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Terça-feira, 25 de abril de 2016 I Série — Número 59
XIII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2015-2016)
Sessão Solene Comemorativa do XLII Aniversário
do 25 de Abril
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão Emília de Fátima Moreira Santos Moisés Salvador Coelho Ferreira
S U M Á R I O
Às 10 horas entrou na Sala das Sessões o cortejo em que
se integravam o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República — que saudaram, com uma vénia, os membros do Corpo Diplomático presentes —, o Primeiro-Ministro, o Presidente do Tribunal Constitucional, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, os Secretários da Mesa da Assembleia da República, o Secretário-Geral da Assembleia da República, o Chefe do Protocolo do Estado, a Chefe do Gabinete do Presidente da Assembleia da República, o Vice-Chefe do Protocolo do Estado e a Diretora do Gabinete de Relações Internacionais e Protocolo da Assembleia da República.
No Hemiciclo, encontravam-se já, além dos Deputados e Ministros, os Presidentes do Tribunal de Contas e do Supremo Tribunal Administrativo, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a Procuradora-Geral da República, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Provedor de Justiça, os representantes da República para os Açores e para a Madeira, os representantes dos Presidentes das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, o representante do Presidente do
Governo da Região Autónoma dos Açores, Conselheiros de Estado, a Secretária-Geral do Sistema de Segurança Interna, os Chefes dos Estados-Maiores da Força Aérea e do Exército e o representante do Chefe do Estado-Maior da Armada, o Presidente da Associação Nacional de Freguesias, uma chanceler das Ordens Honoríficas Portuguesas, Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, um Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, um representante do Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana e a Secretária-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Encontravam-se ainda presentes, na Tribuna A, a senhora de Ferro Rodrigues, os anteriores Presidentes da República Ramalho Eanes e Cavaco Silva e senhoras, os anteriores Presidentes da Assembleia da República Oliveira Dias, Mota Amaral e Maria da Assunção Esteves e o Cardeal Patriarca de Lisboa; na Galeria I, o Corpo Diplomático; na Galeria II, Deputados à Assembleia Constituinte, o Presidente em exercício da Comissão da Liberdade Religiosa, membros da Direção da Associação dos ex-Deputados da Assembleia da República, o representante do Comandante do Comando
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Naval, o Comandante Interino do Comando Aéreo, ex-Conselheiros da Revolução, Direção da Associação 25 de Abril, convidados do Presidente da Assembleia da República e alguns membros da comunicação social; na Galeria III, Secretários de Estado, Deputados ao Parlamento Europeu, o Presidente do Conselho de Julgados de Paz, o Presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, um representante do Presidente do Conselho de Fiscalização da Base de Dados e Perfis de ADN, um representante do Presidente do Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal, o Presidente da Comissão Nacional de Eleições, a Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados, o Presidente da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, representantes das confederações patronais, o Secretário-Geral da CGTP, um representante do Secretário-Geral da UGT, o Presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas e outras
individualidades convidadas; nas Galerias IV a VI, o público; e, na Tribuna D, os representantes dos órgãos de comunicação social.
Constituída a Mesa, na qual o Presidente da República tomou lugar à direita do Presidente da Assembleia da República, o Orfeon Académico de Coimbra, colocada na Tribuna B, executou o hino nacional e interpretou a canção «Vejam Bem», de José Afonso.
Seguiram-se os discursos dos Deputados André Silva (PAN), José Luís Ferreira (Os Verdes), Rita Rato (PCP), Nuno Magalhães (CDS-PP), Jorge Duarte Costa (BE), João Torres (PS) e Paula Teixeira da Cruz (PSD), do Presidente da Assembleia da República e do Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa).
A sessão foi encerrada eram 11 horas e 50 minutos, tendo o hino nacional sido tocado pela Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos.
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O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Excelências, Sr.as e Srs. Deputados, declaro aberta a
Sessão Solene Comemorativa do XLII Aniversário do 25 de Abril.
Eram 10 horas.
O Orfeon Académico de Coimbra, colocado na Tribuna B, interpretou o hino nacional, que a Câmara, no final,
aplaudiu.
De seguida, interpretou a canção «Vejam Bem», de José Afonso, tendo a Câmara aplaudido, com os
Deputados do BE Domicília Costa e José Moura Soeiro de pé.
Em representação do PAN, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.
Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs. Membros
do Governo, Sr.as e Srs. Deputados Constituintes, Sr.as e Srs. Deputados, Ilustres Representantes do Corpo
Diplomático, Altas Autoridades Civis e Militares, Distintas e Distintos Convidados, Minhas Senhoras e Meus
Senhores: Quando penso em democracia penso num lugar de liberdade onde moram a diversidade e a
diferença. E para que estes não sejam lugares abstratos, povoados de inflamadas memórias e palavras
esteticamente ornamentadas e ocas de conteúdo, procuro perspetivá-los enquanto direitos individuais e direitos
sociais.
As opiniões esclarecidas, abertas a acolher novas visões do funcionamento do mundo e do funcionamento
de cada um de nós no mundo, brotam do acesso à informação.
Muito para além do trinómio tradicional — liberdade, igualdade e fraternidade —, não vemos a democracia
como algo consolidado e estático mas, sim, como um movimento que só evolui na lógica do coletivo informado.
E esta consciência do coletivo tem possibilitado movimentos de cidadãos que têm criado hipóteses reais de
democracia direta, complementando, a vários níveis, uma democracia representativa com uma democracia
participativa.
O processo de democratização não tem fim. A governação da vida pública e privada exige uma adaptação
ao maior desafio dos nossos tempos e que tem mais a ver com as tensões que surgem dos conflitos de
interesses e da sua resolução do que propriamente de uma oposição real entre o Estado e a sociedade, que se
vai dissipando cada vez mais.
Tratando-se de um sistema social, político e cultural que tende a partilhar a autoridade, substituindo as
relações desiguais de poder, a democracia ultrapassa a esfera do Estado, entrando pelas relações familiares,
profissionais, cívicas, interculturais, educativas e desmercantilizando a vida e as relações sociais.
A realização e felicidade dos cidadãos não pode continuar a ser apenas proporcional à sua capacidade
produtiva.
Olhemos o caso da democracia butanesa, demasiado jovem e culturalmente distante, bem sei, mas que
nasceu de um princípio da boa governança que encerra em si as ideias de eficiência, transparência,
responsabilidade e profissionalismo, integrando novos indicadores que assumem um carácter da maior
importância na economia e desenvolvimento do país e que criam pontes entre o progresso e a tradição,
complementando os indicadores exclusivamente económicos, como o PIB, com outros que procuram detetar os
níveis de bem-estar mental, emocional e físico das populações.
O acolhimento político destas novas perspetivas acerca do bem-estar individual e coletivo depende
significativamente da agilidade dos governos na alocação dos seus recursos em prol de metas mais elevadas,
com um compromisso real com a mudança de consciência coletiva, que já vemos nascer aqui e ali. É chegada
a hora de mudar o critério do conjunto de indicadores de sucesso público. Para isso precisamos colocar a razão
humana ao serviço do desenvolvimento e da adoção de uma mais verdadeira e humanista definição de riqueza,
de felicidade e de progresso genuíno, que abranja os valores pelos quais devemos hoje lutar juntos e que permita
que os que venham depois de nós possam também desfrutar de abundância e de prosperidade.
Na celebração dos 42 anos do 25 de Abril, que tenho o privilégio de acompanhar na Casa da democracia
portuguesa, reforço que a agenda política também tem um coração que reconhece que todas as formas de vida
juntas fazem parte de um ecossistema global e de que o espaço, o solo, a energia, as plantas e os animais não
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são para ser utilizados pelo ser humano. E este é o princípio que nos inspira e através do qual acreditamos que
podemos reescrever o nosso próprio destino, em direção a uma sociedade mais sustentável e equitativa. Porque
outro mundo é possível, e conforme o ministro dos negócios estrangeiros butanês avançou: «A única maneira
de sustentar uma ilusão é quando a mesma é compartilhada por todos»!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do Partido
Ecologista «Os Verdes», tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da
República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr.as e Srs. Deputados, Valorosos Capitães de Abril, Sr.as e Srs.
Convidados: 25 de Abril de 1974, uma madrugada feita de tantos dias e de tantos anos. Tantos dias e tantos
anos que foram precisos para chegar a esse Abril, a essa madrugada. Dias e anos de fome e perseguição, mas
ainda assim de resistência. Dias e anos de censura e de silêncios decretados, mas ainda assim de esperança.
Dias e anos de exílio, de guerras e de destinos contrariados, tantas vezes sem regresso, mas ainda assim de
sonhos e utopias, de desejos de justiça, ainda que vigiados, de sonhos em transformar, ainda que controlados,
de sedes coletivas de liberdades e de paz, ainda assim silenciadas. Mas era uma vontade grande que ali estava,
uma vontade grande, muito grande, mas silenciada, porque havia sempre alguém à espreita.
Uma vontade escondida, guardada, protegida, num bolso vazio, numa algibeira rota, nuns pés descalços,
nos olhos de uma criança com fome que trabalhava de sol a sol numa qualquer fábrica de um dos donos do
nosso País.
Uma vontade sentida num sentido abraço de dois amigos que se encontram numa qualquer esquina do exílio
ou num brinde a dias melhores de camaradas que, desgraçadamente, o destino juntou, no cruzamento das balas
de guerras estranhas aos seus interesses e aos seus anseios.
25 de Abril, um dia construído de tantos outros dias, de tantos outros anos que foram precisos para lá chegar,
mas chegámos.
Chegámos a Abril e a Maio e ao resto do nosso futuro, com essa vontade e essa força, com esse cheiro a
cravos e esse desejo de ser pessoa, de ser cidadão livre com direitos e com direito a viver num país mais justo,
onde a premissa maior fosse a distribuição por todos da riqueza produzida e os recursos naturais por todos
sustentavelmente partilhados.
É essa vontade coletiva de construir um futuro para todos, em democracia e com justiça social, que importa
prosseguir. Um futuro que olhe para o ambiente e a qualidade de vida como direitos fundamentais de todos,
condição de bem-estar, de equilíbrio e de saúde e não como meras mercadorias para engordar os lucros de uns
poucos.
Uma democracia que faça frente à crise ecológica que vivemos e que está a comprometer o ambiente e a
própria sustentabilidade do futuro.
Uma crise sentida ao nível da desumanização das cidades, na destruição da floresta e do mundo rural, no
desordenamento do território, na desertificação e na erosão dos solos, na contaminação da água, no
desaparecimento das espécies, na perda de biodiversidade, nas violações consentidas às regras ambientais,
no desperdício energético, na segurança e soberania alimentar, no aumento das emissões de gases com efeito
de estufa, no aquecimento global e nas alterações climáticas.
Um futuro capaz de devolver aos cidadãos a confiança na democracia e nas instituições que sobre si acabam
por se fechar, sem conseguirem entender os sinais de descontentamento e de revolta que estão a gerar.
Uma democracia que não se limite a lamentar a pobreza e a chorar as injustiças, mas que as procure
contrariar, que não se baste com a consagração de direitos, mas que lhes dê vida, que os ponha a andar, que
seja capaz de os materializar.
É este o desafio que temos pela frente e é este o nosso compromisso, com Abril, com as pessoas, com o
povo e com o País.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É certo que, ao longo da nossa história democrática, já estivemos
mais perto de Abril, mas hoje, e neste Abril, podemos dizer que também já estivemos mais longe.
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Na verdade, este Abril, este hoje, é um hoje de regresso. E este Abril é também um Abril de regresso. Pode
ser tímido, mas não deixa de ser um regresso, um regresso, desde logo, à normalidade constitucional, porque
a Constituição voltou a ser respeitada e os Orçamentos do Estado inconstitucionais são, agora, coisas do
passado.
Um regresso, ainda, à normalidade democrática, porque as ingerências e o desrespeito pelo poder local
democrático já lá vão.
Mas é um regresso, também, ao respeito pelas pessoas. Hoje, em vez de discutirmos quanto se corta em
salários, reformas e apoios sociais, discutimos quanto se devolve às famílias. Em vez de discutirmos quantos
feriados se removem do calendário, discutimos quantos se repõem. Em vez de discutirmos qual vai ser o
universo ou o volume do aumento das taxas moderadoras, discutimos qual vai ser o universo das pessoas
isentas desse encargo.
Mas é, ainda, o regresso da afirmação da nossa soberania. O Programa de Estabilidade, que viajava na
«carroça telecomandada» para receber o divino ámen da Europa, antes de ser discutido entre nós, passou a
ser discutido no sítio certo e antes de ser enviado à Europa.
E, finalmente, outro regresso, que certamente confirma todos os regressos que acabei de referir: o regresso
dos militares de Abril à Casa da Democracia.
Aplausos de Os Verdes, do PS, do BE, do PCP e do PAN.
Um regresso que, em nome do Partido Ecologista «Os Verdes», quero calorosamente saudar, saudando não
só os corajosos Capitães de Abril mas também o seu desejado regresso à Sessão Solene da nossa Revolução.
Como podemos ver, são já alguns regressos, mas é preciso mais, muito mais. É preciso combater o
desemprego e a precariedade laboral, repor o princípio do tratamento mais favorável para quem trabalha e
promover a contratação coletiva, combater as assimetrias regionais e a desertificação, trabalhar para uma
mobilidade sustentável, investir na ferrovia, reforçar os serviços públicos, abrir tribunais encerrados e trazer de
volta as freguesias extintas, mais justiça fiscal e taxar as operações financeiras realizadas em offshore. É preciso
investimento público de qualidade para pôr a economia a mexer, para pôr o País a produzir e criar riqueza para
podermos dar resposta às necessidades dos portugueses e aos compromissos internacionais.
E se é verdade que, há 42 anos, os portugueses foram capazes de dar a volta ao destino, de fazer uma
Revolução para enterrar o fascismo, também serão capazes de se libertar dos atuais constrangimentos ao nosso
desenvolvimento, desde logo do tratado orçamental e da dívida, cuja renegociação se continua a impor como
condição indispensável para o seu pagamento e desenvolvimento do País.
Para terminar, e porque a nossa Constituição faz 40 anos, uma referência à Lei Fundamental do País, ao
texto que deu expressão ao sonho de Abril e que tão mal foi tratado nos últimos anos.
Apesar das várias revisões, a nossa Constituição continua a conter elevados níveis de proteção e justiça
social. E se dúvidas houvesse bastaria atender à importância que a Constituição teve para travar uma parte do
neoliberalismo que nos tentaram impor nos últimos quatro anos. De facto, se a regressão social não foi pior e
as desigualdades sociais não foram ainda mais acentuadas, não foi porque o Governo do PSD/CDS o não
tentassem, foi porque a nossa Constituição o impediu.
No seu conteúdo consagram-se os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos e os direitos sociais,
como o ambiente e a qualidade de vida.
Nos princípios fundamentais da organização económica, a Constituição faz saber que o poder económico
está subordinado ao poder político democrático.
Consagra o princípio do Estado de direito democrático e indica-nos um caminho: a construção de um país
mais livre, mais justo e mais fraterno. É este o compromisso de Os Verdes: continuar a lutar por esse caminho
sugerido pela Constituição. E, se a nova configuração parlamentar permitiu dizer adeus às inevitabilidades, seria
até irresponsável da nossa parte não contribuir para os regressos que nos permitem aproximar de Abril.
Falta ainda muito, é verdade, mas muito já foi construído neste curto caminho, que Os Verdes se orgulham
de ajudar a desbravar.
Viva a Constituição da República Portuguesa!
Viva o 25 de Abril!
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Aplausos de Os Verdes, do PS, do BE, do PCP e do PAN.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do PCP, tem,
agora, a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.
Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Capitães de
Abril, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados: Comemoramos hoje 42 anos da Revolução de Abril,
revolução que inaugurou o tempo dos direitos na vida de um povo, de tanta gente que nunca os havia conhecido,
mas que na sua vida tanto sentia a sua falta. Direitos conquistados com a resistência e a coragem de tantas
mulheres e homens, construídos em pequenas e grandes lutas nos campos, nas fábricas e serviços, nas escolas
e universidades. Tantas vontades juntas que haviam de desaguar no 25 de Abril de 1974 e na aliança Povo/MFA.
Conquistas filhas do processo revolucionário que originou mudanças profundas na sociedade: o fim da guerra
colonial; a democracia política e os partidos políticos; a liquidação do capital monopolista; as nacionalizações e
a reforma agrária; o poder local democrático; as liberdades e garantias, incluindo a liberdade sindical e o direito
à greve; os direitos das mulheres; os direitos da juventude; a soberania nacional.
Conquistas consagradas na Constituição e que, por isso mesmo, fizeram dela própria, da Constituição, uma
das conquistas fundamentais da Revolução de Abril. Constituição que tem a marca da luta dos trabalhadores e
do povo, que projeta nos dias de hoje os valores da liberdade, da democracia, da justiça social, da paz e da
soberania.
Constituição que, exatamente por isso, pelo conteúdo que projeta, encontrou sempre pela frente ventos
agrestes. Com rigor, desde a fase da sua construção que forças retrógradas não se conformaram com o seu
conteúdo e alcance. Na verdade, sempre a reconheceram como um obstáculo aos seus interesses e à
recuperação do poder perdido. Daí que sucessivas alterações tenham resultado sempre no empobrecimento do
seu projeto de progresso e justiça social.
Ao longo dos tempos e em diversos momentos, a Constituição foi e continua a ser atacada, porque, na
verdade, apesar das mutilações, a Constituição permanece como o garante de muitos direitos económicos,
sociais, culturais e políticos e isso é razão para continuar a ser alvo de ataque por muitos dos que defendem e
executam políticas que tanto têm penalizado o povo e o País.
Prova viva disso foram os últimos quatro anos de Governo PSD/CDS, onde o desrespeito e a violação
reiterada da Constituição, o ataque aos seus direitos e aos seus princípios se traduziu no empobrecimento da
vida de milhares de portugueses e do próprio regime democrático. Daí que a derrota do PSD e do CDS, em 4
de outubro do ano passado,…
Protestos de Deputados do PSD.
… e o seu afastamento do poder signifique também uma vitória da Constituição, no caminho da reposição
de valores essenciais que a política de direita tão profundamente desprezou. Uma vitória de todos aqueles que,
ao longo de quatro dolorosos anos, nunca baixaram os braços, nunca desistiram e tanto lutaram para travar o
encerramento de serviços de saúde, de escolas e de tribunais, para travar os cortes nos salários, nas pensões
e nos direitos, no abono de família, no passe dos transportes. Tanto lutaram e lutam para defender a dignidade
na vida de todos e de cada um, uma vida melhor e um País mais justo.
Uma vitória de todos os que lutaram e lutam para defender e cumprir Abril.
Por isso, quando comemoramos 42 anos da Revolução e 40 anos da Constituição, reafirmamos o nosso
compromisso de sempre: respeitar, defender e trabalhar para que os direitos económicos, sociais, culturais e
políticos que consagra existam na lei e na vida de todos os dias; para que ao reconhecimento formal dos direitos
corresponda dignidade e soberania; para que a trabalho igual corresponda salário igual; para que à estabilidade
e segurança no emprego corresponda erradicação da precariedade e para que a um posto de trabalho
permanente corresponda um vínculo efetivo; para que a articulação da vida profissional, familiar e pessoal
corresponda à diminuição do horário de trabalho e a 35 horas semanais para todos; para que à mais justa
distribuição da riqueza corresponda aumento dos salários e das pensões; para que a pobreza e a fome sejam
parte do passado; para que a educação, a cultura e o lazer sejam um direito de todos e não apenas de quem
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pode pagar; para que não desperdicemos a energia e a criatividade de milhares de jovens forçados a emigrar
nos últimos anos, para fugirem ao desemprego e à pobreza; pelo direito a sermos felizes no nosso País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A gravidade da situação que o País atravessou e atravessa torna ainda mais
evidente a importância de encontrar, com a Constituição, a solução para estes problemas; torna ainda mais
evidente e necessário desenvolver uma política patriótica e de esquerda que cumpra a Constituição; a
subordinação do poder económico ao poder político; a justiça e a coesão económica e social de todo o território
nacional; a defesa e cumprimento dos direitos dos trabalhadores como pilar da democracia; a garantia da
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no trabalho, na família e na sociedade; a defesa dos
princípios da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos e da não ingerência nos assuntos
internos de outros Estados; o desarmamento e a dissolução dos blocos militares.
É urgente e necessário assegurar a independência económica do País, partindo da utilização dos recursos
nacionais, recuperando instrumentos indispensáveis ao desenvolvimento, no plano económico, orçamental e
monetário, das relações comerciais e do reforço do sector produtivo e da produção nacional. É urgente e
necessário promover a criação de emprego com direitos, a valorização dos salários e das pensões, a defesa
das funções sociais do Estado e dos serviços públicos, o reforço da escola pública, do Serviço Nacional de
Saúde, da segurança social. É urgente e necessário salvaguardar e promover a cultura portuguesa e a
identidade cultural do povo português, rejeitar decididamente ingerências e imposições vindas da União
Europeia, lesivas do interesse nacional, que resultaram sempre em mais empobrecimento, desigualdades
sociais e concentração da riqueza, em mais dependência e menos soberania, em menos capacidade de construir
um caminho que afirme o pleno direito do povo português a decidir sobre o seu próprio destino.
Por isso, condenamos veementemente tentativas deliberadas de impedir a recuperação de direitos e
rendimentos, como, ainda recentemente, a chantagem para não aumentar o salário mínimo nacional. Ameaças
e chantagens vindas daqueles que sempre protegeram e beneficiaram os responsáveis pela crise, nem que tal
obrigasse a condenar um povo ao empobrecimento e ao retrocesso.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Nesta nova fase da vida política nacional, com o afastamento do Governo
PSD/CDS e com a nova correlação de forças na Assembleia da República, temos a obrigação de não
desaproveitar nenhuma oportunidade para recuperar dignidade e direitos.
Temos a obrigação de responder às vontades e anseios de um povo que merece e tem direito a viver num
Portugal livre, democrático e desenvolvido.
Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PS.
Temos a obrigação de agarrar nesta esperança e confiança renovada das mulheres e homens deste País.
Temos a obrigação, sim, de afirmar Abril, de defender a Constituição e de efetivar o projeto que consagra,
pois lutar pelos seus valores não é só tarefa da geração que os realizou e conquistou.
Por isso, aqui estamos, as novas gerações, com os nossos sonhos, as nossas aspirações e a nossa luta a
projetar Abril no futuro de Portugal.
Que viva Abril!
Que viva a Constituição!
Aplausos do PCP, do PS, de Os Verdes e do PAN.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do CDS-PP,
tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da
República, Sr. Primeiro-Ministro e restantes Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Antigos Presidentes da República, demais Autoridades
Civis e Militares do Estado presentes, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Sr. Núncio Apostólico, Sr.as e Srs.
Representantes do Corpo Diplomático, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Assinalamos neste ano
duas datas, os 42 anos do 25 de Abril e os 40 anos da Constituição.
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A todos aqueles que fizeram o 25 de Abril de 1974 e o confirmaram no 25 de Novembro de 1975, contribuindo,
por isso, para que Portugal seja hoje um Estado democrático, membro de pleno direito da União Europeia e um
País democrático na NATO, o CDS presta a sua homenagem.
Também assinalamos as quatro décadas da Constituição.
É preciso sublinhar, e também homenagear, a coragem dos Deputados do CDS que votaram favoravelmente
todas as disposições de uma democracia ocidental, mas votaram contra — e fizeram bem! — todas as
disposições que imprimiam uma marca ideológica, coletivista e socializante a um texto que a todos deveria
servir.
Aplausos do CDS-PP.
E o facto de hoje a Constituição ser diferente, pelas sete revisões realizadas até ao momento, dá-nos razão
histórica.
Também hoje, relembramos, naturalmente, todos aqueles que foram perseguidos, ou até exilados, por se
oporem ao antigo regime e aqueles que, na esperança de uma abertura e de uma primavera, que falharia,
procuraram, por dentro, reformar o regime e abrir Portugal à Europa. Também invocamos todos aqueles que
foram perseguidos durante o PREC (Processo Revolucionário em Curso), que pretendia conduzir o País de uma
ditadura para outra,…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Bem lembrado!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … e todos aqueles que, sem culpa ou responsabilidade, em resultado
de uma descolonização tardia e nada exemplar, foram obrigados a abandonar os seus afetos e os seus bens e
a recomeçar uma nova vida.
Homenageamos, assim, todos aqueles que, antes e depois do 25 de Abril, combateram qualquer forma de
totalitarismo e defenderam a liberdade como valor em si mesmo e como pressuposto para a prosperidade que
ainda buscamos.
Dito isto, é preciso lembrar o passado, compreender o presente e projetar o futuro.
Lembrar que estas quatro décadas de Democracia foram difíceis, mas valeram a pena.
Partimos de ocupações de terras e nacionalizações selvagens, em nome de um processo revolucionário que
a maioria do povo português nunca desejou e que atrasou as reformas que outros, atempadamente, fizeram ou
estavam a fazer.
Garantimos a coesão nacional e consolidámos a democracia que nos levou à integração europeia, ainda que
sem a preparação que desejávamos.
Beneficiámos de fundos comunitários que permitiram a construção de infraestruturas que mudaram a face
de um País que, ainda hoje, se divide entre litoral e interior, mas que acrescentaram menos à competitividade
dos recursos humanos e do conhecimento de que o País dispõe, e aqui há muitas lições a tirar e erros a lamentar.
Usufruímos de anos de crédito fácil que melhoraram as condições de vida provisoriamente, mas poucos se
aperceberam — e o CDS apercebeu-se — de que o Estado se endividava galopantemente e as famílias também,
o que pagámos dolorosamente. Por isso, sofremos com a crise das dívidas soberanas, com a recessão e com
o desemprego, sobretudo dos mais jovens e dos desempregados de longa duração, como pensávamos que já
não voltaria a acontecer. Mas nunca o esquecemos: soubemos ter dignidade nas dificuldades, resistir e, como
tantas vezes na nossa História, fazer das fraquezas forças e de cada dificuldade um desafio. E é assim que
devemos tentar compreender o presente.
Compreendemos que o mundo mudou e mudou rapidamente. Compreendemos que a crise económica, que
assolou e ainda perdura na Europa e que está à porta de tantos de nós, só se ultrapassa com confiança,
crescimento e investimento. O mundo da globalização não se adequa nem ao dirigismo nem à rigidez.
Devemos compreender a tragédia humana que persistentemente está diante dos nossos olhos, em que
centenas de milhares de pessoas, todos os dias, dando a sua vida como testemunho, fogem do horror da guerra
e procuram a Europa como refúgio, e reconhecer a dramática incapacidade de resposta da União.
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Devemos compreender o perigo e o risco das novas ameaças das alterações climáticas, que não nos podem
deixar de braços cruzados, ou de um terrorismo que faz da barbárie o seu método e da liquidação do nosso
modo de vida o seu objetivo, recrutando em solo europeu os seus operacionais.
Percebemos que Portugal, a Europa e o mundo enfrentam desafios no presente, que o passado não previa
e que o futuro, seguramente, não recomendava.
É neste contexto que assinalamos mais um ano do 25 de Abril e quatro décadas da Lei Fundamental.
Diante de nós, o desafio imediato é o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas para
os próximos quatro anos, que ainda esta semana iremos discutir e que nos vincula cá dentro e lá fora.
Há 40 anos, o CDS ficou sozinho na votação da, então, nova Constituição, mas o tempo deu-nos razão. Não
sei se ficaremos sozinhos ou acompanhados nesta proposta e neste pedido de votação dos Programas de
Estabilidade e de Reformas, mas sei que hoje, como então, muitos portugueses nos compreendem.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Percebem que foram feitos muitos sacrifícios para que Portugal
pudesse ultrapassar o ciclo do ajustamento e da troica e que não podemos desperdiçar o caminho que fizemos
e muito menos deitar fora tudo aquilo que, com dor, seguramente, conseguimos. É que, infelizmente, este
Programa de Estabilidade é pouco credível nas projeções, pouco prudente nas finanças públicas, pouco
ambicioso na confiança e é muito preocupante quanto ao investimento e, portanto, quanto ao crescimento e à
esperança no emprego.
Podia, e devia, ser melhorado a tempo, e a única forma de o fazer é discuti-lo, revê-lo e votá-lo, pois é
precisamente na altura em que o País mais precisa de esperança que os portugueses tomam consciência de
que as promessas de um novo tempo, de um novo ciclo ou de uma nova era, são desmentidas pela realidade e
pela frieza dos números: do crescimento que diminui; da procura interna que cai; do investimento que não
arranca; e das exportações que descem.
Mas, Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, demais Autoridades presentes
e Sr.as e Srs. Deputados, se este é o desafio imediato, não percamos, nunca, de vista os objetivos nacionais
estruturantes que o consenso deveria permitir que perdurassem, independentemente da sucessão de governos
e legislaturas. Só a superação destes objetivos, em consenso, permite um País melhor.
A dívida pública é ainda muito grande e temos de a reduzir; o financiamento das empresas é crítico e temos
de o melhorar; a produtividade é decisiva e podemos fazer mais; a demografia é a condição da sustentabilidade
dos sistemas sociais e por isso precisamos de políticas constantes e corajosas que ajudem as famílias.
Estes são, a nosso ver, alguns dos objetivos de futuro, no futuro e para o futuro de Portugal. Mas há outros
compromissos que devemos igualmente prosseguir: construir uma democracia que não esteja à mercê da
demagogia; ter instituições representativas e credíveis que sejam imunes ao populismo do momento; ou, ainda,
ter autoridades regulatórias com independência, sim, mas que sejam efetiva e democraticamente fiscalizáveis,
pois os seus erros são pagos por todos nós.
Aplausos do CDS-PP.
Importa também construir uma sociedade que seja capaz de reconhecer os valores que conduzem ao
progresso, onde a responsabilidade individual não se esconde numa irresponsabilidade coletiva e anónima,
onde o primado do mérito e a remuneração do esforço são a regra e não a exceção, onde a liberdade de iniciativa
é promovida e a inovação incentivada e onde a autoridade do Estado não se dilui no facilitismo do imediato, em
nome de um igualitarismo enganador que menospreza a exigência como valor essencial de uma sociedade
moderna.
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Minhas Senhoras e Meus
Senhores: Ficam aqui alguns desafios, objetivos, e compromissos que devemos vencer, superar e procurar.
Devemos fazê-lo com esperança e confiança, na certeza de que os desafios não são fáceis, de que os objetivos
não são simples e de que, sobretudo, não podemos repetir os erros do passado.
Viva Portugal!
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Aplausos do CDS-PP, de pé, e do PSD.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda,
tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Duarte Costa.
O Sr. Jorge Duarte Costa (BE): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,
Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Sr.as e Srs. Convidados, Srs.
Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Capitães de Abril (de novo em Casa): Há uns vinte e poucos
anos, numa associação de estudantes, celebrámos a revolução portuguesa no seu aniversário. O lema era: «O
25 de Abril tem a nossa idade». As comemorações oficiais chamavam-nos, então, «os filhos da Revolução»,
mas nós, então estudantes em luta, reclamávamos outro estatuto: o de irmãos dela. Enquanto vivermos, teremos
sempre a idade do 25 de Abril.
Foi também naqueles dias que aprendemos a invocar a Constituição em nossa defesa. Para aqueles jovens,
a palavra «Constituição» era ainda pouco mais do que tema de antigas pinturas, paisagens de murais
desbotados por maiorias absolutas.
Só nos encontrámos com a Constituição quando, sabe-se lá como, nos chegou ao ouvido o princípio do
ensino tendencialmente gratuito, que a cobrança de propinas vinha, então, violar.
Descobrimos que nem tudo o que está na Constituição é respeitado, mas descobrimos também que tínhamos
connosco a força de um texto que, nos seus compromissos, sempre haveria de perturbar os velhos poderes.
Um texto orgulhosamente escrito por um povo de pé, acabado de chegar da revolução, essa viagem no tempo
que, em poucos meses, trouxe Portugal ao século XX.
Ao longo de 40 anos, defendida e atacada, ferida e alterada, a Constituição mantém o seu objetivo: uma
sociedade de cultura e trabalho, pluralismo e igualdade. E enquanto houver um poderoso, um financeiro ou um
burocrata que a acuse de ser um obstáculo ao progresso, a Constituição respira.
Mas que diria ela — perguntemo-nos assim —, 40 anos depois, da vida que leva o seu povo constituinte?
Quarenta anos depois, a nossa democracia encolhe-se sob a pressão de uma União Europeia nascida nas
elites, imposta, tratado após tratado, ignorando os povos.
A irresponsabilidade desta Europa está hoje à vista: Portugal foi forçado a especializar-se em betão, jogos
de banca e grandes superfícies comerciais, para agora ser tratado como colónia de dívida, um povo condenado
a severos castigos, medidos à lupa por poderes que ninguém elegeu.
«Devem mudar a Constituição e a lei eleitoral» — diz-nos um presidente do Banco Central Europeu, cujo
mandato parece ser o de responder ao que ninguém lhe perguntou.
Quarenta anos depois, carregamos o fardo de uma elite fracassada. As famílias da ditadura, recicladas nesta
economia de rendas e casino, continuam a fazer-nos perder o que não podíamos desperdiçar. Lembremos os
seus nomes: Espírito Santo, Mello, Champalimaud, Queiroz Pereira. São as mesmas famílias do comércio, da
indústria e da polícia política, das roças e das fazendas, juntas com os mais recentes oligarcas das privatizações,
e passeiam hoje as suas falências de luxo e da nossa desgraça entre a Suíça, o Panamá e os cofres públicos.
Aplausos do BE.
E até os podemos encontrar a brindar com os plutocratas que se apropriaram da independência de países
vindos do fim das colónias, também há 40 anos. O povo impôs-lhes uma democracia, mas os donos de Portugal
continuam demasiado iguais ao seu passado.
Por isso mesmo, Portugal vive agora uma expectativa incrédula. Quiseram convencer-nos de que
empobrecer era mais do que inevitável, era um bem, a virtuosa estratégia: viver sempre pior, porque só assim
se merece viver. E, no entanto, a democracia falou.
Nos últimos meses, 40 anos depois, forças diferentes, com mandatos distintos, fizeram um caminho de
diálogo e compromissos conjuntos. Desmentiram que, em eleições livres, nem todos os votos sejam úteis e
escolheram o seu ponto de partida: não pode prolongar-se a devastação dos últimos anos, o empobrecimento
tem de parar, nem mais um passo atrás!
As decisões tomadas na Assembleia da República nestes meses — da tímida recuperação dos salários à
reposição de apoios sociais de urgência, da subida anual do salário mínimo à baixa dos custos energéticos para
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os mais vulneráveis — são a melhor homenagem que hoje se pode fazer à Constituição, nos seus 40 anos.
Trata-se, afinal, do respeito pelo trabalho e pelo direito a uma vida digna.
Aos que nos dizem que esses objetivos são inalcançáveis, que as contas nunca podem bater certo,
agradecemos o conselho. Mas estejam atentos: as contas que interessam, o povo as ajustará, com a fraude
económica, com a espoliação do trabalho, com a política de empobrecimento virtuoso.
Pelo Bloco de Esquerda, essas são as contas que faremos, em cada dia, para que haja respeito por quem
trabalha e por quem está reformado.
Aplausos do BE e de Deputados do PS.
Devemos isso àqueles e àquelas que dedicaram a sua vida à justiça social, a quem nos deu o estar aqui em
liberdade e que nunca esqueceremos.
Mas devemo-lo, sobretudo, aos de baixo, aos de hoje, aos que foram obrigados a emigrar, devemo-lo a quem
vive na aflição da precariedade, do desemprego e da pobreza. São esses os legítimos credores do País, porque,
numa democracia verdadeira, os primeiros credores não são instituições financeiras ou fundos obscuros. Numa
democracia, é o contrato social que prevalece, o contrato constitucional do Estado com o seu povo. Para o
respeitar, devemos recuperar capacidade soberana, defender Portugal e trazer justiça à economia, começando
a pagar a insuportável dívida para com quem, vivendo em privação, não sabe nem vive em democracia.
Enquanto esta dívida histórica estiver por cobrar, ninguém espere que o Bloco de Esquerda se reduza à «ternura
dos 40».
Ninguém nos espere convertidos ao inevitável ou, finalmente, encaixados no papel de tristes filhos da
Revolução que passou. Pelo contrário, temos a idade dela, somos as suas irmãs e os seus irmãos e é com ela
que viemos encontrar-nos.
Viva o 25 de Abril!
Viva o Socialismo!
Aplausos do BE, do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do PS, tem a
palavra o Sr. Deputado João Torres.
O Sr. João Torres (PS): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.
Primeiro-Ministro e Sr.as e Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do
Tribunal Constitucional, Altos Dignitários Civis e Militares, Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus
Senhores, Portuguesas e Portugueses: Há precisamente 42 anos, o Movimento das Forças Armadas resgatou
a liberdade dos meus avós, dos meus pais e de outros que, como eu, viriam a nascer, crescendo e
experimentando as oportunidades da democracia, de uma abertura à Europa e ao mundo que nos faltava.
É com esse sentimento que a minha e outras gerações olham o gesto decisivo dos capitães e soldados de
Abril, hoje regressados a esta Casa, e é com sentido devedor que aqui estou, em nome do meu Partido, em
nome do meu Grupo Parlamentar e em nome dos socialistas portugueses, a dizer «Obrigado!».
Aplausos do PS.
Pertenço a uma geração que não viveu o combate à ditadura de Salazar e Marcelo Caetano, que não sofreu
na pele perseguições políticas, que não experimentou a restrição das mais básicas liberdades em Portugal. Na
minha geração, estou entre aqueles que recusam perder essa memória. Mas aberta a «Porta da Liberdade»,
Portugal agigantou-se nas últimas décadas. Superámo-nos, desde logo, com a aprovação da Constituição da
República Portuguesa, que entrou em vigor justamente há 40 anos.
Presto uma homenagem merecida aos constituintes da II República, mulheres e homens que conceberam
um País à frente do seu tempo e deram a palavra de lei à construção de um Portugal justo, livre e fraterno,…
Aplausos do PS e do PCP.
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… não escondendo as divergências no alcance dos consensos que permitiram a aprovação de um texto
progressista e definidor da nossa identidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A comemoração da Liberdade deve constituir uma oportunidade de
reflexão e um espaço de frontalidade. E quão difícil é encarar o presente e o futuro, quando olhamos à nossa
volta e nos apercebemos do galopante crescimento das desigualdades.
Não é fácil compreender que uns fiquem cada vez mais pobres e outros cada vez mais ricos. Não é fácil
aceitar que o salário de uns seja pouco superior a 500 euros e o de outros superior a 50 000 euros.
Aplausos do PS e do BE.
Não é fácil aceitar que uma elite avolume fortunas imorais em paraísos fiscais, quando o cidadão comum mal
consegue pagar as despesas do quotidiano.
Aplausos do PS e do BE.
Nada pode justificar que aceitemos como normal aquilo que o não é, nada pode justificar que aceitemos
como normal aquilo que o não pode ser.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O desemprego, a precariedade e a emigração representam uma
trilogia de sonegação de direitos sociais. O desemprego é uma condição primordial na geração de
desigualdades. A precariedade corporiza a escravatura reinventada na contemporaneidade. A emigração
forçada desestrutura projetos de vida de centenas de milhares de jovens, a quem foi dito que em Portugal não
têm lugar — são os «refugiados» da nossa incapacidade económica e social.
Aplausos do PS e de Deputados do BE.
A este País várias vezes enganado, a esta Europa rendida e a este Mundo descentrado de referências
humanistas, eu digo «Não!», nós temos de dizer «Não!».
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A voz dos jovens tem ficado vezes demais para trás nas últimas
décadas e o problema dos jovens com a política reside em algo extraordinariamente simples: nos resultados da
ação governativa.
Os portugueses podem, hoje, encontrar no Governo do seu País uma inquestionável vontade de corrigir as
desigualdades, de devolver esperança a um povo ferido, de recuperar para a Europa o sentido solidário de
outros tempos.
Para devolver credibilidade à política, urge apontar o caminho para um novo ideal de justiça, não na forma
como os sacrifícios são pedidos, mas na forma como a riqueza é repartida.
Aplausos do PS.
O que ambiciono para a minha geração é uma sociedade decente, fundada em três «D», que não os da
Revolução dos Cravos, mas que igualmente nos remetem para o campo da ação: Defender, Dinamizar e
Desafiar.
Defender a nossa história, a nossa cultura, a língua, o território, o capital humano e aqueles que têm menos
recursos.
Dinamizar a economia, as instituições, os movimentos sociais, as qualificações, a descentralização e as
autonomias regionais.
Desafiar, desafiar os preconceitos, o conservadorismo, a cartilha neoliberal. Desafiar os cidadãos a serem
mais participativos e, com isso, a honrar Abril.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com o 25 de Abril, cada portuguesa e cada português,
independentemente de viver em Lisboa (a capital), na Maia (o meu concelho), na aldeia de Rio de Onor, em
Bragança, na serra de Monchique, no Algarve, na ilha do Corvo, na Região Autónoma dos Açores, ou em Porto
Santo, na Região Autónoma da Madeira, tem direito a ser tratado como igual.
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Aplausos do PS.
Transporto orgulhosamente um cravo no peito, mas aprendi, também nesta Casa, que esta não é uma
condição suficiente para cumprir Abril e a Constituição da República Portuguesa.
Cumprir Abril é proporcionar a todos a oportunidade de superar as desigualdades de partida com que nos
deparamos quando nascemos, independentemente de quem somos, de onde vivemos, de quem amamos e
daquilo em que acreditamos.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A liberdade é a razão de ser da nossa presença aqui, hoje e agora,
mas a liberdade e a igualdade não nos afastam. Hoje, mais do que nunca, num País com tantas assimetrias que
urge combater, a liberdade e a igualdade aproximam-nos.
Viva o 25 de Abril!
Viva a Democracia!
Viva Portugal!
Aplausos do PS, de pé, do BE, do PCP, de Os Verdes e do PAN.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra
a Sr.ª Deputada Paula Teixeira da Cruz.
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da
República, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr. Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Sr. Provedor de
Justiça, Sr.ª Procuradora-Geral da República, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Altas Autoridades, Minhas
Senhoras e Meus Senhores: Nesta comemoração do 25 de Abril queremos, antes de mais, homenagear o povo
português,…
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — … que, saído de um regime autoritário e conservador, soube tomar
nas suas mãos o destino do País e evitou novas experiências totalitárias.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — O papel dos partidos democráticos foi, então, decisivo para conter
a ameaça e a luta pela democracia continua viva na memória daqueles que viveram aqueles tempos
conturbados, mas exaltantes!
Quero também prestar homenagem a todos os militares e civis que participaram corajosamente no 25 de
Abril, com responsabilidade e humildade e com sentido de serviço a Portugal, em particular aos que já não estão
entre nós. À maioria anónima destes heróis desconhecidos quero prestar o profundo reconhecimento dos
portugueses.
Aplausos do PSD.
Comemoramos um dia que nos deu a liberdade e a democracia.
A liberdade, essa palavra que passámos a ouvir e a invocar, contém, todavia, dos conceitos mais complexos
que existem. É um conceito forte, mas também frágil, tal como a democracia. Conceitos exigentes e frágeis que
conhecem muitas formas de subversão, sob a capa, tantas vezes, de uma aparente normalidade, aceite e
anestesiante, que de forma larvar os corrói.
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Aos que nos devolveram a liberdade e a democracia não fica apenas a gratidão, fica também a
responsabilidade que se estende a todos nós e aos vindouros, uma responsabilidade coletiva de que ninguém
está isento: a responsabilidade de combater todos os fenómenos que subvertem a liberdade e a democracia.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — O primeiro desses fenómenos é, seguramente, a indiferença, a
indiferença para com os outros, para com a coisa pública e a participação política, quando os outros devem ser
a nossa razão de ser e a coisa pública é de todos e não apenas de alguns, muitas vezes para fins ilegítimos.
Aplausos do PSD.
Há também a intolerância ou, melhor, todos os tipos de intolerância.
Intolerância para os que transportam diferenças, intolerância para com o direito à diferença, intolerância para
com o direito à liberdade de expressão, intolerância para com os que pensam de forma diferente, pois ninguém
é detentor da verdade ou, mesmo, do exclusivo do bem.
Há também a banalização dos conceitos de liberdade e democracia, ao ponto de se esquecer o que
realmente significam. Quantas vezes não se invocam liberdade e democracia em nome de ideais e práticas
intolerantes, totalitárias, subversivas e iníquas?!
Aplausos do PSD.
Quantas vezes não se invoca a liberdade, bem como a democracia, enquanto se praticam atos que
beneficiam puros interesses instalados ou a instalar, puros interesses obscuros?!
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Há falta de transparência na nossa vida pública. A concertação
social foi substituída por um acordo a três, na penumbra. Onde está a liberdade sindical?!
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Há falta de transparência na vida pública. Há falta de escrutínio
político por parte desta Assembleia.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — A democracia e a liberdade defendem-se não com meras
invocações mas com combates quotidianos.
A liberdade não tem apenas uma dimensão individual, se bem que esta, no seu exercício, seja muito dura,
porque envolve um combate permanente ao sofrimento e a injustiças. Impõe-se responsabilidade, coesão social
e intergeracional, qualificação das pessoas e das instituições.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — A União Europeia deve ser uma verdadeira comunidade de
verdadeiras democracias que decidem em conjunto avançar de uma forma mais solidária, aceitando regras
comuns para alcançar um conjunto de objetivos de paz e prosperidade para os seus povos, que, de outro modo,
não seriam alcançáveis, e enfrenta hoje inúmeros desafios, de que me permito sublinhar a imensa crise
humanitária dos migrantes. Há desafios: a estabilização do norte de África e do Médio Oriente, o avanço dos
movimentos populistas, a xenofobia.
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Um País que assume compromissos e deles beneficia tem de cumprir as regras que os mesmos impõem,
sem os quais há muito que teríamos resvalado para uma situação económica e financeira sem saída.
A política pode ser encarada como um ninho de ideias e projetos, mas também de palavras, de razão e de
emoções. Mas, numa democracia de qualidade, as palavras devem ser usadas com responsabilidade,…
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — …o discurso deve ser inclusivo e não ostracizante, a discussão
deve ser séria e fundamentada, a argumentação ancorada em relações demonstráveis de causa e efeito e, nas
palavras da política e dos políticos, o bem público deve ficar acima de tudo, acima dos meros jogos de exercício
do poder no curto prazo.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Por isso, é chocante a forma como nos últimos anos assistimos ao
regresso de um tipo de discurso pueril e histriónico, com uma lógica infantilizante e simplista, de que é exemplo
a ideia de que as políticas de absoluta necessidade e salvação, adotadas pelo anterior Governo para resgatar
Portugal da situação de pré-falência a que chegou em 2011, visariam o empobrecimento do País, enquanto as
políticas do atual Governo permitiriam, num golpe de mágica, resolver em duas penadas todos os problemas do
País.
Aplausos do PSD e de Deputados do CDS-PP.
Puro infantilismo democrático!
Recordo que em 2011 o Estado estava em pré-bancarrota, intervencionado, sem capacidade de se financiar
para fazer face às despesas mais inadiáveis, como o pagamento de salários e pensões e a manutenção das
tarefas essenciais de um Estado social. Foi disso exatamente que se tratou.
A importância de boas políticas e de uma boa economia para o funcionamento de uma democracia social
não precisa de ser demonstrada, basta pensar que diversos direitos de conteúdo económico consagrados na
Constituição da República só poderão ser exercidos se tivermos investimento produtivo, educação de
excelência, capital humano de qualidade, inovação científica, tecnológica e empresarial e, como consequência,
criação de empregos sustentáveis e crescimento significativo.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Sem crescimento caminhamos para o definhamento económico e
para uma sociedade miserabilista em que todos reivindicarão em vão. Se não houver rigor na educação, espera-
nos uma sociedade de facilitismo e de mediocridade. Se não for recompensado o esforço e o mérito dos
portugueses que trabalham e pagam os seus impostos com incentivos de mobilidade social e de reconhecimento
pela comunidade, estaremos perante uma sociedade bloqueada e votada ao fracasso.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Ora, os erros e as irresponsabilidades em nome de objetivos
demagógicos cometem-se com rapidez estonteante, mas pagam-se muito caro e durante muito tempo à custa
de enormes sacrifícios dos portugueses, como testemunham as amargas experiências vivida em anteriores
crises políticas.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Bem lembrado!
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A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — As pulsões da tomada e da manutenção do poder conduzem ao
sacrifício dos interesses de longo prazo a favor de medidas demagógicas de efeito rápido mas que rapidamente
se esgotam, quando é ameaçada a sustentabilidade do Estado social.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Se continuarmos a assistir ao discurso da intolerância, à
desonestidade intelectual dos argumentos e justificações e até às atitudes persecutórias dos últimos tempos,
incluindo a criação de conflitos artificiais, por razões, muitas vezes, tão pequenas como a revanche pessoal,
com assalto à Administração Pública ou a reguladores independentes, se continuarem a olhar com suspeição
os partidos e opiniões que não alinham com a bitola do atual poder, como se todos os que neste Hemiciclo se
sentam, é verdade!, à esquerda do Partido Socialista fossem meramente tolerados, então o problema da
democracia em Portugal poderá tornar-se mais profundo e levar não só a uma crise de confiança nas instituições
mas também a uma crise de confiança dos portugueses uns nos outros.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Ora, o que mais precisamos é de confiança reforçada uns nos
outros e que a economia e a sociedade possam manter e consolidar a trajetória de recuperação.
O PSD sempre foi um partido profundamente reformista e está disponível para apresentar novas ideias no
sentido de criar um País melhor e mais acolhedor para todas as gerações.
As reformas são tão importantes como a sustentabilidade e a honestidade, palavra que uso em vez de rigor,
mas este diálogo só pode ter lugar e dar frutos num ambiente de tolerância e de não exclusão de ninguém que
permita um forte consenso sobre as futuras orientações estratégicas.
Na política há sempre novas oportunidades e no nosso sistema político será necessário um esforço de todos.
Este é um dado essencial que se imporá mais cedo ou mais tarde, repito.
Os ensinamentos das grandes tragédias do século XX parecem ter sido esquecidos. Os nacionalismos e
populismos de toda a ordem voltam a marcar a paisagem política mundial, europeia e os apelos demagógicos
ao ethos nacional colhem adesões e votos.
Mas também temos de chamar a atenção para a governação demagógica, baseada em propostas sem
sustentabilidade, que levam os países à ruína, como aconteceu em 2011.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Bem lembrado!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — A verdade, reconhecida em todos os fora internacionais, é que o
XIX Governo Constitucional fez a dolorosa travessia do deserto e permitiu as restituições de rendimentos a que
foi possível agora proceder, embora a um ritmo incompatível com os fundamentos da nossa economia e das
nossas finanças.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Bem lembrado!
A Sr.ª Paula Teixeira da Cruz (PSD): — Mais uma vez apostou-se na ilusão de ganhos a curto prazo, em
especial quando certas forças políticas esquecem que democracia é também alternância e apostam, em caso
de sobrevir uma nova crise financeira e social provocada pelas próprias deficiências da atual governação, em
perigosas fugas para a frente em nome da pretensa irreversibilidade das medidas tomadas. Olhando para fora
da área do euro, há casos emblemáticos do que pode acontecer, quando se adotam políticas irresponsáveis.
Mas continua a haver entre nós quem defenda modelos de irresponsabilidade.
Digo isto para lembrar que em democracia tem de existir alternância e que ninguém pode pensar que certas
medidas que venham a ser apressadamente tomadas nesta Assembleia, e que constituem quimeras, possam
ser consideradas irreversíveis, como alguns parecem fazer crer aos portugueses, talvez, para os condicionarem
ou mesmo amedrontarem.
Nós não temos medo!
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No meio destes riscos externos e internos também é preocupante a arrogância no exercício do poder para
dar um aspeto de normalidade a uma situação que nada tem de normal!
O PSD continuará a defender os portugueses, exercendo uma oposição forte, mas responsável, construtiva,
mas crítica. O contributo de novas propostas não afastará o dever inalienável de denúncia de situações
intoleráveis.
Quando as discordâncias em matérias várias levam a acusações de que os partidos da oposição se
entenderam com as instituições europeias e que são os novos traidores à pátria, o odor do salazarismo mais
bafiento e ridículo abate-se sobre quem faz tais afirmações,…
Aplausos do PSD e de Deputados do CDS-PP.
… que são a negação de uma democracia convivial, tolerante e inclusiva.
Protestos do PS.
Sim, salazarista e bafienta!
Celebrar o 25 de Abril é fazer a festa da democracia. É recordar a Revolução dos Cravos de há 42 anos e
prestar homenagem a quem nela participou, é levar a que todos façam tudo o que estiver ao seu alcance para
promover um País social, que permita uma gradual melhoria do bem-estar, mas também é recriar uma sociedade
que aceite e conviva com a disparidade de opiniões, que pratique uma cultura de tolerância, sem crispações
desnecessárias, sem diabolização dos adversários políticos, sem tabus ideológicos que, na segunda década do
milénio, soam a velhos cacos guardados em armários bafientos!
Isto é também viver Abril!
Da promoção da igualdade de oportunidades, ao reconhecimento do mérito, à mobilidade social, à
necessidade de dar confiança aos portugueses em geral, ao respeito entre as instituições, todos constituem
bandeiras que o PSD sempre defendeu, mas igualmente ingredientes fundamentais de uma democracia.
Lembrar estes princípios e defendê-los com coragem e sentido de Estado é o melhor contributo que nesta
data da festa da democracia podemos dar para homenagear o povo português e evocar a data sempre
inspiradora do 25 de Abril.
Combatamos os demagogos, os moralistas, os radicalismos de qualquer espécie, os detentores da verdade,
os deslumbrados com o poder, os extremismos. A Humanidade sempre se deu mal com tudo isso!
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
Aplausos do PSD, de pé, e do CDS-PP.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs.
Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça e dos demais Tribunais Superiores,
Antigos Presidentes da República e da Assembleia da República, Srs. Ministros, Sr.ª Procuradora-Geral da
República, Sr. Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, Sr. Provedor de Justiça, Srs.
Representantes da República para as Regiões Autónomas, Srs. Vice-Presidentes das Assembleias Legislativas
Regionais, Srs. Antigos Primeiros-Ministros, Srs. Conselheiros de Estado, Srs. Chefes dos Estados-Maiores da
Armada, do Exército e da Força Aérea, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Núncio Apostólico, decano do Corpo
Diplomático, Membros do Corpo Diplomático, Autoridades Civis e Militares, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Srs.
ex-Conselheiros da Revolução, Srs. Antigos Constituintes, Sr. Presidente da Direção da Associação 25 de Abril,
Ilustres Convidadas e Convidados, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Dou-vos as boas-vindas
à Assembleia da República, as boas-vindas à Sessão Solene do XLII Aniversário do 25 de Abril.
É a primeira vez que o Sr. Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai intervir numa sessão
comemorativa deste primeiro dia da democracia, o dia 25 de Abril. É também a minha primeira vez, tenho, pois,
uma dupla honra ou, mesmo, uma tripla honra, sendo Presidente desta Assembleia.
25 de Abril, tanto num só dia, tantas memórias, tanta atualidade, tanto futuro.
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Se o 25 de Abril de 1974 foi o primeiro dia da nossa democracia, o 25 de Abril de 1975 foi a data das primeiras
eleições livres e o 25 de Abril de 1976 foi o momento da entrada em vigor da Constituição da República
Portuguesa e também das primeiras eleições legislativas.
Entrávamos, há 40 anos, na fase de consolidação do nosso regime democrático.
Mas falemos primeiro da data primeira: 25 de Abril de 1974.
Comemorar Abril é recordar um passado de ditadura que não queremos repetir e uma oportunidade para
projetarmos o Portugal democrático, solidário e desenvolvido que estamos a construir.
Há, precisamente, 42 anos o Movimento das Forças Armadas pôs fim a 48 anos de ditadura e abriu as portas
da democracia, do desenvolvimento e da descolonização.
«(…) Vivemos tantos anos a falar pela calada. Só se pode querer tudo quando não se teve nada, só quer a
vida cheia quem teve a vida parada (…)», cantou Sérgio Godinho.
Já sabemos que a democratização portuguesa não foi um processo linear, isento de erros ou contradições.
Nenhuma empreitada humana o é, e muitos menos esta o seria.
Em democracia todas as críticas são legítimas. Contem comigo para todos os balanços críticos, mas nunca,
mesmo nunca, para diminuir a grandeza do 25 de Abril.
Aplausos do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes.
Não esqueço a minha geração, a geração dos meus pais, e todos aqueles que sofreram as privações da
liberdade, resistiram e disseram «não», em nome da nossa liberdade e da liberdade das gerações vindouras.
A memória não se apaga.
Por isso, hoje, como sempre: muito obrigado, Capitães de Abril, que bom é ver-vos de volta a esta Casa, que
é também a vossa Casa, a Casa da democracia.
Aplausos, de pé, do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes.
Na pessoa do Coronel Vasco Lourenço, Presidente da Direção da Associação 25 de Abril, aqui presente com
alguns camaradas, saúdo todos os militares de Abril e recordo com imensa saudade aqueles que já partiram:
Salgueiro Maia, Melo Antunes, Marques Júnior e tantos outros.
Aplausos do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes e de Deputados do PSD.
Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados: 25 de
Abril de 1976.
Há precisamente 40 anos entrava em vigor a Constituição da República Portuguesa.
Há 40 anos, Deputados oriundos de latitudes políticas muito diferentes puseram em cima da mesa as suas
diferenças. Por vezes divergiram com dureza, mas nem por isso deixaram de conseguir elaborar as regras
comuns do sistema democrático e o programa de direitos e responsabilidades, que é a Constituição da República
Portuguesa.
Na Constituinte, acima dos partidos, acima dos projetos políticos de cada um, estiveram valores que todos
partilhamos, valores que unem os portugueses e que, por isso, tiveram tradução constitucional: paz, pão,
habitação, saúde, educação, pois, claro, no fundo, o direito a uma vida digna em liberdade.
Os Constituintes que homenageámos já neste mês de Abril deixaram o seu contributo nesta bússola que
ainda hoje nos orienta pelos caminhos do futuro. Permitam-me, aliás, que recorde esse momento de grande
emoção, tão fresco na nossa memória, que foi homenagear e reencontrar, na Sala das Sessões, tantos
arquitetos da democracia constitucional, com posições diferentes e que já não víamos aqui há tanto tempo,
como, e vou só citar alguns, Amândio de Azevedo, Américo Duarte, António Arnaut, Carlos Brito, Carlos Macedo,
Carmelinda Pereira, Pinto Balsemão, Freitas do Amaral, Jaime Serra, Jorge Miranda, José Manuel Tengarrinha,
Manuel Gusmão, Oliveira Dias ou Vital Moreira. Foi um momento inesquecível, para eles e para nós.
Aplausos do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes.
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E depois a emoção que foi homenagearmos, no átrio principal, também aqueles que já partiram e que nos
deixam uma imensa saudade. Relembrámos o Presidente da Constituinte, Henrique de Barros, em nome de
todos os que já faleceram, deixando tão grande legado. Foi, de facto, um momento de emoção, mas também
de muita esperança no futuro de Portugal.
Os progressos de 40 anos de Constituição, num tempo em que impera a crítica fácil ao parlamentarismo,
contaram também com o contributo de todos os Deputados que, ao longo de 40 anos de eleições legislativas,
têm representado os portugueses nesta Assembleia.
Os grandes progressos da democracia, os avanços sociais e civilizacionais passaram todos pelas XIII
Legislaturas que já levamos e pelos Governos que a partir delas se formaram. Hoje, mais do que nunca, faz-nos
bem revisitar o espírito constitucional de 1975-76.
Conscientes da força das convicções e das razões das nossas propostas temos de saber identificar o chão
comum que pisamos, os valores que nos unem e os objetivos estratégicos que nos mobilizam.
Debatamos tudo, mas tudo, e tentemos nunca perder de vista as mudanças que precisamos de fazer para
devolver esperança a Portugal.
Debatamos tudo, mas procuremos, depois, falar a uma só voz na Europa, em nome da Europa que queremos:
uma Europa mais centrada na solidariedade social do que nas décimas das finanças públicas.
Aplausos do PS e do BE.
A este propósito, a pergunta é legítima: como é possível que, depois da brutal crise financeira de 2007-2008,
os pilares do pensamento que a gerou — desregulamentar, liberalizar, privatizar, flexibilizar — ainda não tenham
sido definitivamente relativizados e apagados, apesar de todo o arrependimento que nessa altura nos chegava
do FMI, do Banco Mundial, da OCDE e da própria União Europeia?
Aplausos do PS e do BE.
Se queremos mais Europa e se exigimos mais da Europa, não nos deixemos tolher pelo medo ou pelo
cinismo, lutemos para que a nossa Europa volte a ser para o resto do mundo o farol dos Direitos Humanos.
Recordemos as sábias palavras de Sophia de Mello Breyner, na Assembleia Constituinte: «(…) Não devemos
temer os perigos da liberdade. O temor dos inimigos da liberdade e do uso que da liberdade possam fazer não
pode levar-nos a destruir à partida a nossa pobre liberdade de inventar, imaginar, participar (…)».
Hoje é o dia da liberdade. A liberdade não é uma fragilidade, a liberdade é a nossa maior força.
Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados,
Portugueses: 25 de Abril de 1975, 25 de Abril de 1976, dias de liberdade, dias de eleições. Desses dias recordo
uma abstenção mínima e uma alegria máxima no rosto das pessoas. O contraste com o que se passa hoje, 40
anos depois das primeiras eleições legislativas, presidenciais, regionais e autárquicas, é demasiado evidente
para passar despercebido.
Não podemos deixar que a festa da democracia se vá transformando numa nova versão, ainda que
democrática, da «feira cabisbaixa» de Alexandre O’Neill.
Sei que há quem veja na abstenção um sinal próprio da normalização democrática e da emigração.
Compreendo esses argumentos, mas peço mais atenção para os sinais que nos chegam de sucessivos
inquéritos à opinião dos portugueses, ao nível da confiança nas instituições do País.
Olhemos para os níveis de confiança em todas as instituições e não apenas para as instituições políticas,
porque uma democracia não se faz apenas de partidos e de Deputados. Uma democracia faz-se também de um
poder judicial respeitável, respeitado e prestigiado. Uma democracia necessita de uma comunicação social
pluralista e respeitadora das regras deontológicas.
Aplausos do PS do BE, do PCP, de Os Verdes e de Deputados do CDS-PP.
O exercício de funções públicas em órgãos de soberania, na Presidência, no Parlamento, no Governo, nos
Tribunais, bem como o ofício de informar a opinião pública são tarefas da maior delicadeza que nos obrigam a
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um sentido da responsabilidade social permanente. Não se pode esperar dos portugueses respeito por quem
não se dê ao respeito ou por quem não respeite as regras e as normas do Estado de direito democrático.
A democracia é, acima de tudo, um regime de regras e de valores.
Vemos, pois, com expectativa positiva, a forma como os grupos parlamentares começam a fazer a parte que
lhes cabe, seja com o anúncio de iniciativas de reforma do sistema eleitoral, seja com iniciativas de reforço da
transparência no exercício de cargos públicos.
Independentemente dos méritos das propostas políticas de cada grupo parlamentar, há aqui um sinal de
inquietação e de inconformismo, uma preocupação com a qualidade da democracia e com o combate à
corrupção.
Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Há muito tempo que se fala das reformas do
sistema político, muitas se fizeram, muitas ficaram ainda por realizar.
Sabemos que não podemos pedir às reformas legislativas do sistema político aquilo que não lhes cabe
proporcionar: mais crescimento económico, mais emprego, mais rendimentos, vida melhor para todos.
Sabemos que Portugal ainda continua uma sociedade demasiado desigual e que mais desigualdade leva a
menor participação política.
Mas também não podemos ignorar o lugar que as reformas do sistema político ocupam na melhoria da
qualidade da democracia e do desempenho das instituições democráticas.
Neste domínio, penso que devemos abandonar a ideia de que tudo começa e acaba na produção de nova
legislação. Por que não olhamos para os instrumentos que já temos à nossa mão e que não implicam
necessariamente mais leis?! Por que não trazer mais a revolução digital para dentro da democracia?!
Como há 20 anos, com Almeida Santos, o Parlamento português deve voltar a liderar o processo de adesão
das instituições do Estado às novas tecnologias da comunicação. As redes sociais, com todos os seus riscos,
permitem aproximar e comunicar melhor com as pessoas, nos fora onde se exerce hoje, cada vez mais, a
cidadania, colaborando com a comunidade para aumentar a qualidade do escrutínio ao Parlamento.
Nunca, como hoje, os Deputados justificaram tanto as suas escolhas perante os seus eleitorados. Nunca,
como hoje, teve o Parlamento as suas portas tão abertas à comunidade.
Importa sermos capazes também de sair destas paredes e continuarmos o projeto, sempre inacabado, do
aperfeiçoamento da democracia. Precisamos de a ser um Parlamento à altura do nosso tempo.
Olhemos, por exemplo, para o Parlamento mais antigo do mundo, o britânico, que, no âmbito da iniciativa
Digital Democracy, soube reunir pareceres de especialistas, opiniões dos cidadãos, da sociedade civil, soluções
políticas e, assim, encontrar formas inovadoras que permitem caminhar para uma nova democracia de
proximidade.
Ao comunicar de forma mais clara e transparente com as pessoas, ao envolvê-las no trabalho parlamentar,
o Parlamento estará a devolver mais poder aos cidadãos. Estaremos, então, a dar mais democracia à
democracia.
Por isso, em diálogo com os Deputados e os grupos parlamentares, levarei em breve à agenda da
Conferência de Líderes o tema da democracia digital, para encontrarmos, em conjunto, as melhores soluções
que permitam responder a esta preocupação urgente.
Nada temos a temer, a não ser o conformismo e a rotina. Ao reforçarmos a transparência no exercício dos
nossos mandatos ou na forma como comunicamos com os cidadãos, vamos dar mais visibilidade ao nosso
trabalho e valorizar, aos olhos de todos, a função parlamentar.
A transparência não se confunde com populismo. Pelo contrário, o reforço da transparência é o melhor
antídoto contra o populismo.
O combate pela qualidade da democracia é, por tudo isto, nesta Assembleia, um combate urgente,
permanente, um combate de todos os dias. Enfrentá-lo é a melhor forma de valorizar o nosso mandato e de
honrar a coragem daqueles que fizeram do 25 de Abril o dia da liberdade.
Viva o 25 de Abril!
Viva a República!
Viva Portugal!
Aplausos do PS, de pé, do BE, do PCP, de Os Verdes, do PAN e de Deputados do PSD e do CDS-PP.
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É com muita honra que dou a palavra ao Sr. Presidente da República que vai dirigir uma mensagem ao
Parlamento.
Faça favor, Sr. Presidente da República.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa): — Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal
Constitucional e demais Tribunais Superiores, Srs. Antigos Presidentes da República e da Assembleia da
República, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Sr.ª Procuradora-Geral da República, Sr. Presidente da Câmara
Municipal de Lisboa, Sr. Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, Sr. Provedor de Justiça, Srs.
Representantes da República para as Regiões Autónomas, Srs. Presidentes das Assembleias Legislativas
Regionais, Sr. Núncio Apostólico, Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Srs. Capitães de Abril, Sr.as e Srs.
Deputados, Srs. Convidados, Portugueses: O 25 de Abril de 1974, de movimento militar de jovens capitães,
rapidamente se converteu em revolução.
Saudar os Capitães de Abril, 42 anos depois, é dever de todos os que em Portugal se louvam da democracia
que o seu gesto patriótico permitiu instaurar. Bem hajam, Srs. Capitães de Abril!
Aplausos gerais.
Saudar o Povo, que assumiu esse testemunho e o converteu em fundamento do Estado social de direito que
temos, é assinalar o primado da soberania popular, desde logo, expressa na primeira eleição para a Assembleia
da República, há, precisamente, 40 anos.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!
O Sr. Presidente da República: — Toda a revolução, ao longo da História, é feita de várias revoluções,
tantas quantos a viveram, mais ou menos intensamente.
A Revolução de 1974 e 1975 foi, também ela, feita de muitas revoluções.
Olhando para os projetos das forças partidárias com assento na Assembleia Constituinte, é possível deparar
com várias revoluções, a que se somaram as sonhadas por outras forças sem tal representação. E, como
acontece sempre nos processos revolucionários, houve momentos em que a primazia parecia pender para um
ou alguns desses projetos, para, logo a seguir, a correlação de forças favorecer projetos diversos.
A Constituição da República Portuguesa, promulgada em 2 de abril de 1976, acolheu o compromisso possível
entre diversas revoluções, depois de 25 de Novembro de 1975.
Esse compromisso viria a ser reformulado em sucessivas revisões, com especial relevo para as de 1982,
quanto ao regime político e ao sistema de governo, de 1989, quanto ao regime económico, e de 1997, quanto a
vertentes políticas e sociais.
Mas, como um todo, a Revolução de 25 de Abril de 1974, na versão compromissória do constitucionalismo
de 1976, acabou por abrir a Portugal o horizonte para quatro desafios cimeiros, que dominaram as décadas que
se lhe seguiram: descolonização, democratização, integração europeia e construção de uma nova economia.
Descolonização: entre 1974 e 1975, tardia, realizada no meio de uma revolução, culminando na
independência dos Estados irmãos na língua e em tanta mundividência e alterando perfis económicos e sociais
na comunidade que éramos.
Democratização: concretizada por fases e em que a transição para o poder político democrático eleitoral
conheceu a sua expressão plena seis anos depois de 1976.
Integração europeia: decidida em 1977 e formalizada oito anos volvidos, em 1985.
Mudança da economia: em ciclos muito diversos — o primeiro, de rotura dos laços coloniais e das
nacionalizações e expropriações; o segundo, das reprivatizações para mãos portuguesas, com apoio público; o
terceiro, da recente transferência para mãos estrangeiras em sectores-chave, num contexto de crise financeira
e económica.
Quatro desafios vividos quase em simultâneo, como nenhum outro antigo império europeu ocidental moderno
havia enfrentado, sem guerra civil, com a excecional integração de 700 000 compatriotas, percorrendo, em
escassos anos, caminhos que as economias europeias fortes haviam trilhado em 40 anos.
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Quando os mais jovens, tantas vezes, minhas alunas e meus alunos, olhavam para o balanço destas quatro
décadas ou pouco mais — com sentido muito crítico, para não dizer com quase total incompreensão —, vezes
sem conta lhes chamei a atenção para o tempo que não conheceram e para o que foi o percurso que para todos
eles é já pré-história.
Não sabem o que é ditadura, censura, elevadíssima mortalidade infantil, escolaridade obrigatória não
cumprida de seis anos, 1 milhão de emigrantes numa década, começo do despovoamento de um interior
continental e de áreas das atuais Regiões Autónomas.
Manda, por isso, a verdade que se reconheça que a democracia permitida pelo 25 de Abril representou uma
realidade sem precedentes na nossa história político-constitucional…
Aplausos gerais.
… em participação no poder central, regional e local, em independência dos tribunais, em autonomia política
dos Açores e da Madeira, em autonomia administrativa do poder local, em liberdades fundamentais, em
mudança drástica dos indicadores de saúde, em democratização no sistema de ensino, em profundo avanço no
papel da mulher na sociedade portuguesa, em abertura externa e circulação de pessoas e ideias, em
preocupações intergeracionais e de qualidade de vida e, até, na projeção internacional de tantos dos nossos
melhores, sem comparação na história contemporânea.
Só que a mesma verdade manda que se diga que os quatro desafios enfrentados em tão concentrado espaço
de tempo tiveram custos de vária ordem, que, somados a crises externas e a fraquezas internas, legitimam
queixas e frustrações em muitos portuguesas e portugueses. E, em particular, nos mais jovens, como aqueles
do Conselho Nacional de Juventude que ontem me deram, simbolicamente, este cravo para que, hoje, ao evocar
os 42 anos do 25 de Abril, me não esquecesse do muito que está por fazer.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
O Portugal pós-colonial tem de cuidar mais da língua, valorizar mais a cultura, ir mais longe na educação, na
ciência e na inovação, dar mais peso às comunidades espalhadas pelo mundo, apostar mais na CPLP, dar aos
que de fora vieram e integraram o nosso País social a importância no País político que lhes tem sido negada.
O Portugal democrático tem de repensar o fechamento no sistema de partidos e nos parceiros sociais, de
recriar formas de aproximação entre eleitores e eleitos, de ser mais efetivo no combate à corrupção e mais
transparente na vida pública. Tem de ir mais longe quanto à mulher na política e na chefia administrativa, ao
jovem na sucessão geracional, ao emigrante e ao imigrante na vivência cívica.
Aplausos do PSD, do PS, do BE e do CDS-PP.
O Portugal que acredita na Europa tem de lutar por uma Europa menos confidencial, menos passiva, mais
solidária, mais atenta às pessoas e, sobretudo, que não pareça aprovar nos factos o oposto daquilo que apregoa
nos ideais.
Aplausos do PSD, do PS, do BE e do CDS-PP.
O Portugal do desenvolvimento tem de dar horizontes de esperança, que não sejam o ir de crise em crise
até à incerteza total, sem ficar refém pela dívida ou pela dependência intoleráveis, afirmando-se capaz de
crescer, competir, criar emprego e dar futuro aos portugueses.
Aplausos do PSD, do PS, do BE e do CDS-PP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
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O Sr. Presidente da República: — O Portugal da coesão social e territorial deve ser muito mais corajoso
não só a recuperar a classe média ou a alimentar a circulação social, mas também a combater as assimetrias e
a pobreza que nos deve envergonhar.
Aplausos do PSD, do PS, do BE e do CDS-PP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Sr. Presidente da República: — É injusto negar o que todos devemos ao 25 de Abril de 1974.
É, no entanto, míope negar as desilusões, as indignações, as frustrações com a qualidade da democracia,
com a debilidade do crescimento, com a insuficiência do emprego, com o aumento das desigualdades, com a
persistência significativa da pobreza.
O saldo é claramente positivo para quem tiver a memória dos anos 70, mas pode começar a ser
preocupantemente descoroçoante para quem só se lembrar dos anos 90 e da viragem do século.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: A solução não passa, porém,
por pessimismos antidemocráticos, nem por populismos antieuropeus, nem por tentações de culpabilização
constitucional.
Eu sei, nós sabemos, que estes tempos não são fáceis. Não são fáceis nem na incerteza quanto ao
crescimento e segurança e na falta de transparência financeira mundiais, nem na lentidão ou tibieza quanto à
resposta conforme aos seus princípios por alguma parte da Europa nos refugiados, na política externa e de
segurança, na economia ou na capacidade para evitar fraturas antissolidárias, as mais inesperadas, nem na
evolução económica recente, ou em curso, que aconselha permanente atenção às previsões e aos seus reflexos
financeiros, sem dramas, que a retificação de perspetivas é realidade a que nos habituámos ao longo dos anos,
mas com lucidez, que é preferível à negação dos factos.
Mas é neste quadro que nos movemos, hoje, em Portugal.
Felizmente, quanto aos grandes objetivos nacionais, há um larguíssimo acordo entre os portugueses:
vocação universal, pertença europeia, importância essencial da lusofonia, transatlantismo, defesa do Estado
social de direito, aposta na educação, na ciência e na inovação, combate às desigualdades e à pobreza, maior
circulação social e recuperação das classes médias, mais e melhor democracia e sobreposição do poder político
ao poder económico e, ainda, como condições necessárias, crescimento e emprego, com justiça social, sem
desequilíbrios financeiros insanáveis.
Felizmente, também há no nosso País, neste momento, dois caminhos muito bem definidos e diferenciados
quanto à governação, ao modo de se atingir as metas nacionais: diversos quanto ao papel do Estado na
economia e na sociedade; diversos quanto às prioridades para a criação de riqueza; diversos quanto ao tempo
e ao modo da redistribuição da riqueza; diversos na filosofia e na prática política. Cada um desses caminhos é
plural, mas querendo ser alternativo ao outro, com lideranças e propostas próprias, clarificação esta muito salutar
e fecunda.
A democracia faz-se de pluralismo, de debate, de alternativa. Assim, quem se pretenda alternativa, de um
lado e de outro, demonstre, em permanência, humildade e competência para tanto.
Temos, portanto, amplo acordo de objetivos nacionais, por um lado, e dois distintos modelos de governação
neste momento, por outro, o que motiva três interrogações.
Quer isto dizer que vamos prosseguir em clima de campanha eleitoral?
Ou que os consensos sectoriais de regime são impossíveis?
Ou que a unidade essencial entre os portugueses é questionada por duas distintas propostas de Governo?
A resposta a estas três questões só pode ser negativa para os portugueses e, em particular, para o Presidente
da República, cujo mandato nacional é, por sua própria natureza, mais longo e mais sufragado do que os
mandatos partidários e não depende de eleições intercalares.
Não. Portugal não pode, nem deve, continuar a viver, sistematicamente, em campanha eleitoral.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Sr. Presidente da República: — Exige estabilidade política, crucial para a estabilidade económica e social.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
O estar adquirida, finalmente, essa estabilidade é um sinal de pacificação democrática que deve reconfortar
os portugueses.
Não. O estimulante pluralismo político não impede consensos sectoriais de regime, alguns dos quais não
precisam sequer de formalização para se irem afirmando diariamente, como na saúde, por exemplo, onde o que
aproxima é cada vez mais do que aquilo que afasta. Mas esse pode ser, como já disse, um primeiro passo
apenas para consensos noutros domínios, da vitalização do sistema político ao traçado e estabilidade do sistema
financeiro, ao sistema de justiça e à segurança social, possivelmente, com passos lentos, mas profícuos.
Não. A saudável contraposição de duas fórmulas de Governo não atinge o fundamental na unidade dos
portugueses. Como nunca atingiu.
É olhar para a forma como portuguesas e portugueses estão a viver a saída de uma crise, certamente uma
das mais pesadas desde o 25 de Abril de 1974. Elas e eles sofreram sacrifícios, cortes, penalizações. Adiaram
sonhos e congelaram projetos de vida. Viram familiares partirem, substituíram empregos sólidos por expedientes
de emergência. E uniram-se. Filhos voltaram para casa dos pais. Avós receberam filhos e netos. Mudaram de
terra e sobreviveram em conjunto. Uniram-se. E assim puderam e podem começar a reacreditar no futuro. Elas
e eles foram os grandes vencedores sobre a crise.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
Continuam, agora, a pensar coisas diferentes, a votar em listas diversas, a divergir na política, no trabalho,
na vida local, no desporto.
Para uns, a governação atual é promissora; para outros, um logro.
Para todos, contudo, uma certeza existe neste tempo: mais instabilidade, mais insegurança, não abre
caminhos, fecha horizontes.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
E, por isso, vivem já uma distensão impensável há escassos meses.
Neste 25 de Abril de 2016, 42 anos depois do 25 de Abril de 1974, essa lição é um sentido de vida para
tempos difíceis a apelarem à sensatez.
Unamo-nos no essencial, sem com isso minimamente negarmos a riqueza do confronto democrático, em que
Governos aplicam as suas ideias e oposições robustecem as suas alternativas.
Troquemos as emoções pelo bom senso, aqueles que devem governar, com voluntarismo, mas com especial
atenção a que o possível seja suficiente e, mais do que isso, seja bom para Portugal, aqueles que devem
contestar, com firmeza, mas com a noção de que o tempo não muda convicções mas pode alterar ou condicionar
soluções.
A democracia criada a partir do 25 de Abril de 1974 tem de ser recriada todos os dias, para se não negar,
nem negar futuro aos portugueses.
Saibamos, também nós, todos, honrá-la e servi-la, renovando o que importa renovar, debatendo o que há a
debater, sonhando o que há a sonhar, mas olhando para o exemplo dos mais simples e humildes, do Povo que
é a verdadeira origem do poder, preservando sempre a unidade no essencial, a pensar em Portugal!
Aplausos gerais, tendo o PSD, o PS e o CDS-PP aplaudido de pé.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Declaro encerrada a Sessão Solene Comemorativa do
XLII Aniversário do 25 de Abril.
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Eram 11 horas e 50 minutos.
A Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, tocou o hino nacional, tendo a
Câmara aplaudido de pé.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.