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Sexta-feira, 30 de maio de 2014 I Série — Número 88

XII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2013-2014)

REUNIÃOPLENÁRIADE29DEMAIODE 2014

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz

S U M Á R I O

A Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 6

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa do projeto de lei n.

os

619/XII (3.ª), do projeto de resolução n.os

1057/XII (3.ª) e, ainda, da caducidade do processo relativo à apreciação do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, que regulamenta a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais [apreciações parlamentares n.

os 81/XII (3.ª) (PCP)], dado

todas as propostas de alteração apresentadas em sede de especialidade terem sido rejeitadas.

Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.

os 222/XII (3.ª) — Procede à primeira

alteração à Lei de Defesa Nacional, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho, e 223/XII (3.ª) — Procede à primeira alteração à Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de julho, e dos projetos de lei n.

os 374/XII (2.ª) — Atribui à Assembleia da República a

competência para a aprovação das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (Primeira alteração

à Lei n.º 31-A/2009, de 7 de julho, que aprova a Lei da Defesa Nacional) (PCP) e 538/XII (3.ª) — Regula o processo de decisão e acompanhamento do envolvimento de contingentes das Forças Armadas ou de Forças de Segurança Portuguesas em operações militares fora do território nacional (Primeira alteração à Lei n.º 31-A/2009, de 7 de julho) (PCP). Usaram da palavra, a diverso título, além do Ministro da Defesa Nacional (José Pedro Aguiar Branco), os Deputados Luís Fazenda (BE), André Pardal (PSD), António Filipe (PCP), José Luís Ferreira (Os Verdes), Marcos Perestrello (PS), António Prôa (PSD), João Rebelo (CDS-PP) e Nuno Sá Costa e Mónica Ferro (PSD).

Foi debatida, na generalidade, a proposta de lei n.º 221/XII (3.ª) — Autoriza o Governo a introduzir disposições de natureza especial em matéria de regime das contraordenações, no contexto da criação de um regime excecional e extraordinário de regularização a aplicar aos estabelecimentos industriais, explorações pecuárias, explorações de pedreiras e explorações onde se realizam operações de gestão de resíduos, por motivo de desconformidade com os planos de ordenamento do território vigentes ou com servidões administrativas e

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restrições de utilidade pública. Intervieram, a diverso título, além do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza (Miguel de Castro Neto), os Deputados João Ramos (PCP), Eurídice Pereira (PS), Pedro Filipe Soares (BE), Adriano Rafael Moreira (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e José Lino Ramos (CDS-PP).

Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 220/XII (3.ª) — Estabelece os termos da inclusão de combustíveis simples nos postos de abastecimento para consumo público localizados no território continental, em função da respetiva localização geográfica, bem como obrigações específicas de informação aos consumidores acerca da gasolina e do gasóleo rodoviários disponibilizados nos postos de abastecimento e do projeto de lei n.º 486/XII (3.ª) — Introduz medidas de transparência e antiespeculativas na formação dos preços de combustíveis (BE), tendo proferido intervenções o Secretário de Estado da Energia (Artur Trindade) e os Deputados Mariana Mortágua (BE), Rui Paulo Figueiredo

(PS), Nuno Filipe Matias (PSD), Hélder Amaral (CDS-PP) e Bruno Dias (PCP).

A Câmara procedeu ainda à discussão, na generalidade, do projeto de lei n.º 548/XII (3.ª) — Aprova o regime do fornecimento, pelos agentes económicos, de sacos de plástico destinados a serem utilizados para carregar e transportar as mercadorias adquiridas pelos consumidores finais no comércio a retalho, implementando o sistema de desconto mínimo, com vista a reduzir a utilização massiva daquele tipo de sacos e a encorajar a sua reutilização (PS) conjuntamente com o projeto de resolução n.º 1056/XII (3.ª) — Redução e destino adequado de sacos de plástico (Os Verdes), tendo usado da palavra os Deputados Pedro Farmhouse (PS), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Maria José Castelo Branco (PSD), Pedro Morais Soares (CDS-PP), Helena Pinto (BE) e Miguel Tiago (PCP).

O Presidente (Ferro Rodrigues) encerrou a sessão eram 18 horas e 19 minutos.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Sr.ª Secretária de Estado dos

Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Defesa Nacional — a quem

cumprimento —, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 6 minutos.

Os Srs. Agentes da autoridade podem abrir as galerias, por favor.

Antes de iniciarmos a ordem do dia de hoje, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para proceder à leitura do

expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram

admitidos o projeto de lei n.º 619/XII (3.ª) — Quarta alteração à Lei sobre a publicação, a identificação e o

formulário dos diplomas, Lei n.º 74/98, de 11 de novembro (PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes) e o

projeto de resolução n.º 1057/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo o que cumpra o acordo sobre o aumento do

salário mínimo antes impedido pelo Memorando da troica (BE).

Recebemos, ainda, um ofício da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,

informando que foram rejeitadas na reunião da Comissão todas as propostas de alteração, apresentadas pelo

PCP, no âmbito da apreciação parlamentar n.º 81/XII (3.ª) (PCP), referente ao Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27

de março, que regulamenta a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), e

estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais, pelo que se considera

caduco o processo de apreciação parlamentar.

Em termos de expediente, é tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, como primeiro ponto da nossa ordem do dia, temos a discussão

conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os

222/XII (3.ª) — Procede à primeira alteração à Lei de

Defesa Nacional, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho, 223/XII (3.ª) — Procede à primeira

alteração à Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-

A/2009, de 7 de julho, e dos projetos de lei n.os

374/XII (2.ª) — Atribui à Assembleia da República a

competência para a aprovação das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (Primeira

alteração à Lei Orgânica n.º 1-B/2009 de 7 de julho) (PCP) e 538/XII (3.ª) — Regula o processo de decisão e

acompanhamento do envolvimento de contingentes das Forças Armadas ou de Forças de Segurança

Portuguesas em operações militares fora do território nacional (Primeira alteração à Lei n.º 31-A/2009, de 7 de

julho) (PCP).

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional (José Pedro Aguiar Branco): — Sr.ª Presidente da Assembleia da

República, Sr.as

e Srs. Deputados: Os recentes acontecimentos no panorama estratégico internacional, em

particular a crise na Ucrânia, vêm comprovar que o ambiente estratégico é, por natureza, complexo e

composto por um espectro alargado de fatores suscetíveis de, direta ou indiretamente, afetarem a segurança

de um País como o nosso.

É por esta razão que o Governo tem vindo a trabalhar com o objetivo de Portugal dispor de umas Forças

Armadas com elevados níveis de prontidão e equipadas para todo o espetro de ameaças que grassam na

atualidade.

O Conceito Estratégico, aprovado em março do ano passado, identificou, na vertente das «ameaças e

riscos», situações como a da Ucrânia.

Expressa-se nesse Conceito, claramente, a possibilidade do aparecimento de «conflitos regionais, como

resultado, nomeadamente, da afirmação hegemónica de potências em zonas estratégicas de elevada

conflitualidade ou de separatismos, com potencial impacto nos equilíbrios regionais e globais.»

Este facto atesta, que estávamos certos quando identificámos a necessidade de rever o Conceito

Estratégico de Defesa Nacional de 2003, apesar de tal não constar no Programa do Governo.

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Mas o Conceito Estratégico veio confirmar também a oportunidade da reforma estrutural da defesa

nacional, que se projeta até 2020, e cujos efeitos terão um alcance e extensão com impacto nas atuais bases

da organização e funcionamento da defesa nacional.

Unificando as linhas de ação prioritárias do vetor estratégico — «Exercer soberania, neutralizar ameaças e

riscos à segurança nacional» —, a reforma estrutural na defesa nacional e nas Forças Armadas, reforça

igualmente as orientações fundamentais da política de defesa nacional, previstas no Programa do Governo,

designadamente a necessidade imperiosa de «adaptar e racionalizar estrutura» e de «rentabilizar meios e

capacidades».

Neste sentido, a Resolução de Conselho de Ministros n.º 26/2013 estabeleceu as principais orientações

para a execução da reforma «Defesa 2020».

Através de uma diretiva ministerial, foi operacionalizada a reforma, identificadas as tarefas, definidas as

responsabilidades pela sua execução e estabelecidos prazos e mecanismos de articulação.

Fixámos como prioritário, no âmbito da reorganização da macroestrutura da defesa nacional e das Forças

Armadas, a revisão da Lei de Defesa Nacional (LDN) e da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças

Armadas, a chamada LOBOFA, sendo esta a razão da minha presença aqui, no Parlamento.

Gostaria, assim, no que diz respeito à Lei de Defesa Nacional, de realçar a principal alteração do projeto

apresentado: o reforço das competências do CEMGFA (Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas)

para a Direção Estratégico-Militar das Forças Armadas.

Este reforço de competências é materializado com base em dois aspetos determinantes: primeiro, a

dependência hierárquica dos chefes de estado-maior dos ramos relativamente ao Chefe do Estado-Maior-

General das Forças Armadas, passando este a ser o único interlocutor do Ministro da Defesa Nacional nas

matérias relativas à capacidade de resposta das Forças Armadas, nomeadamente na prontidão, emprego e

sustentação da componente operacional do sistema de forças, sem que, no entanto, sejam afetadas as

competências atuais dos chefes dos ramos; segundo, a alteração do papel do Conselho de Chefes de Estado-

Maior, que passa a ser o principal órgão militar de carácter coordenador e o órgão de consulta do CEMGFA

sobre as matérias relativas às Forças Armadas no âmbito das suas competências.

A Assembleia da República vê também reforçado o seu papel em matérias de defesa nacional,

privilegiando-se um maior envolvimento e participação do Parlamento na elaboração do Conceito Estratégico

de Defesa Nacional através do debate e votação das suas grandes opções.

Pretende-se, igualmente, atribuir ao Parlamento uma intervenção acrescida no que diz respeito ao

envolvimento de contingentes ou forças militares no estrangeiro, através da apreciação, nesta Assembleia, da

decisão do Governo que lhe será comunicada previamente.

Faz todo o sentido que o órgão representativo por excelência possa debater e participar mais ativamente

naqueles que são os pilares da política de defesa nacional.

Ainda no que diz respeito a esta Lei, procedeu-se à revisão da capacidade eleitoral passiva dos militares. A

atual norma, pela sua utilização desvirtuada, permite que, a coberto de um pretenso desempenho de funções

políticas, transitem para a situação de reserva militares que estatutariamente não reúnem condições para o

efeito.

Pretende-se, também, dignificar com esta alteração a própria condição militar ancorada na permanente

dedicação e disponibilidade para o serviço.

Acreditamos, ainda, que a natureza da condição militar e o reforço do prestígio desta exige uma

equidistância no que diz respeito à atividade político-partidária.

Por sua vez, e no que toca à LOBOFA, este diploma, em linha com a Lei de Defesa Nacional, materializa o

reforço das competências do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas como responsável pelo

planeamento e implementação da estratégia militar operacional, tendo na sua dependência hierárquica os

chefes de estado-maior dos ramos.

Na sequência destas competências acrescidas, destaco: a adaptação da estrutura do Estado-Maior-

General das Forças Armadas, com a preocupação de a simplificar; e, ainda, a explicitação clara da atribuição

ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas da responsabilidade de garantir as condições de

funcionamento do ensino superior militar e do sistema de saúde militar.

Posso, assim, afirmar que, enquanto a proposta de lei de defesa nacional atende aos objetivos de

incrementar as competências do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e de realinhar os

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mecanismos de articulação e coordenação entre o EMGFA e os ramos, a proposta de LOBOFA, garante a

adequação estrutural das Forças Armadas, proporcionando, assim, o redimensionamento e a racionalização

destas estruturas, com efetivos ganhos de eficiência e de eficácia face aos orçamentos presentemente

disponíveis.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Menos de duas semanas depois do fim do programa de

ajustamento financeiro, a que Portugal esteve sujeito nos últimos anos, apresentamos hoje, na Assembleia da

República, a primeira parte do caderno legislativo da defesa nacional.

O Sr. António Filipe (PCP): — Agora é que é!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Nos próximos meses faremos chegar ao Parlamento a Lei de

Programação Militar e a Lei de Programação de Infraestruturas Militares. Um caderno legislativo que vai

acompanhar a defesa nacional na próxima década e a que se juntam as novas leis orgânicas do Ministério, do

Estado-Maior-General das Forças Armadas, dos três ramos das Forças Armadas, bem como os documentos

estruturantes do planeamento estratégico.

Isto não quer dizer que estejamos particularmente rápidos a produzir legislação, mas tem um significado —

aliás, tem vários significados: significa, em primeiro lugar, que não podemos ficar com os louros deste

trabalho.

O caderno legislativo que apresentamos hoje ao Parlamento não foi feito no Gabinete do Ministério; pelo

contrário, foi preparado, articulado e consensualizado com as chefias militares num trabalho conjunto que se

iniciou há mais de dois anos.

Significa, ainda, que tomámos opções claras para a política de defesa nacional.

Contrapusemos às limitações orçamentais, algo que as Forças Armadas poucas vezes tiveram, aquilo a

que se chama «estabilidade orçamental».

E significa, sobretudo, que o pós-troica da defesa nacional foi preparado durante a troica de forma

conscienciosa e realista.

Este é o espírito da reforma «Defesa 2020». Um ambicioso plano estrutural para reorganização da

macroestrutura da defesa nacional e das Forças Armadas e o seu aperfeiçoamento qualitativo.

Estou certo de que os projetos que hoje apresentamos atendem a este desígnio nacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Ministro, inscreveram-se seis Srs. Deputados para fazer perguntas, a saber: Luís

Fazenda, do Bloco de Esquerda, André Pardal, do PSD, António Filipe, do PCP, José Luís Ferreira, de Os

Verdes, António Prôa, do PSD, e Nuno Sá Costa, do PSD.

Tenho já a informação de que o Sr. Ministro responderá em dois conjuntos de três perguntas cada, pelo

que tem, desde já, a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, há largos anos que se

discute se os conceitos constitucionais acerca da guerra e da paz são aqueles que nós vamos vertendo num

conjunto de diplomas estruturantes da área da defesa, porquanto aquilo que era classicamente a declaração

de guerra ou obtenção da paz não tem uma plenitude de aplicação jurídica num conjunto de outros diplomas.

Na verdade, as chamadas «missões», quer ao abrigo de organizações internacionais ou não, missões de

gestão de crises, de manutenção de paz, disto ou daquilo conformam, de uma maneira ou de outra, uma

situação próxima de uma declaração de guerra, porque, por definição, toda a intervenção militar é ela lato

senso uma declaração de guerra latente, ou não. Isto para conformar um pouco os conceitos, porque, de um

modo sombrio, tem vindo a legislar-se ao longo dos anos.

O Governo propõe agora — e esta é a pergunta essencial que eu queria dirigir ao Sr. Ministro da Defesa

Nacional — que a Assembleia da República, o Parlamento, na divisão e interdependência dos poderes no

nosso quadro constitucional, possa (e cito) «Apreciar a decisão do Governo de envolver contingentes ou

forças militares em operações militares no estrangeiro, que lhe é comunicada previamente,…» — portanto,

uma circunstância que é diferenciada da declaração de guerra, que está claramente prevista nos mecanismos

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constitucionais — «… e acompanhar a participação desses contingentes ou forças nas missões, nos termos

fixados em lei própria.»

A pergunta é de uma clareza meridiana: qual é a consequência da apreciação a posteriori do Parlamento?

Tem alguma? Será passível de apresentação de projetos de resolução para rejeitar essa operação militar,

para apreciar negativamente o envolvimento de Portugal? A decisão do Governo pode ser revertida pelo

Parlamento? Qual é a relação entre o poder do Parlamento e a capacidade decisória do Governo?

A ótica constitucional parece-me ter só uma leitura, que é a de o Parlamento se sobrepor a uma decisão

governamental. Mas, então, é preciso que o Governo trabalhe mais este diploma, porque ele não é claro sobre

quais as consequências que pode ter uma apreciação sobre decisões do Governo acerca do envolvimento em

operações militares no estrangeiro.

Uma outra questão que decorre desta: no mesmo artigo do diploma que nos é aqui proposto, acerca do

papel que o Parlamento deve ter sobre o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, é muito claro que, para

além de apreciar, debate, aprova, etc. Portanto, quais são as competências do Parlamento, Sr. Ministro?

Agradecia uma resposta concreta, bastante exata e, sobretudo, delimitada nos seus conceitos.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, informo a Câmara que há duas desistências de dois Srs. Deputados

para pedir esclarecimentos.

Sendo assim, ficam inscritos os quatro primeiros oradores que indiquei, respondendo o Sr. Ministro em dois

grupos de dois.

Para fazer uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado André Pardal, do PSD.

O Sr. André Pardal (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, discutimos hoje, na

generalidade, duas propostas de lei, apresentadas pelo Governo, que são da maior importância para o

interesse nacional e para a defesa do nosso País enquanto Estado soberano, com especial ênfase na

organização e funcionamento das Forças Armadas, respetivamente as alterações à Lei de Defesa Nacional e

à LOBOFA.

Importa, antes de mais, salientar que estas leis são apresentadas no conjunto do edifício legislativo,

nomeadamente o Programa do Governo, com o novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional, que o Sr.

Ministro aqui referiu, e com a reforma «Defesa 2020», que procura uma maior integração de estruturas de

comando e direção de órgãos e serviços administrativos e logísticos e com reflexo de uma melhor atuação

conjunta.

Neste sentido, pergunto-lhe, Sr. Ministro, qual é o prazo previsto para a conclusão do edifício legislativo,

nomeadamente as leis orgânicas do Ministério da Defesa Nacional, do Estado-Maior-General das Forças

Armadas e dos ramos.

O Grupo Parlamentar do PSD saúda, ainda, as principais inovações deste pacote legislativo.

Em primeiro lugar, a valorização do papel da Assembleia da República no debate e aprovação das

Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e na apreciação da decisão do Governo em

enviar contingentes militares para o exterior.

Em segundo lugar, no reforço das competências do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas,

de acordo também com o que se verifica com os nossos parceiros da NATO e que tem em conta o

redimensionamento e o melhor funcionamento das nossas Forças Armadas.

Em terceiro lugar, na centralização do Estado-Maior-General das Forças Armadas, da saúde militar e do

ensino superior militares.

Por fim, uma melhor capacidade de decisão política estratégica do Ministro da Defesa Nacional.

Desta forma, termino questionando o Sr. Ministro se, relativamente às grandes alterações que referi, houve,

de facto, uma articulação com os chefes militares, nomeadamente na questão específica da centralização de

competências no Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, começando por lhe

agradecer a questão que colocou, queria dizer o seguinte: como é óbvio, a participação de destacamentos das

Forças Armadas em operações militares no exterior do território não tem a ver com situações de declaração de

guerra ou de participação em guerra. Quando combatemos a pirataria, o terrorismo ou em ações humanitárias,

estamos a fazer uma lógica de defesa nacional fora do território geográfico, mas não estamos a fazer

declarações de guerra tal como o Sr. Deputado enquadrou.

Esta participação das forças nacionais destacadas no exterior do território insere-se na execução daquilo

que é a política de defesa nacional por parte do Governo e que é da sua competência.

Portanto, o enquadramento constitucional é perfeitamente claro. É da competência do Governo a execução

da política de defesa nacional neste âmbito e o que agora se faz nesta lei é reforçar aquilo que não era claro

— e o Sr. Deputado sabe bem que não o era na anterior lei — do mecanismo de comunicação entre o

Governo e esta Assembleia, de modo a que essa apreciação ocorresse e não uma mera comunicação ou

informação.

Assim, há aqui um reforço com consequências políticas relativamente àquilo que é uma apreciação, se

viesse a ocorrer, negativa por parte da Assembleia da República que está muito para lá da pura lógica da

comunicação ou da informação que o Governo estaria vinculado a dar a esta Assembleia.

Por outro lado, a participação de forças nacionais destacadas tem consequências de natureza financeira, o

que significa que é normal que toda a gestão do ponto de vista da execução da política de defesa nacional

com consequências orçamentais esteja no âmbito de quem tem de gerir o orçamento, que é precisamente, nas

suas opções prioritárias, o Governo.

Portanto, não seria concebível que a Assembleia da República pudesse ultrapassar na execução daquilo

que é a prioridade da defesa nacional, obrigando, por exemplo, a ter dispêndios diferenciados daqueles que o

Governo entende no que diz respeito à gestão com a execução de política de defesa nacional.

Por fim, como sabe, há situações em que a própria dinâmica daquilo que é o processo de decisão da

intervenção de forças nacionais destacadas não se compadeceria com uma situação que fosse de outra forma

de consequências, do ponto de vista da ação da Assembleia da República, no que diz respeito à intervenção

de uma matéria que, como disse, não tem a ver com declaração de estados de guerra relativamente a países

terceiros.

Agradecendo, também, a questão colocada pelo Sr. Deputado André Pardal, queria dizer o seguinte: tal

como referi na minha intervenção inicial, em todo este trabalho que estamos hoje a apresentar, naquilo que

agora se costuma dizer o pós-troica, tivemos uma preparação cuidada, realista e com a preocupação de

consensualizar com as chefias militares todos estes diplomas, porque eles também mexem com a

estruturação e a capacidade de operação e de resposta que elas devem ter face àquela que é a sua missão

no âmbito da defesa nacional.

O objetivo foi precisamente o de criar uma realidade, que, aliás, não é propriamente original por parte do

Governo — já nos anteriores governos, nomeadamente nos Governos do Partido Socialista, isto se passou —,

que é esta situação de reforço de competências do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, a

sua colocação como principal conselheiro do Ministro da Defesa Nacional e a possibilidade que lhe é dada

para ele poder harmonizar, consensualizar e, inclusivamente, encontrar formas de uma gestão mais

sustentada dos recursos dos diversos ramos. É esse precisamente o desiderato que é aqui alcançado, que

não tem redução das competências dos ramos nas respetivas ações de intervenção e que foi, como é óbvio,

consensualizado com as chefias militares.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para fazer perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, decididamente os

senhores não se entendem.

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Ontem, o Sr. Primeiro-Ministro dizia que as medidas que o Governo tomou não tinham que ver com

imposições da troica, mas eram medidas que o Governo entendeu que deveria fazer assim. Hoje, vem aqui o

Sr. Ministro dizer: «Agora, que a troica já se foi embora, eu tenho aqui a Lei da Programação Militar e mais

uma série de diplomas com os quais vamos avançar.» Os senhores não se entendem!

Bom, mas é uma notícia que nos dá. Esperemos que, nessa revisão da Lei de Programação Militar, o

Governo volte atrás na decisão que tomou, de cancelar a construção de navios-patrulha oceânicos, que, aliás,

liquidou os Estaleiros Navais de Viana do Castelo!…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. António Filipe (PCP): — Mas esperemos que o Governo entenda que os patrulhões oceânicos são

indispensáveis para a defesa das costas marítimas portuguesas e que decida, de facto, construir os

patrulhões, que são tão necessários. E, já agora, que as restrições impostas aos militares em matéria de

acesso à saúde sejam revistas; que o Governo volte atrás no caminho que tem encetado, de liquidação do

Instituto de Ação Social das Forças Armadas; que sejam desbloqueadas as promoções, como devem ser…

Vamos ficar à espera — agora, que a troica, segundo diz o Sr. Ministro, se foi embora — que o Governo tome

medidas e deixe de afrontar,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — … como tem feito, o Estatuto da Condição Militar.

Sr. Ministro, sobre aquilo que aqui nos traz, há uma questão que acho que não é de somenos e que deve

ser clarificada desde já. Tem que ver com a disposição proposta relativamente à capacidade eleitoral passiva

dos militares.

O que o Governo propõe é que, se um militar se candidatar a um órgão de soberania, a um órgão do poder

local ou ao Parlamento Europeu, se for eleito e se exercer as funções para que foi eleito, seja «abatido ao

quadro, ficando obrigado a indemnizar o Estado no caso de não ter cumprido o tempo mínimo de serviço

efetivo na sua categoria». Ou seja, é abatido ao quadro; ele não passa à reserva, é expulso das Forças

Armadas. Portanto, um militar que se candidate a Deputado da Assembleia da República, ao Parlamento

Europeu ou a presidente de Câmara e que decida exercer as funções para que o povo o elegeu é expulso das

Forças Armadas.

Sr. Ministro, como é que isto se compatibiliza com o artigo 50.º, n.º 2, da Constituição, que diz que os

cidadãos não podem ser prejudicados nas suas carreiras pelo facto de exercerem os seus direitos políticos?

Sr. Ministro, esta disposição é de uma grosseiríssima inconstitucionalidade e não pode passar de maneira

nenhuma. Não é concebível que um militar que exerça funções num órgão de soberania seja expulso das

Forças Armadas por esse facto. Não é concebível!

Portanto, espero que a maioria reflita e não aprove esta disposição porque, de facto, isto é uma nódoa que

ficaria a pairar sobre a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e é uma gritante inconstitucionalidade

que não pode passar em claro.

Gostaria que o Sr. Ministro se pronunciasse sobre esta questão.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Ainda para fazer perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os

Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, ouvi-o com

atenção, na apresentação das duas propostas de lei relativas às Forças Armadas, que o Governo hoje aqui

apresenta — portanto, uma matéria da maior importância —, e confesso que, quando estas propostas foram

anunciadas, ficámos a pensar que o Governo iria aproveitar a oportunidade, uma vez que ia mexer na Lei de

Defesa Nacional, para colocar esta Lei em sintonia com as normas constitucionais que regulam as

competências dos vários órgãos de soberania, no que diz respeito ao processo de decisão relativo ao

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envolvimento das Forças Armadas em operações militares no estrangeiro. É que, de facto, quando falamos do

envolvimento das Forças Armadas em operações militares fora do território nacional, o processo de decisão

continua, exclusivamente, nas mãos do Governo. O Presidente da República, apesar de ser, nos termos da

Constituição, o Comandante Supremo das Forças Armadas, acaba por ter um papel muitíssimo reduzido neste

processo, já que o Governo se limita apenas a informar o Presidente da República da sua decisão. E o mesmo

se diga quanto à Assembleia da República, porque o envolvimento da Assembleia da República no processo

de decisão sobre a participação das Forças Armadas em operações no estrangeiro é zero, é nulo. A

Assembleia da República, que é o órgão de soberania a quem o Governo responde ou deve responder

politicamente, não é tida nem achada neste processo de decisão.

Ora, tendo presente o quadro constitucional sobre as atribuições e competências dos vários órgãos de

soberania, parece-nos que a simples comunicação ao Presidente da República e o alheamento completo da

Assembleia da República de um processo de decisão tão importante como o do envolvimento das Forças

Armadas em operações no estrangeiro não chegam para dar cumprimento a essas disposições

constitucionais.

Portanto, nesse sentido, gostaria que o Sr. Ministro se pronunciasse sobre esta matéria, nomeadamente

sobre a necessidade ou não de atribuir um papel mais reforçado ao Presidente da República e envolver

também a Assembleia da República no processo de decisão sobre a participação das Forças Armadas. É que

o Sr. Ministro falou do envolvimento da Assembleia da República, mas de um envolvimento sempre a

posteriori, no acompanhamento das missões. Aquilo a que me refiro é ao envolvimento da Assembleia da

República no processo de decisão da participação das Forças Armadas em missões ou operações militares

fora do território nacional.

Por fim, Sr. Ministro, uma outra questão, que já foi aqui abordada pelo Sr. Deputado António Filipe e que

também acompanho no que diz respeito às reservas sobre a sua constitucionalidade. A verdade é que nas

alterações à Lei de Defesa Nacional que o Governo agora apresenta, o Governo propõe restringir, limitar os

direitos, liberdades e garantias de militares, nomeadamente no que se refere à capacidade eleitoral passiva,

que constam do artigo 33.º. Esta matéria, como sabe — estamos a falar de direitos, liberdades e garantias —,

torna obrigatório que o Governo ouça as respetivas associações profissionais envolvidas. E pergunto-lhe, Sr.

Ministro, muito claramente e com toda a objetividade: as associações profissionais da Guarda Nacional

Republicana foram ouvidas neste processo?

Mesmo para terminar, gostaria que me dissesse, Sr. Ministro, o que é que mudou no mundo, de facto e de

significativo, para o Governo vir agora restringir ainda mais os direitos, as liberdades e as garantias,

nomeadamente a capacidade eleitoral passiva dos militares?

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Filipe, vou enviar-lhe a

minha intervenção para a ler, porque deve ter ouvido mal, no que diz respeito à troica e ao pós-troica.

Quanto aos Estaleiros, compreendo o seu incómodo. Tivemos um acordo histórico com a União dos

Sindicatos de Viana do Castelo e essa situação permitiu encontrar a tranquilidade para, por exemplo,…

O Sr. António Filipe (PCP): — Patrulhões!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — … ainda esta semana, ter entrado nos Estaleiros um navio para

reparação. Isto incomoda o Partido Comunista Português, mas vai ver que a solução é de manutenção da

reparação e construção naval.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Filipe (PCP): — O que mais incomoda é não haver patrulhões!

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O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Quanto à capacidade eleitoral passiva, devo dizer-lhe que, no

nosso entendimento, ela é constitucional. A condição militar prevê uma lógica diferente de direitos e deveres

dos respetivos titulares — por exemplo, o direito à greve, como sabe, não existe — …

O Sr. António Filipe (PCP): — Ah! É parecido!…

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — … e, portanto, essa situação está constitucionalmente consagrada.

Para nós, o mais importante é que a instituição militar seja prestigiada, equidistante e nunca promíscua com

interesses de lógica partidária. Isto é o reforço do prestígio dos próprios militares e é isso que desejamos

salvaguardar com este diploma.

Quanto ao que foi dito pelo Sr. Deputado José Luís Ferreira, acho que expliquei o que diz respeito à

participação fora do território nacional. Devo dizer-lhe que o Conselho Superior de Defesa Nacional também se

pronuncia sobre esta matéria e, nele, também está presente a Assembleia, na medida em que está presente a

Comissão de Defesa Nacional e Deputados eleitos pela Assembleia da República. Portanto, o que este

diploma promove vai precisamente ao encontro do reforço da participação da Assembleia, que passa a poder

apreciar, coisa que hoje não sucede.

Por isso, Sr. Deputado, quanto a essa matéria, só devia aplaudir, porque se traduz num reforço da posição

da Assembleia da República.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos, agora, entrar na fase das intervenções e a Mesa regista já

as inscrições dos seguintes Srs. Deputados: António Filipe, do PCP, Miranda Calha, do PS, António Prôa, do

PSD, João Rebelo, do CDS-PP, Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda, Nuno Sá Costa, do PSD, e Mónica

Ferro, do PSD.

Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo

Parlamentar do PCP apresenta dois projetos de lei sobre matéria relacionada com a Lei de Defesa Nacional.

Procurarei, sinteticamente, apresentar os dois projetos de lei e emitir também alguma opinião acerca das

iniciativas legislativas do Governo hoje aqui em discussão.

O primeiro projeto de lei apresentado pelo PCP diz respeito à competência da Assembleia da República

para a aprovação das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional. A situação que existe

hoje, relativamente à aprovação do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, é absolutamente ilógica, nos

termos das competências dos órgãos de soberania. Efetivamente, a Assembleia da República tem

competências decisivas em matéria de defesa nacional, tem competência legislativa reservada para aprovação

de diplomas que são estruturantes em matéria de defesa nacional e das Forças Armadas. Não é por acaso

que estamos hoje aqui a discutir alterações à Lei de Defesa Nacional e alterações à lei de organização e

funcionamento das Forças Armadas, a chamada LOBOFA (Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças

Armadas), porque são, inclusivamente, leis orgânicas, ou seja, não só são da competência legislativa

reservada, da competência absoluta da Assembleia da República, como revestem, também, a forma de lei

orgânica.

Portanto, não se compreende que, sendo a Assembleia da República o único órgão competente para

decidir o mais, não seja competente para decidir o menos, que é a definição das Grandes Opções do Conceito

Estratégico de Defesa Nacional.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Esta ideia de que a Assembleia da República aprova a Lei de Defesa

Nacional, mas, depois, o Governo aprova unilateralmente o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, e a

Assembleia da República pode, eventualmente, fazer um debate sobre essa matéria, caso o Governo tome

essa iniciativa ou caso algum grupo parlamentar tome essa iniciativa, não tem, efetivamente, nenhuma lógica.

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Portanto, faz todo o sentido que seja da competência da Assembleia da República aprovar as Grandes

Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional.

Verificamos que a proposta de lei do Governo, neste aspeto, não anda muito longe disso e, portanto, creio

que, no que se refere a este aspeto concreto, poderá haver aqui alguma margem de entendimento, sendo que

aquilo que o PCP considera é que as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional deveriam

ser objeto de lei formal da Assembleia da República, tal como sucede com a Lei de Programação Militar, tal

como sucede com a Lei de Programação das Infraestruturas Militares. Ou seja, as Grandes Opções do

Conceito Estratégico de Defesa Nacional deveriam revestir, de facto, a forma solene de lei da Assembleia da

República, e é essa a proposta que hoje aqui trazemos.

O outro projeto do PCP diz respeito à decisão de envolvimento de contingentes das Forças Armadas

portuguesas em operações militares fora do território nacional. Aqui, também há uma inversão de

competências dos órgãos de soberania, que afeta não só a Assembleia da República, mas também as

competências constitucionais do próprio Presidente da República. E começo por aqui, goste-se ou não do

Presidente da República, como é evidente, porque, quando legislamos, não estamos a pensar nas pessoas

que, em concreto, ocupam determinado cargo, estamos a falar do cargo em si mesmo.

Ora, o Presidente da República é, nos termos constitucionais, o Comandante Supremo das Forças

Armadas. Não faz o mínimo sentido que haja uma decisão governamental de envolver ou enviar um

contingente das Forças Armadas portuguesas para missões militares fora do território nacional — e não

estamos aqui a falar de cooperação técnico-militar, estamos a falar do envolvimento de contingentes militares

portugueses, que pode ser, e normalmente é, num cenário de guerra —, sem que haja autorização expressa

daquele que é, constitucionalmente, o Comandante Supremo das Forças Armadas. Não é concebível que o

Governo possa tomar uma decisão dessas à revelia da Assembleia da República e, inclusivamente, contra a

própria opinião do Comandante Supremo das Forças Armadas, que é o Presidente da República. Isto é

constitucionalmente ilógico, mas é perfeitamente possível, em face da atual Lei de Defesa Nacional. É possível

envolver um contingente militar português num teatro de operações fora do território nacional, com a oposição

expressa do próprio Presidente da República. Nós achamos que esta situação deve ser alterada.

E o mesmo se diga relativamente à Assembleia da República. Não nos parece que, numa decisão desta

relevância, a Assembleia da República se possa também limitar a um mero acompanhamento ou a uma mera

apreciação, como o Governo aqui propõe, sem que se perceba, de facto, qual é a consequência política e

jurídica dessa apreciação.

Portanto, o que o PCP propõe é que a decisão sobre o envolvimento de contingentes das Forças Armadas

em operações militares fora do território nacional seja proposto pelo Governo à Assembleia da República, que

a Assembleia da República, mediante resolução, aprove essa participação e que essa resolução seja sujeita,

de facto, a autorização por parte do Presidente da República, enquanto Comandante Supremo das Forças

Armadas. Uma decisão desta relevância, com esta gravidade, deve envolver os três órgãos políticos de

soberania e não deve ficar dependente apenas de uma decisão unilateral do Governo.

Do nosso ponto de vista, esta governamentalização não é aceitável e, portanto, deve haver um

envolvimento dos demais órgãos de soberania, que não seja de mera informação, no caso do Presidente da

República, ou de mero acompanhamento, por parte da Assembleia da República. Sem prejuízo da necessária

informação, sem prejuízo do necessário acompanhamento, deve haver, de facto, um envolvimento no próprio

processo de decisão por parte da Assembleia da República e do Presidente da República.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Pensamos que esta é uma matéria que deve ser aprofundadamente

discutida nesta Assembleia e que, de facto, se deve colocar neste ponto a Lei de Defesa Nacional, em termos

que sejam compatíveis com aquela que é a repartição constitucional de competências dos vários órgãos de

soberania, em matéria de defesa nacional.

Relativamente às propostas de lei, do Governo, há, efetivamente, aspetos de organização das Forças

Armadas que devem ser refletidos. Para isso, a Assembleia não deixará de contar com a participação, através

da Comissão de Defesa Nacional, dos chefes militares, no sentido de discutir as melhores soluções, do ponto

de vista organizativo, das Forças Armadas, sendo certo que há que reconhecer que, constitucionalmente,

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nesta matéria, o Governo tem uma competência própria que deve ser respeitada, embora, naturalmente, as

decisões devam ser debatidas, discutidas, e deva haver um envolvimento das próprias chefias militares e das

Forças Armadas na procura das melhores soluções organizativas para as Forças Armadas portuguesas.

Estamos inteiramente disponíveis para esse debate, mas há, de facto, uma questão que não é menor, que

diz respeito à capacidade eleitoral passiva dos militares. Sobre esta matéria, a explicação que o Sr. Ministro da

Defesa Nacional acabou de dar é tudo menos convincente, é tudo menos satisfatória.

É que, efetivamente, o que diz a nossa Constituição, muito claramente, no seu artigo 50.º, é que todos os

cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos e acrescenta,

no n.º 2, que ninguém pode ser prejudicado na sua carreira profissional em virtude do exercício de direitos

políticos ou do desempenho de cargos públicos. E aqui estamos, claramente, perante um prejuízo manifesto

de um cidadão que é militar pelo facto de desempenhar cargos públicos, tenham eles a relevância que

tiverem.

Não entendemos que se um cidadão que seja militar se candidatar a Presidente da República e for eleito

deva ser expulso das Forças Armadas. Não imaginamos o General Ramalho Eanes expulso das Forças

Armadas pelo facto de ter sido Presidente da República durante 10 anos; não imaginamos o malogrado ex-

Deputado Marques Júnior expulso das Forças Armadas pelo facto de ter sido Deputado à Assembleia da

República e de ter exercido as suas funções com o mérito que todos lhe reconhecemos.

Portanto, esta disposição é uma verdadeira afronta aos cidadãos militares e não é constitucionalmente

exigida, porque o artigo 270.º da Constituição prevê a possibilidade de restrições de direitos aos militares,

designadamente em matéria de capacidade eleitoral passiva, na estrita medida das exigências das suas

funções.

Obviamente, aquilo que existe hoje, que é a passagem à reserva desses cidadãos quando exercem

funções públicas eletivas, quando são titulares de cargos políticos e exercem essas suas funções, é uma

restrição mais do que suficiente. E se assim não fosse tínhamos de concluir que andamos há muitos anos a

viver numa situação inconstitucional, porque as restrições que o Governo entende necessárias não têm sido

impostas. Temos convivido muito bem com isso, temos tido cidadãos que exerceram cargos públicos e que

não foram expulsos das Forças Armadas; passaram à reserva mas continuaram a ter a sua condição de

cidadãos militares.

Estas funções, nas Forças Armadas, por um lado, e na titularidade de cargos públicos, por outro lado, têm

sido perfeitamente compatíveis e, portanto, não vemos necessidade absolutamente nenhuma de introduzir na

Lei de Defesa Nacional uma disposição que é grosseiramente inconstitucional e que é, inclusive, uma afronta

aos cidadãos militares que queiram servir o seu País; que, para além de o servirem nas Forças Armadas,

entenderem, em certo momento da sua vida, servir também o País no exercício de cargos públicos, de

funções eletivas, em representação dos seus concidadãos.

Portanto, esperamos que este ponto seja sensatamente alterado e que o Governo não persista numa

disposição destas, que iria manchar estes diplomas com uma manifesta inconstitucionalidade.

São estes os pontos fundamentais que queríamos referir nesta fase do debate, obviamente sem prejuízo

de afirmarmos aqui o nosso empenhamento para, no processo de especialidade, procurar encontrar soluções

que venham ao encontro daquilo que seja o mais adequado, quer para a organização das Forças Armadas

portuguesas quer para a estruturação da defesa nacional e das Forças Armadas em termos conformes com a

Constituição.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, há pouco não indiquei, como deveria ter feito, que esta intervenção

destinava-se a apresentar os projetos de lei da autoria do PCP.

Passamos, agora, ao Grupo Parlamentar do PS. A pedido da bancada, a intervenção do Sr. Deputado

Miranda Calha será substituída pela intervenção do Sr. Deputado Marcos Perestrello.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Marcos Perestrello (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Sr.as

Secretárias de

Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: A última reforma legislativa das Forças Armadas data de 2009, tendo merecido

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o consenso do PS, do PSD e do CDS. No PSD, o interlocutor na preparação dos diplomas enquadradores

dessa reforma chamava-se José Pedro Aguiar-Branco, então Deputado e hoje Ministro da Defesa Nacional.

Essa reforma, ampla e largamente consensualizada durante três anos — de 2006 a 2009 —, ainda não

está completamente implementada, por exemplo, no que respeita ao comando conjunto, à distribuição das

competências recíprocas do Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas e dos chefes dos ramos, na saúde

ou no ensino militares e, ainda, na capacitação das estruturas civis no Ministério da Defesa Nacional para fins,

por exemplo, de centralização do recrutamento.

Essa reforma, ampla e largamente consensualizada durante três anos, ainda não está completamente

implementada e já um dos seus autores, hoje Ministro da Defesa Nacional, apresenta outra.

Parece-nos que as Forças Armadas, como pilar fundamental do Estado, não devem estar

permanentemente sujeitas a mudanças. Apesar disso, estamos disponíveis para participar num processo de

melhoria do seu funcionamento e mesmo de adaptação estrutural e conjuntural às dificuldades estruturais e

conjunturais do País, mas sem misturar estes planos.

Por outro lado, nas presentes circunstâncias, entendo não ser recomendável a implementação de uma

reforma da defesa nacional sem o apoio do Partido Socialista, sobretudo quando há tão pouco tempo foi

possível um alargado consenso político nesta matéria.

O Sr. José Magalhães (PS): — Bem lembrado!

O Sr. Marcos Perestrello (PS): — E tenho que referir que, até agora, não foi feito qualquer esforço sério

por parte do Governo no sentido de procurar o envolvimento do Partido Socialista nesta reforma.

Estamos confiantes e esperamos que, em sede de discussão parlamentar, esse esforço seja feito,

lembrando que essa consensualização é incompatível com uma discussão apressada de dois diplomas

desgarrados que o Governo esteve quase três anos, sozinho, a preparar.

Ao apresentar apenas propostas de alteração à Lei de Defesa Nacional e à Lei de Bases de Organização

das Forças Armadas e não um pacote legislativo completo (leis orgânicas do Ministério, do Estado-Maior-

General das Forças Armadas e dos ramos) impede-se uma apreciação integrada e holística da designada

reforma «Defesa 2020» e não se permite, portanto, uma opinião articulada sobre um assunto que merece

muito cuidado e ponderação no seu tratamento.

A reforma «Defesa 2020», como o Governo a designou, fundada na Resolução do Conselho de Ministros

n.º 26/2013, de 19 de abril, apresenta como medida central «racionalizar a despesa militar, nomeadamente

através da melhor articulação entre ramos das Forças Armadas e uma maior eficiência na utilização de

recursos».

Ora, muito antes de estar implementada, ou mesmo esboçada, essa putativa reforma assistimos a um

aumento percentual muito significativo das despesas com pessoal relativamente ao investimento e à operação

e manutenção, com efeitos devastadores, sobretudo, nos ramos de maior dependência tecnológica. O peso

das despesas com pessoal nesses ramos situa-se, hoje, em 85% da totalidade do orçamento, exatamente ao

contrário do anunciado na reforma, que pretendia, outrossim, aumentar despesas visando o incremento da

operacionalidade, ou seja, no investimento, operação e manutenção.

Acresce que tudo isto se concretiza apesar de uma grande redução de efetivos, que, neste momento, se

situam no patamar de 30 000 militares, apontado como mínimo absoluto nas linhas de orientação da reforma

em causa.

Neste quadro, é interessante notar que não se refere minimamente a degradação genérica das condições

de vida dos militares (vencimentos, apoio social, apoio na saúde, etc.), sem cuidar de reconhecer o seu

estatuto e condição particulares. No fim, são as pessoas que contam e é necessário ter em devida atenção o

descontentamento que existe nas fileiras, que é apontado como só tendo paralelo na situação anterior ao 25

de Abril de 1974.

Aplausos do PS.

Reconhece-se a difícil situação do País, mas não se pode comprometer o futuro de instituições em que se

funda a soberania do Estado, como as Forças Armadas.

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Uma vez que foi minimizada a tentativa de retirada da Autoridade Marítima à Marinha, o grande mote da

reforma é agora tornar o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas numa figura omnisciente e

omnipotente, nos planos estratégico, operacional e mesmo tático, no ensino, na saúde e na interlocução com o

poder político. Será o comandante, o reitor, o administrador hospitalar, o fiel conselheiro, etc.

Esta opção — e não estamos em desacordo com o reforço das competências do CEMGFA —, tal como

está plasmada na lei, é no plano teórico inadequada, por misturar níveis de decisão, do político ao estratégico,

do operacional ao tático, do conselho à ação, do ensino à saúde.

É também errada no plano prático, porque é impossível de concretizar face à amplitude de poderes

concentrados numa única pessoa.

No plano político, é inadequada e imprudente pelo risco de subordinação do poder político ao poder militar,

por força dos sinais públicos de redução das competências e capacidades das estruturas civis do Ministério da

Defesa Nacional — o amanhã sempre nos reservou surpresas e assim vai continuar a ser…

Sem entrar ainda em muitos pormenores nesta fase do debate, que aprofundaremos na especialidade,

gostaria de expressar, desde já, a intenção de, nessa sede, tratar cuidadosamente este tema, pois, do nosso

ponto de vista, quer a Lei de Defesa Nacional (designadamente, nos artigos 18.º e 23.º) quer a Lei Orgânica

de Bases da Organização das Forças Armadas (designadamente, nos artigos 1.º, 9.º, 10.º, 11.º e 19.º)

menorizam o Ministro da Defesa Nacional, os chefes dos ramos, o Conselho Superior Militar e o Conselho de

Chefes de Estado-Maior em favor de um esdrúxulo aumento das competências do CEMGFA. Não me parece

avisado conceder-lhe tal peso institucional.

Por outro lado, não faltam neste pacote legislativo sinais de desorientação do Governo quanto a aspetos

essenciais da defesa nacional. Um bom exemplo é o Planeamento Civil de Emergência, referido no artigo 15.º

da Lei de Defesa Nacional.

Apesar de se chamar planeamento civil e de articular e envolver inúmeras entidades de natureza civil,

públicas e privadas, designadamente as detentoras de infraestruturas críticas, o Planeamento Civil de

Emergência é tratado no âmbito da Lei de Defesa Nacional porque se trata de uma matéria intimamente ligada

à NATO e com ela articulada no plano internacional pelo impacto que tem na segurança e defesa dos países.

Assim sendo, por que razão o Governo remeteu o Planeamento Civil de Emergência para a Autoridade

Nacional de Proteção Civil — um órgão operacional e não de planeamento, dependente do Ministério da

Administração Interna — mas mantém o seu enquadramento na Lei de Defesa Nacional? Tem que se

perceber.

Mas este pacote legislativo, Srs. Deputados, vem ainda capeado de reforçador dos poderes do Parlamento

em matéria de defesa nacional, traduzindo-se esse reforço na nova competência do Parlamento em aprovar as

Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e na nova possibilidade de o Parlamento

apreciar o envio de forças nacionais destacadas para cenários de conflito internacional.

Este reforço dos poderes parlamentares previsto nas propostas de lei é, no entanto, apenas aparente. Na

verdade, a lei hoje prevê que as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional sejam

discutidas na Assembleia da República por iniciativa do Governo ou de qualquer grupo parlamentar. Ora, o

Governo retira aos grupos parlamentares o poder de iniciativa e o Conceito Estratégico de Defesa Nacional

continua a ser aprovado em Conselho de Ministros sem qualquer intervenção parlamentar. À Assembleia da

República competiria aprovar as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, mas ainda

assim apenas por iniciativa do Governo e perdendo os grupos parlamentares o poder de iniciativa.

Não concordamos com esta governamentalização de um documento estratégico estruturante, que requer

um amplo consenso político e social e que vigora necessariamente por períodos muito mais longos do que

uma simples legislatura.

Quanto à nova fórmula legal do artigo 11.º da Lei de Defesa Nacional, que concede ao Parlamento a

competência para apreciar as decisões do Governo em envolver forças nacionais em operações militares no

estrangeiro, eu diria: Sr. Ministro, muito obrigado, mas, se não se importa, tem de explicar-nos o que quer

dizer com isso.

No Parlamento, temos já a competência para acompanhar esses contingentes; no Parlamento, temos já a

possibilidade de, a qualquer momento, chamar o Governo para prestar informações, esclarecimentos e discutir

o envolvimento de forças nacionais destacadas em operações militares no exterior, quer na Comissão de

Defesa Nacional quer no Plenário. Portanto, Sr. Ministro, o que traz de novo este apreciar? O que quer o

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Governo? Quer o Governo aceitar a proposta do Partido Comunista e sujeitar o envolvimento de forças no

exterior a aprovação prévia no Parlamento? Ou quer o Governo, pelo menos, discutir no Parlamento esse

envolvimento antes de tomar a decisão?

Se a resposta for negativa, então, eu diria que, em matéria de reforço de competências do Parlamento no

que respeita a forças nacionais destacadas, o Sr. Ministro deu um tiro de pólvora seca, o que nos parece

pouco para aspeto central desta reforma.

Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Temos sérias reservas, mas estamos disponíveis para

construir um consenso alargado para a aprovação desta reforma. Neste sentido, parece-nos importante

conhecer o pacote legislativo a jusante — leis orgânicas do Ministério da Defesa Nacional, do Estado Maior

General das Forças Armadas e dos seus ramos, Lei da Programação Militar e Lei da Programação das

Infraestruturas Militares. A discussão na especialidade, e o seu resultado, é decisiva para a definição da

posição final do Partido Socialista.

O acordo é um caminho com dois sentidos. Nós estamos disponíveis para nos aproximarmos, mas é

necessário que o Governo e a maioria também caminhem na nossa direção.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente. — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Prôa, do PSD.

O Sr. António Prôa (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr.as

Secretárias de Estado: Queria começar

por cumprimentar o Sr. Ministro e o Governo pela iniciativa que traz aqui hoje, porque os dois diplomas que

estão em apreciação são de fundamental importância para a organização das Forças Armadas. São eles

próprios, por esse motivo, uma questão de Estado. Daí a minha saudação por o Governo trazer hoje, aqui, à

discussão matérias tão importantes para o País.

Aliás, são documentos que vêm na linha de outras reformas que têm sido empreendidas pelo Governo,

desde logo, a aprovação recente do Conceito Estratégico de Defesa Nacional ou questões mais operativas

como, por exemplo, a reorganização dos hospitais militares em Lisboa ou ainda a reorganização do ensino

militar. São matérias que têm sublinhado o ímpeto reformista deste Governo relativamente a esta área.

Por isso, sublinhando a importância destas matérias, quero também salientar com satisfação a afirmação e

o compromisso que me parece poder ler na intervenção do Sr. Deputado Marcos Perestrello, relativamente à

disponibilidade ou, diria até, ao empenho do Partido Socialista relativamente a trabalhar de forma a criar uma

plataforma de consenso com o Governo quanto a esta matéria.

É uma matéria estruturante para o País, é uma questão de Estado para a qual, de facto, como muito bem

disse o Sr. Deputado Marcos Perestrello, é importante colher o consenso, um consenso alargado no

Parlamento.

Aliás, nesta intervenção do Sr. Deputado Marcos Perestrello leio, talvez, um sinal de mudança do Partido

Socialista relativamente à disponibilidade para cooperar com o Governo em matérias importantes para o País.

Neste sentido, Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, há uma outra matéria que me parece importante, que foi,

aliás, referida pelo Sr. Deputado António Filipe, mas também pelo Sr. Deputado José Luís Ferreira e, em certa

medida, no final também, pelo Sr. Deputado Marcos Perestrello, que tem a ver com a participação e o

envolvimento do Parlamento — e de outros órgãos de soberania, mas refiro-me neste momento, em concreto,

ao Parlamento — relativamente a diversas decisões no âmbito das questões de defesa, em concreto no envio

de forças nacionais destacadas.

Queria dizer que nos revemos na proposta do Governo, a qual entendemos ser um avanço relativamente

ao envolvimento do Parlamento nessas decisões, ao podermos, diferentemente do que acontece neste

momento, apreciar previamente as opções do Governo.

O aumento desse envolvimento parece-me um dado que devemos sublinhar, aqui, neste Parlamento. Aliás,

compreendi a crítica do Partido Comunista querendo ir mais além. No entanto, do meu ponto de vista, querer ir

mais além feria as competências do Governo, porque a participação de destacamentos das Forças Armadas

em operações militares insere-se na execução da política de defesa, que é uma competência do Governo.

Portanto, nessa matéria, a solução apresentada parece-me ser uma solução equilibrada. Por isso, também

não entendi muito bem aquilo que me pareceu ser uma crítica do Sr. Deputado Marcos Perestrello,

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considerando que esta posição do Governo era ainda assim excessiva relativamente ao envolvimento do

Parlamento.

Quero, por isso, dizer, Sr. Ministro, Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, que nos revemos na medida, que nos

parece ajustada, do envolvimento deste Parlamento, a qual dignifica esta instituição e, nessa medida, favorece

o País.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. António Filipe, do PCP.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Prôa, o senhor referiu-se a uma

questão que temos estado a debater ao longo deste ponto da ordem de trabalhos e que tem a ver com o

envolvimento da Assembleia da República na decisão ou, como o Sr. Deputado disse, no acompanhamento do

envolvimento de contingentes militares portugueses em operações militares fora do território nacional.

O que o Governo propõe é que a Assembleia da República passe a apreciar essa decisão, mas não nos diz

qual é a forma dessa apreciação. Em que consiste essa apreciação? É um debate prévio na Comissão

Parlamentar de Defesa Nacional? É um debate em Plenário? E dessa apreciação não pode haver

consequências? Não se pode apresentar, por exemplo, um projeto de resolução, que acompanhe essa

apreciação, mediante o qual a Assembleia da República se pronuncie num determinado sentido? Ou seja,

nada é dito.

Era bom que isso ficasse clarificado porque uma disposição tão vaga como esta na Lei de Defesa Nacional,

para que a Assembleia da República aprecie, tem de ser desenvolvida de alguma forma. É que apreciar, já

aprecia e acompanhar, já acompanha.

Aliás, a Assembleia da República até já tem enviado delegações que visitam forças nacionais destacadas.

Portanto, esse acompanhamento é feito. A questão é a de saber qual é o envolvimento que a Assembleia da

República deve ter no próprio processo de decisão e, convenhamos, que o apreciar é demasiado vago.

Há pouco, o Sr. Ministro referiu, e o Sr. Deputado António Prôa também o fez, que um envolvimento com

caráter decisório da Assembleia da República entraria em conflito com as competências próprias do Governo

na execução da defesa nacional. Mas, Sr. Deputado, não concordamos com isso de maneira nenhuma,

porque, do ponto de vista orçamental, a que o Sr. Ministro aludiu, não faz sentido. Porquê? Porque a própria

Constituição impediria a Assembleia da República de aprovar despesas não previstas no Orçamento, a própria

lei travão o impediria.

Portanto, esse problema constitucional não se coloca. Poderia era pôr-se ao contrário: o Governo propor-se

gastar um dinheirão com as forças nacionais destacadas e o Parlamento não consentir. Bem, mas com isso o

País só ficava a ganhar! Portanto, esse não é argumento.

De qualquer maneira, a questão que lhe quero colocar é em que consiste, na prática, essa ideia de

apreciar. O que é isso de apreciar? Qual é a forma e quais são as consequências dessa apreciação?

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Prôa.

O Sr. António Prôa (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Filipe, muito obrigado pela questão.

Sr. Deputado, permita-me que insista em sublinhar o que me parece essencial, que é o avanço do

envolvimento do Parlamento no processo de discussão relativamente ao envio de forças nacionais destacadas

para o exterior do território nacional.

O que se passa já hoje é que existem mecanismos previstos, efetivos, de apreciação por parte do

Parlamento. São exercidos e o Sr. Deputado, com muito maior experiência do que eu, tem-no feito. Portanto,

permita-me que sublinhe, sobretudo, o detalhe, que é um «por maior», que é a possibilidade de se apreciar

previamente. Nessa medida, permitirá ao Governo colher o resultado da apreciação prévia que é feita pelo

Parlamento.

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Por isso, diria que a maior consequência desta alteração é que o resultado da reflexão do Parlamento

contribui, em tempo útil, para a formação da decisão final do Governo relativamente a esta matéria.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para a próxima intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo, do CDS-PP.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.as

Secretárias de Estado, Sr.as

Deputadas

e Srs. Deputados: Discutimos aqui várias alterações à Lei de Defesa Nacional e à LOBOFA (Lei Orgânica de

Bases da Organização das Forças Armadas), propostas vindas do Governo e vindas também da parte do

Partido Comunista.

Em primeiro lugar, gostaria de destacar que isto é uma reforma e um assunto muito importante.

É um assunto muito importante porque vai mexer, tentando alterar, reforçar e melhorar dispositivos legais

que enquadram o funcionamento das Forças Armadas, bem como também tudo aquilo que tem a ver com a

defesa nacional. Portanto, estamos a falar de algo muito importante em termos de poderes e funções da

Assembleia da República.

Este debate é aqui realizado hoje e será depois esmiuçado em detalhe no debate em Comissão.

Aguardamos, assim, obviamente, as propostas vindas do Partido Socialista, que é também um partido

essencial para a definição das políticas de defesa nacional. As reformas que aconteceram ao longo do tempo

e a aprovação da legislação foram sempre feitas também com o apoio e a concordância do Partido Socialista,

estando ele no Governo, obviamente, executando as suas funções, ou estando ele na oposição, participando

nessa dinâmica de consensualização das leis de defesa nacional. Portanto, o primeiro aspeto que gostaria de

destacar é a importância do momento presente.

Por outro lado, também queria destacar a coerência das propostas do Governo.

Recordo-me do debate que aqui tivemos, em 2009, com o antigo Ministro Severiano Teixeira, em que

lembrei que as propostas, à época, do Partido Socialista sobre a alteração à lei de defesa e das Forças

Armadas (que ficou depois só a ser Lei de Defesa Nacional) bem como da LOBOFA, tinham um problema logo

de início: não tinham obedecido a uma alteração do Conselho Estratégico de Defesa Nacional. Portanto,

alterava-se o edifício legal das Forças Armadas e da defesa nacional sem primeiro mudar o Conceito

Estratégico de Defesa Nacional.

Está escrito e referi-o no debate em 2009, mas, neste caso, tal não aconteceu: primeiro, o Governo alterou

o Conceito Estratégico de Defesa Nacional; depois, tudo o que tem a ver com conceitos estratégicos de defesa

nacional ou que leva às alterações resultantes da alteração do Conceito Estratégico de Defesa Nacional —

conceito estratégico militar, dispositivos, sistema de forças, etc., — e, com esse edifício alterado e adaptado às

novas missões, bem como adaptado às limitações orçamentais que temos, e com a reforma «Defesa 2020»

como sustentáculo legal, acontece, então, a alteração da Lei de Defesa Nacional e da LOBOFA.

Esse é o destaque desse aspeto coerente das alterações das disposições.

Há um aspeto que, se calhar, tornaria isto perfeito, mas nada é perfeito. Trata-se de algo por que eu

também tenho batalhado muito em relação a estas leis na área da defesa, que é uma alteração constitucional.

Ainda vivemos sob um modelo constitucional muito influenciado pela alteração constitucional de 1982, que,

como estão recordados, pôs fim ao Conselho da Revolução — e bem, na minha opinião —, mas também é

verdade que ficou entre o poder político democraticamente eleito e o poder militar uma relação de

desconfiança. E, a partir daí, tentou-se delimitar ao máximo a participação das Forças Armadas na vida

organizativa de Portugal. Neste momento, isso já não tem absolutamente razão nenhuma de ser.

É aqui que faço sempre um apelo a todos os governos no sentido da alteração constitucional que devia

acontecer, de evolução dos conceitos que temos neste momento, e que são estanques, para um conceito de

segurança e de defesa mais abrangente, que permita a participação das Forças Armadas num maior número

de missões possíveis na área da segurança.

As ameaças são difusas, já não há umas que vêm de fora e que ficam lá e as outras que estão cá dentro,

já é tudo transversal.

Com as faltas de meios financeiros que temos seria absurdo duplicar meios na proteção civil ou nas forças

de segurança quando as forças militares têm esses meios e essa competência para poderem executar essas

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missões, mas também é verdade que existem limites constitucionais a essa participação. Portanto, o ideal era

ter feito a alteração constitucional e, assim, termos isto tratado.

Como se sabe, neste momento não tínhamos possibilidade — porque é preciso dois terços para mudar a

Constituição — de ter o Partido Socialista no barco, salvo seja, para essas mudanças constitucionais.

No entanto, Sr. Ministro, o primeiro elogio, neste caso, é o da coerência na alteração dos documentos para

proceder à primeira alteração do Conselho Estratégico. Mas o que vou referir, e está igualmente aqui em

causa, também é importante.

Recordo-me que a reforma de 2009, do Partido Socialista, que teve o voto favorável do PSD e a nossa

abstenção, teve a ver com um aspeto importante, que foi o reforço do poder do CEMGFA (Chefe de Estado-

Maior General das Forças Armadas) em tudo o que é matéria operacional das Forças Armadas. Esta lei

densifica essas funções e esses poderes do CEMGFA e, portanto, estranho um bocado as críticas feitas pelo

Partido Socialista, porque quem iniciou este processo de reforço, e bem, das funções do CEMGFA, não em

detrimento dos ramos mas para melhorar a eficácia na execução das políticas por parte dos ramos, foi o

Partido Socialista.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Aliás, se estão recordados, o artigo que definia as funções do CEMGFA,

que, à época, só tinha as alíneas a), b), c) ou d), na época do Partido Socialista passou a ter alíneas até à

penúltima letra do abecedário, só não tinha a alínea z) — aliás, levantei essa questão —, tal era o reforço das

funções do CEMGFA em relação a estas matérias. Portanto, isto densifica essa alteração e é importante.

Por outro lado, também corrige excessos que apontei, à época. Se estão recordados, nessa época, a

estrutura criada falava de um Estado-Maior conjunto, de um comando operacional conjunto, etc., etc.. Eram

estruturas a mais para o que existia.

Aliás, a crítica que é feita não é verdadeira. O Governo, nesta alteração, prevê a redução das estruturas

sob dependência do CEMGFA, e isso é importante, porque eram estruturas a mais, como sabemos, e a crítica

que fiz em 2009 revelou-se tão verdadeira que as pessoas que desempenharam funções como CEMGFA,

posteriormente, também disseram que eram estruturas a mais para o que era necessário.

Portanto, o Governo não só reforça as funções como também altera o próprio dispositivo e a estrutura que

temos no Estado-Maior-General das Forças Armadas, o que também é importante porque facilita, evita

redundâncias, etc., mas reforça, é verdade, nas áreas da saúde e da educação, o que é debatível, é discutível,

mas é um passo muito importante para a simplificação e uma atuação objetivamente mais válida das Forças

Armadas nestas matérias.

Finalmente, gostaria também de abordar a questão que tem a ver com o reforço do poder da Assembleia

da República. E aqui manifesto, desde já, a abertura do CDS nesta matéria em relação às propostas do

Partido Comunista Português, sobretudo em relação ao Conceito Estratégico de Defesa Nacional, porque a

Assembleia da República passa a ter, em minha opinião, um papel muito importante.

Foi aqui dito no debate das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional que o

Parlamento só discutia e não aprovava absolutamente nada. Ora, passa a ter um papel relevante. E aqui

temos, indiscutivelmente, de elogiar o Governo, porque é este Governo, com esta maioria, que vai aprovar

esta alteração de fundo. Tivemos vários conceitos estratégicos de defesa nacional e grandes opções que

foram debatidas sem serem aprovadas, e é este Governo que o está a fazer, em 2014. Convém também

lembrar quem é responsável, ou não, por estas alterações.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Sr.as

e Srs. Deputados, acusar esta legislação de não

reforçar o poder do Parlamento é, no mínimo, estranho e bizarro, numa leitura atenta e despartidarizada

destas questões.

Quanto à questão da apreciação, termo que pode levantar aqui dúvidas sobre o que é que realmente

queremos, reforça também o poder da Comissão de Defesa, sobretudo, nestas questões.

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Como se sabe, o Parlamento acompanha, e acompanha ou presencialmente, deslocando-se onde estão as

nossas forças nacionais destacadas, dando o testemunho, o apoio do Parlamento e demonstrando o orgulho

que temos nos nossos militares que fazem um trabalho essencial e notável nesses teatros de operação, ou

acompanha por notificação, por parte do Governo, sobre perigosidade da missão, meios que serão envolvidos,

duração da missão, etc., e somos informados posteriormente a uma decisão que é tomada pelo Governo e

pelo Conselho Superior de Defesa Nacional.

Portanto, agora, passa a haver um papel mais importante do Parlamento. Há quem defenda que o ideal

seja a aprovação de uma resolução, que é o que defende o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista

Português, o que também é verdade que acontece noutros parlamentos ocidentais e de países da NATO. Nós

achamos que, no justo equilíbrio de funções e numa leitura atenta da Constituição, que fala sobre os poderes

do Governo nesta matéria, esta é a solução mais equilibrada para acomodar todos os interesses, no caso

específico da atuação política do Governo e, neste caso concreto, também das funções e do poder do

Parlamento.

Portanto, parece-me que também nesse aspeto ela é equilibrada e permite uma margem mais importante e

uma densificação do papel do Parlamento nestas questões, que convém também realçar.

Sr. Ministro, esta é uma reforma que é importante, mas mais importante ainda do que a reforma ser feita é

ela ser aplicada.

Por isso, obviamente, os partidos da maioria vão acompanhar a implementação desta reforma, vamos

discutir com espírito aberto com todos os partidos aqui presentes, sem exceção, os seus contributos, em sede

de discussão na especialidade, para, eventualmente, melhorar certos aspetos da lei, e o Governo está

disponível para essa questão, como, aliás, já manifestou no próprio discurso do Sr. Ministro.

Portanto, hoje é um dia importante para a defesa nacional, um dia importante para as Forças Armadas e,

também, um dia importante para o Parlamento.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do Bloco de Esquerda.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: Da

resposta à pergunta que dirigi ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, creio ter ficado claro que, em matéria de

competência parlamentar, a apreciação da decisão de envolver contingentes militares portugueses em

cenários de conflito internacional é tomada, como até aqui, pelo Governo e, a posteriori, há uma apreciação da

parte da Assembleia da República, que não tem qualquer consequência. Não há a possibilidade de interpor

uma decisão negativa, que faria regressar ao ponto de partida a decisão do Governo. Portanto, o papel do

Parlamento é puramente decorativo, nessas circunstâncias.

Além do mais, pela intervenção do Sr. Deputado António Prôa, creio que a bancada do PSD foi vítima de

uma leitura equívoca da proposta de lei, porque realmente a língua portuguesa é muito complexa. Há pouco, já

tinha lido e pedido um esclarecimento, pois a proposta de lei diz: «apreciar a decisão do Governo de envolver

contingentes ou forças militares em operações militares no estrangeiro, que lhe é comunicada previamente,

(…)». O que é que é comunicado previamente? A decisão? Mas isso acontece com qualquer proposta! É

comunicado à Assembleia antes de ser tomada a decisão, pública e hierarquicamente, pelo Governo? Qual é

o momento? O «previamente» é em relação a quê? Não se percebe, é um português macarrónico! —

perdoem-me a expressão!

A bancada do PSD insistiu aqui que o Parlamento vai discutir antes do envio das forças militares mas creio

não é isso que se deduz, sequer, da letra da proposta de lei. Aliás, em coerência com que disse o Sr. Ministro

da Defesa Nacional, que acha que o Parlamento não tem o expediente necessário para, numa situação de

surpresa e de envio de forças, conseguir, em tempo útil, tomar decisões, contrariamente ao Congresso norte-

americano, ao Parlamento de Westminster, à Assembleia Nacional Francesa, a todos esses parlamentos que

têm o expediente, o tempo, a celeridade, tudo, para decidir tudo. Mas o nosso Parlamento, no Palácio de São

Bento, não tem essa possibilidade nem essa celeridade.

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Este ano, há uns meses, tivemos exemplo disso: as primeiras declarações de Obama, de Cameron, de

Hollande, em relação à crise da Síria, à guerra civil na Síria, iam no sentido de uma intervenção militar, mas

percebeu-se rapidamente que a relação de forças, nos vários parlamentos destes Estados da NATO, não era

condizente com essa vontade política.

E não vi nem o Obama nem Cameron dizerem que a intervenção na Síria não era bem uma guerra. O

Governo português, na sua pequenez doutrinária e estratégica, é que continua ainda prisioneiro de um

conjunto de conceitos que, enfim, só se aplicam por aqui, porque, realmente, estes países não aplicam esses

conceitos desse modo.

Portanto, quanto ao papel dos parlamentos acerca de autorizar ou não o envolvimento deste tipo de forças,

na verdade, independentemente da cor, do governo, das maiorias, tiveram, ao tempo, um enorme papel na

decisão de relevância geopolítica. E era isso que nós pretendíamos.

O Bloco de Esquerda já por duas vezes apresentou um projeto de lei no sentido de o Parlamento autorizar

o envio dessas missões, e acompanhou-nos idêntica iniciativa do Partido Comunista Português, inserindo-se

num conjunto de exposições abertas, ao menos abertas, de um conjunto de Estados do quadro da NATO —

não é propriamente do fundamentalismo islâmico, é do quadro da Nato, e é isso que, em Portugal, não se quer

adotar.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, queria apenas fazer um pequeno comentário (já que, na

especialidade, teremos oportunidade de fazer esse debate) em relação ao chamado reforço de competências

e poderes do Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas.

O maior problema não é a questão técnico-política de o fazer em detrimento das chefias dos ramos, disto

ou daquilo. O maior problema é de o fazer em detrimento de competências do poder democrático, do poder

civil, e é preciso observar se isso existe, ou não, no núcleo das competências que lhe são atribuídas. E

também — e essa é, para mim, a questão ainda mais preocupante — a forma sem restrições, sem balizas,

sem qualquer tipo de precaução que é aqui admitida no quadro desse reforço de competências, a articulação

operacional entre o Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas e o Secretário-Geral da Segurança Interna,

face a ameaças difusas.

Estes aspetos de articulação estão previstos com algumas balizas e restrições, mas nesta lei não estão,

não estão, em absoluto! E de duas, uma: ou se densifica e são apontadas as balizas, que já estão noutros

lados — e mal, porque não estão na devida extensão nem na exaustão que a norma deveria ter para uma

matéria tão delicada para as liberdades e para a democracia — ou, então, vamos ficar aqui com um espaço

em branco, que poderá ser discricionariamente utilizado, porque a articulação operacional entre o Chefe de

Estado-Maior das Forças Armadas e o Secretário-Geral da Segurança Interna, nesta lei, não tem quaisquer

balizas.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do PSD.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Sá Costa.

O Sr. Nuno Sá Costa (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: Sr.

Ministro da Defesa Nacional, gostaria de lhe dizer, em primeiro lugar, que ouvi atentamente a sua intervenção

inicial e que dela resulta, parece-me a mim que de forma inequívoca, que há uma estratégia e um

planeamento das políticas de defesa nacional deste Governo.

Não é despiciendo lembrar que estas reformas e as propostas de lei que hoje estamos a discutir decorrem

do novo conceito estratégico de defesa nacional, decorrem da reforma «Defesa 2020» que este Governo tem

vindo a implementar.

E deixem-me dizer, Sr. Ministro, Sr.as

e Srs. Deputados, que, para mim, não deixa de ser um pouco

estranho que o que mais confusão (permitam-me a expressão) e mais críticas tenha causado a esta Câmara

seja precisamente as propostas do Governo que vêm reforçar os poderes desta Câmara. Para mim, não deixa

de ser estranho que esta Câmara não se tenha pronunciado relativamente a quase todos os restantes itens

destas duas propostas de lei, pelo menos até agora e o debate está a terminar.

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Mas, Sr. Ministro, gostaria de fazer-lhe três ou quatro perguntas concretas, em relação aos textos

legislativos que estamos a analisar.

A primeira pergunta é esta: temos ouvido algumas críticas relativamente à falta de consenso que estas

reformas possam causar e à forma como o Ministério da Defesa Nacional possa ou não ter ouvido as

associações militares e outras instituições que, segundo esses críticos, deveria ter ouvido.

O que queria perguntar-lhe, em concreto, é o seguinte: foram ou não ouvidas as entidades, as associações,

as instituições que deveriam, à face da lei, ter sido ouvidas para a produção destes diplomas legislativos?

Depois, Sr. Ministro, gostaria de perguntar também se, face a esta proposta de lei, é ou não verdade que o

reforço dos poderes do CEMGFA, do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, corresponde a

uma perda de competências e de poderes dos Chefes de Estado-Maior dos diversos ramos. E gostaria de lhe

fazer esta pergunta porque me parece que com esta diminuição de competências — e o Sr. Ministro disse que

a partir do momento em que esta reforma venha a ser aprovada, o interlocutor direto do Ministro da Defesa

Nacional será o Chefe do Estado-Maior — há uma verticalização evidente nesta reforma da macroestrutura

das Forças Armadas.

Para terminar, gostaria ainda de lhe perguntar, com este reforço das competências do CEMGFA e o

consequente esvaziamento, ou não, das competências dos Chefes de Estado-Maior, por que razão revogar,

por exemplo, o Conselho de Chefes de Estado das Forças Armadas, diretamente responsável pela sua

componente militar de defesa nacional?

Mesmo para terminar, Sr. Ministro, pergunto qual a razão da revogação do órgão Conselho Superior Militar,

como órgão diretamente responsável pela defesa nacional?

Parece-me que estas quatro questões que lhe coloco são, sim, fundamentais para percebermos a

abrangência desta reforma e não poderia terminar, Sr. Ministro, sem felicitar o Governo por apresentar a esta

Câmara propostas de lei concretas, propostas de lei que têm, por trás de si, um estudo, uma estratégia e um

planeamento para a defesa nacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Ainda para intervir pelo PSD, inscreve-se a Sr.ª Deputada Mónica Ferro.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Mónica Ferro (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: A

defesa nacional é uma política de Estado. É uma área de soberania indelegável, um dos pilares do nosso

Estado de direito e, pura e simplesmente, demasiado sério para que aqui possamos fazer demagogia com ela.

As propostas de lei que acabámos de debater resultam de quatro vetores de mudança conceptual

doutrinária que era imperativo acolher. Por um lado, o novo conceito de segurança e defesa da NATO — a

organização de defesa (alguns chamam-lhe de segurança) a que Portugal pertence —, aprovado nesta cidade

de Lisboa, em 2010, que levou a que muitos Estados-membros da Organização tivessem de redefinir os seus

próprios conceitos estratégicos e posições.

Por outro lado, o Programa do Governo, que estabelece a interpretação deste Governo sobre as

constantes e as cambiantes da defesa nacional, para além de um conjunto de medidas estruturantes.

Um outro vetor é o novo conceito estratégico de defesa nacional — cujas grandes opções foram aqui

debatidas e que, graças à proposta que temos em cima da mesa, aqui serão aprovadas —, atualizado no

início do ano passado, quer no elenco de riscos e desafios, como o CDS já aqui referiu, quer na nomeação

das vulnerabilidades e ativos nacionais, na inserção estratégica e no espaço de interesse nacional, bem como

nos vetores e linhas de ação.

Claro está que a necessidade de adaptar e racionalizar, de rentabilizar meios e capacidades, são sempre

lidas por muitos como linhas de corte.

A verdade é que o próprio conceito estratégico de defesa nacional diz que o ótimo é que haja uma leitura

em tempo real da realidade em que intervimos, pois «as exigências das respostas ao atual quadro de

ameaças e riscos tornam indispensável que se tenha em conta a necessária capacidade de crescimento do

sistema de forças». Isto para aqueles que receiam que Portugal perca capacidade de resposta.

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Um último vetor é o modelo de reforma «Defesa 2020», que dispõe orientações para o ciclo de

planeamento estratégico de defesa e para a reorganização da macroestrutura da defesa nacional.

Passemos à racionalização e à otimização.

Ouvimos, hoje, aqui, críticas, alguns contributos e até elogios às propostas que este Executivo, apoiado por

esta maioria, traz hoje a esta Câmara.

Parece-me estranho que não tenha sido saudado, de forma unânime, o reforço do papel do Parlamento

nestas matérias. E parece-me também curioso, Sr. Deputado Luís Fazenda, que o Sr. Deputado, enquanto

parlamentar, considere despiciendo o próprio poder do debate sobre as matérias, o apreciar. É que caberá a

esta Câmara a definição dos contornos em que apreciamos e as consequências dessa apreciação.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Mas já há debate, hoje! Consequências? Não tem!

A Sr.ª Mónica Ferro (PSD): — A macroestrutura da defesa nacional sai racionalizada, os seus recursos

reafectados e otimizados, evitando redundâncias, densificando as competências, com competências

atualizadas e redefinidas, sempre com o objetivo de fazer mais e melhor.

Há uma nova visão e não é de todo irrelevante que esta reforma se faça quatro anos após a última. O

necessário tem de ser feito.

Sr.as

e Srs. Deputados: Não podemos fazer a história do que nunca aconteceu. Mas há uma história que

podemos contar: a de como, em 2011, tivemos de fazer face aos enormes desafios que a crise económica e o

Programa de Assistência Económica e Financeira nos colocaram.

A segurança e a defesa do País foram também interpeladas por novos problemas, alguns deles, como o Sr.

Ministro já teve oportunidade de reconhecer, com um impacto potencialmente negativo na coesão e moral

militar.

A prioridade foi garantir a operacionalidade das Forças Armadas, e isso implicou medidas de emergência:

os ajustamentos imediatos, os cortes, a saber, nas forças nacionais destacadas, no número de exercícios e de

meios mobilizados, nos contratos de reequipamento e, não menos importante, nos custos de funcionamento

do próprio Ministério da Defesa Nacional.

Mas desbloquearam-se as promoções, mantiveram-se as isenções para os deficientes das Forças

Armadas, pagaram-se todos os complementos de pensão. E nunca a operacionalidade das Forças Armadas

esteve em questão.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Mónica Ferro (PSD): — Já o temos dito, e diremos à saciedade, que nem estes cortes são um fim

em si mesmos nem depois da emergência poderemos reduzir a exigência.

As leis que hoje aqui discutimos são mais uma etapa neste processo de reforço e garantias de eficácia e

eficiência das nossas Forças Armadas e da nossa Lei de Defesa Nacional. São alterações estruturais, que

perdurarão para além do tempo desta Legislatura.

Estamos, como é evidente, disponíveis para, em sede especialidade, debater, aprofundar e melhorar estas

propostas de lei. É que, como já referimos, a defesa nacional é demasiado importante para que, com ela,

façamos demagogia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Quero deixar apenas duas notas,

que me parecem importantes relativamente ao debate. Uma delas tem a ver com a capacidade eleitoral

passiva, com a forma como o Sr. Deputado António Filipe aqui a referiu, isto é, como a lógica da expulsão. A

lógica não é de expulsão, é voluntária. E se o PCP acha normal que alguém esteja a exercer uma função

pública durante 12 anos e que depois regresse para ser considerado militar, provavelmente só para receber a

reforma, o nosso entendimento é diferente, é o de que essa não é uma forma de prestigiar a condição militar,

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dignificar a condição militar e manter a lógica da imparcialidade e equidistância que os militares devem ter em

relação ao exercício de cargos político-partidários.

A segunda nota que quero aqui deixar tem a ver com o seguinte: o Sr. Deputado Marcos Perestrelo

lembrou, e bem, que, em 2009, sendo eu o interlocutor da oposição, recebemos uma indicação para

consensualizar, respondemos em tempo oportuno e até votámos favoravelmente.

O Sr. Deputado sabe que o Governo também fez esse esforço em relação ao Partido Socialista.

Provavelmente, enganei-me no interlocutor, provavelmente, houve problemas de comunicação interna, mas

também lhe digo que caminharemos em direção ao PS, logo que saibamos qual é a direção em que devemos

seguir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Marcos Perestrelo.

O Sr. Marcos Perestrelo (PS): — Sr.ª Presidente, este debate não podia passar sem um tom um pouco

chocalheiro do Sr. Ministro da Defesa Nacional,…

Vozes do PSD: — Oh!

O Sr. Marcos Perestrelo (PS): — … o que é muito lamentável num debate desta natureza.

Mas, ainda assim, Sr. Ministro, permita-me que lhe diga que o Partido Socialista não entende corresponder

a um esforço sério de consensualização sobre uma reforma desta importância e desta dimensão o envio de

diplomas a 15 dias da sua aprovação em Conselho de Ministros, com um papel dizendo «se tiverem alguns

comentários, façam favor de os fazer chegar».

Isso não é uma forma séria de tratar um assunto de Estado como este, Sr. Ministro.

Aplausos do PS.

E era precisamente a isso que me referia. Ou todos trilhamos aqui um caminho sério na direção uns dos

outros ou não seremos capazes de chegar a um consenso. E o Sr. Ministro, que faz filmes publicitários da

promoção do seu trabalho, que faz filmes publicitários sobre aquilo que quer fazer, que está convencido de

que ficará para a história por uma grande reforma, provavelmente, ficará para a história por uma reforma na

área da defesa nacional que, pela primeira vez, não merece o consenso dos três partidos que costumam

consensualizar esta matéria em sede parlamentar.

Portanto, eu evitaria esse tom que o Sr. Ministro aqui quis introduzir. Até porque o Sr. Ministro está a

trabalhar sobre isto há três anos, a sua programação previa que, no final de julho do ano passado, estes

diplomas estivessem cá fora, e, afinal, os diplomas só chegaram agora — e esse atraso não corresponde

seguramente a nenhuma dificuldade que lhe tenha sido levantada pelo Partido Socialista.

Sr. Ministro, o que penso é que, provavelmente, as bancadas da maioria terão uma postura diferente

relativamente a esta matéria, uma postura que o Sr. Ministro não foi capaz de ter e que, provavelmente, ditará

no fim, talvez, a possibilidade de encontrarmos uma solução para esta reforma, que, tal como aqui está, não

nos serve — nem a nós, nem às Forças Armadas, nem ao País.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, passando ao lado da adjetivação

pouco educada a que assistimos, quero apenas referir, só para que fique registado em Ata, que o Sr.

Deputado confessou, reconheceu que teve pelo menos 15 dias antes da aprovação destes diplomas em

Conselho de Ministros para poder dar uma indicação ao Governo, e isso não foi tempo suficiente para sequer

ter respondido a essa solicitação feita pelo Governo — 15 dias antes de estes diplomas terem chegado à

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Assembleia da República! Esse é o elemento que deve constar, no que diz respeito à bondade daquilo que é a

interlocução num regime democrático.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, só peço para intervir porque o Governo ainda dispõe de

tempo e nós reconhecemos o direito dos proponentes das iniciativas serem os últimos a falar.

Como o Sr. Ministro ainda dispõe de tempo, e eu também, não queria deixar de fazer uma última referência

relativamente ao que o Sr. Ministro disse quanto à capacidade eleitoral passiva.

O Sr. Ministro acha que, para garantir a dignidade das Forças Armadas, quem exerceu um cargo político

eletivo deixa de ser membro das Forças Armadas. Ou seja, o Sr. Ministro acha que o facto de o General

Ramalho Eanes continuar a ser General, depois de ter sido Presidente da República durante 10 anos, é

indigno para as Forças Armadas. Acha que o facto de o Deputado António Marques Júnior ser Coronel das

Forças Armadas é indigno para as Forças Armadas. Acha que presidentes de câmara, como o atual

Presidente da Câmara Municipal de Mafra e ex-Deputado do PSD, Hélder Sousa e Silva, continuarem a ser

militares, depois de cessarem as suas funções, é indigno para as Forças Armadas. Acha que o antigo

Presidente da Câmara Municipal de Grândola, Carlos Beato, continuar a ser militar, é indigno para as Forças

Armadas. Acha que o facto de o Coronel Mário Tomé, que foi Deputado da Assembleia da República,

continuar a ser Coronel, é indigno para as Forças Armadas.

Sr. Ministro, acho que isso é ofensivo. O Sr. Ministro acha que é indigna a situação atual, em que um

cidadão militar que é eleito pelos seus concidadãos para exercer um cargo político passa à reserva por esse

facto, mas, cessando as suas funções e ainda continuando na reserva, ele continua a ser membro das Forças

Armadas? Acha que as Forças Armadas têm vivido a indignidade por esse facto?

Sr. Ministro, eu não acho. E acho que essa sua posição, de querer expulsar das Forças Armadas (porque é

isso que acontece) um cidadão pelo facto de ele ter exercido um cargo político, é uma ofensa. É uma ofensa

às Forças Armadas Portuguesas, e não só! É uma ofensa ao Estado democrático, porque menoriza, de uma

forma gravíssima, o facto de um cidadão exercer um cargo político em representação dos demais cidadãos.

Sr. Ministro, nós consideramos que isto é de uma inconstitucionalidade grosseira e afirmaremos isto em

todo o lado e a todo o momento.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, como lhe referi no início, foi

consensualizado com as chefias militares…

O Sr. António Filipe (PCP): — E depois?!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Não quer saber disso? Ora aí está a diferença! É que nós

queremos saber o que os militares acham e o Sr. Deputado não quer saber o que os militares acham.

O Sr. António Filipe (PCP): — Quero, quero! Mas não só os chefes!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — É que são também os próprios militares que consideram que é um

fator importante para o prestígio, a equidistância e a imparcialidade da condição militar e das Forças Armadas

que não haja essa situação, que é uma situação de confusão entre o exercício de funções públicas,…

Protestos do Deputado do PCP António Filipe.

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O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — … normalmente, como referiu, até de natureza partidária, no

sentido de que há uma conotação partidária e que isso não contribui para o reforço daquilo que é o prestígio

de uma instituição que deve ser vista aos olhos de todos como equidistante e distante.

O Sr. António Filipe (PCP): — E que está desprestigiada?!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — E quem exerce funções dessas e depois regressa à lógica militar,

ao fim de 12 ou 20 anos, não poderá verdadeiramente considerar-se que tenha feito uma carreira militar,

porque o que fez seguramente foi uma carreira política…

Aplausos de Deputados do PSD.

O Sr. António Filipe (PCP): — Palmas só da última fila!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — … e, seguramente, no final, estará é para receber, ou não, aquilo

que é a reforma na reserva.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Marcos Perestrelo.

O Sr. Marcos Perestrelo (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, pedi a palavra pelo seguinte: em

relação a este tema, do abate ao quadro dos militares que sejam candidatos ao exercício de qualquer órgão, o

Sr. Ministro disse aqui que isso foi consensualizado com os chefes militares. Ora, na Comissão de Defesa

Nacional, foram recentemente ouvidos dois chefes militares, que não confirmaram perante a Comissão esta

afirmação do Sr. Ministro. Pelo contrário, exprimiram preocupação em relação a esta matéria.

Por outro lado, Sr. Ministro, gostava de lhe referir o seguinte: é importante saber o que os militares pensam,

mas quem tem de decidir é o poder político, é a Assembleia da República, porque é aqui que se tomam as

decisões quanto aos quadros legais que subordinam o poder militar e o seu exercício.

Portanto, o Sr. Ministro não se engane nas prioridades relativamente à defesa nacional.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, quero apenas lembrar ao Sr.

Deputado que é precisamente isso que estamos a fazer, ou seja, democraticamente ouvimos quem são os

primeiros interessados e, depois, como é o poder político que decide, estamos aqui a propor ao poder político.

Portanto, quem está a fazer confusão é o Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Não havendo mais inscrições, está concluído o debate conjunto, na generalidade,

das propostas de lei n.os

222/XII (3.ª) e 223/XII (3.ª) e dos projetos de lei n.os

374/XII (2.ª) (PCP) e 538/XII (3.ª)

(PCP).

Despedimo-nos do Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Defesa

Nacional. Creio que os outros membros do Governo se manterão junto de nós.

Vamos aguardar 1 minuto para passarmos para o segundo ponto da ordem do dia.

Pausa.

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Srs. Deputados, vamos, então, passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 221/XII (3.ª) —

Autoriza o Governo a introduzir disposições de natureza especial em matéria de regime das contraordenações,

no contexto da criação de um regime excecional e extraordinário de regularização a aplicar aos

estabelecimentos industriais, explorações pecuárias, explorações de pedreiras e explorações onde se realizam

operações de gestão de resíduos, por motivo de desconformidade com os planos de ordenamento do território

vigentes ou com servidões administrativas e restrições de utilidade pública.

Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e

da Conservação da Natureza.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza (Miguel de

Castro Neto) — Sr.ª Presidente, caros Srs. Deputados: O pedido de autorização legislativa que se submete

hoje a discussão parlamentar insere-se num quadro de reforma alargado do ordenamento, que está em curso.

Poucas matérias são tão relevantes para o desenvolvimento económico, para a coesão e para o

aprofundamento da cidadania como o ordenamento do território.

Neste contexto, o Governo procedeu a uma avaliação das atividades que se encontravam sem título

definitivo de exploração. Apurou-se, nesse processo, que mais de 3000 unidades produtivas se encontram a

laborar à margem do setor ou das regras comunitárias de desempenho ambiental, com títulos provisórios de

exploração caducados.

Srs. Deputados, não estamos a falar de uma amnistia. O Governo, ao encarar o problema de frente e a

chamar a si a ponderação de estabelecimentos ilegais em atividade há décadas, procura trazê-los para o

setor, evitando situações de concorrência desleal e obrigando os operadores económicos ao cumprimento das

regras ambientais.

O Governo, ao abrir a possibilidade de regularização, não pode deixar de assumir a suspensão dos

processos contraordenacionais em curso, só assim garantindo a adesão dos operadores ao regime.

Repare-se na incongruência que existiria se, por um lado, a Administração iniciasse o processo de

ponderação e, por outro, prosseguisse e decidisse os processos de contraordenação. Não seria sério. O que

se faz, sim, é suspender aqueles processos, impondo a realização dos investimentos necessários ao

cumprimento das normas aplicáveis quer ao setor quer em termos ambientais, pretendendo-se, assim, alocar

todos os esforços na valorização do ambiente e da conservação na natureza.

Srs. Deputados, os anteriores processos setoriais de regularização não ponderavam os interesses

específicos do ordenamento, que assim se via confrontado no final de um processo de que não tinha feito

parte.

Esta proposta chama para a mesma mesa de decisão as entidades licenciadoras do setor, mas também as

câmaras municipais e as entidades com responsabilidade no ordenamento do território.

Só com uma ponderação de todos os fatores em causa, nos quais se inclui, desde logo, o ordenamento, é

possível, com seriedade e rigor, resolver estas situações, ou admitindo a sua regularização ou exigindo, de

forma pragmática e efetiva, o seu encerramento.

Para garantir o sucesso desta iniciativa, vale a pena referir que o procedimento assenta numa conferência

decisória onde todas as entidades assumem uma decisão única e as suas legais responsabilidades na

matéria, competindo ainda às CCDR (comissões de coordenação e desenvolvimento regional) elaborar um

relatório de avaliação dos resultados alcançados e apresentar as propostas de atuação que se mostrem

necessárias para as unidades produtivas que não forem regularizadas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, chegámos a esta fase da

discussão sem termos na nossa posse um conjunto de informação que era extremamente relevante para esta

discussão.

O Sr. Secretário de Estado avançou agora o número das explorações que possam estar nesta situação.

Contudo, era fundamental que mais informação estivesse na posse na Assembleia da República para esta

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discussão, nomeadamente a tipologia dos problemas levantados, os níveis de incompatibilidade das

explorações existentes com os instrumentos de ordenamento, porque sem essa informação, mais uma vez,

estar-se-á a legislar no «escuro». Por isso, essa informação é importante.

Se o Governo não tem esta informação, é mau; mas se a tem e não a quer fornecer ainda é pior, porque dá

aso a alguma especulação sobre uma eventual legislação feita por medida e para corresponder a alguns

interesses. Por isso, era fundamental que essa informação fosse fornecida no momento em que estamos a ter

esta discussão.

Aplausos do PCP:

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do

Território e da Conservação da Natureza.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: — Sr.ª

Presidente, Sr. Deputado, acreditamos que a informação disponível é a suficiente para o processo em curso.

Acho que é inevitável e é incontestável a necessidade de enfrentarmos esta situação. Julgo que a

existência de um conjunto de explorações, de atividades económicas que operam em situação ilegal é por

demais conhecida de todos. O processo apresentado nesta proposta de autorização legislativa é precisamente

um modelo integrado em que os diversos intervenientes estarão todos reunidos numa conferência decisória. É

também envolvida a necessidade de uma aprovação, de um parecer favorável da assembleia municipal

abrangida por essa iniciativa.

Portanto, acreditamos que este processo decorrerá de uma forma transparente. Não acreditamos que haja

qualquer falta de informação e consideramos que os elementos disponibilizados são suficientes para

podermos prosseguir com este processo.

A Sr.ª Presidente: — Seguir-se-ão as intervenções dos Srs. Deputados Eurídice Pereira, do PS, Pedro

Filipe Soares, do BE, Adriano Rafael Moreira, do PSD, e Heloísa Apolínica, de Os Verdes.

Tem a palavra, pelo PS, a Sr.ª Deputada Eurídice Pereira.

A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Sr. as

e Srs. Deputados:

Sobre a oportunidade da apresentação da proposta de lei que hoje apreciamos, faço duas primeiras

observações:

Em primeiro lugar, refiro a nossa estranheza à referência à revisão geral dos regimes jurídicos aplicáveis às

bases do ordenamento do território, dos solos e aos instrumentos de gestão territorial, já que, tanto quanto

sabemos, o Sr. Presidente da República ainda não promulgou o decreto da Assembleia da República que

estabelece a Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo.

Depois, porque aquele Decreto consagra um artigo alusivo à regularização de operações urbanísticas, o

qual previa um conjunto de disposições que são, agora, alargadas a um número muito expressivo de unidades

produtivas que não dispõem de título de exploração ou de exercício válido, tendo em conta as condições

atuais da atividade.

Em face da ausência de estudos que tenham fundamentado a iniciativa que nos fez chegar, recorro à

argumentação constante da proposta de lei, iniciativa que o Governo apresenta por considerar essencial

instituir um regime extraordinário que uniformize o procedimento de regularização aplicável a este tipo de

estabelecimentos e explorações, no que respeita à desconformidade com planos de ordenamento do território

ou com servidões administrativas e restrições de utilidade pública, visando avaliar a possibilidade de

adaptação desses instrumentos por forma a viabilizarem a regularização.

E é apenas isto: uma fragilidade argumentativa extrema e uma flagrante omissão à ponderação integrada

dos interesses ambientais, sociais e económicos, que deveria ser a base desta iniciativa.

As soluções propostas pelo Governo, para uma realidade que concordamos ter de ser revisitada,

extravasam a razoabilidade admissível em face da realidade nacional.

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A simples constatação da irregularidade de um vasto conjunto de situações, muitas das quais há décadas

em permanente conflito com comunidades locais e com a lei, não pode ser fundamento bastante para o

branqueamento de anos de infração.

A criação de um regime excecional não pode distorcer os dispositivos legais aplicáveis a atividades que se

revestem de um caráter de enorme sensibilidade, nem tão pouco alicerçar procedimentos de alteração de

instrumentos de gestão territorial a favor do prevaricador.

O princípio tem de ser a adequação do já edificado aos instrumentos de gestão territorial, às servidões

administrativas e às restrições de utilidade pública e não o contrário.

Sr. Secretário de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados, mesmo tratando-se de uma autorização legislativa,

estamos disponíveis para aperfeiçoar e melhorar a iniciativa.

Mas, tal qual como está, e em face da ausência de estudos de custo/benefício ou de uma ponderação mais

vasta sobre as consequências da criação de um regime excecional para o superior interesse nacional, não

daremos o nosso aval a esta proposta de lei.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados: O Governo anunciou ao País e trouxe à Assembleia da República, exatamente com a mesma

mensagem, esta última oportunidade. Entendamo-nos: é mais uma última oportunidade antes da próxima. Já

se perdeu a conta, nas últimas duas décadas, ao número de «últimas oportunidades» que existiram! Tal como

governos anteriores, este Governo veio dizer que esta é mesma a última e esta é a melhor de todas as que já

existiram.

A primeira conclusão que poderemos tirar é a de que este é um teatro já visto e que, de facto, o que há

aqui é o benefício do infrator.

A mensagem que sairá daqui não é a de que esta é a última oportunidade, é a de que, de facto — e esta é

a mensagem do Governo —, o crime compensa.

Vejamos o que é que o Governo nos propõe, na prática. Diz-nos que vai premiar duas vezes diretamente o

infrator; uma primeira vez porque pode continuar a infringir durante um ano, pois, a partir do momento em que

entrega os papéis, pode continuar a sua atividade, durante um ano, até ver a situação avaliada.

Vai premiar uma segunda vez porque, durante esse mesmo ano de atividade, não haverá qualquer

ativação das contraordenações porque elas estão suspensas. É verdade que, no final desse ano, poderá vir a

pagar. Mas também não é menos verdade que, durante um ano, existe essa suspensão.

Vejamos o que é o Governo faz com esta alteração legislativa no âmbito de todos documentos de gestão

do território. O Governo diz que, durante um ano, ou até mais, os documentos de gestão do território passaram

a ser «queijos suíços» porque quer a RAN (Reserva Agrícola Nacional), quer a REN (Reserva Ecológica

Nacional), quer a Rede Natura 2000 quer os PDM (planos diretores municipais) ficarão em suspenso, sob a

alçada desta alteração legislativa.

Ora, esta realidade, esta última oportunidade, na prática, é mais uma oportunidade para continuar a infringir

os documentos de gestão territorial. Mas estes instrumentos — e esta outra vertente importante — são agora

tão desvalorizados que nem para a análise do impacte ambiental passarão a ser considerados. Entenda-se: o

que diz a lei é que uma exploração, uma atividade que decorra ilegalmente, que seja sujeita a avaliação de

impacte ambiental, se estiver no âmbito de uma RAN, de uma REN ou da Rede Natura 2000, não deverá, por

este motivo, ter uma avaliação ou análise diferenciada face a uma outra atividade ou exploração, também

ilegal.

Ora, esta realidade demonstra que o Governo não tem sequer uma valorização na avaliação do que

significam estes instrumentos de gestão integrada, que deveriam ser valorizados.

Há ainda uma ideia que creio ser relevantíssima. Poderemos todos perceber o impacto, quer positivo quer

negativo, de explorações que estão a funcionar há décadas e perceber que houvesse uma pressão adicional

para resolver problemas. Mas o que o Governo nos diz é que esta legislação vai aplicar-se a quem tenha uma

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atividade de, no mínimo, dois anos. Ora, não há aqui uma vontade de resolver problemas antigos, há é uma

vontade de legitimar problemas bem recentes.

Concluo, Sr.ª Presidente, dizendo que o Bloco de Esquerda não acompanhará esta nova tentativa de

destruir aquela que deveria ser uma política de gestão de territórios e uma verdadeira política que visasse

defender as pessoas e não liberalizar totalmente a ilegalidade.

O Governo diz — e esta é a chantagem principal — que traz uma mão cheia de empregos. Ora, é uma mão

cheia de nada quando nos pede, por outro lado, para abrir mão de valores de legalidade, ambientais e até

sociais.

Da nossa parte, mais este impulso para o benefício de infrator não merecerá outra coisa se não o voto

contra.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados:

Começo por felicitar o Sr. Secretário de Estado por ser o rosto de uma das maiores reformas que está a

ocorrer em Portugal, que é a reforma do ordenamento do território.

Esta proposta de lei, tal como as anteriores, merece a atenção do Parlamento e da sociedade civil. No

entanto, algumas das intervenções a que já assistimos levam-nos a concluir que não tem tido a merecida

atenção, pois tem de ser lida, percebida e encarada com a verdade que ela pretende combater.

VV. Ex.as

constataram, como todos os governos anteriores tinham constatado, que são inúmeras as

situações ilegais a funcionar atualmente. O Governo identificou que a causa é comum, ou seja, por motivos de

estrangulamento legal que se prende, muitas vezes, com dificuldades de alteração nos domínios do

ordenamento do território muitas explorações não encontram atempadamente o seu licenciamento. O que é

certo é que continuam a funcionar na ilegalidade ambiental e económica, isto é, violando todas as regras que

um Estado de direito exige e impõe que sejam cumpridas.

O que o Governo fez, e muito bem, foi o seguinte: para um problema comum trouxe-nos uma solução

comum. Identificou situações e, de uma forma agrupada, trouxe ao Parlamento uma solução comum,

excecional e transitória, que exige prazos mínimos de funcionamento, porque não se pretende que apareçam

situações apressadas à procura do benefício deste regime transitório. É essa a questão da necessidade de um

funcionamento mínimo no tempo.

Todos esses casos irão ser estudados e, de uma forma célere, será encontrada uma solução, que só terá

dois fins: ou se obtém o licenciamento no cumprimento da lei e com a intervenção de todas as autoridades que

têm, atualmente, os poderes respetivos ou encerram.

Continuarmos a esconder a realidade, a não querer encará-la e a realizarmos debates que não levam a

lado nenhum acabou.

Mais uma vez, Sr. Secretário de Estado, felicitamo-lo por ter a coragem de trazer a debate estas propostas.

Srs. Deputados, temos de destacar um aspeto que foi visto pela negativa, mas que deve ser visto pela

positiva. Este diploma prevê também um regime excecional no campo contraordenacional, sendo,

possivelmente, o exemplo que virá a ter eco e cópia noutros diplomas.

Notem que há uma suspensão do processo contraordenacional, que é legítima e justa, porque uma vez que

estamos num período em que se procura encontrar uma solução rápida que leve ao licenciamento, não tem

lógica que continue a correr um processo de penalização a essa entidade. Mas também houve o cuidado — e

este é o carácter inovador — de suspender a prescrição. Não há prescrição de nenhum procedimento nem de

nenhuma sanção, há uma suspensão que será retomada se o fim que vier a ser atingido não for o procurado

licenciamento.

Concluo, destacando três notas finais relativas a esta proposta de lei, pois com ela conseguimos o

seguinte: em primeiro lugar, a identificação de todos estes casos nos quatro domínios que, tal como já

ouvimos falar e já lemos, estão há anos a funcionar na ilegalidade; em segundo lugar, uma solução rápida que

conduzirá ou ao licenciamento ou ao encerramento das unidades; por último, a garantia de que haverá a

ponderação de sustentabilidade, isto é, será ponderada a vertente ambiental, social e económica.

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Posto isto, ou funcionam dentro da legalidade ou encerram.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs.

Deputados: O Governo apresentou hoje à Assembleia da República uma proposta que visa um regime

extraordinário de modo a legalizar explorações ilegais de pecuária, indústria, extração de inertes, gestão e

tratamento de resíduos.

O Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira, do PSD diz que esta situação é absolutamente compreensível,

porque são casos que continuam a funcionar ilegalmente há anos. Fico abismada com esta sua afirmação!

Pergunto: o que é que o Governo anda a fazer para o País estar num mar de ilegalidade? O que é que o

Governo anda a fazer?

A Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade (Teresa Morais): — Anda a

resolver as ilegalidades!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É que parece que andamos todos a brincar e que, de repente, os

senhores se lembraram de criar um regime extraordinário de que nunca ninguém se tinha lembrado. Errado!

Todos os governos se lembram do mesmo e aplicam o mesmo.

Não passamos da mesma cepa torta em Portugal, por isso é que continuamos com níveis de

incumprimento absolutos, com níveis de poluição absolutos e com um desordenamento absoluto.

Este não é o primeiro caso de regime extraordinário. Daqui a pouco passa a ser, de facto, um regime

ordinário, comum, mais do que comum!

Então, podemos concluir que, em Portugal, se funciona mais ou menos assim: instala-se ilegalmente uma

determinada indústria, uma determinada exploração, dentro daquela tipificação que o Governo apresenta, e

depois o Governo legisla para tornar legal o que é ilegal, resolvendo-se, deste modo, a situação, ou, como diz

o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira, encerram-se. O Sr. Deputado põe a hipótese de encerrar algumas,

não é verdade? E não passamos disto!

E como é que o Governo faz esta coisa absolutamente brilhante? Por exemplo, desta forma: se uma

instalação viola um plano de ordenamento e o Governo chega à conclusão de que o plano de ordenamento

está errado, se a instalação está certa o plano de ordenamento está errado. O que é que se faz? Altera-se o

plano de gestão territorial!

Ou seja, tendo concluído que não são as instalações ilegais que estão desconformes, são, então, os

instrumentos de gestão territorial que estão desconformes. Portanto, eles vão-se adaptando às permanentes

ilegalidades.

Sr.as

e Srs. Deputados, isso é um bocado absurdo e demonstra a incompetência dos sucessivos governos

para resolver atempadamente aquilo que é importante resolver.

O Sr. Secretário de Estado não pode chegar a esta Casa e dizer, com a maior naturalidade, que há

imensas instalações e explorações ilegais, lançando um sorriso — naturalmente porque conhece bem a

realidade concreta —, e dizendo-nos que o apanhado que o Governo fez demonstra que serão, mais ou

menos, 3000 os casos envolvidos.

Como Deputada da Assembleia da República, quero essa listagem dos 3000 casos que o Sr. Secretário de

Estado tem na mão e que foi fruto de um estudo, certamente aturado, por parte do Governo e gostaria que

essa informação chegasse urgentemente ao Parlamento.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lino Ramos.

O Sr. JoséLino Ramos (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: Já

aqui foi apresentado o sentido e o objetivo desta iniciativa que, em síntese, e no fundamental, pretende que se

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institua um regime excecional e transitório e que se uniformize o procedimento de regularização aplicável a um

conjunto de estabelecimentos. Não é a primeira vez que isto acontece, mas esperemos que seja a última.

A defesa do ambiente e do ordenamento do território é, seguramente, uma obrigação da Secretaria de

Estado da tutela, mas a criação de um contexto favorável ao investimento é uma prioridade fundamental deste

Governo e desta maioria e, sobretudo, do Estado. Portanto, é necessário compatibilizar estas duas funções, e

esta iniciativa fá-lo.

Todos sabemos que da criação de um contexto favorável ao investimento depende o crescimento

sustentável, a dinamização e a otimização de investimento, a criação de emprego, o desenvolvimento social e

a competitividade de um país.

Por isso, Srs. Deputados, a criação deste contexto favorável ao investimento exige a concertação coerente

de esforços e de regimes que ponderem todos os interesses públicos em questão. É fundamental conhecer e

reconhecer a importância das unidades de exploração no sentido da sua regularização, mas isso não pode

significar um indulto generalizado.

É fundamental — e este regime permite-o agora — que as entidades com responsabilidades ambientais e

de ordenamento do território sejam chamadas a participar no procedimento de regularização e, assim, avaliar

os impactos da manutenção de instalações na salvaguarda dos recursos naturais, fazendo-o mediante um

procedimento único e integrado, garantindo que as unidades que afetem irreversivelmente o ambiente e o

ordenamento sejam efetivamente encerradas. Só assim se protege o ambiente, só assim se protege o

ordenamento do território.

Srs. Deputados, não podemos continuar a fechar os olhos a uma realidade que está à vista de todos, não

podemos continuar a ter estas unidades que existem, na realidade, há décadas, que pagam impostos, que

criam empresas, que criam trabalho, que geram riquezas, mas que são ilegais! Não podemos tratar todos da

mesma forma, como se todos tivessem os mesmos pressupostos. Há que conhecer, avaliar, decidir e,

sobretudo, agir.

Saudamos, pois, esta iniciativa, que tem cinco objetivos cruciais:

Em primeiro lugar, pretende a uniformização do procedimento de regularização aplicável às atividades

económicas, até agora disperso por várias entidades e vários diplomas legais, uniformizando e, sobretudo,

simplificando a vida a quem quer ver os seus investimentos realizados.

Em segundo lugar, institui um regime excecional e transitório que permite assegurar uma decisão

integrada, uma visão de conjunto e um juízo comparativo de todos os custos envolvidos — económicos,

sociais e ambientais, todos eles merecedores de tutela.

Terceiro, permite a eficiência da atividade administrativa e, consequentemente, a redução de custos de

contexto.

Em quarto lugar, dá cumprimento a metas ambientais, porque são criadas condições para que as

instalações e estabelecimentos que se encontram atualmente em situação de exploração irregular possam

melhorar o seu desempenho ambiental e agindo contra aqueles que não cumprem metas ambientais.

Por último, institui um procedimento em matéria de legalização urbanística, o que permite aos municípios

avaliar quais os requisitos e as normas que sejam aplicáveis ou impossíveis de aplicar, tendo em conta o

efeito do decurso do tempo.

Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, o crescimento de um país depende da criação de um contexto

favorável ao investimento, e é o que esta proposta de lei vem reforçar.

Na medida em que esta é uma iniciativa útil, necessária e adequada, merecerá, seguramente, o nosso

apoio.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Sr. Secretário de

Estado, aguardemos, então, a informação que disse possuir, porque ela é importante para a discussão na

especialidade, caso o documento seja aprovado na generalidade.

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As atividades económicas que se instalaram de forma irregular foram-no fazendo com a permissão dos

serviços públicos que deveriam fiscalizar essa instalação.

Agora, surge esta proposta imbuída de uma ideia que este Governo tem tentado afirmar, que é a de que,

face à situação de crise económica e na perspetiva de a superar, vale tudo, desde reduzir drasticamente os

salários e os direitos dos trabalhadores até à suspensão das regras de ordenamento e planeamento do nosso

território.

A importância da atividade económica nunca é reconhecida através da redução dos custos de contexto,

como no caso da eletricidade, dos combustíveis ou outros, através da valorização das micro, pequenas e

médias empresas e da redução dos impostos sobre setores importantes, como a restauração. Querem

reconhecer essa importância suspendendo e ignorando os instrumentos de gestão territorial ou abdicando dos

estudos de impacte ambiental. Tal é ainda mais grave, uma vez que estas normas se aplicam à regularização,

mas também à alteração ou ao alargamento e, pelo que se vai referindo num ou outro artigo, à instalação de

estabelecimentos.

Assim, este regime que exceciona o cumprimento de regras de ordenamento ou proteção ambiental aplica-

se não apenas a atividades já instaladas, como àquelas que ainda vão ser instaladas.

O ordenamento do território e os estudos de impacte ambiental têm como objetivo salvaguardar os

recursos do País. A criação de regimes que criam exceções ao seu cumprimento, criando desigualdades nos

custos de operação entre os que cumprem as regras e os que são escusados de as cumprir, põem em causa,

acima de tudo, os recursos do País e o seu futuro.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Ramos (PCP): — Com a criação deste regime de exceção, olhemos para outros regimes do

género que já foram criados, como os processos de estímulo ao investimento, os PIN (Projetos de Potencial

Interesse Nacional), em que as regras eram ultrapassadas. Avaliem-se os empregos criados e prometidos, os

apoios arrecadados pelos investidores e as vantagens obtidas pela suspensão dos instrumentos de

ordenamento e compare-se isso com os resultados económicos e sociais para o País e logo percebemos

quem paga e quem beneficia com este tipo de regimes.

Percebemos também, pela leitura do documento, que este volta a espelhar a posição de classe do

Governo. Entre os critérios para a regularização, está o interesse económico, sendo critério de avaliação a

faturação. O distanciamento entre uma exploração industrial e uma pequena exploração pecuária, fonte de

rendimento de uma família, deixa sempre em desvantagem a segunda. Este posicionamento ideológico do

Governo é bastante evidente quando este instrumento, que regulariza explorações onde se realizam

operações de gestão de resíduos, se discute nas vésperas da privatização da entidade pública de gestão de

resíduos, a EGF (Empresa Geral de Fomento, S.A.).

Não temos dúvidas em relação à necessidade de regularização de explorações. Ela tem de acontecer,

procurando salvaguardar a atividade económica, salvaguardando os direitos adquiridos, sempre no respeito

pelos instrumentos de ordenamento enquanto meio de defesa dos recursos do País.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do

Território e da Conservação da Natureza.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: — Sr.

Presidente e Srs. Deputados, conforme creio que transpareceu das intervenções, nós apresentámos hoje,

aqui, uma proposta de autorização legislativa que produz uma forma integrada e transparente de as entidades

pertinentes avaliarem as atividades ilegais e decidirem sobre se as mesmas deverão ser ou não regularizadas,

envolvendo os investimentos necessários para tal acontecer e, no caso de tal não ser possível, serem

devidamente encerradas.

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Portanto, não se trata, de forma alguma, de um processo de legalização de atividades ilegais, nem o

Governo vem aqui anunciar nenhuma alteração de instrumentos de gestão territorial para legalizar atividades.

Por outro lado, quero dar nota de que nos empenharemos para que seja possível colaborar no sentido de

melhorar o diploma no que se justifique.

Gostaria, ainda, de deixar uma última nota relativa ao facto de, hoje, no quadro da reforma do ordenamento

do território que temos em curso, ter sido aprovado pelo Conselho de Ministros o Regime Jurídico da

Urbanização e Edificação.

Este Regime Jurídico incluiu várias inovações que representam mais um passo na política do Ministério

para garantir um território mais sustentável, com uma ocupação baseada num planeamento responsável e na

reabilitação urbana.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Queira concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: — Vou

concluir de imediato, Sr. Presidente.

Quero ainda destacar seis grandes inovações: um novo regime de comunicação prévia; a redução do

âmbito de apreciação no licenciamento; a diminuição dos prazos de consultas externas; a inclusão do

interessado nas conferências decisórias; um novo conceito de construção; e a inclusão do prazo de alvarás no

loteamento.

Esta é mais uma medida em torno da reforma do ordenamento do território que queremos prosseguir,

operacionalizando-se, assim, uma nova forma de planear, um novo modelo de desenvolvimento territorial que

responda hoje às necessidades futuras enquadrado num contexto mais vasto de crescimento sustentável e do

emprego, tirando partido dos nossos talentos, dos nossos recursos naturais e das nossas infraestruturas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, passamos ao terceiro ponto da nossa agenda de

trabalhos, que consiste na discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 220/XII (3.ª) —

Estabelece os termos da inclusão de combustíveis simples nos postos de abastecimento para consumo

público localizados no território continental, em função da respetiva localização geográfica, bem como

obrigações específicas de informação aos consumidores acerca da gasolina e do gasóleo rodoviários

disponibilizados nos postos de abastecimento e do projeto de lei n.º 486/XII (3.ª) — Introduz medidas de

transparência e antiespeculativas na formação dos preços de combustíveis (BE).

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Energia.

O Sr. Secretário de Estado da Energia (Artur Trindade): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com muito

gosto que hoje, Dia da Energia, faço a apresentação desta proposta de lei na Assembleia da República, que,

como diz o seu enunciado, visa promover a distribuição no território de Portugal continental dos chamados

combustíveis simples ou combustíveis low cost.

O objetivo desta proposta de lei é determinar quais são as características que definem aquele que é um

combustível simples, normal, não aditivado, vulgarmente compatível com aquilo que é denominado

«combustível low cost», e a forma como podemos distribuir o acesso a esses combustíveis pelos diferentes

postos de abastecimento por todo o território nacional.

Com efeito, a proposta de lei propõe que se identifique com clareza ao consumidor qual é a natureza do

combustível que está a ser distribuído e, no caso de o combustível ser semelhante àquilo que são os

combustíveis low cost, essa matéria aparece claramente identificada através de rotulagem adequada.

Por outro lado, estabelece-se que os postos de combustível devem, pelo menos os que tenham

determinada dimensão, ter um tanque disponível para o fornecimento de combustíveis low cost.

Considera-se que esta intervenção no mercado pode produzir efeitos e reorganizações, pelo que no caso

de, em determinado município, o mercado estar a ter um desempenho considerado eficiente e já existir um

acesso relevante à chamada rede de combustíveis low cost, esse município pode ficar isento da obrigação que

acabei de referir.

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A presente proposta de lei considera-se equilibrada e adequada entre os interesses dos consumidores, dos

distribuidores e dos grossistas de combustíveis, no entanto a sua análise técnica pode merecer

aprofundamento e afinamento de acordo com determinados critérios que têm vindo a ser discutidos,

designadamente na Comissão que tem tratado destas matérias.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para apresentar o diploma do BE, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estados, Sr.as

e Srs. Deputados, há

um consenso já antigo nesta Casa, que, aliás, é um consenso social, de que há um problema nos

combustíveis em Portugal: o de que têm preços muito altos, bem como o de que há diferenças grandes no

acesso a diferentes preços consoante se viva no litoral ou no interior do País.

Isso tem a ver com três razões essenciais: a questão da transparência na formação dos preços; a questão

da volatilidade dos preços; e a questão de os preços, em média, serem, de facto, demasiado elevados.

Até aqui não há nenhuma novidade.

A novidade produtiva, diria eu, que esta discussão coloca em cima da mesa é que o Governo admite que

existem falhas no mercado. Ainda não é o suficiente para admitir que a liberalização do mercado de

combustíveis levou à construção de um mercado opaco, pouco transparente, oligopolista, especulativo, que

prejudica os consumidores, mas admite que só com medidas por parte do Governo de intervenção na

economia é que se pode controlar este mercado que, caso contrário, seria um mercado que prejudicaria a

economia, o País e os consumidores.

Neste contexto, a introdução de combustíveis low cost, que, deve dizer-se, demorou a entrar em vigor —

aliás, ainda está no papel e vamos ver quando é que será a sua conclusão —, tem aspetos positivos, pois

permite, de facto, um acesso mais barato ao combustível.

Temos, no entanto, algumas preocupações em termos de operacionalização, nomeadamente: a dispensa

de postos em concelhos com mais de 30 % de combustível não garante que haja uma distribuição regional e

territorial destes postos; a obrigatoriedade de os postos maiores terem acesso a combustível low cost não

torna claro como é que vai deixar o mercado em termos de concentração e se vai ou não vai prejudicar os

pequenos operadores e os pequenos comercializadores; e, sobretudo, a proposta não dá garantias nem de

transparência de preços, nem de conseguir combater a concentração no mercado de combustíveis, nem de ter

impacto nos restantes combustíveis aditivados ou na volatilidade dos preços.

É nesse sentido que apresentamos este segundo projeto de lei, que evidencia, tal com se tornou clara para

todos, que o mercado liberalizado não protege os consumidores. É esta evidência que queremos levar à sua

consequência lógica e que parte de uma análise simples: o que é que determina que os preços em Portugal

sejam superiores aos preços internacionais do combustível? Ou o que leva a que quando o preço internacional

sobe o preço em Portugal suba muito e quando o preço internacional baixa o preço em Portugal não baixa

como o preço internacional?

O que faz com que isto aconteça é a especulação no mercado, é a concertação entre os operadores no

mercado, é a falta de transparência, é o oligopólio.

Portanto, se queremos resolver o problema dos combustíveis em geral, temos de atacar estas

características, temos de atacar a concertação, temos de atacar a especulação, temos de atacar a falta de

transparência e temos de criar regras para a forma como os preços podem mudar.

Achamos que a proposta que apresentamos é eficaz, coloca limites à variação de preço, coloca regras

claras à variação do preço e, se não for por preconceitos ideológicos, é uma forma muito mais eficaz de

controlar o preço dos combustíveis, de ajudar a economia e de proteger os consumidores.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Paulo

Figueiredo.

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O Sr. Rui Paulo Figueiredo (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Esta é uma matéria que, como

disse há pouco a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, tem gerado consenso nesta Câmara há muito tempo. Já

nas Legislaturas anteriores, no caso do Partido Socialista, o Deputado Jorge Seguro foi um dos

impulsionadores, mas houve Deputados de todos os partidos que defenderam esta matéria, tendo-o também

feito o Governo, por várias vezes, nos últimos três anos. Aliás, o Ministro Álvaro Santos Pereira repetiu

anúncios sobre esta matéria infelizmente não concretizados.

Por isso, damos as boas-vindas a esta proposta de lei e, em boa hora, o Governo dá o pontapé de saída

formal para este debate.

Queria registar a parte final da intervenção do Sr. Secretário de Estado, porque acho que ela é bem

revelante. O Sr. Secretário de Estado, contrariamente até ao que, às vezes, acontece por parte do Governo

com outras matérias, referiu que havia disponibilidade do Governo para trabalhar e aperfeiçoar esta proposta e

mencionou mesmo o trabalho que já tem sido aflorado em sede de Comissão de Economia e Obras Públicas.

Nós saudamos e acompanhamos o que o Sr. Secretário de Estado aqui disse e manifestamos a nossa

disponibilidade e o nosso interesse no sentido de viabilizar que a proposta desça à Comissão e de

contribuirmos para o seu aperfeiçoamento.

Sabemos que há um grupo de trabalho sobre o setor automóvel que, transversalmente a outras matérias

que respeitam a esse setor, tem feito algum trabalho. Essa matéria, aquando do anúncio por parte do Ministro

Jorge Moreira da Silvam, de que, em breve — foi à segunda, é verdade, mas desta vez cumpriu —, iriamos ter

uma proposta, foi aflorada pela Deputada Carina Oliveira, do PSD, e pelo Deputado Fernando Serrasqueiro,

do PS, pelo que entendo que esse grupo de trabalho poderia ter aqui um papel importante.

Seja nesta formulação com esse grupo de trabalho ou criando um outro grupo de trabalho, queremos

apresentar propostas e queremos, acima de tudo, contribuir para o aprofundamento do debate, porque há

matérias que precisam de ser melhor buriladas e esclarecidas, nomeadamente a matéria dos preços de

referência e a sua aplicação, pois, sinceramente, não estamos convencidos da boa solução apresentada.

Também achamos — e recebemos alguns pareceres — que é importante ouvir a ANAREC (Associação

Nacional de Revendedores de Combustíveis) — o Partido Socialista já o fez —, que gostaria de dar os seus

contributos e que manifestou algum desconforto por não ter sido devidamente ouvida junto da Assembleia da

República.

O Partido Socialista também já fez contatos com a APETRO (Associação portuguesa de Empresas

Petrolíferas) e com os seus associados sobre essa matéria no âmbito da nossa formulação de opinião sobre

esta matéria e também achamos que a Assembleia deve ouvir esta Associação e aprofundar este debate.

Não querendo estender-me mais sobre esta matéria, há muitos pontos que poderia aqui abordar, que

gostávamos de ver melhor esclarecidos e sobre os quais queremos apresentar propostas, mas, dada a

disponibilidade manifestada pelo Sr. Secretário de Estado, que registamos e reiteramos, penso que

poderemos deixar este debate para a fase da discussão na especialidade, assim os partidos da maioria

acompanhem o que o Governo aqui deixou registado e viabilizem uma discussão e uma audição adequadas

sobre esta matéria em sede de Comissão de Economia e Obras Públicas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Matias.

O Sr. Nuno Filipe Matias (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Ouvimos

agora o Deputado Rui Paulo Figueiredo dar as boas-vindas ao Governo para este debate sobre a rede de

combustíveis low cost, mas, em nome da verdade, é importante dizer que o Governo trouxe, oportunamente,

esta matéria a debate na Assembleia da República, tendo apresentado um anteprojeto de decreto-lei para que

pudesse ser debatido e para que os diversos partidos da oposição tivessem oportunidade de apresentar os

seus contributos. Na altura, o Partido Socialista disse «presente», mas depois de apresentar as propostas

infelizmente marcou pela ausência.

Portanto, há que dizer que não só o Governo não aparece apenas agora como desde há muito falou sobre

esta matéria. Procurou apresentar, de forma clara, soluções, procurou discutir e trazer para a Assembleia da

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República, oportuna e atempadamente, esta discussão. E se esta tomada de posição não aconteceu mais

cedo é porque, se calhar, a disponibilidade que, em dado momento, alguns partidos da oposição

demonstraram, e bem, em apresentar propostas não foi concretizada no tempo e no momento oportuno.

Diga-se, em abono da verdade, que o Governo andou bem por transformar a autorização legislativa e o

anteprojeto de decreto-lei numa proposta de lei para agora também podermos recolher contributos e introduzir

melhoramentos na especialidade. Procuraremos, com isso, contribuir para uma solução ainda mais

concretizada, porque temos a convicção de que nesta matéria, como noutras, se demonstra que existe uma

lógica de termos uma política energética que defenda os consumidores, que defenda os operadores de

mercado e que não exista uma luta ideológica e dogmática que ponha em causa o princípio da existência de

uma economia de mercado liberalizada mas devidamente regulada.

Não nos podemos esquecer que foi este Governo que criou a Entidade Nacional para o Mercado de

Combustíveis, que está a monitorizar e que irá permitir fazer o acompanhamento daquilo que é o

funcionamento e a operação no mercado.

Portanto, queremos deixar bem claro que felicitamos o Governo não só por ter a disponibilidade, a coragem

e a audácia de, desde há muito, lutar pela defesa do consumidor e pela defesa de um mercado de

combustíveis…

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Veja lá o resultado que tem dado!

O Sr. Nuno Filipe Matias (PSD): — … mais regulado, em que a informação sobre a formação dos preços

nesta matéria seja mais completa, mas também por ter apresentado esta proposta.

Efetivamente, esta proposta tem vários méritos. Em primeiro lugar, porque, não só na questão da escala,

procura salvaguardar, ainda assim, a opção livre dos operadores de quererem ou não optar pela solução, mas

também por garantir que, com este diploma, vamos ter a oportunidade de disseminar no território o acesso a

combustíveis não aditivados. Manifestamente, e ao contrário de outros, que anunciam e criticam o facto de

apenas agora supostamente se estar a fazer a discussão…

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, queira terminar.

O Sr. Nuno Filipe Matias (PSD): — Para terminar, direi que, ao contrário desses, o Governo teve a

coragem de anunciar, de pôr à discussão, de estar disponível para discutir, para debater e com isso construir a

solução que apresenta formalmente nesta Casa. Isso faz toda a diferença.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder

Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados,

gostaria de começar por uma declaração de princípio sobre esta matéria: o CDS entende que deve continuar a

pugnar por um mercado liberal e livre e, portanto, rejeita liminarmente a proposta do Bloco de Esquerda.

Queremos proteger a livre iniciativa.

O que sempre defendemos é uma regulação forte e um Estado forte e, por isso, sempre exigimos à

Autoridade da Concorrência que, dentro das possibilidades, combatesse a falta de informação ao consumidor

sobre o preço dos combustíveis, aquilo que eram sinais de concertação ou de monopólios locais ou oligopólios

e aquilo que eram algumas distorções do mercado. Queremos um mercado saudável e verdadeiramente

concorrencial, pelo que aplaudimos o Governo por ter criado a nova Entidade Nacional para o Mercado de

Combustíveis.

Queremos acreditar que vem aí um reforço da informação ao consumidor, da transparência, e, ainda assim,

daquele que é o necessário acompanhamento de um setor que tem bastantes particularidades.

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Mas isso fere em alguma coisa a proposta do Governo em relação a esses princípios? Não. O Sr.

Secretário de Estado chamou à proposta de lei «adequada» e «equilibrada», e eu queria dizer que é

exatamente isso.

É adequada porque corresponde ao que estava previsto no Programa do Governo, isto é, nós queremos a

defesa do consumidor, queremos que o consumidor, independentemente da situação geográfica em que se

encontre, tenha acesso, em igualdade de condições, a combustíveis mais baratos.

Tem, também, uma outra caraterística importante: vem proteger os custos das empresas, das famílias e

das entidades públicas ao terem acesso a um combustível mais barato, combustível não aditivado. Mas não

fere o direito das marcas e dos operadores em criarem inovação, criarem valor em produtos aditivados que

trazem benefícios ao consumidor. E se o consumidor, livremente, quiser optar pela compra desse combustível

pode fazê-lo. Portanto, julgo que estão salvaguardados um conjunto de princípios.

Mas devemos fazer um pouco mais para proteger a relação entre distribuidores e comercializadores? Claro

que sim! Devemos potenciar melhor o mercado, dando-lhe mais transparência, dando mais informação ao

consumidor e abolir regras para que aqueles que queiram aceder a combustíveis mais baratos o possam fazer

aumentando a percentagem dos combustíveis low cost que já existem nas grandes superfícies? Claro que sim.

Portanto, nessa perspetiva, estamos disponíveis para, em sede de especialidade, encontrar ajustamentos

que não ponham em causa nem a livre iniciativa nem o direito de opção de quem quer que seja de

comercializar e vender o que entender, mas podemos, obviamente, ter um Estado regulador, um Estado que

pode introduzir no mercado algumas regras. Por exemplo, na indicação do preço de referência, as condições

que estão propostas são condições que, de facto, vão nesse sentido.

Portanto, se conseguirmos proteger as marcas, os distribuidores, mas também proteger e tornar mais clara

a formação de preços, a indicação daquilo que são cláusulas abusivas nos contratos e todas as matérias que

agora não tenho tempo para abordar mas que têm sido aqui chamadas à colação, julgo que estamos no bom

sentido.

Esta proposta de lei faz exatamente isso, pois responde a um pedido e a um desejo do Partido Socialista,

que, na hora da verdade, não esteve presente no debate. Veremos se agora, não com mais um grupo de

trabalho, mas com propostas concretas, vai ao encontro do Partido Socialista. A matéria está muito estudada,

todos nós sabemos exatamente o que queremos e todos temos muito definido o que queremos nesta matéria.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que, de facto, não haverá dificuldade

de, em tempo útil, rapidamente, em benefício dos consumidores, criarmos um instrumento que possa equilibrar

a correlação de forças e trazer benefícios à economia portuguesa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governos, Sr.as

e Srs. Deputados: Uma nota

prévia sobre a velocidade com que esta proposta de lei aqui chegou. De facto, há anos que andamos a ouvir

anúncios da vinda deste diploma, há meses que ouvimos e lemos sobre um anteprojeto e a proposta hoje

chegou cá. É extraordinário como este Governo é tão rápido a aumentar a impostos e a cortar salários e

reformas e depois demora tanto tempo a legislar sobre a venda de combustíveis a preços mais baixos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — É um facto!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Diz o povo que «depressa e bem há pouco quem», mas o que aqui temos é

«devagar e mal», porque uma proposta de lei como esta mais propriamente se poderia chamar de regime

jurídico da exclusão da venda de combustíveis simples.

É que o Governo fala de uma venda obrigatória de combustíveis simples, vulgo low cost, mas aquilo que o

Governo apresenta é uma proposta que apenas se aplica aos postos de combustíveis que venham a ser

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construídos ou substancialmente renovados e aos que tenham oito ou mais locais de abastecimento e quatro

ou mais reservatórios. Ou seja, fica excluída deste regime a imensa maioria dos postos de combustível,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — … principalmente ficam excluídos os chamados postos independentes, que

não estão associados às multinacionais do setor. Ficam excluídas vastas parcelas do território nacional, ainda

para mais se tivermos em conta essa figura dos preços de referência que, neste caso, até têm essa função

contrária à defesa dos consumidores e das micro, pequenas e médias empresas. Funcionam não para incluir

ou acrescentar, mas para excluir, dispensar, a venda de combustíveis low cost.

Senão, vejamos: nos concelhos onde 30% das vendas de combustíveis tenham tido um preço médio

correspondente a esses tais preços de referência deixa de ser obrigatória a disponibilização do produto básico,

isto nos poucos ou nenhuns postos de abastecimento que estejam sujeitos a este regime.

Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, esta discussão é mais simples do que parece. Os combustíveis

não aditivados, ditos low cost, devem ser disponibilizados em todo o País e não apenas nas maiores estações

de serviço e nos postos da grande distribuição. Ainda ontem os representantes dos revendedores de

combustíveis afirmavam publicamente que todos os postos têm condições para vender esse combustível

básico, mas o que sucede é que este setor está ser dominado pelas grandes companhias que impõem aos

revendedores uma obrigatoriedade absurda e desastrosa de disponibilização e venda dos combustíveis

aditivados e superaditividados.

Ora, o que resulta deste regime que o Governo aqui vem defender são isenções em cima de isenções que

atiram para as calendas a colocação deste combustível low cost e que, na prática, deixam as companhias

petrolíferas com a faca e o queijo na mão para escolherem onde se faz essa venda. Objetivamente, com esta

proposta, continua a política de favorecimento dos poderosos interesses das companhias petrolíferas e da

grande distribuição.

Entretanto, e como se não fosse bastante, o Governo aprova um decreto-lei, publicado hoje mesmo em

Diário da República, que abre a porta à caducidade das licenças de muitos postos de combustíveis situados

em estradas sob jurisdição da EP (Estradas de Portugal) colocando numa situação ainda mais grave e

preocupante estas pequenas empresas. Parece que não chega este panorama de mais de 300 postos de

abastecimento encerrados e de 2000 postos de trabalho destruídos!

Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, termino dizendo que este escândalo dos preços dos

combustíveis, esta especulação, este oligopólio que continua a sangrar o País exigem mais do que respostas

pontuais, que, ainda por cima, se traduzem em medidas que pervertem o sentido dos propósitos anunciados.

O que é preciso é outra política, que enfrente os interesses dos senhores do dinheiro e que defenda o povo e

o País, que defenda os consumidores e a economia nacional. Mas isso exige outro Governo, porque com este

não vamos lá.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana

Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Já estão mais ou menos claros

os problemas de operacionalização desta proposta, que pode vir a não resolver nada e a acrescentar mais

problemas para os pequenos operadores.

Relativamente à discussão de fundo, Srs. Deputados, o mercado livre deu oligopólio. Foi isso que deu a

defesa do mercado livre. O mercado livre deu perdas para os consumidores — é esse o resultado da cegueira

ideológica. A cegueira ideológica vale tudo, mesmo quando é má para a economia, má para o País, má para

os consumidores.

A coragem e a audácia por ter defendido os interesses dos consumidores que os Srs. Deputados aqui

apresentam foi a coragem de publicar preços de referência não vinculativos e a coragem de criar informação

sobre produtos. Desculpem que vos diga, mas não é preciso grande coragem para isto. Coragem não é ir

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contra a livre iniciativa, contra a especulação, coragem é ir contra as grandes empresas, que têm práticas

oligopolísticas e prejudicam a economia por isso. Isso é que é coragem. Coragem é ir contra os interesses

económicos.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Termino já, Sr. Presidente.

Não vale a pena confundir isso com o estar contra a livre iniciativa, nem vale a pena confundir isso com

medidas paliativas de informações que nunca são vinculativas, são sempre referenciais e que, no fundo, não

mudam nada.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de

Estado da Energia.

O Sr. Secretário de Estado da Energia: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de acrescentar algo

ao debate.

Em primeiro lugar, registo que há um enorme consenso político entre as diferentes forças políticas sobre o

diagnóstico de que é preciso melhorar o funcionamento do mercado de combustíveis e de que é preciso

trabalhar e produzir normas novas sobre essa matéria.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Até aí tudo bem!

O Sr. Secretário de Estado da Energia: — O Governo está empenhado nisso, registo esse consenso e

estamos cá para trabalhar nesse sentido.

Sobre o tema das exclusões, registo também o que foi dito no sentido de que é preciso haver um equilíbrio

entre as obrigações que impomos aos diferentes postos de combustíveis e algum efeito negativo que possa ter

sobre essa atividade, designadamente alguma perturbação ou obras que possam ter de ser feitas, e uma

obrigação que não traduz nem acarreta qualquer custo para quem tem dimensão suficiente para veicular o

combustível.

O equilíbrio que está nesta proposta de lei é exatamente aquele que resultou da auscultação dos diferentes

interessados, mas pode ser sempre melhorado e adaptado àquilo que for avançado em termos de debate.

Sobre a questão das obrigações de venda e dos contratos entre fornecedores e a questão de a ANAREC

ter ou não sido ouvida, devo dizer que emitiu parecer e foi consultada, simplesmente o Governo não

concordou com a ANAREC.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Como está à vista!

O Sr. Secretário de Estado da Energia: — Portanto, não vamos confundir ouvir a ANAREC com

concordar com a ANAREC.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Concorda com as petrolíferas!

O Sr. Secretário de Estado da Energia: — Ouvir é uma coisa, concordar é outra. E há uma norma na

legislação que diz que a preocupação que a ANAREC transmitiu hoje nas notícias não faz sentido; as

cláusulas do contrato que violem a lei são nulas e não podem ser perturbadoras do cumprimento do processo

legislativo.

Em relação à existência de preços administrativos, como também foi referido aqui por alguns Srs.

Deputados, o Governo pensa que essa deve ser uma situação sempre de último recurso, uma vez que

considera que a intervenção direta na economia em termos de preços só pode existir em situações

absolutamente extremas de funcionamento do mercado.

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O diagnóstico que fizemos do mercado não revela a adequação da introdução desse tipo de medidas por

serem demasiado extremas e colidirem com a liberdade de mercado…

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Queira concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Energia: — Consideramos, pois, que estas medidas evitam que se tenha

de ir para medidas desse género, mais gravosas, referidas por alguns Srs. Deputados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, chegámos, assim, ao fim deste ponto da nossa

agenda.

Passamos ao último ponto, que consta da apreciação, na generalidade, do projeto de lei n.º 548/XII (3.ª) —

Aprova o regime do fornecimento, pelos agentes económicos, de sacos de plástico destinados a serem

utilizados para carregar e transportar as mercadorias adquiridas pelos consumidores finais no comércio a

retalho, implementando o sistema de desconto mínimo, com vista a reduzir a utilização massiva daquele tipo

de sacos e a encorajar a sua reutilização (PS), conjuntamente com o projeto de resolução n.º 1056/XII (3.ª) —

Redução e destino adequado de sacos de plástico (Os Verdes).

Para apresentar o projeto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Farmhouse.

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Muito recentemente, em 16 de

abril, o Parlamento Europeu aprovou, com algumas alterações, uma proposta da Comissão, responsabilizando

os Estados-membros pela tomada de medidas concretas para reduzir em pelo menos 50% o consumo de

sacos de plástico até 2017 e em pelo menos 80% até 2019, por comparação com o consumo médio de 2010.

As medidas a tomar pelos Estados-membros devem implicar a utilização de instrumentos económicos que

se revelem particularmente eficazes para reduzir o consumo de sacos de plástico, como a fixação de preços,

impostos e taxas, mas também restrições à colocação no mercado, impedindo que os operadores económicos

que vendem alimentos forneçam gratuitamente sacos de plástico. Foram medidas aprovadas no Parlamento

Europeu, por 539 votos a favor, 51 votos contra e 72 abstenções, e que irão, agora, ser negociadas com o

Conselho de Ministros da União Europeia.

Sr.as

e Srs. Deputados, a realidade europeia em matéria de sacos de plástico é, infelizmente, o espelho do

nosso modelo de desenvolvimento.

Todos os anos são consumidos, no espaço da União, quase 100 000 milhões de sacos de plástico, número

que não parará de crescer se não forem tomadas medidas de redução. Em média, isto significa que cada

europeu utiliza quase 200 sacos por ano, valor que oscila entre os 4 sacos por ano, no caso do cidadão

dinamarquês, e os cerca de 500 sacos, no caso do cidadão português.

Para se ter a noção da gravidade do problema, e não contando com a tolerância do Sr. Presidente, até ao

final da minha intervenção terão sido consumidos, na União Europeia 1 milhão de sacos de plástico, 89% dos

quais apenas uma única vez antes de se tornarem resíduos.

Sr.as

e Srs. Deputados, apesar de considerados embalagem desde 1994, a verdade é que os sacos de

plástico não têm grande valor de reciclagem, estimando-se a sua taxa de reciclagem em apenas 6,6%.

É por isso que, anualmente, 8000 milhões de sacos de plástico acabam como lixo no território da União,

incluindo no espaço marítimo, onde perdurarão por séculos infindáveis.

Sr.as

e Srs. Deputados, como bem nos ensinou Thomas Huxley, «a grande finalidade da vida não é o

conhecimento, mas a ação».

Foi por isso que apresentámos um projeto de lei sobre esta temática, ao qual se junta, agora, a iniciativa do

Partido Ecologista «Os Verdes», que saudamos, porque releva idêntica preocupação.

Este nosso projeto mantém o espírito de uma iniciativa já aqui apresentada em 2010, embora com

atualizações.

Fazemo-lo neste momento porque a proposta da Comissão não preconiza qualquer ação europeia, como

bem salientou a Eurodeputada Margrete Auken, enquanto relatora da mesma proposta legislativa.

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Fazemo-lo, porque consideramos fundamental atuar neste domínio, substituindo gradualmente os sacos de

plástico por sacos feitos de papel reciclado ou por sacos de plástico biodegradáveis ou compostáveis.

Fazemo-lo, porque de nada servirá continuar a ignorar que não temos um problema entre mãos, um grave

problema entre mãos.

Virão as Sr.as

e os Srs. Deputados dos partidos da maioria — antecipo eu — dizer que está em curso um

processo legislativo na União. Como visto, dele pouco resultará. Dirão igualmente que está em curso uma

reforma da fiscalidade verde e que devemos aguardar pela sua conclusão para legislar o que quer que seja.

Bem sei, mas é uma reforma cujos princípios orientadores, de 30 de março, esqueceram de prever qualquer

medida ou ação concreta neste domínio, apesar de aludirem ao estudo da Agência Europeia do Ambiente —

que sugere, para Portugal, uma progressiva transferência da carga fiscal para o uso dos recursos naturais e o

dano ambiental, abrangendo, entre outros, o setor das embalagens —…

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Farmhouse (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente, com a sua tolerância.

Como estava a dizer, os princípios orientadores dessa reforma esqueceram-se de prever qualquer medida

ou ação concreta neste domínio, apesar de aludirem ao estudo da Agência Europeia do Ambiente ou ao caso

de estudo irlandês do imposto sobre sacos de plástico, que permitiu reduzir em 94% o consumo de sacos de

plástico.

Tal como em 2010, damos o pontapé de saída para uma discussão que desejamos ampla, ponderada,

envolvendo todos os grupos parlamentares, o meio académico e a sociedade civil. O que não podemos é ficar

de braços cruzados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para apresentar o projeto de resolução de Os Verdes, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Gostava, talvez, de indicar

uns números para que tivéssemos uma noção daquilo de que estamos hoje aqui a tratar, dizendo que a

produção mundial de plástico representou cerca de 1,5 milhões de toneladas em 1950 e em 2008

representava já 245 milhões de toneladas. Hoje, prevê-se que, de acordo com esta tendência, em 2050, o

número será triplicado.

Sr.as

e Srs. Deputados, na generalidade, os sacos de plástico não são sujeitos a processo de reciclagem,

sendo a sua maioria depositada em aterro ou incinerada. Mas nós também sabemos que há uma brutal

quantidade que é lançada indiscriminadamente no meio ambiente, não entrando no circuito adequado de

recolha e tratamento. E o problema não se resume ao meio terrestre, porque sabemos que os nossos oceanos

e os nossos mares talvez sejam hoje das maiores lixeiras de plástico do mundo.

Portanto, Sr.as

e Srs. Deputados, estamos aqui confrontados com um problema ambiental e global grave,

que requer, de facto, uma ação determinada ao nível dos mais diversos países. E nós sabemos que a União

Europeia é um dos maiores consumidores de sacos de plástico e, dentro da União Europeia, Portugal é um

consumidor muitíssimo significativo de sacos de plástico, o que, digamos assim, nos acresce

responsabilidade.

Sr. Deputado Pedro Farmhouse, esta história dos sacos de plástico não é nova no Parlamento português.

Quero relembrar que, em 2008, Os Verdes apresentaram aqui um projeto de resolução que foi aprovado e,

portanto, naturalmente, fez recomendações aos Governos — desde 2008, estamos a falar de, pelo menos,

dois Governos. O que acontece é que nenhum desses Governos cumpriu aquilo que a recomendação

determinava, e ela falava de uma forte campanha de sensibilização do consumidor e também da proibição, até

2013, do uso de sacos de plástico que não fossem totalmente biodegradáveis. Ou seja, se, porventura, esta

recomendação que Os Verdes fizeram e que os senhores, neste caso os grupos parlamentares, aprovaram

tivesse sido cumprida, hoje estávamos com metade do problema resolvido, porque não tínhamos no nosso

mercado sacos de plástico não biodegradáveis, embora houvesse, naturalmente, depois, mais a fazer.

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Ora, com a consciência de que os Governos se recusaram a tomar medidas eficazes em relação ao

problema, estamos, na verdade, um pouco na estaca zero e, então, é preciso voltarmos a tomar medidas e,

neste caso, a fazer recomendações diretas ao Governo no sentido de agir.

O que é que Os Verdes recomendam e propõem? Os Verdes recomendam e propõem que se estabeleçam

metas concretas para a redução da utilização de sacos de plástico em geral e que essa redução de sacos de

plástico não tenha como objetivo menos do que 80% nos próximos cinco anos.

Por outro lado, propomos que, de facto, haja uma ação empenhada no sentido de proibir, no prazo máximo

de um ano, os sacos de plástico que não sejam biodegradáveis.

Consideramos ainda, Sr.as

e Srs. Deputados, que uma forte campanha de sensibilização ao consumidor é

determinante para que se obtenha sucesso neste objetivo, porque sem as pessoas, sem o consumidor em

concreto, não conseguimos atingir objetivos. Não vale a pena pensarmos de outra forma.

Mas, desta vez, Os Verdes propõem um envolvimento diferente das pessoas, pois consideramos que isso

responsabilizaria as pessoas e também o poder político, pelo facto de ter envolvido as pessoas, estando toda

a comunidade envolvida.

Por isso, propomos um inquérito urgente aos cidadãos portugueses que permita, designadamente,…

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, propomos um inquérito urgente aos cidadãos portugueses que permita,

designadamente, obtermos a seguinte informação: que procura atual de sacos de plástico; que reutilização

fazem dos sacos de plástico; que contributo estariam dispostos a dar para resolver o problema; que solução

considerariam mais adequada.

Este envolvimento dos cidadãos é urgente, fundamentalmente quando o poder político não tem tomado as

medidas adequadas para, designadamente, cumprir as recomendações que a Assembleia da República tem

aprovado.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José

Castelo Branco.

A Sr.ª Maria José Castelo Branco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em 1948, Paul Muller

foi agraciado com o Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina, pela criação e descoberta do DDT

(diclorodifeniltricloroetano), que se revelou uma descoberta fantástica no combate à malária e ao tifo.

Nas décadas de 80 e 90, o mesmo produto seria proibido, na sua totalidade e na sua vasta utilização,

devido às imensas descobertas que foram sendo feitas de contraindicações e malefícios que provocava no

meio ambiente.

O plástico, também uma fantástica descoberta do século XIX, que viria a ser desenvolvida,

sucessivamente, durante o século XX, revelou-se, nas suas várias e diversas apresentações — aliás, tudo à

nossa volta envolve plástico, nas suas mais diversas formas —, de uma gigantesca versatilidade na utilização.

Hoje, a Terra dispõe daquilo que, de forma irónica, é designado por «sexto continente», que é uma imensa

mancha de detritos plásticos flutuantes que se verifica no Pacífico Norte e que tem uma área de qualquer

coisa como a Europa Central.

Os Deputados do PSD, na anterior Legislatura, manifestaram uma séria preocupação com este facto e com

a vulgarização e banalização da utilização de sacos de plástico.

Essa preocupação e os esforços desenvolvidos pelos Deputados do PSD foram interrompidos com a queda

do Governo socialista, sem que nada se concretizasse.

Agora, com o PSD no Governo, o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, dominado

pelas mesmas preocupações, constituiu uma comissão independente…

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Independente de quem?

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A Sr.ª Maria José Castelo Branco (PSD): — … que está a elaborar um relatório estrutural na área da

fiscalidade verde, refletindo as diretivas da União Europeia e particularizando as medidas para a realidade

portuguesa.

Assim, não deixando contudo de registar a agora manifesta preocupação ambiental subjacente à

apresentação do projeto de lei n.º 548/XII (3.ª) e do projeto de resolução n.º 1056/XII (3.ª), consideramos

extemporânea a sua discussão, visto que, em primeiro lugar, o relatório sobre a revisão da fiscalidade

ambiental e energética, que está em preparação e que será brevemente apresentado, constituirá

forçosamente a melhor base de trabalho para uma tomada de posições nesta área.

Em segundo lugar, nestes projetos são referidos argumentos, de índole legislativa e tecnológica,

diretamente recuperados de propostas antigas, que estão já claramente desatualizados e desajustados dos

mais recentes conhecimentos científicos. Veja-se, por exemplo, que também hoje é reconhecido e sabido que

é necessária a reciclagem separada dos tradicionais sacos de plástico e dos designados sacos de plástico

biodegradáveis (mesmo esse processo de tratamento tem de ser diferenciado).

Em terceiro lugar, é defendida a aplicação de taxas de forma avulsa, sem qualquer enquadramento,

quando está em preparação um trabalho profundo.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr.ª Deputada, já ultrapassou o tempo de que dispunha, pelo que

lhe peço que conclua.

A Sr.ª Maria José Castelo Branco (PSD): — Assim, pelos motivos expostos, consideramos que o projeto

de lei e o projeto de resolução em discussão devem ser rejeitados.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Francamente!

A Sr.ª Maria José Castelo Branco (PSD): — Não deixamos, contudo, de salientar que a Terra é

património de todos, o ambiente é nossa preocupação e todos temos de assumir a nossa quota de

responsabilidade no que toca à preservação ambiental.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado

Pedro Morais Soares.

O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, discutimos dois projetos,

do Partido Socialista e de Os Verdes, relativos a um tema de grande relevância no contexto da gestão de

resíduos — os plásticos não reutilizáveis, bem como os aspetos relativos à sua biodegradabilidade.

Este é um tema sobre o qual os vários partidos têm vindo a pronunciar-se e a discutir, como aconteceu em

2010, quando foram apresentadas diversas iniciativas legislativas que tiveram o mérito de gerar um amplo

debate em sede de comissão, onde foram ouvidas as várias partes interessadas.

Refira-se, a este propósito, que o Grupo Parlamentar do CDS também apresentou a sua proposta, com

enfoque na criação de um plano de incentivos e de apoio às iniciativas que privilegiam a utilização de sacos

reutilizáveis junto dos consumidores.

Sr. Presidente, a imposição de metas de redução de consumo ou de aplicação de instrumentos económico-

financeiros, de que é exemplo o recurso a descontos, com base em margens arbitrárias, no fornecimento de

sacos de plástico por parte do setor retalhista, pressupõe, naturalmente, a realização de estudos técnicos e

uma análise ponderada e criteriosa de forma a avaliar o impacto da implementação dessas mesmas medidas

em termos de pegada ecológica, assim como a minimização dos impactos socioeconómicos que daí resultem.

Esses estudos e propostas de alteração estão, neste momento, em fase de discussão a nível europeu, mas

verificam-se também por impulso do Governo, de que são exemplo iniciativas desta maioria como a Coligação

para o Crescimento Verde ou a reforma fiscal ambiental, da qual já se conhece o relatório preliminar e que terá

a sua versão final ainda antes do verão. Matérias desta natureza, como é o caso específico dos sacos não

reutilizáveis, estão a ser estudadas de modo a encontrar-se as melhores soluções custo-benefício económico

e ambiental.

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Srs. Deputados, este é também um objetivo geral da Comissão Europeia, ao apresentar uma proposta

relativa aos sacos de plástico com vista a limitar os impactos negativos no ambiente, nomeadamente em

termos de produção deste tipo de resíduos, promovendo a sua prevenção e uma utilização mais eficiente dos

recursos.

Paralelamente, em Portugal está a ser discutido e revisto um conjunto de reformas ambientais, como foi

referido, que terão implicações não apenas no uso de sacos de plástico não reutilizáveis como também numa

abordagem holística da gestão de resíduos, consagrada no PERSU 2020 mas também determinada no

Programa de Prevenção de Resíduos Urbanos, que identifica medidas específicas no domínio das

embalagens relativas à substituição de sacos de utilização única por alternativas reutilizáveis.

As propostas apresentadas pelo Partido Socialista, que pouco diferem da iniciativa de 2010, ignoram todo o

contexto evolutivo, tecnológico e legislativo a que neste âmbito chegámos. É disso exemplo o facto de

apontarem preferência pelos sacos oxibiodegradáveis, aos quais é cobrado metade do valor no seu

fornecimento, uma solução que já está cientificamente comprovado a nível europeu que não funciona e que,

por isso, está a ser abandonada, atendendo às dificuldades da sua biodegradação, bem como a todos os

impactos ambientais e económicos daí decorrentes.

Por outro lado, hoje, fruto de um conhecimento técnico mais aprofundado sobre as técnicas de reciclagem,

sabe-se que é inviável misturar sacos de plástico biodegradáveis com os chamados «sacos tradicionais»,

como sugerem os dois projetos, o que exigiria uma gestão diferenciada, situação que, no contexto nacional,

implicaria o desenvolvimento de um sistema de recolha seletiva de biorresíduos suficientemente alargado para

responder às necessidades de recolha desse tipo de plásticos.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, neste contexto, consideramos que os projetos apresentados pelo Partido

Socialista e por Os Verdes, para além das imprecisões anteriormente aqui referenciadas, são igualmente

desajustados no seu tempo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto,

do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Já hoje foram aqui falados, e de modo

bastante enfático, os números relativos ao consumo de sacos de plástico no planeta, mas também na Europa

e no nosso País. Portanto, sabemos, pelas estimativas, que mais de 1 milhão de sacos de plástico são gastos

no planeta por cada minuto que passa. Este é um número suficiente para percebermos a grande dimensão

deste problema.

De facto, os pequenos sacos de plástico são um enorme problema a nível global, que tem de ser

enfrentado quanto mais rápido melhor. É de estranhar, assim, que neste debate surjam posições como as do

PSD e do CDS, que ainda precisam de um relatório e de um parecer de uma comissão independente para

tomarem medidas que há anos toda a gente diz que fazem falta. Srs. Deputados, com toda a franqueza!…

Arranjem um argumento melhor para votarem contra as iniciativas em debate!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — É preciso esperar pelo quê? Por um relatório?! Por uma comissão

independente?! Não sabemos já o que foi aprovado no Parlamento Europeu e que até 2019 temos de reduzir

em 80% o número de sacos de plástico? Então, vamos começar a tomar medidas, e não continuar a dizer que

vem aí um relatório e que há uma comissão independente que está a estudar aquilo que todo o mundo sabe!

Todo o mundo sabe!

Portanto, acho que esse é um fraco argumento mas é também, permitam-me que vos diga, uma grande

irresponsabilidade perante a gravidade do problema ambiental que temos em mão; é não querer agir de

maneira nenhuma. Por isso, não vale a pena ir buscar coisas do passado, que pensaram isto e fizeram aquilo,

quando, sendo confrontados com medidas concretas, dizem: «Não, muito obrigado».

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Portanto, Sr.as

e Srs. Deputados, quero dizer que o Bloco de Esquerda acompanha as propostas quer do

Partido Socialista quer do Partido Ecologista «Os Verdes».

Consideramos que, de facto, é preciso e urgente estabelecer metas concretas também para o nosso País.

E há uma questão inevitável, com a qual vamos ter nos confrontar mais cedo ou mais tarde: a tomada de

posição pela interdição dos sacos de plástico nas superfícies comerciais. Vamos ter de chegar a esta posição,

porque sem ela ficaremos sempre aquém do cumprimento das metas que são urgentes. Nesse aspeto,

podíamos tomar desde já uma iniciativa: por exemplo, proibir a publicidade nos sacos de plástico, o que

serviria de desincentivo às superfícies comerciais.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Quanto ao projeto de lei do PS gostaria de deixar só dois pequenos

apontamentos.

O projeto de lei do PS coloca duas alternativas, uma das quais é um sistema de desconto mínimo, que é

um sistema inovador, é verdade, que tem cabimento e que é uma experiência positiva, mas logo de seguida

indica um preço simbólico e dá a escolha às grandes superfícies. Ora, Srs. Deputados, já sabemos qual vai

ser a opção!…

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Concluo já, Sr. Presidente.

Portanto, caso o projeto de lei baixasse à especialidade eu apelaria ao Partido Socialista para o seu

melhoramento em sede de especialidade. Verificamos, perante a paralisia dos partidos da direita em relação a

um problema ambiental desta gravidade, que teremos de aguardar por outra oportunidade.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago,

do PCP.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, em nome do Grupo

Parlamentar do PCP, gostaria de saudar os Grupos Parlamentares do Partido Socialista e do Partido

Ecologista «Os Verdes» por apresentarem as iniciativas que hoje estamos a debater, cujos objetivos

subscrevemos sem grande hesitação. Todavia, consideramos que as soluções apresentadas merecem

algumas críticas e contributos do PCP ao longo de todo o processo que vier a desenvolver-se.

Antes de mais, gostávamos de deixar nota de que a ideia plasmada, sobretudo, no projeto de lei do Partido

Socialista de que se pode resolver este problema com as medidas que apresenta, nomeadamente com a

cobrança de taxas mínimas ou com o exercício de um desconto mínimo por parte do vendedor, de quem

comercializa, do nosso ponto de vista, está sustentada em três erros fundamentais.

O primeiro erro é o de considerar que os sacos de plástico são inúteis, que só servem para transportar

compras e que as pessoas não os usam para mais coisa nenhuma. Isso não é verdade, porque as pessoas

usam os sacos de plástico para muitas outras coisas, a maior parte das pessoas utilizam-nos para

acondicionamento em casa ou para sacos do lixo,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … e se não usarem esses vão ter de comprar outros, o que, porventura, até

vai representar mais custos e mais plástico, porque também são maiores ou mais caros.

O segundo erro é o de considerar que os sacos de plástico são gratuitos. Srs. Deputados, alguém nesta

Casa acredita que as grandes superfícies ou o grande comércio entregam de mão beijada, graciosamente,

sacos de plástico às pessoas e que não incorporam o respetivo custo no preço das mercadorias que estão a

vender?

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Claro!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Os sacos de plástico são pagos! E mesmo que fossem gratuitos, Srs.

Deputados, um saco de plástico gratuito polui tanto quanto um saco de plástico pago, principalmente quando

aquilo que se paga é para enriquecer a entidade que acaba de o vender e nada reverte a favor do ambiente.

Este é também, no nosso entendimento, um segundo erro.

Protestos da Deputada do PSD Conceição Bessa Ruão.

O terceiro erro, que é, talvez, o mais grave no nosso entendimento, é considerar que o problema são os

sacos de plástico e não os milhares, as centenas de embalagens absolutamente inúteis, supérfluas —

plásticos, cartões, papelão —, que vêm à volta de tudo e mais alguma coisa que as pessoas compram nos

supermercados.

Srs. Deputados, qualquer pessoa passa por isto: vai às compras e, quando chega a casa, guarda os sacos

de plástico para depois os usar, mas uma boa parte daquilo que trouxe fica logo no lixo — os pacotes que vêm

à volta das coisas e que não servem para nada.

Se queremos comprar um iogurte temos de comprar quatro, que vêm envolvidos num pacote; as garrafas

vêm envolvidas em plástico absolutamente desnecessário; há rótulos que contêm tintas poluentes. Tudo isso é

desnecessário e inútil, e aí, sim, reside um problema sério, um problema que está ligado à natureza do

capitalismo, que é o de sobrepor a capacidade que aqueles que produzem têm para impor o consumo à

necessidade de preservação dos recursos.

Portanto, estes três erros fazem com que não possamos subscrever as propostas apresentadas. Reduzir,

sim, estamos de acordo em que devem ser encontrados mecanismos para reduzir a utilização de sacos de

plástico, mas o pagamento não é, certamente, o mais acertado.

Srs. Deputados, sobre este tema, continuamos a valorizar as decisões que esta Assembleia já tomou e que

já aqui foram lembradas, nomeadamente em 2009, quando determinou que a partir de 2013 deveria ser

proibida a utilização de sacos de plástico não absolutamente biodegradáveis nas grandes superfícies.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Sr. Deputado, peço-lhe o favor de concluir.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Continuamos a julgar que essa é a solução para resolver o problema, ou

seja, proibir e encontrar outros mecanismos, mais do que penalizar aqueles que já hoje pagam os sacos de

plástico, que é, afinal de contas, quem paga as compras quando vai aos supermercados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Srs. Deputados, chegámos ao fim do ponto 4 da nossa agenda e,

assim, dos nossos trabalhos de hoje.

A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas, constando do primeiro ponto da ordem do dia

eleições para o Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal e para a Comissão

Nacional de Proteção de Dados.

De seguida, procederemos ao debate da moção de censura n.º 6/XII (3.ª) — Travar a política de exploração

e empobrecimento, construir uma política patriótica e de esquerda (PCP), que, no final, será votada.

Por fim, haverá lugar a votações regimentais.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 19 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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