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Quinta-feira, 4 de junho de 2015 I Série — Número 94

XII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2014-2015)

REUNIÃOPLENÁRIADE3DEJUNHODE 2015

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Pedro Filipe dos Santos Alves Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz

S U M Á R I O

A Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.

Deu-se conta da retirada do projeto de resolução n.º 1246/XII (4.ª) e da apresentação dos projetos de resolução n.

os 1495 a 1506/XII (4.ª) e dos projetos de lei n.

os 967 a

975/XII (4.ª). A Câmara apreciou o projeto de resolução n.º 1506/XII

(4.ª) — Combater o desperdício alimentar para promover uma gestão eficiente dos alimentos (Os Verdes), que foi

aprovado, tendo usado da palavra, a diverso título, os Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Miguel Freitas (PS), Luís Pedro Pimentel (PSD), Rita Rato (PCP), Manuel Isaac (CDS-PP), Bruno Coimbra (PSD), Jorge Fão (PS), Luís Fazenda (BE), Bruno Inácio (PSD), Ivo Oliveira (PS), Artur Rêgo (CDS-PP), João Ramos (PCP) e Nuno Serra (PSD).

A Presidente (Teresa Caeiro) encerrou a sessão eram 17 horas e 17 minutos.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Podem ser abertas as galerias.

Antes de darmos início à ordem do dia, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para ler o expediente.

O Sr. Secretário (Pedro Alves): — Sr.ª Presidente, começo por anunciar a retirada do projeto de resolução

n.º 1246/XII — Recomenda ao Governo que promova a abertura do procedimento de classificação do atual

Museu Grão Vasco para «Museu Nacional Grão Vasco» (PS).

Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projetos de resolução n.os

1495/XII (4.ª) — Recomenda ao

Governo a revisão do modelo de aplicação dos limites de captura em diversas espécies (PCP), que baixa à 7.ª

Comissão; 1496/XII (4.ª) — Contra a descaraterização da praia de D. Ana, em Lagos (PCP), que baixa à 11.ª

Comissão; 1497/XII (4.ª) — Pela valorização do ensino profissional e garantia da igualdade de oportunidades a

todos os estudantes (PCP), que baixa à 8.ª Comissão; 1498/XII (4.ª) — Apoios financeiros a centros de cultura

e desporto da Segurança Social (PCP), 1499/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo que reforce a cooperação

com o Governo, a Assembleia Legislativa e os municípios do Estado de Goa, na União Indiana (PS), que baixa

à 2.ª Comissão; 1500/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo a discriminação positiva da sub-região do Vale do

Sousa e Tâmega (PS), que baixa à 11.ª Comissão; 1501/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo a suspensão das

reprivatizações da CP Carga, SA e EMEF, SA (PS); 1502/XII (4.ª) — Pela reabertura e requalificação da linha

do Tâmega (PCP); 1503/XII (4.ª) — Restitui o direito ao transporte aos trabalhadores ferroviários e suas

famílias (BE); 1504/XII (4.ª) — Requalificação e reabertura da linha do Tâmega (BE); que baixam à 6.ª

Comissão; 1505/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo algumas medidas a acolher na alteração da lei que regula

as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens bem como na alteração dos normativos legais constantes do

Código Civil relativos à adoção e à criação de um regime jurídico do processo de adoção (PS) e 1506/XII (4.ª)

— Combater o desperdício alimentar para promover uma gestão eficiente dos alimentos (Os Verdes).

Deram também entrada na Mesa, e foram admitidos, os projetos de lei n.os

967/XII (4.ª) — Regulação dos

horários de funcionamento das unidades de comércio e distribuição (PCP), que baixa à 6.ª Comissão; 968/XII

(4.ª) — Estabelece um regime especial de acesso à pensão de invalidez e de velhice para os trabalhadores

das pedreiras (PCP), que baixa à 10.ª Comissão; 969/XII (4.ª) — Alteração da designação da freguesia da

União das Freguesias de Campo (São Martinho), São Salvador do Campo e Negrelos (São Mamede), no

município de Santo Tirso, para freguesia de Vila Nova do Campo (PS); 970/XII (4.ª) — Criação da freguesia de

Santo Agostinho, no concelho de Moura, distrito de Beja (PCP), que baixam à 11.ª Comissão; 971/XII (4.ª) —

Combate a precariedade, impedindo o recurso a medidas indevidamente consideradas como promotoras de

emprego, como CEI, CEI+ e estágios-emprego, para responder a necessidades permanentes dos serviços

públicos e empresas (PCP); 972/XII (4.ª) — Combate a precariedade laboral e reforça a proteção dos

trabalhadores (PCP), 973/XII (4.ª) — Repõe o princípio do tratamento mais favorável e regula a sucessão de

convenções coletivas de trabalho, procedendo à nona alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º

7/2009, de 12 de fevereiro (PCP), que baixam à 10.ª Comissão; 974/XII (4.ª) — Aprova o regime de

regularização de cidadãos estrangeiros indocumentados (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, ouvindo as regiões

autónomas; e 975/XII (4.ª) — Altera os artigos 1905.º do Código Civil e 989.º do Código de Processo Civil

(PS).

É tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à nossa ordem do dia de hoje, que consiste no

debate do projeto de resolução n.º 1506/XII (4.ª) — Combater o desperdício alimentar para promover uma

gestão eficiente dos alimentos (Os Verdes).

Informo os Srs. Deputados que a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia já requereu a votação deste diploma no

final da sua discussão.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, para uma intervenção.

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Os Verdes trazem hoje a

Plenário da Assembleia da República, como seu agendamento potestativo, uma matéria de grande relevância

para a sustentabilidade: o combate ao desperdício alimentar.

Quando falamos de desperdício alimentar falamos de alimentos destinados ao consumo humano que

acabaram por ser inutilizados em quantidade ou em qualidade. A questão é que esses alimentos, que foram

inutilizados, foram efetivamente produzidos e com impactos muito significativos ao nível da utilização de

recursos naturais, designadamente recursos marinhos, solos, água e energia.

Esses alimentos, que são inutilizados, arrastam, portanto, consigo o desperdício de relevantes recursos

naturais. Isto para já não falar dos resíduos e das emissões de gases com efeito de estufa que deles

resultaram. Ora, o que Os Verdes afirmam é que não estamos em condições de esbanjar assim recursos

naturais, pelo que se torna um imperativo ambiental combater o desperdício alimentar.

É justamente esse o propósito do projeto de resolução que Os Verdes apresentam hoje à Assembleia da

República. Primeiro, é preciso conhecer e ter consciência da dimensão do problema, bem como das suas

causas, para que, depois, se possa atuar em conformidade e com eficácia.

Em Portugal, só existe um estudo realizado especificamente sobre a matéria do desperdício alimentar. Foi

elaborado no âmbito do projeto PERDA (Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar) e consta

da publicação Do campo ao garfo. Esse estudo conclui que são desperdiçados, anualmente, em Portugal,

mais de 1 milhão de toneladas de alimentos e deixa também claro que as perdas alimentares se registam em

todas as fases da cadeia de aprovisionamento: da produção, à transformação, ao embalamento, ao transporte,

à distribuição ou ao ato de consumo. Verifica-se, entretanto, que as fases de produção e de consumo são

aquelas onde se regista maior perda alimentar.

Mas há um registo relevante nesse estudo que merece ser tido em conta. É que o próprio reconhece a

necessidade de se aprofundar conhecimento sobre a questão, reclamando, por isso, desenvolvimento de

novos estudos que permitam conhecer melhor a dimensão do problema.

Entretanto, foi criado um guia, chamado Desperdício alimentar — Um compromisso de todos!, assinado

entre o Governo e vários intervenientes do setor alimentar, que contém princípios importantes e interessantes,

mas que não estão, na sua grande maioria, postos em prática.

Quando falamos de perdas alimentares, não podemos praticar uma política para a sua redução apenas

com base em princípios que constam no papel e com atribuição de selos e prémios.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Verdade!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — O que Os Verdes propõem com esta iniciativa legislativa que

trazem hoje à Assembleia da República é levar o Parlamento a dar um impulso no combate ao desperdício

alimentar em Portugal e a não ficar de fora deste desígnio nacional.

Assim, Sr.as

e Srs. Deputados, propomos que, hoje, a Assembleia da República delibere declarar o ano de

2016 como o ano nacional do combate ao desperdício alimentar. Esta deliberação permitirá que, no próximo

ano, se destaquem, se intensifiquem, se generalizem um conjunto de ações relativas a uma melhor gestão dos

alimentos no nosso País.

Nesse sentido, Os Verdes adicionam já um conjunto de 15 propostas que não visam, nem de perto, nem de

longe, esgotar tudo o que é possível fazer, mas que realçam pontos muito importantes de ação.

Recomendamos ao Governo que, no próximo ano, se envolva também num conjunto de iniciativas no

âmbito do ano nacional do combate ao desperdício alimentar, declarado pela Assembleia da República.

Propomos que se promovam e se criem condições de investigação e de conhecimento rigoroso, mais

detalhado e continuadamente atualizado sobre a realidade do desperdício alimentar, designadamente das

suas causas.

Propomos a criação de um programa nacional de ação que fixe não apenas princípios mas também

objetivos e metas anuais e plurianuais para reduzir o desperdício alimentar. Este programa deve, na

perspetiva de Os Verdes, ser construído num processo de participação ativa e colaborativa da sociedade.

Propomos a compatibilização dos objetivos de redução do desperdício alimentar com a plena satisfação

das necessidades da população, com particular urgência para crianças e jovens, tendo em conta,

nomeadamente, o relatório do INE sobre pobreza, desigualdades e privação material em Portugal. A verdade é

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que temos de ter bem presente que as políticas de austeridade do Governo e da troica acentuaram muito os

problemas estruturais de pobreza e de fome no nosso País, que urge combater por todas as vias, mas sempre

num horizonte de garantia de formas dignas de subsistência das famílias.

A educação, a sensibilização, a informação são também processos fundamentais para cumprir objetivos

que implicam alteração de hábitos de vida. Nesse sentido, e com vista ao combate ao desperdício alimentar,

propomos o desenvolvimento de uma campanha de sensibilização de agentes económicos e dos

consumidores.

Propomos que se integre nos programas escolares, no âmbito da educação ambiental ou da educação

para a sustentabilidade, a matéria da gestão eficiente dos alimentos.

Propomos a criação de iniciativas criativas que envolvam os jovens em ideias e ações para combater as

perdas alimentares. Propomos, também, a generalização do conhecimento pelos consumidores da diferença

entre consumir «antes de» ou «data limite de consumo» e consumir «de preferência até» ou «data preferencial

de consumo», na medida em que esta indiferenciação leva a que se deitem muitos produtos alimentares para

o lixo, quando se encontram ainda dentro das datas de validade.

Propomos medidas que incidam sobre a melhoria dos processos produtivos e sobre o incentivo ao

encurtamento dos circuitos de comercialização de produtos alimentares.

Com efeito, há aqui duas questões relevantes: primeiro, uma produção adequada às necessidades de

consumo e não subjugada às lógicas do lucro pelo lucro permite uma quantidade produtiva mais

ambientalmente suportável e menos esbanjadora; segundo, quanto mais longa é a cadeia de

aprovisionamento mais desperdício se concretiza, designadamente nos produtos perecíveis. Nestes alimentos,

o consumo de produtos locais e a aproximação da produção ao consumo garante também a entrega de

produtos mais frescos ao consumidor e, portanto, com maior durabilidade de consumo.

Tendo estes fatores presentes, Sr.as

e Srs. Deputados, Os Verdes propõem também criar um subprograma,

no âmbito do programa de Desenvolvimento Rural, direcionado para cadeias de circuitos curtos de

comercialização de produtos alimentares.

Propomos incentivar os atos de compra de bens alimentares em mercados de proximidade, nomeadamente

no que respeita a produtos perecíveis e, como não poderia deixar de ser, atribuímos a necessidade de uma

atitude responsável às instituições públicas, prevendo a importância de se estipular uma percentagem

significativa de utilização de produtos alimentares locais, por parte do setor público, designadamente para

abastecimento de cantinas públicas, como, por exemplo, em estabelecimentos escolares ou em hospitais.

Não esquecemos, naturalmente, também, a importância do contributo do setor da restauração para o

objetivo do combate às perdas alimentares.

Os Verdes propõem ainda que nos consciencializemos todos de que as embalagens constituem, por

diversos motivos, muitos dos quais já trouxemos várias vezes à Assembleia da República, um problema que é

preciso regular no mercado.

Em relação à matéria que estamos a tratar, muitas vezes o mercado, em relação a determinados alimentos,

só oferece embalagens hiperfamiliares, o que significa que sendo quantidades desajustadas das necessidades

familiares sobra muita da comida contida na embalagem, sobras que geralmente têm o lixo como destino.

Assim, propomos que se trabalhe para garantir que as embalagens de produtos alimentares sejam

dimensionadas em função das necessidades dos consumidores.

Ainda sobre a oferta do mercado, denunciamos o facto de a União Europeia ter criado uma conceção de

qualidade de certos produtos alimentares, como frutas e hortícolas, com base na sua dimensão e na sua

aparência. A União Europeia faz da fruta bonita ou da fruta feia em aparência um critério de qualidade. Ora,

este princípio está totalmente errado e concorre para a existência de mais desperdício alimentar, como é fácil

de perceber. Assim, propomos que se desenvolvam ações ao nível da União Europeia sobre a ineficácia de

regras estabelecidas em relação aos requisitos dos tamanhos e formas de produtos hortícolas e frutos.

Por fim, Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Os Verdes propõem que se divulgue anualmente o cálculo

da quantidade de recursos naturais poupados por relação com os níveis de redução de perdas alimentares,

por forma a estimular todos os intervenientes na cadeia alimentar para o sucesso ambiental das suas opções.

É importante que os intervenientes no processo consigam ter a perceção dos resultados positivos das suas

ações.

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Em suma, ou talvez com algum detalhe, Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, são estas as propostas

que Os Verdes hoje aqui trazem à Assembleia da República e aqui, desta tribuna, o que eu gostaria de realçar

era a importância de que hoje a Assembleia da República aprovasse, por unanimidade, este projeto do Partido

Ecologista «Os Verdes», na medida em que consideramos que ele constitui um impulso forte e determinante

para que, em Portugal, se desenvolvam ações eficazes no combate ao desperdício alimentar. É um desígnio

ambiental e social que nos chama e ao qual devemos dar resposta.

A Sr.ª Presidente: — Fica, assim, apresentado o projeto de resolução n.º 1506/XII (4.ª), da iniciativa de Os

Verdes.

Seguem-se pedidos de esclarecimento, para os quais estão já inscritos os Srs. Deputados Miguel Freitas,

do PS, Luís Pedro Pimentel, do PSD, Rita Rato, do PCP, Manuel Isaac, do CDS-PP, e Bruno Coimbra, do

PSD.

A Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia irá responder, primeiro, a um conjunto de três perguntas e depois às

restantes duas.

Para pedir esclarecimentos, dou, assim, a palavra ao Sr. Deputado Miguel Freitas, do PS.

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,

gostava de começar por saudar esta iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes» neste Parlamento, um

Parlamento que esteve praticamente ausente do debate das questões do desperdício alimentar durante quatro

anos.

É verdade que os serviços deste Parlamento organizaram, em 2012, jornadas de saúde, em que a questão

da alimentação e do desperdício alimentar foi tema.

É verdade que, também em 2012, a cantina e os restaurantes deste Parlamento aderiram ao movimento

Zero Desperdício e — espante-se! — há uma citação, nos milhares de intervenções que foram feitas nesta

Assembleia, durante estes quatro anos, feita pelo Sr. Deputado Artur Rêgo, em 2012, sobre desperdício

alimentar. Esse foi o contributo dado por este Parlamento, até agora, sobre este debate. Portanto, esta é uma

iniciativa que nós queríamos começar por saudar.

Mas, naturalmente, o conjunto de propostas que nos trazem levantam-nos, em alguns casos, dúvidas que

gostávamos de ver clarificadas por parte da Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

Em primeiro lugar, propõe que o ano de 2016 seja o ano nacional contra o desperdício alimentar. Bom, é

verdade que o ano passado foi o Ano Europeu contra o Desperdício Alimentar e, portanto, gostava de

perceber o que justifica que, no próximo ano, de 2016, tenhamos o ano nacional do combate ao desperdício

alimentar. Gostava que a Sr.ª Deputada nos pudesse ajudar a perceber essa vossa proposta.

Por outro lado, Os Verdes propõem que se devem fazer levantamentos rigorosos relativamente a esta

matéria, é uma das vossas propostas. Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, creio que daquilo de que nós

precisamos verdadeiramente agora é de fazer estudos aprofundados e investigação, quer ao nível da

produção, quer ao nível da indústria, quer ao nível do comércio, quer mesmo ao nível do consumo. Há estudos

que estão a ser feitos a nível europeu, a serem desenvolvidos, nomeadamente em França e em Espanha, e

parece-nos pouco esta ideia de se fazerem levantamentos rigorosos. Há um levantamento feito em Portugal, o

estudo feito pelo PERDA, que é uma referência que temos, mas creio que precisamos de muito mais do que

de levantamentos rigorosos.

Sr.ª Deputada, deixo uma última questão. Propõe que esta matéria seja integrada no âmbito da educação

ambiental nos currículos. Sr.ª Deputada, a nossa visão é que esta é uma questão tão horizontal e tão

transversal que, de facto, o que é preciso é uma formação sólida, do ponto de vista do que é a banda larga de

formação e de educação, dos nossos jovens para perceberem este fenómeno. Portanto, também aí temos

dúvidas e gostávamos de ter uma clarificação por parte da Sr.ª Deputada.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta cabe ao Sr. Deputado Luís Pedro Pimental, do PSD.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Luís Pedro Pimentel (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, queria agradecer também ao

Partido Ecologista «Os Verdes» e à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia por trazerem a esta Câmara este

importante tema, já que, de facto, combater o desperdício alimentar é uma prioridade também para nós, PSD,

e para este Governo.

O tema do debate desta tarde tem, sem dúvida, associado um dos maiores desafios da atualidade: reduzir

o desperdício alimentar no mundo enquanto questão moral e ética, ao mesmo tempo que responde ao

paradigma de existirem regiões do globo com carências alimentares e outras, onde o desperdício alimentar, ao

longo da cadeia, ultrapassa os 30%.

O PSD está, naturalmente, preocupado e atento a esta questão, como já aqui o afirmou, e vê com agrado

as iniciativas pioneiras do atual Governo em incentivar programas de combate e redução do desperdício

alimentar. Não é demais reforçar que foi este Governo e esta maioria que iniciaram as ações e as

ponderações sobre esta problemática.

Congratulamo-nos, pois, pelas várias decisões governativas que combatem, de forma direta e indireta, esta

questão.

Em primeiro lugar, congratulamo-nos, de modo direto, com a criação, sempre em conjunto com a

sociedade civil, de um programa que distinga a implementação de políticas e modelos de boa gestão no

combate ao desperdício alimentar, como a iniciativa Prato 20% Off — Iniciativa contra o desperdício de

alimentos.

Em segundo lugar, congratulamo-nos com as tomadas de decisão que visaram alterar e melhorar o

funcionamento da cadeia alimentar, nomeadamente as questões relacionadas com o funcionamento do

mercado. Na verdade, entendemos que o aumento da transparência e distribuição do valor ao longo da fileira

contribui positivamente para o bom funcionamento do mercado e, consequentemente, para o menor

desperdício. A criação da PARCA (Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar)

foi um exemplo de uma medida que visa concretamente uma maior equidade na relação comercial entre os

produtores e os distribuidores.

Em terceiro lugar, congratulamo-nos com a introdução generalizada da distribuição de alimentos com

calibres diferentes dos tradicionais. No caso da fruta, onde houve iniciativas europeias e nacionais, privadas e

públicas, que promoveram o consumo de peças de fruta de calibre reduzido, cuja valorização comercial era

quase nula. Atualmente, estão mais generalizados estes tipos de produtos, o que não acontecia há alguns

anos atrás.

São estes três exemplos de ações que combatem o desperdício alimentar. Há, naturalmente, outros

modelos e ainda muito trabalho para continuar. Contudo, a eficácia desse trabalho resulta do maior

envolvimento possível de vários intervenientes.

Sr.as

e Srs. Deputados, sendo este, também, um problema generalizado ao continente europeu, a França

tomou recentemente uma iniciativa que proíbe os supermercados franceses de deitar fora alimentos com o

respetivo prazo de validade expirado, sendo obrigatório doá-los a organizações dedicadas à alimentação

animal ou ao fabrico de fertilizantes agrícolas.

Por isso, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, queria saber qual a sua opinião sobre esta matéria e esta medida

aplicada em França. O PSD vê este exemplo como positivo e entende que este e outros modelos devem ser

analisados a fim de se avaliar a sua eficácia e eventual importação para o caso português.

Na verdade, o combate a este flagelo será mais eficaz e abrangente se concertado, a nível europeu, na

definição de estratégias partilhadas de combate ao desperdício ao longo de toda a cadeia alimentar. É isso

que esperamos do Governo e é isso que o Governo tem demonstrado fazer.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Dou, agora, a palavra à Sr.ª Deputada Rita Rato, do PCP também para uma

pergunta.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, queria

começar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, por saudar o Partido Ecologista

«Os Verdes» por ter trazido ao debate, hoje, em Plenário, a matéria do combate ao desperdício alimentar.

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Este debate é particularmente importante porque a sociedade portuguesa está confrontada com uma

realidade de empobrecimento, de agudização da pobreza e da exclusão social, que exige medidas

importantes, designadamente no que diz respeito à pobreza infantil.

O ponto 4 da iniciativa hoje em discussão, da autoria de Os Verdes, define como objetivos compatibilizar as

medidas da redução do desperdício de alimentos com segurança alimentar e a satisfação plena das

necessidades alimentares da população, com particular urgência em relação a crianças e jovens, tendo em

conta o relatório do INE sobre a pobreza, as desigualdades e a privação material em Portugal.

Sobre isto, o PCP entende que a realidade da pobreza infantil deve merecer uma resposta imediata e

estrutural, aliás porque os relatórios recentes do Instituto Nacional de Estatística têm alertado para o aumento

da pobreza entre as crianças e os jovens e mesmo o relatório recente da UNICEF — As Crianças e a Crise em

Portugal, com dados de 2013, reconhece que o risco de pobreza é mais elevado em famílias com filhos e,

designadamente, em famílias monoparentais, o que obriga, de facto, à reflexão e à tomada de medidas para

acompanhar e erradicar a pobreza de uma forma generalizada mas, particularmente, entre as crianças e

jovens. Desde logo porque dados do Ministério da Educação diziam que no ano de 2013 existiam nas escolas

públicas 14 000 crianças sinalizadas com fome e carências alimentares graves. E nós entendemos que este é

um alerta que nos deve mobilizar para a tomada de medidas concretas e, por isso, as propostas que aqui são

hoje discutidas, designadamente o ponto 4, colhem, naturalmente, o acolhimento do PCP.

Importa dizer que, em Portugal, uma em cada quatro crianças vivia em agregados com privação material —

estamos a falar de dados relativos a 2012 e que a aplicação das medidas de redução dos apoios sociais e de

cortes nos salários das famílias pode necessariamente agudizar-se — e que uma em cada quatro crianças

vivia em famílias com dificuldade ou incapacidade para pagar um empréstimo, a renda da casa, as contas no

prazo previsto e ter uma refeição de carne ou de peixe a cada dois dias e fazer face a despesas imprevistas.

Portanto, em 2015, no século XXI, Portugal está confrontado com uma situação gravíssima de pobreza infantil

e de privação material.

Da parte do PCP, o compromisso é o da tomada de medidas profundas de garantia dos apoios sociais a

todas as famílias e às crianças que deles necessitem, por isso temos apresentado propostas tendo em vista

quer a revogação da condição de recurso e o alargamento destes apoios, quer a tomada de medidas urgentes

nesse sentido. Assim, temos proposto a gratuitidade no âmbito da ação social escolar a todas as crianças que

necessitem desse apoio.

A pergunta que aqui lhe fazemos é esta: reconhecendo, de facto, a prioridade deste combate, como é que

no ponto 4 do projeto de resolução, relativo à compatibilidade que é necessária no combate ao desperdício

alimentar e à realidade de dar resposta à pobreza infantil, o Partido Ecologista «Os Verdes» entende que este

é o desafio fundamental? Da parte do PCP, acompanhamos, naturalmente, esse objetivo que, para nós, é

civilizacional.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia para responder.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, agradeço aos Srs. Deputados as questões que

levantaram.

Começando por responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Miguel Freitas, quando Os Verdes

propõem que se declare o ano de 2016 como um ano de combate ao desperdício alimentar não é para pôr o

País todo enfeitado com cartazes e atribuir medalhas a toda a gente que participa na cadeia de

aprovisionamento, por exemplo, e pormo-nos todos aqui a felicitarmo-nos uns aos outros.

Quando propomos que seja criado o Ano Nacional do Combate ao Desperdício Alimentar significa atribuir-

se uma responsabilidade também às instituições e a todos os intervenientes no processo para atuarem sobre

o problema, ou seja, no fundo, trata-se de despertar consciências, concentrando num determinado tempo,

neste caso um ano, para que fossem chamadas a tomar ações, iniciativas, para pensar, refletir, debater a

matéria do desperdício alimentar e, designadamente, do seu combate.

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O Sr. Deputado lembra, e bem, que também o Parlamento Europeu declarou o ano de 2014 como o Ano

Europeu do Combate ao Desperdício Alimentar, mas a reação da Comissão Europeia não foi forte, Sr.

Deputado, e a reação ao nível europeu não foi forte.

Não é isso que queremos. Aqui, no nosso canto nacional, com a nossa soberania, façamos de outra forma.

Concentremos ações num determinado ano sobre esta matéria, que depois se repercutirão também,

naturalmente, nos anos seguintes. Ou seja, arranquemos fortemente, numa sociedade coligada para o efeito,

com vista a esse objetivo.

Em relação aos estudos, consideramos que é extraordinariamente importante aprofundar estudos para

conhecer a dimensão e as causas do problema. Pensando bem, havendo hoje em Portugal, especificamente,

um único estudo detalhado sobre a questão e quando uma das conclusões que se retira é que é preciso

aprofundar muito mais a matéria, é evidente que temos de dar passos nesse sentido. E só podemos atacar um

problema quando conhecemos aquilo que está a montante de uma forma bastante rigorosa.

Sobre os currículos — agradeço a pergunta, de modo a poder especificá-la —, não queremos integrar a

matéria num currículo com caráter disciplinar, digamos assim, mas gostaríamos que as escolas também se

envolvessem, designadamente no âmbito dos seus programas de educação ambiental, de educação para a

sustentabilidade, pois consideramos que são focos importantes onde estas questões podem ser abordadas.

No fundo, aquilo que estamos a pedir é que também a comunidade educativa não se esqueça da

abordagem desta questão.

Sr. Deputado Pedro Pimentel, aquilo que é fundamental, o segredo da questão, digamos assim, é começar

a ter uma produção adequada ao consumo. Essa é que é uma questão fundamental. E, para isso, a produção

em pequena escala, a produção familiar e a sua aproximação ao consumidor — o produzir e o consumir

localmente — é uma questão determinante para reduzir substancialmente o desperdício alimentar, quer

porque a produção passa a ser mais adequada às necessidades do consumo, quer porque se perde uma

longa cadeia de aprovisionamento, que contribui para sucessivas formas de desperdício alimentar. É evidente

que, depois, aquilo que já não der para ser consumido puder ser reaproveitado de outras formas é uma

questão que deve ser tida em conta, mas não devemos perder o foco central da questão, que é, de facto, outra

forma de produzir e outra forma de consumir, e isso é extraordinariamente importante.

Sr.ª Deputada Rita Rato, também agradeço a sua questão e, mesmo para terminar, Sr.ª Presidente, queria

dizer o seguinte: a injusta repartição da riqueza é uma forma de gerar também injusta forma de acesso aos

alimentos. E quando falamos de alimentos falamos de questões fundamentais à sobrevivência de uma pessoa.

Portanto, estamos a falar de coisas muito sérias.

Mas o que a Sr.ª Deputada diz é evidente: quando estamos aqui, na Assembleia da República, a discutir

matérias salariais, a discutir matérias de subsistência das famílias, da dignificação das famílias, estamos,

naturalmente, também a batalhar no sentido da segurança alimentar e isso, Sr.ª Deputada é algo que não

podemos perder de vista.

A Sr.ª Presidente: — Para formular a próxima pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Isaac.

O Sr. Manuel Isaac (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, é sempre positivo que

se discuta esta problemática do desperdício alimentar. Aliás, é um assunto que nunca deve deixar de estar na

ordem do dia.

Como diz o projeto de resolução de Os Verdes, o desperdício alimentar no nosso País é de cerca de 1

milhão de toneladas anuais, ou seja, cada português desperdiça, em média, por ano, 97 kg de alimentos.

Mesmo sendo um valor abaixo da média da União Europeia, não deixa de nos preocupar.

O que é um facto e uma grande verdade é que este combate tem de ser feito desde a produção ao

consumidor final. E isto implica muitas coisas pelo meio.

Dou-lhe o exemplo do que fiz para o Banco Alimentar, na recolha de produtos na terra. Quando o produtor

planta não sabe o preço na hora da colheita e quando o preço é baixo não vai colher, porque não chega,

sequer, para fazer a colheita.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Exatamente!

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O Sr. Manuel Isaac (CDS-PP): — O que é que acontece? Passa com a frese por cima, enterra na terra,

serve de fertilizante, é verdade. Mas ele pede ajuda, tem ali um campo para quem quiser colher. E sabe, Sr.ª

Deputada, quem foi colher esse repolho? Eu e os presos da cadeia das Caldas da Rainha, porque não houve

um voluntário para o colher.

Houve um ano em que a pera rocha estava barata e houve um produtor que disse: «Tenho o meu pomar

cheio de peras, o dinheiro não dá para colher sequer as peras, preciso de voluntários para o fazer e dou a

pera a quem a quiser». Mais uma vez, falei com o diretor da cadeia das Caldas da Rainha e fui com os presos

colher a pera — 7 t de pera!

Sr.ª Deputada, isto não é tão fácil como se diz. O problema está no voluntariado para o fazer, pois os

próprios que vão consumir esta colheita nunca estão disponíveis para a fazer. Isto também é um problema de

cultura. Aliás, nas últimas décadas, a questão do desperdício é um problema de cultura. Antigamente, não se

desperdiçava nada, tudo se aproveitava; aquilo que o humano não consumia, os animais consumiam. Aliás, o

animal era a melhor máquina de reciclagem que existia e que ainda hoje existe. Lembro-me perfeitamente de,

em casa dos meus pais, quando se descascava a batata, a casca ir para o porquinho. Hoje isso não acontece.

Hoje para onde vai? Ou vai para a terra e serve de fertilizante ou então é mais um problema ambiental.

Há, pois, muito a fazer nesse sentido, e o Governo tem-no feito, como acontece com os mercados de

proximidade, que esgotam a chamada «fruta feia». Também essa fruta, hoje em dia, como sabe, já é

consumida nas escolas. Esse projeto foi feito e existe.

Mas, hoje em dia, Sr.ª Deputada — e esse, para mim, é que é o grande problema —, quanto mais se

produz, mais se desperdiça. Quando havia falta não havia desperdício.

Entendo perfeitamente a questão, mas temos de ter sempre em conta que quando isso acontece na cadeia

alimentar, para quem produz o valor ainda desce mais. Por isso, temos de ter em conta que quem produz não

pode pagar a fatura para alimentar os outros. Ou seja, aqui a problemática é maior.

Sr.ª Deputada, queria só perguntar-lhe se acha que o Governo, nesta matéria, tem ou não feito um

combate ao desperdício alimentar e se tem sido sensível a este problema, tendo já dado passos fundamentais

para o mitigar.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para colocar a próxima pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Coimbra.

O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, começo por saudar o Partido

Ecologista «Os Verdes» pela escolha do tema que trouxe hoje a debate.

O desperdício alimentar tem impacto sobre diferentes áreas, de facto, mas tem um impacto muito concreto

sobre o ambiente, e é sobre esta perspetiva que gostaria de questionar a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

Já em 2013, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura elaborou um estudo

sobre o desperdício alimentar e as suas consequências e referiu que o impacto ao nível do clima, da água, da

terra e da biodiversidade é tremendo. Estamos a falar de uma emissão de 3,3 mil milhões de toneladas de

gases com efeito de estufa na atmosfera do planeta, com custos económicos daí resultantes a rondar os 750

000 milhões de dólares por ano.

A Sr.ª Deputada sabe que um projeto desta índole só pode ter acolhimento por parte desta maioria,

nomeadamente no ponto 6, com a sugestão da divulgação do cálculo da quantidade de recursos poupados por

relação com os níveis de redução de perdas alimentares.

Só pode ter acolhimento por parte desta maioria, eu diria, ou não fosse este também o Governo do

combate ao desperdício. Sim, este acaba por ser o Governo do combate ao desperdício, do combate à má

gestão, do combate a todos os tipos de desperdício nas mais diferentes áreas. Aliás, hoje falamos de

desperdício alimentar, mas se falássemos de outras áreas saberíamos que, para evitar o desperdício, se

promoveu e priorizou o uso eficiente de recursos nos planos estratégicos e nas políticas do Governo.

Foi para evitar o desperdício que se reduziram os custos nos ministérios e nas instituições públicas.

Foi para evitar o desperdício que se fundiram institutos e se acabou com os governos civis.

Foi para evitar o desperdício que se renegociaram as PPP.

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Diria que, de uma forma genérica, o combate ao desperdício é um tema caro a esta maioria e a este

Governo.

Recentemente, o Subsecretário-Geral da ONU e Diretor Executivo do Programa das Nações Unidas para o

Ambiente, Achim Steiner, identificou «(…) a perda e o desperdício de alimentos como uma grande

oportunidade para que os países façam a transição para uma economia verde inclusiva, baixa em carbono e

eficiente na utilização de recursos».

Hoje mesmo, o Secretário-Geral da OCDE apelou a uma reorientação dos investimentos para que

privilegiem não só a criação de empregos, com um modelo social com menos injustiças, mas também o

«crescimento verde» das economias.

Ora, o Governo de Portugal está já a trilhar esse caminho. O Compromisso para o Crescimento Verde foi

assinado por 82 organizações da sociedade civil no passado mês de abril, posicionando Portugal num novo

modelo de desenvolvimento capaz de conciliar o crescimento económico, a proteção ambiental e a utilização

eficiente de recursos.

Também no âmbito dos apoios comunitários, o PO SEUR (Programa Operacional Sustentabilidade e

Eficiência no Uso de Recursos) disponibiliza no Eixo III — Proteção do ambiente e promoção da eficiência do

uso dos recursos, 1000 milhões de euros.

Por isso, Sr.ª Deputada, a pergunta que lhe faço é se não acha que, neste campo ambiental, este Governo

não está já a trilhar um caminho que se coaduna com a resolução das preocupações que hoje aqui levantou.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, quero agradecer aos Srs. Deputados as

perguntas que me colocaram.

No fundo, ambos os Srs. Deputados acabam por fazer a mesma pergunta, ou seja, perguntam se o

Governo não tem já feito maravilhas relativamente a esta matéria. Ora, julgo que, na minha intervenção inicial,

já dei a minha opinião muito sincera: acho que não.

É de realçar que o guia que foi criado entre o Governo e os intervenientes na cadeia alimentar de

aprovisionamento é extraordinariamente importante, mas desse guia constam princípios. E o que referi na

minha intervenção foi que, na generalidade, a grande maioria dos princípios não está em prática. Ora, aquilo

que propomos, por via deste projeto de resolução, para além de coisas que não constam desse guia, é dar um

impulso à prática – é isso que nós queremos. Queremos não que conste apenas de um papel, mas que se

impulsione a prática. E nisso, de facto, consideramos que não se tem andado depressa, Sr.as

e Srs.

Deputados. Com a maior sinceridade, para além da atribuição de selos e de prémios, que não acho que seja a

matéria fundamental para o combate ao desperdício alimentar, o Governo não tem andado bem relativamente

a essa matéria.

É interessante que o Sr. Deputado Bruno Coimbra tenha feito um paralelismo entre a importância do

combate ao desperdício alimentar e o encerramento de serviços públicos.

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — E fez muito bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Desculpe, Sr. Deputado, mas acho isso inacreditável! Deixe-me

tentar dizer-lhe uma coisa para que todos nos consciencializemos da questão. Combater o desperdício

alimentar não é tirar comida às pessoas, e isso foi o que os senhores fizeram com os serviços públicos:

encerraram serviços públicos de proximidade, dificultando o acesso das populações a esses serviços.

Portanto, vamos eliminar essa comparação, que não faz qualquer sentido nesta discussão, Sr. Deputado.

Já agora, quero dizer-lhe que a FAO reconhece que — veja bem, Sr. Deputado! — se se aproveitasse um

terço de tudo o que é desperdiçado ao nível alimentar no mundo isso daria para alimentar toda a população do

mundo. Bastaria «atacar» um terço desse desperdício alimentar. Isto faz-nos perceber a dimensão do

problema e a dimensão das injustiças que temos de atacar.

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O Sr. Deputado Manuel Isaac, cuja intervenção foi engraçada, porque foi muito prática, acaba por, sem o

dizer ou reconhecer, pôr em causa o modelo de crescimento que se tem vindo a fazer. O Sr. Deputado dá

grandes tacadas na globalização, nos processos de urbanização, de despovoamento do mundo rural, nas

formas de vivência do mundo rural. É verdade, a urbanização faz com que a cadeia de aprovisionamento se

alongue muito mais. O senhor vai fazendo essas críticas todas, só tenho pena que, no dia-a-dia, aqui, na

Assembleia da República, em matérias também fundamentais, o Sr. Deputado não reconheça que estamos

num processo de crescimento capitalista absolutamente infiel à necessidade da preservação e da valorização

dos nossos recursos naturais e da dignificação das populações. Isso é que é extraordinariamente importante.

O Sr. Deputado diz: «Quanto mais se produz mais se desperdiça». Claro, porque se produz em função do

lucro, não se produz em função das necessidades reais das populações. É que se a produção —

designadamente, a aposta na produção familiar — fosse feita em conformidade com as necessidades

alimentares, teríamos outros níveis de produção. E, de facto, para promover novos processos de

desenvolvimento, precisamos, Sr. Deputado, de alterar substancialmente estes processos de produção e estes

processos de consumo.

Mas tome nota disto, Sr. Deputado: o lucro pelo lucro é coisa para erradicar neste processo. São as

necessidades que ditam as formas de produção e não o lucro pelo lucro.

Temos, de facto, necessidade de alterar conceções de crescimento e desenvolvimento. Julgo que este

projeto de Os Verdes também clarifica muito sobre essa matéria.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Fão.

O Sr. Jorge Fão (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Combater o desperdício alimentar e

procurar uma gestão mais eficiente dos alimentos é realmente, como está aqui hoje mais do que provado, um

debate importante. Achamos, mais, que é um debate indispensável e até obrigatório, e um debate do qual

devem ser extraídas consequências. Desde logo, deve haver uma maior consciencialização dos produtores,

dos intermediários, dos comerciantes e dos consumidores para este problema e, depois, deve haver também

uma maior responsabilização dos decisores políticos que intervêm diretamente na gestão desta matéria.

É importante que nos centremos no conceito de desperdício alimentar. O conceito generalizadamente

aceite é o de que todos os alimentos que não cumpram o propósito para o qual são produzidos ou capturados

são considerados desperdício alimentar.

O quadro macro, a nível mundial, caracteriza e demonstra a dimensão grave deste problema. Desde logo

porque as previsões e as projeções apontam para que, em 2050, daqui a 35 anos, com o aumento previsível

da população para cerca de 9000 milhões de habitantes, seja necessário produzir mais 70% de produtos

alimentares do que aquilo que produzimos na atualidade. Isto, só por si, dá a dimensão do que nos espera,

num horizonte de 35 anos, no sentido de termos de intervir nesta matéria. Ou seja, vai ser necessário produzir

mais, continuar a produzir mais.

Mas nós temos a noção de que os solos estão saturados, há recursos que são finitos, as pragas são cada

vez mais resistentes e mais duras e há ainda grandes reservas à utilização de organismos geneticamente

modificados (OGM). Portanto, perante estas e outras dificuldades, será seguramente imperioso combater e

reduzir o desperdício alimentar.

Penso que devemos estar todos conscientes — e este debate ajuda-nos a isso, a mim, particularmente,

ajuda-me — da necessidade de intervir com imperiosa urgência nesta matéria. É preciso, desde logo, termos

todos, coletivamente, a consciência da dimensão e da gravidade do problema, ponto de partida fundamental

para encararmos a questão com a seriedade que ela exige.

É necessário monitorizar e avaliar constantemente aquilo que são os custos económicos, ambientais e

sociais do desperdício alimentar.

É imperioso corrigir e melhorar a atitude, o comportamento e os desempenhos ao longo de toda a cadeia

alimentar. Desde logo, na produção, no processamento dos alimentos, na transformação e conservação, na

distribuição e também no consumo.

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Na Europa, como já foi hoje aqui referido, os dados dizem-nos que, entre 30% a 50% dos alimentos

comestíveis, são desperdiçados, o que significou, no ano passado, cerca de 89 milhões de toneladas de

alimentos desperdiçados, e com perspetiva de evoluir.

Em Portugal, temos dados que apontam no sentido de que 17% dos bens alimentares também são

desperdiçados, ou seja, cerca de 1 milhão de toneladas. E deste milhão de toneladas, logo na fase de

produção, 332 000 t são eliminadas, desperdiçadas.

Portanto, este desafio é realmente gigantesco. Alcançar a máxima taxa de utilização de tudo o que é

produzido para a alimentação, melhorar a eficiência da cadeia alimentar e dar uma cada vez maior redução ao

desperdício são objetivos que têm de nos unir coletivamente.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Jorge Fão (PS): — O projeto de resolução aqui apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes»

centra essencialmente as suas preocupações, embora sendo abrangente, e concentra o discurso na vertente

do setor agrícola, sobretudo na cadeia do agroalimentar.

Pela nossa parte, entendemos que também deveria ser dada uma ênfase especial ao setor da pesca, aos

recursos da aquacultura, uma vez que os mesmos são, neste momento, não só a nível mundial mas também a

nível nacional, uma das peças fundamentais da dieta e da estrutura da alimentação dos portugueses. De facto,

somos os primeiros consumidores de pescado da Europa, somos os terceiros consumidores de pescado do

mundo, consumimos 57 kg/per capita/ano de pescado e, neste setor, também há um desperdício significativo.

Mas aqui é talvez ainda mais grave, porque aqui os recursos são claramente finitos. Estão perfeitamente

identificados os problemas que resultam da sobrepesca, sendo os alertas em relação a muitas espécies são

evidentes para todos nós. E, em muitos casos, há ainda a impossibilidade de reposição de stocks.

Por isso, nesta área dos produtos da pesca e da aquacultura e do meio aquático em geral, é necessário ter

uma atenção especial. Claramente, não vamos poder pescar mais, claramente vamos ter de pescar menos,

mas, sobretudo, temos de pescar melhor, de forma mais inteligente e seletiva, peixes, moluscos, crustáceos,

enfim, toda a variedade daquilo que consumimos nesta área.

No norte da Europa, 20% a 60% das capturas, logo na fase da captura, sobretudo da pesca de

profundidade e da pesca do arrasto, são devolvidas, são rejeitadas.

Em Portugal, 15% das capturas — são dados da FAO, de um estudo feito no âmbito do projeto PERDA, um

estudo credível apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian —, isto é, 30 000 t de pescado, por ano, daquilo

que designamos como «o melhor peixe do mundo», são devolvidas (devolvidas, ou seja, não utilizadas), a

saber: carapau, verdinho, sarda, cavala, pescada, faneca, etc. E porquê? Por várias razões: ou porque

ultrapassamos as quotas, ou porque não têm a dimensão mínima aceitável, ou porque a deterioração a bordo

é muito grande, ou porque não há condições de bom tratamento do pescado nas nossas embarcações.

Em 2014, a frota portuguesa descarregou o mais baixo volume de pescado dos últimos 45 anos: 120 000 t,

isto é, menos 17,5% do que em 2013. E a aquacultura, apesar de todo este discurso, não saiu, nos últimos

quatro anos, das 10 000 t/ano.

A balança comercial do setor agravou-se, significativamente, em mais de 40 milhões de euros de prejuízo,

num total de 660 milhões de euros/ano de balança comercial deficitária. Se não combatermos o desperdício e

as devoluções, no setor da pesca, uma parte significativa dos portugueses não terá acesso, a curto prazo, ao

consumo de pescado.

Vou terminar, chamando a atenção para o facto de a nova política comum das pescas, aprovada em 1 de

janeiro de 2014, estabelecer, entre outros grandes objetivos, o combate ao desperdício. Desde logo, a redução

das capturas indesejáveis, a eliminação das devoluções, cuja regulamentação já se iniciou no início de 2015, e

ainda a obrigatoriedade do desembarque de todas as capturas.

Portanto, a pesca tem de ser mais inteligente e nós temos de reduzir a captura ao rendimento máximo

sustentável. É por isso indispensável, no setor da pesca, reduzir também o desperdício.

Para isso, é necessário mais conhecimento e investigação e, sobretudo, tecnologia seletiva nas capturas;

planeamento plurianual das pescarias; técnicas de manuseamento a bordo mais sofisticadas; condições de

conservação e congelação melhoradas; circuitos de processamento melhorados; rede de frio e conservação;

e, sobretudo, promoção do consumo de espécies de menor valor.

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O Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que suporta a política comum das pescas, tem ou

vai ter financiamentos disponíveis. Infelizmente, Portugal ainda não aprovou o seu programa operacional.

Por isso, Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, ainda há muito a fazer no

setor da pesca, no que diz respeito ao combate ao desperdício alimentar. Seguramente, estamos todos

convocados para esse grande desafio.

Quisemos, desta forma, dar um contributo para este debate, trazer este tema específico e aditá-lo a esta

discussão.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Teresa Caeiro.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O combate ao desperdício de

recursos, em geral, é um fortíssimo argumento contra o facto de que o mercado, por si só, não resolve

espontaneamente os seus desequilíbrios. Por isso, deve prevalecer o poder público sobre o mercado.

É assim em relação ao combate à desigualdade dos rendimentos, é assim em relação ao combate que tem

de ser feito relativamente aos objetivos sociais, à exacerbada competição, mas também em relação ao

combate ao desperdício de recursos.

Portanto, o mercado não é meramente regulado; ele deve estar subordinado a um poder que regula, mas

estrategicamente delineia o seu futuro. Por isso, o Bloco de Esquerda é adepto de um Estado estratego, e o

combate ao desperdício é obviamente uma componente essencial desse combate político, dessa visão e

conceção do Estado e da sua relação com a sociedade.

Focando agora o desperdício alimentar, direi que esta iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes» é bem-

vinda. Ela não se centra nas questões da desigualdade de acesso, quer etária quer social, em relação aos

alimentos, não se centra até noutros aspetos que poderíamos hoje aqui debater, mas centra-se numa questão

prévia, a montante, acerca do equilíbrio de recursos, no caso, dos recursos alimentares.

E nós acompanhamos esta iniciativa exatamente porque está descrito, está estudado que há um elevado

grau de perda destes recursos, o que, aliás, se vem somar a outros recursos elementares que são perdidos

como a água e outros, mas que hoje não estamos a tratar.

Entendemos que deve haver um combate a este efeito, que é difícil porque o problema da existência de

desperdício alimentar é correlativo com o facto de haver programação por parte da grande distribuição e da

grande produção. É que a produção e a distribuição em escala promovem desperdício porque eliminam a

concorrência. Portanto, o desperdício é apenas uma fatura marginal do mecanismo de eliminação da

concorrência, que já fizeram anteriormente. Esta é a lógica do funcionamento do mercado capitalista atual.

Sobre isto — e já hoje ouvimos alguns ecos —, a direita entende que há um problema de responsabilidade

social das empresas e que deve haver uma corresponsabilização na cadeia alimentar. Isso está a fazer-se

como? As grandes superfícies, mais ou menos no limite do prazo de validade de um conjunto de produtos

alimentares, transferem-nos para instituições particulares de solidariedade social, para escolas públicas, etc.,

tentando obviar a existência de desperdícios. Não contestamos, mas isto dá bem a noção de que o combate

ao desperdício, longe de ser um programa económico, é um programa assistencialista. Na verdade, não

acompanhamos a conceção nem a ideia de sociedade que está inerente a esse programa.

Nestas circunstâncias, relevamos bastante, no projeto de resolução apresentado pelo Partido Ecologista

«Os Verdes», a questão da educação ambiental, que é marcante, porque ela insere em si mesma uma ideia

de cidadania, de partilha, de responsabilidade coletiva, de responsabilidade social acerca da utilização de

recursos finitos, como é o caso dos alimentos, quer eles sejam pouco ou bastante elaborados.

Portanto, acompanhamos essa ideia, até porque não há políticas públicas que venham a dominar qualquer

fase deste processo na cadeia alimentar se não houver uma consciência cultural bastante forte.

As políticas públicas têm de ter aquisições culturais fortes na população para que elas não sejam, pura e

simplesmente, um epifenómeno, um fogacho de momento, sem conduzirem a nada de objetivo.

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Para nós o importante não é que o próximo ano seja dedicado a uma campanha, o importante é que seja

introduzido no currículo escolar um conjunto de noções importantes, que sejam reatualizadas ciclicamente na

escola e nos programas acerca da necessidade, não só de bem combinar os alimentos, de bem aferir da

qualidade desses alimentos, mas também de saber dosear recursos que são finitos e que dependem sempre

da mãe natureza e pelas quais deve haver um respeito especial dos cidadãos e dos seres que exercem a

cidadania, ou seja, de seres pensantes que formamos a partir da escolaridade.

Portanto, Sr.as

e Srs. Deputados, gostaria de exprimir o nosso apoio a esta iniciativa e, havendo uma série

de opiniões bastante positivas e quase holísticas por parte da maioria em relação a esta iniciativa do Partido

Ecologista «Os Verdes», vamos ver se vê a luz do dia alguma iniciativa que convirja com este desiderato, com

este propósito.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Inácio.

O Sr. Bruno Inácio (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Gostaria de saudar, em primeiro

lugar, o Partido Ecologista «Os Verdes» pelo projeto de resolução que nos traz hoje.

Trata-se de um tema fundamental nos dias de hoje e a nossa capacidade de encontrar soluções para este

problema é fundamental para concretizarmos em conjunto uma marca distintiva da nossa capacidade de

organização, enquanto sociedade solidária.

Dirijo, em primeiro lugar, uma primeira palavra, que ainda não foi dita neste debate e que me parece

extremamente importante e justa, a todas as IPSS (instituições particulares de solidariedade social), ONG

(organizações não-governamentais) e múltiplas organizações que, neste País, do Algarve até ao Minho,

passando pelas regiões autónomas, trabalham de uma forma voluntária e altruísta para combater o

desperdício alimentar. Essas pessoas devem ser enaltecidas por todos nós hoje, nesta Câmara.

Aplausos do PSD, do CDS-PP e de Deputados do PS.

Este projeto de resolução que o Partido Ecologista «Os Verdes» traz hoje vai ao encontro daquelas que

têm sido as políticas do Governo nesta área e, portanto, só temos de o enaltecer.

Centrando o debate na questão do desperdício alimentar, devo dizer que este projeto de resolução

apresenta múltiplos paralelismos com o Plano Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar, que, como

sabem, foi lançado em outubro, e que pode ser sintetizado no documento Prevenir Desperdício Alimentar —

Um compromisso de todos. Importa sublinhar estes paralelismos, porque é importante para este debate falar

deste Plano Nacional e referir algumas dessas medidas.

Em primeiro lugar, este Plano reconhece a existência deste problema, tal como o refere o projeto de

resolução hoje apresentado, e procura entender as suas causas.

Depois centra, e bem, muita da sua atenção na educação e na sensibilização. É fundamental dar aos mais

novos a informação necessária para que possam desenvolver uma consciência deste problema e que sejam

eles os contribuintes ativos da mudança de mentalidade, que se impõe nesta matéria.

Este Plano trata, e bem, na área da produção, com o estabelecimento de protocolos para a boa gestão da

doação de excedentes da agricultura, nomeadamente com a criação na plataforma do Banco Alimentar de um

banco de excedentes agrícolas; na área da transformação, que também já foi aqui referida hoje, com a

elaboração de códigos de boas práticas que minimizem o desperdício alimentar no sector e promovam uma

gestão sustentável dos recursos; na área da distribuição e comercialização, com o encaminhamento de

produtos excedentes para as IPSS; na área da comunicação, com a elaboração de folhetos de informação e

de sensibilização, a realização de um e-book com dicas e sugestões para o combate ao desperdício alimentar,

a elaboração de conteúdos programáticos para a formação avançada de professores dos 1.º e 2.º ciclos — de

resto, também já foi referida nesta Câmara a importância de dotar os professores de ferramentas para

poderem trabalhar com os mais novos — ou, ainda, ações de iniciativa académica, empresarial e social que

têm sido implementadas, nomeadamente em cantinas escolares e universitárias, de resto com excelentes

resultados.

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Refiro ainda a área da informação, prevendo a realização de um estudo de avaliação e segmentação do

desperdício alimentar em Portugal. Esta informação irá permitir que todos os decisores tenham um

conhecimento mais detalhado da realidade, como, aliás, o Partido Ecologista «Os Verdes» hoje defendeu, e

bem, definindo, assim, linhas de ação para a sua prevenção, aproximando o desperdício da reutilização, o que

constituirá um passo determinante no estabelecimento de uma plataforma nacional de conhecimento sobre o

desperdício alimentar.

Importa também dizer que este não é um plano do Governo, não é um plano da Sr.ª Ministra ou do Sr.

Secretário de Estado. Este é um plano do País, porque foi feito com a sociedade civil, foi feito com as

associações representativas do sector, foi feito com quem sabe e para quem precisa.

Gostaria igualmente de dizer que este é um plano factual, interventivo e permitam-me que sublinhe mais

uma vez, porque me parece ser de especial relevância, o carácter formativo e educativo deste Plano.

Uma nota ainda, porque nos parece de especial relevância, para referenciar as autarquias e os outros

agentes que têm realizado planos locais de combate ao desperdício alimentar. Também essas autarquias,

esses agentes, e até alguns privados, são determinantes no sucesso a este combate.

Esta problemática exige da nossa parte ações, as quais temos tomado, exige também um esforço

concertado entre todos os diferentes projetos, o qual ditará o sucesso destas ações.

Sr.as

e Srs. Deputados, podemos sempre fazer melhor. Este Plano que o Governo colocou em marcha pode

e deve ser continuamente melhorado, mas estamos a agir para combater este problema e com o esforço de

todos estamos certos de que vamos conseguir diminuir substancialmente o desperdício alimentar em Portugal.

Sr.as

e Srs. Deputados, julgo que, pelo que temos ouvido hoje nesta Câmara, no que respeita ao

desperdício alimentar, muito mais é aquilo que nos une do que aquilo que nos separa, o que é de louvar

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ivo Oliveira.

O Sr. Ivo Oliveira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Combater e reduzir o desperdício

alimentar é também melhorar a saúde.

O estado de saúde de uma população está intrinsecamente ligado ao tipo de alimentação e ao estilo de

vida adotado. As alterações no estilo de vida e no tipo de alimentação têm provocado o abandono de dietas

ricas em vegetais, naturalmente mais saudáveis e implicando menos desperdício alimentar e ambiental.

Na Europa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a obesidade como a epidemia do século XXI.

Pela falta de tempo e de controlo sobre o que se come — e já foi abordada a questão da segurança alimentar

—, o crescimento do fast food tem sido uma realidade. Pensa-se que se ganha tempo, mas, na verdade,

desperdiçamos saúde e qualidade de vida.

O excesso de consumo de embalagens, que também se relaciona com esta situação, piora o ambiente.

Em Portugal, metade da população tem excesso de peso. Os encargos económicos relacionados com a

obesidade são cerca de 3,5% do total das despesas com a saúde.

De acordo com uma notícia recente, publicada esta semana, 93% das crianças portuguesas ingerem sal

acima das recomendações da OMS e mais de metade ingere sal acima do tolerável.

Combater o desperdício alimentar e melhorar a saúde é valorizar também a nossa cultura gastronómica e a

dieta mediterrânica, que é até Património Imaterial da Humanidade, que tem na sua génese os valores

tradicionais do convívio à mesa, a unificação da família e a redução do desperdício alimentar.

Combater o desperdício alimentar é também gerir melhor e mais equitativamente os recursos e perceber

que têm impacto nos determinantes sociais de saúde.

Ao contrário do que foi dito neste debate pelo Sr. Deputado Bruno Coimbra, este não foi o Governo do

combate ao desperdício; pelo contrário, desperdiçou uma boa oportunidade de atuar nas variáveis críticas de

melhoria da qualidade de vida das populações: na resposta à crise, na precariedade, na pobreza e na

desigualdade.

Resposta à crise — este Governo ignorou que a crise criou mudanças de hábitos nas famílias portuguesas:

passou a consumir-se menos carne e peixe e mais fast food e, relativamente aos alimentos, os mais saudáveis

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continuam mais caros do que os menos saudáveis. O Governo também ignorou os danos colaterais dos cortes

cegos efetuados, por exemplo, no setor da saúde.

A precariedade também tem um efeito grande nos hábitos alimentares: o stress provocado, os horários de

trabalho, a obesidade. A sensibilização para a problemática da alimentação no local de trabalho devia ter sido

um ponto de atuação ao longo destes quatro anos.

Também em relação à pobreza e à desigualdade, matéria que já foi aqui referida, não podemos esquecer

que 30% dos nossos idosos estão num estado de desnutrição e existem, relativamente a 2011, mais de 300

000 portugueses em risco de pobreza e em privação severa, a qual inclui também as necessidades de

alimentação. Aumentaram os pedidos de ajuda ao Banco Alimentar e às outras IPSS.

Diminuir o desperdício alimentar é apostar na prevenção e na educação: A educação para a cidadania e

saúde são também áreas onde este Governo desinvestiu e devemos cada vez mais cedo criar hábitos

saudáveis na nossa população.

O Partido Socialista, já em 2011, apresentou dois projetos de lei visando consagrar o regime de fruta

escolar e promover a educação alimentar e ambos tiveram uma resposta negativa por parte desta maioria.

Estas iniciativas não foram aprovadas e, até hoje, nada foi feito do ponto de vista legislativo.

Relativamente a este projeto de resolução do Partido Ecologista «Os Verdes», que acompanhamos na

generalidade, damos nota dos pontos importantes no setor da saúde, desde logo o desenvolvimento de

programas de ideias dos jovens para o combate ao desperdício alimentar e a generalização do conhecimento

dos consumidores em termos de literacia em saúde.

Aplausos do PS.

Resumindo e concluindo, também nestas matérias vivemos quatro anos de desperdício!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, queria começar por agradecer ao Sr. Deputado Miguel

Freitas a gentil referência que fez ao meu nome na sua intervenção — aliás, o tom da intervenção do Sr.

Deputado Miguel Feitas eu subscrevo plenamente —, mas é uma medalha pela pior das razões.

Nestes quatro anos, o tema do desperdício alimentar não tem sido uma prioridade nesta Casa, e devia ser.

E eu não consigo dissociar o desperdício alimentar das situações de carência das pessoas. Penso que não faz

sentido falarmos em desperdício se não o associarmos a situações de carência e de necessidade das

pessoas.

De facto, temos milhões de pessoas em todo o mundo que não conseguem assegurar diariamente o

mínimo alimentar para a sua sobrevivência e temos milhões de pessoas em todo o mundo que o conseguem

só com ajuda alimentar externa, não o conseguem com os seus próprios meios, seja porque vivem em regiões

que, com o tempo — e aqui temos também uma questão ambiental —, se desertificaram e perderam a aptidão

para produzir os alimentos necessários a sustentar as populações que nelas residem, seja porque vivem em

regiões devastadas pela guerra e foram forçadas a fugir, vivendo em campos de refugiados sem condições

mínimas de sobrevivência e dependentes de países e instituições para proverem o seu sustento diário.

Também nos países industrializados milhões de pessoas vivem na pobreza por força do desemprego e da

marginalização social, em muitos casos associada ao desemprego.

No entanto, há desperdício alimentar. Esse desperdício alimentar é grave não só do ponto de vista

ambiental pelo que significa de desperdício de recursos, mas também do ponto de vista humanitário pelo que

significa de privação e de desperdício de recursos alimentares para esses milhões de pessoas que a eles não

têm acesso e deles necessitam desesperadamente.

O desperdício tem causas várias, entre elas: excesso de produção desses recursos em regiões mais ricas,

recursos, esses, que não são devidamente canalizados para as regiões e populações mais carenciadas; redes

de distribuição e cadeia longa de intermediários que provocam perdas ao longo desse percurso e encarece os

bens quando estes chegam ao consumidor final; más práticas por parte das empresas produtoras e das

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empresas comercializadoras desses produtos ao promoverem a venda embalada de quantidades excessivas

de alimento, causando o desperdício por não consumo do mesmo de 10%, 20% e até 30% do conteúdo

embalado nessas embalagens; má rotulagem por parte dos produtores e fabricantes, associada ao não

esclarecimento — logo, iliteracia — de grande parte da população consumidora em coisas tão simples,

conforme bem salientaram Os Verdes, como a diferença entre consumir «antes de» ou consumir

«preferencialmente até»; inexistência de políticas públicas claras de recolha e de distribuição entre as pessoas

mais carenciadas dos excedentes das grandes superfícies, da hotelaria, da restauração, dos estabelecimentos

de comércio ligados ao comércio alimentar em geral.

Nesse aspeto, a Europa e as políticas europeias não têm associado devidamente o desperdício alimentar à

carência, porque se, por um lado, se começa agora a falar na Europa e a querer implementar medidas de

combate ao desperdício alimentar, por outro lado, não estar associado à carência implica que na área

alimentar haja regulamentos europeus muito rígidos e que impedem muitas vezes que o produtor ou o

fabricante possam combater melhor o desperdício alimentar, por exemplo na parte da embalagem, do

transporte e da rotulagem.

No mundo inteiro, estima a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), que

são desperdiçados cerca de um terço dos alimentos produzidos e na Europa estima-se o desperdício anual

entre 30% a 50% de alimentos na cadeia alimentar que medeia o produtor e o consumidor. Em Portugal,

dados de 2012 estimam essas perdas em 17%.

Consciente dessa realidade, o Governo, através do Ministério da Agricultura e do Mar, já tomou diversas

medidas, umas diretamente e outras através de protocolos com instituições privadas e do setor social,

nomeadamente com as instituições de solidariedade social, com a Cáritas, com estabelecimentos de

distribuição, de grande distribuição e de retalho locais.

Gostaria de salientar, entre as medidas que o Governo tomou, as que dizem respeito à área da produção,

com os protocolos de que falámos e com a criação da plataforma do Banco Alimentar; à área da

transformação, com a elaboração do código de boas práticas; à área da educação e comunicação, com a

elaboração dos folhetos de informação que já aqui foram referidos e com a elaboração de conteúdos

programáticos para a formação avançada de professores e do 1.º ciclo para serem iniciados já no próximo ano

letivo; à área da sensibilização e responsabilização, com o lançamento da iniciativa PRA-TØ, que é o

reconhecimento de práticas de prevenção do desperdício alimentar, uma ligação do Governo com a sociedade

civil; à área de regulação, agilização e reconhecimento, com o estudo de avaliação e segmentação do

desperdício alimentar em Portugal, sugerindo propostas e linhas de atuação futura e na promoção e

comercialização dos produtos locais e provenientes da agricultura familiar.

Este é o programa que o Governo tem vindo a implementar com resultados que já são muito satisfatórios

no terreno e cujo conhecimento nos chega através dos diversos agentes que nele intervêm.

Mas o papel das autarquias também é fundamental. É também em relação a esta matéria que as

autarquias devem intervir pelo seu conhecimento e pela proximidade que têm do território.

Nesse contexto, gostaria de destacar a experiência pioneira da Câmara de Cascais, que contou com uma

iniciativa da responsável, à data, por essa área, a Dr.ª Mariana Ribeiro Ferreira, e no presente, em Lisboa,

num outro âmbito, mais profundo e abrangente, destaco a iniciativa do Deputado do CDS João Pedro

Gonçalves Pereira, Comissário Municipal de Combate ao Desperdício Alimentar, que propôs um Plano

Municipal de Combate ao Desperdício Alimentar, o qual foi aprovado em Assembleia Municipal de Lisboa por

unanimidade.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Por unanimidade!?

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sim, por unanimidade.

Desse plano destaco os seguintes pontos de convergência:

Criação de uma rede alimentar solidária com cobertura geográfica em toda a cidade, com base na

distribuição de refeições resgatadas;

Criação do combate ao desperdício alimentar, em ligação já protocolada com mais de 70 entidades, com

24 juntas de freguesia, IPSS, universidades, confissões religiosas e organizações não-governamentais;

Realização de uma abordagem multidimensional social, económica e ambiental do desperdício alimentar;

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Proposta de uma abordagem mais focada na ação e menos na pedagogia — lá está a tal proximidade ao

território que as autarquias têm e que às vezes escapa aos Governos;

Criação de um projeto-piloto para vir a ser replicado noutros municípios. Terei todo o gosto, se assim o

entenderem, em fazer distribuir uma carta municipal já elaborada para que os Deputados aqui presentes das

diversas regiões do País possam levar ao conhecimento das suas autarquias de modo a que elas

implementem este projeto.

Este programa teve o apoio da FAO e da ASAE e implicou a criação de uma linha telefónica, de um banco

de voluntariado e de um manual de boas práticas.

Gostaria de aqui dizer que este programa é de tal maneira pioneiro que, estando a ser completado e

executado em todas as suas vertentes já foi declarado como um programa pioneiro a nível mundial e está a

ser seguido como um programa-piloto a nível mundial por governos e por autarquias.

Termino dirigindo-me ao Partido Ecologista «Os Verdes» para lhe dizer que esta iniciativa é bem-vinda e

que a subscrevemos integralmente. As suas recomendações, em parte, já estão a ser executadas pelo

Governo e já constam deste programa da Câmara Municipal de Lisboa. A iniciativa que Os Verdes tiveram a

dignidade de trazer a Plenário, para aprovação, poderá servir, não só de recomendação ao Governo, mas

como de guião e de inspiração para as autarquias por este País fora.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Discutir desperdício alimentar e gestão

eficiente dos alimentos remete-nos em primeira mão para uma abordagem às formas de produção e aos

setores produtivos.

A verdade é que, hoje em dia, em Portugal e na Europa, ao mesmo tempo que muitos têm dificuldade em

fazer uma alimentação adequada ou sequer alimentarem-se, muita produção fica nas explorações por

recolher.

A primeira abordagem que tem de ser feita é no sentido de saber como funciona, com que orientação e

com que objetivos a produção em Portugal. Será que os agricultores estão a produzir alimentos em função das

necessidades do País? Que estratégia existe orientada nesse sentido? Depressa chegamos a uma conclusão:

não existe uma estratégia ou, pior, existe a estratégia de não ter estratégia para permitir que sejam os ditos

mercados — que é como quem diz os interesses económicos — a orientar a produção.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Ramos (PCP): — Os exemplos que confirmam o que dizemos são vários, como, por exemplo,

o maior investimento público de sempre que foi feito no setor agroalimentar, o projeto do Alqueva. Foi o facto

de empresários espanhóis quererem produzir azeite que orientou para a instalação, em Alqueva, da massa de

olival que lá existe.

Outro exemplo da falta deliberada de estratégia é o objetivo do Governo de assumir o equilíbrio da balança

agroalimentar, mas apenas em valor. Isto é, o Governo só se preocupa que aquilo que o País exporta seja em

valor suficiente para cobrir os custos do que importa.

Para o Governo e para que este objetivo seja atingido basta que o País se especialize na produção de dois

ou três produtos, que o resto comprar-se-á ao exterior. O único problema é que esta estratégia põe em causa,

em larga escala, a soberania do País.

A verdade é que para quem tanto se verga a Bruxelas sem ousar levantar um dedo conceitos como

soberania alimentar devem dizer muito pouco.

O Sr. João Oliveira (PCP): -- Muito bem!

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O Sr. João Ramos (PCP): — É muito claro que para o Governo, o atual e os anteriores, a função da

agricultura não é, em primeira mão, a satisfação das necessidades alimentares do País; a agricultura é apenas

mais um setor económico.

Estas opções e estas políticas não são as que o País precisa. O País, apesar de um grau de

autossuficiência alimentar que rondará os 70% e apesar de ser autossuficiente em meia dezena de produtos, é

altamente deficitário em alguns produtos estratégicos.

O País importa cerca de 50% da carne de bovino, 35% da carne de suíno — da qual já produziu 90% —,

55% da batata, 30% das frutas, 93% do feijão seco, 90% do grão-de-bico, 88% dos cereais e entre estes 96%

do trigo. O exemplo do trigo é flagrante nesta relação de dependência do exterior: o País só produz 4% do

trigo que consome e o principal fornecedor de trigo era, em 2013, a Ucrânia. Isto dá-nos a dimensão da

fragilidade deste modelo.

Outra opção que é necessário implementar tem a ver com a sustentabilidade dos recursos. A terra para

produção agrícola é limitada e a superfície agrícola utilizável tem vindo a reduzir, pelo que uma adequada

utilização do solo não só é necessária como fundamental para assegurar o futuro do País.

Modelos de produção assentes em exploração intensiva e superintensiva que procuram lucro rápido,

elevado e com alta capacidade de esgotamento do solo, ou o assunto da introdução da produção florestal em

terrenos de cultivo e de regadio que se tem vindo a falar e a potenciar, nomeadamente com a lei da

eucaliptização, são bons contributos para o esgotamento do solo e para a redução da área agricultável.

Neste contexto, a agricultura familiar, a pequena e a média agricultura são as que utilizam de forma mais

equilibrada os recursos, quer através de uma vasta diversificação cultural e de rendimentos, quer porque

produz localmente o que é consumido localmente e quase sempre produtos de melhor qualidade, para além

do seu potencial fixador de populações.

Mas à produção e ao aproveitamento alimentar está ligada outra matéria: a distribuição.

A distribuição dá um contributo grande para promover a agricultura de cariz industrial, uma vez que, ao

aniquilar a pequena e a média produção através do esmagamento de preços, deixa apenas espaço para a

produção industrial. E a grande distribuição representa 70% desta atividade no nosso País.

O Governo foi obrigado a assumir a existência deste problema da predação da produção por parte da

distribuição pela evidência que ela apresentava, mas não o resolveu. O Governo continua com a PARCA

(Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar) na boca e a grande distribuição

com as mãos livres para pagar e impor o que quiser e quando quiser.

Para além disso, a grande distribuição é a face visível da normalização dos produtos, em que o calibre e o

brilho valem mais do que a qualidade ou a origem do produto. Este processo de normalização tem sido

responsável por deixar fora dos circuitos comerciais e dos circuitos de consumo quantidades significativas de

alimentos.

Assim, medidas de venda direta de produção permitem ao consumidor o acesso a produtos mais frescos,

tendencialmente de melhor qualidade e dos quais se sabe a origem. Estas medidas não serão a solução para

todos os problemas de escoamento da pequena e média agricultura, mas dariam o seu contributo.

O Grupo Parlamentar do PCP acompanha as preocupações e as propostas do Partido Ecologista «Os

Verdes».

Um país organizado, moderno e soberano tem de garantir a alimentação dos seus cidadãos, procurando

atingir a autossuficiência tanto quanto for possível. Medidas de aproveitamento de todos os recursos que

implicam a rejeição de imposições que limitem a possibilidade de consumo fazendo prevalecer o aspeto ao

conteúdo têm de ser combatidas.

A soberania, nas suas diversas vertentes, não dispensa a soberania alimentar e ela é incompatível com

uma visão exclusivamente economicista da agricultura que deixe de fora a sua importância para a satisfação

das necessidades alimentares do País; incompatível com uma definição da política agrícola e logo de

produção de alimentos, definida a partir do exterior e por princípios de mercado que deixam de fora as

preocupações atrás expostas; e incompatível com a não existência de uma política agrícola nacional, com uma

abordagem estratégica e que deverá ser orientadora das definições e decisões em matéria de produção

agroalimentar.

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É isto que falta ao País e é também isto parte integrante daquilo a que o PCP chama uma política patriótica

e de esquerda e que estaremos disponíveis para a pôr em prática, assim seja essa a vontade dos

portugueses.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Nuno Serra, queria pedir às

Sr.as

e aos Srs. Deputados que fizessem silêncio na Câmara, pois está muito ruído e torna-se muito difícil ouvir

os Srs. Deputados que estão no uso da palavra.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Serra.

O Sr. NunoSerra (PSD): — Ex.ma

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Quero começar por

cumprimentar o Partido Ecologista «Os Verdes» pelo tema trazido hoje a debate, assinalar a sua importância e

reconhecer o consenso que este assunto alcança quer nesta Câmara quer na nossa sociedade.

Tenho a certeza de que estamos todos de acordo sobre a necessidade de combater o desperdício

alimentar. Contudo, apesar desta consciência, as ações individuais e coletivas do Homem mantêm elevados

níveis de desperdício alimentar. O problema continua a resistir e a persistir e por essa razão a importância

deste debate aqui hoje, a importância da visibilidade que hoje trazemos a este tema, que tem uma enorme

relevância na sensibilização da sociedade para o combate ao desperdício alimentar.

Uma universidade norte-americana estimou que em 2012, a nível mundial, cada habitante desperdiçava,

em média, 300 kg de alimentos.

No mesmo sentido, a FAO aponta que em 2013 o total de alimentos desperdiçados representou,

aproximadamente, 30% da superfície agrícola útil mundial, com um custo anual de 750 000 milhões de

dólares. São números impressionantes. E mais impressionantes porque são referências médias, o que

significa que em certas zonas do Globo o desperdício é ainda maior.

Na verdade, enquanto certas regiões do mundo lutam pelo aumento de alimentos para as suas populações

subnutridas, a Europa e os Estados Unidos da América desperdiçam 30% e 50%, respetivamente, dos

alimentos comestíveis ao longo de toda a cadeia, desde o produtor ao consumidor.

Outra publicação alerta para que menos de um quarto dos alimentos que são atualmente desperdiçados na

Europa e nos Estados Unidos seriam suficientes para alimentar os cerca de 800 milhões de pessoas que

sofrem de fome crónica em todo o mundo.

Na União Europeia, a perda anual é de cerca de 89 milhões de toneladas, equivalendo a 179 kg por

habitante, distribuídos por: consumidores — 42%; indústria — 39%; restauração — 14%; e distribuição — 5%.

Em Portugal, os cálculos conhecidos são menores, mas nem por isso menos graves. Estudos de 2012

apontam que ao longo da cadeia o desperdício representa 17% da produção alimentar anual, num valor

económico de cerca de 1 milhão de toneladas.

Sr.as

e Srs. Deputados, os atuais níveis de desperdício alimentar, mais do que uma questão económica,

ambiental e político-social, são acima de tudo uma questão moral e de ética.

Aplausos do PSD e CDS-PP.

Perante a pressão crescente na produção de alimentos de modo eficiente, isto é, produzir mais com menos

recursos, para satisfazer o aumento da população mundial que se estima em mais de 9000 milhões em 2050,

é essencial que os níveis de desperdício alimentar sejam reduzidos.

A par do desafio da humanidade em alimentar uma população mundial em forte ritmo de crescimento, cada

vez mais distanciada do mundo rural e concentrada em zonas urbanas, está a tornar a alimentação acessível

a todos os habitantes, independentemente da região onde se habita.

Na verdade, o atual volume de desperdício contribui para a forte pressão nos recursos e no preço dos

alimentos, dificultando o acesso a estes por parte dos mais desfavorecidos.

Por isso, combater o desperdício alimentar é também combater o problema da fome e das desigualdades

sociais no acesso a bens de primeira necessidade, como são os produtos alimentares.

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No PSD, estamos cientes desta questão há muito tempo e desde cedo que abordamos o assunto em

diversos fóruns.

Consideramos útil um debate alargado de modo a que se construam políticas públicas adequadas para

lidar com esta questão.

Por ser um problema transversal, há diversas ações que contribuem para reduzir o tal desperdício na

alimentação e, como tal, congratulamo-nos com a atitude do Governo na abordagem do problema, na

apresentação de soluções inovadoras e abrangentes.

A alteração legislativa nas práticas restritivas de comércio ou o prazo de pagamento aos produtores por

parte da distribuição são exemplos de medidas que, não sendo diretas, intervém na cadeia de consumo,

permitindo uma maior equidade entre produtores e distribuidores, reduzindo a pressão junto dos produtores no

escoamento dos produtos e, consequentemente, uma diminuição dos desperdícios.

Por outro lado, a promoção de mercados de proximidade que temos vindo a defender dia após dia, como

meio de escoar produtos provenientes de pequenas produções sem alternativas nas grandes superfícies, é

outra medida que contribui para o combate ao desperdício.

Em Portugal, onde predomina a agricultura familiar e as pequenas produções, é frequente que os

pequenos produtores não consigam contratos com os principais canais de distribuição, havendo dificuldade no

escoamento dos produtos e originando desperdício alimentar.

Por isso, no PSD temos defendido a promoção de mercados de proximidade no sentido de alargar as

formas de comércio, em particular para os pequenos produtores, permitindo uma nova forma de dinâmica

económica local.

Aliás, também já aqui foi referida, a propósito da revisão do Código Cooperativo, a importância que as

cooperativas têm na abertura de mais canais comerciais, mas também na distribuição dos excedentes

alimentares.

Outras medidas foram sendo promovidas pelo Governo de modo a estimular a sociedade numa

corresponsabilização comum em nome de uma sociedade mais justa e igual, respondendo, assim,

antecipadamente ao repto do Parlamento Europeu em propor 2014 como o Ano Europeu Contra o Desperdício

Alimentar.

Atualmente, em Portugal estão a ser desenvolvidas ações ao nível da produção, da transformação, da

distribuição e comercialização, da educação e comunicação, da sensibilização e responsabilidade e da

regulação, agilização e reconhecimento.

Na verdade, quando vemos que mais de um terço do desperdício está nas nossas casas, percebemos que

as soluções têm de passar também por uma alteração dos hábitos de consumo e de uma consciencialização

prática sobre o que estamos a desperdiçar.

No nosso entender, ainda há muito trabalho a desenvolver e, como tal, não consideramos que o debate de

hoje e as medidas apresentadas sejam um fim mas, sim, mais um passo, um passo extremamente positivo,

para um alerta sobre esta causa.

Este é um tema transversal a toda a sociedade e é nossa obrigação como políticos dar o exemplo na

sensibilização, no alerta e no combate ao desperdício alimentar.

Sr.as

e Srs. Deputados, termino dizendo o seguinte: passaram quatro anos desde que estamos nesta

Assembleia. Durante quatro anos, os partidos divergiram nas questões económicas, financeiras, políticas e

sociais, mas hoje acho que é um momento para recordar. É porque hoje, por uma causa maior, os partidos

estão do mesmo lado. Que todos saibam estar à altura disso, que isso seja um exemplo para a sociedade e

para a sensibilização coletiva deste problema.

Aplausos do PSD e CDS-PP

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Freitas.

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: «Só há liberdade a sério quando

houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação».

Cito a canção de Sérgio Godinho e interrogo-me: por que será que de todos os direitos fundamentais

apenas o «direito à alimentação» não ficou inscrito na nossa Constituição?

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Não é bem assim, porque bem sabemos que, não estando de forma explícita, há uma remissão à Carta dos

Direitos Humanos feita na Constituição da República Portuguesa.

Começo por aqui, porque a questão do desperdício remete-nos para a necessidade de assegurar o direito

ao acesso à alimentação a todos e, se a questão da redução do desperdício deve ser um objetivo político,

então, o «direito à alimentação» deve estar no centro da atenção deste Parlamento, enquanto direito

fundamental.

Porque desperdício e fome, carência alimentar e má nutrição, distribuição de rendimentos, desigualdades e

pobreza, fazem parte da mesma equação não nos deixemos ficar pelas ideias feitas, pela dimensão simbólica

ou por sentimentos morais.

Passemos das palavras aos atos, porque é sempre mais fácil isolar os problemas, ficarmo-nos por vagas

recomendações, por compromissos sem metas, deixando as iniciativas legislativas na corrente dos dias e, pior

do que isso, não olharmos para o quadro legislativo já existente.

Curiosamente, no Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar (PERDA), refere-se que, do

ponto de vista legislativo, é necessário, para facilitar a doação ou aproveitamento de alimentos, «analisar e

ultrapassar os obstáculos colocados pelas diversas normas relativas a responsabilidade civil, saúde pública,

higiene alimentar e defesa do consumidor e que podem ser eventualmente superados através de uma

consolidação legislativa que erradique algumas das contradições que subsistem».

Num tempo em que a consolidação legislativa passou, finalmente, a prática neste Parlamento, aí está um

desafio interessante.

Mas é evidente que a questão do desperdício alimentar, para além de uma questão ética, é, acima de tudo,

uma consequência do nosso modelo económico e ecológico. E, sendo uma questão global, só pode ser

resolvido através de soluções regionais e locais.

Em matérias importantes como são as questões das alterações climáticas ou da energia, a Europa é

extremamente ambiciosa e assume a liderança mundial. Porém, numa matéria da máxima relevância para o

desenvolvimento universal como é o combate ao desperdício alimentar, importantíssimo para combater a fome

— um dos objetivos do milénio —, que faz a Europa? Discute, também, simples recomendações.

Deveria ir mais além e assumir, também neste processo, a liderança mundial no combate ao desperdício

alimentar e à fome.

Aguarda-se, assim, com expetativa, para o final deste ano, uma nova diretiva sobre economia circular.

Esta diretiva poderá marcar uma mudança, um novo estímulo para um modelo económico sustentável para

a Europa, a caminho do desperdício zero, com a valorização de produtos em cadeia, passando de um padrão

de crescimento de tipo «extrair-fabricar-consumir-deitar fora», baseado no pressuposto de que os recursos são

abundantes, para um sistema de economia circular que mantém o valor acrescentado dos produtos durante

tanto tempo quanto possível e elimina os resíduos, numa perspetiva de desenvolvimento sustentável.

Quando se fala dos 200 milhões de pessoas que poderiam ser alimentadas com alimentos

deliberadamente desperdiçados todos os dias na Europa, deve ter-se a perceção dos milhares de hectares de

solo, dos milhares de toneladas de adubos e pesticidas, dos milhões de litros de água, das dezenas de

milhares de vidas de animais domésticos e marinhos que também são desperdiçadas com esses alimentos,

dos impactes sobre a biodiversidade, a saúde ambiental e os serviços dos ecossistemas, que são, igualmente,

desperdiçados devido à ineficiência económica e social que se tornou sistémica.

O desperdício alimentar planificado não é apenas um problema de índole social ou de urgência

humanitária, representa também uma grande falha nossa em termos de proteção do nosso património comum,

na origem, onde tudo começa, assim como nos ecossistemas e nas comunidades humanas que os gerem e

dos quais dependem para o seu bem-estar e prosperidade social e económica.

A nossa obsessão com a perfeição gera por vezes atitudes que, mais do que estéreis, são

contraproducentes e danificam os mais frágeis tecidos sociais.

A questão das frutas e legumes, calibrados de acordo com regras que pouco têm a ver com a sua

qualidade nutricional, é uma das principais fontes de desperdício na origem, quer pela adoção de práticas de

gestão agrícola, quer pelas regras de comercialização. O mesmo se passa com as pescas e as chamadas

«capturas acidentais» ou «não proveitosas». Toneladas incontáveis de peixes e outros seres marinhos são

capturadas, acabando por morrer e despejadas borda fora, sendo que muitas dessas espécies já estão

seriamente ameaçadas em termos da sua viabilidade económica e até da sua própria existência.

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Mais uma vez, estamos a falar de desperdício apoiado pelo nosso próprio sistema económico.

É fundamental que nos incentivos à pesca e à produção agrícola possamos identificar práticas que

danificam os nossos recursos biológicos, induzem perdas de valor económico a curto, médio e longo prazo e

contribuem para artificializar o preço de produtos alimentares que tantas vezes acabam desperdiçados e têm

por consequência a erosão exponencial do capital natural, bem como práticas que possam imprimir novas

dinâmicas aos sistemas produtivos, mais competitivas e viradas para os mercados de exportação, sem deixar

para trás a pequena agricultura e a pequena pesca que trabalham para os mercados e as comunidades locais.

Outro aspeto fundamental a considerar é a integração de atividades, numa lógica reforçada do que poderá

ser a economia circular em Portugal e de um novo modelo tecnológico.

A reindustrialização não tem de depender da mesma fórmula já testada de indústrias pesadas e intensivas,

em termos de exploração de recursos, que geram essencialmente empregos pouco qualificados e,

francamente, pagos em valores que não podem orgulhar nenhuma economia civilizada do século XXI.

Portugal tem um potencial brutal para o desenvolvimento da economia circular, através da biotecnologia,

engenharia ambiental e ecológica, dos novos conhecimentos em áreas fundamentais da gestão estratégica e

muito mais.

Temos a geração de cientistas e profissionais mais qualificada de sempre, mas agimos com a mesma

mentalidade industrial dos anos 60.

Há que criar as necessárias condições para que as empresas fomentem o aparecimento e o

desenvolvimento de novas ideias e conceitos de cadeia de produção e de geração de valor partilhado.

Mas a questão do desperdício é também consequência do padrão alimentar, estilos de vida e hábitos de

consumo e esses dependem muito das escolhas individuais.

Em Portugal, muitas têm sido as iniciativas no final da cadeia de valor, nomeadamente para o

reaproveitamento de alimentos fora de prazo e para a doação de refeições geradas por excedentes na

restauração e cantinas públicas.

A iniciativa tem estado do lado da sociedade civil. De resto, permito-me destacar o trabalho da Ordem e da

Associação dos Nutricionistas Portugueses na difusão desta causa.

O reconhecimento, pela UNESCO, da Dieta Mediterrânica como Património da Humanidade e de Tavira

como cidade de acolhimento deste desígnio deve ser aproveitado para a promoção de uma alteração nos

padrões de consumo em Portugal e para a sensibilização dos consumidores.

Também a iniciativa europeia Não desperdice o nosso futuro!, com onze parceiros de sete países, tendo a

Associação In Loco como entidade portuguesa envolvida, bem como os municípios de Loulé e S. Brás, merece

uma referência, cujo resultado imediato será a Carta Europeia de Jovens e de Autoridades Locais Contra o

Desperdício Alimentar, que será apresentada no próximo dia 22 de outubro, na Expo Milão, dedicada ao tema

da soberania alimentar, na qual, como se sabe, Portugal não estará presente, numa decisão errada deste

Governo.

De resto, e finalizando, sendo verdade que o Parlamento esteve até agora quase ausente deste movimento

da sociedade portuguesa, num momento em que se verifica existir um enorme consenso neste Plenário, que

este debate sirva para marcar um ponto de partida para o que é preciso fazer no processo legislativo.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa

Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Ouvi com muita atenção

as intervenções que foram produzidas pelas diversas bancadas e há uma questão que sinto necessidade de

esclarecer. Quando estamos a falar de combate ao desperdício alimentar, é preciso que todos tenhamos

consciência de que não estamos a falar da caridadezinha e do assistencialismo.

O Sr. Bruno Inácio (PSD): — Claro!

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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Vejo vários Sr.as

e Srs. Deputados a acenar que sim, com a

cabeça, e isto é importante. É que combater o desperdício alimentar não é dar as sobras aos pobres — é

importante que isto fique muito claro! —, é fazer com que todas as pessoas tenham condições de acesso aos

bens alimentares que já existem. E por isso é que é tão importante nós, na Assembleia da República,

discutirmos o combate ao desemprego, as condições salariais dos portugueses ou o fornecimento das

refeições escolares nas escolas, enfim, todo um conjunto de questões que se relacionam com esta matéria do

desperdício alimentar e da segurança alimentar. E, portanto, gostava de deixar aqui vincado neste debate este

pequeno ou grande esclarecimento.

Depois, Sr.as

e Srs. Deputados, houve várias bancadas que salientaram a questão de, nesta Legislatura, a

matéria do combate ao desperdício alimentar não ter entrado na agenda parlamentar. Pois foi justamente a

essa questão que Os Verdes, hoje, procuraram também atalhar: trazer à agenda parlamentar uma matéria

extraordinariamente importante para a questão da sustentabilidade.

Mas quero dizer que Os Verdes já têm apresentado vários projetos conexos com esta matéria,

designadamente os projetos para a realização do inquérito alimentar nacional, para a regulação da publicidade

a produtos alimentares dirigidos a crianças e jovens, para o fornecimento das cantinas públicas com produtos

alimentares locais ou para o fornecimento de pequeno-almoço nos apoios alimentares escolares.

De qualquer modo, Sr.as

e Srs. Deputados, considerámos que era importante estruturar um projeto no

sentido de que esta matéria entrasse na agenda parlamentar.

Por outro lado, Sr. Deputado Miguel Freitas, tenho de me penalizar ou penitenciar, talvez, porque,

entretanto, reparei que o Sr. Deputado Jorge Fão respondeu de uma forma muito mais objetiva e direta à

primeira pergunta que me tinha feito, no sentido de saber porquê a criação de um Ano Nacional do Combate

ao Desperdício Alimentar. É que, algures, na sua intervenção, o Sr. Deputado Jorge Fão disse: «Há muito para

fazer nesta matéria». Eis a razão de ser desta proposta de Os Verdes!

Gostava também de dizer ao PSD o seguinte: falaram muito do plano de ação, que é o guia de que eu falei,

que não omiti, neste debate, naturalmente, nem o poderia fazer, mas, atenção, porque isso, a que chamam

«plano de ação», é, antes, um plano de princípios, uma vez que não estabelece metas concretas, nem anuais

nem plurianuais, e é preciso dar esse passo. É aquilo que eu dizia há pouco, ou seja, temos de nos transportar

do plano dos princípios para o plano da prática, e é isso que Os Verdes vêm propor à Assembleia da

República.

Depois, Sr.as

e Srs. Deputados, queria também dizer que foram aqui dados contributos que me parecem

profundamente relevantes, como a questão da pesca, da necessidade de artes mais seletivas, da necessidade

da aposta em melhores condições de conservação, entre outros conjuntos de questões que aqui foram

referidos, e, sim, é importante termos a perceção de todas as dimensões da produção alimentar para os

objetivos de combate ao desperdício alimentar que temos em mente.

Gostava de realçar apenas mais dois aspetos, um dos quais se prende com a afronta que precisamos de

fazer à União Europeia relativamente às suas inconsistências e incongruências nesta matéria do desperdício

alimentar, como já aqui foi referido. Também declararam um qualquer ano como Ano Europeu do Desperdício

Alimentar e pouco ou nada foi feito nesta matéria.

Por outro lado ainda, tomam-no como objetivo, mas estipulam determinadas regras para a presença de

determinados alimentos no mercado como frutas e hortícolas, onde associam a qualidade do produto à sua

dimensão e calibragem, coisa que não tem rigorosamente nada a ver e que contribui extraordinariamente para

grandes lógicas de desperdício alimentar. Isto é uma coisa que tem de ser combatida, na nossa perspetiva,

Sr.as

e Srs. Deputados,…

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr.ª Deputada, peço desculpa mas tenho de a interromper.

Sr.as

e Srs. Deputados, peço que façam algum silêncio para podermos ouvir a Sr.ª Deputada nestas suas

conclusões.

Queira prosseguir, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito obrigada, Sr.ª Presidente.

Como estava a dizer, Sr.as

e Srs. Deputados, é importante apelar e, mais do que apelar, agir, no seio da

União Europeia, no sentido de que estas normas, que, no fundo, vêm contribuir para o engrandecimento do

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desperdício alimentar, sejam arredadas, de modo a que possamos garantir alimentos com qualidade,

fornecidos a toda a população, sem desperdício, naturalmente, ou combatendo ao máximo o desperdício.

Só mais uma questão para a qual gostava de chamar a atenção e que não foi aqui muito debatida, que é a

que se prende com o problema das embalagens. As Sr.as

e Srs. Deputados terão presente que Os Verdes já

trouxeram, por diversas vezes, à Assembleia da República, a sua preocupação relativamente àquilo que o

mercado oferece ao nível das embalagens.

Trouxemos aqui um projeto concreto que não tinha a ver com as embalagens relativas a produtos

alimentares, mas, sim, a outros produtos, embalagens absolutamente desnecessárias que enchem o mercado

de resíduos, daquilo que vai diretamente para o lixo.

Sobre a componente alimentar, aquilo que verificamos é uma coisa mais ou menos parecida, só que não

diz respeito apenas à embalagem, em si, mas mesmo ao seu conteúdo. Formam-se aquelas embalagens de

oferta ao consumidor, com uma enormíssima quantidade de produto, aquilo a que chamei «embalagens

hiperfamiliares», não adequadas às várias dimensões familiares, e as pessoas, não tendo outra opção,

compram aquela dimensão de produto embalado, mas, depois, acabam por se alimentar apenas da parte de

que necessitam para a alimentação da sua família, da sua dimensão familiar, e acabam por deitar o resto fora.

Sr.as

e Srs. Deputados, temos de regular o mercado naquilo que concerne às embalagens. Estamos a falar

de coisas extraordinariamente relevantes do ponto de vista do seu impacto ambiental, quer a montante, quer a

jusante, com a produção de resíduos. E julgo que, definitivamente, esta Câmara tem de olhar para esta

matéria com grande seriedade.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Fiquei satisfeita, aliás, nós, Os Verdes ficámos satisfeitos com a

discussão que aqui se produziu. Deu-me a sensação, mas, agora, seguir-se-á a votação, de que todos os

grupos parlamentares irão votar favoravelmente este projeto de resolução de Os Verdes, ou, pelo menos,

viabilizá-lo, e esta unanimidade será importante para que este projeto possa constituir um pontapé de

arranque, de dinamização da matéria do combate ao desperdício alimentar em Portugal, que, como referi, é

um desígnio social e ambiental que todos devemos acolher na nossa ação política.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições e utilizando os autores

da iniciativa a prerrogativa de procedermos à votação do projeto de resolução no final do debate, peço aos

serviços que acionem o sistema eletrónico para podermos proceder à verificação do quórum de deliberação.

Pausa.

Os Srs. Deputados, que, por qualquer razão, não o puderem fazer, terão de o sinalizar à Mesa e

agradecemos que, depois, assinem junto dos serviços para fazerem o registo presencial, de modo a que seja

considerada a respetiva presença na reunião.

Pausa.

O quadro eletrónico regista 181 presenças, às quais se acrescentam 20, perfazendo 201 Deputados, pelo

que temos quórum para proceder às votações.

Agradecemos aos Srs. Deputados que não se tenham inscrito que assinem, junto dos serviços, para que

não seja contada a falta na reunião.

Vamos proceder à votação do projeto de resolução n.º 1506/XII (4.ª) — Combater o desperdício alimentar

para promover uma gestão eficiente dos alimentos (Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Fica, assim, concluída a nossa agenda de hoje, mas ainda não os trabalhos.

Srs. Deputados, reuniremos, amanhã, dia 4 de junho, pelas 15 horas. A ordem do dia resulta de uma

marcação do PSD e serão apreciados, conjuntamente, na generalidade, as propostas de lei n.os

338/XII (4.ª)

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— Aprova o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, 339/XII (4.ª) — Procede à segunda alteração à Lei de

Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, e 340/XII (4.ª) —

Altera o Código Civil e aprova o Regime Jurídico do Processo de Adoção e o projeto de lei n.º 975/XII (4.ª) —

Altera os artigos 1905.º do Código Civil e 989.º do Código de Processo Civil (PS) e também o projeto de

resolução n.º 1505/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo algumas medidas a acolher na alteração da Lei que

regula as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens bem como na alteração dos normativos legais

constantes do Código Civil relativos à adoção e à criação de um Regime Jurídico do Processo de Adoção

(PS).

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 17 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião Plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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