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Sexta-feira, 21 de dezembro de 2012 I Série — Número 33
XII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2012-2013)
REUNIÃOPLENÁRIADE20DEDEZEMBRODE 2012
Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves
Secretários: Ex.mos
Srs. Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz Abel Lima Baptista
S U M Á R I O
A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas
e 8 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de
resolução n.os
531, 532, 534, 539 e 540/XII (2.ª), dos projetos de lei n.
os 324 e 325/XII (2.ª) e ainda da retirada, por
parte do BE, do projeto de resolução n.º 275/XII (1.ª). Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta
de lei n.º 107/XII (2.ª) — Estabelece o Estatuto do Administrador Judicial, tendo intervindo, além da Sr.ª Ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz), os Srs. Deputados João Lobo (PSD), Sérgio Sousa Pinto (PS), Teresa Anjinho (CDS-PP), João Oliveira (PCP) e Cecília Honório (BE).
Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 114/XII (2.ª) — Aprova a Lei de Organização do Sistema Judiciário, sobre a qual se pronunciaram, a diverso título, além da Sr.ª Ministra da Justiça e da Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade (Teresa Morais), os Srs. Deputados Filipe Neto Brandão (PS), Teresa Leal Coelho (PSD), João Oliveira (PCP), José Luís Ferreira (Os Verdes), Luís Pita Ameixa (PS), Cecília Honório (BE) e Teresa Anjinho (CDS-PP).
Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 208/2012, de 7 de setembro, que procede à transformação da Cinemateca Portuguesa — Museu do Cinema, IP, em entidade pública
empresarial, à cisão da Companhia Nacional de Bailado do Organismo de Produção Artística, EPE, e à sua transformação em entidade pública empresarial, à alteração da denominação do Organismo de Produção Artística, EPE, para Teatro Nacional de São Carlos, EPE, à aprovação dos Estatutos da Cinemateca Portuguesa — Museu do Cinema, EPE, da Companhia Nacional de Bailado, EPE, do Teatro Nacional D. Maria II, EPE, do Teatro Nacional de São Carlos, EPE, e do Teatro Nacional de São João, EPE, e à constituição de agrupamento complementar de empresas formado pelas entidades públicas empresariais da área da cultura [apreciação parlamentar n.º 35/XII (2.ª) (PS)]. Intervieram, além do Sr. Secretário de Estado da Cultura (Jorge Barreto Xavier), os Srs. Deputados Inês de Medeiros (PS), Catarina Martins (BE), Maria Conceição Pereira (PSD), Michael Seufert (CDS-PP) e Miguel Tiago (PCP). Ainda sobre este assunto, deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de resolução n.
os 543/XII (2.ª) (PS), 544/XII (2.ª) (Os
Verdes), 545/XII (2.ª) (BE) e 546/XII (2.ª) (PCP). Foram apreciados, conjuntamente e na generalidade, os
projetos de lei n.os
256/XII (1.ª) — Suspende os aumentos das rendas das habitações sociais (PCP), 323/XII (2.ª) — Regime de renda apoiada (Primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de maio) (PCP), 318/XII (2.ª) — Altera o regime de renda apoiada para uma maior justiça social
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(primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de maio) (BE) e 319/XII (2.ª) — Suspensão da aplicação do regime da renda apoiada (Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de maio) (BE). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Paulo Sá (PCP), Helena Pinto (BE), Jorge Paulo Oliveira (PSD), Artur Rêgo (CDS-PP) e Idália Salvador Serrão (PS).
Por fim, foram debatidos, na generalidade, os projetos de lei n.
os 230/XII (1.ª) — Sétima alteração à Lei das
Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro), estabelecendo que a TMDP passa a ser paga
diretamente pelas operadoras de comunicações eletrónicas (BE) e 325/XII (2.ª) — Altera a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro (Lei das Comunicações Eletrónicas), impedindo a penalização dos consumidores pela TMDP — taxa municipal de direitos de passagem (PCP). Produziram intervenções os Srs. Deputados Ana Drago (BE), Bruno Dias (PCP), Adriano Rafael Moreira (PSD), Duarte Cordeiro (PS) e João Paulo Viegas (CDS-PP).
O Sr. Presidente (António Filipe) encerrou a sessão eram 18 horas e 1 minuto.
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A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Ministra da Justiça, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados e Srs. jornalistas,
está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 8 minutos.
Os Srs. Agentes da autoridade podem abrir as galerias, por favor.
Antes de iniciarmos a ordem do dia, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para proceder à leitura do
expediente.
O Sr. Secretário (Abel Baptista): — Deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas
legislativas: projetos de resolução n.os
531/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo que considere prioritária a obra
de construção do novo acesso rodoviário ao porto comercial de Viana do Castelo e garanta o financiamento
público necessário para a concretização deste projeto (PS), que baixa à 6.ª Comissão, 532/XII (2.ª) — Propõe
a reavaliação do atual modelo de utilização e atribuição do parque automóvel do Estado (CDS-PP), que baixa
à 5.ª Comissão, 534/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo um conjunto de medidas que permita uma rápida
estabilização e recuperação da área ardida de Tavira e São Brás de Alportel (PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e
Os Verdes), que baixa à 7.ª Comissão, 539/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo a valorização e
reconhecimento das competências de educação não formal adquiridas pelos jovens através do associativismo
juvenil e do voluntariado (PSD e CDS-PP), que baixa à 8.ª Comissão, e 540/XII (2.ª) — Recomenda que o
Governo português disponibilize todos os meios técnicos que permitam produzir a informação necessária para
argumentar, junto do Comité Fitossanitário da Comissão Europeia, a revisão da listagem de espécies
hospedeiras de Nemátodo da Madeira do Pinheiro (PSD e CDS-PP), que baixa à 7.ª Comissão; projetos de lei
n.os
324/XII (2.ª) — Regime Jurídico da Educação Especial (PCP), que baixa à 8.ª Comissão, e 325/XII (2.ª) —
Altera a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro (Lei das Comunicações Eletrónicas), impedindo a penalização dos
consumidores pela TMDP — taxa municipal de direitos de passagem (PCP).
Deu ainda entrada na Mesa uma comunicação do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda de retirada o
projeto de resolução n.º 275/XII (1.ª) — Recomenda ao Governo o aumento imediato do salário mínimo
nacional.
Em termos de expediente, é tudo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º
107/XII (2.ª) — Estabelece o Estatuto do Administrador Judicial.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.
A Sr.ª Ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A proposta vem
determinar os requisitos de acesso à atividade de administrador judicial, procurando colmatar basicamente um
conjunto de problemas colocado pelo modelo de acesso a esta atividade, tal como foi instituído pela Lei n.º
32/2004, de 22 de julho, na sua atual redação.
Uma completa novidade face ao regime anterior vigente nesta matéria passa por estabelecer que o acesso
à atividade de administrador judicial depende da frequência de estágio e aprovação em exames finais,
estabelecendo a lei as regras fundamentais que devem presidir ao estágio para ingresso.
Quanto aos administradores funcionais que já estão em funções, embora não estando obrigados ao dever
de realização de um exame de acesso, consagra-se a obrigação de frequentarem ações de formação
contínua, estimulando-se, assim, que a classe em questão pugne ativamente pelo aumento das suas
capacidades para o exercício das funções que o Estado lhe confia.
Outra novidade é o facto de se elencarem os direitos que o exercício da atividade aporta aos titulares
habilitados para esta atividade, permitindo a todos quantos lidam com esta matéria uma melhor compreensão
face ao fecho de direitos que o exercício de tal atividade confere a todos quantos se encontram, para o efeito,
habilitados.
Na mesma linha, a lei passa a prever os principais deveres que incidem sobre os administradores judiciais,
os quais se encontravam, até agora, mais ou menos dispersos pelo estatuto.
Para além do mais, são quatro as novidades que merecem destaque nesta matéria.
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Os administradores judiciais passam a só poder aceitar processos na medida da sua capacidade efetiva
para os resolverem, sujeitam-se ao dever de contratarem seguro obrigatório de responsabilidade civil e
comete-se-lhes o dever de pagar taxas de supervisão.
Em matéria de nomeação, passa a prever-se que o juiz, mesmo nos casos em que não possa recorrer ao
sistema informático, deve pugnar para que os administradores judiciais sejam nomeados de forma a garantir
que sejam tratados todos por igual.
Em matéria sancionatória, há, de facto, alterações de relevo no que respeita à imposição de
contraordenações, questão em que o regime era, no mínimo, equívoco, e esta classe profissional passa a
sujeitar-se ao estatuto dos trabalhadores da função pública. Ou seja, até agora havia uma omissão nesta
matéria, que era muito sensível, pois estes profissionais lidam com muito dinheiro, de muitas pessoas.
Finalmente, prevê-se ainda a criação de uma nova instituição de regulação, de supervisão, com poderes
disciplinares.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Estão inscritos para intervir no debate os seguintes oradores: o Sr. Deputado João
Lobo, pelo PSD, o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, pelo PS, a Sr.ª Deputada Teresa Anjinho, pelo CDS-PP,
o Sr. Deputado João Oliveira, pelo PCP, e a Sr.ª Deputada Cecília Honório, pelo BE.
Em primeiro lugar, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Lobo.
O Sr. João Lobo (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Srs. Secretários de Estado, Sr.as
e Srs.
Deputados: A proposta de lei n.º 107/XII (2.ª), que estabelece o Estatuto do Administrador Judicial e que
revoga a Lei n.º 32/2004, de 22 de julho, insere-se nas obrigações que resultam do Memorando de
Entendimento, designadamente na parte que estabelece a regulamentação do setor financeiro, que estabelece
ainda um novo enquadramento legal de insolvência das empresas e insere-se mais no quadro ou no fenómeno
da revitalização das empresas, objeto da regulamentação já efetuada em abril de 2012.
Efetivamente, não podemos deixar de focalizar a situação das empresas num quadro especialíssimo, que é
o da criação e desvio do comércio inserido na união aduaneira e, depois, no mercado interno.
Este fenómeno de criação e, ao mesmo tempo, de afetação das empresas, é um fenómeno que merece,
por parte do Estado, um auxílio à revitalização, à pervivencia, à subsistência das empresas, visto que elas
contribuem para, evidentemente, manter o emprego, dinamizar a riqueza e fomentar o bem-estar social.
Neste quadro, percebe-se perfeitamente que o Governo elabore uma proposta, a discutir na Assembleia da
República, para que as funções do administrador judicial sejam não apenas mais qualificadas mas ainda mais
responsabilizadas. Porquê? Porque ele tem uma tríplice dimensão: a função de administrador judicial, de
administrador de insolvência e ainda de fiduciário. E, nesta tríplice dimensão, ele assume um relevo e uma
dinâmica importantíssima na preservação das empresas para que elas, em caso de difícil situação económica
ou de iminência de falência, acabem por não falir e, sobretudo, se mantenham no mercado. Para isso, é
preciso alguém que conheça Direito Comunitário, Direito Comparado, Direito Comunitário da Concorrência,
Direito Comercial, e tudo isso é hoje exigido, nesse acréscimo de competências, aos Srs. Administradores
Judiciais.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. João Lobo (PSD): — Penso que esta é uma visão do Estado, do Ministério da Justiça, que merece
especial realce.
Por outro lado, uma vez que a paramétrica em que eles funcionam, no quadro económico, oscila
permanentemente e é mutável em permanência, a sua responsabilização deve ser especialmente
considerada, porque a falta leve é possível — e daí a admoestação escrita. Mas, por outro lado, se houver,
porventura, o incumprimento das suas atribuições, conforme a Sr.ª Ministra da Justiça referiu na sua
comunicação, então aí deve agir a contraordenação, deve agir ainda a sanção acessória.
Por fim, realço os méritos da proposta, relativamente a este ponto: julgo que o administrador judicial é um
órgão da administração da justiça, que não tem o estatuto dos Srs. Magistrados Judiciais nem o estatuto dos
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meros colaboradores da justiça, como são os advogados, cuja função é reconhecida no artigo 108.º da
Constituição, é um tertius genus integrado na função judicial, com uma função disciplinar própria, não típica —
daí a aplicação subsidiária do instituto que regulamenta as sanções disciplinares aplicáveis aos trabalhadores
da Administração Pública —, mas que também não é típica das ordens profissionais, daí o tertius genus, com
uma aplicação muito específica, e daí, também, a responsabilidade civil garantida pelo seguro.
Vivemos melhor, garantimos melhor o emprego, garantimos melhor a solidariedade entre as pessoas, a
verdade e a responsabilidade no exercício de funções.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr.ª Presidente, concluo com uma pergunta: a Comissão de Acompanhamento, de Fiscalização e de
Disciplina está prevista ser integrada no Ministério da Justiça e espera uma regulamentação a curto prazo.
Para quando, Sr.ª Ministra, essa regulamentação?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: O
Governo deposita uma enorme expetativa no seu Estatuto do Administrador Judicial. Está convencido de que,
com o novo estatuto, fica o até aqui chamado «administrador de insolvências» um verdadeiro liquidatário, em
condições de resgatar empresas praticamente falidas, ou mesmo falidas.
Numa altura em que a generalidade do tecido económico luta pela sobrevivência num quadro recessivo
prolongado, que entra no seu terceiro ano, quando as empresas, grandes e pequenas, procuram evitar um
destino largamente ditado pelas escolhas políticas do próprio Governo, aparece a luz ao fundo do túnel que o
Governo acendeu para elas: o administrador de insolvências.
Com o País mergulhado numa crise profunda, em que a economia se converteu meramente no território
dos efeitos colaterais das escolhas feitas em sede de finanças públicas, prepara-se o Governo para estender a
miraculosa rede da administração de massas falidas para travar a destruição de empresas e do emprego.
O mercado interno está deprimido e a procura em queda livre, a escassez de financiamento condena todos
os dias empresas viáveis, mas não é caso para desesperar, pensará o Governo. A perícia dos administradores
judiciais, construída ao longo dos dois meses do seu novo estágio teórico-obrigatório salvará boa parte das
empresas em situação económica difícil, ou mesmo terminal, da insolvência.
Fascinados com a doutrina da destruição criativa schumpeteriana — que, no nosso caso, tarda em entrar
na fase criativa —, decidiu o Governo fazer entrar em cena os administradores de falências para auxiliarem no
parto da economia do futuro.
Divididos na sua lealdade, entre os interesses dos credores e os interesses das empresas e da economia
nacional, os administradores de insolvências passam a designar-se «judiciais». Já não se trata de liquidar
ativos e satisfazer os credores; agora, munidos do PER (Processo Especial de Revitalização), do CIRE
(Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e do estágio de dois meses, espera-se dos
administradores um suave milagre: a salvação de empresas in extremis, obra, a todos os títulos, espantosa,
que não tardará em produzir poderoso impacto no PIB.
O plano de revitalização de empresas e o Estatuto do Administrador Judicial são os abanos com que o
Ministro da Economia e a Ministra da Justiça pretendem debelar o sinistro que o seu colega das Finanças
ateou na economia portuguesa.
Aplausos do PS.
Escusado será dizer que não vai correr bem.
Ao depósito das inutilidades históricas irá juntar-se, fazendo companhia à Linha Maginot mais este pacote
que o Governo imaginou e que, evidentemente, não terá corrente nas insolvências, porque não há estágio ou
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exame que habilite seja quem for a salvar da insolvência empresas cujo drama é não terem clientes ou
financiamento.
A isto acresce que a proposta do Governo é tecnicamente inepta, como bem notaram as entidades
chamadas a pronunciar-se sobre este diploma. É realmente pena que seja o Ministério da Justiça a
acrescentar aleijões ao nosso ordenamento, o mais grave dos quais é o regime sancionatório, uma verdadeira
macedónia de originalidades jurídicas. Ainda por cima, não vale o argumento da urgência, uma vez que esta
lei para nada servirá sem a instituição do Conselho de Fiscalização dos Administradores Judiciais, que, por
razões desconhecidas, não foi resolvida no mesmo diploma.
Enfim, mais uma lei que ficará a embelezar o nosso maltratado ordenamento e que permitirá ao Governo
anunciar mais uma glória, em sede de reformas estruturais.
Lamento que matéria tão séria tenha sido objeto de tão desajeitada intervenção. Daqui a um ano, poderá a
Sr.ª Ministra voltar esta Casa para, em jeito de balanço, apresentar os números das empresas efetivamente
resgatadas da insolvência e a expressão percentual desse número no universo das empresas declaradas
insolventes.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Anjinho.
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª e Sr. Secretários de
Estado, Sr.as
e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, a proposta de lei que visa estabelecer o Estatuto do
Administrador Judicial.
Este é um diploma que, tendo por base tanto a adoção do novo Código da Insolvência e da Recuperação
de Empresas (CIRE) como a atual conjuntura económica e financeira, não só não é alheio à mudança de
paradigma protagonizado por esta lei, focada na recuperação da empresa, ao invés da liquidação, tantas
vezes prematura, do património do devedor, como também não é alheio à centralidade do administrador
judicial nestes processos, cada vez mais complexos.
Esta filosofia está, aliás, muito presente na alteração do nome de administrador de insolvência para
administrador judicial.
De facto, assistimos a uma ampliação do papel dos administradores, uma ampliação que acarretou — e
bem — esta alteração do estatuto, num diploma marcado por uma preocupação inequívoca de garantir a
qualidade, a transparência, o rigor e a responsabilidade.
No que se refere à qualidade, de forma sumária, permitam-me referir e aplaudir — à semelhança, aliás, da
maioria dos pareceres, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto — a ênfase dada aos requisitos de acesso à
atividade de administrador judicial.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Os candidatos, para além de um exame final, têm agora de passar
por um período de estágio, ressaltando a necessidade de que estes profissionais disponham não apenas de
conhecimentos em matéria de Direito Comercial e em questões relativas à insolvência, mas igualmente em
matérias de gestão.
Na mesma linha, cria-se, para todos os administradores judiciais, o dever de frequentar ações de formação
contínua.
Este é, sem dúvida, um importante contributo para a melhoria da segurança jurídica, não apenas dos
candidatos a administradores mas também dos cidadãos em geral.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Quanto à transparência e rigor, também sumariamente, não posso
deixar de referir (o que, aliás, também já foi referido pela Sr.ª Ministra da Justiça) a definição clara e
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inequívoca dos direitos e deveres dos administradores judiciais, direitos que eram omissos e deveres que
estavam dispersos no regime, gerando naturalmente controvérsia.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Em particular, em matéria de nomeação dos administradores judiciais,
é de realçar o facto de se passar a prever que o juiz, na impossibilidade de facto de recorrer ao sistema
informático para uma nomeação aleatória dos administradores judiciais, deve pugnar para que estes sejam
nomeados para os processos de forma a respeitar-se uma igualdade de tratamento.
Por fim, quanto à responsabilidade e regime sancionatório — talvez as alterações mais profundas —, é de
enfatizar a criação de uma nova entidade, responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina destes
administradores, entidade com poder para iniciar o processo disciplinar e contraordenacional, clarificando-se a
legislação subsidiária a aplicar a cada um dos processos em questão.
E, para concluir, a previsão clara, inovadora e muito positiva da responsabilidade disciplinar, paralelamente
à responsabilidade contraordenacional, bem como o reforço das sanções de natureza contraordenacional, o
que bem se compreende, tendo em conta a natureza das funções exercidas, e que foi um ponto, aliás,
ressaltado como positivo pelo parecer do Conselho Superior do Ministério Público.
Em suma, não obstante a discussão que se segue, em sede de especialidade, não dispensar clarificações
em certas matérias, nomeadamente quanto à natureza e composição da entidade a criar, e não obstante a
introdução de eventuais alterações, julgo que todos devemos reconhecer que estamos perante um diploma
que é extremamente importante para a vida jurídica e económica do nosso País e um diploma que é adequado
às necessidades e às exigências que se impõem.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.as
e Srs. Deputados: O diploma
que discutimos hoje é um de dois diplomas que temos agendados para discutir nesta sessão sobre a política
de justiça. E, Sr.ª Ministra, pelo menos da nossa parte, não concordamos com as referências ainda agora
feitas pela Sr.ª Deputada Teresa Anjinho relativamente à importância decisiva deste diploma para o sistema
judicial.
Reconhecemos a sua importância relativa, sobretudo no quadro das alterações mais recentemente
efetuadas ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, mas, ainda assim, com alguma
diferenciação em relação às medidas contidas nesta proposta de lei.
Passo por cima daquilo que é a alteração de designação dos administradores, porque julgo que esse é um
aspeto, ainda assim, com pouca referência, e começo por sublinhar a concordância do PCP com algumas das
medidas previstas na proposta de lei, nomeadamente as que colocam maiores exigências na formação e na
qualificação dos administradores judiciais, sublinhando aquelas que são hoje as exigências — sobretudo no
âmbito das diferentes disciplinas jurídicas e, designadamente, em matérias de gestão e até de contabilidade —
para o exercício das suas funções.
Também estamos de acordo com a perspetiva de reforço da responsabilização dos administradores
judiciais, que a própria proposta de lei comporta, nomeadamente, Sr.ª Ministra, considerando a importância
das funções dos administradores judiciais e o melindre das questões que têm de decidir.
Quando, hoje, nos confrontamos com a dimensão verdadeiramente avassaladora do número de empresas
colocadas em situação de insolvência e de falência, sujeitas a processos de insolvência ou de recuperação,
com a repercussão que isso tem na vida de milhares de portugueses afetados por estes processos,
nomeadamente na vida dos trabalhadores que vêm os seus salários comprometidos pela incapacidade das
empresas de cumprirem as suas obrigações de pagamento dos salários ou outras obrigações pecuniárias, e
sobretudo considerando a natureza e a relevância da intervenção dos administradores judiciais nesse aspeto,
constatamos que estas são obviamente matérias de grande importância.
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Estamos ainda de acordo com a exigência de seguro de responsabilidade civil, a necessidade de aceitação
dos processos na medida da capacidade de resposta que os próprios administradores judiciais reconhecem e
também com a exigência da frequência de ações de formação, o que se liga com o primeiro aspeto que referi.
Mas, Sr.ª Ministra, há três aspetos concretos em relação aos quais temos alguma preocupação, senão
mesmo até alguma discordância.
O primeiro tem a ver com a previsão do pagamento de taxas pelos administradores judiciais para suportar
os custos com a atividade de acompanhamento, fiscalização e disciplina que, em relação a si próprios, tem de
ocorrer. É que, se entendemos a necessidade de custear a atividade de acompanhamento, fiscalização e
disciplina da profissão, julgamos que não devem ser os administradores judiciais a ter de suportar esses
custos, pois, se exercem funções públicas em nome do Estado, deveria ser o Estado a custeá-los.
Dos outros dois aspetos, mais relevantes, o primeiro tem a ver com a previsão de uma norma de equidade
na nomeação, através de um sistema aleatório, utilizando recursos informáticos pelos quais os juízes passam
a nomear os administradores judiciais, procurando responder a um problema que se colocava relativamente à
equidade na distribuição dos processos a cada administrador judicial. Compreendemos a preocupação que
está por detrás desta norma, temos é dúvidas relativamente à sua eficácia, porquanto ela não tem em conta
considerações relativas à complexidade dos processos e até mesmo à sua dimensão e ao seu volume. E pode
até ser contraditória com uma outra previsão da proposta de lei, consagrada no artigo 4.º, n.º 5, que tem a ver
com a possibilidade de nomeação do mesmo administrador judicial para várias sociedades que se encontrem
em relação de domínio ou de grupo.
Sr.ª Ministra, para além da eventual contradição entre esta disposição e aquela que prevê a equidade na
nomeação e a nomeação aleatória dos administradores judiciais, esta possibilidade suscita-nos seriíssimas
preocupações. Isto, porque conhecemos a dificuldade que se coloca muitas vezes nestas circunstâncias,
relativamente a sociedades que, apesar de estarem em relação de domínio ou de grupo, envolvem, por vezes,
maiores dificuldades e maiores exigências naquilo que é a intervenção dos administradores judiciais e,
sobretudo, com decisões que, por pressão do tempo e das circunstâncias concretas da existência dessa
relação de grupo ou de domínio, acabam por traduzir-se, muitas vezes — e sobretudo porque também nessas
sociedades se colocam com maior pressão exigências do ponto de vista dos credores, principalmente da
banca e dos credores com interesses financeiros mais vultuosos —, na pressão sobre os administradores
judiciais, o que resulta em decisões que penalizam outro tipo de credores, nomeadamente credores com
menor capacidade de intervenção e de influência, como sejam os trabalhadores.
Portanto, compreendendo a perspetiva que está por detrás da proposta do Governo, Sr.ª Ministra, neste
aspeto, a proposta não merece a concordância do PCP e, obviamente, procuraremos alterar a previsão da
proposta de lei num sentido que nos parece mais respeitador e mais adequado ao que é a preservação e a
defesa dos direitos dos trabalhadores.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado,
Sr.as
e Srs. Deputados: De administradores da insolvência a administradores judiciais, nesta perspetiva da
recuperação de empresas, há, porventura, um otimismo excessivo neste conceito.
Em todo o caso, quero centrar-me nos aspetos positivos e nos problemas que identificamos na atual
proposta.
Os aspetos positivos têm a ver com o reforço de exigência no acesso à profissão, com a própria
qualificação profissional, com o reforço da responsabilização destes profissionais e também com a nomeação
equitativa prevista, com os contornos que ela tem na proposta de lei. Estes são aspetos que nos parecem
francamente positivos.
Os problemas têm a ver com a «carta em branco» passada à entidade responsável pelo acompanhamento,
fiscalização e disciplina dos administradores judiciais, que, por exemplo, tem na sua mão os processos
disciplinares e também a possibilidade de estabelecer os critérios de idoneidade que bem entender. E não
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conseguimos compreender a razão pela qual esta mesma entidade não foi integrada neste diploma. Não faz
muito sentido e é uma «carta em branco» que nos preocupa.
Conseguimos ainda identificar outros problemas.
Por exemplo, no quadro do artigo 4.º, relativo às incompatibilidades, impedimentos e suspeições, deveria
alargar-se o período, dito de nojo, de três anos não só à previsão aí consagrada mas também a qualquer
relação contratual ou de prestação de serviços às empresas em causa.
Depois, há outros problemas, como o facto de cada comarca ter a sua lista de administradores judiciais
devidamente identificados, mas, ao mesmo tempo, os administradores poderem sê-lo em diversas comarcas.
Entendemos que deveria haver um limite, que seria razoável que existisse, tal como deveria haver um
limite ao número de processos a atribuir a cada um dos administradores.
Estas são as matérias que nos preocupam relativamente ao diploma agora em discussão.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção sobre a proposta de lei, a concluir este primeiro debate, é da
Sr.ª Ministra da Justiça.
Tem a palavra, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr.ª Presidente, telegraficamente, gostaria de dizer o seguinte: sim, Sr.
Deputado João Lobo, já está pronta a regulamentação da entidade de regulação e de supervisão, e terei muito
gosto em deixá-la hoje aqui, nesta Assembleia, para apreciação.
Relativamente à razão por que os estatutos não vêm nesta proposta de lei é muito simplesmente porque se
entende que é de boas práticas que os estatutos das entidades de regulação e de supervisão (e com isto,
respondo também à Sr.ª Deputada Cecília Honório) venham separados dos estatutos das entidades que
regulam.
Finalmente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, não sei o que o Sr. Deputado tem contra a qualificação, o
aumento das qualificações e das responsabilidades.
O projeto foi globalmente elogiado por todas as entidades. Recordo só que o parecer do Conselho Superior
do Ministério Público — e, portanto, não é verdade o que aqui disse, que o diploma tenha sido objeto de um
juízo negativo — termina dizendo «sendo estas, em traços muito gerais, as principais inovações, a proposta de
lei constitui uma melhoria assinalável relativamente ao regime jurídico atual». Mas, por exemplo, a Associação
Sindical dos Juízes Portugueses também diz: «(…) a presente proposta, com algumas alterações devido ao
novo formato de estágio, alteração que se aplaude (…)».
Portanto, Sr. Deputado, este projeto mereceu objetivamente o aplauso dos profissionais forenses, na sua
globalidade.
Sr.ª Deputada Cecília Honório e Sr. Deputado João Oliveira, percebo as questões que colocaram
relativamente ao artigo 4.º. Todavia, essas questões são absolutamente limitadas e esses receios excluídos,
uma vez que, se repararem, o n.º 3 do artigo 12.º refere que só é possível aceitar o número de processos que
o administrador judicial é suscetível de resolver.
Finalmente, devo também dizer que a expressão «administrador judicial» já era utilizada, querida e
reclamada pelos profissionais forenses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao ponto seguinte, a discussão, na generalidade, da
proposta de lei n.º 114/XII (2.ª) — Aprova a Lei de Organização do Sistema Judiciário.
De novo, tem a palavra a Sr.ª Ministra, para fazer a apresentação desta proposta de lei.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de Lei de Organização do
Sistema Judiciário que o Governo submeteu ao Parlamento em 30 de novembro, e que hoje apresenta,
concretiza os elementos que consideramos essenciais para uma alteração total no que respeita ao sistema de
justiça em Portugal.
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Para além do Código do Processo Civil e do Plano de Ação para a Justiça na Sociedade da Informação,
esta proposta de lei é um dos pilares desta grande reforma.
Este diploma assenta em três princípios estruturantes: a integração dos pequenos tribunais em secções de
um mesmo tribunal de comarca, o que permite simplificar a oferta judiciária, promover a especialização e
melhorar a utilização dos recursos; a criação de um corpo de gestão para cada tribunal de comarca,
constituído por um juiz presidente, por um magistrado do Ministério Público coordenador e por um
administrador judiciário; e o estabelecimento, pela primeira vez, do procedimento formalizado de definição de
objetivos por comarca, que junta os vários conselhos superiores. É, pois, muito importante esta definição, pela
primeira vez, de objetivos para as comarcas.
O processo de estudo e discussão pública para esta proposta tem sido profundo — começou em junho de
2011.
Da análise levada a cabo, resultou um primeiro documento técnico que foi amplamente discutido com os
profissionais forenses, bem como com os autarcas, no âmbito dos trabalhos conduzidos pelo grupo de
trabalho.
Na sequência desta nova fase de trabalho, o grupo produziu, em 15 de junho de 2012, um documento: As
Linhas Estratégicas para a Reforma da Organização Judiciária. É na sequência destes trabalhos, que
constituem a primeira proposta pública de reorganização integral dos tribunais de 1.ª instância, baseada na
análise da procura registada em concreto para as diferentes áreas processuais em cada ponto do território,
associada à capacidade de resposta expectável para cada magistrado, que é identificada pelo valor de
referência processual, que surge a presente proposta de lei que, devo dizer, tenho o orgulho de apresentar a
este Parlamento.
Esta proposta de lei refere as principais profissões judiciárias, incluindo, pela primeira vez, os oficiais de
justiça, todas as ordens e classes de tribunais mencionados na Constituição e refere ainda os órgãos de
gestão e de disciplina judiciários — ou seja, os conselhos —, sendo mais detalhada quanto à organização dos
tribunais judiciais de 1.ª instância, nos artigos 77.º a 142.º.
A referência aos conselhos numa lei de organização judiciária poderia causar alguma estranheza, mas é
essencial centrar claramente estas estruturas no papel que assumem no sistema judiciário português, até
porque os conselhos passarão a ser responsáveis pela definição de objetivos com as comarcas.
O que se propõe para a reorganização dos tribunais judiciais é muito simples: em cada divisão territorial,
pela qual se opta por continuar a ser uma referência cultural e social e com centralidades e percursos bem
definidos, há apenas um tribunal que se divide em instâncias locais, situadas nos pontos e nos edifícios onde
hoje funcionam os tribunais de comarca com competência genérica, e em instâncias centrais, situadas em
capitais, centralidades, com maior movimento processual e em que os movimentos pendulares das
populações recomendam competência especializada para causas cíveis de valor mais elevado e causas
penais para crimes mais graves, ou especializadas em razão da matéria — como trabalho, comércio,
execução, família e menores.
Esta distribuição num tribunal de comarca apenas encontra duas exceções, os distritos de Lisboa e Porto,
dado o elevado movimento processual.
Para além de tribunais de comarca, temos os tribunais especializados de competência territorial alargada: o
tribunal da propriedade intelectual, o tribunal da concorrência, regulação e supervisão, o tribunal marítimo, o
tribunal central de instrução criminal e os tribunais de execução de penas.
Gostaria de sublinhar muito, nesta Assembleia, que os atuais 231 tribunais de comarca e os 77 tribunais de
competência especializada são substituídos por 23 tribunais de comarca com 180 instâncias locais e 220
secções especializadas.
Aumenta-se a oferta especializada no interior: Braga, Castelo Branco, Évora, Faro, Santarém, Leiria, Viana
do Castelo, Vila Real, Viseu e nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Desde 2008 que Portugal tem, em simultâneo, duas reformas de organização judiciária: a das comarcas-
piloto e os restantes tribunais judiciais, ao abrigo da Lei n.º 3/99.
Chegou o momento de alargar e aprofundar as boas medidas estabelecidas pela Lei n.º 52/2008 a todos os
tribunais nacionais, dotando-os, porém, de estruturas de gestão de proximidade a que agora se confere maior
autonomia ao alargar as competências próprias dos conselhos de gestão e dos seus elementos e ao
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estabelecer um sistema formal de definição de objetivos para os tribunais, mas também de monitorização, que
inclui, em simultâneo, os conselhos superiores.
Para aumentar a transparência do sistema, os resultados atingidos pelas comarcas devem ser publicitados
nas páginas eletrónicas dos conselhos.
Tendo consciência do enorme desafio que representa esta organização de todos os tribunais de 1.ª
instância, bem como os passos de preparação que têm de ser dados para a transferência de processos, os
órgãos de gestão de comarca serão nomeados previamente, tal como de resto se dispõe no artigo 209.º, que
entra imediatamente em vigor para esse efeito, após uma formação específica a promover pelo Centro de
Estudos Judiciários.
Não obstante não decorrer da proposta de lei que se apresenta a esta Assembleia da República o
encerramento de quaisquer tribunais neste momento, gostaria de sublinhar que, como é evidente, não é
objetivo da presente reorganização extinguir tribunais. É objetivo desta reforma promover a especialização por
ser evidente que a qualidade da justiça passa atualmente também pela qualidade e celeridade das decisões
judiciais que se conseguem com o recurso a magistrados com conhecimentos especializados, aperfeiçoados
pela prática profissional.
Acresce que um decisor especialista em determinado domínio decide num tempo mais curto e melhor.
Esta especialização apenas é possível concentrando recursos, o que determina que se encerrem os
serviços com movimento mais reduzido. A opção que está neste momento a ser reequacionada é a do
encerramento de alguns tribunais e a reconfiguração de 23 outros tribunais como secções de proximidade.
Assim, é possível alocar mais de 300 profissionais a jurisdições especializadas e ao reforço de tribunais e
secções que registam maior número de processos pendentes em atraso.
Sublinho novamente que todos os estudos são públicos, promovemos mais de 70 reuniões com autarcas e
inúmeras reuniões com os conselhos e os sindicatos. Estamos certos de que a proposta equilibra de forma
muito adequada a proximidade física a que as populações estão habituadas e as vantagens que a maior
concentração traz ao permitir a especialização e uma melhor gestão de recursos.
Por outro lado, é indispensável que haja verdadeiros mecanismos de gestão dos tribunais, com
possibilidade real de gestão processual que promova a análise dos processos que se encontram em atraso,
para adoção imediata das medidas necessárias determinadas pelos conselhos da gestão de comarca.
Quero deixar uma palavra muito particular ao meu chefe de gabinete, ao Sr. Diretor-Geral da Direção-Geral
da Administração da Justiça (DGAJ), à Dr.ª Maria Manuel Batalha, à Sr.ª Subdiretora Geral, Eva Jorge, e a
todos os serviços do Ministério da Justiça que foram absolutamente incansáveis neste trabalho. O mesmo faço
relativamente aos sindicatos e aos conselhos que contribuíram para melhorar substancialmente este projeto,
que se traduz numa verdadeira revolução judiciária, como não tínhamos há mais de dois séculos no País.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.
O Sr. Presidente: — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos à Sr. ª Ministra,
que dispõe de apenas 56 segundos para responder.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão.
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, V. Ex.ª vem propor a esta
Assembleia a revogação da Lei n.º 52/2008, que estipulava (aliás, estipula ainda) a redução de 231 para 39
comarcas.
Ora, é importante recordar que quando o então Ministro da Justiça veio a esta Assembleia apresentar a
proposta de lei que deu origem à Lei n.º 52/2008 fê-lo garantindo que nenhum tribunal encerraria. E que disse
então o PSD?
Um Deputado do PSD — e vou citar a Ata de então — afirmou: «O PSD opõe-se desde logo a que a
agregação das atuais 231 comarcas em 35 — e agora 39 — circunscrições de base possa implicar o
encerramento de tribunais. O PSD exige que sejam dadas garantias no texto da proposta de que os atuais
tribunais de comarca sejam mantidos e, consequentemente, não encerrados». Disse ainda o mesmo Deputado
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do PSD: «Não nos convence o mero compromisso político de não encerramento de tribunais. O PSD recusa-
se a pactuar com uma política de abandono do território que vai passar a obrigar os cidadãos a fazerem
muitos quilómetros para se deslocarem aos novos juízos, o que vai dificultar o acesso à justiça,
nomeadamente dos mais carenciados».
O Sr. António José Seguro (PS): — E tinha razão!
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — E o que propôs o PSD? Leio: «O PSD propõe…» — ao contrário do
que foi referido pelo então Ministro da Justiça — «… a manutenção dos atuais tribunais de comarca».
Ora, hoje, o PSD, o mesmo PSD que dizia ser contra o encerramento de tribunais e que não se satisfazia
com o mero compromisso político de não encerramento de tribunais, aplaude a Sr.ª Ministra que não só não
corresponde a esse compromisso como, ao invés, propala o encerramento de tribunais. Notável!
Aplausos do PS.
Em abono da verdade, diga-se também que se incluirão nos tribunais a encerrar aqueles a que a Ordem
dos Advogados chama, no seu parecer, «um malabarismo», ou seja, as secções de proximidade, que são
convertidas em meros recetáculos de papéis, às quais, como a própria exposição de motivos o refere, não é
atribuída a titularidade do exercício da função jurisdicional, ou seja, não serão tribunais.
Sr.ª Ministra, como V. Ex.ª reconheceu, e bem — saúdo-a por isso —, a 16 de outubro, nesta mesma Casa,
o encerramento de tribunais não tem impacto financeiro. Desse ponto de vista, «a poupança é irrelevante» —
as palavras são exatamente as suas. A questão do encerramento de tribunais é, pois, não uma questão
financeira mas uma opção política.
Ora, para o PS — que o dizia antes e continua a dizer —, a redução do número das atuais comarcas,
agregando-as, potenciando a especialização e uma mais eficaz gestão dos recursos humanos e materiais, não
tem de implicar o encerramento de tribunais, nomeadamente os do interior. Constatando-se, como V. Ex.ª,
aliás, já o fez publicamente, que, na perspetiva da despesa pública, o encerramento de tribunais oferece um
contributo praticamente irrelevante, julgamos que as virtualidades da presença do Estado, nomeadamente
dando o corpo à função que lhe cabe de coesão territorial, sobrepõem-se claramente aos inconvenientes da
subtração da sua presença.
Pergunto, pois, Sr.ª Ministra, por que é que, não tendo isso implicação financeira, o Governo faz hoje o
contrário do que os partidos que o suportam defendiam quando estavam na oposição?
O Sr. António José Seguro (PS): — Muito bem!
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr.ª Ministra, para terminar, quero recordar ao Governo e à maioria que
o suporta o que consta do Memorando de Entendimento, tão propalado pelo Governo.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.
O que consta do ponto 7.3 é como acelerar a aplicação do novo mapa judiciário, criando 39 comarcas. É
exatamente isso que V. Ex.ª veio hoje dizer que não fará.
Assim, a minha segunda e última pergunta é a seguinte: o Governo só invoca a rigidez do cumprimento do
Memorando de Entendimento quando lhe convém?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — A Sr.ª Ministra responderá no final, pelo que tem a palavra, para um
pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho.
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A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários de Estado, Sr.as
e Srs.
Deputados: Sr.ª Ministra, temos vindo a falar na necessidade de levar a cabo a reforma das funções do
Estado. E quando se fala em reformas, em Portugal, há sempre vozes que vêm arbitrariamente impugnar
qualquer mudança que se pretenda fazer.
Há pouco, o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão referiu esta proposta legislativa como uma revogação de
uma lei anterior, mas o Sr. Deputado não ouviu a Sr.ª Ministra, que iniciou a sua intervenção mencionando que
aquilo que nos tem trazido a este Plenário é uma alteração total no que respeita ao sistema de justiça em
Portugal.
Pois, digamos claramente ao Sr. Deputado Filipe Neto Brandão e a todos os Deputados neste Plenário o
seguinte: aquilo que está em causa é uma reforma das funções do Estado, uma revolução no sistema
judiciário para melhor servir as pessoas.
Nós sabemos que, tradicionalmente, o sistema de justiça é um pilar do Estado de direito democrático,
sabemos que é uma das funções de soberania estruturantes do Estado de direito democrático e sabemos que
o Estado de direito democrático tem como desígnio primeiro o cidadão e a garantia dos direitos, liberdades e
garantias do cidadão.
Sabemos também que a reforma do sistema judicial é absolutamente determinante para promover, em
Portugal, o desenvolvimento humano, o desenvolvimento económico e a eficiência no modelo de
desenvolvimento humano, económico e social.
O Sr. Deputado Filipe Neto brandão referiu que esta reforma não trazia ganhos financeiros para Portugal.
Não são ganhos financeiros que pretendemos; pretendemos ganhos humanos e ganhos económicos!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Aquilo que se pretende é promover eficiência evidente, aquilo que se pretende é que a justiça seja
colocada no topo das prioridades políticas. A justiça deve ser evidenciada no quadro de honra, no quadro das
referências que integram o modelo de desenvolvimento de uma sociedade.
Quando, há um ano, a Sr.ª Ministra assumiu a responsabilidade de reformar a justiça em Portugal,
comprometeu-se perante as pessoas, comprometeu-se perante os cidadãos que, desde há muito, anseiam um
novo paradigma de justiça que nos garanta a todos nós dignificar a cidadania e, assim, aprofundar a
democracia. É disso que se trata nesta revolução no sistema de justiça.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sabemos, Sr.ª Ministra, e não podemos ignorar, que os níveis de
confiança na justiça em Portugal, tal como são percebidos pelos cidadãos, não são compatíveis com as
exigências do Estado democrático.
Sabemos também quais são os objetivos que o sistema de justiça deve atingir de forma efetiva e
evidenciada com o propósito exclusivo de servir os cidadãos, garantindo, desde logo, que a evidência e a
eficiência do sistema cumpram o importante e prioritário papel dissuasor de práticas atentatórias dos direitos
das pessoas.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Naturalmente, quando a prevenção não é assegurada, a justiça tem
de atuar de forma simplificada, acessível e rápida.
Sr.ª Ministra, aquilo que se propõe é garantir que as pessoas, quaisquer pessoas, possam olhar para a
justiça e compreendê-la sem intermediário, sem burocracia e sem batota.
Sr.ª Ministra, aquilo que se propõe é garantir que não há cidadãos de primeira e cidadãos de segunda, que
não há vidas interrompidas ou adiadas em razão da ineficiência do…
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, tem de concluir, pois já duplicou o tempo de que
dispunha.
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A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr. Presidente, estou a fazer uma intervenção.
O Sr. Presidente (António Filipe): — A Sr.ª Deputada estava inscrita para um pedido de esclarecimento.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Mas é para uma intervenção, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Então, terá de interromper agora e retomar a palavra no período
reservado às intervenções, sendo a primeira inscrita para essa finalidade.
A Mesa tinha registado o seu pedido de palavra como sendo para pedir esclarecimentos, e é nesse período
que estamos, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Então, eu reconfiguro a minha intervenção num pedido de
esclarecimento e concluo.
Sr.ª Ministra, o que pretendo destacar no âmbito desta lei de organização do sistema judiciário, que aqui
nos traz, é o sistema de avaliação por objetivos introduzido nesta reforma.
Assim, pergunto-lhe, Sr.ª Ministra: como responde às críticas daqueles que vêm impugnar este sistema de
avaliação, que é, no nosso entendimento, um sistema adequado à meritocracia, afirmando, entre outros
argumentos, que irá garantir uma justiça formal e não uma justiça material?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João
Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, queria colocar-lhe quatro questões que
resultam não só da intervenção que a Sr.ª Ministra fez mas, sobretudo, do que consta da exposição de
motivos da proposta de lei e também das afirmações feitas pela Sr.ª Ministra na preparação deste diploma.
A primeira pergunta, que, aliás, já tive oportunidade de colocar em sede de Comissão, mas relativamente à
qual gostava de obter agora uma resposta, tem a ver com o facto de a Sr.ª Ministra e o Governo assentarem
no argumento da especialização e das vantagens da especialização a razão de fundo para a proposta que
apresentam.
Assim, a pergunta que queria colocar-lhe, Sr.ª Ministra, é a seguinte: o que é que na Lei n.º 3/99, que é a
que hoje maioritariamente se aplica ao território nacional, a impede de criar tribunais especializados? Hoje, já
temos dezenas de tribunais especializados pelo País. A Sr.ª Ministra vem dizer que é preciso criarmos uma
nova lei para termos especialização na justiça. Mas já hoje temos uma lei que prevê a especialização e a
possibilidade de especialização da justiça. Portanto, porque é que esse regime não serve?
Segunda questão, Sr.ª Ministra: como é que os cidadãos ficam mais perto da justiça se se encerram
tribunais e se se empurram os cidadãos para mais longe, quando hoje têm tribunais perto onde podem
resolver os seus problemas?
A mudança de competências, resultante da instalação dos juízos, significa, em muitas situações, que os
cidadãos que hoje têm no seu concelho, na sua sede de concelho, o tribunal onde podem resolver os seus
problemas, passam a ter de se deslocar a um, a dois ou a três concelhos diferentes. Então, que tipo de
proximidade é esta que o Governo concebe?
Terceira questão, Sr.ª Ministra — é esta é importantíssima: que critérios de qualidade é que o Governo
utilizou para avaliar o sistema atual e para apresentar a nova proposta de modelo judiciário? Que critérios de
qualidade é que foram utilizados, Sr.ª Ministra? Este é um aspeto essencial que gostávamos de ver aqui
discutido.
Em último lugar, Sr.ª Ministra, gostaria de saber como é que o Governo justifica que, em alguns casos,
possa haver exceções à regra do distrito para considerar a organização do modelo judiciário e noutras
circunstâncias, em que idêntica exceção se justificava e se justifica com uma evidência claríssima, porque é
que não foram consideradas exceções a essa organização?
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Estou a lembrar-me, por exemplo, Sr.ª Ministra, da configuração do Tribunal da Relação e no que ela
implica no distrito de Aveiro, com populações que têm uma identificação histórica, cultural, social e até
económica com o distrito de Coimbra e que até hoje têm na Relação de Coimbra o tribunal de 2.ª instância, a
que ficam submetidos no âmbito da competência territorial, e que passam a estar, infelizmente, remetidos para
o do Porto, com o qual nada têm a ver e com o qual não há ligação rigorosamente nenhuma.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís
Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs.
Deputados: Sr.ª Ministra da Justiça, hoje é um dia importante para a justiça, porque hoje vamos dar mais um
passo naquilo a que podemos chamar a debandada do Estado.
O Estado está de saída de muitas localidades do nosso País. Primeiro, foram os centros de saúde, os CTT,
as escolas, a GNR, as juntas de freguesia, os transportes e, agora, chegou a vez dos tribunais. Hoje será,
portanto, um dia negro para a nossa justiça, e sê-lo-á porque o Governo está a fazer exatamente o contrário
daquilo que devia fazer, porque o que se exigia do Governo era que trabalhasse no sentido de construir um
sistema de justiça mais célere, mais eficiente e, sobretudo, mais acessível, mas, afinal, o Governo está a dar
mais um empurrão não só para agravar a morosidade processual como também para tornar a justiça ainda
mais distante dos cidadãos.
Ninguém tem dúvidas de que o resultado do encerramento de dezenas de tribunais será o agravamento
das condições de acesso dos portugueses à justiça e sabemos que, em muitos casos, o Governo nem sequer
respeitou os critérios que o próprio Governo definiu quando avançou com esta proposta.
Mas sabemos mais: também sabemos que o Governo afasta ainda mais os cidadãos da justiça, sobretudo
nas regiões onde a mobilidade é mais difícil e isso torna a justiça mais cara, porque agora é necessário
acrescentar o custo às deslocações.
Para além disso, o processo que levou ao mapa proposto pelo Governo conheceu alguns contornos a que
eu, no mínimo, chamaria estranhos. E passo a dar-lhe um exemplo, Sr.ª Ministra, que me chegou dos autarcas
de Mértola.
Segundo os autarcas de Mértola, quando os serviços fizeram contas ao volume processual dos tribunais,
os processos de Castro Verde foram contabilizados em Almodôvar e Ourique, e depois foram buscar os
processos de Aljustrel, que pertenciam a Beja, para serem contabilizados em Ourique. Uma confusão pouco
transparente!
Mas eu também podia falar do caso do Tribunal de Chaves, porque é um exemplo claro da falta da
racionalidade deste processo e da forma como o Governo olhou para os critérios que o próprio Governo
estabeleceu, porque, segundo dados do próprio Ministério da Justiça, o Tribunal de Chaves tem maior volume
processual, quer ao nível de processos de competência do Tribunal de Trabalho quer quanto à grande
instância criminal, do que o Tribunal de Vila Real e, ao mesmo tempo, o Tribunal de Vila Real apresenta o
dobro de processos de execução em relação ao Tribunal de Chaves, mas a proposta do Governo — pasme-
se! — coloca o Tribunal de Trabalho e a grande instância criminal em Vila Real e as execuções em Chaves, ou
seja, exatamente ao contrário do que o Governo definiu. Não se entende!
Depois ainda temos algumas diligências do Ministério da Justiça para proceder a obras em tribunais sem
que o novo mapa esteja devidamente concluído e aprovado por esta Assembleia, o que também não deixa de
ser estranho.
Mas o que eu queria perguntar-lhe, Sr.ª Ministra, é o seguinte: já ouvimos a Sr.ª Ministra dizer, com alguma
frequência, que a impunidade vai acabar — e ainda bem, Sr.ª Ministra, Deus queira que tenha razão! —, mas
eu queria saber de que forma é que esta reforma, que vai tornar a justiça menos acessível e mais distante dos
cidadãos, vai contribuir para tão nobre propósito, o de que a impunidade vai acabar. Dito de outra forma, como
é que o Governo consegue explicar que este novo mapa contribuiu para termos uma justiça mais célere, mais
eficiente e, sobretudo, mais acessível aos cidadãos?
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente, muito telegraficamente, dado o pouco tempo de que
disponho, quero dizer ao Sr. Deputado Filipe Neto Brandão que os senhores pretendiam — e há um relatório
que o atesta — extinguir 49 tribunais. Toda esta Assembleia conhece este relatório!
Por outro lado, Sr. Deputado, seria aconselhável que lesse o artigo 129.º da proposta de lei, onde se
estabelecem as competências das secções de proximidade. Verá que lá se podem praticar todos os atos,
inclusive fazer julgamentos.
Mais ainda: o relatório de avaliação das três comarcas-piloto é bem claro sobre a não bondade da solução,
isto é, não funcionava, como se viu. Aliás, é curioso que todas as profissões forenses tenham aplaudido e
tenham vindo dizer que esta é uma reforma essencial, que podia haver discordâncias pontuais, como é
evidente, mas que esta é uma reforma estrutural e é uma boa reforma. Por isso, trabalharam para ela.
Relativamente às especializações, é evidente que a Lei n.º 52/2008 e a Lei n.º 3/99 não permitiam esta
reconfiguração com as instâncias locais e as secções de proximidade, que não são um logro, porque ali
podem praticar-se todos os atos, não só os de competência genérica como os de competência especializada,
Srs. Deputados, pelo que, deste modo, há mais proximidade e não um maior afastamento das populações.
Sr. Deputado José Luís Ferreira, relativamente à forma como a impunidade vai acabar, é muito simples:
pela primeira vez, foram definidos objetivos aos tribunais e esses objetivos serão objeto de uma avaliação
anual. E haverá monitorizações de três em três meses relativamente às comarcas.
Portanto, os processos deixam de se arrastar e de ir para o fundo das gavetas e pode ter a certeza que
esse é um contributo muito grande para esta matéria.
Srs. Deputados, já não disponho de mais tempo, mas podem ter a certeza de que esta é uma boa
proposta, uma proposta de que me orgulho e de que os Srs. Deputados se deveriam orgulhar. Daqui a uns
anos…
Risos do PS.
Srs. Deputados, há uma coisa que se chama dever de urbanidade…
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Como dizia, creio que os Srs. Deputados, daqui a alguns anos, orgulhar-se-
ão desta lei.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Leal
Coelho.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados:
Esta nova lei de organização do sistema judiciário tem um conjunto de méritos que os cidadãos portugueses
podem perceber, ainda que nesta Câmara alguns tendam a ocultá-los por razões que desconhecemos.
Mas também não posso deixar de referir o apelo que há pouco fez a Sr.ª Ministra no sentido de que se
mantenha, pelo menos neste Plenário, a urbanidade, uma vez que estamos a exercer uma função de
soberania no plano legislativo para um setor que é absolutamente determinante para a consolidação de vidas
dignas das pessoas que nos estão a ouvir hoje lá em casa, das pessoas que estão hoje com dificuldades na
sua vida do dia-a-dia.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — A lei de organização judiciária e todo o sistema integrado que gravita
em torno desta lei tem o enorme mérito de trazer um novo paradigma, um novo patamar enquanto garantia da
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igualdade de oportunidades. O grande mérito desta reforma das funções do Estado é que o pressuposto e o
objetivo desta reforma são as pessoas, são os cidadãos e são, sobretudo, aqueles que estão mais
vulneráveis, aqueles que mais precisam da ação do Estado.
Sr.ª Ministra, este grupo parlamentar e esta coligação apoiam-na nesta revolução que está a fazer no
sistema de justiça, que permite tornar o sistema mais eficiente, mais eficaz, mais célere, mais próximo das
pessoas e que lhes garante uma esperança de vida digna.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita
Ameixa.
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Em
primeiro lugar, quero dizer que esta proposta de lei do Governo não tem nada de que o País se possa
orgulhar, pelo que terá o voto contra do Partido Socialista.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — E terá o nosso voto contra porque V. Ex.ª, com a sua megalomania, mais
uma vez pretende dar conta de uma grande reforma, mas que não tem qualquer alteração de fundo em
relação ao quadro jurídico atualmente existente, a não ser a alteração do modelo territorial e o encerramento
de tribunais, principalmente no interior do País.
O que esta proposta mostra, Sr.ª Ministra, é a fragilidade do Primeiro-Ministro, é a fragilidade da
coordenação de Pedro Passos Coelho no Governo. E sabe porquê? Justamente porque cada ministério tem a
sua organização territorial e o Governo não tem uma visão para apresentar ao País acerca da organização do
seu território.
Temos um Ministro da Educação que vai extinguir as direções regionais das NUTS II — um País de Nuno
Crato, um País único e centralista.
Temos a organização do Ministério da Administração Interna, a organização de Miguel Macedo de fim aos
distritos — acaba-se com os distritos.
Temos a organização Teixeira da Cruz, da Sr.ª Ministra — renovam-se novamente os distritos.
Temos a organização Miguel Relvas — criação de comunidades intermunicipais…
Afinal, que salgalhada é esta? Afinal, onde é que está o coordenador do Governo, onde é que está o
Primeiro-Ministro?
Aplausos do PS.
Mas, Sr.ª Ministra, em cima disto e em cima destes encerramentos, temos um Governo que encerra
freguesias, temos um Governo que encerra repartições de finanças, temos um Governo que vai encerrar
centros da segurança social em muitas partes do País e temos um Governo que vai encerrar tribunais. O
mesmo Governo que disse que havia uma comissão interministerial para coordenar tudo isso. E onde está
essa comissão interministerial? Onde é que está a coordenação desses encerramentos? Ela não existe, isso
foi apenas propaganda do Governo que não se concretizou.
Sr.ª Ministra, esta proposta de lei visa alterar o modelo que estava em implementação. Trata-se de mais um
erro repetido do Governo, que é o de não deixar consolidar as reformas em Portugal. Esse modelo, que estava
em implementação, não visava o encerramento de tribunais e até permitia criar novos tribunais, como
efetivamente aconteceu no tempo do Governo do Partido Socialista nas comarcas-piloto, designadamente em
Sines.
Esta proposta de lei restringe também drasticamente as competências de muitos tribunais, que não
encerram agora, criando as condições para os encerrar logo a seguir.
Sr.ª Ministra, este é um modelo em que V. Ex.ª cedeu em toda a linha às pressões político-partidárias do
interior do PSD.
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Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Titulava o Diário de Notícias:«Tribunais são poupados em terras do
PSD». E escrevia assim o circunspecto diário: «A Ministra da Justiça recuou no encerramento de cinco
tribunais, todos eles localizados em municípios geridos pelo PSD. Ao contrário do que fora anunciado, a
proposta final do Ministério da Justiça para a reforma judiciária mantém em funcionamento os tribunais de
Almodôvar, Nelas, Sátão, Valpaços e Vila Nova de Foz Côa, onde os sociais-democratas são maioritários».
Pois, Sr.ª Ministra, como é que o País se pode orgulhar de uma proposta de alteração legislativa e do
sistema judiciário que, em vez de ser feito de acordo com os interesse superiores do País, é feito de acordo
com os interesses da máquina do partido (o PSD) a que V. Ex.ª pertence?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Sr.ª
Ministra da Justiça, a proposta que hoje aqui nos traz é, de facto, uma proposta de organização do sistema
judiciário que assenta, fundamentalmente, em três argumentos falsos que justificam que a Sr.ª Ministra não
tenha respondido às questões que lhe coloquei.
Em primeiro lugar, fundamenta-se no falso argumento de que toda a especialização é um ganho para a
justiça e que sem esta proposta de lei não há especialização. Sem dividendos os ganhos da especialização
em determinadas áreas, outras há em que se levantam justíssimas dúvidas quanto aos efeitos nefastos de
limitação e estiolamento do julgador e de perversa uniformização da jurisprudência que resultam da
especialização.
Por outro lado, ficou já demonstrado que não precisamos desta proposta para termos justiça especializada.
Há anos que temos tribunais especializados, de família e menores, de trabalho, de comércio, e bastaria a
vontade do Governo para que eles pudessem ser estendidos a outras áreas do País.
Em segundo lugar, esta proposta de lei baseia-se no falso argumento da melhoria da qualidade da justiça.
A qualidade da justiça, Sr.ª Ministra, tem um critério fundamental de apreciação, que é a existência ou não de
recursos das decisões judiciais. Justiça de qualidade é aquela com que os cidadãos se conformam, decisões
judiciais de qualidade são as que motivam menos recursos. Ora, quando olhamos para o funcionamento da
justiça em Portugal percebemos que é precisamente nos tribunais onde se faz justiça com mais qualidade que
o Governo pretende levar por diante esses remendos. É nos tribunais de menor dimensão com menos
processos e sujeitos a menor pressão de procura que se produzem decisões judiciais que motivam menor
número de recursos junto dos tribunais superiores, e são precisamente esses que a Sr.ª Ministra e o Governo
pretendem encerrar.
Em terceiro lugar, o Governo utiliza o falso argumento das supostas proximidade e facilidade de acesso
dos cidadãos com a nova organização judiciária. Uma proposta que encerra tribunais e obriga populações a
deslocarem-se para mais longe quando hoje têm no seu concelho o tribunal a que devem recorrer para
resolver os seus problemas é, manifestamente, uma proposta que não contribui para a proximidade e a
facilidade de acesso dos cidadãos à justiça e que, antes, deixa os cidadãos mais longe da justiça, Sr.ª
Ministra.
Quanto a nós, a proposta de lei levanta quatro problemas distintos e quatro problemas de natureza
fundamental.
Em primeiro lugar, trata-se de uma proposta construída sem qualquer consenso.
Por outro lado, levanta problemas relativos ao acesso dos cidadãos à justiça e aos tribunais, que são
problemas estruturantes do Estado de direito democrático e do nosso regime constitucional.
Em terceiro lugar, levanta problemas relativos à estruturação interna do poder judicial, que não são
problemas de menor monta.
Em quarto lugar, levanta problemas relativos à articulação e ao relacionamento externo do poder judicial
com outros poderes constitucionais, nomeadamente com o poder político.
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Trata-se de uma proposta feita sem consenso, contra a vontade das populações e contra a vontade das
instituições que as representam. É uma proposta que põe em causa elementos estruturantes de representação
histórica de identidade e pertença comunitária e de referência económica, social e cultural, que estão na base
do tecido judiciário.
Sr.ª Ministra, certamente temos uma noção muito diferente de revolução, sobretudo considerando o caráter
revolucionário afirmado hoje, quer pela bancada do PSD, quer pela bancada do Governo, em relação a esta
proposta. Mas, Sr.ª Ministra, certamente não cabe em nenhum conceito de revolução a construção de uma
proposta feita atrás de um computador, utilizando o mundo virtual do guia Via Michelin, desprezando as
condições reais do território e as condições de vida das populações. Não é uma revolução, é um cerceamento
de direitos fundamentais dos cidadãos que esta proposta nos traz.
Na verdade, quando o princípio devia ser o do acesso mais fácil à justiça, a proposta afasta os cidadãos da
justiça, mantendo no essencial as opções que já em 2008 o então governo e maioria absoluta do Partido
Socialista tinha feito na lei que foi então aprovada.
Esta proposta encerra tribunais e obriga os cidadãos a deslocarem-se, quando hoje têm os tribunais mais
perto, de que são exemplo, aliás, Sr.ª Ministra, sumariamente, as situações dos concelhos de Chaves,
Montalegre, Boticas, Ancião, Mora, Portel, Monchique ou Mértola. Estes são exemplos de concelhos em que
as populações vão ficar mais longe da justiça que hoje têm perto de si.
Quando se coloca o tribunal mais longe nega-se o acesso à justiça e quando se nega o acesso à justiça o
que se põe em causa é o próprio Estado de direito democrático.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.
Do ponto de vista da organização interna do sistema judicial, o novo conceito de comarca e a figura do juiz
presidente introduzem fatores de hierarquização e liderança, quando o que se devia salvaguardar no sistema
judiciário era a independência e a autonomia dos magistrados.
Os poderes do juiz presidente considerados como um todo significarão a existência de um ascendente
sobre os colegas e da capacidade concreta de limitar princípios estruturantes, que são princípios do nosso
sistema judicial, como o princípio do juiz natural ou o princípio da inamovibilidade dos juízes, com a
possibilidade de propor a reafectação de colegas por processos ou de processos por colegas e depois
intervindo até em aspetos concretos da organização dos tribunais.
Por outro lado, a Sr.ª Ministra importa da pior forma o conceito de tribunal de círculo para as novas
comarcas, o que se reflete até na referência feita às exigências e preferências do preenchimento dos quadros.
Para terminar, Sr. Presidente, quero referir que, no que diz respeito à independência do poder judicial
relativamente a outros poderes constitucionais, em particular em relação ao poder político e concretamente em
relação ao Governo, introduz-se aqui uma interferência do Governo em matéria do poder judicial e em matéria
de designação de objetivos para o sistema judicial que julgamos ir muito para lá daquilo que devia ser a
saudável separação do poder político relativamente ao poder judicial.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo já, Sr. Presidente.
Esta proposta de lei contribui para a desagregação da justiça enquanto sistema que espelha o exercício da
soberania baseado na organização e responsabilidade do Estado, aplicando regras e leis em nome do povo e
para o povo.
Esta proposta de lei contribui para a substituição dessa justiça,…
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.
O Sr. João Oliveira (PCP): — … fundamento soberano e popular, pela justiça dos tribunais ad hoc, que
aplicam regras que, em cada momento, traduzem aquilo que seja o espírito ou a natureza metafísica de um
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povo, recuperando, Sr.ª Ministra, conceções da escola histórica do direito, que há muito já estão
ultrapassadas, até do ponto de vista filosófico.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: O
modelo que estrutura a presente proposta de lei casa com o chamado mapa judiciário. Temos um novo
sistema, assente num tribunal de comarca, 23 comarcas, um tribunal de 1.ª instância por cada comarca e
depois toda a rede que aqui anotou.
O certo é que o Governo elabora uma nova geografia para a justiça. Mas o problema da nova geografia
para a justiça é que ela não coincide com a geografia do País.
Sr.ª Ministra, racionalizar recursos não é o mesmo que racionar, fazer o racionamento no acesso à justiça.
E é disto que estamos aqui a falar, nem menos, nem mais.
Fez aqui vários agradecimentos a inúmeras entidades e representantes. É verdade que, nos últimos
meses, houve um esforço significativo para ouvir as múltiplas vozes que foram condenando e criando críticas a
este processo e a este modelo, com toda a razoabilidade, mas quero recordar-lhe, com toda a consideração,
que os muitos autarcas que recebemos nesta Casa ou os representantes da Ordem dos Advogados, cujos
pareceres se multiplicaram, não fizeram estes pareceres por desconhecerem que o País já não anda de
carroça, pelo contrário, Sr.ª Ministra, foi por estarem perto das populações, por conhecerem a realidade do
País, por estarem no terreno e saberem que o modelo que hoje aqui discutimos castiga as populações,
penaliza a interioridade, torna o acesso à justiça muito mais distante e um problema deste modelo.
Disse-nos, também, que manteve um diálogo muito amplo, que ouviu todas as entidades, mas quero
recordar-lhe algumas das críticas que muitos deles continuaram a deixar por escrito e que revelam bem a
necessidade do consenso que não existe, do consenso que não pode invocar, porque, na verdade, o que
estamos aqui a discutir é um modelo que é uma obra de engenharia, feito sobre a secretária, mas que está
muito longe do que as populações e a geografia humana do País mereciam. Deixo-lhe, pois, algumas dessas
críticas estruturais, pois não posso deixá-las todas: há comarcas sobredimensionadas; não foram tidas em
conta propostas de divisão dos distritos judiciais, nomeadamente uma proposta muito importante para Lisboa
ou para Aveiro; há um mapa único de funcionários para toda a comarca, o qual pode obrigar à deslocação de
pessoas para mais de 100 km; as secções de proximidade, que tanto exaltou, são, na verdade, postos de
atendimento judicial e não sei como pode entender que têm outros conteúdos para além destes; há tribunais
encerrados com critérios que nem sequer são atendíveis e válidos; há tribunais que perdem as suas funções
sem qualquer sustentabilidade, não se percebendo porquê a perda de funções dos tribunais de Mértola e
Chaves, por exemplo, qual o sentido destas opções, que já foram casos apontados; a criação de múltiplas
secções de proximidade — é verdade! —, esta, sim, Sr.ª Ministra, uma forma de mitigar o problema; a gestão
tripartida dos tribunais, com a qual ninguém se entende. E todos deixam graves críticas a este modelo, quer
relativamente às funções do presidente, quer relativamente às do administrador.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Não é verdade!
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Há, ainda, do nosso ponto de vista, aspetos que indiciam uma preocupante
governamentalização da justiça, como, por exemplo, tribunais que podem vir a ser criados por decreto, à
revelia, aliás, das competências e das reservas da própria Assembleia da República, ou, ainda, o Conselho
Superior da Magistratura não fixar o número máximo de processos a distribuir a cada magistrado, limitando-se
a propor medidas a que, enfim, o Governo vai atender, para evitar o excesso de processos.
Sr.ª Ministra da Justiça, a proposta que hoje debatemos é um recuo quer na qualificação da democracia,
quer no acesso à justiça por parte das populações, pelo que, evidentemente, o Bloco de Esquerda só pode
condená-la e chamar a sua atenção para não vir aqui falar de consenso, pois não tem o consenso do País, da
geografia humana do País e de múltiplos agentes da justiça que estão, inevitavelmente, envolvidos neste
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processo e só com o seu envolvimento poderia garantir alguma seriedade e alguma serenidade na
implementação de todo este modelo.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa
Anjinho.
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A
discussão da presente proposta de lei marca o fim do, talvez, mais participado processo de construção de uma
iniciativa legislativa de que há memória recente.
A lei de organização do sistema judiciário nasceu, em janeiro deste ano, sob a forma inicial de um «ensaio
para a reorganização da estrutura judiciária».
Ao «ensaio» sucederam-se as «linhas estratégicas» — mais concretas — e pelo meio ficou um processo
participativo, em que muitos não só tiveram uma opinião a dar, mas foram, também, efetivamente, ouvidos.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Chegou agora o momento de fixar a forma definitiva à nova
organização judiciária do Estado português, dando cumprimento não apenas àquilo que é o Programa do
Governo, mas também aos compromissos assumidos no Memorando de Entendimento e suas revisões.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Atenta ao diploma, permitam-me começar por dizer que, se até agora
era possível circunscrever a evolução da organização judiciária em Portugal em três períodos, Sr.as
e Srs.
Deputados, perante esta iniciativa, diria que podemos afirmar estarmos hoje a iniciar um quarto período da
nossa história da organização judiciária, um período que, se desejado, tem, infelizmente, como parte do
preâmbulo, duas realidades totalmente imputáveis ao anterior Governo e que não me escusarei de realçar
nesta sede: uma, um compromisso assumido no Memorando de Entendimento…
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — … e, outra, uma reforma prometida — diria mesmo necessária, ainda
que criticável — mas, como todos sabemos, incompleta.
Ora, de todas as reformas levadas a efeito até ao momento, há um importante traço característico que
devemos reconhecer: acorrem a problemas pontuais, abordam necessidades emergentes e não adotam uma
visão de conjunto. É nisto que esta reforma, a reforma deste Governo, quer ser diferente.
Muito se tem falado, ao longo da última década, da crise da justiça e, por esta via, da crise de uma das
principais funções de soberania do Estado.
A multiplicação das circunscrições territoriais de base, muitas delas com escasso movimento processual,
constitui — diagnosticado de há muito — um obstáculo no domínio da gestão e, naturalmente, da
concretização de uma resposta com qualidade.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Diagnosticado, formalmente, em 2006, e incluído no âmbito das
preocupações do Governo de então, desenvolveram-se estudos, muitos estudos, e iniciou-se a reforma da
organização judiciária, que culminou na lei de 2008, a qual, apesar de bem-intencionada, não logrou passar da
fase experimental.
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Ora, inevitavelmente, o Memorando de Entendimento, na área da justiça, reconheceu esse problema — as
«boas intenções» fracassadas do Governo anterior — e reconheceu também as consequências gravosas para
o País daí decorrentes.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Prevê-se, assim, no Memorando, Sr. Deputado Filipe Neto Brandão, a
necessidade de melhorar o funcionamento do sistema judicial, nomeadamente aumentando a eficiência,
através da reestruturação do sistema judicial e adotando novos modelos de gestão dos tribunais.
Para tanto, felizmente, nesta matéria, foi possível a este Governo alterar, e para melhor, o Memorando de
Entendimento. Entendeu este Governo, e bem, empreender uma mudança de modelo em matéria de
organização judiciária, potenciando vantagens, corrigindo insuficiências, implementando novos modelos de
gestão, de distribuição de competências, bem como de afetação de pessoal, equipamentos e espaços.
Em notas breves, este diploma estabelece, de facto, uma nova matriz territorial das circunscrições judiciais,
já aqui sobejamente referida.
Por sua vez, aprofunda-se a especialização: é entendimento partilhado, Sr. Deputado João Oliveira, que a
possibilidade de as causas serem apreciadas por juízes especializados é um claro fator de qualidade da
decisão judicial, aliás como muito bem referiu a Sr.ª Ministra na sua intervenção inicial.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Nisso estamos em completo desacordo!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Mais: introduz-se um novo modelo de gestão, pautado por ideais de
eficiência e transparência, e ressalto que também se prevê a importante implementação, nos tribunais, de
mecanismos de gestão por objetivos, definidos anualmente, por consenso e com a intervenção dos órgãos de
gestão do tribunal e dos órgãos consultivos da comarca.
Gostaria ainda de realçar que a gestão dos recursos humanos também será alterada.
Naturalmente, há questões que podem ser melhoradas ou clarificadas. Nenhuma reforma desta natureza é
isenta de críticas ou mesmo de alterações. Esperemos apenas que, a estas críticas, se sigam propostas
construtivas — algo que, infelizmente, nem sempre acontece —, fazendo, portanto, jus ao trabalho que já foi
aqui realçado pela Sr.ª Ministra.
Entre as principais dúvidas, assinaladas nos vários pareceres, salienta-se a garantia constitucional do
direito de acesso ao direito, ancorada numa interpretação restritiva do mesmo, enquanto reconduzido à justiça
dos tribunais. Nesta matéria, cumpre salientar que não há nenhum imperativo constitucional que obrigue à
existência de um tribunal por município e que existem, atualmente, 79 municípios sem tribunal, sem que daí
resulte qualquer divórcio entre as populações locais e os sistemas de justiça.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Bem lembrado!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Com a reforma que se vai implementar, em todas as instâncias,
secções e secções de proximidade, é possível, Sr.ª Deputada Cecília Honório, realizar julgamentos, ouvir
testemunhas, através de videoconferência, praticar atos judiciais, obter informações sobre processos em curso
e entregar articulados ou requerimentos em qualquer ponto da comarca.
Mais: é preciso não esquecer o importante papel que têm, hoje, os mecanismos de resolução alternativa de
litígios e, em particular, os julgados de paz.
Chegámos a um ponto, Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, em que não é mais possível ignorar que a
justiça é uma das áreas essenciais da governação e um dos fatores principais para o desenvolvimento
económico do País; chegámos a um ponto em que é preciso encarar os estrangulamentos da justiça e dar-
lhes resposta adequada e corajosa, Sr.ª Ministra, não só porque nos comprometemos com o País, mas
também porque nos comprometemos com os nossos credores.
A prioridade tem de ser a celeridade, a qualidade, a transparência e a responsabilização, objetivos que
reconhecemos e aplaudimos na reforma em curso.
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Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições, pelo que creio
termos terminado este debate.
Informo que a proposta de lei em discussão será votada amanhã, no período regimental de votações.
A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade (Teresa Morais): — Sr.
Presidente, peço desculpa, permite-me o uso da palavra?
O Sr. Presidente (António Filipe): — Pede a palavra para que efeito, Sr.ª Secretária de Estado?
A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: — Sr. Presidente, quero
inscrever a Sr.ª Ministra da Justiça para uma intervenção, beneficiando de tempo cedido pelo PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Muito bem, Sr.ª Secretária de Estado, a transferência de tempo já foi
efetuada.
Tem, então, a palavra, Sr.ª Ministra da Justiça.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente e Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero dizer ao Sr.
Deputado Luís Pita Ameixa que os senhores têm memória curta e esquecem uma questão essencial: quer
comparar a organização da Administração Pública com a organização do sistema judicial? Quer tratar a
organização do sistema judicial como trata a organização da demais Administração Pública? O sistema judicial
sempre teve, historicamente, uma organização diferente!
Mas, Sr. Deputado, há uma questão que não aceito nem admito e que o Sr. Deputado terá de provar. Vai
ter de provar onde é que, por razões político-partidárias, os tribunais dos municípios do PSD saem
beneficiados.
Protestos do PS.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa é a parte do «cheque em branco»!
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Os senhores estiveram aqui a discutir uma lei que não estava em discussão,
porque nem os senhores, nem ninguém, até agora, sabe nem pode dizer nada sobre isto, uma vez que
continuamos a confirmar e a comparar, com cada município e com os secretários judiciais de cada município,
os dados que eles têm e os nossos. Este processo ainda não acabou e, por isso, não sei como é que o Sr.
Deputado pode fazer essas afirmações. O Sr. Deputado esteve a falar de uma lei que não conhece e, pelos
vistos, no exercício das suas funções de Deputado, o jornal é a base da sua intervenção, o que não deixa de
ser absolutamente extraordinário.
Sr. Deputado, o senhor esteve, manifestamente, a tratar de uma lei que não estava em discussão. Estamos
a tratar de uma lei da organização judiciária, não estamos a tratar, com esta lei, de nenhum encerramento de
nada.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Exatamente!
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Tenho muita pena que os senhores tenham desaproveitado esta ocasião
para discutir, de facto, a organização judiciária.
Sr.ª Deputada Cecília Honório e Sr. Deputado João Oliveira, peço desculpa, mas estiveram a discutir
qualquer outra coisa que não esta lei, e é pena que não o tenham feito.
Protestos do PCP e do BE.
Srs. Deputados, eu ouvi-os com atenção!
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Pausa.
Quanto às secções de proximidade, Sr.ª Deputada Cecília Honório, peço-lhe, por favor, que atente no n.º 4
do artigo 129.º e veja o que nelas se pode fazer, que é tudo! Mais: os cidadãos do interior tinham um problema
de direito do trabalho e tinham de se deslocar à capital. Agora não, podem fazê-lo na sua secção de
proximidade, não têm de se deslocar. Não é verdade o que os senhores dizem!
O que me importa é discutir a lei do sistema de organização judiciária. Por que é que alguns, que exercem
o poder político e participam em órgãos políticos, têm tanto receio e tanta crítica em relação a uma reforma
que foi tão elogiada pelos profissionais forenses, exceção feita àqueles que, naturalmente, ficam a perder com
a proximidade, com a celeridade e com a definição de objetivos?!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PCP e do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita
Ameixa.
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr. Presidente, vou ler novamente a notícia do Diário de Notícias:
«Tribunais são poupados em terras do PSD. A ministra da Justiça (…) recuou no encerramento de cinco
tribunais, todos eles localizados em municípios geridos pelo PSD. Ao contrário do que fora anunciado, a
proposta final do Ministério da Justiça para a reforma judiciária mantém em funcionamento os tribunais de
Almodôvar, Nelas, Sátão, Valpaços e Vila Nova de Foz Côa, onde os sociais-democratas são maioritários
(…)».
Mas, Sr.ª Ministra, ontem — e é isto que quero dizer-lhe, a terminar —, recebi na Assembleia da República,
a pedido dos próprios, os autarcas de Carregal do Sal, do PSD (o Presidente da Câmara, os vereadores e
outros representantes do PSD de Carregal do Sal), que me vieram dizer que o tribunal de Nelas de que fala o
Diário de Notícias só se manteve em funcionamento porque o PSD mudou a sua proposta e, ainda, que a
Presidente da Câmara de Nelas só anunciou a sua recandidatura autárquica depois de V. Ex.ª ter cedido em
manter aquele tribunal em funcionamento.
V. Ex.ª, Sr.ª Ministra, é que tem que provar a sua isenção, não somos nós!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para que efeito, Sr.ª Ministra?
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Faça favor, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente, é para anunciar que entregarei na Mesa, solicitando-lhe que
diligencie a sua distribuição neste Plenário, um primeiro documento e que farei ainda chegar a restante
documentação, que desmente integralmente o que diz o Sr. Deputado Pita Ameixa.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Será, seguramente, distribuído, Sr.ª Ministra.
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Para os mesmos efeitos que a Sr.ª Ministra.
O Sr. Presidente (António Filipe): — É também para anunciar a distribuição de algum documento?
Tem a palavra, Sr. Deputado. Peço-lhe que seja breve.
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr. Presidente, é que a Sr. Ministra da Justiça pretende responder-me
com a distribuição de um documento como Ministra da Justiça. Mas ela é também, como sabemos, Vice-
Presidente do PSD.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — É mentira!
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Mas os autarcas do PSD vieram a esta Assembleia denunciar as
cedências da Sr.ª Ministra! Esse é que é o ponto!
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, a sua intervenção já transcende claramente uma
interpelação à Mesa.
A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: — Sr. Presidente, peço a
palavra.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Secretária de Estado, como acabou de ver, cortei a intervenção
do Sr. Deputado Luís Pita Ameixa. Não me obrigue a fazer-lhe o mesmo.
A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade: — Sr. Presidente,
compreendo.
Queria só lembrar ao Sr. Deputado Pita Ameixa que a Sr.ª Ministra não é Vice-Presidente do PSD.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Preparem-se! Estudem! Vice-Presidente do PSD?!
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, a proposta de lei que acabámos de apreciar será
votada amanhã, no período regimental de votações.
Vamos dar início ao terceiro ponto da ordem de trabalhos, que consiste na apreciação do Decreto-Lei n.º
208/2012, de 7 de setembro, que procede à transformação da Cinemateca Portuguesa — Museu do Cinema,
IP, em entidade pública empresarial, à cisão da Companhia Nacional de Bailado do Organismo de Produção
Artística, EPE, e à sua transformação em entidade pública empresarial, à alteração da denominação do
Organismo de Produção Artística, EPE, para Teatro Nacional de São Carlos, EPE, à aprovação dos Estatutos
da Cinemateca Portuguesa — Museu do Cinema, EPE, da Companhia Nacional de Bailado, EPE, do Teatro
Nacional D. Maria II, EPE, do Teatro Nacional de São Carlos, EPE, e do Teatro Nacional de São João, EPE, e
à constituição de agrupamento complementar de empresas formado pelas entidades públicas empresariais da
área da cultura [apreciação parlamentar n.º 35/XII (2.ª) (PS)].
Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Inês de Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, Sr.a Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e
da Igualdade, Sr. Secretário de Estado da Cultura, Srs. Deputados: Até agora, se algum aspeto tem
caraterizado a ação deste Governo em matéria cultural é a falta de pensamento, de estratégia, de
conhecimento básico da realidade do País e até da realidade que ele próprio criou, desde que passou a ter
responsabilidades governativas.
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O Governo assumiu o poder com um indigente discurso que se limitava a meia dúzia de banalidades
populistas sobre uma suposta libertação da cultura do Estado, mas com nenhuma ideia ou plano estratégico
em concreto. Para colmatar esta indisfarçável lacuna, o então Secretário de Estado da Cultura recorreu
sistematicamente à recuperação de propostas, de projetos ou de ideias do Partido Socialista, mas nem assim
conseguiu demonstrar qualquer capacidade para as concretizar convenientemente. O exemplo mais flagrante
até agora é o da lei do cinema, que ainda não conseguiu regulamentar, apesar das sucessivas promessas,
tornando-a por isso inaplicável até na versão minimalista das melhorias por nós anteriormente propostas.
Hoje, temos um novo exemplo muito concreto deste modus operandi, com o decreto que está aqui em
apreciação. Por isso, começo por deixar bem claro que o Partido Socialista estava, está e sempre estará
disponível para tentar encontrar soluções para diminuir os custos de funcionamento de qualquer grande
instituição cultural do Estado a fim de canalizar o máximo da verba disponível para aquela que é a sua razão
de ser: a criação artística.
O que debatemos aqui, hoje, não é uma ideia ou uma proposta, é um decreto-lei que já foi aprovado em
Conselho de Ministros e publicado em Diário da República e são as incongruências nele contidas que devem
ser avaliadas.
A primeira é a própria criação do agrupamento complementar de empresas que, segundo o texto, adotará a
denominação de GESCULT — Serviços Partilhados da Cultura, ACE, no qual participam o Teatro Nacional de
São Carlos, a Companhia Nacional de Bailado, o Teatro D. Maria II, o Teatro Nacional de São João e, a
grande novidade, a Cinemateca. Aliás, o GESCULT já aparece no Orçamento do Estado como uma entidade
reconhecida. O Governo parece ter esquecido que um ACE não se decreta, pois é um contrato entre várias
empresas.
Portanto, a primeira pergunta é simples: como pode estar no Orçamento do Estado uma entidade que não
existe legalmente? Ou será que existe? Se sim, onde está o contrato constitutivo celebrado entre estas
empresas? Há algum registo deste GESCULT, ACE? Que empresas assinaram este acordo?
Esta questão leva-nos à segunda incongruência deste diploma: onde se decreta a cisão do Organismo de
Produção Artística, EPE (OPART) e a criação de duas entidade públicas empresarias (EPE) — Teatro
Nacional de São Carlos e Companhia Nacional de Bailado?
Ora, independentemente da bondade ou da oportunidade desta medida, a questão é saber se esta cisão é
possível, porque as últimas contas que temos do OPART datam de dezembro de 2010, onde constava um
passivo. Desde então, as contas do OPART entraram na clandestinidade.
O tempo é muito curto, por isso não posso elencar aqui todas as incongruências deste diploma.
O mais extraordinário é que este diploma cria entidades públicas empresariais, as quais antes mesmo de o
serem efetivamente já são entidades reclassificadas.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Cultura, tenho que ficar por aqui nesta minha intervenção, mas
quero dizer que neste diploma não há um artigo que seja exequível.
Por isso, o Partido Socialista apresenta um projeto de resolução no sentido da sua total revogação.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Catarina
Martins.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr.a
e Sr. Secretários de Estado:
Vou referir-me a esta entidade estranha, o GESCULT.
A direita gosta muito de dizer que não se deve atirar dinheiro para cima dos problemas. Na cultura, é
assim: os senhores retiram dinheiro e, depois, para esconderem o desinvestimento, atiram problemas
burocráticos para cima das estruturas de criação artística.
Estes problemas vêm de longe e este Governo só os agrava. Já há mais de cinco anos, quando decidiu
juntar a Companhia Nacional de Bailado com o Teatro de São Carlos, em vez de resolver os problemas
específicos dos bailarinos da Companhia Nacional de Bailado — os quais, aliás, continuam à espera daquilo
que está no Programa do Governo e o Governo nada faz quando a isso —, criou o OPART, ou seja, criou uma
estrutura burocrática por cima de um problema que não foi resolvido. Na altura, a resposta foi a seguinte:
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«Bem, há uma orquestra sinfónica, é a música que une o bailado, o lírico, e é isso que faz com que o OPART
tenha sentido».
Continuou o desinvestimento nas estruturas de criação artística nacional e decidiu-se, passado uns anos,
que era preciso um ACE — que agora já não tinha o argumento da música, já não havia orquestra que fosse o
cimento deste programa burocrático absurdo — e que se juntavam também os Teatro Nacional D. Maria II e o
Teatro Nacional de São João numa mesma estrutura. Portanto, retirava-se dinheiro. O Teatro Nacional de São
João tinha agora a responsabilidade de gerir três espaços e o orçamento era cada vez menor, o
desinvestimento estava à vista e, para esconder o desinvestimento, atirava-se para cima das unidades de
criação artística mais um problema burocrático, um tal ACE. Na altura, as pessoas mobilizaram-se, houve um
cordão em volta do Teatro Nacional de São João e quem está hoje na maioria, mas na altura estava na
oposição, até aprovou uma recomendação pela autonomia dos teatros nacionais. Mas bem que chegam ao
Governo e esquecem tudo o que assinaram, esquecem tudo o que defenderam, tudo o que votaram e
continuam com o desinvestimento!
Então, agora, vem a ideia mais absurda de que alguém alguma vez se tinha lembrado. Se estas ideias de
fusão atiraram sempre problemas burocráticos para cima das estruturas de criação artística para esconder o
desinvestimento e desresponsabilizar o Estado, temos agora que já nem falamos de estruturas de criação
artística, porque os senhores querem pôr na mesma estrutura a criação artística e um museu! Porque a
Cinemateca é um museu. Não há ninguém que compreenda como é que estruturas de produção de
espetáculo e de criação artística estão na mesma estrutura que um museu!
Mais: os teatros nacionais são financiados diretamente pelo Orçamento do Estado e a Cinemateca nem
sequer é financiada diretamente pelo Orçamento do Estado mas, sim, através de uma taxa sobre a
publicidade. Nada, nada, une a Cinemateca a qualquer uma destas estruturas!
Se já tudo era absurdo, se gerir o Teatro Nacional de São João a partir de Lisboa é um ataque… Ontem, o
CDS insurgiu-se contra o centralismo cultural. Bem, gerir o Teatro Nacional de São João a partir de Lisboa é
centralismo cultural. Não sei se o Sr. Deputado João Pinho de Almeida sabe, mas é o seu Governo que decide
isto!?
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Tenha vergonha dos disparates que diz!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Por cima deste absurdo, pôr a Cinemateca — que não vive do Orçamento
do Estado e que é um museu e não uma estrutura de criação artística — na mesma entidade de gestão, não
se justifica, a não ser o facto de os senhores não perceberem nada do que estão a fazer. E sobre a arte e a
cultura tudo o que querem é matá-las rapidamente!
Aplausos do BE.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — A Sr.ª Deputada é especialista em generalidades! É a que
«sabe tudo»! Havia de ser bonito!…
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Maria
Conceição Pereira.
A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.a e Sr. Secretários de Estado, Sr.
as
Deputadas e Srs. Deputados: Tenho que dar alguma razão à Sr.ª Deputada Catarina Martins quando diz que
muitos dos problemas já vêm de longe. É verdade! Se calhar, a Sr.ª Deputada Inês de Medeiros esqueceu-se
que, durante muitos e muitos anos, houve um Governo que prometeu muito; prometeu até desenvolver um
Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE) e nós, quando chegámos ao XIX
Governo Constitucional, tivemos que implementar um Plano de Redução e Melhoria da Administração Central
(PREMAC), e estamos a fazê-lo.
Vozes do PSD: — Muito bem!
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A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, a grande diferença entre vós e
nós é que nós não anunciamos, nós cumprimos, nós fazemos!
Vozes do PSD e CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Fazem mal! Fazem asneira!
A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Todos nós recordamos as diversas promessas de redução de
despesa que fizeram. Apareceram as fusões, apareceram os agrupamentos…
Além de mais, os senhores vêm sempre com esse ar catastrofista dizendo que tudo vai acabar. Quando um
diretor de um teatro nacional se demitiu, os senhores disseram que ia acabar o teatro, que ia acabar a
programação, que ele estava terminado. Isso não aconteceu. E continua, mesmo sabendo as dificuldades que
o País atravessa.
Srs. Deputados, todos sabemos as dificuldades que o País atravessa e o que temos que cumprir. E temos
que cumprir reduzindo as despesas de uma forma substancial de modo a que as verbas existentes sejam
encaminhadas, como a Sr.ª Deputada disse, e muito bem, para a criação artística.
Deixe-me dizer-lhe, Sr.ª Deputada Catarina Martins, que não há neste diploma perda de individualidade. A
diferença entre a anterior proposta, que não se chegou a concretizar, e o atual decreto-lei é que vai existir um
administrador único, o que permite precisamente que cada uma das entidades tenha a sua individualidade, a
sua programação e a sua própria intervenção.
Por isso, não estamos aqui a retirar qualquer possibilidade a cada uma das entidades de se manterem.
Aliás, através desta forma, estamos a dar à Companhia Nacional de Bailado essa possibilidade de se
individualizar.
Como disse a Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, ainda não está feito o contrato. Pois, não!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Ah!…
A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Mas a Sr.ª Deputada sabe perfeitamente que o atual Sr.
Secretário de Estado, que está presente, que entrou 15 dias antes da discussão do Orçamento do Estado,
esteve aqui connosco e, como a Sr.ª Deputada é muito bem informada, como diz, deve saber com certeza que
o Gabinete do Sr. Secretário de Estado tem tido reuniões com as várias entidades para que seja estabelecido
o contrato. É isso que está a acontecer.
Volto a dizer-lhe, Sr.ª Deputada: o PSD, mais uma vez, com a publicação deste decreto-lei, deu o exemplo
e uma prova de que não vive de anúncios.
Protestos do PS.
Nós estamos cá para mudar, estamos cá para reformar, e é isso que esse diploma faz.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Michael Seufert.
O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O
Decreto-Lei que, hoje, aqui discutimos e que o Partido Socialista — ouvimo-lo há pouco — quer revogar
afirma, no seu preâmbulo, duas condições que consideramos essenciais.
A primeira é a necessidade de repensar e reorganizar a estrutura do Estado para lhe dar maior capacidade
de resposta e coerência, para eliminar redundâncias e para reduzir substancialmente os custos que se
revelam desnecessários.
A segunda, e porque falamos de estruturas culturais, é a de garantir que se assegura a individualidade de
cada instituição. Cada instituição tem as suas especificidades das diferentes áreas artísticas em que intervém,
das diferentes autonomias das direções artísticas, etc.
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Ora, a questão que aqui se põe é a de saber se este diploma assegura ou não estas duas condições. O
Partido Socialista diz que não, desconfia das virtudes do diploma, desconfia que a reestruturação racionalize,
que melhore o funcionamento. Mas durante os 4 minutos que a Sr.ª Deputada Inês de Medeiros usou para
apresentar o diploma, nós não percebemos por que razão considera o Partido Socialista — e poderíamos
entrar nesse debate — que este diploma não assegura a reestruturação necessária, a racionalização dos
meios e o melhor funcionamento e eficiência das estruturas culturais, tendo em conta aquilo que sabemos. Até
poderia dizer-se que, tendo o Sr. Secretário de Estado da Cultura tomado posse naquela altura, poderia
levantar-se dúvidas sobre aquilo que estava decidido e que o Governo poderia ser levado a repensar. Mas, de
facto, o que concluímos, do ponto de vista da Assembleia da República, é que, por aquilo que conhecemos,
nos é impossível defender o contrário.
Percebemos que cabe ao Governo avaliar a estrutura proposta, o GESCULT, saber se se poupa ou não, se
garante ou não… E também é preciso não só dizer que não vale a pena confundir, como fez aqui a Sr.ª
Deputada Catarina Martins, gestão centralizada com autonomia e direção artística descentralizada mas
também garantir que cada uma destas estruturas culturais continua a gozar da sua autonomia administrativa.
Protestos da Deputada do BE Catarina Martins.
Mas, como estava a dizer, cabe ao Governo avaliar e perceber se este modelo de gestão, face ao anterior,
tem ou não virtudes, tem ou não melhorias. E o Parlamento cá estará, com certeza, Sr. Secretário de Estado,
para avaliar em devido momento se essa eficácia, se essa eficiência foi ou não atingida.
Mas há uma coisa de que não nos demitimos — e já o disse ontem na Comissão de Educação, Ciência e
Cultura para grande desespero da oposição mais à nossa esquerda: para nós, é fundamental em todas as
áreas (na cultura, na educação, na economia, na agricultura, na saúde…) garantir que o Estado gasta bem o
dinheiro dos contribuintes, porque cada euro mal gasto dos contribuintes é um euro a mais cobrado em
impostos ou é um euro a mais contraído em dívida pública.
Portanto, se o Governo nos apresenta esta proposta e se considera que consegue racionalizar e tornar os
meios mais eficazes, garantida que está, do nosso ponto de vista, a autonomia artística, a autonomia daquilo
que conta e é importante para o setor específico da cultura, se isso está garantido, com certeza que não
poderemos dar provimento ao pedido do Partido Socialista, sendo certo que não nos absteremos de, do nosso
ponto de vista de fiscalização parlamentar, garantir também, na devida fiscalização, que tudo isso está a ser
cumprido.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No curto tempo de que dispomos para este
debate, gostava, ainda assim, de abrir um parêntesis. Sr.ª Deputada Conceição Pereira, quem a ouviu e quem
a ouve agora!
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Pois é!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Em julho de 2010, mais precisamente no dia 16 de julho de 2010, a Sr.ª
Deputada defendia a posição do atual Secretário de Estado por se ter demitido por falta de verbas para a
cultura e, hoje, defende o Secretário de Estado que aqui vem defender a diminuição das verbas para a cultura!
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É coerente numa coisa: a defender a incoerência do Secretário de Estado,
um Secretário de Estado que, antes, se demitia por falta de verbas e que, agora, é ele próprio a aplicar essa
diminuição.
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Sobre o Decreto-Lei que está em cima da mesa para discussão — e saudamos o Partido Socialista por ter
apresentado esta apreciação parlamentar, ainda que, de certa forma, também a estanhemos, porque é o
programa eleitoral do Partido Socialista para 2011 que refere que o próprio Partido Socialista tem intenção de
avançar com um agrupamento desta natureza na área dos teatros nacionais… Mas é sempre bom que
também o Partido Socialista abandone essas conceções de burocratização da prática da gestão do Estado, de
sufoco e asfixia financeira, e se junte àqueles que defendem a autonomia das instituições e das estruturas,
neste caso das estruturas nacionais de criação e programação e, colocado à mistura, da Cinemateca.
Sr. Secretário de Estado, era bom, já que participará neste debate, julgo, que clarificasse a situação sobre
tudo isto. Por que razão há 10 milhões para o GESCULT, que ainda não tem sequer missão especificada ou,
pelo menos, ainda não é possível compreender, por que razão não nos divulga, e o Grupo Parlamentar
requereu, o Relatório e Contas de 2011 do OPART — e o Sr. Secretário de Estado disse-nos para irmos ver à
Internet, quando sair, veja bem a sua conceção de democracia!… —, por que razão persiste nesta linha de
aplicação do PRACE, do PS, agora transformado em PREMAC, do PSD e do CDS, que visam, no essencial, a
debilitação da capacidade do Estado, neste caso na produção e na programação artística, mas também visam,
ao contrário do que aqui nos foi dito, de que é para melhor gerir os recursos, diminuir os recursos, assim
afetando a qualidade? É altura de desmascararmos esta ideia, que paulatinamente se vai afirmando, de que é
possível fazer mais com menos.
Sr. Ministro, para isso, era preciso ter no Governo… aliás, Sr. Secretário de Estado… Chamar-lhe ministro
é a tendência do PCP no sentido da valorização da cultura, ao contrário do que o seu Governo entendeu fazer!
Mas, Sr. Secretário de Estado, não é possível continuar a persistir nesse rumo de que com menos faremos
mais, até ao zero. Isto porque, quando não houver um único tostão para fazer seja o que for, não pode dizer
às estruturas que devem fazer cada vez melhor.
O Sr. Secretário de Estado ou o Sr. Deputado Michael Seufert, do CDS, vão dizer-nos que é bom poupar
os euros que iam para a legendagem na Cinemateca, porque assim podemos usar os impostos dos
contribuintes para pagar a agiotagem ou para pagar os buracos abertos na banca pelos criminosos? É isso
que é o bom uso e a boa afetação dos recursos públicos?! Não! Da parte do PCP, entendemos que estão
muito bem empregues na gestão dos teatros nacionais, da Companhia Nacional de Bailado, da Cinemateca
Portuguesa e que, ao invés de serem cortados, devem ser reforçados.
Por isso, o PCP junta aos projetos de resolução hoje em debate um projeto de resolução para a cessação
de vigência deste diploma.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado da
Cultura.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura (Jorge Barreto Xavier) — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados:
Queria começar por responder à Sr.ª Deputada Inês de Medeiros dizendo, a propósito da lei do cinema que
referiu que estava a marcar passo, que ainda hoje, em Conselho de Ministros, foi aprovada a regulamentação
das taxas previstas na lei do cinema e do audiovisual.
Aproveito para esclarecer que essa aprovação significa, nomeadamente, que o volume possível de suporte
para esta área de atividade, ao contrário do que o Sr. Deputado Miguel Tiago dizia sobre a vontade de andar a
cortar sempre nos valores da cultura, poderá, de facto, aumentar.
Em relação ao Orçamento para 2013 e ao contrato constitutivo de que falou, esclareço que os contratos
constitutivos fazem parte de um processo que, obviamente, está em curso. Perceberá a Sr.ª Deputada que
entre 8 de setembro, data deste Decreto-Lei, de 26 de outubro, data da minha tomada de posse, por razões
que são públicas, não foi possível ao meu antecessor avançar numa série de matérias. Ora, as matérias que
estão sob a minha responsabilidade desde essa data implicaram, obviamente, um trabalho cumulativo em
vários domínios e a matéria que diz respeito à possibilidade de desenvolver contratos constitutivos está a ser
apreciada.
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Aproveito para lhe responder, nomeadamente sobre as entidades públicas. Disse-me que as entidades
públicas já eram agora reclassificadas. Mas isso é natural porque algumas dessas entidades já eram EPE e,
como tais, passariam, naturalmente, a ser reclassificadas.
No que respeita à separação entre o Teatro Nacional de São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado,
refiro que essa separação implica um arrolamento patrimonial, que está em curso, e, sem esse arrolamento,
não é possível haver qualquer tipo de separação.
Disse a Sr.ª Deputada Catarina Martins que, em relação à Companhia Nacional de Bailado, havia uma
série de necessidades, nomeadamente no que respeita aos seus trabalhadores. Queira a Sr.ª Deputada saber
que o Governo está, obviamente, muito preocupado e muito interessado em cuidar dessa matéria. A maioria
tem cuidado dessa matéria e certamente teremos novidades durante o próximo ano.
Aproveito para dizer que a autonomia dos teatros não está em causa e que essa autonomia pela qual a
maioria pugnava antes continua a manter-se em sede da legislação prevista sobre esta matéria.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — O PS dispõe de 1 minuto cedido pelo Partido Ecologista «Os Verdes»,
pelo que dou a palavra, para uma intervenção, à Sr.ª Deputada Inês de Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, começo por agradecer ao Partido Ecologista «Os Verdes»
esta cedência de tempo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós já tínhamos reparado na irrelevância da ação do anterior Secretário
de Estado, não estávamos à espera que a maioria fizesse como se ele nunca tivesse existido.
Independentemente das posições sobre o conteúdo do diploma, o que está em causa é um diploma que
contém em si mesmo irregularidades. Espanta-me que os Srs. Deputados da maioria aceitem que um diploma
decrete algo que não pode ser decretado. É tão simples quanto isto.
Folgo em saber que o Sr. Secretário de Estado admite que a cisão não está feita e que não sabe quando
poderá fazê-la. Como sabe, é preciso saldar um passivo. Onde está esse dinheiro? Não me consta que
estejamos em períodos de andar a arranjar dinheiro para saldar passivos. A não ser que seja como na RTP:
de repente, para aí já se arranjou.
Folgo em saber que o Sr. Secretário de Estado admitiu que não há nenhum contrato constitutivo. Então,
não há GESCULT! Por conseguinte, estamos a falar de uma miragem, de algo que não existe, Sr. Secretário
de Estado.
Portanto, se não existe, este diploma não tem razão de ser, exceto a assinatura do antigo Sr. Secretário de
Estado, e, pelos vistos — já percebemos isso — a palavra dele, nomeadamente em relação à Casa da Música,
também não tem qualquer valor e, pelos vistos, também não tem valor neste diploma.
Ou seja, se este diploma não está conforme, se não tem validade e se é assinado por alguém que não tem
qualquer existência para esta nova configuração governamental, então, se calhar, o melhor é revogá-lo, voltar
à estaca zero e fazer as coisas com seriedade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da
Cultura.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, como calculará, o que diz em
relação ao meu antecessor não se coloca de forma nenhuma.
Protestos da Deputada do PS Inês de Medeiros.
A sua relevância é mais do que óbvia pelo trabalho que desenvolveu em vários domínios. Nomeadamente,
a lei do cinema, que agora está a ser regulamentada, é um trabalho que foi desenvolvido durante a presente
legislatura pelo meu antecessor.
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No que respeita à Casa da Música, também não há nenhum trabalho irrelevante do meu antecessor. O
meu antecessor teve, ele próprio, oportunidade de despachar os valores relativos à Casa da Música, em abril
passado, e atribuir a verba prevista em Orçamento do Estado, pelo que a continuidade da minha decisão se
enquadra nessa atuação.
No que respeita ao ACE, a partir do momento da sua constituição em termos normativos, há um processo
de execução. Portanto, os contratos constitutivos de que falámos, a situação da separação patrimonial são um
processo e não se pode esperar que esse processo seja automático porque esses automatismos não existem.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para que efeito, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa para solicitar a distribuição de
documentos.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, em relação à Casa da Música e à palavra dada pelo
anterior Secretário de Estado da Cultura, matéria sobre a qual ainda ontem o Sr. Secretário de Estado explicou
que não havia nenhuma formalidade e que nada estava escrito, quero dizer que chegou hoje à Assembleia a
ata da reunião de fundadores da Casa da Música, assinada pelo seu Presidente, o Dr. Artur Santos Silva.
Nessa ata estão claramente mencionadas as palavras do antigo Secretário de Estado, às quais o atual
Secretário de Estado não dá qualquer valor, e os compromissos então assumidos.
Como o Sr. Secretário de Estado não se lembra desta ata ou não a conhece, permitia-me pedir à Mesa, Sr.
Presidente, que ela lhe seja entregue.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Será entregue, Sr.ª Deputada.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Faça favor, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: — Sr. Presidente, quero só esclarecer a Sr.ª Deputada que, como
é do seu conhecimento, as atas das reuniões de entidades terceiras não configuram a decisão do Governo;
aquilo que configura a decisão do Governo são, nomeadamente, os despachos dos membros do Governo.
Se a Sr.ª Deputada quiser, terei oportunidade de dar-lhe informação que mostra que o meu antecessor
despachou um valor de corte de 30% em relação à Casa da Música.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Então mentiu aos fundadores!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, quero apenas dar nota de que o Grupo Parlamentar do PCP
enviou hoje mesmo para a Secretaria de Estado a ata do conselho aqui referida, na qual podemos verificar
que o Governo, através do anterior Secretário de Estado, assume compromissos claros, que têm validade
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legal na medida em que são compromissos assumidos perante a Fundação por um membro do Governo, que
tutela a questão em causa.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, sobre a matéria que acabámos de discutir deram
entrada na Mesa os projetos de resolução n.os
543/XII (2.ª) (PS), 544/XII (2.ª) (Os Verdes), 545/XII (2.ª) (BE) e
546/XII (2.ª) (PCP) — Cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 208/2012, de 7 de setembro, que serão
submetidos a votação amanhã, no período regimental de votações.
Srs. Deputados, passamos ao ponto 4 da ordem de trabalhos, que consiste na apreciação, conjunta e na
generalidade, dos projetos de lei n.os
256/XII (1.ª) — Suspende os aumentos das rendas das habitações
sociais (PCP), 323/XII (2.ª) — Regime de renda apoiada (Primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de
maio) (PCP), 318/XII (2.ª) — Altera o regime de renda apoiada para uma maior justiça social (Primeira
alteração ao Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de maio) (BE), e 319/XII (2.ª) — Suspensão da aplicação do regime
da renda apoiada (Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de maio) (BE).
Para apresentar os projetos de lei do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por saudar os moradores dos bairros
sociais e as suas associações representativas, algumas das quais estão aqui presentes.
O regime de renda apoiada atualmente em vigor assenta em critérios injustos e desajustados da realidade,
conduzindo a brutais aumentos de rendas, incomportáveis para muitos agregados familiares, principalmente
para os mais carenciados.
Atento a esta realidade, o PCP tem apresentado, ao longo dos anos, múltiplas iniciativas legislativas
destinadas a corrigir as manifestas injustiças do regime de renda apoiada, a última das quais foi apresentada
logo no início da atual Legislatura, em julho de 2011. Esta iniciativa foi chumbada pelo PS, pelo PSD e pelo
CDS com o argumento de que o Governo estaria a tratar do assunto.
O PCP denunciou, desde o primeiro momento, que a intenção destes partidos era apenas a de adiar, por
tempo indeterminado, a resolução do problema da renda apoiada, penalizando os moradores das habitações
sociais. A vida veio mostrar a justeza desta análise do PCP: 454 dias após o chumbo da iniciativa do PCP, o
Governo PSD/CDS ainda não procedeu à revisão do regime de renda apoiada.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Tal alheamento por parte do Governo revela uma profunda insensibilidade
relativamente à situação de muitos milhares de famílias residentes em habitações sociais, a quem estão a ser
atualizadas as rendas com base no injusto regime ainda em vigor.
O que têm os partidos da maioria parlamentar, e em particular o CDS, a dizer relativamente ao alheamento
do Governo e da Sr.ª Ministra Assunção Cristas? Na anterior Legislatura, o CDS, então na oposição,
apresentou várias iniciativas legislativas que visavam resolver o problema da renda apoiada.
Vale a pena lembrar o que dizia então o CDS: «O regime de renda apoiada assenta em critérios de grande
insensibilidade social, conduzindo ao aumento de rendas de forma desmesurada e desapropriada»;…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O CDS!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — … «o regime de renda apoiada tem provocado aumentos abruptos e
significativos das rendas, em alguns casos superior a 800%, que se tornam insustentáveis para os agregados
em situações económicas mais fragilizadas».
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Dizia ainda o seguinte: «Os habitantes dos bairros sociais encontram-se
desesperados e sem condições nem expectativas de suportar a nova subida de rendas».
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Dizia o CDS!
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O Sr. Paulo Sá (PCP): — Perante este diagnóstico, o CDS exigia do Governo do PS a implementação de
medidas preventivas e com caráter de urgência.
Nos 518 dias que decorreram desde a sua tomada de posse, o Governo nada fez para resolver este
problema. Ou seja, depois de chegar ao Governo, o CDS e a sua Ministra esqueceram-se da urgência que três
meses antes defendiam de forma tão enfática.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Como explicar esta mudança de atitude? O CDS, no seu projeto de resolução n.º
487/XI (2.ª), avança com uma explicação, que passo a citar: «Inexplicavelmente, por razões que o Grupo
Parlamentar do CDS tem alguma dificuldade em entender, outros valores se têm sobreposto ao bom senso e
razoabilidade com que este assunto merecia ser tratado (…)». «Outros valores», Srs. Deputados do CDS?
Digam lá que valores são esses que impedem a resolução deste problema!
O PCP, coerente com as posições que sempre tem assumido, não desiste, pelo que apresenta aqui hoje
dois projetos de lei: no primeiro, propomos a imediata suspensão dos aumentos das rendas das habitações
sociais; no segundo, propomos a reavaliação do atual regime de renda apoiada, introduzindo critérios de maior
justiça social na determinação do valor da renda apoiada.
Não aceitamos que a maioria parlamentar continue a adiar este assunto. Se a maioria PSD/CDS tiver um
pingo de vergonha não poderá deixar de aprovar estes diplomas do PCP, cumprindo aquilo que prometeu
quando se encontrava na oposição.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar os projetos de lei do Bloco de Esquerda, tem a
palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O regime da renda apoiada, que data
de 1993 — é bom fixar esta data — tem-se revelado injusto e penalizador das famílias mais pobres.
Existe um grande consenso sobre esta matéria, consenso que vem dos grandes debates realizados dentro
e fora da Assembleia, nomeadamente aquando da reversão para o Estado, em 2007, do património dos
bairros dos Lóios e das Amendoeiras, que tinha sido entregue a uma fundação privada; vem das declarações
e das recomendações do Sr. Provedor de Justiça em 2008, em que sublinha exatamente a necessidade de
alteração da fórmula de cálculo da renda apoiada; e vem, inclusivamente, dos vários partidos representados
nesta Assembleia da República, que, em 2011, aprovaram resoluções no sentido da alteração do regime mas
também da suspensão da aplicação desse regime aos bairros sociais, nomeadamente o projeto de resolução
do CDS-PP.
No entanto, o Governo, através do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), decidiu aplicar
uma lei injusta e penalizadora, mesmo em tempo de profunda crise social. Foi isso que o Governo decidiu
fazer e, Sr.as
e Srs. Deputados, já começou. Hoje mesmo, começaram a chegar as cartas à freguesia de
Marvila, em Lisboa, aliás, tenho comigo algumas das cartas que os moradores estão a receber. Já agora,
embora se possa discutir esta questão noutra altura, é bom verificar a carga que é imposta aos moradores e o
prazo diminuto dado para que façam prova de tudo e mais alguma coisa junto do IHRU.
Portanto, ninguém está a inventar, o problema está aqui e já chegou, neste caso concreto à freguesia de
Marvila.
O Bloco de Esquerda propõe neste debate, em primeiro lugar, que o Parlamento assuma as suas
responsabilidades. O Governo não legislou seguindo as recomendações aqui aprovadas, então o Parlamento
que legisle, e que o faça em dois sentidos: primeiro, encete-se o processo de alteração do regime de renda
apoiada (o projeto de lei do Bloco de Esquerda é o nosso contributo para essa discussão); segundo,
suspenda-se imediatamente a sua aplicação aos bairros sociais para prevenir o que pode vir a ser uma
autêntica catástrofe social.
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Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo
Oliveira.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O PSD, por razões várias,
comunga e concorda em absoluto com a necessidade de procedermos a uma reforma do regime de renda
apoiada.
Mas vai mais longe: defende a necessidade da criação de um verdadeiro regime de arrendamento social,
com regras próprias, diferenciadas do arrendamento livre, que abarque toda a gestão das questões da
habitação social.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Onde está essa proposta?
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Já não concordamos, porém, com a suspensão deste regime
enquanto não houver alteração da legislação que hoje aqui se discute.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, a suspensão do regime de renda apoiada é uma medida injusta e
inaceitável do ponto de vista social. É preciso termos presentes dois aspetos: primeiro, o regime de renda
apoiada em vigor, ainda que desajustado, não impõe rendas que sejam de todo insuportáveis por parte das
famílias;…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Impõe, impõe!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … segundo, e é preciso que isto fique bem claro, o regime da renda
apoiada tanto serve para subir como para descer o montante das rendas.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Deve estar a brincar!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Por isso, Srs. Deputados, a suspensão que VV. Ex.as
aqui propõem
conduziria a que dezenas ou milhares de fogos continuassem sem qualquer atualização, apesar de as rendas
terem sido fixadas há 20 ou 30 anos. Acha isto justo, Sr. Deputado?
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Isso não é verdade!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Acha justo? Nós não achamos.
Sr. Deputado, a suspensão que VV. Ex.as
aqui propõem protege as famílias com maiores rendimentos e
desprotege as famílias com rendimentos mais baixos, mais desfavorecidas e mais carenciadas.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, também não concordamos
com as propostas de alteração que, quer o Bloco de Esquerda quer o Partido Comunista, hoje nos
apresentam. Há várias razões para isso, mas fiquemos apenas por uma, que é suficiente para elucidar a
injustiça dessas vossas propostas. Todo o sistema de cálculo do valor das rendas que VV. Ex.as
constroem só
tem um objetivo: o que VV. Ex.as
pretendem não é que as rendas sejam mais justas, é que as rendas sejam
mais baixas. É isto que VV. Ex.as
pretendem!
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Claro!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Na prática, com a construção do vosso modelo não teremos rendas
mais justas, teremos rendas mais baixas;…
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O Sr. João Oliveira (PCP): — Acha justo pagar rendas que são metade do salário?
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … na prática, não teremos mais justiça social, teremos maior abuso
social.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O CDS não renega nada daquilo
que disse no passado; sucede, porém, que temos, neste momento, um Governo que está a analisar a
situação. Aliás, temos, pela primeira vez, o IHRU no terreno, a fazer a atualização das rendas, a ver o impacto
dessa atualização e a fazer o levantamento do que isso está a causar, no sentido de ter na sua posse os
elementos para, em devida justiça e com fundamento, proceder às alterações que se mostrarem adequadas. É
isso que deve ser feito e é isso que está a ser feito. Portanto, mantemos aquilo que dissemos. O Governo está
a fazer a avaliação e em devido fará a alteração.
Mas não é essa a apreciação que estamos a fazer aqui hoje — desculpem-me, Srs. Deputados, mas estão
enganados —, estamos aqui a debater as propostas que o PCP e o Bloco de Esquerda apresentaram.
A habitação social e a renda apoiada existem para propiciar a uma faixa da população portuguesa mais
carenciada condições de acesso à habitação adequadas aos seus rendimentos, colocando-a, portanto, em
condições de igualdade com os restantes portugueses. Para serem adequadas aos seus rendimentos, na
atribuição das mesmas e no cálculo da renda que irão pagar ter-se-á de levar em conta os seus rendimentos.
E, tal como acontece quanto aos restantes portugueses, são os rendimentos reais, não aquilo que os senhores
aqui propõem, ou seja, que em termos de pensões só se calculem rendimentos num determinado valor ou até
determinada percentagem, que os rendimentos obtidos pelos membros do agregado familiar com menos de 25
anos não integrem o rendimento global da família (não sei a que título nem a que propósito, mas consta de
uma das propostas), etc.
Então, para os restantes portugueses todos os seus rendimentos contam para satisfazerem a sua vida,
para pagarem a sua renda, etc.; na vossa proposta, para se fazer justiça a estes portugueses não basta dar-
lhes habitação social com rendas condicionadas, também há que não levar em consideração os seus
rendimentos, na sua totalidade. Mas penso que isto é criar uma situação de injustiça.
Fazer justiça é dar-lhes a possibilidade de ter acesso à habitação com condições e renda adequada aos
seus rendimentos; fazer justiça a todos os restantes portugueses que, com todo o gosto, mas com sacrifício
próprio, suportam este custo social é exigir que essas pessoas, dentro das suas possibilidades, paguem a
renda adequada. É, pois, nesse sentido que se pretende caminhar.
O Sr. João Oliveira (PCP): — É ganhar 500 € e pagar 250 € de renda!
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Para terminar, gostaria de, no entanto, deixar uma nota positiva em relação
à proposta do Bloco de Esquerda, que dá um passo em frente, positivo, ao declarar que o acesso à habitação
social por parte destas pessoas tem de estar condicionado à efetividade dos seus rendimentos reduzidos. E,
por maioria de razão, admitem também que quem tenha maiores rendimentos do que aqueles que são os
exigidos para terem acesso deverá igualmente vagar as suas habitações para as deixar livres para outras
pessoas que delas tenham necessidade.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Essa é uma evolução positiva no pensamento do Bloco de Esquerda e que
nós saudamos, porque a habitação social existe para quem precisa, mas é evidente que — e ainda bem! —
famílias hoje carenciadas e que têm direito a essa habitação podem amanhã evoluir, subir na escala de
rendimentos e deverão, como tal, deixar vaga a sua habitação para quem dela, efetivamente, necessita.
Saudamos o Bloco de Esquerda por este passo em frente, nesta direção, neste pensamento positivo.
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Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Idália Salvador Serrão.
A Sr.ª Idália Salvador Serrão (PS): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Gostaria de iniciar a minha
intervenção recordando que a Assembleia da República tem sido palco de uma ampla discussão sobre o
regime de renda apoiada, desde que este foi aprovado em 1993. E, desde essa data, foram já 17 as iniciativas
legislativas apresentadas no Parlamento que versavam essa temática.
Ainda muito recentemente, em 2011, a Assembleia da República aprovou três resoluções, nas quais afirma
a necessidade de reavaliar o atual regime de renda apoiada, com base em critérios de maior sensibilidade
social e, naturalmente, a promoção de medidas que se afigurem necessárias para minorar os efeitos da sua
aplicação.
Todavia, desde setembro de 2011, nada foi feito. Os únicos ecos que existiram, da parte do Ministério do
Ambiente, foram aqueles veiculados pelo Sr. Presidente do IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação
Urbana), segundo o qual o regime continuará a ser aplicado, independentemente de qualquer iniciativa
legislativa que entretanto ocorra. E de parte está, aparentemente, a suspensão da aplicação deste regime,
como agora nos vêm propor o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português.
Os movimentos sociais, como o Movimento Contra a Renda Apoiada, que aqui saúdo, têm recordado — e
muito bem — que tem sido e foi a própria Ministra Assunção Cristas quem assumiu que iria apresentar até ao
final deste ano, de 2012, uma proposta de alteração à legislação.
Caras e Caros Srs. Deputados, já estamos em dezembro e não se vislumbra qualquer iniciativa, porque
ainda não tivemos dela qualquer nota, e até que tal proposta nos apareça é bom que nenhum português possa
ter quaisquer dúvidas: a renda apoiada continuará a ser aplicada e os portugueses vão continuar a sentir os
seus efeitos, infelizmente os portugueses que menos possibilidades têm de a pagar e que estão a ser
permanentemente martirizados pelas políticas do Governo.
Sr.as
e Srs. Deputados, esquecidas ficaram, aparentemente, as outras duas resoluções que vieram recordar
ao Governo que procedesse à reavaliação do atual regime de renda apoiada, segundo princípios de igualdade,
justiça social e sustentabilidade e que, nos casos em que a aplicação do regime de renda apoiada se
traduzisse em aumentos substanciais para as famílias, se previsse a existência de um mecanismo de
aplicação gradual.
Esquecida ficou também, Sr.as
e Srs. Deputados, a recomendação do Sr. Provedor de Justiça, que
considera que o regime de renda apoiada apresenta um sistema de cálculo injusto.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, na adoção de uma estratégia de arrendamento público como
instrumento de política habitacional, há que ter presente a importância do regime de renda apoiada numa
perspetiva de defesa intransigente de uma sociedade inclusiva e de defesa da igualdade de oportunidades,
objetivo que, estou certa, todos os partidos aqui representados desejam alcançar.
Embora o regime atualmente em vigor não esteja, na sua essência, errado, carece de revisão no sentido da
sua atualização e do seu aperfeiçoamento em alguns aspetos, nomeadamente por via da introdução de
critérios de maior justiça social. Esses critérios passam, necessariamente, por uma reflexão mais profunda e
consistente sobre uma nova fórmula de cálculo, capaz de objetivar os rendimentos das famílias, introduzindo a
capitação dos agregados de residência, ajustável à realidade, adequando simultaneamente a taxa de esforço
ao seu rendimento.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, é clara a necessidade de revisão do regime de renda apoiada, no
sentido de o dotar da capacidade para responder aos desafios que se colocam e de corresponder às
exigências das avaliações técnicas efetuadas, como, de resto, visam as iniciativas hoje em apreciação,
embora diferindo na forma e nos meios.
A aplicação de um regime de renda apoiada, justa e atual, permitirá racionalizar a gestão, enfrentar os
desperdícios de recursos, assegurando que o apoio habitacional é dado às famílias que dele, efetivamente,
necessitam, na medida em que dele necessitam, e feito em condições de maior equidade e justiça social.
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Para esse efeito, é fundamental que a Sr.ª Ministra Assunção Cristas assuma os calendários com que se
comprometeu e que o Governo, que tanto gosta de mais tirar a quem menos tem, assegure e assuma as suas
responsabilidades.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena
Pinto.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira e Sr. Deputado Artur Rêgo,
não vale a pena fazermos aqui confusões sobre a fórmula de cálculo para a aplicação do regime da renda
apoiada, como os senhores fizeram — e, inclusivamente, dizer que se pode configurar um abuso social.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Srs. Deputados, estamos muito bem acompanhados nesta matéria. Foi o Sr.
Provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, que propôs exatamente o que nós propusemos. Portanto, como
devem calcular, Srs. Deputados, quanto a isso estamos absolutamente conversados. E, se quiserem debater a
fórmula, com certeza, então vamos debatê-la em sede de especialidade.
Todavia, os Srs. Deputados quiseram passar uma ideia que não corresponde, de todo, à realidade. De
facto, existe uma ideia consensual de que o regime é injusto,…
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — … os vossos partidos e as vossas bancadas já o disseram! Se é injusto,
vamos suspender a sua aplicação, vamos fazer a reforma do regime e vamos discutir. Só que nem os
senhores nem o Governo apresentam propostas! Aliás, a Sr.ª Ministra disse aqui, em sede de discussão do
Orçamento do Estado, que quando tiver tempo pega nisso — está gravado!
Não, Srs. Deputados! Este é um problema muito urgente: atinge milhares de famílias que merecem o nosso
respeito, a nossa consideração, e merecem que este Parlamento legisle em termos de justiça social.
Por isso, Srs. Deputados, torno a dizer: vamos suspender a aplicação deste regime. E não podemos estar
a favor disto consoante estamos na oposição ou no Governo, temos de ter uma só palavra!
Em 2011, o CDS escreveu «suspensão da aplicação», está publicado em Diário da República.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Já se esqueceu!
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Vamos, pois, fazer o debate sobre o novo regime.
Já agora, Srs. Deputados, vamos parar com a demagogia das rendas altas e das rendas baixas. Os
moradores destes bairros estão cansados, cansados de dizer: «Nós queremos atualização das rendas, não
aceitamos é atualizações de 1000%, nem atualizações que estão muito acima das nossas reais
possibilidades».
É caso para dizer que, se os Srs. Deputados querem, de facto, tratar do problema da habitação social, dos
bairros de renda social — o que não tem nada a ver com o debate que o Sr. Deputado Artur Rêgo quis
introduzir, nem vou entrar por aí —, vamos a isso, temos agora oportunidade de o fazer! E não vamos, mais
uma vez, deixar a situação como está.
O IHRU não anda a fazer qualquer avaliação nem a perguntar nada, anda a enviar cartas aos moradores,
com prazos ridículos, para responderem a uma série de itens sobre a sua vida. E isto não é admissível, Srs.
Deputados.
Aplausos do BE.
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra O Sr. Deputado Paulo
Sá.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria relembrar o CDS dos projetos de
resolução que apresentou na altura em que era oposição, projetos de resolução em que o CDS exigia, com
todas as letras, a resolução urgente, urgentíssima, deste problema. E, como o Governo do PS não resolvia o
problema, o CDS, muito justamente, acusava-o de insensibilidade social.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Muito bem!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — O Sr. Deputado Artur Rêgo veio dizer que o Governo tem de refletir, ponderar,
meditar, analisar e estudar. Ou seja, há um ano e meio, quando estavam na oposição, exigiam do Governo do
PS uma intervenção imediata, mas chegaram ao Governo e nada fizeram.
Sr. Deputado, lembro-lhe de que o Governo tomou posse há 518 dias. Que grande urgência era essa que
os senhores exigiam para a resolução do problema? Passados 518 dias, os senhores continuam com o
mesmo discurso que tiveram há um ano e meio, quando chumbaram a primeira iniciativa que o PCP aqui
apresentou!?
Para retirar direitos, o CDS trabalha muito eficazmente: para tirar salários e pensões, para roubar os
subsídios, para extinguir freguesias, para destruir o poder local, para privatizar, é um instante! Mas, quando se
trata de defender os interesses dos moradores dos bairros sociais, o CDS precisa de mais de 500 dias para
refletir e amadurecer o assunto.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Assim, o que se exige ao CDS é coerência, é que cumpra o que escreveu nestes
projetos de resolução: a resolução urgente deste problema, e já tarda porque passaram mais de 500 dias
desde que o CDS teve oportunidade, através do seu Ministério e da Ministra Assunção Cristas, de resolver
este problema.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Mas há uma questão que o Sr. Deputado Artur Rêgo evitou…
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queria concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, vou concluir, colocando uma questão. O CDS escrevia que
«outros valores se levantam e se têm sobreposto ao bom senso e à razoabilidade», que impediam o PS de
resolver esse problema. Pelos vistos, também impedem o CDS! A pergunta é esta: que outros valores são
esses, Sr. Deputado? Que outros valores são esses que impedem a resolução do problema da renda apoiada,
que impedem a consagração e a efetivação do direito à habitação?
Sei que o CDS não tem tempo, mas talvez o PSD, parceiro de coligação, possa explicar quais são esses
valores que têm impedido, ao longo de mais de 500 dias, de resolver este problema.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Comecei a minha intervenção
por afirmar que o regime da renda apoiada estava desajustado e precisa de melhorias, e repito, exatamente,
essa mesma afirmação. Mas, Srs. Deputados, esses reajustamentos não são seguramente no sentido da
vossa proposta.
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A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Quais são?
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Nós queremos melhorar este regime mas não com as vossas
propostas, porque elas não traduzem essa melhoria.
Em segundo lugar, o Governo comprometeu-se a apresentar a esta Câmara uma proposta de lei até ao
final do ano. Se não for até ao final do ano, mas até ao final de janeiro, esperamos por essa altura e cá
estaremos, novamente, para resolver essa questão.
Em terceiro lugar e para terminar, queria dizer o seguinte: a suspensão do regime de renda apoiada, repito,
não é uma medida aceitável do ponto de vista social, não é uma medida justa. Sabem porquê? Porque, além
dos argumentos que já aduzi, ela não contribui rigorosamente em nada para a melhoria das condições de vida
e da falta de habitabilidade das classes mais desfavorecidas; não melhora rigorosamente em nada na gestão
dos parques habitacionais; não se traduz na melhoria dos recursos financeiros que são sempre necessários
para uma boa manutenção do parque habitacional público; e não traz rigorosamente nada de novo.
O Sr. João Oliveira (PCP): — É preciso descaramento!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — O que ela faz, Srs. Deputados, é manter situações que são, de todo,
injustas.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — É, é!…
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Deixe-me dar-lhe um exemplo aqui bem próximo, na Amadora.
Sr.ª Deputada — e vou terminar com este exemplo —, acha justo que, com a suspensão, perdurem as
situações de fogos de habitação social em que os agregados familiares, felizmente, têm melhoria da sua
condição financeira ao ponto de manterem a habitação social com rendas de 2 € como casa de férias ou de
segunda residência? Isso não é justo.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Isso é mentira! Uma vergonha!
O Sr. Presidente (António Filipe): — A Sr.ª Deputada Helena Pinto pediu a palavra para que efeito?
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Para uma interpelação à Mesa, se o Sr. Presidente permitir.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Eu permito, mas espero que seja uma verdadeira interpelação, Sr.ª
Deputada.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, na Assembleia da República não podemos continuar a ouvir
determinadas frases sem reagir. Porque, Sr. Presidente, se há…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, a sua interpelação é para que efeito?
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, se me permite e com as minhas desculpas, gostaria de fazer
um protesto.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Os grupos parlamentares têm de dispor de tempo para fazerem
protestos e a Sr.ª Deputada não dispõe desse tempo.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Apenas peço 30 segundos, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, coloca-me numa situação difícil, porque não tenho
mecanismo regimental para lhe dar a palavra. É que o protesto só pode ser feito no tempo disponível dos
grupos parlamentares e a interpelação à Mesa tem de ser verdadeiramente uma interpelação à Mesa.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, já tinha dito o que queria dizer. E, muito rapidamente, termino
dizendo que, se há, de facto, violações graves da lei, têm de se acionar os mecanismos devidos. Esta
Assembleia não pode continuar a ouvir acusações aos pobres de que são criminosos e que fazem fraudes.
Não pode ser! É da responsabilidade dos Deputados!
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, essa foi uma interpelação à Mesa num sentido muito
lato.
Srs. Deputados, concluímos o debate conjunto, na generalidade, dos projetos de lei n.os
256/XII (1.ª) e
323/XII (2.ª), apresentados pelo PCP, e 318/XII (2.ª) e 319/XII (2.ª), apresentados pelo BE, diplomas que serão
votados amanhã, no período regimental de votações.
Passamos ao último ponto da ordem de trabalhos, que consiste na discussão conjunta, na generalidade,
dos projetos de lei n.os
230/XII (1.ª) — Sétima alteração à Lei das Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 5/2004,
de 10 de fevereiro), estabelecendo que a TMDP passa a ser paga diretamente pelas operadoras de
comunicações eletrónicas (BE) e 325/XII (2.ª) — Altera a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro (Lei das
Comunicações Eletrónicas), impedindo a penalização dos consumidores pela TMDP — taxa municipal de
direitos de passagem (PCP).
O projeto de lei do Bloco de Esquerda será apresentado pela Sr.ª Deputada Ana Drago.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresenta hoje
para debate nesta Assembleia uma proposta de lei sobre uma matéria que tem vindo sucessivamente a ser
suscitada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), no sentido de que todos os aspetos
processuais da taxa municipal de direitos de passagem, no que toca às comunicações eletrónicas, têm vindo a
ser maltratados pela legislação em Portugal.
Assim, os diplomas atualmente existentes não acautelam verdadeiramente que este valor pela utilização do
domínio público ou privado municipal chegue, de facto, ao cofre das câmaras para ser utilizado. E daí esta
reivindicação que tem vindo a ser feita pela Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Há, depois, um outro aspeto que é manifesto para todos aqueles que recebem em casa a sua fatura vinda
de um operador de comunicações eletrónicas, onde é apresentada esta taxa municipal como sendo algo
imputável ao consumidor final, apesar de o consumidor final, ele próprio, individualmente, não usufruir deste
direito de passagem e esta ser obviamente uma taxa que é devida pelo negócio do operador de comunicações
eletrónicas.
É, portanto, nesse sentido, e tendo em conta que o Provedor de Justiça alertou exatamente para a
ilegitimidade de esta taxa ser imputada ao consumidor final, que o Bloco de Esquerda apresenta um conjunto
de alterações com este projeto de lei.
A saber: por um lado, que o total da faturação mensal das operadoras de comunicações eletrónicas seja
apurado e pago (na sua totalidade e não por percentagem) ao município em causa e, por outro lado, que seja
finalmente criado um regime de contraordenação, como, aliás, é recomendação da Associação Nacional de
Municípios Portugueses, para que esta lei e, portanto, esta taxa não passe de uma mera sugestão aos
operadores de comunicações eletrónicas.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra o Sr.
Deputado Bruno Dias.
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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Gostaria de chamar a vossa atenção
para as palavras que passo a citar: «Sr. Presidente e Srs. Deputados, tal como é evidenciado pelo projeto de
lei agora em discussão, esta taxa, quer pela forma como é calculada quer pela relação que estabelece,
levanta-nos as maiores dúvidas. Em primeiro lugar, porque o seu cálculo beneficia de um valor aleatório
assinalável, capaz de produzir desigualdades no sistema — não existe aqui, por exemplo, qualquer relação
entre o espaço ocupado e o valor a pagar. Assinalável é também o facto de objetivamente não ser o
beneficiário direto da utilização do espaço público que paga esta taxa — …»
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — «… não é em nenhuma circunstância a empresa que ocupa a parcela pública
a pagar a taxa de passagem mas, sim, o utilizador final que acarreta com esta responsabilidade. Assim, a
relação utilizador da parcela pública/taxa é alterada para utilizador final/taxa, inquinando a relação tributária. A
obrigação de pagamento desta taxa visa compensar o município pelos direitos e encargos relativos a
implantação, passagem e atravessamento de sistemas. É, portanto, o pagamento de uma compensação
comparável ao que pode, nos termos do artigo 24.º, ser pago por expropriação e a constituição de servidões
administrativas em propriedades privadas, sendo que, neste caso, é sobre a empresa que recai o ónus do
pagamento.»
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — «É evidentemente justo que o concessionário compense o município pela
ocupação do espaço público municipal, quando implanta, passa ou atravessa esse território. Porém, não deve
ser imputado o custo desse pagamento de forma direta aos seus utentes.»
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — «O CDS irá viabilizar o projeto de lei aqui em discussão, por entender que
essa é também a melhor forma de defender os interesses dos consumidores,…»
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É o CDS?!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — «… sem prejudicar os interesses dos municípios, nem onerar com encargos
elevados os operadores das redes de comunicação eletrónica.».
Srs. Deputados, esta era a apreciação do CDS, em 2006, ao projeto de lei do PCP, que, na altura,
propunha o mesmo que propomos agora, ou seja, acabar com esta iniquidade, que continua em vigor, de
termos as operadoras de telecomunicações a pagar às autarquias a exigível compensação e, depois, a passar
a fatura dessa compensação para que seja o consumidor a pagar.
Quase diríamos que nada temos a acrescentar à brilhante defesa que o CDS fez, há seis anos, da nossa
proposta, que voltamos aqui a apresentar.
Por isso, Sr.as
e Srs. Deputados, dizemos: ou o CDS também nada tem a acrescentar; ou vai agora explicar
por que é que muda a sua posição. E aguardamos também a opinião da maioria.
Quero também dizer que estaremos perfeitamente disponíveis, em sede de especialidade, aprovado que
seja este nosso projeto de lei, para debater com quem quer que seja aquelas propostas que aqui temos, de
elementar justiça social e económica.
Por isso, estaremos disponíveis para que o processo de especialidade, no seu tempo próprio, seja feito
com as entidades que os Srs. Deputados entendam.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira.
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O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Temos hoje em debate
dois projetos de lei que visam alterar a Lei das Comunicações Eletrónicas.
Trata-se de uma das áreas mais dinâmicas da vida económica e que obrigam a mais alterações e a maior
acompanhamento legislativo.
Esta Lei já sofreu sete alterações e estamos hoje aqui a debater propostas para uma oitava alteração — a
sétima ocorreu na semana passada, quando concluímos o processo de alteração da proposta de lei n.º 98/XII
(2.ª) —, o que prova que esta é uma realidade dinâmica que exige muita atenção.
Com efeito, desde que, em 2011, se fez a transposição das últimas diretivas comunitárias, tem havido a
oportunidade de o Parlamento acompanhar, ao pormenor, a evolução e a execução desta Lei. Ora, durante o
ano, surgiram várias questões, foram várias as entidades ouvidas em audição e, além desta questão
importante que hoje nos é trazida, da taxa municipal de direitos de passagem, existem outras questões que
merecem a nossa atenção.
Foi assim que, esta semana, a Comissão de Economia e Obras Públicas aprovou, por unanimidade, uma
audição da entidade reguladora, a ANACOM, para que se revisite esta Lei de 2004 e se faça a atualização de
uma série das suas componentes que, ao longo dos tempos, se foram desatualizando ou suscitaram
problemas de aplicação.
Este é um dos casos. De facto, temos consciência de que têm havido problemas tanto para alguns
municípios como para os operadores, mas principalmente para o cidadão que, em alguns municípios, tem tido
o ónus do pagamento, mas que, noutros municípios, não tem, havendo, portanto, aqui alguma discrepância no
que diz respeito aos consumidores de comunicações.
Há, pois, que acautelar todas estas situações. Ora, a nossa proposta, que, penso, será acolhida por todos,
é que, na sequência dessa audição (já aprovada, por unanimidade, na última reunião da Comissão de
Economia), se avance com um processo de análise global da Lei, se apresentem as várias propostas de
alteração e se faça, aí sim, a oitava alteração a esta Lei, tudo de modo a conseguir uma maior durabilidade
desta Lei, evitando a sequência de alterações até agora ocorridas.
Assim sendo, queremos dizer aos proponentes, ao PCP e ao BE, que reconhecemos a importância do
assunto que nos trazem, reconhecemos que o mesmo deve ser analisado, aceitamos o repto e lançamos o
desafio para que esse debate seja alargado e para que, na sequência dessa audição e de outras que se
entenda oportunas (e, no caso em apreço, penso que poderá ser da Associação Nacional de Municípios
Portugueses), venham a ser aqui apresentadas propostas que reúnam o máximo consenso.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Cordeiro.
O Sr. Duarte Cordeiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O Partido Socialista entende
oportunas as propostas do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda e concorda com a proposta
agora avançada pelo Partido Social Democrata, pela voz do Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira.
Esta taxa, objeto de discussão, foi criada pela Lei das Comunicações Eletrónicas. Na altura, o objetivo era
compensar os municípios pelos direitos de passagem ou de atravessamento de sistemas e equipamentos das
empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas em local fixo, e foi permitido que essa
taxa fosse aplicada diretamente aos clientes finais.
Como aqui já foi referido, a taxa não tem sido eficiente, não tem sido aplicada em todos os municípios. Por
outro lado, a sua aplicação também tem suscitado problemas, pelo que a Associação Nacional de Municípios
Portugueses reconhece que também existem problemas nessa matéria. O Partido Socialista entende que faz
sentido rever a forma como a taxa é aplicada e que poderão fazer sentido as propostas apresentadas, pelo
que se disponibiliza para o debate, na especialidade.
Podemos verificar que foram suscitadas preocupações pelo Provedor de Justiça e pela Associação
Nacional de Municípios Portugueses. Mas também existe outra preocupação que, não aparecendo em
nenhuma dessas comunicações, é uma preocupação do Partido Socialista, que é a de evitar que as empresas
às quais vai ser cobrada a taxa repercutam no consumidor final, nomeadamente no preço, um valor superior
àquele que era o cobrado pela taxa. Ora, isso implica, designadamente da parte do regulador, uma
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capacidade e um controlo que nos parece fundamental para evitar que os efeitos perversos de uma alteração
não sejam superiores àquilo que pretendemos corrigir.
Por isso mesmo, volto a referir que o princípio da alteração de cobrança, nomeadamente a ideia de as
empresas passarem a pagar diretamente aos municípios pela sua faturação e não pela faturação dos clientes,
e o princípio de que existe um reforço de contraordenações para o caso das empresas que não pagam aos
municípios o correspondente pelos direitos de passagem, me parecem corretos, mas, em sede de
especialidade, temos de perceber se as propostas do PCP e do BE, que são diferentes, são as mais
adequadas ou se, na discussão e nas audições a realizar, podemos encontrar respostas mais equilibradas.
Assim sendo, estamos disponíveis para viabilizar tanto as propostas do PCP e do BE como a proposta
agora apresentada pelo Sr. Deputado do PSD.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo
Viegas.
O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Vou fazer agora a segunda
intervenção do CDS, agradecendo, desde já, ao Sr. Deputado Bruno Dias ter feito a primeira.
Aplausos do CDS-PP.
A taxa municipal de direitos de passagem (TMDP) constitui uma contrapartida de um direito de utilização do
domínio público ou privado municipal para implantação, passagem e atravessamento de sistemas,
equipamentos e recursos das empresas de comunicações eletrónicas que prestam serviços fixos — e os
serviços que normalmente se associam a esta taxa são o telefone ou o serviço de Internet.
Contudo, não podemos esquecer que esta é uma taxa que os municípios são livres de cobrar ou não,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Oh!
O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — … sendo que, quando os mesmos decidem cobrar, a receita lhes
pertence e o encargo é assumido pelo consumidor final.
Temos casos de municípios que não estão a cobrar, como temos casos de municípios que cobram, sendo
que alguns até são presididos por autarcas do PCP.
Vozes do CDS-PP: — Pois é!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso é uma receita dos municípios!
O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — Convém reavivar a memória de todos quantos aqui estão, pois a
atual configuração da TMDP, nomeadamente a opção legislativa tomada no sentido de esta taxa constituir
encargo dos clientes, teve em conta uma ação intentada pela Comissão Europeia contra o Estado português
por violação do princípio da não discriminação, em virtude do regime particular aplicável exclusivamente à
concessionária PT Comunicações, SA, que isenta esta empresa de licenciamento municipal e de taxas
municipais (conforme artigo 14.º das Bases, anexas ao Decreto-Lei n.º 31/2003).
Olhando também às contas nacionais e aos cuidados que devemos ter, há ainda que tomar atenção ao
contrato de concessão celebrado com a PT Comunicações, SA, que prevê ainda o dever de indemnização da
concessionária pelos prejuízos decorrentes de uma eventual alteração destas isenções.
Optou-se, assim, por consagrar na lei uma solução que assegura um tratamento não discriminatório para
as várias empresas em matéria de direitos de passagem, tendo feito recair sobre os clientes finais que
usufruem de serviços fixos de comunicações eletrónicas o encargo da TMDP.
Quanto ao quadro sancionatório aplicável, admite-se que tal quadro possa ser objeto de revisão e
melhoramento no sentido de garantir a existência de um regime sancionatório efetivo. Entende-se, no entanto,
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que uma tal revisão deverá ser precedida de um estudo dos motivos que estão na base da inoperância que se
tem verificado relativamente à cobrança e entrega da TMDP aos municípios, bem como das soluções mais
adequadas a adotar, devendo avaliar-se, em particular, se esta matéria deverá ser submetida a fiscalização do
ICP-ANACOM.
Entendemos que o pagamento desta taxa por parte dos consumidores não é de todo a mais justa.
Devemos, no entanto, aguardar pelo resultado da negociação já referida com vista à revogação do contrato de
concessão celebrado com a PT, devendo esta matéria ser objeto de revisão e tratamento integrados a ter
lugar após a referida revogação.
A lei em causa tem, aliás, outros aspetos que os diversos grupos parlamentares, nas audiências realizadas
pela Comissão de Economia e Obras Públicas com várias entidades ligadas ao setor, identificaram como
passíveis de alterar. Nesse sentido, ainda esta semana foi aprovado um requerimento do PSD e do CDS para
a audição da ANACOM.
O CDS entende, pois, que fará sentido uma análise mais abrangente da lei, cumprindo os pressupostos
que atrás referimos, o que vai de encontro à proposta apresentada pelo PSD.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno
Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos sempre todo o interesse em ouvir e até
em ler as intervenções dos outros partidos porque vamos para os debates com muita seriedade. Temos, pois,
em conta as posições dos partidos, para uns tempos mais tarde serem lembradas. Foi o que se passou em
2006 e é o que se passa hoje.
Queremos aqui dizer que houve uma frasezinha, algures pelo meio do debate, em que o CDS e o PSD até
deixaram entender que poderiam estar sensíveis a esta injustiça clamorosa de as operadoras de
telecomunicações repercutirem sobre os consumidores o pagamento que devem fazer aos municípios. O
problema é o «mas, no entanto» que os senhores acrescentaram. E a propósito de esse «mas, no entanto»
que os senhores acrescentaram, referindo-se a um suposto processo de renegociação, nomeadamente com a
PT, é preciso aqui lembrar que quer as questões desse processo de renegociação quer as questões da não
discriminação entre as operadoras têm tanto a ver com esta discussão como os pastéis de nata do Ministro
Álvaro Santos Pereira.
Quando falamos de um processo em que todas as empresas, de igual forma, tenham de compensar os
municípios de igual forma e não repercutindo, de igual forma, sobre os consumidores, os munícipes, que não
têm culpa nenhuma das valas e das condutas que apareçam relacionadas com telecomunicações, a questão
que nós colocamos é: a ANACOM vem cá? Venha, sim senhor, vamos ouvi-la, vamos discutir. Temos um
projeto concreto, aliás dois, temos propostas concretas em cima da mesa, vamos trabalhar sobre elas. E
perguntamos: qual é o mal desta proposta, que andamos a defender há mais de seis anos, para um problema
que identificámos logo em 2004 quando a proposta de lei foi apresentada? E deixamos à consideração dos
Srs. Deputados que o problema seja resolvido de uma vez por todas, em vez de estarmos adiar, como os
senhores procuraram fazer mais do que uma vez, inclusive no Plenário, em 2006.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, concluído este debate, estes projetos de lei serão
votados no período de votações regimentais que terá lugar na sessão de amanhã.
Informo que, entretanto, deu entrada na Mesa um requerimento do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda no sentido de que o projeto de lei 230/XII (1.ª), que acabámos de discutir, baixe à comissão
competente sem votação, por um período de 30 dias, sendo também votado amanhã.
A ordem do dia da sessão plenária de amanhã, que terá início às 10 horas, constará do debate quinzenal
com o Primeiro-Ministro, que versará o tema «assuntos económicos sociais e políticos», e de um período
regimental de votações.
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Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 1 minuto.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.