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Sábado, 30 de novembro de 2013 I Série — Número 22
XII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2013-2014)
REUNIÃOPLENÁRIADE29DENOVEMBRODE 2013
Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves
Secretários: Ex.mos
Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
S U M Á R I O
A Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 6
minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de
resolução n.º 69/XII (3.ª), do projeto de lei n.º 471/XII (3.ª) e do projeto de resolução n.º 862/XII (3.ª).
A propósito da intervenção da Polícia de Segurança Pública, na passada noite, no centro de distribuição dos CTT em Cabo Ruivo, onde se encontrava um piquete de greve, com a presença, entre outros, de dois Deputados, os Deputados Pedro Filipe Soares (BE) e João Oliveira (PCP) interpelaram a Mesa por considerarem que foi posto em causa o direito de livre circulação dos Deputados, tendo apelado à Presidente para exigir do Ministro da Administração Interna uma explicação sobre a matéria. Além da Presidente, que afirmou que a Mesa iria averiguar o sucedido, usaram também da palavra sobre o assunto os
Deputados Nuno Magalhães (CDS-PP), Carlos Abreu Amorim (PSD) e Alberto Martins (PS).
Foi discutida e aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 182/XII (3.ª) — Procede à primeira alteração à Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social. Intervieram, a diverso título, além do Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social (Pedro Mota Soares), os Deputados José Luís Ferreira (Os Verdes), Mariana Aiveca (BE), David Costa (PCP), Adão Silva (PSD), Raúl de Almeida (CDS-PP), Maria de Belém Roseira (PS), Jorge Machado (PCP), Artur Rêgo (CDS-PP) e José Manuel Canavarro (PSD). Entretanto, durante a discussão, público presente nas galerias mostrou cartazes de protesto.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 183/XII (3.ª) — Aprova a lei de bases
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gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, que foi aprovada, e dos projetos de lei n.
os 469/XII (3.ª) — Regime de uso e transformação do
solo e 470/XII (3.ª) — Segunda alteração à lei de bases da política de ordenamento do território e de urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto), ambos apresentados pelo PCP, que foram rejeitados.
Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministrodo Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia (Jorge Moreira da Silva), os Deputados Luís Fazenda (BE), José Luís Ferreira (Os Verdes), Ramos Preto (PS), Artur Rêgo (CDS-PP), Miguel Tiago (PCP), Adriano Rafael Moreira (PSD), Paula Santos (PCP), Miguel Freitas (PS), Pedro Morais Soares (CDS-PP), Ângela Guerra (PSD), Margarida Neto (CDS-PP) e Cristóvão Norte, Luís Leite Ramos e Carlos Abreu Amorim (PSD).
Foram aprovados os votos n.os
155/XII (3.ª) — De pesar pelas vítimas do supertufão Haiyan, nas Filipinas (PS, CDS-
PP, PSD, PCP, BE e Os Verdes) e 160/XII (3.ª) — De pesar pelo falecimento do arquiteto Alcino Soutinho (PCP, PS, Os Verdes, BE, PSD e CDS-PP), tendo depois a Câmara guardado 1 minuto de silêncio.
Foi rejeitado o voto n.º 156/XII (3.ª) — De condenação pelo assassinato, em Angola, de Alves Kamulingue, Isaías Cassule e Manuel Ganga (BE).
Foram aprovados os votos n.os
158/XII (3.ª) — De homenagem às mulheres assassinadas no contexto de uma relação afetiva (PS, PSD, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes) e 159/XII (3.ª) — De saudação pela celebração do acordo nuclear com o Irão (PS).
A Câmara aprovou ainda três pareceres da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, autorizando dois Deputados do PSD e um Deputado do PS a intervirem em tribunal.
A Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 50 minutos.
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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo — a quem cumprimento —, Srs.
Jornalistas, está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 6 minutos.
Os Srs. Agentes da Autoridade podem abrir as galerias.
Antes de iniciarmos a ordem do dia, vou dar a palavra ao Sr. Secretário, Deputado Duarte Pacheco, para
proceder à leitura do expediente.
Faça favor, Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram
admitidas pela Sr.ª Presidente, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de resolução n.º 69/XII (3.ª) —
Aprova o regresso, por parte da República Portuguesa, ao Ato Constitutivo da Organização das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI), adotado, em Viena, em 8 de abril de 1979 e em vigor
desde 10 de junho de 1985, que baixa à 2.ª Comissão; projeto de lei n.º 471/XII (3.ª) — Determina a isenção
de portagens na A22 (Via do Infante) (BE), que baixa à 6.ª Comissão; e projeto de resolução n.º 862/XII (3.ª)
— Recomenda ao Governo que proceda à abertura do processo de classificação do cinema Odéon (BE), que
baixa à 8.ª Comissão.
Em termos de expediente, é tudo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para interpelar a Mesa, dois Srs. Deputados, um do Bloco de
Esquerda e outro do PCP.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, nesta interpelação à Mesa trago uma situação que
ocorreu há poucas horas e que se prende com a restrição de liberdade de Deputados da Assembleia da
República.
Há poucas horas, eu próprio e o Deputado Bruno Dias, do Partido Comunista Português, num ato de
solidariedade, estivemos, junto dos trabalhadores dos CTT que estavam num piquete de greve.
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, peço desculpa por interromper, mas há ruído na Sala.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — É verdade, é!
A Sr.ª Presidente: — O Sr. Deputado tem que ser escutado.
Pedia aos Srs. Deputados que estão a entrar na Sala o favor de se sentar, porque há muito ruído. O
princípio das sessões é sempre assim.
Pausa.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Como eu estava a dizer, há poucas horas, eu próprio e o Deputado
Bruno Dias estivemos junto dos trabalhadores dos CTT que participavam num piquete de greve.
Decorrente desse piquete de greve, foi criado um cordão policial que confinou quer os trabalhadores, quer
dirigentes sindicais, quer nós próprios a uma lateral da estrada.
Ora, esse acontecimento, mesmo depois de nos termos identificado enquanto Deputados, fez com que
tivéssemos sido limitados na nossa liberdade e que não pudéssemos circular livremente.
Por isso, nesta interpelação apelo aos bons ofícios da Sr.ª Presidente para que se exija do Ministro da
Administração Interna uma explicação sobre esta matéria. Colocou-se em causa um direito dos Deputados
desta Assembleia, que é o da livre circulação, e para nós um ato como este não pode passar sem uma
explicação cabal por parte do Ministro da Administração Interna.
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Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, também para uma interpelação à Mesa, o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, pedimos a palavra exatamente pelos mesmos motivos,
porque aquilo que aconteceu ontem à noite com dois Deputados da Assembleia da República e com a atuação
policial que ocorreu envolvendo esses dois Deputados e o piquete de greve é, de facto, uma situação de
grande gravidade.
O PCP irá promover a audição do Sr. Ministro da Administração Interna na Assembleia da República.
Julgamos, contudo, que este não é um problema dos dois Deputados em causa ou dos grupos parlamentares
a que pertencem, é um problema da Assembleia da República e de desrespeito da liberdade para o exercício
das funções que os Deputados devem ter assegurada, a qual não foi respeitada pelo Governo, que deu
indicações para a mobilização de um dispositivo policial, como aquele que ontem à noite tivemos oportunidade
de constatar, sobre um piquete de greve que estava numa ação de greve legítima, limitando, inclusive, de
alguma forma, os direitos legais e constitucionais dos piquetes de greve.
Há um problema, que é de fundo, que tem que ver com o exercício de funções por parte dos Deputados da
Assembleia da República e julgamos que esse deve ser um problema assumido pela Assembleia da
República, pela gravidade que assume aquilo que aconteceu ontem à noite naquele piquete de greve dos
CTT.
Deixamos esse apelo, para além das diligências que vamos encetar para que o Sr. Ministro da
Administração Interna venha à Assembleia da República prestar os esclarecimentos que tem que prestar.
Julgamos que este problema tem necessariamente que ter uma abordagem institucional pela Assembleia da
República, porque dois Deputados da Assembleia da República foram impedidos pela polícia, obviamente com
orientações do Governo, que enviou a polícia para o local onde estava o piquete de greve dos CTT.
Protestos do PSD.
É uma situação de grande gravidade e que, julgamos, deve motivar essa intervenção por parte da
Assembleia da República.
Aplausos do PCP, do BE e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, responderei no fim de todas as interpelações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, queria também fazer uma interpelação à Mesa sobre
este tema, que é sério.
Estamos a falar de um órgão de soberania, que é a Assembleia da República, em que os Deputados são
eleitos livremente para exercer o seu mandato, nomeadamente na defesa da Constituição.
Sr.ª Presidente, o que vimos ontem à noite foram membros de um órgão de soberania violando
grosseiramente a Constituição, nomeadamente impedindo o direito ao trabalho e à liberdade de circulação de
trabalhadores,…
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Isso é uma vergonha!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … de portugueses e de portuguesas, que procuravam em liberdade
(felizmente, em liberdade!) exercer o seu direito ao trabalho, a sua liberdade de circulação, com certeza
diferentemente de outros trabalhadores da mesma empresa que, em liberdade, procuravam exercer outro
direito fundamental, que é o direito à greve. São ambos direitos fundamentais, Sr.ª Presidente.
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Porque entendemos que em democracia não se podem voltar a erguer certos muros que limitam a
circulação e a liberdade de pessoas, queria pedir à Sr.ª Presidente da Assembleia da República os bons
ofícios para apelar a todos os Membros desta Casa que defendam a legalidade democrática e a Constituição
da República Portuguesa.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Quando se falta à verdade é porque não resta mais nada!
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim, tem a palavra.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Sr.ª Presidente, interpelo a Mesa para dizer que, neste momento, o
Grupo Parlamentar do PSD não tem conhecimento dos factos para além daquilo que veio relatado na
comunicação social, mas o que veio relatado e as imagens que foram vistas nas televisões deram para
perceber algumas coisas.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Ah, pois deu!
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Em primeiro lugar, que o direito à greve foi integralmente cumprido.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Em segundo lugar, que pareciam — sublinho, pareciam — existir
algumas pessoas, entre as quais Deputados, que procuravam obstar a que o direito daqueles que queriam
legitimamente trabalhar fosse exercido.
Protestos do PCP.
No entanto, Sr.ª Presidente, julgamos que os factos devem ser apurados, mas com serenidade, sem tentar
entrar em «números» políticos que são perfeitamente escusados neste momento que o País atravessa.
Aplausos do PSD.
Sr.ª Presidente, queria ainda dizer, se me permite, que também partilho das preocupações em relação ao
revestimento, digamos assim, da soberania deste órgão de soberania e dos seus representantes, que são os
Deputados, julgamos que a dignidade da função de Deputado deve ser preservada acima tudo e gostaria que
essa mesma posição que foi agora aqui expressa pelos Srs. Deputados da extrema-esquerda que falaram…
Protestos do PCP e do BE.
… também fosse acompanhada em relação às manifestações das galerias,…
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Os senhores é que são da extrema-direita!
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — … que constante e reiteradamente têm aviltado e apoucado este
órgão de soberania.
A dignidade do Parlamento começa nesta Sala, e é nesta Sala que deve ser defendida também!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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Protestos do PCP e do BE, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, para respeitar a rotatividade, dou, primeiro, a palavra ao Sr.
Deputado Alberto Martins e, depois, aos Srs. Deputados que, de novo, a pediram.
Tem a palavra, Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr.ª Presidente, creio que se exige um apuramento rigoroso dos factos e
das respetivas circunstâncias.
Por outro lado, temos que ter presente que a legalidade é a legalidade;…
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Alberto Martins (PS): — … que o cumprimento da lei se aplica às diversas partes em confronto; que
os direitos e deveres têm que ser todos respeitados; e, particularmente, que, nos termos da proporcionalidade,
há um direito dos Deputados, um direito especial da condição de Deputado, que é o de livre-trânsito.
Por isso, esperamos uma informação preciosa sobre se esse direito foi ou não respeitado.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Tem, de novo, a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, não queríamos que esta discussão fosse dirimida aqui, mas
este meu segundo pedido de palavra tem uma justificação muito simples: é que a falsidade não pode ser
argumento nesta discussão.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, aquilo que aconteceu ontem foi uma situação em que
envolveu uma ação policial sobre um piquete de greve e dois Deputados (Deputados que não estavam
incluídos no piquete de greve porque, obviamente, não era nem poderia ser esse o objetivo da sua presença),
sem qualquer justificação e em violação não só do respeito que os Deputados devem merecer pelo exercício
das suas funções,…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
… mas também, Sr. Deputado Nuno Magalhães, em violação das regras legais que estão previstas no
Código do Trabalho.
Sr. Deputado Nuno Magalhães fica com esta informação: dê mais atenção ao artigo 533.º do Código do
Trabalho, que prevê, para os piquetes de greve, o exercício de dissuadirem por meios pacíficos os
trabalhadores não grevistas, que era aquilo que o piquete de greve estava fazer…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
… e que a polícia impediu que fosse feito.
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
E, impedindo a polícia que o piquete de greve exercesse as suas competências legais, impediu Deputados
da Assembleia da República de cumprirem as funções para que foram eleitos.
Vozes do PCP: — Muito bem!
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O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa matéria, Sr.ª Presidente, não é nem pode ser uma preocupação de
dois Deputados ou de dois grupos parlamentares, tem que ser uma preocupação da Assembleia da República
e da democracia, porque a polícia não deve servir para reprimir piquetes de greve, nem trabalhadores e muito
menos para impedir os Deputados de exercerem as suas funções.
Aplausos do PCP e do BE.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Deputados que estavam a impedir o direito ao trabalho a quem queria
trabalhar!
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, pedia-lhe que limitasse a interpelação ao
esclarecimento dos factos, para não transformamos esta matéria num longo debate.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, creio que as intervenções que tivemos por parte da
direita são, mais do que inqualificáveis — eu qualifico-as bastante bem —, vergonhosas para esta Assembleia!
Vergonhosas!
A polícia — e falo com propriedade, porque estive lá — confinou dois Deputados (e, repito, este é o fato:
confinou dois Deputados), um conjunto de trabalhadores e um conjunto de dirigentes sindicais à lateral de uma
estrada. Os Deputados, depois de se terem identificado, continuaram confinados.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Pode doer muito à direita, mas a verdade é esta.
E, Sr.ª Presidente, neste caso só se pode tomar uma decisão, e foi exatamente isso que solicitei quando
interpelei a Mesa. Não pretendo — acho que não é esse o caminho — ter um debate político aqui sobre esta
matéria, mas, sim, sobre o que este órgão de soberania deve fazer para ser respeitado e sobre qual é o
entendimento da Sr.ª Presidente relativamente à livre circulação dos Deputados.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — O entendimento que os senhores têm é que os Deputados podem circular
no meio da rua e parar o trânsito?!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Os Deputados não podem estar confinados, como aconteceu ontem.
Isso aconteceu e foi devido à ação das forças policiais.
Por isso, o que dissemos à Sr.ª Presidente, e mantemos, é que nos parece legítimo que a Sr.ª Presidente
exija do Ministro da Administração Interna uma explicação, por ter confinado dois Deputados à lateral de uma
estrada, restringindo a sua liberdade.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Inscreveu-se, de novo, o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP) — Sr.ª Presidente, sem qualquer tipo de adjetivação, qualificativos e
nervosismo, queria apenas esclarecer a Sr.ª Presidente — e, já agora, contribuir para o debate — que é nosso
entendimento que o exercício das funções de Deputado não implica a violação da lei e da Constituição.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não precisa disso! Mas quem é que violou a lei?!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP) — É nosso entendimento, Sr.ª Presidente, que os Deputados, tendo em
atenção a natureza das suas funções, têm alguns privilégios em relação aos demais portugueses,…
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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Não é privilégio, é respeito!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … os quais não implicam…
Protestos do PCP e do BE.
Em primeiro lugar, implicam ouvir e deixar os outros falar.
A Sr.ª Presidente: — Absolutamente.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Parecendo que não, ajuda.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Implicam não mentir!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, queria só dizer que, no entender do Grupo
Parlamentar do CDS, o exercício das funções de Deputado não implica a violação da lei e da Constituição, não
implica barrar camiões de trabalhadores que pretendem trabalhar…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Quem é que fez isso?!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … e não arrogamos para nós qualquer tipo de privilégios especiais
nesta matéria.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os Deputados não fizeram isso!
A Sr.ª Presidente: — Ainda pede para se inscrever o Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Sr.ª Presidente, queria apenas chamar a atenção de que este tema
terá, com certeza, uma sede mais adequada para debate na Conferência de Líderes; dizer que, em relação ao
«número» político que aqui se quis fazer, apesar de não sabermos exatamente o que se passou, nas imagens
não se enxerga qualquer excesso das autoridades; e relembrar aquilo que já foi dito aqui pelo Sr. Deputado
Nuno Magalhães, o de que os Deputados devem ser os primeiros no cumprimento integral da lei e da
Constituição.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, queria dizer o seguinte: a Mesa vai averiguar o que se passou,
segundo o relato que aqui é trazido em primeira mão.
A Mesa não sabe o que se passou, mas há uma coisa que queria deixar clara: é suficiente que um
Deputado, um único que seja, venha trazer ao Plenário uma qualquer queixa, mesmo sob condição de
verificação da sua objetividade, para que a Mesa tome nas mãos o dever de imediatamente esclarecer o que
se passou, em defesa do Parlamento, sem esperar pela Conferência de Líderes. Eu não esperarei pela
Conferência de Líderes e vou tentar saber, rapidamente, o que se passou.
A função do Deputado é sagrada. Há limites. Vamos ver o que se passou, mas o dever de reagir e saber é
imediato. E é isso que fica aqui claro.
Aplausos do PCP, do BE, de Os Verdes e de Deputados do PS.
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Srs. Deputados, vamos agora entrar no ponto 1 da ordem do dia que, como sabem, consiste da discussão,
na generalidade, da proposta de lei n.º 182/XII (3.ª) — Procede à primeira alteração à Lei n.º 4/2007, de 16 de
janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social.
Para intervir, em primeiro lugar, apresentando a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da
Solidariedade, Emprego e Segurança Social.
O Sr. Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social (Pedro Mota Soares): — Sr.ª Presidente,
Sr.as
e Srs. Deputados: Toda a Europa vê hoje a sua esperança média de vida aumentar. Esta enorme
conquista civilizacional é produto dos avanços científicos, mas também de um modelo social que edificámos
ao longo de décadas. Se, por um lado, temos esta carga positiva, por outro, uma preocupante quebra
demográfica, que alastrou sem exceção a todas as nações do velho continente, constitui um sério problema
para a sustentabilidade dos sistemas sociais.
A conjugação destes dois fatores levanta, assim, um enorme desafio: responder a um processo de «duplo
envelhecimento», com incremento, por um lado, da proporção de pessoas idosas e, por outro, uma diminuição
significativa da proporção de jovens.
Conjugando demografia com economia, o problema coloca-se assim: temos cada vez menos ativos para
financiar cada vez mais pensionistas por, felizmente, cada vez mais anos, fruto da evolução da esperança
média de vida. Num estudo recente da OCDE, é referido que se não forem feitas reformas atempadamente, as
gerações atuais e seguintes verão diminuído o retorno face ao contribuído, isto é, a taxa de substituição
diminuirá em todo o mundo.
Em prol das gerações futuras e da confiança nos sistemas urge, pois, realizar e pensar as devidas
reformas de um modelo que foi idealizado ainda sem esta conjugação de fatores estar presente.
Tal como consta do estudo elaborado para os parceiros sociais e que o Governo entrega hoje, aqui, à Sr.ª
Presidente da Assembleia da República para distribuir por todos os grupos parlamentares…
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Entrega hoje!
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Algum dia tinha de ser!
O Sr. Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social: — … a esperança média de vida à
nascença, em Portugal, deverá aumentar cerca de 7,7 anos para os homens e 6,1 para as mulheres até 2060.
Por seu lado, a esperança média de vida calculada aos 65 anos indica que, em média, os homens vão viver
mais 22,1 anos e as mulheres 25,1 anos, o que se traduz numa aumento, até 2060, de 5 anos e de 4,7 anos,
respetivamente.
O Governo, ciente desta tendência, apresenta, neste sentido, a esta Câmara, a base necessária à
preservação de um sistema previdencial mais sustentável. Uma meta que muitos países perseguem e para a
qual têm trabalhado e apresentado reformas.
Nesse sentido, países como a Alemanha — que prevê agora um aumento gradual até aos 67 anos —, ou
Espanha — cuja atual reforma prevê o aumento da idade da reforma —, ou França — onde já foi traçada uma
proposta de aumento até aos 67 anos —, ou até Itália — em que está já traçada a estimativa até aos 68 anos.
Todos eles aumentaram a idade de reforma, todos eles perspetivando responder ao desafio destes tempos.
Portugal, segundo a Comissão Europeia, encontra-se entre aqueles que empreenderam recentemente uma
reforma estrutural no seu sistema de pensões (em 2007), alterando a sua posição em termos de
sustentabilidade no contexto europeu, passando de país de risco alto para país de médio risco. Todavia, a
profunda reforma operada em 2007 não ficou concluída.
No entanto, relatórios recentes indicam que o efeito das reformas só se faz sentir no longo prazo e não no
curto ou médio prazo.
Em 2007, primeiro ano de aplicação da reforma, o sistema previdencial de repartição apresentou um défice,
e isso tem-se verificado, com exceção de um ano, até hoje. Só entre 2012 e 2014 foram e vão ser transferidos
extraordinariamente mais de 3,6 mil milhões do Orçamento do Estado para a segurança social, evitando que
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se recorresse ao Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social. Isto é, evitando que se hipotecasse o
futuro. Fica, assim, provada a importância de se dar um passo coerente face à reforma iniciada em 2007.
Como sabem, e essa tem sido uma negociação prolongada e dura, a troica queria impor em Portugal os 67
anos como idade de reforma. Este não foi o entendimento do Governo. Contrariámos a troica e preferimos agir
com maior moderação.
Por esta via que apresentamos, garante-se que a idade de acesso à reforma é prolongada de forma
moderada e bastante graduada no tempo. Na prática, com as alterações que pretendemos introduzir e cuja
base é aqui hoje apresentada, apenas haverá um aumento de 6 meses da idade da reforma.
Hoje, fruto do atual fator de sustentabilidade, só é possível aceder à reforma dita completa a partir dos 65
anos e 6 meses. Com a adequação que pretendemos introduzir, a idade de acesso à pensão passa para os 66
anos, e por isso, referia que na prática apenas há um acréscimo de 6 meses.
Sr.as
e Srs. Deputados, na sua análise a 30 países, a OCDE destaca Portugal como sendo um dos países
em que se estão a fazer reformas que conferem maior proteção relativa aos que dispõem de menores
rendimentos. Portugal está também entre os lugares cimeiros, quando se compara o valor das pensões
mínimas em relação ao salário médio do País, valendo um pouco menos de 35%. Ora, para esta realidade,
certo é que também terá contribuído muito a prioridade estabelecida por este Governo: a do aumento das
pensões mínimas, sociais e rurais para cerca de um milhão e cem mil portugueses. Sempre em valor igual ou
superior ao da inflação real, o que significa, no triénio, um aumento de 5,3% destas pensões, que se traduz
num ganho médio de 160 € anuais para cerca de um milhão e cem mil portugueses, concretizando um ganho
de poder de compra de 0,3% em três anos. É certamente pouco, mas contrasta muito com o passado recente
em que estas pensões tinham sido congeladas.
A proposta do Governo é não só moderada na progressão do aumento da idade de reforma face à
evolução da esperança de vida, mas também na salvaguarda das situações de menor proteção.
Há, na nossa proposta, oito salvaguardas:
Primeira, esta proposta só se aplica para o futuro, não atingindo os pensionistas atuais do sistema.
Segunda, todos aqueles que fizerem 65 anos até ao final de 2013, independentemente do momento de
apresentação do pedido, verão a sua situação salvaguardada desde já.
Terceira, não haverá lugar a qualquer dupla penalização: ou se incide com base no valor ou se incide por
via da idade, nunca em acumulado.
Quarta, serão igualmente salvaguardadas as pensões convoladas (por exemplo, pensões de invalidez que
se transformam em pensões de velhice) com mais de 20 anos de atribuição; e aquelas cuja convolação tenha
ocorrido há menos de 20 anos manterão o enquadramento anterior, ou seja o fator antigo.
Quinta, escolhemos também salvaguardar as pensões de invalidez destas alterações que pretendemos vir
a introduzir.
Sexta, excecionadas estarão também as carreiras contributivas mais longas para quem a idade de acesso
à reforma se reduz em 4 meses por cada ano, além dos 40 anos de carreira contributiva, até a um limite
mínimo de 65 anos. Assim, alguém que tenha uma carreira contributiva de 43 anos poderá pedir a reforma
efetivamente aos 65 anos.
Sétima, de forma a proteger a gestão das expectativas individuais, o Governo quer também assegurar que
a este modelo só se aplique a série estatística do INE passado dois anos civis, ou seja, a próxima, que sairá
em outubro de 2014 só incidirá sobre o fator de sustentabilidade a partir de janeiro de 2016. Tal medida mitiga
ainda mais o impacto que possa ter esta alteração e assegura a estabilidade necessária para todos aqueles
que estejam hoje a pensar na sua reforma.
Oitava, para aquelas profissões cujos beneficiários estejam legalmente impedidos de continuar a exercer a
profissão para além dos 65 anos e que a tenham exercido nos últimos 5 anos, bem como para profissões que
estejam legalmente enquadradas como de desgaste rápido ou de carácter penoso, este novo regime que
pretendemos introduzir não se aplicará. Estarão, assim, excecionados, por exemplo, mineiros, profissionais da
pesca, condutores de veículos pesados, pilotos de aviação, controladores de tráfego aéreo, bailarinas, entre
outras que se enquadrem nas devidas ressalvas previstas pela lei e que ainda agora referia. São algumas
exceções da maior justiça que pretendemos acautelar.
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Sr.as
e Srs. Deputados, o avanço do fator de sustentabilidade é moderado e, mesmo com esta alteração,
continuará a avançar com igual cadência: até aqui, o aumento da idade da reforma em 6 anos, por via do fator
de sustentabilidade, resultou em apenas mais 6 meses, os atuais, aqueles que já conhecemos.
Sr.as
e Srs. Deputados, a OCDE calcula que os gastos com pensões vão continuar a pesar cada vez mais
no PIB de toda a Europa. Calcula que para preservar o atual modelo, sejam necessárias reformas. Ou seja, a
Europa inteira está a tentar responder ao desafio de que vos falei no início.
Não agir é hipotecar todo um sistema. Portugal não pode fazer isso, a bem das gerações futuras e da
confiança que se impõe. Daí a apresentação desta nossa proposta aos Deputados desta Casa para que
reflitam e connosco construam a melhor solução.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para fazer perguntas ao Sr. Ministro, os Srs. Deputados José Luís
Ferreira, de Os Verdes, David Costa, do PCP, Adão Silva… perdão, Mariana Aiveca, do Bloco de Esquerda, e
Adão Silva, do PSD.
Pausa.
O problema não é da Mesa, Srs. Deputados. É preciso que aqui ponhamos as coisas a limpo. Os Srs.
Deputados inscreveram-se ao mesmo tempo quando o Sr. Ministro acabou de falar, pelo que é difícil
acertarmos sobre o anúncio das perguntas que vão ser feitas. Não é grave, mas…
Pausa.
Estão inscritos cinco Srs. Deputados. A saber: José Luís Ferreira, de Os Verdes, Mariana Aiveca, do Bloco
de Esquerda, David Costa, do PCP, Adão Silva, do PSD, e Raúl de Almeida, do CDS-PP.
O Sr. Ministro informa que vai responder em conjunto.
Sr. Deputado José Luís Ferreira, tem a palavra.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, o Governo pode dizer o que quiser,
até pode dizer que esta proposta é muito boa para as pessoas que trabalharam uma vida, mas a verdade é
que esta proposta não passa de mais uma peça do puzzle que o Governo desenhou para castigar ainda mais
as pessoas que trabalharam e que fizeram, e fazem, os seus descontos nos exatos termos que contrataram
com o Estado.
De facto, através desta proposta de lei, o Governo pretende alterar princípios que constam da lei de bases
da segurança social relativamente à idade normal de acesso à pensão de velhice e ao fator de
sustentabilidade — permitindo mudanças tanto na idade normal de acesso à pensão de velhice como no ano
de referência para o cálculo do fator de sustentabilidade — e, por essa via, alterar o valor das pensões a que
todos os beneficiários terão direito.
Mas o Governo quer mais: o Governo quer fazer tudo isto à margem deste Parlamento. O Governo quer ter
luz verde deste Parlamento para, no futuro, poder invocar a evolução da esperança média de vida ou a
sustentabilidade do sistema de segurança social para alterar o cálculo da pensão de velhice e, dessa forma,
proceder a cortes nas reformas como muito bem entender.
Seria bom ter presente que o Governo, em matéria de cortes nas reformas, já ultrapassou os limites do
bom senso e até os limites da moralidade. O Governo já colocou as pessoas a ganhar menos, a pagar mais
impostos e a trabalhar mais. Primeiro foi a diminuição dos feriados, depois o aumento do horário de trabalho e,
agora, é a idade da reforma. Ó Sr. Ministro, mas quando é que acaba este pesadelo?
O Governo e, também, o Sr. Ministro falam muito da sustentabilidade da segurança social, mas eu gostava
que nos dissesse, pelas contas que faz, o que é que constitui uma ameaça maior para essa sustentabilidade:
serão as elevadas taxas de desemprego ou será o envelhecimento das pessoas?
Por fim, Sr. Ministro, há, nesta discussão, um aspeto que não conseguimos, de facto, compreender. É que
quando se trata do Memorando da troica ou de parcerias público-privadas tanto o Governo como os partidos
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da maioria falam do Estado de direito e da necessidade de o Estado dar resposta aos compromissos ou aos
contratos que celebra, mas quando o tema é cortar nas reformas o Governo já não fala em Estado de direito,
já nem fala da necessidade de cumprir contratos.
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Estamos perante uma dualidade de critérios e não compreendemos porquê. Então, o Estado de direito só
pressupõe o cumprimento de certos contratos? Esse cumprimento depende de quem estiver do outro lado?
Isto é, se quem estiver do outro lado for a troica ou os grandes grupos económicos fala-se do Estado de direito
e da necessidade de cumprir contratos; se forem os reformados já não há Estado de direito e já não há
necessidade de cumprir contratos. É assim, Sr. Ministro?
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr. Ministro, trouxe-nos o estudo
hoje. Estava a ver que não!… É que esta proposta de lei entrou no Parlamento em outubro e era sua
obrigação fazer acompanhá-la de um estudo que motivasse estas alterações. Mas verdadeiramente, nestes
últimos dois anos, Sr. Ministro, ainda não nos trouxe nada que provasse como vai a sustentabilidade da
segurança social e das suas contas. E eu bem me lembro que, quando o Sr. Ministro era Deputado nesta
Câmara, uma das exigências que fazia, e muito bem, era esta: sustentem-se as propostas com estudos. É
preciso saber tudo sobre a sustentabilidade da segurança social, é preciso saber como decorre a aplicação
das leis existentes para saber o sentido das alterações.
Ora, não é nada disso que o Sr. Ministro tem estado a fazer enquanto membro do Governo. Esqueçam
tudo o que Pedro Mota Soares disse, quando era oposição, sobre pensionistas e segurança social!
Sr. Ministro, esta sua proposta, apenas com dois artigos, altera significativamente a matriz da segurança
social e das pensões.
O senhor coloca no centro da alteração da idade da reforma o fator «sustentabilidade» e diz-nos aqui que
em cada momento, a seu bel-prazer, pode definir esse fator de acordo com os anos que bem quiser. Aliás, já o
fez agora, por via do Orçamento do Estado. Portanto, o Sr. Ministro escolhe o ano que permite aumentar mais
a idade da reforma, como agora bem fez.
Sabíamos que o fator de sustentabilidade decorria da esperança média de vida relativa ao ano de 2006,
mas agora, para ajustar e referindo que aumenta mais um ano — e não é mais um ano, Sr. Ministro, porque é
significativamente mais —, diz-nos que o ano de referência é o de 2000. Para quê? Para impor aqui um
aumento de 12%.
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Ou seja, a idade de acesso à pensão são os 66 anos, mas aplicado o fator de sustentabilidade passa para
os 67 anos.
Ó Sr. Ministro, não enganou a troica, está é a enganar os portugueses!
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado David Costa, do PCP.
O Sr. David Costa (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados e Sr.as
Deputadas, Sr. Ministro, a política de
destruição das condições económico-sociais da vida dos portugueses, a política de submissão aos grandes
interesses económicos, a política de ataque aos trabalhadores que descontam, e descontaram, décadas para
terem acesso a uma pensão de velhice mínima está lacrada neste diploma.
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Uma política de direita, com marca de classe, que, fazendo um ajuste de contas com a História, ajusta
sempre para o mesmo lado: para o lado daqueles que, para além de todo o saque que os sucessivos
Orçamentos do Estado lhes têm imposto, contribuíram para um sistema que julgavam ser justo e transparente.
E agora? Bem, agora ninguém sabe quando nem como; agora depende de fatores e de taxas, como se o
corpo humano fosse reciclável.
Com as condições científico-tecnológicas do século XXI, este Governo impõe retrocessos civilizacionais
para os trabalhadores através das condições de prestação e de remuneração do trabalho do século XIX.
A falácia da sustentabilidade do sistema de segurança social não pega, Sr. Ministro! As propostas de
financiamento do sistema que o PCP apresentou não serviram a este Governo, e percebe-se bem porquê:
porque queriam um fato por medida, queriam criar os mecanismos necessários para atingir o objetivo de
baixar o valor das pensões e aumentar a idade da reforma.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. David Costa (PCP): — Ora, aí está o CDS-PP, o partido que se afirmava o grande defensor dos
reformados e pensionistas!… Na oposição diz uma coisa, no Governo faz exatamente o seu contrário.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
O Sr. David Costa (PCP): — Façam as opções que entenderem, mas assumam-nas, não enganem os
portugueses.
Estas propostas não são de progresso social mas, sim, de agravamento da exploração e de degradação da
vida dos trabalhadores.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva, do PSD.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr.
Ministro, todos pretendemos que o sistema de pensões em Portugal seja sustentável. O facto de ser
sustentável dá confiança aos atuais pensionistas e às futuras gerações, que também têm direito a essa
mesma pensão.
Na realidade, nos últimos 40 anos, tivemos, em Portugal, um aumento da esperança média de vida de
cerca de 10 anos. É preciso assumir que este aumento de 10 anos da esperança média de vida tem custos,
que, obviamente, se repercutem na sustentabilidade do sistema de segurança social. Mas isto acontece em
Portugal como acontece na Europa. Chegam-nos ecos vários de que a Europa se confronta com o aumento da
esperança média de vida e com o problema da sustentabilidade da segurança social. Por isso, gostávamos
que o Sr. Ministro nos trouxesse aqui mais informação sobre o que se passa ao nível da Europa.
Por outro lado, a implementação desta medida tem uma característica, que é a moderação — moderação
na evolução da alteração do fator de sustentabilidade e moderação também pela existência de algumas
cláusulas de exceção ou de salvaguarda. Sr. Ministro, gostávamos que fizesse referência a estas cláusulas de
salvaguarda.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Já fez!
O Sr. Adão Silva (PSD): — Finalmente, em relação a algumas proclamações de ausência de documentos,
direi que é muito importante que haja esses documentos,…
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Pois é!
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O Sr. Adão Silva (PSD): — … mas também vale a pena lembrar que no passado, quando foi debatida aqui
uma lei de bases inteira, muito mais completa do que apenas esta alteração de dois artigos, este Parlamento
discutiu-a sem qualquer documento que consubstanciasse a linha orientadora dessas alterações.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — E depois?!
A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Raúl de Almeida, do CDS-PP.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados,
Sr. Ministro, é um imperativo e um trabalho da maior envergadura assegurar a sustentabilidade da segurança
social. É óbvio que a inversão da pirâmide demográfica, que se traduz por um aumento da esperança de vida,
que é bom, que é salutar e com o qual todos nos congratulamos, corresponde também a um decréscimo da
natalidade que nos preocupa e relativamente ao qual queremos criar medidas e condições para que a situação
se possa inverter.
Sr. Ministro, olhando para a Alemanha, para a França e para a Itália constatamos que a idade da reforma
aumentou para 67 anos ou para 68 anos.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Com o mal dos outros podemos bem!…
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Compreendemos este aumento da idade da reforma, Sr. Ministro, e
compreendemos também que Portugal foi moderado e aquém da troica, de forma a causar o menor impacto
social possível, ao ficar nos 66 anos. Contudo, Sr. Ministro, temos também consciência de que há profissões,
as chamadas profissões penosas ou de desgaste rápido — estou a lembrar-me de cirurgiões, de pilotos de
aviação, de controladores aéreos ou de mineiros —, que têm condições de desgaste diferentes do comum das
profissões, o que implica com o bem-estar, com a segurança e com a saúde dessas pessoas, mas também
com a segurança e o bem-estar geral, em muitos casos.
Sr. Ministro, o que lhe pergunto é se estes casos foram devidamente excecionados, se estão
salvaguardados estes casos de profissões de risco, de profissões penosas e se estes trabalhadores têm os
seus direitos e as suas especificidades asseguradas.
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social para
responder.
O Sr. Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social: — Sr.ª Presidente, começo por
agradecer às bancadas do PSD e do CDS a cedência de tempo ao Governo para permitir uma resposta mais
global.
Começo por responder às questões colocadas pelo Srs. Deputados José Luís Ferreira, Mariana Aiveca e
David Costa.
Srs. Deputados, a pior coisa que podemos fazer aos sistemas sociais é não reconhecer os problemas.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — É destruí-los!
O Sr. Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social: — A pior coisa, o que destrói os
sistemas sociais é querermos enterrar a cabeça na areia e dizer que não há dificuldades perante o mundo
como ele é hoje.
Srs. Deputados, se ligarmos os dados da economia e da demografia percebemos que, de hoje em diante,
vamos ter cada vez menos trabalhadores ativos para mais pensionistas, que, felizmente, terão pensões
durante mais anos, fruto do aumento da esperança média de vida.
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É positivo que haja um aumento da esperança média de vida, mas isso coloca, como é óbvio, uma enorme
dificuldade aos sistemas sociais. Perante esta dificuldade, o que é que podemos fazer? Ou agimos e
reformamos os sistemas sociais exatamente para os preservar, ou, se nada fizermos, estamos a condenar os
sistemas sociais e a desproteger os pensionistas, quer os atuais quer os futuros.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Há alternativas!
O Sr. Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social: — Aproveitando para responder já ao
Sr. Deputado Adão Silva, gostava de relembrar que a Alemanha está a fazer alterações como estas, a França
está a fazer alterações como estas, a Itália está a fazer alterações como estas, a Holanda está a fazer
alterações como estas, tal como a Grécia, a Finlândia e a Inglaterra. Em muitos países da Europa a idade
média da reforma está, de facto, a aumentar, e isso é hoje necessário para proteger o sistema.
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, respondendo-lhe diretamente, quero lembrar-lhe que isto já resulta de uma
alteração de 2006, com a introdução do fator de sustentabilidade em Portugal. Portanto, é do aumento da
esperança média de vida e do fator de sustentabilidade que isto resulta.
De qualquer modo, Sr.ª Deputada, para afastar qualquer medo social que, eventualmente, tenha ou possa
transmitir para fora desta Sala, quero dizer-lhe que para nós é muito importante garantir que, quer em 2014
quer em 2015, a idade da reforma não ultrapassa os 66 anos. E isso é conseguido, Sr.ª Deputada, da seguinte
forma, que é também uma salvaguarda que este diploma terá: garantindo que quando o índice do Instituto
Nacional de Estatística (INE) for publicado, em outubro, não se aplica logo em janeiro do ano subsequente, só
se aplica no ano a seguir.
Sr. Deputado Raúl de Almeida, quanto à pergunta que me colocou, gostava de lembrar-lhe um aspeto
muito importante. Quando, em 2006, foi introduzida uma alteração no sistema, a verdade é que logo no
primeiro ano da reforma, em 2007, houve um saldo negativo no sistema previdencial de repartição.
O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Não é verdade!
O Sr. Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social: — Em 2009, em 2010, em 2011, em
2012 e em 2013 verificou-se isso, e a previsão é que em 2014 também se verifique.
Sr. Deputado, só de 2012 a 2014 foram, ou vão ser, alocados à segurança social mais de 3600 milhões de
euros, de forma a garantir a sustentabilidade deste sistema. É exatamente por isso que se torna necessário
apresentar hoje esta alteração.
Esta alteração é moderada não só na evolução da idade da reforma como é também moderada
relativamente à salvaguarda de muitas situações. Primeiro, garantimos que esta proposta só será para o
futuro, não toca nos atuais pensionistas; segundo, garantimos que todos os que fizerem 65 anos até ao final
do ano manterão essas condições; terceiro, garantimos que não há uma dupla penalização, isto é, à idade da
reforma não se vai somar uma penalização de diminuição dessa mesma reforma — isto é muito importante;
quarto, vamos salvaguardar um conjunto de profissões que efetivamente não podem trabalhar para lá dos 65
anos e, Sr. Deputado, também muito importante porque resolve um problema muito antigo no nosso sistema,
queremos garantir que todas as pessoas com carreiras contributivas muito longas, porque começaram a
trabalhar muito cedo e descontaram durante muitos anos, podem ter um benefício na sua idade de reforma e,
por isso mesmo, por cada ano, para lá dos 40 anos de serviço, podem diminuir quatro meses à idade da
reforma, resolvendo até o problema no qual, como sabe, esta Casa já trabalhou muito tempo e muitas vezes.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, seguimos com as intervenções.
Está inscrita, pelo PS, a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
Neste momento, público presente nas galerias levantou-se e exibiu cartazes de protesto.
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Solicitava às autoridades que pedissem aos senhores que estão a manifestar-se o favor de se retirarem,
porque é proibido manifestarem-se nas galerias — temo-lo dito repetidamente. Façam favor de se retirar. As
manifestações nas galerias interrompem a função parlamentar.
Pedia à Sr.ª Deputada Maria de Belém apenas 1 segundo.
Pausa.
Continuação de manifestações de protesto de público presente nas galerias.
Façam favor de se retirar.
Pausa.
Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, tem a palavra.
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
Deputadas e Srs.
Deputados: A proposta de lei de alteração da lei de bases da segurança social, aqui em discussão, começa
por trazer consigo uma primeira marca, a do incumprimento da própria lei que aqui se pretende, parcialmente,
alterar.
Na verdade, incidindo as alterações propostas sobre o sistema previdencial, apenas, incumpre frontalmente
o princípio da participação, uma vez que esta proposta não foi discutida com as entidades representativas nem
dos trabalhadores, nem das entidades patronais.
Aplausos do PS.
E por que é que isto é grave? É porque, tratando-se do sistema previdencial, que o mesmo é dizer
contributivo, as receitas por ele geradas não são do Estado, mas de quem as gerou, tendo como fundamento e
intenção a constituição de direitos futuros, através de descontos sobre os salários, sejam dos trabalhadores,
sejam das entidades patronais.
Podemos, pois, dizer que o Estado é um mero gestor destes fundos e relativamente a eles constitui-se
numa verdadeira obrigação fiduciária — fiduciária significa com fidúcia, respeitando a confiança — de cumprir
com as regras que os regem e que só podem ser alteradas em negociação, em concertação com os seus
verdadeiros proprietários, o que não aconteceu.
Aplausos do PS.
Mas mais: diz a sabedoria popular que «mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo». É
verdade. Ainda há menos de 72 horas, nesta mesma tribuna, a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças repetia
e repetia, para Tribunal Constitucional ouvir, que os cortes retroativos de pensões dos funcionários públicos
previstos no Orçamento do Estado para 2014 eram meramente transitórios e deixariam de acontecer logo que
a situação económica se alterasse em determinadas situações inconcretizáveis.
Pois bem, aqui temos, perante nós, o projeto de decreto que visa consubstanciar as alterações hoje em
discussão que, logo no seu primeiro parágrafo, afirma: «As necessidades de contenção da despesa pública no
longo prazo com caráter de definitividade obrigam à redução da despesa no setor da segurança social». E,
mais à frente: «refira-se que o regime de proteção social convergente será adaptado aos princípios do
presente Decreto-Lei através de legislação própria». Já estamos habituados aos eufemismos do Governo, mas
chamar ao definitivo de transitório é contradição insanável.
Mas, regressando ao cerne da questão, o Governo propõe duas alterações ao sistema previdencial de uma
só vez, que nunca se viram em qualquer outro país da Europa: o aumento imediato de um ano na idade
mínima de acesso à pensão e o impedimento de acesso à mesma de quem pretenda dela beneficiar, mesmo
que com penalização. Dito por outras palavras, o Governo impede, de uma só vez e sem qualquer período
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transitório que permitisse adaptação de planos de vida, o acesso à pensão nos termos até agora em vigor,
mesmo que com penalização a cargo do beneficiário.
Nunca vimos um Governo, que se apelida a si mesmo de liberal, que tanto se introduzisse nos planos
privados de cada um, nas suas casas, na gestão das suas poupanças, redutos de intimidade invioláveis em
qualquer Estado de direito.
Aplausos do PS.
Ao propor o que propõe, o Governo pretende cumprir aquilo com que se comprometeu com a troica, sem
mandato. Repito: sem mandato, e às escondidas, pois nada colocou em cima da mesa da concertação social.
Mas mais: ao comprometer-se como o fez, o Governo ignorou, não defendendo, como é seu dever, os
interesses dos portugueses, que é o povo que mais horas trabalha na União Europeia, que menos horas de
descanso tem, no qual os trabalhadores menos horas têm para estar com os seus filhos e que são dos que
mais tarde se reformam, como comprova o relatório da OCDE desta semana e em que, fruto da reforma de
2007, menos subirá a despesa com pensões nas próximas décadas.
Aplausos do PS.
Mas ignorou mais: é que enquanto na Irlanda, termo de comparação enviado para o Tribunal
Constitucional, segundo consta, os irlandeses têm 10,5 anos de esperança de vida saudável aos 65 anos; os
espanhóis têm 8,4 anos; os gregos têm 6,6 e os portugueses têm apenas 5,4 anos de esperança de vida
saudável nessa mesma idade. Isto cruzado com as restrições de acesso à saúde, agravará, de forma muito
dura, as condições de vida dos nossos pensionistas.
Mas mais, ainda: o impacto que uma medida desta natureza pode ter sobre o agravamento da situação
laboral dos mais velhos, quer através do despedimento como meio de as empresas anteciparem
reestruturações, com custos sociais e financeiros acrescidos para a segurança social, quer através da sua
mais difícil empregabilidade perante a perspetiva de as empresas terem de os manter mais tempo nos seus
postos de trabalho.
O Partido Socialista sempre esteve disponível, ao longo do tempo, para a reforma social e fê-la,
estruturalmente, em 2007, sem alterar a idade legal da reforma de forma súbita e de supetão, permitindo a
escolha das pessoas, equilibrando o sistema e começando, aliás, mais cedo do que países como a Alemanha
e a Espanha, um esforço de garantia de sustentabilidade do sistema de pensões.
É bom lembrar que esta alteração foi votada contra pela atual maioria no Governo, apesar de ter tido
subjacente um acordo de concertação social.
Aplausos do PS.
Esta alteração, que hoje é proposta, não tem outro objetivo que não seja a de um ganho orçamental
imediato. Se dúvidas houvesse, o anteprojeto enviado pelo Governo deixa isso mesmo muito claro.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Esta proposta de lei é abusiva, porque
o Governo pretende dispor do que não é seu de forma abrupta e não concertada.
Esta proposta de lei é injusta, porque penaliza quem cumpriu o seu dever, empresas e trabalhadores,
descontando o que a lei previa em montante e em tempo.
Esta proposta de lei é ilegítima, porque coloca o Estado em incumprimento de uma verdadeira obrigação
fiduciária, assente na confiança de quem a ele entregou a gestão das suas poupanças.
Esta proposta de lei é perigosa pelos impactos que terá no mercado de trabalho dos mais velhos e porque,
para obter ganhos de curto prazo, abala a confiança e, consequentemente, a sustentabilidade do sistema
previdencial de segurança social, que é uma aposta de longo prazo.
Sr.as
e Srs. Deputados, Sr.as
e Srs. Deputados da maioria parlamentar, nunca pensei, nesta tribuna, ter de
invocar as palavras do ex-Ministro do anterior regime Veiga de Macedo, que aqui mesmo disse, e perante uma
alteração pretendida pelo Governo de então: «Os dinheiros da previdência são sagrados, porque são o suor
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dos trabalhadores e porque representam um pesado sacrifício para a economia do País» — em 1962, há mais
de 50 anos. E dizia: «Na defesa da previdência não se hesitará nem se transigirá».
Sr.as
e Srs. Deputados da maioria, na proteção e no respeito pela previdência e pelo sistema previdencial, o
PS não hesitará nem transigirá.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do PCP.
Sr. Deputado Jorge Machado, tem a palavra.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com uma
Exposição de motivos de apenas dois parágrafos e alterando apenas dois artigos da lei de bases da
segurança social, este Governo de desgraça nacional aumenta a idade de reforma de todos os trabalhadores
portugueses.
Para o ano de 2014, o Governo pretende mudar o ano de referência do dito fator de sustentabilidade do
ano 2006 para o ano 2000 para assim, a martelo, aumentar imediatamente a idade de reforma para os 66
anos. Não satisfeito, além de aumentar a idade de reforma, o Governo atira para a incerteza a vida dos
trabalhadores.
Na verdade, com esta proposta de lei, a partir de 2015 passa a ser impossível saber qual é a idade da
reforma, uma vez que esta passa a estar condicionada à evolução da esperança média de vida. Ao contrário
do que o Governo afirma, a verdade é que a idade de reforma em 2015 ou 2016 poderá atingir os 67 ou os 68
anos de idade.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Assim, com esta proposta de lei, deixa de ser possível aos trabalhadores
programar a sua própria vida, as suas opções e a sua passagem à idade de reforma.
Numa conceção do ser humano como mais uma peça de uma máquina que se destina a trabalhar, o
aumento da esperança média de vida representa para este Governo mais tempo de trabalho e não uma
melhoria da qualidade de vida ou a possibilidade de gozar uma reforma com mais tempo e qualidade.
Usando as portas que o PS abriu com a introdução do fator de sustentabilidade, o Governo PSD/CDS usa
o avanço, o progresso tecnológico, o aumento da esperança média de vida, para atacar as condições de vida
dos trabalhadores e não para as melhorar.
Assim, não é só justo, como necessário, colocar o desenvolvimento ao serviço da qualidade de vida dos
trabalhadores e não ao serviço da exploração e da injustiça, como faz o Governo.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Importa referir que o aumento da idade da reforma aumenta o
desemprego, uma vez que obriga os trabalhadores a arrastarem-se no tempo e no trabalho porque não têm
alternativa.
O Governo do PSD e do CDS, aquele partido dos reformados e do cisma grisalho, ao contrário do que
afirmam, não têm em conta as longas carreiras contributivas e penalizam todos os trabalhadores.
Efetivamente, há trabalhadores que começaram a suas carreiras contributivas muito cedo, começaram a
trabalhar com 14, 15 anos de idade e hoje, tendo 40 ou mais anos de descontos, se vêm obrigados a trabalhar
mais e mais tempo. Isto, além de injusto, é imoral.
O PCP reitera aqui a sua proposta de que os trabalhadores com 40 ou mais anos de carreira se possam
reformar, independentemente da idade, e sem penalizações.
Aplausos do PCP.
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É também justo lembrar que a esperança média de vida de um trabalhador da construção civil ou de um
operário não é igual à esperança de vida de um grande empresário, pelo que meter todos, todas as classes
sociais num mesmo saco penaliza quem teve vidas muito duras e, consequentemente, uma esperança de vida
inferior à dita média.
Para o PCP, a sustentabilidade financeira da segurança social não passa por penalizar os trabalhadores.
Esse é o único caminho que o Governo conhece para não atacar os grandes grupos económicos. Para o PCP,
o caminho passa, sim, por atacar a fraude e a fuga às contribuições, passa por combater o desemprego, que,
além do drama social, representa mais despesa e perda de receitas, passa por diversificar as fontes de
financiamento da segurança social, obrigando quem muita riqueza acumula mas pouco contribui para a
segurança social a descontar mais em função da riqueza criada.
O objetivo do Governo está traçado: poupar 205 milhões à custa dos trabalhadores, obrigando-os a
trabalhar mais tempo e assim agravar a injustiça e a exploração no nosso país.
Para o PCP, este Governo tem o seu fim traçado: ser derrotado pelo povo e pelos trabalhadores para o
mais rapidamente possível ir para ao caixote do lixo da história e, assim, criar condições para romper com este
caminho de desgraça, injustiça e agravamento da exploração de quem trabalha.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, não está ninguém inscrito. Presumo que o debate
não termine já…
Entretanto, inscreveu-se o Sr. Deputado Artur Rêgo, para uma intervenção.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as
e Srs. Deputados: A sustentabilidade
da segurança social assenta basicamente em três vetores, no vetor económico, no vetor da esperança de vida
e no vetor da taxa de natalidade.
Neste momento e já de há muitos anos, em Portugal temos uma economia que não cresce, uma economia
em recessão, temos uma baixíssima taxa de natalidade, fruto também da falta de perspetivas económicas dos
jovens casais portugueses, e temos um fator civilizacional, uma conquista, um aumento exponencial da
expectativa de vida.
Todos estes fatores, que já vêm muito de detrás, levaram o PS, em 2006, após quase 12 anos de
governação que causou a estagnação económica do País e a obrigatória baixa taxa de natalidade dos jovens,
já para não falar da emigração, a reconhecer esta realidade e a proceder à primeira reforma do sistema de
segurança social, introduzindo o fator de sustentabilidade.
Nesse diploma, avisadamente, porque sabia que, face à evolução de todos estes fatores, era perspetivável
que, no médio prazo, outras alterações fossem necessárias, o PS, no artigo 63.º da lei que altura aprovou,
dizia, designadamente, que a lei pode consagrar medidas de flexibilidade da idade de legal para a atribuição
de pensões. E no artigo, 64.º dizia ainda que ao montante da pensão estatutária é aplicável um fator de
sustentabilidade relacionado com a esperança média de vida, tendo em vista a adequação do sistema às
modificações resultantes de alterações demográficas e de alterações económicas. E são essas que,
concretizando aquilo que foi a previsão do Partido Socialista em 2006, vêm agora a confirmar-se em termos de
evolução negativa, obrigando este Governo não a fazer esta reforma mas a continuar a reforma iniciada pelo
PS em 2006.
De facto, consultados que foram os parceiros sociais — e, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, gostaria
de lhe chamar a atenção de que os parceiros sociais foram consultados numa reunião tida no dia 23 de
outubro, em que lhes foi apresentado — e feitos estudos, não só em Portugal mas também por essa Europa
fora, que apontavam a necessidade de aumento da idade da reforma para os 67 anos e até para os 68 anos, o
Governo avançou com esta alteração à lei em vigor. Mas não avançou de qualquer maneira, avançou
cautelarmente, dentro daquilo que era o necessário para corrigir a trajetória negativa que se vinha a verificar e
salvaguardando tudo aquilo que podia salvaguardar.
Em primeiro lugar, o Governo não cedeu àquela que era uma exigência da troica de aumentar a idade de
reforma para os 67 anos, como estão a fazer a generalidade dos países da Europa comunitária, tendo
restringido o aumento da idade de reforma para os 66 anos efetivos. Quando digo efetivos é porque, de facto,
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a atual idade de reforma efetiva, concretizada, é aos 65 anos e meio. Portanto, o que o Governo introduziu foi
mais seis meses para atingir a idade de reforma.
O Governo introduziu também salvaguardas no sentido de se protegerem direitos já adquiridos por pessoas
que já têm a sua carreira contribuída alargada e arrastada no tempo, nomeadamente estão salvaguardados
todos aqueles portugueses que façam 65 anos até 31 de dezembro e estão salvaguardadas todas as pessoas
com carreiras contributivas muito longas, de mais de 40 anos, que poderão reformar-se de facto aos 65 anos
sem penalizações. Estão salvaguardadas também as pensões que são convoladas com menos de 20 anos e
mantem-se o fator de sustentabilidade antigo nestes casos. Estão ainda salvaguardadas as pensões com mais
de 20 anos de convolação, a que não se aplica sequer o fator de sustentabilidade.
Como já aqui foi dito, excecionou-se também um conjunto de profissões que pela sua especial exigência, o
seu especial desgaste, assim o exigiam.
O facto é que se esta reforma não fosse feita, para além de se atingir um ponto crítico de rutura na
sustentabilidade da segurança social, verificar-se-ia, quando chegássemos a cerca de 2060 ou antes, que o
saldo negativo do sistema seria de mais de 200 000 milhões de euros. Gostaria que todas as pessoas
fixassem este número: mais de 200 000 milhões de euros! A introdução neste momento desta reforma permite
reduzir esse défice para menos de metade.
Para concluir, direi o seguinte: não poderemos deixar de recordar e referir aqui, para memória histórica, a
reforma que o PS introduziu em 2006 e a introdução do fator de sustentabilidade. Não podemos deixar de
recordar aqui que o próprio PS, no texto desse diploma, introduziu a possibilidade e a abertura para revisão do
sistema para futuro, adequando-o às necessidades sociais e económicas do País, e não podemos também
deixar de referir que o Governo fez o que teria de ser feito, mas fê-lo sempre acautelando situações já em
curso, de longas carreiras contributivas, acautelando profissões de maior desgaste e acautelando, como tem
sido política ao longo de toda a sua governação, a situação das pessoas mais desfavorecidas, dos mais
desprivilegiados, dos mais carenciados.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Canavarro.
O Sr. José Manuel Canavarro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs.
Deputados: Esta proposta de lei n.º 182/XII não trata de um tema fácil, sobretudo se aquilo que nos orienta
não for o curto prazo, porque o curto prazo, neste contexto, pode hipotecar o futuro. E quando assim é,
quando o contexto nos permite antever esse risco, a decisão deve ser tomada perspetivando o que aí virá e
não apenas o que nos está a bater à porta.
Os trabalhadores que entrarem hoje no mercado de trabalho terão a promessa de reformas muito mais
baixas do que as gerações anteriores, mesmo que trabalhem mais anos. Quem o afirma é a OCDE, não é,
portanto, uma originalidade nossa, portuguesa, é uma realidade que atravessa a maioria dos países que
pertencem à OCDE.
As alterações à Lei n.º 4/2007, aqui em discussão, têm por base a situação demográfica do País e a
sustentabilidade do regime de pensões, e são muitos os desafios que o sistema de pensões tem de enfrentar.
Em primeiro lugar, um desafio financeiro, porque a sua sustentabilidade não pode comprometer o próprio
equilíbrio financeiro do sistema, isto é, há que atenuar saldos negativos; um desafio social, porque a
sustentabilidade tem de garantir níveis adequados de substituição de rendimentos aos pensionistas, e
económico, porque a sustentabilidade do sistema não pode comprometer a competitividade nacional e a
capacidade de criar emprego.
O risco, grosso modo, a que sustentabilidade dos sistemas de segurança social se encontra exposta aplica-
se aos geridos em regime de repartição e aos geridos em regime de capitalização individual. Logo, os riscos
não são, uma vez mais, uma originalidade nossa ou do nosso sistema.
Os desafios que mencionei resultam, em particular, das perturbações existentes na demografia e na
economia.
Estudos recentes (Bravo, 2012, por exemplo) assinalam, passo a citar, «tendências demográficas
projetadas para as próximas décadas em Portugal serão marcadas por baixos níveis de fertilidade e por uma
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longevidade acrescida, por uma diminuição da população em idade ativa e pelo aumento do rácio da
dependência, o que, conjugado, fará aumentar a pressão sobre a sustentabilidade financeira do sistema
público de pensões».
No plano macroeconómico, a conjugação da evolução de diferentes variáveis — um crescimento muito
reduzido do produto, um baixo crescimento da produtividade do trabalho, um baixo crescimento dos salários e
desemprego próximos de dois dígitos, ou mesmo nos dois dígitos — tem consequências óbvias no
agravamento da situação financeira dos sistemas de segurança social, que já se tem vindo a traduzir, por um
lado, numa quebra das contribuições e, por outro, num aumento das despesas com pensões e também com
prestações sociais e de desemprego.
Estamos contudo convencidos, por aquilo que o Sr. Ministro nos referiu, que os impactos estimados pelo
modelo de pensões a longo prazo decorrentes das alterações propostas, daquilo que está no anteprojeto de
decreto-lei, permitirá atenuar o défice do saldo do sistema, e esse é o garante de que o sistema tem futuro.
Retomo a não originalidade portuguesa relembrando, de passagem, o que o Sr. Ministro nos referiu sobre
outros países europeus. A tendência generalizada é esta, a que se propõe, e isso é extraordinariamente
importante.
Retomo também um outro aspeto que o Sr. Ministro nos referiu e saudamos a salvaguarda de alguns
aspetos de transição, designadamente de alguns tipos de pensões, da prevenção de efeitos cumulativos e da
proteção de algumas profissões consideradas de desgaste rápido, que são contempladas no projeto de
decreto-lei.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Num artigo muito recente publicado no
Wall Street Journal, de autoria de Alicia Munnel, evidentemente que para um sistema muito diferente do nosso,
bem o sabemos, adianta-se a hipótese da full retirement age passar a ser os 70 anos e não os 66 ou, em
breve, os 67.
O argumentário de que as pessoas são mais saudáveis e os trabalhos são menos duros colhem na ideia de
que as pessoas podem trabalhar até mais tarde. Mesmo a defesa de um envelhecimento ativo cabe na defesa
de carreiras profissionais mais longas.
Há um senão que não esquecemos: lá como cá, as pessoas com salários mais baixos, logo com reformas
mais baixas, serão, a priori, pessoas mais vulneráveis, e haverá que ter em atenção este aspeto.
Como a tendência passa pela harmonização e não por discriminações acentuadas por tipologias
profissionais, ainda que estas se mantenham lá como cá, uma vez mais não há originalidade. Citando John
Bingham, Editor de Assuntos Sociais, do The Telegraph, «se o principal argumento para o aumento da idade
de reforma é o aumento da esperança média de vida, outro há que assinala que a expectativa de vida
saudável é diferente mesmo no quadro de um país. E essa diferença assenta em níveis socioeconómicos, que
se correlacionam com rendimentos auferidos e com a profissão exercida».
Daí que, como fatores de proteção a alguns riscos a que nos expomos — sejamos honestos
intelectualmente! — quando aumentamos a idade de reforma e reforçamos a sustentabilidade do sistema,
mexendo no próprio fator de sustentabilidade, se recomendem melhores cuidados de saúde, tendencialmente
acessíveis a todos, com proteção dos mais desfavorecidos, o que este Governo tem feito e de que este
Portugal dispõe e se pode orgulhar, e melhor legislação de saúde e segurança no trabalho, por exemplo, na
prevenção de riscos profissionais, pela qual este Governo tem pugnado, por mote próprio e/ou na transposição
de diretivas comunitárias.
O que a proposta de lei n.º 182/XII propõe não é, evidentemente, popular, mas trata-se sobretudo de
resolver o futuro, sustentar um regime de pensões que é uma marca civilizacional, de o tornar ajustado às
possibilidades reais e previsionais do País e à expectativa de vida das pessoas, continuando a conferir
dignidade a uma vida depois do trabalho.
Em suma, trata-se aqui de fazer não apenas o que é possível mas fazer o que é necessário, para bem do
futuro e para bem do País.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, para uma
intervenção.
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A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Não vou fazer qualquer citação de
um estudo internacional, mas este estudo foi-nos entregue hoje e tive a felicidade de o abrir na página certa.
Sr. Ministro, na pág.24, diz-se que vai trazer sustentabilidade financeira ao sistema por duas vias: primeira,
redução do montante das pensões dos novos pensionistas; segunda, em conjugação com um mecanismo de
bonificação pelo prolongamento da idade da reforma, a fim de compensar o efeito redutor do fator
sustentabilidade.
Este é o seu programa para a sustentabilidade da segurança social: redução das pensões, aumento da
idade da reforma!
Sr. Ministro, este é um programa que não subscrevemos, e não porque queremos, como disse, enterrar a
cabeça na areia face ao sistema de segurança social. Não, senhor! O que temos é propostas diferentes e
convinha também que ouvisse as propostas do Bloco de Esquerda, uma vez que tanta vez apela a que
venham propostas do lado da oposição.
Pois muito bem: não enterramos a cabeça na areia e estamos de acordo consigo em que há menos
trabalhadores ativos, o que significam um desgaste para a segurança social. Há menos 500 000 pessoas a
contribuir para a segurança social nos últimos dois anos. E porquê? Porque os senhores destruíram 500 000
postos de trabalho!
Há mais de 1 milhão de desempregados que não contribuem para o sistema de segurança social. E porquê
Porque os senhores não têm capacidade nem apresentam propostas de combate ao desemprego!
E, mais, Sr. Ministro: há que adequar as fontes de financiamento da segurança social aos tempos de hoje,
e essa, sim, é uma proposta alternativa de sustentabilidade da segurança social.
Percebemos as questões da demografia, naturalmente. São factos! Existem! Ninguém aqui quer enterrar a
cabeça na areia, Sr. Ministro! O problema é de alternativas e a sua alternativa para a sustentabilidade da
segurança social vai em dois «carrinhos»: baixar o valor das pensões e aumentar a idade da reforma. Ou seja,
aquilo que é uma conquista civilizacional, a esperança média de vida ter aumentado, resulta numa penalização
das pessoas.
A vossa linha é sempre a mesma: se estão desempregados, culpa vossa, porque estão desempregados,
têm de ser penalizados; se vivem mais tempo, culpa vossa, têm que trabalhar mais tempo! Esta não é
seguramente a alternativa para as gerações do futuro.
É preciso um trabalho aturado sobre a sustentabilidade da segurança social, são precisas alternativas
diferentes nas fontes de financiamento, é preciso pôr mais gente a descontar para a segurança social. Não
destruam postos de trabalho, aumentem a população ativa, combatam o desemprego. Combatendo o
desemprego, naturalmente que a segurança social terá maior sustentabilidade. É isto que, neste país, os
senhores têm a obrigação de fazer! E não comparem o que não é comparável.
O Sr. Ministro vem aqui permanentemente comparar os dados da Europa. Estamos contra o aumento da
idade de reforma aqui e em qualquer sítio; se as pessoas vivem mais tempo têm direito a ter melhor qualidade
de vida. Trabalhar 40 ou 45 anos, descontar 40 ou 45 anos não é suficiente, Sr. Ministro?! Então, o senhor
acha que se se vive mais tempo é para trabalhar até morrer?! Mas que evolução é esta que nos vem aqui
propor?!
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma nova intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de
Belém Roseira.
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro Pedro Mota Soares, vi
no seu currículo que nasceu em maio de 1974 — e não veja nisto qualquer arrogância mas antes o sublinhar
da importância da intergeracionalidade.
Ainda o Sr. Ministro não tinha nascido e, em 1973, já eu trabalhava na Direção-Geral da Previdência —
antes do 25 de Abril. Conheci, portanto, a gestão tripartida do sistema previdencial. E a gestão tripartida
significa que os trabalhadores e as entidades patronais tinham número superior de votos relativamente ao
Estado. Porquê? Porque o Estado, em relação às contribuições para a segurança social, é um mero gestor de
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dinheiros que não sãos seus e, portanto, é um gestor que tem de respeitar a confiança relativamente às
poupanças que lhe foram entregues.
Quando a segurança social foi criada, através da integração da assistência social na previdência, criando
portanto o princípio da universalidade, isso não desobrigou o Estado, relativamente às prestações
contributivas, de cumprir aquilo que é o substrato e o fundamento do acordo.
Como referi, o PS nunca se isentou de qualquer participação numa reforma sustentável da segurança
social, como prova a reforma de 2007 e como provam todos os elogios, designadamente da OCDE,
relativamente a essa reforma, contra a qual os senhores votaram contra, aliás.
Mas invoco aqui Bagão Félix, que o Sr. Ministro conhece há bastante menos tempo do que eu mas que é
um investigador destas matérias e com quem seguramente está de acordo, que diz que o que lhe custa a ele
entender — e a mim também! — é a obsessão de colocar em primeiro lugar os sacrifícios sobre quem deveria
ser o último recurso depois de escrutinado tudo o resto.
Qualquer reforma social civilizada, com pés e cabeça, exige tempo de maturação, diálogo social intenso e
elaborada fase de transição e, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Artur Rêgo, o Governo já decidiu
antes de discutir, na segunda-feira, em concertação social, o que será feito, ou seja, decidiu antes de discutir
aquilo que devia discutir previamente, no sítio e o local próprios.
Aplausos do PS.
Mas, mais, Sr. Ministro e Srs. Deputados da maioria:…
O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua.
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Os sistemas sociais previdenciais protegem-se criando emprego, diz Bagão Félix. Eu digo que se protegem
também aumentando os salários, e os senhores estão contra o aumento do salário mínimo nacional que é a
maneira automática de mais rapidamente aumentar a sustentabilidade da segurança social. É que, ao
contrário do que o Sr. Ministro disse, nos anos de 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008. 2009 e 2010, depois
das transferências feitas entre subsistemas, que são devidas no regime de repartição, o sistema sempre
esteve equilibrado.
Mas, mais, Sr. Ministro: em relação ao Tribunal Constitucional, quando se acena com os perigos de um
chumbo às medidas que foram propostas, avança-se sempre com os encargos brutos do Estado e omite-se
sempre que, relativamente às pensões pagas, o Estado retém na fonte as prestações que são devidas em
função do rendimento. E essa conta dos encargos verdadeiramente líquidos, isso nunca é mostrado!
Portanto, Sr. Ministro, o relatório da OCDE não dá razão ao Governo. A concertação não foi respeitada e
devia tê-lo sido e o Governo não pode dispor de dinheiro que não é seu sem envolver na discussão da reforma
indispensável da segurança social aqueles que são os verdadeiros titulares desse regime.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Canavarro.
O Sr. José Manuel Canavarro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs.
Deputados: A Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira sabe, tenho a certeza que sabe, o enorme apreço e
respeito que tenho por si…
A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — É recíproco!
O Sr. José Manuel Canavarro (PSD): — Muito obrigado!
Registei a invocação sacra que fez do dinheiro dos contribuintes relativamente ao regime previdencial e
não posso deixar de concordar com aquilo que referiu nesta ideia de que temos de ter o maior cuidado com
tudo isto.
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Evidentemente que o PSD não coloca de lado a hipótese — e seguramente que o Governo também não —
de termos mais estudos, estudos mais aprofundados sobre estas questões, mas o que aqui se pretende é uma
alteração à lei de bases que, a meu ver — e é diferente a sua perspetiva —, permite exatamente cuidar do
futuro do sistema.
Tendo entendido a sua intervenção e os pressupostos da mesma, aquilo que não consigo entender é como
é que prevê o futuro, isto é, como é que organiza o sistema para que ele seja sustentável, e essa é uma
dificuldade com a qual o nosso país se depara, como, aliás, vários outros países também.
Evidentemente que a sua solução pode ser diferente da nossa. Diz que nós estamos contra o aumento do
salário mínimo, o que não é verdade, porque não estamos contra o aumento do salário mínimo. Entendemos
que ele deve ser discutido na concertação social e, uma vez aí discutido, pode ser fixado.
Concordamos também com todas as questões que referiu relativamente ao aumento do emprego, porque
isso resolverá em parte os défices do sistema, e o desemprego tem vindo a diminuir em Portugal, ainda que
moderadamente, nos últimos tempos, mas as questões continuam e a questão fundamental é como é que
vamos sustentar um sistema de pensões para todos, não para aqueles que estão reformados, não para
aqueles que se vão reformar nos próximos tempos mas para todos aqueles que estão a trabalhar, vão
continuar a trabalhar e a contribuir.
A nossa preocupação e a discussão de hoje é uma discussão de futuro. Compreendendo os argumentos
do passado, compreendendo a evocação sacra que fez, temos de perspetivar também o futuro, porque no
futuro estarão pessoas a trabalhar e a descontar e essas pessoas terão idêntico direito a receber uma
prestação na reforma, tal como as pessoas atualmente recebem.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. José Manuel Canavarro (PSD): — Portanto, temos de equilibrar tudo isto.
É difícil? É. É extraordinariamente complexo? É também. Mas queria retomar um aspeto que referi na
minha primeira intervenção: nada disto é uma originalidade. Se nos compararmos com outros países — e o Sr.
Ministro, aliás, fez essa referência, e muito bem — nada disto é uma originalidade. Temos de lidar com
dificuldades demográficas, com dificuldades financeiras, com dificuldades económicas e prevenir riscos sociais
e ocupacionais e conjugar tudo isto, o que é, evidentemente uma equação muito difícil. Mas é a isto que temos
de apontar para defender o futuro do sistema.
Uma vez mais, Sr.ª Deputada, era extraordinariamente importante que o Partido Socialista estivesse nesta
discussão e contribuísse para que este sistema tivesse futuro.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. José Manuel Canavarro (PSD): — Até porque os senhores têm uma enorme responsabilidade na
introdução de fator de sustentabilidade e, por isso mesmo, essa responsabilidade, que foi uma
responsabilidade do passado e que não diria sacra nem santa, é também uma responsabilidade que é vossa e
os senhores têm de estar na solução.
Há também um outro aspeto relevante: a concertação social foi ouvida — o Sr. Ministro referiu-o — em
outubro e continuará a sê-lo. A questão não está fechada. Há uma alteração da lei de bases, os modos de
concretização estão no anteprojeto de decreto-lei e podemos eventualmente afiná-los e melhorá-los para
futuro.
Sr.ª Deputada, preocupa-me — e acho que à Sr.ª Deputada também — o futuro do sistema de pensões,
preocupa-me que todos, os atuais, os que estão próximos e aqueles que aí vêm, tenham direito a uma
prestação pós trabalho que lhes confira uma vida digna. Essa é a nossa preocupação central.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado, que ainda dispõe de
alguns segundos.
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O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, a esperança média de vida
aumentou. Muito bem! E por que é que o Governo usa esse progresso, essa evolução da nossa sociedade
para penalizar os trabalhadores e não para melhorar a qualidade de vida?!
É ou não verdade que a riqueza criada pelos trabalhadores aumentou muito desde que a idade da reforma
foi fixada nos 65 anos? Para quem vai essa riqueza? Porque é que essa riqueza não contribui para a
segurança social? É preciso não ter pudor para evocar a recessão, o desemprego e a baixa natalidade! De
quem é a culpa do desemprego, da recessão e da baixa natalidade?
O Governo provoca essa mesma realidade e usa-a para justificar o aumento da idade da reforma, numa
situação verdadeiramente vergonhosa.
A solução passa por mudar de políticas, por mudar de Governo e não por aumentar a idade da reforma.
Por fim, quanto à sustentabilidade financeira da segurança social, então, para a maioria e para o Governo a
sustentabilidade financeira da segurança social passa apenas pela via do aumento da idade da reforma? Não
há outros caminhos? Porque é que o Governo só tem uma obsessão, que é atacar os trabalhadores
portugueses?
Há alternativas. O PCP já apresentou inúmeras propostas relativamente a esta matéria. Olhe-se para a
riqueza que é criada no nosso país que não desconta 1 cêntimo para a segurança social, ou que desconta
muito pouco. Porque é que essa riqueza não é chamada a contribuir para a segurança social, respondendo
dessa forma à sua sustentabilidade financeira?
O Governo, o PSD e o CDS-PP não o fazem porque, efetivamente, não querem ir buscar 1 cêntimo que
seja às grandes fortunas, à concentração de riqueza dos grandes grupos económicos. Se houvesse
efetivamente vontade de responder às questões da sustentabilidade financeira da segurança social, então,
necessariamente, teríamos que diversificar as fontes de financiamento e olhar para outras vias de
financiamento que não o modelo que foi fixado há 50 anos.
Nessa medida, Sr. Presidente, Srs. Deputados, está claro que a opção do Governo não é a
sustentabilidade financeira da segurança social. Isso é uma falácia. Não se trata aqui de resolver nenhum
problema da segurança social, trata-se, sim, de agravar a injustiça e a exploração dos trabalhadores, porque o
Governo sabe muito bem que, aumentando a idade da reforma, o desemprego vai necessariamente aumentar,
aumentando a idade da reforma não se exige 1 cêntimo aos grandes económicos, aumentando a idade da
reforma põe-se aquilo que é o progresso e o desenvolvimento da humanidade a ser utilizado como um
instrumento para aumentar a exploração e a injustiça no nosso país. E isso é que é verdadeiramente
inaceitável.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Terminámos o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 182/XII
(3.ª), cuja votação terá lugar no período regimental de votações.
Passamos ao debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 183/XII (3.ª) — Aprova a lei de
bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo e dos projetos de lei
n.os
469/XII (3.ª) — Regime de uso e transformação do solo e 470/XII (3.ª) — Segunda alteração à lei de bases
da política de ordenamento do território e de urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto), ambos apresentados
pelo PCP,
Tem a palavra o Sr. Ministrodo Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia, para intervir.
Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia (Jorge Moreira da Silva): — Sr.
Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: A proposta de lei de bases da política de ordenamento do território e de
urbanismo que agora debatemos substituirá duas leis que estão datadas no tempo — a lei de bases da política
de ordenamento do território e do urbanismo, com 15 anos, e em especial a lei dos solos, com quase 40 anos,
cujos respetivos regimes padecem de desadequação face à evolução socioeconómica das últimas décadas.
Mas não nos enganemos: não é o tempo de vigência do atual quadro legal que determina a urgência, são
os problemas estruturais que nos acompanham há décadas, permanentemente diagnosticados mas raramente
enfrentados, na área do ordenamento do território que recomendam uma resposta ambiciosa, estrutural e
integrada, capaz de responder aos desafios do desenvolvimento sustentável.
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A circunstância de considerarmos muito relevante o papel que as políticas e os instrumentos de
ordenamento do território desempenharam nas últimas décadas na regulação da ocupação do solo e na
conciliação do bem-estar social, da proteção ambiental e da atividade económica, não dispensa um olhar
inconformista perante a destruição do litoral, o despovoamento do interior e a degradação da qualidade de
vida nas cidades.
É tempo de mudar. Termos muitos planos não foi, por si só, sinónimo de um adequado planeamento. Nisso
todos convergem, tanto os que consideram que o ordenamento do território tem sido um custo de contexto da
atividade económica como aqueles que lamentam a incompleta proteção dos recursos naturais e do nosso
património.
O facto de termos muitos planos — planos diretores municipais, planos de urbanismo, planos de pormenor,
REN, RAN, planos de albufeira, planos de área protegida, planos de orla costeira — que incidem e se
sobrepõem no mesmo território, que comunicam de forma ineficiente entre si e que se alteram demorada e
assincronamente, gera ineficácias e desigualdades que prejudicam a transparência e a competitividade e
contribui para a desconfiança e o afastamento dos cidadãos do processo de decisão.
Por outro lado, diversos anacronismos subsistem. Planos de ordenamento de municípios vizinhos, com a
mesma realidade socioeconómica e até com os mesmos ecossistemas e recursos traduzem modelos de
desenvolvimento económico e de gestão das infraestruturas desarticulados e incompatíveis.
Somos um dos países mais ricos em biodiversidade na União Europeia. Mais de 20% do território nacional
integra a Rede Natura, mas, no plano socioeconómico, as populações que vivem em áreas protegidas
continuam a não beneficiar plenamente da valorização dessa riqueza.
Somos 10 milhões de habitantes mas, nas últimas décadas, o modelo assente no paradigma da
espacialização e da expansão galopante, orientado por perspetivas de desenvolvimento económico que
seriam dificilmente concretizadas e traduzido pelo crescimento de um mercado especulativo e desligado das
necessidades reais dos solo urbano, desenhou territórios expectantes para 40 milhões de habitantes.
Basta olhar para as cidades e para as suas periferias para perceber que a incapacidade de conter a
dispersão da construção fora das áreas urbanas conduziu a um abandono progressivo dos centros das
cidades e das vilas e originou cidades extensas, com movimentos pendulares constantes, com os inerentes e
elevados custos, nomeadamente energéticos.
Recorde-se que Portugal apresenta uma inaceitável dependência energética do exterior de quase 80%, em
especial resultante do elevado consumo de combustíveis fósseis.
A questão é simples e devemos apresentá-la de um modo claro: não podemos viver no paradigma da
expansão urbana alimentada pelo crédito fácil e por espectativas ilusórias de valorização. Isso acabou. É
tempo de mudar, não porque a lei seja velha mas porque o modelo de desenvolvimento terá de ser novo.
Esta proposta de lei de bases, beneficiando de um trabalho de mais de quatro anos que atravessou vários
governos e que envolveu muitos académicos, peritos e associações, consolidando num único diploma o
enquadramento geral da política de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, oferece uma resposta
estrutural que visa gerir de forma integrada o território, promover a equidade e a coesão social e territorial,
assegurar a sustentabilidade económica e financeira dos processos de desenvolvimento urbano, gerar no
território condições de investimento e competitividade, requalificar a vida nas cidades, remunerar os serviços
dos ecossistemas, combater o despovoamento do interior e simplificar e agilizar as condições de realização
das operações urbanísticas.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Agora que enquadrei as razões que justificam a mudança,
permitam-me que destaque as nove principais inovações associadas a esta reforma estrutural.
Em primeiro lugar, esta lei de bases promove a clarificação do regime do solo. O solo passa a ser
classificado apenas em duas classes, solo rústico e solo urbano, sendo erradicada a classificação de solo
urbanizável.
Fica assim limitada a existência de terrenos expectantes, promovendo-se a contenção dos perímetros
urbanos e a reabilitação das cidades, gerando, consequentemente, ganhos de sustentabilidade energética e
ambiental.
A partir de agora, a classificação e a reclassificação do solo rústico em urbano terá de traduzir uma opção
de planeamento dependente da comprovação quantitativa e qualitativa da respetiva indispensabilidade e
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adequação ao desenvolvimento económico e social, matéria que será posteriormente desenvolvida no novo
regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, o RJIGT.
Em segundo lugar, os planos diretores municipais passam a concentrar todas as regras vinculativas dos
particulares. O cidadão e o investidor passam a ter de conhecer apenas um, e um só, plano, o plano diretor
municipal, que, por sua vez, terá de reunir e integrar todas as regras dispersas numa longa lista de planos e de
programas regionais, setoriais e especiais interrelacionados.
Os PDM dispõem de um prazo de três anos após a entrada em vigor desta lei para integrar as referidas
regras dispersas por vários planos e programas. Garante-se a compatibilização das diferentes normas num
único plano e evita-se a sobreposição de regras e de objetivos conflituantes.
Estamos perante o reforço da autonomia mas também da responsabilidade do poder local. Se é verdade
que no PDM se concentrarão todas as regras vinculativas, não é menos verdade que a não integração no
PDM das regras dispersas nos referidos programas territoriais especiais ou setoriais não só fará suspender as
normas do respetivo plano territorial municipal como impedirá a possibilidade de candidatura de projetos dos
municípios a benefícios ou subsídios públicos nacionais ou comunitários.
Em terceiro lugar, esta lei de bases reforça a níveis inéditos a cooperação intermunicipal. Aquela que era
uma faculdade residual, porque se alicerçava, independentemente do grau de articulação supramunicipal, na
obrigatoriedade de existência de planos municipais, passa agora a ser uma oportunidade material.
Os municípios passam a poder substituir o seu plano diretor municipal por planos intermunicipais. É
fomentada a cooperação entre municípios vizinhos na coordenação da estratégia de desenvolvimento e no
modelo territorial sub-regional, assim como as opções de localização e de gestão supramunicipal de
equipamentos públicos e de infraestruturas.
A união faz a força e a coordenação intermunicipal potencia não apenas uma gestão mais eficiente dos
ativos mas também a atração de projetos, de talentos e de recursos.
Em quarto lugar, esta lei de bases confere maior flexibilidade no planeamento territorial. O atual
planeamento territorial assenta num modelo estático e com pouca capacidade de adaptação às necessidades
do momento. Ao invés de um PDM rígido e espacializado, apenas capaz de se operar em ciclos de cerca de
10 anos, pretende-se agora um planeamento dinâmico e programático, podendo ser revisto e alterado, em
regra, através de planos de pormenor e de urbanização e não da revisão geral e demorada dos PDM.
Em quinto lugar, são conferidos aos municípios novos instrumentos de gestão do território, tais como a
venda e o arrendamento forçados e a transferência de edificabilidade, contribuindo para a regeneração e a
reabilitação urbanas.
Em sexto lugar, a transformação do solo de rústico em urbano passará a ser regulada através de um novo
sistema económico-financeiro, que a condiciona à demonstração da viabilidade económico-financeira.
Não podemos ter infraestruturas municipais para 40 milhões de portugueses pagas e mantidas por 10
milhões de portugueses. Promovem-se assim os investimentos sustentáveis para o desenvolvimento do
território, permitindo a partilha de responsabilidade do desenvolvimento entre o Estado e os particulares,
balizando a decisão de expansão urbana em requisitos de responsabilidade e de sustentabilidade, sob o
princípio da necessidade.
Em sétimo lugar, esta lei de bases cria as condições para a valorização da biodiversidade e dos
ecossistemas. Está previsto, no âmbito do RJIGT, o estabelecimento e mecanismos de distribuição de
encargos e de benefícios destinados a compensar os custos decorrentes da proteção de interesses gerais,
como a salvaguarda do património cultural, a valorização da biodiversidade ou da proteção dos ecossistemas.
Esta inovação reforça o papel e a importância da conservação da Rede Natura, que abrange mais de 20%
do território continental, e da rede nacional de áreas protegidas, que ocupa mais de 7% do nosso território.
Viver numa área protegida não terá de ser encarado como um ónus, devendo representar um benefício
para as populações.
Em oitavo lugar, é assumida a aposta na reabilitação urbana. O foco do desenvolvimento do território
estará na regeneração dos aglomerados urbanos já existentes.
São regulamentados novos instrumentos de gestão do território e assegura-se que a expansão urbana
apenas decorrerá quando o aglomerado urbano se encontre esgotado, face a novas necessidades.
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A expectativa de urbanizar tem retirado a capacidade para reabilitar. Não é aceitável que, em Portugal,
apenas 7% da atividade da construção civil seja dedicada à reabilitação urbana quando a média na União
europeia é de 37%.
A erradicação do solo urbanizável, a sujeição da classificação do solo urbano à viabilidade económico-
financeira das operações, incluindo não apenas a construção mas também a manutenção das infraestruturas e
a possibilidade de venda e de arrendamento forçados contribuem para o reforço da reabilitação urbana.
Finalmente, esta lei de bases promove uma simplificação dos procedimentos de licenciamento, através da
figura da mera comunicação prévia, quando as condições de realização da operação urbanística se encontrem
suficientemente definidas por plano de pormenor, por loteamento ou no âmbito de áreas urbanas
consolidadas.
Esta medida constitui uma aposta na partilha de responsabilidades entre o Estado e o particular,
promovendo a execução célere de investimentos, o equilíbrio entre o conhecimento prévio das operações a
realizar e o desenvolvimento económico capaz de criar emprego.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Impõe-se uma nova forma de planear, um novo modelo de
desenvolvimento territorial que responda hoje às necessidades futuras. Temos de estabelecer para o nosso
território políticas estáveis, que criem condições de investimento, de competitividade, de coesão e de
qualidade de vida.
A lei de bases das políticas de solo, do ordenamento do território e do urbanismo não é uma iniciativa legal
isolada, será complementada com outras iniciativas, nas quais o Governo tem vindo a trabalhar, que passam
pela revisão do regime jurídico de urbanização e edificação, do regime jurídico dos instrumentos de gestão
territorial e do regime jurídico do cadastro predial, que entrarão em vigor, em simultâneo, com esta lei de
bases.
Estas são ferramentas fundamentais para o planeamento e gestão do ordenamento do território e, em
especial, para a reestruturação das cidades, numa lógica de sustentabilidade e do uso eficiente de recursos,
para a qual canalizaremos recursos significativos no âmbito do novo quadro comunitário.
Esta não é uma reforma que se faça no papel e que possa viver e sobreviver no papel. O que está em
causa e uma verdadeira alteração de paradigma: da expansão urbana para a contenção dos perímetros
urbanos; do enfoque na habitação própria para a dinamização do arrendamento urbano; da nova construção
para a reabilitação urbana; das fronteiras municipais para a gestão integrada das infraestruturas.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Poucas matérias são tão relevantes para o desenvolvimento
económico, para a coesão e para o aprofundamento da cidadania como o ordenamento do território.
Esta reforma deve, pois, ser encarada como um exercício que transcende a mera natureza técnica e
especializada das suas normas. O que está em causa não é um exercício teórico para urbanistas, biólogos,
arquitetos paisagistas ou juristas, como não são apenas os autarcas, os empresários ou os organismos
públicos os destinatários desta lei de bases, é aos cidadãos que se destina esta reforma. O que
verdadeiramente está em causa é desenvolver Portugal e aprofundar a democracia. E se este é um desígnio,
todos somos necessários!
Quero, pois, a concluir esta intervenção, manifestar o desejo de que seja possível promover um amplo e
participado debate em torno destas novas orientações, um debate inconformista no diagnóstico e reformista
nas soluções, capaz de conciliar pontos de vista e de gerar compromissos que transcendam a fronteira
técnica, a fronteira partidária e a fronteira desta Legislatura, em especial porque esta reforma deve ser
enquadrada num contexto mais vasto do crescimento sustentável e do emprego, tirando partido dos nossos
talentos, dos nossos recursos naturais e das nossas infraestruturas.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Teresa Caeiro.
A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se sete Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.
Entretanto, peço ao Sr. Ministro o favor de informar a Mesa sobre a forma como pretende responder.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e
Srs. Deputados: Sr. Ministro, uma lei de bases não é apenas um enunciado generalista, é uma lei estruturante,
a qual se supõe que venha a ter vários desenvolvimentos, mas convém que, à partida, haja, numa lei de
bases, um conjunto de questões claramente densificadas e com normas muito clarificadas.
Em matéria de uso de solos, a questão das mais-valias urbanísticas é uma das principais questões de
controversa pública há muitos anos e, para muitos, é até a questão das questões, porquanto tem potenciado
negócios que não são transparentes e, em muitíssimas circunstâncias, casos de autêntica corrupção.
Portanto, entende-se mal que nesta lei de bases se fale, de modo indeterminado, de uma afetação social
das mais-valias na modificação da classificação do solo.
O que é que é a afetação social? Em que termos é que se faz a afetação social? É uma cativação pública?
É um outro modo? É por via parafiscal? Qual é a forma? A lei de bases deveria dizê-lo. Em que montantes?
Qual a repartição de encargos entre os proprietários privados e os poderes públicos?
Enfim, nada disto é aqui adiantado e, portanto, é um regime que fica às escuras para posterior legislação,
sendo que, na verdade, essa legislação deveria ser apresentada agora, neste diploma e não num outro
qualquer do qual ainda não conhecemos, sequer, o esboço.
Portanto, Sr. Ministro do Ambiente, creio que faria falta uma determinação muito clara dos parâmetros em
que essa afetação se prevê.
Também me parece um conceito absolutamente indeterminado chamar para a avaliação do solo em geral e
para a avaliação do solo urbano critérios valorativos de mercado, embora corrigidos por vários fatores. Essa é
uma enorme indeterminação acerca dos chamados critérios de mercado! São uma abstração muito vaga!
É certo que este assunto também está remetido para legislação posterior, mas convinha densificar mais
alguma coisa acerca disso. Diz-se na exposição de motivos que se procura combater a especulação
fundiária… Pois é bom que a norma coincida com o objetivo proclamado.
Também queria perceber porque é que não se vai mais longe, do ponto de vista da determinação dos
parâmetros dos valores das indemnizações, pois se a venda forçada, em caso de desacordo entre a autarquia
local e os proprietários particulares, será sempre feita pelo valor da expropriação, por que é que não temos
aqui parâmetros sobre esse valor? Isso é remetido para o Código das Expropriações? É remetido para outra
legislação avulsa? Isto deveria estar parametrizado na lei de bases.
Não é possível aprovarmos de cruz uma lei de bases com um conjunto de indicações, variadíssimas delas
muitíssimo positivas, mas deixarmos tudo numa enorme indeterminação, sobretudo no que mais tem afligido
os portugueses e as portuguesas de há muitos anos a esta parte, que é a especulação fundiária e as
consequências que isso tem no desordenamento do território, na diminuição da qualidade de vida e nos custos
energéticos que têm vindo a ocorrer.
Sr. Ministro, para terminar, pergunto-lhe: sobre reservas de solos — não é reservas pontuais e locais —, a
reserva estratégica da Reserva Ecológica Nacional, a reserva estratégica da RAN, porque é que estão
completamente omissas nesta lei de bases? Não é uso do solo?! Não é uma perspetiva do solo?!
O Sr. Ministro acabou de falar acerca da fruição dos solos em reserva, mas o que é que está vertido para a
lei de bases acerca dessas preocupações? Absolutamente nada! É até estranhíssimo que a reserva de solos,
pura e simplesmente, se tenha evaporado da lei de bases!
Gostaria ainda de lhe perguntar o seguinte: em relação ao imbróglio da elaboração dos PDM temos de ter
um debate particular. É evidente que a lei de bases suscita um debate acerca da elaboração dos planos
diretores municipais, das condições da sua aprovação e da forma como são debatidos política e publicamente
com as populações, até porque há aqui, de imediato, uma outra derivante, que é o problema da existência de
planos intermunicipais dos quais não se conhece, neste momento, por ausência de uma autarquia regional
intermédia, quem fará o escrutínio democrático, como se poderão fazer alterações.
Enfim, tudo isso parece mais tecnocrático do que verdadeiramente democrático.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao próximo orador, quero
informar a Câmara que, por erro meu, anunciei que o Sr. Ministro tinha sete pedidos de esclarecimento, mas,
efetivamente, são seis, aos quais o Sr. Ministro pretende responder em conjunto.
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Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, na exposição de motivos desta
proposta de lei diz o Governo que foram ouvidas várias entidades, umas por imperativo legal e outras a título
facultativo.
Porém, o Governo, quando enviou a proposta de lei para a Assembleia da República, não a fez
acompanhar dos pareceres das entidades ouvidas. Limitou-se a enviar a esta Assembleia a sua proposta de
lei e esta atitude do Governo não só contraria o que está estabelecido no Decreto-Lei n.º 274/2009, que obriga
o Governo a enviar cópia à Assembleia da República dos pareceres que resultem da consulta direta às
entidades cuja consulta seja obrigatória, como viola grosseiramente o Regimento da Assembleia da República,
que estabelece que as propostas de lei devem ser acompanhadas dos estudos, documentos e pareceres que
as tenham fundamentado. Aliás, em bom rigor, até não sabemos muito bem se esta proposta deveria ser
discutida, porque lhe falta, nos termos regimentais, o requisito formal, que é exatamente o envio dos pareceres
que a fundamentam.
Mas esta atitude do Governo demonstra, ainda, um claro desrespeito e até um certo desprezo por esta
Assembleia da República, que Os Verdes não querem deixar passar em branco.
De facto, Sr. Ministro, o Governo não enviou os pareceres a que estava obrigado. O Governo diz que ouviu,
mas a Assembleia da República fica sem saber o que ouviu o Governo, porque, se calhar, o Governo ouviu o
que não queria e, portanto, «fechou-se em copas» e não enviou os respetivos pareceres à Assembleia da
República.
Sr. Ministro, porque é que o Governo não enviou a esta Assembleia da República os pareceres a que
estava legalmente obrigado? Ainda por cima numa matéria tão importante como é o caso da política de solos,
do ordenamento do território e do urbanismo?
E, já agora, Sr. Ministro, uma das entidades que o Governo obrigatoriamente teve de ouvir foi a Associação
Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e, uma vez que o Governo não nos facultou o parecer da ANMP,
gostaria que o Sr. Ministro nos dissesse aqui e agora o que é que a ANMP pensa sobre a proposta que o
Governo agora apresenta.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ramos
Preto.
O Sr. Ramos Preto (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, julgo que todos estamos de acordo que uma lei
dos solos, do ordenamento do território e do urbanismo terá sempre de ser um diploma estruturante, como
aqui referiu, na regulação, para futuro, do ordenamento do território e do urbanismo.
Para nós é claro, e penso que para o Sr. Ministro também o será, que o ordenamento do território, não se
confundindo com o urbanismo nem, aliás, com as questões do ambiente, deveria aparecer neste documento
numa maior articulação com o ambiente, nomeadamente com a Lei de Bases do Ambiente.
Não lhe parece, Sr. Ministro, que esta ligação deveria ser enfatizada, deveria ser realçada, de modo a que
não se pensasse que, com esta lei, se pretendem desvalorizar as questões do ambiente e as questões do
desenvolvimento sustentável, que aqui há pouco defendeu?
Segunda questão: uma vez que o Sr. Ministro assume o compromisso de que esta lei será complementada
com o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, com o regime jurídico de urbanização e edificação
e com o regime jurídico do cadastro predial, gostaria que o Sr. Ministro nos dissesse, já que referiu aquando
da apresentação desta proposta a 9 de outubro que esta legislação já estaria pronta, exceto a da lei do
cadastro predial que, penso, estará pronta até ao final do ano, quais são os aspetos mais relevantes destes
novos regimes jurídicos.
Depois, o Sr. Ministro veio justificar a apresentação da nova lei com a circunstância de a existência de
diversos modelos individuais em cada concelho não permitir o desenvolvimento integrado e a articulação
sustentável. Então, Sr. Ministro, quer isto dizer que não devemos considerar — e este é o debate que
devemos fazer — de modo revelante as especificidades locais e que um PDM do interior deve ter as mesmas
características ou o mesmo modelo de um PDM de uma zona urbana ou de uma zona ribeirinha? Não atentará
este pensamento contra a autonomia constitucional do poder local?
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Veio ainda o Sr. Ministro dizer que uma das novidades da lei dos solos é que classifica os solos em rústicos
ou urbanos — disse-o da tribuna. Mas, Sr. Ministro, como sabe, desde 1998 que os solos são classificados
entre rurais e urbanos e, depois, os urbanizáveis estão em decreto regulamentar. O Sr. Ministro sabe bem,
porque é especialista nesta matéria, que isto não é nenhuma novidade e que essa classificação consta da lei
de bases de 1998 que o PS aqui trouxe.
Sobre a flexibilização, o Sr. Ministro disse que os municípios passarão a concentrar todas as normas e
regulamentos necessários ao particular. É verdade, mas como é que isto se conjuga com uma maior
flexibilidade no planeamento territorial, nomeadamente na revisão dos planos diretores municipais, que o Sr.
Ministro veio dizer que será promovida através de planos de pormenor e de planos de urbanização?
Bom, a não ser que se altere o regime dos planos de pormenor e dos planos de urbanização, porque se
não — e os particulares, que nos estão a ouvir bem sabem o que é que custa aprovar um plano de pormenor
—, se continuarem a ser aprovado nos mesmos termos administrativistas, estamos conversados sobre os três
anos que o Sr. Ministro até impõe para a revisão dos planos diretores municipais. Isso não vai acontecer, de
certeza, nos próximos três anos.
Depois, o Sr. Ministro prevê a definição de um mecanismo, de que não falou aqui mas que na
apresentação pública, em outubro, referiu, que encara a situação das preexistências ilegais e institui um
procedimento para a ponderação e regularização.
Cria, se bem percebi, porque não conheço bem, mas vai-nos explicar com certeza, uma espécie de AUGI
(Áreas Urbanas de Génese Ilegal) para a atividade económica. Que mecanismo será este? Que mecanismo
será este de regularização das preexistências? Em que situações é que estamos a pensar? Conhecendo eu o
Sr. Ministro como conheço, tenho a certeza que o Sr. Ministro não defende nem nunca defenderá a tese de
que o crime urbanístico compensa e que agora vai arranjar-se um mecanismo qualquer para resolver as
situações de crime urbanístico.
Por último, Sr. Ministro, e esta questão, para mim, é relevantíssima: o senhor veio dizer que a venda e o
arrendamento forçados permitirão uma intervenção eficaz no território ao nível de regeneração urbana. Quer
isto dizer, Sr. Ministro, que pretende voltar ao regime jurídico da reabilitação urbana de 2009, que foi revogado
em parte por este Governo quando aprovaram a lei do arrendamento urbano?
Por outro lado, não lhe parece, Sr. Ministro — e esta é uma questão demasiado séria…
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, queira concluir.
O Sr. Ramos Preto (PS): — Termino já, Sr.ª Presidente.
Sr. Ministro do Ambiente, não lhe parece que a relevância da vitalização e regeneração urbana em
detrimento do crescimento urbano, como aqui referiu, deveria, pela sua importância, implicar a existência de
um regime unitário, uma lei própria em matéria de reabilitação e regeneração urbana, o que, aliás, aqui foi
proposto há dois anos pelo Partido Socialista e que este Governo chumbou?
Mas, Sr. Ministro, se vem a este caminho seja bem-vindo, pois significa que não há só um caminho, que há
mais do que um caminho, como aqui ficou provado pela sua intervenção. O Governo, ao não aprovar a lei da
reabilitação urbana proposta pelo Partido Socialista em março de há dois anos, estava no caminho errado.
Ainda bem, Sr. Ministro, que agora está do lado certo da estrada.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado António Ramos Preto, tendo em conta o tempo que
utilizou, penso que é uma redundância relembrar-lhe que se tratava de um pedido de esclarecimento e não de
uma intervenção.
O Sr. Ramos Preto (PS): — Peço desculpa, Sr.ª Presidente. Muito obrigado pela sua tolerância.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado
Artur Rêgo.
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O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, da sua intervenção registo a
anunciada intenção de gerir de forma integrada o território e de combater o despovoamento do interior.
E a afirmação que o Sr. Ministro fez de que não podemos viver no paradigma da expansão urbana
descontrolada e da especulação imobiliária é relevantíssima para traçar um caminho para o futuro diferente
daquele que tem sido até agora.
Por parte do CDS, essa afirmação só pode ser elogiada e ter os nossos parabéns. Nós vivemos, durante os
últimos 20, 30 anos, num paradigma de especulação imobiliária, de desenfreada construção. Houvesse ou não
houvesse necessidade, o que interessava era o benefício económico daí proveniente e não o benefício social,
o benefício urbano que a mesma pudesse ou não trazer. Portanto, este arrepiar caminho, este traçar de novos
horizontes para o urbanismo em Portugal é fundamental. E o Sr. Ministro concretiza esta afirmação com o
enunciado daquilo que pretende que sejam os PDM (planos diretores municipais), onde irão estar plasmadas
todas as regras, todos os regulamentos pelos quais os particulares se devem reger.
Dou, mais uma vez, os parabéns ao Sr. Ministro por ter tomado esta decisão, porque a dispersão era
enorme e, inclusive, assistia-se ao caso de haver várias entidades tutelares desde as câmaras municipais às
CCDR (comissões de coordenação e desenvolvimento regional), às entidades que tutelam o ambiente entre
elas ou a entravarem-se mutuamente, umas dizendo que sim e outras dizendo que não ou, então, pura e
simplesmente, a causar inércia chutando e passando de umas para as outras a responsabilidade da decisão
enquanto o particular aguardava.
Sr. Ministro, isto conduz-me à questão concreta que gostaria de lhe colocar: se os PDM vão ser a pedra
angular de todo o ordenamento do território e os planos intermunicipais, onde é que ficam os PROT (planos
regionais de ordenamento do território) e qual o papel e competências vão ter as CCDR para o futuro? Dá-me
ideia que vai haver um esvaziamento, que eu não critico, mas tem de ser esclarecido para que possamos
saber com quem e com que entidades é que vamos lidar daqui para a frente.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado
Miguel Tiago.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, da leitura que o PCP faz desta
proposta de lei, e apesar das virtudes que o Sr. Ministro lhe atribui, resulta apenas uma sistematização e uma
certa simplificação de legislação mais complexa e mais dispersa. Em relação a outras virtudes anunciadas ou
encontramos o contrário ou temos muita dificuldade em identificá-las.
Nesta minha pequena intervenção, sob a forma de pedido de esclarecimento, destacarei apenas duas. Em
primeiro lugar, a não resolução dos principais problemas com que nos confrontamos no âmbito da gestão dos
solos, designadamente aqueles que o próprio Ministro identifica como originados na especulação imobiliária,
na atividade desenfreada do mercado acima do bem-estar comum.
Portanto, Sr. Ministro, a primeira questão que lhe coloco é a seguinte: qual é, objetivamente, o mecanismo
que, nesta lei, vem introduzir essa disciplina? É que o Sr. Ministro disse que acabou o tempo da construção
desenfreada. Talvez tenha acabado o tempo da construção desenfreada nas periferias, mas esta lei cria os
mecanismos para que a grande banca, os grandes fundos de investimento também se apropriem dos centros
das cidades, até agora ainda, em parte, nas mãos de pequenos e médios proprietários.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Se assim não for, como é que se entende esta venda compulsiva prevista
nesta proposta de lei?
E o que é uma venda forçada? É que, para haver uma venda forçada, tem de haver uma compra forçada
ou, então, se ninguém comprar não há venda nenhuma. Na verdade, o que isto significa é que o Sr. Ministro
entende que quem não tem dinheiro para manter os edifícios deve vendê-los a quem tem dinheiro para os
capitalizar. Ora, isso significa, objetivamente, uma migração da propriedade do pequeno proprietário para os
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grandes fundos de investimento. E quando os grandes fundos de investimento entenderem que a propriedade
está melhor abandonada, porque lhe convém mais, uma vez que mantém a especulação a alimentar o seu
lucro, não há mecanismo algum que a tire das mãos dos fundos de investimento imobiliário, porque um fundo
imobiliário não vai conseguir vender a não ser a outro fundo imobiliário.
Sr. Ministro, sobre aquilo que nos disse em relação à compensação das populações por viverem nas áreas
protegidas, essa é uma preocupação que, desde há muito, o Partido Comunista Português tem vindo a colocar
nesta Assembleia. As populações que habitam nas áreas protegidas não podem ser penalizadas por habitar
em áreas onde é necessário proteger um bem, um património cultural ou ambiental.
Mas, Sr. Ministro, esta lei pouco diz sobre isso, a não ser que existe uma compensação. E, infelizmente,
esse tem sido o pretexto para os grandes investimentos, nomeadamente os resorts de luxo, justificarem a
apropriação de grandes parcelas dessas reservas e desses parques naturais, dizendo que a ida para aí do
resort de luxo ou do grande condomínio vai compensar as populações, quando, na verdade, se espoliam as
populações de mais aquela parcela de terreno. E, no entanto, continuam a ser proibidas, sem razão, práticas
ancestrais e tradicionais das populações nestas áreas protegidas.
Quando diz que é preciso compensar, é através de quê? Através de mais investimento público? De mais
centros de saúde? De mais hospitais? De mais escolas? De mais acessibilidades? Ou está a referir-se aos
grandes resorts e à facilitação dos grandes empreendimentos?
São dúvidas que nos ficam, mas as certezas vão quase sempre, infelizmente, para a segunda tendência.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Finalmente, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, tem a
palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira.
O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, trouxe-nos hoje um verdadeiro novo
paradigma de gestão do território, um modelo inovador que V. Ex.ª, de forma clara, expôs perante esta
Câmara.
Já há muitos anos que foram detetados vários problemas neste domínio, problemas identificados,
estudados, como, por exemplo, a acentuada degradação de solos, a degradação da qualidade da água, o
crescimento desordenado das cidades e a degradação dos espaços urbanos e a dispersão de infraestruturas e
a sua baixa utilização. O que é certo, Sr. Ministro, é que faltava uma proposta de solução para estes
problemas e V. Ex.ª trouxe-a aqui hoje, assumindo-a corajosamente. O que faltava era assumir uma proposta,
uma solução perante esta Câmara. Felicitamo-lo por isso, Sr. Ministro.
Na apresentação que V. Ex.ª fez, destacou vários aspetos fortes, importantes e muitos deles inovadores
nesta lei de bases. Um dos que V. Ex.ª apresentou foi a reabilitação urbana, que foi apresentada com uma
nova amplitude, com mais ambição, como elemento estruturante para um novo regime e um novo modelo de
vida para as nossas populações.
Sr. Ministro, é precisamente esse tema que gostaríamos que V. Ex.ª desenvolvesse, atendendo à sua
importância para a nova gestão que V. Ex.ª quer implementar.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente, do
Ordenamento do Território e Energia.
O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia: — Sr.ª Presidente, Srs.
Deputados, peço imensa desculpa por ir dar respostas muito sintéticas, mas, obviamente, estou disponível
para prosseguir este debate nos próximos tempos.
Em primeiro lugar, sobre as questões regimentais, gostaria de confirmar que os 16 pareceres já foram
entregues e, portanto, os Srs. Deputados, no âmbito da especialidade, terão condições para, nas audições,
interpelarem diretamente não apenas aquelas entidades, mas outras. Lamento, pois, que esses pareceres não
tenham sido entregues com maior antecedência.
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Em segundo lugar registei, da parte de muitas bancadas, a circunstância de concordarem nos princípios
mas quererem conhecer as normas efetivas de aplicação desses princípios. Ora, esta é uma lei de bases, é
uma lei que identifica um quadro de princípios e de valores e vai, aliás, muito mais longe do que habitualmente
as leis de bases costumam ir. Julgo que os Srs. Deputados têm toda a informação de que necessitam pois foi
intenção do Governo dar toda a informação que era essencial para que os regimes complementares
estivessem em linha com esta lei de bases. Portanto, não existe qualquer surpresa a esperar, nem do RJIGT
(Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial), nem do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e
Edificação), nem do cadastro.
Em terceiro lugar, penso que é através desta lei de bases de ordenamento do território, da política dos
solos e de urbanismo que se recupera o protagonismo que deve ser dado ao ordenamento do território.
Durante muito tempo, fomo-nos habituando a que, através da transposição de diretivas comunitárias, o
ambiente fosse ocupando a primazia do «esverdeamento» da economia e das políticas públicas.
E o ordenamento do território acabou por não ter, infelizmente, a primazia que merece. Julgo que esta lei
de bases acaba por equilibrar esta dimensão, pelo que faço um apelo redobrado a que não só esta lei mas
também a Lei de Bases do Ambiente possam ter um apoio alargado neste Parlamento, transcendendo as
fronteiras partidárias e o horizonte de uma legislatura.
Sobre a cooperação intermunicipal, questão que foi colocada por várias bancadas, e a necessidade de esta
cooperação intermunicipal não pôr em causa as especificidades locais, quero dizer que não é isso que está
em causa. O que está em causa é o facto de, muitas vezes, municípios que têm os mesmos ecossistemas, a
mesma realidade social e económica, equipamentos que são redundantes e muitas vezes partilhados, não
terem mecanismos de gestão e de promoção de atração do investimento que seja congruente. Assiste-se a
estratégias que são divergentes e a união faz a força. Nós precisamos de massa crítica, e essa massa crítica
não carece apenas de um debate sobre fronteiras municipais. É suficiente, neste contexto, um debate sobre a
cooperação intermunicipal que não ponha, obviamente, em causa as especificidades locais.
Sobre o papel das CCDR e a necessidade de que estes organismos possam continuar a ter um papel
estratégico, em especial no que diz respeito aos PROT (planos regionais de ordenamento do território), no
fundo o que vamos fazer é substituir o instrumento plano pelo instrumento programa. Os únicos planos serão
os planos diretores municipais e os únicos instrumentos que vincularão os privados, os cidadãos e as
empresas, serão os planos diretores municipais. Porém, isso não dispensa, muito pelo contrário, a
manutenção de programas regionais setoriais e especiais, que são, designadamente, conduzidos pelas CCDR
que terão, aliás, de verificar a congruência da integração das regras gerais, regionais e especiais nos PDM,
neste prazo de três anos.
Relativamente às mais-valias, questão muito relevante, gostava de dizer que, no âmbito do RJIGT, regime
que está vocacionado para esta avaliação dos encargos e dos benefícios, esta matéria será desenvolvida num
sentido que reforça a transparência e limita a apropriação privada das mais-valias que resultam da alteração
de planos ou do estatuto do solo. Mas acaba por haver menor relevância sobre esse debate do que existia na
ausência desta lei de bases. Porquê? Porque esta lei de bases, ao impor, na classificação do solo de rústico
para urbano, a necessidade de análise da viabilidade económico-financeira, já traduz um nível de
racionalidade que vai reduzir em muito a especulação, na medida em que, no momento da transação, aquele
que vai comprar já sabe que se quiser urbanizar só o poderá fazer se isso for viável do ponto de vista
económico-financeiro, senão só se a construção das infraestruturas e a manutenção dessas infraestruturas
estiver integrada nesse regime económico-financeiro.
Peço desculpa por não ter respondido a todas as questões, mas procurei responder àquelas que me
pareceram mais polémicas.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma
verdadeira política de solos, de ordenamento do território e urbanismo, ao serviço dos interesses das
populações e do desenvolvimento do País, só é possível na esfera pública.
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O solo, como recurso comum finito, deve estar sujeito a normas muito claras, rigorosas e transparentes
quanto à sua utilização e exploração, que potenciem o progresso no plano económico, social, cultural e
ambiental e, simultaneamente, acautelem e salvaguardem o futuro das novas gerações.
Quisemos participar neste debate de uma forma construtiva, com propostas concretas. É neste contexto
que apresentamos um projeto de lei que estabelece o regime de uso e transformação do solo e um projeto de
lei que altera a lei de bases de ordenamento do território e urbanismo. Propomos a atualização da legislação,
ao nível da transformação de solo rústico em solo urbano, a transformação de uso do solo já classificado como
urbano e a melhoria da lei de bases de ordenamento do território e urbanismo.
Contudo, reconhecemos a necessidade de se desenvolver legislação sobre o solo rústico, na vertente
agrícola, florestal, silvícola, pastoril ou exploração de inertes.
O princípio que norteia as nossas propostas é o da salvaguarda do interesse público, nas opções
estratégicas do ordenamento do território.
Destacamos as seguintes propostas: limitação da expansão urbana, através da determinação de índices de
ponderação a definir pela Assembleia da República, atendendo às necessidades de solo para as diversas
atividades; estabelecimento de normas que definam as formas de organização coletiva de uso e exploração de
áreas determinadas de solo; obrigação de reposição do solo no estado anterior, quando se verificar o seu uso
ilegal; utilização do processo excecional de expropriação, para a satisfação do interesse público, quando se
verificar o absentismo do proprietário e, caso o proprietário se oponha à expropriação, a possibilidade do
pagamento de uma renda; permissão de expropriação para edificabilidade de habitação para satisfação de
necessidades, sempre para construção de habitação a custos controlados; reforço da eficiência do sistema de
gestão territorial, aprofundando a autonomia responsável dos diversos protagonistas; articulação da avaliação
ambiental com o sistema de gestão territorial, privilegiando o seu exercício aos níveis territoriais mais
abrangentes, evitando a repetição de procedimentos; reforço do programa nacional das políticas de
ordenamento do território, através da definição das várias políticas com incidência territorial, e a
compatibilização da estratégia enunciada e as políticas governamentais; reforço dos planos de urbanização e
dos planos de pormenor; aprofundamento da conceção de planos especiais, definindo-os como instrumentos
adequados para a gestão de áreas excecionais do território, considerando os recursos aí existentes;
determinação da classificação de solo rústico para uso industrial isolado, devido à imposição da natureza e ao
impacto do tipo de atividade.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para nós, o debate sobre as opções para uma
política de solos, ordenamento do território e urbanismo reveste-se da maior importância para o nosso futuro
coletivo. Participámos e participamos ativamente neste debate, com respeito pelas diferentes opiniões e com
total disponibilidade para um sério e aprofundado debate de especialidade, que esperemos seja o mais amplo
possível e com a recolha de contributos dos diferentes intervenientes.
Esperamos que os partidos com assento parlamentar tenham também a mesma abertura.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel
Freitas.
O Sr. Miguel Freitas (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Há
precisamente 46 anos, na fatídica noite de 25 de novembro de 1967, uma chuva intensa e concentrada,
associada à impermeabilização excessiva dos solos, à destruição do coberto vegetal, à decomposição das
periferias rurais e à ocupação urbana massiva, consequência do loteamento clandestino, levou à morte de
centenas de pessoas nos concelhos de Loures, Odivelas e Alenquer e a prejuízos estimados, à época, em
mais de 3 milhões de dólares.
A tragédia tinha uma causa que Gonçalo Ribeiro Telles soube prontamente identificar: o crescimento
urbano desordenado. E porque as cheias de 1967 foram o primeiro momento em que se confrontaram
processos sociais, políticas de desenvolvimento e questões ambientais, elas são o evento-charneira das
políticas ambientais e de ordenamento do território em Portugal.
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Cinco décadas depois, é preciso reconhecer as profundas mudanças que se verificaram na sociedade
portuguesa, com especial relevância no contexto europeu, e as consequências para a organização do nosso
território, para o quadro legal e regulamentar que o rege e para as políticas públicas no domínio dos solos, do
ordenamento do território e do urbanismo.
Cinco décadas em que as políticas implementadas não evitaram o efeito centrífugo do litoral e o efeito
centrípeto no crescimento das cidades, o despovoamento de boa parte do interior e, embora protegidos, do
ponto de vista legal, a degradação de muitos dos valores ecológicos e patrimoniais.
Num contexto de aceleração dos processos de desenvolvimento e face à necessidade de respostas a
novos desafios e a novas realidades, a reconciliação entre o uso dos solos e as preocupações sociais,
económicas e ambientais mantém-se como um forte desígnio político.
O debate de hoje não é, nessa medida, uma novidade. O que é nota de registo é a circunstância de
abordarmos, pela primeira vez, a política de solos inserida nos domínios do ordenamento do território e do
urbanismo.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Com base nas iniciativas do Governo e do Grupo Parlamentar do
PCP, somos convocados para um debate sobre a forma como devemos responder à degradação dos solos e
aos riscos de desertificação, à expansão urbana desordenada e à fragmentação dos espaços naturais, à boa
gestão territorial e à complexidade da legislação e dos procedimentos de gestão territorial.
À luz da evolução de valores e de conceitos e dos constrangimentos já identificados, devemos renovar as
políticas públicas para o solo, em estreita articulação com as políticas de ordenamento do território e do
urbanismo, em torno de dois aspetos que consideramos fundamentais: salvaguardar o solo vivo como recurso
ambiental e produtivo escasso e não renovável e assegurar uma oferta programada de solo para as diferentes
utilizações, na quantidade necessária, e com as localizações adequadas à satisfação das procuras resultantes
da evolução demográfica e do desenvolvimento económico e social.
Devemos atender à multiplicidade de dimensões que o bem jurídico «solo» engloba, reconhecendo as suas
funções económica, ambiental e, particularmente, social. A função produtiva primária do solo assume especial
relevância nos dias de hoje, não só porque assistimos ao acesso condicionado aos bens alimentares e
matérias-primas essenciais e ao acréscimo dos custos da energia, mas também porque ganham peso
crescente os serviços dos ecossistemas naturais e as funções complementares em benefício do sistema
urbano. Mas o sucesso destas políticas passa, sobretudo, pela valorização da função social do solo, que vai
muito para lá do interesse público restrito e deve potenciar políticas de produção, conservação, mas também
de repovoamento e equilíbrio territorial. O grande desafio é adequar a legislação às necessidades inerentes à
função do solo, nomeadamente através da valorização de novas formas de propriedade, que promovam a sua
desmaterialização e assegurem uma melhor relação entre a forma do território e a sua estrutura fundiária, quer
do ponto de vista urbano, quer do ponto de vista rural.
É, assim, fundamental que a nova legislação dê especial atenção aos processos de formação de valor do
solo e de apropriação da renda fundiária, através da explicitação e regulação das funções do solo e dos seus
diferentes estatutos, bem como as condições mediante as quais se opera a alteração de estatuto jurídico do
solo.
Dever-se-á dar relevância às diferenças conceptuais entre o uso no solo e o uso do solo, atenta a distinção
jurídica e o caráter de reversibilidade associado ao primeiro conceito. Se atendermos ao solo rústico, por
exemplo, o mesmo deverá ser preservado nos processos de produção de solo urbanizado e o processo de
desenvolvimento rural deverá ser objeto de políticas setoriais específicas.
A renovada política de solos deve consistir em orientar e organizar o desenvolvimento urbano e rural de
forma coerente e racional e evitar as consequências perversas geradas pelo funcionamento espontâneo do
mercado, nomeadamente um enriquecimento sem justa causa do proprietário fundiário que se limita a esperar
pela valorização do seu terreno, em consequência dos investimentos da comunidade em equipamentos e
infraestruturas ou pelo planeamento urbanístico.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Valorizamos a iniciativa do Governo, por sabermos que há nesta
matéria legislativa uma necessidade sentida e reconhecida de aperfeiçoamento, mas recusamos qualquer
tentativa de desconstrução do edifício legislativo e de desequilíbrio na relação institucional e na ação de
regulação entre a administração central e local.
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Não podemos, em face das tensões entre a necessidade de recursos e de espaços para a sociedade e a
capacidade do solo para suportar e absorver essas necessidades, cair na tentação de enveredar por caminhos
demasiado simplistas.
Não podemos, a coberto da necessidade de simplificação e articulação, destruir e reduzir a eficácia dos
instrumentos de controlo do Estado, em matéria de política ambiental e de ordenamento do território.
Não podemos, sob a falsa capa da excessiva regulamentação, permitir que o Estado e as suas instituições
se demitam das responsabilidades de regulação, de planeamento e, sobretudo, de salvaguarda de bens e
valores de superior interesse nacional.
Não podemos permitir que seja decretado o óbito de instrumentos como reserva ecológica nacional e a
reserva agrícola nacional, ao invés da sua renovação, até porque os fundamentos que levaram à sua criação
se mantêm inalterados.
Não podemos aceitar que uma maior responsabilização dos municípios seja consequência da decadência
dos serviços do Ministério do Ambiente, cada vez mais fragilizado e, de há dois anos a esta parte, o elo mais
fraco, e não de uma estratégia reformista e descentralizadora.
Em suma, não podemos aceitar e não aceitaremos que uma lei aparentemente bondosa nos seus
princípios possa ser perigosa no seu sistema operativo para a salvaguarda dos recursos territoriais, porque o
nosso futuro deles depende.
Aplausos do PS.
Entretanto, reassumiu a presidência a Presidente, Maria da Assunção Esteves.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs.
Deputados: Sr. Ministro, percebi pelas suas respostas que, no que toca à definição de parâmetros essenciais
sobre o mercado, sobre a fiscalidade, sobre a parafiscalidade está tudo adiado, portanto o que vem pedir,
embora com pias intenções, ao Plenário da Assembleia da República é um cheque em branco.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — E o Bloco de Esquerda tem uma imensa dificuldade em passar cheques em
branco.
Sr. Ministro, não conseguiu ainda aqui dizer-nos como é que esta lei de bases do solo, do ordenamento do
território e do urbanismo se compatibiliza com princípios essenciais da defesa e da proteção do ambiente. O
Sr. Ministro não se referiu à reserva ecológica nem à reserva agrícola, não se referiu sequer, do ponto de vista
dos princípios, à questão da reserva dos solos, mas depois temos uma enorme dificuldade em perceber como
é que o PDM é o único plano que vincula particulares. Em relação aos planos de ordenamento especiais —
áreas protegidas, orla costeira, etc. —, o que é que vincula os proprietários privados? Vai ser substituído por
um programa? E se isso não estiver vertido no PDM? E se isso estiver casuisticamente atirado para…? Bem,
depois, teremos os factos consumados!
Já lhe foi aqui perguntado, Sr. Ministro, como é que quer ilidir, se é isso que pretende, os crimes
urbanísticos entretanto realizados, com base em que regime legal. Também não nos diz como!
Mas, Sr. Ministro, é preciso perceber mais do que aquilo que nos é aqui apresentado nesta lei de bases.
No que diz respeito aos direitos dos proprietários à edificabilidade, têm limitações, mas não têm
constrangimentos ambientais claros nesta lei. Não têm, absolutamente, constrangimentos claros! É um direito
irrestrito, salvo algumas questões urbanísticas?
O problema da zona de descontinuidade entre o urbano e o rústico vai-se resolver como? Pela compressão
do urbano? Será essa a via? Essa seria uma via positiva e, enfim, obrigaria a algum tipo de orientação central
da parte do Governo e não a livre aceitação dos municípios. Não se entende como é que isso acontecerá.
Concluo, Sr.ª Presidente e Sr. Ministro, dizendo que, na verdade, esta proposta de lei deixa mais dúvidas e,
sobretudo, deixa imensas perplexidades para futuro. Não basta dizer que as intenções são boas ou positivas,
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temos de as comprovar, porque é preciso apresentar normas densificadas e claras, normas atinentes a uma lei
de bases com certeza, mas que verdadeiramente marquem um campo político.
Esperamos que, ao longo da discussão na especialidade, possamos ter as condições para poder gravar
isso de algum modo que seja visível e que condicione a legislação subsequente.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Morais Soares.
O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs.
Deputados: É por todos sentida de forma incontornável, não só à escala local mas também nacional, a
necessidade de reconduzir as prioridades do solo: reconduzir para a promoção e a exploração dos recursos
florestais e agrícolas; reconduzir para a salvaguarda dos valores naturais e ambiente; reconduzir para uma
otimização dos recursos do solo urbano, que permita assegurar uma oferta programada e sustentada que é
indispensável ao desenvolvimento económico, que atenda à própria evolução demográfica e que permita a
regeneração do território, apresentando-se o solo não só como um recurso base mas também com uma
função ambiental e produtiva.
O regime jurídico dos solos apresenta-se inteiramente ligado com o ordenamento do território e do
urbanismo. Todas as dimensões do solo têm repercussões sobre o território e todas as dimensões do solo
interessam ao ordenamento do território na medida em que ordenar significa, necessariamente localizar,
articular, de forma racional e sustentada, infraestruturas, espaços públicos, edifícios e outros usos.
Reconhecida a ligação íntima entre estas políticas públicas e sem esquecer que o direito dos solos e o
direito do ordenamento do território não têm conteúdos coincidentes, é de salientar que a presente proposta de
lei reforça uma visão integrada da gestão do território.
Nesta medida, não pode a presente proposta de lei ser desligada das medidas reformistas levadas a cabo
por este Governo na Lei do Arrendamento Urbano, na Lei da Reabilitação Urbana, nos programas que estão
em curso, de promoção e de reabilitação do arrendamento financeiramente dirigidos quer para entidades
públicas quer para particulares.
O mercado do arrendamento e da reabilitação para fins de ordenamento do território, promovendo a
requalificação, a revitalização das cidades e a requalificação do parque habitacional é essencial para o
sucesso da política de solos. E é essencial, designadamente, como meio de impedir a retenção improdutiva e
especulativa dos imóveis e de conter os preços praticados no mercado imobiliário.
De facto, não existe política de solos sem mecanismos transversais, e este Governo tem vindo a
apresentá-los coerentemente.
Neste sentido, Sr.ª Presidente, com esta proposta de lei, o Governo consagra as linhas gerais de definição
de um novo modelo de desenvolvimento territorial, mediante o qual assume como prioridade um modelo mais
exigente de classificação e de requalificação do solo.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A questão prioritária já não é assegurar as áreas de expansão de
aglomerados urbanos, mas, sim, dinamizar e revitalizar as áreas do interior, colmatar os vazios urbanos e
valorizar as infraestruturas e os serviços públicos existentes. É uma prioridade de retorno dos investimentos
feitos, de conciliação dos centros urbanos e de contenção das tendências dispersivas das construções, sem
prejuízo de, no âmbito da atividade de planificação, se definirem áreas de expansão urbana em resposta às
necessidades de crescimento e de desenvolvimento, mas trata-se de uma flexibilidade tutelada pelo princípio
da necessidade e da viabilidade económico-financeira.
Por esta razão, Sr.ª Presidente, o Governo apresenta um modelo de compromisso de gestão do território
que evita o desfasamento entre as exigências e as necessidades dos recursos públicos e dos privados, que
estão efetivamente disponíveis numa lógica de contratualização: um modelo de compromisso em particular
dirigido aos protagonistas locais, na medida em que não só cria as condições para um planeamento municipal
mais estratégico e flexível como também estabelece as condições para que os municípios se coordenem
naquele que é o desafio da gestão do território na otimização dos recursos naturais, das infraestruturas e dos
equipamentos; um modelo de compromisso na medida em que procura que o plano diretor municipal
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concentre todas as regras vinculativas dos particulares, bem como os direitos e os deveres dos proprietários e
a sua relação com os direitos e deveres de urbanizar e de edificar.
Assim, é forçoso reconhecer que esta lei não só é necessária como indispensável para Portugal.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O Governo apresenta-
nos hoje, para discussão, uma proposta de lei que pretende proceder à atualização das bases da política de
solos, de ordenamento do território e do urbanismo.
A primeira nota que Os Verdes querem deixar é que, face à importância da matéria em causa e às
implicações que esta proposta de lei representa ao nível da gestão física do espaço, esta deveria ter merecido
uma discussão pública muito mais profunda e muito mais alargada.
Note-se, a este propósito, que nem os pareceres das entidades que foram ouvidas pelo Governo aquando
da sua elaboração chegaram atempadamente a esta Assembleia. O Sr. Ministro diz que já chegaram, mas nós
ainda não temos conhecimento dos mesmos.
Também é verdade que os fins ou os objetivos que constam do articulado desta proposta são nobres,
desde logo a salvaguarda e a valorização das potencialidades do solo, o desenvolvimento sustentável, a
criação de emprego, a organização eficiente do mercado fundiário e imobiliário e a preocupações em
assegurar o aproveitamento racional de recursos naturais e em valorizar a biodiversidade.
Mas nós também sabemos que, muitas vezes, os fins para que apontam as propostas acabam por ser
apenas uma forma de encobrir opções políticas, que podem ser, como neste caso, absolutamente decisivas na
determinação do valor dos solos, e desta forma mais não fazem do que fomentar decisivamente um conjunto
alargado de operações e produtos financeiros muitas vezes apenas virtuais.
Todos sabemos que, apesar dos também nobres fins que aparentemente moldaram, no passado, a
arquitetura legislativa sobre a criação e o uso do solo, essa mesma legislação conheceu apenas um sentido
único: facilitar a expansão urbana. E, como consequência dessas opções, temos hoje perímetros urbanos
muito acima das necessidades e, ao mesmo tempo, temos os centros urbanos e os núcleos antigos deixados
ao mais completo abandono.
Ora, não é este, nem de longe nem de perto, o caminho para estabelecer o equilíbrio do uso do solo.
Uma lei dos solos só ganhará relevância se, para além de limitar a expansão urbana, assumir de forma
muito clara que, ao direito de propriedade, se sobrepõem outros direitos, nomeadamente o direito à habitação
a preços que atendam aos rendimentos familiares, a competência do Estado para proteger e gerir
racionalmente os recursos naturais e a competência do Estado para estabelecer o uso do solo com natureza
imperativa relativamente às áreas classificadas, ao uso florestal, ao uso urbano e ao uso agrícola.
Por outro lado, e uma vez que o Governo pretende, nesta proposta de lei, integrar as políticas ambientais
nas políticas de ordenamento do território e de urbanismo, registamos o facto — que, aliás, só reforçaria o
empenho do Governo em levar a sério os fins ou os objetivos que constam do artigo 2.º da proposta de lei —
de o Governo não acrescentar mais um artigo nesta proposta, apenas mais um artigo. Refiro-me a um único
artigo que procedesse à revogação de regimes contraditórios, que são, aliás, estranhos ao ordenamento do
território, como é o caso dos PIN e dos PIN+; os tais projetos de potencial interesse nacional, cujo interesse
nacional ninguém chegou a descobrir.
Mas o Governo parece não estar para aí virado, o que nos leva a pensar que os fins que constam da
proposta podem ser apenas para enfeitar. Vamos esperar que não, que assim não seja, e que haja uma
verdadeira coincidência entre os fins previstos na proposta, as pretensões do Governo e as soluções que o
Governo aponta para atingir esses fins.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ângela Guerra.
A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados:
Volvidos 15 anos da entrada em vigor da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do
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Urbanismo e quase 40 anos após a entrada em vigor da Lei dos Solos, este Governo tomou a iniciativa de
apresentar à Assembleia da República a presente proposta de lei, que revoga não só a lei de bases anterior
como a Lei dos Solos e ainda o decreto-lei referente ao desenvolvimento e reabilitação urbana.
Há ainda o compromisso, manifestado neste mesmo diploma, de serem também revistos o Regime
Jurídicos dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação
(RJUE) e o regime aplicável ao Registo Cadastral e respetivos diplomas regulamentares.
Este Governo vem, então, nesta sede, cumprir os objetivos a que se propôs no seu Programa e nas
Grandes Opções do Plano para 2012-2015.
Bem sabemos que nenhuma proposta de lei, por si só, poderá garantir a reforma das mentalidades, a
alteração dos valores enraizados e a correção dos casos de violação de normas urbanísticas e de
ordenamento do território. Uma lei de bases tem o seu valor pela bondade dos princípios que enuncia e das
soluções que enquadra. Assim, esta proposta inicia um novo ciclo legislativo e reveste-se de uma visão
integrada e dinâmica da gestão do território.
Nas últimas décadas, o País acentuou desequilíbrios e assimetrias humanas e físicas: as áreas
metropolitanas cresceram desmesuradamente e os erros na gestão do património natural nestas zonas
progrediram também na sua ineficiência e destruturação; ao invés, as áreas mais rurais e interiores do País
foram ficando mais «despidas» das suas populações, aqui também se justificando uma alteração de
paradigma, impondo-se uma efetiva coordenação entre os vários setores, a promoção das políticas municipais
e intermunicipais e o desenvolvimento rural, potenciando aproveitamentos agrícolas, pecuários, florestais, de
conservação da natureza, de turismo, de produção de energia ou de exploração de recursos.
Mas, em face da imperiosa obrigação legal e constitucional de alterar o que não está bem, de desbloquear
situações de impasse que se revelam negativas para o interesse público e gravosas para os particulares, tem
correspondido um manifesto défice de intervenção por parte do Estado.
Como é sabido, a esmagadora maioria dos municípios dispõe de um plano diretor municipal (PDM) que se
encontra em sucessivo e interminável processo de revisão há décadas, tentando respeitar um enorme
conjunto de legislação que foi sendo emanada na tentativa de solucionar o que há muito se adivinhava não ter
qualquer solução.
Ao invés de os PDM se traduzirem num instrumento potenciador do desenvolvimento sustentável e do
ordenamento do território, têm-se traduzido em muitas situações no entrave ao desenvolvimento das
economias locais, na ineficaz potenciação dos recursos naturais e na inalcançável melhoria da qualidade
habitacional das nossas populações.
Sr.a Presidente, Sr.
as e Srs. Deputados: Como já em 2011 se concluía, «o sistema de gestão territorial
português, possuindo cariz eminentemente normativo, reativo e regulador, ao invés de pró-ativo e interventivo,
revela-se desadequado às exigências de um ordenamento do território em constante evolução, originando
efeitos nefastos e criando bloqueios e estagnações de desenvolvimento».
Assim, muitas expectativas existentes encontrarão certamente a sua resposta nesta reforma legislativa,
onde se impõe o empenho do Governo, de todos os partidos políticos, das autarquias, dos agentes
económicos e de toda a sociedade civil em geral.
Partindo de uma criteriosa e ponderada avaliação da situação atual e do regime em vigor, o Governo
entendeu que, sendo o solo o recurso de base ao ordenamento do território, deveriam abordar-se
conjuntamente estas matérias, acolhendo, desse modo, uma visão integrada de políticas ambientais e de
políticas de ordenamento do território e urbanismo. Neste sentido, efetivamente, uma mudança de paradigma
é-nos apresentada com esta proposta de lei.
Primeiro, flexibiliza-se o planeamento; segundo, reforça-se o PDM como um instrumento estratégico,
concentrando num único plano, com todas as regras vinculativas dos particulares, promovendo procedimentos
mais flexíveis da sua alteração e revisão: e, por fim, assume-se a reabilitação urbana como uma força motriz
do desenvolvimento e competitividade das cidades.
O solo passa a ser classificado apenas em duas classes, rústico e urbano, limitando-se a existência de
terrenos expectantes e a classificação do solo a opções de planeamento de que depende a comprovação
quantitativa e qualitativa da respetiva indispensabilidade e adequação ao desenvolvimento económico
definidos no RJIGT.
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São também incluídos novos instrumentos para a gestão do território, a venda e o arrendamento forçados,
operando estes apenas por motivo de utilidade pública devidamente justificados e comprovados e respeitando
sempre o conteúdo essencial do direito fundamental à propriedade privada, e ainda a transferência da
edificabilidade, permitindo uma intervenção mais eficaz no território, nomeadamente ao nível da regeneração
urbana.
A transformação do solo passa a ser regulada por um novo sistema económico e financeiro, onde as
operações urbanísticas ficam condicionadas à demonstração da sua viabilidade económica e financeira.
Destacamos ainda a introdução do mecanismo de distribuição de encargos e benefícios destinados a
compensar os custos decorrentes da proteção de interesses gerais.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O ciclo de especulação imobiliária do passado recente provou não
ser viável, mas também é certo que hoje vivemos uma nova dinâmica demográfica e também por isso
devemos centrar o papel do Estado no planeamento e na evolução social, adequando reais necessidades à
efetiva execução, construindo uma nova cultura para o território.
É impensável para nós reformar o País passando ao lado desta reforma. Viver, trabalhar, investir e realizar
projetos de vida tem de ser mais fácil para todos os portugueses, a bem da nossa economia, a bem do nosso
País.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção vai ser proferida pela Sr.ª Deputada Margarida Neto, do CDS-
PP.
A Sr.ª Margarida Neto (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as
e Srs.
Deputados: O solo é um recurso ambiental e produtivo essencial, escasso e não renovável, é um bem
localizado, mas de abrangência nacional, é um fator decisivo de competitividade e de riqueza de um país.
Por essa razão, a organização do solo é uma tarefa essencial do Estado. A utilização racional e adequada
do solo impõe-se como desígnio nacional e local, sobretudo como um compromisso geracional, e impõe-se
hoje mais do que no passado, como já aqui foi dito, no momento em que se tornaram manifestos os problemas
económicos e sociais gerados por uma distribuição ineficaz e um aproveitamento desadequado do solo rústico
e urbano
Discutimos hoje três iniciativas legislativas que, em síntese, incidem sobre o mesmo objeto. E verificamos
que, independentemente dos caminhos propostos, as três visam um modelo mais exigente de
desenvolvimento territorial. Todas partem, e bem, de um diagnóstico comum e consagram uma aposta na
reabilitação urbana e na regeneração dos centros das cidades, no combate à expansão urbana desordenada
que se tem verificado em Portugal nas últimas décadas, e pretendem, cada uma a seu modo, pôr fim às
expetativas geradoras de especulação imobiliária, em muito criadas com base no conceito de solo urbanizável.
Mas, Sr.as
e Srs. Deputados, não deixa de ser curioso assinalar que o diagnóstico que o PCP aqui faz hoje
não tenha sido aquele que manifestou na discussão das leis do arrendamento urbano e da reabilitação urbana
quando aqui foram apresentadas, discutidas e aprovadas por esta maioria e que tanta importância têm para o
ordenamento do território, para a promoção da requalificação e da revitalização das cidades como meio de
impedir a retenção improdutiva e especulativa dos imóveis e a contenção dos preços praticados no mercado
imobiliário. Mas mais vale tarde do que nunca.
Srs. Deputados do Partido Comunista, ao pretenderem que seja a Assembleia da República a definir os
limites de ponderação para a edificabilidade local, onde fica a autonomia do poder local democrático que os
senhores tanto apregoam?
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa é boa!
A Sr.ª Margarida Neto (CDS-PP): — Ser esta Assembleia a definir limites mínimos e máximos de
edificabilidade, um a um, em matéria reservada do domínio de decisão de responsabilidade própria dos
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municípios, a apreciação casuística dos efeitos e impactos económicos das operações urbanísticas não é,
como os senhores tanto costumam dizer, uma ingerência no poder local?
Vozes do CDS-PP: — Ah!…
A Sr.ª Margarida Neto (CDS-PP): — Sr.as
e Srs. Deputados, este Governo e esta maioria não podem
deixar de concordar, como o fazem nesta proposta de lei, que a questão prioritária é revitalizar as áreas
interiores e colmatar os vazios urbanos, é a valorização das infraestruturas e dos serviços públicos existentes,
é o retorno dos investimentos feitos, de consolidação dos centros urbanos e de contenção das tendências
dispersivas das construções, é a defesa da necessidade de se desenvolverem padrões concretos que tenham
em consideração as necessidades sociais e territoriais de cada município e que protejam interesses públicos
considerados relevantes.
É exatamente isso que está previsto nesta proposta de lei: um novo modelo de desenvolvimento territorial
que assume como prioridade um padrão mais exigente de classificação e reclassificação do solo e uma
programação adequada.
Sr.as
e Srs. Deputados, perante as várias reações que verificámos aqui, felicito o Partido Socialista pela
disponibilidade manifestada para, em sede de especialidade, discutir, aprofundar e melhorar esta proposta de
lei.
A presente proposta de lei não pode ser desligada do trabalho desenvolvido pelo Governo nas reformas
que tem feito. Mas também não pode ser desligada do trabalho desenvolvido dos últimos anos,
salvaguardando o Governo, numa lógica de consenso e de continuidade, e sobretudo de futuro, as reflexões
levadas a cabo sob a tutela do Governo do Partido Socialista.
Também é importante que o Partido Socialista não se esqueça dos compromissos que assinou no
Memorando de Entendimento — que se encontram no ponto 7.15 — e que esta matéria é, para além do
Memorando, um desígnio nacional: o solo e o ordenamento do território são um fator decisivo de
competitividade e de riqueza de um país.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cristóvão Norte.
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as
e Srs.
Deputados: Em primeiro lugar, queria dizer que esta reforma é essencial e, mais do que essencial, este é o
momento certo para fazer esta reforma.
Estamos num processo de ajustamento financeiro, que é um processo exigente, um processo de
sacrifícios, mas temos de fazer notar que para termos reformas de natureza estrutural, reformas que
respondam às necessidades da economia, não podemos deixar de parte, de forma alguma, uma visão mais
coerente, mais inovadora, de rutura e de aperfeiçoamento daquilo que tem de ser feito no domínio do
ordenamento do território.
Temos de compreender que o solo é um recurso escasso, um recurso económico muito valioso e que não
podemos fazer como se fez no passado, muitas vezes mal, muitas vezes pessimamente, muitas vezes com a
inércia dos poderes públicos, quando admitimos que o crescimento da expansão urbana prosperasse e
quando prejudicámos que os setores da economia que podiam ser transacionáveis, que podiam valorizar a
nossa economia, que podiam criar emprego, que podiam ser sustentáveis não tivessem os recursos
indispensáveis para poderem prosperar.
Hoje olhamos e vemos que o setor agrícola tem essa capacidade. E não a teve antes porque muitos
desses recursos foram drenados, foram prejudicados pela especulação imobiliária, pelo crescimento
assustador do preço dos solos, quando os preços de construção se mantiveram estáveis. Temos de ter a
coragem e a determinação de rever isso.
Também quero agradecer a intervenção do Partido Socialista, porque mostrou ser uma intervenção de bom
senso, de abertura e de sentido de Estado em relação a uma matéria para a qual deve haver um acordo
fundamental. Portanto, espero essa compreensão e espero também que o Partido Socialista, não sendo esta
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matéria do foro financeiro e, por via disso, não trazendo nenhum lastro de impopularidade, tenha a capacidade
de, neste caso, ter a responsabilidade que não tem tido noutras matérias.
Quero também dizer que este é um trabalho de quatro anos, um trabalho que já começou durante o
Governo anterior e que é muito importante porque prevê uma resposta estrutural, uma resposta para alavancar
a coesão social, para remunerar os serviços dos ecossistemas, para a sustentabilidade energética, para virar a
economia para os setores transacionáveis.
Reparem que, em 1990, tínhamos 5 mil milhões de euros de créditos hipotecários e, em 2008, tínhamos
168 mil milhões de euros. Esta dívida hipotecária foi tremenda, foi avassaladora, constrangeu a economia do
País. E nós tivemos um aumento de PIB per capita na ordem dos 40%. Que explicação razoável há para isto?
Não há mais nenhuma explicação a não ser a nossa inércia, e a melhor forma de corrigir essa inércia é termos
a coragem e a capacidade de fazermos as alterações de fundo que se exigem nesta matéria, porque só essas
alterações de fundo são capazes de oferecer uma resposta credível, sensata, coerente e que nos vire para
uma economia produtiva, que consiga relançar o setor primário e que consiga garantir uma organização mais
sustentada e mais forte no território.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra Sr.ª Deputada Paula Santos.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O PCP tomou atenção à discussão e aos
argumentos que foram utilizados, nomeadamente pelos partidos que suportam o Governo na defesa desta
proposta que nos traz. No entanto, coloca-se a seguinte questão: todos os princípios que devem ser
elementares e estratégicos, que devem definir uma política de solos e de ordenamento do território e
urbanismo, ou seja, a defesa e salvaguarda dos princípios dos interesses públicos, a preservação do nosso
património natural e ambiental, a garantia da atividade do setor primário e secundário e o assegurar das
infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços públicos sob gestão pública, não estão assegurados nesta
proposta, o que quer dizer que eles não são protegidos na proposta que o Governo nos apresentou, apesar de
a nossa Constituição privilegiar nestas áreas a salvaguarda dos interesses públicos.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — O que constatamos nesta proposta é o sistemático e insistente caminho
deste Governo em prosseguir e em criar as condições para que os interesses privados prevaleçam sempre em
todas as opções políticas deste Governo. Assinalamos isto nesta área concreta, como em todas as opções
noutras áreas da política deste Governo.
Este Governo cria novos mecanismos para tornar a política de solos de ordenamento do território e
urbanismo uma área de negócio com vista à acumulação de lucros pelos fundos imobiliários e dos grupos
económicos.
O exemplo da venda forçada que é aqui dado é exatamente um exemplo bem claro dessa situação pois
possibilita a concentração da propriedade nestes fundos e nos grupos económicos, porque são eles que irão
ter a possibilidade de beneficiar e de poder comprar aquelas que são as propriedades que, principalmente os
pequenos proprietários, não terão condições para cumprir as normas que forem estabelecidas. Isto leva à
elitização dos centros urbanos das nossas cidades e das localidades, Srs. Deputados: somente quem tiver
poder económico é que pode residir nos centos urbanos, empurrando para as periferias os trabalhadores, os
reformados e todos aqueles que estão mais vulneráveis. Isto é ou não é uma opção de classe deste Governo?
Fica aqui bem claro para que interesses é que ele governa.
E, mais: a proposta do Governo desvaloriza os instrumentos de gestão territorial. Ao contrário do que foi
aqui anunciado, o Governo não reforça os planos nacionais, regionais e especiais; muito pelo contrário,
desvaloriza-os ao transformá-los em programas, porque ao transformá-los em programas está claramente a
assumir o abandono do planeamento.
Falou-se aqui em flexibilização — é exatamente isto —, porque se abandona o planeamento rigoroso, o
planeamento em que se define claramente o uso de determinadas áreas do solo e a sua respetiva
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regulamentação, para a substituir por meras orientações programáticas, proporcionando, assim, as condições
para a concretização das pretensões dos privados.
Além disso, estes programas nacionais, regionais e especiais são suscetíveis de diversas interpretações,
dificultando a transposição para os planos intermunicipais e municipais.
Para terminar, esta proposta de lei prevê ainda um aspeto que consideramos perfeitamente inaceitável:
sanciona os municípios que não vertam para os respetivos planos intermunicipais e municipais as orientações
destes programas nacionais, regionais e especiais no prazo que estabelecerem.
Rejeitamos qualquer tipo de sanção que se queira aplicar aos municípios nesta matéria, porque o próprio
Governo esquece que ele próprio é incumpridor também nesta área.
A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Por isso, fica aqui bem claro que o caminho que está a ser prosseguido não
é o caminho correto, não é o caminho que salvaguarda o interesse público e não é o caminho que salvaguarda
as futuras gerações.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Leite Ramos.
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as
e Srs.
Deputados: Relativamente a esta última intervenção e às anteriores, penso que os Srs. Deputados do Partido
Comunista e do Partido Socialista não leram com atenção o que está na proposta de lei e, mais grave do que
isso, ignoram completamente qual é a situação atual.
No que diz respeito à responsabilidade de os municípios terem obrigação de transferir ou de transpor para
os instrumentos de gestão municipal as orientações e as normas dos planos sectoriais…
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — As sanções!
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — … e dos planos especiais, isso já é obrigatório neste momento.
Portanto, o Governo não altera absolutamente nada.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — As sanções?!
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Mais: esta proposta de lei mantém o espírito da Lei n.º 48/98 e guarda,
no essencial, o sistema de planeamento, não acaba com a REN. Isso é uma profunda mentira, não acaba com
os planos especiais,…
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Por que razão é que transforma os planos em programas?!
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — … não acaba com os planos regionais, Sr.ª Deputada — aliás, hoje, já
não são planos; são programas, não têm regulamento administrativo, como tiveram no passado.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Transforma os planos em programas…!
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Oiça, Sr.ª Deputada, por favor!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Estou a ouvi-lo!
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Nesse sentido, é uma profunda injustiça acusar o Governo de estar, por
esta via, a alterar o atual sistema de planeamento.
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O que o Governo faz é melhorá-lo, transferindo para os municípios a responsabilidade da gestão municipal
do território. E os senhores, que defendem, sistematicamente, o papel dos municípios, a autonomia dos
municípios, estão, agora, a criticar o Governo por dar aos municípios mais responsabilidade neste domínio?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Não compreendo e não posso entender a crítica injusta do Partido Comunista nesta matéria, tal como não
posso entender as críticas do Partido Socialista relativamente à tentativa de o Governo se desresponsabilizar
e não querer que os municípios tenham esta competência.
Srs. Deputados, o que está em causa é a criação de mais transparência. O que vai acontecer é que, a
partir de agora, qualquer processo de alteração de solo rústico vai exigir, do ponto de vista local, uma
exposição das condições, dos termos em que vai ser feito e das mais-valias geradas. Querem mais
transparência do que esta?! De chamar ao nível local a discussão das alterações ao plano em matéria de
transformação de solo rústico em solo urbano?
O que acontecia até agora era, ao contrário, um processo opaco, que criava maior dificuldade e menor
flexibilidade aos municípios.
Portanto, deste ponto de vista, é injusto e são falsas as críticas e as acusações que VV. Ex.as
acabaram de
proferir.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No
final deste debate, ficou claro que estamos perante uma proposta séria, que estamos perante uma proposta
construtiva e que estamos perante uma proposta que inicia uma verdadeira reforma da organização e
estruturação do solo em Portugal.
Não é um corte abrupto, não se trata de um corte epistemológico; trata-se de uma evolução do melhor que
já existia numa lógica de correção de erros. Houve aqui críticas metódicas e houve aqui críticas em relação à,
na minha opinião, deficiente compreensão do papel de uma lei de bases.
Na verdade, uma lei de bases é aquela que estabelece os vetores de parametricidade que serão, depois,
desenvolvidos por outros diplomas legislativos. Portanto, é exatamente disso que se trata, do pontapé de
saída para uma reforma que irá transformar por completo e atualizar a lógica de utilização do solo em
Portugal.
Em nome da bancada do Partido Social Democrata, no debate em sede de especialidade que se irá iniciar
a partir de hoje, afirmamos toda a disponibilidade para acolher as propostas construtivas e sérias que,
designadamente da parte da bancada do Partido Socialista, estamos em crer que irão ter lugar.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Quem apresentou propostas foi o PCP…!
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Que nasça a partir de hoje, nesta matéria transversal e tão
importante, uma lógica de cooperação, para o bem de Portugal.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente.
O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia: — Sr.ª Presidente, Srs.
Deputados: No final este debate, gostava de registar com agrado a circunstância de, apesar de chaves de
leitura diversas, existir uma convergência muito alargada, seja quanto à necessidade de avançarmos com uma
reforma no âmbito do ordenamento do território seja em relação aos princípios ou à estratégia e ao caminho a
seguir.
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Existe uma divergência em relação ao nível de detalhe que se esperaria que uma lei de bases tivesse, mas
a verdade é que temos todas as condições, Srs. Deputados, para agora, no âmbito da especialidade, todos
poderem fazer um exercício de responsabilidade.
O essencial, quando procuramos um compromisso, é, por um lado, manifestar esta abertura e, por outro,
apresentar alternativas.
Ora, eu gostava de manifestar a disponibilidade para voltar à especialidade, para ir à comissão
especializada fazer uma nova discussão, mas também para integrar todos os pontos de vista que sejam
consistentes com esta lei de bases, que é bastante densificada e que tem um nível de informação muito
superior ao que é habitual numa lei de bases.
Mas, mais do que isso, o Governo estará em condições de, até ao final da votação final global, ter os
instrumentos específicos, o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial (RJIGT), o regime jurídico de
urbanização e edificação (RJUE) e o cadastro, que possam dar a tal segurança que os Srs. Deputados
necessitam para aprovar esta lei de bases tão estruturante e tão essencial para o nosso desenvolvimento.
Contudo, é importante que hoje se vote o que está em votação. E o que está em votação é uma lei que tem
70 páginas, que tem informação mais do que suficiente sobre o caminho, os princípios e a estratégia, e é isso
que será avaliado por parte de todos os cidadãos: quem quer a erradicação do solo urbanizável, quem quer a
concentração no PDM de todas as regras, que hoje estão dispersas por vários planos, quem quer a
reabilitação urbana, quem quer a cooperação intermunicipal e quem defende a remuneração da
biodiversidade.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia: — É isso que está em causa
nesta votação e espero que tenha um apoio muito alargado.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, terminado o debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º
183/XII (3.ª) e dos projetos de lei n.os
469 e 470/XII (3.ª), relativos ao ordenamento do território, à política de
solos e ao urbanismo, e antes de passarmos às votações, agradeço a presença dos Srs. Ministros e
Secretários de Estado que estiveram aqui presentes.
Srs. Deputados, vamos proceder à verificação do quórum de deliberação, utilizando o sistema eletrónico.
Pausa.
O quadro eletrónico regista 206 presenças, às quais se acrescentam 4 (dos Deputados António Prôa,
Cristóvão Norte, Paulo Simões Ribeiro e Teresa Leal Coelho), perfazendo 210 Deputados, pelo que temos
quórum para proceder às votações.
Srs. Deputados, temos dois votos de pesar, que vão ser lidos de imediato e, no final da leitura de ambos,
guardaremos 1 minuto de silêncio.
O Sr. Secretário, Deputado Jorge Machado, vai proceder à leitura do voto n.º 155/XII (3.ª) — De pesar
pelas vítimas do supertufão Haiyan, nas Filipinas (PS, CDS-PP, PSD, PCP, BE e Os Verdes).
Tem a palavra, Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (Jorge Machado): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
«A Assembleia da República manifesta a sua profunda e sentida solidariedade para com as Filipinas e para
com o seu povo, face aos dramáticos acontecimentos ocorridos no passado dia 8 de novembro, em
consequência da passagem devastadora do supertufão Haiyan.
As catástrofes naturais têm vindo a assolar o planeta com cada vez maior regularidade e intensidade, com
consequências cada vez mais trágicas. Foi o que agora aconteceu com o tufão Haiyan, que deixou um rasto
de destruição, morte e sofrimento em vastas regiões das Filipinas.
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Nesta tragédia sem precedentes, perderam a vida mais de 5000 pessoas, havendo ainda muitos
desaparecidos. Há milhares de desalojados em situação de grande precariedade e a UNICEF refere mesmo
que cerca de 4 milhões de crianças terão sido afetadas pela catástrofe. A destruição das infraestruturas de
água e saneamento potencia enormemente o aparecimento de doenças, tornando mais urgente uma
intervenção humanitária.
Mesmo todo o esforço de apoio que a comunidade internacional já começou a enviar não será suficiente
para suprir tantas carências em assistência humanitária, em água, alimentos, medicamentos, alojamento e
outros bens de necessidade urgente.
Perante a dimensão da tragédia que se abateu sobre as Filipinas, queremos exprimir as nossas sentidas
condolências pelas vítimas mortais causadas pelas intempéries e manifestar ao povo filipino a nossa profunda
solidariedade, num momento tão difícil para tantos milhões de cidadãos atingidos».
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto que acabou de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário, Deputado Jorge Fão, vai proceder à leitura do voto n.º 160/XII (3.ª) — De pesar pelo
falecimento do arquiteto Alcino Soutinho (PCP, PS, Os Verdes, BE, PSD e CDS-PP).
Tem a palavra, Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (Jorge Fão): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, o voto de pesar é do seguinte teor:
«Alcino Soutinho, um dos nomes cimeiros no campo da criação arquitetónica contemporânea, morreu no
passado domingo no Porto, cidade onde nasceu, estudou, ensinou e passou a maior parte da sua vida.
Homem de uma integridade plena, lega uma obra vasta e valiosa caracterizada pela combinação do saber
teórico, de disciplina técnica, de rigor conceptual e de uma elevada capacidade inventiva manifestada desde
muito cedo.
Natural de Vila Nova de Gaia, fez os seus estudos secundários no Liceu Alexandre Herculano e entrou em
1948 para a Escola Superior de Belas Artes do Porto, onde viria a concluir o curso de Arquitetura com a
classificação de 20 valores. Já então se notava a singularidade do seu trabalho, bem patente no
reconhecimento obtido pelo projeto final de curso que apresentou, uma proposta na área da museologia que
foi consagrada com a concessão de uma bolsa de estudo atribuída pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Deste modo, pôde realizar uma longa viagem por Itália que lhe proporcionou o contacto com uma nova cultura
arquitetónica e o conhecimento de algumas figuras importantes desse movimento. Visitou museus, reparou
com particular interesse na nova museologia e chegou a frequentar a Faculdade de Arquitetura de Roma.
Duas das suas primeiras obras, que suscitaram de imediato reconhecimento internacional, refletem a
inspiração suscitada por esta viagem seminal: a Pousada de D. Diniz, em Vila Nova de Cerveira, e o Museu
Amadeo de Sousa-Cardozo, em Amarante, ambas realizadas nos anos setenta. Na década de oitenta,
projetou os novos Paços do Concelho de Matosinhos, edifício imediatamente percebido como um lugar icónico
do novo poder local autónomo e antecipadamente pensado pelo seu autor como a representação ideal das
aspirações democráticas nascentes. Recordemos as palavras que, a esse propósito, proferiu alguns anos
depois: «O edifício pretende potenciar e determinar aquilo que é o poder autárquico, era coisa que não existia.
Pretendia ter uma imagem forte, que afirmasse esse governo enquanto poder. A sala da Assembleia Municipal
é completamente aberta. Há transparência nos gabinetes. É uma visão aberta. Essa era a minha intenção.
Estava cheia de peculiaridades que procuram desmistificar as ideias de poder recebidas da ditadura».
Autor de muitos projetos, desde escolas superiores a museus, passando por múltiplas casas familiares e
intervenções no espaço público, Alcino Soutinho gostava de salientar o trabalho que, durante anos, levou a
cabo na Federação das Caixas de Previdência na área da habitação económica e, ainda, a participação que
teve logo após o 25 de Abril no serviço ambulatório de apoio local, emblemático programa que, entre 1974 e
1976, desenvolveu por todo o País ações de renovação urbana destinadas a mitigar as graves carências
habitacionais de que as classes populares da sociedade portuguesa padeciam.
Homem de profundas convicções democráticas e lutador antifascista foi um criador livre, sem nunca deixar
de ser um cidadão comprometido. Ingressou no MUD juvenil no ano em que entrou para a Escola Superior de
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Belas Artes do Porto e, como consequência da sua intervenção cívica, foi preso, tendo passado sete meses na
cadeia. Foi julgado no Tribunal Plenário do Porto, em 1957, conjuntamente com figuras como Agostinho Neto,
Ângelo Veloso, Óscar Lopes, José Augusto Seabra, Paulo Mendo, Pedro Ramos de Almeida, Luís Carvalho,
Fernando Fernandes, João Teixeira Lopes, Hernâni Silva, entre muitos outros, naquele que ficou conhecido
como o processo dos 52, e que adquiriu alcance internacional tendo suscitado a expressa solidariedade de
vários intelectuais europeus, como foi o caso de Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Homem de causas,
vinculado aos valores fundadores da modernidade europeia e às suas correlativas exigências políticas,
participou no debate público e democrático com a sua condição de espírito inquieto e livre. Com a sua morte a
sociedade portuguesa perde um dos seus grandes criadores, figura de referência da chamada Escola do Porto
de Arquitetura e um cidadão exemplar.
A Assembleia da República, reunida em Plenário, evoca a morte de Alcino Soutinho e apresenta à família
as suas mais sinceras condolências.»
A Sr.ª Presidente: — Vamos proceder à votação do voto que acabou de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Na sequência destes dois votos de pesar, peço que guardemos 1 minuto de silêncio.
A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.
Prosseguimos com as votações.
Segue-se o voto n.º 156/XII (3.ª) — De condenação pelo assassinato em Angola de Alves Kamulingue,
Isaías Cassule e Manuel Ganga (BE), que vai ser lido pelo Sr. Secretário, Deputado Pedro Alves.
O Sr. Secretário (Pedro Alves): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
«A 27 e 29 de maio de 2012, Alves Kamulingue e Isaías Cassule foram raptados pelos serviços de
segurança de Angola, no seguimento de uma manifestação de veteranos e desmobilizados do exército
angolano. Os ativistas estiveram desaparecidos por mais de um ano. Apesar da tentativa de ocultação, chegou
ao conhecimento público, no início do mês de novembro, um relatório oficial do Governo que dá conta de que
ambos foram torturados e assassinados.
Segundo o relatório, Alves Kamulingue foi objeto de «treinos», expressão usada pelos agentes da Direção
Nacional de Investigação Criminal (DNIC) para se referir a torturas, sendo posteriormente executado com um
tiro na nuca. Quanto a Isaías Cassule, foi espancado durante dois dias, até à morte. O seu corpo seria atirado
ao rio Dande, na província de Bengo.
Estas revelações indignaram a sociedade angolana, que das mais diversas formas tem vindo a protestar
contra a repressão, a tortura e o asfixiamento das liberdades democráticas em Angola. No âmbito da
preparação de uma manifestação de protesto contra o rapto e assassínio de Kamulingue e Cassule, oito
militantes do partido CASA-CE (terceira força parlamentar angolana) foram detidos pela Unidade de Guarda
Presidencial quando colavam cartazes. Segundo declarações de um dos detidos, diante das ameaças de
morte pela parte dos agentes policiais e enquanto eram transportados para destino desconhecido, Manuel
Ganga ensejou uma fuga. Nesse momento, foi baleado por duas vezes, vindo a falecer.
A manifestação da oposição, realizada nesse mesmo sábado, 23 de novembro, foi violentamente reprimida
pela polícia, com recurso a armas de fogo, registando-se a detenção de mais de 300 pessoas. Na quarta-feira
seguinte, 27 de novembro, o funeral público de Manuel Ganga, com destino ao cemitério de Santana, em
Luanda, e com a participação de centenas de pessoas, foi bloqueado por um cordão da polícia, registando-se
o lançamento de petardos por desconhecidos contra os participantes na cerimónia.
Segundo a Secção Portuguesa da Amnistia Internacional, em Angola «sucedem cada vez mais os
episódios recorrendo ao uso da força e também de detenções arbitrárias. (…) A Amnistia Internacional
condena a morte de Manuel Hilberto Ganga, nas circunstâncias em que ocorreu no último sábado, às mãos da
Guarda Presidencial».
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Assim, a Assembleia da República, reunida em Plenário, condena os assassinatos de Alves Kamulingue,
Isaías Cassule e Manuel Ganga e apela à libertação imediata de todos os presos políticos em Angola.»
A Sr.ª Presidente: — Vamos proceder à votação do voto que acabou de ser lido.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes,
votos a favor do BE e de 6 Deputados do PS (João Soares, Ana Paula Vitorino, Eduardo Cabrita, Gabriela
Canavilhas, Isabel Alves Moreira e Maria Antónia Almeida Santos) e abstenções de 8 Deputados do PS
(Carlos Enes, Catarina Marcelino, Elza Pais, Filipe Neto Brandão, Francisco de Assis, Jorge Lacão, Nuno Sá e
Pedro Delgado Alves).
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr.ª Presidente, é apenas para informar que eu próprio e os Srs.
Deputados Francisco de Assis, Jorge Lacão e Pedro Delgado Alves iremos apresentar uma declaração de
voto.
A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, é para informar que o Grupo Parlamentar do PCP
entregará na Mesa, de imediato, uma declaração de voto por escrito.
A Sr.ª Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. António Braga (PS): — Sr.ª Presidente, peço a palavra para anunciar que o Grupo Parlamentar do
Partido Socialista também apresentará uma declaração de voto justamente sobre a votação que acabámos de
fazer.
A Sr.ª Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, peço também a palavra.
A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, é também para informar que o Grupo Parlamentar
do CDS irá entregar uma declaração de voto por escrito.
A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.
O Sr. António Rodrigues (PSD): — Sr.ª Presidente, peço a palavra igualmente para anunciar que o PSD
apresentará na Mesa uma declaração de voto.
A Sr.ª Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.
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O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, também peço a palavra para anunciar que o
Grupo Parlamentar de Os Verdes irá apresentar na Mesa uma declaração de voto sobre a votação que acabou
de realizar-se.
A Sr.ª Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Simões (PSD): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Simões (PSD): — Sr.ª Presidente, pedi a palavra para informar que, durante a votação do voto
n.º 156/XII (3.ª), não me encontrava presente na Sala, pelo que solicito aos serviços que o meu nome não
conste na Ata para efeitos dessa votação.
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, se não se encontrava presente, o seu nome não vai constar de certeza
porque não estava presente, penso eu. Mas vamos ver… É bom prevenir, com certeza.
Srs. Deputados, passamos ao voto n.º 158/XII (3.ª) — De homenagem às mulheres assassinadas no
contexto de uma relação afetiva (PS, PSD, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes).
Tem a palavra o Sr. Secretário, Deputado Duarte Pacheco, para proceder à leitura do voto.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
«Por ocasião do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, 25 de novembro, a
Assembleia da República quer assinalar o seu empenho na promoção dos direitos humanos das mulheres.
A violência contra as mulheres constitui uma grave violação dos direitos humanos e é um obstáculo à
conquista da igualdade entre homens e mulheres, prejudicando a paz, a segurança, o desenvolvimento e a
democracia, em Portugal, na Europa e no mundo.
A violência contra as mulheres é a mais extrema manifestação da discriminação e da subalternização
social de que as mulheres são vítimas, sendo o resultado de um desequilíbrio de poder, que tem levado a uma
grave discriminação destas, tanto na sociedade como na família.
Esta violência encontra-se profundamente enraizada na desigualdade de género e é perpetuada por uma
cultura de intolerância, opressão e negação, que prejudica e agride brutalmente a inserção socioeconómica
das mulheres e a promoção da igualdade.
Milhares de mulheres, raparigas e meninas, em todo o mundo, estão expostas a formas graves de
violência, tais como violência doméstica, assédio sexual, violações, casamentos forçados, mutilação genital
feminina, tráfico de seres humanos, exploração na prostituição, sendo privadas de um dos mais elementares
direitos de viverem livres de violência.
Mais, não são apenas as vítimas sobreviventes que sofrem. No ano de 2012, em 42% das ocorrências
participadas foi assinalada a presença de menores. No caso das crianças que assistem a atos de violência e
que, na maioria das vezes, acabam por ser inconscientemente — não legalmente — despojadas pelo sistema
do seu estatuto de vítimas, são enormes os traumas e enormes as sequelas.
O número de mulheres assassinadas, agredidas e violentadas pelos seus maridos, companheiros ou
namorados infunde terror. Este é um problema mundial que não conhece fronteiras, culturas ou classes
sociais.
Em Portugal, em 2012, foram registadas 26 084 participações de violência doméstica às forças de
segurança, ou seja, em média, foram registadas 2174 participações por mês, 71 por dia e 3 por hora.
Morreram 37 mulheres, assassinadas pelos maridos/ex-maridos, companheiros/ex-companheiros ou
namorados/ex-namorados.
Este ano, pelos dados do Observatório das Mulheres Assassinadas, da UMAR, já foram mortas 33
mulheres, vítimas deste tipo de relações afetivas, e registaram-se mais 32 casos de tentativa de homicídio.
Apesar de todos os esforços envidados para definir políticas públicas que permitam prevenir e combater a
violência doméstica, desde a consagração da natureza pública deste tipo de crime em 2000, a definição, em
2007, de um novo tipo legal de crime, a aprovação, em 2009, do novo regime jurídico de prevenção e combate
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à violência doméstica, a ratificação, em 2013, da Convenção de Istambul, bem como a implementação e
execução de quatro planos nacionais contra a violência doméstica, com importantes ações ao nível da
consciencialização, responsabilização e monitorização, o certo é que este fenómeno persiste em níveis
elevados, o que exige que todos e todas nós nos unamos em torno de um compromisso político cada vez mais
eficaz na erradicação de todo o tipo de violência contra as mulheres».
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 158/XII (3.ª), que acabou de
ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Passamos à votação do voto n.º 159/XII (3.ª) — De saudação pela celebração do acordo nuclear com o
Irão (PS), que vai ser lido pelo Sr. Secretário Jorge Fão.
O Sr. Secretário (Jorge Fão): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
«Na madrugada do passado domingo, 24 de novembro, em Genebra, e após quatro dias de intensas
conversações, foi anunciado ao mundo que este se encontrava mais seguro, pois os Estados Unidos, a
Rússia, a China, o Reino Unido, a França e a Alemanha (Grupo 5+1), por um lado, e o Irão, por outro, tinham
concluído um acordo histórico que suspende pelo período de seis meses o programa nuclear iraniano.
O histórico acordo de Genebra cria condições para um mundo mais seguro e abre uma nova esperança
para a estabilização do Médio Oriente e o desanuviamento das relações internacionais, pois é a primeira vez
que, na última década, há sinais muito positivos relativamente a uma matéria tão delicada como a que tem a
ver com a produção nuclear com fins militares. Com este acordo, é também uma década de tensão
permanente e de desconfiança entre nações que começa a ficar para trás.
No âmbito do acordo alcançado, o Governo iraniano compromete-se a parar o enriquecimento de urânio e
a fazer apenas o necessário para o seu uso civil, a não expandir as centrais nucleares de Fordo e Natanz,
bem como a parar a construção da central de Arak, para a qual se projetava a produção de plutónio. Por outro
lado, o Irão permite também a implementação de mecanismos de controlo sem precedentes, designadamente
acessos diários e verificação de todas as instalações nucleares do país, entregando à Agência Internacional
de Energia Atómica o controlo total do seu programa nuclear.
As grandes potências mundiais, por seu turno, comprometeram-se a diminuir parcialmente as sanções
económicas vigentes contra o Irão, permitindo-lhe, designadamente, voltar a usar as receitas resultantes da
venda do seu petróleo, e a eliminar as restrições impostas em matéria de comércio em ouro, produtos
petroquímicos e de peças para a indústria automóvel e aeronáutica.
Neste contexto de evolução da doutrina nuclear iraniana e do levantamento de sanções pelo Grupo 5+1, a
Assembleia da República, reunida em Plenário, saúda o acordo preliminar ora alcançado e faz votos de que as
armas da diplomacia continuem a desbravar os caminhos da paz, permitindo, assim, que o mundo se liberte
progressivamente da ameaça nuclear.
A Sr.ª Presidente: — Vamos, então, votar o voto n.º 159/XII (3.ª), que acabou de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP, do BE e de Os
Verdes e a abstenção do Deputado do CDS-PP João Rebelo.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Faça favor.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Sr.ª Presidente, é para informar que apresentarei, a título pessoal,
uma declaração de voto relativamente à votação que acaba de ser efetuada.
A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.
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A Sr.ª Deputada Carla Cruz pede a palavra para o mesmo efeito?
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr.ª Presidente, é para informar que o Grupo Parlamentar do Partido
Comunista Português irá apresentar uma declaração de voto sobre esta última votação.
A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr.ª Deputada.
Srs. Deputados, prosseguimos com a votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 182/XII (3.ª) —
Procede à primeira alteração à Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de
segurança social.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP,
do BE e de Os Verdes.
Este diploma baixa à 10.ª Comissão.
Votamos, agora, na generalidade, a proposta de lei n.º 183/XII (3.ª) — Aprova a lei de bases gerais da
política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP e do BE
e abstenções do PS e de Os Verdes.
Este diploma baixa à 11.ª Comissão.
Seguimos para a votação, na generalidade, do projeto de lei n.º 469/XII (3.ª) — Regime de uso e
transformação do solo (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE e
de Os Verdes e a abstenção do PS.
Vamos, agora, votar, na generalidade, o projeto de lei n.º 470/XII (3.ª) — Segunda alteração à lei de bases
da política de ordenamento do território e de urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE e
de Os Verdes e a abstenção do PS.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de vários pareceres da Comissão para a Ética, a Cidadania
e a Comunicação, que serão votados após a respetiva leitura.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo
2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Loures, Processo n.º 1178/10.0TTLRS, a Comissão para a Ética, a
Cidadania e a Comunicação decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Feliciano Barreiras
Duarte (PSD) a intervir no processo, no âmbito dos autos em referência.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da 1.ª Secção do 5.º
Juízo Criminal de Lisboa, Processo n.º 65/12.2IDLSB, a Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação
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decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado João Soares (PS) a intervir no processo, no
âmbito dos autos em referência.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelas
7.ª e 8.ª Varas Criminais de Lisboa, Processo n.º 188/11.5TELSB, a Comissão para a Ética, a Cidadania e a
Comunicação decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Correia de Jesus (PSD) a intervir
no processo, no âmbito dos autos em referência.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, terminámos os nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realiza-se na quarta-feira, dia 4, e terá como ordem do dia a discussão, na
generalidade, das propostas de lei n.os
172/XII (3.ª) — Estabelece os princípios e as regras do intercâmbio
transfronteiriço de informações relacionadas com a prática de infrações rodoviárias praticadas com utilização
de veículo matriculado num Estado-Membro distinto daquele onde a infração foi cometida, e transpõe a
Diretiva n.º 2011/82/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, que visa facilitar o
intercâmbio transfronteiriço de informações sobre infrações às regras de trânsito relacionadas com a
segurança rodoviária, e 185/XII (3.ª) — Procede à primeira alteração à Lei n.º 36/2003, de 23 de agosto, em
cumprimento da Decisão n.º 2009/426/JAI do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao reforço da
Eurojust e que altera a Decisão n.º 2002/187/JAI relativa à criação da Eurojust a fim de reforçar a luta contra
as formas graves de criminalidade.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 50 minutos.
———
Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação
Relativas ao voto n.º 156/XII (3.ª):
O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata não pode deixar de lamentar a trágica morte dos três
cidadãos angolanos, Alves Kamulingue, Isaías Cassule e Manuel Ganga e de deixar bem claro, mais uma vez,
a sua intransigente defesa dos valores democráticos, dos princípios do Estado de direito e do respeito pelos
direitos humanos.
Os recentes acontecimentos na capital Angola têm sido acompanhados por este Grupo Parlamentar com a
preocupação que qualquer foco de instabilidade num país amigo provoca em Portugal, mas com o
reconhecimento de que as instituições angolanas estão a funcionar de forma adequada.
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De facto, a Procuradoria-Geral de Angola anunciou já a abertura de um inquérito à morte dos dois ex-
militares e o próprio Chefe do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado foi demitido na sequência do
alegado envolvimento de agentes deste Serviço neste processo.
O Grupo Parlamentar deixa um apelo à calma social e ao respeito pelos direitos cívicos dos cidadãos
angolanos, independentemente da sua cor política, manifestando, mais uma vez, o seu apego à resolução
pacífica dos diferendos e a sua condenação de qualquer ato violento que ponham em causa os valores
democráticos.
Por estas razões, o Grupo Parlamentar do PSD votará contra o voto apresentado pelo Bloco de Esquerda,
considerando que o mesmo não contribui para uma qualquer solução, mas, antes, poderá contribuir para
agravar a situação ao enunciar um conjunto de acusações.
O Deputado do PSD, António Rodrigues.
——
O PS afirma-se na defesa intransigente dos direitos humanos, na sua expressão mais global, nos domínios
políticos, civis, económicos, sociais e culturais, que constitui, aliás, parte indelével do seu património.
O Grupo Parlamentar do PS votou contra o voto n.º 156/XII (3.ª), do Bloco de Esquerd, por não ter
garantias de uma informação precisa e convalidada por investigação consistente e conclusiva sobre as
circunstâncias das mortes de Alves Kamulingue e Isaías Sebastião Cassule.
O Grupo parlamentar do PS lamenta profundamente essas mortes, apresentando às famílias enlutadas as
suas mais sentidas condolências.
Qualquer posição política consequente, sobre tão graves acontecimentos, deve ser suportada por
informação rigorosa e completa, desde logo da responsabilidade das autoridades legítimas de Angola, país
integrante da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
O Grupo Parlamentar do PS reafirma neste voto que a democracia e os princípios democráticos a ela
inerentes constituem o modelo de organização política para uma sociedade livre, justa e solidária, assim como
o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, o pluralismo de opinião e de expressão e a separação e
interdependência de poderes.
O Grupo Parlamentar do PS, Alberto Martins — António Braga.
——
A condenação de atos de brutalidade policial contra cidadãos, quaisquer que sejam aqueles ou estes, não
pode deixar de interpelar a consciência de quem acredita na universalidade dos valores da democracia e na
defesa dos direitos humanos. Sucede, porém, que, para mais movendo-nos aqui no campo das relações
internacionais, não pode deixar de ser também ponderada a circunstância de ter sido já noticiada,
relativamente aos casos objeto do voto, a instauração de processos de averiguações, os quais, estando a ser
acompanhados por observadores internacionais de direitos humanos, se espera poderem vir a ser
reconhecidos como isentos e adequados.
Assim, se, por um lado, no caso em apreço, o assassinato de cidadãos, independentemente da sua
nacionalidade, não poderá deixar de merecer o nosso repúdio, por outro lado, cremos não estarem ainda
reunidos todos os elementos dos quais possa resultar incontroversa, quer a autoria material, quer a autoria
moral dos crimes.
Como tal, abstivemo-nos na votação.
Os Deputados do PS, Filipe Neto Brandão — Francisco de Assis — Jorge Lacão — Pedro Delgado Alves.
——
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O Grupo Parlamentar do PCP expressa a sua condenação pelos atos que resultaram no desaparecimento
e morte de Alves Kamulingue e Isaías Cassule, regista as iniciativas desencadeadas pelas autoridades
angolanas para esclarecimento de responsabilidades e transmite às famílias das vítimas as suas
condolências. De igual modo, lamenta e apela ao cabal esclarecimento dos acontecimentos que levaram à
morte do cidadão angolano Manuel Ganga.
O Grupo Parlamentar do PCP expressa igualmente a sua preocupação com os recentes desenvolvimentos
em Angola, afirma a importância da soberania e da unidade do Estado angolano e exprime a sua condenação
pelas ações que visam pô-las em causa, considerando da maior importância a salvaguarda e o
desenvolvimento das relações de cooperação e de amizade entre Portugal e Angola, na base dos princípios
da igualdade, do respeito mútuo e da não ingerência nos assuntos internos de cada país, assim como da
cooperação mutuamente vantajosa em prol dos interesses do povo português e do povo angolano.
A República de Angola e o povo angolano conquistaram a paz há cerca de 10 anos, após uma longa luta
de libertação nacional pelo fim do colonialismo do regime fascista português, em defesa da soberania e
independência e contra a ingerência e a agressão externa do regime de apartheid sul-africano e pelo fim da
guerra civil e por um processo de reconciliação nacional. Recentemente, realizaram-se eleições em Angola, no
quadro do normal funcionamento das suas instituições e no respeito do seu quadro constitucional.
Não obstante, os trágicos acontecimentos que conduziram à morte dos três cidadãos angolanos, cujas
responsabilidades devem ser apuradas, estão a ser aproveitados por forças políticas (designadamente, a
UNITA) com o objetivo de criar um clima de desestabilização que, declaradamente, visa pôr em causa o
normal funcionamento das instituições angolanas.
Tais factos ocorrem no momento em que vários países do continente africano são alvo de manobras de
ingerência e desestabilização de pendor neocolonialista que, como aconteceu na Líbia ou na Somália, visam a
quebra da sua unidade interna, independência e soberania nacionais, procurando colocar em causa caminhos
de desenvolvimento soberano e alcançar um ainda maior domínio dos seus recursos e riquezas, e em que se
assiste a uma onda de militarização deste continente e de profusão de conflitos e agressões atentatórios da
soberania e independência de vários países, nomeadamente por via da intervenção dos Estados Unidos da
América através do seu AFRICOM. Das sucessivas operações de desestabilização interna em vários países
do continente africano, têm resultado conflitos militares com consequências devastadoras para os respetivos
povos.
De acordo com a Constituição da República Portuguesa, as relações entre Portugal e Angola devem
pautar-se pelo estrito respeito pela independência e soberania de ambos os países, bem como das suas
instituições, e tais relações devem rejeitar quaisquer intentos de ingerência ou traços de neocolonialismo. Os
laços de amizade e cooperação que unem os povos angolano e português, fundados na luta comum contra o
fascismo e a opressão colonial, são reconhecidamente de grande importância para ambos os povos e países,
pelo que devem ser evitadas ações que visem ostensivamente comprometer e dificultar esse relacionamento.
Por esta razão, o PCP, compartilhando a preocupação subjacente à necessidade de apurar
responsabilidades pela morte dos cidadãos angolanos acima referidos, não acompanha os termos do voto
proposto pelo BE.
O Deputado do PCP, António Filipe.
——
O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» repudia e condena as ações que envolveram a
morte dos cidadãos angolanos Alves Kamulingue, Isaías Cassule e Manuel Ganga e apela à necessidade do
esclarecimento das circunstâncias em que tais ações decorreram com vista ao apuramento de
responsabilidades.
O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» considera, no entanto, que estes lamentáveis
acontecimentos estão a ser aproveitados por forças políticas angolanas no sentido de desacreditar as
instituições democráticas angolanas.
Por outro lado, e considerando a necessidade de salvaguardar as relações entre Portugal e Angola e os
laços que unem os respetivos povos, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» entende que
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nos devemos abster de quaisquer atitudes que de alguma forma possam contribuir para comprometer essas
mesmas relações de amizade e cooperação, que devem continuar a ser norteadas pelos princípios da
igualdade, do respeito mútuo e da não ingerência.
Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», sublinhando a necessidade do
apuramento das responsabilidades que envolveram a morte dos três cidadãos angolanos, não pode
acompanhar os termos do voto apresentado pelo Bloco de Esquerda.
Os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», Heloísa Apolónia — José Luís
Ferreira.
———
Relativa ao voto n.º 159/XII (3.ª):
Carlos de Abreu Amorim, Deputado do Grupo Parlamentar do PSD, vem apresentar a sua declaração de
voto, nos termos e fundamentos seguintes:
1 — Votei favoravelmente a moção n.º 159/XII (3.ª) — De saudação pela celebração do acordo nuclear
com o Irão (PS) por obediência ao sentido de voto definido na Direção do Grupo Parlamentar — contudo,
tenho sobre o conteúdo das mesmas as maiores reservas;
2 — A única solução viável para o desmantelamento nuclear do Irão não passa por acordos desta
natureza, tal como o exemplo paradigmático dos acordos similares com a Coreia do Norte demonstrou cabal e
reiteradamente;
3 — O desmantelamento do programa nuclear iraniano, para ser eficaz a médio prazo, terá de incluir o
desmantelamento de todas as centrifugadoras, o fim completo da extração de todo o urânio enriquecido, sem
esquecer a total cessação das atividades do reator de águas pesadas em Arak;
4 — O acordo sub judice nada faz de útil quanto a estes aspetos, tornando-se, assim, paradoxal e
contraproducente;
5 — Ao contrário, o acordo até permite o enriquecimento de urânio por parte do Irão — violando, de modo
flagrante, as Resoluções do Conselho de Segurança a este propósito;
6 — O Irão não desistiu de nenhum dos seus patentes objetivos bélicos e antissionistas;
7 — Infelizmente, a única consequência previsível deste acordo é encorajá-los…
O Deputado do PSD, Carlos Abreu Amorim.
——
No passado dia 29 de novembro, o Grupo Parlamentar do PS apresentou à Assembleia da República um
voto de saudação pela celebração do acordo estabelecido entre o Irão e os Estados Unidos da América, a
França, o Reino Unido, a Rússia e a China, tendo o Grupo Parlamentar do PCP votado favoravelmente, pese
embora aspetos enunciados nos considerandos de que discordamos e que exigem as seguintes observações.
Um primeiro aspeto que consideramos não poder ser escamoteado e que a realidade aí está a demonstrar
é que o principal obstáculo à segurança, à estabilidade e à paz no Médio Oriente é o imperialismo norte-
americano, pela sua estratégia recolonizadora, de ingerência e de guerra, que visa o controlo desta região e
dos seus imensos recursos — estratégia consubstanciada no denominado «Grande Médio Oriente» —, que
tem em Israel o seu principal aliado. Recorde-se que é Israel que oprime o povo palestiniano, que agride e
ocupa ilegalmente territórios da Palestina, da Síria e do Líbano e ameaça de agressão o Irão.
Do mesmo modo e ao contrário do que se pretende fazer crer, é precisamente Israel que é o real obstáculo
à eliminação das armas nucleares no Médio Oriente, pois é a única potência nuclear nesta região, não é
membro signatário do TNP (Tratado de Não Proliferação) e recusa submeter à monitorização da Agência
Internacional de Energia Atómica o seu programa e instalações nucleares. Sendo igualmente de salientar que
os Estados Unidos da América mantêm armas nucleares nesta região.
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Por outro lado e entre outros aspetos, o acordo reafirma o direito do Irão a desenvolver um programa de
utilização de energia nuclear para fins pacíficos (integrando, naturalmente, a capacidade tecnológica e
autónoma de processar o enriquecimento de urânio), como tem vindo, aliás, a ser salientado pelas autoridades
iranianas ao longo dos últimos 10 anos. Inalienável direito que alguns querem condicionar ou, mesmo,
impossibilitar.
Apesar deste direito do Irão, aliás, como de qualquer outro país signatário do Tratado de Não Proliferação,
nos últimos anos, os Estados Unidos da América e a União Europeia, sob o pretexto de que o Irão estava a
desenvolver a arma nuclear — intenção sempre rejeitada pelas autoridades iranianas —, impuseram, à
margem das Nações Unidas, pesadas sanções unilaterais a este país. O Irão foi igualmente alvo de ameaças
de agressão, inclusive nuclear, e de ações de autêntico terrorismo de Estado, como o sistemático assassinato
dos seus cientistas nucleares.
Apesar das possibilidades que se abrem com a assinatura deste acordo, continuam a ser muitos os
obstáculos a uma solução negociada e pacífica, no respeito pela Carta das Nações Unidas, para o problema
que foi criado em torno do programa nuclear iraniano. As forças que pretendem escalar de novo a tensão e o
conflito tudo farão para o colocar em causa e fazer fracassar.
Pelo que atrás foi mencionado e sendo muitas as questões que ainda estão por responder, a evolução da
situação no Médio Oriente evidencia que só a resistência e a luta dos povos contra a ingerência e a agressão
é que são capazes de travar os intentos do imperialismo, bem como os fatores determinantes para a conquista
e defesa da soberania e independência nacionais, de progresso social e de paz.
Por fim, o PCP considera que um mundo efetivamente mais seguro exige o fim das ingerências e guerras
imperialistas, da militarização das relações internacionais e da corrida aos armamentos, dos blocos político-
militares — da NATO —, o fim da corrida a novas e mais sofisticadas armas nucleares e o desarmamento
nuclear, sobretudo por parte das grandes potências nucleares.
Eis porque o Grupo Parlamentar do PCP apresenta esta declaração de voto.
A Deputada do PCP, Carla Cruz.
———
Nota: A declaração de voto anunciada pelo Deputado do CDS-PP Nuno Magalhães não foi entregue no
prazo previsto no n.º 3 do artigo 87.º do Regimento da Assembleia da República.
———
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.