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Quinta-feira, 12 de janeiro de 2017 I Série — Número 36

XIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2016-2017)

REUNIÃOPLENÁRIADE11DEJANEIRODE 2017

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão Moisés Salvador Coelho Ferreira António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a Sessão Evocativa do

antigo Presidente da República Mário Soares às 15 horas e 5 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de lei n.os 367 a 370/XIII (2.ª) e dos projetos de resolução n.os 601 a 609/XIII (2.ª).

Após ter lembrado a figura de Mário Soares, o Presidente, de pé, leu o voto n.º 194/XIII (2.ª) — De pesar pelo falecimento de Mário Soares (Presidente da AR e Vice-Presidentes e Secretários da Mesa).

Seguiram-se intervenções do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto Santos Silva), em nome do Governo, e dos Deputados André Silva (PAN), José Luís Ferreira (Os

Verdes), João Oliveira (PCP), Nuno Magalhães (CDS-PP), Pedro Filipe Soares (BE), Luís Montenegro (PSD) e Carlos César (PS).

O voto foi, depois, aprovado por unanimidade, tendo, de seguida, sido projetado um filme, ao som da marcha Land of Hope and Glory, com imagens de Mário Soares no Parlamento.

Após ter sido guardado, de pé, 1 minuto de silêncio, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional, que foi cantado, pela Câmara e pelo público presente nas galerias.

O Presidente encerrou a sessão eram 16 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários,

Sr.as e Srs. Jornalistas, declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

As galerias já estão abertas, pelo que não é preciso dar autorização para esse efeito.

Da ordem do dia de hoje consta a Sessão Evocativa do Antigo Presidente da República Mário Soares.

Tendo em conta que esta é uma sessão parlamentar, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram

admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projetos de lei n.os 367/XIII (2.ª) — Cria o regime jurídico dos

conselhos municipais seniores (PSD), 368/XIII (2.ª) — Altera o Decreto-Lei n.º 57/2016 — Procede à primeira

alteração do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, conferindo maior justiça e corrigindo incentivos aos

agentes abrangidos pelas disposições do artigo 23.º (Norma transitória) (CDS-PP), 369/XIII (2.ª) — Altera o

Código do Trabalho, consagrando a Terça-Feira de Carnaval como feriado nacional obrigatório (PAN) e 370/XIII

(2.ª) — Reposição do direito a um mínimo de 25 dias de férias na função pública majorado, em função da idade,

até aos 28 dias (BE), e projetos de resolução n.os 601/XIII (2.ª) — Recomenda a criação de um plano de

emergência de resposta a incidentes na central nuclear de Almaraz (BE), que baixa à 11.ª Comissão, 602/XIII

(2.ª) — Recomenda ao Governo o combate ao abandono escolar no ensino superior (PSD), que baixa à 8.ª

Comissão, 603/XIII (2.ª) — Pela rejeição dos acordos de livre comércio e serviços, designadamente do Acordo

Económico e Comercial Global (CETA) entre a União Europeia e o Canadá (PCP), 604/XIII (2.ª) — Negociação

em sede de concertação social de princípios orientadores para uma legislação específica, por forma a definir

quais os feriados obrigatórios a serem observados na segunda-feira da semana subsequente (PSD), 605/XIII

(2.ª) — Recomenda ao Governo que promova, junto das instituições do ensino superior da área da saúde, a

inclusão do estudo da dor e da geriatria nos respetivos programas curriculares (PSD), 606/XIII (2.ª) —

Recomenda ao Governo português a promoção de um debate alargado, com a sociedade civil e organizações

não-governamentais, sobre os impactos do CETA em Portugal e na Europa (PAN), 607/XIII (2.ª) — Recomenda

ao Governo a urgente reposição de quatro carruagens na linha verde do metropolitano de Lisboa (Os Verdes),

que baixa à 6.ª Comissão, 608/XIII (2.ª) — Pela rejeição do Acordo Económico e Comercial Global — CETA

(União Europeia-Canadá) e a criação de garantias de transparência e participação democrática (BE) e 609/XIII

(2.ª) — Recomenda ao Governo a atribuição de apoios financeiros aos produtores florestais (BE).

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário Duarte Pacheco.

Vamos, pois, entrar na ordem do dia, que consta da Sessão Evocativa do Antigo Presidente da República

Mário Soares.

É evidente que, para mim, como amigo pessoal de Mário Soares, esta é uma sessão com particular tensão

e emoção, pelo que gostaria de salientar, antes de passar à leitura do voto de pesar, os laços que sempre me

uniram a Mário Soares, sobretudo nas últimas décadas, as saudades, a solidariedade para com a sua família e

o facto de Mário Soares, juntamente com os jovens oficiais do Movimento dos Capitães, ser grande responsável

pela situação democrática que hoje vivemos e pela existência deste Parlamento democrático.

Srs. Deputados, vou proceder à leitura do voto n.º 194/XIII (2.ª) — De pesar pelo falecimento de Mário Soares

(Presidente da AR e Vice-Presidentes e Secretários da Mesa).

Neste momento, o Presidente levantou-se.

O voto é do seguinte teor:

«É com profundo pesar que a Assembleia da República assinala o falecimento de Mário Soares.

Com o seu desaparecimento, assalta-nos um sentimento de perda, mas o exemplo perdura.

A sua marca é demasiado grande para ser esquecida. Nela encontrarão as novas gerações a força e a

inspiração para ultrapassarem os desafios e darem continuidade ao seu impressionante legado, um legado de

coragem política, de patriotismo democrático e de abertura ao mundo.

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Mário Soares abraçou desde cedo a política como vocação.

Enquanto jovem advogado, destacou-se pela defesa de vários presos políticos.

As corajosas atividades de oposição à ditadura, já travadas ao lado de Maria de Jesus Barroso, valeram-lhe

a prisão, a deportação e o exílio.

O lema de vida de Mário Soares foi sempre o mesmo: “só é vencido quem desiste de lutar”.

Em 1996, já tinha sido tudo: Ministro, Primeiro-Ministro, Presidente da República. E tinha o seu lugar na

História.

Contudo, atento às tendências de cada momento histórico e curioso em relação às novas gerações, preferiu

continuar a lutar e a pensar no futuro.

Lutou até ao fim e, com isso, deixa-nos um exemplo ímpar de cidadania política.

Se a política era a vocação de Mário Soares, a liberdade era a sua causa.

Mário Soares tinha a intuição dos grandes políticos e a visão dos grandes estadistas.

Antecipava os grandes movimentos do seu tempo e disso beneficiou o País, que assim melhor se posicionou

perante os desafios da História.

Foi antifascista durante a ditadura e anticolonialista quando a ditadura se dizia “orgulhosamente só”.

Desde o momento da sua chegada a Santa Apolónia, no “comboio da liberdade”, nunca perdeu de vista

aquilo que era, para si, o essencial.

Procurou sempre liderar os acontecimentos e o País inteiro acabou por apanhar o “comboio da liberdade”.

Como Deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República, honrou o parlamentarismo e a

atividade parlamentar.

Na qualidade de Primeiro-Ministro, deixou as bases do Estado social e a adesão à então Comunidade

Económica Europeia.

Foi Presidente da República entre 1986 e 1996. Nessa qualidade, prestigiou o Estado português e influenciou

o entendimento que temos hoje do cargo presidencial.

O Portugal democrático, tolerante e solidário, e o País do mar, europeu e aberto ao mundo, é o País de Mário

Soares. Isso é reconhecido pelos portugueses e pelos países amigos e aliados de Portugal, como temos

testemunhado ao longo destes dias.

Mário Soares era um democrata português e, nesse sentido, um cidadão aberto ao mundo.

O Partido Socialista, força estruturante da democracia portuguesa, do qual era o militante n.º 1, foi fundado

ainda durante o seu exílio.

Enquanto Secretário-Geral do PS, Mário Soares foi um dirigente influente da Internacional Socialista, o que

viria a contribuir, de forma relevante, para o sucesso da democratização portuguesa e da integração europeia

de Portugal.

Mas, mesmo enquanto Secretário-Geral do PS, não hesitou em ficar quase só para defender o seu

pensamento sobre Portugal e sobre a democracia.

Na Presidência da República esteve atento aos movimentos sociais e aberto ao mundo das ideias e da

cultura, com o qual teve sempre uma cumplicidade genuína.

Cometeu erros, certamente, mas sempre entendeu a política democrática como uma atividade apaixonante,

feita de vitórias mas também de derrotas, assente em escolhas claras e convicções fortes.

Todos estiveram, alguma vez, ao lado dele e contra ele. Ao mesmo tempo, todos lhe reconhecem a lealdade

com os adversários e a tolerância com a diferença.

Era laico, republicano e socialista e, ao mesmo tempo, presidiu à Comissão da Liberdade Religiosa, porque

sempre entendeu o pluralismo como um valor maior.

O seu exemplo de tolerância ajudou o País a unir-se e a reconciliar-se consigo mesmo, depois das tensões

próprias de uma ditadura longa e do período revolucionário que se lhe seguiu.

Se hoje Portugal se distingue na Europa e no mundo pelo seu grau de coesão nacional muito o deve ao

contributo liderante de Mário Soares.

O sentimento de perda é, assim, acompanhado por um sentimento de gratidão eterna.

Reunida em sessão plenária, a Assembleia da República assinala com tristeza o seu falecimento,

transmitindo aos filhos, Isabel Soares e João Soares, Deputado à Assembleia da República, à sua família e a

todo o Partido Socialista o mais sentido pesar.»

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Srs. Deputados, tem agora a palavra, em nome do Governo, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros,

Augusto Santos Silva.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs.

Deputados: Os homens e as mulheres são livres e iguais em direitos e os direitos humanos constituem o

fundamento mesmo da sociedade, os direitos são múltiplos e interdependentes, dizendo respeito às liberdades

e garantias pessoais, aos direitos civis e políticos e aos direitos económicos, sociais e culturais.

A vida, a dignidade humana, a livre expressão de ideias e crenças, a proteção da lei e o acesso à justiça, a

livre associação e participação, a cidadania do lado das pessoas e do lado da organização social, a soberania

popular, o primado da lei, a separação e interdependência dos poderes, as eleições livres e justas, a

transitoriedade das funções políticas, a imprensa livre e a administração da justiça representam as condições

mínimas para que a sociedade seja forte e o Estado seja de direito.

Há direitos que o Estado deve respeitar, como a liberdade religiosa, e outros cuja realização implica a

promoção ativa pelo Estado, como os direitos sociais. E todos hão de ser harmoniosamente considerados

indivisíveis, como são.

A democracia é a forma política que melhor permite a institucionalização da sociedade que formamos, numa

comunidade política onde todos nos possamos sentir representados e de que todos possamos sentir-nos

participantes.

A democracia é a expressão da vontade popular através de eleições periódicas livres e justas, é o escrutínio

da governação pelo Parlamento, pela imprensa e pela sociedade civil, é a possibilidade de afastar governos por

meios pacíficos, é o respeito pelo pluralismo e a proteção das minorias.

A democracia é também o melhor quadro institucional para a promoção da cidadania e o desenvolvimento

social, impedindo a discriminação, promovendo a realização dos direitos e proporcionado a satisfação das

aspirações das pessoas ao trabalho e ao bem-estar, à educação, ao ambiente e à cultura. É a defesa dos bens

comuns e do interesse coletivo contra os interesses particulares, a prevalência do poder político sobre os

poderes económicos e a regulação dos mercados pelas instituições públicas. É a articulação virtuosa entre, de

um lado, a liberdade de iniciativa e troca e, do outro lado, as relações do trabalho, a negociação coletiva e a

concertação social, a distribuição do rendimento e a igualdade de oportunidades, a preservação do ambiente e

do património, a promoção do emprego e a da segurança social.

A Europa é o presente e o destino de Portugal, o reencontro de Portugal consigo mesmo e com a sua vocação

global.

A democracia e integração europeia significam, na prática, a mesma coisa, porque queremos a nossa

democracia vinculada ao modelo social europeu, isto é, empenhada no desenvolvimento, na modernização e no

combate às desigualdades. Somos, por isso, participantes ativos da construção europeia, que entendemos como

a melhor garantia para a paz entre as nações e para a afirmação conjunta de um papel progressivo da Europa

no mundo.

A democracia é um combate, exige empenhamento permanente com os valores e a ação constante em seu

favor. Fundar a democracia exigiu lutar contra a ditadura, promover a cooperação entre os povos que falam

língua portuguesa exigiu romper com o passado colonial e a tentação neocolonial. Defender a liberdade exige

recusar a intolerância e a exclusão; construir a Europa exige afrontar a ascensão dos nacionalismos e dos

populismos e bater-se contra o ódio; ser patriota exige afirmar o direito inalienável a sermos nós a decidir o

nosso destino em conformidade com a nossa Constituição e com as nossas leis.

A política é uma nobre e imprescindível função pública e o primado da política é uma condição necessária

da democracia. Não há democracia sem instituições sólidas e respeitadas, parlamentos representativos, partidos

políticos e forças sociais, debate intenso, tolerância e reconhecimento reciproco e é sobre o pluralismo e a

diversidade que se erguem, em democracia, a identidade e a unidade nacionais.

A liberdade é, em si mesmo, o valor primeiro, o que confere pleno sentido à igualdade e à fraternidade. A

liberdade de ser, de pensar, falar e agir; a liberdade de expressão, reunião e associação; a liberdade religiosa;

a liberdade de imprensa; a liberdade sindical; a liberdade tolerante; o direito à dissidência e a rebeldia contra as

ortodoxias, os donos da verdade e as polícias do pensamento; a liberdade de ir contra a corrente e ser incómodo.

Em suma, sem reservas nem fingimentos: a liberdade!

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Para desenvolver Portugal é preciso conhecer Portugal e os portugueses, estudar a sua história, cultivar a

sua literatura, acarinhar os seus artistas, calcorrear o território e conviver com as pessoas, situar Portugal na

Europa e no mundo e não temer abrir Portugal ao mundo, pelo contrário combater o isolacionismo e o

obscurantismo. É preciso amar o povo e fazer da melhoria da sua condição o compromisso de todos os dias.

Isto nos ensinou Mário Soares, e por isso lhe devemos tanto.

Do fundo do coração, obrigado, Mário Soares!

Aplausos do PS, de Deputados do PSD e do PAN.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado André Silva.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal

perdeu uma das figuras políticas mais marcantes dos séculos XX e XXI.

A História de Portugal da segunda metade do século XX é a história de Mário Soares, quer na oposição à

ditadura quer no pós-25 de Abril.

A sua luta pelos ideais democráticos iniciou-se ainda durante o período de ditadura do Estado Novo, tendo

defendido o Estado social com fulgor e paixão já depois da Revolução do 25 de Abril, e tendo conquistado, com

mérito, o respeito de todos, mesmo dos seus adversários políticos.

Mário Soares é uma figura ímpar na História portuguesa e europeia. Defensor dos direitos humanos,

combatente contra a ditadura do Estado Novo, defensor da democracia pluralista, líder partidário com projeção

internacional, várias vezes Primeiro-Ministro, um dos principais arquitetos da entrada de Portugal na

Comunidade Económica Europeia e Presidente da República.

Frequentemente polémico, era um inconformado, sempre com convicções fortes e com um grande sentido

de missão pelo País e pela Europa.

Sabemos também que tinha uma clara noção de que a sociedade portuguesa é um coletivo em constante

movimento, com pensamento crítico, com vontades, com sentimentos, conectada com o mundo e dependente

histórica e emocionalmente dessa mesma interligação.

Independentemente das imperfeições que tinha e dos erros que cometeu — afinal, somos todos seres

humanos, imperfeitos e errantes — Mário Soares ensinou-nos, a todos e a todas, que desistir não é o caminho

e que o futuro existe, desde que não deixemos de o sonhar.

E porque todos concordamos que a força não é o meio mais eficaz para a resolução de conflitos,

compreendemos também que os processos de libertação, por mais imperfeitos que sejam, são sempre a melhor

opção face a anos de guerra ou a séculos de domínio e opressão.

Apesar de se afirmar convictamente como laico, soube valorizar o ecumenismo, promover o diálogo e

defender a liberdade religiosa, tendo sido capaz de reconhecer o valor e a mensagem de vários líderes

religiosos, independentemente da religião que representavam, fazendo notar, por exemplo, a importância de o

Papa Francisco ter alertado o mundo de que a exclusão e a desigualdade social «provocarão a explosão da

violência».

Introduziu ele próprio o conceito de Presidência Aberta, retirando-se do Palácio de Belém para colocar no

mapa da atenção mediática várias cidades e regiões do País, procurando dar destaque a causas, preocupações

e visões do presente e do futuro das suas populações.

E, claro, é impossível falar de Mário Soares sem lembrar os inúmeros esforços que encetou no sentido de

trazer o ambiente e a ecologia para o tão merecido centro da discussão pública e política, alertando para o

perigo de um planeta à deriva e em declínio ambiental, pedindo com urgência que — e cito as suas próprias

palavras — «aqueles que têm alguma consciência ecológica e respeito pela natureza reajam ativamente e

consigam suscitar um movimento de opinião capaz de pressionar e abalar a indiferença dos governos e dos

poderosos».

A sua Presidência Aberta sobre o Ambiente — única até hoje — marcou várias gerações de ativistas e

contribuiu para o desenvolvimento de muitas organizações não-governamentais do ambiente, que continuam a

merecer hoje este tão importante reconhecimento.

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Como noutros momentos da sua vida, também recentemente não teve medo do politicamente incorreto e

subscreveu o Manifesto pelo Tua, confirmando uma posição que não esqueceremos: para Mário Soares,

também os rios deveriam ser livres.

Mário Soares é, sem dúvida, uma imagem marcante e uma referência para qualquer cidadão que se guie

pelos valores da democracia, da liberdade, da paz, do ambiente e dos direitos humanos.

Contributos com esta relevância histórica são de importância extrema para os desafios que se avizinham.

É com enorme respeito que homenageamos Mário Soares. Valorizamos o legado que nos deixa, honramos

a sua passagem marcante pela História e lamentamos a perda de mais uma voz incontornável da democracia

portuguesa.

Por tudo isto, o PAN expressa as suas mais sentidas condolências à família de Mário Soares, aos seus

amigos e ao Partido Socialista.

Termino com as palavras de outro ícone na luta pela liberdade, Nelson Mandela, que um dia disse: «A morte

é inevitável. Quando um homem fez aquilo que considera ser o seu dever para com o seu povo e o seu país,

poderá descansar em paz.»

A Mário Soares que descanse em paz e obrigado!

Aplausos do PS, do BE, de Os Verdes e de Deputados do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente da Assembleia da Assembleia da República, Sr.as

e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Soares e restantes familiares do Dr.

Mário Soares: Evocamos hoje, em sessão plenária, o Dr. Mário Soares e as primeiras palavras que o Partido

Ecologista «Os Verdes» pretende deixar nesta ocasião têm como propósito expressar as mais sinceras

condolências, particularmente à família do Dr. Mário Soares e ao Partido Socialista.

A morte, a única agressão que nem mesmo os homens que ajudam a construir a nossa História conseguem

vencer, não tem hora marcada, mas chega, chega sempre! Sempre, inevitável e irremediavelmente! É esta a

condição humana.

E ainda que este desfecho fosse relativamente previsível, face ao estado de saúde do Dr. Mário Soares nas

últimas semanas, ainda assim nunca essa hora é oportuna e não é também por isso que a dor, sobretudo dos

seus familiares, fica mais leve.

A perda de uma pessoa próxima é sempre terrível, muito dolorosa, de uma dor absolutamente inacreditável,

porque nós, humanos, não estamos preparados ou não estamos dotados para enfrentar com naturalidade a

ameaça que a morte representa.

Por isso mesmo, importa, antes de mais, expressar o mais sentido respeito pelo sentimento de perda, desde

logo dos seus familiares e amigos mais próximos, mas também de todos quantos sentem a sua morte como

uma perda pessoal ou coletiva.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos dias, os jornais, as rádios e as televisões têm promovido

debates, conversas, produzido e difundido reportagens e recolhido depoimentos de pessoas conhecidas e de

pessoas anónimas sobre o Dr. Mário Soares.

Ouvimos e vimos, ao longo dos últimos dias, depoimentos de natureza mais pessoal, carregados de emoção

e outros, como, aliás, não podia deixar de ser, sobre o homem político que indiscutivelmente foi o Dr. Mário

Soares. E de todo este acervo de reportagens, debates, testemunhos ou depoimentos, concorde-se ou discorde-

se das posições assumidas pelo Dr. Mário Soares ao longo de uma vida de intervenção política, o que fica e

que nos parece consensual é que estamos a falar de um homem que marcou incontornavelmente a História do

nosso País.

Marcou a História do nosso País, não só pelos relevantes cargos que exerceu depois da Revolução dos

Cravos, como também pelo seu contributo na luta contra o regime fascista. Uma ditadura que amarrou o País,

durante quase meio seculo, à fatídica pobreza e ao analfabetismo, que impôs o silêncio à livre expressão e

opinião e que alimentou uma guerra desprovida de qualquer sentido — a Guerra Colonial.

Como é referido no voto de pesar, apresentado pelo Sr. Presidente e pela Mesa da Assembleia da República,

ao qual o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» também se associa, «Mário Soares abraçou

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desde cedo a política como vocação». E, de facto, assim foi. A sua vida desde cedo se confundiu com a política

e com a atividade política. A vida do Dr. Mário Soares foi indiscutivelmente atravessada por uma forte e ativa

intervenção política, tanto antes como depois da Revolução de 1974.

Ainda jovem advogado, o Dr. Mário Soares assumiu corajosamente a defesa de vários presos políticos, de

vários antifascistas que se opuseram e lutaram com singular determinação contra o regime fascista, contra a

ditadura fascista, combatentes, num combate absolutamente desigual.

Opositor ao regime fascista, o Dr. Mário Soares, foi preso, exilado, deportado e perseguido, como muitos

outros antifascistas que corajosamente se envolveram em atividades de oposição à ditadura fascista.

Cofundador do Partido Socialista e seu Secretário-Geral durante um largo período de tempo, o Dr. Mário

Soares exerceu outros relevantes cargos na vida política nacional: foi Deputado à Assembleia Constituinte e à

Assembleia da República, exerceu as funções de Ministro e foi Primeiro-Ministro em três governos

constitucionais, tendo sido ainda Presidente da República entre 1986 e 1996.

É verdade que, ao longo deste tempo, o Partido Ecologista «Os Verdes» nem sempre acompanhou, e muitas

vezes divergiu até das decisões ou das opções políticas do Dr. Mário Soares, seja como Primeiro-Ministro seja

como Presidente da República, mas também é verdade que Os Verdes sublinham e reconhecem ao Dr. Mário

Soares a natureza inovadora das suas presidências abertas, nomeadamente a Presidência Aberta sobre o

Ambiente e Qualidade de Vida. Uma Presidência Aberta que decorreu em abril de 1994 e que permitiu não só

dar visibilidade a graves problemas ambientais como também para reforçar a importância e a relevância das

questões ambientais e dos recursos naturais na discussão politica.

Pelos altos cargos que desempenhou depois do 25 de Abril e, sobretudo, pelo seu contributo na luta contra

o regime fascista, contra a ditadura fascista, tanto como cidadão empenhado nos valores em que acreditava,

como enquanto advogado na defesa de outros antifascistas, o Dr. Mário Soares merece o nosso respeito.

E nestas horas más e demoradas, vividas e sentidas pelos seus mais próximos, resta-nos, nesta sessão

evocativa, reafirmar, junto dos seus familiares e do Partido Socialista, o mais sentido pesar pelo

desaparecimento do cidadão empenhado e destacado dirigente político, Dr. Mário Soares.

Aplausos de Os Verdes, do PS, do BE, do PCP, do PAN e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No

momento em que a Assembleia da República assinala formalmente o falecimento do Dr. Mário Soares, quero

começar, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, por apresentar as condolências à sua família, em particular

aos filhos, Deputado João Soares e Dr.ª Isabel Soares, aos seus netos e ao Grupo Parlamentar do PS.

O Dr. Mário Soares será lembrado como uma personalidade relevante da vida política nacional das últimas

décadas, pela sua participação no combate à ditadura fascista e no apoio aos presos políticos, pela sua

intervenção política como fundador e Secretário-Geral do PS, pelo desempenho dos mais altos cargos políticos

após o 25 de Abril, designadamente como Deputado à Assembleia Constituinte, à Assembleia da República e

ao Parlamento Europeu, como Ministro, Primeiro-Ministro, Presidente da República e membro do Conselho de

Estado.

Lembrando-o em todas essas circunstâncias, não deixa naturalmente de ser lembrado pelas convergências

e divergências com que marcou as suas posições e percurso. Não é este o momento apropriado para dissecar

o deve e o haver das convergências e divergências que marcaram a relação do Dr. Mário Soares com o PCP,

mas seria hipocrisia política esconder que essas divergências existiram e que se basearam em convicções

profundas quanto ao presente e ao futuro de Portugal.

Mário Soares convergiu com o PCP na luta contra o fascismo, pela liberdade e a democracia alcançadas

com a Revolução de Abril, bem como em outros momentos da vida política nacional.

Pelas razões reais que em cada momento assumimos e não por efabulações construídas em processos de

revisão da História, o PCP divergiu profundamente do Dr. Mário Soares pelo papel destacado que este assumiu

no combate ao rumo emancipador da Revolução de Abril e a muitas das suas conquistas, incluindo a soberania

nacional.

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Continuamos hoje a ser oposição a um conjunto largo das suas ideias e posições cujas consequências

permanecem e, em alguns casos, agravam os problemas nacionais, com um balanço que está longe de poder

ser feito. A começar pelas consequências da adesão à então CEE, em que assumiu responsabilidade destacada.

Não tendo nenhuma dessas circunstâncias constituído surpresa em vida do Dr. Mário Soares, ninguém se

surpreenderá hoje que não partilhemos o elogio daquilo que marcou as nossas divergências.

O que em muitos casos é destacado por uns como elogio das posições ou da ação do Dr. Mário Soares é,

por muitos outros, sentido negativamente como prejuízo causado ou expectativa frustrada.

Da parte do PCP, essas divergências, em muitos casos profundas, não impedem a expressão das nossas

condolências porque sabemos que assumi-las quanto aos adversários políticos não é separável do combate de

ideias nem da determinação do PCP em prosseguir a luta por uma democracia política, económica, social e

cultural, pela soberania nacional, pelos valores de Abril, por uma sociedade socialista.

Aplausos do PCP, de Os Verdes, de Deputados do PS e do Deputado do CDS-PP Filipe Lobo d'Ávila.

O Sr. Presidente: — Em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno

Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados,

Sr.as e Srs. Convidados: Homenageamos hoje a memória do Dr. Mário Soares, seguramente uma personalidade

política marcante do século XX e do início do século XXI português.

Enquanto fundador e Secretário-Geral do Partido Socialista, Deputado, Ministro dos Negócios Estrangeiros,

Primeiro-Ministro por três ocasiões, Presidente da República durante dois mandatos e membro do Conselho de

Estado, o Dr. Mário Soares teve uma intervenção pública constante, notória e relevante, pelo menos no último

meio século da vida nacional.

Personifica, assim, grande parte da História do Portugal contemporâneo. Como alguém bem lembrou, fez

História sabendo que a fazia. Fez História com visão e com coragem e, também, com combatividade.

Por isso, como seus adversários políticos, se há homenagem respeitosa a fazer à pessoa do Dr. Mário Soares

é dizer o que pensamos com a frontalidade que foi, de resto, uma das suas principais características. Estamos

até em crer que nem o Dr. Mário Soares nem aqueles que lhe são próximos desejariam que o fizéssemos de

outra forma. Evocamos, por isso, o merecido reconhecimento pelas suas qualidades enquanto político.

Militante e corajoso, combativo e persistente, convicto e conciliador quando necessário, foi um homem de

convicções que, concordando-se ou discordando-se, marcou a História de Portugal.

Salientamos como positivo o contributo decisivo que Mário Soares teve na construção de um Estado social

e de um Portugal democrático, europeu e atlantista que hoje nos orgulhamos de ser.

Recordamos a oposição corajosa ao Estado Novo e a defesa de direitos e liberdades, que hoje parecem, e

ainda bem, tão naturais como eleições livres, a liberdade de pensamento ou igualdade de oportunidades entre

todos os portugueses.

Saudamos o papel determinante que, em conjunto com outras personalidades da vida política portuguesa,

teve na Revolução de 1974. Mas saudamos igualmente a coragem e a lucidez política que o Dr. Mário Soares

demonstrou então ao opor-se a toda e qualquer tentativa de transformar uma revolução democrática noutra de

cariz contrário em nome de uma ideologia totalitária que a História fez ruir anos mais tarde.

Se Portugal não se transformou então numa ditadura, em muito se deve ao Dr. Mário Soares. Não

esquecemos o papel decisivo na manifestação da fonte luminosa e o papel liderante que, a par de outras figuras

militares, como Ramalho Eanes, Mário Soares, conjuntamente com Francisco Sá Carneiro e Diogo Freitas do

Amaral, desempenhou no 25 de Novembro.

Como também não esquecemos a importância de Mário Soares na consolidação da democracia e na abertura

de Portugal à Europa e ao mundo quando, como Primeiro-Ministro, conduziu a adesão de Portugal à então

Comunidade Económica Europeia.

Este projeto, o projeto europeu, está ainda por cumprir em muitos dos objetivos então anunciados. Mas não

reconhecer a evidência de que a integração europeia, por si iniciada e por outros consolidada, nas dificuldades

e até nos retrocessos, foi uma mais mais-valia para o País é um erro de avaliação histórica que seguramente o

CDS não cometerá.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, ao evocarmos a memória do Dr. Mário Soares também não podemos,

nem devemos, negar que tantas vezes estivemos em desacordo com as suas opiniões e opções políticas.

O CDS, neste momento de justa e merecida homenagem, não pode deixar de recordar a nossa discordância

com um processo de descolonização apelidado por muitos de exemplar, mas que, a nosso ver, foi apressado e

trouxe sofrimento a milhares de portugueses que não tiveram qualquer responsabilidade na teimosia do Estado

Novo em não reconhecer a tempo e horas, como devia, o direito à autodeterminação de povos que hoje são

Estados independentes e países irmãos. Ou esquecer que tivemos visões diferentes para Portugal quando, em

1976, esta Assembleia aprovou uma Constituição que preconizava o caminho para o socialismo.

Mais recentemente, continuámos a ter opiniões divergentes quando o País foi forçado a um resgate financeiro

que nunca desejámos ou para que não contribuímos, mas que ajudámos a cumprir e, assim, a recuperar a

soberania nacional plena.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o CDS, dito isto, evoca aqui a memória de um homem que marcou

indelevelmente o final do século passado e o início deste século. Fazê-lo sem o necessário distanciamento

histórico é, seguramente, uma ousadia, mas fazemo-lo com essa consciência e, como disse, de forma genuína.

Estamos em crer que é a melhor forma de homenagear alguém que, discordando-se ou concordando-se,

sempre defendeu a liberdade e a democracia como valores essenciais da dignidade humana.

As divergências que tivemos enquanto partido não ofuscam em nada o respeito e a consideração pelas suas

qualidades indiscutíveis.

É nesse contexto que ao homem e ao político corajoso, plural e inteligente o CDS presta a homenagem

devida a Mário Soares, sublinha o seu papel na História de Portugal e na construção do Portugal democrático e

apresenta à sua família, ao Partido Socialista, aos seus amigos e, muito em particular, ao Deputado, nosso

colega e meu amigo, João Soares as mais sentidas condolências.

Aplausos do CDS-PP, do PSD, do PS e do PAN.

O Sr. Presidente: — Em nome do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Mário Soares é uma figura incontornável do século XX português.

Fez da luta política a sua vida. Obstinado, imprevisível, impaciente, frontal, controverso mas sempre um

lutador.

Foi um combatente antifascista, muitas vezes preso e depois exilado. Obrigado a deixar a família e o País,

não deixou de lado as suas convicções, a luta anticolonial, o desejo pela liberdade e pela democracia, o amor à

República.

Membro da oposição à ditadura de Salazar, esteve presente em momentos fundamentais como, por exemplo,

o da candidatura presidencial do General Humberto Delgado. Depois do assassinato de Humberto Delgado, foi

mesmo o representante da família no processo para desmascarar a responsabilidade da PIDE nessa execução.

Como advogado, neste período, foi também defensor de vários presos políticos de diversos quadrantes da

oposição.

Mas não se submeteu às forças existentes da oposição democrática, procurando um caminho próprio. No

exílio, fundou o PS e buscou o apoio da social-democracia europeia, fundamental para o projeto político que

defenderia após o fim da ditadura que sentia estar eminente.

Depois da Revolução de Abril, regressou para muitos combates que marcaram o nosso regime democrático,

umas vezes tendo as forças à sua esquerda como aliadas, outras vezes tendo essas forças como adversárias.

Regressado ao País, logo mergulhou no processo revolucionário em curso. Foi Constituinte e fundador do

regime de 76, ministro de governos provisórios.

Foi Primeiro-Ministro de um governo minoritário e também de um governo em aliança com a direita. Tornou-

se no mais comprometido obreiro da integração de Portugal na União Europeia. Assinou o Tratado de Adesão

de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, enquanto presidia ao Governo de Bloco Central PS/PSD,

que aplicou duras medidas de austeridade ao País.

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No caminho para Presidente da República, derrotou adversários como Feitas do Amaral, Salgado Zenha e

Maria de Lurdes Pintasilgo. Cunhou, nessa altura, na História, o verdadeiro significado de «animal político»

nesse percurso.

Em tempo mais recente, criticou a «terceira via» de Tony Blair, levantou-se contra a invasão do Iraque e as

guerras no Médio Oriente, assim como esteve na defesa da Constituição da República Portuguesa contra as

novas regras sociais impostas pela troica. Opôs-se às políticas de austeridade do Governo PSD/CDS e saudou

a mudança imposta pelas eleições de 2015.

O Bloco de Esquerda saúda a memória de Mário Soares, dirigindo pêsames aos seus filhos, João Soares —

nosso colega Deputado — e Dr.ª Isabel Soares, à sua família, aos seus amigos e ao Partido Socialista, do qual

foi fundador.

Aplausos do BE, do PS, de Os Verdes, do PAN, de Deputados do PSD e do Deputado do CDS-PP João

Pinho de Almeida.

O Sr. Presidente: — Em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Luís

Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Convidados, família do Dr.

Mário Soares: É com profundo e genuíno respeito político e cívico que o Partido Social Democrata evoca aqui,

na Casa da democracia, o Dr. Mário Soares.

Esta Casa era a cara dele. Aquilo que aqui acontece desde a Assembleia Constituinte, o que aconteceu

ontem, o que acontece hoje, o que vai acontecer amanhã, tudo isso, debates, votações, eleições, reuniões,

audições, tudo isso é o espelho da suprema causa da vida do Dr. Mário Soares: a causa da democracia, a causa

do pluralismo, a causa da liberdade, a causa da vontade soberana do povo, a causa da justiça social, a causa

grande da política.

«Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e

empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária» — li-vos o artigo 1.º da Constituição da

República Portuguesa. Nele se proclamam as bases da nossa República — a vontade popular soberana e a

dignidade da pessoa humana — e se definem os desígnios, sempre inalcançados na plenitude mas diariamente

construídos e perseguidos, da liberdade, da justiça e da solidariedade.

Em escassas 26 palavras se resume, com soberba simplicidade, um projeto político enorme: a nação

portuguesa.

Foi esse projeto que mobilizou Mário Soares no combate à ditadura, ao fascismo, ao isolacionismo.

Foi esse projeto que mobilizou Mário Soares, em 1974 e em 1975, quando combateu o fanatismo ideológico

e o totalitarismo programático que alguns desejavam.

E foi ainda esse projeto de democracia e desenvolvimento que mobilizou Mário Soares, quando pugnou pela

abertura e adesão de Portugal ao projeto europeu.

Mais do que qualquer vitória eleitoral, a grande vitória da vida de Mário Soares foi nunca ter desistido de lutar

por assegurar a vigência deste artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, porque a democracia tem

de se conquistar e salvaguardar a cada momento e em cada circunstância histórica.

Na bancada do PSD, no Partido Social Democrata divergimos também, muitas vezes, de Mário Soares. Não

levem a mal que diga, até com carinho cívico e político, que divergimos até ao fim, até aos últimos dos seus

escritos e às últimas das suas intervenções. Divergimos muitas vezes, mas nunca nos separámos dele naquele

que era o ponto fulcral do seu combate: evitar qualquer tipo de ditadura, defender a democracia, a

interdependência dos poderes soberanos e o primado do poder político face ao poder económico.

Por isso estivemos com ele em 1974 e em 1975, por isso estivemos com ele na década seguinte, inclusive

no Governo, e por isso estivemos também com ele no projeto de adesão e integração na União Europeia.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, se as convicções e as causas maiores de Mário Soares mobilizaram

o País e a sociedade portuguesa, é importante ainda reconhecer que a sua intervenção ultrapassou, e muito, as

nossas fronteiras.

O Dr. Mário Soares integrou, pelo seu pensamento estratégico, pela sua visão ecuménica, pelo seu interesse

pelas causas da humanidade, uma rede de partilha de influência internacional, uma rede que foi decisiva para

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a sociedade portuguesa, para Portugal e para a Europa, e também para o espaço da lusofonia. Só os incautos

ou os muito desatentos podem desdenhar a importância que teve esta rede e a credibilidade do Dr. Mário Soares

nos momentos mais relevantes das suas intervenções e nos momentos mais relevantes daquela que foi a nossa

História das últimas décadas.

Mário Soares respeitou e, por isso, foi respeitado em todo o mundo, por pessoas, por países, por instituições.

E, com ele, também foi respeitado Portugal, o nosso País.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, termino com uma palavra mais pessoal.

Ao olhar para este homem e para as suas lutas, ao olhar para aqueles que, no seu partido, mas também nos

outros partidos, arquitetaram o nosso regime e não se inibiram de intervir na cena internacional, ao constatar

que, desde o 25 de Abril, o País viu aparecer, igualmente, outras figuras políticas marcantes, pode gostar-se

mais ou menos das pessoas, pode gostar-se mais ou menos das políticas e dos projetos políticos, mas dou

comigo a perguntar-me: que outro país da nossa dimensão, com uma democracia tão jovem, fez já eleger, por

exemplo, um presidente da Comissão Europeia durante 10 anos e, mais recentemente, um Secretário-Geral das

Nações Unidas? Vejam bem, em 40 anos, quantos grandes políticos passaram por todas estas bancadas?

Quantos foram referência, nas suas famílias políticas, a nível europeu e internacional?

Ao olhar para Mário Soares e para o seu percurso extraordinário, para a sua coragem e para o seu arrojo,

ao olhar para tudo isso e ao agradecer-lhe por poder estar aqui hoje, apetece-me, à sua maneira, dizer algo

polémico, polémico mas verdadeiramente sentido: no Portugal de Mário Soares há nobreza na política e há

políticos de excelência em todos os quadrantes partidários. Política grande e políticos grandes são o tributo que

Mário Soares merece. A nossa obrigação é fazê-lo e também transmiti-lo aos que vierem a seguir a nós.

Quero terminar, endereçando um caloroso abraço democrático ao Partido Socialista e à família do Dr. Mário

Soares, em particular ao meu estimado amigo João Soares.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e do PAN.

O Sr. Presidente: — A última intervenção, antes de passarmos à votação do voto de pesar pelo falecimento

de Mário Soares, é a do Sr. Deputado Carlos César, em nome do Partido Socialista.

O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs.

Membros do Governo, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Esta quarta-feira, 11 de janeiro de 2017, é o terceiro

e último dia de luto nacional pelo falecimento de Mário Soares.

Esta sessão especial da Assembleia da República, dedicada à sua memória, é, porém, a celebração da sua

vida e da sua dedicação patriótica ao nosso País — de uma vida longa e plena, no tempo e no modo.

Uma vida que começou um ano e meio antes da queda da I República e do ascenso da ditadura militar e

subsequente ditadura nacional, que se consolidaria no Estado Novo, até 25 de Abril de 1974, data fundadora da

II República — como Mário Soares sempre a designou, contrariando o insidioso revisionismo histórico.

Quer isto dizer que Mário Soares viveu até aos primeiros 49 anos da sua vida sem conhecer, no seu País, o

respeito pelos direitos, liberdades e garantias, públicas e individuais.

Quer isto dizer que viveu a sua infância e juventude sob o signo da perseguição permanente ao seu pai, o

pedagogo distinto que foi o Dr. João Soares.

Quer isto dizer que, sendo quem era, desde que chegou à idade da razão, aos 17 anos, não deu tréguas à

opressão durante os 32 anos seguintes.

Quer isto dizer que o fez, partilhando com a sua mulher, Maria de Jesus, e com os seus filhos, Isabel e João,

antes e depois de 1974, os entusiasmos mais íntimos e os sofrimentos mais angustiantes dessas lutas.

Tudo isto quer dizer que sem o Mário Soares antifascista — e sem o seu horror dos justos pelo Estado policial

— não teríamos o Mário Soares que viria a ser o maior agente da consolidação da nossa «democracia política

representativa clássica», para usar a expressão de José Medeiros Ferreira — a democracia que a todos nos

reúne nesta Casa e que nos obriga ao respeito mútuo, à tolerância e à fidelidade aos nossos princípios.

Mário Soares começou, pois, cedo a sua resistência. Em razão da eficiência do combate antifascista, entrou

para o Partido Comunista Português, como o fizeram tantos outros a quem tanto devemos. Acompanhado e

acompanhando aqueles a quem a autonomia da ação e do juízo políticos não dispensavam um livre arbítrio não

consentâneo com a férrea disciplina partidária, abandonou essa filiação.

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E chegamos ao âmago da persona política de Mário Soares.

Mais do que o mero herdeiro de um republicanismo mais liberal ou mais social, mais ou menos conspirativo,

Mário Soares foi um intérprete privilegiado da necessidade da autonomia de juízo necessária ao líder político.

Autonomia pessoal — passe a tautologia — é, pois, a palavra-chave da sua ação política, tanto na resistência

como na vida democrática.

Mário Soares cedo se foi apercebendo que a eficiência do combate ao Estado policial parafascista português

requeria uma exigente plasticidade na luta política. A experiência internacional que foi ganhando confirmou-lhe

que, na hora da chegada da democracia, ela só seria sustentável num contexto de entrosamento e compromisso

de Portugal com a Europa das democracias liberais e dos Estados sociais de direito.

Foi com esse espírito, e nesse contexto, que Mário Soares pugnou pela constituição do Partido Socialista.

Há aqui uma constante da nossa História, quase desde aquela «primeira tarde portuguesa» que ocorreu em

1139, em São Mamede. Como disse, com elegante beleza, Fernando Morán, o chefe da diplomacia espanhola

no primeiro Governo de Felipe González, a construção de Portugal é «como a de uma catedral, que se sustenta

nos seus arcobotantes». A Europa das Comunidades seria um dos assentamentos desses arcobotantes,

sustentáculo estratégico da nossa velha pátria e da nossa jovem democracia. Por conseguinte, «A Europa

connosco»!

Portugal, Estado europeu. Sim! Portugal, Estado atlântico. Claro! Assim no-lo dita a nossa geografia e a

nossa História.

Nada mais natural, por consequência, do que assentarmos, por igual, a nossa especificidade europeia no

arcobotante da atlanticidade.

Tudo isto se foi exercitando na propositura política e na governação de Mário Soares. Tudo isto se foi

exercitando com a execução brilhante e inspiradora dos seus Ministros dos Negócios Estrangeiros, de Medeiros

Ferreira a Jaime Gama — ambos açorianos, ambos europeus do Atlântico.

Não houve tempo, nem chegara o tempo, para a formalização de uma organização que reunisse «o Mundo

que os portugueses criaram», durante os mandatos de Mário Soares como Primeiro-Ministro e como Presidente

da República. Mas foi durante o seu IX Governo Constitucional que, num discurso na cidade da Praia, em Cabo

Verde, o então seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, em 1984, proporia a constituição e o

desenho institucional, hoje vigente, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Doze anos depois,

a CPLP materializou-se. Estava lançado o arcobotante da lusofonia. Foi durante o XIII Governo, presidido por

António Guterres.

Portugal é um País sem o qual o mundo não seria igual. Devemos a Mário Soares a lembrança insistente,

constante da nossa vocação e da nossa projeção universal. Por isso, ele percorreu o mundo, como nosso

procurador, ajudando ao nosso reconhecimento. Não me recordo de alguma vez ter ouvido Mário Soares definir

Portugal como um País pequeno. E Portugal é, na realidade, um País de escala mediana no concerto mundial.

Mário Soares nunca pertenceu à categoria dos dirigentes portugueses que diminuem o nosso País no concerto

das nações para justificarem a mediocridade da sua própria ação e ambição e dos seus resultados.

Sr. Presidente da Assembleia da República, V. Ex.ª disse, numa frase feliz, que Mário Soares, mais do que

o militante n.º 1 do PS, foi o militante n.º 1 da democracia portuguesa. É verdade, como Presidente do PS, isso

orgulha-me!

Mário Soares não foi só o homem que lutou pela democracia no tempo daquilo que foi, literalmente, o nosso

ancien régime, no sentido histórico da expressão, e que por ela batalhou, dentro e fora de portas, no tempo difícil

da formação da II República. Foi, porfiadamente, um lutador pelo seu aprofundamento, nas suas dimensões

económica, social e cultural.

Dirijo uma palavra final à sua família, aqui presente, em especial à Isabel e ao João, e também a muitos dos

seus amigos, colaboradores e admiradores, também entre nós. Partilhamos a sua dor e a sua saudade.

Mário Soares desafiou as regras do Príncipe na política: foi perfeito e imperfeito, foi ousado e cometeu

imprudências, apostou e ganhou, apostou e perdeu, foi fraterno e foi difícil. Nunca foi, porém, desinteressante

e, muito menos, irrelevante. Nunca faltou ao seu País. Era cosmopolita, foi sempre universalista, foi sempre, por

conseguinte, um grande português!

Viva Mário Soares. Viva o Presidente Mário Soares!

Aplausos do PS, de pé, do PAN e de Deputados do PSD, do BE e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, vamos passar à votação do voto n.º 194/XIII

(2.ª) — De pesar pelo falecimento de Mário Soares (Presidente da AR e Vice-Presidentes e Secretários da

Mesa).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Aplausos, de pé, do Presidente e dos Secretários da Mesa, do PSD, do PS, do BE, do CDS-PP, do PAN e

dos membros do Governo presentes, bem como do público que se encontrava nas galerias, entre o qual a família

de Mário Soares, tendo-se também levantado os Deputados do PCP e de Os Verdes.

De seguida, ao som da marcha Land of Hope and Glory, foi projetado um filme com imagens de Mário Soares

no Parlamento.

Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, vamos guardar 1 minuto de silêncio.

A Câmara e o público presente nas galerias guardaram, de pé, 1 minuto de silêncio.

Muito obrigado, Sr.as e Srs. Deputados.

Muito obrigado, Mário Soares.

De novo, registaram-se aplausos, tendo, depois, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos

Passos Perdidos, executado o hino nacional, que foi cantado, de pé, por toda a Câmara e pelo público presente

nas galerias, que, no final, aplaudiram mais uma vez.

Srs. Deputados, resta-me relembrar que a nossa próxima sessão terá lugar amanhã, às 15 horas.

Da ordem do dia constam, em primeiro lugar, declarações políticas.

Em segundo lugar, será apreciada a petição n.º 124/XIII (1.ª) — Solicitam o debate e a decisão sobre a

ratificação do CETA na Assembleia da República (Plataforma «Não ao Tratado Transatlântico») juntamente com

os projetos de resolução n.os 379/XIII (1.ª) — Recomenda ao Governo que garanta a natureza democrática no

processo do Acordo Económico e Comercial Global (CETA) (Os Verdes), 603/XIII (2.ª) — Pela rejeição dos

acordos de livre comércio e serviços, designadamente do Acordo Económico e Comercial Global (CETA) entre

a União Europeia e o Canadá (PCP), 606/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo português a promoção de um

debate alargado com a sociedade civil e organizações não-governamentais sobre os impactos do CETA em

Portugal e na Europa (PAN) e 608/XIII (2.ª) — Pela rejeição do Acordo Económico e Comercial Global (CETA)

(União Europeia-Canadá) e a criação de garantias de transparência e participação democrática (BE).

Em terceiro lugar, será debatida a petição n.º 115/XIII (1.ª) — Solicitando a revogação do Despacho

Normativo n.º 1-H/2016, que altera os artigos 3.º, 6.º, 8.º, 9.º, 18.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 25.º e 26.º do Despacho

Normativo n.º 7-B/2015, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 88, de 7 de maio de 2015, que determina

os procedimentos da matrícula e respetiva renovação (Sandra Cristina Correia Ribeiro Gonçalves).

Agradeço a presença de todos e desejo a continuação de uma boa tarde.

Está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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