Página 1
Quinta-feira, 4 de junho de 2015 I Série — Número 94
XII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2014-2015)
REUNIÃOPLENÁRIADE3DEJUNHODE 2015
Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves
Secretários: Ex.mos
Srs. Pedro Filipe dos Santos Alves Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz
S U M Á R I O
A Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da retirada do projeto de resolução n.º 1246/XII (4.ª) e da apresentação dos projetos de resolução n.
os 1495 a 1506/XII (4.ª) e dos projetos de lei n.
os 967 a
975/XII (4.ª). A Câmara apreciou o projeto de resolução n.º 1506/XII
(4.ª) — Combater o desperdício alimentar para promover uma gestão eficiente dos alimentos (Os Verdes), que foi
aprovado, tendo usado da palavra, a diverso título, os Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Miguel Freitas (PS), Luís Pedro Pimentel (PSD), Rita Rato (PCP), Manuel Isaac (CDS-PP), Bruno Coimbra (PSD), Jorge Fão (PS), Luís Fazenda (BE), Bruno Inácio (PSD), Ivo Oliveira (PS), Artur Rêgo (CDS-PP), João Ramos (PCP) e Nuno Serra (PSD).
A Presidente (Teresa Caeiro) encerrou a sessão eram 17 horas e 17 minutos.
Página 2
I SÉRIE — NÚMERO 94
2
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 10 minutos.
Podem ser abertas as galerias.
Antes de darmos início à ordem do dia, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para ler o expediente.
O Sr. Secretário (Pedro Alves): — Sr.ª Presidente, começo por anunciar a retirada do projeto de resolução
n.º 1246/XII — Recomenda ao Governo que promova a abertura do procedimento de classificação do atual
Museu Grão Vasco para «Museu Nacional Grão Vasco» (PS).
Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projetos de resolução n.os
1495/XII (4.ª) — Recomenda ao
Governo a revisão do modelo de aplicação dos limites de captura em diversas espécies (PCP), que baixa à 7.ª
Comissão; 1496/XII (4.ª) — Contra a descaraterização da praia de D. Ana, em Lagos (PCP), que baixa à 11.ª
Comissão; 1497/XII (4.ª) — Pela valorização do ensino profissional e garantia da igualdade de oportunidades a
todos os estudantes (PCP), que baixa à 8.ª Comissão; 1498/XII (4.ª) — Apoios financeiros a centros de cultura
e desporto da Segurança Social (PCP), 1499/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo que reforce a cooperação
com o Governo, a Assembleia Legislativa e os municípios do Estado de Goa, na União Indiana (PS), que baixa
à 2.ª Comissão; 1500/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo a discriminação positiva da sub-região do Vale do
Sousa e Tâmega (PS), que baixa à 11.ª Comissão; 1501/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo a suspensão das
reprivatizações da CP Carga, SA e EMEF, SA (PS); 1502/XII (4.ª) — Pela reabertura e requalificação da linha
do Tâmega (PCP); 1503/XII (4.ª) — Restitui o direito ao transporte aos trabalhadores ferroviários e suas
famílias (BE); 1504/XII (4.ª) — Requalificação e reabertura da linha do Tâmega (BE); que baixam à 6.ª
Comissão; 1505/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo algumas medidas a acolher na alteração da lei que regula
as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens bem como na alteração dos normativos legais constantes do
Código Civil relativos à adoção e à criação de um regime jurídico do processo de adoção (PS) e 1506/XII (4.ª)
— Combater o desperdício alimentar para promover uma gestão eficiente dos alimentos (Os Verdes).
Deram também entrada na Mesa, e foram admitidos, os projetos de lei n.os
967/XII (4.ª) — Regulação dos
horários de funcionamento das unidades de comércio e distribuição (PCP), que baixa à 6.ª Comissão; 968/XII
(4.ª) — Estabelece um regime especial de acesso à pensão de invalidez e de velhice para os trabalhadores
das pedreiras (PCP), que baixa à 10.ª Comissão; 969/XII (4.ª) — Alteração da designação da freguesia da
União das Freguesias de Campo (São Martinho), São Salvador do Campo e Negrelos (São Mamede), no
município de Santo Tirso, para freguesia de Vila Nova do Campo (PS); 970/XII (4.ª) — Criação da freguesia de
Santo Agostinho, no concelho de Moura, distrito de Beja (PCP), que baixam à 11.ª Comissão; 971/XII (4.ª) —
Combate a precariedade, impedindo o recurso a medidas indevidamente consideradas como promotoras de
emprego, como CEI, CEI+ e estágios-emprego, para responder a necessidades permanentes dos serviços
públicos e empresas (PCP); 972/XII (4.ª) — Combate a precariedade laboral e reforça a proteção dos
trabalhadores (PCP), 973/XII (4.ª) — Repõe o princípio do tratamento mais favorável e regula a sucessão de
convenções coletivas de trabalho, procedendo à nona alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º
7/2009, de 12 de fevereiro (PCP), que baixam à 10.ª Comissão; 974/XII (4.ª) — Aprova o regime de
regularização de cidadãos estrangeiros indocumentados (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, ouvindo as regiões
autónomas; e 975/XII (4.ª) — Altera os artigos 1905.º do Código Civil e 989.º do Código de Processo Civil
(PS).
É tudo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à nossa ordem do dia de hoje, que consiste no
debate do projeto de resolução n.º 1506/XII (4.ª) — Combater o desperdício alimentar para promover uma
gestão eficiente dos alimentos (Os Verdes).
Informo os Srs. Deputados que a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia já requereu a votação deste diploma no
final da sua discussão.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, para uma intervenção.
Página 3
4 DE JUNHO DE 2015
3
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Os Verdes trazem hoje a
Plenário da Assembleia da República, como seu agendamento potestativo, uma matéria de grande relevância
para a sustentabilidade: o combate ao desperdício alimentar.
Quando falamos de desperdício alimentar falamos de alimentos destinados ao consumo humano que
acabaram por ser inutilizados em quantidade ou em qualidade. A questão é que esses alimentos, que foram
inutilizados, foram efetivamente produzidos e com impactos muito significativos ao nível da utilização de
recursos naturais, designadamente recursos marinhos, solos, água e energia.
Esses alimentos, que são inutilizados, arrastam, portanto, consigo o desperdício de relevantes recursos
naturais. Isto para já não falar dos resíduos e das emissões de gases com efeito de estufa que deles
resultaram. Ora, o que Os Verdes afirmam é que não estamos em condições de esbanjar assim recursos
naturais, pelo que se torna um imperativo ambiental combater o desperdício alimentar.
É justamente esse o propósito do projeto de resolução que Os Verdes apresentam hoje à Assembleia da
República. Primeiro, é preciso conhecer e ter consciência da dimensão do problema, bem como das suas
causas, para que, depois, se possa atuar em conformidade e com eficácia.
Em Portugal, só existe um estudo realizado especificamente sobre a matéria do desperdício alimentar. Foi
elaborado no âmbito do projeto PERDA (Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar) e consta
da publicação Do campo ao garfo. Esse estudo conclui que são desperdiçados, anualmente, em Portugal,
mais de 1 milhão de toneladas de alimentos e deixa também claro que as perdas alimentares se registam em
todas as fases da cadeia de aprovisionamento: da produção, à transformação, ao embalamento, ao transporte,
à distribuição ou ao ato de consumo. Verifica-se, entretanto, que as fases de produção e de consumo são
aquelas onde se regista maior perda alimentar.
Mas há um registo relevante nesse estudo que merece ser tido em conta. É que o próprio reconhece a
necessidade de se aprofundar conhecimento sobre a questão, reclamando, por isso, desenvolvimento de
novos estudos que permitam conhecer melhor a dimensão do problema.
Entretanto, foi criado um guia, chamado Desperdício alimentar — Um compromisso de todos!, assinado
entre o Governo e vários intervenientes do setor alimentar, que contém princípios importantes e interessantes,
mas que não estão, na sua grande maioria, postos em prática.
Quando falamos de perdas alimentares, não podemos praticar uma política para a sua redução apenas
com base em princípios que constam no papel e com atribuição de selos e prémios.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Verdade!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — O que Os Verdes propõem com esta iniciativa legislativa que
trazem hoje à Assembleia da República é levar o Parlamento a dar um impulso no combate ao desperdício
alimentar em Portugal e a não ficar de fora deste desígnio nacional.
Assim, Sr.as
e Srs. Deputados, propomos que, hoje, a Assembleia da República delibere declarar o ano de
2016 como o ano nacional do combate ao desperdício alimentar. Esta deliberação permitirá que, no próximo
ano, se destaquem, se intensifiquem, se generalizem um conjunto de ações relativas a uma melhor gestão dos
alimentos no nosso País.
Nesse sentido, Os Verdes adicionam já um conjunto de 15 propostas que não visam, nem de perto, nem de
longe, esgotar tudo o que é possível fazer, mas que realçam pontos muito importantes de ação.
Recomendamos ao Governo que, no próximo ano, se envolva também num conjunto de iniciativas no
âmbito do ano nacional do combate ao desperdício alimentar, declarado pela Assembleia da República.
Propomos que se promovam e se criem condições de investigação e de conhecimento rigoroso, mais
detalhado e continuadamente atualizado sobre a realidade do desperdício alimentar, designadamente das
suas causas.
Propomos a criação de um programa nacional de ação que fixe não apenas princípios mas também
objetivos e metas anuais e plurianuais para reduzir o desperdício alimentar. Este programa deve, na
perspetiva de Os Verdes, ser construído num processo de participação ativa e colaborativa da sociedade.
Propomos a compatibilização dos objetivos de redução do desperdício alimentar com a plena satisfação
das necessidades da população, com particular urgência para crianças e jovens, tendo em conta,
nomeadamente, o relatório do INE sobre pobreza, desigualdades e privação material em Portugal. A verdade é
Página 4
I SÉRIE — NÚMERO 94
4
que temos de ter bem presente que as políticas de austeridade do Governo e da troica acentuaram muito os
problemas estruturais de pobreza e de fome no nosso País, que urge combater por todas as vias, mas sempre
num horizonte de garantia de formas dignas de subsistência das famílias.
A educação, a sensibilização, a informação são também processos fundamentais para cumprir objetivos
que implicam alteração de hábitos de vida. Nesse sentido, e com vista ao combate ao desperdício alimentar,
propomos o desenvolvimento de uma campanha de sensibilização de agentes económicos e dos
consumidores.
Propomos que se integre nos programas escolares, no âmbito da educação ambiental ou da educação
para a sustentabilidade, a matéria da gestão eficiente dos alimentos.
Propomos a criação de iniciativas criativas que envolvam os jovens em ideias e ações para combater as
perdas alimentares. Propomos, também, a generalização do conhecimento pelos consumidores da diferença
entre consumir «antes de» ou «data limite de consumo» e consumir «de preferência até» ou «data preferencial
de consumo», na medida em que esta indiferenciação leva a que se deitem muitos produtos alimentares para
o lixo, quando se encontram ainda dentro das datas de validade.
Propomos medidas que incidam sobre a melhoria dos processos produtivos e sobre o incentivo ao
encurtamento dos circuitos de comercialização de produtos alimentares.
Com efeito, há aqui duas questões relevantes: primeiro, uma produção adequada às necessidades de
consumo e não subjugada às lógicas do lucro pelo lucro permite uma quantidade produtiva mais
ambientalmente suportável e menos esbanjadora; segundo, quanto mais longa é a cadeia de
aprovisionamento mais desperdício se concretiza, designadamente nos produtos perecíveis. Nestes alimentos,
o consumo de produtos locais e a aproximação da produção ao consumo garante também a entrega de
produtos mais frescos ao consumidor e, portanto, com maior durabilidade de consumo.
Tendo estes fatores presentes, Sr.as
e Srs. Deputados, Os Verdes propõem também criar um subprograma,
no âmbito do programa de Desenvolvimento Rural, direcionado para cadeias de circuitos curtos de
comercialização de produtos alimentares.
Propomos incentivar os atos de compra de bens alimentares em mercados de proximidade, nomeadamente
no que respeita a produtos perecíveis e, como não poderia deixar de ser, atribuímos a necessidade de uma
atitude responsável às instituições públicas, prevendo a importância de se estipular uma percentagem
significativa de utilização de produtos alimentares locais, por parte do setor público, designadamente para
abastecimento de cantinas públicas, como, por exemplo, em estabelecimentos escolares ou em hospitais.
Não esquecemos, naturalmente, também, a importância do contributo do setor da restauração para o
objetivo do combate às perdas alimentares.
Os Verdes propõem ainda que nos consciencializemos todos de que as embalagens constituem, por
diversos motivos, muitos dos quais já trouxemos várias vezes à Assembleia da República, um problema que é
preciso regular no mercado.
Em relação à matéria que estamos a tratar, muitas vezes o mercado, em relação a determinados alimentos,
só oferece embalagens hiperfamiliares, o que significa que sendo quantidades desajustadas das necessidades
familiares sobra muita da comida contida na embalagem, sobras que geralmente têm o lixo como destino.
Assim, propomos que se trabalhe para garantir que as embalagens de produtos alimentares sejam
dimensionadas em função das necessidades dos consumidores.
Ainda sobre a oferta do mercado, denunciamos o facto de a União Europeia ter criado uma conceção de
qualidade de certos produtos alimentares, como frutas e hortícolas, com base na sua dimensão e na sua
aparência. A União Europeia faz da fruta bonita ou da fruta feia em aparência um critério de qualidade. Ora,
este princípio está totalmente errado e concorre para a existência de mais desperdício alimentar, como é fácil
de perceber. Assim, propomos que se desenvolvam ações ao nível da União Europeia sobre a ineficácia de
regras estabelecidas em relação aos requisitos dos tamanhos e formas de produtos hortícolas e frutos.
Por fim, Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Os Verdes propõem que se divulgue anualmente o cálculo
da quantidade de recursos naturais poupados por relação com os níveis de redução de perdas alimentares,
por forma a estimular todos os intervenientes na cadeia alimentar para o sucesso ambiental das suas opções.
É importante que os intervenientes no processo consigam ter a perceção dos resultados positivos das suas
ações.
Página 5
4 DE JUNHO DE 2015
5
Em suma, ou talvez com algum detalhe, Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, são estas as propostas
que Os Verdes hoje aqui trazem à Assembleia da República e aqui, desta tribuna, o que eu gostaria de realçar
era a importância de que hoje a Assembleia da República aprovasse, por unanimidade, este projeto do Partido
Ecologista «Os Verdes», na medida em que consideramos que ele constitui um impulso forte e determinante
para que, em Portugal, se desenvolvam ações eficazes no combate ao desperdício alimentar. É um desígnio
ambiental e social que nos chama e ao qual devemos dar resposta.
A Sr.ª Presidente: — Fica, assim, apresentado o projeto de resolução n.º 1506/XII (4.ª), da iniciativa de Os
Verdes.
Seguem-se pedidos de esclarecimento, para os quais estão já inscritos os Srs. Deputados Miguel Freitas,
do PS, Luís Pedro Pimentel, do PSD, Rita Rato, do PCP, Manuel Isaac, do CDS-PP, e Bruno Coimbra, do
PSD.
A Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia irá responder, primeiro, a um conjunto de três perguntas e depois às
restantes duas.
Para pedir esclarecimentos, dou, assim, a palavra ao Sr. Deputado Miguel Freitas, do PS.
O Sr. Miguel Freitas (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,
gostava de começar por saudar esta iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes» neste Parlamento, um
Parlamento que esteve praticamente ausente do debate das questões do desperdício alimentar durante quatro
anos.
É verdade que os serviços deste Parlamento organizaram, em 2012, jornadas de saúde, em que a questão
da alimentação e do desperdício alimentar foi tema.
É verdade que, também em 2012, a cantina e os restaurantes deste Parlamento aderiram ao movimento
Zero Desperdício e — espante-se! — há uma citação, nos milhares de intervenções que foram feitas nesta
Assembleia, durante estes quatro anos, feita pelo Sr. Deputado Artur Rêgo, em 2012, sobre desperdício
alimentar. Esse foi o contributo dado por este Parlamento, até agora, sobre este debate. Portanto, esta é uma
iniciativa que nós queríamos começar por saudar.
Mas, naturalmente, o conjunto de propostas que nos trazem levantam-nos, em alguns casos, dúvidas que
gostávamos de ver clarificadas por parte da Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Em primeiro lugar, propõe que o ano de 2016 seja o ano nacional contra o desperdício alimentar. Bom, é
verdade que o ano passado foi o Ano Europeu contra o Desperdício Alimentar e, portanto, gostava de
perceber o que justifica que, no próximo ano, de 2016, tenhamos o ano nacional do combate ao desperdício
alimentar. Gostava que a Sr.ª Deputada nos pudesse ajudar a perceber essa vossa proposta.
Por outro lado, Os Verdes propõem que se devem fazer levantamentos rigorosos relativamente a esta
matéria, é uma das vossas propostas. Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, creio que daquilo de que nós
precisamos verdadeiramente agora é de fazer estudos aprofundados e investigação, quer ao nível da
produção, quer ao nível da indústria, quer ao nível do comércio, quer mesmo ao nível do consumo. Há estudos
que estão a ser feitos a nível europeu, a serem desenvolvidos, nomeadamente em França e em Espanha, e
parece-nos pouco esta ideia de se fazerem levantamentos rigorosos. Há um levantamento feito em Portugal, o
estudo feito pelo PERDA, que é uma referência que temos, mas creio que precisamos de muito mais do que
de levantamentos rigorosos.
Sr.ª Deputada, deixo uma última questão. Propõe que esta matéria seja integrada no âmbito da educação
ambiental nos currículos. Sr.ª Deputada, a nossa visão é que esta é uma questão tão horizontal e tão
transversal que, de facto, o que é preciso é uma formação sólida, do ponto de vista do que é a banda larga de
formação e de educação, dos nossos jovens para perceberem este fenómeno. Portanto, também aí temos
dúvidas e gostávamos de ter uma clarificação por parte da Sr.ª Deputada.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta cabe ao Sr. Deputado Luís Pedro Pimental, do PSD.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
Página 6
I SÉRIE — NÚMERO 94
6
O Sr. Luís Pedro Pimentel (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, queria agradecer também ao
Partido Ecologista «Os Verdes» e à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia por trazerem a esta Câmara este
importante tema, já que, de facto, combater o desperdício alimentar é uma prioridade também para nós, PSD,
e para este Governo.
O tema do debate desta tarde tem, sem dúvida, associado um dos maiores desafios da atualidade: reduzir
o desperdício alimentar no mundo enquanto questão moral e ética, ao mesmo tempo que responde ao
paradigma de existirem regiões do globo com carências alimentares e outras, onde o desperdício alimentar, ao
longo da cadeia, ultrapassa os 30%.
O PSD está, naturalmente, preocupado e atento a esta questão, como já aqui o afirmou, e vê com agrado
as iniciativas pioneiras do atual Governo em incentivar programas de combate e redução do desperdício
alimentar. Não é demais reforçar que foi este Governo e esta maioria que iniciaram as ações e as
ponderações sobre esta problemática.
Congratulamo-nos, pois, pelas várias decisões governativas que combatem, de forma direta e indireta, esta
questão.
Em primeiro lugar, congratulamo-nos, de modo direto, com a criação, sempre em conjunto com a
sociedade civil, de um programa que distinga a implementação de políticas e modelos de boa gestão no
combate ao desperdício alimentar, como a iniciativa Prato 20% Off — Iniciativa contra o desperdício de
alimentos.
Em segundo lugar, congratulamo-nos com as tomadas de decisão que visaram alterar e melhorar o
funcionamento da cadeia alimentar, nomeadamente as questões relacionadas com o funcionamento do
mercado. Na verdade, entendemos que o aumento da transparência e distribuição do valor ao longo da fileira
contribui positivamente para o bom funcionamento do mercado e, consequentemente, para o menor
desperdício. A criação da PARCA (Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar)
foi um exemplo de uma medida que visa concretamente uma maior equidade na relação comercial entre os
produtores e os distribuidores.
Em terceiro lugar, congratulamo-nos com a introdução generalizada da distribuição de alimentos com
calibres diferentes dos tradicionais. No caso da fruta, onde houve iniciativas europeias e nacionais, privadas e
públicas, que promoveram o consumo de peças de fruta de calibre reduzido, cuja valorização comercial era
quase nula. Atualmente, estão mais generalizados estes tipos de produtos, o que não acontecia há alguns
anos atrás.
São estes três exemplos de ações que combatem o desperdício alimentar. Há, naturalmente, outros
modelos e ainda muito trabalho para continuar. Contudo, a eficácia desse trabalho resulta do maior
envolvimento possível de vários intervenientes.
Sr.as
e Srs. Deputados, sendo este, também, um problema generalizado ao continente europeu, a França
tomou recentemente uma iniciativa que proíbe os supermercados franceses de deitar fora alimentos com o
respetivo prazo de validade expirado, sendo obrigatório doá-los a organizações dedicadas à alimentação
animal ou ao fabrico de fertilizantes agrícolas.
Por isso, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, queria saber qual a sua opinião sobre esta matéria e esta medida
aplicada em França. O PSD vê este exemplo como positivo e entende que este e outros modelos devem ser
analisados a fim de se avaliar a sua eficácia e eventual importação para o caso português.
Na verdade, o combate a este flagelo será mais eficaz e abrangente se concertado, a nível europeu, na
definição de estratégias partilhadas de combate ao desperdício ao longo de toda a cadeia alimentar. É isso
que esperamos do Governo e é isso que o Governo tem demonstrado fazer.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Dou, agora, a palavra à Sr.ª Deputada Rita Rato, do PCP também para uma
pergunta.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, queria
começar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, por saudar o Partido Ecologista
«Os Verdes» por ter trazido ao debate, hoje, em Plenário, a matéria do combate ao desperdício alimentar.
Página 7
4 DE JUNHO DE 2015
7
Este debate é particularmente importante porque a sociedade portuguesa está confrontada com uma
realidade de empobrecimento, de agudização da pobreza e da exclusão social, que exige medidas
importantes, designadamente no que diz respeito à pobreza infantil.
O ponto 4 da iniciativa hoje em discussão, da autoria de Os Verdes, define como objetivos compatibilizar as
medidas da redução do desperdício de alimentos com segurança alimentar e a satisfação plena das
necessidades alimentares da população, com particular urgência em relação a crianças e jovens, tendo em
conta o relatório do INE sobre a pobreza, as desigualdades e a privação material em Portugal.
Sobre isto, o PCP entende que a realidade da pobreza infantil deve merecer uma resposta imediata e
estrutural, aliás porque os relatórios recentes do Instituto Nacional de Estatística têm alertado para o aumento
da pobreza entre as crianças e os jovens e mesmo o relatório recente da UNICEF — As Crianças e a Crise em
Portugal, com dados de 2013, reconhece que o risco de pobreza é mais elevado em famílias com filhos e,
designadamente, em famílias monoparentais, o que obriga, de facto, à reflexão e à tomada de medidas para
acompanhar e erradicar a pobreza de uma forma generalizada mas, particularmente, entre as crianças e
jovens. Desde logo porque dados do Ministério da Educação diziam que no ano de 2013 existiam nas escolas
públicas 14 000 crianças sinalizadas com fome e carências alimentares graves. E nós entendemos que este é
um alerta que nos deve mobilizar para a tomada de medidas concretas e, por isso, as propostas que aqui são
hoje discutidas, designadamente o ponto 4, colhem, naturalmente, o acolhimento do PCP.
Importa dizer que, em Portugal, uma em cada quatro crianças vivia em agregados com privação material —
estamos a falar de dados relativos a 2012 e que a aplicação das medidas de redução dos apoios sociais e de
cortes nos salários das famílias pode necessariamente agudizar-se — e que uma em cada quatro crianças
vivia em famílias com dificuldade ou incapacidade para pagar um empréstimo, a renda da casa, as contas no
prazo previsto e ter uma refeição de carne ou de peixe a cada dois dias e fazer face a despesas imprevistas.
Portanto, em 2015, no século XXI, Portugal está confrontado com uma situação gravíssima de pobreza infantil
e de privação material.
Da parte do PCP, o compromisso é o da tomada de medidas profundas de garantia dos apoios sociais a
todas as famílias e às crianças que deles necessitem, por isso temos apresentado propostas tendo em vista
quer a revogação da condição de recurso e o alargamento destes apoios, quer a tomada de medidas urgentes
nesse sentido. Assim, temos proposto a gratuitidade no âmbito da ação social escolar a todas as crianças que
necessitem desse apoio.
A pergunta que aqui lhe fazemos é esta: reconhecendo, de facto, a prioridade deste combate, como é que
no ponto 4 do projeto de resolução, relativo à compatibilidade que é necessária no combate ao desperdício
alimentar e à realidade de dar resposta à pobreza infantil, o Partido Ecologista «Os Verdes» entende que este
é o desafio fundamental? Da parte do PCP, acompanhamos, naturalmente, esse objetivo que, para nós, é
civilizacional.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia para responder.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, agradeço aos Srs. Deputados as questões que
levantaram.
Começando por responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Miguel Freitas, quando Os Verdes
propõem que se declare o ano de 2016 como um ano de combate ao desperdício alimentar não é para pôr o
País todo enfeitado com cartazes e atribuir medalhas a toda a gente que participa na cadeia de
aprovisionamento, por exemplo, e pormo-nos todos aqui a felicitarmo-nos uns aos outros.
Quando propomos que seja criado o Ano Nacional do Combate ao Desperdício Alimentar significa atribuir-
se uma responsabilidade também às instituições e a todos os intervenientes no processo para atuarem sobre
o problema, ou seja, no fundo, trata-se de despertar consciências, concentrando num determinado tempo,
neste caso um ano, para que fossem chamadas a tomar ações, iniciativas, para pensar, refletir, debater a
matéria do desperdício alimentar e, designadamente, do seu combate.
Página 8
I SÉRIE — NÚMERO 94
8
O Sr. Deputado lembra, e bem, que também o Parlamento Europeu declarou o ano de 2014 como o Ano
Europeu do Combate ao Desperdício Alimentar, mas a reação da Comissão Europeia não foi forte, Sr.
Deputado, e a reação ao nível europeu não foi forte.
Não é isso que queremos. Aqui, no nosso canto nacional, com a nossa soberania, façamos de outra forma.
Concentremos ações num determinado ano sobre esta matéria, que depois se repercutirão também,
naturalmente, nos anos seguintes. Ou seja, arranquemos fortemente, numa sociedade coligada para o efeito,
com vista a esse objetivo.
Em relação aos estudos, consideramos que é extraordinariamente importante aprofundar estudos para
conhecer a dimensão e as causas do problema. Pensando bem, havendo hoje em Portugal, especificamente,
um único estudo detalhado sobre a questão e quando uma das conclusões que se retira é que é preciso
aprofundar muito mais a matéria, é evidente que temos de dar passos nesse sentido. E só podemos atacar um
problema quando conhecemos aquilo que está a montante de uma forma bastante rigorosa.
Sobre os currículos — agradeço a pergunta, de modo a poder especificá-la —, não queremos integrar a
matéria num currículo com caráter disciplinar, digamos assim, mas gostaríamos que as escolas também se
envolvessem, designadamente no âmbito dos seus programas de educação ambiental, de educação para a
sustentabilidade, pois consideramos que são focos importantes onde estas questões podem ser abordadas.
No fundo, aquilo que estamos a pedir é que também a comunidade educativa não se esqueça da
abordagem desta questão.
Sr. Deputado Pedro Pimentel, aquilo que é fundamental, o segredo da questão, digamos assim, é começar
a ter uma produção adequada ao consumo. Essa é que é uma questão fundamental. E, para isso, a produção
em pequena escala, a produção familiar e a sua aproximação ao consumidor — o produzir e o consumir
localmente — é uma questão determinante para reduzir substancialmente o desperdício alimentar, quer
porque a produção passa a ser mais adequada às necessidades do consumo, quer porque se perde uma
longa cadeia de aprovisionamento, que contribui para sucessivas formas de desperdício alimentar. É evidente
que, depois, aquilo que já não der para ser consumido puder ser reaproveitado de outras formas é uma
questão que deve ser tida em conta, mas não devemos perder o foco central da questão, que é, de facto, outra
forma de produzir e outra forma de consumir, e isso é extraordinariamente importante.
Sr.ª Deputada Rita Rato, também agradeço a sua questão e, mesmo para terminar, Sr.ª Presidente, queria
dizer o seguinte: a injusta repartição da riqueza é uma forma de gerar também injusta forma de acesso aos
alimentos. E quando falamos de alimentos falamos de questões fundamentais à sobrevivência de uma pessoa.
Portanto, estamos a falar de coisas muito sérias.
Mas o que a Sr.ª Deputada diz é evidente: quando estamos aqui, na Assembleia da República, a discutir
matérias salariais, a discutir matérias de subsistência das famílias, da dignificação das famílias, estamos,
naturalmente, também a batalhar no sentido da segurança alimentar e isso, Sr.ª Deputada é algo que não
podemos perder de vista.
A Sr.ª Presidente: — Para formular a próxima pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Isaac.
O Sr. Manuel Isaac (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, é sempre positivo que
se discuta esta problemática do desperdício alimentar. Aliás, é um assunto que nunca deve deixar de estar na
ordem do dia.
Como diz o projeto de resolução de Os Verdes, o desperdício alimentar no nosso País é de cerca de 1
milhão de toneladas anuais, ou seja, cada português desperdiça, em média, por ano, 97 kg de alimentos.
Mesmo sendo um valor abaixo da média da União Europeia, não deixa de nos preocupar.
O que é um facto e uma grande verdade é que este combate tem de ser feito desde a produção ao
consumidor final. E isto implica muitas coisas pelo meio.
Dou-lhe o exemplo do que fiz para o Banco Alimentar, na recolha de produtos na terra. Quando o produtor
planta não sabe o preço na hora da colheita e quando o preço é baixo não vai colher, porque não chega,
sequer, para fazer a colheita.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Exatamente!
Página 9
4 DE JUNHO DE 2015
9
O Sr. Manuel Isaac (CDS-PP): — O que é que acontece? Passa com a frese por cima, enterra na terra,
serve de fertilizante, é verdade. Mas ele pede ajuda, tem ali um campo para quem quiser colher. E sabe, Sr.ª
Deputada, quem foi colher esse repolho? Eu e os presos da cadeia das Caldas da Rainha, porque não houve
um voluntário para o colher.
Houve um ano em que a pera rocha estava barata e houve um produtor que disse: «Tenho o meu pomar
cheio de peras, o dinheiro não dá para colher sequer as peras, preciso de voluntários para o fazer e dou a
pera a quem a quiser». Mais uma vez, falei com o diretor da cadeia das Caldas da Rainha e fui com os presos
colher a pera — 7 t de pera!
Sr.ª Deputada, isto não é tão fácil como se diz. O problema está no voluntariado para o fazer, pois os
próprios que vão consumir esta colheita nunca estão disponíveis para a fazer. Isto também é um problema de
cultura. Aliás, nas últimas décadas, a questão do desperdício é um problema de cultura. Antigamente, não se
desperdiçava nada, tudo se aproveitava; aquilo que o humano não consumia, os animais consumiam. Aliás, o
animal era a melhor máquina de reciclagem que existia e que ainda hoje existe. Lembro-me perfeitamente de,
em casa dos meus pais, quando se descascava a batata, a casca ir para o porquinho. Hoje isso não acontece.
Hoje para onde vai? Ou vai para a terra e serve de fertilizante ou então é mais um problema ambiental.
Há, pois, muito a fazer nesse sentido, e o Governo tem-no feito, como acontece com os mercados de
proximidade, que esgotam a chamada «fruta feia». Também essa fruta, hoje em dia, como sabe, já é
consumida nas escolas. Esse projeto foi feito e existe.
Mas, hoje em dia, Sr.ª Deputada — e esse, para mim, é que é o grande problema —, quanto mais se
produz, mais se desperdiça. Quando havia falta não havia desperdício.
Entendo perfeitamente a questão, mas temos de ter sempre em conta que quando isso acontece na cadeia
alimentar, para quem produz o valor ainda desce mais. Por isso, temos de ter em conta que quem produz não
pode pagar a fatura para alimentar os outros. Ou seja, aqui a problemática é maior.
Sr.ª Deputada, queria só perguntar-lhe se acha que o Governo, nesta matéria, tem ou não feito um
combate ao desperdício alimentar e se tem sido sensível a este problema, tendo já dado passos fundamentais
para o mitigar.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente: — Para colocar a próxima pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Coimbra.
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, começo por saudar o Partido
Ecologista «Os Verdes» pela escolha do tema que trouxe hoje a debate.
O desperdício alimentar tem impacto sobre diferentes áreas, de facto, mas tem um impacto muito concreto
sobre o ambiente, e é sobre esta perspetiva que gostaria de questionar a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Já em 2013, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura elaborou um estudo
sobre o desperdício alimentar e as suas consequências e referiu que o impacto ao nível do clima, da água, da
terra e da biodiversidade é tremendo. Estamos a falar de uma emissão de 3,3 mil milhões de toneladas de
gases com efeito de estufa na atmosfera do planeta, com custos económicos daí resultantes a rondar os 750
000 milhões de dólares por ano.
A Sr.ª Deputada sabe que um projeto desta índole só pode ter acolhimento por parte desta maioria,
nomeadamente no ponto 6, com a sugestão da divulgação do cálculo da quantidade de recursos poupados por
relação com os níveis de redução de perdas alimentares.
Só pode ter acolhimento por parte desta maioria, eu diria, ou não fosse este também o Governo do
combate ao desperdício. Sim, este acaba por ser o Governo do combate ao desperdício, do combate à má
gestão, do combate a todos os tipos de desperdício nas mais diferentes áreas. Aliás, hoje falamos de
desperdício alimentar, mas se falássemos de outras áreas saberíamos que, para evitar o desperdício, se
promoveu e priorizou o uso eficiente de recursos nos planos estratégicos e nas políticas do Governo.
Foi para evitar o desperdício que se reduziram os custos nos ministérios e nas instituições públicas.
Foi para evitar o desperdício que se fundiram institutos e se acabou com os governos civis.
Foi para evitar o desperdício que se renegociaram as PPP.
Página 10
I SÉRIE — NÚMERO 94
10
Diria que, de uma forma genérica, o combate ao desperdício é um tema caro a esta maioria e a este
Governo.
Recentemente, o Subsecretário-Geral da ONU e Diretor Executivo do Programa das Nações Unidas para o
Ambiente, Achim Steiner, identificou «(…) a perda e o desperdício de alimentos como uma grande
oportunidade para que os países façam a transição para uma economia verde inclusiva, baixa em carbono e
eficiente na utilização de recursos».
Hoje mesmo, o Secretário-Geral da OCDE apelou a uma reorientação dos investimentos para que
privilegiem não só a criação de empregos, com um modelo social com menos injustiças, mas também o
«crescimento verde» das economias.
Ora, o Governo de Portugal está já a trilhar esse caminho. O Compromisso para o Crescimento Verde foi
assinado por 82 organizações da sociedade civil no passado mês de abril, posicionando Portugal num novo
modelo de desenvolvimento capaz de conciliar o crescimento económico, a proteção ambiental e a utilização
eficiente de recursos.
Também no âmbito dos apoios comunitários, o PO SEUR (Programa Operacional Sustentabilidade e
Eficiência no Uso de Recursos) disponibiliza no Eixo III — Proteção do ambiente e promoção da eficiência do
uso dos recursos, 1000 milhões de euros.
Por isso, Sr.ª Deputada, a pergunta que lhe faço é se não acha que, neste campo ambiental, este Governo
não está já a trilhar um caminho que se coaduna com a resolução das preocupações que hoje aqui levantou.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, quero agradecer aos Srs. Deputados as
perguntas que me colocaram.
No fundo, ambos os Srs. Deputados acabam por fazer a mesma pergunta, ou seja, perguntam se o
Governo não tem já feito maravilhas relativamente a esta matéria. Ora, julgo que, na minha intervenção inicial,
já dei a minha opinião muito sincera: acho que não.
É de realçar que o guia que foi criado entre o Governo e os intervenientes na cadeia alimentar de
aprovisionamento é extraordinariamente importante, mas desse guia constam princípios. E o que referi na
minha intervenção foi que, na generalidade, a grande maioria dos princípios não está em prática. Ora, aquilo
que propomos, por via deste projeto de resolução, para além de coisas que não constam desse guia, é dar um
impulso à prática – é isso que nós queremos. Queremos não que conste apenas de um papel, mas que se
impulsione a prática. E nisso, de facto, consideramos que não se tem andado depressa, Sr.as
e Srs.
Deputados. Com a maior sinceridade, para além da atribuição de selos e de prémios, que não acho que seja a
matéria fundamental para o combate ao desperdício alimentar, o Governo não tem andado bem relativamente
a essa matéria.
É interessante que o Sr. Deputado Bruno Coimbra tenha feito um paralelismo entre a importância do
combate ao desperdício alimentar e o encerramento de serviços públicos.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — E fez muito bem!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Desculpe, Sr. Deputado, mas acho isso inacreditável! Deixe-me
tentar dizer-lhe uma coisa para que todos nos consciencializemos da questão. Combater o desperdício
alimentar não é tirar comida às pessoas, e isso foi o que os senhores fizeram com os serviços públicos:
encerraram serviços públicos de proximidade, dificultando o acesso das populações a esses serviços.
Portanto, vamos eliminar essa comparação, que não faz qualquer sentido nesta discussão, Sr. Deputado.
Já agora, quero dizer-lhe que a FAO reconhece que — veja bem, Sr. Deputado! — se se aproveitasse um
terço de tudo o que é desperdiçado ao nível alimentar no mundo isso daria para alimentar toda a população do
mundo. Bastaria «atacar» um terço desse desperdício alimentar. Isto faz-nos perceber a dimensão do
problema e a dimensão das injustiças que temos de atacar.
Página 11
4 DE JUNHO DE 2015
11
O Sr. Deputado Manuel Isaac, cuja intervenção foi engraçada, porque foi muito prática, acaba por, sem o
dizer ou reconhecer, pôr em causa o modelo de crescimento que se tem vindo a fazer. O Sr. Deputado dá
grandes tacadas na globalização, nos processos de urbanização, de despovoamento do mundo rural, nas
formas de vivência do mundo rural. É verdade, a urbanização faz com que a cadeia de aprovisionamento se
alongue muito mais. O senhor vai fazendo essas críticas todas, só tenho pena que, no dia-a-dia, aqui, na
Assembleia da República, em matérias também fundamentais, o Sr. Deputado não reconheça que estamos
num processo de crescimento capitalista absolutamente infiel à necessidade da preservação e da valorização
dos nossos recursos naturais e da dignificação das populações. Isso é que é extraordinariamente importante.
O Sr. Deputado diz: «Quanto mais se produz mais se desperdiça». Claro, porque se produz em função do
lucro, não se produz em função das necessidades reais das populações. É que se a produção —
designadamente, a aposta na produção familiar — fosse feita em conformidade com as necessidades
alimentares, teríamos outros níveis de produção. E, de facto, para promover novos processos de
desenvolvimento, precisamos, Sr. Deputado, de alterar substancialmente estes processos de produção e estes
processos de consumo.
Mas tome nota disto, Sr. Deputado: o lucro pelo lucro é coisa para erradicar neste processo. São as
necessidades que ditam as formas de produção e não o lucro pelo lucro.
Temos, de facto, necessidade de alterar conceções de crescimento e desenvolvimento. Julgo que este
projeto de Os Verdes também clarifica muito sobre essa matéria.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Fão.
O Sr. Jorge Fão (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Combater o desperdício alimentar e
procurar uma gestão mais eficiente dos alimentos é realmente, como está aqui hoje mais do que provado, um
debate importante. Achamos, mais, que é um debate indispensável e até obrigatório, e um debate do qual
devem ser extraídas consequências. Desde logo, deve haver uma maior consciencialização dos produtores,
dos intermediários, dos comerciantes e dos consumidores para este problema e, depois, deve haver também
uma maior responsabilização dos decisores políticos que intervêm diretamente na gestão desta matéria.
É importante que nos centremos no conceito de desperdício alimentar. O conceito generalizadamente
aceite é o de que todos os alimentos que não cumpram o propósito para o qual são produzidos ou capturados
são considerados desperdício alimentar.
O quadro macro, a nível mundial, caracteriza e demonstra a dimensão grave deste problema. Desde logo
porque as previsões e as projeções apontam para que, em 2050, daqui a 35 anos, com o aumento previsível
da população para cerca de 9000 milhões de habitantes, seja necessário produzir mais 70% de produtos
alimentares do que aquilo que produzimos na atualidade. Isto, só por si, dá a dimensão do que nos espera,
num horizonte de 35 anos, no sentido de termos de intervir nesta matéria. Ou seja, vai ser necessário produzir
mais, continuar a produzir mais.
Mas nós temos a noção de que os solos estão saturados, há recursos que são finitos, as pragas são cada
vez mais resistentes e mais duras e há ainda grandes reservas à utilização de organismos geneticamente
modificados (OGM). Portanto, perante estas e outras dificuldades, será seguramente imperioso combater e
reduzir o desperdício alimentar.
Penso que devemos estar todos conscientes — e este debate ajuda-nos a isso, a mim, particularmente,
ajuda-me — da necessidade de intervir com imperiosa urgência nesta matéria. É preciso, desde logo, termos
todos, coletivamente, a consciência da dimensão e da gravidade do problema, ponto de partida fundamental
para encararmos a questão com a seriedade que ela exige.
É necessário monitorizar e avaliar constantemente aquilo que são os custos económicos, ambientais e
sociais do desperdício alimentar.
É imperioso corrigir e melhorar a atitude, o comportamento e os desempenhos ao longo de toda a cadeia
alimentar. Desde logo, na produção, no processamento dos alimentos, na transformação e conservação, na
distribuição e também no consumo.
Página 12
I SÉRIE — NÚMERO 94
12
Na Europa, como já foi hoje aqui referido, os dados dizem-nos que, entre 30% a 50% dos alimentos
comestíveis, são desperdiçados, o que significou, no ano passado, cerca de 89 milhões de toneladas de
alimentos desperdiçados, e com perspetiva de evoluir.
Em Portugal, temos dados que apontam no sentido de que 17% dos bens alimentares também são
desperdiçados, ou seja, cerca de 1 milhão de toneladas. E deste milhão de toneladas, logo na fase de
produção, 332 000 t são eliminadas, desperdiçadas.
Portanto, este desafio é realmente gigantesco. Alcançar a máxima taxa de utilização de tudo o que é
produzido para a alimentação, melhorar a eficiência da cadeia alimentar e dar uma cada vez maior redução ao
desperdício são objetivos que têm de nos unir coletivamente.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Jorge Fão (PS): — O projeto de resolução aqui apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes»
centra essencialmente as suas preocupações, embora sendo abrangente, e concentra o discurso na vertente
do setor agrícola, sobretudo na cadeia do agroalimentar.
Pela nossa parte, entendemos que também deveria ser dada uma ênfase especial ao setor da pesca, aos
recursos da aquacultura, uma vez que os mesmos são, neste momento, não só a nível mundial mas também a
nível nacional, uma das peças fundamentais da dieta e da estrutura da alimentação dos portugueses. De facto,
somos os primeiros consumidores de pescado da Europa, somos os terceiros consumidores de pescado do
mundo, consumimos 57 kg/per capita/ano de pescado e, neste setor, também há um desperdício significativo.
Mas aqui é talvez ainda mais grave, porque aqui os recursos são claramente finitos. Estão perfeitamente
identificados os problemas que resultam da sobrepesca, sendo os alertas em relação a muitas espécies são
evidentes para todos nós. E, em muitos casos, há ainda a impossibilidade de reposição de stocks.
Por isso, nesta área dos produtos da pesca e da aquacultura e do meio aquático em geral, é necessário ter
uma atenção especial. Claramente, não vamos poder pescar mais, claramente vamos ter de pescar menos,
mas, sobretudo, temos de pescar melhor, de forma mais inteligente e seletiva, peixes, moluscos, crustáceos,
enfim, toda a variedade daquilo que consumimos nesta área.
No norte da Europa, 20% a 60% das capturas, logo na fase da captura, sobretudo da pesca de
profundidade e da pesca do arrasto, são devolvidas, são rejeitadas.
Em Portugal, 15% das capturas — são dados da FAO, de um estudo feito no âmbito do projeto PERDA, um
estudo credível apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian —, isto é, 30 000 t de pescado, por ano, daquilo
que designamos como «o melhor peixe do mundo», são devolvidas (devolvidas, ou seja, não utilizadas), a
saber: carapau, verdinho, sarda, cavala, pescada, faneca, etc. E porquê? Por várias razões: ou porque
ultrapassamos as quotas, ou porque não têm a dimensão mínima aceitável, ou porque a deterioração a bordo
é muito grande, ou porque não há condições de bom tratamento do pescado nas nossas embarcações.
Em 2014, a frota portuguesa descarregou o mais baixo volume de pescado dos últimos 45 anos: 120 000 t,
isto é, menos 17,5% do que em 2013. E a aquacultura, apesar de todo este discurso, não saiu, nos últimos
quatro anos, das 10 000 t/ano.
A balança comercial do setor agravou-se, significativamente, em mais de 40 milhões de euros de prejuízo,
num total de 660 milhões de euros/ano de balança comercial deficitária. Se não combatermos o desperdício e
as devoluções, no setor da pesca, uma parte significativa dos portugueses não terá acesso, a curto prazo, ao
consumo de pescado.
Vou terminar, chamando a atenção para o facto de a nova política comum das pescas, aprovada em 1 de
janeiro de 2014, estabelecer, entre outros grandes objetivos, o combate ao desperdício. Desde logo, a redução
das capturas indesejáveis, a eliminação das devoluções, cuja regulamentação já se iniciou no início de 2015, e
ainda a obrigatoriedade do desembarque de todas as capturas.
Portanto, a pesca tem de ser mais inteligente e nós temos de reduzir a captura ao rendimento máximo
sustentável. É por isso indispensável, no setor da pesca, reduzir também o desperdício.
Para isso, é necessário mais conhecimento e investigação e, sobretudo, tecnologia seletiva nas capturas;
planeamento plurianual das pescarias; técnicas de manuseamento a bordo mais sofisticadas; condições de
conservação e congelação melhoradas; circuitos de processamento melhorados; rede de frio e conservação;
e, sobretudo, promoção do consumo de espécies de menor valor.
Página 13
4 DE JUNHO DE 2015
13
O Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que suporta a política comum das pescas, tem ou
vai ter financiamentos disponíveis. Infelizmente, Portugal ainda não aprovou o seu programa operacional.
Por isso, Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, ainda há muito a fazer no
setor da pesca, no que diz respeito ao combate ao desperdício alimentar. Seguramente, estamos todos
convocados para esse grande desafio.
Quisemos, desta forma, dar um contributo para este debate, trazer este tema específico e aditá-lo a esta
discussão.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Teresa Caeiro.
A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O combate ao desperdício de
recursos, em geral, é um fortíssimo argumento contra o facto de que o mercado, por si só, não resolve
espontaneamente os seus desequilíbrios. Por isso, deve prevalecer o poder público sobre o mercado.
É assim em relação ao combate à desigualdade dos rendimentos, é assim em relação ao combate que tem
de ser feito relativamente aos objetivos sociais, à exacerbada competição, mas também em relação ao
combate ao desperdício de recursos.
Portanto, o mercado não é meramente regulado; ele deve estar subordinado a um poder que regula, mas
estrategicamente delineia o seu futuro. Por isso, o Bloco de Esquerda é adepto de um Estado estratego, e o
combate ao desperdício é obviamente uma componente essencial desse combate político, dessa visão e
conceção do Estado e da sua relação com a sociedade.
Focando agora o desperdício alimentar, direi que esta iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes» é bem-
vinda. Ela não se centra nas questões da desigualdade de acesso, quer etária quer social, em relação aos
alimentos, não se centra até noutros aspetos que poderíamos hoje aqui debater, mas centra-se numa questão
prévia, a montante, acerca do equilíbrio de recursos, no caso, dos recursos alimentares.
E nós acompanhamos esta iniciativa exatamente porque está descrito, está estudado que há um elevado
grau de perda destes recursos, o que, aliás, se vem somar a outros recursos elementares que são perdidos
como a água e outros, mas que hoje não estamos a tratar.
Entendemos que deve haver um combate a este efeito, que é difícil porque o problema da existência de
desperdício alimentar é correlativo com o facto de haver programação por parte da grande distribuição e da
grande produção. É que a produção e a distribuição em escala promovem desperdício porque eliminam a
concorrência. Portanto, o desperdício é apenas uma fatura marginal do mecanismo de eliminação da
concorrência, que já fizeram anteriormente. Esta é a lógica do funcionamento do mercado capitalista atual.
Sobre isto — e já hoje ouvimos alguns ecos —, a direita entende que há um problema de responsabilidade
social das empresas e que deve haver uma corresponsabilização na cadeia alimentar. Isso está a fazer-se
como? As grandes superfícies, mais ou menos no limite do prazo de validade de um conjunto de produtos
alimentares, transferem-nos para instituições particulares de solidariedade social, para escolas públicas, etc.,
tentando obviar a existência de desperdícios. Não contestamos, mas isto dá bem a noção de que o combate
ao desperdício, longe de ser um programa económico, é um programa assistencialista. Na verdade, não
acompanhamos a conceção nem a ideia de sociedade que está inerente a esse programa.
Nestas circunstâncias, relevamos bastante, no projeto de resolução apresentado pelo Partido Ecologista
«Os Verdes», a questão da educação ambiental, que é marcante, porque ela insere em si mesma uma ideia
de cidadania, de partilha, de responsabilidade coletiva, de responsabilidade social acerca da utilização de
recursos finitos, como é o caso dos alimentos, quer eles sejam pouco ou bastante elaborados.
Portanto, acompanhamos essa ideia, até porque não há políticas públicas que venham a dominar qualquer
fase deste processo na cadeia alimentar se não houver uma consciência cultural bastante forte.
As políticas públicas têm de ter aquisições culturais fortes na população para que elas não sejam, pura e
simplesmente, um epifenómeno, um fogacho de momento, sem conduzirem a nada de objetivo.
Página 14
I SÉRIE — NÚMERO 94
14
Para nós o importante não é que o próximo ano seja dedicado a uma campanha, o importante é que seja
introduzido no currículo escolar um conjunto de noções importantes, que sejam reatualizadas ciclicamente na
escola e nos programas acerca da necessidade, não só de bem combinar os alimentos, de bem aferir da
qualidade desses alimentos, mas também de saber dosear recursos que são finitos e que dependem sempre
da mãe natureza e pelas quais deve haver um respeito especial dos cidadãos e dos seres que exercem a
cidadania, ou seja, de seres pensantes que formamos a partir da escolaridade.
Portanto, Sr.as
e Srs. Deputados, gostaria de exprimir o nosso apoio a esta iniciativa e, havendo uma série
de opiniões bastante positivas e quase holísticas por parte da maioria em relação a esta iniciativa do Partido
Ecologista «Os Verdes», vamos ver se vê a luz do dia alguma iniciativa que convirja com este desiderato, com
este propósito.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Inácio.
O Sr. Bruno Inácio (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Gostaria de saudar, em primeiro
lugar, o Partido Ecologista «Os Verdes» pelo projeto de resolução que nos traz hoje.
Trata-se de um tema fundamental nos dias de hoje e a nossa capacidade de encontrar soluções para este
problema é fundamental para concretizarmos em conjunto uma marca distintiva da nossa capacidade de
organização, enquanto sociedade solidária.
Dirijo, em primeiro lugar, uma primeira palavra, que ainda não foi dita neste debate e que me parece
extremamente importante e justa, a todas as IPSS (instituições particulares de solidariedade social), ONG
(organizações não-governamentais) e múltiplas organizações que, neste País, do Algarve até ao Minho,
passando pelas regiões autónomas, trabalham de uma forma voluntária e altruísta para combater o
desperdício alimentar. Essas pessoas devem ser enaltecidas por todos nós hoje, nesta Câmara.
Aplausos do PSD, do CDS-PP e de Deputados do PS.
Este projeto de resolução que o Partido Ecologista «Os Verdes» traz hoje vai ao encontro daquelas que
têm sido as políticas do Governo nesta área e, portanto, só temos de o enaltecer.
Centrando o debate na questão do desperdício alimentar, devo dizer que este projeto de resolução
apresenta múltiplos paralelismos com o Plano Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar, que, como
sabem, foi lançado em outubro, e que pode ser sintetizado no documento Prevenir Desperdício Alimentar —
Um compromisso de todos. Importa sublinhar estes paralelismos, porque é importante para este debate falar
deste Plano Nacional e referir algumas dessas medidas.
Em primeiro lugar, este Plano reconhece a existência deste problema, tal como o refere o projeto de
resolução hoje apresentado, e procura entender as suas causas.
Depois centra, e bem, muita da sua atenção na educação e na sensibilização. É fundamental dar aos mais
novos a informação necessária para que possam desenvolver uma consciência deste problema e que sejam
eles os contribuintes ativos da mudança de mentalidade, que se impõe nesta matéria.
Este Plano trata, e bem, na área da produção, com o estabelecimento de protocolos para a boa gestão da
doação de excedentes da agricultura, nomeadamente com a criação na plataforma do Banco Alimentar de um
banco de excedentes agrícolas; na área da transformação, que também já foi aqui referida hoje, com a
elaboração de códigos de boas práticas que minimizem o desperdício alimentar no sector e promovam uma
gestão sustentável dos recursos; na área da distribuição e comercialização, com o encaminhamento de
produtos excedentes para as IPSS; na área da comunicação, com a elaboração de folhetos de informação e
de sensibilização, a realização de um e-book com dicas e sugestões para o combate ao desperdício alimentar,
a elaboração de conteúdos programáticos para a formação avançada de professores dos 1.º e 2.º ciclos — de
resto, também já foi referida nesta Câmara a importância de dotar os professores de ferramentas para
poderem trabalhar com os mais novos — ou, ainda, ações de iniciativa académica, empresarial e social que
têm sido implementadas, nomeadamente em cantinas escolares e universitárias, de resto com excelentes
resultados.
Página 15
4 DE JUNHO DE 2015
15
Refiro ainda a área da informação, prevendo a realização de um estudo de avaliação e segmentação do
desperdício alimentar em Portugal. Esta informação irá permitir que todos os decisores tenham um
conhecimento mais detalhado da realidade, como, aliás, o Partido Ecologista «Os Verdes» hoje defendeu, e
bem, definindo, assim, linhas de ação para a sua prevenção, aproximando o desperdício da reutilização, o que
constituirá um passo determinante no estabelecimento de uma plataforma nacional de conhecimento sobre o
desperdício alimentar.
Importa também dizer que este não é um plano do Governo, não é um plano da Sr.ª Ministra ou do Sr.
Secretário de Estado. Este é um plano do País, porque foi feito com a sociedade civil, foi feito com as
associações representativas do sector, foi feito com quem sabe e para quem precisa.
Gostaria igualmente de dizer que este é um plano factual, interventivo e permitam-me que sublinhe mais
uma vez, porque me parece ser de especial relevância, o carácter formativo e educativo deste Plano.
Uma nota ainda, porque nos parece de especial relevância, para referenciar as autarquias e os outros
agentes que têm realizado planos locais de combate ao desperdício alimentar. Também essas autarquias,
esses agentes, e até alguns privados, são determinantes no sucesso a este combate.
Esta problemática exige da nossa parte ações, as quais temos tomado, exige também um esforço
concertado entre todos os diferentes projetos, o qual ditará o sucesso destas ações.
Sr.as
e Srs. Deputados, podemos sempre fazer melhor. Este Plano que o Governo colocou em marcha pode
e deve ser continuamente melhorado, mas estamos a agir para combater este problema e com o esforço de
todos estamos certos de que vamos conseguir diminuir substancialmente o desperdício alimentar em Portugal.
Sr.as
e Srs. Deputados, julgo que, pelo que temos ouvido hoje nesta Câmara, no que respeita ao
desperdício alimentar, muito mais é aquilo que nos une do que aquilo que nos separa, o que é de louvar
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ivo Oliveira.
O Sr. Ivo Oliveira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Combater e reduzir o desperdício
alimentar é também melhorar a saúde.
O estado de saúde de uma população está intrinsecamente ligado ao tipo de alimentação e ao estilo de
vida adotado. As alterações no estilo de vida e no tipo de alimentação têm provocado o abandono de dietas
ricas em vegetais, naturalmente mais saudáveis e implicando menos desperdício alimentar e ambiental.
Na Europa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a obesidade como a epidemia do século XXI.
Pela falta de tempo e de controlo sobre o que se come — e já foi abordada a questão da segurança alimentar
—, o crescimento do fast food tem sido uma realidade. Pensa-se que se ganha tempo, mas, na verdade,
desperdiçamos saúde e qualidade de vida.
O excesso de consumo de embalagens, que também se relaciona com esta situação, piora o ambiente.
Em Portugal, metade da população tem excesso de peso. Os encargos económicos relacionados com a
obesidade são cerca de 3,5% do total das despesas com a saúde.
De acordo com uma notícia recente, publicada esta semana, 93% das crianças portuguesas ingerem sal
acima das recomendações da OMS e mais de metade ingere sal acima do tolerável.
Combater o desperdício alimentar e melhorar a saúde é valorizar também a nossa cultura gastronómica e a
dieta mediterrânica, que é até Património Imaterial da Humanidade, que tem na sua génese os valores
tradicionais do convívio à mesa, a unificação da família e a redução do desperdício alimentar.
Combater o desperdício alimentar é também gerir melhor e mais equitativamente os recursos e perceber
que têm impacto nos determinantes sociais de saúde.
Ao contrário do que foi dito neste debate pelo Sr. Deputado Bruno Coimbra, este não foi o Governo do
combate ao desperdício; pelo contrário, desperdiçou uma boa oportunidade de atuar nas variáveis críticas de
melhoria da qualidade de vida das populações: na resposta à crise, na precariedade, na pobreza e na
desigualdade.
Resposta à crise — este Governo ignorou que a crise criou mudanças de hábitos nas famílias portuguesas:
passou a consumir-se menos carne e peixe e mais fast food e, relativamente aos alimentos, os mais saudáveis
Página 16
I SÉRIE — NÚMERO 94
16
continuam mais caros do que os menos saudáveis. O Governo também ignorou os danos colaterais dos cortes
cegos efetuados, por exemplo, no setor da saúde.
A precariedade também tem um efeito grande nos hábitos alimentares: o stress provocado, os horários de
trabalho, a obesidade. A sensibilização para a problemática da alimentação no local de trabalho devia ter sido
um ponto de atuação ao longo destes quatro anos.
Também em relação à pobreza e à desigualdade, matéria que já foi aqui referida, não podemos esquecer
que 30% dos nossos idosos estão num estado de desnutrição e existem, relativamente a 2011, mais de 300
000 portugueses em risco de pobreza e em privação severa, a qual inclui também as necessidades de
alimentação. Aumentaram os pedidos de ajuda ao Banco Alimentar e às outras IPSS.
Diminuir o desperdício alimentar é apostar na prevenção e na educação: A educação para a cidadania e
saúde são também áreas onde este Governo desinvestiu e devemos cada vez mais cedo criar hábitos
saudáveis na nossa população.
O Partido Socialista, já em 2011, apresentou dois projetos de lei visando consagrar o regime de fruta
escolar e promover a educação alimentar e ambos tiveram uma resposta negativa por parte desta maioria.
Estas iniciativas não foram aprovadas e, até hoje, nada foi feito do ponto de vista legislativo.
Relativamente a este projeto de resolução do Partido Ecologista «Os Verdes», que acompanhamos na
generalidade, damos nota dos pontos importantes no setor da saúde, desde logo o desenvolvimento de
programas de ideias dos jovens para o combate ao desperdício alimentar e a generalização do conhecimento
dos consumidores em termos de literacia em saúde.
Aplausos do PS.
Resumindo e concluindo, também nestas matérias vivemos quatro anos de desperdício!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo.
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, queria começar por agradecer ao Sr. Deputado Miguel
Freitas a gentil referência que fez ao meu nome na sua intervenção — aliás, o tom da intervenção do Sr.
Deputado Miguel Feitas eu subscrevo plenamente —, mas é uma medalha pela pior das razões.
Nestes quatro anos, o tema do desperdício alimentar não tem sido uma prioridade nesta Casa, e devia ser.
E eu não consigo dissociar o desperdício alimentar das situações de carência das pessoas. Penso que não faz
sentido falarmos em desperdício se não o associarmos a situações de carência e de necessidade das
pessoas.
De facto, temos milhões de pessoas em todo o mundo que não conseguem assegurar diariamente o
mínimo alimentar para a sua sobrevivência e temos milhões de pessoas em todo o mundo que o conseguem
só com ajuda alimentar externa, não o conseguem com os seus próprios meios, seja porque vivem em regiões
que, com o tempo — e aqui temos também uma questão ambiental —, se desertificaram e perderam a aptidão
para produzir os alimentos necessários a sustentar as populações que nelas residem, seja porque vivem em
regiões devastadas pela guerra e foram forçadas a fugir, vivendo em campos de refugiados sem condições
mínimas de sobrevivência e dependentes de países e instituições para proverem o seu sustento diário.
Também nos países industrializados milhões de pessoas vivem na pobreza por força do desemprego e da
marginalização social, em muitos casos associada ao desemprego.
No entanto, há desperdício alimentar. Esse desperdício alimentar é grave não só do ponto de vista
ambiental pelo que significa de desperdício de recursos, mas também do ponto de vista humanitário pelo que
significa de privação e de desperdício de recursos alimentares para esses milhões de pessoas que a eles não
têm acesso e deles necessitam desesperadamente.
O desperdício tem causas várias, entre elas: excesso de produção desses recursos em regiões mais ricas,
recursos, esses, que não são devidamente canalizados para as regiões e populações mais carenciadas; redes
de distribuição e cadeia longa de intermediários que provocam perdas ao longo desse percurso e encarece os
bens quando estes chegam ao consumidor final; más práticas por parte das empresas produtoras e das
Página 17
4 DE JUNHO DE 2015
17
empresas comercializadoras desses produtos ao promoverem a venda embalada de quantidades excessivas
de alimento, causando o desperdício por não consumo do mesmo de 10%, 20% e até 30% do conteúdo
embalado nessas embalagens; má rotulagem por parte dos produtores e fabricantes, associada ao não
esclarecimento — logo, iliteracia — de grande parte da população consumidora em coisas tão simples,
conforme bem salientaram Os Verdes, como a diferença entre consumir «antes de» ou consumir
«preferencialmente até»; inexistência de políticas públicas claras de recolha e de distribuição entre as pessoas
mais carenciadas dos excedentes das grandes superfícies, da hotelaria, da restauração, dos estabelecimentos
de comércio ligados ao comércio alimentar em geral.
Nesse aspeto, a Europa e as políticas europeias não têm associado devidamente o desperdício alimentar à
carência, porque se, por um lado, se começa agora a falar na Europa e a querer implementar medidas de
combate ao desperdício alimentar, por outro lado, não estar associado à carência implica que na área
alimentar haja regulamentos europeus muito rígidos e que impedem muitas vezes que o produtor ou o
fabricante possam combater melhor o desperdício alimentar, por exemplo na parte da embalagem, do
transporte e da rotulagem.
No mundo inteiro, estima a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), que
são desperdiçados cerca de um terço dos alimentos produzidos e na Europa estima-se o desperdício anual
entre 30% a 50% de alimentos na cadeia alimentar que medeia o produtor e o consumidor. Em Portugal,
dados de 2012 estimam essas perdas em 17%.
Consciente dessa realidade, o Governo, através do Ministério da Agricultura e do Mar, já tomou diversas
medidas, umas diretamente e outras através de protocolos com instituições privadas e do setor social,
nomeadamente com as instituições de solidariedade social, com a Cáritas, com estabelecimentos de
distribuição, de grande distribuição e de retalho locais.
Gostaria de salientar, entre as medidas que o Governo tomou, as que dizem respeito à área da produção,
com os protocolos de que falámos e com a criação da plataforma do Banco Alimentar; à área da
transformação, com a elaboração do código de boas práticas; à área da educação e comunicação, com a
elaboração dos folhetos de informação que já aqui foram referidos e com a elaboração de conteúdos
programáticos para a formação avançada de professores e do 1.º ciclo para serem iniciados já no próximo ano
letivo; à área da sensibilização e responsabilização, com o lançamento da iniciativa PRA-TØ, que é o
reconhecimento de práticas de prevenção do desperdício alimentar, uma ligação do Governo com a sociedade
civil; à área de regulação, agilização e reconhecimento, com o estudo de avaliação e segmentação do
desperdício alimentar em Portugal, sugerindo propostas e linhas de atuação futura e na promoção e
comercialização dos produtos locais e provenientes da agricultura familiar.
Este é o programa que o Governo tem vindo a implementar com resultados que já são muito satisfatórios
no terreno e cujo conhecimento nos chega através dos diversos agentes que nele intervêm.
Mas o papel das autarquias também é fundamental. É também em relação a esta matéria que as
autarquias devem intervir pelo seu conhecimento e pela proximidade que têm do território.
Nesse contexto, gostaria de destacar a experiência pioneira da Câmara de Cascais, que contou com uma
iniciativa da responsável, à data, por essa área, a Dr.ª Mariana Ribeiro Ferreira, e no presente, em Lisboa,
num outro âmbito, mais profundo e abrangente, destaco a iniciativa do Deputado do CDS João Pedro
Gonçalves Pereira, Comissário Municipal de Combate ao Desperdício Alimentar, que propôs um Plano
Municipal de Combate ao Desperdício Alimentar, o qual foi aprovado em Assembleia Municipal de Lisboa por
unanimidade.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Por unanimidade!?
O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sim, por unanimidade.
Desse plano destaco os seguintes pontos de convergência:
Criação de uma rede alimentar solidária com cobertura geográfica em toda a cidade, com base na
distribuição de refeições resgatadas;
Criação do combate ao desperdício alimentar, em ligação já protocolada com mais de 70 entidades, com
24 juntas de freguesia, IPSS, universidades, confissões religiosas e organizações não-governamentais;
Realização de uma abordagem multidimensional social, económica e ambiental do desperdício alimentar;
Página 18
I SÉRIE — NÚMERO 94
18
Proposta de uma abordagem mais focada na ação e menos na pedagogia — lá está a tal proximidade ao
território que as autarquias têm e que às vezes escapa aos Governos;
Criação de um projeto-piloto para vir a ser replicado noutros municípios. Terei todo o gosto, se assim o
entenderem, em fazer distribuir uma carta municipal já elaborada para que os Deputados aqui presentes das
diversas regiões do País possam levar ao conhecimento das suas autarquias de modo a que elas
implementem este projeto.
Este programa teve o apoio da FAO e da ASAE e implicou a criação de uma linha telefónica, de um banco
de voluntariado e de um manual de boas práticas.
Gostaria de aqui dizer que este programa é de tal maneira pioneiro que, estando a ser completado e
executado em todas as suas vertentes já foi declarado como um programa pioneiro a nível mundial e está a
ser seguido como um programa-piloto a nível mundial por governos e por autarquias.
Termino dirigindo-me ao Partido Ecologista «Os Verdes» para lhe dizer que esta iniciativa é bem-vinda e
que a subscrevemos integralmente. As suas recomendações, em parte, já estão a ser executadas pelo
Governo e já constam deste programa da Câmara Municipal de Lisboa. A iniciativa que Os Verdes tiveram a
dignidade de trazer a Plenário, para aprovação, poderá servir, não só de recomendação ao Governo, mas
como de guião e de inspiração para as autarquias por este País fora.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.
O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Discutir desperdício alimentar e gestão
eficiente dos alimentos remete-nos em primeira mão para uma abordagem às formas de produção e aos
setores produtivos.
A verdade é que, hoje em dia, em Portugal e na Europa, ao mesmo tempo que muitos têm dificuldade em
fazer uma alimentação adequada ou sequer alimentarem-se, muita produção fica nas explorações por
recolher.
A primeira abordagem que tem de ser feita é no sentido de saber como funciona, com que orientação e
com que objetivos a produção em Portugal. Será que os agricultores estão a produzir alimentos em função das
necessidades do País? Que estratégia existe orientada nesse sentido? Depressa chegamos a uma conclusão:
não existe uma estratégia ou, pior, existe a estratégia de não ter estratégia para permitir que sejam os ditos
mercados — que é como quem diz os interesses económicos — a orientar a produção.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. João Ramos (PCP): — Os exemplos que confirmam o que dizemos são vários, como, por exemplo,
o maior investimento público de sempre que foi feito no setor agroalimentar, o projeto do Alqueva. Foi o facto
de empresários espanhóis quererem produzir azeite que orientou para a instalação, em Alqueva, da massa de
olival que lá existe.
Outro exemplo da falta deliberada de estratégia é o objetivo do Governo de assumir o equilíbrio da balança
agroalimentar, mas apenas em valor. Isto é, o Governo só se preocupa que aquilo que o País exporta seja em
valor suficiente para cobrir os custos do que importa.
Para o Governo e para que este objetivo seja atingido basta que o País se especialize na produção de dois
ou três produtos, que o resto comprar-se-á ao exterior. O único problema é que esta estratégia põe em causa,
em larga escala, a soberania do País.
A verdade é que para quem tanto se verga a Bruxelas sem ousar levantar um dedo conceitos como
soberania alimentar devem dizer muito pouco.
O Sr. João Oliveira (PCP): -- Muito bem!
Página 19
4 DE JUNHO DE 2015
19
O Sr. João Ramos (PCP): — É muito claro que para o Governo, o atual e os anteriores, a função da
agricultura não é, em primeira mão, a satisfação das necessidades alimentares do País; a agricultura é apenas
mais um setor económico.
Estas opções e estas políticas não são as que o País precisa. O País, apesar de um grau de
autossuficiência alimentar que rondará os 70% e apesar de ser autossuficiente em meia dezena de produtos, é
altamente deficitário em alguns produtos estratégicos.
O País importa cerca de 50% da carne de bovino, 35% da carne de suíno — da qual já produziu 90% —,
55% da batata, 30% das frutas, 93% do feijão seco, 90% do grão-de-bico, 88% dos cereais e entre estes 96%
do trigo. O exemplo do trigo é flagrante nesta relação de dependência do exterior: o País só produz 4% do
trigo que consome e o principal fornecedor de trigo era, em 2013, a Ucrânia. Isto dá-nos a dimensão da
fragilidade deste modelo.
Outra opção que é necessário implementar tem a ver com a sustentabilidade dos recursos. A terra para
produção agrícola é limitada e a superfície agrícola utilizável tem vindo a reduzir, pelo que uma adequada
utilização do solo não só é necessária como fundamental para assegurar o futuro do País.
Modelos de produção assentes em exploração intensiva e superintensiva que procuram lucro rápido,
elevado e com alta capacidade de esgotamento do solo, ou o assunto da introdução da produção florestal em
terrenos de cultivo e de regadio que se tem vindo a falar e a potenciar, nomeadamente com a lei da
eucaliptização, são bons contributos para o esgotamento do solo e para a redução da área agricultável.
Neste contexto, a agricultura familiar, a pequena e a média agricultura são as que utilizam de forma mais
equilibrada os recursos, quer através de uma vasta diversificação cultural e de rendimentos, quer porque
produz localmente o que é consumido localmente e quase sempre produtos de melhor qualidade, para além
do seu potencial fixador de populações.
Mas à produção e ao aproveitamento alimentar está ligada outra matéria: a distribuição.
A distribuição dá um contributo grande para promover a agricultura de cariz industrial, uma vez que, ao
aniquilar a pequena e a média produção através do esmagamento de preços, deixa apenas espaço para a
produção industrial. E a grande distribuição representa 70% desta atividade no nosso País.
O Governo foi obrigado a assumir a existência deste problema da predação da produção por parte da
distribuição pela evidência que ela apresentava, mas não o resolveu. O Governo continua com a PARCA
(Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar) na boca e a grande distribuição
com as mãos livres para pagar e impor o que quiser e quando quiser.
Para além disso, a grande distribuição é a face visível da normalização dos produtos, em que o calibre e o
brilho valem mais do que a qualidade ou a origem do produto. Este processo de normalização tem sido
responsável por deixar fora dos circuitos comerciais e dos circuitos de consumo quantidades significativas de
alimentos.
Assim, medidas de venda direta de produção permitem ao consumidor o acesso a produtos mais frescos,
tendencialmente de melhor qualidade e dos quais se sabe a origem. Estas medidas não serão a solução para
todos os problemas de escoamento da pequena e média agricultura, mas dariam o seu contributo.
O Grupo Parlamentar do PCP acompanha as preocupações e as propostas do Partido Ecologista «Os
Verdes».
Um país organizado, moderno e soberano tem de garantir a alimentação dos seus cidadãos, procurando
atingir a autossuficiência tanto quanto for possível. Medidas de aproveitamento de todos os recursos que
implicam a rejeição de imposições que limitem a possibilidade de consumo fazendo prevalecer o aspeto ao
conteúdo têm de ser combatidas.
A soberania, nas suas diversas vertentes, não dispensa a soberania alimentar e ela é incompatível com
uma visão exclusivamente economicista da agricultura que deixe de fora a sua importância para a satisfação
das necessidades alimentares do País; incompatível com uma definição da política agrícola e logo de
produção de alimentos, definida a partir do exterior e por princípios de mercado que deixam de fora as
preocupações atrás expostas; e incompatível com a não existência de uma política agrícola nacional, com uma
abordagem estratégica e que deverá ser orientadora das definições e decisões em matéria de produção
agroalimentar.
Página 20
I SÉRIE — NÚMERO 94
20
É isto que falta ao País e é também isto parte integrante daquilo a que o PCP chama uma política patriótica
e de esquerda e que estaremos disponíveis para a pôr em prática, assim seja essa a vontade dos
portugueses.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Nuno Serra, queria pedir às
Sr.as
e aos Srs. Deputados que fizessem silêncio na Câmara, pois está muito ruído e torna-se muito difícil ouvir
os Srs. Deputados que estão no uso da palavra.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Serra.
O Sr. NunoSerra (PSD): — Ex.ma
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Quero começar por
cumprimentar o Partido Ecologista «Os Verdes» pelo tema trazido hoje a debate, assinalar a sua importância e
reconhecer o consenso que este assunto alcança quer nesta Câmara quer na nossa sociedade.
Tenho a certeza de que estamos todos de acordo sobre a necessidade de combater o desperdício
alimentar. Contudo, apesar desta consciência, as ações individuais e coletivas do Homem mantêm elevados
níveis de desperdício alimentar. O problema continua a resistir e a persistir e por essa razão a importância
deste debate aqui hoje, a importância da visibilidade que hoje trazemos a este tema, que tem uma enorme
relevância na sensibilização da sociedade para o combate ao desperdício alimentar.
Uma universidade norte-americana estimou que em 2012, a nível mundial, cada habitante desperdiçava,
em média, 300 kg de alimentos.
No mesmo sentido, a FAO aponta que em 2013 o total de alimentos desperdiçados representou,
aproximadamente, 30% da superfície agrícola útil mundial, com um custo anual de 750 000 milhões de
dólares. São números impressionantes. E mais impressionantes porque são referências médias, o que
significa que em certas zonas do Globo o desperdício é ainda maior.
Na verdade, enquanto certas regiões do mundo lutam pelo aumento de alimentos para as suas populações
subnutridas, a Europa e os Estados Unidos da América desperdiçam 30% e 50%, respetivamente, dos
alimentos comestíveis ao longo de toda a cadeia, desde o produtor ao consumidor.
Outra publicação alerta para que menos de um quarto dos alimentos que são atualmente desperdiçados na
Europa e nos Estados Unidos seriam suficientes para alimentar os cerca de 800 milhões de pessoas que
sofrem de fome crónica em todo o mundo.
Na União Europeia, a perda anual é de cerca de 89 milhões de toneladas, equivalendo a 179 kg por
habitante, distribuídos por: consumidores — 42%; indústria — 39%; restauração — 14%; e distribuição — 5%.
Em Portugal, os cálculos conhecidos são menores, mas nem por isso menos graves. Estudos de 2012
apontam que ao longo da cadeia o desperdício representa 17% da produção alimentar anual, num valor
económico de cerca de 1 milhão de toneladas.
Sr.as
e Srs. Deputados, os atuais níveis de desperdício alimentar, mais do que uma questão económica,
ambiental e político-social, são acima de tudo uma questão moral e de ética.
Aplausos do PSD e CDS-PP.
Perante a pressão crescente na produção de alimentos de modo eficiente, isto é, produzir mais com menos
recursos, para satisfazer o aumento da população mundial que se estima em mais de 9000 milhões em 2050,
é essencial que os níveis de desperdício alimentar sejam reduzidos.
A par do desafio da humanidade em alimentar uma população mundial em forte ritmo de crescimento, cada
vez mais distanciada do mundo rural e concentrada em zonas urbanas, está a tornar a alimentação acessível
a todos os habitantes, independentemente da região onde se habita.
Na verdade, o atual volume de desperdício contribui para a forte pressão nos recursos e no preço dos
alimentos, dificultando o acesso a estes por parte dos mais desfavorecidos.
Por isso, combater o desperdício alimentar é também combater o problema da fome e das desigualdades
sociais no acesso a bens de primeira necessidade, como são os produtos alimentares.
Página 21
4 DE JUNHO DE 2015
21
No PSD, estamos cientes desta questão há muito tempo e desde cedo que abordamos o assunto em
diversos fóruns.
Consideramos útil um debate alargado de modo a que se construam políticas públicas adequadas para
lidar com esta questão.
Por ser um problema transversal, há diversas ações que contribuem para reduzir o tal desperdício na
alimentação e, como tal, congratulamo-nos com a atitude do Governo na abordagem do problema, na
apresentação de soluções inovadoras e abrangentes.
A alteração legislativa nas práticas restritivas de comércio ou o prazo de pagamento aos produtores por
parte da distribuição são exemplos de medidas que, não sendo diretas, intervém na cadeia de consumo,
permitindo uma maior equidade entre produtores e distribuidores, reduzindo a pressão junto dos produtores no
escoamento dos produtos e, consequentemente, uma diminuição dos desperdícios.
Por outro lado, a promoção de mercados de proximidade que temos vindo a defender dia após dia, como
meio de escoar produtos provenientes de pequenas produções sem alternativas nas grandes superfícies, é
outra medida que contribui para o combate ao desperdício.
Em Portugal, onde predomina a agricultura familiar e as pequenas produções, é frequente que os
pequenos produtores não consigam contratos com os principais canais de distribuição, havendo dificuldade no
escoamento dos produtos e originando desperdício alimentar.
Por isso, no PSD temos defendido a promoção de mercados de proximidade no sentido de alargar as
formas de comércio, em particular para os pequenos produtores, permitindo uma nova forma de dinâmica
económica local.
Aliás, também já aqui foi referida, a propósito da revisão do Código Cooperativo, a importância que as
cooperativas têm na abertura de mais canais comerciais, mas também na distribuição dos excedentes
alimentares.
Outras medidas foram sendo promovidas pelo Governo de modo a estimular a sociedade numa
corresponsabilização comum em nome de uma sociedade mais justa e igual, respondendo, assim,
antecipadamente ao repto do Parlamento Europeu em propor 2014 como o Ano Europeu Contra o Desperdício
Alimentar.
Atualmente, em Portugal estão a ser desenvolvidas ações ao nível da produção, da transformação, da
distribuição e comercialização, da educação e comunicação, da sensibilização e responsabilidade e da
regulação, agilização e reconhecimento.
Na verdade, quando vemos que mais de um terço do desperdício está nas nossas casas, percebemos que
as soluções têm de passar também por uma alteração dos hábitos de consumo e de uma consciencialização
prática sobre o que estamos a desperdiçar.
No nosso entender, ainda há muito trabalho a desenvolver e, como tal, não consideramos que o debate de
hoje e as medidas apresentadas sejam um fim mas, sim, mais um passo, um passo extremamente positivo,
para um alerta sobre esta causa.
Este é um tema transversal a toda a sociedade e é nossa obrigação como políticos dar o exemplo na
sensibilização, no alerta e no combate ao desperdício alimentar.
Sr.as
e Srs. Deputados, termino dizendo o seguinte: passaram quatro anos desde que estamos nesta
Assembleia. Durante quatro anos, os partidos divergiram nas questões económicas, financeiras, políticas e
sociais, mas hoje acho que é um momento para recordar. É porque hoje, por uma causa maior, os partidos
estão do mesmo lado. Que todos saibam estar à altura disso, que isso seja um exemplo para a sociedade e
para a sensibilização coletiva deste problema.
Aplausos do PSD e CDS-PP
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Freitas.
O Sr. Miguel Freitas (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: «Só há liberdade a sério quando
houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação».
Cito a canção de Sérgio Godinho e interrogo-me: por que será que de todos os direitos fundamentais
apenas o «direito à alimentação» não ficou inscrito na nossa Constituição?
Página 22
I SÉRIE — NÚMERO 94
22
Não é bem assim, porque bem sabemos que, não estando de forma explícita, há uma remissão à Carta dos
Direitos Humanos feita na Constituição da República Portuguesa.
Começo por aqui, porque a questão do desperdício remete-nos para a necessidade de assegurar o direito
ao acesso à alimentação a todos e, se a questão da redução do desperdício deve ser um objetivo político,
então, o «direito à alimentação» deve estar no centro da atenção deste Parlamento, enquanto direito
fundamental.
Porque desperdício e fome, carência alimentar e má nutrição, distribuição de rendimentos, desigualdades e
pobreza, fazem parte da mesma equação não nos deixemos ficar pelas ideias feitas, pela dimensão simbólica
ou por sentimentos morais.
Passemos das palavras aos atos, porque é sempre mais fácil isolar os problemas, ficarmo-nos por vagas
recomendações, por compromissos sem metas, deixando as iniciativas legislativas na corrente dos dias e, pior
do que isso, não olharmos para o quadro legislativo já existente.
Curiosamente, no Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar (PERDA), refere-se que, do
ponto de vista legislativo, é necessário, para facilitar a doação ou aproveitamento de alimentos, «analisar e
ultrapassar os obstáculos colocados pelas diversas normas relativas a responsabilidade civil, saúde pública,
higiene alimentar e defesa do consumidor e que podem ser eventualmente superados através de uma
consolidação legislativa que erradique algumas das contradições que subsistem».
Num tempo em que a consolidação legislativa passou, finalmente, a prática neste Parlamento, aí está um
desafio interessante.
Mas é evidente que a questão do desperdício alimentar, para além de uma questão ética, é, acima de tudo,
uma consequência do nosso modelo económico e ecológico. E, sendo uma questão global, só pode ser
resolvido através de soluções regionais e locais.
Em matérias importantes como são as questões das alterações climáticas ou da energia, a Europa é
extremamente ambiciosa e assume a liderança mundial. Porém, numa matéria da máxima relevância para o
desenvolvimento universal como é o combate ao desperdício alimentar, importantíssimo para combater a fome
— um dos objetivos do milénio —, que faz a Europa? Discute, também, simples recomendações.
Deveria ir mais além e assumir, também neste processo, a liderança mundial no combate ao desperdício
alimentar e à fome.
Aguarda-se, assim, com expetativa, para o final deste ano, uma nova diretiva sobre economia circular.
Esta diretiva poderá marcar uma mudança, um novo estímulo para um modelo económico sustentável para
a Europa, a caminho do desperdício zero, com a valorização de produtos em cadeia, passando de um padrão
de crescimento de tipo «extrair-fabricar-consumir-deitar fora», baseado no pressuposto de que os recursos são
abundantes, para um sistema de economia circular que mantém o valor acrescentado dos produtos durante
tanto tempo quanto possível e elimina os resíduos, numa perspetiva de desenvolvimento sustentável.
Quando se fala dos 200 milhões de pessoas que poderiam ser alimentadas com alimentos
deliberadamente desperdiçados todos os dias na Europa, deve ter-se a perceção dos milhares de hectares de
solo, dos milhares de toneladas de adubos e pesticidas, dos milhões de litros de água, das dezenas de
milhares de vidas de animais domésticos e marinhos que também são desperdiçadas com esses alimentos,
dos impactes sobre a biodiversidade, a saúde ambiental e os serviços dos ecossistemas, que são, igualmente,
desperdiçados devido à ineficiência económica e social que se tornou sistémica.
O desperdício alimentar planificado não é apenas um problema de índole social ou de urgência
humanitária, representa também uma grande falha nossa em termos de proteção do nosso património comum,
na origem, onde tudo começa, assim como nos ecossistemas e nas comunidades humanas que os gerem e
dos quais dependem para o seu bem-estar e prosperidade social e económica.
A nossa obsessão com a perfeição gera por vezes atitudes que, mais do que estéreis, são
contraproducentes e danificam os mais frágeis tecidos sociais.
A questão das frutas e legumes, calibrados de acordo com regras que pouco têm a ver com a sua
qualidade nutricional, é uma das principais fontes de desperdício na origem, quer pela adoção de práticas de
gestão agrícola, quer pelas regras de comercialização. O mesmo se passa com as pescas e as chamadas
«capturas acidentais» ou «não proveitosas». Toneladas incontáveis de peixes e outros seres marinhos são
capturadas, acabando por morrer e despejadas borda fora, sendo que muitas dessas espécies já estão
seriamente ameaçadas em termos da sua viabilidade económica e até da sua própria existência.
Página 23
4 DE JUNHO DE 2015
23
Mais uma vez, estamos a falar de desperdício apoiado pelo nosso próprio sistema económico.
É fundamental que nos incentivos à pesca e à produção agrícola possamos identificar práticas que
danificam os nossos recursos biológicos, induzem perdas de valor económico a curto, médio e longo prazo e
contribuem para artificializar o preço de produtos alimentares que tantas vezes acabam desperdiçados e têm
por consequência a erosão exponencial do capital natural, bem como práticas que possam imprimir novas
dinâmicas aos sistemas produtivos, mais competitivas e viradas para os mercados de exportação, sem deixar
para trás a pequena agricultura e a pequena pesca que trabalham para os mercados e as comunidades locais.
Outro aspeto fundamental a considerar é a integração de atividades, numa lógica reforçada do que poderá
ser a economia circular em Portugal e de um novo modelo tecnológico.
A reindustrialização não tem de depender da mesma fórmula já testada de indústrias pesadas e intensivas,
em termos de exploração de recursos, que geram essencialmente empregos pouco qualificados e,
francamente, pagos em valores que não podem orgulhar nenhuma economia civilizada do século XXI.
Portugal tem um potencial brutal para o desenvolvimento da economia circular, através da biotecnologia,
engenharia ambiental e ecológica, dos novos conhecimentos em áreas fundamentais da gestão estratégica e
muito mais.
Temos a geração de cientistas e profissionais mais qualificada de sempre, mas agimos com a mesma
mentalidade industrial dos anos 60.
Há que criar as necessárias condições para que as empresas fomentem o aparecimento e o
desenvolvimento de novas ideias e conceitos de cadeia de produção e de geração de valor partilhado.
Mas a questão do desperdício é também consequência do padrão alimentar, estilos de vida e hábitos de
consumo e esses dependem muito das escolhas individuais.
Em Portugal, muitas têm sido as iniciativas no final da cadeia de valor, nomeadamente para o
reaproveitamento de alimentos fora de prazo e para a doação de refeições geradas por excedentes na
restauração e cantinas públicas.
A iniciativa tem estado do lado da sociedade civil. De resto, permito-me destacar o trabalho da Ordem e da
Associação dos Nutricionistas Portugueses na difusão desta causa.
O reconhecimento, pela UNESCO, da Dieta Mediterrânica como Património da Humanidade e de Tavira
como cidade de acolhimento deste desígnio deve ser aproveitado para a promoção de uma alteração nos
padrões de consumo em Portugal e para a sensibilização dos consumidores.
Também a iniciativa europeia Não desperdice o nosso futuro!, com onze parceiros de sete países, tendo a
Associação In Loco como entidade portuguesa envolvida, bem como os municípios de Loulé e S. Brás, merece
uma referência, cujo resultado imediato será a Carta Europeia de Jovens e de Autoridades Locais Contra o
Desperdício Alimentar, que será apresentada no próximo dia 22 de outubro, na Expo Milão, dedicada ao tema
da soberania alimentar, na qual, como se sabe, Portugal não estará presente, numa decisão errada deste
Governo.
De resto, e finalizando, sendo verdade que o Parlamento esteve até agora quase ausente deste movimento
da sociedade portuguesa, num momento em que se verifica existir um enorme consenso neste Plenário, que
este debate sirva para marcar um ponto de partida para o que é preciso fazer no processo legislativo.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa
Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Ouvi com muita atenção
as intervenções que foram produzidas pelas diversas bancadas e há uma questão que sinto necessidade de
esclarecer. Quando estamos a falar de combate ao desperdício alimentar, é preciso que todos tenhamos
consciência de que não estamos a falar da caridadezinha e do assistencialismo.
O Sr. Bruno Inácio (PSD): — Claro!
Página 24
I SÉRIE — NÚMERO 94
24
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Vejo vários Sr.as
e Srs. Deputados a acenar que sim, com a
cabeça, e isto é importante. É que combater o desperdício alimentar não é dar as sobras aos pobres — é
importante que isto fique muito claro! —, é fazer com que todas as pessoas tenham condições de acesso aos
bens alimentares que já existem. E por isso é que é tão importante nós, na Assembleia da República,
discutirmos o combate ao desemprego, as condições salariais dos portugueses ou o fornecimento das
refeições escolares nas escolas, enfim, todo um conjunto de questões que se relacionam com esta matéria do
desperdício alimentar e da segurança alimentar. E, portanto, gostava de deixar aqui vincado neste debate este
pequeno ou grande esclarecimento.
Depois, Sr.as
e Srs. Deputados, houve várias bancadas que salientaram a questão de, nesta Legislatura, a
matéria do combate ao desperdício alimentar não ter entrado na agenda parlamentar. Pois foi justamente a
essa questão que Os Verdes, hoje, procuraram também atalhar: trazer à agenda parlamentar uma matéria
extraordinariamente importante para a questão da sustentabilidade.
Mas quero dizer que Os Verdes já têm apresentado vários projetos conexos com esta matéria,
designadamente os projetos para a realização do inquérito alimentar nacional, para a regulação da publicidade
a produtos alimentares dirigidos a crianças e jovens, para o fornecimento das cantinas públicas com produtos
alimentares locais ou para o fornecimento de pequeno-almoço nos apoios alimentares escolares.
De qualquer modo, Sr.as
e Srs. Deputados, considerámos que era importante estruturar um projeto no
sentido de que esta matéria entrasse na agenda parlamentar.
Por outro lado, Sr. Deputado Miguel Freitas, tenho de me penalizar ou penitenciar, talvez, porque,
entretanto, reparei que o Sr. Deputado Jorge Fão respondeu de uma forma muito mais objetiva e direta à
primeira pergunta que me tinha feito, no sentido de saber porquê a criação de um Ano Nacional do Combate
ao Desperdício Alimentar. É que, algures, na sua intervenção, o Sr. Deputado Jorge Fão disse: «Há muito para
fazer nesta matéria». Eis a razão de ser desta proposta de Os Verdes!
Gostava também de dizer ao PSD o seguinte: falaram muito do plano de ação, que é o guia de que eu falei,
que não omiti, neste debate, naturalmente, nem o poderia fazer, mas, atenção, porque isso, a que chamam
«plano de ação», é, antes, um plano de princípios, uma vez que não estabelece metas concretas, nem anuais
nem plurianuais, e é preciso dar esse passo. É aquilo que eu dizia há pouco, ou seja, temos de nos transportar
do plano dos princípios para o plano da prática, e é isso que Os Verdes vêm propor à Assembleia da
República.
Depois, Sr.as
e Srs. Deputados, queria também dizer que foram aqui dados contributos que me parecem
profundamente relevantes, como a questão da pesca, da necessidade de artes mais seletivas, da necessidade
da aposta em melhores condições de conservação, entre outros conjuntos de questões que aqui foram
referidos, e, sim, é importante termos a perceção de todas as dimensões da produção alimentar para os
objetivos de combate ao desperdício alimentar que temos em mente.
Gostava de realçar apenas mais dois aspetos, um dos quais se prende com a afronta que precisamos de
fazer à União Europeia relativamente às suas inconsistências e incongruências nesta matéria do desperdício
alimentar, como já aqui foi referido. Também declararam um qualquer ano como Ano Europeu do Desperdício
Alimentar e pouco ou nada foi feito nesta matéria.
Por outro lado ainda, tomam-no como objetivo, mas estipulam determinadas regras para a presença de
determinados alimentos no mercado como frutas e hortícolas, onde associam a qualidade do produto à sua
dimensão e calibragem, coisa que não tem rigorosamente nada a ver e que contribui extraordinariamente para
grandes lógicas de desperdício alimentar. Isto é uma coisa que tem de ser combatida, na nossa perspetiva,
Sr.as
e Srs. Deputados,…
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr.ª Deputada, peço desculpa mas tenho de a interromper.
Sr.as
e Srs. Deputados, peço que façam algum silêncio para podermos ouvir a Sr.ª Deputada nestas suas
conclusões.
Queira prosseguir, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito obrigada, Sr.ª Presidente.
Como estava a dizer, Sr.as
e Srs. Deputados, é importante apelar e, mais do que apelar, agir, no seio da
União Europeia, no sentido de que estas normas, que, no fundo, vêm contribuir para o engrandecimento do
Página 25
4 DE JUNHO DE 2015
25
desperdício alimentar, sejam arredadas, de modo a que possamos garantir alimentos com qualidade,
fornecidos a toda a população, sem desperdício, naturalmente, ou combatendo ao máximo o desperdício.
Só mais uma questão para a qual gostava de chamar a atenção e que não foi aqui muito debatida, que é a
que se prende com o problema das embalagens. As Sr.as
e Srs. Deputados terão presente que Os Verdes já
trouxeram, por diversas vezes, à Assembleia da República, a sua preocupação relativamente àquilo que o
mercado oferece ao nível das embalagens.
Trouxemos aqui um projeto concreto que não tinha a ver com as embalagens relativas a produtos
alimentares, mas, sim, a outros produtos, embalagens absolutamente desnecessárias que enchem o mercado
de resíduos, daquilo que vai diretamente para o lixo.
Sobre a componente alimentar, aquilo que verificamos é uma coisa mais ou menos parecida, só que não
diz respeito apenas à embalagem, em si, mas mesmo ao seu conteúdo. Formam-se aquelas embalagens de
oferta ao consumidor, com uma enormíssima quantidade de produto, aquilo a que chamei «embalagens
hiperfamiliares», não adequadas às várias dimensões familiares, e as pessoas, não tendo outra opção,
compram aquela dimensão de produto embalado, mas, depois, acabam por se alimentar apenas da parte de
que necessitam para a alimentação da sua família, da sua dimensão familiar, e acabam por deitar o resto fora.
Sr.as
e Srs. Deputados, temos de regular o mercado naquilo que concerne às embalagens. Estamos a falar
de coisas extraordinariamente relevantes do ponto de vista do seu impacto ambiental, quer a montante, quer a
jusante, com a produção de resíduos. E julgo que, definitivamente, esta Câmara tem de olhar para esta
matéria com grande seriedade.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Fiquei satisfeita, aliás, nós, Os Verdes ficámos satisfeitos com a
discussão que aqui se produziu. Deu-me a sensação, mas, agora, seguir-se-á a votação, de que todos os
grupos parlamentares irão votar favoravelmente este projeto de resolução de Os Verdes, ou, pelo menos,
viabilizá-lo, e esta unanimidade será importante para que este projeto possa constituir um pontapé de
arranque, de dinamização da matéria do combate ao desperdício alimentar em Portugal, que, como referi, é
um desígnio social e ambiental que todos devemos acolher na nossa ação política.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições e utilizando os autores
da iniciativa a prerrogativa de procedermos à votação do projeto de resolução no final do debate, peço aos
serviços que acionem o sistema eletrónico para podermos proceder à verificação do quórum de deliberação.
Pausa.
Os Srs. Deputados, que, por qualquer razão, não o puderem fazer, terão de o sinalizar à Mesa e
agradecemos que, depois, assinem junto dos serviços para fazerem o registo presencial, de modo a que seja
considerada a respetiva presença na reunião.
Pausa.
O quadro eletrónico regista 181 presenças, às quais se acrescentam 20, perfazendo 201 Deputados, pelo
que temos quórum para proceder às votações.
Agradecemos aos Srs. Deputados que não se tenham inscrito que assinem, junto dos serviços, para que
não seja contada a falta na reunião.
Vamos proceder à votação do projeto de resolução n.º 1506/XII (4.ª) — Combater o desperdício alimentar
para promover uma gestão eficiente dos alimentos (Os Verdes).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Fica, assim, concluída a nossa agenda de hoje, mas ainda não os trabalhos.
Srs. Deputados, reuniremos, amanhã, dia 4 de junho, pelas 15 horas. A ordem do dia resulta de uma
marcação do PSD e serão apreciados, conjuntamente, na generalidade, as propostas de lei n.os
338/XII (4.ª)
Página 26
I SÉRIE — NÚMERO 94
26
— Aprova o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, 339/XII (4.ª) — Procede à segunda alteração à Lei de
Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, e 340/XII (4.ª) —
Altera o Código Civil e aprova o Regime Jurídico do Processo de Adoção e o projeto de lei n.º 975/XII (4.ª) —
Altera os artigos 1905.º do Código Civil e 989.º do Código de Processo Civil (PS) e também o projeto de
resolução n.º 1505/XII (4.ª) — Recomenda ao Governo algumas medidas a acolher na alteração da Lei que
regula as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens bem como na alteração dos normativos legais
constantes do Código Civil relativos à adoção e à criação de um Regime Jurídico do Processo de Adoção
(PS).
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 17 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião Plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.