero apenas dizer-lhe, Sr. Deputado, que não contribuiremos para este ruído em torno da RTP, não

contribuiremos para a fragilização da empresa e para a instabilidade dentro da empresa. Queremos contribuir,

isso, sim, para a solução do problema da RTP e o senhor, pela especial responsabilidade que teve, sabe que

é preciso encontrar uma solução.

O PSD está apostado em dar o seu contributo positivo para essa solução, em defesa da empresa, em

defesa da sua estabilidade e em defesa dos seus trabalhadores. É nisto que estamos apostados!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Carla Rodrigues, eu é que devo devolver-lhe

uma pergunta, se me permite: por que é que a senhora não aproveitou para explicar à Câmara a razão pela

qual, volvido mais de um ano sobre a cominação estabelecida na lei — e, suponho, com os vossos próprios

votos — para que o Governo definisse as condições de defesa e salvaguarda do interesse estratégico nacional

em matéria de ativos fundamentais para a nossa economia, o Governo, até hoje, não o fez,…

O Sr. Mota Andrade (PS): — Bem lembrado!

O Sr. Jorge Lacão (PS): — … antes de encetar um processo de privatizações, numa área absolutamente

vital para a defesa dos interesses de Portugal?!

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Esta é a pergunta à qual a Sr.ª Deputada ou a sua bancada devem responder,

porque é ela que condiciona a transparência, o critério de seleção dos interesses estratégicos, as condições

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operativas do concurso, tudo aquilo em relação ao qual o PS quer obter respostas, antes de uma decisão

precipitada que comprometa, irreversivelmente, os interesses nacionais.

Aplausos do PS.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Responda às perguntas!

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Quanto à questão da RTP e àquilo que se passa, internamente, na RTP, Sr.ª

Deputada, há um valor, em matéria de serviço público, que é superior a todos os outros: o valor da

independência, da autonomia editorial e do pluralismo democrático na maneira como a informação é exercida.

Aplausos do PS.

E aquilo que está em causa é que os responsáveis atuais da RTP, com a conivência manifesta da tutela,

têm hipotecado a credibilidade que a RTP tinha granjeado, em matéria de independência da sua atitude e do

seu serviço de informação.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Podíamos falar da TVI!

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Se não fosse assim, um diretor de informação não chegaria à Assembleia da

República e diria «estou a ser alvo de um saneamento político, em consequência do descontentamento de

setores do Governo pela prática da independência no exercício da informação».

Aplausos do PS.

Finalmente, quando a Sr.ª Deputada me pergunta se, no Partido Socialista, há alguma hesitação em

relação a sermos contrários à privatização da RTP, porque, eventualmente, no passado, não sei o quê,…

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Costa Pina, Teixeira dos Santos…

O Sr. Jorge Lacão (PS): — … a Sr.ª Deputada não sofre de má memória e recorda-se que está a fazer a

pergunta, precisamente, ao responsável, no passado, no Governo do Partido Socialista, pela tutela sobre a

RTP. E o que este responsável sempre disse, de forma clara, inequívoca, sem a mínima hesitação, em nome

do Governo, foi que o PS, no Governo, como agora, era contra a privatização da RTP.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório, do Bloco

de Esquerda.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, antes de mais, quero

cumprimentá-lo pela sua declaração política.

Não vou aqui recordar a história dos Governos do Partido Socialista nas privatizações, em Portugal, desde

o 25 de Abril,…

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Recorde, recorde!

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — … mas registamos, com muito agrado, esta mudança de rumo e retemos

as suas palavras, quando diz que esta política de privatizações é de um Estado que desiste de ter um papel

ativo na economia e que esta estratégia de privatizações é verdadeiramente perdedora. Portanto, há aqui uma

mudança de rumo que é, verdadeiramente, de assinalar.

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Com o mesmo agrado, registamos e podemos confirmar que o Partido Socialista nos diz hoje que nem este

modelo de privatização da RTP nem nenhum outro. E apelo a que confirme se é isto mesmo que o Partido

Socialista quer dizer aos portugueses e à Assembleia da República.

Mas quero, ainda, questioná-lo sobre o «filme de terror» que se vive no interior da RTP, quando a tutela

assobia para o lado ou anda perdida no combate autárquico, quando o Presidente do Conselho de

Administração da RTP faz umas viagens, piscando o olho aos capitais que bem sabemos quais são — é

evidente que a RTP é um apetite para capitais angolanos, enfim, um país onde bem sabemos o que é a

liberdade de expressão! —, e quando está anunciada uma decisão sobre o futuro da RTP para dezembro, mas

continuamos sem saber, exatamente, qual o filme ainda mais sinistro que aí vem.

Como se tudo isto não bastasse, temos ouvido, em comissão, toda a denúncia de uma instabilidade sem

nome e sem precedentes, relativamente à qual quero que confirme se a considera como um perigoso ataque à

democracia, aos compromissos de uma estação pública e à sua independência.

Tivemos denúncias de saneamento político e temos, evidentemente, o testemunho ainda mais perturbador

de que alguém que vem fazer um esclarecimento a esta Casa, que tem a responsabilidade de vir à comissão,

ser ouvido por Deputados e Deputadas, e manifesta essa disponibilidade para esclarecer a verdade dos

factos, é punido por esse mesmo esclarecimento. Por isso, Sr. Deputado, a questão é mesmo essa e é uma

responsabilidade que se impõe a todos e a todas nós.

Há um ataque brutal à RTP, esse ataque significa um recuo na democracia, com o qual, evidentemente,

não podemos pactuar.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado Jorge Lacão, tem a palavra para responder.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Honório, creio que, numa visão serena

das coisas, o tema geral das privatizações deveria convocar-nos para uma meditação significativa sobre o

modo como o Estado pode ou não, operacionalmente, ter um papel, também ele, motor no desenvolvimento

da economia portuguesa, porque não podemos perder de vista que somos, pela dimensão do País, uma

pequena economia no quadro da economia globalizada.

Isso deveria convocar a nossa preocupação para nos perguntarmos em que medida é que, por um lado, o

esforço do Estado — portanto, do setor público da economia — e, por outro lado, o esforço dos particulares

poderiam concorrer no mesmo sentido, o sentido de alavancar os fatores de desenvolvimento e de

modernização da economia portuguesa. Todavia, o problema a que estamos a assistir é que, para o atual

Governo, na sua lógica de Estado mínimo, esta preocupação é completamente inexistente.

Portanto, o que este Governo quer, privatizando à pressa e a todo o custo, é apenas encaixar

financeiramente algumas verbas no seu esforço exclusivo de combate ao défice ou à dívida.

Esse esforço é sempre indispensável — sabemo-lo bem —, mas temos de compreender que se o Estado

for despojado da sua capacidade operativa de ter uma palavra relevante, inclusive em termos de parceria com

o setor privado da economia, Portugal ficará mais desamparado numa competitividade internacional, o que só

criará condições negativas para o próprio desenvolvimento global do nosso País. É essa a nossa preocupação

quando dizemos ao Governo que ele tem de definir as condições prévias para salvaguardar os interesses

estratégicos nacionais, antes da concretização do processo das privatizações.

Sr.ª Deputada Cecília Honório, em relação à RTP, queria reafirmar de alguma maneira o que já disse.

Estou em sintonia com as suas preocupações.

O fundamental é sabermos se queremos, ou não, um serviço público de rádio e televisão. Acontece que a

Constituição da República Portuguesa, não revista, assume de forma inequívoca que ao Estado compete

assegurar a existência e o funcionamento do serviço público de rádio e televisão. Nestas condições, temos de

censurar vivamente a ação e a atitude do Governo, porque o Governo não se revelou capaz, até hoje, de

apresentar qualquer solução que fortaleça o serviço público, constitucionalmente previsto, de rádio e de

televisão; pelo contrário, tem vindo a criar condições progressivas para o enfraquecimento desse serviço

público e para o desmantelamento interior da própria RTP.

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É por isso que junto, neste aspeto, a minha preocupação à sua preocupação, Sr.ª Deputada. É, pois,

urgente que o ministro da tutela venha à Assembleia da República e explique, preto no branco, qual é o seu

modelo, não para virmos a estar, eventualmente, de acordo com esse modelo, mas para podermos questionar

diretamente o Governo e para lhe dizer que só há um solução possível: cumprir a Constituição!

Esse não é apenas um dever dos Deputados, esse é um dever do Governo. Se o Governo não o fizer,

estará a contribuir para mais instabilidade no serviço público. E isso, no futuro tal como agora, o PS não

deixará que venha a acontecer!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, terminado o período das declarações políticas, passamos, agora, ao

segundo ponto da ordem do dia, que consiste na apreciação conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º

104/XII (2.ª) — Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades

intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias

locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico, e do

projeto de lei n.º 317/XII (2.ª) — Altera o regime de funcionamento dos órgãos das freguesias e dos

municípios, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, e à sexta alteração à Lei n.º

2/2007, de 15 de janeiro (BE).

A proposta de lei e o projeto de lei serão apresentados, respetivamente, pelo Sr. Ministro Adjunto e dos

Assuntos Parlamentares e pela Sr.ª Deputada Helena Pinto, iniciando-se assim o debate.

Para fazer a apresentação da proposta de lei n.º 104/XII (2.ª), tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e dos

Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares (Miguel Relvas): — Sr.ª Presidente da

Assembleia da República, Sr.as

e Srs. Deputados: O Governo dá hoje mais um passo decisivo na reforma das

estruturas do poder político à escala local.

A proposta de lei das atribuições e das competências da administração local e o estatuto das entidades

intermunicipais permitirão ao Governo descentralizar competências para as áreas metropolitanas, as

comunidades intermunicipais e os municípios, permitindo que o serviço público se mantenha próximo das

pessoas mas com menos despesa.

As características municipalistas de Portugal, bem enraizadas na nossa identidade coletiva, devem ser

devidamente adaptadas ao tempo atual: precisamos de um Estado mais eficiente e menos centralista.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: — Neste eixo da reforma, e nos restantes,

atuámos sempre a pensar nos cidadãos, em diálogo aberto com todos, conscientes da dificuldade da mudança

de modelos que cristalizaram, mas com a consciência e a convicção do caminho que deve ser seguido.

Pretendemos, com esta iniciativa legislativa, alterar profundamente o modelo de gestão autárquica,

confrontados com a necessidade imperiosa de reduzir o endividamento público e de assegurar a

sustentabilidade futura deste modelo.

Em síntese, estamos perante uma mudança estrutural que visa reforçar a coesão territorial, fomentar a

cooperação entre municípios, descentralizar o Estado, reforçar a qualidade da prestação dos serviços públicos

a nível local e modernizar o aparelho administrativo.

Esta proposta de lei assenta num conjunto de princípios básicos que quero aqui destacar.

Pretendemos, desde logo, reorganizar o mapa nacional à escala supramunicipal, aprofundando os

mecanismos de descentralização do Estado.

Queremos reforçar a governação das áreas metropolitanas e das comunidades intermunicipais,

racionalizando recursos e incentivando a cooperação entre municípios.

Definimos também um quadro legal para a contratualização e a descentralização de competências entre os

vários níveis da Administração Pública.

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Reforçamos as competências próprias das juntas de freguesia, valorizando o nível de proximidade em

funções dedicadas sobretudo à conservação e manutenção.

Passará a existir um quadro de delegação legal que visa pôr fim ao relacionamento discricionário entre o

município e as respetivas juntas de freguesia.

Adequar o pessoal político às atuais exigências de contenção financeira, através de um quadro legal para a

descentralização que permita poupanças significativas de recursos públicos, é outro objetivo central desta

proposta que reforça o intermunicipalismo em Portugal.

Queremos reforçar o nível executivo das comunidades, não só para poupar recursos financeiros dos

municípios como também para dinamizar a competitividade territorial, valorizar os recursos patrimoniais e

naturais, melhorar a mobilidade e promover a coesão social do País.

Com a proposta de lei agora em debate os presidentes das câmaras municipais não perderão poder,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não?!

O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: — … mas os municípios ganham escala,

passando a ter menos pretextos para atuarem numa lógica de excessivo individualismo.

Esta reforma visa, entre outros fins, incentivar estratégias conjuntas de promoção territorial, nomeadamente

através de comissões executivas das comunidades intermunicipais que sejam verdadeiramente operacionais.

Pela nossa parte, não restam dúvidas: precisamos de plataformas supramunicipais para obter ganhos

efetivos de competitividade territorial.

Sr.as

e Srs. Deputados, nesta matéria, como em tantas outras, o nosso lema é fazer mais e melhor com

menos custos. Partindo deste princípio, também os órgãos autárquicos, à semelhança de todas as estruturas

políticas aos mais diversos níveis, não podem ficar à margem do rigor financeiro imposto pelas circunstâncias

que todos conhecemos. Este é o tempo, pois, de diminuir os cargos de nomeação política de apoio aos

vereadores das câmaras ao nível municipal.

Protestos do PCP.

Gostaria de deixar bem claro, neste contexto, que a proposta que pomos à discussão prevê a extinção de

673 cargos de adjuntos e secretários de gabinete, o que equivale a uma redução de 34% dos limites previstos

para o pessoal de apoio político nas autarquias.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O Governo tem mais do que as autarquias todas juntas!

O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: — Extinguem-se, concretamente, 259 lugares de

adjuntos de presidentes, 49 lugares de secretários de presidentes, 80 lugares de adjuntos de vereadores e

285 lugares de secretários de vereadores.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Só no Governo é que não há redução!

O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: — Prevê-se ainda a redução do número de

comunidades intermunicipais, que poderão passar das atuais 23 para 20, a partir de um trabalho que está a

envolver as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) e os municípios.

Esta profunda alteração do modelo de gestão autárquica permite uma poupança anual de cerca de 12,5

milhões de euros. Mas não cortamos por cortar: eliminamos custos para obter eficiência, queremos aperfeiçoar

as competências da administração local à escala supramunicipal.

Para o efeito, a proposta prevê a criação de 37 novos cargos remunerados de executivos intermunicipais

nas comunidades intermunicipais e nas áreas metropolitanas, que passarão a dispor de comissões executivas

permanentes, com três elementos cada, dois dos quais a tempo inteiro, em regime de exclusividade.

Atualmente, recordo, cada comunidade intermunicipal já tem um cargo remunerado, que é o de secretário-

executivo, com vencimento equivalente ao de diretor municipal. Isto para além dos membros das assembleias

intermunicipais que deixarão de existir.

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São evidentes, portanto, os ganhos em poupança de custos contidos neste eixo da reforma da

administração local, ganhos que ambicionamos potenciar também em termos de eficácia.

Sendo a competitividade do território e das cidades um dos alicerces do Portugal moderno que queremos

construir, definimos critérios legais mínimos para a escala sub-regional em benefício das populações dessas

áreas territoriais: não devem continuar a existir comunidades intermunicipais com menos de cinco municípios e

menos de 90 000 habitantes, como hoje sucede na Serra da Estrela, na Beira Interior Sul e no Pinhal Interior

Sul.

Sr.as

e Srs. Deputados, o Governo não pretende de forma alguma, muito pelo contrário, abandonar a sua

relação de proximidade com as populações. Reconhecemos e valorizamos a missão fundamental

desempenhada pelos órgãos autárquicos na oferta de serviços públicos de qualidade aos portugueses,

sabendo que integram a primeira linha de apoio a populações carenciadas, e nunca é de mais sublinhar a

importância deste reduto do Estado em tempos de crise em áreas tão essenciais como a saúde, o desporto, a

cultura, o transporte escolar e a valorização e dignificação de equipamentos educativos.

A valorização dos recursos naturais e patrimoniais não se deve simplesmente proclamar, sem

consequências práticas, daí a importância desta proposta de lei, que constitui um instrumento concreto para

resolver debilidades há muito tempo identificadas e que outros, antes de nós, deixaram por solucionar. Porque

não basta falar, é também preciso fazer, e nós fazemos!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Ramos Preto, do PS,

Paulo Sá, do PCP, e Helena Pinto, do BE. Tenho a informação, por parte da bancada do Governo, de que o

Sr. Ministro responderá em conjunto a estes pedidos de esclarecimentos.

Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Ramos Preto.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Sr.ª Presidente, o Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares referiu,

na intervenção, que um dos motivos essenciais da proposta de lei que aqui nos traz é reduzir o endividamento

público. Ora, como o Governo, até agora, nas diversas intervenções que fez, quer nos meios de comunicação

social quer aqui, no Parlamento, ainda não foi capaz de dizer quanto poupou com a extinção das freguesias

rurais, gostaria que o Sr. Ministro nos dissesse se já tem essas contas feitas e, por consequência, qual o

montante que poupou com a extinção das freguesias rurais.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Boa pergunta!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Em segundo lugar, queria perguntar ao Sr. Ministro se confirma que esta lei

vai criar e aumentar exponencialmente os cargos políticos, ao nível das áreas metropolitanas e das

comunidades intermunicipais (CIM), e qual o montante que se vai despender ao longo do ano com essa

criação.

Por último, Sr. Ministro, ainda no âmbito desta lei, pergunto se não lhe parece que é um pouco imaturo

apresentar uma proposta de lei que põe um conselho metropolitano a dar parecer obrigatório — embora não

se diga se é ou não vinculativo, mas é um parecer obrigatório — sobre matéria tributária de cada município.

Não lhe parece que isto viola o princípio da autonomia do poder local e desresponsabiliza os eleitos locais, no

quadro daquele velho e sagrado princípio de que não há taxação sem representação?

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.

O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, com esta proposta de lei, o Governo pretende

avançar com a criação das comunidades intermunicipais. Ora, nós gostaríamos de frisar aqui que estas

comunidades não resultarão de uma associação voluntária de municípios; resultarão, sim, de uma imposição

feita aos municípios, para que eles se unam.

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Vozes do PCP: — Exatamente!

O Sr. Paulo Sá (PCP): — Ou seja, temos aqui municípios federados à força. É isto que o Governo pretende

fazer.

As competências das comunidades intermunicipais resultarão da transferência de competências próprias

de municípios; ou seja, o que o Governo pretende com esta iniciativa legislativa é esvaziar os municípios das

suas competências, transferindo-as para as comunidades intermunicipais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Ministro, uma proposta desta natureza merece, obviamente, uma análise

detalhada e merece que o Governo escute as autarquias, as suas entidades representativas. Sabemos que o

Governo é avesso a isso, ao diálogo, e prefere impor as suas propostas, como está a fazer agora, por

exemplo, com o caso da extinção das freguesias.

Mesmo assim, Sr. Ministro, pergunto-lhe se o Governo irá ouvir a opinião das autarquias, das suas

associações representativas, da Associação Nacional de Municípios Portugueses, que, como o Sr. Ministro

sabe, hoje mesmo, emitiu um parecer, por enquanto preliminar, mas que é muito negativo relativamente à

proposta que o Governo apresenta.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Sá (PCP): — Uma outra pergunta, e continuando no tema das comunidades intermunicipais, é

a seguinte: Sr. Ministro, como é que o Governo pretende custear estas novas estruturas? Será através da

redução do financiamento dos municípios? Será através do despedimento dos trabalhadores da administração

local? Ou será através da criação de novos impostos de âmbito intermunicipal? Gostaríamos de ter uma

resposta clara sobre estas questões.

Para terminar, com esta e outras iniciativas legislativas, o Governo tem tentado limitar a autonomia das

autarquias locais, sujeitando-as à sua tutela. Não posso, por isso, deixar de perguntar se o Governo quer fazer

às autarquias o mesmo que está a fazer à RTP — sujeitá-las ao seu controlo político.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro Miguel Relvas, sem prejuízo de outras

considerações sobre esta proposta de lei, gostaria de lhe fazer três perguntas, muito diretas, que vêm, aliás,

na sequência da sua intervenção — como ouvimos, as intenções do Governo são a descentralização (não se

retiram poderes aos municípios), a aproximação da população, a representatividade, etc., etc.

Em primeiro lugar, o que é que o Sr. Ministro tem a dizer sobre esta nova forma de eleição da comissão

executiva, a nível metropolitano e intermunicipal, num colégio eleitoral que se extingue logo após a eleição, e

mais, em que só se pode candidatar uma lista única, exclusiva, elaborada pelo presidente da assembleia

municipal, com o maior número de mandatos atribuídos ao mesmo partido?

Sr. Ministro, entre isto e o regime de partido único, qual é a diferença?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Gostava muito de ouvir o Sr. Ministro sobre esta matéria.

A segunda questão prende-se com os poderes tributários dos municípios, que já foi aqui aflorada. Sr.

Ministro, não perde poderes?! Não perde poderes?!… Então, os poderes tributários dos municípios saem da

sua alçada e não se perdem absolutamente poderes nenhuns?

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A terceira questão tem a ver com os cargos remunerados. Vamos ver se nos entendemos: o Sr. Ministro

continua a afirmar, como já referiu aos jornais, que são 37 cargos remunerados.

Sr. Ministro, vou fazer as contas do Governo: a nível intermunicipal — e já estou a diminuir as comissões —

, 3 vezes 20 são 63; a nível metropolitano, 5 vezes 2 são10. Por estas contas, no mínimo, temos 73!

Sr. Ministro, diga lá como é que faz as contas, porque, de facto, o impacto desta medida de criar lugares «à

medida», feitos para determinadas pessoas, ou seja, para os antigos presidentes de câmara, generosamente

remunerados, depois de o Sr. Ministro querer extinguir centenas de freguesias, cujo peso na despesa do

Estado é absolutamente irrisório, é difícil de justificar perante os eleitores e as eleitoras!

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: — Sr.ª Presidente, começo por fazer uma

saudação ao Sr. Deputado Ramos Preto, que é simultaneamente Presidente da Comissão do Ambiente,

Ordenamento do Território e Poder Local, função que tem desempenhado em permanente diálogo com o

Executivo e com uma grande dignidade que quero aqui realçar.

Sobre a redução do endividamento público, os números são claros em relação ao poder local. Os

municípios portugueses conseguiram, ao longo do primeiro semestre de 2012, uma redução efetiva, face aos

objetivos traçados: reduziram em 500 milhões de euros a sua dívida de médio e longo prazos, tiveram

superavit na execução orçamental, o que é extraordinariamente positivo, e mesmo assim, também na redução

de pessoal, face a um objetivo de 2%, os municípios conseguiram, no primeiro semestre, uma redução de

1,8%.

Em suma, os municípios têm cumprido, têm executado a sua missão e têm contribuído claramente para o

objetivo nacional.

Sobre a criação de cargos — e, com isto, também respondo à Sr.ª Deputada Helena Pinto —, queria dizer

que a posição do Partido Socialista é muito semelhante à nossa. Em 2008, quando esta matéria foi discutida,

foi aqui dito pelo Sr. Deputado Renato Sampaio o seguinte: «Há, por isso, necessidade de criar uma comissão

executiva permanente, que funcione a tempo inteiro para gerir as áreas metropolitanas; uma comissão

executiva que, em vez de ser liderada por um alto funcionário nomeado pela junta metropolitana, deve ter

legitimidade democrática indireta que lhe advém da assembleia metropolitana». É o que estamos a fazer. É

igual!

Vozes do PS: — Não é, não!

O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: — Portanto, tivemos em conta o «recado» do

Partido Socialista, em 2008, informação que posso fazer chegar-vos.

Quanto às taxas e aos impostos — e respondo indiretamente à Sr.ª Deputada Helena Pinto —, existe uma

diferença: o Sr. Deputado não faz aqui dois discursos, mas a Sr.ª Deputada faz! Ou seja, por um lado, faz a

defesa do poder local e, por outro lado, diz «os senhores estão a criar estes cargos para os dar a ex-

autarcas». Não é verdade, não é esse o objetivo, não é essa a estratégia, não é essa a pretensão, mas um ex-

autarca não está impedido de poder exercer funções públicas ou profissionais no País.

Vozes do BE: — Ah!…

O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: — Por conseguinte, a Sr.ª Deputada tem de

dizer o que pretende! Esse são lugares para gestores, que vão ser eleitos e que vão exigir consenso.

Compreendo que um partido, como o Bloco de Esquerda, com uma fraquíssima representatividade eleitoral

no poder local…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — O PSD para lá caminha!

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O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: — … sinta que tem mais dificuldades com este

modelo, mas este é um modelo que gere e exige consenso.

Protestos do PS.

Em relação à carga tributária, deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que o parecer não é vinculativo; é um

parecer para pôr os autarcas a discutirem, numa perspetiva global, aquela que deve ser a organização do

território, organização essa em que estamos a ir mais longe, devo dizê-lo, no debate que se vai iniciar agora

aqui, no Parlamento.

Também vamos querer discutir alterações nas NUTS II, matéria que estamos a tratar com a União

Europeia, que é extraordinariamente importante para o País e que temos de fazer até fevereiro.

Em relação às áreas metropolitanas, teremos oportunidade de tratar, de equacionar (de forma definitiva)

com todos os partidos, com aqueles que se quiserem juntar a nós, uma forma de a representatividade dos

municípios ser proporcional àquele que é o seu peso. Não é justo que um município de um milhão de

habitantes tenha o mesmo peso, nesta Assembleia — em que são os presidentes de câmara que decidem a

estratégia e definem o posicionamento, a decisão final é deles —, do que um pequeno município. Temos que,

também aí, ser corajosos, ser consequentes e não entrar na demagogia fácil.

Sr. Deputado Paulo Sá, o diálogo com a Associação Nacional de Municípios Portugueses é diário,

permanente. Tem havido muitas reuniões, em que nós não condicionamos a Associação Nacional de

Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Municípios Portugueses não nos condiciona. Sempre que

é possível estabelecer entendimentos, cá estamos! Já o fiz no passado, quando fui secretário de Estado da

Administração Local. Sou um férreo defensor do diálogo com objetivos claros de atingir resultados, mas o

diálogo não pode, por si só, ser o resultado da inoperância, da ineficácia e da inconsequência. Para isso, não

estou disponível.

A verdade é que temos trabalhado com os municípios. Os municípios são, hoje, contribuintes líquidos para

parte do sucesso da estratégia que está a ser desenhada e implementada. Fomos capazes de implementar

um Programa de Apoio à Economia Local — com os municípios, não contra os municípios —, no âmbito do

qual já disponibilizámos 450 milhões de euros, objetivamente, com cobertura nacional, de norte a sul e do

interior ao litoral. É este caminho que queremos.

Como sabe, no Parlamento, muita da opinião é contrária, no sentido da extinção de empresas municipais

cuja lei passou por aqui.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A maioria é do seu partido!

O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: — E nós, com a lei que aprovámos, vamos

extinguir mais de 40% das empresas municipais portuguesas. Ou seja, estamos a criar condições para que

uma nova geração, uma nova atitude, um novo modelo de autarcas, que vai resultar das eleições de outubro

próximo, tenha os instrumentos necessários não para virar uma página do poder local mas para escrever uma

nova página.

Aplausos do PSD.

Durante a resposta, foi projetada uma Imagem, que pode ser vista no final do DAR.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Peço a palavra para uma interpelação à Mesa, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, foi agora retirado dos ecrãs um diapositivo, que surgiu

extemporaneamente e sem qualquer enquadramento nas regras desta Assembleia. Há uma deliberação sobre

o uso dos painéis eletrónicos, com determinadas regras, que têm sido usadas com alguma flexibilidade, mas a

projeção dessas imagens destina-se à apresentação de iniciativas.

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Protestos de Deputados do PSD.

Ora, aparece-nos aqui uma imagem, que não foi projetada durante a apresentação da iniciativa, mas, sim,

durante a resposta a pedidos de esclarecimento. E mais: não é um documento de apoio à intervenção, como é

suposto serem as projeções nos painéis eletrónicos, é um cartaz de propaganda do Governo!

Protestos do PSD.

E a Assembleia da República não é um instrumento de propaganda do Governo, Sr.ª Presidente.

Aplausos do PCP.

Sr.ª Presidente, percebo que há aqui um grande desespero político. O que o Sr. Ministro está a fazer, com

as propostas que veio defender, é dar um «beijo de morte» ao poder local democrático. Mas isso não pode

servir para usar a Assembleia da República na propaganda, ainda por cima falaciosa, do Governo.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado Bernardino Soares, durante a intervenção do Sr. Ministro Adjunto e dos

Assuntos Parlamentares, foi chamada a atenção da Mesa para o facto de haver a projeção de imagens no

Plenário, pelo que pedi que me fosse trazida a deliberação que dá legitimidade a essas projeções. A

deliberação chegou agora à Mesa e eu vou confrontá-la. Tenho, no entanto, a informação, por parte da Sr.ª

Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, de que foi solicitada ao Sr. Secretário

Duarte Pacheco, e, depois, por ele comunicado aos serviços, a possibilidade de fazer as projeções.

Seja como for, peço apenas 1 minuto para ler a parte respetiva da deliberação.

Pausa.

Sr. Deputado Bernardino Soares, a alínea b) do n.º 1 da deliberação em causa, se bem que deva ser lida

com alguma generosidade, fala em intervenções dos autores das iniciativas legislativas. Portanto, estas

projeções não são privativas dos Deputados, uma vez que o Governo também é autor de iniciativas

legislativas.

Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, nada tenho a obstar a isso. É evidente que o Governo

tem o direito de projetar documentos de apoio à apresentação das suas iniciativas, só que não o fez. Esta

projeção apareceu nas respostas aos pedidos de esclarecimento e, para além do mais, não era nenhum

documento de apoio, era um documento de propaganda!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado Bernardino Soares, não me cabe a mim comentar a segunda

observação que fez, tenho apenas de me ater à regularidade formal desta ocorrência.

De facto, o momento da intervenção inicial é que daria legitimidade para a projeção de imagens, mas, visto

que foi notificada a Mesa da projeção e que o Sr. Deputado Duarte Pacheco a comunicou aos serviços, não

me parece que haja aqui uma violação direta da deliberação.

A Mesa, provavelmente, terá de ter uma outra prudência e cautela sobre o modo como as projeções são

feitas em cada debate, requerendo uma notificação mais clara, mas não me parece, Sr. Deputado Bernardino

Soares, que estejamos aqui numa verdadeira afronta à deliberação aprovada pelo Parlamento.

O Sr. Deputado Miguel Santos também pediu a palavra para interpelar a Mesa. Peço aos Srs. Deputados

que não criem sobre esta questão uma dialética excessivamente demorada.

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Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr.ª Presidente, nós não podemos ficar calados e deixar incólume uma

situação que já se revela uma tradição desta Casa, ou seja, que o Sr. Deputado Bernardino Soares — que

acorda a sonhar com o Regimento, que se deita a sonhar com o Regimento, aliás, apetece dizer que o Sr.

Deputado Bernardino Soares é o próprio Regimento —, neste caso fazendo uso de uma deliberação, venha

constantemente interromper os trabalhos a pretexto de todo e qualquer pormenor, alegando uma qualquer

irregularidade ou ilegalidade que esteja a ser praticada por este Plenário.

Julgo que é útil, para todos nós, que o Sr. Deputado Bernardino Soares esteja sempre disponível para nos

relembrar todos os artigos do Regimento e as deliberações tomadas, mas parece-me que o deve fazer com

alguma parcimónia e com alguma justiça na sua utilização, caso contrário também perdemos a paciência.

Vozes do PCP: — Oh!…

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Parece óbvio, para todo o Plenário, que o Sr. Ministro utilizou a projeção

em causa alegando, fazendo uso e sustentando a redução de custos que estava a apresentar como

argumento à Câmara; essa alusão foi materializada na projeção da imagem em causa. Penso que foi muito útil

para todo o Plenário a visão dessa projeção e, nessa medida, tinha todo o cabimento.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Prosseguindo com as intervenções, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Helena

Pinto para apresentar o projeto de lei n.º 317/XII (2.ª), do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda não tem

dúvidas sobre a necessidade de aperfeiçoar o regime de funcionamento dos órgãos das freguesias e dos

municípios, por isso apresentamos hoje um projeto de lei, do qual gostaria de destacar algumas das

propostas.

Destaco, por exemplo, a proposta em relação às moções de censura, que curiosamente desaparecem com

a proposta do Governo — desparecem as moções de censura aos executivos municipais! Pois bem, o Bloco

de Esquerda propõe que as moções de censura aprovadas pelos órgãos deliberativos deixem de ser

simbólicas e passem a ter efeitos concretos. A censura deve dar lugar a novas eleições, e não simplesmente

acabar-se com ela.

Propomos também que os órgãos deliberativos respeitem a proporcionalidade em todas as dimensões do

seu funcionamento, o que é muito importante nos municípios. E, Sr. Ministro Miguel Relvas, não se preocupe

tanto com a representatividade do Bloco de Esquerda, porque outros dias virão e os papéis podem inverter-se.

Vamos, sim, tratar das coisas do ponto de vista democrático.

Propomos ainda que se desburocratize a participação dos cidadãos em relação à convocação das sessões

extraordinárias, assim como mecanismos para a consulta pública, para o orçamento e opções.

Apresentamos um conjunto de opções municipais, um conjunto de propostas que visam reforçar e efetivar

as competências fiscalizadoras das assembleias municipais, aproximando e envolvendo os cidadãos no

governo local.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Não registando a Mesa inscrições para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o

Sr. Deputado Ramos Preto, do PS, para uma intervenção.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados: Em tempo de crise económica e de forte angústia social, os Governos têm o redobrado dever de

justificação e de prudência em todas e cada uma das medidas legislativas que apresentam no Parlamento.

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Todos temos consciência do momento difícil que vivem os nossos concidadãos, a quem tem sido exigido

um enorme sacrifício na assunção, nem sempre equitativa, das responsabilidades a que estamos obrigados.

Esforço e sacrifício que os portugueses têm cumprido na esperança de um futuro melhor para si e para os

seus.

Entretanto, o Governo vem desperdiçando todo o seu capital de confiança, frustrando, de modo sistemático

e contínuo, as expetativas com que se apresentou aos portugueses. Mês após mês, somos confrontados com

indicadores que demonstram à evidência que o Governo não cumpre, falha com a sua parte no contrato.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Com o mesmo sentido de responsabilidade dos portugueses, o Partido

Socialista, embora discordando da metodologia, dos critérios e das soluções adotadas no processo de reforma

do poder local, apoiou a redução dos cargos dirigentes das autarquias locais e viabilizou toda a racionalização

do setor empresarial local. Fê-lo consciente de que todos os setores da sociedade devem contribuir

equitativamente para que, no final, possamos salvaguardar o nosso bem-estar coletivo.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ramos Preto (PS): — O Governo, à medida que impõe a todos os portugueses mais sacrifícios e

apresenta medidas de reforma administrativa desrespeitadoras da autonomia do poder local, tem a ousadia de

vir aqui apresentar-nos uma proposta de lei que permite a criação de algumas dezenas de cargos (eu diria

sinecuras douradas) nas comunidades intermunicipais,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — «Tachos»!

O Sr. Ramos Preto (PS): — … o que se traduz num aumento da despesa que pode ultrapassar 3 milhões

de euros anuais.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Bem lembrado!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Perante esta ousadia do Governo, não podem contar com o Partido Socialista

para apoiar uma medida legislativa incoerente que, sob a capa da contenção de despesas, permite a potencial

criação de todos estes cargos.

Aplausos do PS.

Por outro lado, não aceitamos que haja um retrocesso na vida democrática do poder local, setor que todos

reconhecem como o único que tem manifestamente contribuído para a redução da despesa pública, como há

pouco o Sr. Ministro aqui referiu.

O Partido Socialista entende que o poder local democrático foi determinante para a consolidação da

democracia no nosso País. A participação de milhares de cidadãos, a maioria em regime de voluntariado, na

assunção de responsabilidades individuais e coletivas, numa qualquer unidade territorial em que se encontram

integrados, reflete o sentido de pertença de cada um com a sua comunidade.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Em Portugal, pela sua história e pela sua tradição, aplica-se, com toda a

propriedade, a seguinte frase de Alexis de Tocqueville: «No município é onde existe a força dos povos livres

(…). Sem instituições municipais uma nação forte pode ter um governo livre, mas carecerá de espírito de

liberdade».

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

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O Sr. Ramos Preto (PS): — Espírito de liberdade — é esse o espírito, é esse o fundamento último de uma

comunidade responsável.

Entendemos que em qualquer alteração legislativa deve estar imanente o princípio da não regressão, do

não retrocesso dos valores inerentes ao poder local democrático constitucionalmente consagrados, o que não

sucede na presente iniciativa.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Ramos Preto (PS): — Esta iniciativa retira às entidades intermunicipais toda a legitimidade

democrática que lhes era conferida.

Ao determinar que a criação destas entidades passa a depender exclusivamente de lei, ou seja, de um ato

do legislador ordinário e não da vontade dos seus associados, põe-se em causa o princípio da autonomia

municipal e da liberdade de associação e acentua-se o carater tutelar desta proposta de lei.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Ramos Preto (PS): — A proposta determina que cada entidade intermunicipal não pode ter uma

população inferior a 90 000 habitantes, mas nada diz, é omissa, quanto aos critérios que permitirão a criação

quer de uma área metropolitana quer de uma comunidade intermunicipal, prevalecendo a vontade do

legislador sem necessidade de colher, obrigatoriamente, os contributos das autarquias municipais diretamente

interessadas, o que muito lamentamos.

O Partido Socialista, que sempre esteve na frente da agenda do reforço do poder local democrático, reitera

que não pode haver reforma do poder local sem o necessário reforço do regime de atribuições e competências

das autarquias e sem a aprovação de uma nova lei eleitoral autárquica.

Aplausos do PS.

A revisão do regime de atribuições e competências dos órgãos das autarquias locais e das entidades

intermunicipais tem de envolver a participação dos eleitos e das suas estruturas representativas.

Qualquer reforma autárquica tem de ser efetuada em observância dos princípios constitucionais e

decorrentes da Carta Europeia de Autonomia Local, designadamente da descentralização, da coesão

nacional, da administração eficaz e próxima das populações e da autonomia do poder local. Não estando

cumpridos estes pressupostos, o Partido Socialista não pode apoiar uma iniciativa legislativa desconexa, que

não aprofunda a democracia local, não sistematiza as competências e atribuições das autarquias e não

contribui para o reforço da coesão territorial.

Por último, Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr. Ministro, uma referência à iniciativa apresentada

pelo Bloco de Esquerda, que saudamos por centrar o seu projeto de lei no aprofundamento da democracia

local, melhorando os mecanismos de participação de eleitores e eleitos na gestão e decisão política das

autarquias locais, iniciativa que não deixaremos de valorizar em sede de especialidade (se for aprovada na

generalidade, como é óbvio), nomeadamente nas soluções que apresentam para valorizar o poder das

assembleias municipais enquanto órgãos fiscalizadores de toda a política municipal.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Teresa Caeiro.

A Sr.ª Presidente: — A Mesa não registou pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Ramos Preto, pelo

que prosseguimos com uma intervenção do Sr. Deputado Paulo Sá, do PCP.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo e a

maioria parlamentar que o suporta, com a proposta de lei hoje em discussão, prossegue a sua brutal ofensiva

contra o poder local democrático.

Depois da lei de extinção de freguesias, da lei que aprova o estatuto do pessoal dirigente da administração

central, regional e local, da lei que aprova o regime jurídico da atividade empresarial local, da Lei dos

Compromissos e Pagamentos em Atraso, do denominado Programa de Apoio à Economia Local, o Governo

pretende agora alterar o regime jurídico das autarquias locais e aprovar o estatuto das entidades

intermunicipais.

Com um cinismo inigualável, o Governo tece louvores às autarquias locais e exalta o seu papel no

desenvolvimento económico e social das populações, diz defender a proximidade entre eleitos e eleitores e o

aprofundamento da democracia, garante pretender o reforço da autonomia e a melhoria de prestação dos

serviços público, mas, na realidade, o que pretende mesmo é proceder ao desmantelamento do poder local

democrático nascido com o 25 de Abril.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Sá (PCP): — A Constituição da República Portuguesa determina que a organização

democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais e que estas são as freguesias, os

municípios e as regiões administrativas.

Em vez de avançar para a criação das regiões administrativas, dotadas de órgãos representativos eleitos

por sufrágio direto, com competências reguladas por lei, em harmonia com o princípio da descentralização

administrativa, dotadas de meios financeiros próprios, com base no princípio da justa repartição de recursos

públicos entre as administrações central e local, o Governo opta pela criação de entidades intermunicipais de

âmbito territorial autárquico, destituídas de competências e de meios próprios.

Com esta opção, o que o Governo pretende é travar a concretização das regiões administrativas, criando

umas pseudorregiões para não ter de criar as regiões previstas na Constituição.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

O Sr. Paulo Sá (PCP): — A proposta de lei em discussão contém assimetrias bem reveladoras da

conceção que o Governo tem do poder local.

Vejamos, por exemplo, a questão da delegação de competências do Estado e dos municípios nas

entidades intermunicipais: enquanto as competências a delegar pelo Estado não são concretizadas na

proposta de lei, limitando-se esta a enunciar os princípios gerais que regem a eventual transferência de

competências, no caso dos municípios as competências a delegar nas entidades intermunicipais são descritas

em pormenor e abrangem áreas essenciais como o planeamento e gestão da estratégia de desenvolvimento

económico e social,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Sá (PCP): — … a gestão de infraestruturas urbanas ou ainda a organização e funcionamento

de serviços municipais.

Esta diferença de tratamento revela claramente que a intenção do Governo não é a de proceder à

descentralização administrativa mas, sim, a de esvaziar os municípios das suas mais importantes

competências, transferindo-as para as entidades intermunicipais.

A inclusão da organização e funcionamento de serviços municipais na lista de competências a delegar

serve o objetivo de concentração destes serviços, dando-lhes uma dimensão que permita a sua posterior

privatização.

Uma outra assimetria com a proposta do Governo tem a ver com a questão da denúncia dos contratos de

delegação de competências.

Pretende o Governo que, no caso de delegação de competências do Estado para os municípios, os órgãos

deliberativos municipais não possam, em circunstância alguma, promover a denúncia desses contratos

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enquanto o Governo mantém, ou manteria, essa faculdade. Tal assimetria entre os direitos das partes é

totalmente inaceitável, revelando claramente que, para o Governo, a autonomia do poder local significa

submissão hierárquica das autarquias ao Governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

O Sr. Paulo Sá (PCP): — Discordamos profundamente da conceção de descentralização que o Governo

incorpora nesta proposta de lei. A descentralização administrativa faz-se para entidades com legitimidade

democrática e são estas, no uso pleno da sua autonomia e do direito de livre associação, que decidem delegar

as suas competências a terceiros que elas próprias constituam e sobre as quais mantenham uma tutela

efetiva.

Esta proposta de lei é mais uma peça no processo de desmantelamento do poder local democrático.

O Governo, com anteriores iniciativas legislativas, asfixiou financeiramente os municípios, impôs

intoleráveis constrangimentos ao seu normal funcionamento e interferiu, de forma grosseira, na sua

autonomia. Com a chamada reforma territorial autárquica, prepara-se para liquidar cerca de 1200 freguesias e,

com a lei hoje em discussão, pretende abrir caminho para o esvaziamento das competências dos municípios.

Esta ofensiva, sem paralelo, contra o poder local democrático conta com a determinada oposição do PCP.

Continuaremos a nossa luta contra esta política e este Governo, ao lado das populações, dos trabalhadores e

dos autarcas, em defesa do poder local democrático, uma das mais importantes conquistas do 25 de Abril.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Altino Bessa,

do CDSPP.

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado, Sr.as

e os Srs.

Deputados: Hoje debatemos aqui uma proposta de lei que define o regime jurídico das autarquias locais,

aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico das transferências de

competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, assim como a

delegação de competências do Estado nas autarquias locais e nas entidades intermunicipais, a delegação de

competências dos municípios nas entidades intermunicipais e nas freguesias, e aprova o regime jurídico do

associativismo autárquico.

Hoje, com a apresentação desta proposta de lei, faz-se o balanço das leis que foram aprovadas, em 2008,

pelo Partido Socialista, nomeadamente a Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto, que estabelece o regime jurídico

do associativismo municipal, bem como a do regime jurídico das entidades metropolitanas.

É, pois, tempo de fazer o balanço do resultado deste projeto, na altura protagonizado pelo Partido

Socialista. E, perante o facto, que é hoje reconhecido por todos, de que não houve um avanço significativo no

intermunicipalismo e na gestão intermunicipal com a lei de 2008, este Governo tinha duas soluções: ou

atribuía mais competências a estas entidades, ou acabava com elas.

Também convém saber o que pensa o Partido Socialista sobre isto, se continua a defender as

comunidades intermunicipais que criou em 2008 e as áreas metropolitanas, ou se entende que elas devem ser

extintas.

O que o Governo decidiu foi dar-lhes mais competências, o que traz outros benefícios, nomeadamente em

termos de custos, que já aqui foram apresentados. Desde logo, no regime jurídico das autarquias locais, há

uma redução de 673 cargos dirigentes, adjuntos e secretárias, quer dos vereadores quer dos presidentes de

câmara. Também nas entidades intermunicipais são extintos 1458 membros das assembleias intermunicipais.

Para as áreas metropolitanas está previsto, por exemplo, que a comissão executiva metropolitana é

composta por três a cinco membros designados pela junta metropolitana, sujeita à ratificação da assembleia

metropolitana, sendo um deles presidente e outro vice-presidente. O presidente e o vice-presidente da

comissão executiva metropolitana exercem funções em regime de tempo inteiro; os vogais da comissão

executiva metropolitana podem exercer funções a tempo inteiro ou a tempo parcial, sob proposta da junta

metropolitana. Tal e qual como acontecia nas comunidades intermunicipais, onde existia um secretário

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responsável e, depois, dois secretários cuja remuneração era equivalente — como já aqui foi dito — à de

diretor municipal.

Por isso, no que diz respeito à criação de novos cargos, gostava de saber se o Partido Socialista reafirma

que, com esta iniciativa, existe a criação de 90 novos cargos, porque isso não corresponde, de todo, ao que é

este processo.

Queremos, acima de tudo, demonstrar uma grande abertura, relativamente a esta proposta, pois

entendemos que ela pode e deve ser melhorada, em sede de especialidade. Queremos saber se o Partido

Socialista está disponível para que possamos acertar uma lei em conjunto que dê mais dignidade à gestão

intermunicipal e à coesão territorial.

Relativamente a esta matéria, não abdicamos do controlo destas comissões executivas pelas assembleias

municipais. Aqui, as assembleias municipais têm uma palavra importante no controlo e na fiscalização,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — … porque, para nós, o dinheiro dos contribuintes é muito importante.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Prôa.

O Sr. António Prôa (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.as

e Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados: Apreciamos hoje a proposta de lei do Governo que estabelece o regime jurídico das autarquias

locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de

competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime

jurídico do associativismo autárquico, bem como, neste âmbito, uma iniciativa do Bloco de Esquerda que

registamos enquanto contributo para este debate.

Com esta proposta sobre a gestão autárquica, o Governo cumpre mais uma etapa da reforma do poder

local.

O documento que hoje apreciamos é muito, mas muito mais que uma lei dos cargos políticos. Estranho que

alguns tenham centrado a sua intervenção pública nesta matéria, omitindo qualquer opinião sobre o vasto

conjunto de alterações que é proposto. Afinal, os cargos políticos são meramente instrumentais…

O Sr. António Braga (PS): — Mas existem, existem!

O Sr. António Prôa (PSD): — … e ao serviço do que é verdadeiramente central: o reforço de

competências e uma gestão mais eficaz das autarquias, reforçando o serviço prestado aos cidadãos.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O PSD, partido que ao longo da história democrática se afirmou um

partido com grande implantação autárquica, merecendo a renovada confiança dos cidadãos, orgulha-se do

trabalho dos seus autarcas e por isso está empenhado em modernizar o poder local, adequando-o a novas

realidades, mas também a novas exigências.

Estas são as razões que nos levam a afirmar que a presente proposta do Governo é coerente com a

história, o património e a identidade do PSD enquanto partido defensor do poder local em Portugal.

Através do documento em apreciação, o Governo cumpre o propósito de aprofundar o papel do poder local

enquanto elo mais próximo dos cidadãos, criando condições para que as autarquias sejam um elo mais forte.

Nesta medida, a proposta é também um contributo para o reforço da coesão territorial e social, pois

potencia o papel de motor de dinâmicas de desenvolvimento local das autarquias.

Mas também tem o mérito de reunir, num só diploma, disposições relativas ao funcionamento das

autarquias e entidades intermunicipais, até agora dispersas em vários diplomas, garantindo, assim, a

simplificação do recurso à legislação aplicável.

Por um lado, coloca as autarquias num patamar de maior dignidade ao considerar muito mais que as

anteriores atribuições das autarquias e das entidades intermunicipais, nesta nova abordagem, todo um vasto

universo de questões que dizem respeito à promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas

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populações. E, ainda, incentiva a contratualização de responsabilidades entre os diversos níveis das

autarquias, mas também com as entidades intermunicipais e da administração central para ambas, garantindo

maior transparência e escrutínio na sua concretização.

Deste modo, tornando variáveis as responsabilidades e relação entre as diversas entidades, garante-se

uma maior flexibilidade e adequação aos interesses e necessidades das populações, ajustando o trabalho a

desenvolver por cada entidade às especificidades do seu território e da sua população.

Por outro lado — e permitam-me que sublinhe este aspeto —, cumpre o reforço de competências das

freguesias, num sinal claro de fortalecimento do papel a desenvolver por estas autarquias junto das

populações. Através da criação da figura da delegação legal de competências, para além do reforço, dá-se um

passo no sentido de ajustar as competências das freguesias às suas características, capacidades e

necessidades.

Com este mecanismo, promove-se ainda a diminuição da discricionariedade na relação entre as

autarquias, nomeadamente entre as câmaras municipais e as juntas de freguesia.

Em suma, definem-se áreas preferenciais na desconcentração do Estado para os municípios e as

entidades intermunicipais, reforçam-se as competências dos municípios para as freguesias e potencia-se o

papel das entidades intermunicipais enquanto entidades promotoras da interligação de municípios.

Estes são os vetores que concretizam o reforço do poder local, em Portugal.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Esta proposta constituirá uma nova lei para uma nova geração de

políticas autárquicas e também para uma nova geração de autarcas. Este pode e deve ser o ponto de partida

para políticas e políticos de terceira geração.

Depois das infraestruturas, depois dos equipamentos, esta terceira geração de políticas do poder local

deverá ser centrada na valorização das pessoas, criação de riqueza, coesão territorial e eficiência da gestão.

As autarquias devem deixar de ser olhadas como estruturas isoladas e passar a sê-lo como parte de uma

rede de estruturas com autonomia que cooperam e concorrem para a satisfação das necessidades das

populações.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Governo cumpriu a sua parte. Cabe, agora, ao Parlamento

apreciar e introduzir as alterações que entenda que podem melhorar o processo.

O PSD está empenhado num processo reformista. Outros partidos apresentaram, até agora, apenas

críticas.

O desafio genuíno que lanço aos demais partidos, em particular ao Partido Socialista — outro grande

partido autárquico —, é que vão além da crítica populista e assumam a sua responsabilidade de construir, não

em favor do Governo, mas em benefício do País e das comunidades locais, um poder local mais forte e mais

capaz de servir as populações.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr.ª Presidente, muito rapidamente, no encerramento deste debate, quero

dizer o seguinte: Sr. Ministro, registo que nada disse sobre o modelo de eleição da comissão executiva ao

nível da área metropolitana e da comunidade intermunicipal. Nada disse sobre o número verdadeiro dos

cargos a criar. No mínimo, são 70?

Sr. Ministro, desculpe, mas, para além de não se ter visto em condições o que mostrou, preciso de ouvir da

boca do Sr. Ministro quantos cargos são. É que é preciso acautelar e sabermos exatamente de que número de

«reformas douradas» para alguns autarcas nós estamos a tratar. É verdade, Sr. Ministro, precisamos dos

números!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Exatamente!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Depois, Sr. Ministro e Srs. Deputados da maioria, do PSD e do CDS, de facto,

trata-se de uma nova geração de políticas autárquicas. Esta proposta de lei tem uma lógica, e essa lógica é

centralista, é presidencialista e é contra a autonomia das autarquias locais. E, para além de tudo o mais, é

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profundamente antidemocrática. São estas as marcas da nova geração de políticas autárquicas de que vieram

aqui veio falar.

Os senhores, todos, declararam guerra às autarquias locais — e não vai ficar por aqui. Mas ninguém os

apoia! Não há nenhuma associação de autarcas que vos apoie! Estão completamente isolados! Mas

continuam e persistem — tenho muita pena que o Sr. Ministro esteja ao telefone e não me esteja a ouvir, muita

pena — com a arrogância de quem chegou ao fim do ciclo, Srs. Deputados.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs.

Deputados: No encerramento deste debate, gostaria de deixar aqui claro duas coisas sobre esta matéria. Para

o CDS, o que conta, o princípio e o principal motivo que nos leva a apoiar estas iniciativas é a necessidade

urgente, e que vem de há muito, de tornar eficaz o serviço prestado às populações através do poder

autárquico, respeitando aquilo que é a autonomia das autarquias locais, respeitando aquilo que deve ser um

uso cuidadoso e rigoroso dos meios financeiros. Ou seja, o que queremos é criar condições para que, com

grande cuidado e respeito pelos contribuintes portugueses, possamos ter cada vez mais e melhor serviço

prestado às populações.

É por isso que, na reforma de agregação das freguesias, sempre dissemos que, salvaguardando as

diferenças entre freguesias rurais e urbanas, não nos preocupamos tanto com o sítio onde se localizará o

edifício administrativo como nos preocupamos, e muito, com o serviço que é prestado e com a capacidade que

tem.

Daí constar nesta proposta de lei o reforço das competências próprias, das competências delegadas e da

contratualização. Ou seja, pretende-se dar condições, prestígio e dignidade aos presidentes de junta para

exercerem bem o seu mandato e para servirem melhor as suas populações.

Da mesma forma, estaremos atentos, em sede de especialidade, ao regime de incompatibilidades

relativamente a todos e quaisquer cargos que venham a ser criados — quem, como e em que circunstâncias

vai exercer esse mesmo cargo.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Não é só incompatibilidades!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Depois, cá estaremos também para, ao mesmo tempo que se

extinguem as assembleias intermunicipais ou as assembleias das áreas metropolitanas, criar condições para,

em sede da assembleia municipal, fiscalizar e controlar o exercício das comissões executivas. É fundamental

saber quem, onde e como fiscaliza este novo órgão.

E também estaremos atentos e vigilantes à extinção de um enorme conjunto de cargos que proliferam nas

autarquias locais, salvaguardando, como devem calcular, o respeito por aquele que deve ser o papel das

oposições, não beliscando qualquer das condições do exercício eficaz e efetivo das oposições, mas

obviamente indo ao limite naquilo que deve ser uma redução efetiva, clara e eficaz dos cargos nas autarquias.

Portanto, o que é que queremos? Não queremos mais autarquias, nem mais cargos. Queremos maior rigor,

mais transparência, mais clareza e mais eficácia. É óbvio que temos de encontrar formas de potenciar a ação

supramunicipal. E este parece-me ser um bom início, um ponto de partida.

Estaremos disponíveis — sabemos que o Governo também está e esperamos que o Partido Socialista

também esteja — para, em sede de especialidade, encontrar um conjunto de melhorias e um conjunto de

propostas para que, de uma vez por todas, fique claro que o que está aqui em causa não é mais «jobs for the

boys», não é a criação de mais cargos,…

Vozes do BE: — É exatamente isso!

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … não é um atropelo à autonomia do poder local, mas, sim, dar

eficácia, transparência e rigor e, como é óbvio, combater claramente tudo o que seja formas de caciquismo ou

de desvirtuar aquilo que deve ser um poder democrático legitimamente eleito.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos

Abreu Amorim.

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de

Estado: Começo por cumprimentar os dois membros do Governo responsáveis pelo ímpeto reformista que tem

existido neste País, designadamente em relação ao poder local.

De facto, com esta proposta de lei que hoje aqui discutimos, Portugal está a conhecer uma autêntica

revolução coperniciana no panorama do poder local em Portugal.

Neste diploma, temos a sintetização daquilo que seriam quatro projetos legislativos. Estes quatro projetos

legislativos dizem respeito a matérias diferenciadas, mas que, face ao seu objeto, são unificadas num único

diploma, numa técnica legislativa que muito nos apraz aqui saudar.

Esta proposta de lei, ao contrário do que foi aqui dito por algumas vozes que se preocuparam mais com

chavões legislativos ou até com constantes e incessantes apelos a minudências regimentais para fazer passar

mensagens políticas menores, denota um esforço patente do reforço da autonomia local, dos poderes das

freguesias, das atribuições e competências das freguesias.

Já agora, gostaria de dizer que, no debate sobre a reorganização territorial das freguesias, um dos pontos

que mais comicidade provocava era exatamente aquele em que alguns presidentes de câmara apareciam a

defender as freguesias quando nos seus próprios municípios eles nem sequer procediam à delegação de

competências que a lei que está ainda em vigor previa em relação ao reforço das competências das freguesias

dos seus municípios. Sempre desprezaram as suas freguesias, mas apareciam agora, no debate sobre a

reorganização territorial das freguesias a fazer a defesa das freguesias, o que, na prática, nunca tinham feito.

Pois esta proposta de lei vai trazer, de uma vez por todas, o reforço efetivo dos poderes das freguesias,

dignificando-as, que é aquilo que, de facto, mais falta faz.

Esta proposta de lei traduz-se também no reforço da coesão social e territorial do País, no reforço da

competitividade dos municípios.

Sr. Deputado Ramos Preto, ouvi, com atenção, a sua intervenção e gostava de saudá-lo particularmente. A

sua intervenção foi digna e construtiva, mas quando entrou numa matéria que, se calhar, estava à espera que

o Sr. Deputado evitasse, que é a da «mercearia dos cargos», de quantos é que foram criados e de quantos é

que foram extintos, não há dúvida alguma de que no ponto que quis provar ficou nitidamente a perder.

Gostava de realçar aqui que parecia que o Sr. Deputado já tinha isso «engatilhado», passe a expressão, e que

não se preocupou com a análise criteriosa dos números.

O Sr. Ramos Preto (PS): — Olhe que não!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — No entanto, quero sublinhar uma certa predisposição, que julguei

antever no Sr. Deputado, para proceder a alterações construtivas e dignas nesta proposta em sede de

especialidade.

Faço um apelo ao Partido Socialista para que, num diploma tão importante, num diploma que será fundante

da autonomia local,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — «Afundante»!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — … a partir de agora, nesta ideia da criação de um novo poder local

(como disse o meu colega, Deputado António Prôa), o Partido Socialista tenha essa atitude de construir e não

a atitude de destruir que caracteriza a extrema-esquerda radical.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E a extrema-direita de que o senhor faz parte!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Fica, assim, concluído este ponto da nossa ordem de trabalhos.

Prosseguimos com a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 95/XII (2.ª) — Autoriza o Governo a

aprovar o regime jurídico laboral dos trabalhadores dos serviços periféricos externos do Ministério dos

Negócios Estrangeiros, incluindo os trabalhadores das residências oficiais do Estado, bem como a alterar a Lei

n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, e o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas,

aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro.

Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades

Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (José Cesário): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e

Srs. Deputados: No momento em que apresento esta proposta de lei de autorização legislativa relativamente

ao estatuto do pessoal dos serviços externos, quero começar por realçar três aspetos que me parecem

essenciais para este debate.

Em primeiro lugar, realço o processo negocial que decorreu, juntando à mesa o Ministério dos Negócios

Estrangeiros e os representantes das estruturas sindicais desses trabalhadores, que, julgo, revelou de parte a

parte vontade de aproximar posições, vontade de construir, a exemplo do que já se tinha verificado aquando

da discussão do regime jurídico do ensino do português no estrangeiro.

Em segundo lugar, quero realçar um aspeto que se prende com a importância que, para o Ministério dos

Negócios Estrangeiros, tem esta categoria de pessoal dos serviços periféricos externos. Temos perfeita

consciência de que, para cumprirmos a missão de representação do Estado de apoio às comunidades

portuguesas a todos os níveis da nossa frente externa, tão importante é o pessoal diplomático, como o pessoal

técnico, o pessoal administrativo e o pessoal dos serviços internos. Daí ser fundamental realçar o papel de

todos estes funcionários dos nossos consulados e das nossas embaixadas, que, repito, são fundamentais para

o sucesso que naturalmente desejamos ter.

Em terceiro lugar, quero destacar um aspeto que se prende com o facto de que qualquer alteração a este

estatuto tem a ver não apenas com o estatuto propriamente dito administrativo do pessoal dos serviços

externos, mas também com os objetivos das nossas missões e representações diplomáticas, que passam não

apenas pela representação do Estado, mas também pelo serviço às nossas Comunidades e todos aqueles

que se socorrem de cada um dos serviços das nossas representações externas.

Nesta linha, desenvolvemos uma proposta que aqui trazemos e que tem fundamentalmente a ver com

aspetos muito específicos. Em primeiro lugar, com a adaptação das categorias funcionais do pessoal dos

serviços externos ao regime geral da Administração Pública de maneira a acabar com discriminações que

eram absolutamente inadmissíveis.

Em segundo lugar, adota um novo modelo de seleção das chefias intermédias, particularmente dos

chanceleres, mais simplificado, mais próximo da realidade e que sirva melhor a nossa Administração.

Em terceiro lugar, a proposta prevê a adoção de um novo modelo de remuneração, que ainda está em

negociação, e que, fundamentalmente, tendo em consideração os índices de custo de vida das Nações

Unidas, possa resolver questões antigas, como as que dependem da inflação e das constantes variações

cambiais que tão negativamente têm penalizado alguns dos nossos funcionários.

Fica também estabelecido que os nossos funcionários passam a ter acesso a um seguro de doença nos

casos em que os regimes locais de proteção social não resolverem e não contemplarem as suas situações

específicas.

Da mesma forma, a mobilidade poderá passar a verificar-se não apenas nas situações tradicionais mas

também por razões de conveniência de serviço, sendo o número de feriados adaptados à realidade atual,

passando os funcionários dos serviços externos a terem exatamente o mesmo número de feriados que têm os

funcionários da Administração Pública portuguesa.

Tendo atingido o limite do meu tempo disponível, quero apenas salientar um aspeto final: a disponibilidade

para ouvirmos atentamente os contributos dos Srs. Deputados, a disponibilidade para continuarmos a dialogar

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com a estrutura representativa dos trabalhadores — e saúdo os seus dirigentes, aqui presentes, a assistir à

sessão — e, sobretudo, para encararmos situações específicas, que eu sei prenderem-se com alguns aspetos

polémicos, nomeadamente a nível dos feriados, tais como os que têm a ver com a questão do 25 de Abril, com

a questão dos conteúdos funcionais do pessoal das residências, o que, naturalmente, contará com a abertura

do Governo para podermos encontrar soluções pragmáticas que não comprometam o essencial, que é

podermos ter serviços mais eficazes, mais modernos e que atinjam os objetivos de representação do Estado.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pisco.

O Sr. Paulo Pisco (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: Gostaria de

começar por saudar os membros da direção do sindicato que se encontram a assistir à sessão, passando a

dizer algumas coisas relativamente a este diploma.

Em primeiro lugar, saudamos a abertura para a negociação de alguns aspetos que são efetivamente

polémicos. Esta revisão do regime jurídico-laboral dos trabalhadores dos serviços periféricos do Ministério dos

Negócios Estrangeiros, isto é, dos consulados, missões diplomáticas e residências oficiais do Estado, ocorre

num ano que terá sido, provavelmente, um dos mais difíceis para os funcionários consulares.

Pela consideração que os servidores do Estado devem merecer, pelo respeito devido às Comunidades

Portuguesas e para bem da nossa imagem externa, o Governo não deveria continuar indiferente aos sérios

problemas que estão a afetar os trabalhadores consulares, entre os quais há relatos de situações de pobreza

em alguns países, particularmente devido à acentuada degradação salarial. Ao mesmo tempo, o esforço que

lhes é pedido aumenta por causa da redução do número de funcionários e do crescimento dos fluxos

migratórios, criando assim uma situação cada vez mais difícil.

O novo decreto-lei prevê algumas alterações importantes quanto à redefinição das carreiras, às tabelas

remuneratórias, à mobilidade dos trabalhadores, aos chamados «assistentes de residência» e em relação às

contribuições sociais, entre outros aspetos. Apesar de haver alguma indefinição quanto à legislação

complementar, que esperemos não traga surpresas desagradáveis, devemos reconhecer melhorias quanto à

eliminação de algumas distorções salariais, harmonização de contratos e no âmbito da proteção social.

Mas há propostas que merecem uma clara rejeição ou um veemente reparo por atentarem contra alguns

dos nossos valores fundamentais ou por conterem discriminações inaceitáveis.

Merece uma clara rejeição, por exemplo, a inacreditável proposta de eliminar o feriado do 25 de Abril,

tornando-o facultativo, tal como consta do artigo 17.º. Ainda pensámos que fosse um engano ou uma

distração. Mas não, o Governo pretende mesmo que os trabalhadores dos serviços externos tenham apenas

como feriados fixos o 10 de junho e o 25 de dezembro, ficando os restantes sete ao critério dos chefes da

missão diplomática.

Não bastava já o Governo ter eliminado os feriados dos dias 1 de dezembro e 5 de outubro, para agora

também querer desvalorizar o dia mais simbólico da história da nossa democracia, o que não deixa de dizer

muito sobre quais são os valores realmente importantes para esta maioria que nos governa. A verdade é que

nenhum democrata pode aceitar que o 25 de Abril passe a ter um valor menor ou que o seu simbolismo,

associado ao fim da ditadura, seja diminuído. O PS exige, por isso, um terceiro feriado fixo: o do 25 de Abril.

Ou, então, pediremos a apreciação parlamentar do diploma.

Por outro lado, também as questões salariais merecem uma chamada de atenção. O efeito conjugado dos

congelamentos e dos cortes salariais, de elevados níveis de vida e da desvalorização cambial em diversos

países, de que a Suíça, o Luxemburgo, o Reino Unido, o Canadá, os Estados Unidos e a Austrália são

exemplos expressivos, tem originado perdas brutais do rendimento disponível, criando problemas sérios a

muitos funcionários.

O Governo não deve, por isso, continuar a tratar da mesma forma realidades completamente diferentes, o

que está a ter pesadas consequências na situação de muitos trabalhadores e na qualidade dos serviços. O

que é desejável, portanto, é que a fixação dos novos sistemas remuneratórios não contribua para degradar

ainda mais a situação salarial da generalidade dos funcionários, colocando em causa a própria

sustentabilidade dos serviços consulares. Seria importante, assim, que a atualização das tabelas

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remuneratórias através de revisões intercalares fosse independente dos valores percentuais fixados para os

demais trabalhadores em funções públicas.

Quanto aos agora chamados «assistentes de residência», para quem, com alguma surpresa, foi criada uma

carreira especial, é incompreensível a discriminação de que são objeto, porquanto o seu horário é alargado

para 44 horas, enquanto os trabalhadores que em Portugal desempenham as mesmas funções,

designadamente na Presidência da República ou em São Bento, apenas trabalham 35 horas. Além disso, seria

desejável que os trabalhadores nas residências do Estado fossem considerados, neste decreto-lei, de uma

forma mais consentânea com a dignidade e consideração que merecem todos os trabalhadores,

independentemente das funções que exercem.

Pretendemos, assim, mais respeito pela situação dos trabalhadores, menos discriminações e mais

consideração pelos valores que definem a nossa identidade como povo e como país.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto

Gonçalves.

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs.

Deputados: Discutimos hoje a proposta de lei que autoriza o Governo a aprovar o regime jurídico-laboral dos

trabalhadores dos serviços periféricos externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Aproveito, desde já, para saudar a presença, aqui, de alguns trabalhadores consulares e de alguns dos

seus representantes sindicais, que se encontram a assistir a este debate.

No fundo, este diploma tem como objetivo definir direitos e deveres dos trabalhadores que exercem

funções nas nossas missões diplomáticas e cujo desempenho consideramos fundamental para a boa

concretização da ação externa do Estado português e para o apoio às nossas Comunidades.

Para nós, Grupo Parlamentar do PSD, é essencial ter estes trabalhadores mobilizados, motivados e

empenhados. E este diploma vai nesse sentido, restituindo dignidade a esta carreira e corrigindo um conjunto

de anomalias resultantes da ausência, durante os últimos anos, de uma verdadeira política de recursos

humanos no seio do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Este é um diploma estruturante, que aborda questões fundamentais para estes trabalhadores, definindo um

conjunto de regras em termos de recrutamento, sistemas remuneratórios, mobilidade, segurança social, entre

outras.

No entanto, Sr.as

e Srs. Deputados, permitam-me que realce alguns pontos que considero essenciais para

se perceber o alcance desta proposta de lei.

Em primeiro lugar, ela vai permitir que estes trabalhadores fiquem todos em igualdade de circunstâncias,

dando solução a um leque alargado de situações muito diferentes para conteúdos funcionais e funções

idênticas.

Em segundo lugar, este texto vai permitir que todos os trabalhadores tenham proteção social.

Aplausos do PSD.

Em terceiro lugar, esta proposta de lei prevê que os trabalhadores que exercem funções nas embaixadas e

consulados fiquem agora com a garantia de que não irão auferir um salário inferior ao salário mínimo praticado

nos respetivos países.

Para além destes avanços, quase de âmbito social, e que deveriam fazer refletir alguns, que, nesta

Câmara, tanto falam de Estado social, mas que, aparentemente, o ignoraram nesta área durante vários anos,

gostaria de referir a questão dos cargos de chefia, cujo recrutamento fica agora simplificado e que, como se

sabe, é uma das situações mais graves que conhecem os nossos postos consulares, dado que o último

lançamento de concurso para este tipo de cargo data de novembro de 2004.

Quase fico chocado quando o Deputado Paulo Pisco e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista falam de

dificuldades e de falta de recursos humanos. Os senhores já se esqueceram do que nos deixaram?! Os

senhores já se esqueceram de que não fizeram concursos?! Os senhores já se esqueceram de que não

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tiveram em conta os cargos de chefia?! Porque é que não deram continuidade?! Quem paga o vosso

esquecimento são as Comunidades Portuguesas!

Aplausos do PSD.

Há um tema polémico, que se refere aos feriados. Mas, aparentemente, o Partido Socialista não tem uma

solução para os feriados, tem para a questão do 25 de Abril. E aqui eu não posso ficar calado, meus colegas.

É que — está ali um Deputado que já exerceu funções de secretário de Estado nesta área entre 2002 e 2004

— havia comemorações do 25 de Abril. Alguns lembram-se, talvez, estiveram em vários países — Vítor Alves,

Pacheco Pereira, Manuel Alegre dizem-vos qualquer coisa? Os senhores chegaram ao Governo e acabaram

com essas comemorações! E hoje, ultrapassando a esquerda mais defensora destas questões, vêm falar do

25 de Abril!?

Diga-me uma coisa, Sr. Deputado Paulo Pisco: comemorar o 25 de Abril é ter as embaixadas e consulados

de porta e persiana fechadas?! Os senhores, em Lisboa, podem comemorar o 25 de Abril onde bem

entenderem! Mas nas Comunidades Portuguesas não! Em minha opinião, o 25 de Abril e o Dia de Portugal

deveriam ser dias de portas abertas, que as Comunidades Portuguesas deveriam comemorar nas nossas

embaixadas e consulados!

Aplausos do PSD.

Mas fica também claro o seguinte: os Deputados do Partido Socialista falam de feriados, mas, no fundo, as

questões estruturantes deste diploma estão realmente de acordo com eles, porque vem pôr cobro aos erros

que cometeram enquanto foram Governo.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, antes de terminar, gostaria de salientar a forma como tem

decorrido o processo negocial (que ainda decorre) entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o sindicato

representativo destes trabalhadores, que considero exemplar e que permite que hoje possamos estar aqui a

discutir, na Assembleia da Republica, um diploma que certamente vai ao encontro dos interesses dos

trabalhadores, mas que potencia, fundamentalmente, os interesses do Estado Português, de Portugal e das

nossas Comunidades.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por

saudar os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas, aqui presentes,

e, através dele, saudar todos os trabalhadores dos serviços externos.

A aprovação do regime jurídico-laboral dos trabalhadores dos serviços externos pode representar uma

oportunidade para resolver um conjunto de problemas que afetam estes trabalhadores.

As primeiras versões do documento eram inaceitáveis em muitos aspetos. Depois de um processo negocial

efetivo com o sindicato, chegou-se a uma formulação aceitável. Parece haver condições para resolver alguns

problemas, entre eles a avaliação dos trabalhadores ou as lesivas perdas salariais. Parece haver agora

vontade de resolver este problema, que o PCP denuncia e acompanha desde o tempo do anterior governo do

PS.

A proposta anexa ao pedido de autorização legislativa tem, contudo, situações que permanecem

inaceitáveis. A criação de uma única carreira de assistente de residência, onde se incluem cozinheiros,

jardineiros e motoristas, representa um retrocesso. O conjunto de tarefas dos trabalhadores das residências

oficias, que começaram por incluir até o tratamento de familiares doentes, foram melhorando, mas incluem

ainda o tratamento de animais domésticos ou a realização de serviços de costura em peças de uso pessoal.

Que o Estado português mantenha residências onde possa condignamente promover as relações bilaterais,

muito bem. Mas que, à boleia dessa situação, alguns trabalhadores possa ser tratados como criados pessoais,

não é aceitável.

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A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Ramos (PCP): — É também inaceitável a aplicação de um horário de trabalho de 44 horas

semanais a estes trabalhadores.

É igualmente inaceitável a aplicação generalizada de uma redução de 15% dos salários dos trabalhadores

que já utilizem habitação do Estado, quer porque este valor não tem em conta as tipologias de habitação, quer

porque os salários daqueles trabalhadores terem sido, muitas vezes, negociados tendo em conta esta

realidade.

O gozo dos feriados é outra das matérias que julgamos não salvaguardar os interesses do País.

Partindo do princípio de que é quase um crime de lesa-pátria que os serviços externos gozem os feriados

portugueses e os do país onde se localizam, apresenta-se uma proposta que limita o número de feriados a

nove, com a obrigatoriedade do 25 de dezembro e do 10 de junho. Aliás, parece já não haver problema em

estarem encerrados no Dia de Portugal, quando deviam era estar de porta aberta. Parece só ser importante

para o PSD estarem abertos no 25 de Abril e não no 10 de junho.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente! Bem lembrado!

O Sr. João Ramos (PCP): — Os restantes feriados são definidos pela chefia de missão.

Esta proposta, para além de não respeitar feriados fundamentais, como os do 25 de Abril ou do 1.º de

Maio, ainda corre o risco de causar localmente o embaraço de ter serviços abertos em feriados de que se deve

guardar respeito absoluto.

Para além disso, não permite aos portugueses a resolução de problemas em dia de descanso. A

incapacidade de resposta humana e de equipamentos às afluências espectáveis levariam a mais problemas

do que soluções e, sem reforço da resposta dos serviços, não faz sentido abri-los quando se preveem grandes

enchentes.

Preocupa-nos, ainda, a falta de resposta para a situação de trabalhadores com 70 e mais anos de idade,

que continuam no ativo por não terem sido inseridos em qualquer regime contributivo e por isso não terem

acesso a pensão de aposentação.

Não obstante os avanços que a proposta representa, este conjunto de preocupações significativas, ainda

em aberto, e o desrespeito pela negociação coletiva, que levou à apresentação de um documento diferente do

negociado, determinam a abstenção do Grupo Parlamentar do PCP.

Assumimos a garantia de apresentar uma apreciação parlamentar para propor as alterações necessárias

se o decreto-lei publicado não apresentar soluções para as questões que agora levantámos.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana

Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: A

autorização legislativa que discutimos tem apensa a legislação que aplica aos serviços periféricos externos e

aos trabalhadores das residências oficiais do Estado o regime laboral dos trabalhadores da Administração

Pública.

Incompreensível é que, passados tantos anos, esta aplicação não tenha sido feita com as suas

especificidades, como todos sabemos.

Portanto, creio que o Governo cumpriu aquela que era a sua obrigação ao adaptar este regime. E creio que

o fez ouvindo as estruturas representativas dos trabalhadores, que daqui saúdo, e que têm tido um papel

importantíssimo não só na reivindicação de melhores condições de trabalho como também no

acompanhamento, quase pessoal, de muitos trabalhadores e trabalhadoras que estão isolados do seu país e,

muitas vezes, com condições precárias de vida, quer nos serviços externos quer até nas residências oficiais

do Estado. Por isso, este contributo é inestimável.

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Creio, no entanto, Sr. Secretário de Estado, que há ainda muito para resolver neste Decreto-Lei que vem

apenso à autorização legislativa, desde logo, e à cabeça, a matéria relativa ao horário de trabalho.

Sr. Secretário de Estado, não é possível que façamos uma lei onde se diz que estes trabalhadores têm

como horário semanal 44 horas, quando em nenhum ordenamento jurídico nacional esse horário é praticado,

uma vez que, desde o Código do Trabalho aos diplomas aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas,

não existe esse horário.

Portanto, creio que tem de dar-se um sinal inequívoco e claro de que o horário semanal é de 40 horas,

porque isso é de justiça mínima.

Relativamente à questão dos feriados, quero dizer que quando se determinam dias concretos correm-se

sempre riscos de cada um achar mais importante um dia ou outro, mas o que é facto é que o Governo faz aqui

uma opção clara, determinando como obrigatórios o 10 de junho e o 25 de dezembro.

Então, a partir daqui também fogem os argumentos do Sr. Deputado do PSD relativamente aos outros

feriados. E o que o Bloco de Esquerda defende é que não é entendível nem aceitável que, determinando-se

como obrigatórios o 10 de junho e o 25 de dezembro, o mesmo não aconteça com o 25 de Abril e o 1.º de

Maio, sendo que, em muitos países, o 1.º de Maio é coincidente, mas noutros não será. Creio, portanto ser

absolutamente imprescindível incluir estes dois feriados.

Passo agora a abordar o conteúdo funcional daquela célebre carreira unicategorial, que é um nome muito

pomposo, parecendo até que estamos a tratar de pessoas muito importantes. Infelizmente, Sr. Secretário de

Estado, ao discriminar todas as funções que estas categorias têm, nomeadamente nas residências, não

podemos aceitar que, numa residência oficial do Estado, haja trabalhadores que têm como tarefa tratar dos

animais domésticos do senhor que manda na residência. Sr. Secretário de Estado, isso é um pouco demais! É

o dinheiro dos contribuintes que está a pagar essa situação! Não estamos a falar de pessoas que são

trabalhadores domésticos pessoais, estamos a falar de residências oficiais com trabalhadores em funções

públicas, que prestam serviço público! Essa situação é, pois, inaceitável!

A finalizar, quero dizer que esperamos que a legislação complementar, que é tão ou mais importante que

esta que hoje aqui discutimos, traduza, de facto, tabelas remuneratórias justas e adequadas aos países, que

resolva, de vez, o problema das pessoas que, tendo 70 anos, são obrigadas a continuar a trabalhar, porque

não têm qualquer esquema de proteção social e que resolva também os problemas da saúde.

Espera-se que o Secretário de Estado mantenha com os sindicatos esta ponte de diálogo para conseguir

fazer uma legislação complementar digna.

No entender do Bloco de Esquerda, fizeram-se alguns avanços, mas há que resolver estes problemas

concretos que agora referi, porque, a não ser assim, este diploma não terá a nossa concordância.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Ramos.

O Sr. José Lino Ramos (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: A

primeira palavra é para salientar a capacidade do Governo para intervir numa área que era por muitos

considerada uma manta de retalhos legislativa e, sobretudo, para enaltecer a capacidade de diálogo que foi

possível estabelecer com os sindicatos, que saúdo, e que representam estes trabalhadores, de forma a obter

um importante consenso em torno de matérias de que este diploma trata.

Os trabalhadores dos serviços abrangidos por este diploma são a face externa de Portugal no mundo, têm

uma missão de representação e de apoio às nossas comunidades, e este diploma vem, sobretudo, valorizar

esse seu papel.

Com este diploma, o Governo pretende adaptar o estatuto destes trabalhadores às recentes alterações do

regime laboral da Administração Pública, sem nunca perder de vista, no entanto, as suas especificidades.

São, a nosso ver, propostas que fazem todo o sentido e, dada a sua equidade e necessidade, saliento três

ou quatro aspetos.

Desde logo, em sede de proteção na saúde e do sistema de previdência, mantém-se a prática de inscrever

os trabalhadores nos sistemas de previdência locais, com a inovação da possibilidade de se contratar um

seguro privado, dando melhor proteção na doença a estes trabalhadores.

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No plano das carreiras profissionais, é de salientar que este diploma abre a porta à possibilidade de uma

verdadeira progressão na carreira, inexistente até agora. As chefias intermédias, com o novo regime, passam

a ser exercidas em comissão de serviço por um período de três anos, renovável, sujeito a concurso, à

semelhança dos cargos das demais chefias da Administração Pública.

Mas há mais argumentos a favor desta alteração: no plano do trabalho doméstico, criam-se regras

específicas, decalcando-o do regime do pessoal doméstico em Portugal, com as devidas especificidades e,

eventualmente, com necessidade de pontuais afinações.

O novo regime remuneratório será objeto de um decreto regulamentar autónomo, prevendo-se a transição

para as novas carreiras decalcadas do regime da Administração Pública, sem qualquer alteração a nível

remuneratório para os atuais trabalhadores.

Mas há mais: é ponto assente no diálogo entre o Governo e os sindicatos que as desvalorizações cambiais

verificadas em alguns países constituem uma preocupação e serão objeto de tratamento adequado neste

diploma.

Por último, o diploma prevê a questão dos feriados, de difícil implementação, tendo em conta a diversidade

de realidades geográficas, culturais e religiosas onde os serviços se encontram instalados.

São definidos como feriados obrigatórios o 10 de junho (Dia de Portugal) e o 25 de dezembro (Dia de

Natal), sendo deixada ao embaixador de cada país, em articulação e por decisão com os trabalhadores desse

país, a definição dos restantes feriados a gozar de entre os locais e os portugueses, mas nada obsta a que

outros feriados considerados importantes pelos trabalhadores sejam gozados, como é o caso dos feriados do

25 de Abril ou do 1.º de Maio.

Assim, esta a proposta prevê que os trabalhadores gozem o mesmo número de feriados estabelecido para

os restantes funcionários públicos.

Por estas razões, esta iniciativa legislativa, eventualmente com o contributo colhido das várias forças

partidárias, é uma ferramenta que permite atribuir maior dignidade ao pessoal dos serviços externos do

Ministério dos Negócios Estrangeiros, para assegurar maior qualidade aos serviços prestados às nossas

Comunidades, mas também na missão de melhor representar Portugal no mundo.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, concluído este debate, vamos passar ao último

ponto da nossa ordem do dia, que consta da apreciação da proposta de resolução 52/XII (2.ª) — Aprova a

Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a

Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da

Igualdade.

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade (Teresa Morais): — Sr.ª

Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: É com gosto que o Governo apresenta hoje ao Parlamento a proposta de

resolução que visa a ratificação, por Portugal, da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o

Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica.

E é um gosto redobrado pela circunstância de este processo decorrer durante as primeiras Jornadas

Nacionais contra a Violência Doméstica, organizadas pelo Governo, que, durante um mês, provocaram um

debate alargado e frutuoso e que terminarão no próximo dia 15, com a assinatura de uma carta de

compromisso com as entidades que gerem as casas-abrigo da rede pública e, assim, efetivará o fundo

financeiro de apoio à autonomização das vítimas de violência doméstica.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Convenção foi, até ao momento, assinada por 25 Estados, mas ratificada apenas por um e necessita,

para entrar em vigor, de 10 ratificações, oito delas de Estados-membros do Conselho da Europa.

Com esta iniciativa, Portugal será um dos primeiros Estados subscritores a ratificar este importante

instrumento internacional, podendo tornar-se, aliás, o primeiro Estado da União Europeia a fazê-lo.

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Esta Convenção é o tratado internacional de maior alcance no combate a todas as formas de violência

contra as mulheres, que qualifica como uma forma de discriminação e como uma grave violação dos direitos

humanos. Nela se estabelece um enquadramento legal para que os Estados previnam, investiguem e punam a

discriminação e os atos de violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica.

A Convenção que agora discutimos tem a particularidade de constituir o primeiro tratado internacional que

contém uma definição de género, entre as noções constantes no seu artigo 3.º, sublinhando-se nos

documentos de apoio elaborados pelo Conselho da Europa as conclusões de vários estudos que denunciam a

forma como alguns dos papéis e comportamentos aceites têm contribuído para aceitar também esta intolerável

violência contra as mulheres.

A Convenção atua nas áreas da prevenção, da proteção das vítimas e do sancionamento penal e não

penal das condutas e prevê, naturalmente, o seu processo de monitorização.

Quanto à prevenção, enfatiza-se, designadamente, a mudança de atitudes e de estereótipos, a formação

dos profissionais que trabalham com as vítimas, a sensibilização para as diversas formas de violência e as

consequências traumatizantes que dela decorrem.

No que respeita à proteção das vítimas, o texto da Convenção tem como objetivo nuclear colocar as

necessidades e a segurança das vítimas dentro das políticas, prevendo a instalação ou o reforço dos serviços

especializados de apoio médico, psicológico e legal às vítimas e aos seus filhos.

Em matéria de procedimento judicial contra os agressores, prevê-se a criminalização autónoma de várias

formas de violência contra as mulheres, a garantia de medidas de proteção especiais para as vítimas durante

a investigação e ação judicial, vincando o texto da Convenção a não aceitação de justificações para a violência

com base na cultura, nas tradições, na religião ou na honra.

Ela é inovadora na introdução de crimes que não estão, ainda, autonomizados na maioria dos sistemas

jurídicos dos países subscritores, de que são exemplo a mutilação genital feminina, o stalking ou a

esterilização forçada. Mas, nesta matéria, diga-se antes de mais que o nosso sistema jurídico-penal está já, na

esmagadora maioria dos casos, em sintonia com o texto da Convenção, não só quanto aos princípios gerais,

mas também no que respeita ao sancionamento penal das condutas.

De qualquer forma, e não obstante algumas delas poderem considerar-se subsumidas em tipologias

criminais já existentes, Portugal fará, naturalmente, as necessárias adaptações à sua lei penal.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, termino sublinhando que, ao propor a ratificação do texto desta

Convenção — e sublinho que sem a aposição de quaisquer reservas —, o Governo reafirma o seu firme

compromisso com o combate a todas as formas de violência contra as mulheres.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

Deputadas, Srs. Deputados: Pode significar muito,

pode não significar nada, mas hoje é dia 12/12/2012. E é seguramente um dia especial, não pela conjugação

inédita dos números, mas porque sobe a Plenário para ratificação um dos instrumentos da ordem jurídica

internacional cujos efeitos mais perdurarão no tempo e cujo impacto na defesa dos Direitos Humanos mais

beneficiários terá.

Regista-se com orgulho e satisfação que Portugal esteve na primeira linha dos signatários que a 11 de

Maio de 2011 deram corpo à chamada Convenção de Istambul. E volta a estar na primeira linha dos que, pelo

instrumento da ratificação, contribuirão para a sua entrada em vigor, podendo mesmo vir a ser o primeiro

Estado membro da União Europeia a ratificar esta Convenção do Conselho da Europa, assim a burocracia

nacional, por uma vez que seja, se suplante a si própria.

Um dia inteiro de Plenário não chegaria para descrever as qualidades que valorizam esta convenção do

Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica.

Mas, se nos é permitido iluminar algumas dessas qualidades, não poderemos deixar de referir que a violência

contra as mulheres é claramente reconhecida como uma grave violação dos direitos humanos, uma

discriminação de género inaceitável, e é uma responsabilidade do Estado proteger as vítimas e não deixar os

agressores impunes.

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O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Esta Convenção comporta uma definição de género como uma categoria

socialmente construída, que comete às mulheres e aos homens os seus papéis e comportamentos

particulares.

Foi aqui mencionado o instrumento da monitorização. Permitam-me só salientar que é a primeira

Convenção no mundo que comete um papel para os parlamentos nacionaise para a Assembleia Parlamentar

do Conselho da Europa: há um lugar para os Deputados participarem no processo de monitorização.

Existem tipos de violência que ainda não encontram, nem total nem parcialmente, acolhimento na ordem

jurídica de muitos países, como a violência psicológica, o stalking, a violência e o assédio sexuais, a violação,

– incluindo a violação conjugal –, o aborto, a esterilização e o casamento forçados, a mutilação genital

feminina ou os chamados «crimes de honra», que mais aprouvera de desonra se chamassem, para quem os

pratica e para a comunidade que os consente.

É de aplaudir a mãos cheias e com estrondo esta coragem de colocar preto no branco, em papel

convencional, este laço estreito que deve ligar o advento de uma verdadeira igualdade com o erradicar da

violência de género. Não ficam de fora deste texto nem os homens, nem os jovens, nem os idosos, nem as

crianças – e assim funcione a lógica holística que liga os quatro P’s — da prevenção, da proteção, da

penalização e das políticas integradas.

Mas que aproveitemos este momento, esta oportunidade, para lançar as bases de um novo paradigma de

um novo sistema jurídico e operacional de combate à violência de género. Passemos da fase da violência

doméstica à fase da violência de género mais ampla, mais para lá das quatro paredes familiares.

Passemos do tempo da sensibilização ao tempo da responsabilização, do Estado, de todos e de cada um

de nós, colocando a ênfase na prevenção, desde a escola mais tenrinha até à mobilização dos homens para

esta causa.

É um combate de longa duração, porque se trata de um fenómeno estrutural, que se reproduz de geração

em geração, e que provoca mais vítimas do que a guerra civil das estradas ou os conflitos armados.

A Assembleia da República, ao ratificar por unanimidade a Convenção de Istambul, como ouso desde já

antecipar, estará a aplicar o pacto de regime que nesta matéria une todas as forças e sensibilidades políticas

do País. Ai, como seria bom e bonito e bom que, noutras áreas da sociedade, este milagre também fosse

possível! Mas, ao fazê-lo, este Parlamento estará a contribuir para o direito à felicidade de muitos milhões de

seres humanos, predominantemente mulheres.

Com 33 anos de vida política, sinto que é a coisa mais útil em que participei, porque a solidariedade

também pode ser contagiosa!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elza Pais.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: A assinatura

e a ratificação da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as

Mulheres e a Violência Doméstica colocou Portugal na linha da frente no combate à violência de género. Já

aqui foi dito que fomos dos primeiros países a assiná-la e somos dos primeiros países a ratifica-la. Fica

claramente definida a prioridade política no combate à violência de género, mas também fica definida a

transversalidade política deste combate.

Uma palavra de reconhecimento para o Sr. Deputado Mendes Bota, caríssimo colega e amigo, pelo

trabalho realizado no Conselho da Europa em prol desta causa, sendo um exemplo que espero traga muitos

mais homens à defesa dos direitos humanos das mulheres.

Com esta Convenção, a violência contra as mulheres é definitivamente assumida como uma violência de

género nas suas diversas dimensões: violência doméstica, mutilação genital feminina, violação, assédio e

tantas, tantas, outras formas de violência psicológica, sexual, física e económica.

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E o que quer dizer uma violência de género? Quer dizer que resulta de um desequilíbrio do poder entre

homens e mulheres, um desequilíbrio cultural e civilizacional que tem prejudicado as mulheres na sua

integração profissional e na sua integração social, retirando-as de um conjunto de iniciativas e do exercício,

sobretudo, das liberdades e garantias fundamentais. Mas se prejudica as mulheres prejudica-nos também a

todos nós, prejudica a paz, prejudica a democracia e prejudica a segurança na Europa e no mundo.

Portanto, Sr.as

e Srs. Deputados, esta Convenção, ao promover esta luta contra a violência contra as

mulheres, incluindo a violência doméstica, coloca uma tónica central neste combate: é que combater a

violência de género é promover a igualdade de género, é promover o empoderamento das mulheres. Já o

sabíamos, a estratégia nacional que este Governo está a seguir é enformada por esta lógica de promoção da

igualdade de género.

Mas é preciso ir mais longe, é preciso colocar o dedo na «ferida», é preciso não desistir, é preciso ousar

mudar sem interrupções. A prevenção, a promoção de uma estratégia de igualdade para a cidadania desde

tenras idades é, de facto, aquela da qual não podemos desistir em circunstância alguma para que se mudem

atitudes, para que se mudem comportamentos, para que a violência de género se possa definitivamente

eliminar.

Algumas inovações já aqui foram referidas, pelo que não vou repeti-las, de todo o modo não posso deixar

de sublinhar o mecanismo de monitorização forte e independente, no qual as Deputadas e os Deputados terão

um papel ativo. Também não posso deixar de referir as medidas de interdição urgentes. E, a este nível,

permitam-me que dê conta de três propostas do Grupo Parlamentar do Partido Socialista em sede de revisão

do Código do Processo Penal: duas propostas para reforçar a autonomia das mulheres, que passam pela

possibilidade de se atribuir uma pensão provisória de alimentos e pela possibilidade de regulação provisória

das responsabilidades parentais em 10 dias após a pronúncia da queixa; uma outra é medida inovadora, uma

medida de intervenção, de afastamento do agressor da sua própria residência sempre que a vítima esteja em

perigo e necessite de ser protegida. Com esta medida, poderemos evitar muitas mortes de mulheres

assassinadas no nosso País pelos seus companheiros ou maridos, como tem acontecido. Este ano já

morreram 36 mulheres nestas circunstâncias, por isso espero que estas três propostas que o Partido

Socialista está a apresentar em sede de processo penal possam ser aprovadas para que este combate

continue a ser eficaz no nosso País.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados:

Naturalmente que o PCP saúda e acompanha os objetivos que radicam na apresentação desta proposta de

resolução e que nos revemos na necessidade de maior eficácia e maior garantia na defesa da igualdade e dos

direitos das mulheres.

Contudo, gostaria, também, de aproveitar esta oportunidade para deixarmos aqui algumas preocupações,

algumas notas relativamente ao texto da Convenção e da própria ordem jurídica e da realidade nacionais.

Relativamente ao capítulo I e ao artigo 4.º, entendemos que é importante estar reconhecida a abolição de

leis e práticas que discriminam as mulheres e deixamos aqui, mais uma vez, o repto de que cabe ao Estado,

designadamente ao Governo português, de mais uma vez encarar como prioritário o combate às

discriminações e às disparidades salariais.

No capítulo IV e ao artigo 18.º, no que diz respeito às matérias de proteção e apoio, entendemos também

importante o enunciado no sentido de evitar a vitimização secundária. Muitas vezes temos alertado para a

situação de revitimização destas mulheres por força de as vítimas de violência não terem ao seu alcance todos

os mecanismos que permitam evitar novas situações de violência.

Entendemos também, no que diz respeito ao capítulo VI e ao artigo 57.º, relativo ao apoio judiciário, que

seria importante garantir que o direito das vítimas a apoio judiciário e a assistência jurídica gratuita nas

condições previstas no nosso direito interno fosse garantido.

Entendemos também ser isto importante no dia em que, por coincidência, dirigimos uma pergunta ao

Ministério da Solidariedade e Segurança Social, porque tivemos conhecimento de que os serviços de

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segurança social do distrito de Setúbal registam atrasos significativos, que chegam a atingir os nove meses,

protelando em demasia as decisões relativas à concessão de apoio judiciário nas suas diversas modalidades,

com impactos negativos na vida e na própria proteção e emancipação das mulheres.

É por isso que entendemos que esta Convenção e a sua ratificação têm uma importância redobrada,

porque obriga o Estado português ao seu cumprimento e à fiscalização e monitorização da sua realidade

concreta e da sua aplicação na nossa realidade nacional.

Não podemos também deixar de lamentar — e fica aqui esta nota — pelo facto de no texto desta

Convenção não existir uma referência à exploração na prostituição, uma forma de violência em crescendo e

que urge ser erradicada e combatida, devendo ser também o Estado português a desenvolver instrumentos

capazes nesse sentido.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa

Anjinho.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: A

violência contra as mulheres é um problema antigo e, podemos dizer, universal.

Nas palavras de Ban Kin-Moon, há uma verdade universal aplicável a todos os países, a todas as culturas

e a todos os povos: a violência contra as mulheres nunca é aceitável, nunca é desculpável, nunca é tolerável!

Sejamos claros: a violência contra as mulheres arruína vidas, tem efeitos fraturantes nas comunidades e

impede claramente o desenvolvimento individual e coletivo, assumindo múltiplas formas, ocorrendo em

múltiplos lugares, em nome de múltiplos fins.

O compromisso internacional nesta matéria, se inicialmente tímido, tem vindo a adquirir nos últimos

tempos, no quadro da complementaridade que caracteriza o sistema internacional de proteção dos direitos

humanos, um papel central.

A adoção da Convenção de Istambul no sistema regional europeu e, em concreto, do Conselho da Europa,

enquanto instrumento específico e vinculativo, é sem dúvida um marco, sendo este o momento apropriado

para realçar e saudar o papel determinante de Portugal, em particular do Sr. Deputado Mendes Bota, em todo

este processo.

Recordo que, no que se refere às Nações Unidas, de uma forma genérica não existe, de facto, um

documento internacional com efeitos vinculativos no que se refere à violência contra as mulheres, apenas

existindo no âmbito do sistema regional da organização dos Estados americanos.

Ora, assim, a Convenção de Istambul trata-se, de facto, do primeiro instrumento europeu juridicamente

vinculativo que cria um quadro jurídico global e inovador, como bem referiu a Sr.ª Secretária de Estado,

visando prevenir a violência, proteger as vítimas e condenar os agressores.

É uma Convenção ousada e, de facto, dificilmente teria tempo para referir aqui todos os seus pormenores,

que já foram, obviamente, também referidos noutras intervenções, mas é uma Convenção tanto mais

importante quanto sabemos que cerca de 45% das mulheres, na União Europeia, dizem ter sofrido, alguma

vez, violência de género, estimando-se também que morrem, na Europa, por dia, 7 mulheres vítimas de

violência de género.

Isto, para além de que se trata, de facto, de um fenómeno com um importante impacto económico.

Dito isto — e apesar de continuarem a faltar dados estatísticos fiáveis e comparáveis sobre a violência

doméstica a nível nacional e europeu —, a verdade é que os números conhecidos são suficientemente

alarmantes para não haver dúvidas sobre a magnitude do problema e a importância de reforçar a atuação de

todos os países nesta área.

O compromisso e empenho do Governo português, tanto ao nível nacional como internacional, é manifesto,

sendo assim de enaltecer.

Todavia, a verdade é que o desafio é muito grande.

Se é inegável a valorização de todo este quadro teórico, nacional e internacional, décadas de políticas

públicas e de trabalho de organismos diversos e de tantas organizações da sociedade, num esforço sério e

empenhado, também é inegável que, como referi inicialmente, a letra da lei e as políticas esbarram

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frontalmente com uma dura realidade: não se tem conseguido vencer o drama da violência no contexto familiar

e, em particular, a violência contra as mulheres. Discriminação, impunidade e complacência, tolerada através

da indiferença, do desconhecimento, da ignorância e do medo.

É um facto que ao Estado cabe traçar políticas públicas, todavia, também é sem dúvida que afirmo que

esta é uma luta que nos diz respeito a todos, homens e mulheres, naquilo que considero ser o exercício

responsável de um dever de cidadania, que começa, desde logo, por uma alteração de mentalidades, a qual

decorre, essencialmente, da mudança, por vezes corajosa, de atitudes e formas de estar individuais.

Por isso mesmo, e para finalizar, permitam-me dirigir uma palavra de agradecimento a todos os homens e

mulheres — nomeadamente, sentados nesta Casa —, que, da esquerda à direita ou da direita à esquerda,

entre políticas, ativistas e sobreviventes, muito contribuíram para que chegássemos tão longe nesta luta.

A todos, bem hajam.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados, Srs. Membros do

Governo: O Bloco de Esquerda acompanha e saúda a proposta de resolução aqui apresentada, que é de uma

enorme importância, porque visa a aprovação da Convenção de Istambul, que é um compromisso muito

diferente e que exige novas responsabilidades políticas no combate à violência de género.

Essa responsabilidade é hoje acrescida pelos números dramáticos que conhecemos, pelas 36 mulheres

assassinadas, pelas 49 tentativas de homicídio, por toda esta situação que, de facto, exige a melhor resposta

política.

Saudando esta iniciativa, é de relevar que ela representa uma alteração de modelo muito importante. Em

primeiro lugar, porque a própria Convenção situa na desigualdade de relações de poder entre homens e

mulheres a raiz da própria violência e é, nesse sentido, uma Convenção que fala claro sobre as raízes da

violência contra as mulheres.

Por outro lado, porque exige, do ponto de vista da intervenção, em todos os planos, nomeadamente no

plano político e legislativo, uma alteração substancial que visa, por exemplo, e já foi até aqui relevado pela Sr.ª

Secretária de Estado, algumas mudanças relativamente às quais não nos podemos esquecer de que o que

está em causa não é dizermos que já muito foi feito, o que está em causa é que há muito e muito por fazer.

Releva-se, por exemplo, a tipificação das formas de violência e o que esta tipificação irá implicar para se

extinguirem, de vez, todas as formulações fluídas que permitem que tantos agressores continuem a passar

pelos «pingos da chuva».

Por outro lado, há um compromisso de envolvimento de toda a sociedade, de todos os parceiros, de todos

os interventores — é uma exigência da própria Convenção —, da elaboração de estatísticas credíveis e

consistentes, de que bem precisamos, da monitorização e avaliação das medidas que forem sendo tomadas

no combate a estas formas de violência, da proteção e apoio às crianças testemunhas, que destaco, pois

trata-se de uma proteção centrada no superior interesse da criança, da avaliação da violência em tomadas de

decisão que têm a ver com a guarda das crianças ou as visitas — este é um aspeto que vale bem a pena ter

em conta em todas as iniciativas que forem tomadas doravante —, ou, ainda, da proibição de processos

alternativos de resolução de conflitos obrigatórios, incluindo a mediação e a conciliação.

Há uma alteração muito significativa que exige muito de todas as forças políticas e que representa uma

forma diferente de olhar a violência contra as mulheres e de intervir no combate a esta discriminação ignóbil.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia, de Os Verdes.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos

Parlamentares e da Igualdade, Sr.as

e Srs. Deputados: Queria, em nome do Grupo Parlamentar de «Os

Verdes» saudar esta ratificação da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à

Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica. Entendemos que é um passo positivo e que deve, ao

que parece, sendo essa a realidade, merecer a unanimidade desta Câmara.

O Partido Ecologista «Os Verdes» identifica-se com a generalidade das intervenções que aqui foram feitas.

Não vou repetir muitas das questões que já tive oportunidade de dizer, e redizer, noutras intervenções feitas

sobre a matéria e que, de resto, já foram aqui expostas por outros Srs. Deputados, designadamente sobre a

responsabilidade do Estado de proteger as vítimas de violência — é bem verdade, é uma responsabilidade do

Estado — e de prevenir atos de violência. Aliás, a este propósito, já foi aqui muito repetida uma expressão que

também vou usar: desde tenra idade até uma idade mais madura, é sempre tempo de educar. Devemos

educar sempre, permanentemente, para a justiça. Penso que é importante dizer isto.

De qualquer modo, há uma questão que não pode fugir deste debate. Temos de perceber, de facto, onde é

que, às vezes, se situam as causas da incapacidade de muitas mulheres para fugirem de situações de

violência. E, neste domínio, temos de bater na mesma tecla de que alguns, eventualmente, não gostarão de

falar, mas de que é fundamental falar. É que as mulheres são as primeiras vítimas da pobreza, as primeiras

vítimas do desemprego e sabemos em que situação o País se encontra. Sabemos que as mulheres são

vítimas de discriminação salarial, mas ainda continuamos a tolerar isso. Porquê? Não é possível! Sabemos

que as mulheres são discriminadas no acesso ao trabalho. Não vale a pena fecharmos os olhos! Sabemos que

há mulheres que vão a entrevistas de emprego e ainda lhes é colocada a questão: «A senhora pensa vir a ser

mãe a curto prazo?». Se a mulher responde que sim, não tem trabalho. Sabemos disto! Mas o que é que se

faz? Onde é que anda a fiscalização e o que é que se faz, quando estas situações são mais do que

comprovadas e recorrentes?!

Portanto, podemos fazer aqui um brilharete nos discursos, mas, depois, quando estes aspetos nos

escapam na prática e não atuamos sobre eles, estamos a falhar. E estamos a falhar também na lógica da

ajuda a que as mulheres se possam libertar de situações de violência, porque, repito, a capacidade de

subsistência das mulheres, a sua autonomia, é das melhores garantias de que a mulher pode escapar de

situações de violência, porque não está dependente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — E o Estado tem de assegurar que assim é!

Aplausos do PCP e de Deputados do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, está concluído este ponto da nossa ordem de

trabalhos e, por conseguinte, a ordem do dia.

A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, com início às 15 horas e a seguinte ordem do dia:

declarações políticas; reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 61/XII — Estabelece os

princípios para a utilização de gases de petróleo liquefeito (GPL) e gás natural comprimido e liquefeito (GN)

como combustível em veículos; apreciação, na generalidade, do projeto de lei n.º 311/XII (2.ª) — Estabelece o

regime de recrutamento e seleção aplicável aos membros dos órgãos de administração dos hospitais e

unidades locais de saúde (ULS) do Serviço Nacional de Saúde (SNS), independentemente do seu estatuto

jurídico, e aos diretores executivos dos agrupamentos de centros de saúde (ACES) do SNS (Procede à quinta

alteração ao Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, alterado pelos Decretos-Lei n.os

50-A/2007, de 28

de fevereiro, 18/2008, de 29 de janeiro, 176/2009, de 4 de agosto, e 136/2010, de 27 de dezembro, à terceira

alteração ao Decreto-Lei n.º 50-B/2007, de 28 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.os

18/2008, de 29 de

janeiro, e 176/2009, de 4 de agosto, à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 183/2008, de 4 de setembro,

alterado pelos Decretos-Lei n.os

12/2009, de 12 de janeiro, e 176/2009, de 4 de agosto, à segunda alteração

ao Decreto-Lei n.º 318/2009, de 2 de novembro, à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 67/2011, de 2 de

junho, e à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.os

81/2009, de 2 de abril, 102/2009, de 11 de maio, e 248/2009, de 22 de setembro) (BE); apreciação conjunta

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dos projetos de resolução n.os

527/XII (2.ª) — Para que o Governo proceda ao pagamento das compensações

por caducidade dos contratos de professores (Os Verdes) e 529/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo o

pagamento das compensações por caducidade de contrato devidas aos professores contratados (BE).

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Imagem projetada pelo Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares no decurso da resposta que deu no

âmbito do debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 104/XII (2.ª) e do projeto de lei n.º 317/XII

(2.ª)

Imagem — voltar

Cargos Atual Proposta Diferença

Adjuntos do Presidente 332 73 -259

Secretários do Presidente 357 308 -49

Secretários do Vereador 128 48 -80

Adjuntos do Vereador 836 551 -285Secretário e Comissão

Executiva 33 70 +37

TOTAL 1686 1050

———

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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