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Quinta-feira, 24 de abril de 2014 I Série — Número 76
XII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2013-2014)
REUNIÃOPLENÁRIADE23DEABRILDE 2014
Presidente: Ex.mo Sr. Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva Secretários: Ex.
mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz
S U M Á R I O
O Presidente (Guilherme Silva) declarou aberta a
sessão às 15 horas e 5 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa do projeto de lei n.º
557/XII (3.ª) e dos projetos de resolução n.os
1012 a 1016/XII (3.ª).
Foram aprovados dois pareceres da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, um relativo à retoma de mandato de uma Deputada do PSD e à cessação de mandato da Deputada que a substituía e outro relativo à renúncia ao mandato de dois Deputados do PSD e às respetivas substituições.
Ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento, procedeu-se a um debate com o Primeiro-Ministro (Pedro Passos Coelho), que respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados Nuno Magalhães (CDS-PP), Luís Montenegro (PSD), António José Seguro (PS), Jerónimo de Sousa (PCP), João Semedo (BE) — que suscitou uma interpelação à Mesa do Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Guedes) — e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
A Presidente encerrou a sessão eram 16 horas e 56 minutos.
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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 5 minutos.
Os Srs. Agentes da autoridade podem abrir as galerias, por favor.
A Sr.ª Presidente da Assembleia da República encontra-se, neste momento, na apresentação pública da
moeda comemorativa dos 40 anos do 25 de Abril, pelo que me pediu para dar início aos trabalhos de hoje.
Antes de começarmos a ordem do dia, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para proceder à leitura do
expediente e de dois relatórios da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação.
Faça favor, Sr. Secretário, Deputado Duarte Pacheco.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram
admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projetos de resolução n.os
1012/XII (3.ª) — Recomenda ao
Governo que seja garantida, sem modificação ou alargamento, a proteção da designação Vinho Verde
Alvarinho somente para os vinhos brancos da casta alvarinho produzidos na sub-região de Monção e Melgaço
e mantida inalterável a exclusividade do uso da menção «casta Alvarinho» na rotulagem dos produtos
vitivinícolas desta sub-região (PS), cuja apreciação em Plenário já está agendada, não baixando à comissão,
1013/XII (3.ª) — Deslocação do Presidente da República à República Popular da China (Presidente da AR),
que baixa à 2.ª Comissão, 1014/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo o reforço dos cuidados de saúde no
distrito de Aveiro (PCP), que baixa à 9.ª Comissão, 1015/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo que, mantendo o
Museu Militar do Porto, identifique os percursos e salas usadas pela PIDE e promova a justa homenagem a
quem passou pelo edifício do heroísmo e aí resistiu ao fascismo (PCP), que baixa à 8.ª Comissão, e 1016/XII
(3.ª) — Pela abolição das portagens nas antigas autoestradas SCUT, a extinção das atuais parcerias público-
privadas e a gestão pública na conclusão das infraestruturas rodoviárias (PCP), que baixa à 6.ª Comissão; e o
projeto de lei n.º 557/XII (3.ª) — Procede à segunda alteração à Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que
estabelece a titularidade dos recursos hídricos (PSD e CDS-PP), que baixa à 11.ª Comissão.
Srs. Deputados, vou ainda dar conta de dois relatórios e pareceres da Comissão para a Ética, a Cidadania
e a Comunicação.
O primeiro relatório e parecer refere-se à retoma de mandato, nos termos dos n.os
1 e 2 do artigo 6.º do
Estatuto dos Deputados, da Sr.ª Deputada Ana Sofia Bettencourt (PSD), círculo eleitoral de Lisboa, cessando
a Sr.ª Deputada Hermínia Azenha, com efeitos desde 21 de abril de 2014, inclusive.
O parecer é no sentido de a retoma de mandato ser de admitir, uma vez que se encontram verificados os
requisitos legais.
Entretanto, assumiu a presidência a Presidente, Maria da Assunção Esteves.
A Sr.ª Presidente: — Antes de pôr o parecer a votação, queria explicar ao Sr. Primeiro-Ministro, aos Srs.
Ministros e aos Srs. Deputados que a minha ausência no início desta sessão deveu-se ao prolongamento da
cerimónia de apresentação pública da moeda comemorativa dos 40 anos do 25 de Abril, que decorreu aqui, no
Parlamento.
Então, Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, o segundo relatório e parecer da
Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação refere-se à renúncia ao mandato, nos termos do artigo
7.º do Estatuto dos Deputados, dos Srs. Deputados Paulo Batista Santos (PSD), círculo eleitoral de Leiria,
sendo substituído pela Sr.ª Deputada Laura Esperança, que já se encontra em exercício de funções, com
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efeitos a partir de 11 de abril de 2014, inclusive, a qual passa a ocupar o lugar de Deputada eleita na lista de
Leiria, pelo PSD, e Hélder Sousa Silva (PSD), círculo eleitoral de Lisboa, sendo substituído pela Sr.ª Deputada
Maria da Conceição Caldeira, que já se encontra em exercício de funções, com efeitos a partir de 13 de abril
de 2014, inclusive, a qual passa a ocupar o lugar de Deputada eleita na lista de Lisboa, pelo PSD.
O parecer é no sentido de as renúncias em causa serem de admitir, uma vez que cumprem os requisitos
legais.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos, então, dar início à ordem do dia, que será preenchida com um debate com o Sr.
Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento.
De acordo com a moldura regimental, o debate iniciar-se-á com perguntas dos Deputados, às quais o Sr.
Primeiro-Ministro responderá de imediato, não havendo, por isso, intervenção inicial. A ordem de intervenção
dos partidos no debate será a seguinte: CDS-PP, PSD, PS, PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes.
Apresentando os meus cumprimentos ao Sr. Primeiro-Ministro e aos restantes membros do Governo, dou a
palavra ao primeiro orador, o Sr. Deputado Nuno Magalhães, do CDS-PP, para formular perguntas.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, realizamos este debate a
menos de um mês e a uma avaliação do final do Programa de Assistência Económica e Financeira a que
fomos sujeitos. Por isso mesmo, quero registar que o fazemos a menos de um mês e a uma avaliação de
recuperarmos a autonomia económica e financeira entretanto perdida.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, também fazemos este debate no exato dia em que Portugal foi aos mercados
para colocar dívida pública a 10 anos; no exato dia em que a procura foi três vezes e meia superior à oferta;
no dia em que a taxa de juro que pagámos para colocar esta dívida foi de cerca de 3,5%. Sr. Primeiro-Ministro,
é neste dia que importa relembrar que a causa desta Legislatura foi o resgate, que a causa do resgate foi
Portugal não conseguir financiar-se nos mercados e que quando este Governo tomou posse, a taxa de juros
estava em 10,4%.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ou seja, a taxa de juro da dívida pública portuguesa reduziu 7
pontos percentuais, foi a melhor de há nove anos, a melhor desde 2005 e, curiosamente — cremos que não é
coincidência —, a melhor desde que o Partido Socialista começou a ser Governo, começou a festa, começou o
desvario, começou a despesa pública…
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD):— Bem lembrado|
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … e começou o princípio do fim de um País autónomo e capaz de se
financiar a si próprio.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, este resultado traz-nos conclusões claras.
Protestos do PS.
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Traz-nos conclusões muito claras, Srs. Deputados do Partido Socialista (sei que a verdade, por vezes,
magoa, mas não deixa de a ser): que estamos a conseguir tirar o País do problema em que outros, que agora
estão muito nervosos, nos colocaram;…
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … que a credibilidade externa, outrora perdida pelo Governo de
outros, está a voltar; que a confiança dos investidores, outrora também pedida, está a regressar.
E uma coisa sabemos: ao contrário do que muitos previam — não vou mais longe — há bem pouco tempo,
Portugal sairá deste resgate e deste doloroso programa, como sempre dissemos, sem um segundo resgate,
sem um segundo empréstimo e sem um segundo período de dependência.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muitos previam o contrário, muitos pareciam até desejar que a troica
cá ficasse, mas foi o esforço de todos e de cada um de nós, com sacrifício, com certeza, que nos permite, a
menos de um mês e a uma avaliação do final do programa da troica, dizer isto com clareza.
Por isso, importa pensar no período pós-troica, embora muitos não queiram falar, certamente por
tacticismos puramente eleitorais, nos desafios difíceis e complicados que enfrentamos, como sejam o do
crescimento económico, da necessidade de criação de emprego para combater o desemprego e, dentro do
possível, o de corrigir progressivamente injustiças a que este período conduziu, e a que necessariamente teria
de conduzir porque o País foi colocado num estado de dependência externa extrema.
Quanto ao crescimento, queria sublinhar os primeiros indicadores relativos ao primeiro trimestre de 2014,
revelados por um estudo da Universidade Católica, que apontam para um crescimento de 2% em termos
homólogos e para um crescimento sucessivo, ou seja, em cadeia; que indicam que as exportações continuam
a crescer cerca de 3,5% face ao melhor ano de sempre, que foi precisamente o ano passado, 2013; e até os
números respeitantes ao turismo nos primeiros meses de 2014 apontam para um crescimento de 6%.
Quanto ao desemprego, a maior fratura e flagelo social — não o cansamos de o dizer porque é verdade —,
importa também registar, porque são verdadeiros, os números relativos a março deste ano: houve menos
6,1% desempregados inscritos, embora o desemprego continue com uma taxa alta, não o negamos, e, pela
primeira vez, o número de casais desempregados desceu.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Emigraram!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Primeiro-Ministro, aqui chegados, importa dizer que esta maioria
e este Governo nunca negaram factos difíceis, nomeadamente quanto ao desemprego, resultantes da
recessão. Por isso, é com estranheza, para não dizer mais, que vemos que certa oposição não regista estes
factos, que são factos que resultam de algo que hoje já ninguém pode negar, ou seja, da recuperação que
todos, trabalhadores, empresas e empresários, fomos capazes de fazer.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Era o mínimo que se exigia de uma oposição responsável, perante
factos que nos permitem ter a convicção de que em 2014, pela primeira vez, vai ser-nos possível fazer a
consolidação orçamental necessária, com crescimento económico e em crescimento económico.
Isso é importante porque é fundamental criarmos condições para que, em nome da defesa do Estado social
que muitos parecem querer defender mas sem propor uma única medida para o manter, possamos fazer as
reformas necessárias. Por exemplo, Sr. Primeiro-Ministro, para que possamos criar uma Administração
Pública com uma despesa contida, isto é, que gaste o equivalente à riqueza que o País é capaz de criar, mas
também para que a Administração Pública seja motivada e, sobretudo, premiada pelo mérito; ou para criar
condições na concertação social para que seja possível ultrapassar o impasse relativamente ao salário mínimo
nacional, que nos parece uma medida da mais elementar justiça.
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Quanto a esta matéria, importa lembrar também, Sr. Primeiro-Ministro, que foi precisamente o Partido
Socialista — que agora tanto fala no aumento do salário mínimo nacional já para amanhã, para agora — que
congelou o acordo que previa o aumento do salário mínimo nacional; e importa também aqui lembrar, Sr.
Primeiro-Ministro, que foi o Partido Socialista que incluiu no Memorando de Entendimento uma cláusula, no
mínimo, impeditiva de que isso acontecesse. Não deixa de ser verdade também, Sr. Primeiro-Ministro, que
foram esta maioria e este Governo que deram o sinal e que vão criar as condições para que os parceiros
sociais, em concertação social, criem condições para que isso possa acontecer.
Concluindo, Sr. Primeiro-Ministro, falei-lhe um pouco daquilo que deve e pode ser o pós-troica. Sabemos
os desafios que temos pela frente, os quais, repito, são difíceis e, com certeza, complexos.
Os portugueses sabem quais são os objetivos e a estratégia do Governo e da maioria. Será importante que
hoje possamos também saber, a menos de um mês e a uma avaliação do final do programa de assistência,
quais são as políticas alternativas por parte da oposição, de uma oposição que vá para além da «espuma»
mediática e das próximas eleições, nomeadamente do maior partido da oposição, de uma oposição que não
se fique na especulação pela especulação, de uma oposição que, quando a especulação é n vezes
desmentida pelo Governo e quando se verifica que o desmentido do Governo não era mais do que repor a
verdade, vem dizer que, afinal, o Governo recuou ou lhe deu razão, quando nunca avançou sequer!…
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, aquilo que é necessário, o que esperamos e desejamos é que mantenha
uma estratégia que é clara — e é bom que em democracia haja essa clareza e essa transparência —, mas
também desejamos, porque isso é preciso e salutar em democracia, que a oposição, sobretudo aquela que
quer ser alternativa, dê pistas, dê caminhos, dê alternativas e que não se limite a conjugar o verbo repor.
Repor, repor, repor… Qualquer dia — esperamos que não e tudo faremos para que assim não seja —, se
assim continuassem, acabariam por repor a troica, e isso não queremos que aconteça.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro (Pedro Passos Coelho): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, hoje é,
de facto, um dia especial, na medida em que, pela primeira vez em vários anos, Portugal fez uma emissão de
obrigações de forma não sindicada, isto é, fez um leilão de dívida pública numa linha de obrigações que já
estava previamente iniciada. Os termos em que esse leilão decorreu dão-nos duas informações muito
relevantes.
A primeira é a de que trouxe, novamente, para o mercado de dívida pública portuguesa um conjunto de
investidores que há vários anos estavam afastados, não obstante as condições de rating da República, que
vão melhorar sensivelmente ao longo do ano e na sequência do encerramento do Programa de Assistência
Económica e Financeira, como tudo leva a crer.
A segunda é a de que o Estado oferece, hoje, confiança aos investidores que possam garantir o pleno
acesso a financiamento. O Sr. Deputado disse, e muito bem, que aquilo que nos trouxe de forma mais
contingente ao resgate financeiro foi, justamente, a falta de confiança dos investidores na dívida pública
portuguesa. Se outra coisa não fosse necessária — e era! —, pelo menos, na ausência de confiança dos
investidores, sempre precisaríamos de solicitar ajuda externa.
Tive ocasião de dizer hoje, de manhã, numa conferência em que participei, promovida pelo Diário
Económico, que a quebra de confiança dos investidores foi o culminar de um processo e não o que o
despoletou, foi o fim desse processo.
Esse processo iniciou-se muitos anos antes, através da evidência, hoje incontestada, de que o Estado não
foi regrado na sua função de disciplina pública, acumulou défices excessivos ao longo de anos e alimentou um
modelo de desenvolvimento económico baseado na geração de crédito excessivo e de dívida, portanto um
modelo económico que não tinha sustentabilidade. Não foi só o Estado que se endividou, mas também as
famílias e as empresas.
Em 2011, o País estava no pior dos mundos, de entre os países que se encontravam sob resgate. Tinha
uma elevada dívida pública como a Grécia e uma elevada dívida privada como a Irlanda. A diferença é que
quer na Irlanda quer na Grécia, em alternativa, seria teoricamente possível que o complementar pudesse
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funcionar de forma contracíclica. Há excesso de dívida pública na Grécia, talvez a economia privada possa
fazer um esforço para compensar o ajustamento público; na Irlanda era, sobretudo, a economia privada que
estava endividada e talvez o Estado pudesse fazer alguma coisa para compensar o ajustamento privado. Em
Portugal, tínhamos de fazer dois ajustamentos: o público e o privado, o interno e o externo. Estávamos,
portanto, no pior dos mundos.
Digo isto, Sr. Deputado, para sublinhar a importância de concluir que, não estando nós à beira do céu
porque estamos, simplesmente, como hoje o Banco de Portugal assinalava no seu Boletim, ainda com uma
recuperação frágil que necessita que o Governo e os portugueses não abrandem os esforços de alteração
estrutural da nossa economia, estamos, no entanto, a registar uma inversão de ciclo que é assinalável, e isso
não é indiferente à confiança dos investidores. Quem tome a dívida pública portuguesa a 10 anos faz, no
fundo, um contrato de confiança. Não estamos a funcionar a seis meses ou a um ano, não estamos a falar até
ao final desta Legislatura, em que é conhecida a determinação do Governo em concluir este Programa e em
manter a disciplina orçamental, estamos, isso sim, a falar a 10 anos. Significa isto que o equilíbrio externo,
que, pela primeira vez, foi registado em muitos anos (e o primeiro excedente que o Banco de Portugal
considerou notável registado em 70 anos na balança de bens e serviços), mostra bem que estamos em
condições de iniciar um ciclo virtuoso de crescimento para a nossa economia, sem o qual não conseguiríamos
corrigir as injustiças. E, Sr. Deputado, permita-me que acrescente que essas injustiças não foram potenciadas
pelo ajustamento que tivemos de realizar. Todo o ajustamento potencia injustiças, mas, antes de este
ajustamento se ter iniciado, já Portugal era um dos países da Europa — para não dizer o penúltimo país —
que apresentava maiores assimetrias na distribuição do rendimento entre os seus cidadãos.
Portanto, da mesma maneira que não foi a austeridade que originou a crise, mas foi uma consequência da
crise a que chegámos, assim também o que tivemos de realizar em matéria de ajustamento macroeconómico
resultou dos desequilíbrios que acumulámos durante demasiados anos com um modelo económico que estava
condenado ao fracasso.
Sr. Deputado, estamos, portanto, hoje em condições de poder olhar o futuro de uma forma muito diferente.
Poderemos corrigir essas tais injustiças que se acumularam durante anos. Para isso, precisaremos, apenas,
julgo, de conservar uma noção da realidade, de uma realidade que ainda tem um desemprego demasiado
elevado para uma economia que quer crescer a um nível de potencial maior do que aquele que conhece hoje,
de manter a disciplina orçamental e financeira e de orientar os incentivos de maneira a que a economia possa
responder não a setores protegidos, com rendas protegidas, mas a estímulos de competitividade que nos
garantam que as nossas exportações continuarão a comportar-se cada vez mais com ganhos efetivos de
mercado, que, segundo o Banco de Portugal, terão atingido, durante estes últimos três anos, cerca de 10% de
ganho de quota de mercado.
Significa isso, Sr. Deputado, que os nossos sacrifícios começam a valer a pena e essa, julgo, é a melhor
mensagem que podemos dar,…
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … numa altura em que, como disse, estamos a concluir o processo de
ajustamento que ficou contratualizado com os nossos credores oficiais. Estamos justamente no início da última
avaliação que vai ser feita pela troica e a muito pouco tempo de encerrarmos este processo,…
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — … porque é minha convicção de que o encerraremos em boas condições. Mas
isso, Sr. Deputado, é, de facto, sobretudo, mérito dos portugueses.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta é do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.
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O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, de facto, realizamos este debate a
menos de um mês, a 24 dias da conclusão do nosso Programa de Assistência Económica e Financeira.
Realizamo-lo, também, numa altura em que já iniciámos a última das 12 avaliações desse Programa. Isto é
importante, porque, objetivamente, podemos dizer ao País que, não obstante aquilo que muitos
prognosticaram, não houve e nem vai haver necessidade de termos um segundo resgate, não há necessidade
de haver permanência da troica para além da que estava prevista no contrato que estabelecemos em maio de
2011 e também não há necessidade de termos mais austeridade de emergência que se possa fazer sentir na
vida quotidiana das pessoas e das famílias.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — É verdade que precisamos de ter um Estado mais poupado, um Estado
mais eficiente, um Estado menos gastador e precisamos de manter, e acentuar mesmo, o crescimento e a
recuperação da economia.
Sr. Primeiro-Ministro, precisamos de rigor orçamental, porque favorece o financiamento do Estado e da
economia e também o investimento, mas, hoje, não precisamos, ao contrário do que disseram muitos profetas
da desgraça, de assustar as pessoas com mais cortes.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Primeiro-Ministro, parece que quem deseja mais cortes e mais
austeridade é a oposição e, em particular, o Partido Socialista.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — O Partido Socialista especializou-se em falar, apenas e só, de
austeridade: na que existiu e na que ainda existe, mas também naquela que não existe e nem vai existir,…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Não ouviu a conferência de imprensa do Governo!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — … mas parece que o Partido Socialista queria que existisse.
Sr. Primeiro-Ministro, o que aconteceu até aqui? O Partido Socialista chamou a troica e negociou a
austeridade com a troica; o Governo do PSD e do CDS executou o programa de emergência nacional,
desenhado pelo Partido Socialista, o qual, já nessa altura, continuava a assustar as pessoas, dizendo: «Estes
senhores carregam na austeridade. Isto não vai dar certo. Isto não é possível. Isto vai agravar a recessão e
será inevitável um segundo resgate!». Era isto que dizia o Partido Socialista.
Dizia mais: que estávamos no caminho da espiral recessiva. Mas enganaram-se e hoje, de facto, é dia para
lembrarmos que se enganaram, que assustaram as pessoas, sem fundamento.
É verdade que o País sofreu e sofre, que o País lutou e luta, mas o País está, efetivamente, a dar a volta. A
economia está a crescer há mais de um ano e também há mais de um ano que o desemprego está a diminuir,
apesar de ainda se manter em níveis elevados. Mas não houve, de facto, uma espiral recessiva e não houve,
nem vai haver, um segundo resgate.
O que faz, agora, a oposição e também o Partido Socialista, em particular? Esquecem esta realidade,
ficcionam a situação e tornam a assustar as pessoas e o País. Dizem que vem aí mais austeridade, que há
uma agenda escondida, que vêm aí mais cortes. O Governo já respondeu: «Não haverá mais cortes de
salários e de pensões que se acrescentem àqueles que estão hoje em vigor.»
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Bem lembrado!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Diz o Partido Socialista: «Não interessa. Cortar no Estado é cortar nas
pessoas.» Depois, também diz que temos de cumprir as metas do défice,…
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O Sr. Luís Menezes (PSD): — Ah!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — … mas não quer nem apresenta nenhuma ideia para cortar alguma
despesa do Estado.
Sr. Primeiro-Ministro, a conclusão que podemos tirar é a de que a oposição parece que precisa da
austeridade como de pão para a boca. Criticam a que existe e a que emana do programa que negociaram,
mas também criticam a que não existe para fazer de conta que é a verdadeira. É caso para dizer que a
oposição e, em particular, o Partido Socialista são austeridade-dependentes.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sem austeridade parece que não têm discurso político.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
Mas o País, felizmente, não alinha neste pessimismo e neste derrotismo do Partido Socialista.
O País renegociou metas e juros; o País foi, e vai, aos mercados financiar-se, como já aqui foi referido, a
níveis de 2005, antes de os governos do Partido Socialista desbaratarem a credibilidade e a confiança que os
mercados tinham do nosso País.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
Protestos do PS.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — O País reforma-se, reestrutura-se e torna-se mais competitivo.
O Sr. António Braga (PS): — Nota-se!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Para quê? Para ter credibilidade, para gerar confiança, para ter um
financiamento mais barato, porque este permite que haja investimento, o qual, por sua vez, permite que haja
criação de emprego.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Primeiro-Ministro, é verdade que também temos como objetivo poder
baixar a nossa dívida e também com isso poder ter um nível de esforço que possa permitir reduzir os
sacrifícios sociais, e mesmo fiscais, das famílias e das empresas.
Nesse contexto, Sr. Primeiro-Ministro, creio que é importante colocar-lhe algumas questões.
Em primeiro lugar, e relacionado com o nosso endividamento, com a nossa dívida, com a redução do défice
e com o aumento das exportações — que o Sr. Primeiro-Ministro, ainda há pouco, referiu —, com uma balança
comercial positiva, com juros mais baixos (os juros de mercado, e, já agora, queria lembrar mais uma vez, os
próprios juros dos empréstimos da troica, que foram renegociados pelo Governo), o País tem ou não
condições para demonstrar que tem uma dívida sustentável?
Era possível termos ido hoje a mercado obter uma taxa de juro de cerca de 3,5% se não se percecionasse,
lá fora, que a dívida que temos é sustentável, Sr. Primeiro-Ministro?
Em segundo lugar, tendo negociado prazos e juros, que reestruturação da dívida podemos hoje defender,
em Portugal, além desta? Um perdão de dívida, como defendem alguns Deputados do Partido Socialista, aliás,
não desmentidos pelo líder do Partido Socialista, e também como dizem o Bloco de Esquerda e o Partido
Comunista? É caso para voltarmos à austeridade e à tal dependência da austeridade. É que reestruturar a
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dívida com um perdão de dívida significa, ou não, comprometer o País com mais austeridade do que aquela
que o País teve nos últimos anos, Sr. Primeiro-Ministro?
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Essa questão é importante que o Governo a possa clarificar, mas é
importante que a oposição também possa clarificar o que é que pensa sobre isto e, em particular, o Partido
Socialista. O líder do Partido Socialista concorda ou discorda dos Deputados do Partido Socialista que
defendem um perdão de dívida? Também seria importante que essa questão pudesse ser hoje clarificada
aqui, neste debate.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Finalmente, Sr. Primeiro-Ministro, a propósito do salário mínimo, gostaria
de lhe colocar a seguinte questão: seria viável termos subido o salário mínimo nacional antes de concluirmos o
Programa de Assistência Económica e Financeira?
O Sr. Primeiro-Ministro já disse que agora o Governo tem disponibilidade para negociar essa subida em
sede de concertação social. Claro que o Sr. Deputado António José Seguro, até há poucos dias, dizia: «é
preciso passar das palavras aos atos, é preciso reunir a concertação e decidir isso já». Entretanto, a UGT
disse que era melhor que este assunto ficasse para depois das eleições e o Sr. Deputado António José
Seguro tem-se esquecido de retomar essa afirmação.
Mas a verdade, Sr. Primeiro-Ministro, é que há uma coisa que é certa: creio que todos queremos que os
portugueses recuperem rendimentos e que as famílias e as empresas, no futuro, possam pagar menos
impostos, possam ter um esforço menor. Mas não é para decidirmos isso num ano e retirar a dobrar no ano
seguinte, como aconteceu, por exemplo, em 2009, face a 2010.
Vozes do PSD: — Muito bem! Bem lembrado!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Para que isso aconteça — e nós queremos que isso aconteça, que os
portugueses recuperem rendimento e que possam ter menos impostos para pagar —, é preciso criar
condições, quer da parte do Estado, quer da parte da economia. Senão, Sr. Primeiro-Ministro, tudo vai ser
muito efémero e poderemos correr o risco de ter novos resgates no futuro. E o nosso compromisso — creio
que é um compromisso de todos — é aquele que se desenha agora, a 24 dias de concluirmos este Programa:
é todos contribuirmos para não voltarmos a ter programas e resgates tão duros como estes, é todos podermos
contribuir para que o futuro não traga mais troicas a Portugal.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para responder.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, acompanho-o na afirmação de
que estamos a concluir este período excecional de assistência económica e financeira com a perspetiva de
não necessitarmos de nenhum segundo resgate — está patente no facto de termos condições para pleno
acesso a mercado — e também de não necessitarmos de prolongar um quadro de austeridade de emergência,
como o Sr. Deputado caracterizou.
Em todo o caso, quero aproveitar essa sua observação para dizer que muitas vezes, ao longo destes
últimos três anos, o debate sobre as políticas de austeridade escondeu outras políticas importantes que foram
sendo realizadas e que proporcionaram poupanças efetivas, reais, do ponto de vista da despesa corrente
primária, e preveniram, também, futuros aumentos dessa despesa que ocorreriam se uma série de decisões
não tivesse sido adotada, cancelando futuros contratos ou futuras obras que acrescentariam despesa pública,
por via das parcerias público-privadas, nos anos subsequentes.
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É importante anotar que, de 2010 até 2013, tivemos uma redução, sensivelmente, em números redondos,
de 6000 milhões de euros na despesa corrente primária. Se considerarmos o ano em que a redução de
rendimentos sobre os salários dos funcionários públicos e as pensões atingiu o seu valor mais elevado,
coincidindo com os dois subsídios que foram suspensos e que representariam cerca de 14% do rendimento de
pensionistas e de funcionários públicos (daqueles que foram afetados por essas medidas, porque, volto a
dizer, não me canso de o dizer, entre os pensionistas, 85% não foram afetados por estas medidas e muitos
funcionários públicos também não, porque tinham salários mais baixos), no ano em que estas medidas tiveram
um peso maior, isto representou cerca de 2000 milhões de euros. O que significa, portanto, que, excluindo o
pagamento de juros da dívida pública, excluindo a despesa de capital que foi fortemente contraída, em
despesa corrente primária (e mesmo atendendo ao facto de termos pago mais subsídios de desemprego e
mais prestações sociais do que em anos anteriores) …
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Os submarinos!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … houve uma contração da despesa de cerca de 4000 milhões de euros.
Mesmo quando temos em atenção os consumos intermédios, essa diminuição foi sensível. Eu disse numa
entrevista, há pouco tempo, que tinha sido, entre 2010 e 2013, de 1,6 mil milhões de euros. E quando umas
vozes se apressaram a dizer: «bem, mas 2010 não é um bom ano de referência, porque tem lá submarinos, e
esses submarinos inflacionaram muito os consumos nesse ano», podemos tomar, evidentemente, o valor do
ano anterior, que não tinha submarinos, 2009. Em 2009 a despesa totalizou, superou, em consumos
intermédios, 8,4 mil milhões de euros e era de 7,3 mil milhões de euros no final do ano passado.
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Os swap!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Portanto, até nos consumos intermédios a evolução foi significativa, e não
podia ser de outra maneira, porque não seria possível reduzir o défice estrutural primário se não tivéssemos
iniciado um processo de reforma do Estado que garantia, para além das medidas horizontais de redução quer
de pensões, quer de salários, uma redução efetiva da despesa pública que garantisse a redução do défice
público.
Diz o Banco de Portugal, no seu relatório hoje publicado, que até 2013 o esforço de consolidação foi
repartido, em 50%, pelo lado da receita e pelo lado da despesa, e é sabido que só foi assim porque houve
uma parte da despesa, em salários e pensões, que não pudemos poupar e que, tendo de ser reposta,
evidentemente, aumentou essa despesa. Portanto, o que fomos buscar pelo lado da receita teve de
compensar essa poupança que desapareceu do lado da despesa.
Sr. Deputado Luís Montenegro, dito isto, percebe-se que o nosso esforço do lado das contas públicas não
foi simplesmente ancorado em medidas que são extremamente dolorosas, como a da redução de
rendimentos. Pelo contrário, o essencial dessas medidas foi feito à custa da despesa corrente primária, que foi
reduzida, fora esses montantes, e, em particular, com os muitos «submarinos que nós poupámos a Portugal e
aos portugueses ao longo de muitos anos, com os contratos que cancelámos, em nome do Estado, e de que
desistimos de prosseguir no futuro.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Diz o Sr. Deputado Luís Montenegro que precisamos de manter esta linha. Precisamos. E porquê? Porque
um caminho que não seja de equilíbrio orçamental é um caminho que onera, que torna mais pesada a fatura
para os portugueses.
Temos um elevado stock de dívida. Ele representa, portanto, um encargo para todos os portugueses nos
próximos anos. Sempre que quisermos pagar menos juros por essa dívida temos de nos concentrar em reduzir
esse stock de dívida — é assim que faz quem tem boas contas: quer pagar menos de juros, tem menos de
empréstimos, tem menos stock de dívida de empréstimos contraídos. É mesmo assim.
Hoje, temos uma análise de sustentabilidade da dívida que é positiva, o que quer dizer que a nossa dívida
é sustentável. E, mais do que isso, é compaginável com a nossa pertença ao euro e à União Europeia.
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Temos, até hoje, garantido sempre a redução do défice estrutural em pelo menos 0,5% em cada ano. Isso
aconteceu em todos estes anos e estamos a encaminhar-nos para atingir o objetivo de médio prazo de ter um
défice estrutural não superior a 0,5% em 2017. Precisamos de o manter, e qualquer que seja o Governo em
funções, se o mantiver, os juros da dívida pública serão mais baixos. Não é preciso estar a contar com
milagres, os juros da dívida pública serão mais baixos porque o risco será menor e, portanto, evidentemente, o
Estado estará em condições de fazer rolar uma parte significativa da sua dívida em condições mais favoráveis.
Mas também o financiamento à economia será mais favorável, o que ajuda ao financiamento do
crescimento. Portanto, se queremos, de facto, ter uma dívida sustentável — como estou convencido que
temos —, só há uma coisa a fazer: garantir que os nossos compromissos serão saldados e atuar sobre as
variáveis que estão à nossa mão, e não à mão de terceiros, para garantir que o financiamento do Estado e da
economia se possa concretizar cada vez em melhores condições. É isso que nos dará espaço para crescer.
Sr. Deputado, sei que não conseguirei convencer todos os renitentes nesta matéria. A verdade é que houve
períodos na História de Portugal em que os juros da dívida pública pesavam mais, em percentagem do
produto interno bruto, do que pesam hoje e a economia cresceu. Portanto, o crescimento da economia não
está estritamente dependente do peso dos juros no PIB. O que isso implica é disciplina orçamental que, volto a
dizer, não é de esquerda nem de direita. Por isso, Sr. Deputado, é que digo que não há razão para ser
austeridade-dependente, porque o caminho que fizemos até hoje garante-nos que estamos a aproximarmo-
nos, cada vez mais depressa, de um caminho de equilíbrio orçamental de médio e de longo prazo.
Dir-se-á: «bem, mas a economia tem ciclos, não vai crescer eternamente». Pois não, Sr. Deputado. É
justamente por isso que vamos fazer o que não foi feito na segunda metade da década de 90, em que a
economia cresceu e o Estado aumentou ainda mais a sua despesa, de modo que quando a economia deu a
volta por baixo e entrou em recessão deixou o Estado à beira de um défice excessivo que durante mais de 10
anos não deixou de nos acompanhar.
O precisamos de fazer é justamente ter prudência orçamental, para não dizer um dia aos portugueses:
afinal, o mundo mudou e precisamos de fazer de outra maneira.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Irei concluir, Sr.ª Presidente, respondendo a uma questão direta do Sr.
Deputado: era possível mexer no salário mínimo nacional antes de terminar o Programa de Assistência
Económica e Financeira?
Sr. Deputado, era possível se a troica aceitasse. Porquê? Porque como disse o Sr. Deputado, e muito bem,
foi o próprio Governo português, na altura presidido pelo Eng.º José Sócrates, que incluiu essa norma no
Programa de Ajustamento. Se a troica aceitasse, poderíamos tê-lo feito.
O Sr. João Semedo (BE): — Não era descer, era subir!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Não eram os parceiros sociais?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Qual era racional para o ter feito? Era que a economia pudesse estar a crescer
e que o desemprego pudesse estar a cair. Creio que são essas as condições que temos agora e, por essa
razão, como eu disse no ano passado, iremos encetar esse debate em sede de concertação social.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do PS. Tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.
O Sr. António José Seguro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, comecemos pelo salário
mínimo nacional.
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Em março do ano passado, confrontei o Primeiro-Ministro com um consenso que existe, e já existia, na
sociedade portuguesa, tanto com os partidos da oposição como com os sindicatos e os representantes das
confederações empresariais, no sentido de aumentar o salário mínimo nacional em concertação social.
O Primeiro-Ministro, no dia 6 de março do ano passado, disse que essa era uma política errada e que o
que se deveria fazer, se fosse possível, era diminuir o salário mínimo nacional.
Aplausos do PS.
Vozes do PS: — Bem lembrado!
O Sr. António José Seguro (PS): — Isso foi o que o senhor disse, em março do ano passado.
O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Agora, há eleições!
O Sr. António José Seguro (PS): — Mas o País e os portugueses já estão habituados à sua «sua
palavra».
Agora, no último debate quinzenal, quando aqui o confrontei e voltei a dizer-lhe que era importante
aumentar o salário mínimo nacional para darmos um pouco mais de rendimento aos portugueses, enquanto eu
falava, o Primeiro-Ministro fez um aparte, que vou partilhar com a Câmara. Enquanto eu defendia o aumento
do salário mínimo nacional, o Primeiro-Ministro, ali sentado na bancada do Governo, dizia o seguinte: «Ainda
bem que há eleições». Pois bem, foi o Primeiro-Ministro que, passados dois dias, veio publicamente admitir
que era necessário aumentar o salário mínimo nacional, a um mês e meio de eleições para o Parlamento
Europeu.
Está tudo dito sobre a importância que o Primeiro-Ministro dá ao salário mínimo nacional.
Aplausos do PS.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, desengane-se se julgava que nós, no PS, fugíamos a comentar o que se
passou hoje com a emissão de dívida do nosso País. E desenganem-se os que esperavam que aqui
criticássemos o resultado dessa emissão de dívida.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Mau era!
O Sr. António José Seguro (PS): — O que é bom para Portugal, é bom para o Partido Socialista — e
digo-o aqui com esta clareza.
Aplausos do PS.
Agora, Sr. Primeiro-Ministro, dizer ou insinuar que isso se deve à brilhante política orçamental do seu
Governo, nisso é que nós não entramos, pois isso é iludir e enganar os portugueses.
Aplausos do PS.
Vozes do PS: — Muito bem!
Protestos e risos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. António José Seguro (PS): — Não se incomodem, Srs. Deputados, vão todos ouvir.
Vou explicar-lhe, Sr. Primeiro-Ministro. Em março do ano passado, o seu Ministro das Finanças dizia: «O
Governo fixou um dia para o regresso de Portugal aos mercados financeiros. Será o dia 23 de setembro de
2013, uma segunda-feira».
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No mesmo mês, o Sr. Primeiro-Ministro dizia à imprensa sueca: «Já dissemos que vamos voltar aos
mercados da dívida em setembro de 2013. E é o que vai acontecer. Nessa altura (…)» — isto é, em setembro
de 2013 — «(…) deixaremos de precisar de financiamento externo para a nossa economia».
O Sr. Primeiro-Ministro falhou na sua data.
Protestos do PSD.
Em segundo lugar — basta ver vários gráficos —, há uma descida generalizada dos juros dos países
periféricos da zona euro. Isso deve-se essencialmente a duas razões: em primeiro lugar, ao excesso de
liquidez que existe e, em segundo lugar, como sempre reivindicámos,…
O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Contra o Governo português!
O Sr. António José Seguro (PS): — … a um aumento do papel do Banco Central Europeu no combate à
especulação financeira.
Aliás, só assim é que se explica que os mercados não tenham uma atitude racional em relação à evolução
da dívida. O que seria normal era que, quando a dívida pública dos países aumentasse, as taxas de juro
aumentassem e que, quando a dívida pública dos países diminuísse, as taxas de juro também diminuíssem.
Ora, ocorreu precisamente o contrário, isto é, a dívida de Portugal, tal como a da Grécia ou a da Espanha,
aumentou, mas a taxa de juro diminuiu.
Isto não se deve a nenhum milagre, Sr. Primeiro-Ministro; isto deve-se, simplesmente, ao excesso de
liquidez que há nos mercados e ao facto de o Banco Central Europeu ter dito, com muita clareza, através do
seu Presidente, que iria combater a especulação financeira, coisa que o senhor nunca quis admitir.
Aplausos do PS.
Mas o que é que os portugueses esperavam? Esperavam que, num momento em que as taxas de juro
diminuem, diminuíssem e se aliviassem os sacrifícios dos portugueses.
Não é isso que vai acontecer. Bastou, ontem, uma reunião com a troica para perceber que o Programa até
já podia ter acabado ontem, pode acabar hoje ou amanhã, mas, infelizmente, a austeridade vai continuar e os
cortes vão prosseguir.
E a primeira pergunta que tenho a fazer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, tem a ver exatamente com isto. Hoje,
ficámos a saber que a troica, na reunião com os parceiros sociais, disse que, daqui a seis meses, haverá uma
avaliação independente do programa de ajustamento. O que é isto, Sr. Primeiro-Ministro? Dentro de meio ano,
haverá uma avaliação independente do programa de ajustamento? Quer dizer que Portugal vai continuar sob
observação, sob avaliação externa?!
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Quem é que decidiu esta avaliação? Como é que isto acontece? E qual é a posição do Primeiro-Ministro
sobre esta matéria? Vai ou não haver esta avaliação independente?
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para responder, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António José Seguro, sobre o salário mínimo
nacional, defendi que era uma política errada estar a agravar os custos salariais das empresas numa altura de
recessão económica.
Risos do PS.
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O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Agora, há eleições!
O Sr. Primeiro-Ministro: — E volto a dizê-lo, Sr. Deputado. Houve, inclusivamente, pelo menos um caso
na Europa de um país sob ajustamento que baixou o salário mínimo nacional.
O Sr. António José Seguro (PS): — Mal!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Porquê? Porque, Sr. Deputado, quando a economia está a contrair, as
empresas estão a fechar e o desemprego aumenta, aumentar os custos salariais é evidentemente errado.
O Sr. António José Seguro (PS): — Veja o que aconteceu na grande recessão nos Estados Unidos da
América!
O Sr. Primeiro-Ministro: — O Sr. Deputado pode não concordar, está no seu direito de discordar e de,
numa altura em que tem menos mercado, em que vende menos e em que tem mais dificuldades em manter a
sua empresa, gostar de pagar mais salários na sua empresa. Mas não é assim que se passa na vida real, Sr.
Deputado.
O Sr. António José Seguro (PS): — Não é verdade!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Agora, há uma coisa diferente, Sr. Deputado — e eu disse-o, no ano passado.
Quando a economia o permite, quando estamos a recuperar economicamente e o emprego está a aumentar,
faz sentido fazer essa discussão. Não é uma discussão incondicional, como tenho referido; ela está
dependente de uma política de rendimentos que, por um lado, não provoque novo desequilíbrio externo na
nossa conta corrente e, por outro, não torne menos competitivas as nossas condições económicas.
E essa discussão será feita — como eu próprio, ainda no ano passado (e não foi antes do último ou
penúltimo debate aqui ocorrido, foi no ano passado), tive ocasião de dizer aos parceiros sociais e aos
portugueses, à saída dessa reunião na concertação social — em 2014, que é um ano de recuperação da
nossa economia, pelo que faz todo o sentido que possamos fazer essa discussão em sede de concertação
social, e vamos fazê-la.
Em segundo lugar, disse o Sr. Deputado que a nossa emissão de dívida correu bem e que, portanto, eu
preciso de me desiludir quanto à crítica que o Sr. Deputado viesse fazer sobre a emissão de dívida.
Sr. Deputado, honestamente, eu não estava à espera que viesse criticar a emissão de dívida, não o tenho
nessa conta.
O Sr. António José Seguro (PS): — Então, está em divergência com a maioria!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Não, Sr. Deputado, fique a saber que não esperava tal coisa. Não esperava!
Mas, infelizmente, esperava — e o Sr. Deputado confirmou a expectativa que eu tinha — que o Partido
Socialista dissesse o que disse, isto é, que tudo o que corre bem, em Portugal, não se deve evidentemente ao
Governo, não pode ser — ao Governo é que não pode ser.
Vozes do PSD: — Ah!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Ainda estamos a falar da intervenção que o Presidente do BCE fez, em
setembro de 2012, e, agora, do excesso de liquidez. E, de facto, os portugueses ficam a saber, pela voz do
Secretário-Geral do Partido Socialista, que o que aconteceu ao Partido Socialista, quando foi Governo, foi que
teve azar. Teve muito azar, porque não havia liquidez no mercado e, portanto, isso provocou a necessidade de
termos um grande ajustamento da nossa economia.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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Mas, Sr. Deputado, os portugueses, em qualquer caso, se a sua lógica estivesse correta — e não está —,
sempre haveriam de preferir um Governo com sorte do que um Governo com azar.
Risos e aplausos do PSD e do CDS-PP.
Queria ainda dizer ao Sr. Deputado que a sua ideia, que retirou, ao que parece, da reunião que teve com a
troica, de que a austeridade vai continuar e os cortes vão prosseguir, me merece a seguinte resposta: a
austeridade não vai continuar; a austeridade, dentro do quadro da emergência que vivemos, será
progressivamente substituída e aliviada. Significa isto, portanto, que não podemos desequilibrar o novo
patamar a que chegámos, não faria sentido. Isso seria o mesmo que dizer aos portugueses: «Os senhores
estiveram a fazer sacrifícios apenas para temporariamente mostrarmos aos credores que ajustámos, mas, mal
os credores se forem embora, vamos novamente desequilibrar tudo» — isto não faria sentido.
Mas, Sr. Deputado, já tive ocasião de dizer que não teríamos, em circunstância alguma, a perspetiva de
perpetuar os congelamentos salariais, as progressões na função pública ou os cortes progressivos retratados
na contribuição extraordinária de solidariedade.
Agora, o que não podemos fazer — e parece que o Partido Socialista também concorda com isso (e digo
«parece» porque depende de quem fala) — é repor o que tínhamos em 2010, de um dia para o outro. E não é
de um dia para o outro, porque o contexto era este: se o Partido Socialista ganhar as eleições em 2015, não
pode repor, logo estes cortes terão de continuar ainda durante algum tempo.
Sr. Deputado, não digo menos, nem mais, é exatamente assim. Portanto, o quadro em que esta
austeridade vai continuar é aquele que foi definido pelo Partido Socialista — estou de acordo.
Quanto aos cortes prosseguirem ou não, é preciso saber em quê. Se o Sr. Deputado me está a falar em
despesa pública, que não em salários e pensões, de modo a conseguir o equilíbrio orçamental, isso é verdade,
Sr. Deputado. Porquê? Porque o défice público era de quase 10%, em 2010, e nós queremos que o défice
público seja de 2,5%, em 2015. O défice público não desce por milagre, por varinha de condão. Só desce de
duas maneiras: com o crescimento da economia, que possa gerar mais receita fiscal, e, ao mesmo tempo,
desde que o Estado garanta que a sua despesa nominal é contida ou consegue mesmo recuar. Ora, Sr.
Deputado, é isso que precisamos de fazer, e é isso que vamos fazer.
Finalmente, pergunta o Sr. Deputado se posso garantir que uma avaliação independente será realizada
daqui a meio ano. Sr. Deputado, não conheço essa afirmação e, portanto, não vou comentá-la. Mas vou dizer,
porque isso eu sei, o seguinte: quando a troica concluir o seu trabalho, ela sempre garantirá, enquanto 75% da
nossa dívida oficial não for paga, que esse pagamento vai ter lugar. Portanto, uma avaliação haverá sempre,
Sr. Deputado. Não é aquela a que estamos habituados, a cada três meses, mas uma avaliação haverá
sempre.
Quanto ao Fundo Monetário Internacional, uma vez acabada a troica, o Fundo Monetário Internacional
manterá com Portugal o seu relacionamento tradicional. E é sabido que, ao abrigo do artigo 4.º dos Estatutos
do Fundo Monetário Internacional, continuará a haver consultas, por equipas diferentes desta que
acompanham a troica, que garantirão a supervisão macroeconómica do País. E isso, é evidente, terá sempre
lugar — já acontecia antes, aconteceu desde sempre. Desde sempre, Sr. Deputado, desde que fazemos parte
do Fundo Monetário Internacional.
Julgo que respondi a todas as suas questões, Sr. Deputado.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.
O Sr. António José Seguro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, retenho das suas explicações
— e se eu não estiver a interpretar corretamente, o Sr. Primeiro-Ministro fará o favor de esclarecer — que não
está prevista nem se fará qualquer avaliação independente. E não falo de avaliações por parte dos membros
que compõem a troica, falo de uma avaliação independente, dentro de seis meses.
Voltando à questão do salário mínimo nacional, o Sr. Primeiro-Ministro apresentou a sua tese económica e
disse que era mau para a economia, nas condições que referiu, aumentar o salário mínimo nacional. Quer com
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isso dizer que os empresários que o revindicam desde o ano passado querem mal às suas empresas? É isso
que retiro da sua interpretação.
Podia explicar-lhe sobre a importância para as empresas, designadamente do aumento da procura interna,
que era aquilo que os empresários mais reivindicavam para poderem continuar a produzir e a vender os seus
produtos e os seus serviços.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. António José Seguro (PS): — Aliás, basta verificar a recessão ocorrida na terceira década do
século passado para perceber que houve visão de muitos empresários no sentido de aumentar o salário dos
seus trabalhadores para permitir que eles pudessem dinamizar essa procura interna.
O Sr. Primeiro-Ministro poderia ter percebido isso com o que se passou no segundo semestre do ano
passado, quando, fruto da decisão do Tribunal Constitucional, houve mais rendimento no bolso dos
trabalhadores, dos reformados e dos pensionistas. Isso ajudou a impulsionar a procura interna e foi graças a
essa procura interna que houve um contributo maior, ainda que ligeiro, para o crescimento da nossa economia
no final do ano passado.
O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — Bem lembrado!
O Sr. António José Seguro (PS): — O Sr. Primeiro-Ministro vem falar em confusão e no «diz-se e não se
diz». Mas, olhe para o seu Governo! O que é que se tem passado no mês de abril? Desde aquele famoso
Secretário de Estado da Administração Pública que chamou os jornalistas em segredo e lhes deu um
documento, mas disse «por favor, não digam que fui eu que vos dei», até um Primeiro-Ministro que, desde
Moçambique, disse aos Ministros, com um ar solene «peço-vos contenção»! Aquilo que se exige a um
Primeiro-Ministro não é que faça apelos em público aos seus membros de Governo, mas sim que garanta que
se verifica essa contenção, sobretudo quando estão em causa reformados e pensionistas, quando estão em
causa cortes nominais das pensões de reforma!
O Sr. Primeiro-Ministro tenta esconder dos portugueses aquilo que, nas costas destes, negoceia com a
troica e nós temos de procurar nos documentos das instituições da União Europeia para saber toda a verdade.
Deixe de enganar os portugueses! Deixe de os iludir!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada…
Vozes: — Sr.ª Presidente!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Presidente, com certeza. Também é Deputada, mas é a Sr.ª Presidente.
Em primeiro lugar, quero dizer ao Sr. Deputado António José Seguro que todos os empresários que estão
de acordo em subir os salários, que têm margem de manobra nas suas empresas para o fazer, podem fazê-lo.
Não precisam que o Governo determine o aumento do salário mínimo nacional! Podem fazê-lo, como o Sr.
Deputado referiu.
Protestos do PS e do PCP.
Mas o Sr. Deputado quer que obriguemos todas as empresas, mesmo aquelas que não têm espaço para
isso, a fazê-lo. Não é, Sr. Deputado? Então, o seu argumento não faz sentido!
Em segundo lugar, o Sr. Deputado não tem razão quanto à questão do Tribunal Constitucional, por um
motivo simples: todo o rendimento que foi reposto aos pensionistas e aos funcionários públicos após a decisão
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do Tribunal Constitucional foi compensado pelo aumento de impostos e por retenção na fonte. Sr. Deputado,
junto da economia, isso não explica o aumento da procura interna.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.
O Sr. António José Seguro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a sua última declaração sobre o
salário mínimo nacional expõe a irrelevância do seu Governo e aquilo que o senhor entende ser o valor da
concertação social — irrelevância do seu Governo!
Aplausos do PS.
Aquilo que se exige a um Governo é que lidere um País e que lidere uma estratégia. Num momento de
dificuldade dos trabalhadores, a sua obrigação era a de, em sede de concertação social, ter criado as
condições para que houvesse um aumento do salário mínimo.
O Sr. Primeiro-Ministro ouviu as centrais sindicais revindicarem esse aumento, ouviu as confederações
patronais dizerem que estavam disponíveis para o fazer. Pois bem, havia esse consenso. Quem é que ficou de
fora do consenso? O Primeiro-Ministro e o Governo. E sabe porquê? Porque está contrariado, porque isso não
corresponde à sua convicção liberal.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. António José Seguro (PS): — Um líder com sensibilidade social, um Primeiro-Ministro com
sensibilidade social teria agido de uma outra forma.
Sr. Primeiro-Ministro, voltemos às questões que têm a ver com a confusão no seu Governo. Há ou não um
relatório por detrás das decisões com que os senhores se comprometeram com a troica e com as instituições
europeias? Quais são os cortes provisórios que o senhor disse, há três anos, em campanha eleitoral, que
nunca faria e que agora se prepara para passar a definitivos? Penso, aliás, que o Primeiro-Ministro já nem se
dá conta da importância que isso tem para um reformado ou para um pensionista. Um Primeiro-Ministro que
diz que isso não é um «bicho de sete cabeças» é um Primeiro-Ministro que não conhece a realidade, os
sacrifícios e a vida difícil que, por sua causa, impôs aos portugueses e ao nosso País.
Aplausos do PS.
Quais são esses cortes? Quais são os cortes que, faz precisamente três anos, o senhor garantiu que nunca
faria, que depois disse que eram provisórios e que agora transforma em definitivos?
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. António José Seguro (PS): — Mas há uma outra pergunta que lhe quero deixar, para a qual ainda
dispõe de tempo para responder.
O Primeiro-Ministro disse ao País que iria fazer cortes naquilo em que identificou como as gorduras do
Estado: cortes em ministérios — 730 milhões de euros (cito de memória) — e cortes noutras despesas de
outsourcing.
A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. António José Seguro (PS): — Termino já, Sr.ª Presidente.
É ridículo, é surpreendente que, ao fim de quase três anos de governação, em que cortou nas reformas,
nas pensões, em que aumentou os impostos, só agora tenha descoberto que, afinal, ainda havia cerca de
1000 milhões de euros para cortar!
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O Sr. José Junqueiro (PS): — Bem lembrado!
O Sr. António José Seguro (PS): — A pergunta que deixo é muito simples — e não venha dizer que não
traz a memória consigo, que não traz os papéis, que não sabe onde é que é, que ainda falta um estudo! Diga,
com clareza, onde, em que ministérios, concretamente, é que o senhor identificou 1000 milhões de euros que
se propõe cortar! Tem de o dizer neste Parlamento, e tem de o dizer antes das próximas eleições europeias!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António José Seguro, acho lamentável que,
nestes debates, insista numa linha descredibilizadora daquela que tem sido a preocupação do Governo em
poder transmitir tranquilidade quer aos pensionistas quer aos funcionários públicos,…
Risos e protestos do PS.
… alimentando regularmente a ideia de que eles vão ser mais penalizados.
O Sr. António José Seguro (PS): — Lamentável é a sua política!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sou levado a concordar com o Sr. Deputado Luís Montenegro: não sei se o Sr.
Deputado deseja que o Governo apresente tal coisa para o Sr. Deputado poder dizer «veem as maldades que
o Governo ainda vai ter de vos fazer?».
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Sr. Deputado, esqueça isso! Isso não vai acontecer!|
Mas há uma coisa que quero dizer ao Sr. Deputado: é preciso muito à-vontade para um partido que
inscreveu, quer no PEC 4, quer no Memorando de Entendimento, cortes salariais, cortes nas pensões, acusar
o Governo que está a cumprir esse Memorando de querer infligir um sacrifício excessivo aos portugueses! Sr.
Deputado, acho que é muita audácia!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Por fim, quero dizer ao Sr. Deputado que aquilo que vamos fazer no âmbito da reforma do Estado,
garantindo menos despesa pública, não é inédito. Disse há pouco, respondendo a um outro Sr. Deputado, que
esse esforço iniciou-se em 2011 e que a despesa corrente primária do Estado diminuiu todos os anos
significativamente, para além do que representou salários e pensões.
Portanto, não venha com essa cortina de fumo, Sr. Deputado! Não é possível fazer tudo ao mesmo tempo,
mas não é verdade que só agora é que vamos poder fazer essas reduções uma vez que, até aqui, andámos
apenas a cortar salários e pensões. Não é verdade, Sr. Deputado! Isso representou sensivelmente um terço
do esforço de redução da despesa.
Protestos do PS.
O Sr. Deputado quer sempre saber tudo na hora.
Sr. Deputado, tudo o que o Governo deve dizer comunica. O Governo já disse que não vai cortar em
pensões nem em salários, mas reduzir despesas com a reestruturação do próprio Estado e com um programa
importante de desmaterialização da Administração Pública.
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Diz o Sr. Deputado: «Não, isso não pode ser, isso o Governo não vai conseguir fazer. O que o Governo vai
fazer é cortar salários e pensões». Sr. Deputado, deixe de lado essa obsessão com os cortes de salários e de
pensões, porque o País já cumpriu aquilo que era necessário cumprir para que o défice que os senhores
deixaram possa ser corrigido!
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
Pausa.
Sr. Deputado, terá de aguardar um minuto até que se reponha alguma serenidade na Sala, senão a
intervenção do Sr. Deputado fica prejudicada.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr.ª Presidente, muito obrigado.
Mas também se percebe este barulho. É sempre a mesma coisa. A minha galinha é sempre pior que a da
minha vizinha. Assistimos sempre a esta discussão entre o PS e o PSD. Nunca mais saímos daqui. Ao fim de
37 anos, é muito tempo!
Nestes últimos tempos — e falamos para o Governo, que é o Governo concreto que temos —, e hoje, aqui,
temos vindo a assistir, com um certo espanto, às declarações do Sr. Primeiro-Ministro e de membros do seu
Governo que, se levadas a sério, e se não houvesse eleições, diríamos que estávamos perante uma mudança
de agulha na orientação do Executivo.
«Prioridade às políticas sociais já no imediato pós-troica» — creio que foi isto que foi dito. Já agora, Sr.
Primeiro-Ministro, quer esclarecer o que é essa coisa em concreto? Ou foi apenas um impulso para travar o
impacto daquele relatório do INE que demonstrava que, hoje, cerca de 2 milhões e 500 mil portugueses estão
numa situação de pobreza ou em risco de pobreza? Mas explicará.
Anunciou também a abertura à negociação do aumento do salário mínimo nacional. Hoje,
surpreendentemente, veio aqui dizer «não podemos, porque a troica não deixa, porque está lá escrito…»!
Então, não sabia isso antes de fazer essa declaração pública, Sr. Primeiro-Ministro?!
Disse o Sr. Primeiro-Ministro que vai haver diminuição dos impostos sobre os rendimentos do trabalho em
2016. Nessa data julgo que já não estará cá, pelo menos sentado nesse lugar, e disse também que não vai
haver cortes adicionais…
Sr. Primeiro-Ministro, eu quis dizer que já não estará cá sentado nesse lugar. Não lhe desejo mal
nenhum,…
O Sr. Primeiro-Ministro: — Muito obrigado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — … a não ser, obviamente, a sua demissão e a sua derrota, mas isso é
natural.
Risos.
Queria lembrar que estas questões e estas promessas de repente caíram por terra porque vem aí o FMI. E
na décima primeira avaliação da troica qual é a perspetiva do FMI? É essa pergunta que também gostaria de
fazer ao Sr. Primeiro-Ministro. Que compromisso é que assumiu com o FMI? É que se não o fizer julgo que
tenho o direito de interpretar que existe um jogo duplo por parte do Governo, ou seja, negoceia com o FMI e
com a União Europeia uma coisa e publicamente vem dizer aos portugueses outra coisa, totalmente diferente.
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Nesse sentido, verificamos que, resultado do relatório do INE e dessas orientações, vai haver cortes nos
salários, nas pensões e nas reformas e que estão a preparar como definitivo aquilo que era provisório e que o
Sr. Primeiro-Ministro declarou, dessa tribuna, que seria temporário.
É também verdade ou não que, nessas negociações, está prevista a liquidação da contratação coletiva?
Isto tem a ver com rendimentos e direitos dos trabalhadores! Era importante esse esclarecimento.
E pergunto-lhe ainda se, sim ou não, negociou, aceitou reduzir escandalosamente as indemnizações em
caso de despedimento ilegal. Isso está ou não negociado? É que é a partir desta clarificação, Sr. Primeiro-
Ministro, que temos de entender se este Governo assinou, subscreveu ou pactuou com o FMI medidas
profundamente gravosas para os trabalhadores, os reformados e os pensionistas.
A propósito de reformados e pensionistas, para além desta medida de continuação dos cortes, pergunto se
é ou não verdade que vai condicionar as reformas e as pensões à chamada evolução económica e
demográfica do País. Sabe o que é que está a dizer, Sr. Primeiro-Ministro? Está a dizer aos atuais e futuros
reformados e pensionistas que nunca mais vão saber com que reforma vão ficar no final das suas vidas de
trabalho. Não só lança a injustiça, como também a incerteza e a insegurança.
Sr. Primeiro-Ministro, é ou não verdade aquilo que eu disse agora, neste momento?
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, as nossas declarações
sobre a importância das políticas sociais não o deviam surpreender. Vou dizer-lhe porquê: nestes três anos de
forte ajustamento da economia e também do Estado, da despesa pública, conseguimos salvaguardar, para
não dizer salvar, o Estado social.
Julgo que o Sr. Deputado não discordará de mim se eu disser que o que põe em causa o Estado social é a
ruína financeira. Porquê? Porque a ruína financeira nunca permitiria ao Estado solver as suas
responsabilidades sociais. Portanto, o grande inimigo do Estado social não é senão a ruína financeira.
Se queremos defender o Estado social temos de defender condições de sustentabilidade da própria
disciplina pública de modo a garantir que as funções socias do Estado possam ser desempenhadas
cabalmente.
Ora, durante estes três anos, não só não tivemos nenhuma rutura social, como aumentámos em alguns
aspetos a despesa social, desde logo aquela que não é discricionária, que são os estabilizadores automáticos.
Dirão: «Melhor fora!» Com certeza, é para isso que existe Estado social, é para isso que existe uma sociedade
progressista, ao contrário do que ainda se sucede em alguns países da União Europeia que vieram do lado da
chamada «cortina de ferro» e que ainda têm mecanismos de proteção social muito incipientes.
Sr. Deputado, há países da União Europeia que garantem subsídio de desemprego durante dois meses!
Nós garantimos durante 18 meses! E não há dúvida de que o Estado teve maior despesa justamente para
proteger aqueles que estavam desempregados.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Não é verdade!
O Sr. Primeiro-Ministro: — O Estado social funcionou também quando conseguimos, ao nível da saúde,
não apenas ter melhor desempenho, como já aqui disse algumas vezes, nomeadamente em resposta ao Sr.
Deputado João Semedo, como também funcionou não só porque a produção do Serviço Nacional de Saúde
tem sido sempre superior a cada ano que passa e também porque tivemos a oportunidade de ter novas
infraestruturas de saúde e outras remodeladas. Isto apesar da racionalização que foi feita ao nível da política
do medicamento, em que beneficiaram os que tinham doenças crónicas, os mais velhos, famílias com
crianças, que pagaram muito menos em medicamentos apesar de consumirem mais.
Sr. Deputado, se isto não é política social, então o que é? Se nós garantimos que os dispositivos
automáticos funcionam para assegurar a proteção social, se nós aumentamos as transferências para a
segurança social através do Orçamento do Estado para que as pensões possam ser pagas, se nós, através do
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Programa de Emergência Social, transferimos para as famílias mais rendimentos para as poder proteger, se
isto não é defender o Estado social, é o quê?!
Portanto, Sr. Deputado, não há dúvida de que a crise afeta todos, e não afeta todos da mesma maneira.
Mas que má caricatura é dizer que está em causa o nosso Estado social devido às respostas que
adotámos! Sr. Deputado, o Estado social esteve em risco em 2011, não em 2014.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Deputado colocou-me algumas perguntas que me pareceram ser mais objetivas quanto às questões
dos compromissos com o FMI ou com a troica, nomeadamente a pergunta relativa à negociação coletiva.
Creio já ter tido ocasião de explicitar que os mecanismos de negociação coletiva não podem deixar de
estar ligados, via representatividade dos acordos nas portarias de extensão, a critérios objetivos que tornem
estes mecanismos eficazes e eficientes. Mas é verdade que se reconheceu, depois das alterações que foram
introduzidas, que houve alguma rigidez excessiva e que é preciso dinamizar a contratação coletiva, o que foi
assumido pela própria troica. E nós comprometemo-nos, no âmbito da 11.ª avaliação, a apresentar soluções
que permitam, sem ferir a representatividade que é preciso garantir para estender essa contratação coletiva,
criar alguma flexibilidade que seja dinamizadora da contratação coletiva.
Portanto, Sr. Deputado, sim, estamos comprometidos em procurar encontrar mecanismos de flexibilização
da negociação coletiva.
Quanto às indeminizações por despedimento ilegal, como também já tive ocasião de esclarecer essa
questão foi suscitada pela troica e nós comprometemo-nos a debatê-la em sede de concertação social. Não há
nenhuma dúvida de que o despedimento ilegal não poderá deixar de ser discriminado negativamente face ao
despedimento legal.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas isso tem a ver com o valor da indeminização!
O Sr. Primeiro-Ministro: — A questão que se põe é a de saber se a arbitragem que existe face ao valor
entre indeminização por despedimento ilegal e por despedimento legal deve ou não ser reduzida, por isso
comprometemo-nos, no seio da concertação social, a fazer esta avaliação também. Não há ainda um
resultado final, mas espero que possa ser obtido rapidamente.
Finalmente, o Sr. Deputado perguntou se vou ou não condicionar as pensões, no futuro, à economia e à
demografia. Sr. Deputado, as pensões já estão condicionadas à demografia. Como sabe, o fator de
sustentabilidade garante, já hoje, que o valor da pensão esteja relacionado com a sustentabilidade e, portanto,
com a demografia.
Perguntará o Sr. Deputado: «E quanto à performance da economia?». Não digo que não, Sr. Deputado,
mas não é uma medida que esteja, nesta altura, fechada e construída. Nessa medida, não lhe posso
responder mais cabalmente. Admito o princípio, mas não é uma matéria que esteja, nesta altura, encerrada.
Perguntará também: «Então, porque falam disso?». É muito simples, Sr. Deputado: é por razões de
transparência, isto é, para evitar aquilo que muitas vezes alguns Srs. Deputados não se coíbem de querer
fazer, que é criar a ideia de que uma coisa é o que se negoceia às claras, outra coisa é o que se negoceia às
escondidas. Ora, não há nada escondido, todas as considerações que a troica tem a fazer escreve e publicita.
Umas vezes estamos de acordo, outras vezes não estamos; umas vezes chegamos a entendimento no review
seguinte, outras vezes não chegamos. É assim, Sr. Deputado.
Mas, apesar de tudo, não podemos deixar de enaltecer essa transparência que permite ao Sr. Deputado
formular tais questões.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
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O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, serve-nos pouco de consolo
essa transparência. O nosso problema é a concretização dessas medidas, que acabam por atingir aqueles que
trabalham ou trabalharam a vida inteira. Esse é que o problema, Sr. Primeiro-Ministro.
De facto, vivemos em dois mundos diferentes. O Sr. Primeiro-Ministro valorizou a política de apoios sociais
e até falou da saúde. Então, Sr. Primeiro-Ministro, não ouviu as notícias de hoje, por exemplo, que davam
conta de que no Hospital de Santa Maria se esgotaram medicamentos para a aterosclerose por falta de stock?
Não ouviu a notícia de que no IPO (Instituto Português de Oncologia) os médicos não puderam operar porque
não tinham batas? Temos conhecimento de muitos hospitais que não têm seringas, sem meios básicos para
realizar as suas funções!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Vai dizer-me: «Pois,…»… Mas reduzimos os custos à custa de quê e
à custa de quem, Sr. Primeiro-Ministro? É por isso que vivemos, de facto, em mundos diferentes.
Que apoios sociais são esses quando se sabe que metade dos desempregados não têm nenhum apoio
social, Sr. Primeiro-Ministro? E como é que justifica a bondade da sua política quando hoje, em Portugal,
temos mais de 2 milhões e 500 mil portugueses pobres ou em risco de pobreza e em que há quem trabalhe e
tem de ir para uma fila pedir alimentos, porque o dinheiro não chega para nada, ou seja, são explorados e
empobrecem?
Por isso, temos, de facto, dois mundos diferentes. Mas deixe que seja a realidade a decidir por nós. E a
realidade é bem diferente daquilo que aqui disse.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra, pelo Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado João Semedo.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr.
Primeiro-Ministro, é minha convicção que o Estado social são as novas gorduras do período que se segue ao
fim do Programa de Ajustamento. É exatamente sobre isso que quero fazer a minha interpelação.
O Secretário de Estado da Saúde fez publicar uma portaria que transforma o Serviço Nacional de Saúde,
mais concretamente a rede hospitalar, numa caricatura do que é, atualmente, a rede hospitalar.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Uma vergonha!
O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Primeiro-Ministro, queria colocar-lhe três simples questões.
Primeira: tinha conhecimento da intenção de publicar esta portaria?
Segunda: conhece a portaria?
Terceira: considera que a rede hospitalar do SNS pode ser alterada, mudada, reformada, chame-lhe o que
lhe chamar, por portaria e não por um decreto do Governo?
Eram estas as três perguntas que queria colocar.
Aplausos do BE.
A Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Semedo, o Estado social não é gordura a
atacar no pós-troica, como não o foi nestes três anos. Pelo contrário, Sr. Deputado — insisto —, o que nós
fizemos foi, no essencial, defender o nosso modelo de sociedade e a nossa opção de nos mantermos como
um país membro da zona euro e da União Europeia. Isso tem representado, ao longo dos anos, uma
constante das opções que os portugueses vêm fazendo, e nessa medida, até, já que estamos a dois dias de
assinalar os 40 anos do 25 de Abril, de alguma forma também o grande sonho que foi acalentado desde 25 de
abril de 1974: a possibilidade de Portugal ter uma economia social de mercado ao nível das economias mais
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avançadas da Europa, com um Estado social que pudesse corresponder a um nível de progresso social como
nós não tínhamos conhecido em dezenas de anos anteriores.
Portanto, Sr. Deputado, o que nós estivemos também a fazer nestes três anos foi, justamente, a defender
esse modelo de sociedade, esse sonho importante que os portugueses acalentaram e que é justificado e por
que vale a pena lutar.
O Serviço Nacional de Saúde, bem como a segurança social ou a escola pública, ao contrário daquilo que
foi a demagogia de muitos dos partidos da oposição ao longo destes três anos, foram defendidos pela política
de saneamento financeiro levada a cabo, garantindo que as funções essenciais eram plenamente garantidas
pela função social do Estado. E isso aconteceu, Sr. Deputado!
Pergunta-me o Sr. Deputado: «Bem, mas isso significa que temos de deixar tudo como estava?» Não, Sr.
Deputado, há muitos anos que, em Portugal, vimos procurando melhorar, racionalizar essa rede pública,
justamente para que ela seja sustentável.
Não é património de nenhum governo em especial; vários governos, desde há muitos anos, vêm fazendo
reformas no sentido de que, quer a escola pública, quer os cuidados diferenciados, quer os cuidados primários
possam ter sempre, dentro do plano de fundo da segurança social alargada, do Estado social alargado, uma
função preservada que o Estado possa garantir.
Quero dizer-lhe que eu não conhecia nem sabia da intenção de publicar esta portaria com a reorganização
hospitalar, mas, Sr. Deputado, isso não tem nenhum drama particular, porque não está na minha função de
Primeiro-Ministro conhecer todas as portarias que o Governo publica.
Protestos do BE.
Mas, Sr. Deputado, há uma coisa que sabemos e que, como Primeiro-Ministro, não deixarei de defender:
nós precisamos de prosseguir um esforço de transformação também ao nível dos cuidados diferenciados,
portanto, da rede hospitalar, que, tal como essa portaria exara, tenha de ter uma reestruturação das valências
essenciais de algumas das especialidades.
Assim, essa portaria não faz mais do que determinar as linhas gerais que serão seguidas pelo Governo
nessa reorganização e não fecha essa reorganização.
Portanto, tenho a certeza que o Sr. Deputado, como membro da Comissão de Saúde — creio que também
faz parte dessa Comissão —, terá ocasião de questionar o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado da Saúde
sobre, mais do que essas intenções, o calendário e o programa dessa reorganização. E, Sr. Deputado, pode
ter a certeza que a reorganização vai fazer-se justamente para garantir que possam ser prestados melhores
serviços.
Deixe-me dar-lhe um exemplo que, acho, funciona bem para ilustrar o que acabei de dizer: nós fizemos
uma fusão dos hospitais de Coimbra que, nos termos dos detratores da racionalização do sistema, iria
corresponder a um desastre. Ora, essa fusão foi a que mais premiada foi e onde os cuidados diferenciados de
saúde melhor prosseguiram, justamente a seguir a essa fusão dos hospitais em Coimbra.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado João Semedo, tem a palavra.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, vamos ver se nos entendemos: em
primeiro lugar, o ponto importante é o Sr. Primeiro-Ministro não ter uma palavra crítica para um ministro do seu
Governo que anuncia uma primeira pedra na reforma dos hospitais do SNS através de uma portaria e o Sr.
Primeiro-Ministro achar isto normal.
Em segundo lugar, outro ponto importante, é que não é como o Sr. Primeiro-Ministro diz «umas linhas
gerais».
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!
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O Sr. João Semedo (BE): — O que ali está, preto no branco, são, entre outras coisas, as seguintes:
cirurgia para crianças apenas em Lisboa, Porto e Coimbra; maternidades, serviços de obstetrícia e partos as
mulheres terão apenas possibilidade de os fazer, em meio hospitalar, em 10 hospitais; dois dos melhores
serviços — arrisco dizê-lo — em Portugal e na Europa, sofisticadíssimos, desenvolvidíssimos, que demoraram
décadas a construir são, pura e simplesmente, banidos, e refiro-me à cirurgia cardiotorácica em Gaia e em
Santa Cruz.
O Primeiro-Ministro acha que isto são «linhas gerais»? Pois eu acho que isto são propostas muito
concretas, vontades muito concretas. E mais, Sr. Primeiro-Ministro: este é o seu modelo de sociedade? Um
modelo de Serviço Nacional de Saúde em que para coisas tão elementares como sejam uma intervenção
cirúrgica numa criança ou um parto de uma mulher apenas se possa escolher meia dúzia de cidades? Este é o
seu modelo de sociedade?!
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, insisto dizendo-lhe que a portaria define as
linhas gerais dessa reorganização e, aliás, o próprio Ministro já afirmou que se trata de um ponto de partida e
não de um ponto de chegada…
O Sr. João Semedo (BE): — Isso é uma vergonha!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Deputado, algumas destas matérias resultaram de trabalhos que estão
publicados em relatório e disponíveis para debate público.
O Sr. Deputado sabe, porque já tem participado nessas discussões, que algumas destas matérias têm
vindo a ser estudadas por especialistas há bastante tempo e têm vindo a ser publicamente debatidas.
Portanto, se o próprio Governo determina que este é um ponto de partida e não de chegada e que as linhas
gerais serão agora para debater, por que razão quer o Sr. Deputado fechar esta reforma numa portaria quando
o próprio Governo não tem essa intenção?! Sr. Deputado, não há essa intenção!
Aplausos do PSD e do CD-PP.
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado João Semedo, tem a palavra.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr.ª Presidente, agora entro em modo de monólogo, porque o Sr. Primeiro-
Ministro, como é, aliás, habitual, já esgotou o tempo de que dispunha.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, não é tão simples como o senhor quer fazer crer.
Em primeiro lugar, porque o senhor já falou mais sobre esta pretensa reforma do Serviço Nacional de
Saúde do que o Ministro da Saúde que está caladinho e ninguém o ouve!
Mais: não é por falta de oportunidades, porque quer o Partido Socialista quer o Bloco de Esquerda
apresentaram propostas de audição do Sr. Ministro. O que é que lhes aconteceu? O PSD e o CDS
reprovaram-nas.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!
O Sr. João Semedo (BE): — Aliás, o Grupo Parlamentar do PCP teve de recorrer a um requerimento
potestativo para se ouvir o Sr. Ministro falar sobre esta matéria.
E mais: ficámos hoje a saber que o Sr. Ministro da Saúde não pode vir a essa audição enquanto estiver cá
a troica, porque tem muitas reuniões,…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Isso é mentira!
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O Sr. João Semedo (BE): — … o que, além de mais, também é absolutamente fantástico. Como é que o
Gabinete do Ministro dá esta resposta!? Ou seja, o Ministro não pode vir a uma audição parlamentar. Como se
a fiscalização não fosse feita pelos Deputados eleitos pelo povo mas, sim, pelos membros da troica que, como
sabemos, não têm qualquer legitimidade eleitoral!
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, não é tão simples como quer fazer crer.
Aliás — e com isto termino —, queria dizer-lhe o seguinte: na hora da despedida, a troica não vai ter mais
encanto! Bem pelo contrário, o que já percebemos, pela décima primeira avaliação e pelas reuniões que,
entretanto, já foram feitas nesta última avaliação, é que não vai ter mais encanto; vai ter mais exigências, mais
imposições, mais cortes!…
Quando nós ouvimos a Ministra das Finanças anunciar novos cortes, que são sempre nas despesas
intermédias — isto porque, quando o Sr. Primeiro-Ministro, na altura, fazia a sua campanha eleitoral e falava
nas «gorduras», o que se verificou foi que esses cortes vieram a recair nos salários, nas pensões e nos
subsídios dos trabalhadores da Administração Pública —,…
O Sr. Primeiro-Ministro: — Não é verdade!
O Sr. João Semedo (BE): — … o que constatamos é que temos uma segunda geração de «gorduras» que
tem um nome: Estado social, Serviço Nacional de Saúde, hospitais. E esta portaria não é ingénua, nem no
conteúdo nem no momento em que ela é publicada. Ela vem responder a uma exigência de transformar o
Serviço Nacional de Saúde, de transformar o Estado social numa caricatura e numa miniatura.
Sr. Primeiro-Ministro, pode ter a certeza de que não terá apenas a oposição do Bloco de Esquerda; terá a
oposição da esmagadora maioria dos portugueses, se o Governo levar por diante esta intenção de desagregar
o Estado social e de destruir o Serviço Nacional de Saúde.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — A Mesa regista a inscrição do Sr. Ministro da Presidência e dos Assuntos
Parlamentares para uma interpelação à Mesa.
Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Guedes): — Sr.ª
Presidente, é para que fique claro — e peço à Mesa que esclareça se é ou não verdade — que a questão
suscitada agora pelo Sr. Deputado João Semedo relativamente à vinda do Sr. Ministro da Saúde à Comissão
teve por base um requerimento apresentado na segunda-feira, pedindo que o Sr. Ministro viesse no dia
seguinte ao Parlamento, e que esta matéria foi discutida hoje, na Comissão de Saúde, tendo ficado assente
que o Sr. Ministro virá no próximo dia 30.
Vozes do PCP: — Hoje, não!
O Sr. Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares: — Portanto, se isto é assim, convém que
a informação seja passada por inteiro e que não fique no ar a ideia, errada, de que o Sr. Ministro da Saúde se
recusa a vir à Comissão de Saúde, porque isso, pura e simplesmente, não é verdade.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, respondendo ao Sr. Ministro, o esclarecimento sobre essa questão
poderá ser feito pela Presidente da comissão parlamentar competente e não diretamente pela Mesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.
O Sr. João Semedo (BE): — Sr.ª Presidente, como tenho ainda alguns segundos, quero dizer ao Sr.
Ministro que não foi isso que eu disse. Eu não disse que o Ministro da Saúde se recusava a prestar
esclarecimentos. O que eu disse foi que o Sr. Ministro da Saúde, perante aquele requerimento (requerimento
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potestativo) para uma audição, invocou a presença da troica e as muitas reuniões que tinha para só poder vir
cá depois do dia 3 ou do dia 4 de maio.
Ora, eu acho absolutamente inaceitável que um ministro da República possa invocar a presença da troica
em Portugal para não vir fazer uma coisa tão simples como é responder na comissão parlamentar.
Aplausos do BE.
Protestos do PSD.
A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta, que será a última desta tarde, é de Os Verdes.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (OS Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, julgo que tem de ficar muito
claro neste debate o seguinte: o então Ministro Vítor Gaspar, em 2011, disse que os cortes salariais eram
«temporários» — aliás, foi esta a expressão que utilizou — e, mais, que esses cortes existiriam durante a
vigência do programa de ajustamento. Ou seja, Sr. Primeiro-Ministro, esses cortes estariam agora a acabar.
Ora, quando o Sr. Primeiro-Ministro diz que estes cortes vão continuar, ou, agora, no novo palavreado do
Primeiro-Ministro, que vão ser substituídos por outros cortes, é preciso que fique claro que o Governo está a
adicionar austeridade e a adicionar cortes, porque está a prolongá-los no tempo.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, mais uma vez, lhe digo: não vale a pena brincar com as palavras! O que
vale bem a pena é ter noção de que as pessoas vão continuar com menos dinheiro no bolso.
Sr. Primeiro-Ministro, o que aconteceu aqui, hoje, relativamente às declarações que fez sobre o salário
mínimo nacional também é muito paradigmático da atitude do Governo.
Veja bem que o Sr. Primeiro-Ministro começou por dizer que não houve aumento do salário mínimo
nacional porque a troica não deixava. Coitado do Governo! Parece até que tanto queria, mas a troica não
deixava!…
Confrontado com declarações anteriores, contraditórias com estas que aqui proferiu, veio, afinal, o Sr.
Primeiro-Ministro, numa segunda intervenção, dizer que considerava mesmo errado o aumento do salário
mínimo nacional.
Parece que agora, como se aproximam eleições, o Primeiro-Ministro já é favorável ao aumento do salário
mínimo nacional, dizendo até que ele deve aumentar de facto, porque até já devia ter aumentado!…
A pergunta que quero fazer é a seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro prepara-se para aumentar o salário
mínimo nacional e depois retirar, por outro lado, por via de suplementos remuneratórios, de horas
extraordinárias ou da facilitação do desemprego aos mesmos trabalhadores?!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Boa pergunta!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ou seja, prepara-se para dar com uma mão e retirar
imediatamente com duas?!
Sr. Primeiro-Ministro, hoje, quero também colocar-lhe a questão do amianto, naturalmente. Passaram os
dois meses que o Sr. Primeiro-Ministro disse que eram necessários para concluir a listagem — onde é que
eles já lá vão!… — e eu quero hoje, Sr. Primeiro-Ministro, que me dê a listagem dos edifícios públicos com
amianto.
Vozes do PCP: — Muito bem!
A Sr.ª Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, nós, a cada passo, nestes
debates, voltamos invariavelmente às mesmas questões…
Vozes do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes: — Ah, pois! Claro!
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O Sr. Primeiro-Ministro: — … e, portanto, não irá surpreender-se que a minha resposta seja a mesma:
sim, Sr.ª Deputada, as medidas são transitórias! Sim, Sr.ª Deputada, as medidas são transitórias! Sim, Sr.ª
Deputada, tal como o próprio Tribunal Constitucional reconheceu no seu acórdão, ser transitório não significa
que dure um ano,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Há três anos! Três anos!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … significa que são transitórias. Estas medidas serão substituídas por
medidas duradouras, que terão uma natureza diferente destas medidas transitórias.
Vozes do PCP: — Oh…!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Em primeiro lugar, porque as medidas que estão agora em vigor têm uma forte
progressividade que incide sobre a tabela salarial da função pública, provocando um enviesamento dessa
tabela salarial que não é favorável ao desenvolvimento da própria Administração.
Portanto, se é verdade, como já referi, que não podemos simplesmente de um ano para o outro remover
essas medidas, também é verdade que vamos progressivamente retirando essas entorses e que não
deixaremos de libertar as progressões na função pública, que não deixaremos de colocar prémios de
desemprenho, e por aí fora.
O Governo comprometeu-se a apresentar perante a troica, até ao final desta avaliação, os termos precisos
em que isso vai ocorrer e serão também apresentados ao País, Sr.ª Deputada. Não será «o último grito» das
medidas, porque não há nenhuma medida que não tenha a possibilidade de ser aperfeiçoada, mas os
portugueses ficarão a conhecer quais são as linhas gerais dessa evolução.
Portanto, Sr.ª Deputada, deixe-me dizer-lhe: não insista em meter medo às pessoas com isso. Por que
razão os Srs. Deputados estão sempre a acrescentar medo junto dos portugueses?
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Quanto ao salário mínimo nacional, Sr.ª Deputada, não vou dar com uma mão e tirar com a outra.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Eu nunca disse que o salário mínimo nacional já deveria ter sido revisto. Eu
nunca disse tal coisa, Sr.ª Deputada. Não sei onde é que ouviu tal coisa. No ano passado, eu disse que, em
2014, discutiríamos essa matéria com a concertação social. Disse-o no ano passado e vamos fazê-lo. E
vamos discuti-la nos termos que eu já aqui referi. Portanto, Sr.ª Deputada, não há aqui nada escondido.
Sobre a questão do amianto, ficámos de concluir, em termos setoriais, o respetivo levantamento
sensivelmente até final deste mês — isso é inteiramente verdade, confirmo, de resto essa informação circulou
do meu Gabinete para todos os grupos parlamentares — e, até ao verão, ficámos de recolher o plano de
ataque e de ação proposto pela autoridade do trabalho para garantir que os planos de intervenção decorrerão
em função dos graus de exigência, de prioridade, se quiser, de perigosidade, das situações. Portanto, repito,
isso acontecerá até ao verão.
Terei muito gosto em fazer chegar à Sr.ª Deputada e a todos os grupos parlamentares informação interina
que foi garantida, com o levantamento setorial que foi realizado, e até ao verão, conforme ficou destinado,
divulgar os planos de ação.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, tem a palavra.
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I SÉRIE — NÚMERO 76
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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, já percebi que tem um
grande à-vontade na Assembleia da República. Gostava de saber se tem o mesmo à-vontade com a troica e
se se vira para ela e diz assim: «Não andem a meter medo aos portugueses! Não façam alarmismo social
quando dizem que não querem o aumento do salário mínimo nacional». Diz isto, Sr. Primeiro-Ministro? Ou
com a troica é só subserviência?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — A senhora nem imagina!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Primeiro-Ministro, é preciso ver o que, de facto, mete medo
aos portugueses. E o que mete medo aos portugueses são estas políticas hediondas de austeridade que não
têm fim à vista e o senhor não lhes põe fim. Diz que são para continuar, que vai substituir, vai dar-lhes outro
nome, mas o que os portugueses percebem é que o seu bolso vai continuar vazio. Ora, é o País e a economia
que perdem com isso.
Sr. Primeiro-Ministro, quanto ao envio de informação sobre o amianto, já me fez essa promessa num
debate anterior e, olhe, eu não recebi rigorosamente nada. Porém, quando o Sr. Primeiro-Ministro me pede
para enviar alguma coisa, eu envio sempre. Como vê, a palavra é diferente!!
Sr. Primeiro-Ministro, hoje, deveria ter consigo a listagem setorial, global, dos edifícios públicos que contêm
amianto. Eu, na altura, não lhe pedi qualquer data, mas o senhor deu-a voluntariamente e disse assim:
«Estamos em condições de, daqui a dois meses, dar essa lista». Caso não se lembre, a Lei n.º 2/2011 obriga
à divulgação dessa lista e, entretanto, ao que parece, o Sr. Ministro da Educação já referiu publicamente que
não tem lista. Isto está perigoso, Sr. Primeiro-Ministro! Está perigosa a palavra do Governo! Nós queremos a
listagem dos edifícios públicos com amianto e não vamos ficar à espera até ao verão de um plano de ação,
quando nem a listagem existe.
Para além disso, o Sr. Primeiro-Ministro tinha-se comprometido a que, também num prazo de dois meses,
os trabalhadores da Direção-Geral de Energia e Geologia já não estariam naquelas instalações, já se teriam
mudado.
Quero perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro para onde é que mudaram. Isto porque, por acaso, tive o cuidado
de telefonar ontem aos trabalhadores e eles disseram que não se fala de alteração alguma de instalações,
nunca mais se falou de nada e não sabem de nada.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, desculpe a sinceridade mas, mais uma vez, o Governo mentiu.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, terminado o debate quinzenal com o Primeiro-Ministro, resta-me
desejar ao Sr. Primeiro-Ministro e aos restantes membros do Governo bom trabalho.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, com início às 15 horas, e terá a seguinte ordem do dia:
debate, da iniciativa do PSD, sobre a reforma do ordenamento do território e a titularidade dos recursos
hídricos, em conjunto, na generalidade, com o projeto de lei n.º 557/XII (3.ª) — Procede à segunda alteração à
Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos (PSD e CDS-PP),
seguindo-se votações regimentais no final do debate.
Desejo a todos uma boa tarde.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 56 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.