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Sábado, 9 de maio de 2015 I Série — Número 84
XII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2014-2015)
REUNIÃOPLENÁRIADE8DEMAIODE 2015
Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves
Secretários: Ex.mos
Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Luísa Maria Neves Salgueiro
S U M Á R I O
A Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 7
minutos. Deu-se conta da retirada por parte do Partido Socialista
dos projetos de resolução n.os
1288/XII (4.ª) e 729/XII (2.ª) e do projeto de lei n.º 59/XII (1.ª).
Foi reapreciado o Decreto n.º 320/XII — Segunda alteração à Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação equitativa relativa à cópia privada — que foi confirmado por maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções —, em conjunto com a petição n.º 427/XII (4.ª) — Apresentada por Rui Miguel Silva Seabra e outros, solicitando à Assembleia da República que impeça a aprovação da proposta de lei n.º 246/XII (3.ª), que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação equitativa relativa à cópia privada. Intervieram os Deputados Ana Sofia Bettencourt (PSD), Pedro Delgado Alves (PS), Teresa Anjinho (CDS-PP), Miguel Tiago (PCP) e José Moura Soeiro (BE).
Foi apreciado o Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão do BES e do Grupo Espírito Santo ao
Processo que Conduziu à Aplicação da Medida de Resolução e às suas Consequências, nomeadamente, quanto aos Desenvolvimentos e Opções relativos ao GES, ao BES e ao Novo Banco. Intervieram, além do Presidente da Comissão, Deputado Fernando Negrão (PSD), e do Relator, Deputado Pedro Saraiva (PSD), os Deputados Miguel Tiago (PCP), Pedro Nuno Santos (PS), Mariana Mortágua (BE), Cecília Meireles (CDS-PP) e Carlos Abreu Amorim (PSD).
Procedeu-se ao debate, na generalidade, do projeto de lei n.º 807/XII (4.ª) — Alarga às entidades que prosseguem atividades culturais a possibilidade de consignação de uma quota do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (PS), que foi rejeitado. Intervieram os Deputados Gabriela Canavilhas (PS), Paulo Sá (PCP), José Moura Soeiro (BE), Maria Conceição Pereira (PSD) e Michael Seufert (CDS-PP).
O projeto de lei n.º 889/XII (4.ª) — Procede à segunda alteração à Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho, que aprova a Lei Antidopagem no Desporto, adotando na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial
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Antidopagem (PSD e CDS-PP) foi também debatido, na generalidade, após o Deputado Laurentino Dias (PS) ter interpelado a Mesa no sentido de o mesmo não ser discutido antes de dar entrada na Assembleia uma proposta de lei acerca do mesmo assunto, sobre o que também se pronunciou o Deputado Hugo Lopes Soares (PSD). No debate, usaram da palavra os Deputados Paulo Cavaleiro (PSD), Artur Rêgo (CDS-PP), Laurentino Dias (PS), Diana Ferreira (PCP) e Luís Fazenda (BE), tendo, depois, o projeto de lei sido aprovado na generalidade.
Foi aprovado o voto n.º 278/XII (4.ª) — De pesar pelo falecimento do jornalista Óscar Mascarenhas (PS, BE, PCP e Os Verdes), tendo a Câmara guardado 1 minuto de silêncio.
Foi também aprovado o voto n.º 277/XII (4.ª) — De congratulação pelo 70.º aniversário da vitória sobre o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial (PCP).
Na generalidade, foi aprovado o projeto de lei n.º 888/XII (4.ª) — Primeira alteração à Lei n.º 56/2012, de 8 de novembro, que estabelece a reorganização administrativa de Lisboa (PSD e PS) e foi rejeitado o projeto de lei 890/XII (4.ª) — Aprofunda os direitos dos trabalhadores do município de Lisboa que tenham sido transferidos para as freguesias ao abrigo da Lei n.º 56/2012, de 8 de novembro, procedendo à sua primeira alteração (BE).
Foram rejeitados, na generalidade, os projetos de lei n.os
650/XII (4.ª) — Revogação das taxas moderadoras e definição de critérios de atribuição do transporte de doentes não urgentes (PCP), 891/XII (4.ª) — Estabelece a isenção de encargos com transporte não urgente de doentes (sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro) (BE), 892/XII (4.ª) — Elimina o pagamento de taxas
moderadoras no acesso a cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde (sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro) (BE) e 893/XII (4.ª) — Altera o modelo de cobrança regular e coerciva de taxas moderadoras, procedendo à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro (PS).
Foram rejeitados o projeto de resolução n.º 1445/XII (4.ª) — Anulação do concurso externo que viola a Diretiva 1999/70/CE da Comissão Europeia e lançamento de novo concurso de vinculação (BE) e, na generalidade, o projeto de lei n.º 894/XII (4.ª) — Propõe um regime de vinculação dos docentes na carreira (PCP).
Mereceu aprovação o projeto de resolução n.º 1395/XII (4.ª) — Suspensão da ação de despejo nas casas de função da Guarda Nacional Republicana no Páteo da Quintinha, freguesia da Ajuda em Lisboa (PCP).
Em votação final global, foram aprovados os textos finais, apresentados pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativos, respetivamente, à proposta de lei n.º 288/XII (4.ª) — Procede à terceira alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, e ao projeto de lei n.º 797/XII (4.ª) — Quinta alteração à Lei n.º 25/2008, de 5 de junho (PSD e CDS-PP).
A Câmara aprovou ainda um parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, autorizando um Deputado do PSD a intervir num processo que corre em tribunal.
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 40 minutos.
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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 7 minutos.
Podem ser abertas as galerias.
Antes de entrarmos na ordem do dia, vou pedir ao Sr. Secretário, Deputado Duarte Pacheco, o favor de ler
o expediente.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, é para anunciar que o
Partido Socialista retirou os projetos de resolução n.os
1288/XII (4.ª) — Recomenda o Governo da República a
rever os termos de custo do empréstimo associado ao PAEF-RAM, de modo a equiparar os juros cobrados à
RAM com os juros obtidos pela divida pública portuguesa no mercado (PS) e 729/XII (2.ª) — Recomenda o
Governo a dar início urgente ao processo negocial da revisão do PAEF-RAM com o Governo Regional da
Madeira (PS) e o projeto de lei n.º 59/XII (1.ª) — Altera o artigo 72.º-A da Lei n.º 49/2011, de 17 de setembro, e
aprova uma taxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS, auferidos no ano de 2011, alterando o
Código do IRS aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, porque esta iniciativa se encontra
prejudicada.
É tudo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos entrar no primeiro ponto da ordem do dia que, como todos
sabem, consiste na reapreciação do Decreto n.º 320/XII — Segunda alteração à Lei n.º 62/98, de 1 de
setembro, que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a
compensação equitativa relativa à cópia privada, em conjunto com a petição n.º 427/XII (4.ª) — Apresentada
por Rui Miguel Silva Seabra e outros, solicitando à Assembleia da República que impeça a aprovação da
proposta de lei n.º 246/XII (3.ª), que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos
Direitos Conexos, sobre a compensação equitativa relativa à cópia privada.
A Mesa regista as inscrições da Sr.ª Deputada Ana Sofia Bettencourt, do PSD, e do Sr. Deputado Pedro
Delgado Alves, do PS.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Sofia Bettencourt, do PSD.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Reapreciamos, hoje, uma
matéria sensível que tem gerado muito debate nesta Legislatura.
Tivemos dois grupos de trabalho especialmente dedicados a estas matérias para auscultar e debater
propostas que foram presentes a esta Câmara: em 2012, apresentada pelo Partido Socialista e retirada pelo
mesmo Partido Socialista, e em 2014, uma proposta de três diplomas apresentada pelo Governo. A matéria
que hoje discutimos é complementar de dois diplomas que foram promulgados pelo Sr. Presidente da
República.
Sempre assumimos que o pacote de medidas não permitia debater sem ser em conjunto, isto porque
elevava o debate e, pela primeira vez, tínhamos um conjunto significativo de matérias que eram indissociáveis
umas das outras.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Ora, recentemente, o Sr. Presidente devolveu a esta Câmara um
dos decretos deste pacote. Ponderámos os fundamentos que aduziu e que consideramos legítimos. Tivemos o
cuidado de reanalisar as mais recentes deliberações do Tribunal Europeu de Justiça, que vão no sentido da
legislação que hoje reapreciamos, onde volta a ser assumido claramente que é devida uma compensação aos
detentores de direitos e que é legítimo que essa compensação tenha por base estes novos suportes.
É, pois, importante não atrasar a atualização desta lei em termos de suportes, mas também não é menos
importante que Portugal possa ser mais atuante e vigilante em matérias ligadas à economia digital.
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A maioria, em sede de especialidade, introduziu alterações nos vários diplomas que, em conjunto,
analisámos e que, reafirmo, são complementares, exatamente com a preocupação transmitida pelo Sr.
Presidente.
Neste diploma, para o qual, em concreto, o Sr. Presidente nos solicitou uma reapreciação, introduzimos
uma alteração que obriga a que a tabela, e a correspondente lei, seja revista a cada dois anos.
Acreditamos, tal como é expresso na preocupação do Sr. Presidente, que estas áreas têm de ser
constantemente acompanhadas face às dinâmicas que o setor cria e que são manifestamente incompatíveis
com atrasos de 11 anos.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — A evolução normativa comunitária determina expressamente que,
sendo legal a existência de exceção ao direito de reprodução, a chamada «cópia privada», esta só pode
ocorrer se existir uma compensação equitativa dos titulares de direitos.
Recentemente, o Acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de março reafirmou-o claramente. Entende a
jurisprudência europeia, tal como a legislação que reanalisamos, que o bem jurídico que se protege não é o
suporte da sua divulgação, mas, sim, o seu conteúdo, claramente assumindo, mais uma vez, que há prejuízo
para os criadores e instituindo que, independentemente do desenho futuro, fruto das dinâmicas geradas, cada
Estado é competente para decidir sobre os meios de suporte em que a taxa deve incidir.
O trabalho desenvolvido em sede de especialidade foi aprofundado. Ouvimos todos os interessados e
representantes dos peticionários, tendo recebido contributos vários. Tivemos ocasião de debater com todos,
de esclarecer e de colocar questões.
Analisadas as várias perspetivas, as várias sensibilidades, atendendo às interligações dos diplomas, somos
de parecer que as razões invocadas são importantes, mas não colocam em causa a integridade deste diploma
nem a sua viabilidade atual, constituindo, no entanto, importante alerta para o envolvimento mais atuante do
Parlamento nesta era da evolução digital exponencial.
Aproveito, numa fase final, para cumprimentar os autores que aqui se encontram. Penso que não está
presente nenhum representante dos peticionários, mas também, como é a primeira intervenção, aproveito,
desde já, para os cumprimentar.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Peço aos Srs. Deputados para respeitarem os tempos regimentais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do PS.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Temos, hoje, a oportunidade
de voltar a apreciar o diploma relativo à cópia privada e a minha primeira nota, uma vez que é uma discussão
conjunta quer da reapreciação da decisão do Sr. Presidente da República, quer, também, da petição é para
sublinhar o que dissemos relativamente à própria petição.
Efetivamente, é necessário reponderar a forma de processamento das petições, tendo em conta que o
efeito útil desta petição só existirá porque o Sr. Presidente da República solicitou a reapreciação do diploma.
Se tal não tivesse acontecido, uma petição que se dirigia à não aprovação do diploma não teria sido apreciada
pela Assembleia em tempo útil.
Portanto, não obstante a necessidade de ter um critério de organização e de arrumação da sequência das
petições, para situações em que manifestamente existe um calendário relevante para discussão em Plenário
das mesmas, ela deveria ser reponderada.
Efetivamente, os Srs. Peticionários formularam uma série de objeções que têm relativamente à aprovação
do diploma, nomeadamente quanto à existência da própria taxa, em que os peticionários entendiam que é um
mecanismo que está em desuso pela Europa fora e que não faria sentido introduzir a contraciclo ou, pelo
menos, alargar em contraciclo.
Refletiam, também, possíveis consequências negativas da aprovação, concretamente uma tendência para
os cidadãos poderem, eventualmente, deixar de comprar os equipamentos em causa, de poder existir uma
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elevada insatisfação com o aumento de mais uma taxa a ser cobrada, assim como a existência de potenciais
desconformidades entre a oneração dos utilizadores e o próprio respeito que os mesmos teriam pelo
cumprimento da legislação em matéria de direitos de autor. Ou seja, entendiam os peticionários que poderia
haver um efeito perverso da própria aprovação da legislação, como que interiorizando a ideia de que ela se
dirigiria a resolver problemas relativos à pirataria.
Para além destes aspetos, os peticionários faziam também referência a problemas relativos à própria
constitucionalidade da taxa, matéria em que também, na análise da petição, houve oportunidade para analisar,
tendo em conta que essa questão, pelo menos, não pareceria colocar-se, até porque o Tribunal Constitucional
já apreciou, no passado, em relação à existência da contribuição para o efeito. É certo que não foi para o
universo digital, mas a estrutura jurídica é precisamente a mesma e, portanto, por aí não existiria um problema
de constitucionalidade.
Chegados a este ponto, com vários elementos que podem e devem ser ponderados no âmbito da
discussão, temos também em cima da mesa o veto do Sr. Presidente da República.
Efetivamente, há só um ponto que importa sublinhar: a narrativa e a história deste projeto de lei não é
inteiramente desprovida de participação e de debate; antes pelo contrário, esse é o aspeto em que, penso, o
Sr. Presidente da República não terá visto com a devida atenção o que foi o trabalho parlamentar.
Como a Sr.ª Deputada Ana Sofia Bettencourt referiu, houve dois grupos de trabalho constituídos, duas
iniciativas legislativas, uma ampla capacidade de participação e de intervenção dos vários interesses em
presença. Não obstante este pequeno percalço com a petição, certo é que houve vários momentos em que os
documentos remetidos pelos próprios peticionários foram tidos em conta na apreciação do diploma. Se houve
algo que mobilizou até as redes sociais, que mobilizou o debate público, foi, seguramente, este diploma e
penso que o vício de que padecerá, primordialmente, não será o da falta de debate e de alargamento do
mesmo.
No entanto, há questões que podem e devem ser ponderadas pelo Parlamento, uma vez regressado o
diploma a esta Câmara.
O Partido Socialista não ficou satisfeito com a versão final, não acompanhámos o voto favorável,
abstivemo-nos na votação final global.
Portanto, abrindo-se novamente este caminho por força da devolução, sem promulgação, do diploma, há
ainda que verificar o que pode ser trabalhado no diploma da cópia privada para que os objetivos principais,
que são os de arranjar uma forma de compensar aqueles que são os produtores dos bens culturais e que, pela
alteração do panorama tecnológico, têm tido uma dificuldade acrescida de, no presente, se manterem
eficientemente a produzir bens culturais, sejam acautelados. Não podemos desacautelar esta necessidade,
devemos encontrar uma solução que seja satisfatória e que também não onere, de forma desmesurada, os
restantes.
Como dissemos, não acompanhámos, na altura, a iniciativa, mas participámos sempre construtivamente e
sempre tivemos oportunidade de fazer propostas de alteração.
O Partido Socialista manterá toda a abertura e toda a disponibilidade para encontrar uma solução que seja
adequada e que permita responder a uma área sobre a qual esta discussão já se arrasta há tempo demais.
Urge, pois, uma solução definitiva e o Partido Socialista está, naturalmente, disponível para tal.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Chamo a atenção dos Srs. Deputados que estão a exceder demasiado o tempo das
intervenções. Pedia-lhes o favor de respeitarem o tempo regimental.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Anjinho, do CDS-PP.
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: A título de introdução,
permitam-me começar por saudar os peticionários cuja petição e preocupações nela versadas são hoje,
igualmente, objeto de discussão, que, na sequência do veto do Sr. Presidente da República, ganharam uma
renovada atualidade.
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Paralelamente, gostaria também de reafirmar, nesta sede, o nosso inteiro respeito pela decisão tomada,
um respeito institucional, como é obrigação de todos os grupos parlamentares, mas também, e não nos
furtamos a dizê-lo, um respeito pelas dúvidas que o sustentam.
Não é novidade que algumas dessas dúvidas acompanharam a bancada parlamentar do CDS ao longo de
todo o processo legislativo. Destaco duas: as assimetrias europeias em termos de legislação sobre a matéria,
visto que não existe uma regulação comum, e a dificuldade em conciliar a necessidade de legislar com a
evolução imparável da tecnologia.
Sr.as
e Srs. Deputados, se estas dúvidas não têm respostas fáceis, compete-nos a nós encontrar as
possíveis.
Quanto à primeira, a ausência de regulação comum, é, sem dúvida, um desafio para a Europa, mas não
pode ser por isso que os parlamentos nacionais deixem de legislar sobre a matéria; muito pelo contrário, não
existindo regulação comum, compete exatamente aos Estados e aos Parlamentos nacionais legislar e
salvaguardar os direitos em causa.
Quanto à segunda dúvida, sobre a possibilidade de a legislação ser ultrapassada pela evolução
tecnológica, há que assumir que estamos perante uma inevitabilidade. É a condição natural da legislação que
versa na tecnologia. Hoje, amanhã ou depois, no País ou na Europa, a inovação tecnológica colocará sempre
desafios novos e imprevisíveis. Compete aos legisladores a responsabilidade de lhes saber responder em
cada momento e em cada contexto, mesmo admitindo a sua eventual desadequação num futuro próximo. Ou
seja, a nossa resposta a estas dúvidas parte de uma análise objetiva da realidade.
Na lei da cópia privada reconhecemos que, previsivelmente, em função da regulação europeia a ocorrer,
quando ocorrer — este debate não é de hoje —, ou da evolução tecnológica, a mesma poderá vir a ser objeto
de alterações, mas tal não obsta à sua necessidade atual.
Sr.as
e Srs. Deputados, o preâmbulo desta lei é reconhecido, é longo e é complexo e vai muito para além
da questão das tarifas. Reconhecido pela necessidade de um novo enquadramento legislativo, longo,
atendendo a todo o processo que lhe esteve subjacente de vários grupos de trabalho, e complexo pois não se
trata de uma iniciativa isolada, mas de um diploma integrado num contexto de três diplomas que, no espaço
nacional e europeu, levantam inúmeras questões de resposta, nem sempre certa.
Perante a necessidade de atualizar e também de honrar o compromisso, o Governo optou, assim, pela
forma mais comum no quadro da transposição da Diretiva, fazendo-o, de resto, de um modo bem mais suave
em relação a iniciativas passadas, como do Partido Socialista, que colocava problemas bem maiores de
proporcionalidade.
E concluo dizendo que a redação final da lei da cópia privada resultou de um trabalhoso esforço de
compromisso, como podem atestar os vários envolvidos nos trabalhos de especialidade. Conhecemos muito
bem a complexidade das questões, bem como das dúvidas, as quais também acompanhámos, mas não pode
ser por se tratar de uma matéria polémica e complexa que deve deixar de merecer um investimento adequado
da nossa parte. Estamos confiantes de que o esforço de compromisso permitiu que fossem encontradas
soluções adequadas e soluções proporcionais a estas dúvidas e que os contributos do CDS em sede de
especialidade muito permitiram para melhorar esta lei.
Por isso mesmo, independente da evolução e do debate que continuará, com certeza, a ocorrer, na data de
hoje, ponderados os valores e os direitos em causa e porque não podemos nem devemos adiar este processo,
consideramos que a lei cumpre os seus propósitos.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago, do PCP.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, saudamos os mais de
8000 peticionários que apresentaram à Assembleia da República uma petição para que a Assembleia não
aprovasse, tal como foi apresentada, a proposta de lei chamada «cópia privada».
Para além disso, assinalamos esta ironia: o PCP, na altura da entrada dessa petição, propôs, na Comissão
de Educação, Ciência e Cultura, que o debate sobre a proposta de lei não ocorresse de forma desligada dessa
petição e das preocupações dos peticionários, a maioria assim não quis, impôs uma discussão apressada e
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sem ter em conta a reflexão dos peticionários e eis que a mensagem do Sr. Presidente da República acaba
por fazer com que o debate, afinal, aconteça no mesmo dia.
Srs. Deputados, o PCP mantem, nesta ocasião, exatamente o mesmo que tem vindo a dizer sobre a cópia
privada, sobre a proposta apresentada pelo Governo, tal como já havia dito sobre a proposta que tinha sido
apresentada antes disso pelo Partido Socialista e que, curiosamente, nessa altura, tantas reservas mereceu
por parte do PSD e do CDS.
As soluções que a cópia privada apresenta podem já ter sido úteis, podem já ter sido adequadas em
determinado momento histórico; hoje, estão absolutamente ultrapassadas. Por isso mesmo, geram injustiças
na sua aplicação.
Em primeiro lugar, porque o discurso em torno da justificação das taxas criadas pela cópia privada, na
prática, significa que os cidadãos serão forçados a pagar uma taxa por uma coisa que não podem fazer. Os
cidadãos serão forçados a pagar uma taxa para poderem fazer uma cópia que a lei proíbe. É certo que não é
essa a cópia que a lei prevê, mas é por essa cópia que os Srs. Deputados do PSD e do CDS tentam justificar
esta taxa.
Ao mesmo tempo, é injusta, porque afasta as populações do acesso à cultura, aumentando os preços e
criando ainda mais dificuldades no acesso à cultura e, de certa forma, generaliza usos de aparelhos e
instrumentos que podem ser diversos daqueles para os quais a cópia privada faz crer.
Há uma solução alternativa, que o PCP já propôs, por várias vezes, nesta Assembleia da República.
Partilhar não é crime e o PCP entende e propõe que, se for disciplinada e regulamentada a partilha e se os
autores e os titulares de direitos de autor e de direitos conexos forem remunerados pela partilha por aqueles
que, de facto, lucram com a partilha, que são, essencialmente, os fornecedores de serviços de Internet, então
é possível ter uma situação em que os cidadãos, sem terem custos agravados, podem partilhar as obras de
arte, mesmo que protegidas por lei, e os autores podem ser remunerados por essa partilha e por esses usos
das obras.
A opção é simples: ou insistimos nesta lei contra a cultura, contra os cidadãos, a pretexto da defesa do
direito de autor, quando, na verdade, apenas estamos a ficar presos numa situação que está obsoleta, ou
remuneramos os autores pela partilha, que é inevitável, que já se faz e que não é crime.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Dou agora a palavra, para uma intervenção, ao Bloco de Esquerda.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Queria também começar por saudar os
peticionários e por lamentar o atraso com que se aprecia esta petição. O Bloco de Esquerda também entende
que a petição deveria ter sido discutida na altura em que se discutiu a lei.
Os mecanismos de apoio à criação cultural implicam políticas públicas, implicam orçamento público,
implicam tudo aquilo que justamente este Governo não fez, o mesmo Governo que acabou, aliás, com o
Ministério da Cultura.
E nós vemo-nos numa situação em que, na cadeia de criação de valor, associada à criação artística, os
autores e os intérpretes são, muitas vezes, quem menos recebe, e isso não faz sentido. Não faz sentido que
as empresas da indústria cultural, as grandes operadoras de net ganhem mais do que os autores e os
intérpretes com os produtos culturais que eles criam, sem contribuírem e sem remunerarem esses mesmos
autores.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — O mecanismo criado por esta lei é, contudo, ineficaz, errado e injusto.
Põe criadores contra consumidores e cidadãos, taxa cada utilizador, dificultando o acesso à cultura, e mantem
a partilha ilegal como um crime, numa lógica restritiva da partilha da cultura, ao mesmo tempo que não põe os
lucros das empresas a apoiar a criação, que seria a única forma de garantir que haja mais conteúdos que
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possam ser acessíveis a toda a gente. Aliás, o Governo dificultou a cobrança dos direitos de autor e dos
direitos conexos numa outra lei.
Esta lei não tem em conta que a capacidade de armazenamento não é necessariamente partilha de
produtos culturais feitos por outros, pode ser de conteúdos próprios; não tem em conta o universo largo de
autores, o domínio público, os Criative Commons; não tem em conta que há países que revogaram estas
taxas, encontrando formas mais justas de financiar a cultura e formas mais eficazes de cobrar direitos de autor
e direitos conexos; e assenta no verdadeiro contrassenso de taxar com uma lei aquilo que proibiu com outra.
Portanto, entendemos que esta oportunidade deve ser aproveitada pela Assembleia da República para
rever esta lei e para encontrar mecanismos de apoio à cultura que sejam também formas de garantir o seu
acesso ao maior número de pessoas e de garantir a cultura da partilha.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Não temos mais inscrições na Mesa e também não há tempos disponíveis.
Srs. Deputados, concluímos aqui a reapreciação do Decreto n.º 320/XII, conjuntamente com a petição n.º
427/XII (4.ª), ambos relativos à cópia privada.
Passamos ao ponto 2 da ordem do dia, que consiste na apreciação do Relatório da Comissão de Inquérito
Parlamentar à Gestão do BES e do Grupo Espírito Santo ao Processo que Conduziu à Aplicação da Medida
de Resolução e às suas Consequências, nomeadamente, quanto aos Desenvolvimentos e Opções relativos ao
GES, ao BES e ao Novo Banco.
Vou dar primeiro a palavra ao Presidente da Comissão de Inquérito Parlamentar, Sr. Deputado Fernando
Negrão, ao que se seguirão as intervenções do Relator e de cada grupo parlamentar. Dispõe cada um de 5
minutos.
Tem, então, a palavra o Presidente da Comissão de Inquérito Parlamentar, Sr. Deputado Fernando Negrão,
para uma intervenção.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Cumprimos o mandato que nos
conferiu esta Câmara, cumprimo-lo integralmente e permitam-me alguma ousadia para dizer que cumprimo-lo
bem.
Foi determinante, para o trabalho da Comissão, todos quantos nela estiveram envolvidos, mas permita-me,
Sr.ª Presidente, destacar, em primeiro lugar, as Sr.as
Assessoras, funcionárias da Assembleia da República, e
o trabalho exemplar levado a cabo por todos os Srs. Deputados que constituíram esta Comissão. Por todos os
Srs. Deputados, que cumprimento e saúdo nas pessoas dos Srs. Deputados Carlos Abreu Amorim, Pedro
Nuno Santos, Cecília Meireles, Miguel Tiago, Mariana Mortágua e Pedro Saraiva.
Aplausos gerais.
Que sorte a minha ter trabalhado com VV. Ex.as
, não só os que citei, mas todos os que fizeram parte desta
Comissão.
O trabalho levado a cabo por esta Comissão foi claro na afirmação da separação de poderes. O
Parlamento não persegue, porque a única perseguição democraticamente aceite é a perseguição criminal, que
cabe, não ao Parlamento, mas ao Ministério Público e, mesmo assim, num conjunto de normas muito precisas
que constituem o Código do Processo Penal.
O Parlamento não julga, porque essa competência cabe, exclusivamente, aos tribunais, que gozam de
independência relativamente a todos os outros poderes.
Sem essa independência, não haveria poder judicial. Afirmámos e reafirmámos esta realidade, pois ao
Parlamento cabe e coube dar aos portugueses informação séria e clara sobre um dos acontecimentos mais
marcantes da história financeira do País. E fê-lo em tempo recorde, devendo salientar-se aqui o trabalho
rigoroso de dezenas de jornalistas que acompanharam, em permanência, os trabalhos da Comissão.
E ao Parlamento cabe, ainda, a iniciativa legislativa no sentido de criar mecanismos que reforcem a
fiscalização, a regulação e a supervisão financeira e bancária.
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Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: A prova de que fizemos bem foi o facto de muitos portugueses
terem acompanhados as sucessivas audições que foram feitas ao longo dos últimos seis meses, sendo que
parte deles interagiram connosco, através de cartas, de e-mails, onde faziam sugestões, criticavam, mas
também elogiavam. A partir de determinado momento, a leitura destas mensagens passou a fazer parte diária
do meu trabalho. O meu e o nosso sincero agradecimento a todos estes inestimáveis contributos.
Prova de que fizemos bem foi, também, o facto de podermos dizer que a lei que regula o funcionamento
das comissões parlamentares de inquérito é uma boa lei e temos hoje, e a nosso pedido, um parecer do
Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que esclarece o alcance de algumas das suas
normas mais sensíveis. Melhoramentos são sempre bem-vindos, mas o determinante é a vontade clara e
comum em ver esclarecida a verdade dos factos, uma vez que sem essa vontade não há lei que resista. E
julgo que isso ficou bem demonstrado.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Grato, Sr.ª Presidente, pelo apoio permanente que deu aos
trabalhos desta Comissão.
E termino dizendo somente: valeu a pena!
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente: — Muito obrigada também, Sr. Deputado Fernando Negrão, pelo trabalho que
desenvolveu na Comissão.
Dou a palavra ao Relator, Sr. Deputado Pedro Saraiva, para uma intervenção.
O Sr. Pedro Saraiva (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Volto a intervir, neste Plenário, com
o sentimento de ter cumprido, essencialmente e apenas, a minha obrigação, ao fazer aquilo que esta Casa da
democracia me solicitou: preparar um relatório, enquanto Deputado Relator. Primeiro responsável, portanto,
pelas 14 500 linhas de um documento que, como alguém escreveu, «apresenta factos, apura
responsabilidades e aponta caminhos».
Ele procura ser a fiel memória documental do trabalho desenvolvido ao longo de seis meses por esta
Comissão de Inquérito Parlamentar.
Cobre as diferentes camadas relevantes do problema, com uma análise que se procurou que fosse justa e
devidamente balanceada, incidindo sobre o Grupo Espírito Santo, mas que abarca igualmente auditores,
supervisores, Governo e a sociedade em geral, além de apresentar sugestões concretas para melhorar a
qualidade e confiança do sistema financeiro, repartidas por quatro eixos de intervenção.
Face ao tempo disponível, e sendo os seus conteúdos públicos, dispenso-me de aqui os enunciar em maior
detalhe. São fruto, sobretudo, de um esforço coletivo. Associo-me, por isso, às sábias palavras de
agradecimentos do nosso Presidente, limitando-me, neste contexto, a enfatizar, por um lado, a forma
competente, sensata, eficaz e inteligente como ele próprio conduziu todos os trabalhos e a sólida equipa que
com ele formei em diferentes momentos e, por outro lado, o espírito de entreajuda, assumido desde a primeira
hora entre todas e todos os Deputados, com especial realce para as francas interações que mantive junto dos
diversos Coordenadores.
Só graças a estes e a outros contributos foi possível chegar até um Relatório que procura não desmerecer
os trabalhos da Comissão.
Ao correr do teclado, foram múltiplos os segmentos de potenciais leitores em que pensei, mas um em
particular esteve sempre presente, correspondendo a todos aqueles que foram lesados pelo colapso do Grupo
Espírito Santo, incluindo os seus milhares de trabalhadores. Pessoas sem qualquer tipo de responsabilidades
no ocorrido, mas que se viram ou se veem ainda confrontados com situações especialmente delicadas do
ponto de vista pessoal e profissional.
Através de um intenso e genuíno diálogo, foi deste modo possível construir a versão final do Relatório,
congregadora de amplos consensos, refletidos na sua votação final global, com 13 votos a favor, 1 abstenção
e 2 votos contra, mas igualmente, na especialidade, onde: 245 das 416 páginas, incluindo a totalidade dos
factos apurados, foram aprovadas por unanimidade; e as 70 recomendações, que enunciam caminhos
definidores de uma agenda de transformação e melhoria do sistema financeiro, não tiveram qualquer voto
contra, o mesmo sucedendo com 565 das 592 conclusões apresentadas.
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Sr.a Presidente, Sr.
as e Srs. Deputados: Cada comissão parlamentar de inquérito é ela e as suas
circunstâncias. Torna-se, assim, por definição, singular e irrepetível. Qualquer comparação tem, portanto, de
ser feita com prudência e as respetivas aprendizagens extrapoladas com cautela.
Feitas estas ressalvas, da função de relator há um conjunto de ensinamentos a retirar desta experiência,
aqui referindo apenas três adicionais: um, determinadas contradições falam por si; dois, certos silêncios valem
por mil palavras; três, a paciência democrática compensa.
Esta Comissão de Inquérito deixa algumas gratas recordações. Ela ajudou a mostrar como é possível,
neste Parlamento, fazer política assente em profundidade, exigência e seriedade: uma política construtiva,
consistente, convergente, feita de entendimentos e evidências; uma política em que se pode divergir sem
agredir, relatar sem enviesar, convergir sem fingir;…
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Muito bem!
O Sr. Pedro Saraiva (PSD): — … uma política sem preconceitos, onde, por vezes, se faz aquilo que ainda
não foi feito.
Termino, Sr.ª Presidente, dizendo que, na minha leitura, foi este o enquadramento em que relator me fiz e
muito se fez: fez-se verdade; fez-se relatório; fez-se pedagogia; fez-se Parlamento; fez-se democracia.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente: — Muito obrigada, Sr. Deputado Pedro Saraiva. Agradeço o trabalho que fez e, do
mesmo passo, agradeço a todos os Deputados que intervieram na Comissão de Inquérito Parlamentar o
trabalho que fizeram.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago, pelo PCP.
O Sr. MiguelTiago (PCP): — Sr.a Presidente, Srs. Deputados: O trabalho desenvolvido pela Comissão de
Inquérito Parlamentar à Gestão do BES e do GES e os factos apurados nesse âmbito comprovam a justeza da
proposta do Partido Comunista Português para a sua constituição. Hoje, a Assembleia da República tem uma
informação mais detalhada e precisa sobre o funcionamento interno dos grandes grupos económicos e os
portugueses puderam observar a forma como são geridos os interesses privados e as consequências
negativas do domínio do capital monopolista para a economia, o sistema financeiro e o interesse nacional.
Os trabalhos expuseram os métodos de utilização do crédito em benefício próprio, praticados por
sucessivas administrações do Banco Espírito Santo. Ficou evidente que houve no BES uma gestão
imprudente e lesiva dos interesses dos depositantes e do Estado. Ficou evidente que Ricardo Salgado e todos
os membros do Conselho Superior do GES, bem como os vários administradores do Grupo, têm
responsabilidades nessa gestão. Mas a Comissão de Inquérito não pode ficar por aqui. É preciso ir mais longe.
Os trabalhos mostraram que desde há muito que os auditores externos funcionam como fator de
branqueamento de práticas marginais ou de má gestão da banca. Escondem a ausência de avaliação de risco
e avalizam relatórios falsos escudando-se no desconhecimento, agora que a verdade se sabe.
Os trabalhos apuraram que a inação dos reguladores e dos supervisores ultrapassou a simples
incompetência deste ou daquele Governador do Banco de Portugal ou deste ou daquele Presidente da CMVM.
Provou-se que o Banco de Portugal e a CMVM não intervieram, não fizeram uso dos mecanismos legais, por
estarem capturados pelo próprio sistema financeiro. O Banco de Portugal não atuou, não apenas por tibieza
mas, essencialmente, por incapacidade matricial, intrínseca à sua missão impossível. Foram expostas as
limitações da supervisão e é possível afirmar que o Banco de Portugal não fez tudo o que a lei lhe permitia
fazer, mas também resulta claro que não existem condições para que o Banco de Portugal possa usar os
mecanismos que a lei lhe atribui.
Assim, o papel do Banco de Portugal não foi o de garantir a confiança no BES, mas o de forjar a confiança
no BES, dizendo aos portugueses que o Banco era sólido e robusto, mesmo quando se sabia não ser verdade.
Os reguladores e supervisores são, afinal, a mentira que o neoliberalismo inventou para nos fazer acreditar
na banca privada.
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Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Quando, em 1990 e 1991, o Governo de Cavaco Silva entregou a
Tranquilidade e o BES à família Espírito Santo, com o apoio do então Presidente da República Mário Soares,
iniciou-se o processo de reconstituição do poder de um grupo monopolista que a Revolução de Abril havia
liquidado.
A Comissão mostrou que a privatização da PT, da Tranquilidade e do BES, a promiscuidade entre os
grupos económicos e a fusão entre capital industrial e capital bancário são causas profundas do que veio a
passar-se no BES e no GES, mas mostrou, igualmente, que tal só foi possível porque o Grupo manteve
íntimas relações com o poder político, desde a ditadura fascista até ao seu colapso. Das relações com o
Governo fascista ao pagamento das bolsas de Durão Barroso, passando pela relação com inúmeros ministros
do PS e do PSD e pela integração de muitos dirigentes desses partidos nos negócios do Grupo, tais ligações
estiveram sempre presentes.
As responsabilidades políticas começam com o aprofundamento da política de direita e prolongam-se
através dos sucessivos Governos que partilharam com o BES e o GES inúmeros quadros, que alimentaram o
Grupo com negócios, PPP (parcerias público-privadas), assessorias, consultadorias e privatizações.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. MiguelTiago (PCP): — Nenhum relatório pode ocultar essas responsabilidades políticas. O
Relatório, aprovado pelo PS, PSD e CDS e com a abstenção do BE, faz isso mesmo: faz crer que o colapso
do Grupo e do Banco resultam de uma crise de carácter e de uma falha moral de administradores sem
escrúpulos. Ou seja, sacrifica um banqueiro para salvar a imagem da banca privada.
O Relatório, apesar do trabalho do Relator e do seu esforço para atingir um consenso, não deixa de
branquear responsabilidades, diretas e indiretas, de sucessivos Governos, bem como deixa de fora as
responsabilidades dos que aplicam o processo de liberalização financeira, estabelecido na sequência da
Estratégia de Lisboa e que permite a generalização de práticas que originam e alimentam a chamada «banca-
sombra» por onde todos os procedimentos podem passar à margem da supervisão, com a devida chancela
das auditorias externas, ditas independentes.
Podemos afirmar que a propriedade pública da banca, por si só, não resolve os problemas graves que se
verificam, ainda hoje, no sistema financeiro português. Mas é absolutamente fundamental reconhecer e
concluir que só com a propriedade e o controlo públicos da banca poderemos começar a resolver esses
problemas, colocando a banca ao serviço do povo, da produção, da economia e do País.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!
O Sr. MiguelTiago (PCP): — O PCP tudo fez para apurar os factos, para expor aos olhos de todos a
leviandade com que a banca privada gere o dinheiro dos portugueses em benefício dos grandes acionistas e
com o apoio e complacência dos Governos e dos supervisores. O PCP propôs a constituição de uma unidade
técnica para apurar o destino dos fluxos financeiros que lesaram o Banco e o Estado, e essa proposta foi
rejeitada pelo PSD e pelo CDS.
O Sr. Bruno Dias (PCP): - Bem lembrado!
O Sr. MiguelTiago (PCP): — O PCP votou contra o Relatório, não pelo que o mesmo descreve, mas pelo
que cala ou ignora, apesar de ter integrado muitas propostas de alteração do PCP. Saudamos o trabalho
desenvolvido pelo Sr. Deputado Relator, apesar das discordâncias políticas. Consideramos que o Relatório foi
enriquecido pela sua capacidade de acolher a crítica e as propostas dos outros.
Aplausos de Deputados do PSD.
O melhor contributo que esta Comissão poderia dar para a democracia seria mostrar que não está refém
do sistema. Todavia, PS, PSD e CDS são, de facto, a face política do sistema, e outras conclusões não seriam
de esperar.
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Como sucedeu com o BPN, o BPP, o Banif e o BCP, PS, PSD e CDS prometeram sempre que não tornaria
a suceder um caso igual. A prova de que esta Comissão ainda não criou as condições para que isso seja
verdade é que, enquanto aqui falamos, José Maria Ricciardi, um dos grandes responsáveis pelos problemas
do BES, continua considerado idóneo para a gestão bancária.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. MiguelTiago (PCP): — O trabalho do PCP continuará após o encerramento desta Comissão, com
propostas que apontem como solução o controlo público da banca e não falsas soluções que o sistema
capitalista vai engendrando para se manter. A Comissão de Inquérito reforçou as conclusões que o PCP foi
tirando ao longo dos trabalhos: a de que a estabilidade do sistema financeiro é demasiado importante para
depender do bom ou do mau carácter dos banqueiros.
A Comissão de Inquérito, proposta pelo PCP, reforçou a necessidade de defender e concretizar o controlo
público da banca. Valeu a pena a proposta e o trabalho feito. Mas não pode ficar por aqui.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos, pelo PS.
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Queria, desde logo, fazer um
cumprimento muito especial ao Presidente da Comissão de Inquérito, Sr. Deputado Fernando Negrão, que foi
determinante para que a Comissão tivesse corrido bem, desde o início até ao fim.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP e do PCP.
E ao Sr. Deputado Relator, Pedro Saraiva, que conseguiu aquilo que já não era possível há muitos anos,
que era o voto favorável, pelo menos, do PSD, do CDS e do PS, nas conclusões de um relatório. Isso foi
grande responsabilidade do Deputado Relator.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.
O nosso sentido de voto é conhecido e as razões queria aqui reafirmá-las.
O Partido Socialista votou a favor, apenas — e não é de menos — porque o Relatório foi sério, estava bem
feito e era fiel à verdade. Acresce a isto o facto de o mesmo integrar grande parte, senão a quase totalidade,
das sugestões que o Partido Socialista fez. E ainda, talvez mais importante, pelo seguinte: no quadro de
cooperação entre todos os grupos parlamentares, em que conseguimos trabalhar ao longo da Comissão, era
importante dar força ao Relatório final, era importante que o voto favorável não ficasse reduzido aos partidos
da maioria. E foi por isso, por querermos dar essa força, que o Partido Socialista também se juntou no voto
favorável ao Relatório.
Não quero com isto dizer que diminui o sucesso da Comissão ou das conclusões um voto diferente do
Bloco ou do PCP. Clarificaram bem as razões de fundo que os levaram a não votar a favor, o que enriquece a
democracia, enriquece os trabalhos da Comissão de Inquérito, não prejudica.
Esta Comissão de Inquérito foi muito importante. Nós, hoje, percebemos melhor como é que se administra
um banco, como é que se administrava aquele, em particular, mas também nos dá ferramentas para melhor
avaliarmos como se administram outros bancos, em Portugal — e, já agora, não só em Portugal.
Permitiu-nos perceber como é que no BES se enganaram clientes, como é que se enganaram reguladores,
como é que se conseguiu camuflar o circuito e o destino do dinheiro. São ferramentas, hoje, muito
importantes, que o Parlamento e o País têm para avaliar problemas semelhantes.
Mas também não faríamos bem o nosso trabalho se não aproveitássemos esta oportunidade para avaliar,
analisar, escrutinar a ação das instituições públicas porque no final do dia é nelas que depositamos a nossa
confiança. Quem nos pode salvar do mau caráter de um líder de um banco ou da falta de ética de um
administrador são as instituições públicas.
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A pergunta que se faz aos Deputados não é onde é que estavam em 2013, quando começaram a ser
evidentes os problemas. A pergunta que tem de fazer-se aos Deputados é se, no quadro das suas
competências, fizeram bem o seu trabalho. A pergunta que tem de ser feita aos reguladores é se, no quadro
das suas competências, fizeram bem o seu trabalho.
E deem as voltas que quiserem dar os comentadores de fim de semana, o Banco de Portugal detetou
tarde, o Banco de Portugal desenhou uma estratégia que fracassou, o Banco de Portugal teve acesso a
informação relevante que não comunicou ao mercado, o Banco de Portugal decidiu negociar a sua estratégia
com Ricardo Salgado e com isso deu um sinal negativo aos outros bancos, aos outros administradores dos
bancos, dizendo que se podia não cumprir determinações do Banco de Portugal, que isso não significaria
qualquer suspensão.
Portanto, fazíamos mal se não tivéssemos analisado e escrutinado a ação dos reguladores. São esses que
nos podem salvar quando nós já não podemos confiar, quando nós já não temos confiança nos
administradores, com quem governa e lidera algumas instituições bancárias em Portugal.
Por isso os Deputados fizeram a sua parte do seu trabalho, e fizeram-na bem.
Mas também não era correto, neste momento — aliás, o Relatório é claro sobre isso —, deixarmos de fora
outras instituições. Falamos dos governos, de nenhum em particular ou com uma determinada cor partidária,
mas a verdade é que os governos têm responsabilidades e competências atribuídas por lei.
É importante que fique claro para o futuro que qualquer governo em Portugal, seja ele de que cor partidária
for, tem de assumir e cumprir as competências que lhe estão atribuídas por lei e em nenhum momento, em
matéria de estabilidade financeira, se podem esconder atrás dos reguladores ou da independência destes. Há
competências atribuída por lei aos governos e eles têm de assumir uma atitude mais ativa na garantia da
estabilidade do sistema financeiro. É sua responsabilidade e bater-nos-emos para que os governos assumam
e cumpram as responsabilidades atribuídas por lei.
Agora é a nossa vez, é a vez de o Parlamento olhar para si, olhar para a legislação que está produzida e
percebermos se há alterações que se justificam fazer.
É que se é verdade que houve coisas que foram feitas, que a lei permitia e que, se calhar, não devia
permitir, houve muita coisa que foi feita que a lei não permitia que fosse feita e que nós esperamos que a
justiça atue com mais rapidez do que aquela que tem revelado.
A Sr.ª Hortense Martins (PS): — Muito bem!
O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): — Há coisas que as instituições públicas podiam ter feito e não fizeram,
apesar de a lei permitir que façam.
Agora é mesmo a vez do Parlamento. Sobre essa matéria e sobre a estabilidade do sistema financeiro, o
Parlamento ganhou um espaço que não deve desocupar e, em relação às alterações que fizermos, temos de
repensar o papel do Parlamento na garantia da estabilidade financeira.
Hoje, em Portugal, qualquer líder de um banco sabe que tem um Parlamento preparado, qualificado para
acompanhar o sistema financeiro e o Parlamento deve assumi-lo.
A esperança do PS, o desejo do PS o de que todos os agentes no sistema financeiro saibam que há hoje,
em Portugal, um Parlamento atento.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, pelo Bloco
de Esquerda.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados. Quero começar por
cumprimentar também todas as Sr.as
Deputadas e todos os Srs. Deputados desta Comissão, assim como o Sr.
Presidente e o Sr. Deputado relator, pelo trabalho realizado.
Dito isto, queria pedir-vos que me acompanhassem num pequeno exercício.
Imaginem que hoje não é dia 8 de maio de 2015, mas dia 8 de maio de 2022. Aqui estaríamos, como hoje,
a discutir o relatório do colapso de um qualquer grande banco nacional, na mesma semana em que o Primeiro-
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Ministro tinha acabado de apresentar Ricardo Salgado ou Zeinal Bava como um exemplo a seguir pela sua
exigência, método e mundividência.
Hoje, parecerá um exemplo descabido, bem sei, mas há sete anos, logo após o colapso do BPN, também
nos diriam que seria impossível um Primeiro-Ministro elogiar Dias Loureiro nos mesmos termos. As palavras
de Passos Coelho são a prova provada de que o tempo tudo apaga se não forem tomadas medidas e o pior
que poderia acontecer, Srs. Deputados, depois desta Comissão, era ficar tudo na mesma.
Esta Comissão de Inquérito tinha, no nosso entender, três propósitos: tornar transparente aos olhos dos
cidadãos a ascensão e o colapso do maior grupo nacional; avaliar o funcionamento das instituições que
permitiram, por ação ou omissão, essa mesma queda; e garantir que o conhecimento que hoje temos seja
aproveitado para alterar de forma consequente as regras e o funcionamento do sistema financeiro.
Comecemos pelo primeiro ponto. Hoje é quase impossível encontrar uma pessoa que nunca tenha ouvido
falar no GES ou do papel comercial. Nunca foi exposta de uma forma tão crua a forma como funciona e se
movimenta a elite económica e financeira neste País.
O império Espírito Santo, elogiado anos a fio pela sua visão empresarial, era, afinal, um «gigante com pés
de barro». A organização familiar escondia a mediocridade da gestão, assim como a complexidade da sua
estrutura mascarava negócios fracassados e adiava a eminente falência.
A complexidade e opacidade das estruturas financeiras tornou-se um fim em si mesmo. Esquemas de
financiamento cruzado, engenharia fiscal, dinheiros obscuros, políticas de crédito descontroladas, fuga aos
supervisores… Este modelo de negócio — que é, na verdade, o modo financeiro dos nossos dias — não
prosperou sozinho; alimentou-se da promiscuidade com o setor político e empresarial.
O BES não é o GES, diziam-nos. Mas o BES era acionista da PT, que emprestou 900 milhões ao GES. O
BES não era o GES, mas o BES vendeu aos seus clientes 1800 milhões de dívida do GES. O BES não era o
GES, mas era ao BES que o braço angolano do GES devia dinheiro.
O BES era o GES porque a lei nunca impediu uma confusão que o Banco de Portugal não soube ou não
quis desfazer.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — O Banco de Portugal, em novembro de 2013, toma conhecimento de
irregularidades nas contas do Grupo Espírito Santo. Esse era o momento em que Carlos Costa deveria ter
afastado Ricardo Salgado do BES. Mas não o fez. Em vez disso, entreteve-se, durante longos meses, num
falso «braço de ferro». Com esta benevolência, o supervisor criou as condições para sucessivas violações da
blindagem do Grupo. O BES nunca deixou de ser o GES.
Enquanto isso, tardou a comunicar o que sabia à CMVM. A passividade do Banco de Portugal permitiu que
circulasse, durante meses, papel comercial de um grupo que o regulador sabia quase falido.
Aquando da resolução bancária, o Banco de Portugal voltou a falhar, ao dizer aos clientes que a provisão
associada a estes títulos tinha transitado do BES para o Novo Banco.
Como se não bastasse, o País assistiu incrédulo ao momento em que um comentador televisivo,
especialista, aliás, em fugas de informação do Conselho de Ministros, anuncia em primeira mão a resolução
bancária, solenemente confirmada 24 horas depois pelo Governador Carlos Costa.
Em todo este processo, o Governo escolheu o Banco de Portugal como escudo e como arma a repetida
garantia de que desta vez não seríamos chamados a pagar os erros de um grupo privado.
É difícil acreditar que o Governo nunca tenha tomado conhecimento ou participado na intervenção do BES.
Mas, se o que diz é factual, então o alheamento e desinteresse face ao destino do maior grupo português é
verdadeiramente irresponsável.
De uma forma ou de outra, vamos pagar. Seja pela quota da Caixa Geral de Depósitos no Fundo de
Resolução, pelos complexos ativos por impostos diferidos, pelo risco de litigância ou pela hipótese de a banca
privada não assumir o potencial prejuízo com a venda do Novo Banco. Pagaremos, como, aliás, pagámos
sempre.
Nos últimos sete anos, vamos em seis escândalos financeiros, resolvidos sempre com intervenção direta
ou indireta de dinheiros públicos. A realidade tem-nos mostrado, da forma mais dura, que a banca é
demasiado importante para ser deixada nas mãos dos banqueiros.
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Srs. Deputados, chegados aqui, há duas formas de olhar para o que tem acontecido na banca: acharmos,
como vários partidos aqui presentes, que é tudo uma questão de ética e boas práticas, que nada disto teria
acontecido se Ricardo Salgado não fosse Ricardo Salgado, se Oliveira Costa não fosse Oliveira Costa, se
João Rendeiro não fosse João Rendeiro. Desculpem, mas não alinhamos no coro da negação, que se recusa
a encarar o problema como ele existe e que se tornou evidente ao longo desta Comissão de Inquérito: um
sistema bancário alavancado, endividado e que apenas sobrevive com esporádicas reanimações estatais, um
sistema bancário opaco, impossível de escrutinar, impossível de controlar.
Por estas razões, Srs. Deputados, não basta apelar à ética ou dar mais poderes aos supervisores. Por
estas razões, é necessário limitar a ação da banca, apertar a malha da regulação — e nesse sentido o Bloco
já apresentou propostas —, mas também, e além disso, é preciso redirecionar esta ação para as funções
estratégicas que a banca deve ter e garantir o seu efetivo controlo público e democrático. Torná-la, em suma,
um instrumento ao serviço da economia e da sociedade.
Mas, para que este objetivo possa ser cumprido, para que a banca possa, de facto, cumprir o seu
propósito, Sr.as
e Srs. Deputados, não basta dizer que não a um qualquer Salgado caído em desgraça, é
preciso mesmo perder o medo de todos os «donos disto tudo»!
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, pelo CDS-PP.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Há muitas razões que
justificam o voto a favor do CDS neste Relatório.
A primeira delas é a de que este é, de facto, um Relatório de factos e não de convicções, de opiniões ou de
possibilidades.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — A verdade é que, quando analisamos factos, analisamos alternativas
e o Relatório é bem expresso e claro a analisar esta decisão como uma alternativa perante outras concretas.
Certamente que muitas críticas se ouviram à decisão de resolução, mas não ouvi ninguém dizer que
houvesse alguma decisão possível que salvaguardasse mais o contribuinte.
Desta vez — é bom que se diga —, ao contrário do que aconteceu no BPN, a conta não foi para o
contribuinte…
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … e o Relatório deixa-o bastante expresso na análise de alternativas.
Aliás, não é por acaso que, mesmo entre aqueles que criticaram a decisão, muito poucos foram capazes de
dizer que preferiam uma alternativa concreta e, no fim da Comissão, a verdade é que já discutíamos mais
subalternativas do que a nacionalização ou a capitalização pública ou privada.
O Relatório deixa também expresso que, dos factos que foi possível apurar, há duas questões importantes
para as quais não conseguimos saber cabalmente a resposta.
A primeira tem a ver com a pergunta que foi feita desde o primeiro dia da Comissão, que é a de saber para
onde é que foi o dinheiro do BES para o BESA. Hoje em dia, sabemos muito mais sobre isso, mas a verdade é
que ainda não temos certezas.
A segunda questão tem a ver com o papel da troica e também não conseguimos perceber se, na análise da
sustentabilidade do sistema financeiro, que era um dos pilares do programa português, a troica conseguiu
perceber o que se passava no BES e porquê.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Em segundo lugar, este é um Relatório que não se exime de atribuir
responsabilidades e de dar graus e degraus a essa responsabilidade. Deixa claro que os primeiros
responsáveis por aquilo que se passou no Grupo Espírito Santo são precisamente a sua Administração e
ficarão certamente para a memória do Parlamento os episódios absolutamente constrangedores que vivemos
de administradores que não só afirmavam desconhecer todas as decisões de gestão do seu grupo como
afirmaram até, num caso, desconhecer o objeto social da empresa que administravam.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Em relação aos auditores, a visão é muito crítica e, certamente, ficará
também para a história o episódio caricato de o presidente de uma auditora dizer que desconhecia o que se
passava noutra auditora de outro país de que ele próprio também era presidente.
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Bem lembrado!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Deste ponto de vista, o Relatório não se exime até de fazer
recomendações muito concretas em relação a esta atividade.
Em terceiro lugar, as responsabilidades da supervisão também não passaram ao lado do Relatório, muito
pelo contrário.
Na questão da articulação entre supervisores — o Banco de Portugal é muito falado, mas o CDS não
esquece também os outros dois supervisores, a CMVM e o Instituto de Seguros de Portugal —, fica bem
patente que a articulação, que é uma obrigação legal, para a qual existe um órgão legalmente constituído,
pura e simplesmente não aconteceu.
Aquilo que se passa em novembro e dezembro de 2013 é que temos um supervisor, a CMVM, a fazer uma
ação de fiscalização presencial em relação ao papel comercial da ESI que estava a ser vendido e que conclui,
aliás, que nada de irregular se passava, quando hoje em dia sabemos que se passava alguma coisa de muito
irregular, e, ao mesmo tempo, temos um outro supervisor, o Banco de Portugal, a saber que as contas desta
empresa não correspondem à verdade e a planear proibir essa mesma comercialização de papel comercial.
Nunca saberemos, se estes supervisores tivessem falado, como manda a lei, se o que se passou
posteriormente com a comercialização de papel comercial poderia ou não ter sido evitado.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Mas a simples hipótese de a dúvida existir é suficiente para concluir
que a articulação não funcionou.
Também noutras matérias o relatório aponta casos e fatores importantes, como, por exemplo, o tempo que
se perdeu na substituição da administração do Banco Espírito Santo.
Percebo a dúvida entre discutir um caso na praça pública e pôr em causa a credibilidade do Banco e,
nesse sentido, adotar uma estratégia de persuasão moral ou, pelo contrário, tomar uma decisão para a qual a
lei dá poderes ao Banco de Portugal. No entanto, convém que se diga que tivemos aqui os dois erros e as
duas desvantagens juntas. Tivemos o tempo perdido da estratégia de persuasão moral e tivemos também
semanas de discussão na praça pública, que muito fizeram para descredibilizar o Banco e a confiança no
Banco.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Em terceiro lugar, este é um relatório que tira verdadeiras conclusões
e faz concretas recomendações. Não cai em soluções simplistas para problemas concretos, não cai na
tentação de tudo querer proibir, resolvendo um problema e criando outro muitíssimo pior, mas, sim, faz
recomendações concretas em relação a duas questões fundamentais.
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Primeiro, estabelece medidas mais rigorosas para sucursais e filiais. Aliás, como já aconteceu no BPN e
agora aconteceu com o BES Angola, percebe-se que a existência de sucursais tem de passar a ter regras
muito mais severas do que as que tem, sobretudo no que toca às transferências para lá.
Segundo, em relação aos auditores, a escolha dos auditores por uma entidade independente — o relatório
propõe o Banco de Portugal — é uma medida que o CDS já tinha proposto no relatório da comissão de
inquérito ao BPN e, portanto, não deixa de ser com felicidade que a vemos novamente proposta.
Em último lugar, queria agradecer a todos os Srs. Deputados, muito particularmente ao Presidente da
Comissão e ao relator, pelo enorme esforço e pela forma como a mesma decorreu. Creio que muitas vezes a
forma não corresponde à substância, mas, desta vez, a forma correspondeu e ajudou a que a substância
corresse da melhor forma, como creio que todos reconhecerão. E não deixa de ser admirável o esforço de
consenso feito pelo relator, aliás, acompanhado por todos os grupos parlamentares.
Compreendemos que votos diferentes correspondem a uma visão ideológica diferente, que defende a
inexistência de banca privada e a absoluta estatização de toda a banca. É, naturalmente, uma visão que o
CDS, o PSD e o PS não podem acompanhar.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. João Oliveira (PCP): — O CDS já fala pelo PS!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — É fazer um esforço de consenso!
A Sr.ª Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Poucas vezes existiu neste
Parlamento, designadamente nestes anos tão difíceis que passámos, um trabalho parlamentar que recolhesse
unanimidade no seu diagnóstico.
Esta Comissão de Inquérito Parlamentar correu bem. Foi um trabalho intenso mas profícuo. Foram seis
meses em que todos — mas todos! — os Deputados e todos os grupos parlamentares fizeram o melhor que
puderam. Tiveram uma linha de rumo comum: apurar os factos relevantes e romper com a lengalenga
populista que diz que as comissões de inquérito não têm utilidade, não desdenhando qualquer oportunidade,
por ínfima que seja, para apoucar o trabalho parlamentar e o próprio âmago da democracia.
A principal conclusão para que isto tenha sido como foi não está no relatório, que foi admirável e foi
aprovado na Comissão de Inquérito; a principal conclusão que queria extrair, para que isto tenha acontecido, é
que, de facto as pessoas são importantes.
Muitos Deputados desta Comissão de Inquérito estavam em condições de ser presidentes desta Comissão,
mas penso que todos temos hoje a firme convicção de que se o Presidente fosse outro que não o Sr.
Deputado Fernando Negrão, provavelmente, as coisas não teriam corrido como correram.
Aplausos gerais.
Podemos dizer o mesmo, Sr.ª Presidente, em relação ao relator Pedro Saraiva, que fez um relatório,
sublinho, admirável e que estabeleceu um patamar a partir do qual — já o disse e repito — as comissões de
inquérito e os seus relatórios nunca mais serão os mesmos.
Aplausos do PSD, do CDS-PP, do Deputado do PS Pedro Nuno Santos e da Deputada do BE Mariana
Mortágua.
Permita-me também, Sr.ª Presidente, nesta hora, saudar todos os Deputados do PSD, em especial, os
seus assessores e os funcionários que colaboraram para que o trabalho do Grupo Parlamentar do PSD
ajudasse ao êxito desta Comissão de Inquérito.
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Cumprimento, uma vez mais, todos os Deputados, na pessoa dos seus coordenadores. Permitam-me, pois,
uma nota simultaneamente política e pessoal para saudar a elevação e o sentido de Estado que o Sr.
Deputado Pedro Nuno Santos manifestou nesta Comissão.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e da Deputada do BE Mariana Mortágua.
As pessoas são importantes, Sr.ª Presidente, porque o papel do Governador do Banco de Portugal é
dificílimo e tantas vezes incompreendido. Uns consideram que o Governador do Banco de Portugal atuou
tarde e outros consideram que não atuou como devia ter atuado, mas uma coisa é certa e os factos falam por
si: a solução encontrada pelo Sr. Governador Carlos Costa teve a capacidade de proteger o sistema financeiro
e o interesse nacional, num momento em que poucos julgavam que isso seria possível, o que também tem de
ser sublinhado nesta hora.
As pessoas são importantes porque houve um momento em que todos conseguimos perceber, nesta
Comissão de Inquérito, que, se existisse outro Primeiro-Ministro, outra Ministra das Finanças e outro Governo,
que vacilasse, que fraquejasse e que cedesse às exigências daquele a quem chamavam «o dono disto tudo»,
muito provavelmente a fatura que os contribuintes portugueses teriam de pagar seria muitíssimo mais elevada.
É preciso dizer que as pessoas são importantes porque sem este Primeiro-Ministro, sem esta Ministra das
Finanças e sem este Governo, sólido nas suas convicções e que teve a coragem de dizer que não quando
todos os outros teriam dito que sim, estaríamos, provavelmente, numa situação muito pior do que aquela em
que nos encontramos neste momento.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A outra grande conclusão que se pode extrair, neste momento pós-relatório, é a de que os portugueses
podem estar certos e seguros de que este Parlamento, este sistema político, estes Deputados, e
particularmente os grupos parlamentares que formam a coligação que governa e que continuará a governar
Portugal — estou certo! —, se quiserem e se souberem encontrar os caminhos da responsabilidade, saberão
estar à altura dos seus desafios, mesmo dos mais difíceis. Conseguimo-lo nesta Comissão de Inquérito e
vamos consegui-lo, certamente, no futuro.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — O Sr. Deputado Miguel Tiago pretende fazer uma interpelação à Mesa.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, por lapso, o PCP não referiu, na sua intervenção, o papel
determinante do Sr. Presidente da Comissão. Não queríamos que isso fosse entendido como qualquer espécie
de desvalorização, antes pelo contrário: as próprias conclusões que o PCP foi capaz de tirar nesta Comissão
muito se devem ao trabalho do Sr. Presidente, que saudamos.
Aplausos gerais.
A Sr.ª Presidente: — Reitero também os meus agradecimentos, no fim deste debate, ao Presidente da
Comissão, ao relator e a todos os Deputados que fizeram parte da Comissão.
Agora, vamos passar ao terceiro ponto da ordem do dia, que consiste no debate, na generalidade, do
projeto de lei n.º 807/XII (4.ª) — Alarga às entidades que prosseguem atividades culturais a possibilidade de
consignação de uma quota do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (PS).
Srs. Deputados, há algum ruído na Sala, pelo que vamos aguardar apenas um compasso de tempo para
passarmos, de seguida, à discussão do ponto já enunciado. Peço, pois, aos Srs. Deputados o favor de
tomarem os vossos lugares.
Pausa.
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Para abrir o debate e apresentar o projeto de lei do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Gabriela Canavilhas.
A Sr.ª Gabriela Canavilhas (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O projeto de lei que o Partido
Socialista traz a debate e a votação é muito simples. É muito simples e, no entanto, tem grande significado.
Trata-se de alargar a Lei n.º 16/2001, que consagra a possibilidade de uma quota de 0,5% do IRS de cada
cidadão. Cada cidadão pode consagrar essa quota a uma instituição religiosa, a uma instituição de
beneficência, de âmbito humanitário ou de assistência e o nosso objetivo visa alargar também a instituições
culturais, evidentemente, de caráter de claro serviço público e de caráter sem fins lucrativos — associativas,
cooperativas e, naturalmente, particulares —, ampliando, assim, de uma maneira bastante significativa, o
leque e a possibilidade de financiamento de um vasto setor cultural espalhado pelo País, que, de outra forma,
está afastado de outras fontes de financiamento.
Para além do reforço de financiamento, o que nos interessa também é um reforço da ação de cidadania,
que é algo muito interessante e inovador. Nesse sentido, o Partido Socialista está muito empenhado na
questão de cimentar os laços que ligam o contribuinte à coisa pública e a possibilidade de o cidadão
contribuinte poder determinar e escolher qual é o destino de parte do seu IRS, o que é algo bastante
importante e que vem reforçar e promover uma pro-atividade, digamos assim, do contribuinte relativamente ao
destino dos seus impostos.
De facto, isto é uma cidadania proativa, um reforço do envolvimento do contribuinte e do cidadão na coisa
pública e uma ligação afetiva e efetiva do contribuinte relativamente ao destino dos seus impostos.
Do nosso ponto de vista, são razões muito importantes para que esta alteração legal possa vir a ter o voto
favorável deste Plenário, porque, para além de tudo mais, do lado de alteração de um posicionamento
relativamente ao contribuinte e à coisa pública, tem, com é evidente, algo que nos é muito caro, que é o
reforço do financiamento do tecido associativo do nosso País.
Não esqueçamos que isto pode permitir que a pequena banda filarmónica de um determinado concelho, o
teatro local, o museu privado e local, o grupo de dança, o grupo folclórico, enfim, uma plêiade enorme de
associações culturais, por via desta consignação de IRS, possam ser financiadas por determinação direta do
contribuinte de cada região.
Parece-me que é, de facto, algo muito simples e que fará a diferença.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Guilherme Silva.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo PSD/CDS tem seguido uma política
de secundarização da cultura, desde logo pelo facto de ter substituído o Ministério da Cultura por uma
secretaria de Estado e por ter progressivamente reduzido, em sede de orçamento do Estado, as verbas
atribuídas à cultura. Esta é uma política que teve consequências dramáticas para a cultura e para os seus
profissionais.
A desresponsabilização do Estado no apoio à cultura, a inexistência de planeamento da política cultural em
Portugal e o progressivo desinvestimento é consistente com o entendimento que a política de direita tem da
cultura como mera mercadoria, adereço da sociedade e privilégio das elites, para além de ser um instrumento
de domínio ideológico.
Sabemos que para o PSD e o CDS a solução para o problema do subfinanciamento crónico da cultura não
passa pelo Estado assumir as suas responsabilidades consagradas na Constituição da República Portuguesa
mas, sim, pelo mecenato cultural ou pela municipalização da cultura.
E para o PS, como se resolve o problema do subfinanciamento crónico da cultura? Perante o projeto de lei
hoje em discussão, temos de perguntar ao PS se considera que este problema se resolve com a possibilidade
de os contribuintes consignarem a entidades e instituições culturais uma ínfima parte do seu IRS.
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Diz o PS, no preâmbulo do seu projeto de lei, que a possibilidade de consignação do IRS constituiria um
importante reforço orçamental para entidades e instituições do setor da cultura. Isto não é simplesmente
verdade!
De acordo com os dados disponibilizados pela Autoridade Tributária, de 2011 a 2014 foram consignados às
IPSS, em média, por ano, menos de 9 milhões de euros. Admitindo que às entidades do setor da cultura seria
consignada uma verba semelhante — e esta é uma hipótese muito audaciosa —, isso representaria menos de
um vigésimo daquilo que é transferido anualmente do Orçamento do Estado para a cultura, que por sua vez é
uma pequena parte daquilo que seria necessário afetar à cultura. Ou seja, a proposta do PS, a ser
implementada, traduzir-se-ia num aumento insignificante das verbas atribuídas às políticas culturais. É uma
proposta que, apesar de não ser um retrocesso, não representa qualquer rutura com a atual política de
desinvestimento na cultura.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A política cultural que o PCP propõe aos portugueses consiste no efetivo
exercício dos direitos culturais, na criação de condições para o desenvolvimento integral da pessoa humana e
dos valores culturais da sociedade. E isso exige que o Estado assuma integralmente as responsabilidades que
lhe estão atribuídas na Constituição da República. Exige o reforço significativo das verbas atribuídas à cultura
no Orçamento do Estado, aumentando-as progressivamente, tal como o PCP tem defendido e os movimentos
em defesa da cultura reclamado, até atingirem o valor de 1% do PIB.
É isto que defendemos, aumentar o Orçamento do Estado para a cultura até 1% do PIB e exigir que o
Estado assuma a sua responsabilidade nesta área.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura
Soeiro.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Em Portugal, os contribuintes
podem dar 5% dos seus impostos para instituições religiosas, para IPSS, para organizações de beneficência.
Se o mecanismo existe, porque é que não poderiam fazê-lo para as instituições culturais? Não vemos
nenhuma razão para impedi-lo.
Dito isto, também devemos olhar para a realidade e tirar algumas lições: os estudos feitos nos Estados
Unidos, por exemplo, mostram que a consignação de verbas por cidadãos privados funciona para grandes
organizações e projetos, mas, regra geral, não funciona para fomentar novos projetos.
A organização não governamental Labor Force salienta que o financiamento por doações fiscais individuais
é quase sempre uma iniciativa pontual, limitada e que não permite estruturar projetos plurianuais. Se há um
caso em que o mecenato financia uma rede de serviços públicos na cultura é quando o dinheiro privado é
dado a uma entidade do Estado que administra a sua redistribuição por concurso público, como acontece no
Brasil.
Além disso, o mecanismo de consignação que é proposto e que pretende «responsabilizar individualmente
cada cidadão pelas suas opções com impacto nas políticas culturais», não merecendo oposição, não resolve o
problema do setor. Neste momento, a cultura vale 0,1% do PIB, do ponto de vista do investimento, e em
termos do Orçamento do Estado 0,2%, quando o valor de referência seria, obviamente, pelo menos 1%.
Portanto, seria até preocupante que esta solução fosse entendida como uma solução para financiar as
iniciativas e as instituições culturais, porque essa responsabilização individual não permite a estruturação de
uma política pública, não permite compensar as reduções drásticas no Orçamento e no investimento do
Estado e das autarquias e não permite garantir uma rede de instituições e agentes culturais capazes de fazer
uma política cultural de serviço público.
O Partido Socialista propõe hoje, aqui, no Parlamento esta medida relativamente à cultura e também
propõe no seu programa eleitoral que os antigos alunos possam doar 5% às instituições de ensino superior
onde estudaram. À porta das eleições legislativas, a pergunta que fica é o que é que isto significa do ponto de
vista do compromisso do Partido Socialista em termos da verba do Orçamento do Estado para estes setores.
Isto sabendo que a cultura, como a educação, são setores estruturantes do serviço público, cujo financiamento
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não pode depender da responsabilidade individual ou de algum jeitinho, mas depende da responsabilidade
coletiva e do compromisso político.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria
Conceição Pereira.
A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Estamos perante um
projeto de lei apresentado pelo Partido Socialista que visa alargar a consignação pelos contribuintes de 0,5%
do seu IRS a entidades que prossigam fins culturais.
Numa primeira leitura, e depois de ouvirmos até a intervenção da Sr.ª Deputada Gabriela Canavilhas, este
princípio até parece interessante e não havia razões para objeções, mas, tal como se refere na exposição de
motivos, o projeto de lei em apreço tem por base, como referiu, a Lei nº 16/2001, de 22 de junho, que aprovou
a Lei da Liberdade Religiosa e que consagra essa consignação a instituições de beneficência, assistência ou
humanitárias ou de solidariedade social, consignação essa, como já aqui foi referido, que atinge verbas
simpáticas, que no ano 2014 atingiu cerca de 12,7 milhões de euros, distribuídos por mais de 2000 instituições
particulares de solidariedade social.
É bom que, neste momento, saudemos também a solidariedade das famílias portuguesas, que, mesmo
num momento difícil das suas vidas, contribuíram com a sua participação para as instituições de solidariedade
social.
Voltando ao assunto em debate, a Lei n.º 16/2001, que serve de base à proposta do Partido Socialista, diz
especificamente que são pessoas coletivas de utilidade pública, reconhecidas pelo Ministro da pasta. Claro
que estamos também a falar de entidades que desenvolvem a sua atividade a favor da comunidade e sem fins
lucrativos, atividade essa bem definida e bem determinada.
Sr.as
e Srs. Deputados, o Partido Socialista, neste projeto de lei, não define com exatidão o conceito nem
quais são as entidades beneficiárias da consignação do IRS. Diz: «As pessoas coletivas, públicas ou privadas,
que desenvolvam atividades de natureza e interesse cultural». A que entidades se estão exatamente a referir?
Aliás, a Sr.ª Deputada referiu aqui várias entidades. Será que outras entidades prosseguem maioritariamente
outros fins que não exclusivamente culturais também poderão vir a ser beneficiadas? Fica-nos esta
interrogação. Parece-nos muito vaga esta abrangência e, para além disso, bastaria a certificação de pessoa
coletiva e não a observância das regras exigidas na Lei n.º 16/2001.
Sr.as
e Srs. Deputados, o PSD, contrariamente ao que tem aqui sido repetido até à exaustão — mas não é
por isso que se torna uma verdade —, tem tido uma preocupação grande em aumentar as fontes de
financiamento para a cultura. Lembro a Lei do Cinema, lembro a lei da cópia privada, que está hoje, aqui, em
discussão, e espero que a Sr.ª Deputada Gabriela Canavilhas aprove a lei que hoje vai a votação, pois ela irá
compensar os autores e criadores dos valores que há anos têm perdido por ausência de legislação. Portanto,
espero que seja uma nota.
Também me surpreende que, sendo um ato simples, não tenha sido tomado durante o seu tempo, porque a
lei é de 2001 e, portanto, é uma alteração que poderia ter acontecido.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Termino já, Sr. Presidente.
Refiro também as alterações que tivemos oportunidade de introduzir na Lei do Orçamento do Estado no
que se refere ao mecenato cultural no âmbito do IRS e do IRC, desburocratizando, autonomizando as
entidades e criando melhores condições.
Sr.as
e Srs. Deputados, o PSD, neste momento, não pode acompanhar favoravelmente este projeto de lei,
pois parece-nos pouco claro e não exequível, por não sabemos exatamente quais as entidades
verdadeiramente beneficiárias desta consignação.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Michael
Seufert.
O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, a proposta que hoje aqui
apreciamos é aparentemente uma proposta sensata, eu diria que faz sentido, mas não acompanho as ideias
do Partido Socialista sobre o que é cidadania. Julgo que ato de cidadania é ter mais rendimento disponível,
pagar menos impostos e fazer com o rendimento o que se quiser; entregar dinheiro ao Estado para ser o
Estado a redistribuir, perdendo na máquina fiscal, e chamar a isso cidadania, não me parece. Percebo que
isso nos divida, é da vida e é das coisas fundamentais que dividirá sempre o CDS dos partidos mais
socialistas.
Em relação a esta questão concreta, a Sr.ª Deputada Gabriela Canavilhas referiu tratar-se de uma questão
simples, e eu diria, possivelmente, demasiado simples. Isto porque a questão da consignação do IRS é uma
questão técnica e juridicamente muito complexa.
No quadro atual, as entidades que beneficiam dessa consignação são necessariamente entidades coletivas
de utilidade pública, reconhecidas para o efeito de acordo com a legislação em vigor e, por exemplo, sempre e
em coerência com isso, isentas de IRC.
Além disso, o Estatuto das Pessoas Coletivas de Utilidade Pública torna obrigatório que a consignação de
IRS não vise a distribuição de receitas que são do Estado para fins diferentes àqueles que o Estado
prossegue. Isso é um princípio fundamental do ordenamento jurídico tributário e da legislação comunitária.
Portanto, têm de ser fins de interesse geral, da comunidade nacional, da região ou da circunscrição, têm de
cooperar com a administração central ou a administração local, nos termos da lei, e, por isso, merecem o
estatuto e a declaração de utilidade pública.
Assim, Srs. Deputados, as entidades que hoje beneficiam de consignação de IRS são entidades que nunca
podem ter fins lucrativos. Ainda que a Sr.ª Deputada tenha referido isso na sua intervenção, não o colocou no
projeto de lei e tem de colocar, porque é matéria reservada e exclusiva da Assembleia da República definir as
competências da consignação e não pode ser o Governo depois, por via de portaria ou, sequer, por via de
decreto-lei, a densificar os conceitos desta lei. Obrigatoriamente, como sabe, até por imperativo constitucional,
é o Parlamento a fazer isso. Portanto, refere-se a entidades exclusivamente dedicadas à atividade sem fins
lucrativos e que não podem ter atividades económicas em concorrência com outras entidades que não possam
beneficiar desse mesmo estatuto da consignação.
A Sr.ª Deputada não colocou isto na proposta; se tivesse encontrado uma forma de o colocar, julgo que nos
podíamos aproximar, mas digo-lhe que não consigo encontrar uma forma de fazer isso sem esvaziar a lei de
conteúdo e sem reduzir a zero o número de entidades que dela beneficiaria.
É que, por exemplo, é preciso garantir também que estas entidades, pelos seus estatutos, não prosseguem
nunca os benefícios de interesses privados dos seus associados ou dos seus fundadores, como é o caso,
legitimamente, em muitas destas entidades.
Portanto, sem densificar aquilo que o projeto de lei não diz em lado nenhum, ou seja, o que são pessoas
coletivas públicas ou privadas que desenvolvam atividades de natureza e interesse cultural, sem explicar que
essas entidades têm de ter de interesse público, portanto, têm de ser pessoas coletivas de utilidade pública,
resta-nos concluir que podíamos estar aqui a violar as regras comunitárias do auxílio do Estado, na medida em
que estas entidades estão colocadas num setor em concreto,…
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar.
O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — … não esquecendo as exigências que o Governo e a lei já fazem às
IPSS que beneficiam da consignação de IRS.
Percebo o interesse que isto poderia ter, acho que seria interessante se conseguíssemos encontrar uma
forma, mas uma lei assim colocaria em claro pé de desigualdade estas novas entidades, dadas as exigências
que se fazem às entidades que atualmente beneficiam de consignação de IRS, e estas que se pretendem
incluir, incorrendo, portanto, esta lei, também por aí, num vício de inconstitucionalidade.
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Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Gabriela Canavilhas.
A Sr.ª Gabriela Canavilhas (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito rapidamente, passando
algumas das questões que foram colocadas, quanto às preocupações levantadas pelo PCP e pelo Bloco de
Esquerda também, que são muito legítimas, devo dizer que, de facto, esta alteração não resolve a questão de
fundo. Aliás, ao longo desta Legislatura, várias vezes alertámos e pusemos o enfoque no problema do
subfinanciamento cultural. Assim, este projeto de lei não resolve o problema mas ajuda e todas as ajudas são
importantes.
Além disso, como referi, a pequena ajuda é uma ajuda que, além do seu lado financeiro, tem o lado da
determinação, da orientação direta do contribuinte para a coisa que quer apoiar, que é algo de muito
importante, porque relaciona diretamente o contribuinte com o objeto do seu financiamento, sendo ainda mais
um meio de financiamento que, se formos ver o que é dito pelas instituições de apoio social que têm sido
objeto deste tipo de financiamento, tem constituído uma fonte muitíssimo importante para o financiamento
anual.
Quanto aos números, 12,7 milhões foi o valor de 2014, mas fontes da Autoridade Tributária apontam para
que, se todos os contribuintes portugueses consignassem 0,5% dos seus impostos a esta medida, poderia
encontrar-se o montante de 42 milhões. Portanto, ainda há aqui uma margem bastante alargada para se
motivarem os cidadãos na sua intenção de determinar o destino do seu IRS.
Não há, de facto, nenhuma razão para não vermos nesta possibilidade de alteração um motivo de reforço
de financiamento das instituições culturais e de reforço da ação de cidadania dos contribuintes.
Relativamente à posição da direita, apenas me ocorre dizer que, enfim, gostei de ouvir a leitura simpática
que aqui foi feita, ou seja, o reconhecimento do benefício desta alteração legal é inequívoco para ambas as
bancadas, pelo que só não o aprovam porque não querem, já que, na verdade, os impedimentos que aqui
trazem são perfeitamente resolvíveis em sede de especialidade. Se é pela definição da expressão «sem fins
lucrativos», a especialidade serve para isso mesmo…
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Gabriela Canavilhas (PS): — Desculpe, Sr. Presidente, mas terá de me dar só mais uns segundos,
para poder terminar.
Portanto, como estava a dizer, não há nenhuma razão para que não aprovem, até porque a especialidade
serve para isso mesmo.
Uma coisa é certa: o Partido Socialista, no dia 1 de janeiro de 2016, terá esta lei em vigor, de uma forma ou
de outra, porque vamos implementá-la. Portanto, a questão é a de saber se os senhores se querem ou não
associar a ela. E, neste momento,…
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Gabriela Canavilhas (PS): — … é importante que os eleitores saibam de que lado é que os
senhores estão, do lado da cultura ou contra a cultura.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições, pelo que dá
por terminado o debate, na generalidade, do projeto de lei n.º 807/XII (4.ª).
Vamos, agora, passar ao debate, na generalidade, do projeto de lei n.º 889/XII (4.ª) — Procede à segunda
alteração à Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho, que aprova a Lei
Antidopagem no Desporto, adotando na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial
Antidopagem (PSD e CDS-PP).
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O Sr. Laurentino Dias (PS): — Sr. Presidente, peço desculpa, permite-me o uso da palavra?
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de instar V. Ex.ª e o
Plenário a adiar a discussão deste diploma. Vou tentar ser sintético nas razões de tal pedido.
Este projeto de lei, subscrito pela maioria, foi anunciado no Plenário na quarta-feira, ou seja, há menos de
48 horas.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não, não foi!
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Não diga asneiras, Sr. Deputado.
O projeto de lei foi anunciado pelo Sr. Secretário da Mesa, na quarta-feira, às 15 horas, ou seja, há menos
de 48 horas. Portanto, não diga asneiras.
Não foi publicado em Diário, entrou na Mesa, pelo que dizem os registos da Assembleia, no dia 30 de abril,
não foi à comissão, nem sequer para conhecimento, e trata-se de um diploma de grande importância, cuja
substância é delicada e cuja matéria exige trabalho, cuidado e atenção das Sr.as
Deputadas e dos Srs.
Deputados, enfim, de todos nós.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Por isso, Sr. Presidente, parece-me pouco avisado que este diploma, que é
sobre doping, e não trata de doping parlamentar mas, sim, de doping no desporto, não seja adiado.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, percebi as suas razões, mas estamos perante a
seguinte situação: há um consenso, adquirido, designadamente, na Conferência de Líderes, de que, desde
que o diploma entre até à sexta-feira da semana anterior, é possível agendá-lo para as sessões plenárias da
semana seguinte. Foi o que aconteceu com este diploma.
Por outro lado, como sabe, a alteração dos agendamentos feitos pela Conferência de Líderes, portanto, a
alteração da ordem do dia, exige a unanimidade dos vários grupos parlamentares, que não vejo minimamente
desenhada em termos de poder corresponder à sua pretensão.
Portanto, fica o registo da interpelação do Sr. Deputado Laurentino Dias, mas vamos prosseguir com o
debate, na generalidade, do referido projeto de lei.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Sr. Presidente, se me permitir, gostaria de replicar.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Como, Sr. Deputado?
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Se me for permitido, gostaria de replicar a argumentação do Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Desculpe, Sr. Deputado, mas essa figura não existe no Regimento
da Assembleia da República.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Então, queria solicitar…
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — O Sr. Deputado já fez a sua interpelação, a Mesa já tomou a sua
posição…
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O Sr. Laurentino Dias (PS): — Sei, Sr. Presidente, mas, então, queria fazer uma solicitação.
Dá-me a palavra para uma nova interpelação, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Isso já são interpelações a mais, Sr. Deputado.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Não, Sr. Presidente, é apenas a segunda.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem a palavra, Sr. Deputado, e peço-lhe que seja o mais sintético
possível.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Serei muito sintético, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, este diploma, que, pelos vistos, irá ser discutido, deve ser discutido juntamente com um
outro, que é uma proposta de lei do Governo sobre esta matéria, a qual foi aprovada, em Conselho de
Ministros, no mês passado e ainda não chegou a esta Assembleia.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado…
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Leio e entrego ao Sr. Presidente um comunicado do Conselho de Ministros,
de dia 9 de abril, onde se diz que o Governo aprovou uma proposta de lei relativa à antidopagem, exatamente
o que consta deste projeto de lei.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado…
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Peço desculpa, Sr. Presidente, mas penso que este Conselho de Ministros
e este comunicado não mentem, portanto, há uma outra proposta e sucede que esta proposta de lei,
provavelmente, é muito mais importante do que o projeto dos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP.
Porquê? Porque o Governo já aqui disse…
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, já percebemos a razão adicional que o Sr. Deputado
acrescentou à sua argumentação. Estamos informados, a Câmara está informada, pelo que agradeço.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Sr. Presidente, peço perdão, o Governo já aqui disse, no Plenário e em
comissão, que…
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, vamos prolongar este incidente sem necessidade.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Sr. Presidente, vou entregar-lhe o comunicado do Conselho de Ministros,
para o Sr. Presidente fazer o favor de, por via dos serviços parlamentares, perguntar à Sr.ª Secretária de
Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade o que é feito deste diploma, ou seja, se o que está neste
comunicado é verdade ou é mentira. Julgo que isto é uma obrigação minha, enquanto Deputado, antes de
iniciar este debate. É que nós temos informação…
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Deve ser verdade, Sr. Deputado. Se está no comunicado do
Conselho de Ministros deve ser verdade, mas, como não está na Assembleia, não foi presente à Conferência
de Líderes, não se fez o agendamento por conexão, porque não se pode conexionar uma coisa que, do ponto
de vista parlamentar, não existe.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Sr. Presidente, nós temos a informação que nos foi dada, na bancada do
Governo, pelo próprio Governo.
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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, desculpe, não podemos prolongar mais esta questão.
Já lhe dei duas oportunidades, pelo que vamos iniciar o debate.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Muito bem, Sr. Presidente, ficámos a entender como é que isto funciona,…
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, eu não queria ser desagradável…
O Sr. Laurentino Dias (PS): — … em matéria de doping para diplomas parlamentares.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Não gostaria de prolongar este incidente, porque estamos a
prejudicar o normal andamento dos trabalhos, mas faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Também não é essa a minha intenção, Sr. Presidente, mas, uma vez
que o Sr. Deputado Laurentino Dias insistiu duas vezes na interpelação à Mesa, diria até que esgotou,
praticamente, o tempo de intervenção no debate que deveríamos ter a seguir, com grelha própria —
provavelmente, porque terá pouca coisa a dizer sobre a iniciativa em causa —,…
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Olhe que não!
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — … quero deixar manifestamente claro, até porque somos autores e
proponentes do projeto de lei, e dado o esclarecimento da Mesa, que a iniciativa que hoje será discutida
cumpre todos os requisitos legais e regimentais para ser aqui discutida. E acrescento mais: foi dado a
conhecer, na Conferência de Líderes, há quase mais de um mês, que esta iniciativa vinha hoje a debate.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Não é verdade!
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Portanto, se o Sr. Deputado Laurentino Dias andava distraído ou não
foi avisado, a responsabilidade nunca poderá ser assacada à bancada da maioria.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para apresentar o projeto de lei n.º 889/XII (4.ª), tem a palavra o Sr.
Deputado Paulo Cavaleiro.
O Sr. Paulo Cavaleiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Agora, sim, vamos discutir a
iniciativa que os Grupos Parlamentares do PSD e CDS trazem aqui a debate.
Trata-se de um projeto de lei que procede à segunda alteração à Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, alterada
pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho. É, sem dúvida, um passo fundamental para a obtenção da conformidade
do regime jurídico da luta contra a dopagem no nosso País, com os princípios definidos no novo Código
Mundial Antidopagem. Esta é uma matéria em que, independentemente da discussão que agora aqui
travámos, todos temos obrigação de estar unidos e, assim, temos de dar o maior contributo na luta pela
verdade desportiva.
Penso que é consensual a necessidade de uma luta permanente contra o doping. Este é um combate
fundamental, que devemos assumir como comum, de forma consciente e construtiva, um combate que visa
assegurar a prática desportiva enquanto instrumento eficaz na educação e formação do ser humano, um
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combate que assegure a defesa da saúde dos desportistas, a defesa da ética e da verdade desportiva, um
caminho para o qual todos temos obrigação de contribuir.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Portugal tem um longo historial nesta matéria da luta contra a
dopagem e desde muito cedo que o nosso País tomou consciência da enorme importância deste assunto.
Já em 1977, as autoridades portuguesas, preocupadas com este problema, tomaram uma iniciativa.
Depois, em 2009, a Lei n.º 27/2009, de 19 de junho, deu origem à ADoP (Autoridade Antidopagem de
Portugal), organização nacional antidopagem.
Em 2012, foi publicada uma lei que adotou, na ordem jurídica portuguesa, as regras estabelecidas no
Código Mundial Antidopagem.
Hoje, torna-se imperioso proceder à atualização de algumas medidas, dada a importância da harmonização
das legislações nacionais de vários países com o Código Mundial Antidopagem, numa luta que tem de ser
global, como sabemos, para combater um dos maiores flagelos do desporto. Só se existir este esforço
concertado dos países nesta forma de combater a dopagem — nomeadamente através da harmonização das
legislações — seremos bem sucedidos.
Torna-se necessário assegurar a conformidade da legislação nacional com a entrada em vigor, no início de
2015, de uma nova versão do Código Mundial Antidopagem e das normas internacionais, de aplicação
obrigatória, que lhe estão associadas.
Este projeto de lei resulta de um vasto trabalho, de grande complexidade, mas é importante na luta contra a
dopagem e apresenta soluções inovadoras e harmonizadas com o referido Código.
Não podemos pactuar com o falseamento de resultados, porque é nosso dever assegurar todos os direitos,
liberdades e garantias dos praticantes desportivos. E, portanto, se assim é, importa proceder à atualização das
definições, mas também à inclusão de novos conceitos, os quais, com este projeto de lei, passam a estar
presentes. Refiro, por exemplo, o conceito de «passaporte biológico do praticante desportivo», como meio de
recolha de dados suscetível de demonstrar o uso de uma substância proibida ou de um método proibido.
Neste novo regime também se prevê que a Autoridade Antidopagem possa aceder, recolher, conservar e
proceder à transferência, transmissão ou comunicação de dados, através da ferramenta informática
internacional ADAMS (Anti-Doping Administration & Management System).
São também introduzidas alterações significativas em matéria de prova da dopagem e do regime
sancionatório.
Creio que este projeto de lei introduz soluções positivas e, em sede de especialidade, estamos todos
convocados para dar o nosso contributo. Existem grupos parlamentares que até já desenvolveram este
trabalho e demonstraram a sua atenção por este tema.
Nesse sentido, ficamos todos mais tranquilos, sabendo que estamos a fazer tudo para que a verdade
desportiva possa continuar a vencer aqueles que fazem batota.
Estou certo de que, na especialidade, todos poderemos dar o nosso contributo para que este projeto possa
ser melhorado e, desta forma, todos possamos estar de consciência tranquila, no sentido de que estamos a
fazer o melhor possível para combater o doping em Portugal.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para apresentar o projeto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Artur
Rêgo.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: A Lei Antidopagem é da maior
relevância para o desporto nacional, aliás, é um trabalho que foi iniciado pelos Governos anteriores, inclusive
pelo Sr. Deputado Laurentino Dias, à data, Secretário de Estado.
Sabida esta relevância, o Sr. Deputado Laurentino Dias fez aqui a sua intervenção prévia, sob a forma de
interpelação à Mesa, dizendo precisamente isso, ou seja, que é da maior relevância e da maior premência.
Acho extraordinário que o Sr. Deputado o diga e, ao mesmo tempo, peça o adiamento sine die do debate
deste diploma. Só posso tomar isto, Sr. Deputado Laurentino Dias, como uma pequena rábula animada para
dar um bocado de cor ao debate no Plenário, não o posso tomar como uma intervenção séria.
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É sabido que, no início deste ano, entrou em vigor o novo Código Mundial Antidopagem e, como tal, havia
necessidade de Portugal adaptar o seu regime jurídico de combate à dopagem às novas normas estabelecidas
naquele Código. É isso que o projeto que os partidos da maioria agora apresentam, e que resulta de um
trabalho de parceria com o Governo, se propõe fazer, ou seja, adotar os princípios e disposições estruturantes
do Código Mundial Antidopagem 2015 e, como tal, manter Portugal na vanguarda do combate à dopagem.
Que alterações são essas? Por um lado, o novo regime atualiza as definições, de modo a adaptá-las às
constantes do novo Código Mundial Antidopagem. Consagra-se, assim, pela primeira vez, definições como as
de «administração», «auxílio considerável», «controlo direcionado», «culpa», «fora de competição»,
«passaporte biológico do praticante desportivo», «praticante desportivo de nível nacional» e «produto
contaminado». E ainda, em conformidade com o Código Mundial de Antidopagem, o novo regime introduz o
conceito de «passaporte biológico do praticante desportivo», da maior relevância, como meio de recolha de
dados, suscetível de demonstrar o uso de uma substância proibida ou de um método proibido.
A Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) passa a poder aceder, recolher, conservar e proceder à
transferência, transmissão ou comunicação de dados através da ferramenta informática internacional ADAMS
(Anti-Doping Administration and Management System), sempre, claro, em pleno respeito pelos limites
constitucionalmente consagrados.
Em matéria de prova da dopagem e do regime sancionatório, também se fazem alterações. Prevê-se que o
prazo de prescrição do procedimento contraordenacional e disciplinar passe de 8 para 10 anos; são criados
dois novos tipos de violação de normas antidopagem, que passam a figurar no catálogo do ilícito disciplinar e
também no do ilícito de mera ordenação social. Assim, e no âmbito do ilícito disciplinar, prevê-se também que,
em caso de primeira infração, a pena de suspensão da atividade física desportiva aplicável ao praticante
desportivo seja de 2 anos, no caso de negligência, e de 4 anos, no caso de dolo. E altera-se igualmente o
regime das segundas infrações, eliminando-se a tabela anexa à Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto.
Terminarei esta intervenção dizendo que é extremamente relevante que Portugal atualize as suas normas
antidopagem, se mantenha ao nível e a par do melhor que está previsto mundialmente e que, assim, dêmos
continuidade e conclusão àquele combate que o próprio Sr. Deputado Laurentino Dias, quando era membro do
Governo, como Secretário de Estado, iniciou.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino
Dias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Em novembro de 2013, a
Conferência Mundial sobre Dopagem, que se realizou em Joanesburgo, na África do Sul, aprovou alterações
ao Código Mundial Antidopagem. Nela esteve Portugal, que, juntamente com os demais países, outorgou
essas alterações.
Portugal, aí, assumiu o compromisso de, no ano de 2014, atualizar a sua legislação, porque o Código
entrava em vigor a 1 de janeiro de 2015. Mas Portugal distraiu-se e só em meados de 2015 é que lhe deu a
pressa de vir atualizar esse Código. Mais vale tarde do que nunca!
Vozes do CDS-PP: — Claro!
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Mas, ao longo deste tempo, fomos instando o Governo para fazer o que
devia.
Se o Sr. Presidente me permite — e permite-mo, obviamente —, direi agora o que há pouco quis dizer, que
é o seguinte: na última vez em que instámos o Governo a falar sobre isto, o Governo, quando perguntado
sobre onde estava a atualização do novo Código, respondeu-nos — está nas atas — que «O Governo fez o
trabalho de casa. Em novembro, enviámos à Agência Mundial Antidopagem a nossa proposta de legislação.
Estamos em fase de afinação e temos mesmo, cá, uma delegação da Agência Mundial. Dentro de dias, estará
pronta a nossa proposta para enviar ao Parlamento».
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Foi por isto, por estas e por outras, que ficámos muito espantados quando percebemos, apesar de
insistirmos na pergunta aos serviços sobre onde estava a proposta de lei, que o que apareceu não foi uma
proposta de lei — e é o Governo quem tem de responder quanto a isto, em primeira mão — mas um projeto de
lei de ambos os grupos parlamentares da maioria.
Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: É muito estranho e esperamos que o Sr. Presidente solicite ao
Governo o envio da sua proposta de lei, porque o Governo é o primeiro responsável sobre estas matérias,
como, aliás, aqui foi dito, para que essa proposta de lei seja também debatida e integrada na discussão de
especialidade.
Na discussão de especialidade vamos ter algumas coisas para apreciar, com certeza em ambiente de
convergência, porque esta matéria merece convergência. Esta matéria merece cuidado, ponderação,
tranquilidade e convergência.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Claro!
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Por exemplo, o funcionamento do CNAD (Conselho Nacional
Antidopagem), o regime sancionatório, a delegação de competências nas federações, o regime sancionatório
no que respeita ao dolo, à culpa, à negligência, a revogação do controlo de reabilitação, são matérias,
algumas só, que merecerão, em especialidade, cuidado de todos nós. Mas isso significa que esse cuidado
toca a todos e, para que esse cuidado tenha resultado, para que daqui resulte uma boa lei, é preciso que
todos nós falemos verdade sobre esta matéria…
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Sr. Presidente, a terminar, direi que gostaria, um dia destes, de saber por
que é que a proposta de lei sobre esta matéria se travestiu em projeto de lei.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Gostaria, sinceramente, e não descansarei enquanto o não souber.
Confesso que vou examinar, ponto a ponto, este diploma para ver por que é que isto aconteceu.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — O importante é termos uma boa lei, Sr. Deputado.
Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Termino, Sr. Presidente, mas permita-me dizer que uma boa lei, como um
bom resultado, não se faz com doping, e este projeto de lei está carregado de doping. Se fosse ao controlo,
acusava positivo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana
Ferreira.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Anteriormente, aquando da discussão
sobre esta mesma matéria, o PCP apresentou algumas reservas relativamente à proposta que adaptava a
nossa legislação às regras definidas no Código Mundial Antidopagem. Hoje, essas reservas são maiores,
devido às propostas de alteração em discussão, nomeadamente no que respeita ao passaporte biológico e ao
sistema de localização do praticante desportivo, cujos pressupostos podem sacrificar a privacidade, direitos,
liberdades e garantias dos desportistas.
No sentido desta mesma observação, não podemos deixar de manifestar reservas quanto às alterações
propostas nos artigos 38.º e 42.º, assim como o aditamento do artigo 42.º-A. Os limites impostos para acesso
aos dados pessoais dos desportistas parecem-nos manifestamente insuficientes, considerando a escala
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internacional de disponibilização destes mesmos dados, e a obrigação de se sujeitar a sua utilização aos
princípios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Parece-nos que este conjunto de alterações parte de um princípio de
suspeição inicial sobre os desportistas, e acrescem ainda as propostas de reforço de medidas punitivas que
temos dúvidas que sejam a melhor solução.
Aliás, algumas há que nos parecem exageradas, nomeadamente quando se altera o artigo 70.º, que
afirmava «quem tenha sido objeto da aplicação de uma sanção de suspensão não pode, durante o período de
vigência da mesma, participar, em que qualidade for, numa competição ou evento desportivo» e, agora,
acrescenta-se: «ou em qualquer atividade realizada sobre a égide de um signatário do Código Mundial
Antidopagem, de qualquer dos seus associados ou por clubes ou associações desportivas, tanto a nível
nacional como internacional.»
Em última análise, tal pode significar a proibição da participação deste desportista, mesmo que fora de
qualquer competição, numa iniciativa organizada, por exemplo, por uma associação desportiva local ou por um
clube de bairro.
O agravamento das medidas punitivas, sem se tratar da prevenção ou de devido acompanhamento, mais
não será do que estigmatização do desportista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O doping no desporto merece a nossa preocupação e rejeição, sendo
necessária a implementação de medidas que o combatam.
Simultaneamente, não podemos deixar de afirmar que esta realidade não está desligada da necessidade,
constantemente fomentada, de atingir determinados patamares e resultados na alta competição, não raras
vezes impostos por interesses e dinâmicas económicas e que, por vezes, movimentam colossais somas
financeiras, o que entra em total contradição com aqueles que devem ser os verdadeiros valores e objetivos
da prática desportiva. E é esta necessidade, constantemente fomentada, que também pode promover a
utilização de todo um conjunto de substâncias ilícitas, que, além de adulterarem resultados desportivos, são
muitas vezes prejudiciais à saúde destes atletas.
A intervenção nesta matéria tem de ir além de leis, sendo necessário definir uma política educativa e de
prevenção, que estimule uma prática saudável da atividade física e desportiva, valorizando o papel do
desporto, encarando-o como um direito e um importante fator de promoção da inclusão social, cultural, de
bem-estar e de saúde. E esta é uma base indispensável para a promoção de políticas de alta competição.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: É necessário atualizar a lei
antidopagem em função de jurisdição internacional e, até, de alguns dados que a prática desportiva veio trazer
como emergentes na legislação.
Isso é uma necessidade sentida pelo legislador, sentida pelo fenómeno desportivo; outra coisa é o
resultado que estamos aqui, hoje, a analisar, sob a responsabilidade das bancadas da maioria.
Nada temos a opor ao alargamento das normas antidopagem, nada temos a opor em relação ao
alargamento do prazo de prescrição, para efeito contraordenacional, nada temos a opor a um conjunto de
soluções técnicas que foram encontradas.
Então, onde é que residem as nossas reservas? As nossas reservas residem na proteção de dados em
relação ao passaporte biológico do praticante e como é que isso se assegura, porque o projeto é totalmente
omisso nessa área. Creio mesmo que o ponto delicado deste projeto de lei, do ponto de vista constitucional, é
saber como é que se assegura a proteção de dados do passaporte biológico do praticante.
Mas temos outras dificuldades e elas radicam na técnica jurídica. Por exemplo, no artigo 2.º, quanto aos
conceitos de «administração», «substâncias ilícitas» ou «métodos proibidos», diz-se que pode atender-se à
boa fé do pessoal médico, o que já é de si bastante vago e indeterminado, não tem qualquer outra
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correspondência mais minuciosa sobre a aferição dessa boa fé. Mas, pior ainda, se não se aceitar a boa fé do
pessoal médico, poderá ser «outra justificação aceitável», que é uma coisa vaga e indeterminada,
discricionária, depois, na aplicação da lei, por parte da Autoridade Antidopagem.
Se formos ver as definições de culpa, de inexistência de culpa ou negligência, de inexistência de culpa ou
negligência significativa, continuaremos a encontrar conceitos vagos e indeterminados, que dão à Autoridade
Antidopagem um campo completamente discricionário na aplicação da lei. Ora, isso não pode acontecer.
Portanto, o meu apelo é no sentido de que não só se encontre uma blindagem constitucional que respeite a
proteção de dados para o passaporte biológico dos praticantes, mas que haja também uma outra redação, na
especialidade, que encontre formas inequívocas, claras e concretas acerca daquilo que é direcionado do ponto
de vista legislativo.
Srs. Deputados: em relação à administração de substâncias e métodos proibidos, temos um período de 12
linhas, ainda por cima, cheio de comas e de ressalvas, que dá origem a leituras diversas e, até, contraditórias,
da vontade do legislador. Isso não pode acontecer.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Srs. Deputados, chegámos ao fim…
O Sr. Paulo Cavaleiro (PSD): — Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para que efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Paulo Cavaleiro (PSD): — Para uma intervenção, ainda no âmbito deste debate.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Vou dar-lhe a palavra, pedindo a todos os Srs. Deputados que
façam as inscrições para pedidos de palavra mais atempadamente.
Tem a palavra, Sr. Deputado Paulo Cavaleiro.
O Sr. Paulo Cavaleiro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, antes de terminarmos esta discussão,
queria dizer que, para nós, o importante é tratarmos do assunto e tenho alguma dificuldade em perceber
algumas pessoas que dizem que estamos atrasados mas, depois, queriam adiar o processo…
Protestos da Deputada do PS Hortense Martins.
Portanto, para todos dormirmos descansados, quanto mais depressa andarmos, melhor será.
Sr. Deputado Laurentino Dias, bem nos lembramos do que aconteceu em 2011, ou seja, do atraso que este
processo teve e íamos correndo o risco de perder o laboratório. Sabemos tudo isso, sabemos como é que este
assunto foi tratado, no passado,…
O Sr. Jorge Fão (PS): — Oh!…
O Sr. Paulo Cavaleiro (PSD): — … e também sabemos como é difícil coordenar todos estes processos
com uma agência internacional.
Mas estamos, mais uma vez e sempre, disponíveis; a nossa postura é a de resolvermos os problemas e
fazermos um bom projeto.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Paulo Cavaleiro (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo que estamos disponíveis e
agradecemos o contributo positivo que já aqui foi dado, neste debate, por vários grupos parlamentares para,
na especialidade, encontrarmos a melhor solução e fazermos o melhor combate possível ao doping.
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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A final e no encerramento deste debate,
gostaria de me congratular com a quase unanimidade,…
O Sr. Laurentino Dias (PS): — Olhe que não!…
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — … ou com a unanimidade mesmo, que houve e que foi transversal a todos
os grupos parlamentares quanto a duas questões essenciais: a necessidade de combater o doping e a
necessidade, incorporada neste projeto de lei, de atualizar as normas desse combate e de conformar o direito
interno às normas da Agência Mundial de Antidopagem.
Portanto, não posso deixar de me congratular, independentemente de uma trica ou outra e da intervenção
do Sr. Deputado Laurentino Dias. Recordaria, também, um processo que tivemos em 2011 e em que
estivemos prestes a perder a nossa creditação internacional na luta antidoping, pois, por causa de um atraso
do anterior Governo e do seu Secretário de Estado, estivemos quase a ultrapassar os prazos.
Quero dizer, para terminar, que haverá agora um debate exaustivo, na especialidade, em que todos os
contributos serão bem-vindos. Será um debate em que poderemos, nós que ainda iremos integrar o grupo de
trabalho e que somos todos pessoas ligadas ao desporto e com uma especial sensibilidade para esta área,
com bom senso, sentados à volta da mesa, discutir, debater, eliminar as dúvidas que o Sr. Deputado Luís
Fazenda levantou, esclarecer as questões que o Sr. Deputado Laurentino Dias levantou e tentar tornar mais
seguro…
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Irei concluir, Sr. Presidente.
Penso que estão reunidas as condições para atingirmos aquele que é o objetivo primordial que todos
perseguimos, que é o combate ao doping no desporto, para podermos chegar a um documento final que seja
um documento do consenso e do agrado de todos.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Não havendo mais inscrições para intervenções, nem tempos
disponíveis, terminamos a discussão do último ponto da ordem do dia de hoje.
Srs. Deputados, vamos, então, passar às votações regimentais.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o sistema eletrónico.
Pausa.
Entretanto, reassumiu a presidência a Presidente, Maria da Assunção Esteves.
A Sr.ª Presidente: — Peço aos serviços o favor de fazerem surgir no quadro eletrónico o número de
presenças.
O quadro eletrónico regista 204 presenças, às quais se acrescentam 7, dos Srs. Deputados José Moura
Soeiro, do Bloco de Esquerda, Jorge Lacão e Sónia Fertuzinhos, do PS, Carla Rodrigues, Francisca Almeida,
Paulo Cavaleiro e eu própria, do PSD, e Artur Rêgo, do CDS-PP, perfazendo 212 Deputados, pelo que temos
quórum para proceder às votações.
Srs. Deputados, começamos com o voto n.º 278/XII (4.ª) — De pesar pelo falecimento do jornalista Óscar
Mascarenhas (PS, BE, PCP e Os Verdes), que vai ser lido pela Sr.ª Secretária, Deputada Luísa Salgueiro.
A Sr.ª Secretária (Luísa Salgueiro): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
«Faleceu, no passado dia 6 de maio, aos 65 anos, Óscar José Mascarenhas.
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Nascido a 9 de dezembro de 1949, em Goa, Óscar Mascarenhas veio para Portugal em 1957, onde
prosseguiu os seus estudos, primeiro no Externato Frei Luís de Sousa, em Almada, e depois no Liceu Gil
Vicente, em Lisboa.
É no Gil Vicente que conhece Carlos Cáceres Monteiro, Luís Almeida Martins e João Vaz, com quem
haveria de trabalhar a partir de 1975, no diário A Capital, hesitando, em entrevista, entre o ter sido ele a
escolher o jornalismo ou de ter sido o jornalismo a escolhê-lo.
Até interromper o curso de Direito, para se alistar como voluntário na Força Aérea Portuguesa, frequentou
a Faculdade de Direito de Lisboa, chegando a candidatar-se à Associação de Estudantes.
Militante do Movimento de Esquerda Socialista, Óscar Mascarenhas manteve intensa colaboração no seu
jornal, O Poder Popular, integrando, a partir de 1976, a redação do Página Um.
Em 1982, troca A Capital pelo Diário de Notícias, jornal onde fez grande parte da sua carreira, trabalhando
até 2002 como repórter e redator principal, o que lhe permitiu acompanhar momentos históricos como os
Jogos Olímpicos de Los Angeles (1984), as primeiras eleições livres na República Democrática Alemã (1990),
a Guerra do Golfo (1990-91) ou o início e o fim do julgamento de Xanana Gusmão, em Timor-Leste (1993). No
mesmo periódico, assume, entre 2012 e 2014, as funções de Provedor do Leitor.
Em 2003, passa a integrar os quadros da Lusa — Agência de Notícias de Portugal, S.A. —, como assessor
da Administração, ficando, entre outras funções, com o pelouro do relacionamento com as agências noticiosas
e organismos internacionais com que a Lusa tinha cooperação.
Em setembro de 2005, passa para a redação daquela agência, como editor, integrando, em 2007, o turno
da madrugada, função que desempenhou até passar à situação de pré-reforma, em 2009.
Durante largos anos, manteve ainda colaborações com o Jornal do Fundão.
Regressando ao ensino superior, tira o curso de Pós-Graduação em Jornalismo, promovido pelo ISCTE e
pela Escola Superior de Comunicação Social (de que foi Professor de Ética e Deontologia do Jornalismo),
seguindo-se o Mestrado em Ciências da Comunicação.
Foi distinguido com os Prémios Reportagem (1985) e Viagem (1986), pelo Clube Português de Imprensa.
Sindicalizado «desde o primeiro dia até morrer», foi, durante várias décadas, dirigente do Sindicato dos
Jornalistas, tendo presidido ao Conselho Deontológico durante oito anos e ocupando, até ao seu
desaparecimento, o cargo de vogal do mesmo órgão. Integrou, igualmente, a Comissão da Carteira
Profissional dos Jornalistas.
Óscar Mascarenhas considerava o exercício de voto e a militância partidária absolutamente compatíveis
com o exercício da profissão, afirmando que «um jornalista não é um cidadão castrado», embora recusando
liminarmente a acumulação de certas atividades profissionais capazes de comprometer «a sua independência
e a imagem dessa mesma independência».
Nos últimos dias da sua intensa vida, dedica-se, com Adelino Gomes, Alexandre Manuel e Luís Paixão
Martins, à eleição dos imortais (de Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós, passando por Manuel António
Pina e Carlos Pinto Coelho) a integrar o futuro panteão dos jornalistas, criado no âmbito do Museu das
Notícias, a ser inaugurado em Sintra, em 2016.
Recordar Óscar Mascarenhas é recordar um homem livre e quem, com elevada consciência dos
imperativos éticos, se bateu contra o êxito da superficialidade e da mediocridade.
A Assembleia da República, reunida em sessão plenária, manifesta o seu pesar pela morte de Óscar
Mascarenhas e envia sentidas condolências à sua família».
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 278/XII (4.ª), que acabou de
ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, peço a todos que guardemos 1 minuto de silêncio.
A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.
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Srs. Deputados, vamos prosseguir com o voto n.º 277/XII (4.ª) — De congratulação pelo 70.º aniversário da
vitória sobre o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial (PCP), que vai ser lido pelo Sr. Secretário, Deputado
Jorge Machado.
O Sr. Secretário (Jorge Machado): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
«O dia 9 de maio de 1945 marca a derrota do nazi-fascismo e o fim da Segunda Guerra Mundial na
Europa. Pouco tempo depois, com a derrota do Japão, terminava a mais sangrenta e destrutiva guerra que a
Humanidade jamais viveu.
Simbolizando a derrota do nazi-fascismo, o dia 9 de maio passou à História como o Dia da Vitória. Para
trás ficaram a barbárie da opressão e dos planos de domínio mundial do nazi-fascismo, mais de 60 milhões de
mortos, o massacre de populações inteiras, o horror dos campos de concentração e de trabalho escravo, uma
imensa devastação causada pela guerra.
A vitória sobre o nazi-fascismo foi alcançada pela resistência dos comunistas e outros democratas e
antifascistas, pela conjugação de esforços dos Aliados — a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os
Estados Unidos da América e a Grã-Bretanha —, tendo a União Soviética, que sofreu mais de 20 milhões de
mortes, dado o maior e mais decisivo contributo para essa vitória.
O povo português festejou nas ruas a derrota do nazismo, em contraste com a cumplicidade da ditadura de
Salazar para com o fascismo e o nazismo que, pela morte de Hitler, decretou luto nacional.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, têm lugar no mundo importantes avanços no sentido da
emancipação social e nacional, do progresso social e da libertação dos povos secularmente submetidos ao
domínio colonial.
Setenta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, a situação mundial é caracterizada por uma grande
instabilidade e insegurança, em consequência da crescente ingerência e situações de guerra, com perigo do
desencadeamento de um conflito de grandes proporções com consequências trágicas para toda a
Humanidade.
Hoje, assumem a maior relevância, o respeito e o cumprimento dos princípios da Carta das Nações Unidas,
da Ata Final da Conferência de Helsínquia e da Constituição da República Portuguesa, como a independência
nacional, o direito dos povos à autodeterminação e ao desenvolvimento, a igualdade entre os Estados e a não
ingerência nos seus assuntos internos, a solução pacífica dos conflitos internacionais, o desanuviamento das
relações internacionais, o desarmamento geral, simultâneo e controlado, o estabelecimento de um sistema de
segurança coletivo, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas
relações entre os povos e a sua cooperação para a emancipação e o progresso da Humanidade.
Hoje, a luta pela paz, contra o fascismo e a guerra assume toda a atualidade e premência, colocando a
necessidade da conjugação de vontades das forças de paz, da democracia e do progresso social, para que os
horrores da Segunda Guerra Mundial nunca mais aconteçam.
Assim, a Assembleia da República, reunida em sessão plenária no dia 8 de maio delibera:
1 — Assinalar e congratular-se com o 70.º aniversário da vitória sobre o nazi-fascismo;
2 — Prestar homenagem a quantos resistiram e lutaram, muitos dando a própria vida, pela libertação da
Humanidade da barbárie nazi-fascista;
3 — Alertar para a importância de não esquecer as causas, os responsáveis e os horrores da Segunda
Guerra Mundial e de combater todas as tentativas de branqueamento do nazi-fascismo e de falsificação da
História;
4 — Recordar e reafirmar a importância do respeito e cumprimento dos princípios da Carta das Nações
Unidas, da Ata Final da Conferência de Helsínquia e da Constituição da República Portuguesa para que os
horrores da Segunda Guerra Mundial nunca mais aconteçam».
A Sr.ª Presidente: — Vamos votar o voto n.º 277/XII (4.ª) — De congratulação pelo 70.º aniversário da
vitória sobre o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial (PCP), que o Sr. Secretário acabou de ler.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções
do PSD e do CDS-PP.
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Há vários pedidos de palavra, creio que para anunciar a apresentação de declarações de voto.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues, do PSD.
O Sr. António Rodrigues (PSD): — Sr.ª Presidente, para anunciar que o PSD apresentará uma
declaração de voto sobre esta matéria.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, do CDS-PP.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, no mesmo sentido, para anunciar que apresentaremos
uma declaração de voto em nome da bancada.
A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas, do PS.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr.ª Presidente, cumprimento-a. Em nome do Grupo Parlamentar do Partido
Socialista, anuncio também que, uma vez que concordamos com a deliberação mas não com alguns dos
fundamentos, iremos apresentar uma declaração de voto.
A Sr.ª Presidente: — Ficam registados todos os anúncios de apresentação de declarações de voto.
Srs. Deputados, vamos prosseguir com a votação, na generalidade, do projeto de lei n.º 888/XII (4.ª) —
Primeira alteração à Lei n.º 56/2012, de 8 de novembro, que estabelece a reorganização administrativa de
Lisboa (PSD e PS).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do BE, votos contra do PCP e de
Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.
O projeto de lei baixa à 11.ª Comissão.
Segue-se a votação, na generalidade, do projeto de lei n.º 890/XII (4.ª) — Aprofunda os direitos dos
trabalhadores do município de Lisboa que tenham sido transferidos para as freguesias ao abrigo da Lei n.º
56/2012, de 8 de novembro, procedendo à sua primeira alteração (BE).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP e votos a favor do PCP,
do BE e de Os Verdes.
Vamos proceder à votação, na generalidade, do projeto de lei n.º 650/XII (4.ª) — Revogação das taxas
moderadoras e definição de critérios de atribuição do transporte de doentes não urgentes (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP e votos a favor do PCP,
do BE e de Os Verdes.
Votamos, agora, na generalidade, o projeto de lei n.º 891/XII (4.ª) — Estabelece a isenção de encargos
com transporte não urgente de doentes (sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro)
(BE).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP e votos a favor do PCP,
do BE e de Os Verdes.
Segue-se a votação, na generalidade, do projeto de lei n.º 892/XII (4.ª) — Elimina o pagamento de taxas
moderadoras no acesso a cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde (sexta alteração ao Decreto-Lei
n.º 113/2011, de 29 de novembro) (BE).
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Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP e votos a favor do PCP,
do BE e de Os Verdes.
Vamos votar, na generalidade, o projeto de lei n.º 893/XII (4.ª) — Altera o modelo de cobrança regular e
coerciva de taxas moderadoras, procedendo à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de
novembro (PS).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE e de Os Verdes
e votos a favor do PS.
Seguimos para o projeto de resolução n.º 1445/XII (4.ª) — Anulação do concurso externo que viola a
Diretiva 1999/70/CE da Comissão Europeia e lançamento de novo concurso de vinculação (BE).
O PCP solicitou a votação em separado dos pontos 1 e 2. Como todos os Srs. Deputados estão informados
e de acordo, vamos votar o ponto 1.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do BE e de Os
Verdes e abstenções do PS e do PCP.
Votamos, agora, o ponto 2 do projeto de resolução n.º 1445/XII (4.ª).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP,
do BE e de Os Verdes.
O Sr. Deputado Michael Seufert pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, para anunciar, em nome da bancada do CDS, uma
declaração de voto sobre este projeto de resolução.
A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.
Passamos à votação, na generalidade, do projeto de lei n.º 894/XII (4.ª) — Propõe um regime de
vinculação dos docentes na carreira (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE e
de Os Verdes e a abstenção do PS.
Segue-se a votação do Decreto n.º 320/XII — Segunda alteração à Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, que
regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação
equitativa relativa à cópia privada, para confirmação do mesmo.
Srs. Deputados, esta votação tem de ser eletrónica e, concomitantemente, com votação por levantados e
sentados.
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 120 votos a favor
(PSD e CDS-PP), 43 votos contra (PCP, BE, Os Verdes, 16 Deputados do PS e 3 Deputados do CDS-PP) e
49 abstenções (PS).
Está, então, confirmado o Decreto n.º 320/XII.
A Sr.ª Nilza de Sena (PSD): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.
A Sr.ª Presidente: — Para que efeito, Sr.ª Deputada?
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A Sr.ª Nilza de Sena (PSD): — Sr.ª Presidente, é para anunciar, em meu nome e em nome dos Srs.
Deputados José Manuel Canavarro, Pedro Saraiva e Maurício Marques, que apresentaremos uma declaração
de voto.
A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada Francisca Almeida, é para que efeito?
A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Sr.ª Presidente, é para anunciar que, em meu nome pessoal,
apresentarei uma declaração de voto.
A Sr.ª Presidente: — Há mais pedidos de palavra, creio que para o mesmo efeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Filipe Marques.
O Sr. Duarte Filipe Marques (PSD): — Sr.ª Presidente, é para anunciar que, em meu nome pessoal e de
mais alguns Deputados do PSD, entregaremos uma declaração de voto sobre esta matéria.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Michael Seufert.
O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, para informar que, em conjunto com os Deputados
Abel Baptista e João Rebelo, apresentarei uma declaração de voto.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, é para o mesmo efeito, ou seja, para anunciar que
apresentarei também uma declaração de voto pessoal.
A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr.ª Deputada.
Srs. Deputados, passamos, agora, à votação, na generalidade, do projeto de lei n.º 807/XII (4.ª) — Alarga
às entidades que prosseguem atividades culturais a possibilidade de consignação de uma quota do imposto
sobre o rendimento das pessoas singulares (PS).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP,
do BE e de Os Verdes.
Vamos votar, na generalidade, o projeto de lei n.º 889/XII (4.ª) — Procede à segunda alteração à Lei n.º
38/2012, de 28 de agosto, alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho, que aprova a Lei Antidopagem no
Desporto, adotando na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial Antidopagem (PSD e
CDS-PP).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP,
do BE e de Os Verdes.
O projeto de lei baixa à 8.ª Comissão.
Segue-se a votação do projeto de resolução n.º 1395/XII (4.ª) — Suspensão da ação de despejo nas casas
de função da Guarda Nacional Republicana no Páteo da Quintinha, freguesia da Ajuda em Lisboa (PCP).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções
do PSD e do CDS-PP.
Votamos agora, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 288/XII (4.ª) — Procede à
terceira alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência,
saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.
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Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP,
do BE e de Os Verdes.
Vamos votar, também em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projeto de lei n.º 797/XII (4.ª) — Quinta alteração
à Lei n.º 25/2008, de 5 de junho (PSD e CDS-PP).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP e do BE e abstenções
do PCP e de Os Verdes.
Votamos agora o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
sobre o Relatório Anual do Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN — 2014.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Temos ainda para votar um parecer da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, que o Sr.
Deputado Duarte Pacheco vai fazer o favor de anunciar.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, a solicitação da Comarca de
Lisboa — Instância Local — Secção Criminal — J10, processo n.º 6235/12.6TDLSB, a Comissão para a Ética,
a Cidadania e a Comunicação decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Paulo Mota Pinto
(PSD) a intervir no processo, no âmbito dos autos em referência.
A Sr.ª Presidente: — Vamos votar, Srs. Deputados.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, a próxima sessão plenária será constituída por declarações políticas e pela discussão dos
projetos de resolução n.os
1439/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo medidas de prevenção e eliminação de
práticas de violência policial e racismo (BE) 1217/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo que assegure aos
consumidores a devida informação sobre a tarifa social de energia e o apoio social extraordinário ao
consumidor de energia (PS) e 1462/XII (4.ª) — Garante o pleno acesso à eletricidade e ao gás por parte das
famílias com dificuldades económicas (BE).
Está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 40 minutos.
Declarações de voto enviada à Mesa, para publicação
Relativas ao voto n.º 277/XII (4.ª):
A II Grande Guerra foi um período negro da política mundial cujas repercussões e consequências ainda
hoje se fazem sentir.
Após um conflito armado de dimensão mundial e que assumiu contornos inimagináveis, pela perdas de
vidas, pela destruição de famílias e lares, pela maldade nunca antes vista, ninguém pode clamar vitória,
principalmente quando se verificaram milhares de mortes, torturas, carnificinas e sacrifícios de povos em nome
de princípios que ninguém pode sufragar.
A Guerra estendeu-se a todos os continentes e dela foram responsáveis os nazis e todos aqueles que, num
momento ou noutro, apoiaram, sufragaram ou permitiram que aquela pudesse desenvolver uma política de
terror durante os meados da década de 30 e 40 do século XX.
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Milhões de mortes derivados dos combates travados, mas também a perseguição a estratos específicos da
população, o extermínio dos judeus, a sucessão dos campos de concentração e de trabalho, onde além das
experiências clínicas ou métodos não humanos têm de ser recordados para memória futura, porque a História
não se reescreve para todos os que sofreram os seus efeitos.
O Grupo Parlamentar do PSD associa-se a toda a proclamação que condena qualquer forma de conflito em
geral e a todas as referências relacionadas com a IV Cimeira Mundial. Contudo, é nosso entendimento que
não podemos apenas referenciar ou reduzir o conflito à Europa (ou apenas a uma parte da Europa) quando
ele se desenrolou nos vários continentes. E nessa medida deve ser recordado por aquilo que representa do
pior da humanidade e não deve ser tolerado em nome de nenhum princípio ou razão.
De igual modo importa sublinhar que ninguém pode reclamar o louvor da vitória. Todos os aliados
contribuíram para o seu fim, além de todos os que, com coragem, resistiram nos seus países, mesmo
ocupados.
Por isso, não votamos favoravelmente o voto apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP. A História deve
ser recordada em toda a sua dimensão e não numa visão maniqueísta e unilateral. A guerra é sempre
condenável. Hoje ainda se choram os mortos e os métodos do passado, para que não se repitam no futuro.
Em todas as suas dimensões.
O Deputado do PSD, António Rodrigues.
——
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista votou favoravelmente o voto de congratulação n.º 277/XII (4.ª),
relativo ao 70.º aniversário da vitória sobre o nazi-fascismo na II Guerra Mundial, apresentado pelo Grupo
Parlamentar do PCP, por entender que a parte deliberativa é correta. No entanto, não acompanha alguns dos
fundamentos enunciados, uma vez que são parciais, dando desproporcionado relevo ao papel da União
Soviética e omitindo até dados históricos essenciais, como o pacto assinado entre a União Soviética e a
Alemanha nazi.
O Deputado do PS, Vitalino Canas.
——
No passado dia 8 de maio, a Assembleia da República aprovou o voto de congratulação pelo 70.º
aniversário da vitória sobre o nazi-Fascismo na II Guerra Mundial [voto n.º 277/XII (4.ª)], apresentado pelo
Grupo Parlamentar do PCP.
Não obstante o CDS-PP celebrar as vitórias das forças Aliadas sobre as Potências do Eixo e assinalar o
término de duas das ideologias mais terríveis que a Europa conheceu no século XX, o nazismo e o fascismo,
não acompanha o voto do PCP, por duas razões principais.
Em primeiro lugar, porque o voto glorifica a URSS e a sua ideologia totalitária, omitindo o terror que este
regime infligiu sobre o seu próprio povo mas também sobre os povos da Europa Central e de Leste, durante as
décadas subsequentes: Em segundo lugar, o voto, ou por desconhecimento ou por falha de nexo com o
argumento histórico, comete inúmeras imprecisões históricas e conceptuais devidamente selecionadas para
jactar a ideologia comunista e o contributo determinante da URSS para a derrota do nazismo e do fascismo.
Na verdade, quando se tem uma conceção do mundo total, a análise da História é um dos pontos-teste
para essa conceção do mundo. Os argumentos utilizados pelo PCP refletem justamente esse ponto de vista,
vincadamente ideológico e identitário.
Como tal, resta ao CDS-PP lembrar o 9 de maio como um dia memorável para a Europa e para a sua
refundação como projeto de incontroverso sucesso mas também como o dia em que se derrotaram duas das
experiências políticas mais violentas e aterradoras de que há memória.
Os Deputados do CDS-PP, Nuno Magalhães — Temo Correia —Filipe Lobo d’Ávila.
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———
Relativas à confirmação do Decreto n.º 320/XII:
A presente declaração de voto considera as dúvidas que o Sr. Presidente da República manifestou
relativamente a esta matéria, nomeadamente no que concerne aos seguintes pontos e respetivos
fundamentos:
«2 — (…) O debate sobre a cópia privada tem atravessado a União Europeia, sendo aconselhável que,
sobre esta matéria, exista uma regulação comum, com vista a evitar assimetrias e disparidades nas condições
de mercado, as quais, numa economia globalizada, poderão resultar na aquisição, por parte dos cidadãos de
um Estado, de bens e serviços digitais no estrangeiro, com prejuízo para todas as partes envolvidas, ou seja,
sem que dal resulte qualquer benefício para os autores nacionais.
(…)
4 — É igualmente de ponderar a posição assumida por diversas associações de direitos dos consumidores,
com destaque para a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor — DECO que, em parecer sobre
o diploma em apreço, considerou ser o mesmo, e cita-se, ’obsoleto, ineficaz e desproporcionado’. Afirma ainda
que o mesmo diploma não procede a uma distinção clara entre a reprodução legítima e a reprodução ilegal —
uma vez que esta última, por força dos desenvolvimentos tecnológicos, não tem vindo a ser efetuada,
predominantemente, através dos dispositivos objeto da medida. Considera, por outro lado, que há uma
desadequação dos mecanismos previstos para uma correta composição dos interesses em causa e, por
último, refere a necessidade de um debate alargado e consistente sobre esta matéria, que abranja todos os
pontos de vista existentes.
5 — Importa, também, ter em devida conta as dúvidas em matéria de equidade e eficiência suscitadas pelo
facto de serem onerados equipamentos independentemente do destino que Ihes seja dado pelos
consumidores, assim como os efeitos que podem resultar para o desenvolvimento da economia digital, área
em que o País regista algum atraso em relação a vários dos seus parceiros europeus».
Apesar de algum progresso, as alterações ora votadas não acautelam estas preocupações. Na verdade: a
solução ora aprovada (1.) mantém a disparidade regulatória com outros países europeus, o que, muito
provavelmente, levará muitos consumidores a fazerem as compras noutros mercados, com evidente prejuízo
para a economia nacional e sem benefício para os autores e intérpretes; (2.) continua a ser obsoleto, ineficaz e
desproporcionado; (3.) em larga medida e apesar da atenuação, continua a repreensível por não assegurar a
necessária equidade e eficiência.
Acresce que, no artigo 4.º, n.º 2, alínea a), se atribui o poder de decisão sobre as isenções à entidade cuja
missão é defender os interesses dos beneficiários da taxa, o que, naturalmente, terá como efeito prático a
recusa sistemática dos requerimentos de isenção, mesmo nos casos que reúnam os requisitos necessários.
Como diz o povo: «ninguém é bom juiz em causa própria». Deste modo, perde-se o efeito pretendido de tornar
este regime mais equitativo.
Por outro lado, no que toca ao artigo 5.º da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, com a redação introduzida pelo
presente projeto de alteração, o responsável pelo pagamento é o primeiro adquirente em território nacional (ou
seja, o importador) e essa cobrança é devida nesse momento da venda do produto, nesse caso, inviabiliza a
possibilidade de os consumidores finais beneficiarem das isenções das taxas previstas na Lei, uma vez que no
momento em que procederem à aquisição dos bens as taxas já terão sido pagas e estarão refletidas no preço
final.
Os Deputados do PSD, Gabriel Côrte-Real Goucha — Nilza de Sena — Joaquim Ponte — Maurício
Marques — José Manuel Canavarro — Pedro Saraiva — António Prôa — Lídia Bulcão — Carina Oliveira.
——
A Assembleia da República confirmou, após o veto do Sr. Presidente da República, a proposta de lei n.º
246/XII (3.ª) — Procede à segunda alteração à Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, que regula o disposto no artigo
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82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação equitativa relativa à cópia
privada, com o nosso voto favorável mas com algumas reservas que abaixo expressamos.
A diretiva que institui a exceção ao direito exclusivo de reprodução tem sido transposta de formas
diferentes nos vários países da União Europeia. Consideram os Deputados subscritores desta declaração que
a versão anterior da transposição era mais adequada do que a versão agora adotada. Recentes alterações às
respetivas leis foram todas no sentido de eliminar taxas (Espanha, Reino Unido e Finlândia), donde Portugal
aparece algo isolado na criação das taxas que agora o Parlamento aprovou.
Os Deputados subscritores concordam com a necessidade de proteger os autores e criadores, de combater
a violação dos seus direitos e a cópia ilegal, mas têm dúvidas face ao modelo adotado e ao montante das
taxas agora criadas.
Consideramos fundamental a boa monitorização pelas autoridades competentes da gestão das verbas
arrecadadas (previsão de 15 milhões de euros) que serão geridas pelas entidades coletivas de gestão.
Recordamos porém que a proposta que o Parlamento aprovou é bem mais razoável que a que o Partido
Socialista apresentara, vinda do Conselho de Ministros do Governo Sócrates.
Os Deputados do PSD, Duarte Filipe Marques — Paulo Mota Pinto — André Pardal — Nuno Filipe Matias
— Francisca Almeida.
——
A Assembleia da República voltou a confirmar, após oportuno veto do Sr. Presidente da República, a
proposta de lei n.º 246/XII (3.ª) — Procede à segunda alteração à Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, que regula
o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação
equitativa relativa à cópia privada, com o nosso voto contra, pelas razões que de seguida se expressam.
A diretiva que institui a exceção ao direito exclusivo de reprodução tem sido transposta de formas
diferentes nos vários países da União Europeia e estava, na nossa opinião, bem transposta em Portugal.
Recentes alterações às respetivas leis foram todas no sentido de eliminar taxas (Espanha, Reino Unido e
Finlândia), donde Portugal aparece isolado, sem que se perceba porquê, na criação das taxas que agora o
Parlamento aprovou.
Mesmo que se quisesse admitir que haveria obrigação europeia para criar estas taxas, os valores que
Portugal pretende arrecadar são completamente desfasados dos existentes nos países que ainda mantêm
taxas. Portugal arrecadará cerca de 15 milhões de euros (de tendência crescente, como estudos entregues no
trabalho de especialidade demonstram), o que, numa proporção percapita, coloca o nosso País no terceiro
lugar das taxas mais elevadas na Europa. Isto num país que atravessa as dificuldades económicas conhecidas
é um verdadeiro jackpot para as entidades coletivas de gestão — aliás, bem representadas no espectro
parlamentar pelos seus associados.
A noção de que um autor ou artista incorre num prejuízo por se poderem fazer cópias para fim pessoal (é
disso que falamos) está completamente desligada da realidade do usufruto das obras culturais.
Quem hoje compra um CD de música, por exemplo, dá mais uso a uma cópia que possa fazer para o seu
leitor portátil ou para o computador do que ao CD propriamente dito. É fácil de perceber — pelo menos por
quem não vai receber 15 milhões de euros — que sem a possibilidade de fazer cópias a indústria discográfica
venderia menos e não mais, pelo que se está a transferir dinheiro dos portugueses para os bolsos das
entidades de gestão de direitos por existir um direito à cópia que já os faz lucrar mais do seu importante
trabalho.
Ao mesmo tempo, quem já compra obras no crescente mercado digital precisa mesmo de um dispositivo
com memória para usufruir da obra — pagando, portanto, duas vezes, como António Vitorino reconheceu no
seu relatório: uma ao comprar outra ao gravar a obra. Esta lei significa, portanto, o literal enriquecimento
ilegítimo das entidades coletivas de gestão.
A proposta que o Parlamento aprovou é bem mais razoável que a que o Partido Socialista apresentara,
vinda do Conselho de Ministros do Governo Sócrates. Ainda assim, temos pena que estes e outros
argumentos apresentados na discussão não tivessem sido atendidos pelo atual Governo para que os grupos
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parlamentares da maioria pudessem introduzir alterações substanciais a uma proposta que deixará certamente
satisfeita a SPA, a GDA e as organizações afins mas que prejudica os portugueses.
Louvamos o esforço dos colegas do CDS e do PSD que trabalharam no sentido de procurar encontrar
alterações sem ferir a lealdade institucional com o Governo a que uma maioria parlamentar está de alguma
forma obrigada, mas não podemos, chegado ao fim do processo legislativo, deixar de votar contra, na
consciência de que a lei aprovada é uma má lei e que terminará por se verificar prejudicial para os detentores
de direitos de autor ao legitimar moral se não legalmente a pirataria que com esta lei se verá muito mais — e
compreensivelmente — assim difundida.
Os Deputados do CDS-PP, Michael Seufert — Abel Baptista — João Rebelo.
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Nota: As declarações de voto anunciadas pelos Deputados do CDS-PP Michael Seufert e Cecília Meireles
não foram entregues no prazo previsto no n.º 3 do artigo 87.º do Regimento da Assembleia da República.
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Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.