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Quinta-feira, 17 de outubro de 2013 I Série — Número 10
XII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2013-2014)
REUNIÃOPLENÁRIADE16DEOUTUBRODE 2013
Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves
Secretários: Ex.mos
Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz Abel Lima Baptista
S U M Á R I O
A Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 8
minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei
n.os
174 a 178/XII (3.ª), dos projetos de lei n.os
454 e 456 a 459/XII (3.ª) e dos projetos de resolução n.
os 845 a 848/XII
(3.ª). Foram aprovados dois pareceres da Comissão para a
Ética, a Cidadania e a Comunicação relativos à renúncia ao mandato de um Deputado do PCP e à suspensão do mandato de dois Deputados do PSD.
A Presidente cumprimentou os Presidentes cessantes dos Grupos Parlamentares do PS e do PCP, respetivamente
os Deputados Carlos Zorrinho e Bernardino Soares, bem como os novos Presidentes, os Deputados Alberto Martins e João Oliveira.
A Presidente endereçou ainda votos de boa sorte, no cumprimento das suas novas funções como presidentes das câmaras para as quais foram eleitos, aos Deputados do PSD Almeida Henriques, Carlos Silva e Sousa, Hélder Sousa Silva, Paulo Batista Santos e Sérgio Humberto, aos Deputados do PS Basílio Horta e Rui Jorge Santos e, de novo, ao Deputado do PCP Bernardino Soares.
Em declaração política, a Deputada Mariana Mortágua (BE) rejeitou o Orçamento do Estado apresentado para 2014
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e anunciou que o seu partido utilizará todos os instrumentos disponíveis para manifestar o seu desagrado. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Pedro Nuno Santos (PS), Paulo Sá (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Em declaração política, a Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) teceu diversas críticas ao Governo pelo Orçamento do Estado que apresentou para 2014, tendo apelado à adesão dos portugueses às diversas formas de contestação já marcadas. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento do Deputados António Filipe (PCP) e Mariana Mortágua (BE).
Em declaração política, o Deputado Luís Menezes (PSD), apesar de entender que o Orçamento do Estado para 2014 irá ser duro para as famílias e para as empresas, salientou o exercício que nele é feito de justiça e de equidade social, bem como de libertação do País, por ser o último que é feito sob a alçada do Programa de Assistência Económica e Financeira. Deu, depois, resposta a pedidos de esclarecimento dos Deputados Miguel Tiago (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), João Galamba (PS) e Mariana Mortágua (BE).
Em declaração política, o Deputado Pedro Jesus Marques (PS) contestou as medidas constantes da proposta de Orçamento do Estado para 2014, que, referiu, constituem um gravíssimo ataque ao povo português e ao País. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Jorge Machado (PCP) e Cecília Honório (BE).
Em declaração política, o Deputado João Pinho de Almeida (CDS-PP) reconheceu que a proposta de Orçamento do Estado para 2014 inclui medidas gravosas para os portugueses, mas lembrou que o mesmo tem medidas que equilibram a distribuição do esforço e responsabilizou o anterior governo do Partido Socialista pela
situação a que o País chegou. Deu, depois, resposta a pedidos de esclarecimento dos Deputados Mariana Aiveca (BE), Paulo Sá (PCP) e Hortense Martins (PS).
Em declaração política, a Deputada Carla Cruz (PCP) acusou o Governo de ter contribuído para que o serviço público de rádio e televisão (RTP) e o serviço noticioso e informativo de interesse público (Lusa-Agência de Notícias de Portugal) estejam cada vez mais enfraquecidos. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Pedro Delgado Alves (PS), Cecília Honório (BE), Francisca Almeida (PSD) e Raúl de Almeida (CDS-PP).
Foram discutidos, na generalidade, os projetos de lei n.os
452/XII (3.ª) — Altera o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, eliminando a possibilidade de julgamentos em processo sumário para crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos (PS), 457/XII (3.ª) — Altera o Código de Processo Penal limitando a aplicação do processo sumário aos crimes de menor gravidade (PCP) e 458/XII (3.ª) — Altera o Código de Processo Penal, revogando a possibilidade de julgar em processo sumário crimes com moldura penal superior a 5 anos de prisão (BE). Intervieram os Deputados Isabel Oneto (PS), João Oliveira (PCP), Cecília Honório (BE), Andreia Neto (PSD) e Telmo Correia (CDS-PP).
Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 92/2013, de 11 de julho, que define o regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos [apreciações parlamentares n.
os 58/XII (2.ª) (PCP) e
56/XII (2.ª) (PS)]. Fizeram intervenções os Deputados Paula Santos (PCP), Pedro Farmhouse (PS), Mário Magalhães (PSD), José Luís Ferreira (Os Verdes), Helena Pinto (BE), Altino Bessa (CDS-PP) e o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia (Jorge Moreira da Silva), tendo dado entrada na Mesa os projetos de resolução n.
os 849/XII (3.ª) (PS), 850/XII (3.ª) (BE), 851/XII (3.ª) (PCP)
e 852/XII (3.ª) (Os Verdes), solicitando a cessação de vigência daquele Decreto-Lei.
O Presidente (António Filipe) encerrou a sessão eram 18 horas e 55 minutos.
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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 8 minutos.
Podem ser abertas as galerias.
Como os Srs. Deputados sabem, hoje temos uma ordem do dia muito longa, que começa com declarações
políticas.
Antes de mais, peço ao Sr. Deputado Duarte Pacheco o favor de ler o expediente.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e
foram admitidas, diversas iniciativas legislativas: propostas de lei n.os
174/XII (3.ª) — Autoriza o Governo a
aprovar o regime que assegura a execução, na ordem jurídica interna, das obrigações decorrentes do
Regulamento (UE) n.º 648/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo aos
derivados do mercado de balcão, às contrapartes centrais e aos repositórios de transações, a estabelecer o
respetivo regime sancionatório, bem como a alterar o Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, que baixa à 5.ª Comissão; 175/XII (3.ª) — Procede à reforma da tributação
das sociedades, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, que
baixa à 5.ª Comissão; 176/XII (3.ª) — Procede à segunda alteração a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro,
que aprova o Orçamento do Estado para 2013, altera o Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de junho, e o Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores
Mobiliários Representativos de Dívida, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, que baixa
à 5.ª Comissão; 177/XII (3.ª) — Aprova as Grandes Opções do Plano para 2014, que baixa a todas as
Comissões; e 178/XII (3.ª) — Aprova o Orçamento do Estado para 2014, que baixa igualmente a todas as
Comissões.
Deram também entrada os projetos de lei n.os
454/XII (3.ª) — Transição das freguesias no âmbito da
reorganização administrativa operada pelas Leis n.os
56/2012, de 8 de novembro, e 11-A/2013, de 28 de
janeiro (PSD e CDS-PP), que baixa à 11.ª Comissão, 456/XII (3.ª) — Aplica uma moratória à exploração de
gás de xisto (Os Verdes), que baixa à 10.ª Comissão, 457/XII (3.ª) — Altera o Código de Processo Penal,
limitando a aplicação do processo sumário aos crimes de menor gravidade (PCP), que baixa à 1.ª Comissão,
458/XII (3.ª) — Altera o Código de Processo Penal, revogando a possibilidade de julgar em processo sumário
crimes com moldura penal superior a 5 anos de prisão (BE), que baixa à 1.ª Comissão, e 459/XII (3.ª) — Altera
o Código Penal, qualificando os crimes de homicídio e de ofensas à integridade física cometidos contra
solicitadores, agentes de execução e administradores judiciais (PSD e CDS-PP), que baixa à 1.ª Comissão.
Foram ainda admitidos os projetos de resolução n.os
845/XII (3.ª) — Recomenda a rejeição da aplicação do
«Pacote SES 2+» em Portugal (BE), que baixa à 6.ª Comissão, 846/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo a
salvaguarda do Instituto de Investigação Científica Tropical e de todos os postos de trabalho (PCP), que baixa
à 2.ª Comissão, 847/XII (3.ª) — Recomendação ao Governo relativamente ao Céu Único Europeu (PSD e
CDS-PP), que baixa à 6.ª Comissão, e 848/XII (3.ª) — Por uma política pública de crédito para o relançamento
da economia (BE).
Sr.ª Presidente, há ainda dois relatórios da Comissão para a Ética, Cidadania e Comunicação, cujos
pareceres devem ser votados de imediato porque estão relacionados com a renúncia ao mandato de um
Deputado e com a assunção de funções de novos Deputados.
O primeiro relatório da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação refere-se à renúncia ao
mandato, nos termos dos artigos 3.º e 7.º do Estatuto dos Deputados, do Sr. Deputado Bernardino Soares
(PCP), círculo eleitoral de Lisboa, sendo substituído pelo Sr. Deputado David Jorge Ribas da Costa, com
efeitos a partir de 21 de outubro de 2013, inclusive, verificando-se o impedimento temporário dos candidatos
que lhe seguem na lista, Catarina Carreira Nogueira Casanova e Levy Casimiro Batista.
O parecer é no sentido de a renúncia e a substituição em causa serem de admitir, uma vez que se
encontram verificados os requisitos legais.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
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Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — O segundo relatório da Comissão para a Ética, a Cidadania e a
Comunicação refere-se à suspensão do mandato, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto dos
Deputados, do Sr. Deputado Paulo Batista Santos (PSD), círculo eleitoral de Leiria, sendo substituído pelo Sr.
Deputado Valter António Gaspar de Bernardino Ribeiro, com efeitos a partir de 14 de outubro de 2013,
inclusive, e do Sr. Deputado Hélder Sousa Silva (PSD), círculo eleitoral de Lisboa, sendo substituído pelo Sr.
Deputado André Tiago Pardal da Silva, com efeitos a partir de 16 de outubro de 2013, inclusive.
O parecer é no sentido de as suspensões dos mandatos e respetivas substituições serem de admitir, uma
vez que se encontram verificados os requisitos legais.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, antes de iniciarmos o período de declarações políticas, queria lembrar o Plenário que esta
semana, e como decorre da leitura dos pareceres que o Sr. Deputado Duarte Pacheco acaba de fazer,
verifica-se um conjunto de substituições no Plenário. Duas delas serão ao nível das lideranças de grupos
parlamentares: o PS substitui o Sr. Deputado Carlos Zorrinho pelo Sr. Deputado Alberto Martins e o PCP
substituirá o Sr. Deputado Bernardino Soares pelo Sr. Deputado João Oliveira.
Queria deixar o registo do profundo reconhecimento que todo o Plenário e, por via dele, a democracia
devem aos Srs. Deputados Carlos Zorrinho e Bernardino Soares e queria também deixar a esperança, poderia
mesmo dizer a certeza de que os novos líderes, o Sr. Deputado Alberto Martins, no Grupo Parlamentar do PS,
e o Sr. Deputado João Oliveira, no Grupo Parlamentar do PCP, saberão honrar o precedente dos seus colegas
que foram agora substituídos. Esperamos isso, que será bom para todos nós.
Temos no coração os Deputados que saem e os que ficam. Os que saem continuam o exercício da
democracia noutros lugares, no Plenário e numa autarquia.
Queria ainda fazer referência a um conjunto de Deputados.
Refiro o Sr. Deputado António Almeida Henriques, que será Presidente da Câmara de Viseu; o Sr.
Deputado Carlos Eduardo Silva e Sousa, que será Presidente da Câmara de Albufeira; o Sr. Deputado Hélder
Sousa Silva, que será Presidente da Câmara de Mafra; o Sr. Deputado Paulo Baptista Santos, que será
Presidente da Câmara da Batalha; o Sr. Deputado Sérgio Humberto, que será Presidente da Câmara de Trofa;
o Sr. Deputado Basílio Horta, que será Presidente da Câmara de Sintra; o Sr. Deputado Rui Jorge Santos, que
será Presidente da Câmara de Vila Real; e o Sr. Deputado Bernardino Soares, que já referi a outro pretexto,
que será Presidente da Câmara de Loures.
Como lembrei no dia seguinte às eleições autárquicas, estes Deputados levam para o poder local a
experiência magnífica e intensa da democracia.
Quero desejar a todos as maiores felicidades, lembrando que o exercício da política nunca foi tão difícil,
mas também nunca foi tão necessário.
Boa sorte a todos.
Aplausos gerais.
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Srs. Deputados, vamos, então, prosseguir os nossos trabalhos com um período destinado a declarações
políticas, que serão proferidas pela seguinte ordem: BE, O Verdes, PSD, PS, CDS-PP e PCP.
Pelo Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
Deputadas, Srs. Deputados: Faz agora três meses
que o líder do CDS assumiu a pasta da coordenação económica, voltando atrás na sua demissão. Anunciou
que ficava no Governo para dinamizar um novo ciclo. A aposta no investimento e no crescimento, em rutura
com o Ministro Gaspar, foi a razão invocada pelo líder do CDS para revogar o irrevogável.
Não há nada de novo no novo ciclo. O Orçamento ontem apresentado é a negação de todas as razões
invocadas por Paulo Portas para se manter no Governo. O espírito de Vítor Gaspar voltou para assombrar o
Orçamento: mais impostos, menos salários e pensões, cortes na saúde, cortes na educação e ainda menos
emprego. O novo ciclo é o mesmo ciclo recessivo.
O Governo fala em ética na austeridade, mas 82% dos cortes são feitos à custa dos funcionários públicos,
dos reformados, da saúde e da educação. A banca e os monopólios da energia suportam apenas 4% do
esforço. A austeridade não tem qualquer ética e os cortes nas grandes empresas não passam de uma fraca
operação de estética.
Três ideias bastam para resumir este Orçamento do Estado: é uma afronta, é um embuste e é um desvio
colossal.
O Orçamento é, antes de mais, uma afronta ao Tribunal Constitucional. Os cortes salariais que os
funcionários públicos suportam desde 2011 só não foram inconstitucionais por serem apresentados como
transitórios e por começarem acima do rendimento médio em Portugal. Pois bem, os cortes ontem
apresentados não só começam nos 600 € como são anunciados como uma medida estrutural e permanente.
O Governo teima em afrontar a lei que garante o contrato social, o Governo teima, mais uma vez, em afrontar
o suporte de 40 anos de democracia em Portugal.
Este Orçamento é um embuste. Disse-nos Paulo Portas, há menos de duas semanas, que o ajustamento
seria conseguido exclusivamente com pequenas e médias poupanças. E disse-nos mais: disse que os cortes
seriam no Estado e não nas pessoas. É um embuste. O Estado existe, e só existe, para servir as pessoas.
Quando se corta na saúde e na educação não estamos só a aumentar os preços dos serviços que já pagamos
com os nossos impostos, estamos a degradar a qualidade de vida dos cidadãos e a corroer o princípio da
igualdade de oportunidades. Estamos, por isso, a corroer a base da democracia.
Os anunciados cortes no Estado são a reciclagem dos cortes nas gorduras prometidos por PSD e CDS na
campanha de 2011. Hoje sabemos que as gorduras, para este Governo e para o PSD e o CDS, são salários
de 600 € brutos.
Aplausos do BE.
Mas este Orçamento é também o do desvio colossal de todas as metas assumidas. Em 2012, o défice ficou
nos 10 400 milhões de euros. Em nome do ajustamento financeiro, o Orçamento de 2013 aplicou 5300 milhões
de euros em medidas de austeridade, 5300 milhões de euros em mais impostos, cortes salariais e
desemprego — e, veja-se bem!, o défice nem desceu 900 milhões!
Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar e a sua sucessora enviaram 4400 milhões do nosso dinheiro
diretamente para o lixo, diretamente para a recessão económica.
Os nossos sacrifícios não pagam o défice, causam a recessão, que impede que isso mesmo seja feito. O
empobrecimento da população portuguesa não está a cumprir qualquer objetivo que não seja o
empobrecimento da população portuguesa.
O Governo diz que esta política de terra queimada é a única solução para o País reduzir o défice e pagar a
dívida. Vejamos, então, os resultados de três anos de política de empobrecimento: os impostos sobre o
trabalho cresceram 30% e o défice teima em não descer — bem vemos por este Orçamento do Estado; 500
000 postos de trabalho destruídos e a dívida não para de aumentar, sendo, aliás, hoje, a maior de sempre.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, se o Governo quisesse crescimento económico, como diz, não
cortava os salários nem cortava as pensões.
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Se o Governo quisesse, de facto, investimento e emprego, como diz querer, teria baixado o IVA da
restauração e não o IRC, que apenas vai servir para subir a cotação bolsista das empresas com sede fiscal na
Holanda.
Aplausos do BE.
Se este Governo, Sr.as
e Srs. Deputados, tivesse a mínima preocupação de equidade social nunca baixaria,
como está a fazer, o rendimento social de inserção, o complemento solidário para idosos ou o abono de
família.
Se este Governo estivesse minimamente preocupado com o futuro do País não apresentava este
Orçamento do Estado para 2014.
Esta proposta de Orçamento do Estado afronta a Constituição, e o Governo é o primeiro a sabê-lo.
Estamos certos de que, face à gravidade do que está em causa, o Presidente da República não deixará de
encontrar razões acrescidas para garantir a fiscalização preventiva desta lei. É o que se espera de quem jurou
defender a Constituição.
Pela nossa parte, Bloco de Esquerda, só podemos rejeitar um Orçamento que hipoteca o futuro do País.
Fá-lo-emos com todos os instrumentos disponíveis. Fá-lo-emos junto do Tribunal Constitucional, com quem,
como nós, quer defender a lei fundamental e os direitos que esta protege. Fá-lo-emos também aqui, no
Parlamento, apresentando alternativas como sempre fizemos. Fá-lo-emos também, e certamente, na rua, nas
manifestações populares que já estão convocadas para os dias 19 e 26 de outubro, que serão, certamente,
grandes manifestações de combate a este Orçamento e a este Governo da recessão.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, já tive ocasião de lhe dar as boas-vindas ao
Parlamento, mas como creio ser esta a primeira vez que fala da Tribuna cumprimento-a também por isso.
Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pedro Nuno Santos, do
PS, Paulo Sá, do PCP, e Heloísa Apolónia, de Os Verdes.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Pedro Nuno Santos, informo que a Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua deseja responder individualmente a cada pedido de esclarecimento.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos.
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua, disse que o Orçamento do Estado era uma afronta ao Tribunal Constitucional e uma afronta aos
portugueses. Mas há outras palavras que definem este Orçamento do Estado, desde logo cobardia. É que, na
realidade, há cobardia no processo: o Governo esforçou-se sistematicamente por esconder o verdadeiro
impacto deste Orçamento do Estado. Como disse a Sr.ª Deputada, o Vice-Primeiro-Ministro afirmou que
seriam apenas pequenas e médias poupanças…
O Sr. José Junqueiro (PS): — Bem lembrado!
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Mas o Sr. Primeiro-Ministro já revelava o que aí vinha quando disse
«temer um choque de expetativas».
Mas há também cobardia nas medidas, porque, ao mesmo tempo que se libertam recursos em sede de
IRC — quando sabemos que os beneficiários imediatos dessa medida são grandes empresas que vivem do
mercado interno e em setores não transacionáveis —, o Governo carrega sobre os mais vulneráveis e sobre
os mais fracos.
Aplausos do PS.
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Mas é também inútil; é mais austeridade para nada! Tivemos 5600 milhões de austeridade no ano passado
para reduzir o défice orçamental de 5,8% para 4%. Pois o défice orçamental voltará a ser este ano de 5,8%!
Estamos hoje mais pobres para nada! É inútil esta política!
Estão à espera, provavelmente, que os resultados se alterem, mas, infelizmente — e nós sabemo-lo da pior
maneira —, continuaremos a sofrer o impacto deste Orçamento.
Mas a verdade é que, para além da cobardia, da inutilidade deste Orçamento, há também uma alteração
profunda do modo de vida em Portugal. Neste Orçamento do Estado, temos um corte brutal, por exemplo, na
educação pública, mas mantemos ou até subimos as transferências para o ensino privado; temos
desinvestimento na saúde, mas temos o desagravamento fiscal nos seguros de saúde pagos pelas empresas!
A alteração do modo como vivemos em Portugal não é um efeito colateral desta política, é, talvez, até, o
principal objetivo da direita portuguesa.
Quero perguntar, pois perguntar ao Bloco de Esquerda, através da Sr.ª Deputada, se acha — é óbvio que
não, mas quero que nos dê, fundamentadamente, a sua opinião — que, depois da experiência passada, com
mais estes 4000 milhões a somar aos 5600 milhões, é expectável que o resultado em matéria de ajustamento
orçamental seja diferente do que tivemos no ano passado.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, queria, antes de mais, concordar com a
ideia que o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos aqui nos transmitiu.
De facto, em primeiro lugar, este Orçamento do Estado é, à partida, uma ficção. O Sr. Ministro Paulo Portas
tentou apresentar este Orçamento, mais uma vez mudando a sua palavra depois, como um orçamento light,
um orçamento de pequenos cortes, um orçamento do início de uma retoma económica, que nunca vamos
chegar a ver.
Aquilo que sabemos, no entanto, é que este é o mais ou um dos mais duros Orçamentos dos últimos anos
e que vem acrescentar aos 5000 milhões de cortes do último Orçamento do Estado mais 4000 milhões de
cortes em salários, em pensões, em serviços públicos.
E fá-lo por um motivo: porque é incapaz de ajustar o défice a que se compromete e porque percebe agora
que a austeridade não tem fim. Por mais que o Governo aplique medidas e programas de austeridade, o défice
fica sempre maior.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Claro!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É impossível, não consegue ajustar o défice! Aplica 5000 milhões de
euros de cortes para reduzir o défice em 900 milhões. E a pergunta é: para onde é que vai o dinheiro do resto
dos cortes? Para onde é que vão os sacrifícios dos portugueses e das portuguesas, que veem os seus
salários cortados, que veem as suas pensões cortadas e que veem o seu sistema de saúde e de educação
com menos qualidade e com maiores preços? A resposta é: vão para a recessão!
Portanto, somos levados a tirar uma única conclusão: o objetivo das políticas de austeridade não é pagar o
défice nem pagar a dívida. O défice está muito longe das metas que eram propostas e a dívida é a maior de
sempre, não se prevendo que venha a descer substancialmente nos próximos anos.
O objetivo destas políticas de austeridade é a mudança do regime social tal como nós o conhecemos. É um
processo de engenharia social que visa retirar direitos aos trabalhadores, que visa ir contra as grandes
reformas e as grandes conquistas de liberdade que o 25 de Abril trouxe.
Portanto, não existe outra forma de garantir o crescimento económico, não existe outra forma de garantir os
direitos que a Constituição da República Portuguesa protege que não rejeitar as políticas de austeridade.
Para terminar, devo dizer que para garantir o crescimento económico, para garantir a manutenção do
regime democrático, não nos basta uma austeridade light, pois não existe crescimento económico em
austeridade, não existe uma austeridade expansionária; é preciso, de facto, ter uma política de crescimento,
uma política que valorize o trabalho e os serviços públicos em Portugal.
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Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, este Orçamento — com
certeza, a Sr.ª Deputada concordará comigo — é o pior Orçamento do Estado para a vida dos trabalhadores e
das famílias desde a assinatura do pacto de agressão com a troica.
À austeridade o Governo pretende juntar mais austeridade, intensifica o roubo dos salários e das pensões,
reduz ou elimina prestações sociais, aprofunda os cortes na saúde e na educação e promove o despedimento
de milhares de funcionários públicos para engrossar as fileiras crescentes dos desempregados.
Com este Orçamento do Estado, o Governo corta em todo o lado, levando ao empobrecimento acelerado
dos portugueses.
Mas, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, há uma despesa do Estado que é intocável para este Governo: é a
linha vermelha dos partidos (PS, PSD e CDS) que subscreveram o memorando da troica. Refiro-me
naturalmente, Sr.ª Deputada, à despesa maior no Orçamento do Estado, que são os juros da dívida pública
pagos aos banqueiros e à banca.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Despesa maior?! É preciso ter lata!..
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Lembremos que, em 2010, o ano dos PEC, que foram viabilizados pelo PSD, os
juros pagos aos bancos e aos banqueiros foram de 4800 milhões de euros.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Em 2014, o Governo prevê que estes juros aumentem para 7300 milhões de
euros, ou seja, em apenas quatro anos, esta despesa do Orçamento do Estado, que corresponde à entrega
aos bancos e aos banqueiros de milhares de milhões de euros, aumentou mais de 50%.
Portanto, temos o Governo a cortar na educação, a cortar na saúde, a cortar nos salários, a roubar
pensões, a cortar nas prestações sociais. Só não corta nos juros da dívida, que entrega à banca e aos
banqueiros, e noutras benesses para o sistema financeiro.
A Sr.ª Deputada referiu aqui — e é verdade — que nas medidas de austeridade o esforço exigido ao setor
energético e ao setor bancário representa apenas 3,8% do conjunto das medidas de austeridade. São uns
meros 150 milhões de euros em quase 4000 milhões de euros!
É esta, Sr.ª Deputada, a essência da política de classe deste Governo, da política da troica, que foi
assinada pelo PS, pelo PSD e pelo CDS. O que estes partidos fizeram, com a assinatura deste Memorando da
troica, foi beneficiar o sistema financeiro e os grandes grupos económicos à custa de quem trabalha. Este
Orçamento é bem o exemplo desta política de classe!
A questão que quero colocar-lhe, Sr.ª Deputada, é no sentido de saber se não considera que está na altura,
mais do que na altura, de rasgar este Memorando, de pôr fim a esta política, de mudar de rumo para o País e
de adotar uma política patriótica de esquerda, que é aquela, a única, que serve os interesses de Portugal e
dos portugueses.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Paulo Sá, ao lermos este Orçamento
chegamos à conclusão de que ele não foi feito com uma caneta, foi feito com uma tesoura, e uma tesoura
seletiva.
Quando analisamos e fazemos as contas deste Orçamento do Estado a conclusão a que chegamos é que
a grande parte dos cortes que são feitos, 84% do ajustamento deste Orçamento, à semelhança do que já tinha
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acontecido em Orçamentos anteriores, recai sobre trabalhadores e pensionistas. É sobre quem trabalhou, é
sobre quem trabalha e é sobre quem paga os impostos que suportam o Estado social que recai todo o peso do
Orçamento.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Além de novos cortes nos salários da função pública, além dos cortes
nas pensões, além dos cortes na saúde, além dos cortes na educação, que irão, certamente, pôr em causa o
funcionamento destes serviços públicos, este Orçamento do Estado escolhe e prefere não sobrecarregar os
interesses financeiros, escolhe e prefere isentar do ajustamento orçamental os interesses financeiros e, de
entre os interesses financeiros que escolhe isentar, estão as entidades financeiras que recebem o pagamento
dos juros da dívida.
Há uma escolha simples a fazer e há uma pergunta simples que acompanha esta escolha, que é a
seguinte: porque é que perante dois tipos de contratos, porque é que perante o contrato com as populações, o
contrato de pagamento de 14 meses de salário, o contrato constitucional de um serviço gratuito e universal de
saúde e de um serviço gratuito e universal de educação, porque é que o Governo escolhe romper esse
contrato, o contrato social, o contrato com a lei e o contrato com a população portuguesa? Porque é que o
Governo escolhe romper todos esses contratos para garantir unicamente os contratos com a JP Morgan, os
contratos com a Merrill Lynch, os contratos com os grandes grupos financeiros, que causaram a crise
financeira que nos colocou neste buraco e que especularam contra a dívida portuguesa quando o País mais
precisava de investimento e de juros controlados?
É uma escolha simples e, sim!, é uma escolha ideológica. O que sabemos e o que fica escrito é que,
perante dificuldades, este Governo escolhe quebrar todos os contratos com o seu povo para manter e para
pagar à banca e aos grandes interesses financeiros os contratos de especulação que assumiu com esses
mesmos interesses.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (OS Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, a propósito da
sua declaração política, gostava de tecer algumas considerações e, depois, colocar-lhe uma pergunta para a
qual peço o seu comentário.
Sr.ª Deputada, não há dúvida que este Orçamento do Estado é arrasador para o País e para os
portugueses e que os seus autores — PSD e CDS, que estão no Governo — demonstram, por via dele, que
são absolutamente perigosos para o País.
Sr.ª Deputada, nós temos um Governo perigoso para o País, por via — provada! — das inúmeras medidas
medonhas que tem tomado desde que assumiu funções. Mas é perigoso também por outra via, Sr.ª Deputada:
é perigoso porque é um Governo que não tem palavra.
Não sei se a Sr.ª Deputada já reparou que este Governo usa um léxico que não é minimamente
compreensível nem compreendido pelos portugueses. Quando o Governo fala em cortes salariais transitórios,
aquilo que quer dizer é que são cortes salariais definitivos.
Não sei se a Sr.ª Deputada já reparou que, quando um membro do Governo fala em demissão irrevogável,
aquilo que quer dizer é que é alterável dois dias depois. E isto não é sério, Sr.ª Deputada, porque, quando
estamos nas condições que o País atravessa, a seriedade, a verdade da palavra dada e que todos assumam
as consequências diretas das suas opções políticas é algo absolutamente fundamental.
Mas, Sr.ª Deputada, todas as medidas que enunciou na sua intervenção, os cortes salariais, os cortes nas
pensões, os cortes na saúde, os cortes na educação, e por aí fora, são medidas que se vão repercutir
diretamente no alargamento da bolsa de pobreza em Portugal, e isto é profundamente preocupante. É que a
nossa bolsa de pobreza, para além de se estar a alargar, está a tornar-se estrutural, num País que não está a
criar condições para dar a volta. E isto é uma coisa que tem de nos fazer pensar e, sobretudo, tem de nos
fazer agir.
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A pergunta concreta que quero fazer à Sr.ª Deputada tem a ver com o seguinte: todas as medidas que o
Orçamento do Estado abraça têm um efeito profundamente recessivo e, obviamente, ainda só demos uma
olhadela, não completamente aprofundada, porque esse é o trabalho que temos de fazer nos próximos dias.
Mas, daquilo que a Sr.ª Deputada já teve oportunidade de ler no Orçamento do Estado, pergunto-lhe se
conseguiu descortinar um conjunto de medidas direcionadas para o crescimento económico e que a Sr.ª
Deputada vislumbre que vão ter efeitos concretos sobre esse crescimento. Não há, Sr.ª Deputada! Não há
esse conjunto de medidas! Estamos perante um Orçamento do Estado profundamente recessivo, que nos vai
afundar ainda mais, o que, obviamente, é de deitar as mãos à cabeça.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, de facto, e registando
de antemão o adiamento da entrada das bancadas da direita neste debate sobre o Orçamento do Estado, que
começou agora, gostaria de comentar a justificação e a transitoriedade que o Governo apresenta para estes
cortes.
Todos os anos, desde o início do programa de austeridade, desde o início do programa da troica, o
Governo justifica cortes transitórios com uma necessidade de ajustamento que é permanente. E, portanto,
bem percebemos que todos os anos vamos inscrever os cortes salariais no Orçamento do Estado e que
vamos estar 10, 20 ou 30 anos a inscrever nos Orçamentos cortes salariais que não são transitórios nem são
para durar um ano, são para ficar e são para sempre, porque é essa a visão e a estratégia deste Governo. É
isso mesmo que conseguimos concluir ao olhar para este Orçamento do Estado.
A única estratégia que este Governo tem para o crescimento é descer salários. Não tem mais nenhuma! A
única estratégia é embaratecer o trabalho, é acabar com toda e qualquer regulamentação que proteja os
trabalhadores, que proteja os seus direitos, que proteja a contratação coletiva. Este Governo tem uma
estratégia que visa um processo de engenharia social que tem de ser travado agora, neste momento,
enquanto ainda temos direitos que estamos a proteger.
Falando em estratégia económica para o crescimento, perguntou-me se encontrava alguma medida de
crescimento e dinamismo económico neste Orçamento do Estado, para além dos tais cortes salariais que o
Governo acredita que provocam crescimento, mas que, na realidade, o que se verifica é que só provocam
desemprego. Não existe! Nem com uma lupa conseguimos encontrar uma medida que promova o crescimento
económico em Portugal.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — E há uma simples razão para isso: a causa da ausência de crescimento
económico em Portugal é, sobretudo, a falta de poder de compra. Privamos as pessoas dos seus salários,
privamos as pessoas do seu emprego, privamos as pessoas das suas pensões e, depois, queremos um
sistema económico que funcione e empresas que possam ser viáveis?!. Não existe! Não existe! E não é
baixando os impostos à banca, não é baixando os impostos às grandes empresas e aos grandes monopólios
portugueses, que têm sede fiscal fora do País, que vamos conseguir o crescimento económico.
Uma medida simples para promover o crescimento era a de, por exemplo, descer o IVA da restauração,
medida que, inclusive, é defendida pelo atual Ministro da Economia. Não conseguimos perceber porque é que
se passou mais um ano e essa medida, tão importante para promover o dinamismo económico, continuou na
gaveta das propostas do Governo.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra, para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Heloísa Apolónia.
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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Não sei se se recordam,
mas quando discutimos aqui uma moção de censura apresentada por Os Verdes a este Governo nós
afirmámos que o Sr. Ministro Paulo Portas tinha perdido toda a credibilidade naquilo que disse e que diria para
futuro devido à questão da demissão irrevogável, em que demonstrou, absolutamente, não ter palavra em
política. Tínhamos razão e, na passada semana, isso foi novamente demonstrado. É que quem ouviu o Sr.
Vice-Primeiro-Ministro Paulo Portas, naquela conferência de imprensa, a propósito das oitava e nona
avaliações da troica, não podia vislumbrar que viria a ser apresentado um Orçamento do Estado com estas
características.
Mas não é só esse membro do Governo que perde palavra perante os portugueses, na verdade é o
Governo no seu conjunto. É que lembramo-nos de o Ministro Vítor Gaspar, no final de 2011, dizer que, perante
a dose de austeridade prevista, que ia ter um imenso sucesso no crescimento económico — lembram-se?! —,
não seriam necessárias mais medidas de austeridade. Quem imaginaria chegar ao ano de 2013 e fazer face à
apresentação de um Orçamento do Estado para 2014 com estas características?!
O Sr. Primeiro-Ministro dizia, em 2011, que o ano de 2012 seria um ano de viragem e, em 2012, dizia que o
ano de 2013 era já um ano de crescimento económico. Quem esperaria, pois, chegar a 2013 e confrontar-se
com um Orçamento do Estado para 2014 com estas características absolutamente medonhas?!
Estamos, de facto, perante um Governo sem palavra e, mais grave, um Governo que prossegue um
caminho que já deu provas de que não dá resultado e que delapida a vida concreta dos portugueses.
Deu ontem entrada, na Assembleia da República, Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, o Orçamento do
Estado para 2014. É um autêntico pavor para os portugueses e para o País.
Os Verdes diziam, desde há muito tempo, que esta discussão que se faz no sentido de saber se se deve
cortar do lado da despesa ou do lado da receita é absolutamente irrelevante para a vida concreta das pessoas,
e tínhamos razão. É que, corte-se na receita ou corte-se na despesa, a orientação e a consequência vão
sempre atingir as mesmas pessoas. E, perante este Orçamento do Estado, não estamos diante de uma
situação de escolha entre o corte na despesa ou o corte na receita, porque nele vem tudo: vem o corte na
despesa e o corte na receita, ou seja, é um profundo atentado contra a vida concreta das pessoas, é tirar
sempre aos mesmos, Sr.as
e Srs. Deputados!
A equidade, que a Sr.ª Ministra das Finanças tanto quis realçar — presumo que seja uma palavra que vá
ser muito repetida, certamente para o Tribunal Constitucional, para quem o Governo anda sempre a mandar
recados —, está completamente arredada do Orçamento do Estado para 2014. Quando verificamos que o
esforço da banca, das energéticas, das petrolíferas, ou seja, do grande poder financeiro e económico não
chega aos 5% e que o esforço que recai sobre os cidadãos concretos ultrapassa os 85%, temos tudo dito! As
opções políticas estão feitas e são opções ideológicas, Sr.as
e Srs. Deputados!
O Governo entrou numa guerra profunda com os funcionários públicos e com os reformados e
pensionistas. Foi a quem se direcionou para cortar, cortar, cortar, até não poder mais. E, quanto à matéria do
corte dos salários, que é anunciada como transitória, importa dizer, aliás — já aqui o dissemos —, que quando
a Sr.ª Ministra das Finanças não responde dizendo até quando será feito esse corte, aquilo que a Sr.ª Ministra
está a dizer é que «será definitivo e até quando nos apetecer; logo veremos». Estas não são respostas que se
deem aos portugueses! Os portugueses não estão sentados a acatar as ordens do Governo, porque o Estado
somos todos nós, Sr.as
e Srs. Deputados! Os portugueses também são Estado e, portanto, no mínimo,
merecem respeito, por parte do Governo| Mas aquilo que este Orçamento do Estado demonstra é, sim, um
profundo desrespeito para com os portugueses.
Sobre o corte nas pensões de sobrevivência, Sr.as
e Srs. Deputados, não tenho qualquer dúvida
relativamente àquilo que vou dizer e que é a minha profunda convicção: se a contestação não tivesse sido
forte e imediata, com certeza absoluta teríamos anúncios de cortes nas pensões de sobrevivência da ordem
dos 600 €, 700 € ou 800 €, porque este Governo não tem escrúpulos absolutamente nenhuns. E, então, o que
quero dizer? Que vale a pena contestar, que vale a pena lutar, que vale a pena fazermo-nos ouvir. Não estou,
com isto, a dizer, obviamente, que a medida que o Governo apresenta, no sentido do corte das pensões de
sobrevivência, apesar de ter outro teto, é uma medida justa. Não é uma medida justa, porque estas pensões
resultam de contribuições feitas, o que revela que o Governo não tem escrúpulos absolutamente nenhuns.
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Aquilo que queremos dizer, Sr.as
e Srs. Deputados, e a concluir esta declaração política, é que vale a pena
fazermo-nos ouvir, vale a pena contestar, vale a pena denunciar e vale a pena contribuir para tudo aquilo que
permita fragilizar este Governo e estas políticas.
Daí que o grande apelo que Os Verdes fazem hoje, aqui, neste Hemiciclo, seja no sentido de que, no dia
19 de outubro, haja uma grande adesão à manifestação marcada pela CGTP, para que uma multidão possa
servir de base à mensagem que tem de ser passada, neste País, para o Governo, e que, no dia 8 de
novembro, a greve já marcada pela Frente Comum seja também uma greve com grande adesão, para que
este Governo perceba que os funcionários públicos portugueses não são fantoches, são gente, com vida
concreta, com família concreta e com dignidade concreta. É dignidade que este País reclama!
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, relativamente à matéria
que trouxe a debate nesta Assembleia, que se prende com a proposta de Orçamento do Estado que todos
acabámos de receber, há uma questão que ressalta no debate político em torno deste Orçamento, a qual tem
a ver com as pressões absolutamente despudoradas que têm vindo a ser dirigidas, pelo Governo e pela
maioria, ao Tribunal Constitucional. Ou seja, este Governo, que, aliás, é reincidente na aprovação de
disposições legislativas, designadamente em matéria orçamental, já declaradas inconstitucionais — já tivemos
dois Orçamentos do Estado consecutivos com normas declaradas inconstitucionais —, incorpora, neste
Orçamento, em termos de impacto orçamental, medidas que estão ainda, neste momento, sob fiscalização do
Tribunal Constitucional. E o Governo tem consciência de que este Orçamento contém disposições que
afrontam, até de uma forma grosseira, princípios constitucionais — é o próprio Governo a reconhecê-lo.
É preciso dizer que os princípios constitucionais que têm sido violados por estas disposições não são
originalidades da Constituição Portuguesa. O princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade, o
princípio da proteção da confiança são princípios inerentes a qualquer Estado de direito democrático, não têm
que ver com nenhuma originalidade portuguesa.
Aplausos do PCP.
O que acontece é que o Governo não se conforma com a existência de quaisquer limites à arbitrariedade!
Essa é que é a questão, Sr.ª Deputada. E, como o Governo não quer que existam limites para as suas
arbitrariedades, lança as baterias precisamente contra a entidade que tem competência para, nos termos do
Estado de direito, proceder a essa fiscalização e impor o respeito por princípios elementares do Estado de
direito democrático!
A maioria sabe que dispõe de uma maioria nesta Câmara que lhe permitirá aprovar o Orçamento do Estado
como entender, mas não tem a garantia de que o Tribunal Constitucional não exerça as suas competências.
Nesse sentido, desenvolve toda uma linha de chantagem e até de ameaça como quem diz «se os senhores
exigirem o respeito pelo Estado de direito democrático são os culpados por um segundo resgate, por uma
qualquer desgraça», ou seja, serão responsabilizados pelas consequências de uma política que é da
responsabilidade exclusiva do Governo e da maioria! Isto é, a maioria e o Governo procuram fazer recair sobre
o Tribunal Constitucional as consequências do completo fracasso da sua política!
Vozes do PCP: — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — Gostava, pois, que a Sr.ª Deputada, se pudesse, nos desse a sua opinião
acerca desta verdadeira linha de chantagem e de ameaça que tem sido desenvolvida contra o Tribunal
Constitucional e que, do nosso ponto de vista, constitui uma afronta maior aos valores e aos princípios do
Estado de direito democrático!
Aplausos do PCP.
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A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, falou aqui sobre ter
palavra ou, melhor, sobre a falta dela. Sabemos que o então Ministro Paulo Portas, agora Vice-Primeiro-
Ministro, antes ex-Ministro, se demitiu por não concordar com a estratégia de Vítor Gaspar para o País,
sobretudo com a sua estratégia orçamental.
Hoje, é o Vice-Primeiro-Ministro Paulo Portas que dá a cara por essa mesma estratégia, com a qual dizia
discordar e que na altura era defendida pelo Ministro Vítor Gaspar, que é de cortes orçamentais cegos, que se
baseia em cortes salariais e em competição fiscal.
No dia em que foi apresentada publicamente a reforma do IRC, foi argumentado que Portugal ficava em
condições de competir — vejam bem! — com a Polónia e a República Checa. Portanto, para além de uma
estratégia que se baseia em cortes orçamentais cegos, temos como horizonte para o País uma estratégia de
futuro que aposta em cortes salariais e em competição fiscal, para nos pôr no mesmo nível que a República
Checa e que a Polónia.
Sr.ª Deputada, gostaria de perguntar-lhe muito diretamente se acha que esta é uma estratégia viável para
Portugal, isto é, se pensa que esta é uma estratégia — a de competição por salários baixos — que defende os
trabalhadores e as trabalhadoras, uma estratégia que podemos querer para nós enquanto País, para o futuro
ou se, pelo contrário, é uma estratégia que devemos combater, a começar pelos protestos que já estão
convocados e que certamente alimentarão a grande oposição que este Governo enfrentará e o seu Orçamento
também.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a
palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Filipe, concordo em
absoluto com as considerações que fez e com a indignação que manifestou a propósito das chantagens e da
pressão recorrente que o Governo tem feito sobre o Tribunal Constitucional.
Sr. Deputado, de facto, é motivo de indignação que o Governo tenha absoluta consciência que aquilo que
está a propor é contrário àquilo que a Constituição da República Portuguesa determina, porque se o Governo
não sentisse que aquilo que está a fazer contraria princípios constitucionais nem sequer poria a hipótese de
algumas normas poderem ser declaradas inconstitucionais. Portanto, pelo menos, o Governo sabe que roça
essa fronteira relativamente às propostas que são anunciadas.
Isso é absolutamente inadmissível, Sr. Deputado, porque a primeira coisa que um Governo deveria fazer
era justamente ter como baliza, como princípio orientador, a lei mãe do nosso Estado democrático, que é a
Constituição da República Portuguesa.
Mas aquilo que o Governo permanentemente procura fazer é ver como é que consegue «passar a perna»
ao texto constitucional. E porque o texto constitucional também é determinante para a vida concreta das
pessoas isto repercute-se sobre a vida concreta das pessoas e das famílias!
Sr. Deputado, consideramos inadmissível esta atitude do Governo, recordando que nunca este Governo
apresentou um Orçamento do Estado que não tivesse normas declaradas inconstitucionais.
Portanto, há uma permanente afronta. É, de facto, como o Sr. Deputado disse, procurar um livre arbítrio,
um à-vontade sem limites, sem qualquer fronteira, que destruiria completamente a nossa lógica de Estado
democrático.
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, concordo com as considerações que fez e quero dizer o seguinte: uma
política de baixos salários retira dignidade a um povo. E mais: não retira só dignidade, retira capacidade
(fundamentalmente, num país com as nossas caraterísticas e no estado em que nos encontramos) de
redinamização ou de dinamização do País.
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Quando somos confrontados com um Orçamento do Estado que rouba — não tem outro nome, Sr.ª
Deputada — poder de compra, ainda mais poder de compra, à população portuguesa, significa que aquilo que
o Governo está a propor é que se arrede a generalidade dos portugueses para o lado no que se refere a um
objetivo que deveria ser determinante para o País, que é a redinamização da nossa economia!
Portanto, esta estratégia vai dar mau resultado. O Orçamento do Estado proposto para 2014 é
absolutamente recessivo e delapidador do mercado interno.
O Governo, agora, finge que quer reforçar o mercado interno. Não quer, não é esse o seu objetivo! O que o
Governo vai fazer com este Orçamento é estrangular ainda mais o mercado interno. E isto, Sr.ª Deputada, são
más notícias, muito más notícias para o País.
A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra, para proferir a terceira declaração política da tarde, o Sr.
Deputado Luís Menezes.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Foi ontem entregue, na Assembleia
da República, o Orçamento do Estado para 2014. Trata-se de um Orçamento que faz o esforço de
consolidação previsto em mais de 80% do lado da despesa e em 20% do lado da receita.
Mas este grupo parlamentar sabe que a presente situação económica, política e social obriga a falar com
realismo e sem demagogia aos portugueses que nos ouvem.
O Sr. António Rodrigues (PSD): — Muito bem!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Não vale a pena, por isso, querermos ser meigos nas palavras para
descrever este Orçamento, devemos antes ser realistas.
O Orçamento do Estado para 2014 será um exercício duro para as famílias, para as empresas, para o País,
mas, sendo um exercício duro, será também um exercício de libertação com equidade e justiça social.
Será um exercício de libertação, porque este Orçamento do Estado é o último que faremos sob a alçada do
Programa de Assistência Económica e Financeira.
Será um exercício de libertação, porque este Orçamento do Estado é o último que faremos sob a
supervisão da troica, isto é, de entidades que nos têm supervisionado nos últimos três anos.
Será um exercício de libertação, porque é na execução deste Orçamento do Estado que reside a
recuperação da nossa soberania plena para podermos conduzir o nosso destino económico e social sem as
restrições e as imposições externas às quais hoje continuamos sujeitos.
Aplausos do PSD.
Mas, tal como referi no inicio da minha intervenção, este exercício de libertação, que é o Orçamento do
Estado para 2014, será um exercício duro para as famílias e para as empresas.
Duro, porque não nos permite aliviar a carga fiscal elevada à qual estamos todos sujeitos desde o início de
2010.
Duro, porque mantém um grau de exigência orçamental, principalmente na função pública, que é
imprescindível para a redução da despesa pública.
Duro também, porque pede a pensionistas e a reformados com mais rendimentos um esforço que permita
reduzir os elevados défices que existem no que respeita ao pagamento destas prestações.
Mas, Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, se consideramos este Orçamento do Estado duro para todo o
País, se consideramos que é um importante exercício de libertação face à condição de protetorado em que
vivemos, também o vemos como um exercício de justiça e de equidade social, uma vez que pede mais a quem
mais tem para ajudar quem menos tem.
Passo a exemplificar.
As pensões mais baixas serão novamente atualizadas — e nunca é demais lembrar que foi um Governo
socialista que as congelou.
Vozes do PSD: — Muito bem!
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O Sr. Luís Menezes (PSD): — Os funcionários públicos podem ver novamente o seu mérito recompensado
com a reintrodução dos prémios de produtividade e com a criação de novos prémios de eficiência.
Foi criada uma taxa de contribuição extraordinária sobre o setor energético, que permitirá arrecadar mais
de 100 milhões de euros para os cofres do Estado.
Serão reduzidas ou anuladas as subvenções vitalícias relativas a cargos políticos, sujeitando-as a uma
condição de recurso.
Dar-se-á início a uma reforma do IRC com a descida da taxa para 23% já em 2014 e com uma descida
progressiva da mesma taxa de imposto até 2017, permitindo o aumento da competitividade do País, da nossa
economia, com a tão necessária criação de emprego a tal associada.
Mantém-se também em vigor o Plano de Emergência Social.
Serão ainda reduzidos em centenas de milhões de euros os encargos com as parcerias público-privadas
herdadas do Partido Socialista.
Outras medidas concretas poderiam ser apontadas, mas as que referi refletem aquilo que o Governo
também pretende deste exercício orçamental: rigor, transparência, equidade e justiça social.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O Orçamento para 2014 é um instrumento que pretende aliar a
necessidade de rigor orçamental à importância da manutenção do nosso equilíbrio social, bem como dos ainda
frágeis mas presentes sinais de recuperação económica.
Foram muitos os que profetizaram, no que respeita ao Orçamento do Estado para 2013, que o mesmo
levaria a uma espiral recessiva sem regresso, mas os factos a que temos vindo a assistir são indesmentíveis:
o PIB cresceu mais de 1% no 2.º trimestre do ano; as exportações continuam a atingir recordes
sucessivamente, mês após mês; a produção industrial continuou a sua tendência de crescimento em agosto;
os índices avançados apontam já para números positivos do PIB no 3.º trimestre; e o desemprego, esse
flagelo social que é a preocupação central deste Governo, desta maioria, e estou certo que de todos os
Deputados desta Câmara, continua a mostrar sinais de diminuição, tendo mesmo a taxa de desemprego jovem
mostrado sinais de francas melhorias com descidas sucessivas desde janeiro de 2013.
Todas estas evidências são isso mesmo, evidências e não opiniões, e mostram que o caminho que
escolhemos traçar para além de possível é também correto. É possível aliar rigor com crescimento; é possível
aliar diminuição da despesa com diminuição da taxa de desemprego, é possível manter o País unido, pedindo
mais a quem tem mais para acudir a quem mais precisa.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Este Orçamento tem sacrifícios e desafios que envolvem todo o
País, não só os portugueses e as empresas mas também todos os órgãos de soberania.
Cumpre a todas as instituições do nosso regime democrático uma colaboração ativa no esforço de
recuperação do País que estamos a empreender, atendendo à realidade concreta e aos desafios que o País
hoje vive.
O Governo tem feito um esforço nos últimos anos, e novamente nesta proposta de Orçamento do Estado,
com o intuito de compatibilizar o esforço necessário para a consolidação orçamental e para o fim do Programa
de Assistência Económica e Financeira, com o respeito pelos princípios basilares do nosso Estado de direito
impressos na nossa Constituição.
Ao afirmar isto, afirmamos também que não queremos pressionar nada nem ninguém, até porque sabemos
que na nossa democracia nenhum órgão é passível de pressões seja por parte de quem for.
Mas o facto é só um: sob pressão, vive hoje todo o País — vivem os portugueses, vivem as empresas,
vivem as famílias, que estão a passar por enormes sacrifícios por não termos tido, na última década, as
precauções que, coletivamente, todos devíamos ter tido.
Aplausos do PSD.
Por isso, Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, o Orçamento do Estado não é nem pode ser um
documento estanque. Estamos certos de que o Governo estará disponível para acolher propostas construtivas
e que sejam sérias e responsáveis, que procurem criar um instrumento ainda mais robusto para vencermos os
desafios do próximo ano.
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Para além do rigor na consolidação orçamental, é igualmente importante que este Orçamento possa dar
força aos sinais positivos que a economia real tem vindo a dar, robustecendo, com isso, o combate ao
desemprego no País.
Mas não nos enganemos: este Orçamento do Estado terá um papel fulcral para o nosso futuro coletivo
enquanto nação, será um dos atores principais de um filme que todos querem ver acabar, será um dos atores
principais de um filme que queremos que seja o encerramento bem-sucedido do Programa de Ajustamento
Económico e Financeiro para que a saída da troica de Portugal seja uma realidade e para que a recuperação
da nossa soberania financeira seja, também ela, um facto e uma realidade no próximo ano.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, a Mesa regista as inscrições dos Srs. Deputados Miguel Tiago, do
PCP, Heloísa Apolónia, de Os Verdes, João Galamba, do PS, e Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda
para pedir esclarecimentos.
Pergunto ao Sr. Deputado Luís Menezes como pretende responder.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Responderei em conjuntos de dois, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Muito bem, Sr. Deputado Luís Menezes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, a primeira pergunta que se impõe é esta: este
é um Orçamento duro para quem?
Aproveito para lhe relembrar que a distribuição de rendimentos em Portugal, neste momento, é a seguinte:
52% são rendimentos de capital, rendas, lucros e juros e apenas 48%, incluindo a segurança social, são
rendimentos do trabalho.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — O Sr. Deputado sabe quem paga a receita fiscal prevista por este Orçamento
do Estado? 75% é pago por aqueles que detêm apenas 40% da riqueza nacional e 25% por aqueles que
detêm mais de 50% da riqueza produzida em Portugal. Isso é uma marca inconfundível da opção de classe
que este Governo tomou, juntamente com as instituições estrangeiras a que chama «parceiros internacionais».
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Deputado, 2300 milhões de euros é uma parte daquilo a que o Governo
chama «poupança», obtida quase que exclusivamente através dos despedimentos na função pública, do
agravamento do roubo sobre os salários — agora atingindo os salários acima de 600 € —, dos cortes das
funções sociais e culturais do Estado, onde se inclui a educação, a saúde, mas também do roubo das
pensões, onde se incluem, ao contrário do que foi dito, pensões de sobrevivência acima dos 419 €. E, Sr.
Deputado, este valor contrasta com os miseráveis 150 milhões de euros que pretendem angariar através do
setor energético e do setor da banca.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Portanto, Sr. Deputado, julgo que fica muito claro para quem são os
sacrifícios de que fala e quem enfrentará as reais dificuldades.
Saberá o Sr. Deputado que, para encontrar uma distribuição de rendimentos tão difícil para os
trabalhadores como esta, é preciso recuar a 1995 e que, para encontrar uma situação como aquela que o País
está a atravessar do ponto de vista económico, não há memória?!
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Sr. Deputado, este é o Orçamento mais trágico da história da nossa democracia, é aquele que mais castiga
os trabalhadores, é aquele que mais pessoas empurra para a miséria, é aquele que a mais pessoas nega o
futuro.
Portanto, Sr. Deputado, ao contrário do que nos quis «vender» da tribuna, de que o sucesso do pacto é o
sucesso do País, cada vez se torna mais evidente, até pelos números… Pelos números que não cumprem,
apesar de sistematicamente dizerem que é para isso que aplicam a austeridade, que é para cumprir o défice
(mas não cumprem), que é para endividar menos o País (mas não o endividam menos); pelo contrário, iremos
pagar este ano, de acordo com este Orçamento do Estado, 7800 milhões de euros de juros da dívida, como há
pouco um camarada meu relembrou.
Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.
Esse valor é um desvio ativo da riqueza produzida pelos portugueses.
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Desviam do trabalho para pagar juros; desviam das funções sociais do
Estado para pagar privilégios e mordomias.
Sr. Deputado, é um Orçamento duro para quem? O sucesso deste pacto é um sucesso para quem? Para
aqueles que angariam mais de metade da riqueza nacional, apesar de representarem uma fatia minoritária da
população? É um sucesso para quem?
Este Orçamento é a continuação do rumo, do esbulho, do roubo e da destruição da nossa economia e do
afundamento nacional.
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Só a rutura com esta política e a derrota deste pacto é que constituirá a
vitória do nosso País. Isso mesmo demonstraremos em todas as ações já marcadas, incluindo no próximo
sábado, 19 de outubro, numa grande ação de luta contra a política deste Governo, contra a exploração e o
empobrecimento.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Os Srs. Deputados, esta tarde, têm respeitado o tempo, mas o Sr. Deputado Miguel
Tiago agora foi um bocadinho para lá dos limites normais.
Tem a palavra, para pedir esclarecimentos em nome de Os Verdes, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Faça favor.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Menezes, vou fazer uma
pergunta muito concreta, à qual gostava que o Sr. Deputado respondesse também de uma forma muito direta
e objetiva.
Face àquilo que conhecemos do Orçamento do Estado e destas medidas que o Sr. Deputado acabou por
reconhecer que são profundamente duras para as famílias portuguesas, na sua opinião, este Orçamento do
Estado tem ou não um efeito recessivo? É que discutirmos esta matéria é uma coisa por demais importante,
quando o Governo diz caminhar no sentido do crescimento económico. Gostava de saber que análise faz
relativamente a esta matéria.
Queria também perguntar se não lhe faz muita confusão que uma pessoa diga assim: «Nós estamos a
propor cortes nos salários — bastante significativos, diga-se de passagem! — e eles são transitórios». E
alguém pergunta: «Até quando?». A pessoa responde: «Não sei! Até ver…». Não estou a dizer que tivesse
sido exatamente por estas palavras, mas, na verdade, a história fica bem contada, se for contada assim. Não
lhe faz confusão que uma coisa transitória não tenha limite, isto é, que aquilo que se propõe aos portugueses
— mal, porque também tem efeitos graves na economia do País — seja: «Vamos cortar-vos o salário, mas
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não sabemos até quando», ou seja, isto pode tornar-se definitivo. Se o Sr. Deputado me disser que é por uma
década, é muito diferente do que se for por um ano e mais diferente ainda é se não for por um ano, porque era
um contributo que o Governo estava a dar para a dinamização da economia.
Sr. Deputado, entenda, de uma vez por todas, que esta coisa de dizermos que se corta pelo lado da receita
ou que se corta pelo lado da despesa é uma discussão que não é relevante para os portugueses. Aquilo que
os senhores estão a dizer é: «Vamos cortar-vos do lado da receita, ou seja, vamos aumentar-vos os impostos»
ou, então, «Vamos cortar-vos do lado da despesa, ou seja, vamos cortar-vos salário.» Entende, Sr. Deputado?
As pessoas querem é perceber quais são as consequências concretas das medidas, na sua vida, e aquilo que
as pessoas já perceberam é que vão ficar com muito menos rendimentos, no final do mês. E isto salta,
facilmente, do setor público para o setor privado, Sr. Deputado!
Estamos, pois, a falar de um efeito sobre todo o País e, portanto, sobre toda a capacidade de dinâmica
económica.
Mas, já que o Sr. Deputado disse, na intervenção, que se está pedir mais a quem tem mais — coisa com a
qual discordo completamente —, gostava que me dissesse qual é o peso que a banca, as energéticas, as
petrolíferas, vão ter neste esforço que os senhores estão a pedir e qual é o esforço ou o sacrifício realmente
pedido à generalidade dos portugueses. É um pingo, Sr. Deputado. O grande poder económico e o grande
poder financeiro é quase uma coisa para disfarçar. É um «pingo», ao pé da brutalidade que pedem à
generalidade dos portugueses!
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado Luís Menezes, tem a palavra para responder.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr.ª Presidente, antes de mais, queria agradecer à Deputada Heloísa
Apolónia e ao Deputado Miguel Tiago pelas questões que puseram.
Começo por responder à Deputada Heloísa Apolónia, que me fez uma pergunta muito concreta no sentido
de saber se temos ou não noção de que muitas das medidas que estão presentes neste Orçamento têm efeito
recessivo. Sr.ª Deputada, nós temos perfeita noção das medidas que estão neste Orçamento — e ainda
tivemos uma capacidade, diminuta, de conseguir ir ao fundo dessas mesmas medidas —, mas o facto é só
um: independentemente das medidas concretas ou não, o Orçamento prevê um crescimento para o próximo
ano de 0,8%, não prevê uma queda do PIB.
Protestos do PS.
Prevê um crescimento de 0,8%.
E é fácil perceber por que é que há uma previsão deste crescimento: é que grande parte destas medidas
não são novas, são substitutivas, vêm substituir medidas que, por vicissitudes várias, não puderam estar de
forma definitiva no atual documento de Orçamento do Estado para 2013. Por isso, são medidas substitutivas,
as quais não vão agravar a recessão ou não vão agravar a austeridade da forma como estavam a dizer.
À pergunta do Deputado Miguel Tiago no sentido de saber para quem é que é duro este Orçamento,
respondo-lhe que é duro para toda a gente, Sr. Deputado.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Não, não!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — É duro para toda a gente! É um Orçamento duríssimo para toda a gente!
Claramente, não há nenhuma opção de classe por parte deste Governo ou por parte desta maioria. A única
opção que queremos apresentar ao País é clara: a apresentação de um documento que consiga compaginar o
rigor orçamental, por um lado, e, por outro, a capacidade de sustentarmos os ainda frágeis sinais de
crescimento económico, que são factuais e que temos visto nos últimos meses.
Mais: com este Orçamento, queremos viabilizar a única solução realmente importante para o País, que é
conseguirmos recuperar a nossa soberania financeira e tirar a troica do País definitivamente,…
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Por que razão a chamaram?!
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O Sr. Luís Menezes (PSD): — … para que não volte no futuro, criando a necessária sustentabilidade às
nossas finanças públicas.
Sr. Deputado — e vou terminar, Sr.ª Presidente —, por razões muito diferentes, há uma coisa que nos une:
todos queremos a troica fora daqui!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Por isso é que a chamaram!
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Galamba, do PS.
O Sr. João Galamba (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Menezes, acredita mesmo no que disse
na tribuna?
Vozes do PSD: — Oh!…
O Sr. João Galamba (PS): — O Sr. Deputado falou de realismo. Sr. Deputado, depois de 10 000 milhões
de euros de austeridade — o dobro do que estava previsto em 2012 —, depois de 5000 milhões em 2013,
sabe qual foi a consolidação orçamental, em dois anos, com mais de 15 000 milhões de austeridade? Foi 1,7%
do PIB. Sabe qual foi a consolidação orçamental no ano passado? Foi zero!
Vozes do PS: — Zero!
O Sr. João Galamba (PS): — No dia 1 de janeiro, o défice era de 5,8% e depois de 5300 milhões de
austeridade acabaremos com 5,8%. Não há qualquer consolidação orçamental!
O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Zero!
O Sr. João Galamba (PS): — Portanto, o senhor não pode vir aqui falar de realismo. Insistir numa receita
que já deu provas suficientes de que falhou não é realismo, é exatamente o contrário.
Aplausos do PS.
O Sr. Deputado veio aqui falar-nos como se fosse uma excelente notícia para os portugueses que 80% da
austeridade é apenas em corte da despesa. Diga isso aos funcionários públicos! Diga isso aos pensionistas da
Caixa Geral de Aposentações!
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Diga isso às viúvas, aos viúvos e aos órfãos que vão ver a sua pensão de sobrevivência cortada e diga-
lhes: «Graças a Deus que não temos aumento de impostos»!
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, por alguma razão os impostos devem ser universais e com base na capacidade contributiva
— aliás, é um princípio constitucional tratar todos os cidadãos por igual. A única diferença que é permitida pela
Constituição e, já agora, pela decência é taxar as pessoas de acordo com as suas capacidades. O Estado não
pode espoliar as pessoas quebrando contratos fundamentais. O Estado não pode cortar pensões! Se há
pensões elevadas, vá ao IRS!
Protestos do PSD e do CDS-PP.
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Não pode, Sr. Deputado! Insistir que pode é não perceber o que é uma Constituição, o que é a lei e o que é
o princípio da confiança. Não perceber isso é não perceber nada! É não perceber o que é uma comunidade, é
não perceber o que é o Estado, é não perceber o que é uma Constituição, é não perceber o que é a
democracia, Sr. Deputado!
Aplausos do PS.
O Sr. Deputado garante-nos também que vamos crescer. Não, Sr. Deputado, nós não vamos crescer, o
vosso Orçamento é que diz que vamos crescer, o que não é a mesma coisa. Porque quando os senhores nos
garantem que vamos crescer a única certeza que temos é que estão enganados, como se enganaram no ano
passado, como se enganaram há dois anos e como não pararão de ser enganar enquanto não perceberem
que isto não funciona.
Sr. Deputado, este não é o Orçamento da libertação, é o Orçamento da servidão, da mentira e da
dissimulação. O senhor não vai libertar ninguém com este Orçamento. O senhor não libertará ninguém
condenando o País à pobreza; é uma impossibilidade, Sr. Deputado!
Aplausos do PS.
Os sacrifícios podem valer a pena — admito que sim — se tiverem algum resultado. A experiência dos
últimos dois anos já demonstrou que estes sacrifícios não servem para nada, Sr. Deputado. Realismo é
perceber isto!
O líder parlamentar da sua bancada disse ontem que esperava que o Tribunal Constitucional cooperasse
neste esforço do País. O dever do Tribunal Constitucional é garantir a legalidade, é para isso que ele existe,
não para ser colaboracionista da política defendida pelo seu Governo. Se não percebe isto não percebe o que
é o Tribunal Constitucional.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Galamba (PS): — Portanto, Sr. Deputado Luís Menezes, com este Orçamento há cortes nos
salários, cortes nas pensões, aumento do desemprego, e vai reduzir em mais de 200 milhões de euros o IRC
da Galp, da EDP, da REN. Para quê? Para nada! Este Orçamento é uma indecência, Sr. Deputado! É uma
decência que merece um repúdio. Vai merecer o repúdio da oposição e mereceria, certamente, o repúdio das
bancadas do PSD e do CDS.
Aplausos do PS.
Este Orçamento não pode passar, Sr. Deputado! Não vai libertar ninguém — perceba isto quanto mais
rápido melhor!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do
Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Menezes, o PSD veio aqui
apresentar um Orçamento do Estado com medidas transitórias focadas na despesa. Relembro que este
Orçamento não parte do zero. Apesar de a proposta apresentada pelo Bloco de Esquerda ter sido aprovada
mas nunca implementada, este não é um Orçamento que parte do zero.
O Sr. Deputado está a dizer que ao aumento dos impostos, que também era transitório no ano passado e
que se mantém este ano, vão juntar-se reduções da despesa, através de reduções de salários e de pensões,
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que são transitórias e se mantêm no próximo ano. Portanto, a um grande aumento de receitas vai juntar-se um
brutal corte de salário e de pensões.
Focando-me naquilo que disse, o Sr. Deputado juntou na mesma intervenção, na mesma frase até, as
palavras «evidência», «rigor», «défice» e «desemprego».
Reorganizando as palavras que usou, é com rigor, e com base fatual, que lhe digo que o seu Governo
nunca cumpriu uma meta do défice; é com todo o rigor que lhe digo isto. E é também uma evidência que o
desemprego, ao contrário do que aqui apresentou, não vai diminuir, como vem referido, aliás, no relatório que
acompanha o Orçamento do Estado. Não vamos assistir a nenhuma diminuição do desemprego, isto partindo
do princípio de que as previsões do Orçamento do Estado se manterão até ao final do ano, o que seria inédito,
com base no passado recente e naquilo que temos visto.
Sr. Deputado, gostaria de lhe fazer uma pergunta muito clara: quando o Vice-Primeiro-Ministro Paulo
Portas veio à comunicação social apresentar o Orçamento do Estado como um Orçamento de pequenos e
médios cortes não terá querido dizer que pretendia cortar os pequenos e médios salários?
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Menezes.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua e Sr. Deputado João
Galamba, muito obrigado pelas questões que me colocaram.
Sr. Deputado João Galamba, ouviu-o com toda a atenção e não vou ter, na minha resposta, a sobranceria
que o senhor teve para comigo e para com os Deputados desta bancada. Porque não recebo lições, nem suas
nem de ninguém; nem esta bancada recebe lições, nem suas nem de ninguém!
Aplausos do PSD.
Não é o senhor que vai dar lições a esta bancada sobre qual é a função do Tribunal Constitucional!
Protestos do PS.
Lembro-me bem que o senhor e outros Deputados da sua bancada foram os grandes ideólogos que
estiveram por detrás do Governo socialista entre 2009 e 2011. Para si, corte da despesa no PEC 4 — tem a
memória curta — era reduzir as pensões acima de 1350 €. Mas já não se lembra, pois não, Sr. Deputado?
Tenha vergonha!
Protestos da Deputada do PS Isabel Alves Moreira.
Já não se lembra? Devia ter vergonha dessa sua falta de memória! Tal como devia ter vergonha da sua
falta de memória de terem congelado as pensões mais baixas, de 189 €, de 211 € e de 220 €. Os senhores
têm a memória muito curta!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Mas o facto é que os Srs. Deputados do Partido Socialista, uma ala mais radical dentro do partido, foram os
grandes ideólogos também do ataque ao Orçamento do Estado para 2013, dizendo que era um Orçamento do
Estado que ia pôr o País numa gravíssima espiral recessiva. E parecem completamente cegos, surdos e
mudos face aos sinais positivos que a economia tem mostrado.
Ó Sr. Deputado, a economia cresceu no 2.º trimestre deste ano, as exportações cresceram todos os meses
e, no 3.º trimestre deste ano, há novamente sinais de que a economia vai crescer. No ano passado, o Sr.
Deputado estava nessa bancada a dizer as mesmas coisas que agora diz sobre o Orçamento do Estado para
2014.
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Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Luís Menezes (PSD): — A única coisa que lhe digo, Sr. Deputado, é que o senhor devia ter a
capacidade de admitir que errou e que o País e as empresas venceram os arautos da desgraça do Partido
Socialista no ano passado.
Para terminar, Sr.ª Presidente, quero dizer que o Sr. Deputado João Galamba veio falar em falta de
decência, veio aqui lançar um conjunto de adjetivos a este Orçamento, mas, como sempre, o Partido Socialista
não apresentou uma única opção.
A realidade é que, ao atacar todas estas medidas que diz serem inqualificáveis mas que no passado
implementou, o que o Partido Socialista está a pedir é apenas uma coisa: um enorme aumento de impostos
para os portugueses, porque seria a única forma de manter a consolidação orçamental e de cumprirmos as
metas orçamentais a que os senhores dizem estar vinculados.
Por isso, Sr. Deputado João Galamba, só tenho pena que não tenhamos todos, a começar pela bancada
do Partido Socialista, a capacidade de debatermos com serenidade um instrumento que vai ser fundamental
para recuperarmos a nossa soberania financeira.
Protestos da Deputada do PS Isabel Alves Moreira.
O senhor fala do facto de termos a troica em Portugal como se fosse uma coisa sem importância. Sabemos
bem que foram os senhores que a chamaram, mas nós queremos tirá-la daqui!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Passamos à próxima declaração política, que caberá ao PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Jesus Marques.
O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Este Orçamento do Estado
nasce ferido de morte, porque ferida de morte está a credibilidade da política orçamental deste Governo.
Prometeram consolidação orçamental, prometeram menos défice e menos dívida mas, ao contrário do
prometido, quais são os resultados que têm para apresentar? Mais de 5000 milhões de euros de sacrifícios
perdidos para a recessão! Toda a austeridade de 2013 e todo o enorme aumento de impostos deitados para o
caixote do lixo. A depressão provocada pelo choque de expetativas e pelo corte de rendimentos anulou, para
efeitos orçamentais, todo o resultado dos sacrifícios que o Governo pediu aos portugueses.
O défice com que iniciaram o ano de 2013 é, assim, nas contas do próprio Governo, exatamente o mesmo
que transitará para 2014.
Aplausos do PS.
Um fortíssimo e repetido desvio de todas as promessas do Governo na frente orçamental — 5000 milhões
de euros de austeridade, de aumento de impostos, perdidos para a recessão; uma dívida pública que não para
de subir, com um desvio de 5000 milhões de euros; e mais 54 000 desempregados do que nos prometiam há
um ano no Orçamento do Estado. Prometeram consolidação mas, afinal, tivemos dor e desilusão!
Aplausos do PS.
Mas também ao contrário do que repetiam, aí está, no Orçamento do Estado para 2014, um novo e enorme
pacote de austeridade — quase 4000 milhões de euros de novas medidas de austeridade, ao contrário do que
foram repetindo aos portugueses. São sempre estes 4000 milhões de euros que nos perseguem, os que o
Governo propôs à troica inscrever no Memorando na longínqua quinta avaliação. Lembram-se, Sr.as
e Srs.
Deputados?
E qual a via que escolheram para implementar esta austeridade? Os cortes de rendimentos de funcionários
públicos e de pensionistas, o que, como se sabe, para as famílias é mais ou menos o mesmo que aumentar
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impostos. Para a vida das pessoas, cortar retroativamente os rendimentos é o mesmo que aumentar impostos.
Portanto, ao enorme aumento de impostos de 2013 acrescentam, sob outra forma, outro enorme aumento de
impostos, agora impostos de classe em 2014.
Aplausos do PS.
Nem a demagogia do Governo que ia fazendo o seu caminho nos últimos dias, de que medidas anunciadas
à troica em maio não são medidas novas nos bolsos dos portugueses, encontra respaldo nesta proposta de
Orçamento.
Ao contrário do que disseram repetidamente aos portugueses, aí está um impressionante alargamento dos
cortes de vencimentos aos funcionários públicos. Não há novas medidas de austeridade?!
Perguntem às centenas de milhares de funcionários públicos com salários mais baixos se a sua expetativa
era verem agora cortado o seu salário, se foi isso que o Governo lhes andou a dizer.
Aplausos do PS.
Perguntem às dezenas e dezenas de milhares de funcionários públicos a quem vão mais do que duplicar o
corte de vencimentos se estavam à espera deste corte.
Perguntem às dezenas de milhares de pensionistas de sobrevivência se esperavam um corte nas suas
pensões, para as quais descontaram uma vida inteira os seus falecidos cônjuges.
Perguntem aos pensionistas da Caixa Geral de Aposentações se esperavam a diminuição das suas
pensões quando ouviram Passos Coelho dizer, em 2011, que cortar o valor das pensões já atribuídas seria o
Estado a apropriar-se de algo que não lhe pertence.
Perguntem a todos estes pensionistas se estão chocados — se estão chocados com o facto de a palavra
do Primeiro-Ministro não ter nenhum valor; se estão chocados por a «linha vermelha» de Paulo Portas se ter,
afinal, transformado apenas numa enorme burla grisalha.
Aplausos do PS.
Ou se os choca mais, afinal, o corte retroativo das suas pensões, ao fim de uma vida de trabalho e de
descontos, cuidando que o Estado de direito lá estaria para os proteger. Não podem estes, com 70 ou mais
anos, ir à procura de trabalho para compensar os rendimentos que o Governo agora lhes quer tirar.
Choque de expetativas? É um choque de expetativas, mas é mais: é um País a chocar com a parede!
Qual é, em suma, a credibilidade da política orçamental de um Governo que faz repetidamente o contrário
do que prometeu e que falha repetidamente todos os seus resultados? Que perde toda a austeridade para a
recessão e que, de seguida, não retira nenhuma ilação, continuando no mesmo caminho?
Aplausos do PS.
Alguém pode acreditar nos objetivos deste Orçamento? Como pode o Governo achar que o aumento do
desemprego e o profundo corte de salários e pensões vão benignamente garantir uma estabilização do
consumo privado?
Como pode o Governo considerar que o investimento vai voltar a crescer se os empresários, quando
inquiridos, sempre referem que não investem porque não há procura para os seus produtos? Mas alguém
pode investir quando as classes médias e os pensionistas continuam esmagados pelo aumento de impostos e
vão ter ainda mais cortes de rendimentos em 2014?
Não! A única saída desta situação é parar com a adoção de novas medidas de austeridade recessiva.
Aplausos do PS.
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Sim, parar com novas medidas de austeridade recessiva! Dito de forma clara, se uma terapia de choque
provoca tantos efeitos secundários que o paciente está a morrer da cura, a solução é dar ainda mais uma dose
ou mudar a terapia?
E não se desculpem sequer com a troica. Se o Governo propôs à troica a inclusão, no Memorando, dos
4000 milhões de euros de austeridade para 2014, se, como ficou bem evidente na reunião da comissão de
acompanhamento do Memorando neste Parlamento, o Governo nem sequer se entendia quanto ao objetivo
para 2014 no início da última avaliação, como queriam que a troica aceitasse alguma alteração de trajetória?
Não! O que se exigia do Governo nesta situação tão difícil era clareza, coesão e liderança para mobilizar os
portugueses e para convencer os credores de que outra estratégia era possível. Mas este é um capital de que
já não dispõe o Governo de Portugal.
Este Governo não é claro, é dissimulado, piorou, aliás, na última formação governativa, com os
«rodriguinhos» do Vice-Primeiro-Ministro e os problemas com a verdade da nova Ministra das Finanças.
Aplausos do PS.
A coesão, essa, degradou-se dentro do Governo no episódio da TSU há um ano e perdeu-se em definitivo
na crise política deste Verão.
Liderança este Governo nunca teve — nem um líder dentro do Governo, nem capacidade de liderar e
mobilizar o País.
É, assim, imperiosa outra estratégia orçamental.
Mas, para tanto, seria necessária outra capacidade de mobilizar o País e até outros parceiros europeus
para lutar na Europa pela mudança de políticas. Mas, para isso, o País teria de acreditar no Governo, para
isso, as políticas do Governo teriam de estar do lado do País. Já nada disso se verifica, e essa é a tragédia
deste Orçamento.
Este Orçamento é, assim, o rosto deste Governo: pouco credível e muito deprimido. Afunda o Governo num
mar de contradição, mas, pior ainda, afunda ainda mais o País na recessão.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se o Sr. Deputado Jorge Machado, do PCP,
e a Sr.ª Deputada Cecília Honório, do Bloco de Esquerda, aos quais o Sr. Deputado Pedro Jesus Marques
responderá em conjunto.
Tem a palavra, Sr. Deputado Jorge Machado.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Marques, para o PCP nunca foi tão
claro o que este Orçamento representa e o que o Governo está a fazer com ele: tira a quem trabalha, aos
reformados, para entregar de mão-beijada aos grandes grupos económicos, à banca e às PPP.
A medida simbólica da diminuição da taxa de IRC para os grandes grupos económicos é, claramente, um
exemplo de uma espécie de um RobinWood travestido que, em vez de roubar aos ricos para dar aos pobres,
rouba aos pobres para dar aos ricos.
Essa é, claramente, a opção deste Orçamento do Estado e um dos principais visados, como fez alusão na
sua declaração política, são os reformados do nosso País, com cortes nas reformas a partir dos 600 €; com
cortes nas pensões de sobrevivência da Caixa Geral de Aposentações, não acima dos 2000 € mas, sim, a
partir dos 419 €; com um corte de 10% que foi olimpicamente ignorado, omitido, pelo Ministro Paulo Portas;
com aumento da idade da reforma; com aumento do custo de vida; com cortes colossais aos reformados por
via dos impostos; com contribuição extraordinária de solidariedade; com congelamento das pensões.
Bom, é um conjunto vasto de medidas que vão empobrecer de uma forma dramática aquele que é um
extrato já muito vulnerável da nossa sociedade, que são os reformados portugueses. Nessa medida, este
Orçamento do Estado é inaceitável.
Relativamente ao Partido Socialista, pergunto se são estas opções políticas, se é este Orçamento do
Estado, se o ponto a que chegámos, resulta ou não do pacto assinado pelo PS, pelo PSD e pelo CDS-PP.
Para nós, é claro que o estado a que chegámos resulta deste mesmo pacto.
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A pergunta que se coloca ao Partido Socialista é a de saber qual é a perspetiva, qual é o caminho para a
dita mudança das opções políticas. Com o pacto ou sem o pacto, como se perspetiva esta mudança? Entende
ou não o Partido Socialista que a primeira condição para uma rutura com este caminho de desgraça e de
afundamento nacional passa, precisamente, pela rutura do pacto de agressão assinado pelo PS, pelo PSD e
pelo CDS-PP?
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso é fundamental!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Para nós, essa é uma questão central, é absolutamente claro que
qualquer mudança política passa pela rutura deste pacto de agressão, na medida em que ele condena o nosso
País ao desastre que está em cima da mesa.
Para o PCP, é claro que o povo, se tivesse oportunidade de se pronunciar em eleições, já há muito teria
corrido com este Governo.
Portanto, no futuro, quais as opções políticas que se apresentam? Com ou sem pacto, como é que nos
colocamos?
Para o PCP, é claro que é preciso bater o pé, é preciso dizer «basta» a este caminho que afunda e destrói
o nosso País, é preciso romper com este pacto de agressão para construir, efetivamente, uma alternativa
política.
A pergunta que queria deixar ao Partido Socialista é se entende ou não que este caminho deve ser feito.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente. — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório, pelo
Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Marques, quero cumprimentá-lo pela
sua declaração política e dizer-lhe que está certo. Depois do saque fiscal do ano passado, é agora um ataque
sem precedentes aos salários da função pública e às pensões.
Sobre este ataque, o Governo diz que está a tratar das «gorduras» e a cortar na despesa. Veja-se o
cinismo sinistro com que o Governo trata os direitos fundamentais dos trabalhadores e dos pensionistas: diz
que são «gorduras». E, Sr. Deputado, tem razão, esta receita de veneno não funciona.
Quero perguntar ao Partido Socialista se, com esta constatação, não é meio caminho para aceitar que a
chantagem da dívida não é mais suportável, que esta dívida não é sustentável e que, para além da questão da
renegociação dos prazos, dever-se-ia ir muitíssimo mais fundo: rever os juros e rever montantes. Está,
objetivamente, o Partido Socialista disponível para afirmar, perante os portugueses, que esta dívida não é
sustentável, que é preciso reestruturá-la, que é preciso rever os montantes e rever os juros.
Sr. Deputado, ainda no reconhecimento de que austeridade só gera mais austeridade e mais austeridade,
quero perguntar-lhe se me acompanha nesta evidência crescente de que Portugal poderá estar à beira de um
segundo resgate ou de um programa cautelar para o qual, eventualmente, irá de joelhos. Perante esta
contingência, qual é a vossa posição perante este cenário cada dia mais plausível? Aceita o Partido Socialista
este destino, esta fatalidade? Acha o Partido Socialista que este Governo tem legitimidade para este cenário?
Ou acha que não e que não há outra alternativa senão devolver a voz ao povo, porque este Governo não tem
mais legitimidade para continuar com esta política de destruição da economia e de destruição da vida das
pessoas?
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Jesus Marques.
O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge
Machado e Sr.ª Deputada Cecília Honório, obrigado pelas vossas questões.
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Para responder às perguntas que me colocaram, em vez de passar o tempo a olhar para o passado e a
passar culpas, como o Sr. Deputado Jorge Machado aqui fez, julgo que é, certamente, mais útil para os
portugueses olhar para a política orçamental, porque é disso que estamos a referir quando falamos num
Orçamento do Estado. Podia passar aqui o tempo a dissertar sobre o chumbo do PEC 4, quem é que o
chumbou, quem é que trouxe a troica para cá, mas não vou fazê-lo, não vou fazê-lo.
Falemos de política orçamental, porque estamos a discutir o presente e o futuro com o Orçamento do
Estado para 2014. Ora bem, para isso discutamos política orçamental. E isso é discutir o quê? As
consequências recessivas das políticas agora adotadas, as quais ocorreram em 2012 e em 2013, as
consequências sobre a dívida pública e as consequências sobre a sustentabilidade das finanças públicas.
Evitar o segundo resgate — o objetivo que, julgo, nos norteia a todos — só se consegue com
sustentabilidade económica e sustentabilidade das finanças públicas. Ora, para que tal suceda não pode
acontecer como em 2012, em que, apesar de duplicarem a austeridade do Memorando que o Sr. Deputado
gosta sempre de lembrar, a dívida pública teve o maior crescimento de sempre, não pode acontecer como em
2013, em que, apesar de duplicarem a austeridade do Memorando, os 5000 milhões de euros de austeridade
foram perdidos para a recessão. Isto é tudo o que não pode acontecer se queremos regressar à
sustentabilidade das finanças públicas e ao financiamento de modo autónomo. Mas esta direita não assume
que é verdade — e valia a pena que houvesse aqui uma palavra de verdade por parte da direita sobre essa
matéria — e não reconhece que perdemos os 5000 milhões de euros de austeridade de 2013 para a recessão.
Era o primeiro ponto para tentarem mudar de política. Mas nem sequer reconhecem a destruição dos esforços
dos portugueses para a recessão provocada pelas políticas de austeridade. Se o reconhecessem, talvez
estivessem disponíveis para recomeçar a lutar na Europa por uma mudança de política orçamental, porque,
obviamente, a mudança tem de ser feita cá, mas também na Europa, onde temos de lutar por melhores
trajetórias para o reembolso da dívida, precisamos de melhores trajetórias para os juros da dívida pública,
temos de lutar, na Europa, por uma alteração desta política de austeridade que não está só em Portugal.
Porém, era preciso que a direita reconhecesse que falhou, porque durante dois anos o Memorando da
troica foi um álibi, talvez por falta de programa. Primeiro, o Memorando da troica era o Programa do Governo
e, depois, queriam ir além da troica. Agora, quando, afinal, implementaram o Memorando em dobro, deu o
resultado que deu: tudo perdido para a recessão e apenas aumento da dívida pública. A direita está sem
programa. Vai daí, o que faz? Carregam no acelerador em direção ao precipício: mais 4000 milhões de euros
de austeridade. É um erro, do ponto de vista da política orçamental!
Olhem para o que aconteceu no ano que está a terminar. É esse o desafio que fica: discutamos uma
mudança de política orçamental, porque se o País se mobilizasse em torno dessa discussão, em torno dessa
mudança de política, podíamos liderar, podíamos procurar parceiros na Europa para essa mudança.
Se continuarem a acreditar que é com 4000 milhões de austeridade que resolvemos algum problema,
apenas tiram rendimentos aos pensionistas, provocam mais pobreza e mais desigualdades e não resolvem
nenhum problema de sustentabilidade das finanças públicas.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, para proferir a declaração política do CDS-PP, tem a palavra o Sr.
Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Entrou ontem, neste
Parlamento, o terceiro Orçamento da era da troica e esperamos que seja também o último Orçamento dessa
era, que todos, penso eu, consideramos indesejável.
É, sem dúvida, um Orçamento difícil, com medidas gravosas. E se há lição que tiramos desta era da troica
e destes Orçamentos é a de que fazer Orçamentos na dependência externa e com esta falta de autonomia,
não é só mais difícil como é altamente penalizador para o País, seja quem for que tiver a responsabilidade de
elaborar essas propostas.
Os portugueses perguntam, e com razão, por que não batemos o pé, por que não dizemos que não
queremos essas medidas, por que não fazemos como a Espanha ou como a Irlanda, que rejeitaram, há pouco
tempo, medidas que a Europa lhes queria impor.
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Têm todo o direito de fazer a pergunta e merecem uma resposta: nós não podemos fazer isso porque
estamos condicionados por um programa de assistência que a Espanha não tem e que a Irlanda está quase a
acabar. Nós não podemos fazer isso, porque estamos a pagar a fatura de uma governação irresponsável que
nos tirou a autonomia para podermos fazer essas escolhas e para podermos bater o pé. É por isso que não
podemos bater o pé.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Perguntam os portugueses, também com razão, se não poderíamos fazer uma consolidação que fosse
mais espaçada, para que não fosse tão dolorosa. Podíamos e queríamos! Foi por isso que nos batemos junto
dos nossos credores, foi essa a posição que o Governo português defendeu, dizendo que devíamos ter uma
meta do défice menos exigente para conseguirmos fazer um esforço mais consequente. Mas essa
dependência a que nos condenou o Governo do Partido Socialista impediu que tivéssemos sucesso nessa
nossa pretensão.
É por isso que somos agora confrontados com um Orçamento que, apesar de tudo, tem medidas que
equilibram a distribuição do esforço.
A saber: o aumento da contribuição da banca — e podem os Srs. Deputados do Partido Socialista dizer o
que quiserem que o aumento da contribuição da banca não é mais do que o aumento de uma taxa introduzida
pelo Partido Socialista, que continuou baixa no tempo da sua governação e que agora sobe; tributação do
setor energético e redução das rendas, ou seja, menos rendas para o setor energético do que as que existiam
no tempo do Partido Socialista; diminuição das indemnizações compensatórias para as empresas públicas, ou
seja, menos dinheiro para essas empresas do que aquele que existia no tempo do Partido Socialista; redução
das isenções para os fundos de investimento imobiliário, ou seja, acabar com benefícios fiscais para esses
fundos, benefícios que existiam no tempo do Partido Socialista; suspensão da esmagadora maioria das
subvenções vitalícias para ex-titulares de cargos políticos, ou seja, terminar com privilégios que existiam no
tempo do Partido Socialista.
Tem também este Orçamento medidas positivas: a redução do IRC, ou seja, mais capacidade para atrair
investimento do que a existente no tempo do Partido Socialista; atualização das pensões mínimas, sociais e
rurais, ou seja, atualização de pensões para os que têm pensões mais baixas, pensionistas, esses, que
tiveram as suas pensões congeladas no tempo do Partido Socialista; libertação dos fundos necessários para o
investimento na agricultura, setor que tem sido responsável por parte do nosso crescimento económico e pela
nossa recuperação de emprego, ou seja, uma aposta na agricultura, setor essencial da nossa economia, que
não existia no tempo do Partido Socialista; prémios para a Administração Pública, é verdade: numa altura tão
difícil, em que são cortados vencimentos na Administração Pública, volta um sistema de reconhecimento de
mérito, reconhecimento de mérito, esse, que também tinha sido congelado no tempo da governação do Partido
Socialista.
É preciso que analisemos as coisas como elas são e que, quando chegamos às medidas mais gravosas
(que existem neste Orçamento do Estado, temos de reconhecê-lo), sejamos transparentes. Há uma redução
de vencimentos na Administração Pública, é verdade. Há uma redução gravosa no rendimento de pensões,
também é verdade.
Mas convém explicar e dizer o que são as medidas. Na função pública, em 2011, ainda com o Partido
Socialista no Governo e sem programa de assistência, o corte na Administração Pública era de 10%, ou seja,
o Partido Socialista, sem Memorando de Entendimento, cortava 10% aos funcionários públicos. Em 2012, já
com programa de assistência, o corte era dos mesmos 10% mais os dois subsídios, ou seja, mais 14%. Em
2013, o corte era de 10% mais um subsídio, isto é, mais 7%, fruto da decisão do Tribunal Constitucional. E
este ano é de 12%, ou seja, este é o menor corte na Administração Pública, porque estas medidas não são
cumulativas desde que o programa de assistência está em vigor, em Portugal.
Há o corte, o corte é gravoso, e não nos esquecemos que incide sobre vencimentos a partir dos 600 €,
temos essa consciência. Mas não admitimos aquilo que tem sido a especulação feita nos últimos tempos.
Aplausos do CDS-PP.
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É que essa especulação vem dos partidos da oposição com a maior das irresponsabilidades.
Diz o Bloco de Esquerda que não há crescimento com austeridade. Então, o que dizer do 2.º trimestre
deste ano, em que Portugal cresceu acima de 1%, e deste último trimestre, em que Portugal cresceu acima de
0,5%?
O PCP diz que não há corte na maior das despesas do Estado, que são os juros. Pois fiquem os Srs.
Deputados e as pessoas a saber o seguinte: os juros contam, em 2013, 8,8% e, em 2014, 9,3% da despesa;
os salários contam, em 2013, 21,6% e, em 2014, 20% da despesa; as pensões contam, em 2013, 47,3% e, em
2014, 48,7% da despesa.
Nós também defendemos redução dos juros e este Governo reduziu os juros em relação àqueles que
tinham sido negociados pelo Partido Socialista. Mas dizer que é possível reduzir a despesa e fazer
consolidação orçamental numa parte da despesa que são menos de 10% contra outra que são quase 70%, é
demagogia e é mentir aos portugueses, é enganar os portugueses, dizendo que é possível fazer uma coisa
que, na prática, não é.
Aplausos do CDS-PP.
Mas mais irresponsável foi o comportamento do Partido Socialista nos últimos tempos. O Partido Socialista
fez o discurso mais demagógico sobre as pensões de sobrevivência, alarmando os portugueses, dizendo que
os cortes se aplicavam a órfãos, dizendo que se aplicavam aos rendimentos mais baixos, dizendo que
tecnicamente a medida era inconcebível porque aplicava uma condição de recursos a pensões contributivas.
Vou ler um documento oficial, intitulado Revisão do regime da pensão de sobrevivência, que diz o seguinte:
«A pensão de sobrevivência foi inicialmente configurada tendo em conta um contexto social em que apenas
um dos cônjuges contribuía economicamente para a economia familiar. Hoje em dia, o paradigma da
microestrutura económica familiar inverteu-se, sendo raras as situações em que apenas um dos cônjuges
exerce atividade profissional remunerada. Com efeito, Portugal é um dos países da União Europeia onde se
verifica a maior taxa de participação feminina no mercado de trabalho. Assim, propõe o Governo as seguintes
alterações ao regime jurídico das prestações por morte: introdução do princípio da diferenciação positiva e
condição de recursos…» — refiro bem, condição de recursos — «… das prestações a atribuir a cônjuges
sobrevivos».
O Sr. António Gameiro (PS): — Para o futuro!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Naturalmente que este deveria ser um texto da autoria deste
Governo. Acontece que não é, Srs. Deputados. Este texto constava das Medidas de reforma da segurança
social, era oriundo do Ministério do Trabalho e Segurança Social, e datava de junho de 2006, ou seja, se é
uma irresponsabilidade técnica introduzir condição de recursos numa pensão contributiva, então, os
governantes do Partido Socialista eram irresponsáveis do ponto de vista técnico e propunham uma coisa que
era inconcebível.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. António Gameiro (PS): — Era para o futuro!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Se, do ponto de vista social, não é aceitável que se cortem
pensões de sobrevivência, então, o Partido Socialista, em 2006, sem plano de assistência, sem a situação de
crise internacional, e antes ainda da crise internacional, era muito mais irresponsável, porque propunha isto.
O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Para o futuro!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Mas a irresponsabilidade maior, Srs. Deputados, é fazer
debate político sem seriedade. A irresponsabilidade maior é ter, no passado, sem programa de assistência,
proposto na concertação social o corte nas pensões de sobrevivência e a aplicação da condição de recursos
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às pensões de sobrevivência e, agora, vir dizer que isso é a maior vergonha. A irresponsabilidade maior é,
numa altura de dificuldades, numa altura em que precisamos de medidas de exceção, os senhores
esconderem o vosso passado e acusarem os outros daquilo que, no fundo, os senhores fizeram e daquilo que
os senhores assumiram.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Partimos para uma discussão do Orçamento que se pretende séria. E a discussão do Orçamento só é séria
se quem, no passado, teve determinada posição, for capaz de a assumir hoje — nem que seja assumindo que
estava errado, mas tendo a frontalidade de não esconder a verdade.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Onde é que está, agora, a «burla grisalha»?!
A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Mariana Aiveca, do
BE, e Paulo Sá, do PCP.
O Sr. Deputado informou a Mesa que responderá separadamente a cada Sr. Deputado.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Almeida, respire fundo, porque, de
facto, duas horas depois de começarmos a discutir o Orçamento do Estado, o Sr. Deputado faz uma
intervenção de 8 minutos de autêntico delírio. Sr. Deputado, pés no chão! Assembleia da República, ano de
2013, o Orçamento da maior recessão!
E, Sr. Deputado, pareceu-me também que daquela tribuna falava a oposição ao CDS de há dois anos. A
sua intervenção inflamada só podia ser uma intervenção de oposição ao partido que defendia os pensionistas.
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — É ilusionismo!
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Mas bem percebemos como lida muito mal com as intervenções não só do
Vice-Primeiro-Ministro como até do próprio Primeiro-Ministro. O Vice-Primeiro-Ministro dizia-nos que as
medidas incidiam sobre pequenas e médias poupanças. Ó Sr. Deputado, 4000 milhões de euros de cortes,
cortes em salários a partir dos 600 € e, depois, o senhor vem falar-nos em reconhecimento do mérito dos
trabalhadores e trabalhadoras da Administração Pública?! Então, o prémio do reconhecimento do mérito é
cortar salários a partir de 600 €?!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É uma vergonha!
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Deputado, ficamos sem perceber exatamente o teor da sua intervenção,
que é absolutamente delirante.
Depois, também não sei se com essa intervenção responde ao Sr. Primeiro-Ministro, falando no célebre
«choque de expectativas». É que este Orçamento do Estado é um choque brutal sobre os rendimentos do
trabalho e ninguém escapa aqui: não há pensionista que escape, não há trabalhador que escape.
Os senhores têm feito o maior abalroamento daquilo que são os direitos e os rendimentos do trabalho,
como aqui já ficou demonstrado, até em intervenções anteriores por parte da bancada do Bloco de Esquerda,
porque, de facto, este Orçamento do Estado corta a direito.
Por isso, Sr. Deputado, volto a dizer-lhe: pés no chão! Assembleia da República, 2013, Orçamento
miserável para este País, Orçamento recessivo, Orçamento que vai levar as pessoas à miséria e ao
empobrecimento.
«Caia na real», é o que lhe aconselho, porque, de facto, isto é o CDS no seu melhor.
Aplausos do BE.
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A Sr.ª Presidente: — Em cima da linha, inscreveu-se também, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada
Hortense Martins, do que já informei a bancada do CDS.
Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, quanto a «pés
no chão, Assembleia da República, 2013», estamos de acordo, completamente de acordo. E quanto a haver
dificuldades e medidas gravosas, também estamos de acordo, não preciso que seja a Sr.ª Deputada a dizê-lo.
Disse-o na minha intervenção e assumo-o! Eu disse que havia cortes muito substanciais em vencimentos na
função pública e disse que havia cortes muito substanciais nas pensões. Como disse, no ano passado, que o
aumento de impostos era muito significativo. Portanto, não precisa de me dizer nada disso, porque eu assumo
claramente aquelas que são as opções pelas quais me bato.
Mas também assumo as consequências, Sr.ª Deputada. E o que a Sr.ª Deputada disse, a seguir, é mentira.
A maior recessão já é delírio da Sr.ª Deputada, já não é «Assembleia da República, 2013, pés no chão»; já é
Bloco de Esquerda na estratosfera, já é completamente Bloco de Esquerda na estratosfera!
Protestos da Deputada do BE Mariana Aiveca.
É que, no 2.º trimestre deste ano, o crescimento foi acima de 1% e, no 3.º trimestre deste ano, o
crescimento foi acima de 0,5%. E para o próximo ano, o crescimento será próximo de 1 ponto percentual.
Os senhores podem querer «atirar areia para os olhos» explicando às pessoas que o seu esforço não
conta para nada, não vale nada, mas, Sr.ª Deputada, nós bater-nos-emos até ao fim para que valha e para
que valha, em junho do próximo ano, a saída deste Memorando, com a garantia de que valeu de alguma
coisa. Nós não desistimos disso. Os senhores já desistiram e estão apenas concentrados em «atirar areia para
os olhos» das pessoas, dizendo: não façam, não vale a pena, revoltem-se, desistam do vosso País, desistam
do vosso projeto, desistam da vossa família, vão para a rua e contestem!
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Essa agora!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — As pessoas precisam de muito mais do que isso, Sr.ª
Deputada. Um partido político é muito mais do que isso.
Protestos do BE.
Um partido político é assumir responsabilidade. Quem é que assume o facto de o País estar na
bancarrota? São os senhores?
O Sr. António Gameiro (PS): — Vocês é que quiseram!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — O Partido Socialista deixou este País com um Memorando de
assistência, condicionado nas suas opções orçamentais, e eram os senhores que iam governar?! Alguém vos
reconhece essa autoridade? Alguém reconhece que o Bloco de Esquerda era capaz de agarrar no País neste
momento e ter uma solução que fosse consequente? Ninguém acredita nisso, e viu-se nas eleições.
E, como já é a segunda vez que fala sobre a questão da conferência de imprensa, vou dizer-lhe que a
mesma não foi de apresentação do Orçamento do Estado, foi de conclusão das oitava e nona avaliações. E o
que se disse foi que, em relação às oitava e nona avaliações, não havia qualquer nova medida para além de
todas aquelas que foram aprovadas na sétima avaliação. Qual é o espanto? Qual é o espanto? Na sétima
avaliação, não estava aprovado o corte nos salários? Não estava aprovado o corte nas pensões? É alguma
novidade?
Admito que as pessoas lá fora não saibam, e não deixam de ser respeitáveis por isso. Agora, os senhores,
que sabem, são desonestos intelectualmente, ao mentirem sobre esta matéria.
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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É o costume!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É que, Srs. Deputados, há alterações que foram feitas? Há
pequenas e médias poupanças? Há! Há maior tributação para a banca — pagam mais os bancos. Há redução
das rendas do setor energético — pagam mais as empresas do setor energético. Há uma taxa para as
empresas de telecomunicações — pagam mais as empresas de telecomunicações.
Portanto, há pequenas e médias poupanças? Há, Sr.ª Deputada! E essas pequenas e médias poupanças
advêm de quem mais pode contribuir para esse esforço.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta é do Sr. Deputado Paulo Sá, do PCP.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Almeida, como sabe, o Orçamento do
Estado, apresentado pelo Governo, estabelece como meta para 2014 um défice orçamental no valor de 4%. E
para atingir este objetivo, o Governo avança com um pacote de austeridade reforçado relativamente ao pacote
de austeridade que está em vigor este ano.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — E este ano, de acordo com o Orçamento retificativo, o valor atingido do défice
será de 5,9%, apenas umas décimas inferior ao défice do ano passado, apesar de toda a austeridade que está
a ser imposta aos portugueses.
Mas, Sr. Deputado João Almeida, a redução do défice orçamental, um elemento central no pacto de
agressão da troica, subscrito pelo PS, pelo PSD e pelo CDS, é apenas um pretexto. Um pretexto que o
Governo, o CDS e o PSD usam para concretizar uma velha aspiração da política de direita: a reconfiguração
do Estado, destruindo as funções sociais do Estado, atacando os direitos laborais e sociais e espoliando os
trabalhadores e os pensionistas dos seus rendimentos, ao mesmo tempo que se garante à banca e aos
grandes grupos económicos os mesmos benefícios e privilégios.
Ou seja, o que o CDS, o PSD e a troica pretendem com a aplicação desta política é o Estado mínimo para
quem trabalha e o Estado máximo para a banca e os grandes grupos económicos. E a consolidação
orçamental, que lhe «enche a boca», Sr. Deputado João Almeida, é apenas um pretexto, um instrumento para
atingir este objetivo.
O Governo, o PSD e o CDS não têm hesitado, no âmbito desta política da troica, em atacar, de uma forma
brutal, os direitos e os rendimentos dos trabalhadores e dos pensionistas.
E relativamente a estes últimos, os reformados e os pensionistas, o ataque é particularmente feroz: corte
de 10% nas pensões futuras por via da alteração da fórmula de cálculo; corte de 10% nas pensões já
atribuídas, com efeito retroativo nas pensões com valor superior a 600 €; corte nas pensões de sobrevivência
a partir de 419 €, facto que o Vice-Primeiro-Ministro Paulo Portas muito convenientemente se esqueceu de
referir na recente conferência de imprensa.
Sr. Deputado João Pinho de Almeida, há uns meses a Ministra do CDS Assunção Cristas, a propósito da lei
dos despejos, falava neste Parlamento do princípio da tranquilidade na velhice, e é exatamente este princípio
que o Governo do PSD e em particular o CDS se esforçam por destruir.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Sá, nos pedidos de
esclarecimento que fez registo seriedade e maior adesão à realidade. Quando refere a meta do défice e as
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dificuldades de consolidação, é verdade, Sr. Deputado — já o disse, e disse-o, por exemplo, no debate do ano
passado —, que era muito desejável que o nosso processo de consolidação fosse diferente. Não encontra
nesta bancada divergência nessa matéria. Encontraria, certamente, divergência sobre a forma como faríamos
essa consolidação, mas não fomos nós que escolhemos fazer uma consolidação orçamental sujeitos a um
Programa de Assistência e a imposição externa, quer em relação às metas quer em relação às medidas
concretas. Não fomos nós que escolhemos, foi o Partido Socialista que escolheu esse condicionalismo e que o
aplicou a Portugal.
Quando dizemos que queremos, em junho de 2014, libertar-nos do Programa de Assistência para
podermos fazer um Orçamento mais livre para 2015 é exatamente para que, em junho de 2014, acabem os
efeitos da governação do Partido Socialista e possamos, de facto, começar a preparar uma governação
diferente, com opções diferentes.
Dou-lhe um exemplo claro: sobre a questão da consolidação, porque é que este Governo defendeu uma
meta de défice superior àquela que acaba por constar do Orçamento? Não é para que este Governo e esta
maioria fizessem uma consolidação que permitisse maior incentivo à economia e maior tranquilidade e justiça
para as famílias?! Obviamente que era para isso, Sr. Deputado! Se este Governo e esta maioria queriam uma
consolidação diferente era para poderem fazer um Orçamento diferente e, se não o puderam fazer, não foi por
opção sua, foi por imposição externa, foi por imposição que nos deixou o Partido Socialista!
Diz o Sr. Deputado que este Orçamento vai no mesmo sentido, que aquilo que é imposto é aplicado aos
mesmos e que são os mesmos de sempre que continuam a beneficiar. Sr. Deputado, se aumenta a tributação
das rendas do setor energético, se aumenta…
Protestos do Deputado do PS Pedro Nuno Santos.
Sr. Deputado, não pergunte, porque a resposta é ingrata!
Estamos a falar do dobro do que acontecia ao tempo do Governo do Partido Socialista, e é isso que é
importante as pessoas saberem! Nalguns casos, estamos a falar de tributação que não existia ao tempo do
Governo do Partido Socialista.
Srs. Deputados, se há coisa que os portugueses sabem é que se há partido em Portugal que privatizou
mais do que ninguém e que favoreceu mais do que ninguém os grupos económicos é o Partido Socialista,
apesar de dizer o contrário quando está na oposição!
Aplausos do CDS-PP.
Ainda bem que o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos me interrompeu. Sabe porque é que no Orçamento do
próximo ano as PPP representam o dobro do esforço representado este ano? Porque os senhores achavam
que tinham eleições em 2014 e reduziram artificialmente as verbas a pagar em relação às PPP em 2014,
aumentando-as brutalmente em 2015, sendo mais uma vez eleitoralistas e desrespeitando as pessoas.
Reduziram o esforço num ano para o aumentar brutalmente no outro, não interessando quanto vamos pagar,
porque o que interessa ao Partido Socialista é ganhar as eleições!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Ainda para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado João Pinho de
Almeida, tem a palavra a Sr.ª Deputada Hortense Martins.
A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Almeida, os portugueses bem sabem
quem é que está a liquidar o País e quem é que está a provocar miséria no País. Aliás, os portugueses e as
pequenas e médias empresas sentem-no na pele todos os dias, e vão continuar a senti-lo com este
Orçamento! Por isso é que o Sr. Deputado falou da tribuna com um tom tão inflamado. Bem o percebo, Sr.
Deputado João Almeida. Afinal de contas, o CDS apresenta-se neste Plenário como um partido novamente
derrotado! O CDS está novamente derrotado em termos do Orçamento, pois não consegue fazer passar uma
das medidas que tanto defendia no passado — a da descida do IVA da restauração.
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E que dizer dos pensionistas? O Sr. Deputado acusou o PS relativamente às pensões de sobrevivência,
mas o PS nunca fez cortes retroativos nas pensões de sobrevivência.
Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.
Quero dizer-lhe mais uma coisa: se há intervenção externa no País — o antigo Primeiro-Ministro bem se
opôs a ela —, deve-se a esta Assembleia da República, aos partidos da oposição, que chumbaram o PEC 4 e
que, com isso, a provocaram.
Aplausos do PS.
O Sr. Deputado João Pinho de Almeida não disse uma única palavra sobre o IVA da restauração. Sabe, há
muitos empresários neste País que estavam à espera que o CDS, nomeadamente o Ministro da Economia,
Pires de Lima — que sei que conhece muito bem o problema, o setor e o impacto desta medida exorbitante
que destrói uma economia, que destrói o emprego e que destrói uma atividade —, levasse a efeito a descida
do IVA da restauração em Conselho de Ministro. Porém, não conseguiu e disse que iria submeter-se a ela, o
que quer dizer que o Sr. Ministro da Economia também está derrotado quanto a esta medida — disse-lho na
sexta-feira e volto a dizê-lo.
Lamentamos, pois, que não haja descida do IVA da restauração, porque nós, os empresários e as
pequenas empresas esperávamos que esta medida fosse tomada. E por que é que não foi tomada? Porque a
opção é ideológica.
Esta maioria optou pela descida do IRC. Mas, para isso, não é preciso haver mais estudos. Os senhores
propõem uma descida do IRC para beneficiar as grandes empresas, mas para medir o impacto dessa medida
e para saber quantas empresas é que essa medida vai atrair para o nosso País não precisam de nenhum
estudo.
Mas continuam a pedir estudos relativamente ao IVA da restauração, quando todos os países o reduziram.
Aliás, relembro que a Irlanda e a Grécia, países intervencionados, baixaram o IVA da restauração, donde se
conclui que é este Governo que continua a teimar numa medida destruidora de emprego e que privilegia os
grandes grupos económicos, coisa que não é aceitável. Deste modo, a economia e o emprego continuam a
afundar-se. Com isto, o desemprego não sairá dos 17%, como os Srs. Deputados admitem neste Orçamento.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de
Almeida,
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, quanto ao IVA da restauração,
não mudei de posição. Lamento profundamente que este Orçamento não contemple a baixa do IVA para a
restauração. Estava à espera que eu viesse aqui dizer coisa diferente, Sr.ª Deputada?!
Quando o PS, sem haver Programa de Assistência, cortou 10% no salário dos funcionários públicos, a Sr.ª
Deputada com certeza também não se regozijou com isso, provavelmente também lamentou!
Sabe que, quando assumimos responsabilidades de governar um País, é preciso ter seriedade, é preciso
assumirmos as medidas boas e as más e não fazer dissimulações, Sr.ª Deputada!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Deputada pode ter a certeza de que, no futuro, não irei dizer coisa diferente sobre o IVA da
restauração do que sempre disse e do que hoje volto a dizer: lamento que não tenha sido incluída neste
Orçamento a baixa do IVA da restauração.
Voltando às pensões de sobrevivência, Sr. ª Deputada, os senhores dizem: «Não fizemos cortes, como
este Governo fez, nas pensões de sobrevivência»! Mas Este Governo faz cortes nas pensões de
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sobrevivência a partir de 2000 €, de forma progressiva, e os senhores cortaram no abono de família a partir de
600 € para todos!
A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Não é a mesma coisa!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Quer comparar a sensibilidade social de uns e de outros, Sr.
Deputada?!
Confesso que esperava que fosse o Sr. Deputado Pedro Marques a fazer-me um pedido de esclarecimento
e que até negasse aquilo que eu apresentei quanto ao documento do Ministério do Trabalho e Solidariedade
sobre medidas da reforma da segurança social de junho de 2006.
O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Não era retroativo!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não se trata de ser retroativo ou não, Srs. Deputado, mas de
apresentar a condição de recursos.
Os senhores encheram a boca durante a última semana a dizer que era impossível aplicar condição de
recursos a uma pensão contributiva! Ora, consta do documento que referi a condição de recursos para uma
pensão contributiva, Srs. Deputados! Onde é que está a seriedade e a coerência?
Sr.ª Deputada, sei porque é que não foi o Sr. Deputado Pedro Marques a fazer a pergunta. É que tenho a
ata da reunião da concertação social onde o Sr. Deputado Pedro Marques apresentou aos parceiros sociais a
proposta de ser aplicada às pensões de sobrevivência a condição de recursos.
O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Para o futuro!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — O Sr. Deputado nunca disse se era para o passado ou se era
para o futuro. O Sr. Deputado disse que não se podia aplicar a condição de recursos a uma pensão
contributiva e, afinal, propôs em sede de concertação social a aplicação da condição de recursos a uma
pensão contributiva!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Vamos passar agora à declaração política do Grupo Parlamentar do
PCP.
Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passados dois anos de Governo, o serviço
público de rádio e televisão (RTP) e o serviço noticioso e informativo de interesse público (Lusa-Agência de
Notícias de Portugal) estão cada vez mais enfraquecidos devido às indefinições sobre o modelo de serviço
público pretendido, ao estrangulamento financeiro, ao desmantelamento das delegações e dos centros
regionais e à precarização dos vínculos dos trabalhadores da RTP e da Lusa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, façamos o exercício da evocação dos principais acontecimentos ocorridos
nestes dois anos que incidiram sobre a RTP e a Lusa.
No decurso destes dois anos, foram vários os modelos e as conceções que saíam do estudo que cada
ministro encomendava sobre a RTP. Mas, no fundamental, todas as conclusões vão no sentido de
desmantelar e de destruir o serviço público plural, independente, que proceda à divulgação da cultura e da
língua portuguesas, que salvaguarde e garanta a coesão e a soberania nacional.
Primeiro, foi defendida e apresentada ao País como inevitável a privatização da RTP, depois a concessão
de um dos canais, mantendo-se o outro na esfera pública. A cada novo modelo apresentado os Deputados do
PSD apressavam-se a elogiar e a afirmar que «agora, sim, vamos resolver os problemas da RTP!».
Afastada por agora a privatização, o desmantelamento da RTP prossegue através do plano de
desenvolvimento e redimensionamento apresentado pelo Conselho de Administração e sufragado, mais uma
vez, pelo Governo e pelo PSD.
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Com a saída do Ministro Relvas e a entrada do Ministro Poiares Maduro, depois de «baralhar e voltar a
dar», eis que é conhecido mais um modelo de governo da RTP e o contrato de concessão de serviço público
para a rádio e televisão.
Como afirmou o Sr. Ministro, trata-se de um contrato de concessão de serviço público «simplista». Porém,
não se trata de uma proposta simplista, mas sim de um conjunto de «serviços mínimos» que são impostos ao
serviço público de rádio e televisão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a proposta de contrato que o Sr. Ministro apresentou ao Parlamento mais
não é do que a consumação dos alertas e avisos que o PCP tem feito no decurso destes dois anos: um ataque
ao serviço público de rádio e televisão, um ataque aos trabalhadores, um ataque a um pilar da democracia que
é o serviço público de rádio e televisão.
A proposta de contrato de concessão de serviço público, ao contemplar o fim da produção própria, está a
sentenciar o fim da rádio e da televisão pública, tal como a conhecemos e defendemos.
Ao restringir a produção própria ao domínio da informação, esta proposta de contrato de concessão rasga
os princípios basilares que sustentam um serviço público de rádio e televisão e que estão consagrados na
legislação, entre outros, a promoção e formação cultural da língua e da diversificação.
Não há um serviço público de rádio e televisão sem produção própria! O fim da produção própria na RTP
vai levar à destruição de 300 postos de trabalho — número confirmado pelo Conselho de Administração aos
sindicatos —, empurrando mais trabalhadores para a situação de desemprego e, desta feita, para engrossar o
número de portugueses que não têm trabalho.
Para os que ficam restará a precariedade. Para além disto, o fim da produção própria representa a
eliminação de uma capacidade essencial para a sustentação da RTP.
Mas não é só a televisão que é fortemente penalizada com esta proposta de contrato de concessão de
serviço público; também a rádio está envolta em incertezas e ameaças. Desconhece-se o destino dos centros
regionais, que são o garante do cumprimento da coesão territorial e nacional, e também não fica claro, nem
parece estar salvaguardado, o património e a riqueza da rádio.
Se o fim da produção própria conduz a inquietudes e incertezas quanto ao fim do serviço público de rádio e
televisão, a confirmação da alteração do modelo de financiamento, o fim da indemnização compensatória,
confirmado na proposta de Orçamento do Estado para 2014, ontem entregue aqui no Parlamento, passando a
RTP apenas a receber o financiamento por via das receitas da publicidade e da contribuição do audiovisual
aumentam as preocupações do PCP quanto ao futuro do serviço público de rádio e televisão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em síntese, a proposta de contrato de concessão de serviço público do
Ministro Poiares Maduro reduz o serviço público de rádio e televisão a um cardápio de «serviços mínimos»
que colide com o que está consagrado na lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os tempos de indefinição, de incerteza e de desmantelamento do serviço
público também afetam a Lusa. Por força dos cortes orçamentais, a empresa encerrou delegações, precarizou
vínculos laborais dos correspondentes nacionais e internacionais e despediu trabalhadores.
Esta situação é incomportável e afeta, indelevelmente, o cumprimento das obrigações de serviço público a
que a Lusa está obrigada.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — O PCP rejeita liminarmente os cortes no financiamento do serviço público.
A manter-se a situação inscrita na proposta de Orçamento do Estado para 2014, inviabilizar-se-á a
prossecução dos objetivos do serviço público de rádio e televisão e levar-se-á à liquidação do papel
insubstituível que legalmente está atribuído à agência de notícias Lusa, prestadora de serviço noticioso e
informativo de interesse público.
Para o PCP não é possível assegurar aos cidadãos serviços públicos de rádio e televisão e informação
noticiosa em qualidade, quantidade e extensão sem a atribuição das correspondentes contrapartidas por parte
do Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O balanço destes dois anos de Governo é desastroso para Portugal, para
os portugueses e para o serviço público de comunicação social.
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O cenário de destruição do serviço público de rádio e televisão terá, certamente, resposta dos portugueses,
dos democratas e de todos os que compreendem a importância democrática da existência de um serviço
público de rádio e de televisão.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pedro
Delgado Alves, do PS, Cecília Honório, do BE, Francisca Almeida, do PSD, e Raúl Almeida, do CDS-PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Carla Cruz, em primeiro lugar, saúdo a
sua intervenção de hoje, porque o tema é, de facto, preocupante. Acompanhamo-lo com preocupação desde
que há dois anos fomos ouvindo sucessivas narrativas diferentes quanto ao destino da RTP.
Na verdade, ouviu-se falar de privatização, ouviu-se falar de uma possibilidade de concessão, mudou-se de
agulha e ouviu-se falar de privatização parcial e de opções de desmantelamento parcial do serviço público de
rádio e de televisão e, hoje, finalmente, dá à luz um modelo aparentemente inovador no que respeita ao
modelo de gestão, mas que, na realidade, pouco mais representa do que uma cortina de fumo para o principal
problema que o serviço público de rádio e televisão enfrenta, que é um problema de sustentabilidade
financeira e de capacidade de garantir a qualidade que se impõe a esse mesmo serviço público.
Recordo que nesta Câmara, ainda há não pouco tempo, discutíamos o que sucedeu na Grécia e, perante
uma opção de desmantelamento e de destruição do serviço público, todos os grupos parlamentares foram
claros e unânimes em repudiar qualquer estratégia que menorizasse esta tarefa fundamental que está
incumbida aos serviços públicos de rádio e de televisão.
Dizendo isto, coloco-lhe duas questões relativamente a esta matéria, sendo a primeira — a Sr.ª Deputada
também a frisou — a seguinte: não concorda que esta opção de desmantelar a indemnização compensatória,
oferecendo em alternativa o aumento da contribuição para o audiovisual (CAV), não só não representa uma
solução, que é sustentável financeiramente para uma RTP de qualidade, como, no fundo, representa também
um engodo e um malabarismo financeiro para tentar apresentar uma reforma que, na realidade, não se
concretizou?
Em segundo lugar, uma pergunta quanto à rádio, porque — de facto, a perplexidade que temos na bancada
do PS penso que será a mesma partilhada por outras bancadas — muito se fala de televisão, mas
esquecemos que a RTP é um serviço público de rádio e de televisão e não temos tido, de facto, notícias
quanto ao destino dessa componente fundamental do serviço público.
Finalmente, uma pergunta — a Sr.ª Deputada também abordou esse tema — referente à Agência Lusa,
que tem, obviamente, especificidades próprias, com uma dificuldade e uma agenda próprias para implementar
os cortes e a austeridade que já tem sofrido.
De facto, a Agência Lusa tem uma diferença de fundo relativamente à RTP que importa também ter em
conta. A agência Lusa não dispõe de património, não dispõe de opções alternativas que permitam uma outra
solução que não seja a de penalizar os trabalhadores, os jornalistas.
Ora, se queremos uma estratégia para a agência Lusa, uma estratégia de comunicação, que aposte na
lusofonia e que aposte na internacionalização, a prioridade de qualquer Governo sensato teria de ser a da
valorização dos jornalistas, a da valorização da qualidade que encontramos na agência Lusa e que,
infelizmente, tem vindo a ser desbaratada.
Acompanhamos, pois, as preocupações que a Sr.ª Deputada nos trouxe. O Partido Socialista, na defesa
dos serviços públicos, de todos estes, será intransigente como no passado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — A Mesa foi informada que a Sr.ª Deputada Carla Cruz pretende
responder individualmente a cada pedido de esclarecimento, pelo que lhe dou desde já a palavra para dar
resposta ao Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.
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A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Presidente, quero, em primeiro lugar, agradecer ao Sr. Deputado Pedro
Delgado Alves as questões que colocou.
Gostaria de dizer que este contrato de concessão de serviço público mostra uma certeza: a certeza de que
este Governo pretendia desmantelar o serviço público de rádio e televisão e também desmantelar o
importantíssimo serviço público que é prestado pela agência Lusa. A única coisa de que não tínhamos a
certeza era o modo, era como é que esse desmantelamento iria acontecer, ora pela privatização, ora pela
concessão.
A certeza que temos — e hoje confirma-se isso — é, de facto, a da vontade do Governo do PSD de
desmantelar um serviço público de rádio e televisão com todas as implicações que isso tem para a
democracia, para a informação, para os trabalhadores do serviço público de rádio e televisão e, no concreto,
também para os trabalhadores da Lusa.
É preciso aqui dizer, claramente, que a Lusa presta um serviço público essencial à população portuguesa e
às comunidades que estão no estrangeiro, mas, em contrapartida, aquilo que tem vindo a ser feito, por
redução orçamental, por não resolução de um problema, que é a introdução no contrato para 2013-2015 de
um fator de correção que roubou à Lusa cerca de um milhão de euros — problema que o ministro Miguel
Poiares Maduro tende a não resolver —, é que se está a destruir um serviço que é fundamental, que é
essencial e a verdade é que os trabalhadores da Lusa, os trabalhadores da RTP, os trabalhadores da rádio
pública portuguesa estão hoje em piores condições.
É este, de facto, o caminho que o Governo tem prosseguido com todos os trabalhadores e também com os
que estão na área da comunicação social.
Relativamente à manobra do financiamento, da transferência, do pagamento através da CAV, ficou claro
para o Partido Comunista Português que este não é o financiamento sustentável, que não cumpre as funções
do serviço público. E isto é tão claro que o próprio presidente do conselho de administração disse na 12.ª
Comissão que a forma de financiamento, quer pela publicidade quer pela CAV, era insuficiente para o serviço
público de rádio e televisão. Apenas será possível se, efetivamente, se cumprirem estes serviços mínimos
para o serviço de rádio e televisão portuguesa.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília
Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Carla Cruz, quero cumprimentá-la pela sua
declaração política e pelas preocupações que aqui nos trouxe.
Deixe-me que sublinhe o apelo que aqui deixou no sentido de que é mesmo urgente que todos nós, que a
sociedade, que as forças democráticas deste País se mobilizem em torno da defesa do serviço público de
rádio e televisão e da defesa do serviço público da Lusa. Trata-se de um apelo determinante, porque os riscos
são evidentes, e são os que apontou.
A dívida do Estado para com a Lusa ultrapassa em muito o milhão de euros, cerca de 1,6 milhões de euros,
e nem o fator de correção vai ser reposto, como é exigência mínima, para resolver problemas do imediato.
Quanto ao fim da indemnização compensatória em relação à RTP é o Estado que diz: «Bom, acabou o
nosso compromisso e a nossa responsabilidade de financiamento do serviço público.»
Havia a expectativa de que este Orçamento do Estado trouxesse alguma pequena novidade — não sei se a
Sr.ª Deputada já teve oportunidade de ver. Uma delas, já aqui a apontou, é a do aumento da contribuição para
o audiovisual, há umas maroscas também previstas com as receitas comerciais — vamos ver como é que isto
se articula com o próprio contrato de concessão que o Sr. Ministro aqui trouxe sob a forma de projeto — e, ao
mesmo tempo, há a garantia dos cortes com o pessoal. A dúvida é mesmo esta, Sr.ª Deputada: há um
Governo que se desresponsabiliza da possibilidade de viabilizar o serviço público de informação, o serviço
público de rádio, o serviço público de televisão.
Tem sido um processo de agonia. E queremos saudar os trabalhadores e as trabalhadoras — como a Sr.ª
Deputada também o fez —, porque é preciso muita resistência, é preciso «vestir a camisola» para conseguir
trabalhar nas condições em que estes profissionais trabalham diariamente. São diariamente ameaçados pelo
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despedimento — sou eu, és tu, é o outro… —, são diariamente ameaçados pela suspeita. É, de facto, preciso
reconhecer que estes homens e estas mulheres vivem numa situação tão indigna que esta Assembleia só
pode reconhecer o seu valor para além do profissionalismo, que não precisa, evidentemente, do nosso
reconhecimento.
O que lhe pergunto é o seguinte, Sr.ª Deputada: como é que entende este «filme» de se permanecer em
agonia, de não se encontrar qualquer resposta sustentável do ponto de vista do modelo de financiamento? É
que, de facto, não há nenhum debate sério, não há nenhum debate credível que não tenha a ver exatamente
com o modelo de financiamento.
É uma agonia que vem desde há dois anos e que se vai prolongar através do próximo Orçamento do
Estado, na procura de uma morte lenta do serviço público, na procura de uma pressão constante para o
despedimento, neste abdicar de um compromisso determinante, que é a própria produção interna, no caso da
RTP! Trata-se de sucatear o serviço público de rádio e televisão, de uma forma cínica, porque, ao mesmo
tempo que se prescindiu da privatização parcial que estava sobre a mesa, há a permanência de um processo
de agonia, de desprezo pelo serviço público de rádio e televisão e de uma pressão constante de uma política
de despedimentos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Honório, agradeço as questões que
colocou e, sobretudo, a reflexão que fez em torno do serviço público de rádio e televisão.
Para o PCP é claro que não há serviço público de rádio e televisão sem produção interna, sem produção
própria. A produção própria é uma marca do serviço público de rádio e televisão, mas só é possível fazer esse
serviço público, essa produção, com trabalhadores, trabalhadores que este contrato de concessão de serviço
público delapida. É isto que está em jogo! É isto que está em causa!
Se me permitem a expressão, à laia daquilo que o Ministro Poiares Maduro diz, de apoiar a produção
independente, aquilo que se está, de facto, a fazer é uma delapidação de um património que é o serviço
público de rádio e televisão, um património de qualidade do serviço, um património dos trabalhadores, um
património que tem a ver com o arquivo, com os canais… É importante salvaguardar tudo isso, mas isso só é
salvaguardado com um financiamento adequado.
Para o PCP, voltamos a reafirmá-lo aqui, só é possível a prestação desse serviço com a indemnização
compensatória. O Estado tem de assegurar um serviço público de rádio e televisão e tem de o fazer dando os
meios, nomeadamente os meios financeiros, à concessionária, à RTP. Para isso, de facto, não basta a CAV,
não basta a publicidade, porque no contrato de concessão que foi celebrado não está previsto o aumento das
dotações da publicidade. Portanto, é preciso resolver essa dicotomia. Mas também já estamos habituados a
que este Governo apresente leis que não cumpre e que faça contratos que, depois, não são cumpridos.
Quanto à ideia de que a publicidade vai aumentar, é preciso não nos enganarmos, porque os últimos dados
mostram que, efetivamente, o mercado da publicidade tem diminuído e não aumentado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Francisca Almeida.
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Carla Cruz, deixe-me dizer-lhe que
fiquei surpreendida ao vê-la trazer a RTP, esta semana, ao Plenário. E fiquei surpreendida não pela
circunstância de estarmos em semana de apresentação do Orçamento do Estado, fiquei verdadeiramente
surpreendida porque quando o Sr. Ministro esteve na Comissão, justamente para apresentar o contrato de
concessão, o Partido Comunista Português não o quis discutir,…
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Não é verdade!
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A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — … não fez uma pergunta sobre o serviço internacional, não fez uma
pergunta sobre os mecanismos de controlo do cumprimento do serviço público, não fez uma pergunta sobre os
novos paradigmas de qualidade, enfim, não apresentou uma ideia, um projeto, uma proposta para o contrato
de concessão, não deu um único contributo.
Como sabe, o contrato estará em ampla discussão pública, será criado um micro site para que todos os
portugueses possam contribuir. Esperamos que a Sr.ª Deputada Carla Cruz, na qualidade de cidadã, possa
dar um contributo mais válido do que aquele que deu na audição, porque, de facto, a única coisa que fez foi
acenar com o papão dos despedimentos, usar os trabalhadores da RTP como arma de arremesso político. Foi
isso que fez. Aliás, na verdade, foi a isso que já nos habituou, mas, nisso, Sr.ª Deputada, nós,
verdadeiramente, não alinhamos, porque sabemos — e o Sr. Ministro fez questão de o dizer claramente —
que a reforma na RTP será feita com os menores custos sociais possíveis.
Mas também temos consciência de que não é possível ter o melhor dos dois mundos, e com isto entronco
numa outra questão que a Sr.ª Deputada trouxe a este Plenário.
A Sr.ª Deputada veio defender a produção própria da RTP. Então, pergunto-lhe: a Sr.ª Deputada está
contra a circunstância de a RTP apoiar os produtores independentes? A Sr.ª Deputada é contra ou entende
que é possível a RTP fazer as duas coisas?
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — É que, se entende que é possível a RTP fazer as duas coisas, a Sr.ª
Deputada e o PCP assumem-se, finalmente, perante os portugueses e perante si próprios, como um partido
que nunca há de estar no arco da governação, porque, verdadeiramente, não é capaz de tomar decisões, e há
de estar sempre a prometer este mundo e o outro aos portugueses,…
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Bem lembrado!
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — … sem, de facto, ser capaz de ter uma visão realista dos problemas.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Sr.ª Deputada, não sei — e peço-lhe que me esclareça — se a ouvi
manifestar-se contra o aumento da contribuição para o audiovisual. É que o conceito de dinheiro público não é,
verdadeiramente, um conceito que não deixe de ser reconduzido ao dos impostos dos portugueses, porque
não existe dinheiro público, Sr.ª Deputada,…
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — … o dinheiro público é o dinheiro dos impostos dos portugueses.
O Sr. António Gameiro (PS): — E não só!
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — A verdade é que, ao permitirmos que todo o financiamento da RTP
passe a ser feito através da contribuição para o audiovisual, cada português vai poder saber, em concreto,
quanto é que está a pagar para o serviço público de televisão, o que não acontecia até agora. Perceberá,
certamente, que não é tão fácil a um português consultar o Orçamento do Estado e saber quanto é transferido
a título de indemnização compensatória como consultar a fatura de eletricidade.
Protestos do PCP.
O certo é que, no todo global, os portugueses vão pagar, este ano,…
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, tem de concluir.
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, o certo é que, no todo global, este ano, os portugueses vão pagar menos para a RTP
do que pagaram no ano passado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Também ficam com menos serviços!
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Esta é que é a questão, e não a ouvi salientar este facto, mas gostava
de ter ouvido.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Francisca Almeida, entendo o exercício que
tentou fazer aqui, no sentido de desvalorizar a intervenção do PCP na Comissão,…
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Não existiu!
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — … mas está muito enganada, porque a Sr.ª Deputada estava na Comissão e
ouviu o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português colocar várias questões sobre o contrato de
concessão do serviço público.
Portanto, Sr.ª Deputada, não precisamos das suas orientações, das suas indicações. O Grupo Parlamentar
do Partido Comunista Português defendeu, defende e defenderá o serviço público de rádio e televisão.
Devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que é o seu grupo parlamentar que tem de dar explicações, porque o seu
grupo parlamentar mostra sempre muita preocupação com os trabalhadores, com a RTP e, nomeadamente,
com as delegações regionais, mas não a vejo preocupada com o desmantelamento que está a ocorrer nos
centros regionais. Diga-me, Sr.ª Deputada, o que é que o Partido Social Democrata tem feito em prol dos
centros regionais da RTP dos Açores, da Madeira e do Porto. Nada! Nem na Comissão o fez! Mas não é isso
que queremos debater aqui.
Sr.ª Deputada, fique sabendo que não há serviço público de rádio e televisão sem financiamento. Para nós,
sempre foi muito claro que a forma de financiamento é aquela que consta da lei. E, na lei, são três as formas
de financiamento: a indemnização compensatória, a contribuição para o audiovisual e a publicidade. É isto que
é o garante do serviço público, é isto que vai permitir que a RTP sobreviva e é isto que os portugueses virão
exigir, porque os portugueses precisam deste serviço público e vão unir-se em sua defesa. Os portugueses
que cá estão e aqueles que estão no estrangeiro merecem-no! A Sr.ª Deputada sabe que é isso que é exigido,
pelos portugueses, dos Deputados e dos partidos.
Aquilo que dizemos é que se cumpra a legislação, porque, se se cumprir a legislação, teremos,
efetivamente, um serviço público de qualidade, que é aquilo a que o Estado está obrigado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl de
Almeida.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Carla Cruz, não vou entrar aqui numa
competição para saber quem mais defende ou quem mais gosta dos trabalhadores da RTP. Penso que todos
defendemos, respeitamos e damos a credibilidade merecida aos trabalhadores da RTP. Mas, no CDS,
entendemos que não é criando pânico, não é criando incerteza, não é criando um tumulto constante à volta da
RTP que se defendem os interesses dos trabalhadores da RTP. Nisso não acreditamos e temos o direito de
seguir esta nossa via.
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Sempre fomos claros, transparentes e afirmativos na defesa de um serviço público de televisão e de rádio
prestado por um prestador público, mas também temos o realismo e a clareza de visão para saber que só
podemos defender esse serviço público de rádio e de televisão se ele for sustentável pelos portugueses, se
ele for identificado com os portugueses e se os portugueses o sentirem como seu, como parte da sua cultura e
da sua vida e não como um peso ou um fardo que têm de carregar.
Este clima que a oposição cria permanentemente de desestabilização da empresa, de desestabilização do
estado de espírito dos seus trabalhadores, de separação entre aquilo que é o interesse da empresa e o
interesse dos trabalhadores, no nosso entender, na nossa maneira de ver as coisas, não ajuda nem a
empresa, nem os trabalhadores, nem os portugueses, que querem ver a RTP com saúde.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Nesse sentido, Sr.ª Deputada, de forma muito clara, e sem mais
tergiversações acerca desta matéria, os senhores dizem defender —, e acho bem que o digam, porque ainda
na semana passada o Bloco de Esquerda se furtou a responder a esta minha pergunta — a indemnização
compensatória. A para que, lá em casa, os portugueses saibam, a indemnização compensatória sai do
Orçamento do Estado. Assim, deixo-lhe duas perguntas, a primeira das quais relativa a esta matéria.
Sr.ª Deputada, a indemnização compensatória é paga com dinheiro dos impostos dos portugueses. Como é
que a Sr.ª Deputada e o Partido Comunista Português querem pagar a indemnização compensatória,
aumentando o défice ou subindo os impostos dos portugueses? É que não há outra via. Explique-nos, Sr.ª
Deputada, ou, então, diga onde é que cortam para poderem dar a indemnização compensatória à RTP, que
nós não defendemos.
Uma última pergunta, relativa à agência Lusa, Sr.ª Deputada. A agência Lusa está num ponto em que
presta um serviço único ao País, é um ativo estratégico do País. E, pelo que foi dito da agência Lusa, hoje,
aqui, neste debate, pergunto-lhe, Sr.ª Deputada: acredita ou não nos trabalhadores e na qualidade dos
trabalhadores da agência Lusa? Presta, ou não, a agência Lusa um serviço de referência para Portugal e para
todas as comunidades portuguesas no mundo?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Raúl de Almeida, agradeço a sua questão e
respondo-lhe muito claramente: corte o Governo nas PPP, corte o Governo nos juros da dívida e, certamente,
teremos o dinheiro necessário e suficiente para pagar o serviço público de rádio e televisão portuguesa. É por
isto que o Governo tem de optar, Sr. Deputado Raúl de Almeida, mas o Governo já optou há muito tempo:
privilegia os grandes grupos económicos, privilegia a banca, privilegia o sistema financeiro, em detrimento dos
serviços públicos, sejam eles quais forem.
Sr. Deputado Raúl de Almeida, a opção deste Governo é a de destruir os serviços públicos, sejam os de
rádio, os de televisão ou os da agência noticiosa. Basta que o serviço público custe 1 € para este Governo o
desmantelar e destruir.
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Não diga disparates!
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Portanto, Sr. Deputado Raúl de Almeida, para nós, está claro: há opções, o
Governo fez a sua opção; para nós, corte-se nas PPP, corte-se nos juros e teremos o dinheiro necessário e
suficiente para pagar todo o serviço público, e serviço público de qualidade. Mais, Sr. Deputado Raúl de
Almeida: teremos dinheiro para manter os trabalhadores que lá estão e recrutar os necessários e suficientes. É
que, como o Sr. Deputado sabe, há setores no serviço público de rádio e televisão que estão deficitários. É
necessário dotar o serviço de rádio e televisão de equipamentos modernizados, porque, assim, poderão fazer
boas produções e bons produtos.
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Também gostaria de frisar que os partidos que suportam o Governo — já o disse da tribuna e, aliás, já o
ouvimos defender hoje — defendem afincadamente o modelo proposto pelo Ministro Miguel Poiares Maduro,
mas também já os vimos defender o modelo proposto por Miguel Relvas. Se calhar, amanhã, se vier outro
ministro propor outro modelo, os Srs. Deputados também o irão defender. Nós, não, Sr. Deputado Raúl de
Almeida e Srs. Deputados do PSD!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Repetem o que o Governo manda!
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Nós manteremos sempre a defesa intransigente do serviço público de rádio e
televisão e da agência Lusa. E não somos nós que criamos o pânico, não somos nós que destruímos os
postos de trabalho, quem os destrói, quem cria o pânico nos trabalhadores são as medidas deste Governo,
que destrói o País, que leva o País à ruina.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, chegámos ao fim do primeiro ponto da ordem de
trabalhos, relativo a declarações políticas.
Vamos, agora, proceder à apreciação conjunta, na generalidade, dos projetos de lei n.os
452/XII (3.ª) —
Altera o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, eliminando a
possibilidade de julgamentos em processo sumário para crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos
(PS), 457/XII (3.ª) — Altera o Código de Processo Penal limitando a aplicação do processo sumário aos crimes
de menor gravidade (PCP) e 458/XII (3.ª) — Altera o Código de Processo Penal, revogando a possibilidade de
julgar em processo sumário crimes com moldura penal superior a 5 anos de prisão (BE).
Para apresentar o projeto de lei do Partido Socialista, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O Partido Socialista apresenta este
projeto de lei de alteração ao Código de Processo Penal, que consubstancia uma alteração que já tinha
proposto em sede de debate da proposta de lei que alterou, este ano, o Código de Processo Penal, alertando
precisamente para as várias inconstitucionalidades que enfermavam o diploma, sendo que entre elas está
precisamente a questão dos julgamentos em processo sumário.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, com este Governo somos confrontados com inconstitucionalidades a
vários níveis, não apenas a nível das matérias orçamentais mas também a nível das matérias que mexem com
a matriz do ordenamento jurídico, nomeadamente a Constituição.
Portanto, somos confrontados com diversas inconstitucionalidades, nomeadamente as que foram
reconhecidas poucos meses após a entrada em vigor da lei com duas declarações do Tribunal Constitucional.
Por conseguinte, entendemos que em tempo útil devemos alterar o regime do julgamento em processo
sumário, destinando-o a crimes puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos, precisamente com base
no fundamento de que o flagrante delito não é equivalente à evidência da prova e, acima tudo, os julgamentos
de crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos merecem atenção, também em obediência ao
princípio da culpa, com uma maior particularidade. Obviamente, isso verifica-se em todos os crimes, mas
nestes verifica-se com mais acuidade, na ponderação de medida concreta de pena.
Portanto, dando nota das inconstitucionalidades que já foram apontadas pelo Tribunal Constitucional,
pretendemos precisamente alterar o regime atual e repristinar o anterior.
Em todo o caso, devo esclarecer que, dadas as dúvidas que havia quanto à intenção do Partido Socialista
nesta matéria, já entregámos na Mesa uma proposta de alteração, precisamente para clarificar, ou seja, para
não deixar quaisquer dúvidas sobre o sentido do projeto de lei.
Esperamos que a maioria aprove este projeto, justamente no dia em que também soubemos que a Sr.ª
Ministra da Justiça se prepara para apresentar alterações a este regime.
Por isso, esperamos que desta vez a maioria nos acompanhe aprovando estas alterações.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra o Sr.
Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: De facto, uma das marcas deste
Governo é governar contra a Constituição, contra o Estado de direito democrático naquilo que é a sua
expressão constitucional. E, se isto é assim em matéria de política social e económica, não deixa de o ser
também em matéria de política de justiça.
Uma das reformas mais badaladas por este Governo em matéria de política de justiça foi precisamente a
reforma penal, em que se fez uma revisão, apresentada como «cirúrgica», do Código de Processo Penal, do
Código Penal e, em particular, também do Código de Execução das Penas.
Mas essa reforma, apesar de ter sido apresentada como «cirúrgica», de cirúrgica pouco tinha, porque a
verdade é que foram alterados alguns do preceitos estruturantes do nosso ordenamento jurídico, em particular
em matéria processual penal, e subvertidos alguns dos princípios, que se consideravam estabilizados e
relativamente consensuais, no que concerne aos crimes e à forma que deveria seguir o processo para a sua
punição.
E a verdade é que este Governo, cedendo ao fervor mais populista que se vai fazendo ouvir não só em
Portugal mas no resto da Europa, procurou apresentar aos portugueses como uma peça central da reforma
penal então apresentada na Assembleia da República o facto de os julgamentos passarem a ser efetuados
mais rapidamente, portanto, sendo os arguidos condenados mais depressa, com tudo o que daí adviria em
matéria de aumento da qualidade e de melhoria do funcionamento da nossa justiça.
Ora, Sr.as
e Srs. Deputados, o que hoje comprovamos é que não só se confirmaram todas as preocupações
que então o PCP deixou nesse debate relativamente à proposta apresentada pelo Governo em matéria de
julgamentos em processo sumário como, mais cedo do que tarde, o Tribunal Constitucional veio dar razão ao
PCP, quando dizemos que este Governo governa à margem da lei, nomeadamente da Constituição, e contra
as regras fundamentais do Estado de direito democrático.
Sr.as
e Srs. Deputados, não estamos a falar de aspetos que são de pouca monta: as duas declarações de
inconstitucionalidade que sobre esta matéria foram pronunciadas por acórdãos do Tribunal Constitucional —
os dois acórdãos do Tribunal Constitucional que sobre esta matéria já existem,…
Protestos da Deputada do PSD Teresa Leal Coelho.
… que certamente, Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho, vão descambar numa declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória e geral — referem tão-só a violação de princípios básicos, tal como
o princípio do respeito pelas garantias de defesa dos arguidos.
Sr.as
e Srs. Deputados, se em matéria processual penal há uma coisa que distingue os Estados de direito
democráticos dos Estados não democráticos é precisamente o respeito pelas garantias de defesa dos
arguidos, que este Governo não teve em conta e que o Tribunal Constitucional vem procurar repor na sua
devida dimensão.
Sr.as
e Srs. Deputados, o projeto de lei que o PCP aqui apresenta tem tão-só o objetivo de reconduzir o
nosso processo penal, em particular as regras definidas para os julgamentos em processo sumário, de modo a
que fique conforme à Constituição, às regras do Estado de direito democrático, impedindo a utilização dos
julgamentos em processo sumário para crimes punidos com pena de prisão superior a 5 anos.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a palavra
a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
Deputadas e Srs. Deputados: O projeto de lei que o
Bloco de Esquerda aqui apresenta retoma no essencial, tal como os demais, propostas efetuadas em sede de
especialidade, quando se fez todo este debate em torno do Código de Processo Penal, e, é bom recordá-lo, a
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direita aprovou sozinha esta alteração profunda de paradigma. Vamo-nos habituando, ao longo dos tempos, a
que a Constituição seja constantemente menosprezada nesta fome de alterar de uma forma ou de outra.
Agora, a evidência relativamente a esta matéria é que os dois acórdãos já conhecidos impõem uma
alteração preventiva antes que seja tarde demais.
Na altura, chamámos a atenção para determinadas preocupações, as quais retomamos neste debate.
Em primeiro lugar, o facto de se tratar de uma alteração estrutural de paradigma efetuada sem o debate e
os consensos necessários; em segundo lugar, e fundamentalmente, o facto de ter que ver com os direitos
fundamentais e com a sua preservação.
Vejamos que o processo sumário passa a recair sobre crimes puníveis com uma moldura penal superior a
5 anos, nomeadamente sobre homicídios. E vou indicar o que é que acontece, para que isto possa ser mais
entendível: é que, para além da gravidade destes crimes, o processo sumário em si é menos garantístico, pois
pode, inclusivamente, correr num tribunal singular. Portanto, poderemos ter, e com toda a consideração, um
jovem e pouco experiente juiz a avaliar um crime desta gravidade de uma forma célere.
Estes dois aspetos, a natureza do próprio processo sumário e o facto de o tribunal poder ser singular, põem
em causa direitos fundamentais.
É nosso entendimento que o móbil da celeridade processual, que é, evidentemente, uma expetativa justa
da sociedade e também um direito dos cidadãos, esta «cavalgada» da celeridade processual através do
processo sumário não faz qualquer sentido quando colide com direitos constitucionalmente garantidos, tal
como o direito de defesa, que não está efetivamente salvaguardado com esta proposta que a direita aprovou
sozinha.
É nesse sentido que retomamos aquilo que dissemos. Fizemos todas as advertências necessárias na
altura, sabíamos exatamente quais eram os riscos, mas o PSD e, sobretudo, o CDS, com muita convicção,
«cavalgaram» esta proposta, levaram-na até ao fim, deixaram-na no papel! Não há qualquer evidência factual
de que a celeridade processual tenha aumentado à conta desta vossa teimosia contra princípios
constitucionalmente salvaguardados, pelo que o debate a fazer é o da reposição desses mesmos direitos. Ou
seja, por um lado, há que repor as garantias relativas ao direito de defesa e, por outro lado, não é possível
nem sustentável que factos da mesma gravidade e natureza possam ser julgados de formas diferentes.
No que respeita a estas duas questões, faço aqui um apelo, desta feita à maioria, no sentido de se poder
travar este processo e avaliá-lo com o bom senso necessário.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Andreia Neto.
A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Os projetos de lei aqui em discussão
visam alterar o Código de Processo Penal eliminando a possibilidade de julgamento em processo sumário
para crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos.
A Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, alterou o Código de Processo Penal, nomeadamente no que diz
respeito ao processo sumário.
Com efeito, esta lei veio alargar a possibilidade de submissão a julgamento em processo sumário, da
competência do tribunal singular, à generalidade dos crimes, com exceção da criminalidade altamente
organizada, dos crimes contra a segurança do Estado e dos crimes relativos às violações do Direito
Internacional Humanitário. Estas alterações tiveram claramente resultados a favor da celeridade e eficácia do
sistema da justiça, bem como da própria realização dos fins das penas.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — A verdade é que o processo sumário, nestes termos, permite
descongestionar as instâncias de julgamento no que respeita aos crimes puníveis com pena de prisão superior
a 5 anos, desde que os arguidos responsáveis pela prática dos mesmos tenham sido detidos em flagrante
delito, e nessa medida a prova apresenta-se facilitada.
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A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Bem lembrado!
A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — Por outro lado, é também consabido que os julgamentos, a curta distância,
dos factos renovam o sentimento de confiança da comunidade na eficácia das normas jurídicas violadas, para
além de se traduzirem numa economia de tempo e de custos por demais importantes.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — Sr.as
e Srs. Deputados, este assunto merece-nos todo o cuidado, toda a
serenidade e não a busca de soluções apressadas, como aquela que o Partido Socialista apresentou, que
depois redunda num completo vazio legislativo,…
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Bem lembrado!
A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — … numa norma sem previsão legal, conforme foi esclarecido hoje, em sede
de discussão, na reunião da 1.ª Comissão.
O Sr. João Oliveira (PCD): — No que respeita ao PCP, não tem essa desculpa!
A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — É preciso dizer, Sr.ª Deputada Isabel Oneto, pois falou em dúvidas
levantadas hoje, em sede de reunião da 1.ª Comissão, que essas dúvidas não foram criadas por nós mas, sim,
pelo Partido Socialista. Haja serenidade no tratamento deste assunto, Sr.ª Deputada.
Mas, Sr.as
e Srs. Deputados, a discussão acerca da eliminação da possibilidade de julgamento em processo
sumário de crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos devido a inconstitucionalidade
fundamentada em dois casos concretos — curiosamente, dois casos concretos do mesmo Tribunal — não nos
desvia daquela que é a nossa convicção. A verdade é só uma, Srs. Deputados: a norma em causa está em
vigor, a norma em causa não foi desaplicada e não foi objeto de censura constitucional com força obrigatória e
geral!
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — Caso venha a ser declarada inconstitucional com força obrigatória e geral, o
Grupo Parlamentar do PSD cá estará para analisar, cá estrará para reagir e cá estará para respeitar essa
decisão.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — Aliás, Sr.as
e Srs. Deputados — e vou terminar —, devo dizer também que,
em sede de audição parlamentar, a própria Sr.ª Ministra da Justiça mostrou também disponibilidade para
possíveis alterações.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Queria sublinhar, em primeiro
lugar, como aqui foi dito — não seria necessário o CDS vir lembrá-lo agora, porque várias bancadas nos
fizeram já esse favor —, que esta é uma matéria para nós importante, é uma matéria relevante, é uma matéria
que sempre defendemos e continuamos a defender com a mesma convicção.
Consideramos que a relevância dos julgamentos rápidos é aquilo que a maior parte dos cidadãos dizem da
necessidade de celeridade na justiça, designadamente na justiça penal, como é evidente.
Quais são, na nossa opinião, as vantagens dos julgamentos rápidos? São óbvias, evidentes e mantêm-se.
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Em primeiro lugar, o sentimento social de justiça e de segurança, ou seja, de que, perante um crime
cometido, designadamente em flagrante delito, não ouvimos os cidadãos expressarem aquela sua
preocupação de que «não acontece nada», «nunca mais há julgamento», «passado um tempo, está fora, outra
vez» e de que tudo se repete indefinidamente. É preciso responder a esse sentimento de insegurança, como é
evidente.
Em segundo lugar, a confiança social que rebate a ideia da impunidade, ou seja, a possibilidade de
julgamento rápido é uma forma de combater um possível sentimento de impunidade na sociedade.
Em terceiro lugar, é, obviamente, importante para a confiança e até para o próprio moral das forças de
segurança que estão no terreno, que todos os dias sentem este problema no terreno e que necessitam de ver
a justiça ser feita com rapidez, como forma de confiança na sua atuação.
Sabemos — e respeitamo-lo, obviamente — que outras forças políticas, designadamente o Partido
Socialista e o PCP (que, agora, apresentam propostas de alteração), tiveram uma posição contrária e crítica,
porque a posição contrária que têm agora não é nova. De resto, a proposta que apresentam não difere muito
da crítica que fizeram na altura em que esta matéria foi discutida e aprovada pelos partidos da maioria. Por aí,
não há grande novidade.
É evidente que é relevante que, no âmbito do trabalho que a Sr.ª Deputada Andreia Neto fez como relatora
— e cumprimento e felicito-a por isso —, se tenha detetado que a pressa na resolução destas matérias não é
forçosamente boa conselheira e que a pressa que o Partido Socialista teve acabou por levá-lo a apresentar
uma proposta que, entre ontem e hoje, teve de ser alterada, porque, se tivesse mantido a versão de ontem,
teria o resultado contrário àquele que o próprio Partido Socialista pretendia ao retificar esta mesma matéria.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ora bem!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Isso foi mérito, em primeira linha, da relatora e felicito a Sr.ª Deputada
Andreia Neto por isso.
Agora, também não podemos ter aqui a seguinte posição: se o Tribunal Constitucional toma sobre dois
casos concretos uma decisão que é a favor daquilo que pensamos, exultamos, dizemos «Viva a
Constituição!», damos vivas ao Tribunal, etc.; se, numa matéria onde foram ditas da forma mais arrogante
possível várias coisas, como, por exemplo, na limitação de mandatos, o Tribunal Constitucional decide em
sentido contrário daquele que queremos, bom, aí, já foi o Tribunal Constitucional que andou mal, não se fez
justiça, não há uma lei como deve ser, etc. Não, nós não elogiamos ou criticamos consoante o momento ou
consoante a decisão em concreto.
No caso concreto, o que dizemos é que esta matéria é fundamental. Há uma preocupação,
designadamente em relação aos 5 anos. À partida, não consideramos que o princípio da igualdade é violado,
porque, como é evidente, a diferença é feita pelo flagrante delito.
Em relação a um cidadão que comete um crime cuja pena seja superior a 5 anos, qual é a diferença entre
ser julgado em processo sumário ou ser julgado em processo normal? Do nosso ponto de vista, a diferença
está no flagrante delito, ainda que possa fazer sentido, como diz o Partido Socialista na apreciação
parlamentar que apresentou, que se clarifique aqui ou se densifique, mesmo, o conceito de flagrante delito.
Obviamente que não é a mesma coisa um cidadão que acabou de cometer um atropelamento e fuga ser
detido imediatamente, na sequência do ato, pela polícia ou um cidadão que acabou de disparar uma arma ser
detido imediatamente e um cidadão ser detido por um particular e presente às autoridades, depois. Talvez por
aí haja uma necessidade de clarificação.
Se estivéssemos perante um projeto de recomendação para que o Governo analisasse esta matéria, como
a Sr.ª Ministra da Justiça disse que faria, estaríamos de acordo.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Agora, não vamos correr atrás desta matéria, estamos dispostos a
ponderá-la e, se necessário, a clarificá-la ou a densificá-la no pressuposto de que, para nós, o regime jurídico
de julgamentos rápidos é fundamental para a confiança dos cidadãos e para o moral das forças de segurança.
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Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, a Mesa tem ainda uns segundos para «oferecer»…
Sr. Deputado João Oliveira, tem a palavra.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, este debate teve esta curiosidade de ouvirmos do CDS uma
intervenção bem mais moderada e bem mais temperada do que a do PSD.
De facto, Sr.ª Deputada Andreia Neto, a intervenção do PSD é de puro sectarismo.
Protestos do PSD.
De puro sectarismo!
A Sr.ª Deputada parece que nem quer atender às evidências. Sr.ª Deputada, há dois acórdãos do Tribunal
Constitucional a declararem, em concreto, a aplicação daquelas normas do processo sumário num
determinado sentido e ele tem de declarar a inconstitucionalidade da norma com força obrigatória geral a partir
do momento em que mais situações destas surgirem.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Não tem, não! Isso não é verdade!
O Sr. João Oliveira (PCP): — E mais, Sr.ª Deputada: dizer-se que a norma ainda não é inconstitucional e,
portanto, quando essa questão se colocar logo ponderaremos, é até contraditório com a própria afirmação da
Sr.ª Ministra,…
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Não é, não!
O Sr. João Oliveira (PCP): — … que já começou a «pôr as barbas de molho» e até já disse na Comissão
que o Governo está a preparar uma alteração ao Código de Processo Penal em relação a esta matéria.
Mas, Sr.ª Deputada Andreia Neto, dizer-se que estas alterações vieram contribuir para a celeridade, para o
descongestionamento dos tribunais, para a eficácia, apesar de, depois, tudo isto redundar em zero porque,
com a declaração de inconstitucionalidade, lá estão os tribunais a terem que ver a ser postas em causa as
suas decisões… Aliás, neste caso, nem se põe em causa as decisões dos tribunais. No caso do tribunal do
Entroncamento foi o próprio tribunal que recusou a aplicação do processo sumário, quando ele era proposto
pelo Ministério Público.
Em relação a este aspeto, vale a pena associar a resposta do PSD à resposta do CDS, quando o Sr.
Deputado Telmo Correia disse que eram importantes os julgamentos rápidos. Sr. Deputado Telmo Correia,
são importantes quando a justiça puder ser feita com rapidez. Isto porque há situações em que a justiça tem
de ser feita com mais vagar para que haja ponderação,…
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — É verdade!
O Sr. João Oliveira (PCP): — … para que as garantias de defesa possam ser asseguradas, mas nestas
circunstâncias o que acontece é exatamente o contrário.
Com as normas que os senhores aprovaram para que haja julgamentos rápidos, não pode haver a
ponderação que a justiça impõe, não pode haver o respeito pelas garantias de defesa,…
A Sr. Teresa Anjinho (CDS-PP): — Não é verdade!
O Sr. João Oliveira (PCP): — … tal qual aquilo que o Tribunal Constitucional vem dizer.
O Sr. Deputado Telmo Correia diz que a celeridade dos julgamentos é aquilo que as forças de segurança
mais desejam e eu pergunto-lhe: as forças de segurança terão ficado satisfeitas com o resultado destes
acórdãos do Tribunal Constitucional? As forças de segurança ficarão satisfeitas por saber que os juízes, hoje,
vão julgar em processo sumário mas que, afinal de contas, depois, o processo tem de ser refeito porque o
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Tribunal Constitucional diz que a utilização daquele processo sumário, naquele caso concreto, afinal, não
podia ser feita?
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: os Srs. Deputados da maioria
podem continuar a «enterrar a cabeça na areia» e a dizer aquilo que já nem a Ministra da Justiça diz, ou seja,
podem continuar a defender as alterações que aqui aprovaram há uns meses, alterações, essas,
inconstitucionais e incompatíveis com regras fundamentais do Estado de direito democrático.
Protestos do Deputado do PSD Hugo Velosa.
Nós cá continuaremos a contribuir para que a conformação do processo penal com a Constituição, com as
regras do Estado de direito democrático possa existir.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel
Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr.ª Deputada Andreia Neto refere,
expressamente, no relatório que poderá ter havido lapso na redação do PS, lapso em que a senhora também
incorre ao dizer que nós propomos a eliminação dos n.os
8 e 9 do artigo 389.º, mas o artigo 389.º não tem n.º
6, não tem n.º 7, não tem n.º 8, nem tem n.º 9!
Portanto, Sr.ª Deputada, em matéria de lapsos, estamos entendidas.
Mas maior lapso do que este é o da Ministra da Justiça fazer aplicar uma lei e quatro meses depois vir
alterá-la.
O Sr. António Braga (PS): — Exatamente!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Essa é que é a surpresa das surpresas!
Aplausos do PS.
Afinal de contas, quem andou acelerado demais…
O Sr. António Braga (PS): — É curioso! É muito curioso!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … e, por acaso, pelo caminho, esqueceu que existe uma Lei Fundamental
chamada Constituição e que existem os direitos dos arguidos (fundamental na nossa Constituição) foram a
Sr.ª Deputada Andreia Neto e a Sr.ª Ministra. Isso passou ao lado e isto é que é lamentável, porque estamos a
falar dos nossos cidadãos, Sr.ª Deputada!
Sr. Deputado Telmo Correia, celeridade não significa mais justiça, nem se deve, em nome da celeridade,
restringir direitos fundamentais. Com esse argumento, todos os julgamentos eram sumários! Para quê os
outros?!Para quê os outros?!
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr.ª Deputada…!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Deputado, com esse argumento, tínhamos todos os processos sumários,
todos os processos rápidos neste País!
Protestos do Deputado do CDS-PP Telmo Correia.
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Não acredita?! É o resultado da lógica da celeridade processual.
O que é fundamental é celeridade processual sem restrição de direitos fundamentais, como é a garantia de
defesa dos arguidos e o princípio da culpa. Isto é que é fundamental. Mas os senhores já andam muito longe
da Constituição há muito tempo, não é de agora!
Vozes do PSD e do CDS-PP: — Oh!…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E outras inconstitucionalidades havemos de debatê-las aqui, infelizmente,
porque os senhores continuam a não ler o Texto Fundamental.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, concluída a discussão, na generalidade, dos projetos
de lei n.os
452, 457 e 458/XII (3.ª), informo que os respetivos diplomas serão votados na sessão da próxima
sexta-feira e no período regimental de votações.
Vamos, agora, passar ao terceiro ponto da ordem de trabalhos, que diz respeito à apreciação do Decreto-
Lei n.º 92/2013, de 11 de julho, que define o regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de
captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de
efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos [apreciações parlamentares n.os
58/XII (2.ª) (PCP) e
56/XII (2.ª) (PS)].
Para proceder à apresentação da apreciação parlamentar n.º 58/XII (2.ª), tem a palavra a Sr.ª Deputada
Paula Santos.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos chamar à discussão na
Assembleia da República o Decreto-Lei n.º 92/2013, que estabelece o regime dos sistemas multimunicipais de
água, efluentes e resíduos, porque ele constitui mais uma peça na estratégia privatizadora deste Governo.
Aliás, com a lei, já aprovada, da delimitação do setor, com a proposta de lei que introduz alterações nos
sistemas municipais de abastecimento de água, saneamento e resíduos sólidos e urbanos e mais este
Decreto-Lei, o Governo pretende criar um edifício jurídico e legal que permita concretizar os seus objetivos, ou
seja, entregar de bandeja aos grupos económicos setores públicos fundamentais, sem nenhum risco para
estes e garantidos chorudos lucros.
Podemos referir também que um conjunto de investimentos já foi realizado nas infraestruturas pelo erário
público para benefício do interesse público e agora, entregando de bandeja aos grupos económicos, são eles,
sem qualquer investimento, que vão explorar e obter lucros com esse mesmo investimento que foi feito.
Com o objetivo de privatização da água e do saneamento, o Governo traçou este processo em três fases:
uma primeira, de fusão; uma segunda, de verticalização; e uma terceira, a que chamou «subconcessão» —
mas não vale a pena virmos aqui com jogos de palavras porque o que significa é a sua privatização — e, neste
concreto, este Decreto-Lei que estamos hoje aqui a discutir propõe fundir e criar megassistemas
multimunicipais. Não vêm, no concreto, esses megassistemas, mas, na verdade, o Governo já apresentou a
sua proposta. São quatro: um, para o Norte; um, para o Centro Litoral; um, para Lisboa e Vale do Tejo, que vai
do Alentejo a Foz Côa; e um para o Sul. E o Decreto-Lei vem dar corpo a isto.
Este Decreto-Lei menoriza também a participação dos municípios em todo este processo, remetendo-os
para uma participação minoritária e esquecendo-se das competências que são dos municípios e que estão
aqui a ser tratadas. Aliás, vem sendo uma prática deste Governo desrespeitar a autonomia do poder local
democrático que consideramos inaceitável, autonomia esta que está consagrada na nossa Constituição. Mas
também sabemos bem qual é o peso da Constituição para este Governo: basta ver o conjunto de medidas que
este Governo pretende implementar e que, bem, o Tribunal Constitucional considerou que eram
inconstitucionais.
Por isso, este Governo impõe aos municípios a obrigação de aderir a determinados sistemas
multimunicipais e que determina, previamente, quais é que são esses sistemas multimunicipais. Não podemos
esquecer, de facto, qual é a orientação política que está subjacente, que está por detrás disto tudo. Há aqui
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grandes interesses do capital, porque está na natureza do capital pretender que tudo aquilo que esteja
relacionado com bens essenciais ao ser humano, bens essenciais à vida, possa ser objeto de negócio e de
lucro. É isto que está na génese de todo este processo.
Neste caso concreto, a água enquadra-se perfeitamente nestes princípios. Ninguém vive sem água. Por
que não, então, ter um negócio em torno da água? Se todos precisamos de água para viver, então, a água é
mais um dos objetos de negócio e de lucro do capital.
E o que faz o Governo português perante esta situação? Em vez de defender os interesses públicos e os
interesses da população, não, o Governo português submete-se aos interesses dos grandes grupos
económicos.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Aliás, esta é claramente a opção ideológica que está em cima da mesa, a
qual o PCP não aceita, rejeita por uma questão de princípio.
Neste sentido, o PCP apresenta hoje aqui um projeto de resolução para cessação da vigência do decreto-
lei em causa, porque consideramos que não é desta forma que defendemos o serviço público, não é desta
forma que defendemos os interesses da população.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para apresentar a apreciação parlamentar do Partido Socialista, tem a
palavra o Sr. Deputado Pedro Farmhouse.
O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e
Energia, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Sr.as
e Srs. Deputados: Diz-
nos o ditado popular que só percebemos o valor da água depois da fonte seca.
Ora, é a fonte que o Governo quer secar a todo o custo, Sr.as
e Srs. Deputados. Senão, vejamos: ainda sob
a alçada do grande Ministério onde tudo cabia, o Governo alterou a Lei de Delimitação de Setores,
introduzindo uma figura de subconcessão, apresentou uma proposta de alteração do Estatuto da Entidade
Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos que ainda está parada, do regime jurídico dos sistemas
municipais e multimunicipais e, mais recentemente, dos regimes de faturação e contraordenacional associados
aos serviços municipais.
Em maio deste ano, a propósito da proposta de lei n.º 140/XII (2.ª), não deixámos de elogiar o Governo
pela sua coerência na construção de um grande puzzle cuja peça final será o desmembramento dos serviços
públicos de água, saneamento e tratamento de resíduos. É que com a venda da Empresa Geral do Fomento,
felizmente atrasada embora prevista já para 2014, resta apenas dar sequência ao alinhamento legislativo há
muito planeado e que tem vindo a ser desenvolvido nos últimos dois anos, ou seja, a privatização do setor das
águas. Uma privatização feita sem quaisquer entraves jurídicos e com todas as garantias aos futuros
investidores de que as tarifas sobem e de que os munícipes pagam as suas dívidas. Haverá investimento mais
seguro?
Sr.as
e Srs. Deputados, a apreciação parlamentar requerida pelo Partido Socialista incide, assim, sobre o
passo que faltava para concretizar a subconcessão a privados do abastecimento de água, a qual, como
sempre afirmámos, é uma forma de privatização destes serviços públicos essenciais.
Trata-se de uma apreciação parlamentar que incorre sobre um diploma que viabiliza a operação de
alienação de participações sociais a privados no setor dos resíduos, na medida em que desaparece a regra da
maioria pública do capital das entidades gestoras e, consequentemente, a maioria do poder público nos
concessionários dessas entidades. Materializa-se, assim, a autonomização do subsetor dos resíduos no grupo
Águas de Portugal e a sua abertura ao setor privado, liquidando aquela que é hoje a maior empresa
portuguesa de capitais exclusivamente públicos.
Vozes do PS: — Muito bem!
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O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Falamos de um diploma que preconiza um caminho distinto daquele que
consideramos ser o desejável para os setores da água e dos resíduos, não só porque consubstancia uma
reorganização que acontece sem que se encontrem revistos os principais documentos estratégicos do setor —
nem o Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos, nem tão-pouco os novos Estatutos da Entidade
Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos —, mas igualmente porque esquece as parcerias existentes
com os municípios, diminuindo a sua posição acionista, afastando-os do poder de participarem na gestão dos
temas multimunicipais de maior dimensão, acentuando-se inequivocamente a desresponsabilização
democrática pela prestação de serviços públicos de excelência e descurando o papel que sempre tiveram na
prossecução e na garantia de serviços essenciais universais, os quais só alcançaram elevados níveis de
atendimento e de eficiência graças às parcerias existentes e que estão agora em risco.
É uma peça legislativa só aparentemente inocente, que se esquece de cuidar do todo, do conjunto das
situações de natureza estrutural, operacional, económico-financeira e ambiental dos subsetores das águas e
resíduos, nomeadamente as inúmeras parcerias existentes com as autarquias locais.
É uma peça legislativa que em nada protege os consumidores portugueses e que prepara um novo quadro
legal para uma privatização a todo o custo destes serviços e bens públicos essenciais. Trata-se de um diploma
que esquece que o Estado deve fazer o que é útil, e nada do que este Decreto-Lei contém é útil.
Sr.as
e Srs. Deputados, a posição do Partido Socialista sempre foi a de criar todas as condições para
garantir a sustentabilidade dos sistemas, dentro do respeito do poder local e na lógica da defesa do
consumidor, em detrimento da criação de condições para a sua privatização, alfa e ómega da política deste
Governo.
Defendemos, por isso, a cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 92/2013, de 11 de julho.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário
Magalhães.
O Sr. Mário Magalhães (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: As apreciações parlamentares do
decreto-lei que define o regime de exploração e gestão dos serviços do setor das águas merecem-nos duas
notas.
A primeira nota refere-se aos graves problemas do setor. O setor tem sistemas com défices acumulados; o
setor tem assimetrias tarifárias gritantes entre o litoral e o interior; o setor tem sistemas sem sustentabilidade
e, outros, à beira da rotura financeira.
Protestos da Deputada do PCP Paula Santos.
Já sei, Sr.ª Deputada, que para o Partido Comunista nada disto é um problema! O problema é reorganizar o
setor. Criar novos sistemas que assentem num maior equilíbrio entre os tarifários do litoral e do interior é um
problema. Para o Partido Comunista tudo é um problema, pois consegue ver aquilo que ninguém viu, que é a
intenção do aumento do custo da água. Mas desde quando reestruturar é aumentar o custo da água?
A reorganização do setor e a criação de sistemas sem défices tarifários, mais sólidos e eficientes,
mantendo-os de natureza pública, para o Partido Socialista é um problema. Pergunto: mas porquê? Onde está
o problema? Corrigir o que está errado é um problema? Mas desde quando?
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Mas não é corrigir o que está errado!
O Sr. Mário Magalhães (PSD): — Para o Partido Comunista reestruturar é um passo para a privatização
da água. Mas desde quando?
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Está lá escrito!
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O Sr. Mário Magalhães (PSD): — Para o Partido Comunista existem por aí, algures, uns malandros, uma
grande conspiração do grande capital, dos interesses económicos, que estão todos organizados à espera do
grande lucro da privatização da água. Mas onde viram isso? De onde saiu essa teoria? Do Decreto-lei n.º
92/2013, não foi seguramente, Sr.ª Deputada Paula Santos!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Foi lá agora!…
O Sr. Mário Magalhães (PSD): — A segunda nota dirige-se ao Partido Socialista, que, enquanto Governo,
teve responsabilidades no setor, conhece muito bem a insustentabilidade dos pequenos sistemas e sabe que
a reestruturação do setor é necessária e urgente.
Diz o Partido Socialista que o diploma em apreço preconiza um caminho distinto daquele que é desejável
para o setor. Pergunto-lhe, Sr. Deputado Pedro Farmhouse, qual é o caminho desejável. A reestruturação não
é o caminho desejável?!
O Partido Socialista acaba de dar entrada de um projeto de resolução com a intenção de suspender o
processo de reestruturação do setor. Pergunto, então: ouviram os vossos autarcas, que desejam que este
processo arranque rapidamente para resolverem o problema da água e do saneamento dos seus concelhos,
sem escala e, quantos deles, sem infraestruturas?
Manter as assimetrias tarifárias entre o litoral e o interior também é um problema para o Partido Socialista?
Onde está o sentido de coesão territorial e de solidariedade? Manter os desvios tarifários é manter os sistemas
deficitários, sem escala e sem qualquer sustentabilidade? É por isso que querem adiar e manter tudo como
está? Querem fingir que não se passa nada?!
Não, Srs. Deputados do Partido Socialista, não é possível! Simplesmente não é possível fazer-de-conta
que está tudo bem! Este modelo está esgotado. Terminou o tempo! A reestruturação é importante e urgente.
A água é vida porque a água é de todos!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira para uma
intervenção.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, Sr. Deputado Mário
Magalhães, a água é de todos. E vamos esperar que assim continue, mas acho que se alguém tem quanto a
isto um problema é o PSD.
O PSD tem um problema com tudo o que é público. Portanto, na altura em que fazemos a apreciação do
Decreto-Lei n.º 92/2013, quero dizer que, para Os Verdes, este diploma representa uma etapa nos objetivos
do Governo relativamente à privatização da água. E diga o Governo e a maioria o que disserem, a verdade é
que este Decreto-Lei vem materializar no plano legislativo a peça que faltava para o Governo avançar na sua
estratégia de privatizar o abastecimento de água, o saneamento e o tratamento de resíduos sólidos.
Seria bom ter presente que, quando falamos da água, falamos de um bem essencial à vida e que não
pode, nem deve, ser gerido em função de critérios de lucro e de distribuição de dividendos por acionistas mas,
sim, numa lógica que atenda às necessidades das pessoas.
O Governo do PSD e do CDS tinha a obrigação de aprender com os erros. É que há casos mundialmente
conhecidos de privatizações do setor da água que demonstram que a gestão privada da água tem gerado
privações muito graves e condicionalismos muito preocupantes para as populações.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Existem estudos que fazem um relato verdadeiramente
avassalador sobre o impacto da privatização massiva de bens públicos, como é o caso da água.
Como já afirmámos várias vezes, a luta pelo reconhecimento do direito à água e saneamento para todos
faz parte do combate pela defesa de sociedades sustentáveis e mais justas, sociedades nas quais os recursos
naturais têm de ser protegidos e geridos em função do bem comum.
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Não temos dúvidas de que a concretização deste propósito do Governo representará uma grave ameaça
ao acesso universal à água e ao saneamento. Mas representa mais: representa uma séria ameaça ao controlo
democrático e à preservação de um bem público comum, vital não só para o presente como também para o
futuro.
Todos sabemos que a eventual privatização da água, para além de outros aspetos gravíssimos do ponto de
vista ambiental, vai trazer aumentos brutais na fatura da água. É por isso, Sr. Deputado, que nem todos
teremos, certamente, acesso à água, e é por isso também que as intenções do Governo ganham, nesta altura,
contornos mais preocupantes, tendo em conta a situação das famílias portuguesas, cujo rendimento disponível
continua a emagrecer substancialmente na sequência das medidas de austeridade que o Governo continua a
impor.
Ninguém duvida que a fatura da água subirá de forma insuportável com a privatização, com a preparação
do negócio para a subordinação ao objetivo do lucro. Por outras palavras, é um caminho que vem agravar a
pobreza e promover a desigualdade social.
Uma percentagem cada vez maior da população deixará certamente de poder pagar a fatura da água, e,
assim sendo, ser-lhe-á cortado o respetivo fornecimento. É este o jogo, Sr. Deputado, e são estas as regras do
setor privado.
Protestos do Deputado do PSD Mário Magalhães.
O Sr. Deputado diz que não. Parece que adormeceu embebido em água noutro mundo!…
Porque entendemos que a água é de todos, mas também que deve continuar a ser de todos, defendemos
que a propriedade e a gestão da água têm que estar sob domínio público e longe do mercado, por maior que
seja a sede dos grupos privados interessados em fazer da água uma fonte de lucro.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Muito bem!
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Para terminar, quero dizer que acompanhamos o Partido
Comunista Português e o Partido Socialista nas apreciações parlamentares e apresentamos também uma
iniciativa legislativa com o objetivo de fazer cessar a vigência do Decreto-Lei n.º 92/2013, para que a água
continue, de facto, a ser de todos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto para uma intervenção.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e
Energia, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Sr.as
e Srs. Deputados: As
apreciações parlamentares que estamos neste momento a discutir são, do ponto de vista do Bloco de
Esquerda, muito oportunas. Ainda bem que o Partido Socialista e o PCP tomaram a iniciativa de trazer este
tema a debate.
O Sr. Deputado Mário Magalhães, que já se pronunciou sobre as apreciações parlamentares, fez muitas
perguntas, mas não deu nenhuma resposta, Sr. Deputado. O que importam são as respostas, nomeadamente
as do PSD, enquanto maior partido que apoia este Governo.
Mas temos cá o Sr. Ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, que, com certeza, hoje irá responder às
questões prementes que se colocam em torno de toda a problemática e de todas as iniciativas legislativas
sobre a privatização da água.
O Bloco de Esquerda tem dito, desde o início — e disse-o por várias vezes à sua antecessora nesse cargo
—, que se tratava de um puzzle, em que o Governo ia pondo as peças, todas elas, no sentido da privatização
da água e que depois, quando a montagem estivesse completa, iríamos verificar o resultado destas iniciativas
legislativas. Ora, este Decreto-Lei é mais uma peça deste puzzle. E repito, Sr. Ministro: trata-se, de facto, da
privatização da água, um bem essencial à vida, um bem escasso, que nunca deverá ser retirado do domínio
público, do domínio do Estado.
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O presente Decreto-Lei permite, desde já, a entrega do setor dos resíduos sólidos a entidades privadas e
concretiza a sua autonomização no Grupo Águas de Portugal. Há possibilidade de lucro? — é a questão. Há,
sim. Como há possibilidade do lucro e como o negócio dos resíduos é um negócio apetecível, entrega-se aos
privados. É este o lema e a prática do Governo.
Quanto ao regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, de tratamento e de
distribuição da água, o objetivo é exatamente o mesmo. A fusão dos sistemas multimunicipais, prevista neste
Decreto-Lei, visa ganhos de escala, dizem os Srs. Deputados da maioria. É verdade, visa ganhos de escala,
mas só para os privados que vierem a entrar no sistema, nada mais. Trata-se de preparar o sistema para
depois vir outra medida legislativa e, então, a privatização ter, de facto, muitos ganhos de escala e, sobretudo,
de lucro.
O Decreto-Lei subalterniza os municípios, Sr. Ministro — gostava que se pronunciasse sobre esta matéria
—, e relega-os para o papel de simples emissão de parecer, sem dizer, sequer, qual é a consequência do
parecer. O município é chamado a dar parecer, tem 45 dias para o fazer. E depois, Sr. Ministro? Se todos os
municípios disserem que não estão de acordo, como é?
Em resumo, é um Decreto-Lei que abre as portas aos privados num setor fundamental, que não respeita as
competências dos municípios e que terá como consequência óbvia o aumento das tarifas. Aliás, o Governo
tem tomado várias medidas nesse sentido, inclusivamente aquela célebre medida que ainda cá está, mas que
consta dos estatutos da ERSAR: a ERSAR é que define as tarifas, retirando essa competência a quem é
eleito, que é uma coisa completamente inacreditável e que espero que o Sr. Ministro não acompanhe.
Como temos dito desde o início, é um puzzle gota a gota, mas fica clara a intenção do Governo. E não é
uma questão de semântica, Sr.as
e Srs. Deputados, Concessionar é mesmo privatizar.
Por isso, o Bloco de Esquerda acompanha as apreciações parlamentares do PCP e do PS e apresenta um
projeto de resolução no sentido da cessação de vigência deste Decreto-Lei.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Altino Bessa.
O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, começo por cumprimentar o Sr.
Ministro e desejar-lhe as melhores felicidades para o cargo que ocupa, dado que ainda não tinha tido
oportunidade de o fazer.
Esta história do Grupo Águas de Portugal é longa, não começou agora. Quando, há cerca de dois anos e
meio, este Governo assumiu funções, o Grupo Águas de Portugal não era nada mais, nada menos do que o
espelho daquilo que era o setor do Estado; não era nada mais, nada menos do que uma empresa, do ponto de
vista económico-financeiro, completamente desestruturada; não era nada mais, nada menos do que uma
empresa com mais de 3000 milhões de euros de endividamento; não era nada mais, nada menos do que uma
empresa com o défice tarifário de mais de 500 milhões de euros; não era nada mais, nada menos do que uma
empresa a quem os municípios deviam mais de 550 milhões de euros.
E o que o Partido Socialista faz, depois de entregar o País nas condições que entregou a este Governo, e
neste caso concreto também, é não apresentar nenhuma solução. Não tem nenhuma solução para este
problema, como não tem nenhuma solução para o País. Então, vem pedir, em conjunto com o PCP, a
apreciação deste Decreto-Lei para a cessação da sua vigência, até com um sem fim de falsidades, porque,
efetivamente, o que este Decreto-Lei nos traz é a entrada no setor privado do Grupo Águas de Portugal, mas
no que diz respeito à EGF (Empresa Geral de Fomento, SA), a parte dos resíduos.
Relativamente ao setor da água — que isto fique muito bem claro —, à titularidade do bem público água,
esta maioria, o CDS e este Governo somos contra a privatização da água, somos contra a privatização deste
setor — que isso fique muito bem claro.
Quanto à concessão de vários setores e do setor dos resíduos, efetivamente a entrada de privados é
possível. Quando falam na concessão de privados em alguns sistemas de abastecimento de água, convém
lembrarmo-nos, por exemplo, de Setúbal, onde a água está concessionada a privados há mais de 10 anos.
Nunca resgataram essa concessão, e já o podiam ter feito.
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Falam em desrespeito para com os municípios, mas isso não é verdade, porque o artigo 4.º deste Decreto-
Lei diz: «A criação de um sistema multimunicipal deve ser precedida de parecer dos municípios territorialmente
envolvidos». E diz mais à frente, no artigo 6.º: «Na situação prevista no número anterior, os municípios
acionistas de entidades gestoras do novo sistema multimunicipal mantêm, independentemente da sua
participação social, os direitos de que eram titulares em virtude do disposto na lei comercial».
Por isso, não é verdade que os municípios deixem de manter os seus direitos. Há uma estratégia definida
neste Governo para reestruturar o Grupo Águas de Portugal e a estratégia é distinta no setor dos resíduos e
no setor da água.
E, relativamente ao setor da água, que fique claro que o CDS, esta maioria e este Governo mantêm a
posição de que o domínio público se mantém na esfera do Estado, na esfera pública.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente, do
Ordenamento do Território e Energia.
O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia (Jorge Moreira da Silva): — Sr.
Presidente, Srs. Deputados: Procurarei clarificar algumas das matérias que foram levantadas, alguma
mistificação que foi lançada sobre este tema, muitas designações que foram incorretamente lançadas sobre o
processo de reestruturação. Mas gostava, neste início de intervenções que faço no Parlamento, de dizer que o
tema da água e dos resíduos traduz uma alteração de paradigma, isto é, durante muitos anos tivemos focados
na infraestruturação e o nosso enfoque, neste momento, deve estar orientado para a gestão mais eficiente dos
ativos, para a qualidade do serviço prestado, para a coesão social e territorial e para a sustentabilidade
económico-financeira.
Como sabem, o Governo trata de forma diferente o tema água e o tema resíduos no contexto da
reestruturação do setor empresarial.
No que diz respeito aos resíduos, entendemos que o essencial da atividade do Estado está concluída e
que, no plano conceptual, todas as atividades relacionadas com resíduos estão mais orientadas para a
atividade industrial do que para atividades de infraestrutura de rede. É, aliás, a forma como no contexto
internacional se trata já o tema dos resíduos.
E não convém aqui lançar nenhuma mistificação: mais de 60%, ou, dizendo de outra maneira, praticamente
metade da atividade dos resíduos vai para lá da atividade da EGF, Empresa Geral de Fomento do Grupo
Águas de Portugal — a atividade do setor privado, a atividade dos municípios. Portanto, esta é uma área onde
se justifica avançar com mais concorrência.
De facto, fizemos um compasso de espera no processo de privatização, que será despoletado em breve,
para que se pudesse concluir o processo de regulação ambiental — terei oportunidade de lançar a proposta do
PERSU II (Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos) ainda esta semana —, de regulação
económica, esperando pela proposta da ERSAR sobre o regime tarifário. E sobre esta matéria haverá ainda
um processo de diálogo com os municípios antes do processo de privatização na área dos resíduos.
Mas, na área da água — que foi o essencial da discussão aqui realizada —, preocupa-me um conjunto de
equívocos que foram lançados e que não acautelam a racionalidade do debate nem a garantia que temos de
dar às populações de que não está em causa nenhuma privatização das águas.
Confesso que não sei onde é que os Srs. Deputados encontraram, na letra da lei, este risco de
privatização. A lei diz…
Risos do PCP.
Srs. Deputados, não convoquem nem o preconceito nem o processo de intenção para este debate.
Em nenhum momento, na lei, se avança com a privatização; antes pelo contrário, é afirmado na lei que
permanecem no domínio público as empresas de gestão das infraestruturas, os sistemas multimunicipais. O
que a lei permite não é uma inevitabilidade, mas uma possibilidade de, no final deste processo de
reestruturação, poder haver ou não uma subconcessão dos sistemas.
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Vozes do PCP: — Ah!…
O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia: — Srs. Deputados, o que orienta
a reestruturação é a disparidade tarifária entre o interior e o litoral. E confesso a minha perplexidade pelo facto
de os Srs. Deputados da oposição não estarem preocupados com a circunstância de no interior se pagar muito
mais pela água do que no litoral.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia: — O que preocupa o Governo é
a circunstância de não haver uma sustentabilidade económico-financeira deste sistema, que tem um défice
tarifário de mais de 500 milhões de euros e dívidas dos municípios de 600 milhões de euros.
O que preocupa o Governo é a circunstância de existirem perdas no processo de abastecimento, em
alguns sistemas de 80%, enquanto em outros sistemas são apenas de 8%. Isto é, o essencial é avançarmos
para economias de escala, economias de gama, capacidade de maior harmonização tarifária entre interior e
litoral, capacidade de gerar eficiência, coesão social e territorial, sustentabilidade no recurso.
No final do processo de reestruturação das águas, depois da agregação dos 19 sistemas em 4 sistemas,
depois do final do processo de integração entre as «altas» e as «baixas», o País terá oportunidade de decidir
se quer, depois de chegar a esse estádio, subconcessionar a exploração dos sistemas ou manter a exploração
pública.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Agora vivem como querem!
O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia: — Sr. Deputado, imagine que no
final deste processo se chega à conclusão de que as quatro empresas que resultam desta agregação têm
níveis de desempenho económico equivalentes à EPAL. Por que razão haveremos de subconcessionar essas
empresas?
Direi aos Srs. Deputados que querem tomar hoje uma decisão sobre subconcessão que o essencial é dotar
este sistema de sustentabilidade económico-financeira — é uma possibilidade, não é uma inevitabilidade. Não
perderei um minuto que seja com o tema da subconcessão, mas guardarei toda a minha atenção para a
reestruturação, para a coesão social e territorial, para a melhoria da eficiência e da qualidade do serviço
prestado, e espero que os Srs. Deputados também se concentrem nisso, porque, isso sim, é que é o
essencial.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, deram entrada na Mesa
quatro projetos de resolução com vista à cessação de vigência do Decreto-Lei que acabámos de apreciar, os
projetos de resolução n.os
849/XII (3.ª) (PS), 850/XII (3.ª) (BE), 851/XII (3.ª) (PCP) e 852/XII (3.ª) (Os Verdes),
que serão votados na sessão de sexta-feira.
N próxima reunião plenária, que tem lugar amanhã, quinta-feira, dia 17, pelas 15 horas, vamos apreciar, na
generalidade, a proposta de lei n.º 171/XII (2.ª) — Estabelece mecanismos de convergência do regime de
proteção social da função pública com o regime geral da segurança social, procedendo à quarta alteração à
Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, à
alteração do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, que aprova o Estatuto da Aposentação, e revogando
normas que estabelecem acréscimos de tempo de serviço para efeitos de aposentação no âmbito da Caixa
Geral de Aposentações.
Serão também apreciados, em conjunto, os projetos de resolução n.os
752/XII (2.ª) — Recomenda ao
Governo a clarificação dos conceitos presentes no regime de instalação e funcionamento dos recintos de
espetáculos e de divertimentos públicos, de forma a garantir condições de sã concorrência e promover uma
efetiva proteção dos direitos dos cidadãos em matéria de poluição sonora (PSD) e 670/XII (2.ª) — Recomenda
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ao Governo que pondere rever o quadro legal do regime de instalação e funcionamento dos recintos de
espetáculos e de divertimentos públicos (CDS-PP) e ainda o projeto de resolução n.º 848/XII (3.ª) — Por uma
política pública de crédito para o relançamento da economia (BE).
Por fim, serão apreciadas as petições n.os
177/XII (2.ª) — Apresentada por inter-reformados/CGTP,
manifestando-se contra as injustiças, o roubo dos subsídios de férias e de Natal e o empobrecimento, e
244/XII (2.ª) — Apresentada pela Federação Portuguesa pela Vida, solicitando que a Assembleia da República
tome medidas no sentido de Defender o Futuro do País, designadamente que proceda à revogação ou
alteração das leis que permitam saldar o défice e a dívida, assegurar a sustentabilidade do Estado social e sair
da crise económica e social.
Os nossos trabalhos de hoje estão, pois, concluídos. Desejo uma boa tarde a todos.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.