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Quinta-feira, 18 de dezembro de 2014 I Série — Número 31

XII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2014-2015)

REUNIÃOPLENÁRIADE17DEDEZEMBRODE 2014

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz

S U M Á R I O

A Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5

minutos. Deu-se conta da apresentação das apreciações

parlamentares n.os

125 a 128/XII (4.ª), dos projetos de resolução n.

os 1181 e 1185 e 1186/XII (4.ª) e dos projetos de

lei n.os

702 e 703/XII (4.ª). Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º

263/XII (4.ª) — Procede à vigésima primeira alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 299/99, de 4 de agosto, e à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 317/94, de 24 de dezembro. Intervieram a Ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz) e os Deputados Cecília Honório (BE), Luís Pita Ameixa (PS), João Oliveira (PCP), Andreia Neto (PSD) e Teresa Anjinho (CDS-PP).

Foram discutidos em conjunto o Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, que aprova o regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário [apreciação parlamentar n.º 87/XII (3.ª) (PCP)] e o Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, que procede à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º

146/2013, de 22 de outubro, e pela Lei n.º 80/2013, de 28 de novembro, que estabelece o novo regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados [apreciação parlamentar n.º 88/XII (3.ª) (PCP)]. Além dos Secretários de Estado do Ensino Superior (José Ferreira Gomes) e do Ensino e da Administração Escolar (João Casanova de Almeida), intervieram, a diverso título, os Deputados Rita Rato (PCP), Agostinho Santa (PS), Maria José Castelo Branco (PSD), Inês Teotónio Pereira (CDS-PP) e Luís Fazenda (BE).

Foram apreciados, conjuntamente, os projetos de resolução n.

os 1135/XII (4.ª) — Classifica o Mosteiro de

Tibães como imóvel de interesse nacional, reconhecendo-o como monumento nacional (PSD e CDS-PP) e 1185/XII (4.ª) — Pela classificação do Mosteiro de São Martinho de Tibães como monumento nacional (Os Verdes), tendo-se pronunciado os Deputados Hugo Lopes Soares (PSD), José Luís Ferreira (Os Verdes), António Braga (PS), Altino Bessa (CDS-PP), Carla Cruz (PCP) e Pedro Filipe Soares (BE).

Foram discutidos, em conjunto, na generalidade, os projetos de lei n.

os 664/XII (4.ª) — Altera a previsão legal dos

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crimes de violação e coação sexual no Código Penal (BE) e 665/XII (4.ª) — Altera a natureza do crime de violação, tornando-o crime público (BE), sobre os quais proferiram intervenções os Deputados Cecília Honório (BE), Isabel Alves Moreira (PS), Carla Rodrigues (PSD), Teresa Anjinho (CDS-PP) e António Filipe (PCP).

Foi apreciada a petição n.º 380/XII (3.ª) — Apresentada por Joaquim de Jesus Magalhães Fonseca e outros, solicitando à Assembleia da República que legisle no sentido da impenhorabilidade do bem de família, conjuntamente, na generalidade, com os projetos de lei n.

os 702/XII (4.ª) —

Institui a impenhorabilidade do imóvel próprio de habitação permanente (altera o Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, e a Lei n.º 41/2013, de 26 de junho) (BE) e 703/XII (4.ª) — Estabelece restrições à penhora e execução de hipoteca sobre a habitação (PCP). Intervieram os Deputados Pedro Filipe Soares (BE), João Oliveira (PCP), Luís Pita Ameixa (PS), Paulo Simões Ribeiro (PSD) e Vera Rodrigues (CDS-PP).

Por fim, foram apreciadas as petições n.os

392/XII (3.ª) — Apresentada pelo Sindicato dos Professores da Região Centro — Direção Distrital de Viseu — FENPROF, solicitando à Assembleia da República que se garanta uma escola pública de elevada qualidade para todos, o que não é compatível com o desvio de dinheiros públicos para financiar ofertas privadas, 403/XII (3.ª) — Apresentada pelo Sindicato dos Professores da Região Centro — Direção Distrital de Castelo Branco — FENPROF, solicitando à Assembleia da República moralização na utilização de dinheiros públicos,

pondo fim aos privilégios do ensino privado e defendendo a escola pública de qualidade, 404/XII (3.ª) — Apresentada pelo Sindicato dos Professores da Região Centro — Direção Distrital de Leiria — FENPROF, solicitando à Assembleia da República moralização na utilização de dinheiros públicos, pondo fim aos privilégios do ensino privado e defendendo a escola pública de qualidade, 413/XII (3.ª) — Apresentada pelo Sindicato dos Professores da Zona Sul — Direção Distrital de Faro — FENPROF, solicitando à Assembleia da República a adoção de medidas no sentido de moralizar a utilização de dinheiros públicos, pôr fim aos privilégios do ensino privado e defender a escola pública de qualidade, e 414/XII (3.ª) — Apresentada pelo Sindicato dos Professores da Região Centro — Direção Distrital de Coimbra — FENPROF, solicitando à Assembleia da República a adoção de medidas no sentido de moralizar a utilização de dinheiros públicos, pôr fim aos privilégios do ensino privado e defender a escola pública de qualidade, em conjunto com os projetos de resolução n.

os 1181/XII (4.ª) — Por uma escola

pública que cubra as necessidades de toda a população (PCP) e 1186/XII (4.ª) — Racionalização dos contratos de associação na rede escolar, garantindo a utilização da capacidade instalada nas escolas públicas (BE). Proferiram intervenções os Deputados Diana Ferreira (PCP), Luís Fazenda (BE), Acácio Pinto (PS), Michael Seufert (CDS-PP), Duarte Filipe Marques (PSD) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).

O Presidente (António Filipe) encerrou a sessão eram 18 horas e 4 minutos.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos

Parlamentares e da Igualdade — a quem a Mesa cumprimenta —, Srs. Jornalistas, Srs. Funcionários, está

aberta a sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Podem ser abertas as galerias.

Antes de darmos início à ordem do dia, dou a palavra ao Sr. Secretário, Deputado Duarte Pacheco, para

fazer o favor de ler o expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e

foram admitidas pela Sr.ª Presidente, as seguintes iniciativas legislativas: apreciações parlamentares n.os

125/XII (4.ª) — Relativa ao Decreto-Lei n.º 174/2014, de 5 de dezembro, que estabelece o quadro jurídico

geral da concessão de serviço público de transporte público coletivo de superfície de passageiros na cidade de

Lisboa, sem prejuízo da manutenção da concessão atribuída à Companhia Carris de Ferro de Lisboa, SA

(PCP), 126/XII (4.ª) — Relativa ao Decreto-Lei n.º 175/2014, de 5 de dezembro, que estabelece o quadro

jurídico geral da concessão de serviço público de transporte por metropolitano de passageiros na cidade de

Lisboa e nos concelhos limítrofes da Grande Lisboa (PCP), 127/XII (4.ª) — Relativa ao Decreto-Lei n.º

174/2014, de 5 de dezembro, que estabelece o quadro jurídico geral da concessão de serviço público de

transporte público coletivo de superfície de passageiros na cidade de Lisboa, sem prejuízo da manutenção da

concessão atribuída à Companhia Carris de Ferro de Lisboa, SA (Carris, SA) (PS), e 128/XII (4.ª) — Relativa

ao Decreto-Lei n.º 175/2014, de 5 de dezembro, que estabelece o quadro jurídico geral da concessão de

serviço público de transporte por metropolitano de passageiros na cidade de Lisboa e nos concelhos limítrofes

da Grande Lisboa, abrangidos pela respetiva área correspondente ao nível III da Nomenclatura para Fins

Territoriais e Estatísticos (NUTS), sem prejuízo da manutenção da concessão atribuída ao Metropolitano de

Lisboa, EPE (ML, EPE) (PS).

Deram, também, entrada na Mesa os projetos de resolução n.os

1181/XII (4.ª) — Por uma escola pública

que cubra as necessidades de toda a população (PCP), 1185/XII (4.ª) — Pela classificação do Mosteiro de

São Martinho de Tibães como Monumento Nacional (Os Verdes) e 1186/XII (4.ª) — Racionalização dos

contratos de associação na rede escolar garantindo a utilização da capacidade instalada nas escolas públicas

(BE).

Por fim, deram entrada na Mesa os projetos de lei n.os

702/XII (4.ª) — Institui a impenhorabilidade do imóvel

próprio de habitação permanente (altera o Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, e a Lei n.º 41/2013, de 26

de junho) (BE) e 703/XII (4.ª) — Estabelece restrições à penhora e execução de hipoteca sobre a habitação

(PCP).

Em termos de expediente, é tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à ordem do dia, cujo primeiro ponto consta da

discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 263/XII (4.ª) — Procede à vigésima primeira alteração ao

Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, à primeira alteração ao

Decreto-Lei n.º 299/99, de 4 de agosto, e à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 317/94, de 24 de dezembro.

Para abrir o debate e apresentar a proposta de lei, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça (Paula Teixeira da Cruz): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Governo

submete à apreciação da Assembleia da República uma proposta de alteração ao Código de Processo Penal,

ao Decreto-Lei n.º 299/99, de 4 de agosto, e ao Decreto-Lei n.º 317/94, de 24 de dezembro.

As alterações ao Código de Processo Penal previstas na presente proposta de lei incluem cinco aspetos, a

saber: a harmonização do Código de Processo Civil e do Código de Processo Penal, em matéria de prazos

para a prática de atos processuais e sua ultrapassagem por todos os agentes, designadamente magistrados

judiciais e do Ministério Público; a clarificação dos poderes do juiz no que tange à admissão da ultrapassagem

do número de testemunhas, do limite máximo do número de testemunhas; a resolução de questões colocadas

pelo falecimento ou pela impossibilidade superveniente de um magistrado, mormente por razões de doença,

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nas audiências em curso realizadas em tribunal coletivo, no sentido do aproveitamento dos atos processuais

anteriormente praticados no decurso da audiência; a eliminação da sanção consistente na perda de prova por

ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação da audiência de julgamentos interrompidos — todos

nós conhecemos este problema, são audiências muitas vezes marcadas para meras questões formais e para

que não se perca essa prova.

Mas, para além destas alterações, há também o alargamento da gravação da audiência a todos os atos

nela praticados, incluindo os requerimentos, promoções e despachos.

Importa que as normas processuais, tanto civis como penais, estejam funcionalizadas à realização,

salvaguardando sempre todas as garantias de defesa. É, no fundo, a essa ideia que se reconduz o processo

equitativo consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (hoje, Convenção

Europeia dos Direitos Humanos, como sabemos): todos os cidadãos têm direito a que a sua causa seja

examinada em prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, onde lhes seja assegurado o

exercício do contraditório.

O mesmo direito é proclamado no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem

como nos artigos 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 14.º do Pacto Internacional dos

Direitos Civis e Políticos.

O processo penal, permitam-me que o diga, encerra uma natural tensão dialética entre os direitos do

arguido e os direitos da vítima. É sempre essa a questão com que temos de nos debater. Um acusado, ainda

que seja culpado da prática do crime, tudo fará para não ser condenado, a menos que reconheça o seu

próprio desvalor da ação. Mas para a vítima de um crime, a absolvição do culpado é também um drama

pessoal inexorado. A vítima já sofreu com o crime, reviveu o sofrimento com o depoimento prestado perante a

polícia e, de novo, perante o tribunal e, por fim, vê que todo o seu sofrimento ficará sem uma resposta por

parte do Estado, com o arrastamento sucessivo das várias audiências.

Tudo isto é também verdadeiro quando o crime não tem uma mas muitas vítimas, como sucede,

designadamente, com os crimes de corrupção e branqueamento de capitais, que põem em causa os

fundamentos da vida em sociedade e os recursos necessários para a satisfação das necessidades das

populações.

Por isso, é imprescindível que o processo penal seja eficaz e logre, através de métodos de investigação

adequados e de especialização de polícias e magistrados, apurar os culpados da prática de crimes e sujeitá-

los a um julgamento justo. Um Estado de direito, onde se exige a dignidade do seu humano como seu suporte

fundamental, tem a obrigação de manter a paz social.

Muito nos orgulhamos, pois, que o nosso País tenha um Código de Processo Penal que tem sido tributário

de várias maiorias, que tem sido tributário de todos nós.

Sr.ª Presidente, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: A proposta visa, por um lado, agilizar o processo penal

e, por outro, tornar fundamental a regra que propomos, no sentido da gravação integral da audição do

julgamento, à semelhança, de resto, do que já acontece no Código de Processo Civil.

Propomos o reforço dos poderes do juiz, é certo, e o acautelar da agenda de todos os operadores

judiciários.

Por outro lado, gostava de deixar claro que a agilidade não é apenas aquilo que nos move; são os direitos,

liberdades e garantias e a regra da concentração da audiência. Mas remove-se a sanção da perda de prova

quando as razões que justificam a ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação da audiência

interrompida forem ponderosas.

Quero, por isso, dizer que aquilo que almejamos, agora e sempre, é dotado de um princípio objetivo.

Pedimos, Srs. Deputados, a colaboração de todos em torno desta proposta que aqui é apresentada,

colaboração para a qual não estaremos, de todo, fechados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para fazer perguntas, três Srs. Deputados, mas a Sr.ª Ministra não

tem tempo para responder. Contudo, ao que parece, esses Srs. Deputados transformarão as perguntas em

intervenções.

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Assim sendo, e mantendo-se esse pressuposto de que a Sr.ª Ministra efetivamente não tem tempo para

responder, vou dar a palavra, para uma intervenção, à Sr.ª Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, pensei que deixasse algum tempo

para esclarecer três questões prévias que nos parecem da maior pertinência.

Em primeiro lugar, tratando-se do Código de Processo Penal, pergunto-lhe por que não utilizou a ocasião

para o expurgar das inconstitucionalidades verificadas, nomeadamente no que ao processo sumário diz

respeito.

Em segundo lugar, gostaria de saber se, depois do colapso do Citius e de toda a turbulência vivida nos

tribunais e por todos os operadores, a Sr.ª Ministra da Justiça considera que esta é a altura certa para

introduzir mais alterações e não considera que este é um contexto de relativa instabilidade, nomeadamente

quando o Citius não está ainda em pleno funcionamento.

Em terceiro lugar, Sr.ª Ministra da Justiça — e, já agora, porque nós lemos os imensos pareceres que

recebemos —, esta proposta de lei tinha inicialmente uma outra proposta, no que diz respeito à interceção de

comunicações pela Polícia Judiciária, nomeadamente a polémica das ditas «escutas». Ora, gostaria de lhe

perguntar se está disponível para esclarecer este Parlamento sobre as razões desse avanço e desse recuo.

Sobre a substância das alterações que aqui discutimos e que têm muito a ver com este debate entre

economia processual, celeridade processual e, simultaneamente, direitos de defesa, que é a matéria que está

em causa, se, relativamente ao artigo 105.º, quanto aos prazos, nos parece haver um relativo acordo com

alguns sinais críticos — e a alteração é de 10 para 2 dias —, tal como esse acordo também parece relevante

quanto ao artigo 328.º — Eliminação da sanção consistente na perda de prova por ultrapassagem do prazo de

30 dias — que aqui sublinhou, queria, no entanto, dizer-lhe que, relativamente a esta matéria, e dado que

chamou a atenção para a disponibilidade que existe de alteração, nos parecem, por exemplo, pertinentes

algumas preocupações aduzidas pela Associação Sindical de Juízes Portugueses, quanto, por exemplo, ao

prazo de 72 horas para o segredo de justiça relativo à violência doméstica e quanto ao entendimento atual

sobre as 48 horas para despacho a proferir na aplicação de medidas de coação a arguido detido, que hoje se

reporta à sua identificação e não propriamente ao despacho, o qual pode evidentemente ter ainda muito tempo

pela frente. Portanto, se estas matérias reúnem algum consenso com muitas críticas, outras parecem-nos

muito preocupantes.

Em primeiro lugar, relativamente ao artigo 283.º, sobre a clarificação do poder dos juízes quanto ao limite

de testemunhas, e ainda relativamente ao artigo 328.º-A, sobre a plenitude da assistência dos juízes.

O primeiro facto que devemos sublinhar e que nos preocupa tem a ver com a possibilidade de conferir ao

juiz o poder de controlo da prova, indicada quer pelo Ministério Público quer pela defesa, e a persistência, que

nos parece absolutamente desaconselhável, da alínea b) do n.º 4 do artigo 340.º, para o qual este artigo

remete.

Ainda relativamente ao artigo 328.º-A, Sr.ª Ministra, reportando-se ao princípio da plenitude da assistência

dos juízes, aqui, como bem sabe, as preocupações são muitas. Há mesmo quem admita a

inconstitucionalidade desta proposta, por violação das garantias de defesa do arguido. O coletivo de juízes é

considerado uma garantia para o arguido e aqui trata-se, obviamente, da sua limitação. Para além da

introdução de um outro critério, que é, enfim, o de, em tribunal singular, os critérios serem uns e, em tribunal

coletivo, poderem passar a ser outros.

E aqui ainda subjaz uma outra dúvida. Os princípios da oralidade e da imediação têm consagração

constitucional. Sabe-se perfeitamente que a audição de prova em formato áudio não permite obter total

perceção dos depoimentos.

Para além destes condicionamentos, Sr.ª Ministra, é questão de lhe perguntar se tenciona atribuir aos

tribunais meios técnicos para que se consiga, através de videogramas, colmatar esta lacuna evidente.

São estas as preocupações que lhe deixamos, parecendo-nos que a celeridade não pode atropelar direitos

fundamentais com consagração constitucional.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do PS.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as

e

Srs. Deputados: A proposta de lei do Governo carecerá de uma mais aprofundada reflexão e análise em sede

de especialidade dadas as questões que aqui se levantam, desde logo questões de constitucionalidade.

No final do processo legislativo, o Grupo Parlamentar do PS tomará uma posição definitiva, nomeadamente

importa garantir os princípios da imediação e da plenitude da assistência dos juízes na produção da prova,

com efetividade e sem margem para dúvidas.

Falando de inconstitucionalidades, ainda recentemente, vimos rejeitada aqui uma proposta do Partido

Socialista, o projeto de lei n.º 685/XII (4.ª), relativa ao Código de Processo Penal, que está hoje em debate,

quanto à aplicação do processo criminal na sua forma sumária.

O projeto de lei do PS pretendia legislar em consonância e na decorrência do Acórdão do Tribunal

Constitucional n.º 174/2014, que determinou a inconstitucionalidade do artigo 381.º, n.º 1, do Código de

Processo Penal, na medida em que o processo sumário é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente

aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32.º, n.os

1 e 2, da Constituição. E isto

aconteceu porque o Governo e a maioria PSD/CDS impuseram essa legislação. Mais uma legislação

inconstitucional, por ser manifestamente violadora das garantias de defesa em processo criminal!

É claro que o PS tem razão e, no debate aqui ocorrido, essa razão foi reconhecida. Porém, o projeto de lei

foi chumbado pela maioria PSD/CDS. Não compreendemos porquê.

Também não compreendemos por que razão o Governo — é esta a questão que colocamos — ao

apresentar aqui, hoje, esta proposta de lei justamente sobre o Código de Processo Penal e, tendo havido uma

declaração de inconstitucionalidade, não aproveitou para propor a alteração legislativa que se impunha. Deve

ser tão-só por vergonha. Vergonha de reconhecer o seu erro.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do PCP.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.as

e Srs. Deputados: Começo

pelo aspeto que marca esta proposta de lei, ou seja, por aquilo que ela deixou de ter e que, julgo, era

relevante que se discutisse, que tem a ver com o regime das escutas.

Ainda assim, Sr.ª Ministra, não perdemos a esperança de discutir a matéria relacionada com o regime das

escutas, quem as faz e a sua admissibilidade — e queria deixar-lhe este desafio —, porque essa é, de facto,

uma matéria que vale a pena discutir. Porém, devemos fazer essa discussão não no âmbito do Código de

Processo Penal, mas talvez, de forma mais adequada, no âmbito da Lei da Organização da Investigação

Criminal.

Sr.ª Ministra, a apreciação que fazemos da proposta de lei que traz à discussão à Assembleia da República

é a de que — e permita-me a expressão — ela tem de tudo como as farmácias, porque suscita-nos

concordâncias, dúvidas e discordâncias.

Por esta ordem, Sr.ª Ministra, queria dizer-lhe que, relativamente à matéria relacionada com o alargamento

da gravação da audiência a todos os atos nela praticados, incluindo requerimentos, promoções e despachos,

tem inteira concordância do PCP. Não há razões para que, hoje, não se utilizem os meios que estão à

disposição dos tribunais para que seja gravado tudo aquilo que ocorre no quadro das audiências.

Concordamos também com a possibilidade de atualização dos dados pessoais que constam da base de

dados do sistema judicial, sendo certo que, relativamente a esta base de dados e ao seu funcionamento, há

ainda alguns aspetos que devemos ponderar.

Já não podemos manifestar o nosso acordo — pelo menos, levantamos algumas dúvidas — quanto a três

ou quatro aspetos da proposta de lei.

Em primeiro lugar, quanto ao registo da suspensão provisória do processo na base de dados e ao prazo da

conservação dos dados, parece-nos que os argumentos que o Governo apresenta e a solução que consta da

proposta de lei não são exatamente coincidentes. Há necessidade de conservar aqueles dados pelo prazo de

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cinco ou de três anos para verificação do registo. Mas depois desse prazo não se mantém a necessidade de

verificação da aplicação da suspensão provisória do processo? Não haveria utilidade nisso? Só se verifica

naquele prazo? Aquele prazo é adequado? Não se justificaria esta necessidade também para além do prazo

ou poderia dispensar-se o registo naquele prazo?

São questões que esperamos que possam ser clarificadas em sede de especialidade, tal como a matéria

que tem a ver com os prazos para a prática dos atos processuais.

Sr.ª Ministra, sobre esta matéria, dizemos o mesmo que dissemos a propósito do Código de Processo Civil:

estamos de acordo com uma parte do artigo — aliás, uma parte mereceu a nossa concordância na discussão

do Código de Processo Civil, tal como merecerá também na atual discussão —, já a outra parte merecerá a

nossa discordância, porque julgamos que as comunicações aos presidentes dos tribunais de comarca ou aos

magistrados coordenadores acabam por fazer…

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Já não é assim!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas é isso que consta da proposta de lei, Sr.ª Ministra.

Mas, como eu estava a dizer, julgamos que essa comunicação não deve ocorrer, porque introduz uma

perturbação naquela que deve ser a lógica de funcionamento das magistraturas.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Já não é assim!

O Sr. João Oliveira (PCP): — A Sr.ª Ministra acena que não, mas o que consta no texto da proposta de lei

(n.º 4 do artigo 105.º do Código de Processo Penal, constante do artigo 2.º da proposta de lei) é exatamente a

necessidade de comunicação…

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Tem a antepenúltima versão!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas, Sr.ª Ministra, se não é essa a intenção do Governo, então, saudamos

essa alteração porque ela vai, de facto, ao encontro da objeção que tínhamos suscitado.

Sr.ª Ministra, refiro agora as discordâncias — discordâncias sérias.

A primeira é relativa ao número de testemunhas. Aquilo que se faz não é alargar a possibilidade de

aumentar o número de testemunhas nos casos em que ele é necessário porque isso já hoje acontece, como,

de resto, é reconhecido no preâmbulo da proposta de lei do Governo. Aquilo que se faz é introduzir limitações

à possibilidade de alargar o número de testemunhas quando elas são efetivamente necessárias. A alteração

introduzida no artigo 283.º é, de facto, uma alteração significativa com a qual não estamos de acordo.

A segunda discordância refere-se ao adiamento da audiência por 30 dias. Gostava que a Sr.ª Ministra

explicasse se a intenção do Governo é mesmo eliminar por completo a sanção de perda de eficácia da prova.

Todos nós conhecemos aqueles casos de audiências que são abertas por 5 minutos só para inviabilizar o

decurso do prazo de 30 dias. Todos nós conhecemos essas situações. O que perguntamos é se é mesmo

intenção do Governo eliminar por completo a sanção de perda de eficácia da prova, quando a audiência acaba

por ser adiada e os adiamentos decorrem durante quase um ano.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Está lá escrito!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Temos outra objeção de fundo relativamente a esta opção do Governo, Sr.ª

Ministra: estas circunstâncias de adiamento das audiências por mais de 30 dias devem ter, de facto, um

caráter excecional. No entanto, o que resulta da alteração que o Governo faz é exatamente o oposto, é uma

solução em que, de facto, o adiamento por mais 30 dias pode vir a ser a regra, por eliminação dessa sanção

de perda de eficácia da prova.

Mais: quem é que afere a prioridade que está estabelecida no texto da lei que o Governo propõe? Quem é

que afere a prioridade de um ato judicial sobre o outro? É que isto, de facto, Sr.ª Ministra, pode conduzir a uma

situação de promoção da demora da justiça, com a banalização do adiamento das audiências de julgamento

por mais 30 dias.

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Uma outra objeção de fundo em relação à proposta que o Governo apresenta é a inscrição no registo

individual do condutor da aplicação de injunção de inibição de conduzir. A entrega da carta de condução já é

suficiente para as autoridades fiscalizarem se há ou não possibilidade de condução a quem foi aplicada aquela

sanção de inibição de conduzir.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Continua a conduzir!

O Sr. João Oliveira (PCP): — A Sr.ª Ministra bem sabe que se for aplicada uma injunção desse tipo e se

esse alguém continua a conduzir responde pelo crime de desobediência. Portanto, isso já é suficiente.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Mas continua a conduzir!

O Sr. João Oliveira (PCP): — De facto, esta proposta do Governo introduz um elemento de

estigmatização, que é difícil e deve ser considerado.

Sr.ª Presidente, para terminar queria referir uma última objeção, que tem a ver com a questão da

impossibilidade de participação do magistrado no decurso do processo.

Sr.ª Ministra, de facto, estão em causa, como já aqui foi referido, dois princípios fundamentais do nosso

sistema penal que têm particular relevância: o da necessidade de garantia da descoberta da verdade material

e o da preservação do princípio da imediação. Esta solução que o Governo aqui apresenta não é, do nosso

ponto de vista, completamente compatível, principalmente com a preservação do princípio da imediação da

prova.

A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, concluo dizendo o seguinte: independentemente de, hoje, os

meios tecnológicos permitirem um acesso à prova que há uns anos não era possível, este regime introduz, de

facto, perturbações quanto à necessidade de preservação do princípio fundamental da imediação da prova por

parte do juiz que julga ter tido acesso a toda a prova que foi produzida e participar na condução da obtenção

da prova, nomeadamente nas audiências de julgamento.

Parece-nos que a proposta que o Governo apresenta não é compatível com a preservação do princípio da

imediação e, portanto, vamos procurar, na especialidade, ultrapassar estas dificuldades, porque ainda assim,

apesar das objeções que referi, pode haver algum campo de melhoria desta proposta de lei.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do PSD.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Andreia Neto.

A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as

e

Srs. Deputados: O diploma que vem hoje à nossa discussão e reflexão é marcado por dois princípios — o

primeiro, a harmonização; o segundo, a clarificação.

Sr.as

e Srs. Deputados, o quadro legislativo impõe soluções que sejam coerentes com o sistema e

clarifiquem os direitos, os deveres e as garantias dos vários agentes judiciários.

A lei só é entendida se for percetível pelos seus destinatários, sendo que o presente diploma deriva, antes

de mais, da constatação da prática das limitações ou constrangimentos, que desta forma procuramos

ultrapassar.

Uma lei que não é clara dificilmente é percetível.

Sr.as

e Srs. Deputados, as soluções agora apresentadas são as mais diversas: os prazos para a prática de

atos processuais e a sua ultrapassagem pelos juízes e magistrados do Ministério Público, a clarificação dos

poderes do juiz no que respeita à admissão da ultrapassagem do limite máximo do número de testemunhas e,

até, a própria calendarização das audiências de julgamento.

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Sr.as

e Srs. Deputados, veja-se, por exemplo, a eliminação da sanção consistente na perda de prova, por

ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação de audiência de julgamento interrompida. Agora, com

esta proposta, a prova produzida em audiência de julgamento não será afetada por interrupções superiores a

30 dias. A verdade é que as pessoas não entendiam como é que isto não acontecia.

Veja-se, por exemplo, também, a admissão da ultrapassagem do limite do número de testemunhas quando

o juiz terá de indeferir o requerimento quando as testemunhas requeridas sejam irrelevantes ou supérfluas,

quando este meio de prova seja inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, ou quando o

requerimento tenha uma finalidade meramente dilatória. Sr.ª Ministra, as pessoas não entendiam que assim

não fosse.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Andreia Neto (PSD): — Sr.as

e Srs. Deputados, por último, a presente proposta não deixa de

recolher um amplo consenso entre os vários agentes judiciários consultados e, por aquilo que podemos

constatar em sede deste debate parlamentar, até os próprios grupos parlamentares, embora apontando

alguma limitação ou insuficiência de um ou outro preceito, não negam o mérito desta proposta.

Sr.as

e Srs. Deputados, falamos de assuntos importantes, pois são assuntos que mexem com direitos,

liberdades e garantias. Não há, no que respeita a estas soluções aqui apresentadas, nenhum pressuposto ou

preconceito ideológico.

Assim sendo, temos de ter a fundada expectativa de ver esta proposta ser acompanhada pelos grupos

parlamentares que connosco partilhem a responsabilidade na busca de melhores soluções.

Sr.ª Ministra, Sr.as

e Srs. Deputados, em nome da justiça, da celeridade e da eficácia processual e também

no sentido de evitar expedientes dilatórios, o Grupo Parlamentar do PSD enaltece estas alterações, as quais

contribuirão, essencialmente, para a credibilização do sistema judiciário.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do CDS-PP.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Anjinho.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados: A presente proposta de lei, como já ficou aqui bastante evidente, tem como fundamento

incontornável, claramente, a harmonização do Código de Processo Penal com as disposições do novo Código

de Processo Civil.

Neste propósito, não tenho quaisquer dúvidas em afirmar que é mais uma peça muito importante da

necessária e há muito reclamada reforma da justiça, que este Governo tem vindo a conceber e a implementar.

Isto por entre dificuldades que todos nós também reconhecemos e, infelizmente, com uma oposição que opta

por uma atitude muito pouco responsável, mais de reação do que ação, como, aliás, ficou muito patente na

intervenção do Sr. Deputado Pita Ameixa, que, ao invés de se dirigir e discutir o diploma que está hoje em

discussão, preferiu falar do seu diploma que já foi debatido e rejeitado.

Sr.ª Ministra, é mais um passo em frente, um passo equilibrado no sentido da modernização e da qualidade

do processo penal. Falamos de soluções processuais mais avançadas, capazes de aligeirar ritos processuais,

assim como, e há que o dizer, formas mais adequadas de assegurar com equilíbrio a responsabilização de

todos os intervenientes processuais normalmente convocados para a tarefa da administração da justiça. São

essencialmente cinco medidas. Resumidamente:

No que diz respeito aos prazos para a prática de atos dos magistrados, efetivamente, afigura-se

incompreensível que exista um regime para a ultrapassagem dos prazos no processo civil e outro no processo

penal. Esta é uma solução que recolhe o consenso da maioria das entidades ouvidas pelo Governo, não

apenas pela questão da harmonização, mas também porque fica sempre salvaguardada, como bem sabem, a

possibilidade de, quanto a despachos urgentes que não sejam de mero expediente, ser ultrapassado o prazo

em casos justificados, devendo o juiz consignar o motivo.

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A Associação Sindical dos Juízes Portugueses discorda desta alteração, argumentando, no fundo, como

também já aqui foi dito, a sua desnecessidade.

Todavia, a verdade é que — e recorrendo para tanto até a alguns doutores desta matéria, como Maia

Gonçalves — a norma atual pode revelar-se de difícil realização e de eficácia duvidosa, pois, por vezes, é

difícil saber se os prazos foram excedidos ou até saber quais os que vigoram.

Mais: face à redação atual, pode até a determinação da entidade faltosa suscitar questões delicadas, uma

vez que pode haver sucessão de magistrados no mesmo processo ou funcionários que não lhe deram

andamento. Na nossa opinião, a solução que agora foi encontrada pelo Governo é muito mais eficaz.

Em segundo lugar, também é de harmonização que falamos quando nos referimos à alteração da norma

que permite a ultrapassagem do número limite de testemunhas. Esta é uma medida que claramente poderá

trazer celeridade ao julgamento — realço, naturalmente, a sua natureza excecional, e excecional não é

impossível, Sr. Deputado Pita Ameixa —, fazendo impender sobre os sujeitos processuais a responsabilidade

de justificar fundamentadamente essa ultrapassagem.

Refira-se que, neste propósito, não somos alheios à ponderação de uma eventual redução do limite nos

casos da pequena e média criminalidade, à semelhança do que foi feito para o processo civil.

Quanto à resolução das questões colocadas pelo falecimento ou pela impossibilidade superveniente de um

magistrado, nas audiências em curso realizadas em tribunal coletivo, estamos, no fundo, perante a introdução

no processo penal de uma regra de plenitude de assistência dos juízes, semelhante à que já existe no

processo civil. Ou seja, passa a haver uma regra de plenitude para o juiz singular e a possibilidade de haver

exceções a essa regra quando o processo for julgado pelo coletivo.

Trata-se, efetivamente, de um regime inovador que ancora numa lógica de racionalidade de meios e de

celeridade processual e que, devemos reconhecer, suscitou entre as entidades consultadas algumas dúvidas,

nomeadamente em matéria de conformidade constitucional. Mas recordo que o que está sempre em causa é o

equilíbrio ponderado dos interesses em causa.

Todavia, face ao fundamento da medida, estamos certos de que, em sede de especialidade,

conseguiremos encontrar, de forma equilibrada e construtiva, o dissipar das dúvidas e a solução mais

adequada.

A quarta matéria a harmonizar diz respeito à regra da perda de eficácia de prova pela ultrapassagem do

prazo legal de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento.

De facto, nos tempos que correm, com os meios audiovisuais ao dispor para evitar a erosão da memória, a

formulação anterior deixou de fazer sentido, sendo que, naturalmente, Sr. Deputado João Oliveira, se deve

assegurar que, a ocorrer a ultrapassagem, só poderá ser em circunstâncias excecionais e devidamente

justificadas, relacionadas com a produção de outros meios de prova e nunca por causas relacionadas com o

funcionamento do tribunal, ou por intervenção do defensor, ou dos advogados do assistente, ou das partes

civis.

Termino, dizendo que o diploma que o Governo hoje nos apresenta mostra-se inteiramente adequado aos

seus fins, adotando soluções de harmonização pensadas e participadas.

Seguindo-se o processo de especialidade, estamos certos de que haverá espaço para maior

aprofundamento de certas matérias, seja de modo a dissipar dúvidas, seja de modo a introduzir eventuais

melhorias.

Daremos, naturalmente, o nosso contributo e esperamos que os restantes partidos, no mesmo espírito

construtivo e de responsabilidade, também o façam.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, a Mesa não regista, por enquanto, mais inscrições.

Neste sentido, aguardamos para perceber se mais alguém pretende inscrever-se.

Pausa.

A Sr.ª Ministra da Justiça acaba de se inscrever para intervir.

Tem a palavra, Sr.ª Ministra.

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A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr.ª Presidente, vou ser telegráfica.

Em primeiro lugar, queria dizer à Sr.ª Deputada Cecília Honório que a convidei, bem como aos outros

grupos parlamentares, a visitarem o CITIUS e verem como está a funcionar. Como não recebi nenhuma

resposta, significa que está a funcionar bem.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Eu não ouvi!

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Em segundo lugar, queria dizer à Sr.ª Deputada que quero um julgamento

justo. Não quero julgamentos com 400 testemunhas abonatórias para atrasarem os processos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — As testemunhas abonatórias só podem ser cinco, não podem ser mais!

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Não quero julgamentos que se arrastam para que tudo fique na mesma.

No mais, estou disponível, Srs. Deputados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as

e

Srs. Deputados: Este debate, no âmbito do processo penal e do funcionamento dos tribunais, carece ainda de

alguns aprofundamentos.

Embora já tenha sido aqui referido este tema, queria voltar a ele: esta era a famosa proposta de lei da Sr.ª

Ministra da Justiça que incluía uma alteração significativa no regime da interceção das comunicações nas

escutas e parece que incluía o afastamento da generalidade dos órgãos de polícia criminal da possibilidade de

fazerem essas ditas escutas. No entanto, chegamos cá e temos uma surpresa: esta proposta de lei é-nos

apresentada sem essa norma, sem esse objetivo tão anunciado pela Sr.ª Ministra da Justiça.

Pergunto: por que razão chega aqui esta proposta amputada dessa parte? Digo: porque o Governo se

enredou em contradições internas e a Ministra da Justiça, mais uma vez, perdeu, foi derrotada na sua

pretensão desta vez, internamente, no Governo.

Qual é, afinal, a posição do Governo a este respeito? Por que razão caiu a proposta? Mais uma vez, há

falta de estratégia e, mais uma vez, trouxe para a praça pública e para os órgãos de polícia criminal

discussões, instabilidade e incerteza. Isto é mau, porque é necessário certezas, estabilidade e confiança, algo

que o Governo deveria transmitir aos agentes da segurança interna e à investigação criminal.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

Dispõe apenas de 23 segundos.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, vou tentar cumprir o tempo de que disponho.

Sr.ª Ministra da Justiça, teria muito prazer em responder positivamente ao convite, se o tivesse recebido.

Em todo o caso, a esta hora só mesmo a Sr.ª Ministra da Justiça para dizer que está tudo bem e que o CITIUS

está a funcionar plenamente. Tem a certeza disso, mas, enfim, não é o que nos dizem, não corresponde às

denúncias que chegam. Se a Sr.ª Ministra tem a certeza, não estou aqui para a contestar.

Protestos do PSD.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Vá lá ver!

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A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Para além disso, não sabemos propriamente em que julgamentos e em

que tribunais é que existem 400 testemunhas abonatórias. Não sei se quer explicar…

Protestos do PSD.

Mas a Sr.ª Ministra ainda não respondeu a duas questões. A primeira relativamente à questão do processo

sumário — verifiquei que evitou esta questão — e a outra quanto à interceção de comunicações pela Polícia

Judiciária. Era uma oportunidade de fazer o esclarecimento desta questão, mas também verifiquei que decidiu

não o fazer.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Concluímos aqui…

Pausa.

Peço aos Srs. Deputados o favor de anteciparem um pouco as inscrições para não fazermos um

ziguezague de concluir e não concluir o debate.

Tem a palavra, novamente, o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr.ª Presidente, como fiz uma intervenção, a minha expetativa era a de

que outros grupos parlamentares, ou o Governo, também pudessem intervir, se tivessem essa possibilidade.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Não dispomos de tempo, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — O PSD tem tempo!

Mas intervirei de novo, Sr.ª Presidente, com muito gosto, para dizer o seguinte: ainda agora, saiu um

relatório da Associação Sindical dos Juízes Portugueses a respeito das condições em que se encontram os

nossos tribunais. Os nossos tribunais, realmente, encontram-se em péssimas condições de instalação. A

alteração à organização judiciária feita pelo Governo, levando tribunais de um local para o outro sem ter

previamente preparado as instalações, veio piorar a situação.

Falo até de um caso em que a Sr.ª Ministra da Justiça não poderá dizer que é do passado, porque é do

tempo dela, que são os famosos contentores de Loures. No tribunal de Loures, encontram-se milhares de

processos pelo chão e nos contentores não há condições para o desempenho das funções com o mínimo de

dignidade. Veja lá, Sr.ª Ministra da Justiça, que até há ratos nos contentores!

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Não é nos contentores, é fora deles!

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Os contentores apareceram armados com ratoeiras. Só não sabemos se

as ratoeiras também fizeram parte da contratação desses contentores. Portanto, o Governo é responsável por

esta situação.

Protestos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sim, Sr.ª Presidente.

Finalmente, queria apenas dizer que o caos que foi instalado nos tribunais, com a reforma do mapa

judiciário e tendo em conta a maneira como ela foi feita, levou à seguinte situação: o Governo produziu um

decreto-lei sobre esta questão do Citius em que ficou consignado que o sistema não está a funcionar

capazmente e que seria produzida uma declaração de conformidade logo que o sistema estivesse a funcionar.

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Ora, queria perguntar quantas declarações de conformidade já ocorreram. Respondo já: nenhuma! Isto quer

dizer que, com o sistema informático da Sr.ª Ministra da Justiça, o caos dos tribunais continua.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — O PSD disponibilizou os 10 segundos de que ainda dispunha à Sr.ª Ministra da

Justiça.

Tem a palavra, Sr.ª Ministra.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr.ª Presidente, isto de facto…

Foi dito que há caos, mas o certo é que tudo continua a trabalhar.

Foi dito que há convites feitos em audição regimental e que nenhum foi aceite, mas o certo é que quase

todas as sugestões dos operadores judiciários foram acolhidas nesta proposta de lei.

Sr. Deputado Pita Ameixa, não foi declarada a inconstitucionalidade, mas a interpretação. Deve saber a

diferença.

Relativamente aos tribunais em péssimas condições, muito obrigada — ao contrário — pelo legado que nos

deixaram. Os senhores falam em 12 tribunais que estão a sofrer intervenções, mas não falam dos 137 em que

já foram feitas intervenções. É extraordinário, Sr. Deputado, como a memória é curta. E também não falam dos

576 milhões de euros de parcerias que os senhores deixaram.

Não aceitamos mais manobras dilatórias! Confrontem-se com a vossa memória!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, agora, sim, termina o debate relativo à proposta de lei n.º 263/XII

(4.ª). Agradeço a presença da Sr.ª Ministra e os meus cumprimentos.

Antes de prosseguirmos para o segundo ponto da nossa ordem do dia, vamos esperar um pouco para que

a bancada do Governo possa revezar-se, dada a nova temática que vai entrar em debate.

Pausa.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início ao segundo ponto da nossa ordem de trabalhos,

que consiste na discussão conjunta do Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, que aprova o regime jurídico

da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário

[apreciação parlamentar n.º 87/XII (3.ª) (PCP)] e do Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, que procede à

terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 146/2013, de 22

de outubro, e pela Lei n.º 80/2013, de 28 de novembro, que estabelece o novo regime de recrutamento e

mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados

[apreciação parlamentar n.º 88/XII (3.ª) (PCP)].

Para abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PCP apresenta

hoje soluções para os problemas da escola pública. O PCP apresenta soluções para valorizar a formação

inicial de professores, para garantir que os problemas, irregularidades e injustiças, que marcaram o início do

ano letivo e que causaram danos irreparáveis, não se voltem a repetir e apresentamos soluções de combate à

precariedade, de valorização da estabilidade e de garantia de acesso e ingresso na carreira docente.

A defesa dos direitos dos professores representa, em si mesmo, a defesa da estabilidade e da qualidade

pedagógica.

Defender a estabilidade do corpo docente é defender a qualidade pedagógica. Defender a vinculação

efetiva dos professores nas escolas, que respondem a necessidades permanentes, é garantir a qualidade

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pedagógica. Respeitar e cumprir os direitos dos professores é valorizar a escola pública enquanto pilar do

regime democrático.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: As principais soluções que o PCP aqui traz são: a vinculação de todos os

docentes que respondem a necessidades permanentes das escolas, definidas através da abertura de vagas,

em função de todas as necessidades manifestadas pelas escolas para horários completos que se verifiquem

durante três anos consecutivos; a revogação da Bolsa de Contratação de Escola; a colocação de professores

através de uma lista única nacional ordenada pela graduação profissional; a revogação dessa prova injusta e

iníqua, a dita «prova de avaliação de conhecimentos e de capacidades»; e a invalidação dos seus efeitos, que

prejudicaram milhares de professores, desde logo excluindo mais de 8000 de serem opositores a concurso.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — As propostas que o PCP aqui traz são soluções para os problemas da escola

pública e visam garantir transparência e justiça no regime de concursos de colocação de professores.

Ainda ontem, na Comissão de Educação recebemos peticionários que recolheram mais de 4000

assinaturas, requerendo a aplicação das propostas que hoje aqui apresentamos.

O PSD e o CDS deram sinais de acolhimento e de vontade. As propostas do PCP estão aqui. Vamos ver

se, de facto, a vontade se fica na teoria ou se vai passar à prática.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, o Governo solicitou à Mesa, o que me parece

razoável, a possibilidade de, nesta fase do debate, intervirem os dois Secretários de Estado aqui presentes,

tendo em conta que estamos a debater dois decretos-leis diferentes.

Assim sendo, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (José Ferreira Gomes): — Sr. Presidente, Srs.

Deputados, Sr.ª Deputada Rita Rato: Todos reconhecemos que a educação é um motor do desenvolvimento

social e económico do País e que a docência é a variável com maior impacto na qualidade do ensino, impacto

tanto mais positivo quanto maior for o domínio pelo professor das matérias lecionadas, a sua experiência

profissional e o conhecimento que tenha dos seus alunos.

Terminado o esforço e a expansão do ensino obrigatório até aos 18 anos, temos agora de reforçar a

preparação das novas gerações de educadores e professores.

É isso mesmo que faz o novo Regime Jurídico da Habilitação Profissional para a Docência na Educação

Pré-Escolar e nos Ensinos Básico e Secundário, melhorando a formação inicial dos professores. Aliás, muitos

estudos internacionais demonstram a importância da formação dos professores nos resultados dos seus

alunos, ou seja, que este é um dos primeiros determinantes do sucesso do ensino.

Este Decreto-Lei visa reforçar a qualificação dos educadores e dos professores do ensino básico e do

ensino secundário.

Entre outras medidas, com este objetivo, destaco: o aumento da duração dos mestrados em educação pré-

escolar e ensino do 1.º ciclo do ensino básico, que passa de dois para três semestres; o aumento da duração

do mestrado conjunto em educação pré-escolar e ensino do 1.º ciclo, que passa de três para quatro

semestres; a manutenção em quatro semestres de duração dos restantes mestrados.

É este o nosso objetivo e é este o diploma que foi aprovado e que visa melhorar a formação dos futuros

professores, contribuindo, assim, para a melhoria do ensino em objetivo sempre inacabado.

Aplausos do PSD e do PDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino e da

Administração Escolar.

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O Sr. Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar (João Casanova de Almeida): — Sr.

Presidente, Srs. Deputados: A apreciação parlamentar n.º 88/XII (4.ª) visa uma alteração ao Decreto-Lei n.º

83-A/2014 e vai ao encontro daquilo a que a Sr.ª Deputada Rita Rato aqui referiu, colocando um ponto final na

contratação sucessiva e estabelecendo uma norma-travão para todos aqueles que, representando

necessidades permanentes do sistema, tenham contratos anuais e sucessivos de cinco anos completos e

regula também a nova estrutura salarial. Ou seja, estamos perante uma revisão de um diploma que contempla

não só a estabilidade dos professores contratados que, respeitando às necessidades permanentes do sistema,

tenham contratos sucessivos em cinco anos com horários anuais e completos e, por outro lado, regula

também a valorização salarial dos professores contratados e a sua entrada na carreira.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Santa.

O Sr. Agostinho Santa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Cumprimento, em primeiro lugar,

os Srs. Secretários de Estado aqui presentes.

Se há assuntos ligados ao mundo da educação e ensino que merecem reflexão, ponderação e serena

decisão são os que referenciam à habilitação e capacitação de professores para o exercício da função

educativa e aos mecanismos de seleção e recrutamento de docentes.

É fácil, no entanto, quando nos fixamos neste objetivo específico de análise, perdermos a noção da

essencialidade, menorizada seja pelo imediatismo e precipitação das soluções aparentemente evidentes, seja

pelo esquecimento dos pressupostos fundamentais que devem ser tidos em consideração como esteira factual

e de valoração.

Neste sentido, o Partido Socialista mantém o pensamento que o tem iluminado quando se pronuncia sobre

estas matérias: olhando embora para os interesses pessoais, familiares, sociais e profissionais que convergem

na esfera dos docentes, apanhados, tantas vezes, nas malhas de perversidades e perplexidades das soluções

normativas, reafirma sempre como base continuada de aferição e sem hesitações que o essencial a preservar

sobre qualquer outro objetivo assenta nos interesses superiores e prioritários do sistema educativo, da

continuidade pedagógica, da autonomia responsável, organizativa e de gestão, do progresso nas

aprendizagens e do sucesso dos alunos.

Não se conte com o Partido Socialista para sufragar, nestas como noutras matérias ligadas à

sustentabilidade e qualidade da escola como desígnio de um povo, experimentalismos, percursos erráticos,

fugas para o facilitismo e desregulação ou cedências aparentemente milagrosas e tendencialmente

demagógicas.

Independentemente dos termos, das motivações e das intencionalidades destes pedidos de apreciação

parlamentar, não nos vamos deixar arrastar para fora do perímetro em que os referidos princípios fundantes

nos fazem conter.

Conte-se com o Partido Socialista para um diagnóstico rigoroso das situações, para uma leitura crítica das

medidas e para uma projeção estratégica dos efeitos e alcances.

Nesta conformidade, não podemos ignorar que as alterações do diploma legal a que obedece o regime dos

concursos de professores têm associadas a si, como ferrete, o caos do início do ano letivo, cujas

repercussões, apanhando no olho do furacão muitos professores e suas famílias, se sentem ainda, e vão

continuar a influenciar negativamente, o percurso de tantos alunos que foram sugados para o fosso da

indefinição estratégica, da incompetência administrativa e da irresponsabilidade política.

Não podemos deixar de afirmar que os episódios vividos trouxeram à discussão e censura públicas

problemas de falta de transparência em procedimentos concursais, na publicitação de parâmetros de

avaliação e de listas de candidatura e de colocação, como é preciso que se atente para a facilidade com que

se pode resvalar para critérios de aferição de mais-valias profissionais, que atropelam a legitimação social e

motivam a falência de níveis aceitáveis de equidade, como, ainda, é necessário perceber que há princípios

que não podem deixar de ser respeitados quando em causa estão mecanismos de qualificação, de acesso, de

mobilidade e de progressão de profissionais de educação, como sejam, entre outros, o da participação e o do

direito à informação relevante.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José

Castelo Branco.

A Sr.ª Maria José Castelo Branco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Secretários de Estado: A educação

é um setor que impõe uma constante atualização e adequação de métodos e de modelos procurando dar

resposta às exigências de uma sociedade que evolui a um ritmo vertiginoso, sendo certo que sempre que se

perspetivam mudanças na educação/formação dos jovens elas terão de ser obrigatoriamente implementadas

nos docentes em exercício e a montante na formação inicial dos docentes, sendo também certo que estes

exigirão um cuidado particular, porque serão eles a geração que, num futuro mais ou menos próximo,

assegurará os padrões de exigência e de rigor pretendidos.

As duas apreciações parlamentares do PCP aqui em análise, sobre a habilitação profissional para a

docência e recrutamento e mobilidade do pessoal docente, contestam quase tudo, recorrendo a argumentos

errados.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Maria José Castelo Branco (PSD): — Criticam a retirada da componente formação em

metodologias de investigação educacional, não percebendo o caráter profundamente redutor do modelo

anterior, sendo que agora a alínea c) do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 79/2014 aponta para a formação na

área cultural, social e ética o contato com métodos de recolha de dados e de análise crítica de dados

(hipóteses e teorias), porque os docentes têm de, constantemente, consolidar a sua literacia científica em

múltiplos campos, sendo estas ferramentas basilares para o conseguirem.

Por outro lado, apontam para uma desvalorização da formação inicial da educação pré-escolar e do 1.º

ciclo do ensino básico, quando, na realidade, toda a componente dos designados segundo ciclo, mestrados e

complemento de formação para a docência são agora regulamentados para acabar com alguma anarquia que

ia proliferando com diplomas de mestrado de dois anos e meio mais tese, um ano com trabalho final e até três

meses sem qualquer tipo de trabalho final.

Veja-se o caso concreto dos dois níveis de ensino focados pelo PCP que antes completavam dois

semestres e que agora passam para três, passando o mestrado conjunto de três para quatro anos.

Concretiza-se, igualmente, uma aspiração de longa data dos docentes, separando os mestrados de acordo

com os grupos de recrutamento, o 2.º ciclo de Portugal, História e Geografia de Portugal, o 2.º ciclo de

Matemática e Ciências da Natureza, o 3.º ciclo de História e Geografia, Secundário, ensino de História e

Geografia.

Acerca da educação especial, a explicação para as críticas que expõem estão no próprio parágrafo de

formação complementar à formação inicial.

Por último, a propósito da formação inicial, chamo a atenção para o artigo 7.º do mesmo Decreto-Lei, alínea

1), definindo que a última fase do mestrado é a iniciação à prática profissional, também alvo de profundas

críticas pelo PCP. Os senhores sugerem que turmas de jovens alunos sejam entregues à responsabilidade de

estudantes ainda em aprendizagem.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Como é que foi consigo?

A Sr.ª Maria José Castelo Branco (PSD): — Criticam também os mecanismos de fixação de vagas para

acesso à formação inicial de professores. Honestamente, acham preferível a situação que se arrastou ao

longo de anos, em que já era notória a redução de alunos em sistema educativo e continuavam a ser

debitados por inúmeros estabelecimentos de ensino por todo o País, nos mais diversos níveis de ensino, às

centenas, gorando expetativas de jovens e famílias tantas vezes com enormes esforços financeiros para os

lançar no desemprego?

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria José Castelo Branco (PSD): — E não venham dizer que se dividam e subdividam turmas

porque isso é uma utopia irresponsável. Da mesma forma, não é honesto continuarem a criticar o fator

exigência, porque rigor e exigência devem ser cada vez mais elevados não só nos discentes, mas também

para os docentes, porque o sucesso dos primeiros só poderá ser garantido com a qualidade dos segundos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês Teotónio

Pereira.

A Sr.ª Inês Teotónio Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs.

Deputados: Portugal é um dos países europeus onde as desigualdades socais mais se refletem na educação e

o que isso significa, na prática, é que, em média, existe uma relação entre o insucesso escolar de um aluno e

o nível socioeconómico da sua família. Ora, este é um dos maiores desafios do ensino em Portugal, pois para

as famílias que não conseguem apoiar a instrução e a formação dos seus filhos a escola é a última esperança.

Isto leva-nos ao ponto seguinte: anos de pesquisa e dezenas de publicações científicas sobre as condições

para o sucesso escolar mostram-nos, sem margem para dúvidas, que dentro da sala de aula nenhum outro

fator é tão determinante para o sucesso escolar quanto o professor, ou seja, quanto melhor o professor melhor

as aprendizagens dos seus alunos.

Dito de outra forma, só com professores bem preparados será possível reduzir e minorar os efeitos das

condições socioeconómicas das famílias no desempenho escolar dos alunos.

A formação dos professores é, portanto, uma questão chave para o futuro dos nossos jovens e foi por isso

eleita como uma das prioridades deste Governo a educação. E este Governo agiu no sentido de tornar mais

exigentes e longas as formações superiores dos professores, no sentido de exigir exames de Português e

Matemática para o acesso a esses cursos e, por fim, no sentido de implementar a prova de avaliação de

capacidades e competências introduzida na legislação em 2007 pelo PS. O que hoje aqui discutimos é uma

das três medidas, sendo que, a nosso ver, todas elas trouxeram benefícios para o sistema educativo.

O PCP critica as alterações à formação inicial dos professores, considerando que estas desvalorizam esta

formação. Ora, nós discordamos e discorda também o Conselho Nacional de Educação (CNE). O parecer que

aprovou o CNE sobre este assunto é perfeitamente claro e afirma: «No plano jurídico-formal, as alterações

registadas são pontuais e coerentes com a lógica de clarificação e aperfeiçoamento introduzidas no diploma».

A verdade é que este Decreto-Lei é coerente com o objetivo de melhorar a formação inicial dos

professores. E porquê? Porque aumenta a duração dos mestrados em educação pré-escolar e ensino do 1.º

ciclo e ensino básico de dois para três semestres, ao contrário do que afirma o PCP; porque aumenta a

duração do mestrado conjunto em educação pré-escolar e ensino do 1.º ciclo do ensino básico de três para

quatro semestres; porque fixa em quatro semestres a duração dos restantes mestrados; e porque estabelece

ponderações nas componentes de formação, aumentando o número mínimo de créditos e aumentando, assim,

o nível de exigência e de qualidade das formações.

Todas estas alterações são relevantes, porque o Governo as faz sabendo que a profundidade do

conhecimento dos professores sobre as matérias específicas que leciona tem um efeito expressivo na

qualidade da aprendizagem dos alunos.

O PCP gosta recorrentemente de assumir estes debates maniqueístas como defensores da educação e

acusando a maioria e o CDS de inimigos da educação e de inimigos dos professores.

Protestos do PCP.

Mas como acontece recorrentemente, o PCP está enganado. Ao contrário do que sucessivamente alega,

este Governo, apoiado por esta maioria, fez muito por estes professores.

Passo agora a referir-me à segunda apreciação parlamentar aqui em discussão: este Governo vinculou

mais de 2600 professores nos quadros; instituiu uma norma travão para a entrada semiautomática nos

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quadros com cinco contratos anuais completos e sucessivos; equiparou, em termos salariais, os professores

contratados ao primeiro escalão da carreira; corrigiu injustiças com o reposicionamento remuneratório ocorrido

na carreira docente; e reduziu para mínimos históricos os docentes com horário zero.

Sabemos que há problemas e sabemos que, em teoria, é sempre possível fazer melhor, mas também

sabemos que, apesar de vivermos um tempo de particulares dificuldades financeiras, muito se conseguiu

melhorar. Estamos por isso certos de que, em 2015, esse trabalho continuará a ser feito.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: O Governo

e o Ministério da Educação instituíram a ideia da desconfiança organizada na formação inicial dos professores.

Partem sempre de uma ideia de desconfiança, que é uma desconfiança também nas instituições formadoras, e

o que tentaram atamancar nesta legislação é exatamente um mecanismo de réplica a esse conceito

generalizado de desconfiança na formação inicial de professores.

O problema aqui é que são instituídas normas que são discriminatórias entre vários graus de ensino e,

fatalmente, o que interessa mais, que é a possibilidade de prolongar ao longo do tempo um estágio que

permita uma outra capacitação a lecionar, não é efetivado, porque consideram que está fora do alcance dessa

formação inicial.

Nós estamos abertos a discutir os modelos de formação inicial, todos têm estado abertos a discutir os

modelos de formação inicial. O que não se suporta é uma desconfiança permanente em relação aos sistemas

de formação inicial dos professores, mas esta não é a solução.

Por outro lado, em relação ao acesso à profissão, ao acesso à docência, ao regime jurídico, para além da

inqualificável prova, que vai caindo aos bocados, da aquisição das capacidades e conhecimentos — ela está,

por si própria, a transformar-se, pouco a pouco, num cadáver —, temos outros aspetos que não têm sido tão

visíveis nem tão contestados, mas que merecem um olhar bastante crítico. Porquê a entrada para os quadros

em situação semiautomática ao fim de cinco contratos consecutivos? Porquê consecutivos? Não se verifica aí

uma situação discriminante em relação a outro tipo de docentes que, eventualmente, têm uma antiguidade até

maior ou um maior número de contratos, mas que, por quaisquer razões, não têm neste momento cinco

contratos consecutivos anuais?

Um conjunto de outras circunstâncias podem vir a ser colocadas: porquê cinco? Porque não três? Qual foi

o critério? Não há critério. O critério foi um critério absolutamente abstrato e arbitrário que foi inventado na 5

de outubro.

Portanto, nestes aspetos, creio que ganharíamos todos, que ganharia o País, que ganharia a comunidade

educativa e, sobretudo, que ganhariam os profissionais que à educação se dedicam se houvesse uma revisão

geral desta legislação.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O CDS disse aqui que este Governo

vinculou 2600 professores, mas esqueceu-se de dizer que este Governo despediu 20 000 professores

contratados e esqueceu-se ainda, não por acaso, mas deliberadamente, de dizer que, em 10 anos, se

aposentaram mais de 40 000 professores.

O Sr. David Costa (PCP): — Bem lembrado!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Por isso, existem hoje milhares de professores contratados na escola pública

que respondem a necessidades permanentes do sistema.

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O Sr. Secretário de Estado disse aqui que fomos muito importantes porque inventámos uma regra que

impõe a possibilidade do limite máximo de cinco anos, mas não disse aqui o resto. Sr. Secretário de Estado,

diga lá aqui que impõe essa obrigatoriedade no mesmo grupo de recrutamento em contratos que são

completos e que não podem ser sucessivos, o que significa que pode haver professores com mais de 15 e 20

anos de serviço que não ingressam na carreira.

Sr. Secretário de Estado, sabe porque é que o Governo fez isto? Fez isto porque não quer contratar

professores, porque este Governo tem o objetivo de reduzir o número de professores e, com isso, desvalorizar

a escola pública.

Vozes do PCP: — É precariedade!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Por isso, o que aqui fazemos é mais do que isso, Sr. Secretário de Estado. O

que o PCP aqui propõe é que àquilo que são necessidades permanentes seja correspondido um vínculo

efetivo e o acesso à carreira. O que os senhores não querem é pagar aos professores da escola pública, que

são fundamentais para a escola pública, aquilo a que têm direito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, informo que o Grupo Parlamentar do PCP

apresentou propostas de alteração quer ao Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, quer ao Decreto-Lei n.º

83-A/2014, de 23 de maio, que irão baixar à Comissão de Educação, Ciência e Cultura para serem apreciadas

na especialidade.

Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino e da Administração

Escolar.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar: — Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Gostaria de vos dizer que quer o Decreto-Lei n.º 83-A/2014, quer o Decreto-Lei n.º 79/2014, que estão em

apreciação parlamentar, visam a melhoria do sistema educativo. O primeiro porque regula, como nunca tinha

sido feito, a necessidade de abrir uma vaga para entrada na carreira aos docentes que completem cinco anos

sucessivos de horários anuais e completos. Porquê? Porque são as necessidades do sistema, Sr.ª Deputada

Rita Rato, que estão de acordo com os contratos que é necessário fazer para esse tipo de horários,

continuadamente, pois nunca ninguém tinha feito uma lei que estipulasse que terminavam nesse caso a

contratação e passariam a ser vinculados.

Este diploma também valoriza, do ponto de vista salarial, os professores contratados. Isto é algo que nunca

tinha sido feito.

Isto foi feito, tal como já aqui foi referido, depois de vincular mais de 2600 professores contratados, como

também nunca tinha sido feito e sabe também, Sr.ª Deputada, quando afirma que houve despedimentos, que

não houve despedimentos.

Vozes do PCP: — Não?!

O Sr. Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar: — O que não houve foi

contratações. É muito diferente não haver contratações. E a Sr.ª Deputada sabe perfeitamente que a situação

do País há 20 anos, do ponto de vista demográfico, não era aquela que existe hoje e, portanto, os quadros e

as organizações têm de ser dinâmicos, como sabe.

Em relação ao segundo diploma, é também de assinalar que o mesmo vem reforçar a qualificação dos

educadores e professores. Sr.ª Deputada, quando se introduzem melhorias, todos os que se preocupam com

o sistema educativo, mesmo que não sejam as ideais, se congratulam com essas melhorias. É isso que se

passa com estes dois diplomas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem de novo a palavra a Sr.ª Deputada Rita

Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar,

Sr.as

e Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado continua a não dizer a frase toda. Diga porque é que

propõe apenas cinco anos no mesmo grupo de recrutamento. Quer manter professores que estão há anos, há

décadas no sistema, sem garantir o acesso à carreira, a pagar sempre pelo nível mais baixo da tabela salarial.

E diga também aqui, Sr. Secretário de Estado, porque é que este Governo teve a vontade política de ir

contra um direito fundamental, que é pagar a compensação no caso da indemnização por caducidade do

contrato de trabalho. Depois de 700 sentenças de tribunais que obrigavam o Governo a pagar aos professores

contratos a compensação por caducidade do contrato de trabalho, este Governo pôs no Orçamento do Estado

uma norma que viola a Lei Fundamental e viola um princípio fundamental, e isso é inaceitável.

Sr. Secretário de Estado, vincularam 2600 professores, despediram mais de 20 000 e impedem milhares de

terem acesso à carreira e com isso permitir qualidade e estabilidade pedagógica.

O Partido Socialista tinha hoje aqui oportunidade de dizer de que lado é que está, mas veio aqui pôr-se no

meio a atrapalhar aqueles que querem resolver os problemas da escola pública. Da parte do PCP não há

tibiezas, estamos do lado dos professores, porque o lado dos professores é o lado da escola pública.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís

Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ensino e da Administração

Escolar, João Casanova de Almeida, não consegue explicar como é que, com cinco anos consecutivos, é uma

necessidade do sistema, e que, com muito mais de cinco anos que não sejam consecutivos, não corresponde

a uma necessidade do sistema.

Não é lógico, não é racional, e, portanto, é uma injustiça e é uma atitude tomada administrativamente sem

critério. Não é uma atitude absolutamente nada criteriosa.

Além do mais, desafiava-o a fazer o levantamento das necessidades do sistema. E, se quiser fazer esse

levantamento, pergunto-lhe, então: como é que articula isso, hoje, com a bolsa de contratação de escola?

Como é que articula isso com o a gestão flexível de currículos, etc.? Como é que isso é possível?

Por conseguinte, o Governo está num labirinto em relação à organização das vagas do sistema. E também

não conseguiu explicar a ninguém porquê cinco anos. Porquê cinco? Porque não três? Porque não quatro?

Porquê cinco anos!? Como é que o Governo chegou a essa abstração dos cinco anos?

Isso não está justificado em nenhuma base legal, isso não existe do ponto de vista político, nem sequer

estava no Programa do Governo, nem em qualquer orientação que o Ministro da Educação tenha submetido a

esta Assembleia, e, portanto, o número de cinco anos foi fixado de modo totalmente aleatório. Esse número

obedeceu a cálculos económicos, obedeceu a uma tentativa de criar um biombo para a jurisprudência

europeia, mas não obedeceu a nenhum dado concreto que tenha sido debatido com as organizações

sindicais, com os agentes da comunidade educativa ou, sequer, com os Deputados da Assembleia da

República.

Portanto, Sr. Secretário de Estado João Casanova de Almeida, há aí muitas incoerências, há

incongruências, há critérios pragmáticos, mas eles não têm fundamento.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — O Sr. Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar

pediu a palavra para interpelar a Mesa sobre o andamento dos trabalhos.

Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar: — Sr. Presidente, é só para

esclarecer o Sr. Deputado Luís Fazenda que os critérios já foram explicados em sede de Comissão, mas terei

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todo o gosto em voltar a explicá-los, com todo o tempo, dado que neste debate já não dispomos de mais

tempo.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Terminado este debate, passamos ao terceiro ponto da nossa ordem

de trabalhos, que consiste na apreciação conjunta dos projetos de resolução n.os

1135/XII (4.ª) — Classifica o

Mosteiro de Tibães como imóvel de interesse nacional, reconhecendo-o como monumento nacional (PSD e

CDS-PP) e 1185/XII (4.ª) — Pela classificação do Mosteiro de São Martinho de Tibães como monumento

nacional (Os Verdes).

Para abrir o debate, em nome do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Lopes Soares.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Propomos aqui hoje que a

Assembleia da República aprove uma resolução que visa recomendar ao Governo que classifique o Mosteiro

de Tibães como imóvel de interesse nacional, reconhecendo-o como monumento nacional.

Gostaria de dizer, Sr. Presidente, que só peca por tardia a aprovação pela Assembleia da República deste

projeto de resolução e a decisão que o Governo deve tomar, impelido pela Assembleia da República.

Queria também cumprimentar o Partido Ecologista «Os Verdes» por se associar à iniciativa legislativa da

maioria, quer do PSD, quer do CDS-PP. É um claro reconhecimento que o Partido Ecologista «Os Verdes»

aqui faz também da importância daquele imóvel.

De facto, trata-se de um imóvel de grande relevância artística, cultural e arquitetónica, afirma-se como um

dos principais conjuntos barrocos monásticos do País e como um centro de pensamento e de artes. É um dos

melhores exemplos da arte portuguesa dos séculos XVII e XVIII no que diz respeito à arte de talha.

É uma exigência de há muito do concelho de Braga, da freguesia de Mire de Tibães, da região e julgo que,

na próxima sexta-feira, este projeto de resolução, quando for votado, não pode deixar de acolher os votos

consensuais de toda a Câmara, mesmo daqueles que não se associaram a esta iniciativa legislativa. Tenho a

certeza absoluta de que, em nome do interesse nacional, da preservação do património, da nossa cultura e da

nossa História, o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português se associarão à

maioria e ao Partido Ecologista «Os Verdes», votando favoravelmente este projeto de resolução, impelindo o

Governo a que, rapidamente, classifique o Mosteiro de Tibães, em Braga, como património nacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Em representação do Partido Ecologista «Os Verdes», também como

proponente, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria

dizer que Os Verdes, de facto, também apresentaram um projeto de resolução sobre o Mosteiro de Tibães, à

semelhança do que fizeram o PSD e o CDS, porque também nós consideramos que o Mosteiro de São

Martinho de Tibães, para além de ser um dos edificados mais emblemáticos da região minhota, é também um

edifício que faz parte do património histórico, artístico, cultural e arquitetónico nacional.

A importância deste Mosteiro encontra-se, aliás, documentada através de muitas e diversas fontes, sendo

que a primeira referência que se conhece data do distante e longínquo ano de 1077.

Fundado em finais do século X, inícios do século XI, este monumento acabaria a transformar-se, num dos

mais ricos e poderosos mosteiros do Norte de Portugal até ao século XIV. Com o movimento da Reforma e o

fim da crise religiosa que percorreu os séculos XIV a XVI, o Mosteiro de São Martinho de Tibães assistiu à

fundação da Congregação de São Bento, tanto de Portugal como do Brasil, tornando-se a casa-mãe de todos

os mosteiros beneditinos e o centro difusor de culturas e estéticas.

Mas a relevância deste Mosteiro pode ser igualmente aferida pelo papel que desempenhou como

verdadeiro e autêntico «estaleiro-escola» de um conjunto, entre outros, de arquitetos, mestres-pedreiros,

carpinteiros e escultores, cuja produção ativa em todo o nordeste peninsular ficou ligada ao melhor do que se

fez na arte portuguesa nos séculos XVII e XVIII.

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Aliás, durante este período, o Mosteiro foi objeto de várias e profundas campanhas de reconstrução e

ampliação, de decoração e de redecoração, que acabaram por transformá-lo numa bela e singular peça

arquitetónica de grandes dimensões e num dos maiores e mais importantes conjuntos portugueses.

Nessa circunstância, o Mosteiro de Tibães acaba por constituir hoje não só uma peça-chave no que diz

respeito à interpretação da rede monástica da Ordem de São Bento do nordeste peninsular, como ainda num

importante centro de informação histórica e documental para a compreensão do País durante aquele período.

Sucede que, apesar do seu inestimável valor patrimonial, que sustenta a sua necessária proteção e

valorização, enquanto valor cultural de significado para o País, o Mosteiro de Tibães está apenas classificado

como imóvel de interesse público, sendo que apenas uma parte do edificado, mais concretamente o Cruzeiro

do Terreiro, se encontra, desde 1910, classificado como monumento nacional. E, de facto, a sua classificação

como imóvel de interesse público, que data de 1944, circunscreve a relevância de um imóvel cujo valor

transcende, em muito, a esfera regional e que passou, já há muito tempo, a representar um valor cultural

significativo para o País.

Ora, na perspetiva do Partido Ecologista «Os Verdes», a classificação do Mosteiro de São Martinho de

Tibães enquanto imóvel de interesse nacional, ou seja, como monumento nacional, permitirá não só garantir a

salvaguarda deste complexo nas suas diversas vertentes patrimoniais, como também permite potenciar e

fomentar o seu conhecimento e o das suas relações históricas, artísticas, socioculturais e socioeconómicas

com a região na qual está inserido.

Nesse sentido, e para fomentar o seu conhecimento e o das suas relações históricas, artísticas e

socioculturais, Os Verdes propõem que a Assembleia da República recomende ao Governo que reconheça e

classifique como monumento nacional o Mosteiro de São Martinho de Tibães, que está localizado na freguesia

de Mire de Tibães, no concelho de Braga.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para intervir, em nome do PS, tem a palavra o Sr. Deputado António

Braga.

O Sr. António Braga (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A maioria resolveu, hoje, ficcionar

uma iniciativa política na área da cultura, oferecendo o Mosteiro de Tibães como o caso exemplar para «puxar

de galões» que não são os seus, ou então como elemento de divergência e guerrilha interna na coligação do

Governo.

Srs. Deputados, eu explico: se é certo e justo criticar o Governo por abandono completo da cultura, a

verdade é que o caso escolhido esbarra com o trabalho exemplar promovido pelos serviços da Direção

Regional de Cultura do Norte, apesar da falta de indicações políticas que, gritantemente, saltam à vista.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): — O Governo merece castigo, severo, aliás, por inação e, até, obstaculização

ao desenvolvimento de projetos de mérito na área da cultura, mas a utilização envergonhada de uma

recomendação, Srs. Deputados, para recomendar que se faça o que está a ser feito — e bem feito, aliás! —,

por iniciativa dos serviços, desde há dois anos, mostra-nos bem o incómodo da maioria. Porém, em nada

contribui para a valorização do trabalho exemplar dos técnicos e da direção dos serviços regionais que se

ocupam de cuidar e animar aquela estrutura.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): — Basta, aliás, Srs. Deputados, visitar o site do Mosteiro, e podem ver e

apreciar as inúmeras atividades que ocupam os espaços e os põem ao serviço do público e também do

turismo na região. E não é demais dar nota disso, porquanto esse nos parece ser um caminho seguro na

preservação desses espaços, por um lado, mas fundamentalmente porque dessa atividade resulta uma maior

notoriedade do próprio património recuperado e, com isso, valoriza-se a História e a economia nacionais.

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Aliás, desde 2009, está instalada numa das alas uma comunidade da família missionária internacional

Donum Dei do grupo das Trabalhadoras da Imaculada, pertencente à Ordem Carmelita, e, em 2010, abriu-se,

inclusivamente, uma hospedaria e um restaurante.

O Mosteiro de Tibães, todos sabemos, tem uma longa história, que remonta, em registos, ao ano de 1077.

Desde a outorga da Carta de Couto, em 1110, até aos nossos dias, passou por muitas vicissitudes e o

convento, aliás, foi casa-mãe da congregação beneditina, beneficiou também de múltiplas intervenções, desde

logo a marcação arquitetónica da estrutura atual, entre 1628 e 1750, e sobreviveu à extinção das ordens

religiosas, à alienação de parte do Mosteiro e, ainda, ao incêndio do claustro do refeitório, até à classificação,

em 1944, como imóvel de interesse público.

A compra, pelo Estado, da parte privada do Mosteiro, em 1986, permitiu que fosse integrado como parte

orgânica do então IPPAR (Instituto Português do Património Arquitetónico), facto que, indiscutivelmente,

alterou as garantias de preservação daquele monumento.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): — Ora, é no contexto desta recuperação por fases — que se inicia em 1995,

sendo continuada em 1997, em 1999, com a recuperação de todas as coberturas do Mosteiro, e, em 2000,

ainda com o coristado, que veio a permitir instalar os serviços atuais de funcionamento dependentes da

direção regional — que os próprios serviços há dois anos elaboraram uma proposta fundamentada para que

seja elevada a sua classificação de imóvel de interesse público a monumento nacional. E se o processo é

complexo no preenchimento das condições para o efeito — Srs. Deputados, nomeadamente do PSD e do

CDS, onde se encontra um vereador da Câmara Municipal de Braga —, deve-se ao facto de a classificação

pretendida pelos serviços, e bem, englobar toda a cerca, mais ou menos 40 ha de terreno envolvente,

acrescentando, assim, mais garantias para o futuro na preservação das excelentes condições para manter

intocado o atual enquadramento do Mosteiro.

Naturalmente, Sr. Presidente, e termino, que o PS votará favoravelmente esta iniciativa legislativa,…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Oh! Quem diria!

O Sr. António Braga (PS): — … independentemente de se afastar de forma clara das motivações políticas

desta ficção.

Já a iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes», Sr. Presidente, nos merece voto favorável sem reparos,

porquanto são insuspeitos de qualquer outra leitura que não seja esta oportunidade de formalizar uma posição

parlamentar, dado se dispensarem à prova de responsabilidades governativas, pelo menos até agora.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Altino Bessa.

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Efetivamente, hoje, o CDS e o

PSD apresentam aqui um projeto de resolução para a classificação do Mosteiro de Tibães como monumento

nacional. Também quis o Partido Ecologista «Os Verdes» associar-se a esta iniciativa, apresentando

igualmente um projeto de resolução.

Já muito foi dito da importância histórica e patrimonial que este Mosteiro tem, não só para Braga, mas

também para todo o País. É um Mosteiro que remonta, como também já foi dito, a ainda antes da fundação do

próprio reino de Portugal.

É um Mosteiro que tem sofrido, ao longo dos séculos, variadíssimas alterações, mas é um Mosteiro que

também, fruto do que foi um grande incêndio em 1864, ficou praticamente abandonado durante quase 100

anos. Mas também é verdade que o Governo português, em 1986, adquiriu este edifício e iniciou a sua

recuperação.

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Chegados aqui, aquilo que temos relativamente a este Mosteiro é, exatamente, uma classificação de

imóvel de interesse público, desde 1944, tendo o seu Cruzeiro, que fica na área envolvente, uma classificação

de imóvel de interesse nacional desde 1910. Esta é a verdade dos factos.

Diria até que fico chocado com a intervenção que fez o Sr. Deputado António Braga, que afirmou que isto é

uma recomendação envergonhada. Eu diria, antes, que a sua é que foi uma intervenção envergonhada. E

sabe porque é que a sua intervenção é que foi envergonhada? Porque, ao longo dos anos, o Sr. Deputado,

enquanto eleito pelo distrito de Braga, nunca tomou nenhuma iniciativa no sentido de valorizar e de classificar

este património.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Quando os outros o fazem, aquilo que o Sr. Deputado nos traz é uma mera crítica para, no fim dessas

críticas lamentáveis, diria eu, dizer que vão votar favoravelmente.

Não negamos, no nosso projeto de resolução, que já há um trabalho efetuado pelos serviços técnicos do

Mosteiro e pela Direção Regional de Cultura.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Aquilo que queremos fazer é, exatamente, dar força a esse trabalho que

está a ser feito, com a legitimidade que os Deputados têm de recomendar ao Governo a classificação deste

monumento como monumento nacional.

O PCP criticou muito esta iniciativa quando ela foi falada e fez chacota, diria eu, afirmando que o Mosteiro

de Tibães, eventualmente, se situava numa outra freguesia, a freguesia de Adaúfe, em Guimarães, e fazendo

alguns comentários menos simpáticos, nunca reconhecendo o erro e até fazendo afirmações, que não são

corretas, pela voz do vereador Carlos Almeida, que dizia não ser verdade, que o Mosteiro de Tibães nunca

tenha sido classificado nem sequer como património nacional.

É exatamente isto: é património do Estado, porque, obviamente, foi comprado pelo Estado, mas não é

património nacional, porque nunca foi classificado como imóvel de interesse nacional para ter a classificação

de monumento nacional.

Também a ASPA, Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural, na

altura em que teceu algumas críticas relativamente à minha intervenção, veio, mais tarde, afirmar:

«Lamentamos o lapso, o estatuto de monumento nacional é mais que merecido, pelo que consideramos

importantes as iniciativas que tenham em vista a reclassificação do Mosteiro de Tibães».

Ficaria bem ao PCP também reconhecer esse erro, porque não é vergonha nenhuma errar.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — A Sr.ª Deputada Carla Cruz inscreveu-se para pedir esclarecimentos

ao Sr. Deputado Altino Bessa, mas isso já não é possível, porque o CDS-PP já não dispõe de tempo, a menos

que o PCP aceite conceder o tempo necessário ao Sr. Deputado para responder.

Pausa.

Entretanto, a Sr.ª Deputada Carla Cruz inscreve-se para uma intervenção, mas antes está inscrito o Sr.

Deputado Pedro Filipe Soares.

Se o Sr. Deputado der a sua anuência, dado que são os únicos Deputados inscritos, passo primeiro a

palavra à Sr.ª Deputada Carla Cruz.

Pausa.

Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz para uma intervenção.

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A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Altino Bessa, a questão que lhe

queria colocar era exatamente esta: o PSD e o CDS-PP vêm aqui recomendar ao Governo que classifique o

Mosteiro de Tibães como imóvel de interesse nacional, reconhecendo-o como monumento nacional, mas o Sr.

Deputado já disse que conhecia um despacho da Direção-Geral do Património Cultural, de 4 de junho de

2103, que prevê que os serviços estão nesse caminho, que estão a fazer exatamente isso.

Gostaria que o Sr. Deputado me respondesse — sei que já não tem tempo, porém o Sr. Deputado Hugo

Lopes Soares ainda tem e pode responder — se a apresentação deste projeto de resolução significa que o

processo que está em curso está em perigo. É isso que significa, Sr. Deputado? É isso que gostaríamos de

ver respondido.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP reconhece a importância de o Mosteiro de

Tibães ser classificado como monumento nacional, por isso votará favoravelmente os dois projetos de

resolução.

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Ah!

A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Deputado, não diga «mas», nem «ah». Muito antes de o PSD e de o CDS-

PP trazerem a questão do Mosteiro de Tibães à Assembleia da República já o PCP o havia feito. E fê-lo

muitas e muitas vezes. Por várias vezes trouxemos à Assembleia da República os problemas do Mosteiro de

Tibães.

Trouxemos a questão para denunciar os atrasos na concretização das obras de restauro e de recuperação;

trouxemo-la para denunciar a falta de dotação orçamental para planear e programar atempadamente as

atividades; fizemo-lo quando o Mosteiro não dispunha de funcionários que lhe permitiam assegurar o

funcionamento integral; fizemo-lo quando o Mosteiro apresentava um quadro de pessoal instável, com recurso

constante a trabalhadores desempregados e inseridos, à data, em programas ocupacionais, hoje chamados

programas de contrato emprego-inserção profissional; fizemo-lo quando havia indefinição sobre a sua

integração nas estruturas, à data, do Ministério da Cultura e propusemos, quando havia PIDDAC, várias

verbas para investimento neste importante monumento.

Para o PCP, é imprescindível a salvaguarda, a valorização, a divulgação do património cultural nacional,

regional e local, erudito e popular, tradicional ou atual, a generalização da fruição de bens culturais e das

atividades culturais, a valorização e o reconhecimento da função social dos trabalhadores da área cultural e

das suas estruturas e a melhoria constante da sua formação e das condições de trabalho.

Mas isto, Srs. Deputados, Sr. Presidente, não será alcançado com esta política, com este Governo. Isto só

será alcançado com uma política que rompa com a política de direita de 38 anos.

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Vote contra!

A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Só um Governo patriótico e de esquerda conseguirá, de facto, promover e

valorizar o Mosteiro de Tibães e todos os mosteiros e todos os edifícios culturais deste País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares para uma

intervenção.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: É verdade que o Mosteiro de

Tibães convida quer à contemplação, quer ao pensamento e à reflexão, mas a verdade é que o tempo todo

que está a demorar o processo para o seu reconhecimento enquanto monumento nacional vai para lá dessa

contemplação e dessa reflexão.

Já lá vão quase dois anos desde que a Direção Regional de Cultura do Norte, em janeiro de 2013, deu

início a este processo. Daqui a um mês, faz dois anos que o processo se desencadeou. Devemos perguntar,

então, qual a motivação para, neste momento, a maioria que sustenta o Governo e que, por isso, sustenta

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quem tem a possibilidade de agir com mais celeridade neste processo trazer a debate este projeto de

resolução.

Pelo conteúdo do projeto de resolução, dizemos diretamente que votamos a favor.

O Sr. Altino Bessa (CDS-PP): — Ah!…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Estamos a favor que o Mosteiro de Tibães seja considerado um

monumento nacional. Mais, consideramos que isso já deveria ter sido feito há mais tempo. Creio que não

poderão acusar o Bloco de Esquerda de ter uma posição contrária a esta. A verdade é que o Governo tardou a

fazê-lo e a própria maioria não consegue esconder esta realidade ao apresentar este projeto de resolução.

Por isso, o que vemos é que a maioria passou para o lado da oposição, pedindo que se faça aquilo que já

deveria ter sido feito há mais tempo.

Sejam bem-vindos a este lado, reconhecendo que o Governo tarda naquilo que deve ser feito.

Há um segundo passo que pode ser dado, que tem a ver com uma política cultural muito mais alargada.

Podemos considerar peça a peça as matérias de interesse cultural do País, quer a parte monumental, quer a

parte cultural, quer as tradições, etc., mas sabemos que, se formos por este caminho, vai ser um longo

calvário, que é aquele que o Governo tem levado por diante e aquele que a maioria tem também levado por

diante nas suas escolhas, ou podemos ter uma política devidamente enquadrada, devidamente sustentada e

devidamente pensada para o País, e é isso que nem esta maioria, nem este Governo têm para apresentar.

Dirão sempre que há pouco dinheiro. O que nós dizemos é que, mesmo aquele que existe, não tem sido

bem utilizado e, por isso, no que toca à cultura, o que falta é verdadeiramente uma cultura de investimento e

de proteção do que é importante na maioria e no Governo.

Dito isto, e não fugindo do essencial, porque é particularmente do Mosteiro de Tibães que estamos a falar,

votaremos quer a favor da proposta apresentada pelo PSD e pelo CDS-PP, quer da apresentada pelo Partido

Ecologista «Os Verdes».

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado Hugo

Lopes Soares.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Não tencionava voltar a

intervir, mas depois de ouvir as intervenções da Sr.ª Deputada Carla Cruz e do Sr. Deputado António Braga

não podia ficar calado perante, por um lado, a total desfaçatez, e por outro lado, a total arrogância política no

que a este debate, em particular, diz respeito.

A Sr.ª Deputada Carla Cruz devia começar por pedir desculpa em nome do Partido Comunista Português.

A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Quem devia pedir desculpa era o PSD e o CDS-PP!

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Foram tantos os disparates que aqueles que representam o Partido

Comunista Português em Braga disseram a respeito desta matéria que eu aplaudiria de pé a Sr.ª Deputada se

hoje se tivesse levantado e tivesse pedido desculpa dizendo que se enganaram e que nós tínhamos razão. A

coerência e o reconhecer os erros em política é uma virtude que a Sr.ª Deputada não tem e que o Partido

Comunista Português continua a não querer ter.

Sr.ª Deputada, percebo perfeitamente o seu incómodo, que é o incómodo de quem olha para estas

questões como questões menores, de quem não teve proatividade política e de quem se esqueceu de

defender aquilo que verdadeiramente interessava.

Mas se esta é uma atitude que no Partido Comunista Português não me espanta, o mesmo não acontece

em relação ao Sr. Deputado António Braga — digo-o com toda a consideração que sabe que tenho por ele,

que é muita.

Sr. Deputado António Braga, na sua intervenção, classificou o nosso projeto de resolução de sem

vergonha. Permita-me que lhe diga, com toda a franqueza, que a sua intervenção é que foi sem vergonha.

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Então o Sr. Deputado, que foi membro de um Governo durante seis anos e que é parlamentar nesta Câmara

há tantos anos, não tem uma palavra para reconhecer que, ainda que o processo para classificar o Mosteiro

de Tibães como monumento nacional esteja a decorrer desde 2013, foi este Governo que o iniciou?! O Sr.

Deputado não tem uma palavra a dizer sobre essa matéria, quando o seu Governo nada fez?!

O Sr. Deputado esteve seis anos num Governo e não foi capaz de pegar no telefone e de ligar ao seu

colega da cultura para lhe dizer que havia um monumento em Braga que merecia ser classificado como

monumento nacional?! E vem acusar esta maioria de quê?!

Foi esta maioria que promoveu a classificação deste Mosteiro como monumento nacional, foi esta maioria

que trouxe a debate, nesta Câmara, a classificação do Mosteiro de Tibães como monumento nacional. E o Sr.

Deputado diz que isso já estava a acontecer e que esta resolução nada tem de importante?!

Sr. Deputado, mesmo que esta resolução não tivesse mais nada de importante, tem o grande mérito de

voltar a colocar no centro da Casa da democracia o debate sobre um edifício, sobre um Mosteiro que merece

ser classificado como monumento nacional. E vai sê-lo por mão deste Governo, desta maioria, e o Governo de

que o senhor fez parte não deu um passo para que isto pudesse ter acontecido.

Esta lição, Sr. Deputado, tem que levar para casa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições relativamente a este ponto, pelo

que vamos passar ao ponto seguinte da ordem de trabalhos.

Entretanto, o Sr. Deputado António Braga pede palavra. Para que efeito?

O Sr. António Braga (PS): — Sr. Presidente, gostaria de fazer uma breve interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Braga (PS): — Sr. Presidente, queria apenas dizer, na sequência do debate que acabámos

de realizar sobre esta recomendação ao Governo quanto à elevação do Mosteiro de Tibães a monumento

nacional, que o Parlamento fez este debate múltiplas vezes, do que, provavelmente, alguns Srs. Deputados já

se esqueceram. Resultante disso é que o prosseguimento para a construção desta classificação é um

processo que teve início num período muito anterior ao que o Sr. Deputado Hugo Lopes Soares aqui referiu.

Queria terminar, Sr. Presidente, dizendo que é possível consultar nos requerimentos que formulámos e nas

transcrições dos debates não só as posições do Partido Socialista como a dos outros partidos sobre essa

matéria.

Respeitaremos sempre o quadro legal em que se insere essa classificação.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Com certeza que a comissão competente terá o arquivo de todo

esse dossier.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Para uma interpelação à Mesa nos exatos termos da interpelação do

Sr. Deputado que me antecedeu.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Braga, com a experiência

parlamentar que lhe é reconhecida, acabou de fazer um número político: como esgotou o tempo de que

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dispunha e não tinha outra forma de poder responder, utilizou a figura da interpelação à Mesa para dizer, com

alguma ironia fina, que há Deputados que não estão nesta Câmara há muitos anos e que, por isso, não

conhecem o que foi feito para priorizar a questão do Mosteiro de Tibães.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Mas o Sr. Deputado já era atento aos trabalhos parlamentares

mesmo antes de cá estar.

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Presidente, respondendo ao Sr. Deputado António Braga por

intermédio de V. Ex.ª, quero dizer que, estando há bem menos tempo do que ele nesta Câmara, fizemos mais

agora, propondo a classificação do Mosteiro de Tibães como monumento nacional, do que o Sr. Deputado

António Braga fez nos anos todos em que aqui está.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, passamos ao ponto seguinte da ordem de

trabalhos, que consiste na apreciação, na generalidade, dos projetos de lei n.os

664/XII (4.ª) — Altera a

previsão legal dos crimes de violação e coação sexual no Código Penal (BE) e 665/XII (4.ª) — Altera a

natureza do crime de violação, tornando-o crime público (BE).

Para apresentar os diplomas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Retomamos esta matéria com dois

projetos de lei, o primeiro visando a alteração da previsão legal dos crimes de violação e coação sexual,

fazendo-a radicar, no essencial, no não consentimento, e o segundo reafirmando a necessidade de consagrar

o crime de violação como um crime público.

Fazemo-lo porque é preciso acabar com o silêncio ensurdecedor que continua a banalizar a violência

sexual. Quem quer combater todas as formas de violência de género não pode continuar a ignorar a violência

sexual.

Insistimos e insistiremos — e mais uma vez o fazemos — no compromisso da Convenção de Istambul.

Quero recordar-vos o seu artigo 36.º, relativo à violência sexual, incluindo violação, e o apelo que nele é feito

para que se proceda à revisão do quadro legal dos países no sentido de criminalizar condutas sexuais não

consentidas e tantas vezes cometidas por maridos, ex-maridos, namorados, parceiros, gente conhecida.

É no não consentimento que radica o atentado à liberdade e à autodeterminação das vítimas. Vítimas que,

como bem sabemos, são maioritariamente mulheres e jovens. Este crime tem, como bem sabemos também,

uma forte incidência de género.

Deverá ser crime público, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados, para acabar com a tremenda insegurança que

as vítimas continuam hoje a viver, que não denunciam porque desconfiam do sistema, porque não conseguem

compreender a falta de apoios que continuam a ter. E, enfim, reconheça-se, as estatísticas de condenação,

que, como sabemos, são ridículas aqui e também no plano europeu.

Para os e as que desvalorizaram no passado a importância da consagração do não consentimento como a

raiz deste crime, digo que leiam com atenção os pareceres positivos de tantos e tantas, dos quais quero

destacar os pareceres positivos do Conselho Superior do Ministério Público, do Conselho Superior da

Magistratura e da Procuradoria-Geral da República.

Este é o contexto em que fazemos este debate. É preciso torná-lo um debate sério.

Para os e as que temem a dupla vitimação e que têm sempre este argumentário no que ao crime público

respeita, queremos dizer-vos, mais uma vez, que não tomámos esta iniciativa sozinhos; que o fazemos no

mais estrito respeito por tantas e tantos que fazem trabalho no terreno com estas vítimas; que o fazemos com

o apoio e com o parecer positivo da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, da União de Mulheres

Alternativa e Resposta (UMAR) ou de responsáveis da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV),

como ainda hoje podemos ver num órgão de comunicação social.

É a hora para dar a volta, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados. Estas vítimas, as vítimas de violência sexual,

merecem uma resposta corajosa da Assembleia da República. Não podemos continuar a falar com seriedade

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da Convenção de Istambul sem dar a resposta às vítimas de violência sexual. É o que fazemos hoje, e o

desafio aqui fica.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Alves

Moreira.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Estamos de acordo em que

falar de violação é, sobretudo, falar de uma das formas mais violentas e silenciosas de criminalidade de

género. E a violência não fica no dia, no mês e na hora ou horas em que o crime nos aconteceu; cada gesto

da brutalidade acompanha-nos para sempre e desenha-nos não poucas vezes uma mulher que

desconhecíamos, uma mulher que subitamente passa a subjugar-se, a teatralizar a força, a cair num ciclo

parecido com um remoinho de consentimento de abusos, do qual se jura sair, mas para o qual nos puxam,

porque houve aquele dia daquele mês, porque houve aquela ou aquelas horas.

Estamos de acordo em que falar de violação não é falar delas, daquelas, é falar de nós, é falar de filhas de,

de mulheres de, de companheiras de, de mulheres que se cruzaram com. É falar de todos os estratos sociais,

é falar mesmo de quem tem a estrutura psicológica e económica para apresentar queixa e ainda assim não a

apresentou, às vezes porque sabe que o violador sabe violar sem deixar provas e, entre um processo perdido

e seguir em frente, na sua autonomia, escolhe seguir em frente e espera que ninguém a julgue por isso.

É muito difícil legislar sobre estes temas, conciliar o evidente repúdio por sentenças abjetas com a

contenção de não fazer do Parlamento um corretor de maus aplicadores da lei, mas a contas com o princípio

da legalidade penal.

Não queremos legislar à pressa, assumindo que continuam por ouvir entidades que a cada passo nos

demonstram fragilidades nas nossas boas intenções.

Para nós, é de perguntar: queremos, no crime de violação, que o Estado seja o único e principal

interessado na perseguição penal do facto? Queremos um modelo de perseguição penal do crime de violação

em que a única voz audível e decisória seja a do Estado? Está absolutamente demonstrado que não há

vantagem alguma em conferir uma palavra que seja à vítima, que tem de se considerar a si mesma e na sua

intimidade a dos seus terceiros?

O que decorre do artigo 55.º, n.º 1, da Convenção de Istambul é que o procedimento não dependa

totalmente de denúncia ou da queixa apresentada, e não que seja um crime público.

Faz sentido, sem criar quaisquer condições materiais prévias, como se fez com o crime de violência

doméstica, ir para além da Convenção de Istambul? O PS entende que não. Há soluções híbridas e mais

equilibradas — e o PS humildemente caminhou nesse sentido —, como frisaram, por exemplo, o Prof. Rui

Pereira ou a Procuradoria-Geral da República.

Mas estamos todos de acordo no essencial: as nossas divergências são de técnica jurídica — e não as

explanei aqui todas —, porque a bem de uma vítima que esteja a assistir ou a participar neste debate, nós só

queremos dizer «presente» e assumir o nosso papel futuro na especialidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla

Rodrigues.

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apresenta-

nos dois projetos de lei, alterando, um deles, a previsão legal dos crimes de violação e coação sexual no

Código Penal e, o outro, a natureza do crime de violação, tornando-o um crime público.

O crime de violação é um crime hediondo, é um crime contra a liberdade sexual, contra a autodeterminação

sexual, mas é, sobretudo, um crime contra a integridade física, psicológica e emocional das vítimas. As suas

repercussões e consequências são devastadoras, não só para as vítimas mas para toda a comunidade. É

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efetivamente um atentado aos direitos humanos, sendo que, como se diz, e bem, na exposição de motivos,

atinge sobretudo mulheres e crianças, assim configurando uma gravíssima forma de violência de género.

Afirmo aqui o total empenhamento do Grupo Parlamentar do PSD no combate a todas as formas de

violência, em especial a violência que afeta sobretudo as mulheres pela condição de serem mulheres.

Posto isto, o projeto de lei n.º 664/XII, do Bloco de Esquerda, pretende dar corpo às recomendações da

Convenção de Istambul e introduz algumas alterações que merecem atenção, reflexão e ponderação. Desde

logo, pretende a substituição da expressão utilizada na tipificação dos crimes de coação e de violação, ou

seja, «por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto

na impossibilidade de resistir», pela expressão «sem consentimento». Esta alteração implica um grande

alargamento da previsão objetiva dos atuais tipos de crime coação sexual e violação.

No que ao crime de coação diz respeito, por definição envolve sempre o exercício de violência ou ameaça

à vítima, como decorre do seu tipo-base, pelo que esta alteração é incongruente e contraditória.

No que ao crime de violação diz respeito, mantemos a reserva já expressa aquando da discussão de um

projeto do Bloco de cariz idêntico, que se prende com a introdução de um conceito indeterminado, o não

consentimento, que devemos evitar, mormente no Direito Penal, onde vigora o princípio da tipicidade, e que

pode gerar dificuldades interpretativas e de aplicação da própria lei.

Quanto ao projeto de lei n.º 665/XII, que visa a alteração da natureza do crime de violação, pretendendo o

Bloco que passe a ser considerado um crime público, há que dizer que se considerarmos os números ocultos

desta realidade, aqueles que não contam para as estatísticas e que se estima que sejam o dobro dos números

conhecidos, teremos necessariamente de refletir nesta proposta de alteração. Se, por um lado, esta alteração

pode diminuir de forma sensível as estatísticas dos crimes contra a liberdade sexual, por outro lado por

acarretar para a vítima consequências ainda mais perniciosas do que aquelas decorrem do cometimento do

próprio crime.

A liberdade que se visa acautelar fica depois cerceada ao permitir-se que um terceiro apresente queixa,

ainda que contra a vontade da própria vítima. Isto parece um paradoxo. Será que a vontade do Estado na

descoberta da verdade, ainda que para a obtenção da justiça e para a punição do responsável, se justifica e

deverá suplantar-se à vontade da própria vítima? É uma questão que fica em aberto.

Consideramos que há nestes dois projetos de lei aspetos que merecem melhor ponderação e reflexão, por

isso entendemos que nestas questões de particular sensibilidade todos os grupos parlamentares devem fazer

um especial esforço de consenso, pondo de parte qualquer tipo de estratégia político-partidária que nós

atendemos de todo em todo reprovável. Mas uma certeza nós temos e reafirmamos: os crimes de violação e

coação sexual são crimes hediondos e estas formas de violência nunca são aceitáveis, perdoáveis ou

toleráveis.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa

Anjinho.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Como tenho sempre afirmado,

nunca é demais falar e colocar na agenda política o tema da violência contra a mulher.

Todos bem sabemos que, apesar do nosso compromisso e do nosso empenho, seja do ponto de vista

legislativo seja ao nível das políticas públicas, a violência contra a mulher é uma realidade que subsiste e

cujos números, que não raras vezes encaro com frustração, constantemente nos desafiam a fazer mais e a

fazer melhor.

Discriminação, impunidade e complacência tolerada através da indiferença, do desconhecimento, da

ignorância e daquele que é o maior inimigo da paz — o medo.

Muito foi feito, muito está a ser feito — deixo aqui, aliás, uma palavra de saudação ao trabalho da Sr.ª

Secretária de Estado Teresa Morais nesta matéria —, e muito, infelizmente, mas pela realidade assim é

desafiado, há para fazer.

Ora, foi exatamente neste contexto que Portugal se tornou no primeiro país da União Europeia a ratificar a

Convenção de Istambul e é exatamente também neste contexto que o poder político e a sociedade civil têm

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promovido importantes debates e reflexões sobre aquilo que falta fazer. Cito, a título de exemplo, pela

proximidade temporal, mas também pela utilidade das mesmas, as III Jornadas Nacionais Contra a Violência

Doméstica e de Género, que agora terminaram. Mais: é também neste contexto que as várias forças políticas

aqui representadas têm vindo a apresentar diversas iniciativas legislativas, discutidas com enorme empenho e

rigor num grupo de trabalho criado especificamente para o efeito.

Os diplomas que hoje debatemos recuperam, na verdade, e hoje de forma desdobrada, um projeto da

anterior sessão legislativa, o qual foi rejeitado mais por precipitação da votação do que por oposição irredutível

ao seu conteúdo, Sr.ª Deputada Cecília Honório.

Continuo a não entender hoje, como não entendia na altura, que decorra diretamente da Convenção da

Istambul a obrigatoriedade concreta de alteração dos tipos legais dos crimes em causa. Entendo, sim, que o

mérito da mesma nesta questão em particular se concentra na obrigatoriedade de analisar e, eventualmente,

repensar o modelo vigente, tendo em vista o reforço da eficácia e, consequentemente, da proteção. Aliás, foi

exatamente isso que ocorreu no âmbito do grupo de trabalho.

Dito isto, olhando para as propostas, começo por dizer que as dúvidas que tenho hoje são bem menores.

Concentrando-me nas duas alterações mais significativas, ou seja, a questão do não consentimento versus

violência, por um lado, e, por outro lado, a alteração da natureza do crime, sumariamente, direi o seguinte:

No que se refere à violação, não obstante algum trabalho de especialidade, a reconfiguração legal do tipo

de crime, assente na cláusula geral do não consentimento e, concomitantemente, abandonando as noções

qualificativas ou gradativas do tipo legal inerentes ao conceito de violência ou de ameaça grave, se bem que

possa gerar dificuldades interpretativas e de aplicação, para as quais já alertei no passado e que também

foram alertadas hoje, julgo que não se deve, de facto, menosprezar, tendo claramente o mérito, isso sim, de

recolocar no seu devido lugar os termos em que traça a proteção do bem jurídico «liberdade sexual».

Quanto à alteração da natureza do crime de semipúblico a público, depois de uma ponderação muito séria

e não tendo uma posição de princípio absolutamente contrária ao que foi aqui proposto, a verdade é que, Sr.ª

Deputada Cecília Honório, tendo as vítimas como sujeito e objeto de reflexão, seja no que se refere ao bem

jurídico em causa, seja mesmo no que se refere ao atual enquadramento e proteção que o modelo processual

penal vigente lhes confere, há razões para duvidar desta bondade, razões que devem ser atendidas e saliento,

para o efeito, o argumento da revitimização, que não é nenhuma parangona e que todos nós que aqui estamos

bem o sabemos.

Neste sentido, e por reconhecer também a validade dos argumentos, julgo que merece ser novamente

ponderada a possibilidade de uma solução intermédia, atribuindo ao crime de violação, com o propósito que já

foi aqui explanado, uma natureza de quase público — aliás, no seguimento do que já está consagrado no n.º 5

do artigo 113.º do Código Penal.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Reconhecendo, de facto, que, mesmo mais esclarecida, subsistem dúvidas e reconhecendo que, ao lado

de alterações com as quais não concordamos de todo, também há alterações com as quais concordamos, na

nossa ponderação, Sr.as

e Srs. Deputados, vigorará, isso sim, o princípio da prudência, querendo, todavia,

deixar bem claro que há, sem dúvida, margem para melhorar.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é a primeira vez que o Bloco de

Esquerda apresenta iniciativas sobre esta matéria, mas a culpa não é sua, de facto. Na última Sessão

Legislativa, esta matéria esteve em discussão durante todo o tempo e não se concluiu. É pena! Fazemos votos

para que, nesta Legislatura, a discussão prossiga naturalmente, pois foi reiniciada e deve ser aprofundado

aquilo que tenha de o ser, mas para se concluir alguma coisa. Creio que não devemos arrastar

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indefinidamente este processo sem que haja uma conclusão acerca do aprofundamento do debate que é

necessário realizar, mas que se conclua alguma coisa e que se progrida, fundamentalmente que se progrida.

Na anterior Sessão Legislativa, o PCP manifestou abertura relativamente à discussão desta matéria,

reconheceu o mérito da iniciativa. Suscitou também dúvidas, que, aliás, já foram refletidas neste debate,

designadamente quanto à questão da consideração do crime de violação como crime público.

Indo por partes: consideramos que, no que se refere à alteração da previsão legal dos crimes de violação e

de coação sexual, as propostas apresentadas são muito válidas. De facto, reconhecemos que, ainda que se

proponha um conceito cuja determinação concreta terá de ser feita por via jurisprudencial — o que, aliás, não

é nenhuma novidade em matéria de Direito Penal —, também concordamos que a previsão atual tem defeitos

que devem ser corrigidos, designadamente a exigência da violência quando esta é imanente ao próprio crime

de violação. Não há crime de violação sem violência.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Mas há!

O Sr. António Filipe (PCP): — Designadamente, no que se refere à questão da resistência ativa por parte

da vítima, também nos parece que esse é um elemento que conduz a situações de impunidade injustificadas e

que, portanto, também aí deve haver uma reflexão séria sobre a desnecessidade desse elemento da

qualificação do tipo de crime.

Há aqui, sem dúvida, matéria para aperfeiçoar e essa discussão deve concluir-se.

Relativamente à questão do crime público, nós também já tivemos oportunidade de compartilhar as

reservas que têm sido suscitadas neste sentido: a não qualificação como crime público não representa um

juízo sobre o caráter menos hediondo do crime de violação, não é isso que está em causa. De facto, o que

está em causa é a eventual dupla vitimização, que, do nosso ponto de vista, não é nenhum disparate e, do

ponto de vista da melhor defesa da vítima, é uma questão que não pode deixar de ser considerada e refletida.

Portanto, nós mantemos também as dúvidas que suscitámos, sendo certo que, como já aqui foi dito, é

possível haver alguma evolução, sem que passe apenas pela consideração taxativa como crime público, o que

poderia, de facto, ter consequências negativas para as vítimas. Não nos preocupa nada os infratores,

preocupa-nos, sim, a salvaguarda das vítimas. Queremos que os infratores sejam efetivamente punidos, mas

que a integridade física e psicológica das vítimas seja também defendida.

Creio que o que interessa fazer — e devemos fazê-lo na próxima Legislatura — é concluir este processo,

procurando encontrar as melhores soluções de punibilidade para este crime hediondo, que é o crime de

violação e de coação sexual.

Os nossos votos e o nosso empenhamento é para que este processo se conclua com a celeridade

possível.

Aplausos do PCP e da Deputada do PS Isabel Alves Moreira.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma muito rápida intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, queria saudar as Sr.as

Deputadas e o Sr. Deputado António

Filipe por esta oportunidade de discussão, reconhecendo alguns aspetos fundamentais.

Em primeiro lugar, que a Convenção de Istambul é um meio que nos permite concluir todo este trabalho

que temos em mão, no sentido de melhorar a vida das mulheres, neste caso das vítimas de violência sexual.

Queria também recordar que a matriz que temos no atual quadro do Código Penal é aquela que nos diz

que o agressor só é agressor se for particularmente violento e que a vítima só é vítima se resistir, sobretudo

com violência,…

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exatamente!

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A Sr.ª Cecília Honório (BE): — … e que se tudo isto se passar numa relação de tutela de dependência,

então nem é bem assim, porque a pena é muitíssimo menor. É tudo isto que é preciso alterar

substancialmente.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — É no não consentimento que radica a violência do ato e o atentado à

liberdade e à autodeterminação sexual das mulheres, das crianças e das jovens, que são as especiais vítimas

deste crime. «Não» é não! — é isto que está na proposta do Bloco de Esquerda.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Mónica Ferro (PSD): — Não só!

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sei que leram o projeto de resolução com atenção — sei que o fizeram e

que continuarão a fazê-lo —, mas queria recordar-vos a sua evolução. Temos pareceres do Conselho Superior

do Ministério Público, do Conselho Superior da Magistratura, da Procuradoria-Geral da República, que são,

para nós, uma imensa responsabilidade e eu convidava as Sr.as

Deputadas a lerem atentamente estes

pareceres no que ao não consentimento diz respeito, porque eles são de uma enorme clareza.

Em último lugar, sei que há temores e não os desvalorizei. Sei que o debate sobre a dupla vitimização está

sobre a mesa, mas queria recordar-vos que esses temores existiram quando foi feito o debate sobre a

violência doméstica e a sua natureza como crime público. São os mesmos temores. E a escolha que nós

fazemos aqui é a de não é necessário ter medo do Estado,…

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — … é preciso reconhecer — e concluo, Sr. Presidente — o que é mais

importante para dar segurança às vítimas, às que hoje não denunciam porque têm medo, porque não se

sentem protegidas, porque não há apoios à altura das suas necessidades.

É pelas vítimas que nós apresentamos estas propostas e, em sede de técnica jurídica, cá estamos para as

mudar e para as melhorar em todos os sentidos que entenderem.

Que seja pelas vítimas e contra a violência sexual!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Como não há mais inscrições para este debate, vamos passar ao

ponto 5 da nossa ordem de trabalhos, que consiste na apreciação da petição n.º 380/XII (3.ª) — Apresentada

por Joaquim de Jesus Magalhães Fonseca e outros, solicitando à Assembleia da República que legisle no

sentido da impenhorabilidade do bem de família, conjuntamente, na generalidade, com os projetos de lei n.os

702/XII (4.ª) — Institui a impenhorabilidade do imóvel próprio de habitação permanente (altera o Decreto-Lei

n.º 433/99, de 26 de outubro, e a Lei n.º 41/2013, de 26 de junho) (BE) e 703/XII (4.ª) — Estabelece restrições

à penhora e execução de hipoteca sobre a habitação (PCP).

Para apresentar o projeto de lei n.º 702/XII (4.ª), tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria

saudar os quase 5000 peticionários que, num ato de cidadania, trouxeram esta petição à Assembleia da

República sobre um tema muito importante e já com uma perspetiva de resolução do problema em cima da

mesa.

O tema prende-se com a forma como é penhorado o que é essencial à vida das pessoas e os peticionários

identificam o bem imóvel que é a habitação, mas também tudo o que nela é essencial à vida, e dão como

solução, como caminho para responder a esse problema a lei brasileira que já existe e que defende as

pessoas da penhora por dívidas.

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Sobre este problema, queria deixar duas ou três notas de concordância com a análise que é feita, dizendo

que, de facto, a austeridade tem minado a vida das famílias e que levou, muitas vezes, rendimento, porque

levou emprego, porque levou o valor do salário, porque reduziu os apoios sociais, porque empobreceu o País

e empobreceu as pessoas que cá vivem.

Foi esse empobrecimento que fez com que muitas pessoas que tinham a vida estabilizada e uma

perspetiva de futuro completamente baseada no seu quotidiano ficassem totalmente desarmadas face a essa

evolução e, quando o desemprego e a perda de rendimentos lhes bateram à porta, ficaram com essa

dificuldade de, muitas vezes, no final do mês, não poderem pagar os compromissos que tinham assumido.

São compromissos com privados e, muitas vezes, compromissos também com o Estado.

Aquela demonstração de insensibilidade da máquina tributária que queria, por uma dívida de 1900 €, ficar

com a casa de habitação de uma família em Aveiro, no concelho de Ílhavo, demonstra bem a crueza desta

realidade e à porta de quem ela bate, de quem, de facto, depois de ter perdido muito, corre o risco de ficar

sem o que é essencial, sem o que é o seu último reduto.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Quando a máquina fiscal atua, primeiro, atua sobre as rendas, as

contas ou os depósitos bancários; depois, atua sobre os salários, sobre os bens móveis, muitas vezes sobre

os automóveis, e é na última das últimas instâncias que atua sobre os bens imóveis, a habitação.

Por isso, quando vemos que o fisco leva 250 casas por dia, em penhora ou em venda, sabemos que está a

ir ao último reduto de quem já ficou sem nada, porque o fisco já assumiu que ficou com tudo o que restava.

Ora, é sobre estas pessoas que nós queremos agir e, por isso, queremos responder de forma positiva ao

repto que estes peticionários e estas peticionárias trouxeram à Assembleia da República propondo uma

alteração legislativa concreta. Não indo a todos os pontos que a lei brasileira prevê, a alteração diz respeito à

defesa da habitação como o bem que não pode ser penhorado por dívidas. A lei deve dizer que não pode ser

retirado às famílias o seu último reduto, seja qual for a dívida, seja qual for a vontade de quem atuar com

crueldade sobre essas famílias. A casa não pode ser retirada!

É isto que esta alteração legislativa diz, defendendo um valor essencial, que é a habitação, e respondendo

afirmativamente àqueles que, num ato de cidadania, vieram a esta Assembleia da República pedir que haja

humanidade, que haja uma defesa das famílias e da sua habitação.

Aplausos do BE.

Entretanto, reassumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei n.º 703/XII (4.ª), tem a palavra o Sr. Deputado João

Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, começar

por saudar os peticionários que trouxeram à Assembleia da República uma petição que coloca novamente em

discussão aquilo que atinge milhares de famílias em Portugal, que é o drama de famílias que, tendo perdido

tudo, tendo perdido todos os rendimentos, tendo perdido o emprego, acabam por perder também a casa em

processo de execução de hipotecas ou de penhoras.

Essa é um realidade dramática que se faz sentir nas execuções fiscais, com o Governo a dar o pior

exemplo, ao retirar às famílias a sua habitação para cobrar dívidas fiscais, muitas vezes deixando na completa

miséria e na completa desproteção famílias que já estavam numa situação dificílima. E esse problema das

execuções fiscais que conduzem à perda da habitação tem de ser resolvido.

Mas o problema não se fica por aí: para lá das execuções fiscais, há muitas outras situações em que as

famílias portuguesas mais fragilizadas se veem afastadas e obrigadas a entregar a sua habitação, depois de já

terem perdido tudo.

Por isso, o PCP apresenta um projeto que assenta em quatro propostas fundamentais.

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Em primeiro lugar, a eliminação da possibilidade de perda da habitação pelas famílias que já não têm

rendimentos para assegurar a sua subsistência.

Em segundo lugar, a eliminação da possibilidade de perda da habitação no âmbito de processo de

execução fiscal.

Em terceiro lugar, propomos também que se impeçam as penhoras ou as execuções das hipotecas,

quando seja possível por outras vias, nomeadamente pela penhora de outros bens e rendimentos, assegurar o

pagamento de dois terços do crédito à habitação que foi contraído.

Em quarto e último lugar, que se impeça a venda da casa quando o seu valor for inferior àquele que seria

obtido com a penhora de outros bens e rendimentos.

Em suma, o que o PCP hoje aqui propõe, com esta iniciativa, é a possibilidade de tornar residual a perda

de habitação por famílias que já não têm rendimentos, que já não têm emprego, que já não têm capacidade de

acudir a elementos de conforto mínimo para as suas vidas e que, por via da lei, seja através da aplicação do

Código de Processo Civil, seja no âmbito das execuções fiscais, acabam também por se ver confrontadas com

a perda da sua habitação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita

Ameixa.

O Sr. LuísPita Ameixa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A petição em debate tem um

sentido humanista — o de evitar que, por dívidas que não estão a conseguir ser pagas, uma família, muitas

vezes incluindo menores, seja despejada da sua casa.

Ora, o PS comunga desses valores humanistas, em primeira linha; logo, comunga dessas preocupações.

É por isso que, ainda recentemente, o Partido Socialista, no âmbito da discussão do Orçamento do Estado

para 2015, apresentou uma proposta no sentido da suspensão das penhoras e vendas executivas de imóveis

por dívidas fiscais, ou seja, dívidas ao Estado, considerando que associado à dívida estariam situações de

desemprego no agregado familiar, logo, haveria uma diminuição do rendimento deste. Tal proposta foi

chumbada pelos votos do PSD e do CDS na Comissão de Orçamento e Finanças.

O Partido Socialista, dada a importância do tema, requereu uma reavaliação da decisão por avocação a

Plenário, pedindo à Assembleia da República — no fundo, pedindo ao PSD e ao CDS — uma nova

oportunidade de uma visão humanista aplicada às dificuldades que as famílias hoje enfrentam em Portugal.

Pois na sessão, ainda recente, de 24 de novembro de 2014, o PSD e o CDS voltaram a fechar os olhos e a

chumbar a proposta do Partido Socialista.

Além disto, numa linha de afirmação coerente, de defesa da casa de morada da família em tempo de crise,

já antes o Partido Socialista tinha tentado estabelecer na lei idênticas regras de impedimento da perda da

habitação, incluindo em casos de arrendamento.

Veja-se: em abril de 2012, os projetos de lei n.os

222, 223 e 224/XII (1.ª) e o projeto de resolução n.º 308/XII

(1.ª); em fevereiro de 2013, o projeto de lei n.º 367/XII (2.ª); em fevereiro de 2014, o projeto de lei n.º 505/XII

(3.ª) e os projetos de resolução n.os

939 e 940/XII (3.ª), todos do Partido Socialista e todos chumbados pelo

PSD e CDS.

No caso da petição e dos projetos de lei hoje em discussão, os mesmos avançam também no domínio em

que o credor não é o Estado mas entidades privadas ou pessoas particulares, situação mais complexa, mas

que, ainda assim, merece uma reflexão e debate aprofundado do legislador: a realização de audições a

diversas entidades e peritos, estudos de direito comparado, etc.

Importa compatibilizar uma visão humanista da sociedade, da família e das pessoas — o direito à

habitação para si e para a sua família, assim expressamente estabelecido no artigo 65.º da Constituição da

República Portuguesa — com o funcionamento da atividade económica no mercado livre, mas regulado, onde,

nomeadamente, o crédito e a confiança são fundamentais.

São estes os nossos princípios.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Ribeiro.

O Sr. Paulo Simões Ribeiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Permitam-me que

cumprimente, em primeiro lugar, os peticionários aqui presentes, bem como os demais cidadãos subscritores

desta petição.

Os subscritores pretendem que se legisle com o objetivo de garantir que a casa de morada de família seja

impenhorável e não responda por qualquer tipo de dívida fiscal, social, comercial ou de outra natureza e,

simultaneamente, pretendem proibir a penhora de vários objetos que equipam o seu lar.

Relativamente aos objetos que equipam o lar, não deixaria de esclarecer que o artigo 737.º, n.º, 3 do

Código de Processo Civil já isenta de penhora os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se

encontrem na casa de habitação.

Quanto à questão da casa de morada de família, não podemos acompanhar, na totalidade, a solução que,

quer o Bloco de Esquerda, quer o Partido Comunista, propõem nas suas iniciativas legislativas.

Por um lado, o Bloco de Esquerda propõe-se alterar o Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Ora, de acordo com o princípio da proporcionalidade, que já está previsto na atual Lei Geral Tributária, a

Autoridade Tributária tem hoje competências legais para suspender os procedimentos de venda coerciva de

bens, nomeadamente as casas afetas a habitação. De facto, de acordo com este princípio, a administração

fiscal pode sempre decidir esperar pela existência de outros bens, evitando a penhora de imóveis afetos à

habitação do devedor.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Pode, mas não faz!

O Sr. Paulo Simões Ribeiro (PSD): — Quanto às alterações do Código de Processo Civil, a serem

aprovadas as soluções aqui propostas por VV. Ex.as

, pôr-se-ia em causa a garantia geral de cumprimento das

obrigações. O que aqui nos propõem redundaria numa absoluta desproteção dos credores e que, no limite,

levaria a situações em que uma empregada doméstica desempregada, ao reclamar os créditos que detém

sobre o seu ex-patrão, não conseguiria penhorar a casa de morada de família que esse mesmo patrão

devedor tem na Quinta da Marinha.

Protestos do PCP e do BE.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Já não consegue!

O Sr. Paulo Simões Ribeiro (PSD): — Nunca é demais lembrar que os princípios da adequação e da

proporcionalidade, que enformam o nosso Código de Processo Civil, já resolvem muito dos problemas que os

peticionários fizeram chegar a este Parlamento.

Por outro lado, a sensibilidade que esta maioria tem demonstrado perante esta questão levou-nos a propor,

e a aprovar nesta Casa e já nesta Legislatura, um regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à

habitação em situação económica difícil. Este regime já compreende soluções para as famílias que vivem

grandes dificuldades, para as famílias em situações de desemprego e para as famílias com uma redução

substancial do seu rendimento.

Simultaneamente, como sabem, com a aprovação do Orçamento do Estado, e a partir já de 2015, 350 000

famílias passarão a beneficiar de uma isenção permanente de IMI.

Desde o início desta Legislatura, temos trabalhado para encontrar as respostas adequadas às questões

levantadas pelos peticionários, mas não podemos acompanhar propostas que vão pela via da total

impenhorabilidade dos bens, pois isso seria por em causa as garantias gerais de cumprimento das obrigações.

Aplausos do PSD e CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Vera Rodrigues.

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A Sr.ª Vera Rodrigues (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou começar, naturalmente, por

felicitar os peticionários que nos fizeram chegar aqui as suas propostas e as suas preocupações e,

compreendendo, em parte, o espírito e a benevolência com que nos são apresentadas, devo alertar para o

facto de, se acolhêssemos, de todo em todo, aquilo que aqui está proposto, poder daí resultar efeitos

perversos que, no limite, poderiam vir a prejudicar as pessoas que, por exemplo — e é cada vez mais comum

isso acontecer —, necessitam de recorrer a contratos de crédito ao consumo e de crédito à habitação para

suprirem as suas necessidades de vivência familiar.

A esquerda faz aqui um debate como se tivesse o domínio em absoluto das preocupações sociais e das

preocupações com a família, mas a realidade diz-nos exatamente o contrário.

O Sr. Deputado do Partido Social Democrata já aqui lembrou, e bem, que se é verdade que em Portugal,

neste momento, existe um regime obrigatório, um regime que obriga os bancos a entrarem num processo de

negociação com famílias que apresentem um grau de risco de incumprimento relativamente aos seus

contratos, se esse regime existe é devido à iniciativa desta maioria. E estamos a falar de um horizonte

substancialmente alargado de pessoas que podem recorrer a este mecanismo extraordinário.

Queria também dizer que foi por via da aprovação deste conjunto de diplomas, em finais de 2012, que ficou

dada, por exemplo, a hipótese de, perante uma situação de divórcio, de viuvez ou de alteração substancial de

rendimentos, haver uma alteração das condições de crédito, nomeadamente ao nível dos spreads.

Portanto, na altura foi criado um regime que permitia acautelar e prevenir uma eventual hipoteca sobre a

casa de residência de família, mas também um regime extraordinário que fazia com que houvesse uma

ponderação e uma renegociação efetivas, quer ao nível do capital, quer ao nível dos juros, quer ao nível da

maturidade do próprio empréstimo e que tivesse também em conta a consolidação de outro tipo de créditos

que, precisamente, essa família pudesse ter. Ou seja, pretendeu-se quebrar aqui o ciclo vicioso que, muitas

vezes, leva a que as famílias, para evitarem que lhes seja penhorado um bem, por exemplo, um

eletrodoméstico, que tenham dentro da sua casa, deixam de pagar o crédito à habitação para pagarem esse

mesmo crédito, ou vice-versa.

Por isso, o que foi feito foi criar um regime que permitisse que houvesse uma ponderação — uma

ponderação combinada — de tudo o que eram as responsabilidades de uma família perante a banca.

Já na altura, e relativamente a esse regime extraordinário, era considerado para o nível de rendimento o

número de filhos e o agregado familiar. Ou seja, o real rendimento das famílias e a real capacidade de uma

família poder prover as suas necessidades.

Portanto, já houve aqui a preocupação com a família, com a dimensão do agregado familiar, que se fez

refletir, recentemente também, na reforma do IRS e que se fez refletir, também recentemente, no cálculo do

IMI, através da introdução do número de pessoas, de filhos, que fazem parte do agregado familiar.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Bem lembrado!

A Sr.ª Vera Rodrigues (CDS-PP): — Isto é, de facto, o reflexo, que a esquerda não poderá negar, daquilo

que é a preocupação efetiva, concretizada, desta maioria relativamente a um princípio de respeito e de

atenção especial por aqueles que mais precisam num momento que é difícil e que nós não negamos.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João

Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, em particular Srs. Deputados do PSD

e do CDS: As perguntas a que temos de responder aqui hoje são três.

É justo retirar a casa a uma família por uma dívida de 1800 €?

É justo que uma família sem rendimentos fique também sem a sua habitação?

É justo que se retire a casa a uma família, antes de se procurar pagar uma dívida por outras vias?

A resposta que damos é esta: não, não é justo nada disto. E, por isso, apresentamos uma proposta que

torna residual a perda da habitação, que promove o pagamento das dívidas por outras vias que não pela

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penhora ou pela execução da hipoteca das casas e que impede a venda da casa quando, por outra via, é

possível pagar a dívida.

A proposta que aqui apresentamos é esta e é esta a resposta que é preciso dar às mais de 66 000

situações que, em setembro deste ano, estavam identificadas pelas Finanças como penhoras de imóveis ou

de execução de hipotecas, com a possibilidade de perda das habitações pelas famílias por questões de

dívidas fiscais.

Sr. Deputado Paulo Simões Ribeiro, o exemplo que aqui trouxe não serve, porque a empregada doméstica

já hoje não pode penhorar a casa do patrão, por desadequação por excesso. Mas, ao contrário, a banca ou as

Finanças podem fazer a empregada doméstica perder a sua casa por uma dívida de 1800 €, e isso não é

justo, Sr. Deputado Paulo Simões Ribeiro.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Ahh!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso não é justo, mas isso resulta do Código de Processo Civil que os

senhores aprovaram em 2013. E nós, em 2013, ainda não tínhamos adivinhado aquilo que iria acontecer, mas

já o conseguíamos prever. Aliás, na declaração de voto que fizemos aqui, em abril de 2013, demos

exatamente como exemplo a situação que veio a verificar-se em setembro deste ano, que já aqui foi referida,

daquela família que ia perdendo a casa por uma dívida às Finanças de 1800 €. Só não a perdeu porque houve

alguém que fez uma coleta e pagou a dívida.

É esse o País que os senhores querem? Um país onde as pessoas perdem o emprego, perdem o salário,

não têm subsídio de desemprego nem qualquer rendimento e ainda acabam por perder a casa de habitação?

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Esse não é o País que nós queremos e, por isso, apresentámos esta

solução.

O Sr. David Costa (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Se os senhores a rejeitarem têm de assumir a responsabilidade pelo drama

e pela miséria que vão continuar a impor às famílias portuguesas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Concluímos, assim, este debate.

Os projetos de lei serão votados na próxima sessão regimental de votações.

Vamos passar ao último ponto da ordem de trabalhos de hoje, que consta da apreciação das petições n.os

392/XII (3.ª) — Apresentada pelo Sindicato dos Professores da Região Centro — Direção Distrital de Viseu —

FENPROF, solicitando à Assembleia da República que se garanta uma escola pública de elevada qualidade

para todos, o que não é compatível com o desvio de dinheiros públicos para financiar ofertas privadas, 403/XII

(3.ª) — Apresentada pelo Sindicato dos Professores da Região Centro — Direção Distrital de Castelo Branco

— FENPROF, solicitando à Assembleia da República moralização na utilização de dinheiros públicos, pondo

fim aos privilégios do ensino privado e defendendo a escola pública de qualidade, 404/XII (3.ª) — Apresentada

pelo Sindicato dos Professores da Região Centro — Direção Distrital de Leiria — FENPROF, solicitando à

Assembleia da República moralização na utilização de dinheiros públicos, pondo fim aos privilégios do ensino

privado e defendendo a escola pública de qualidade, 413/XII (3.ª) — Apresentada pelo Sindicato dos

Professores da Zona Sul — Direção Distrital de Faro — FENPROF, solicitando à Assembleia da República a

adoção de medidas no sentido de moralizar a utilização de dinheiros públicos, pôr fim aos privilégios do ensino

privado e defender a escola pública de qualidade, e 414/XII (3.ª) — Apresentada pelo Sindicato dos

Professores da Região Centro — Direção Distrital de Coimbra — FENPROF, solicitando à Assembleia da

República a adoção de medidas no sentido de moralizar a utilização de dinheiros públicos, pôr fim aos

privilégios do ensino privado e defender a escola pública de qualidade, em conjunto com os projetos de

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resolução n.os

1181/XII (4.ª) — Por uma escola pública que cubra as necessidades de toda a população (PCP)

e 1186/XII (4.ª) — Racionalização dos contratos de associação na rede escolar, garantindo a utilização da

capacidade instalada nas escolas públicas (BE).

Para intervir sobre estas petições e, simultaneamente, apresentar o projeto de resolução do PCP, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em nome do PCP, gostaríamos de

saudar a FENPROF, aqui presente, pela dinamização destas petições em defesa da escola pública nos

distritos de Viseu, Leiria, Coimbra, Castelo Branco e Faro.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É responsabilidade do Estado, conforme consagra a Constituição da

República, a criação de uma rede de estabelecimentos públicos — repito, públicos — de ensino, que cubra as

necessidades de toda — repito, de toda — a população.

Desrespeitando a Constituição e fugindo ao cumprimento da Lei de Bases do Sistema Educativo,

sucessivos governos, do PS, do PSD e do CDS, e, com particular gravidade, o atual Governo, têm traçado um

caminho de desmantelamento da escola pública, evidente no encerramento de, por exemplo, mais de 6500

escolas do 1.º ciclo do ensino básico, desde 2002, e na imposição de mega-agrupamentos.

Os partidos da política de direita que se têm alternado no governo estão ligados pelas mesmas opções

políticas de favorecimento à escola privada, permitindo e incentivando que, progressivamente, esta se

substitua à escola pública — quando, por exemplo, se implementam e perpetuam contratos de associação,

sem criar a necessária e justa solução pública que responda às famílias, ou quando permitem a abertura de

turmas em escolas privadas, não as autorizando nas escolas públicas.

O Sr. DavidCosta (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Torna-se a educação num negócio, permitindo que os privados arrecadem

lucros à custa daquele que é um direito constitucional.

Defendendo como prioridade inequívoca o aumento do investimento público através do reforço das

condições materiais e humanas das escolas públicas, assim como o alargamento da rede pública de

estabelecimentos de ensino, o PCP apresenta as seguintes propostas: que se resolvam, a partir do próximo

ano letivo, todos os contratos de associação com escolas do ensino particular e cooperativo, sempre que na

mesma área pedagógica exista estabelecimento público de ensino com capacidade de resposta para a

população estudantil; que se concretize, durante o próximo ano, um plano de investimento em

estabelecimentos públicos de ensino pré-escolar, básico e secundário, no sentido de gradualmente reduzir e

extinguir os existentes contratos simples de apoio à família e os contratos de desenvolvimento de apoio à

família; que se aloquem os meios adequados, humanos e materiais, para melhoria da qualidade do ensino,

valorizando, deste modo, a escola pública.

Só assim se defende a escola pública gratuita, de qualidade e inclusiva, ao serviço do desenvolvimento

económico e do progresso social do País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para intervir sobre as petições e também para apresentar o projeto de

resolução do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Quero saudar a FENPROF, os

sindicatos da FENPROF e as direções distritais de Viseu, Castelo Branco, Leiria, Faro e Coimbra, que

subscreveram estas petições, hoje aqui, em boa hora, em debate.

A questão que se coloca é a do financiamento público do ensino privado quando ele deixa de ser supletivo.

Toda a lógica anterior era de complementaridade em relação à rede pública de educação, em que, quando a

rede pública não podia prover a essa oferta, havia uma contratualização com o setor privado com

financiamento público.

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Ora, acontece que, por variadas circunstâncias e evolução ao longo do tempo, em muitas localidades já há

capacidade instalada privada que está a ser financiada pelo erário público, em concorrência com a oferta

pública, com a rede de escola pública. Podemos ter alunos a ser financiados num colégio privado e, ao lado,

há horários zero numa escola pública. Ora, isto é inaceitável.

Portanto, o que o Bloco de Esquerda propõe, em sintonia com os peticionários, é o regresso ao caráter

supletivo dos contratos de associação e acabar com os contratos que têm vindo a manter esta situação de

privilégio para o ensino privado.

A questão vai mais fundo, porque teremos de discutir — e, em especial, creio que todos somos chamados

a esse debate, incluindo os vários partidos da oposição — o que pensam acerca do Estatuto do Ensino

Particular e Cooperativo, nomeadamente aquilo que lá foi enxertado, na sua última revisão, como a ideia

concorrencial entre a oferta pública e a oferta privada, que é, aliás, a «menina dos olhos» do Sr. Ministro da

Educação, Nuno Crato, que já aqui nos disse, mais do que uma vez, que é importante que haja concorrência

entre o setor público e o setor privado.

Não nos assiste qualquer tipo de animosidade em relação ao ensino particular, até porque ele tem uma

consagração constitucional importantíssima, que tem a ver com a liberdade de ensinar e a liberdade de

professar doutrinariamente qualquer tipo de confissão. Mas o que não aceitamos é que seja à conta do

contribuinte que estamos a financiar o ensino privado, quando a obrigação constitucional é de sustentar uma

rede pública.

Portanto, o repto é o de, mais cedo do que tarde, vir a alterar também o Estatuto do Ensino Particular e

Cooperativo para de lá tirar esse enxerto que vem favorecer o ensino privado contra o ensino público.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Pinto.

O Sr. Acácio Pinto (PS): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Nós precisamos urgentemente de

estabelecer, em Portugal, também na educação, um contrato de confiança, um verdadeiro contrato, que, mais

do que assinado por todos, seja interpretado por todos como um contrato de confiança para a educação, em

Portugal.

É que, sem confiança, não há políticas, não há medidas, não há qualquer estratégia para o nosso País.

Mas o que é também facto é que este contrato de confiança não se gera em torno de um Governo e de um

Ministro da Educação que tem conduzido a escola pública para a instabilidade e para o caos.

Precisamos, portanto, Sr.as

e Srs. Deputados, de outras políticas, mas também de outros intérpretes.

Daí que o PS saúde os peticionários de todas as petições aqui em debate, dos sindicatos de professores

da FENPROF, de Viseu, de Coimbra, de Leiria, de Faro e de Castelo Branco, e que saúde igualmente os

projetos de resolução do PCP e do BE, também aqui em debate.

E há matérias, diga-se já, que, em todos estes documentos, podemos aqui traduzir a uma só voz: basta de

desvarios na educação,…

O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Acácio Pinto (PS): — … e basta de retrocessos no serviço público de educação e na escola pública.

E se dúvidas existissem, Srs. Deputados, da razão destas conclusões, bastaria olharmos para trás, agora

que estamos no final do primeiro período letivo. E, se o fizermos, o que encontramos? Encontramos os meses

mais negros…

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Um desastre!

O Sr. Acácio Pinto (PS): — … de que há memória na educação em Portugal, uma forma trágica de

começar um ano letivo. Mas, se olharmos para a frente, não encontramos nada de diferente. Se olharmos para

a frente, o que encontramos é a prossecução de medidas avulsas, como sejam a prova de avaliação dos

professores, a qual mereceu recentemente um arrasador parecer por parte do Provedor de Justiça.

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O quadro, portanto, é este, um quadro negro, em que nos movemos e do qual temos de nos libertar

urgentemente.

Ou será que queremos continuar o caminho do aumento das retenções e da diminuição da escolarização,

conforme os indicadores estatísticos mais recentes já o demonstram?

Ou será que queremos continuar a ter escolas profissionais e artísticas, sem financiamento há vários

meses?

Este não pode ser, e não é, o nosso caminho.

A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Muito bem!

O Sr. Acácio Pinto (PS): — Para nós, a aposta tem de ser num serviço público de educação e numa

escola pública para todos, na qualificação das pessoas, pois é o único recurso que faz a diferença e que nos

pode fazer reganhar o futuro.

Termino, Sr.as

e Srs. Deputados, dizendo que o futuro não se ganha com falta de rigor, mas também não se

ganha com desperdício de capacidade de oferta da rede pública de educação, com cheques ensino e com a

privatização da educação, ou com a municipalização da educação, que está na ordem do dia e é feita nas

costas dos portugueses.

O futuro, Srs. Deputados, ganha-se e constrói-se com os alunos, com os pais, com os professores, com o

pessoal não docente, com todos, mas com todos em confiança.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Michael Seufert.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria

também de, em nome da bancada do CDS, cumprimentar os peticionários, destas e de outras petições iguais

que apreciaremos nas próximas reuniões, fazendo também menção aos projetos de resolução do PCP e do

Bloco de Esquerda sobre esta questão.

Srs. Deputados, todos estes documentos partem do ponto de partida errado de que o Estado está a gastar

mais, ou a aumentar ou a ter mais participação naquilo que transfere para o sistema particular e cooperativo

de educação. Isso é falso, e é particularmente falso no que diz respeito aos contratos de associação. Como

todo o sistema educativo público (e parte, aliás, do sistema público, essa é outra referência que importa fazer),

estes contratos também sofreram naturalmente com a crise na qual o Partido Socialista lançou o País.

Há, depois, também outra confusão importante que importa desmontar, que é a que confunde público,

nomeadamente quando na Constituição se fala em público, com estatal. Ora, é preciso dizer que este serviço

que é prestado — nomeadamente, pelas escolas com contrato de associação, mas também por inúmeras

IPSS ao nível, por exemplo, da educação pré-escolar — é serviço público, e é prestado nas mesmas

condições que o serviço público do Estado, sendo que apenas a propriedade do serviço é do particular e

cooperativo.

Protestos do PCP.

E não digo, nem a bancada do CDS diz, que é melhor ou que é pior do que aquele serviço público que é

prestado pelo setor do Estado.

O Bloco de Esquerda queixa-se, nomeadamente, de que estas escolas selecionariam os seus alunos. Sr.

Deputado, como sabe, estas escolas regem-se pelas mesmas regras do ensino estatal, e nós podemos

discutir as regras que também permitem que escolas do Estado selecionem os alunos. Isso também acontece,

Sr. Deputado.

É que o problema aqui não está na propriedade do sistema, mas no sistema educativo em si. Isso também

acontece e nós podemos fazer esse debate sem qualquer problema. Mas quer as escolas do ensino particular

e cooperativo quer as escolas do Estado são geridas por pessoas, pessoas que têm falhas, cometem erros e,

às vezes, também, infelizmente, ilegalidades.

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É evidente que estamos a tentar fazer aqui um debate racional, mas nós conhecemos as propostas. Até me

recordo bem das propostas de alteração do PCP ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, que

determinavam o encerramento compulsivo de todas as escolas particulares do País, independentemente de

terem financiamento público ou não — uma coisa extraordinária! Não muito extraordinária para quem conheça

a forma como se comportavam partidos comunistas no governo, mas extraordinária na Europa do século XXI.

O Partido Socialista fala aqui de desvario na educação. Sr. Deputado Acácio Pinto, deixe-me só perguntar-

lhe: isso inclui os empreiteiros da Parque Escolar? Inclui, Sr. Deputado?

Protestos do Deputado do PS Acácio Pinto.

Inclui a Parque Escolar e os seus empreiteiros, ou não inclui?

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Responda Sr. Deputado! É que desvario era gastar quando havia, para não deixar para os seguintes, Sr.

Deputado! E nós sabemos bem qual era o papel do PS.

Mas até acho curioso o PS — enfim, o novo PS — suscitar aqui um discurso mais à esquerda, porque o Sr.

Deputado deve conhecer, e bem, o Externato Afonso Henriques, em Resende, construído e aberto ao público

muito antes de haver escola do Estado naquele concelho. É no seu distrito, Sr. Deputado! Vá lá visitá-lo e vá

dizer que aquela escola não faz serviço público — desfio-o aqui! Vá lá a essa escola e diga, olhos nos olhos,

aos professores e àquelas famílias que aquela escola não faz serviço público. Faz serviço público! É evidente

que faz serviço público!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Como, aliás, fazem outras. Estou a lembrar-me do Externato da Benedita, no distrito de Leiria, uma escola

quase centenária, bem conhecida pelo seu serviço público.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: os filhos dos

portugueses não são propriedade do Estado e, por isso, merecem que possa haver formas diferentes de

educar as crianças sem estarem confinadas a um modelo educativo.

Dizer que a escola do Estado ou a privada é a melhor é uma escolha que o CDS não faz e na qual não se

intromete e, estando vencida a crise que se abateu sobre o País, esperamos que, com este ou com o próximo

Governo, possa haver desenvolvimentos desta matéria e alargamento do conceito de liberdade de educação

em Portugal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte Filipe

Marques.

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Neste debate sobre

educação, não podia deixar de salientar o regozijo que é a notícia que acabou de ser tornada pública do

reatamento das relações entre os Estados Unidos e Cuba, também por intervenção do Papa, sendo uma

notícia que todos deveremos prezar.

Sr.as

e Srs. Deputados, em primeiro alugar, gostava de cumprimentar os peticionários de Viseu, de Castelo

Branco, de Leiria, de Faro e de Coimbra que provocaram este debate sobre a escola pública na Assembleia da

República, em particular na Comissão de Educação.

Devo dizer que, ao contrário de muitos, o PSD não tem nenhum preconceito contra a escola privada. Aquilo

que é importante referir, e que já foi aqui assumido uma vez pelo Partido Comunista Português, é que, de

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facto, nestes últimos anos, o Estado cortou financiamento ao ensino privado. Não posso deixar de lembrar que

existem contratos de associação em Portugal há 30 anos e, de facto, aquilo que os dados mostram é que, em

todos os orçamentos desta coligação, o apoio ao ensino particular e cooperativo diminuiu em quase 40%.

Portanto, é bom recordar que o apoio ao ensino particular também diminuiu, e mais do que o apoio ao ensino

público em termos percentuais — é importante referi-lo aqui.

Também é importante referir que defender a escola pública é dar condições de trabalho aos alunos, aos

professores e aos funcionários. Portanto, devemos lembrar que, finalmente, a Parque Escolar está a trocar os

luxos de algumas escolas que estavam contratados por condições ajustadas, suficientes e de qualidade, que

não ficam apenas em algumas escolas nem a cargo de alguns empreiteiros.

Isso, sim, Sr. Deputado Acácio Pinto, é que é combater desvarios. Isso, sim, é que é combater o

desperdício de que aqui falava. Isso, sim, é que é gerir com qualidade e com responsabilidade os dinheiros

públicos. A derrapagem da Parque Escolar foi de 329% em relação ao que foi orçamentado inicialmente, em

que as escolas custavam, em média, à partida, 2,82 milhões de euros e acabaram a custar, em média, quase

12 milhões de euros. Isto é que é desperdício. Isto é que é não defender a escola pública! Isto é que é

desperdiçar dinheiro, mas depois vêm queixar-se de que há alunos que têm aulas em contentores! Isto é que é

desvario! Isto é que é irresponsabilidade!

Da nossa parte, não há preconceito contra a escola privada nem contra a escola pública, porque a escola

pública é aquela a que todos têm acesso gratuito e, felizmente, o contrato de associação permite que os

estudantes, independentemente de serem mais ou menos carenciados, tenham o mesmo nível de acesso às

escolas.

Não é verdade que o Governo não tenha cortado nas escolas privadas. O Governo cortou percentualmente

ainda mais do que nas escolas públicas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe). — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em nome de Os Verdes,

começo por saudar os peticionários, a FENPROF, que através de algumas das suas direções distritais trazem

à Assembleia da República um problema muito real e comum a várias zonas do País: Viseu, Castelo Branco,

Leiria, Coimbra e Faro. Falo de realidades distritais.

Tal tem a ver com o facto de se estar a assistir a uma profunda degradação da escola pública, ao mesmo

tempo que assistimos ao favorecimentos das escolas privadas e julgo que esta é uma questão que a

Assembleia da República deve ter em conta.

Sr.as

e Srs. Deputados, a fragilização, a degradação da escola pública é uma constante com o Governo

PSD/CDS. De resto, como bem repararam, o Sr. Deputado Duarte Marques acabou de o afirmar mesmo na

frase final da sua intervenção.

Gostava que o Sr. Deputado tivesse dito quanto é que o Governo cortou na escola pública ao nível do

investimento e do financiamento para que aqueles que nos estão a ouvir tivessem bem consciência da

gravidade da situação ao nível do desinvestimento num setor fundamental do Estado. Isto para não falar da

obsessão deste Governo e da maioria com o despedimento de professores.

Vem aí uma nova prova de avaliação de conhecimento e capacidades (PACC), uma parte da estratégia

para se descartarem professores da escola pública que são necessários aos nossos estudantes.

Depois, como é que compensam aquela que é uma necessidade, mas que o Governo retira às escolas?

Por exemplo, aumentando imensamente o número de alunos por turma, criando, portanto, maiores

dificuldades de aprendizagem nas nossas salas de aulas. Isto para não falar do encerramento de escolas

públicas, o que acaba por se afastar das necessidades das nossas crianças, dos nossos jovens e das nossas

famílias, quantas vezes sem a garantia do transporte necessário para a deslocação dessas crianças para

escolas ainda mais longínquas e quantas vezes com menores condições do que aquelas que são encerradas,

algumas delas tendo sido alvo de investimentos públicos brutais. Aqui se vê bem, Sr.as

e Srs. Deputados, o

que é que significa, de facto, desperdício de dinheiros públicos!

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Sr.as

e Srs. Deputados, desperdício de dinheiros públicos significa também haver, numa determinada área

geográfica reduzida, uma escola pública necessariamente financiada pelo Estado e, infelizmente,

subfinanciada pelo Estado, e haver, muito próximo, uma escola privada também financiada pelo Estado

através de contratos de associação.

Como já foi referido, estabelece-se um regime de concorrência entre as escolas, em que as privadas, por

norma, têm melhor capacidade de oferta, por exemplo ao nível do transporte das crianças — quantas vezes os

vão buscar a casa! Sr.as

e Srs. Deputados, sabemos desta realidade —, e depois a escola pública não oferece

as mesmas condições.

O que é que o tempo e a experiência vão fazer com que aconteça, se este País continuar desgovernado

por políticas desta natureza? É que a escola pública poderá vir a encerrar. Ora, isto é totalmente inadmissível.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes). — Vou terminar, Sr. Presidente.

Trata-se de uma estratégia clara da direita de ataque à escola pública, e julgo que os portugueses não

podem admitir esta situação.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana

Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, não há preconceito quanto à

escola privada, o que há é favorecimento da escola privada em detrimento da escola pública, trabalhando para

a sua destruição, tendo este Governo dado passos significativos nesse sentido.

A educação é um direito e não é um negócio. E quando se recusa a abertura de uma turma na escola

pública e se permite que haja abertura de turmas numa escola privada o Governo PSD/CDS está a escolher a

escola privada. Quando se recusa a criar e a alargar a rede pública de estabelecimentos de ensino,

transferindo essa resposta para a escola privada, o Governo está a escolher a escola privada.

O PCP escolhe a escola pública, gratuita, de qualidade e para todos, pilar fundamental do regime

democrático e instrumento de emancipação individual e coletiva.

Hoje trouxemos à discussão um conjunto de propostas de valorização da escola pública. A sua votação

será reveladora das posições dos partidos que estão no Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Michael Seufert falou vagamente sobre

questões de ilegalidades que possam ser cometidas em colégios privados. Eu não me tinha referido a isso.

Não sei se o Sr. Deputado estava remotamente a falar do grupo GPS (Gestão e Participações Sociais) e

coisas do género, mas deixemos que a investigação judiciária resolva isso.

O que era importante neste debate não era falar do Papa, de Cuba, dos Estados Unidos, da Parque

Escolar, etc. O que era importante era falar do favorecimento indevido a colégios privados.

O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Agora a Parque Escolar é privada?!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não há nenhum preconceito contra o ensino privado. O que não queremos é

dinheiro dos contribuintes injetado no ensino privado.

Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.

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Ninguém tem nada contra o ensino provado. O problema é a utilização do dinheiro dos contribuintes no

ensino privado. Ele que funcione, que seja pago pelos utentes e clientes desse sistema de ensino. O problema

é o Estado pagar esse ensino privado com o dinheiro dos contribuintes.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O Sr. Deputado Duarte Marques costuma vir muitas vezes fazer uma certa

ironia com a festa da Parque Escolar, mas parece que hoje está a fazer uma festa ainda maior. Se me der

licença, para terminar, direi que o problema está no financiamento público de uma oferta privada em

concorrência com a capacidade instalada do ensino público. A Constituição obriga a uma rede pública, a uma

rede de estabelecimentos do ensino público. Da Constituição não consta o direito concorrencial do ensino

privado e do ensino público financiados pelo Estado. Por muito que vos custe, não é isso que lá está!

Os Srs. Deputados tentam sempre levar este debate para onde ele não deve estar. O debate é o do

financiamento público do ensino privado em condições concorrenciais e esse é inaceitável, consta do estatuto

particular e cooperativo desse tipo de ensino e terá de ser revogado. Gostaria que todas as forças da oposição

se comprometessem com esse objetivo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, concluímos assim este debate. Os projetos de

resolução serão votados na próxima sexta-feira, no período regimental de votações.

Amanhã, às 15 horas, haverá uma nova sessão plenária, cuja ordem do dia será preenchida com a

interpelação n.º 19/XII (4.ª) — Sobre o combate ao empobrecimento, por uma política alternativa de justiça na

distribuição de rendimentos (PCP).

Concluímos, assim, os nossos trabalhos de hoje.

Desejo um bom fim de tarde e uma boa noite a todos.

Eram 18 horas e 4 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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