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Sexta-feira, 26 de abril de 2013 I Série — Número 83

XII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2012-2013)

Sessão Solene Comemorativa do XXXIX Aniversário do 25 de Abril de 2013

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz Abel Lima Baptista Artur Jorge da Silva Machado

S U M Á R I O

Às 10 horas entrou na Sala das Sessões o cortejo em

que se integravam o Presidente da República, a Presidente da Assembleia da República — que saudaram, com uma vénia, os membros do Corpo Diplomático presentes —, o Primeiro-Ministro, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Presidente do Tribunal Constitucional, os Secretários da Mesa da Assembleia da República, a Secretária-Geral da Assembleia da República, em substituição, o Chefe do Protocolo do Estado, a Chefe de Gabinete da Presidente da Assembleia da República, o Vice-Chefe do Protocolo do Estado e a Diretora do Gabinete de Relações Internacionais e Protocolo da Assembleia da República.

No Hemiciclo, encontravam-se já, além dos Deputados e Ministros, os Presidentes do Supremo Tribunal

Administrativo e do Tribunal de Contas,o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a Procuradora-Geral da República, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Provedor de Justiça, os Representantes da República para os Açores e para a Madeira, o Representante do Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, o Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, os Chefes dos Estados-Maiores da Armada, do Exército e da Força Aérea,Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional,osVice-Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça,o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana,o Diretor Nacional da Polícia de Segurança

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Pública e a Secretária-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Encontravam-se ainda presentes, na Tribuna A,os anteriores Presidentes da República Ramalho Eanes e senhora e Jorge Sampaio, os anteriores Presidentes da Assembleia da RepúblicaAlmeida Santos e Vítor Crespoe aDr.ª Maria de Jesus Barroso; na Galeria I, o Corpo Diplomático; na Galeria II, membros da Comissão da Liberdade Religiosa,membros da Direção da Associação dos ex-Deputados da Assembleia da República, o Comandante Naval,o Comandante do Comando Aéreo, o Comandante do Comando das Forças Terrestres, o Chefe do Estado-Maior Conjunto e o Comandante Operacional Conjunto; na Galeria III, Secretários de Estado, o Deputado ao Parlamento Europeu João Ferreira (PCP), o Presidente da Comissão Nacional de Eleições, o Presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida,o Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados,o Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social,o Presidente do Conselho Nacional de Procriação

Medicamente Assistida,os Presidentes das confederações patronais, os Secretários-Gerais da CGTP e da UGT, o Presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas e outras individualidades convidadas.

Constituída a Mesa, na qual o Presidente da República tomou lugar à direita da Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional.

O grupo de fados Capas Negras, colocado na Tribuna B, interpretou a canção A Trova do Vento que Passa.

Seguiram-se os discursos dos Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Catarina Martins (BE), Paula Santos (PCP), Cecília Meireles, (CDS-PP), Alberto Costa (PS) e Carlos Abreu Amorim (PSD), da Presidente da Assembleia da República e do Presidente da República.

A sessão foi encerrada eram 12 horas e 2 minutos, tendo o hino nacional sido, de novo, tocado pela Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos.

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A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Srs. Deputados, declaro aberta a Sessão Solene

Comemorativa do XXXIX Aniversário do 25 de Abril.

Eram 10 horas.

A Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional.

De seguida, o grupo de fados «Capas Negras», colocado na Tribuna B, interpretou a canção «A Trova do

Vento que Passa», que a Câmara, no final, aplaudiu.

Em representação do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», tem a palavra a Sr.ª

Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Srs. Presidentes dos Supremos Tribunais, Sr. Presidente Tribunal Constitucional, Sr. Primeiro-

Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados, Estimadas e Estimados Convidados, Minhas

Senhoras e Meus Senhores:

O que levou aquele povo português, há 39 anos, a fazer e a viver o 25 de Abril foi a certeza de que não era

possível aguentar mais. Decerto haveria, na altura, quem assegurasse que «aguentam, ai aguentam,

aguentam!», mas os capitães de Abril, que sempre saudamos e que abriram alas para a Revolução, à qual se

juntou um povo ávido de liberdade e de democracia, ditaram a resposta inequívoca: «Não aguentamos mais!»

Era um País salazarento, que fabricava miséria, pobreza, medo e analfabetismo para se poder sustentar.

Aos jovens impunha a guerra colonial, e a tantos a morte prematura. A democratas ativos, tantas vezes,

impunha a clandestinidade ou a prisão, brindada de métodos de tortura, de martírio para gerar denúncia ou um

caminho criminoso para a morte. Era o regime do lápis azul em riste, da censura, para calar, para fazer a

informação e a história à medida dos sabores e dos desejos da ditadura fascista.

O 25 de Abril pôs fim a este horror e há de, por isso, ser uma referência para todas as futuras gerações.

Mas não só por isso. Também porque distribuiu cravos carregados de valores, de sonhos, de liberdade, de

igualdade, de paz, de democracia, de solidariedade, de desenvolvimento, de participação e de motivação para

os erguer e construir. O País ganhou cor… — «Qual a cor da liberdade?/É verde, verde e vermelha» (Jorge de

Sena) — … das cores dos cravos de Abril, das cores dos valores de Abril!

Houve, contudo, um problema. É que houve quem começasse a desfazer-se dos cravos de Abril, a deitá-

los ao chão, gerando políticas que esqueceram a solidariedade, a promoção da igualdade e a dignidade de um

povo. Esqueceram-se, no entanto, pobres governantes, que cada cravo deitado fora, à terra, era semente que

voltaria a germinar. Mais tarde ou mais cedo, será sempre encontrado por outro alguém, que ganhará o

desejo, a coragem e a confiança dos valores de Abril! Esqueceram-se também que neste País há quem não

largue o cravo da mão, ganhando alma para todos os desafios — «Tens um cravo/Nas mãos/E vens de Abril

(…)/(…) Trazes constante em ti/O desafio» (Maria Teresa Horta).

Um dos mais sólidos canteiros de cravos foi instituído na nossa Constituição da República Portuguesa.

Nela foram inscritos princípios sólidos da democracia e direitos aos cidadãos, que temos que preservar muito,

muito, porque há quem sonhe e tente destruir este instrumento de sustentabilidade, porque na Constituição

encontra um travão a certas loucuras políticas. Conhecer a Constituição da República Portuguesa é um passo

importante para se ganhar e consolidar consciência de direitos. Por isso, o Partido Ecologista «Os Verdes»

tem já agendada, na Assembleia da República, uma proposta para que ninguém saia do sistema de ensino

sem a oportunidade de conhecer a Constituição, como hoje incompreensivelmente ainda acontece.

Minhas Senhoras e Meus Senhores: Trinta e nove anos depois do 25 de Abril, não há vivalma que diga que

era este o País que então se sonhava construir.

Quase quatro décadas depois, voltamos a reclamar liberdade. Libertemo-nos desta ditadura do poder

financeiro em que vivemos hoje. O poder político, com governantes incautos e obreiros de crises recorrentes,

vendeu-se ao poder financeiro, em vez de se dar ao seu povo.

Os banqueiros agiram, sórdida e fraudulentamente, como no BPN, e os governantes correram a amparar

os prejuízos. Os banqueiros disseram que era tempo de pedir ajuda externa e os governantes correram a

chamar a troica. Os financeiros declararam que os seus bancos estavam descapitalizados e os governantes

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correram a disponibilizar milhares de milhões de euros para a banca. Os bancos acenaram com operações

financeiras de alto risco e administradores de empresas públicas correram a ditar prejuízo para as mesmas,

mas grande rentabilidade para o sistema financeiro. «Swap» é como chamam àquilo que é um verdadeiro flop

para as contas do País. Que esbanjamento de dinheiros públicos!

Não nos venham, então, dizer que não há dinheiro para pagar salários ou para pensões, que não há

dinheiro para garantir um sistema educativo de corpo inteiro, que não há dinheiro para um Serviço Nacional de

Saúde eficaz, que não há dinheiro para o funcionamento de serviços públicos de que os portugueses

precisam. Há dinheiro, há!, só que ele é canalizado para o sistema financeiro. Ainda por cima, garantiram-nos

que o dinheiro ia para os bancos, para que estes depois gerassem empréstimos para as empresas. Nada

disso aconteceu! E qualquer apoio que o Governo anuncie, já tarde, para uma economia que pôs nas ruas da

amargura, fica sempre, sempre a léguas de distância dos montantes que disponibilizou para a banca. Como é

que isto é sustentável?

Neste País, está a criar-se uma bolsa de pobreza abominável, a fome prolifera no País, o número de

desempregados é dramático, a emigração forçada por falta de esperança é assustadora, a dívida não para de

crescer. Isto tem que estancar! Para se sustentar a riqueza do sistema financeiro e do grande poder

económico, fabrica-se e alastra-se pobreza entre a generalidade dos portugueses.

Estamos a regredir, minhas senhoras e meus senhores. A regredir!

Sr. Presidente da República, o País não aguenta mais estas políticas delapidadoras. E não é o vaivém de

membros do Governo que resolve a situação. Devolver a palavra aos portugueses é do mais elementar

interesse nacional neste momento, Sr. Presidente.

E, depois, cuidado com as falácias. Tudo é vendido sob o rótulo da modernidade. Muda-se a legislação

laboral para facilitar o despedimento ou desregular os horários de trabalho, e diz-se que isso é moderno.

Criam-se mega-agrupamentos escolares, com milhares de alunos, e diz-se que não há modernidade como

esta. Encerram-se serviços de proximidade, como unidades de saúde, postos de CTT, esquadras da PSP, e

diz-se que isto é que é moderno. Acaba-se com freguesias, fragilizando o poder local democrático, o de maior

proximidade, e acha-se isso de uma modernidade absoluta. Quer-se privatizar tudo, tudo, da energia aos

transportes, à água, ao mar, com graves prejuízos para o País, e acha-se que isso é o cerne da modernidade!

Estamos a regredir, minhas senhoras e meus senhores. A regredir!

E cuidado com as ilusões. Quando aderimos à União Europeia e depois ao euro, as promessas de

progresso infindável e sustentável não paravam. Nós alertávamos: atenção, porque estão a enviar-nos

subsídios e vastos montantes de dinheiro para deixarmos de produzir no nosso País — tornar-nos-emos,

assim, mais dependentes do exterior (estavam a comprar-nos soberania); atenção, dizíamos, porque o

problema não é aderir a uma União Europeia, mas, sim, a esta União Europeia com estas características de

serviço às economias mais fortes e de fragilização das mais fracas.

Éramos acusados de ter vista curta, de não perceber a dimensão da tal modernidade! Hoje, infelizmente (e

redigo infelizmente), percebeu-se que tínhamos razão — «Este mundo não presta, venha outro/Já por tempo

de mais aqui andamos/A fingir de razões suficientes» (José Saramago).

Ouçam-nos, então: Detetada uma das maiores causas do problema que hoje enfrentamos — o facto de

termos deixado de ter capacidade produtiva —, é preciso reverter a situação. O País precisa de recomeçar a

produzir, produzir sustentavelmente. A relocalização da produção traz enormes vantagens, do ponto de vista

ambiental, social e económico.

Produzir é ganhar capacidade de gerar riqueza num país. É para aí que todos os esforços se devem voltar.

E este País tem valores naturais tão ricos e diversos — da terra ao mar, uma costa imensa, um mundo rural

repleto de potencial, magníficas paisagens, um excelente clima —, fatores tão propícios a um desenvolvimento

com sustentabilidade. Mas, para haver atividade produtiva, as micro, pequenas e médias empresas têm de ser

apoiadas, relançadas, e o mercado interno tem de deixar de estar estrangulado. E, para isso, é determinante

que os portugueses ganhem poder de compra, para o que é fundamental o aumento do salário mínimo

nacional e a reposição do que foi retirado nos salários e pensões da generalidade dos portugueses. Isto não é

esbanjar dinheiro, isto é relançar o País para a dinâmica necessária. É, de resto, a única forma de podermos

pagar dívida. Sem produção de riqueza, para além de não conseguirmos pagar dívida, não conseguiremos

deixar de nos endividar cada vez mais. Canalize-se o dinheiro para onde ele dá frutos e não para sustentar os

ricos que navegam em ganância.

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Àqueles que passam a vida a dizer que quem tem dinheiro é quem manda — seja esse «quem» a

Alemanha, a troica, ou os banqueiros que acham, iludidos, que aguentamos tudo —, é preciso dizer que a

canção de Abril é mais sábia e ditou, há muito tempo, que «o povo é quem mais ordena»!

Este País tem Abril na sua raiz. Abril é do povo e o povo ordenará que Abril vencerá!

Viva o 25 de Abril!

Aplausos de Os Verdes, do PCP e do BE.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República,

Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Primeiro-Ministro e Srs.

Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr.as

e Srs. Convidados:

Tenho a idade do 25 de Abril. Comecei a dar os primeiros passos, literalmente, com aquele Abril que nos

fez esquecer esse longo mês de março. Em minha casa, como em quase todas, discutia-se política.

Foram tempos de aprendizagem. Muito, quase tudo, só me fui apercebendo mais tarde. Foram os dias em

que aprendemos a força de ter força, em ter orgulho no que é nosso e no que podemos construir como

coletivo. Aprendemos que um país pobre, e fechado sobre si próprio, pode quebrar o atavismo e encontrar-se

com o seu futuro.

Foi essa crença em Portugal e nos portugueses, a ideia de que o destino do País não estava confinado à

mediocridade pobre mas remediada, que nos trouxe a essa clara madrugada. Dizia Salazar, em 1962,

resumindo quatro décadas de isolacionismo, que «um povo que tenha a coragem de ser pobre é um povo

invencível». Foi este o fardo cultural quebrado por Abril.

A revolução foi feita por quem tem a certeza de que o empobrecimento não é o nosso fado natural, a

democracia cresceu na convicção de que esse País fechado sobre si próprio «foi um sonho mau que já

passou, um mau bocado que acabou».

Os cravos vieram para rebentar com o provincianismo atávico, devolver a esperança e renascer o orgulho,

substituir a ideologia da pobreza pela coragem de fazer melhor e a esperança de almejar mais além.

A modernidade política e cultural, inauguradas com a revolução, trouxeram-nos a ambição de ser europeus

de pleno direito, a coragem de nos inspirarmos nos melhores exemplos e reclamá-los como nossos, a

universalidade nos cuidados de saúde, a proteção na velhice, a equidade de oportunidades do sistema

educativo. Abril foi ser mais alto.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Foi assim que eu, que não vivi a revolução, sou filha dela. Eu, como

tantas e tantos «filhos de Abril», estudei em escolas e universidades públicas, dei à luz em hospitais do

Serviço Nacional de Saúde (SNS) e foi a segurança social que me permitiu ter licença de maternidade.

Não vivi a revolução, mas não seria a mesma sem a janela que ela nos abriu. Celebrar Abril é também

lembrar o que ele foi para cada um de nós, no que nos transformou e no que nos abriu de possibilidades.

A democracia mobilizou um País, uniu-o, nas suas diferenças, em torno de dois ou três consensos que

perduraram quatro décadas. Portugal não pode viver isolado, e abrimo-nos ao mundo; Portugal não está

condenado ao empobrecimento, e construímos um Estado social. Temos orgulho nisso.

O consenso em torno do Estado social inscreve-se nas nossas vidas, está no quotidiano de todos quantos

crescem e cresceram na escola pública, tornou possível que tantas e tantas famílias portuguesas quebrassem

o ciclo da pobreza e do analfabetismo e que hoje os pais sejam orgulhosos do tão mais que as suas filhas e

filhos souberam estudar, puderam aprender.

O Estado social está inscrito no Serviço Nacional de Saúde, ao qual nos entregamos nos momentos mais

frágeis e mais difíceis. O SNS trouxe-nos para a modernidade de nascer em segurança, de transformar em

doença ligeira o que era causa de morte.

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Construímos as nossas vidas com base no contrato social que nos chama a participar sempre, para nos

apoiar quando precisamos. O Estado social lembra-nos o que somos: solidários. Orgulhosamente solidários.

O Estado social tem o peso exato da democracia. É imperfeito, como tudo na vida, e temos a ambição de

que seja melhor e mais presente. Mas nunca passa pela cabeça de ninguém voltar atrás, desistir da dignidade,

quebrar os consensos fundadores da democracia.

Até agora.

Nunca, como hoje, um Governo fez do revanchismo social a sua imagem de marca. Na verdade, o País

está, hoje, sob um duplo resgate.

O resgate financeiro, claro. A chantagem da dívida é o argumento para a imposição da austeridade que

mata a economia e o País. Quanto mais austeridade, mais gente no desemprego, mais recessão, mais dívida

se acumula. Não é um acidente, nem falta de jeito ou mera incompetência. É um plano deliberado para uma

violenta transferência dos rendimentos do trabalho para o capital financeiro.

Também o resgate da memória, efetuado por uma direita sedenta por reescrever a história. A

reconfiguração do Estado a um papel mínimo e a uma lógica assistencialista é-nos apresentado como uma

inevitabilidade insofismável. O preconceito ideológico de uma direita radical é travestido de ciência exata.

Mas esta ideologia radical, precisamente por representar uma rutura com todos os consensos nascidos em

Abril e fomentados por quatro décadas de democracia, precisa dos seus mitos fundadores. Daí o embuste

permanentemente encenado por um Primeiro-Ministro que nos diz que o Estado é gordo, pesado e ineficiente,

que foi o seu peso que nos trouxe à crise.

Vivemos todos acima das nossas possibilidades, dizem-nos, ou como os estereótipos chauvinistas contra o

sul podem ser assimilados e reciclados por um Governo da periferia da Europa.

Nesta cruzada contra tudo o que é público, pouco importa a Passos Coelho e Paulo Portas que todos os

números desmintam o seu discurso. Pouco lhes importa que Portugal seja um dos países da Europa onde se

trabalha mais horas por ano, que os orçamentos da educação e da saúde, ou mesmo o peso dos salários da

função pública, fiquem abaixo da média europeia, e que Portugal seja um dos países onde as transferências

sociais mais reduzem o risco de pobreza.

Não, não foram os serviços públicos e as prestações sociais que nos conduziram a esta crise. Mas isso

nada interessa a quem apenas quer saber da legitimação de um programa que sabe ser avassalador.

A direita, em Portugal, rasga o contrato social de Abril, condena gerações ao desemprego e à emigração,

para tentar reconfigurar as maiorias sociais e abrir caminho à transformação do Estado social em Estado

assistencial.

É o sonho da direita: responder às obrigações do povo, não com os direitos e a dignidade próprios da

cidadania, mas com a prepotência de dar como esmola o que é devido por direito.

Não nos enganemos, esta é uma escalada sem fim. Aceitar que a cantina social substitua o subsídio de

desemprego está a escassos degraus de aceitar o fim da democracia.

O Estado social é o cimento da democracia, a coesão solidária que nos faz cidadãos. Porque a democracia

não existe sem liberdade, e não há liberdade sem dignidade e sem igualdade. É a liberdade que esta direita

coloca em causa.

É por isso mesmo que o Governo se regozija com a redução da política à lengalenga da inevitabilidade,

com o jugo do Memorando da troica, a soberania limitada. É uma direita apostada na degradação de todos os

espaços da democracia: da concertação social ao Parlamento, da comunicação social ao seu próprio Governo

e até ao seu Presidente da República. Um Presidente que reitera a confiança no Governo cujo Orçamento

pediu para ser declarado inconstitucional, como aconteceu.

Um povo condenado a ser pobre emerge novamente como discurso oficioso de quem governa o País. Mas

aonde esta direita quer resgatar a memória coletiva de um povo existirá sempre quem diga presente. Aqui

estamos, para disputar a história!

Abril conquistou a liberdade e a democracia com luta, participação e mobilização popular. A mesma

mobilização de que hoje precisamos para recuperar poder sobre as nossas vidas, dizer não à troica,

renegociar a dívida, respeitar todos os nossos compromissos, o primeiro dos quais é do contrato social, o da

dignidade.

A democracia não é uma lei da física, independente das nossas vontades. A democracia é o nosso

exercício quotidiano dessa vontade.

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Onde há desligamento entre o povo e os governantes, a democracia congela e ressurgem todas as

ameaças populistas: o discurso antipolíticos e antissistema, o desejo de soluções autoritárias milagrosas. Não

deixaremos!

Afinal, onde está a fonte do poder? Sabemos a resposta: está no povo. Mas a simplicidade desta resposta

tem séculos de construção. A deslocação da fonte de poder da nação para o povo foi um longo caminho de

lutas e conquistas, que conduziu ao traçado dos modernos regimes demoliberais do século XX.

A pergunta a que hoje respondemos é se queremos voltar para trás. Não queremos e não deixamos! Foi só

há 39 anos que o nosso País passou a viver plenamente em democracia. E quando Zeca escreveu a

Grândola, escreveu também a história de um País: o povo é quem mais ordena!

Esse povo real, de gente que luta e trabalha, de gente que não desiste, esse povo que se reencontrou nas

ruas e em todas as vezes que a Grândola teve voz. Quando o povo encheu a rua, foi essa a sua reivindicação

absoluta: devolvam-nos o que somos e o que queremos, porque o povo é quem mais ordena.

É hoje preciso devolver a voz ao povo português para que ele seja senhor do seu destino e inaugure uma

nova madrugada.

Viva o 25 de Abril!

Aplausos do BE, do PCP e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do Partido

Comunista Português, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República,

Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes dos Supremos Tribunais e do Tribunal Constitucional, Capitães de Abril,

Sr.as

e Srs. Convidados, Sr.as

e Srs. Deputados:

Há 39 anos, o povo português e os militares de Abril foram protagonistas do maior acontecimento da

história contemporânea de Portugal: a Revolução de Abril. Foi a luta da classe operária e dos trabalhadores,

dos intelectuais, dos militares, dos comunistas e de todos os democratas, que pôs fim a 48 anos de

obscurantismo, de opressão e de repressão, de tortura, de censura, de pobreza e miséria e de analfabetismo.

Milhares de homens, mulheres e jovens portugueses, com determinação e coragem, mesmo prescindindo

da sua vida pessoal e familiar e enfrentando as masmorras fascistas, dedicaram-se empenhadamente à luta

pela emancipação dos trabalhadores e do povo português, pela liberdade e pela democracia.

É justo sublinhar a ação, reflexão e intervenção de Álvaro Cunhal, no ano em que se comemora o

centenário do seu nascimento. Intervenção cuja atualidade demonstra que é sempre lutando pelos seus

direitos e por uma vida melhor que os povos fazem avançar a história no sentido do progresso e da justiça.

À ação dos militares dirigida pelos capitães de Abril, que daqui queremos saudar, juntou-se a força e a

unidade do povo, que massivamente saiu à rua, associando o levantamento popular ao levantamento militar,

que foram os elementos motores da revolução.

A alegria patente no rosto das pessoas e a expectativa de uma vida melhor são características que

marcam, indelevelmente, os primeiros momentos de liberdade.

A Revolução de Abril pôs fim à ditadura fascista e à guerra colonial e deu a independência aos povos até

então colonizados por Portugal. Os seus impactos extravasaram as fronteiras de Portugal, tendo sido um

exemplo inspirador para muitos povos oprimidos, na sua luta pela liberdade e pela democracia.

O 25 de Abril foi a origem de profundas alterações a nível político, económico, social e cultural, retirando

aos grupos monopolistas e aos latifúndios o controlo da economia nacional. Consagrou a livre atividade

política e sindical, o direito à greve, o direito ao voto ou o poder local democrático. Avançaram as

nacionalizações de sectores económicos estratégicos, ao serviço do povo e do País.

Abril foi a instituição do salário mínimo nacional, com que muitos trabalhadores viram os seus rendimentos

duplicar e alguns até mesmo triplicar. Abril foi o direito ao gozo de férias, o subsídio de férias e de Natal, os

acordos coletivos de trabalho e a proteção social. Abril foi o acesso, pela primeira vez para milhares de

pessoas, a uma consulta médica. Abril foi o acesso a todos os níveis de ensino para todos os portugueses,

independentemente das suas condições socioeconómicas.

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Em 1976, a Constituição da República Portuguesa consagrou, pela primeira vez, liberdades, garantias e

direitos essenciais, conquistados pelas massas em movimento. Foram momentos de grandes avanços

progressistas, que trouxeram ao povo a esperança de uma vida com a dignidade que merece. A aprovação da

Constituição constituiu uma vitória da Revolução de Abril e perspetivou como objetivo a construção de um País

mais livre, justo e fraterno.

Mesmo após 37 anos de política de direita e de sucessivas subversões da Constituição, as forças da

política de direita ainda não conseguiram aniquilar o património de liberdades e direitos conquistados com a

Revolução de Abril.

A política de direita aplicada por sucessivos Governos e a integração capitalista europeia, que provocaram

o aumento da exploração no trabalho, a diminuição de direitos essenciais e a destruição do nosso setor

produtivo são responsáveis pela situação em que hoje se encontra Portugal, marcada pela recessão, pelas

desigualdades e pelas injustiças.

Vivemos tempos de retrocesso civilizacional. Dois anos depois da aplicação das medidas que constam do

pacto de agressão da troica, os problemas agravaram-se.

Assistimos à reconstituição dos monopólios e à privatização de setores estratégicos da economia. Há mais

desemprego, mais exploração e mais empobrecimento. Há famílias que estão completamente desesperadas e

desamparadas, porque não conseguem fazer face às suas responsabilidades, devido ao roubo nos salários e

pensões, ao corte nas prestações sociais, ao aumento de preços de bens essenciais, ao aumento de impostos

para quem vive do seu trabalho e às dificuldades acrescidas no acesso à saúde e à educação. Hoje,

empobrece-se a trabalhar, por via de uma política de baixos salários. O desemprego aumentou para níveis

nunca atingidos desde o fascismo. Há um milhão e meio de trabalhadores em situação de desemprego e, em

relação aos jovens trabalhadores, 40% estão desempregados.

O compromisso com a troica é um verdadeiro compromisso contra Abril e contra os seus valores.

Perguntamos: que País é este, onde o Governo nada tem a oferecer aos jovens, que não seja desemprego,

precariedade e baixos salários? Que País é este, onde o Governo sugere aos jovens que emigrem e procurem

uma oportunidade profissional noutros países? Que País é este, onde o Governo compromete o futuro e o

desenvolvimento, e deixa para as gerações vindouras piores condições de vida?

O pacto de agressão da troica não é uma inevitabilidade. É, acima de tudo, uma opção política e ideológica

de quem o subscreveu e de quem o executa. Assume-se como um verdadeiro programa de liquidação das

conquistas de Abril e do regime democrático.

É por isso que a Grândola tem sido o hino da contestação a esta política.

Hoje, temos uma democracia empobrecida. O entendimento de democracia, explanado na nossa

Constituição, não se resume à democracia política, seja pelo voto em atos eleitorais, seja pela

representatividade e participação dos partidos políticos. A nossa Constituição contempla um entendimento de

democracia bem mais amplo, assente na democracia política, económica, social e cultural e por um País

independente e soberano.

Significa que não há democracia plena sem emprego com direitos, não há democracia plena sem saúde

para todos, não há democracia plena sem igualdade de oportunidades no acesso, frequência e sucesso

escolar em todos os níveis de ensino, não há democracia plena sem estarem satisfeitas as necessidades de

habitação e não há democracia plena sem a proteção social dos mais frágeis.

Os tempos que vivemos, em Portugal, evidenciam a atualidade e o alcance dos valores e das conquistas

de Abril. É preciso retomar o caminho de Abril e cumprir os princípios consagrados na Constituição da

República Portuguesa. Esta é a solução para os portugueses e o País.

A alternativa existe, mas ela não está na continuidade da mesma política, mesmo com outras caras, está

na rutura com esta política. Está na urgente renegociação da dívida, nomeadamente nos seus montantes,

taxas e prazos, para libertar recursos públicos que possibilitem o investimento na produção nacional. Está em

pôr o País a produzir e apostar na agricultura, na pesca e num programa de reindustrialização para reduzir a

nossa dependência externa e criar emprego com direitos. Está em redistribuir a riqueza criada através da

valorização dos salários e pensões, numa perspetiva de dinamização do mercado interno. Está em apoiar as

micro, pequenas e médias empresas e pôr fim às privatizações, assegurando um forte setor empresarial do

Estado. Está em garantir o Serviço Nacional de Saúde, a escola pública, o apoio social, a habitação digna.

Está em afirmar a nossa independência e soberania.

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Felizmente, as novas gerações não sentiram a violência e a crueldade da ditadura fascista, tendo nascido

já num País livre e democrático, conquistado pelos seus pais e avós. Mas torna-se cada vez mais premente a

capacidade de lhes transmitir o que significaram e significam hoje as conquistas de Abril, para que as

assumam como suas e para que as defendam, para um futuro próspero e para nunca mais regressarmos a

tempos semelhantes.

Não é por acaso que a ideologia dominante tenta branquear os 48 anos da ditadura fascista e a sua

verdadeira natureza opressora, como procura desvalorizar o 25 de Abril, principalmente junto das crianças e

dos jovens, para que as novas gerações reproduzam o individualismo, o egoísmo e o assistencialismo pela

caridade.

Não comemoramos Abril apenas para evocar uma data histórica. Comemoramos Abril para projetar no

presente e no futuro os seus valores!

A luta da classe operária, dos trabalhadores, das mulheres, dos jovens e de amplas camadas da

população, foi determinante para derrubar a ditadura fascista. Hoje, como no passado, será pela luta que

conseguiremos a rejeição do pacto de agressão, a rutura com a política de direita, a demissão do Governo e a

realização de eleições, para dar novamente a voz ao povo para decidir o seu destino.

A soberania reside no povo e o povo português não permitirá a continuação do retrocesso e lutará por uma

alternativa política e uma política alternativa, tendo por base os valores de Abril.

Viva o 25 de Abril!

Aplausos do PCP, do BE e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do CDS-PP,

tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional

e demais Tribunais Superiores, Sr.ª Procuradora-Geral da República, Altas Autoridades Civis e Militares, Srs.

Membros do Governo, Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Sr.as

e Srs. Convidados, Sr.as

e Srs.

Deputados:

Portugal evoca hoje o 25 de Abril de 1974. Por isso mesmo, convém começar por deixar claro, neste

momento, a leitura abrangente que fazemos desta data. Uma leitura que compreende o próprio dia 25 de Abril

de 1974, como o último dia de um regime autoritário que, felizmente, terminou. Uma leitura que abarca

também um outro dia 25 de Abril, desta vez, de 1975, como a data em que, pela primeira vez, todos os

portugueses puderam exercer o direito de votar em eleições realmente livres. Finalmente, uma leitura de um

processo que culminou no 25 de Novembro de 1975, a data em que a legitimidade democrática triunfou, como

manifestamente o povo queria que triunfasse, sobre a legitimidade revolucionária.

Tenho a sorte de pertencer a uma geração que nasceu depois deste processo e que foi herdeira desta

democracia. Uma democracia legítima, representativa e efetiva, que não tinha existido, até então, em Portugal.

Por isto mesmo, parece-nos natural, normal, e mesmo muito desejável, que haja leituras muito diferentes

do 25 de Abril. É precisamente essa a herança de que estamos hoje a falar. Cumprir Abril é sabermos honrar o

direito que nos legaram de fazermos escolhas pela nossa própria cabeça, é fruirmos a liberdade de o

podermos fazer sem medos nem temores e é cumprirmos o dever de defendermos, até ao limite das nossas

forças, aquilo que acreditamos ser o melhor para o nosso País.

Nessa matéria, não deixa, contudo, de ser curioso que alguns daqueles que mais evocam, até com grande

frequência, o 25 de Abril sejam precisamente aqueles que gostariam de ter deixado uma herança bem

diferente, bastante mais próxima de modelos totalitários e sociedades fechadas.

Vozes do CDS-PP e do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Mas, ditosamente, não foi isso que aconteceu. E, por isso, a memória

que hoje evocamos não é de alguns, é de todos nós. Não é de uma só geração, é para sempre. Não é apenas

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daqueles que a viveram, é também daqueles que por ela lutaram sem chegarem a vê-la tornada realidade e

daqueles que, por terem nascido mais tarde, nunca conheceram uma sociedade sem liberdade.

Minhas Senhoras e Meus Senhores: O 25 de Abril, com esta leitura abrangente, permitiu o reencontro de

Portugal com a Europa. Isso aconteceu décadas depois de a Europa ter reencontrado a sua paz e iniciado um

projeto de prosperidade que está indissoluvelmente ligado a dois conceitos: a economia social de mercado e o

modelo social europeu. Estas duas ideias mobilizadoras estão vivas, mas não são estáticas. E, porque o

mundo mudou muito, é preciso reformar os sistemas para podermos preservar os princípios.

Precisamente, a economia social de mercado e o modelo social europeu, na sua raiz e no seu destino, são

obra conjunta e património reivindicável de três grandes famílias políticas: a democracia-cristã, a social-

democracia e o socialismo democrático. Por isso, é natural que sejam estas famílias políticas a ter de enfrentar

os momentos e as causas de uma Europa manifestamente em crise.

Falemos, por isso, abertamente. É com inquietação que assistimos a um crescente debate no espaço

europeu, feito à volta de considerações simplistas, para usar um eufemismo, ou maniqueístas, para chamar as

coisas pelos nomes, ou mesmo moralistas, para ser um pouco mais audaz.

Falamos da crescente tentativa de dividir a Europa entre um Norte, que trabalha, e um Sul, que descansa;

entre um Centro, que poupa, e uma periferia, que gasta. Esta alegada divisão é absolutamente inaceitável.

A Europa só faz sentido com os países do Sul, com os países do Centro e com os países do Norte. A

Europa triunfará unida, mas cairá se for dividida.

A História ensinou-nos já muitas vezes, frequentemente através de conflitos trágicos, que a Europa será

coesa, ou não será.

No caso português, porque é de Portugal que nos cabe tratar antes de mais, é sempre bom lembrar que

basta olhar para o mar para percebermos a nossa centralidade. Tal como basta refletir na nossa própria

História para concluir que já há muitos séculos somos «globais».

E Portugal conseguirá, como sempre conseguiu, vencer com dignidade e responsabilidade os seus

problemas. Mas, não nos iludamos, os problemas não são apenas nossos, são cada vez mais europeus.

Precisamos de um Portugal com determinação e de uma Europa com visão.

Queremos uma Europa com visão estratégica, capaz de antecipar problemas, propor soluções e ver além

do momento presente. O projeto político da moeda única depende, sabemo-lo bem, de uma atitude de

responsabilidade e do respeito de todos os países por regras comuns de convivência. Portugal tem não só o

dever mas, sobretudo, o direito de honrar essa responsabilidade com que se comprometeu. Mais, a

esmagadora maioria destas regras são bons princípios, não só para a consolidação orçamental, como nos

habituámos a ouvir, mas, sobretudo, para uma economia sã, concorrencial e forte. Também aqui as dicotomias

estabelecidas são com frequência bastante simplistas.

Mas a esta responsabilidade com que Portugal se compromete corresponde necessariamente um princípio

— diria mesmo, um sentimento — de solidariedade entre todos os europeus. Responsabilidade e

solidariedade não são apenas dois valores. São dois pressupostos essenciais que não poderão sobreviver

sozinhos — um é condição imprescindível do outro.

O momento que vivemos em Portugal, muito em concreto o Plano de Assistência Económica e Financeira,

tornou esta constatação uma realidade particularmente evidente.

Queremos uma Europa que se orgulhe de pedir o razoável. Não queremos uma Europa que se arrependa

de exigir o impossível.

Minhas Senhoras e Meus Senhores: O momento em que agora estamos não é o primeiro momento difícil

que Portugal atravessa.

Olhando apenas para a nossa História recente, Portugal esteve por três vezes à beira da bancarrota.

Curiosamente, nenhum artigo da Constituição o impediu. Mas a nossa Constituição é como o 25 de Abril: não

é de alguns, deve ser de todos; não é apenas dos que aqui estão, é também dos que já partiram e dos que

hão de nascer. Foi por isso mesmo que nos batemos pela consagração constitucional de um limite à dívida

pública, porque a Constituição da República Portuguesa é o documento máximo que deve unir todos os

portugueses, de todas as gerações, de todas as convicções e de todas as filiações partidárias.

A sabedoria, a coesão social e a concórdia que os portugueses foram capazes de demonstrar, mesmo num

contexto de enormes, enormes sacrifícios, são bem demonstrativas daquilo que somos capazes de realizar.

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Saiba esta Câmara seguir esse exemplo e estejam os partidos do arco da governabilidade à altura das

circunstâncias, o que significa saber obter e manter uma concordância básica em relação a questões

fundamentais. Falamos da dívida, quer pública quer externa, que compromete inexoravelmente as gerações

futuras, falamos da permanência na moeda única e falamos da recuperação da soberania. São questões que

exigem de todos nós um mínimo de concordância, um mínimo denominador comum, para que possamos dar

ao nosso País um máximo de credibilidade.

Aqui chegados, é também preciso falar do futuro.

Em primeiro lugar, o crescimento económico é um pilar absolutamente decisivo. Só ele pode concretizar

dois imperativos fundamentais: por um lado, o de contrariar a fratura social inaceitável que é o desemprego;

por outro, o de criar oportunidades, permitir a mobilidade social e abrir caminho a uma sociedade em que, com

mérito, com esforço e com trabalho, se pode ter uma vida melhor. É isto que queremos deixar às próximas

gerações.

Em segundo lugar, nunca podemos esquecer o valor da coesão social e da ética social, em tempos de

consolidação. Uma sociedade justa e equilibrada não pode esquecer, nunca, os mais velhos, que trabalharam

toda a sua vida e deram um muito largo contributo para a construção de um Portugal moderno. Este é o dever

que temos para com os nossos pais e para comos nossos avós.

Por último, mas porventura bem mais importante, temos de fazer tudo para reconquistar o valor mais

importante numa sociedade — a confiança. Não apenas a confiança que devemos inspirar junto dos nossos

parceiros europeus, dos nossos credores ou das instituições internacionais — essa é, sem dúvida, importante.

Mas verdadeiramente fundamental é a confiança que temos de ter em nós enquanto País, enquanto povo e

enquanto Nação.

Isto significa sermos capazes de explicar os problemas que vivemos, com frontalidade e com verdade, mas

sem demagogias fáceis ou simplificações abusivas.

Significa também sermos capazes de encontrar soluções equitativas, ponderações equilibradas e

consensos sensatos para as escolhas difíceis que temos pela frente.

Lembrar Abril, sim. Mas, sobretudo e acima de tudo, cumprir Portugal!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do Partido

Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.

Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr. Primeiro-Ministro,

Srs. Membros do Governo, Ilustres Convidados, Sr.as

e Srs. Deputados:

A ação libertadora do 25 de Abril, que hoje celebramos, pôs termo a uma longa perversão constitucional.

A Constituição do Estado Novo proclamava a liberdade de expressão, mas tínhamos a censura prévia.

Consagrava-se a independência dos tribunais, mas os opositores eram presos e condenados em execução de

instruções da polícia política.

Era uma Constituição que mentia. O 25 de Abril resgatou-nos dessa mentira.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Alberto Costa (PS): — Construímos uma democracia em que o Estado e as leis se subordinam à

Constituição, uma genuína Constituição e não uma Constituição à disposição.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Alberto Costa (PS): — Uma Constituição que é, em todos os momentos, no bom tempo e na

tempestade, um teste à qualidade democrática da governação.

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Por razões que são globais, europeias e nossas, conhecemos uma situação em que se pode dizer que o

nível dos sacrifícios impostos atingiu o limite. Mas o que qualifica uma forma de governar não é tanto o nível

dos sacrifícios como o critério com que são repartidos.

Quando se privilegia o que é mais fácil, quando se constituem como alvos preferenciais os que não podem

reagir, quando, em primeiro lugar, se atingem os mais débeis, os doentes, os desempregados, os

pensionistas, os idosos, fere-se a dignidade e a coesão, e transmite-se uma mensagem perversa à sociedade.

Aplausos do PS.

Perversa não apenas porque não alcança o que anuncia, não apenas porque os efeitos pretendidos não

passam a resultados. Perversa, sobretudo, porque extermina expectativas, semeia a frustração, o ceticismo e

a desconfiança, e compromete as próprias condições de uma governação democrática eficaz.

O princípio da igualdade é uma pedra de toque num Estado de Direito e um princípio estruturante do nosso

sistema constitucional. Na sua dimensão de igualdade na repartição dos encargos públicos está no cerne da

exigência constitucional. Em tempo de agravamento de sacrifícios, é ponto central do teste a quem governa.

Falhar o teste constitucional uma vez neste domínio não é preterir uma formalidade. Falhá-lo duas vezes no

teatro da crise é cometer suicídio de credibilidade!

Aplausos do PS.

É verdade que, sob a Constituição do Estado Novo, as leis podiam dispor diferente, e mesmo ao contrário,

do que ela enunciava. Mas essa Constituição já não vigora: foi varrida com o 25 de Abril!

Aplausos do PS.

Foi também o 25 de Abril que nos permitiu aceder à construção europeia, de que a ditadura e a sua

Constituição nos excluíam.

A nossa Lei Fundamental fixa um objetivo e um critério de legitimação para a transferência de

competências para as instituições da União Europeia: a realização da coesão económica, social e territorial.

Há que agir, há que agir agora, para que esse projeto europeu se não desfigure, a ponto de nos situarmos

fora da nossa própria credencial. Este é um desafio e uma responsabilidade que se coloca a todos os órgãos

de soberania.

Se a Europa de que falamos é uma Europa de todos os europeus, se fazem sentido coesão, convergência

e solidariedade, então, não pode aceitar-se que resulte da crise atual uma espécie de «constituição perversa»,

onde alguns se qualificam no exercício dos seus poderes e outros no cumprimento dos seus deveres.

Esta fratura significaria, à escala da União, a negação do princípio da igualdade: o regresso da Europa aos

fantasmas do seu passado.

O estigma e a punição, a expiação e a recompensa, no limite o domínio e a obediência, teriam força

normativa, e a coesão, a convergência e a solidariedade desceriam do programático ao nominal.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Alberto Costa (PS): — O domínio das ideias únicas, do pensamento sem alternativas autorizadas —

essa forma mental de convocação da submissão — corre o risco de ser a reedição, em moderno, daquelas

pretensões que juncam a história do continente. Não vai ajudar!

Aplausos do PS.

Nas últimas páginas de uma das suas obras maiores, Keynes (provavelmente, o economista do século XX

mais citado na parte já decorrida do século XXI) alertava para o facto de, com frequência, os governantes

serem verdadeiros «escravos de economistas mortos».

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Esta modalidade de «escravidão» não desapareceu e, seja qual for a escola, não pode continuar a onerar o

futuro dos portugueses e dos europeus.

É preciso reforçar drasticamente a capacidade portuguesa de negociação e de proposta no quadro

europeu, e isso requer uma perceção aguda dos riscos e das oportunidades de ação, presentes no difícil

momento europeu. O argumentário infrator/cumpridor deve dar lugar a um verdadeiro exercício político, à

altura dos valores europeus que inscrevemos na nossa Constituição.

É preciso um novo curso político, um novo curso de esperança. Um novo curso político que se suceda a

um tempo em que as pessoas, as famílias e as empresas foram fustigadas com desemprego, falências, cortes,

empobrecimento, multiplicação da incerteza e dos riscos, perda de confiança, previsões falhadas, metas não

alcançadas, argumentários de refúgio que não convencem, teatralizações que já não resultam.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Alberto Costa (PS): — Como em muitos momentos difíceis que o nosso País já atravessou, a

sociedade está pronta. E por isso, nos dias de hoje, comemorar o 25 de Abril, releva da esperança.

É por isso com esperança que, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, presto homenagem

aos que lutaram para que o 25 de Abril acontecesse, aos que lutaram para que tivéssemos uma Constituição

democrática e para que, acima das leis, lhe pertencesse a supremacia.

Quase 40 anos depois, recordo todos os companheiros que suportaram a prisão, o exílio, as expulsões das

escolas e das profissões, todos os que foram perseguidos, todos os que nesses dias sombrios se levantaram

e disseram «não». Porque eles ergueram a nossa liberdade de dizer «não» agora!

Aplausos do PS e do BE.

Saúdo, em especial, os militares do Movimento das Forças Armadas, que aqui simbolizo na memória, que

a todos nos acompanha, de António Marques Júnior, capitão de Abril.

Aplausos gerais, tendo o PS aplaudido de pé.

O exemplo que nos legaram e o exemplo que ele nos legou, de risco e de coragem em tempo de

obediência e submissão, integra a nossa herança cívica maior.

Na promessa constitucional de igual dignidade para todos os cidadãos viverão connosco as palavras da

Grândola: «Emcada rosto igualdade».

Viva o 25 de Abril!

Aplausos do PS, de pé, do PCP e do BE.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do Partido

Social Democrata, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim.

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as

e Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de

Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional e Srs. Presidentes dos demais Tribunais Superiores, Sr.ª

Procuradora-Geral da República, Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Altas Autoridades Civis e

Militares, Sr.as

e Srs. Convidados, Sr.as

e Srs. Deputados:

Como celebrar, hoje, o 25 de Abril de 1974? Sem dúvida, enaltecendo e ensinando aos mais novos a

importância vital da liberdade de que os portugueses foram privados durante tanto tempo.

No entanto, a liberdade não é um valor abstrato, não pode ser unicamente um enunciado antropológico,

académico ou um mero conceito filosófico. A liberdade dos Modernos consubstancia-se no exercício concreto

e pleno da democracia. Liberdade e democracia são, portanto, os dois lados simétricos da organização política

que queremos ter e que o 25 de Abril nos devolveu.

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Mas, 39 anos depois, a pergunta mantém-se: como vivemos e sentimos, hoje, o 25 de Abril, ou seja, o dia

referencial das nossas liberdade e democracia? Como poderemos dotar de textura e de sentido, sobretudo

para as novas gerações, esta efeméride? Melhor, como cumprimos o 25 de Abril para que não seja uma

simples efeméride?

O 25 de Abril de 1974 prometeu e satisfez um programa que, à data, se tornou conhecido por ser o dos

«três D»: descolonização, democracia e desenvolvimento.

A democracia sedimentou-se com a Constituição de 1976, através da plenitude dos direitos, liberdades e

garantias e mediante a efetivação dos direitos económicos e sociais. O robustecimento das instituições

democráticas e a lógica da sociedade aberta conheceram um impulso decisivo com a entrada de Portugal nas

então Comunidades Europeias, em 1986, tornando o nosso País num parceiro na caminhada da integração

europeia — talvez o sonho mais lindo que a Europa conheceu nos últimos séculos apesar dos seus recentes

entorpecimentos.

O desenvolvimento de Portugal é inegável nestes 39 anos de liberdade e supera, em muito, aquilo que

seria expectável adquirir pelo mero decurso do tempo. O atual regime garantiu o acesso à educação, desde o

ensino básico ao universitário, universalizou os cuidados de saúde e providenciou os apoios sociais para os

mais carenciados, de um modo que não pode deixar de ser considerado como uma rutura de sentido com o

que acontecia antes de Abril de 1974.

O País foi dotado de um conjunto de equipamentos e de infraestruturas fortes e o poder local democrático

potenciou a qualidade de vida das populações aproveitando as vantagens de perspetiva e de ação da sua

intrínseca lógica de proximidade.

Contudo, se Portugal avançou muito na globalidade, esse desenvolvimento foi desigual sobretudo ao nível

territorial.

A título de exemplo, veja-se o Relatório sobre o Índice Sintético de Desenvolvimento Regional de 2010,

recentemente publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, no passado dia 11 do presente mês, em que se

mede o resultado multidimensional das componentes da competitividade, coesão e qualidade ambiental, em

30 sub-regiões do País, incluindo as regiões autónomas.

Os resultados confirmam algumas das piores angústias dos que contemplam a litoralização consumada do

nosso desenvolvimento: apenas cinco sub-regiões situadas no litoral superam a média nacional e possuem

níveis europeus aceitáveis. As restantes 25 obtêm resultados medíocres ou francamente negativos.

Um País que após 39 anos de democracia e liberdade não consegue corrigir as assimetrias do território

falhou a lógica de um desenvolvimento pleno e legítimo — incapaz de existir se os meios e os instrumentos

aptos a realizá-lo estão concentrados numa breve faixa litoral do País, largando o resto do território à

desertificação e à astenia de capacidades e competências. É forçoso, nesta matéria, constatar um falhanço

objetivo de todos, mas todos os Governos constitucionais.

Aplausos do PSD.

Aí, não se cumpriu o sempre repetido grito de alegria de Sophia de Mello Breyner, quando cantava: «O dia

inicial inteiro e limpo onde emergimos da noite e do silêncio»…

A crise e as diversas respostas internas que esta originou desde 2008, agravaram este problema não

resolvido. O poder político, perante a iminência da crise financeira, não conseguiu escapar ao instinto natural

da «fuga para o centro», imitando os moluscos com carapaça quando pressentem uma ameaça. Em claro

contraste com os melhores exemplos europeus, Portugal é hoje um País em que o verdadeiro poder de

decisão se encontra bastante mais centralizado do que há uma década.

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Minhas

Senhoras e Meus Senhores: Num momento em que as lógicas de crescimento económico são um imperativo

da agenda política nacional, é tempo de superarmos este paradoxo. Não é possível realizarmos o desígnio de

gerar riqueza, emprego, fomento industrial e engrandecimento económico sem ser através de políticas

descentralizadas que aproximem o poder de decisão dos problemas que se visam resolver, das empresas e

das pessoas.

No contexto em que nos encontramos, o crescimento da economia é tão importante como foi o medrar da

democracia! Para tal, é necessário, também, que as políticas públicas sejam percebidas e reconhecidas como

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imprescindíveis pela generalidade dos cidadãos, bem como pelos agentes políticos que as deverão

protagonizar quer no Governo quer na oposição.

William Shakespeare pensou como ninguém a política como uma arte feita de regras naturais e quase

imutáveis enquanto a natureza humana for aquilo que é. Conta ele, na peça Henrique V, um episódio

revelador da necessidade de os líderes observarem a realidade, utilizando parâmetros que sejam comuns aos

que estão envolvidos num esforço coletivo.

Na véspera da batalha de Azincourt, em 1415, o mesmo ano em que os infantes portugueses, seus primos

direitos, iniciavam a gesta da expansão com a conquista de Ceuta, e perante possibilidades ínfimas de vitória

pois o exército francês superava em cinco vezes o número de ingleses, o jovem rei vestiu uma longa capa

negra com um capuz que lhe escondia o rosto e passou toda a noite a conversar com os seus soldados, de

fogueira em fogueira. Quis saber o que pensavam os homens acerca da liderança do rei, a sua estratégia e

coragem, a sua sensatez para dar voz de comando. Os soldados não sabiam que falavam do rei perante o

próprio nem este se deu a conhecer. Ouviu críticas, elogios, mas, sobretudo, percecionou os seus anseios e

temores e pôde, desse modo, no dia seguinte, construir um modo idóneo de os motivar para uma vitória que

não mais sairá da História.

Claro que não estamos a sugerir que os agentes políticos e os titulares de órgãos de soberania andem por

aí embuçados a tentar distinguir, caso a caso, as angústias das pessoas — mas parece-nos inegável que, sem

o entendimento razoavelmente alargado daquilo que se faz e por que é que está a ser feito, quase todos os

esforços de reconstrução do País estarão seriamente ameaçados.

Pois é precisamente a batalha da reconstrução do País que temos diante de nós.

Temos de reconstruir a confiança em nós mesmos, como povo e como Nação. Temos de reconquistar a

nossa autonomia financeira e económica para reganharmos a nossa livre e plena determinação. E o grande

apetrecho que o sistema democrático contém para o conseguir é o esforço de consenso. Nenhuma

reedificação do todo nacional é possível sem que se forje um largo consenso entre os agentes políticos e

sociais que não queiram escapulir-se das suas responsabilidades.

O consenso extravasa a simples regra da maioria. O consenso não é impelir os demais a seguirem a nossa

própria visão das coisas.

Numa imagem erradamente atribuída a Benjamin Franklin, a democracia formal é vista como uma votação

em que dois lobos e um cordeiro decidem qual será o seu almoço — a fábula costuma ensinar que a liberdade

consiste em dotar o cordeiro de instrumentos capazes de impedir a decisão óbvia, valorizando o papel da

liberdade como meio de defesa das minorias e dos mais débeis.

Só que resta um problema a solucionar – afinal, qual será o almoço? É precisamente aí que o consenso

encontra o seu papel primordial na ordem democrática. Sobretudo, em épocas de aflição coletiva como aquela

em que estamos.

Se, como dizia Habermas, a democracia normalmente vive do «dissenso razoável», os momentos

históricos de especial agrura coletiva exigem a busca incessante e porfiada de encontrar pontos comuns entre

os vários interesses divergentes.

Temos, hoje, todos nós, um enorme desafio coletivo acerca da crença nas virtudes da democracia, na

viabilidade do desígnio da integração europeia e na imprescindibilidade da cidadania que participa no Estado

de direito e na construção do bem comum.

Mas que ninguém se iluda — a luta pelo bem comum terá sempre de ser resultado de um esforço comum.

É necessário atingir-se aquilo que John Rawls denominou como consenso de sobreposição razoável — ou

seja, obter acordos essenciais a partir dos desígnios comuns de uma comunidade politicamente organizada

em democracia e em liberdade.

Ou, regressando a Habermas, a reconstrução da unidade nas sociedades democraticamente desgastadas,

pluralistas e multiculturais da atualidade, partirá de um processo denominado «unidade comunicativa» que

serve precisamente para criar a unidade na diversidade, possibilitando a convivência das várias diferenças.

Este esforço de consenso terá forçosamente de ser realizado por políticos que pensem a política como um

exercício de perceção global da realidade e lhe apliquem decisões direcionadas para o bem comum – em caso

algum, a visão volitivamente afunilada de um tecnocrata conseguirá cerzir aquilo que foi rompido.

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Celebrar Abril é, também, fazer o elogio da política democrática e percebermos que todas as formas

modernas de totalitarismo iniciaram o seu triste caminho com investidas genéricas contra os políticos,

sobretudo contra o poder parlamentar.

Que fique bem claro: os portugueses, quer os de hoje quer os das gerações futuras, não nos perdoarão se,

nesta hora tão amarga, nos obstinarmos no jogo, intelectualmente árido e inconsequente, de passar culpas de

uns para os outros pela desgraça em que todos estamos e sem encontramos soluções viáveis para dela

sairmos.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Minhas

Senhoras e Meus Senhores: Repetimos a pergunta inicial: como fazer jus a este dia que aqui celebramos? De

todos nós, o povo português espera entendimentos, compromissos e soluções sustentadas e sustentáveis que

lhe permita viver a democracia e a liberdade como cidadãos de um País do primeiro mundo.

Temos de quebrar de vez as sangrias cíclicas de emigração em que Portugal subsiste, há mais de 150

anos. Queremos que esta geração mais nova, tão preparada e desesperada, que agora nos deixa regresse

em breve ao seu País. E queremos que a próxima geração fique cá, ajudando a sua Pátria a ser mais livre,

mais justa e mais forte.

Todos nós devemos isso ao 25 de Abril e, sobretudo, a Portugal e aos portugueses. Se formos capazes de

gerar consensos sobre os desideratos essenciais que nos comprometam a todos e que a todos servirão,

teremos ideado uma das mais bonitas melodias de Abril.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro,

Sr.as

e Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal

Constitucional e demais Tribunais Superiores, antigos Presidentes da República, Sr. Chefe do Estado-Maior

General das Forças Armadas e demais Representantes Institucionais das Forças Armadas, antigos

Presidentes da Assembleia da República, Sr. Núncio Apostólico, Srs. Embaixadores e Representantes do

Corpo Diplomático, Sr.as

e Srs. Deputados, Excelentíssimas Autoridades, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Um dia na vida dos indivíduos e dos povos pode conter o infinito. Assim foi 25 de Abril, o fim de um tempo

sombrio, a política com a sua pulsão emancipadora a ganhar o ponto de partida. Em explosão de alegria, a

liberdade foi trazida às nossas mãos para que todos nos tornássemos criadores do mundo.

Todos os impulsos libertadores da História concretizam sempre um sonho realista, um sonho de justiça

reclamado pela evidência flagrante da realidade. Porque é a intensidade da realidade que torna os sonhos

possíveis, é ela que nos confere a coragem da superação, da mudança redentora.

A viragem de Abril é o culminar das muitas pretensões da vida, todas cheias de frustração e dor, da

insuportabilidade de um espaço público nulo e do seu consequente deserto de direitos. Não há nada de mais

inumano do que a escolha impossível. Abril veio contra a negação da escolha política, contra a negação da

justiça pública, contra a negação das escolhas individuais também, porque só uma justiça pública lhes pode

dar verdadeiramente as condições.

De reagir contra esta espécie de «estado de não valor», onde, como diz Hermann Broch, cabem todos os

males, Abril ofereceu-nos a democracia. A democracia como única possibilidade de realização da política, a

verdadeira, fazedora da emancipação de todos e de cada um. Com a liberdade nos fazemos senhores de um

poder de construir submetido à crítica. Tornamos possível o impossível. Abril é esta teodiceia das

possibilidades do humano, a um tempo real e ideal, carregada no poder da escolha, esta teodiceia de um

humanismo sem limites, tão bem registada numa das mais belas passagens da literatura, na letra de

Saramago, quando diz que «os homens são anjos nascidos sem asas, é o que há de mais bonito, nascer sem

asas e fazê-las crescer».

Se há uma espécie de metafísica da celebração do 25 de Abril, ela é, sem dúvida, a celebração mesma do

espaço público como lugar de emancipação, lugar de conjura para uma justiça maior, por todos construída e

para todos.

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Decisivamente, é este espaço público, como instância viva da política e da democracia, que traça o abismo

entre os tempos sombrios de ontem e os tempos difíceis de hoje. É o espaço público, com a sua política

interventiva e criadora.

Porque o que é a política se não isso mesmo, exercício de uma vontade que renuncia ao egoísmo

confortável e ao distanciamento snob e que se atreve no desconforto da luz crua dos lugares públicos, para

rasgar o horizonte de uma justiça para todos. Uma justiça pública que a solidariedade particular e avulsa pode

ajudar, mas que nunca pode substituir.

Celebramos, pois, hoje, o espaço público com a sua política, que se recusa a ser lugar banal e oco de uma

relação de domínio sem sentido. Celebramo-lo como espaço vital da autonomia do sujeito, onde se manifesta

e cumpre a existência de cada um de nós. Porque, como disse Karl Jaspers, existir é agir em comum e

comunicar. Celebramos, pois, o espaço público, com as infinitas possibilidades que a liberdade pública é

capaz de deixar à felicidade privada.

Por isso mesmo, nestes tempos difíceis e de crise, temos que amar a democracia como nunca. Porque é

nas suas regras que coletivamente seguramos os estremecimentos do presente. Temos que amar essas

regras contrafactuais e intemporais e ler nelas o código das soluções, a cifra para os novos paradigmas de

organização do nosso tempo.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Minhas Senhoras e Meus Senhores: É este um tempo novo, de um

mundo novo e surpreendente, um mundo de interações, feitas pela economia e a tecnologia, tomando a

dianteira sobre os ritmos da política. É a sociedade mundial, da comunicação dos povos e do seu desafio do

muito por fazer. A ponte entre o universal e o particular, a igualdade entre indivíduos sobre tradições culturais

muito diferentes, o confronto ético entre a economia social de mercado e a outra economia, a integração dos

Estados para construir uma justiça equitativa entre os cidadãos e os povos. Como diz Hannah Arendt, a

solidariedade do género humano só pode ser relevante se estiver associada à responsabilidade política. Coisa

que tem já o seu prenúncio na afirmação kantiana de que é preciso escrever a História de um ponto de vista

cosmopolita.

E é sempre às bases da democracia que regressamos para enfrentar os novos desafios. Os desafios para

as muitas e novas realizações do contrato social, de acordo com os tempos, desafios da esperança política.

Também aqui Abril carregou um projeto moral e cosmopolita, numa espécie de intenção antes do tempo.

Pois, se há uma decifração para a crise, ela está em que a justiça, hoje, pressupõe a partilha política entre

os Estados e essa partilha apenas dá os primeiros passos. Os movimentos da sociedade económica vão muito

à frente das audácias da sociedade política. Ainda se ensaia por enquanto, e apenas se ensaia, a inteligência

cooperativa dos Estados, a que é capaz de adaptar as políticas públicas à nova escala do ambiente social.

Entretanto, a crise interpela-nos sobre a consistência do discurso da democracia. Os cidadãos pedem à

democracia que ela seja arte da liberdade, mas também arte de felicidade. Perguntam pelos seus resultados

nas formas concretas de vida, perguntam pelo seu conseguimento. Decididamente, o teste que é feito à

democracia é a justiça que ela é capaz de gerar.

Como está bem de ver no percurso da União Europeia que, enquanto comunidade de sucesso, conviveu

muito bem com a decisão política relativamente fechada nos gabinetes. Agora que é também comunidade de

riscos, testa a sua democracia na efervescência dos espaços vitais dos indivíduos e dos grupos e nas vivas

pretensões da rua. É sempre às bases do jogo que regressamos para refazer a justiça, é sempre aos seus

postulados mais intuitivos e evidentes que regressamos. A vida digna é indissociável da vida livre. A ideia

corre o dia a dia das pessoas, a inquietação dos Governos, a dor que dói sempre que enfraquecem os direitos

na nossa sociedade aberta.

Contra o desencanto democrático, todos temos que correr para vencer. Como se cada um de nós

carregasse sozinho a esperança do mundo.

Os cidadãos com o seu ativismo. Os media, comprometidos que estão com a verdade e os direitos

humanos. E, sobretudo, as lideranças políticas. Porque a política é, por natureza, a única ação capaz de uma

eficácia universal. A política tem esta capacidade de reprodução das coisas, que lhe permitirá fazer da

comunidade humana uma comunidade de comunicação moral. É aí, no mandato, que se afirma em toda a

linha o sentido de serviço, a lembrar-nos, de certo modo, aquela expressão bíblica que diz que o primeiro de

todos deverá ser o servo.

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E todos podemos mudar o mundo a partir do lugar que ocupamos no mundo — a casa, o trabalho, o

tribunal, a escola ou a lei. Afinal, a nossa aventura humana individual não é apenas nossa. É sempre uma

aventura que está para além de nós, e é nessa transcendência que encontra o seu sentido. É o prodígio da

ação humana, a fazer possível o «infinitamente improvável».

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Só no espaço

moral da democracia é possível traçar a linha que separa sobrevivência e emancipação, isolamento e o estar

no mundo, a anulação individual e cívica e as condições para a excelência humana.

Por isso, é também em nome do espaço público que é preciso combater a pobreza. A pobreza exclui da

sociedade, exclui da participação na sociedade. A pobreza, com os seus muros, atinge a dignidade individual e

a universalidade da democracia. Atinge-nos a todos.

E Abril veio como um grito contra todos os muros. Um grito de justiça para todos os lugares onde a vida

mora, contra a pobreza, o esquecimento, a não participação também. Os muros que separam o sentido do nós

e o sentido do outro. Contra outros muros ainda: os que separam os Estados à mesa das grandes decisões e

impedem o passo em frente para o bem comum universal.

Por tudo isso, Abril foi um grito para além do seu tempo concreto. Um grito que nos desperta uma espécie

de memória de futuro, de intenção para os novos espaços públicos, de uma humanidade alargada e mais

humana. Sentimos que esse grito nos empurra, que ele faz o combate sagrado desta sala. Que nos desafia

para a vontade moral e o conseguimento. Que nos diz que o mal das sociedades está nos seus muros e a

justiça consiste em derrubá-los.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente da República vai dirigir uma mensagem ao Parlamento.

O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva): — Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.

Primeiro-Ministro, Sr.as

e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Assinalamos hoje o aniversário daquela madrugada que, ao fim de 48 anos de ditadura, nos trouxe a

liberdade e a democracia por que tanto ansiávamos.

Em 2014, iremos comemorar o quadragésimo aniversário do 25 de Abril. O 25 de Abril é património de

todos e por todos os portugueses será festejado.

As efemérides nacionais são um motivo de celebração, mas devem ser também uma ocasião para

refletirmos sobre os caminhos que percorremos no passado. Só assim conseguiremos extrair lições da História

e transmitir a nossa experiência às novas gerações.

Dentro de dias completam-se dois anos sobre a data em que o Governo português, perante a iminência de

colapso do financiamento do Estado e da economia, se viu na contingência de reconhecer o inadiável.

O Governo de então teve de solicitar o auxílio externo da Comissão Europeia, do Fundo Monetário

Internacional e do Banco Central Europeu, instituições perante as quais se comprometeu através de um

exigente Programa de Assistência Financeira que contou com o apoio de um amplo espetro partidário.

Ao fim destes dois anos, e com vista a melhor prepararmos o futuro que se avizinha, é tempo de fazer uma

reflexão serena e objetiva sobre a execução do Programa de Assistência Financeira e sobre as alterações que

entretanto ocorreram na União Económica e Monetária.

É indiscutível que a execução do Programa tem revelado consequências gravosas, que se fazem sentir

duramente no dia a dia dos portugueses, em especial daqueles que não têm emprego. Mas, com idêntica

imparcialidade, devemos também reconhecer os objetivos alcançados.

Entre esses objetivos, importa destacar o equilíbrio das contas externas, um resultado que não era atingido

desde há muito.

Risos do PS.

De uma situação crónica de desequilíbrio, Portugal passou, em 2012, para uma situação excedentária na

sua capacidade de financiamento ao exterior.

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Uma parcela relevante deste sucesso deve-se ao aumento das exportações de bens e serviços, sobretudo

com destino aos novos mercados situados fora da União Europeia, e ao aumento da sua componente

tecnológica. Este é um caminho que provou ser acertado e que, como tal, deve ser prosseguido ainda com

mais intensidade.

Uma pequena economia aberta ao exterior, como é o caso da economia portuguesa, apenas pode ser

sustentável no longo prazo através de uma aposta inequívoca no investimento privado que garanta um setor

exportador dinâmico e de elevado valor acrescentado.

Contudo, não podemos esquecer que uma parte do ajustamento das contas externas se está a realizar por

via da redução das importações, devido à quebra acentuada da procura interna, fruto, em boa medida, da

redução do rendimento disponível das famílias, das dificuldades de crédito das empresas e da incerteza e falta

de confiança dos investidores.

Vozes do PS: — Ah!

O Sr. Presidente da República: — Por outro lado, através da execução do Programa foi possível reforçar

a solidez do sistema bancário. Os bancos foram recapitalizados e apresentam hoje bons rácios de

solvabilidade. Os portugueses têm razões para manter a confiança no nosso sistema bancário.

Não se pode ignorar, no entanto, que a rápida desalavancagem dos bancos produziu dificuldades

acrescidas no financiamento de muitas empresas, sobretudo das pequenas e médias empresas.

O facto de as unidades produtivas, que exportam bens e serviços e que criam riqueza e emprego,

suportarem encargos de juro muito superiores às suas congéneres europeias prejudica seriamente a sua

competitividade, afeta as decisões de investimento e, no limite, põe em causa a sua própria sobrevivência.

Em face da fragmentação que se verifica no mercado monetário europeu, é urgente criar novas fontes de

financiamento não bancário das empresas.

Devemos sublinhar também a realização, em diversos domínios, de reformas estruturais que, no médio

prazo, irão contribuir para a melhoria de competitividade da economia portuguesa. Trata-se de um processo

que não está concluído e que exige um esforço renovado e permanente de diálogo e compromisso em sede

de concertação social.

Mas, sem dúvida, o aspeto que mais deve ser realçado destes dois anos muito difíceis é o sentido de

responsabilidade revelado pelos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O nosso povo foi confrontado com grandes sacrifícios e duras exigências e deu mostras da sua maturidade

cívica, consolidada ao fim de quatro décadas de democracia. Não perdemos a identificação com os valores da

democracia nem abandonámos o espírito de coesão nacional que sempre nos caracterizou.

Ao dramatismo de várias situações de carência, os portugueses têm respondido com um exemplar trabalho

de entreajuda e com uma extraordinária solidariedade.

Os consensos políticos e sociais alcançados contribuem para vencer os desafios que Portugal enfrenta e

também para o modo positivo como os credores e os mercados avaliam a execução do Programa de

Assistência Financeira.

Este fator, aliado a uma maior determinação do Banco Central Europeu na defesa do euro, conduziu a uma

descida muito expressiva das taxas de juro da dívida pública. Abrem-se, assim, boas perspetivas de regresso

de Portugal aos mercados de financiamento externo no prazo previsto, um objetivo central do Programa com

vista a garantir a liquidez imprescindível à atividade económica e ao funcionamento do Estado.

Dois anos decorridos sobre a concretização do Programa de Assistência Financeira, o reconhecimento

objetivo de aspetos positivos não nos deve desviar a atenção do problema mais dramático que Portugal

enfrenta: o agravamento do desemprego e o aumento do risco de pobreza, em resultado de uma recessão

económica cuja dimensão ultrapassa, em muito, as previsões iniciais.

O combate ao desemprego deve ser uma prioridade da ação governativa. Esta destruição de capital

humano coloca graves problemas pessoais, familiares e sociais, tendo ainda um impacto muito negativo sobre

o crescimento potencial da nossa economia.

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Além dos jovens, onde o desemprego atinge os 40%, outro grupo tem sido gravemente afetado e

infelizmente esquecido. Refiro-me àqueles que têm entre 45 e 65 anos de idade e que se encontram expostos,

de forma particular, ao risco de exclusão permanente do mercado de trabalho. De um modo geral, são

detentores de experiência e conhecimentos profissionais muito relevantes e possuem um capital de vida que

não podemos desperdiçar.

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente da República: — O efeito recessivo das medidas de austeridade inicialmente

estabelecidas revelou-se superior ao previsto, provavelmente por falhas nas estimativas. A esse efeito somou-

se uma conjuntura económica europeia mais adversa do que era esperado, designadamente em Espanha, o

nosso principal parceiro comercial.

Assim, alguns dos pressupostos do Programa não se revelaram ajustados à evolução da realidade, o que

suscita a interrogação sobre se a troica não os deveria ter tido em conta mais cedo.

Na verdade, o impacto recessivo das medidas de austeridade e a revisão, para pior, da conjuntura

internacional têm afetado de forma muito significativa o esforço de consolidação orçamental, nomeadamente a

redução do défice e a contenção do crescimento da dívida pública.

Neste contexto, as metas iniciais do défice público revelaram-se uma impossibilidade e acabaram por ser

revistas. Agora, prevê-se que apenas em 2015 Portugal deixará de se encontrar numa situação de défice

excessivo.

Ainda assim, deve salientar-se que o défice primário estrutural terá sofrido uma redução de 6 pontos

percentuais do PIB nos últimos dois anos. É, objetivamente, um sinal positivo que deve merecer a atenção dos

nossos parceiros europeus, na medida em que representa um esforço superior ao realizado pelos outros

países que igualmente se encontram sob intervenção externa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Em todo o caso, parece hoje mais claro que teria sido preferível — aliás, em consonância com o Tratado

Orçamental — ter fixado, logo no início do Programa de Assistência, que as metas para a correção do défice

seriam definidas em termos de variação do défice primário estrutural, utilizando um mesmo universo

orçamental.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente da República: — E, após esta intervenção externa, poderá ser preferível fixar limites ao

crescimento da despesa pública, os quais, sendo mais fáceis de avaliar, tornam o processo de consolidação

orçamental mais credível e mais transparente.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as

e Srs. Deputados: Uma avaliação objetiva do caminho

percorrido nestes dois anos deve ter em linha de conta as alterações muito significativas que entretanto

ocorreram na governação da União Económica e Monetária, com vista a dar resposta à crise verificada na

zona euro.

As regras de disciplina e supervisão orçamental a que os Estados-membros estão sujeitos foram

substancialmente reforçadas, especialmente através dos pacotes normativos «six-pack» e «two-pack» e do

Tratado Orçamental, que entrou em vigor a 1 de janeiro deste ano.

Significa isto que, depois do Programa de Ajustamento, Portugal, à semelhança de todos os outros países

da zona euro, continuará sujeito a um acompanhamento rigoroso por parte das autoridades europeias, de

modo a garantir o cumprimento das regras de equilíbrio orçamental e de sustentabilidade da dívida pública.

Neste cenário, é uma ilusão pensar que as exigências de rigor orçamental irão desaparecer no fim do

Programa de Ajustamento, em meados de 2014.

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Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente da República: — Com efeito, nos termos do Tratado Orçamental, o País terá de

assegurar um défice estrutural não superior a 0,5% do PIB e o rácio da dívida pública de 124%, previsto para

2014, terá de convergir no futuro para 60%. Para alcançar estes objetivos, Portugal terá de manter superavits

primários muito significativos durante um longo período.

Tudo isto se irá processar num quadro em que já não beneficiaremos de empréstimos externos nos moldes

até agora praticados, ficando inteiramente dependentes dos mercados para satisfazer as necessidades de

financiamento da economia e do Estado. É fundamental que todos os portugueses estejam bem conscientes

desta realidade.

Tendo em conta estas exigências, que se irão prolongar por muitos anos, o País não pode afastar-se de

uma linha de rumo de sustentabilidade das finanças públicas, de estabilidade do sistema financeiro e de

controlo das contas externas. A não ser assim, seríamos obrigados, se as instituições internacionais

estivessem na disposição de o fazer, a um novo recurso à ajuda externa, e dessa vez, muito provavelmente,

em condições mais duras e exigentes do que aquelas que atualmente tantos sacrifícios impõem aos

portugueses.

Que não haja ilusões.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente da República: — Portugal tem de preparar-se para o final do Programa de Assistência, o

que irá ocorrer já no próximo ano.

Os nossos agentes políticos, económicos e sociais têm de estar conscientes que deverão atuar num

horizonte temporal mais amplo do que aquele que resulta dos calendários eleitorais.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sejam quais forem esses calendários, sejam quais forem os resultados das eleições, o futuro de Portugal

implica uma estratégia de médio prazo que tenha em atenção os grandes desafios que iremos enfrentar

mesmo depois de concluído o Programa de Assistência Financeira em vigor.

Protestos do PS.

Nessa altura, o País tem de estar em condições estruturais de credibilidade e governabilidade capazes de

garantir a confiança das instituições da União Europeia e dos mercados financeiros, pelo que, no plano

político, é imperioso preservar a capacidade de gerar consensos em torno do caminho a seguir para alcançar

os grandes objetivos nacionais.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Se se persistir numa visão imediatista, se prevalecer uma lógica de crispação política em torno de questões

que pouco dizem aos portugueses, de nada valerá ganhar ou perder eleições,…

Protestos do PS.

… de nada valerá integrar o Governo ou estar na oposição.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É essencial que, de uma vez por todas, se compreenda que a conflitualidade permanente e a ausência de

consensos irão penalizar os próprios agentes políticos, mas, acima de tudo, irão afetar gravemente o interesse

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nacional, agravando a situação dos que não têm emprego ou dos que foram lesados nos seus rendimentos, e

comprometendo, por muitos e muitos anos, o futuro das novas gerações.

Protestos de Deputados do PS.

É indiscutível que se instalou na sociedade portuguesa uma «fadiga de austeridade», associada à incerteza

sobre se os sacrifícios feitos são suficientes ou, mais do que isso, se estão a valer a pena. Estas são

interrogações legítimas, e todos têm o direito de colocar. Mas, do mesmo modo que não se pode negar o facto

de os portugueses estarem cansados de austeridade, não se deve explorar politicamente a ansiedade e a

inquietação dos nossos concidadãos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Reafirmo a minha profunda convicção de que Portugal não está em condições de juntar uma grave crise

política à crise económica e social em que está mergulhado.

Protestos do PS.

Regrediríamos para uma situação pior do que aquela em que nos encontramos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente da República: — A Assembleia da República, através da respetiva comissão

parlamentar, pode contribuir para consciencializar os portugueses para as exigências com que Portugal será

confrontado no período pós-troica. É decisivo para o nosso futuro coletivo que essas exigências sejam

devidamente tidas em conta nas estratégias político-partidárias.

Em nome dos portugueses, é essencial alcançar um consenso político alargado que garanta que,

quaisquer que sejam as conceções político-ideológicas, quaisquer que sejam os partidos que se encontrem no

Governo, o País, depois de encerrado o atual ciclo do Programa de Ajustamento, adotará políticas compatíveis

com as regras fixadas no Tratado Orçamental que Portugal subscreveu.

Por outro lado, uma análise séria e cuidada da situação portuguesa leva-nos à conclusão de que a

consolidação sustentável das contas públicas e a preservação da coesão social exigem urgentemente

medidas de relançamento da economia.

É usual dividir-se o programa de austeridade financeira em três fases: a primeira é a de emergência,

quando tem de se atuar rapidamente e com a maior energia para estancar a hemorragia e salvar o doente; a

segunda fase é a da implementação das reformas que promovam o saneamento das contas públicas e a

competitividade da economia; a terceira fase é a da tomada de medidas de relançamento da economia, para

que a cura não acabe por matar o doente.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Apesar das dificuldades e da necessidade de prosseguir esforços no domínio da consolidação orçamental,

não é possível adiar a entrada de Portugal na terceira fase. Sem crescimento económico, não haverá

consolidação orçamental sustentável e de longo prazo.

De entre os fatores relevantes para o crescimento económico, destaco a competitividade e estabilidade do

sistema fiscal, pelo papel que pode desempenhar na captação de investimento.

Por outro lado, seria conveniente que o Orçamento do Estado deixasse de ser um instrumento para

alterações profundas do sistema fiscal, devendo servir apenas para ajustamentos em função da conjuntura. A

segurança jurídica e a competitividade e previsibilidade fiscal são elementos decisivos para as decisões dos

agentes económicos e, logo, para o crescimento do País.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Sr. Presidente da República: — Sr.as

e Srs. Deputados: Após algumas hesitações iniciais, a União

Europeia começa a perceber que os problemas verificados em alguns países são problemas que a todos

afetam e que a crise na zona euro não se resolve apenas com a imposição de políticas de austeridade e a

aplicação de sanções aos Estados com défices excessivos.

Nos últimos dois anos, verificou-se um reforço da coordenação das políticas económicas e estruturais dos

Estados-membros, a qual tem no Semestre Europeu o seu principal mecanismo. Neste domínio, e tendo em

conta as decisões do Conselho Europeu, é possível perspetivar avanços muito significativos no médio prazo.

O Banco Central Europeu, por sua vez, anunciou a disponibilidade para intervir ilimitadamente no mercado

secundário de dívida soberana de países sujeitos a programas de assistência. Tratou-se de um marco decisivo

para combater os ataques especulativos que vinham minando a zona euro.

Tenho insistido num ponto de importância crucial: o Banco Central Europeu deve assumir-se, cada vez

mais, como um verdadeiro Banco Central, configurando-se, inclusivamente, como um «emprestador de último

recurso».

Aguarda-se a entrada em vigor do Mecanismo Único de Supervisão, primeiro passo para a construção de

uma união bancária europeia, enquanto a criação de instrumentos de dívida comum tarda em ser colocada na

agenda europeia, apesar de ser reconhecida como uma resposta determinante para debelar a crise da zona

euro.

Apesar dos desenvolvimentos recentes, temos de reconhecer que esta crise veio expor sérias fragilidades

da União. Para além da lentidão e tibieza na resposta à crise do euro, o maior fracasso da União Europeia

residiu — e reside — na promoção do crescimento económico e do emprego.

Em 2012, a zona euro registou uma contração do produto de 0,6% e as previsões apontam para que a

situação continue a evoluir negativamente, neste ano de 2013. A taxa de desemprego na União subiu

consecutivamente nos últimos cinco anos — 26 milhões de pessoas estão desempregadas, das quais 5,7

milhões são jovens.

A zona euro encontra-se no quinto trimestre consecutivo de queda do produto, no sexto trimestre

consecutivo de queda da procura interna, no sétimo trimestre consecutivo de queda do investimento.

Vozes do PS: — Porque será?

O Sr. Presidente da República: — Podemos dizer que a União Europeia falhou na coordenação das

políticas económicas. Quando, aos países que executam programas de consolidação dos défices públicos, se

juntam políticas contracionistas nos outros Estados-membros, é óbvio que a consequência será uma recessão

no conjunto da União, como agora se está a verificar.

Por sua vez, o Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020, aprovado pelo Conselho Europeu no passado mês

de fevereiro, embora tenha deixado Portugal numa posição mais favorável do que aquela que resultava das

propostas iniciais, não corresponde, de modo algum, à resposta europeia exigida pela situação económica e

social da União. O Parlamento Europeu tem denunciado essa insuficiência de uma forma clara e inequívoca.

Note-se ainda que a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, na conceção dos ajustamentos

negociados com os países em dificuldades de financiamento, não tiveram em devida conta o impacto

recessivo das medidas propostas e as suas consequências.

As instituições financeiras internacionais, fazendo uso da sua força persuasiva, enquanto credores, terão

induzido os governos dos países em dificuldades a aplicarem medidas que violam regras básicas de equidade,

regras que constituem alicerces das sociedades democráticas contemporâneas. Ameaçando a coesão e a paz

social, perturbaram a estabilidade das democracias constitucionais e geraram novos sentimentos

antieuropeus.

Em matéria fiscal, princípios essenciais de justiça foram esquecidos, exigindo-se sacrifícios muito

diferentes a cidadãos que se encontram na mesma posição quanto aos fatores relevantes de bem-estar. A

decisão do Eurogrupo sobre Chipre foi o caso mais recente, com consequências nocivas para a adesão dos

cidadãos ao projeto europeu.

Em 2013, a União assinala o Ano Europeu dos Cidadãos. É tempo de as instituições e os líderes europeus

ouvirem a voz da cidadania. Temos, de uma vez por todas, de reconquistar a confiança dos europeus num

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projeto que assegurou a paz durante décadas e que deve garantir o desenvolvimento harmonioso entre os

vários Estados-membros, com respeito pelos princípios da justiça e da dignidade humana.

Atualmente, com 26 milhões de desempregados, a Europa põe em causa a dignidade de um número

vastíssimo de seres humanos. É urgente inverter esta situação, é urgente repensar o rumo que tem vindo a

ser seguido para vencer a crise do euro.

Há quase 40 anos, Portugal mostrou ao mundo como é possível mudar de regime sem violência. Agora,

pelo nosso sentido de responsabilidade, devemos contribuir para a construção de uma Europa mais solidária,

mais justa e mais unida.

Foi esse o sonho nascido em Abril de 1974. Pelo futuro das novas gerações é altura de cumprirmos aquilo

que Abril imaginou!

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Declaro encerrada a Sessão Solene Comemorativa do

XXXIX Aniversário do 25 de Abril.

Eram 12 horas e 2 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, tocou, de novo, o hino nacional,

tendo a Câmara aplaudido de pé.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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