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Quinta-feira, 9 de março de 2017 I Série — Número 60
XIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2016-2017)
REUNIÃOPLENÁRIADE8DEMARÇODE 2017
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão Sandra Maria Pereira Pontedeira
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 1
minuto. Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de lei n.os
428 a 435/XIII (2.) e dos projetos de resolução n.os 692 a 715/XIII (2.ª).
Ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento, teve lugar o debate quinzenal com o Primeiro-Ministro (António Costa), sobre crescimento económico sustentado.
Após o Primeiro-Ministro ter proferido uma intervenção inicial, respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados Pedro Passos Coelho (PSD) — que exerceu também a defesa da honra, tendo depois os Deputados Luís Montenegro (PSD) e Carlos César (PS) defendido a honra das respetivas bancadas —, Catarina Martins (BE), Assunção Cristas (CDS-PP), Jerónimo de Sousa (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), André Silva (PAN) e Carlos César (PS).
De seguida, teve lugar o debate preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo
4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia, no qual intervieram, além do Primeiro-Ministro, que abriu o debate, os Deputados Miguel Morgado (PSD), Catarina Martins (BE), Pedro Mota Soares (CDS-PP), João Oliveira (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Vitalino Canas (PS). No encerramento do debate, usou, de novo, da palavra o Primeiro-Ministro.
Procedeu-se à apreciação do Relatório sobre o Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional — 2015, juntamente, na generalidade, com os projetos de lei n.os 214/XIII (1.ª) — Reforça a licença parental inicial até 210 dias, alarga o período de licença parental em caso de nascimento prematuro e estende a dispensa para amamentação e aleitação ao acompanhamento à criança até aos três anos de idade, promovendo uma alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (Os Verdes), 344/XIII (2.ª) — Protege a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante no período experimental, tornando obrigatório
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parecer prévio da CITE em caso de denúncia do contrato de trabalho por parte da entidade empregadora (BE), 354/XIII (2.ª) — Reforça a proteção das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes e de trabalhadores no gozo de licença parental e procede à alteração do Código do Trabalho e da Lei do Trabalho em Funções Públicas (PCP), 430/XIII (2.ª) — Aprova medidas de transparência com vista à eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD) e 431/XIII (2.ª) — Procede à 11.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho, flexibilizando a licença parental exclusiva do pai e alargando o gozo da licença parental complementar e da licença para assistência a filho aos avós (CDS-PP) e com os projetos de resolução n.os 697/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que tome medidas para maior valorização da participação das mulheres nas forças e serviços de segurança (PCP), 701/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas com vista à eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD), 702/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que desenvolva uma política de incentivos para as empresas que promovam a igualdade de género (CDS-PP), 703/XIII (2.ª) — Flexibilização dos horários das creches através de acordos de cooperação com a segurança social, incentivos à
sua constituição por parte das empresas e promoção de acordos entre estabelecimentos de infância e entidades empregadoras (CDS-PP), 704/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o aumento de três para cinco ciclos de tratamentos de procriação medicamente assistida, comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde (CDS-PP), 711/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o combate à discriminação das mulheres e a promoção da igualdade de género nas forças de segurança (BE), 713/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas que promovam a transparência das remunerações com vista à eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PS) e 715/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas de promoção da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal (PS).
Intervieram, além do Presidente e do Secretário de Estado do Emprego (Miguel Cabrita), os Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Sandra Cunha (BE), Rita Rato (PCP), Ângela Guerra (PSD), Vânia Dias da Silva (CDS-PP), Wanda Guimarães e Carla Tavares (PS), André Silva (PAN) e José Moura Soeiro (BE).
O Presidente (José de Matos Correia) encerrou a sessão eram 14 horas e 3 minutos.
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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, vamos dar
início à sessão.
Eram 10 horas e 1 minuto.
Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias.
Antes de entrarmos na ordem do dia, o Sr. Secretário Deputado Duarte Pacheco vai proceder à leitura do
expediente.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram
admitidas, várias iniciativas legislativas.
Deram entrada os projetos de lei n.os 428/XIII (2.ª) — Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da
Nacionalidade) (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, 429/XIII (2.ª) — Aprova o regime de regularização de cidadãos
estrangeiros indocumentados (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, 430/XIII (2.ª) — Aprova medidas de
transparência com vista à eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD), 431/XIII (2.ª)
— Procede à 11.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho, flexibilizando
a licença parental exclusiva do pai e alargando o gozo da licença parental complementar e da licença para
assistência a filho aos avós (CDS-PP), 432/XIII (2.ª) — Altera a Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, relativa
ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e proteção e assistência das suas vítimas (PAN),
433/XIII (2.ª) — Alteração à Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica n.º
1/2001, de 14 de agosto, e alterada pelas Leis Orgânicas n.º 5-A/2001, de 26 de novembro, n.º 3/2005, de 29
de agosto, n.º 3/2010, de 15 de dezembro, e n.º 1/2011, de 30 de novembro, e pela Lei n.º 72-A/2015, de 23 de
julho (PS e PSD), 434/XIII (2.ª) — Garante o direito de declaração conjunta das despesas com dependentes
para efeitos de IRS (BE), que baixa à 5.ª Comissão, e 435/XIII (2.ª) — Procede à alteração dos limites territoriais
das freguesias de Delães e Oliveira São Mateus do município de Vila Nova de Famalicão (PSD), que baixa à
11.ª Comissão.
Deram ainda entrada os projetos de resolução n.os 692/XIII (2.ª) — Recomenda o fim das propinas no ensino
superior público (PCP), 693/XIII (2.ª) — Produção de fármacos para doentes oncológicos, através do Laboratório
Militar, de produtos químicos e farmacêuticos (BE), que baixa à 9.ª Comissão, 694/XIII (2.ª) — Beneficiação da
EN223 entre o nó de Arrifana do IC2 e o nó de Santa Maria da Feira da A1, servindo o eixo industrial que envolve
os concelhos de Oliveira de Azeméis, S. João da Madeira, Santa Maria da Feira e Arouca (PSD), que baixa à
6.ª Comissão, 695/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que intervenha de forma a potenciar as características
do Santuário de Nossa Senhora da Lapa enquanto produto de interesse económico e turístico, de âmbito
religioso (CDS-PP), que baixa à 6.ª Comissão, 696/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas
para combater o abandono escolar no ensino superior (PCP), 697/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que tome
medidas para maior valorização da participação das mulheres nas forças e serviços de segurança (PCP),
698/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que promova medidas de combate ao abandono escolar no ensino
superior (CDS-PP), 699/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo um estudo sobre insucesso e abandono no ensino
superior, para melhor definição de políticas de combate a esses fenómenos (PS), 700/XIII (2.ª) — Recomenda
ao Governo a inclusão dos dados estatísticos sobre violência no namoro no Relatório Anual de Segurança
Interna (PS), 701/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas com vista à eliminação das
desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD), 702/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que
desenvolva uma política de incentivos para as empresas que promovam a igualdade de género (CDS-PP),
703/XIII (2.ª) — Flexibilização dos horários das creches através de acordos de cooperação com a segurança
social, incentivos à sua constituição por parte das empresas e promoção de acordos entre estabelecimentos de
infância e entidades empregadoras (CDS-PP), 704/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o aumento de três para
cinco ciclos de tratamentos de procriação medicamente assistida comparticipados pelo Serviço Nacional de
Saúde (CDS-PP), 705/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que diligencie pelo redimensionamento de
pressupostos na aplicação do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e proteção e
assistência das suas vítimas (PAN), 706/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que promova a melhoria das
condições de saúde mental, em ambiente laboral, nas forças e serviços de segurança, criando um programa de
promoção da resiliência psicológica dos operacionais (PAN), 707/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o reforço
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das medidas de apoio aos estudantes do ensino superior como forma de combate ao abandono escolar (PAN),
708/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que restabeleça o regime de apoio à manutenção de raças autóctones
em risco, voltando a permitir candidaturas e aumentos de efetivos na medida 7.8.1 do PDR 2020 (BE), que baixa
à 7.ª Comissão, 709/XIII (2.ª) — Medidas para o aprofundamento de mecanismos de ação social e de combate
ao abandono escolar no ensino superior (BE), 710/XIII (2.ª) — Recomenda a capacitação das forças de
segurança para a proteção às vítimas de violência doméstica (BE), 711/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o
combate à discriminação das mulheres e a promoção da igualdade de género nas forças de segurança (BE),
712/XIII (2.ª) — Recomenda que o novo modelo de gestão das áreas protegidas seja definido pela Assembleia
da República com base em proposta do Governo (Os Verdes), que baixa à 11.ª Comissão, 713/XIII (2.ª) —
Recomenda ao Governo a adoção de medidas que promovam a transparência das remunerações com vista à
eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PS), 714/XIII (2.ª) — Reforço de medidas que
combatam a violência doméstica (Os Verdes) e 715/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas
de promoção da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal (PS).
O Sr. Presidente: — Vamos iniciar a ordem do dia, cujo primeiro ponto consta do debate quinzenal com o
Sr. Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento, sobre crescimento económico
sustentado. Cumprimento o Sr. Primeiro-Ministro e os Membros do Governo.
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro (António Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A realidade impôs-se ao
pessimismo e hoje ninguém pode deixar de reconhecer os progressos obtidos pelo nosso País, ao longo do
último ano. Seja nas contas públicas, no mercado de trabalho, na atividade económica ou na confiança, os bons
indicadores sobre Portugal confirmaram-se.
Aplausos do PS.
No quarto trimestre de 2016, Portugal registou um crescimento homólogo de 2%, acima da média da zona
euro; a taxa de desemprego baixou, em dezembro de 2016, para 10,2%, com uma criação líquida de 118 000
postos de trabalho, durante o ano de 2016.
Aplausos do PS.
A confiança dos consumidores voltou a atingir, em fevereiro, o valor máximo desde o ano de 2000, e os
últimos dados confirmam a recuperação do investimento, que cresceu 4,6% no último trimestre. As exportações
continuam a dar claros sinais de recuperação, com um crescimento de 4,4%, no conjunto do ano, com uma clara
aceleração no segundo semestre, registando, no último trimestre de 2016, um crescimento homólogo de 6,4%.
E a balança de bens e serviços registou, em 2016, um excedente de 900 milhões de euros acima do registado
em 2015.
Tudo isto no mesmo ano em que registamos um défice orçamental não superior a 2,1%, o mais baixo da
nossa vida democrática, com um saldo primário superior a 2% do produto.
Aplausos do PS.
Mas estes bons resultados não nos podem desviar da necessidade de continuar a trabalhar. Temos bem
noção dos desafios que enfrentamos e não nos contentamos em demonstrar que, afinal, havia mesmo alternativa
à austeridade da anterior maioria e que era aritmética e politicamente possível cumprir todos os nossos
compromissos.
Aplausos do PS.
Estes resultados são antes a oportunidade para fazermos o que tem de ser feito, ou seja, resolvermos os
problemas estruturais que têm limitado a capacidade de crescimento do nosso País desde o princípio do século.
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Se quisermos romper com os 0,2% de média de crescimento anual dos últimos 15 anos, temos de investir
naquilo que faz a diferença e que sintetizámos no Programa Nacional de Reformas.
Hoje, não vou falar-vos de novo dos seis pilares do Programa Nacional de Reformas —…
Risos do Deputado do PSD Hugo Lopes Soares.
… esteja descansado, Sr. Deputado Hugo Lopes Soares — e vou concentrar-me em dois que são centrais
para o modelo de desenvolvimento que defendemos: a inovação e a qualificação.
Como aqui anunciei há um mês, apresentámos, no passado dia 23 de fevereiro, o Programa Interface.
Para promover a inovação, é fundamental a cooperação entre as empresas e as entidades do sistema
científico e tecnológico. É preciso trazer o conhecimento que existe nas nossas instituições de ensino superior
de investigação e nos centros tecnológicos para as empresas e, com isso, criar mais valor.
É este o desígnio que nos propomos alcançar com este Programa Interface: reforçar o trabalho em rede entre
instituições do ensino superior, centros de interface e empresas.
O Programa integra o reforço dos centros de interface tecnológico, que pretendemos que passem a apoiar
40 000 empresas, e de linhas de apoio à investigação aplicada em projetos de laboratórios colaborativos.
Em paralelo com o Programa Interface, vamos dinamizar a criação de clubes de fornecedores, como forma
de apoiar a integração das PME portuguesas em cadeias de valor globais, promovendo a sua
internacionalização. O Clube de Fornecedores Bosch, que envolve a Universidade do Minho e 36 pequenas e
médias empresas portuguesas, foi o primeiro a ser constituído.
Aquilo que nos permitirá sustentar um salto em frente, ser competitivos, ter capacidade de
internacionalização, de crescer e de criar emprego de qualidade, é investir na inovação. A comprová-lo temos,
aliás, a história dos setores que, ao longo dos anos, contrariaram a média de baixo crescimento, porque
souberam arriscar, fazendo diferente. Aqueles setores tradicionais que, há 30 anos, alguns precipitadamente
consideraram sem futuro, como o calçado, o têxtil ou o agroalimentar, revelaram-se exemplos de excelência e
de prosperidade, exatamente porque souberam investir na inovação.
Mas se a chave do nosso futuro está na inovação, a primeira condição para que a inovação seja possível é
a qualificação dos nossos recursos humanos.
O País tem ouvido falar muito de défices ao longo dos últimos anos, mas o maior défice estrutural que temos
é o défice das qualificações. Infelizmente, os números não mentem: cerca de 29% da população entre os 25 e
os 64 anos não completou o 3.º ciclo do ensino básico e 53% das pessoas desta faixa etária não completaram
o ensino secundário, valor muito acima dos 23% da média da União Europeia. Este é mesmo o grande défice
que diferencia Portugal do resto da Europa.
Aplausos do PS.
Foi por isso que lançámos na passada segunda-feira, como aqui tinha anunciado, o programa Qualifica, que
retoma o investimento na qualificação dos cidadãos ao longo da vida, infelizmente abandonado durante alguns
anos. Este Programa assegura a orientação e o acompanhamento personalizados, proporcionando respostas à
medida das necessidades de cada pessoa, valorizando a aprendizagem ao longo da vida e complementando-a
com a formação e a aquisição de novas competências. Mais qualificação significa melhor emprego, mas mais
qualificação significa também maior produtividade para as empresas e empresas mais produtivas significam
uma economia mais competitiva.
Para cumprir o desafio do País com a inovação contamos com a geração mais nova, aquela que sabemos
ser a mais qualificada que o País já formou, mas não podemos ignorar que, nesta mesma geração, ainda temos
20% de jovens que continuam a não concluir o ensino secundário.
Não queremos deixar de contar também com as gerações anteriores, aquelas que não tiveram as
oportunidades que as novas gerações têm mas que têm de ter a possibilidade de se realizar plenamente e de
que o País precisa e não pode prescindir para prosseguir o caminho do desenvolvimento.
Todos têm direito a ter uma oportunidade: os mais velhos, que não tiveram a possibilidade de continuar a
estudar, e os mais novos, que não concluíram o ensino secundário, os portugueses que vivem nas grandes
cidades, onde a oferta formativa é grande, e os que vivem no interior, em que a aposta nas qualificações é
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decisiva, todos têm, a partir desta semana, uma porta aberta para melhorar o seu futuro. Ninguém pode ficar
para trás e não nos resignamos a deixar quem quer que seja para trás.
Aplausos do PS.
Estamos, assim, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a romper o círculo vicioso de procurar um atalho
para a competitividade fomentando a precariedade e apostando nos baixos salários. Nenhum país se
desenvolve assim. A chave para o nosso desenvolvimento está na qualificação e no combate à precariedade,
condições da inovação.
Mas, numa economia forte e mais próspera, a qualidade no mercado de trabalho é fundamental e isso implica
combater todas as desigualdades ainda persistentes.
O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já concluir, Sr. Presidente.
Aliás, neste Dia Internacional da Mulher não posso deixar de aqui recordar duas das marcas mais
persistentes dessa desigualdade: o acesso a tarefas e a funções de direção e a desigualdade salarial entre
homens e mulheres.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — São apenas mais dois parágrafos, Sr. Presidente.
Foi por isso que apresentámos, em sede de concertação social, a Agenda para a Igualdade no Mercado de
Trabalho e nas Empresas, na qual se incluem medidas que visam a paridade nos cargos de decisão, matéria
sobre a qual o Governo já apresentou aqui, na Assembleia da República, uma proposta, e a igualdade salarial
entre mulheres e homens, matéria sobre a qual nos comprometemos a apresentar uma proposta aos parceiros
sociais até ao próximo dia 1 de maio.
Aplausos do PS.
Mas este é um desafio que nos envolve a todos. Não é só um desafio do Governo, das autarquias, das
regiões, das universidades ou das empresas, é um desafio de todos nós e que depende de todos. Apenas com
todos será possível termos mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, do Grupo Parlamentar do PSD,
para fazer perguntas.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Dr. António Costa,…
O Sr. João Galamba (PS): — Sr. Dr. António Costa?! Acho que é Sr. Primeiro-Ministro!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … o Governo trouxe-nos aqui uma visão sobre o que se está a passar
no País e o que se deseja para o futuro.
Gostaria de dizer que não partilhamos da satisfação que o Governo exibe quando os resultados que são
observados ficam aquém daquilo a que o Governo se comprometeu…
O Sr. João Galamba (PS): — Mas ficam muito além daquilo que o senhor achava possível!
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O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e ficam aquém daquilo a que o Governo se comprometeu em
matéria de transparência. Estes resultados deveriam ser, por isso, motivo de maior explicitação por parte do Sr.
Primeiro-Ministro.
Infelizmente, os resultados, em concreto os que se referem ao crescimento, ficam aquém daquilo a que o
Governo se propôs, mas o Governo exibe sempre a mesma circunstância, que é a de manifestar regozijo por as
coisas, afinal, não serem piores. Quando as agências de rating mantêm a notação de Portugal em lixo, o
Governo festeja porque as agências de notação não fazem um downgrade maior. Mas nós gostávamos de ver
o Governo a festejar a subida do rating da República e não a sua manutenção, quando o Governo está em
funções há um ano e meio, praticamente.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sempre nas mãos das agências de rating!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Na verdade, quando olhamos para a situação do lado do crescimento,
percebemos que este desacelerou em relação ao ano anterior; percebemos que, apesar do valor que invoca
para o último trimestre do ano, o investimento contraiu durante todo o ano de 2016, e no último trimestre de
2016 cresceu menos, em termos homólogos, do que já tinha crescido no último trimestre de 2015 — depois,
contraiu em todos os trimestres seguintes até ao último de 2016. Estou a citar as estatísticas que vêm do Instituto
Nacional de Estatística (INE).
O Sr. Ministro das Finanças abana muito a cabeça porque, provavelmente, não lê as estatísticas oficiais…
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Ora!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e está sempre a dizer que não, como se isso mudasse a realidade.
Aplausos do PSD.
Mas essa é a realidade! Os números que são divulgados pelo INE, e foram divulgados ainda nesta semana,
mostram claramente que o crescimento do investimento no último trimestre de 2016…
O Sr. João Galamba (PS): — É o melhor dos últimos sete anos!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … foi, em termos homólogos, inferior ao crescimento do investimento
no último trimestre de 2015. E, quando tomamos o ano todo, então, é simples: o investimento cresceu mais de
4% em 2015 e contraiu durante todo o ano de 2016.
Ora, Sr. Primeiro-Ministro, quando os termos de troca se deterioram em relação ao ano anterior — foram
positivos, felizmente, mas menos positivos do que no ano anterior —, quando a dívida pública do País cresce
em rácio do PIB (produto interno bruto), quando o saldo estrutural não melhora, salvam-se, portanto, o
comportamento do emprego e a balança externa.
O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Milagre!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Mas já sabemos que a balança externa não melhorou por causa do
Governo, porque o Governo deu um contributo negativo para a balança externa do País.
Protestos do PS.
E, na verdade, como já tive ocasião de dizer aqui, aquilo que é apresentado como um bom resultado do
emprego não é um indicador avançado do que vai acontecer mas um eco que temos do que já aconteceu.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, infelizmente, não partilhamos da visão idílica que o senhor aqui quer traçar,
antes pelo contrário. E porquê? Porque podia o ano de 2016 não ter sido um ano tão bom quanto todos
desejaríamos e quanto o Governo desejaria, certamente, mas sabemos que o Governo não está estruturalmente
a fazer o que devia para aumentar o potencial da economia e para nos pôr a crescer ainda mais intensamente.
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E isso é o que interessa, porque se não crescermos o suficiente — como o senhor dizia, e muito bem — não é
possível lutar tão fortemente contra as desigualdades, não é possível ter uma sociedade mais equitativa. Mas o
Governo não o está a fazer, não se conhece dimensão estrutural de transformação da economia, pelo contrário,
todos os dados recolhidos por organizações que se especializaram justamente em fazer esse tipo de avaliação…
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Pedro Nuno Santos): — Quais organizações?!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … apontam negativamente para a falta de reformismo do Governo.
Não há nenhum processo de reforma do Estado que sustente, também do ponto de vista da despesa pública, o
corte que o Governo empreendeu durante o ano de 2016.
Hoje já sabemos, pelas contas que vêm sendo publicadas, que o défice se terá reduzido sem medidas one-
off cerca de 0,4% relativamente ao ano anterior.
Risos do Deputado do PS João Galamba.
Quando olhamos, depois, para a promessa do Governo do lado do investimento público, verificamos que
deveríamos ter em conta que o Governo reduziu no investimento metade de um ponto percentual do PIB…
O Sr. João Galamba (PS): — Vai para aí uma confusão!…
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e cortou cerca de 0,2% na despesa corrente sem qualquer review
da despesa pública, que tinha sido prometida pelo Ministro das Finanças.
O Sr. João Oliveira (PCP): — O Sr. Deputado já arrebatou o coração da Dr.ª Teodora Cardoso!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Significa isto, portanto, Sr. Primeiro-Ministro, que, se ao saldo sem
medidas one-off, sem medidas extraordinárias, somássemos aquele que era o compromisso do Governo na
despesa que ficou de realizar nos programas orçamentais e no investimento público, o resultado, em vez de ser
um saldo melhor em 0,4%, seria qualquer coisa como 3,2% de défice.
Risos do Deputado do PS João Galamba.
Isto se o Governo tivesse cumprido aquele que era o seu orçamento nas diversas áreas de despesa,
nomeadamente no que respeita ao investimento público. Portanto, não há sustentação nesta matéria.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Já deve ter uma SMS da Dr.ª Teodora Cardoso a felicitá-lo!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Diz aqui o Sr. Deputado do Partido Comunista, num aparte, e muito
bem: é verdade, o Conselho das Finanças Públicas denunciou este artificialismo. Talvez por isso a maioria não
goste do Conselho das Finanças Públicas,…
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … não goste daqueles que, com independência, dizem aquilo que se
passa ao País.
Aplausos do PSD.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, não só o Governo não está a fazer nada do que é importante em termos
estruturais para que as coisas possam mudar, como não se vê, naquilo que o Governo também considerava
importante fazer, qualquer desenvolvimento.
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Já sabemos que vai haver um Programa Qualifica e um Programa Interface, mas era melhor convencer-se o
Sr. Ministro da Educação a meter na gaveta a reforma curricular que está a preparar, porque essa, sim, vai ser
um retrocesso gigantesco para as qualificações dos portugueses no futuro.
Aplausos do PSD.
Podia começar a lutar por melhor crescimento e por melhores qualificações substituindo a política que está
a fazer na área da educação.
Mas nada foi feito no que respeita à recapitalização das empresas e à conversão de dívida em capital e,
apesar de ser um compromisso do Primeiro-Ministro já há um ano, nada foi feito no que respeita à criação de
um veículo para gerir o malparado.
Ora, o Sr. Primeiro-Ministro veio dizer ainda recentemente que havia novidades sobre isso, porque
estaríamos muito perto de chegar a um entendimento na União Europeia para termos uma tal solução, e
pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro qual é essa solução.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, percebo que não esteja
satisfeito, porque sabemos bem que está frustrado por todas as suas previsões durante o ano de 2016 terem
sido um redondo fracasso.
Aplausos do PS.
A sua frustração é a demonstração aritmética do erro da sua estratégia política durante todo o ano de 2016.
Durante todo o ano de 2016, o Sr. Deputado e o seu partido limitaram-se a dizer que o País só iria colher
tempestades e que todas as tragédias aconteceriam ao País, que iríamos ter as sete pragas do Inferno e que
até o Diabo havia de aparecer. A verdade, Sr. Deputado, é que o ano de 2016 foi correndo, nenhuma dessas
tragédias aconteceu, estamos em março e o Diabo continua sem ser visto em Portugal.
Aplausos do PS.
Por isso, Sr. Deputado, tendo V. Ex.ª tido como estratégia que tudo o que seria bom para País seria mau
para si, é natural que, com os resultados que têm sido bons para o País, esteja frustrado e insatisfeito por serem
maus para si.
Mas garanto-lhe que o País não deseja estar pior para que o senhor fique melhor. A nossa ambição e a
ambição de todos os portugueses é continuar a melhorar o País, mesmo que isso signifique continuar a piorar
o seu desempenho político. Tenho pena, mas estamos cá para melhorar o País e não para tratar da sua boa
imagem política.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, os números têm a enorme vantagem de não permitirem duas leituras. Durante o ano de 2015,
a economia foi desacelerando. No primeiro trimestre crescia, em termos homólogos, 1,6% e saiu do ano a
crescer 1,4%, ou seja, menos do que no início do ano. Progressivamente, ao longo de 2015, o crescimento foi
desacelerando.
O que aconteceu em 2016?
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — A bancarrota?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Foi precisamente o inverso, o crescimento foi progressivamente acelerando.
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No primeiro trimestre, em termos homólogos, o crescimento foi de 1%. No quarto trimestre, o crescimento
homólogo foi de 2%. Portanto, ao longo do ano, duplicámos o crescimento, durante o ano acelerámos o
crescimento.
Aplausos do PS.
O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho diz que em 2016 podíamos ter tido um melhor resultado. Podíamos!
Se tivéssemos tido um ponto de partida melhor teríamos tido um ponto de chegada também melhor.
Agora, com toda a franqueza, o Sr. Deputado, que durante quatro anos governou o País e não o retirou da
classificação de lixo, vem censurar-nos porque num ano, num quarto de período da sua governação, obtivemos
resultados que não alcançou durante quatro anos?!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Deputado há de verificar que todas as entidades, desde logo as agências de rating, quando se
pronunciam sobre Portugal, o que registam é que, relativamente ao que depende diretamente da atividade do
Governo, como o controlo das finanças públicas, os números também não mentem: o nosso défice foi o mais
baixo dos últimos 42 anos, inclusive dos quatro anos da sua governação, Sr. Deputado!
Aplausos do PS.
Protestos do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho.
Eu sei que isso o incomoda muito…
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Não incomoda nada!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Repito, eu sei que isso incomoda muito o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho,
mas, quando o Sr. Deputado pretende desvalorizar com as medidas de natureza não repetível, então, façamos
a leitura integral das medidas não repetíveis, quer das que aumentaram a receita, quer das que aumentaram os
nossos encargos.
Ora, se tiver em conta só os reembolsos que tivemos de fazer no ano passado de retenções indevidas feitas
pelo seu Governo para disfarçar uma má execução orçamental de 2015,…
Aplausos do PS.
… o que verificamos é que, entre o encaixe extraordinário e o desembolso extraordinário de 900 milhões de
euros, tivemos, em medidas extraordinárias, um agravamento do défice em 0,1% e não um benefício de 0,3%,
porque é necessário acrescentar e deduzir àquilo que recebemos a mais aquilo que também tivemos de pagar
a mais, por conta das retenções indevidas que o seu Governo fez.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, o nosso Programa Nacional de Reformas tem seis pilares e tem vindo a ser declinado de
acordo com o Programa de Governo e com a nossa estratégia e visão de médio prazo em diversos programas.
E temos anunciado aqui, sempre, todos os meses, o calendário…
Risos do Deputado do PSD Hugo Lopes Soares.
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O Sr. Deputado Hugo Soares até se incomoda sempre que falo disto e diz: «Lá vem anunciar o Programa!».
Eu já disse que nunca perderei a oportunidade de, mensalmente, prestar contas sobre a execução do nosso
Programa Nacional de Reformas. Nós somos um Governo de contas certas e prestamos contas à Assembleia
da República.
Aplausos do PS.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Já vimos esse estilo!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Por isso, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho também se recordará que o
Programa Capitalizar já foi apresentado e foi anunciado que em março teríamos o pacote legislativo concluído,
para que entre em vigor no próximo dia 1 de julho.
Posso ainda dizer-lhe que dentro de 15 dias será colocado em apreciação pública o conjunto do pacote
legislativo do Programa Capitalizar, desde o tema das insolvências ao tema dos incentivos fiscais, à criação de
novos mercados financeiros dirigidos às pequenas e médias empresas, precisamente para responder ao
problema da capitalização das empresas.
Da mesma forma, continuamos a trabalhar com o Banco de Portugal e com as instituições europeias para
encontrar uma boa resposta a um problema que, finalmente, o apoquenta, mas que foi ignorado durante os
quatro anos da sua governação, que é a situação do crédito malparado, que, de facto, asfixia o nosso sistema
financeiro e, ao asfixiar o sistema financeiro, asfixia a nossa economia.
Temos um calendário de reuniões com a DGComp e com o Banco Central Europeu e temos a expectativa
de podermos rapidamente concluir um acordo com as instituições europeias, porque seria, aliás, muito
contraditório a Comissão Europeia sinalizar como um problema estrutural do País o elevado nível de crédito
malparado e a mesma Comissão Europeia inviabilizar qualquer solução para resolver esse problema estrutural
do País.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para fazer perguntas, tem novamente a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, quero perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro se tem mais
alguma coisa para além do calendário.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Autocolante!
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para responder.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, não percebi o que o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho quer
saber.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, o Primeiro-Ministro anda a falar de uma solução há
um ano. Veio aqui dizer que tem um calendário de reuniões e eu pergunto se, além de um calendário, tem
alguma coisa que possamos apreciar ou discutir.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tema a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, para já, temos duas coisas: primeiro, a vontade
de não esconder um problema que o senhor escondeu e, segundo, a vontade de o resolver.
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Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Juntamente com o Banco de Portugal, temos trabalhado várias soluções. Quando tivermos uma solução final,
aprovada pela Comissão Europeia, dir-lhe-ei qual é a solução e o senhor, certamente, ficará desiludido, porque
cumprirá a sua função de ficar sempre desiludido de cada vez que resolvemos um problema do País. Mas
garanto-lhe que isso me estimula muito.
Aplausos do PS.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — É só conversa!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, fica demonstrado que o Sr. Primeiro-Ministro gosta
muito de fazer insinuações mas gosta muito pouco de falar ou de discutir materialmente o que é suscitado nos
debates, no Parlamento e fora dele.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. João Galamba (PS): — É sempre o mesmo! Mas quer agora discutir o quê?!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — O Sr. Primeiro-Ministro veio aqui dizer que nós gostávamos de ficar
sempre desiludidos. Está enganado! Não faço processos de intenção em relação a ninguém, mas exijo àqueles
que fazem esses processos de intenção, quando eles se revelam infundados, que, pelo menos, peçam desculpa
pelas intenções que lançaram na praça pública.
Aplausos do PSD.
O senhor veio aqui, várias vezes, desde que é Primeiro-Ministro, fazer processos de intenção, o último dos
quais foi neste debate quinzenal.
Pois bem, Sr. Primeiro-Ministro, hoje sabemos que sobre as transferências que foram feitas para offshore
não existe nada que envolva responsabilidade política do Governo.
O Sr. João Galamba (PS): — Não, não!…
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sabemos mais…
Risos do PS e do Primeiro-Ministro.
É, o senhor pode rir-se. Eu sei que o senhor gosta de se rir,…
O Sr. Presidente — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Ultrapassei o meu tempo mas ainda não ultrapassei o tempo que o
Primeiro-Ministro excedeu na sua intervenção inicial, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente — Também avisei o Sr. Primeiro-Ministro que tinha ultrapassado o tempo, como sabe.
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O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, deixe-me dizer ao Sr. Primeiro-Ministro o seguinte:
sabemos hoje que mais de metade do que supostamente não passou pelo crivo do fisco deveria ter passado já
depois de o Governo que eu liderei ter cessado funções.
Sabemos mais: sabemos que não há nenhuma ligação entre a publicação de estatísticas e o problema que
foi detetado.
Vozes do PS: — Não, não! Não é verdade! Há ligação, há!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Eu sei que gostam muito de se agarrar a todas as tábuas de salvação.
Mas, na verdade, há uma grande diferença que nos separa…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Vou já concluir, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, há uma grande diferença que nos separa. É que eu sei discutir por que é que o Governo
falou no que eram as suas ambições,…
O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … mas não digo que o Governo queria falhar nas suas metas.
Os senhores andaram durante quatro anos, depois de terem lançado o País na bancarrota, a proferir
insinuações e a fazer comparações entre o que não é comparável, o que é intelectualmente desonesto,…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço que respeite os tempos.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e o senhor repete-o aqui em cada debate parlamentar e não pede,
sequer, desculpa por tentar enlamear as pessoas que estiveram no seu lugar, antes de o senhor o ter ocupado.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, agradeço as suas
perguntas.
Confesso que o Sr. Deputado consegue sempre surpreender-me pela desfaçatez.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Há 15 dias, o senhor esteve aqui a insultar-me, pôs o seu líder parlamentar a insultar-me, fez fugas para a
comunicação social de reuniões do seu grupo parlamentar onde me chamou vil, soez, reles e outros mimos de
boa linguagem política.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
A senhora líder do CDS permitiu-se ofender a comunicação social,…
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Oh!
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O Sr. Primeiro-Ministro: — … dizendo que uma notícia do Público tinha sido «plantada» pelo Governo.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe o favor de concluir.
O Sr. Primeiro-Ministro: — E depois…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, eu gostaria de concluir, mas preciso de condições.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: — Não se sabem comportar!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Como estava a dizer, depois de 15 dias em que todo o País percebeu o que
aconteceu, até V. Ex.ª, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, depois de me insultar, depois de pôr em causa o
Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e toda a gente, no passado sábado, viu-se
forçado a fazer esta coisa extraordinária: criticar o seu próprio Governo e o seu próprio Secretário de Estado
pelas responsabilidades. E em vez de vir aqui, hoje, pedir desculpa, ainda queria que fosse eu a pedir-lhe
desculpa?! É preciso muita desfaçatez, Sr. Deputado!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho pede a palavra para que efeito?
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — É para a defesa da honra, Sr. Presidente.
Vozes do PS: — Ah!…
O Sr. Presidente: — Pode justificar a que se deve esse pedido de defesa da honra, se faz favor?
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, nunca pensei que tivesse de invocar esta figura
regimental para responder a um Primeiro-Ministro nesta Câmara. Mas, Sr. Presidente, há limites para a
desonestidade no debate político.
Protestos do PS.
Neste Parlamento, confrontei sempre o Primeiro-Ministro com resultados de política. Confrontei sempre o
Primeiro-Ministro com as suas próprias promessas. Perguntei ao Primeiro-Ministro, por várias vezes, as
diligências que o Governo fazia para obter os resultados com que se tinha comprometido. Discuti sempre com
lealdade parlamentar …
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — E, já agora, a defesa da honra? Isto é alguma defesa da honra?
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Então, não foi pedido para justificar?
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O Sr. JoãoGalamba (PS): — Está a justificar o quê?
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Se me permitirem, gostaria de concluir.
Repito: discuti sempre com lealdade parlamentar e respeito pessoal e institucional todas as diferenças de
política. Desafio o Sr. Primeiro-Ministro a provar que eu alguma vez o tenha insultado.
Mas vou dizer-lhe uma coisa, diretamente: não basta fazer afirmações como o senhor fez, por várias vezes,
responsabilizando-me pela resolução do Banco Espírito Santo.
Protestos do PS.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É isso mesmo!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Ainda hoje — repare bem, ainda hoje! — o Sr. Dr. António Costa me
vem responsabilizar,…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … repito, ainda hoje o Sr. Dr. António Costa me veio responsabilizar
pelo anterior Governo reter indevidamente dinheiro dos portugueses — em retenções do IRS, presumo que
fosse a isso que se estivesse a referir — naquilo que é o cumprimento da lei. O senhor não perde uma
oportunidade para desqualificar os seus adversários, para fazer comentários de natureza pessoal,…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo. Peço-lhe para concluir, se faz favor.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e vem aqui acusar o líder do PSD de o denegrir, de o insultar?!
O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, concluo dizendo que nunca, nem nos tempos de pior
memória…
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem mesmo de concluir. O tempo destinado a defesa da
honra já foi ultrapassado.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … de debates truculentos parlamentares, ouvi um Primeiro-Ministro
ofender gratuitamente tantas pessoas e ao mesmo tempo tantas instituições.
Aplausos do PSD, de pé.
O Sr. João Galamba (PS): — E a honra? Onde é que está a defesa da honra?
O Sr. Presidente: — Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, ficou claro, na sua
intervenção, que V. Ex.ª foi incapaz de referir onde é que eu o ofendi.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
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O Sr. Primeiro-Ministro: — É que, de facto, V. Ex.ª não usou da palavra para defender a sua honra. O Sr.
Deputado usou da palavra para mais um episódio da encenação que procura construir sobre a crispação e a
degradação do ambiente parlamentar.
Aplausos do PS.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Apoiado!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sei bem que V. Ex.ª não está satisfeito com o facto de o País, hoje, viver um
bom clima de cooperação entre órgãos de soberania. Não está satisfeito de o País viver, hoje, um bom clima de
paz social…
Protestos do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho.
Sr. Deputado, não perca outra vez a cabeça, como no último debate! Pelo menos intervale um debate para
perder a cabeça. Sr. Deputado, mantenha a serenidade. Mantenha a serenidade!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — O senhor não tem nível!
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe para continuar, se faz favor.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, eu ouvi-o em silêncio.
Portanto, neste clima que lhe desagrada,…
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Não desagrada nada!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … procura construir a teoria de que há crispação, mas não há qualquer crispação
no País, nem há sequer nenhuma crispação na Assembleia da República, o que há é uma bancada ressabiada
pelo facto de ter falhado tudo e não suportar os sucessos do País.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De uma forma muito telegráfica,
gostaria de dizer que a bancada do PSD não está ressabiada com nada!
Aplausos de Deputados do PSD.
Vozes do PS: — Oh!
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O Sr. Luís Montenegro (PSD): — A bancada do PSD, que tem 89 Deputados, que, a juntar com os
Deputados do CDS, venceram as últimas eleições legislativas,…
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Não percebem nada de nada! Não percebem nada de números!
Vozes do PS: — Ah! É isso! Estão ressabiados!
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço que deixem o Sr. Deputado Luís Montenegro terminar a defesa
da honra da bancada.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — A bancada do PSD, que suportou aqui o Governo anterior, que recebeu
como ponto de partida — ainda hoje se falou aqui disso — um País na pré-bancarrota, em recessão económica
e que deixou o País a crescer na economia e a crescer no emprego,…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço para concluir.
O Sr. João Galamba (PS): — Isto não é defesa da honra! Onde é que está a defesa da honra?!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — …, repito, a bancada do PSD não fica insatisfeita quando o País cresce,
o que a bancada do PSD quer é ter um debate político com nível, sem estas insinuações que o Primeiro-Ministro
aqui repete e que nem a dar explicações sobre uma defesa da honra é capaz de evitar, porque o Primeiro-
Ministro é mal-educado com aqueles que aqui representam o povo português.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Nós representamos uma parte significativa do povo de Portugal e exigimos
respeito às instituições e ao Primeiro-Ministro de Portugal.
Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para dar explicações, se o quiser.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, ainda bem que estes debates
são transmitidos para todo o País e que todo o País pôde ouvir o que eu disse e o que V. Ex.ª disse.
Aplausos do PS.
Vozes do PSD: — Pois é!…
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Deputado, eu, que tenho consideração por si há muito tempo, registo
simplesmente, à conta do manifesto enervamento que evidenciou na sua intervenção, a forma como se me
dirigiu neste debate.
Aplausos do PS.
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Mas, Sr. Deputado, perceberá que de um líder de uma bancada que ainda há 15 dias se referiu a mim como
sendo vil, ordinário, reles e soez eu não receba lições de boa educação.
Aplausos do PS, de pé.
Protestos do PSD.
O Sr. Carlos César (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Carlos César, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para exercer a defesa da honra.
Risos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaria apenas de dizer o seguinte: há
quem se sinta e quem não se sinta ofendido em circunstâncias como as presentes.
A razão pela qual uso da palavra é para salientar que o Partido Socialista se sente ofendido quando se
transforma esta Assembleia naquilo que ela não é ou, pelo menos, não devia ser, um espaço de insulto,…
Protestos do PSD.
…um espaço de intolerância e um espaço de guerrilha mediática.
Aplausos do PS.
Esta Assembleia está confrontada com um comportamento sistemático e repetido do PSD que é insultuoso
para o Governo, que é de desconsideração pelo trabalho parlamentar e que é, também por isso, insultuoso para
o Partido Socialista.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Carlos César (PS): — O PSD perde a cabeça quando tudo lhe corre mal e dificilmente alguém pode
invocar honra, ou terá uma honra muito escassa, quando não é capaz de pedir desculpa, neste Plenário e
publicamente, quando insulta um Primeiro-Ministro, designando-o por reles, soez ou vil. Aí é que está a falta de
honra!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins, do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda, para colocar as suas perguntas.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, parece-me que aquilo a que acabámos
de assistir aqui, no debate quinzenal, não fica bem a ninguém na Assembleia da República, e penso que
ninguém percebe.
Vozes do BE: — Muito bem!
Aplausos de Deputados do PS.
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A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Há, no entanto, uma coisa que fica clara: quanto mais tempo passa sobre
a derrota da direita nas eleições de 2015 e sobre a capacidade de trabalho de uma outra maioria, mais sem
argumentos, mais desesperada, eventualmente mais ressabiada, devo dizê-lo — perdoe-me, Sr. Deputado, mas
é o que está à vista —, fica a bancada do PSD. Teremos, talvez, de saber viver com isso, mas digo-lhe
sinceramente que acho que não está a fazer nenhum bom serviço ao País com esta crispação ou com esta
forma de fazer o debate.
Aplausos do BE e do PS.
Mas vamos ao concreto. No Bloco de Esquerda, como é sabido, aliás, sempre soubemos fazer oposição com
a energia que achámos necessária, nunca escondemos divergências com nenhum governo e com este também
não. Achamos que é assim o debate político, não somos de paninhos quentes, mas achamos que tem de ser
sobre a vida das pessoas. Alguém tem de perceber do que é que estamos aqui a falar e, muito sinceramente,
acho que ninguém percebeu nada dos últimos momentos. Falemos português, falemos de coisas concretas,
para começar.
Do debate anterior há talvez uma observação que merece alguma nota do Bloco de Esquerda, que é a
seguinte: sobre offshore há muito ainda a saber e o Bloco de Esquerda cá está não só para saber o que se
passou mas para fazer as alterações legislativas necessárias para que não volte a acontecer.
Vozes do BE: — Muito bem!
A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Porém, o que sabemos é que Paulo Núncio veio aqui à Assembleia da
República dizer que não quis a publicação das transferências, não explicou por que é que não a quis e o facto
de terem pedido essa publicação fez com que os erros fossem detetados mais tarde. Essa é a única certeza
que nós temos até agora.
Aplausos do BE.
É por isso, e talvez porque à medida que o tempo passa os erros do anterior Governo são mais claros, que
fica a direita tão nervosa, mas nem a divergência é ofensa nem a democracia significa que há instituições
intocáveis ou que há qualquer tipo de dirigente que não pode ter crítica. E é por isso, também, que não aceitamos
o que foi dito na última semana pelo PSD sobre as posições do Bloco de Esquerda em relação ao Banco de
Portugal. O Banco de Portugal não está acima de crítica e criticá-lo não é atentar contra a independência do
supervisor.
No caso do Bloco de Esquerda, critica-se o Governador do Banco de Portugal precisamente porque ele se
mostrou incapaz de independência.
Vozes do BE: — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Não foi independente dos banqueiros porque lhes fez todos os favores e
não foi independente do Governo do PSD/CDS porque arrastou o problema do BES para ajudar à farsa da saída
limpa da mesma forma que arrastou o problema do BANIF para ajudar às eleições de 2015.
Aplausos do BE.
É por isso que Carlos Costa, por muito que queira explicar hoje, e explique, não conseguirá nem apagar os
erros do passado nem sossegar o País sobre o futuro e também é por isso que não tem condições para
continuar.
Aplausos do BE.
Sr. Primeiro-Ministro, tinha pensado iniciar este debate sobre políticas concretas com o tema do dia.
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Hoje, é Dia da Mulher, houve avanços em Portugal, seguramente, mas há muitas áreas em que temos de
trabalhar.
No nosso País, a cada semana que passa uma mulher é assassinada ou é vítima de tentativa de homicídio
pelo seu companheiro ou ex-companheiro.
As mulheres, em Portugal, são mais vítimas de pobreza, são mais precárias e todos os anos lhes é retirado
dois meses de salário face a um homem com trabalho igual. As poucas mulheres que conseguem cargos de
chefia sabem que vão ganhar menos quatro meses de salário em relação a um homem que desempenhe as
mesmas funções.
Portanto, falar do Dia da Mulher é, seguramente, falar das condições em que as mulheres trabalham no
nosso País.
O Sr. PedroFilipeSoares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Sr. Primeiro-Ministro, há duas questões muito concretas que queria abordar
sobre os direitos das mulheres relacionados com a maternidade e o trabalho.
A primeira é relativa ao Instituto Camões, porque o Estado tem de dar o exemplo. Recentemente, tivemos a
denúncia de que o Instituto Camões obriga as mulheres que são mães na primavera a escolherem entre a
licença da maternidade e o gozo de férias. Isto não é aceitável e tem de parar!
Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, e porque o direito à maternidade deve ser defendido no público como
no privado, daqui a pouco vamos debater uma iniciativa do Bloco de Esquerda no sentido de que a proibição do
despedimento de grávidas se estenda também aos períodos experimentais, porque, neste País, há mulheres a
serem despedidas por estarem grávidas. Queria saber, portanto, se o Governo assume o compromisso de parar
com este abuso.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, efetivamente, sabemos que a
direita tem um problema com a aritmética. Aliás, foi por isso que considerou que seria aritmeticamente impossível
cumprir-se o objetivo do défice definido na proposta de Orçamento e foi por isso também que ainda não percebeu
um outro problema aritmético, que é o da Assembleia da República não acabar no corredor que separa a
bancada do PS das bancadas que estão à sua esquerda e, porque não acaba ali, os Deputados do PCP, do
Bloco de Esquerda e de Os Verdes contam aritmeticamente para uma maioria que existe nesta Assembleia e
que afirma a direita em minoria nesta Casa.
Aplausos do PS.
Este é que é o problema político que a direita não quer assumir. A minoria em que está nesta Câmara resulta
da minoria em que está no País.
Há, de facto, uma questão com o Banco de Portugal e eu percebo bem a razão pela qual o PSD e, em
particular, o seu líder tomam tão rapidamente as dores sobre reportagens que surgem relativas à atuação do
Banco de Portugal.
Naquela reportagem, como todos teremos percebido, reportam-se a factos anteriores à designação, pelo
anterior Governo, do atual Governador. Portanto, o PSD, verdadeiramente, não vem defender o atual
Governador, o PSD vem defender-se a si próprio por ter feito a recondução do Governador apesar de tudo aquilo
que tem vindo a público e que já constava da Comissão de Inquérito.
O Governo não tem de se pronunciar sobre as decisões que foram então tomadas. Eu próprio, como é sabido,
enquanto líder do PS, pronunciei-me, na altura própria, sobre essa matéria. Hoje, como Primeiro-Ministro,
cumpre-me estritamente fazer o que qualquer Governo deve fazer, que é trabalhar de uma forma leal e
construtiva com as instituições que existem e que estão em funções.
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Aliás, ainda hoje, o Sr. Governador do Banco de Portugal, numa entrevista, reconheceu que o Governo tem
uma relação institucional e correta com o Banco de Portugal. Não poderia deixar de ser assim.
Sr.ª Deputada Catarina Martins, quanto à questão do Instituto Camões, vou saber o que se passa, pois não
tenho informação. Obviamente que a lei é aplicável por igual em todos os lugares e assim será necessariamente
no Instituto Camões.
Sobre o período experimental, ele, em si, não comporta a figura do despedimento. Não sei, em concreto, o
que é que propõe o Bloco de Esquerda, mas o que me parece, por igualdade de circunstâncias, é que as
mulheres que estão grávidas durante o período experimental não podem ser prejudicadas.
Portanto, não creio que se trate de uma questão de não despedimento, trata-se, porventura, de prorrogar o
período experimental ou o período experimental poder ser completado, concluído, executado numa fase em que
a licença de maternidade não ponha em causa a função própria desse período. Por definição, quem está de
licença não pode estar, obviamente, no exercício da atividade, que pressupõe a existência do período
experimental.
Se é isso — e note-se que não conheço em concreto esta situação —, parece-me absolutamente razoável.
Aliás, devo assegurar um princípio: também no período experimental, há que proteger o direito à maternidade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.
A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, terei gosto em fazer-lhe chegar os
documentos do Instituto Camões.
Registo que podemos ter avanços importantes em todo o mundo do trabalho para proteger as mulheres
quando engravidam. Acho que esta é boa notícia e o Dia da Mulher deve ser comemorado com notícias reais
para a vida concreta das mulheres e o seu direito à igualdade.
O Sr. JoséManuelPureza (BE): — Muito bem!
A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Sr. Primeiro-Ministro, pegando numa frase que disse há pouco — «a
qualidade no mercado de trabalho é fundamental» — e tendo em conta a necessidade de proteção contra a
precariedade de todos e de todas, embora saibamos que as mulheres sofrem sempre mais e são mais vítimas
de precariedade, coloco-lhe uma pergunta: quando é que vamos ter na lei a promessa que está escrita na página
23 do Programa do Governo e que visa repor a lei de 2009, que foi suspensa pelo PSD e pelo CDS, de agravar
as contribuições para a segurança social das empresas que têm rotatividade a mais de trabalhadores?
O Ministro das Finanças, que na altura era um economista que estava a fazer o programa do Partido
Socialista, dizia que esta medida poderia, no primeiro ano, dar uma receita de 350 milhões de euros, ou seja,
combater a precariedade e aumentar receitas. Vamos avançar?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, vamos avançar. Aliás, no acordo
de concertação social que foi assinado está previsto que, ao longo deste ano, essa matéria seja objeto de
negociação no quadro da concertação social. Por isso, sim, vamos avançar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.
A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, espero bem que o Programa do
Governo valha mais do que eventuais bloqueios na concertação social. Se há acordo em que, para combater a
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precariedade ou para garantir direitos das mulheres, seja preciso mexer na legislação laboral, vamos lá, então,
mexer na legislação laboral.
Não podemos deixar o País parado ou deixar que o abuso continue a prolongar-se no tempo à espera que
os patrões percebam que afinal se têm portado mal. Os patrões têm-se mesmo portado mal, Sr. Primeiro-
Ministro, e é por isso que é preciso atuar na legislação laboral.
Aplausos do BE.
Sr. Primeiro-Ministro, deixo-lhe duas notas — bem sei que o meu tempo está esgotado, Sr. Presidente, mas
não irei usar seguramente de tanta tolerância como intervenientes anteriores usaram — sobre matérias que nos
preocupam.
Em primeiro lugar, sobre o descongelamento das carreiras da função pública. O compromisso é o de
descongelar as carreiras, que foram congeladas com determinadas regras, pelo que se presume que, quando
forem descongelas, as expectativas das pessoas sejam respeitadas.
Como sabe, na função pública, também é bom não brincar com a dependência de chefias, porque a
transparência é algo muito importante e as progressões automáticas não existem para proteção de cada
funcionário, mas são seguramente importantíssimas para a proteção de toda a democracia e para combater
todos os clientelismos.
Em segundo lugar, Sr. Primeiro-Ministro, não posso deixar de referir que foi agora publicado — e com isto
termino muito brevemente, Sr. Presidente — o aumento da idade da reforma para 2018, que passará para os
66 anos e 4 meses, ou seja, mais um mês.
Sabemos que temos posições divergentes sobre essa matéria — não vou agora debatê-las, nem tenho tempo
—, mas há o compromisso de acabar com a dupla penalização nas reformas antecipadas e também o
compromisso de haver uma fórmula de cálculo que proteja as carreiras contributivas muito longas, as de quem
começou a trabalhar muito jovem e nunca mais se consegue reformar.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Termino, Sr. Presidente.
Sr. Primeiro-Ministro, não se compreende que estejamos a ver a idade da reforma a aumentar e que esses
dois compromissos não estejam já executados.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, recordar-se-á que, no último ou
no penúltimo debate a propósito da reforma do Estado, sublinhei bem que, para nós, a reforma do Estado tem
três dimensões fundamentais: uma, tem a ver com a descentralização; outra, tem a ver com a simplificação
administrativa; e outra, tem a ver com a valorização das carreiras na função pública.
A devolução aos funcionários públicos da confiança do direito à carreira tem diferentes dimensões, sendo
que uma foi muito importante e simbólica: tivemos o cuidado de pôr a presidir à CReSAP (Comissão de
Recrutamento e Seleção para a Administração Pública Portuguesa) não mais um professor universitário
estranho à Administração Pública, mas alguém que tem uma longa e diversificada carreira na Administração
Pública, servindo diferentes ministérios. Quisemos dar um sinal claro de que confiamos na Administração
Pública, pelo que pusemos a presidir ao órgão que dá pareceres sobre as escolhas das funções de direção na
Administração Pública alguém que vem da própria Administração e que tem uma longa carreira e experiência.
Sr.ª Deputada, nesse debate, também falei precisamente da necessidade de descongelar as carreiras em
2018. Isso está no Programa do Governo e é o que será executado durante o ano de 2018.
Repusemos os vencimentos, vamos agora tratar do descongelamento das carreiras e é por isso que está
programada com os diferentes sindicatos a negociação para regular como vamos proceder ao descongelamento
das carreiras a partir do ano de 2018.
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Quanto às carreiras longas, o Sr. Ministro do Trabalho tem, neste momento, um trabalho concluído, vai iniciar
diferentes reuniões de trabalho e creio que hoje haverá uma reunião de trabalho com a bancada do Bloco de
Esquerda sobre essa matéria.
Portanto, iremos, também aqui, avançar e concretizar aquilo que consta do Programa do Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas, em nome
do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
A Sr.ª AssunçãoCristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, ia começar por abordar um
outro assunto, mas, em virtude da intervenção inicial que aqui fez, creio que é relevante perguntar-lhe sobre a
parte que não focou nessa intervenção inicial. Há duas notas em relação aos quais gostaria de chamar a sua
atenção.
A primeira tem a ver com o facto de o Sr. Primeiro-Ministro vir dizer ao Parlamento que o investimento está
muito bem e a recuperar. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, as contas do INE (Instituto Nacional de Estatística),
publicadas no dia 3 deste mês, mostram que o investimento recuou no ano passado, em termos reais, 0,9%.
Gostaria de o ouvir sobre esta questão, porque destoa do cenário cor-de-rosa e da pintura muito bonita que
faz sempre, mas que é sempre parcial nesta Casa.
O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª AssunçãoCristas (CDS-PP): — A segunda nota que queria deixar — e esta é fresquinha porque é
desta manhã — tem a ver, mais uma vez, com os juros da dívida pública.
Hoje, houve uma emissão a 9 anos, a qual levou a juros de quase 4%. Em agosto, a emissão tinha sido a
juros de 3% e agora de quase 4% — passaram seis meses.
Sr. Primeiro-Ministro, o que é que tem a dizer sobre isto? O que é que tem a dizer aos portugueses que vão
ter de pagar estes juros? E o que é que tem a dizer sobre como é que isto encaixa na sua visão cor-de-rosa de
Portugal?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Assunção Cristas, o investimento, ao longo do
ano passado, esteve sempre a aumentar, tendo concluído no quarto trimestre com um aumento de 4,6% e quer
o investimento direto estrangeiro, quer o investimento nacional estiveram sempre a aumentar.
Os dados que temos verificado já de 2017 demostram bem que esse investimento está a prosseguir. Os
dados sobre criação de emprego, os dados sobre importações de máquinas e equipamentos demonstram bem
que as empresas estão, felizmente, a investir. E estão a fazê-lo, desde logo, porque conseguimos descongelar
o programa Portugal 2020. Quando chegámos ao Governo, através desse programa, chegou às empresas 4
milhões de euros e nós, nos primeiros 100 dias, conseguimos fixar a primeira meta nos 100 milhões de euros,
quando chegámos ao final do ano ultrapassámos a meta dos 460 milhões de euros e, neste ano, iremos apoiar
as empresas em mais de 1000 milhões de euros para suportar o investimento empresarial.
Portanto, quer o investimento estrangeiro quer o investimento nacional estão a aumentar e, se a Sr.ª
Deputada for verificar, vai poder constatar que, em particular, empresas estrangeiras que há muitos anos estão
em Portugal, como a Siemens, a Bosch, a Volkswagen ou a Renault, todas elas têm estado a aumentar, e
significativamente, o seu investimento, criando novas linhas ou lançando novos produtos.
Como sabe, as taxas de juro têm estado a subir em todos os mercados e, se for comparar a nossa taxa de
juro a 10 anos a partir do momento em que entrámos para o euro, verificará que foram raros os meses em que
tivemos taxas de juro inferiores às que estão a ser praticadas atualmente.
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A colocação de dívida que foi feita por parte do Instituto de Gestão do Crédito Público foi num montante
bastante elevado, situou-se, aliás, nos valores médios que eram expetáveis.
Portanto, o que temos de continuar a fazer é dar confiança aos mercados mantendo uma boa trajetória de
redução do défice, como fizemos no ano passado, em que tivemos o melhor défice de 42 anos da nossa vida
democrática; obtendo um saldo primário de 2% assegurando, assim, a confiança da nossa capacidade de
responder à nossa dívida; reduzimos, no ano passado, em 1 ponto percentual a dívida líquida; a dívida bruta,
neste momento, já está inferior à do início de 2016 e, como sabe, em 2016 só não reduziu por causa do impacto
BANIF e do esforço de capitalização da Caixa Geral de Depósitos.
Por isso, temos boas razões para estar atentos, mas confiantes na capacidade do País de gerir e solver a
sua dívida pública.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, quando o oiço — e ouvi-o com
muita atenção —, fico extraordinariamente preocupada. E sabe porquê? Porque o Sr. Primeiro-Ministro vem
dizer-nos que o investimento está muito bem, mas o INE — são contas nacionais e eu pergunto se é o INE que
está errado — diz-nos que, em 2015, o investimento aumentou 4,6% e, em 2016, diminuiu 0,9%. Diminuiu. Foi
menos, não foi mais! Foi menos! Não percebo como é que o Sr. Primeiro-Ministro me dá essa resposta. De
duas, uma: ou tem de me dizer que o INE está enganado e que errou ou, então, tem de explicar as coisas de
outra forma.
Portanto, em relação a contas nacionais de 2016, o investimento diminuiu. Contra tudo aquilo que os
senhores sempre disseram e que diziam acreditar e que estava no Orçamento do Estado Sabemos que o
investimento público diminuiu 10%, mas agora não é só o público, é todo o investimento. Fico preocupada
quando oiço a sua resposta. Gostaria de acreditar nela, espero que o investimento retome, mas fico muito
preocupada.
Fico também muito preocupada quando o oiço falar sobre a dívida e dizer que isto está muito bem. Sr.
Primeiro-Ministro, a dívida não está muito bem; a dívida aumentou no seu Governo. A dívida vinha numa
trajetória descendente e aumentou.
Por outro lado, os juros da dívida não estão muito bem. E não me venha dizer que no resto dos países é
assim. Sabe porquê? Porque, em 2015, distávamos zero vírgula qualquer coisa pontos de Espanha e agora
distamos 2,5 pontos.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ora bem!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Afinal, o que é que há de tão diferente? O que é que aconteceu em
Portugal que não aconteceu em Espanha? Aconteceu um Governo, o seu, apoiado nas esquerdas radicais, que
não dá confiança aos mercados, as pessoas e os mercados olham para o País com desconfiança. É por isso
que, agora, fazem pagar o juro mais alto. Portanto, fico preocupada.
Fico também preocupada — terceira nota de preocupação — quando o oiço dizer que temos o défice mais
baixo de 42 anos de democracia portuguesa. Sabe porquê? Porque isso também dizia o seu antecessor José
Sócrates.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Bem lembrado!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — O seu antecessor José Sócrates, em notícia de 2008, dizia: «Défice
de 2,6% ‘o mais baixo da democracia portuguesa’», e regozijava-se com este resultado.
Portanto, de cada vez que o Sr. Primeiro-Ministro usa a mesma expressão, usa a mesma linguagem, usa o
mesmo argumento a minha preocupação vai crescendo exponencialmente.
Aplausos do CDS-PP.
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Sr. Primeiro-Ministro, deixe-me passar para um tema que tem merecido a atenção e a preocupação do CDS
ao longo de muitos anos e que motivará, amanhã, uma interpelação ao Governo. Certamente, amanhã haverá
tempo para detalhar, mas, hoje, não queria perder esta oportunidade para lhe perguntar qual é o pensamento
do Governo sobre supervisão bancária.
Recordo-me que nos foi anunciado que o Governo estaria a trabalhar nessa matéria e traria propostas a esta
Casa. Pois bem, mais de um ano volvido, Sr. Primeiro-Ministro, não oiço nenhuma ideia do Governo. Zero ideias
do Governo! Só oiço ideias sobre nomes, oiço discussões na praça pública sobre nomes, o que também me
preocupa, porque isso sugere aqui, como em relação ao Conselho de Finanças Públicas, uma certa
partidarização de instituições que deveriam ser absolutamente autónomas e independentes.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exatamente!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Mas o que quero perguntar-lhe é sobre quais são as ideias que o
Governo tem em relação a esta matéria.
Devo dizer-lhe que andamos a trabalhar há largos meses — aliás, esta foi uma matéria que destaquei como
prioritária no Congresso do CDS — e traremos a esta Casa várias propostas muito concretas para melhorar a
supervisão, porque entendemos que as coisas não correram como deveriam ou como poderiam ter corrido.
Portanto, vamos apresentar, proactiva e positivamente, um conjunto muito relevante de alterações, mas eu
gostava de saber a posição do Governo.
Já agora, Sr. Primeiro-Ministro, gostava de saber o que pensa sobre a proposta, que é velha no CDS e que,
em tempos, já teve também um pensamento semelhante do lado do Partido Socialista, de nomeação dos
reguladores da área financeira que, na nossa perspetiva, deve ser feita pelo Presidente da República.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, se não se importa, vou começar pelo fim.
Primeiro, em matéria de supervisão, o grupo de trabalho coordenado pelo Sr. Dr. Carlos Tavares entregou,
creio que na semana passada, ao Sr. Ministro das Finanças o seu relatório, amanhã haverá uma interpelação
ao Governo promovida pelo CDS e, nessa altura, o Sr. Ministro das Finanças cá estará e apresentará
sinteticamente a posição do Governo sobre essa matéria.
Quanto a nomeações e sobre a alteração das formas de designação, como sabe, a proposta foi apresentada
por mim enquanto Secretário-Geral do Partido Socialista mas, na altura, não mereceu a concordância da então
maioria, porque implicava uma revisão constitucional para poder reforçar as competências do Sr. Presidente da
República. Felizmente, apesar de tudo, houve algum consenso e foi possível alterar o processo de nomeação
dos membros da administração, que é, aliás, o que está a ocorrer.
Relativamente ao investimento, os números que citou do INE são do investimento total, ou seja, têm em
conta o investimento empresarial e o investimento público. Aquilo que, de facto, reduziu foi o investimento público
e aquilo que tem a ver com a confiança, ou seja, o investimento privado, como eu disse, subiu e, portanto, como
o INE diz, confirma-se que o investimento privado subiu.
Portanto, o investimento não baixou por uma questão de confiança; baixou por uma questão de política
orçamental.
Devo dizer que fico agradado em verificar que a Sr.ª Deputada é uma Deputada mais Keynesiana e que
gostaria que tivéssemos sido mais keynesianos do que fomos.
Risos da Deputada do CDS-PP Assunção Cristas.
Posso assegurar que também gostaríamos de ter sido mais keynesianos, mas fico confortado por saber que
neste ano, em que já aumentámos 20% o investimento público, isso merecerá, certamente, o aplauso do CDS,
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porque o CDS entende que é fundamental aumentarmos o investimento público. Fico muito satisfeito com isso!
Quanto ao investimento privado, esse subiu.
Relativamente à dívida, Sr.ª Deputada, como sabe, nos quatro anos anteriores, que coincidiram com a sua
passagem pelo Governo, a dívida pública aumentou 30 pontos percentuais. No ano passado, a dívida pública
estabilizou, a dívida líquida até diminuiu e a dívida bruta teve um ligeiro aumento explicado pelo impacto da
herança BANIF e da herança Caixa Geral de Depósitos.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — E a herança que vocês nos deixaram é «ótima»!…
O Sr. Primeiro-Ministro: — Este ano, com a antecipação, que, aliás, já foi feita, de amortizações da dívida
ao FMI, já temos uma dívida bruta inferior àquela que existia quando entrámos em funções.
Finalmente, sobre confiança, Sr.ª Deputada, os números não mentem.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Pois não!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Os números da confiança estão a um nível recorde que não tínhamos desde o
ano 2000, repito, desde o ano 2000, Sr.ª Deputada!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem, ainda, a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a confiança dos investidores
não a vemos exatamente assim.
Mas deixe-me dizer-lhe o seguinte: o meu papel é fiscalizar que o Governo cumpre aquilo com que se
compromete. Portanto, não confundo as funções. Deste lado, o meu papel é este, e é isso que farei o tempo
todo, Sr. Primeiro-Ministro!
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — E, já agora, vale a pena olhar para aquele que era o cenário
macroeconómico do Programa Eleitoral do Partido Socialista — o «cenário Centeno» —, onde se prometia 2,4%
de crescimento para 2016 e 3,1% de crescimento para 2017. É sempre bom lembrar isto! Nesse impacto
macroeconómico do Programa Eleitoral havia um cenário central inicial, que é como quem diz: «Se eles lá
continuarem, é isto que vai acontecer». Ora, esse cenário central do «se eles lá continuarem» dizia que, em
2016, iríamos ter 1,7% de crescimento…
Vozes do CDS-PP: — Ah…!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Ah, que coisa extraordinária!
Como estava a dizer, esse cenário central referia que, em 2016, iríamos ter 1,7% de crescimento, ou seja,
acima daquilo que os senhores conseguiram, os 1,4%, e que, em 2017, iríamos ter 1,7%, ou seja, um valor
acima daquilo que os senhores previram no Orçamento do Estado, os 1,5%.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, lamento, mas é minha função — e eu não a declino —, de todas as vezes
que aqui vem, confrontá-lo com as suas escolhas e com as suas opções.
E, já agora, queria lembrar que, de facto, o senhor incumpre radicalmente a sua promessa — e isso também
é extraordinário e eu gostava de saber o que é que o PCP e o Bloco de Esquerda dizem — quando assume mea
culpa de uma redução brutal do investimento público.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
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A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Portanto, o senhor acabou de nos dizer que, de facto, se o
investimento só diminuiu 0,9%, isso ainda foi à conta de algum investimento privado, porque o público não deu
nenhum empurrão, nem deu nenhuma ajuda. Cá estaremos para ver o investimento mais baixo da história da
nossa democracia!
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Primeiro-Ministro,…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de terminar.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço-lhe a mesma condescendência que teve para
com os Deputados que me precederam…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de ser proporcional…
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … e deixe-me fazer duas perguntas finais.
A primeira, que toca com o que referiu no início, tem a ver com a educação. Desafio-o, Sr. Primeiro-Ministro,
a fazer uma reforma curricular debatida, refletida, consensualizada, com tempo e que possa ter uma estabilidade
de seis anos. Aquilo que o Governo se prepara para fazer apressadamente, a meio do ano, não serve os
portugueses, não serve os alunos, não serve as famílias e a escola.
Portanto, desafio-o, Sr. Primeiro-Ministro, a ir na linha do CDS, ou seja, a debater, a consensualizar e a
garantir seis anos de estabilidade, no mínimo, para essa reforma.
Por fim, Sr. Primeiro-Ministro, gostava de saber — hoje, no Dia Internacional da Mulher — se é desta vez
que vamos poder aprovar as propostas apresentadas pelo CDS nesta Câmara,…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de terminar.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … porque todas as que apresentámos anteriormente foram
chumbadas com o voto contra do Partido Socialista.
Assim, voltaremos a apresentar algumas propostas que têm a ver, por exemplo, com o equilíbrio dos papéis
entre o pai e a mãe, o homem e a mulher…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de terminar.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … e com o aumento da licença parental para o pai, de forma a que
as mulheres não fiquem sobrecarregadas mas possam, efetivamente, repartir tarefas.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Assunção Cristas, primeiro, convém nunca
esquecer que as previsões que foram feitas no princípio de 2015 pressupunham que esse ano iria continuar a
ser de crescimento económico.
Ora, aquilo que todos viemos a saber é que o segundo semestre de 2015 foi um ano de forte desaceleramento
da economia,…
Protestos do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho,
… que essa tendência só se inverteu ao longo do ano de 2016 e, por isso, de facto, o ponto de partida foi
bastante diverso.
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A Sr.ª Deputada saberá que na Assembleia da República o Governo não vota e que o Governo respeita a
autonomia do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Pela enésima vez lhe direi que, quando quiser saber o voto do Grupo
Parlamentar do PS, terá de perguntar ao líder parlamentar do PS, que, certamente, terá o melhor gosto em
poder responder-lhe.
Aplausos do PS.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Pois, responde quando lhe convém…!
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou concluir, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada Assunção Cristas, depois far-lhe-ei chegar uma versão impressa, mas, se me der um segundo
de atenção, poderá ver neste gráfico que lhe mostro a evolução das taxas de juro desde 1993…
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — … e verificar que os momentos em que tivemos uma taxa de juro inferior àquela
que atualmente existe são absolutamente episódicos ao longo da nossa história.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Primeiro-Ministro. Tem de concluir.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr.ª Deputada, vou enviar-lhe os números para que possa verificar qual tem sido
a evolução da taxa de juro desde 1993 até agora.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, em nome
do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, antes de me referir ao tema em
debate neste debate quinzenal, gostaria de saudar as mulheres portuguesas neste dia de comemoração mundial
e aproveitar a oportunidade para reafirmar a nossa preocupação quanto à situação da mulher portuguesa, isto
é, em relação aos baixos salários, à precariedade, à desregulação dos horários, às discriminações e à violência
de que são vítimas no trabalho ou na sociedade, nomeadamente na maternidade, e os seus problemas sempre
por resolver. Isto apesar dos avanços alcançados com a Revolução de Abril.
Invoco: há 43 anos negociávamos o contrato coletivo dos metalúrgicos. Tinha lá uma norma em que se
afirmava, nessa cláusula, que qualquer mulher que trabalhasse o mesmo ou melhor do que os homens receberia
sempre menos 10% no seu salário. A norma foi revogada, mas, hoje, continuamos a deparar-nos com muitas
situações em que as mulheres continuam a ser prejudicadas ao nível dos seus salários.
A igualdade está longe de ser uma realidade na vida da esmagadora maioria das mulheres portuguesas e
há um grande esforço a fazer para combater e prevenir as diversas discriminações de que as mulheres são
vítimas no trabalho, na família e na sociedade.
Hoje, é dia de comemoração. Que seja tempo de concretização da igualdade.
Aplausos do PCP e de Deputados do PS.
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O Sr. Primeiro-Ministro trouxe aqui a questão do crescimento económico sustentável do País. É uma questão
que nos é cara e que temos, nestes últimos anos de regressão e estagnação económica, bem evidente desde
a entrada no euro, colocado no centro da nossa intervenção, em contraponto com as orientações que têm sido
dominantes no País.
Sim, precisamos de garantir um crescimento económico, mas ele não se garante de forma sustentada com
opções políticas que fazem da redução do défice a questão primeira da ação governativa, não se faz à custa da
redução do investimento público, do investimento necessário quer para o desenvolvimento de setores produtivos
nacionais, quer para assegurar as infraestruturas necessárias ao desenvolvimento do País, não se garante com
a desvalorização da força do trabalho como única variável do ajustamento macroeconómico. O crescimento
sustentado precisa da elevação das condições de vida do povo como alavanca desse crescimento.
Os avanços verificados nesta nova fase da vida política nacional foram a prova provada da importância do
trabalho e dos trabalhadores.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Não se garante persistindo nas privatizações, na liberalização de
mercados públicos, na desregulamentação de mercados onde dominam as PME (pequenas e médias empresas)
mantendo o papel dominante do setor financeiro tal como está. Não caminharemos para o crescimento
sustentado se não se fizer a rutura com estes eixos estratégicos, o que significa fazer rutura com o poder do
capital monopolista.
A proposta do PCP é pelo desenvolvimento, de que uma das dimensões é o crescimento sustentado. Isto
significa, do nosso ponto de vista, a promoção da produção nacional e dos setores produtivos, o apoio ao setor
cooperativo e às micro, pequenas e médias empresas, com medidas de apoio financeiro ao investimento e de
apoio ao crédito, de redução dos preços dos fatores de produção, nomeadamente na energia e nos
combustíveis. Estamos a pensar nos agricultores, estamos a pensar nos pescadores, que aguardam com
expectativa a concretização de algumas medidas que estão perspetivadas.
Sr. Primeiro-Ministro, isto significa também a necessidade da valorização dos salários, do combate à
precariedade, da reposição de direitos laborais por alteração das leis de trabalho, a defesa do desenvolvimento
qualitativo dos sistemas de saúde, do ensino e da segurança social.
Estas são questões importantes para um crescimento económico sustentável, sobre os quais é importante
também ouvir o Governo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, em primeiro lugar, associamo-
nos, obviamente, à saudação que fez às mulheres portuguesas e à preocupação que manifestou no sentido da
igualdade.
Há 40 anos a reforma do Código Civil deu um passo gigantesco na mudança da nossa vida em sociedade.
Outras evoluções tivemos posteriormente, desde logo, com a Lei da Paridade. Alargámos o conceito de
igualdade a outras áreas da vida, mas persiste a desigualdade de género entre homem e mulher e, em particular,
no mercado de trabalho.
Por isso, a paridade no poder de decisão e a igualdade salarial são questões centrais, a par das medidas
necessárias à conciliação quer para os homens, quer para as mulheres entre a vida familiar e a vida profissional.
Quando refiro que é para o homem e para a mulher, quero dizer que não alteraremos profundamente os
papéis de cada um na família se essas medidas de conciliação não forem dirigidas necessariamente a ambos
os géneros, porque só assim poderemos ter uma alteração e ir construindo uma nova cultura de relações dentro
da família.
Sr. Deputado, creio que é hoje consensual na sociedade portuguesa, e não só, que há um problema de
relacionamento entre a moeda única e a convergência, hoje isso é muito manifesto. Mesmo para aqueles que,
como eu, consideram que, no processo de construção europeia, a defesa da moeda única é essencial, não
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tenho a menor dúvida de que a melhor forma de a defender é criarmos condições para que seja possível a
convergência económica. Isso implica uma reforma da zona euro, uma reforma que previna riscos, que responda
a choques assimétricos e, sobretudo, que dote a zona euro de uma capacidade orçamental própria que permita
financiar o programa de convergência.
Devo dizer que não temos o défice como a primeira das prioridades, nem como o alfa ou o ómega da nossa
política, mas uma boa gestão das finanças públicas é essencial — aliás, as câmaras municipais do PCP são
bem reconhecidas por serem bons exemplos de boa gestão pública. A Câmara Municipal de Almada, por
exemplo, não sei se ainda é mas foi durante muitos anos a Câmara que tinha melhores condições financeiras
em relação aos 308 municípios do País e, portanto, não é objetivo de ninguém ter o défice pelo défice.
Porém, era absolutamente essencial, no ano passado e neste ano, fazer o «teste do algodão» e provar bem
que não era pelo facto de repor salários, de repor pensões, de reduzir a carga fiscal, de repor os apoios sociais
e os instrumentos de combate à pobreza que poríamos em causa a trajetória de consolidação das finanças
públicas.
O que provámos no ano passado, em conjunto, foi que o programa da direita não foi imposto nem necessário;
foi um programa querido, desejado, implementado por motivos ideológicos e não determinado com o controlo
das finanças públicas.
Por isso, tendo cumprido tudo aquilo que acordámos, designadamente com o PCP, tendo executado o
Orçamento que foi viabilizado na Assembleia da República, conseguimos ter um melhor défice do que aquele
que a direita teve.
Também é por isso que, neste ano, estamos a prosseguir a política de reposição de rendimentos para
melhorar as condições de vida das pessoas; por isso, aumentámos em 20% o investimento público e temos de
prosseguir esta trajetória e bater-nos quer em Portugal, quer no contexto europeu para haver um novo quadro
na zona euro que seja amigo do crescimento, amigo do emprego e que nos permita ter, de novo, condições para
uma maior convergência económica. Sim, essa batalha temos de a travar, mesmo que não estejamos de acordo
sobre o euro, no seu conjunto. No entanto, há uma matéria sobre a qual estamos de acordo: exista ou não euro,
a convergência é essencial. Diria que é mesmo essencial para poder existir o euro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Peço às pessoas que estão de pé na Sala o favor de se sentarem para podermos
continuar os trabalhos com o mínimo de condições.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, sim, existe divergência em relação
não só ao tempo como ao modo nestes grandes constrangimentos que hoje existem na nossa economia, tais
como a questão do peso da dívida e do serviço da dívida, a questão da necessidade de nos libertarmos da
submissão ao euro, a questão, fundamental, da necessidade do controlo público dos setores estratégicos,
designadamente da banca, e também na política fiscal queremos justiça fiscal e não a continuação da fraude,
da evasão do grande capital a caminho de qualquer offshore.
Sobre os 10 000 milhões de euros que voaram do País para offshore, ainda é necessário apurar por completo
a extensão do problema, mas o que já está claro é a confirmação da política de dois pesos e duas medidas do
Governo PSD/CDS, que esmagou os trabalhadores e o povo com impostos e obrigações, enquanto deixava sair
do País aqueles 10 000 milhões sem controlo tributário, sem tratar de ver se havia fraude, crime ou impostos a
pagar.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — E digo isto, Sr. Primeiro-Ministro, porque os portugueses — e são mais
do que aqueles que se possa pensar — não percebem dos mecanismos e dos esquemas que permitem esta
situação, mas sentem que isto é uma pouca-vergonha, que nesta matéria o crime compensa.
Por isso mesmo, Sr. Primeiro-Ministro, consideramos que, tendo em conta este sentimento de indignação —
justo — da maioria dos portugueses, é tempo de continuar a averiguar sem fugir à questão de fundo.
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Bem podemos inventar mecanismos de controlo, de aperto, mas enquanto existirem os offshore, países como
o nosso estão sempre a ser sangrados em vida com esta fuga de capitais, com esta fuga dos lucros ganhos
aqui, no nosso País.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro para responder.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, é indiscutível que é preciso
esclarecer tudo o que há por esclarecer sobre aquilo que foi descoberto a partir do momento em que este
Governo mandou a administração fiscal publicar os dados que o anterior Governo tinha mandado a
administração fiscal não publicar. Foi a partir dessa publicação que foi possível apurar tudo e saber que temos
um problema e que é necessário que esse problema seja absolutamente esclarecido.
Protestos do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho.
Se há condição essencial para a vida em sociedade é toda a gente sentir que há um sentimento de justiça
na forma como são partilhados os encargos, em particular os encargos em matéria fiscal.
Aquilo que as pessoas percebem bem é que houve um tempo em que se era muito forte com os fracos, mas
muito fraco com os fortes.
O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — Está a falar do Sócrates, não?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Isso é absolutamente inaceitável e tem de ser corrigido porque é esse sentimento
de justiça que pode reforçar os laços de cidadania entre todos.
Mas não se trata só de combater os offshore, trata-se também de termos uma melhor harmonização fiscal
no quadro da União Europeia, porque aquilo a que temos assistido no quadro da União Europeia é a uma
competição muito desigual entre vários Estados a poderem criar condições de atratividade fiscal à custa daquilo
que é o rendimento efetivamente gerado noutros Estados-membros. E quando vemos o lucro obtido pelas
compras que fazemos em alguns dos nossos supermercados gerarem receita não nos nossos cofres públicos
mas nos cofres públicos da Holanda,…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — … de facto, entendemos que há aqui um problema de grave distorção de
lealdade na concorrência entre os diferentes países. E a União Europeia, para ser mais justa, também tem de
ser capaz de pôr termo a esta concorrência desleal de países, como a Holanda, relativamente a outros países.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em
nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, vamos ver como me consigo
controlar para lhe colocar três questões que julgo serem muito importantes.
A primeira prende-se, em primeiro lugar, com as podridões do sistema capitalista e o perigo de ter um
Governo subserviente às manhas deste sistema capitalista. E, relativamente à matéria dos offshore, Sr.
Primeiro-Ministro, no último debate quinzenal, Os Verdes vieram aqui afirmar que era preciso apurar
responsabilidades de vária ordem, incluindo responsabilidades políticas.
O ex-Secretário de Estado Paulo Núncio, do CDS, já veio assumir uma parte dessas responsabilidades
políticas,…
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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não está atualizada!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … mas, de facto, aquilo que é profundamente revoltante é perceber
que houve um Governo que fechava os olhos aos milhões que saíam do País para os offshore e, ao mesmo
tempo, sacrificava os portugueses de grande forma, abrindo, arregalando os olhos completamente a qualquer
falha, mínima, que qualquer cidadão português tivesse com o fisco. Isto é absolutamente deplorável e revoltante.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, também é revoltante perceber como os reguladores nos trazem sempre
mundos de garantias, promessas de garantias, e afinal descobre-se, tão recorrentemente, que os reguladores
não regulam absolutamente nada e, Sr. Primeiro-Ministro, também têm manhas no âmbito deste sistema
capitalista.
É revoltante perceber que, com as falhas graves de supervisão que o atual Governador do Banco de Portugal
já demonstrava no exercício das suas funções, o Governo PSD/CDS fez a sua recondução da forma mais limpa,
da forma mais linear, querendo, portanto, «tapar o sol com a peneira», Sr. Primeiro-Ministro. Gostava de
reafirmar aqui que, na nossa perspetiva, este Governador do Banco de Portugal não tem condições para
continuar no exercício do seu cargo, tal a gravidade e a sequência de falhas de supervisão que já foram por
várias vezes demonstradas.
Segunda questão: Sr. Primeiro-Ministro, o rio Tejo não é um cano de esgoto e não pode continuar a ser visto
como um cano de esgoto.
Sabemos que há empresas profundamente poluidoras, designadamente a Celtejo, que já têm planos para a
requalificação dos seus sistemas de tratamento, mas, até lá, Sr. Primeiro-Ministro, continuam a fazer do Tejo
um profundo cano de esgoto. E, até que essa requalificação seja feita, o que é que vamos fazer? Vamos
continuar a assistir a um Tejo castanho, a um Tejo estragado pelas descargas ilegais e acentuadas dessas
empresas poluidoras?! Aquilo que temos perguntado é que medidas prevê o Governo aplicar, a curtíssimo prazo,
designadamente no âmbito da monitorização e da fiscalização, para que o Tejo deixe de ser um cano de esgoto.
Por outro lado, e por último, Sr. Primeiro-Ministro, sobre a igualdade entre mulheres e homens e a
necessidade de garantir direitos às mulheres, Os Verdes também já apresentaram, e vai ser discutido, um
conjunto de iniciativas, nomeadamente no âmbito dos direitos do trabalho e naquilo que se refere à licença
parental e ao alargamento da licença parental,…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … mas também — e termino mesmo, Sr. Presidente — no âmbito
de uma questão que continua a ser gravíssima no nosso País e recorrente demais, que é a da violência
doméstica. E, nesta matéria, Sr. Primeiro-Ministro, podemos melhorar muito a legislação,…
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … mas uma coisa é aquilo que está na lei, outra coisa é a realidade.
E a fiscalização, a formação dos agentes de segurança é também uma questão determinante.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Gostava de saber que respostas concretas, não legislativas, mas
no âmbito administrativo, digamos assim, no terreno, dos agentes que atuam, é que o Governo tem para esta
matéria…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, tem de concluir.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … do combate ao flagelo da violência doméstica.
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Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, vou procurar centrar-me nas
duas últimas questões, para ver se consigo responder no tempo de que disponho.
Vamos começar pelo Tejo. Em 2016, foram realizadas ações de fiscalização e inspeção em 234 operadores
económicos, foram recolhidas várias amostras e foram emitidos vários mandatos e várias notificações, tendo
sido feitas três participações criminais ao Ministério Público.
Em 2016, conseguiu-se aumentar significativamente a fiscalização no conjunto da bacia hidrográfica.
Recentemente, depois da denúncia sobre dois casos, em 9 e 10 de fevereiro, a APA (Agência Portuguesa
do Ambiente) levantou autos de notícia relativamente a duas situações, a da Centroliva e a da fossa da zona
industrial de Vila Velha de Rodão.
Vai também ser instituído, no âmbito da IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e
do Ordenamento do Território), um piquete de emergência, de forma a dar resposta pronta a todas as situações
de denúncia que vão surgindo e que exigem uma resposta imediata para que as amostras sejam recolhidas o
mais cedo possível e possam ser identificados aqueles que são responsáveis pelas emissões poluentes.
Quanto à violência doméstica, está a ser incrementada a formação dos agentes, porque sabemos bem como
a boa articulação entre as CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens) e a deteção precoce através
dos agentes são absolutamente essenciais para poder valorizar testemunhos e evitar que seja mantida uma
relação relativamente à qual se vem mais tarde a verificar que, muitas vezes, se chega tarde demais, porque
não foram devidamente valorizados, no momento próprio, os sinais de perigo.
Mas sejamos claros: este é o tipo de crime que, mais do que da polícia, exige a mobilização de toda a
sociedade, porque as mais das vezes se pratica dentro de cada uma das casas. É fundamental que as
vizinhanças e a própria consciência familiar não consintam no silenciar, no perdoar, no adiar dos sinais de
violência.
Ainda no ano passado, pude assistir a uma exposição de fotografia que esteve patente em várias zonas do
País, de uma fotógrafa da Visão, creio, que retratava vários casos de homicídio de mulheres e, em todos eles
ou na sua esmagadora maioria, a morte não tinha sido a primeira ocorrência, quase todos tinham tido
complacência prolongada, perdão ou distração por parte de quem não se podia ter distraído.
De facto, temos de intervir no sentido de uma mobilização conjunta da sociedade.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Aquele velho ditado de que «entre marido e mulher não se mete a colher» é um
ditado que, de uma vez por todas, tem de ser banido da nossa vida em sociedade…
Aplausos do PS.
… porque tem sido muito responsável pela cumplicidade coletiva em muitos homicídios, e não podemos
consentir nessa cumplicidade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, em nome do PN.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, no âmbito do quadro da descentralização
de competências do Estado para as autarquias, o Governo pretende transferir para as CCDR (comissões de
coordenação e desenvolvimento regional) matérias como o ordenamento do território, o ambiente, a proteção
da natureza, a saúde pública ou o bem-estar animal.
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O Governo defende que as CCDR, órgãos sem legitimidade política eleitoral, sejam dirigidas por autarcas
que, por sua vez, vão fiscalizar outros autarcas. Ou seja, para que quem nos esteja a ouvir perceba o que está
em causa, teremos presidentes de câmara a fiscalizarem-se a eles próprios.
Neste modelo, teremos órgãos sem pluralidade política, dirigidos por presidentes de câmara, legitimados
para decidir os destinos dos municípios em matérias como tauromaquia, jogos de fortuna e azar, gestão das
áreas protegidas, proteção animal ou, mesmo, segurança alimentar. Mas, e quem é que os fiscaliza? Eles
mesmos!… E a cereja no topo do bolo é o facto de estes conselhos diretivos não responderem perante o
Governo. De acordo com a proposta que os senhores já agendaram para apreciação no dia 16, o Governo não
terá qualquer tutela ou, sequer, poder de revogação das decisões tomadas.
Com esta municipalização, como é que se garante a aplicação transversal e uniforme da legislação nacional
em todo o território? Como é que se impede que as agendas políticas e os interesses económicos não se
sobreponham sempre a matérias como a saúde pública, a preservação ambiental ou a proteção animal?
Sr. Primeiro-Ministro, vai legitimar um esquema onde a raposa fica a guardar o galinheiro?!
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, para responder, tem a palavra.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Silva, perdoar-me-á, mas não o acompanho
nessa sua visão de que os autarcas são a raposa que come as galinhas que estão no galinheiro.
Aplausos de Deputados do PS.
Pelo contrário, a visão que tenho do poder local democrático ao longo destes 40 anos é a de que o País deve
muito aos autarcas um trabalho fundamental, designadamente em matéria de ordenamento do território, em
matéria de saneamento, em matéria de melhoria da qualidade ambiental do território no tratamento dos resíduos
sólidos. Aliás, se houve avanços em matéria de ambiente ao longo destes 40 anos, em Portugal, Portugal deve-
o, sobretudo, aos seus autarcas.
Portanto, confiar naqueles que provaram bem é, simplesmente, dar melhores condições para que possam
fazer ainda melhor.
Convém não confundir as coisas, porque a legislação nacional tem de ser aplicada uniformemente em todo
o País, mas a própria legislação já prevê que haja adequação da sua aplicação diferenciada, designadamente
tendo em conta os usos e costumes de cada terra. Pode ser discutível, mas é a regra que existe, e existe, por
exemplo, em matéria tauromáquica. Mas é bom que assim seja, porque isso permite que, em municípios, como,
por exemplo, o de Viana do Castelo, o Presidente da Câmara Municipal tenha proibido a existência de práticas
tauromáquicas e noutros concelhos, designadamente na região do Ribatejo, pelo contrário, os municípios
estejam associados na Secção dos Municípios com Atividade Taurina, de forma a valorizarem um espetáculo
que entendem ser uma componente cultural importante dessa região.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — E digo isto com todo o à-vontade de não só não ser aficionado como também
não ser apreciador do espetáculo tauromáquico. Porém, a tolerância implica respeitarmos o gosto dos outros
até ao limite daquilo que é tolerável.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Conhece, aliás, bons exemplos — e não vou invocar alguns, porque seria
vitupério fazê-lo em causa própria — de municípios que têm adotado boas práticas, e boas práticas na
transformação de gatis e canis em verdadeiras casas de animais, na difusão da política de adoção ou na
interdição de circos com uso de animais.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
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O Sr. Primeiro-Ministro: — Há boas práticas que têm estado a ser instaladas no País e devemo-las,
sobretudo, à forma como as autarquias têm sabido gerir o seu território.
Quem fiscaliza o autarca? Ah, isso, é o cidadão!
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já terminar, Sr. Presidente.
Há uma coisa de que não pode ter quaisquer dúvidas, Sr. Deputado: quanto mais próximo está o poder mais
sujeito está ao escrutínio e à fiscalização do cidadão. E, em democracia, é sempre o cidadão que é soberano
no controlo de quem, como nós, exerce o poder em seu nome.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos César, em nome do
Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Carlos César (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, nesta ocasião em que se comemora o
Dia Internacional da Mulher, queria começar por saudar, em nome do Partido Socialista, todas as mulheres
portuguesas e, desde logo, as Sr.as Deputadas e todas as mulheres que, no exercício das mais diversas funções
na Assembleia da República, nos ajudam nos nossos trabalhos e ajudam à qualidade do desempenho
parlamentar.
Aplausos do PS.
Bem sabemos, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, que, em matéria de igualdade, têm sido muitos
os progressos alcançados nos últimos anos, mas sabemos que também há um longo caminho a fazer. Tivemos
avanços significativos na Lei da Paridade; nas questões envolventes da saúde sexual e reprodutiva; nas
questões do combate à violência e ao tráfico de seres humanos; em matérias laborais, da licença de
parentalidade, da conciliação da vida profissional e familiar, do reforço dos abonos de família e de outras
prestações. Bem sabemos também que, neste último ano, foi possível impedir reversões importantes que se
configuravam em matéria de situações como, por exemplo, as da IVG (interrupção voluntária da gravidez).
Avançámos, também, na adoção por casais do mesmo sexo e ainda em aspetos envolventes da procriação
medicamente assistida para todas as mulheres.
Perspetivam-se, também nesta mesma linha de continuidade, uma representação mais equilibrada do género
nos órgãos de gestão das empresas do sector público empresarial e das empresas cotadas em bolsa; o fim de
restrições à Lei da Paridade nas pequenas freguesias e municípios, no âmbito da legislação eleitoral autárquica;
a definição de uma estratégia de educação para a cidadania, em que relevam as questões de igualdade do
género; a regulação das responsabilidades parentais em situação de violência doméstica; o combate à violência
no namoro ou às desigualdades salariais; e outros instrumentos de facilitação da condição da mulher no trabalho,
como, por exemplo, progressos que devíamos fazer no âmbito da substituição de trabalhadoras grávidas ou em
casos de adoção, adotando programas como o programa premiado, no âmbito europeu, designado Berço de
Emprego, que vigora há alguns anos na Região Autónoma dos Açores, permitindo que a entidade patronal possa
proceder a essa substituição sem perda do posto de trabalho originário da mulher.
Queria, por fim, dizer-vos que o Partido Socialista se envolverá nestes processos com sentido de
contemporaneidade, com sentido de responsabilidade e com humanismo, um humanismo que informa quem
não se conforma. É essa a história que queremos para nós, para continuarmos a ser um grande partido das
mulheres portuguesas.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, faço uma brevíssima referência também ao desígnio da
descentralização. Sobre essa matéria queria, Sr. Primeiro-Ministro, apenas dizer que um dia compreender-se-á
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melhor o valor da descentralização efetiva para a unidade e para a eficiência do Estado. Historicamente, aliás,
essa unidade só foi afetada quando recusámos a descentralização e foi sempre reforçada quando a adotámos.
Para já, avançaremos certamente no desejado e, a seu tempo, não deixaremos de avançar para o desejável. O
PS, também neste caso, assume-se como um grande partido da descentralização de agora e da
descentralização do futuro.
Aplausos do PS.
Sr. Primeiro-Ministro, como bem aqui divulgou, os últimos indicadores económicos e sociais, especialmente
relativos ao quarto trimestre, revelam a consolidação de um percurso positivo que temos vindo a fazer. Um
percurso positivo confirmado, apesar, por exemplo, das previsões do Conselho das Finanças Públicas que, em
meados do segundo semestre de 2016, dizia que vários indicadores do PIB (produto interno bruto) estavam em
regressão e que o emprego estaria a diminuir. Provou-se, assim, o oposto às previsões e, sobretudo, provou-se
que o trabalho desenvolvido pelo atual Governo fez com que a nossa economia crescesse, que o nosso
investimento crescesse, que a confiança dos empresários crescesse, que a confiança dos consumidores
crescesse e que o emprego crescesse e que o desemprego diminuísse.
Aplausos do PS.
Esse é um património indiscutível do atual Governo.
O lançamento de vários programas, do programa Qualifica, do programa Estratégia para a Indústria 4.0, do
programa Interface, do programa Capitalizar, e outros, permite, justamente, consolidar e incrementar este
percurso que estamos a fazer.
Em síntese, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: reduzimos o défice; melhorámos a economia;
melhorámos as exportações; melhorámos o investimento; melhorámos a confiança dos empresários e dos
consumidores; temos mais emprego e diminuímos o desemprego. Nada disto caiu do céu. Tudo isto aconteceu
durante o mandato do Governo, e com a ação do Governo, que a oposição esconjurou.
Aplausos do PS.
Conseguimos melhor e vamos fazer ainda melhor!
Faço uma breve referência, Sr.as e Srs. Deputados, ao processo das offshore, para dizer que aguardaremos
os relatórios e as investigações em curso, designadamente no âmbito da Inspeção-Geral de Finanças. Mas, há
que registar o que, efetivamente, não é tão superficial quanto isso: um Secretário de Estado que começa por
excluir-se de responsabilidade e acaba por culpabilizar-se; um Secretário de Estado que começa por dizer que
tinha dúvidas e acaba por dizer que a transparência beneficia o infrator — afinal, foi mesmo a publicação dessas
transferências que suscitou as discrepâncias de que se fala, em milhares de milhões de euros —; um Secretário
de Estado que diz que só ele é que sabia que não sabia dos movimentos para os offshore e da lei da rolha que
aplicou, mas, afinal, o gabinete do Ministro ou da Ministra das Finanças já sabiam, por comunicação do
Secretário de Estado. Não tarda que se perceba que o que a Ministra das Finanças sabia o Primeiro-Ministro de
então não podia também deixar de saber.
Aplausos do PS.
Esta é a história de um Governo ao qual, de certeza, não faltam outras histórias semelhantes. Mas esta
questão dos offshore demonstrou, sobretudo, que este Governo teve uma opção política, teve uma política fiscal:
a política de perseguição dos cidadãos; a política de perseguição, até concedo, da pequena fraude, deixando
de fora tudo quanto podia ser relevante e todos quantos podiam ser importantes.
Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, aproveito para usar, aritmética e proporcionalmente, o meu
tempo excedente, que é de 2 minutos e 11 segundos.
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Sr. Primeiro-Ministro, podemos, e devemos, de facto, aproveitar o debate que está previsto, por iniciativa do
CDS, para uma análise mais profunda das questões da supervisão e bem assim, também, na sequência de um
relatório do grupo de trabalho, que o Governo já recebeu.
Gostava, no entanto, numa apreciação final, de lembrar o seguinte: o líder do PSD criticou a esquerda
parlamentar por conviver mal com os reguladores e fazer declarações hostis. Não me admira que defenda a
situação da supervisão e os seus protagonistas, no caso de omissões no seguimento da situação bancária que
se foi degradando ao longo dos anos. É que as falhas da regulação e da supervisão foram, em segunda
instância, também falhas da governação, que é como quem diz falhas dele próprio, do PSD e do Governo que
integrou.
Fala de falta de cultura democrática. Não é falta de cultura democrática reiterar o entendimento de que o
Banco de Portugal não foi suficientemente atento, não agiu atempadamente, tal como o Governo anterior. As
palavras são para usar. Essa foi a realidade e essa realidade não pode ser escondida por nenhuma razão.
Aplausos do PS.
E essa realidade teve como resultado, em muitos casos que agitaram — e agitam, ainda hoje — o nosso
setor financeiro, as piores consequências e prejuízos para milhares de clientes de bancos, para milhares de
famílias desses clientes e, em geral, para os contribuintes portugueses.
Parece que, na sua democracia seletiva,…
Vozes do PSD: — A sério?! Democracia seletiva?!
O Sr. Carlos César (PS): — … o líder do PSD pode dar-se ao luxo de insultar o Primeiro-Ministro, como fez
a propósito dos offshore; de criticar o Presidente da República, como fez quando o Presidente da República
reconheceu os méritos do Governo no desempenho económico;…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado já ultrapassou o prazo de tolerância proporcional, pelo que lhe peço para
concluir.
Vozes do PSD: — Já ultrapassou o prazo!
O Sr. Carlos César (PS): — … pode desconsiderar o Presidente da Assembleia da República, acusando-o
de parcialidade; e até investe contra os membros do seu anterior Governo, no caso Paulo Núncio, para a lama
não lhe salpicar os pés.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos César (PS): — Termino, Sr. Presidente da Assembleia da República, lembrando o seguinte:
onde estavam esses cuidados, da parte do líder do PSD, quando insultou o Tribunal Constitucional?!
Aplausos do PS.
Quando disse que, caso o Tribunal Constitucional continuasse a decidir assim, deveria haver substituição
dos juízes? Isso é que é falta de cultura democrática!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos César, a reforma feita há 40 anos do Código
Civil — que importa hoje recordar e celebrar — demonstra bem como muitas vezes na vida política a atenção
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se centra em aspetos institucionais, muitos deles, aliás, com uma enorme artificialidade, e poucas vezes dá
atenção àquilo que é essencial na vida e no quotidiano das pessoas.
Sobre a justiça, ao longo destes 40 anos, houve muitos debates bastante apaixonados sobre diversos temas.
Mas, nestes 40 anos, em política de justiça, nada de mais importante foi feito do que a reforma do Código Civil
de 1977.
Aplausos do PS.
Permitam-me, aqui, evocar a memória de um homem, que, aliás, honrou esta Assembleia da República e
prestigiou a vida política portuguesa como seu Presidente, que era, então, Ministro da Justiça, o Dr. António
Almeida Santos, e que presidiu a esta reforma do Código Civil.
Aplausos do PS.
Gostaria de evocar também a Comissão de Reforma presidida por uma notável jurista que, infelizmente, já
nos deixou, a Prof.ª Isabel Maria Magalhães Colaço.
Aplausos do PS.
Contou também, em particular no domínio do direito da família, com o contributo de uma jurista de exceção,
que, felizmente, está ainda entre nós, a Dr.ª Leonor Beleza, a quem devemos grande parte do Código Civil, em
matéria de família.
Aplausos do PS.
Esta é a mais importante reforma feita nos últimos 40 ano na área da justiça, porque foi aquela que mais
profundamente alterou a vida, o dia a dia das pessoas, das famílias, em geral, e, em particular, das mulheres.
É, de facto, isso que justifica e que tem de estar sempre no centro das nossas preocupações: as pessoas.
É por isso que a direita desvaloriza muito aquilo que de fundamental aconteceu no ano passado. Temos
todos boas razões para estar satisfeitos com o facto de termos o melhor défice em 42 anos de democracia e de
podermos ter tido um crescimento superior ao da média europeia. Mas, verdadeiramente, aquilo que de mais
relevante aconteceu no tempo novo, que marcou a nova Legislatura, foram dois factos essenciais. O primeiro
diz respeito ao emprego, com a criação de 118 000 postos de trabalho, em termos líquidos, o que significa que
há mais 118 000 pessoas a trabalhar em Portugal e que não estão no desemprego.
Aplausos do PS.
Mas há, sobretudo, algo de novo que é respirar-se hoje na sociedade portuguesa um novo clima, um clima
de confiança e de tranquilidade.
Quando o INE refere que temos um nível de confiança que atingiu máximos que não alcançávamos desde
2000, por que é que será? Isto acontece, desde logo, porque as famílias deixaram de acordar naquelas tensão
e angústia permanentes de, ao ligar o rádio, não saber se iam ouvir a notícia de que o Governo lhes ia cortar
mais uma vez a pensão ou o salário, ou que a Sr.ª Ministra das Finanças lhes ia aumentar mais uma vez os
impostos sobre o trabalho.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não se esqueça do que está a dizer!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Essa angústia, felizmente, desapareceu da sociedade portuguesa e hoje as
famílias encaram o seu futuro com confiança.
Aplausos do PS.
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É por isso que os jovens hoje não têm dúvidas de que vale a pena investir na sua educação, já que o modelo
de desenvolvimento que temos assenta na qualificação e na inovação, não no empobrecimento ou na
precariedade. Por isso, a mensagem do Governo hoje não é: «Emigrem, se querem futuro». É, pelo contrário:
«Estudem, melhorem as vossas qualificações, porque, assim, podem ter emprego de maior qualidade». Temos
de ter empresas mais inovadoras, que criem emprego de melhor qualidade, para terem mais produtividade e
para termos uma economia mais competitiva.
Aplausos do PS.
É esta mudança de paradigma do modelo de desenvolvimento, é esta mudança da visão de médio prazo
sobre o futuro do País que marcam, de facto, uma fronteira entre o tempo novo, que esta maioria abriu, e o
tempo velho, que encerrou com a velha maioria.
Isso leva a velha maioria a reagir da pior forma, mas aqui, sejamos justos, o PSD reage pior no contexto da
ex-maioria. O CDS ainda faz algum esforço — e hoje, em particular, quero registar isso mesmo — de colocar o
debate em termos de diferenciação política, como é normal, com um diálogo civilizado, correto, não crispado,
mas de confronto de ideias, como é próprio num regime democrático.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Não há paciência!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Infelizmente, este bom exemplo do CDS não é seguido pelo seu antigo parceiro
de coligação que se empenha, pelo contrário, dia a dia, na degradação artificial do clima político existente em
Portugal, do bom clima de diálogo que existe nesta Assembleia da República, onde, pela primeira vez,.…
Aplausos do PS.
…temos uma maioria não só plural, como serena.
E é tão evidente confrontar a serenidade que se vê nas bancadas de Os Verdes, do Bloco de Esquerda, do
PCP, do PS e até do CDS-PP,…
O Sr. João Galamba (PS): — E do PAN!
O Sr. Primeiro-Ministro: — E do PAN!
Aplausos do PS.
… e a exaltação permanente que existe na bancada do PSD!
É altura de se reconciliarem com a vida e, sobretudo, com o País,…
Vozes do PSD: — Oh!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … porque o País anseia pela colaboração e pelo empenho de todos.
É extraordinário ver como a agressividade não é só com o Governo —a mim chamam-me tudo, mas só é
ofendido quem se deixa ofender —, é com o Presidente da Assembleia da República, é até com o Presidente
da República que, para quem, às vezes, ouça a direita falar, até parece que foi o candidato de Os Verdes, do
Bloco de Esquerda, do PCP ou do PS à Presidência da República!
Aplausos do PS.
Há algo de pouco sadio nesta crispação artificial. Bem sei que o PSD tem uma velha tradição de confrontação
e desprezo pelas entidades de controlo e fiscalização.
Risos do PSD.
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Ela remonta aos tempos das forças de bloqueio e continuou, porque todos nos lembramos bem do que é que
o meu antecessor dizia sobre o Tribunal Constitucional durante os quatro anos de guerrilha e confronto
constitucional permanente animados pela anterior maioria.
Aplausos do PS.
E é notável o incómodo que sentem perante a comunicação social livre,…
Protestos do PSD.
…porque sempre que a comunicação social trata de algum tema que é incómodo para a anterior maioria, o
que é que é dito?
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Dizem que são plantadas!
O Sr. Primeiro-Ministro: — O que é dito é que essas notícias são plantadas pelo Governo.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Quem manda SMS aos jornalistas é você!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Como se a comunicação social não fosse um conjunto de entidades livres e
estivessem a ser sujeitas a esse tipo de influência.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Se calhar sabem bem do que falam!
O Sr. Primeiro-Ministro: — É isso! Se calhar sabem do que é que falam!
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — De facto, aqui também houve uma mudança e todas as bancadas deviam
meditar profundamente sobre o editorial do jornal Público do dia seguinte ao último debate quinzenal pela lição
do que é uma imprensa livre, crítica dos poderes vigentes em Portugal e de todos os poderes que governaram
o nosso País.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Devia, devia!
O Sr. Primeiro-Ministro: — É tempo de se habituarem a viver com as entidades fiscalizadoras e de não as
verem sempre como forças de bloqueio,…
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Gostava de saber a quem é que a carapuça assenta!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … porque é na tensão e na confrontação democrática que os países mais
desenvolvidos encontram as melhores condições para o seu desenvolvimento.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — É por isso que, no fundo, todos gostamos de viver em democracia, Dr. Passos
Coelho.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Terminamos, assim, o primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos.
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Vamos passar ao segundo ponto que consiste no debate, com a participação do Primeiro-Ministro,
preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de
Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República, no âmbito do processo de
construção europeia.
Para abrir o debate, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que
agenda do próximo Conselho Europeu já é conhecida, mas aquilo que marcará definitivamente o debate europeu
dos próximos tempos é o Livro Branco sobre o Futuro da Europa, da Comissão Europeia.
Queria saudar a Comissão Europeia pela iniciativa de ter apresentado um Livro Branco. Bem sei que alguns
gostariam de que o Livro fosse fechado, com uma proposta concreta e não com vários cenários em aberto.
A simples existência, no atual contexto, de um Livro Branco com cinco cenários parece-me particularmente
positiva. Em primeiro lugar, porque é um sinal inequívoco da Comissão Europeia de que não se conforma, nem
se deixa paralisar pelas profundas divisões existentes no Conselho, nem pelo calendário eleitoral que vai marcar
vários Estados-membros ao longo deste ano. Em segundo lugar, porque é uma oportunidade de confrontar todos
os responsáveis políticos, toda a sociedade europeia com diferentes cenários alternativos. Por muito bizarros
que possam parecer, a verdade é que nenhum deles deixa de ter defensores à mesa dos 27 Estados que
pretendem permanecer na União Europeia.
Entendemos que o Livro Branco deve partir do diagnóstico que é feito, que é claro e corajoso, e as respostas
que temos de dar têm de estar à altura deste diagnóstico do qual sublinho, em particular, algo que me parece
muito positivo: pela primeira vez é claramente assumido não só a necessidade de completar a União Económica
e Monetária, mas também de relançar a convergência económica e social como condição da própria
sustentabilidade do euro.
Ora, se este é o diagnóstico, a terapêutica tem de ser consequente e não é possível termos uma evolução
da União Europeia que não tenha a convergência económica, o combate à periferização como uma pedra
fundamental do seu futuro.
Há cerca de 20 anos, quando foi batizado o euro como nome da moeda única, o então Primeiro-Ministro,
António Guterres, teve oportunidade de parafrasear a Bíblia dizendo: «Euro, tu és euro e sobre ti construiremos
o futuro da Europa».
Para nós é claro que, se queremos que o euro seja a base do futuro da Europa, não é possível construir nada
sobre o euro sem previamente o consolidarmos. Para termos um euro consolidado temos de ter uma união
bancária concluída, temos de ter mecanismos de resposta aos choques assimétricos e uma capacidade
orçamental que permita financiar as políticas de convergência. Isso é fundamental para podermos ter uma base
sobre o futuro da Europa.
Os cinco cenários são diferenciados, mas centram-se verdadeiramente em duas perspetivas: uma é a
perspetiva de retrocesso para que a União seja um mero mercado interno que é o cenário dois. Temos uma
segunda perspetiva assente num progresso de mera continuidade, no cenário um, de geometria variável, no
cenário três, e outros cenários de progresso com outro fundamento mais focado, no cenário quatro, e mais
aberto, no cenário cinco.
Como diz a própria Comissão Europeia, nenhum destes cenários é um cenário fechado e o futuro deve,
desejavelmente, permitir combinar o melhor de cada um e evitar o pior que todos têm.
Para nós, é muito claro que o retrocesso é inaceitável. Aquilo de que a Europa precisa, aquilo de que os
cidadãos europeus precisam, aquilo de que a economia europeia precisa não se salva com o retrocesso ao
mero mercado interno.
A simples continuidade é um erro e é um erro perigoso, porque manifestamente fazer mais do mesmo não
nos permite responder aos desafios que carecem de resposta.
A geometria variável pode ser um mal menor, mas é seguramente um caminho perigoso, sobretudo se
assentar em cenários que não são coerentes, permitindo que uns se agrupem em torno do euro, outros em torno
da defesa, outros ainda em torno da segurança interna, sem que haja uma lógica identitária que lhe dê
consistência.
Quanto aos cenários quatro e cinco, obviamente, é preciso ter em conta realisticamente as perspetivas de
evolução. Para nós, é claro, é bom que a Europa se possa focar no essencial e onde apresenta uma mais-valia,
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mas temos de nos entender sobre aquilo que é essencial. Os exemplos dados, a política social, a política de
coesão ou de desenvolvimento regional, são logo três exemplos daquilo de que não podemos prescindir porque
são fundamentais para o futuro da União Europeia.
Por isso, desejaria que nos pudéssemos focar no que é essencial e o que é essencial é podermos ter uma
política social que ajude a União Europeia a contribuir positivamente para regular a globalização e não termos
nem o protecionismo nem o capitalismo desregulado que hoje temos.
Temos de ter uma maior cooperação em política de defesa para fazermos face às ameaças que são externas,
não desvalorizando a componente europeia da NATO e em articulação com ela. Temos de ter mais cooperação
policial e judicial entre os serviços de informações, maior prevenção dos fenómenos de radicalização para
enfrentarmos a ameaça terrorista. Temos de concentrar os nossos esforços para termos um euro sólido, que só
existirá se tivermos uma política de convergência efetiva que assegure estabilidade no conjunto da zona euro.
É por isso que é necessário completar a união bancária, é preciso termos mecanismos de resposta aos
choques assimétricos, é preciso termos uma diminuição dos custos da dívida com a transformação do ESM
(European Stability Mechanism) num verdadeiro fundo monetário europeu.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Necessitamos de ter uma capacidade orçamental própria de forma a podermos
ter mais e melhor investimento que permita retomar a convergência.
Portanto, o que é que temos de fazer? Temos de debater com espírito aberto, temos de reafirmar a nossa
vontade de reforçar a Europa, de não recuar, temos de afirmar a nossa vontade de nos focar no que é
essencial,…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — … mas não nos enganarmos sobre o que é essencial e o que é essencial é
termos mais convergência, com mais direitos sociais, com um euro que seja, efetivamente, mais plural para
servir a prosperidade partilhada entre todos os Estados-membros.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Morgado, do PSD.
O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Ouvindo
a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro e olhando para o projeto de conclusões da próxima reunião do Conselho
Europeu, diria que a conclusão — e dado que o Sr. Primeiro-Ministro não deu importância nenhuma à próxima
reunião do Conselho Europeu — é a de que este Conselho Europeu é meramente para cumprir calendário. Aliás,
olhando para o projeto de conclusões apenas vemos repisar ideias e decisões previamente tomadas.
É verdade que há uma alusão à conclusão da união bancária, mas remete para o final de 2017 a examinação
de tudo isto e, se olharmos para o documento de suporte do Conselho Europeu, verificamos que utiliza
exatamente a mesma expressão do projeto de conclusões, apontando, na união bancária, para uma redução e
partilha de riscos do sistema financeiro.
O documento de suporte concretiza e fala mesmo na criação de um mecanismo de garantia de depósitos.
Só que o projeto de conclusões não o menciona, pelo que podemos concluir que estamos perante mais um
retrocesso, como temos visto no último ano.
Posso estar desatualizado, porque o único projeto de conclusões que pude consultar o foi o que veio
referenciado na imprensa europeia. O Governo deve ter-se esquecido de enviar para os partidos o projeto de
conclusões, mas quando se fala no envolvimento dos parlamentos nacionais na discussão europeia estes
pequenos detalhes são importantes e, portanto, apelava ao Governo que compense esta amnésia permanente
e que passe a enviar atempadamente aos partidos o projeto de conclusões do Conselho Europeu.
Ainda sou do tempo em que a grande ameaça que se dizia pairar sobre o futuro da União Europeia era a da
criação de um diretório, um diretório informal. Como o Primeiro-Ministro fez questão de mencionar, o Livro
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Branco e, sobretudo, a reunião que teve lugar esta semana entre os chefes de Estado e de governo — italianos,
franceses, alemão e espanhol —, vista daqui, de Portugal, leva-nos a pensar que o que aconteceu em Versalhes,
se não é a criação de um diretório, é algo muito parecido. E, ironia das ironias, o Primeiro-Ministro anda tão
atarefado a reunir com os países do sul e, veja-se bem, os três maiores países do sul foram a correr juntar-se à
Alemanha para a formação desse diretório.
O que é que disse esse diretório esta semana? Disse que a Europa precisa de caminhar a várias velocidades.
É muito importante perceber o que isto significa.
Admito que esta indefinição tenha até afetado o Governo. Ainda ontem, o Ministro das Finanças dizia que
Portugal rejeitava uma Europa a várias velocidades, e não muitos minutos depois, o Primeiro-Ministro fazia uma
declaração contrária, a dizer que Portugal, afinal, não temia uma Europa a várias velocidades e até queria estar
no pelotão de um projeto desse tipo.
Esta indefinição tem de ser sanada, por uma razão muito simples: uma Europa a duas velocidades, ou a
várias velocidades, já existe. Existe entre os países que pertencem à união monetária e os que não pertencem;
entre os que pertencem ao espaço Schengen e os que não pertencem; entre os que têm e os que não têm
cláusulas de opt-out. Portanto, é preciso saber o que isto traz de novo.
É o apelo a uma utilização mais intensa do mecanismo de cooperação reforçada? Bem, há iniciativas no
contexto da cooperação reforçada, como, por exemplo, a instituição de uma taxa sobre transações financeiras,
que já foi levada a cabo há uns anos e, aparentemente, está parada. É de supor que esta Europa a várias
velocidades seja para ser travada dentro da zona euro? Mas isso seria um desenvolvimento não só indesejável,
mas perigoso, porque levaria à fragmentação e não a uma maior unidade da Europa. Aliás, isso seria a
verdadeira Europa à la carte, e foi esse o título utilizado por alguma imprensa, sobretudo francesa, no rescaldo
da cimeira do tal diretório.
Não nos podemos esquecer que essa seria a posição mais contraditória que a União Europeia poderia ter,
na medida em que, quando o Reino Unido andou a fazer as várias negociações para preparar o referendo sobre
a sua saída ou não da União Europeia, andámos a dizer-lhe que ele não poderia ter uma Europa à la carte. E
agora vem um diretório dizer-nos que, se calhar, é esse o caminho. É preciso definir, com muito cuidado, o que
é que isto quer dizer.
O diretório só foi explícito numa questão, a da defesa, e aqui é preciso acrescentar já que uma união da
defesa que queira substitui-se ao pilar da NATO, desistindo da relação transatlântica, não será uma união de
defesa, mas uma união de fraqueza. Portanto, se for essa a intenção, também teremos de rejeitar esse projeto.
Mas o Sr. Primeiro-Ministro disse que queria estar no pelotão da frente, o que quer que significasse esta
coisa da Europa a várias velocidades. Aliás, essa é a prática da política portuguesa, praticamente desde que
aderimos à CEE, estarmos no pelotão da frente da integração europeia. Portanto, haveria aqui apenas uma
mera continuidade.
Vale a pena dizer que temos de ser muito cautelosos se o desejo de pertencer ao pelotão da frente
representar, para o futuro, colocar o País perante uma escolha falsa e essa escolha falsa é entre o retrocesso
da integração ou a construção de um superestado federal. Quanto a isso temos de dizer já que essa escolha é
falsa.
Voltamos a dizer o que já dissemos na sexta-feira, no debate em que esteve presente o Sr. Ministro dos
Negócios Estrangeiros: «A Europa tem de prosseguir o caminho do justo meio entre o retrocesso e a construção
do superestado federal, um justo meio de integração realista». Sabemos exatamente quais são os problemas
concretos dos europeus, quais são as melhores soluções para os debelar, sabemos quais são as necessidades
amplamente diagnosticadas e discutidas e é para aí que temos de caminhar.
Se, no futuro, a cimeira do diretório vier a revelar-se, afinal de contas e apenas, uma fuga para a frente — é
preciso perceber que uma fuga para a frente é sempre uma fuga —, a imagem que se quis deixar transparecer,
uma imagem salutar de força e confiança, será não de força e de confiança, mas apenas de desconfiança, de
ressentimento e de fraqueza.
Pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro se concorda com o PSD nesta visão de todo este problema.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins, do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: De facto, ninguém leva a sério as
promessas de renascimento da Europa, pois não?
Temos um Livro Branco com cinco cenários que, de facto, foram criados para que todos aceitássemos um
deles. Ou seja, Jean-Claude Juncker pensou muito sobre a situação da Europa, viu que o motor estava avariado
e decidiu que era melhor falar da caixa de velocidades, para não olhar para nenhum dos problemas que
verdadeiramente existem na Europa.
A coisa é de tal forma caricata que depois temos Angela Merkel em eleições, Hollande que vai deixar de ser
primeiro-ministro, um silencioso Rajoy e um primeiro-ministro italiano de passagem, que se juntam e dizem:
«Não, não vamos falar de nenhum dos problemas, o que vamos falar é de velocidades». Velocidades, para
onde?
Tudo isto é de tal forma caricato que, mesmo em Portugal, num dia o Ministro Centeno diz que nunca aceitará
uma Europa a várias velocidades e no dia seguinte o Sr. Primeiro-Ministro diz que quer estar no pelotão da
frente.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Mas o Ministro Centeno é sempre assim!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Estas contradições só são possíveis e ninguém se espanta porque, de facto,
ninguém leva a sério o discurso sobre o renascimento da Europa.
Mas nós, no Bloco de Esquerda, levamos muito a sério este discurso e o que está a ser proposto. Não pelos
cenários que estão em cima da mesa, mas pelo que eles significam, pelo que, na verdade, politicamente está
em cima da mesa. E politicamente, o problema não são os cinco cenários de que nos falam. Politicamente, o
que isto significa é que a Europa prepara-se para acabar com os fundos de coesão, é formalmente o anúncio
da Europa da divergência e também a afirmação de que o único discurso que junta chefes de Estado da Europa,
hoje, é o discurso securitário, ou seja, que a Europa se rendeu ao discurso de Donald Trump. É isso que vai
estar em cima da mesa na cimeira e é isso que é preocupante.
Senão vejamos: quando o centro, dizem-nos, são as questões da segurança e vemos o que querem fazer
na Diretiva de Retorno, no momento em que se deveriam comemorar 60 anos de alguma ideia que alguns, pelo
menos, acreditaram que seria fundadora de uma Europa de paz, uma Europa que deveria ter aprendido com as
guerras, uma Europa que tantos refugiados teve, temos a tristeza imensa de ver que tudo o que faz é juntar-se
para dizer que a Diretiva de Retorno deve ser implementada da forma mais cruel, ou seja, mantendo os
refugiados e refugiadas nos centros de detenção até eles serem repatriados, incluindo crianças, incluindo
menores desacompanhados. Há lá forma mais cruel de a Europa se juntar, depois das décadas em que deveria
ter aprendido com a guerra, do que se juntar para dizer que, afinal, guerra é a palavra que conhece e o que quer
é mandar embora todos os refugiados e refugiadas que fogem da guerra?!
Aplausos do BE.
Temos famílias inteiras em campos de refugiados, menores desacompanhados e a Europa junta-se para
dizer: «Deixem-nos estar em centros de detenção até serem mandados voltar para trás, para a guerra de onde
fugiram, para a fome de onde fugiram».
É a maior vergonha e a maior desintegração de qualquer projeto de paz na Europa, porque a Europa não
estará seguramente em paz se achar que a guerra é o caminho normal de todos os seus vizinhos.
Sr. Primeiro-Ministro, esta Europa a várias velocidades, entendamo-nos, significa que a ideia da
convergência não existe, morreu! Os fundos de coesão vão acabar, é esse o caminho. O que nos estão a dizer
agora é que Portugal cumpre metas de défice impossíveis, não reestrutura a dívida porque a Europa não quer
e ainda quer ficar num pelotão da frente, em que não há fundos de coesão. Onde é que há investimento? Mas
ficamos sempre com as piores partes da Europa?!
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Se há alguma coisa que o euro nos deve ter ensinado é que ficar no pelotão da frente significou para Portugal
empobrecimento, endividamento e privatizações. E quando temos, em cinco cenários, a ausência completa da
expressão «Estado social», devemos perceber que este pelotão da frente não nos serve, seguramente.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — O que o euro nos ensinou até agora é que querer «dar passos maiores do
que a perna» não é avançar mais depressa, é espalharmo-nos ao comprido.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, pelotão da frente? Europa a várias velocidades? Vamos mesmo entrar no
campeonato do correr para o fundo, quando a Europa corre para o abismo. Queremos mesmo ir à frente?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Sr. Primeiro-Ministro, antes de mais, permita-me só que faça uma breve consideração sobre o comentário que
o senhor há pouco fez sobre a comunicação social.
O Primeiro-Ministro que comenta isso sobre a comunicação social é o mesmo que enviava SMS polémicas
a diretores-adjuntos do jornal Expresso?
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Ora bem!
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — O Primeiro-Ministro que hoje fala de editoriais é o mesmo que teve
um editorial dirigido exatamente a si, que tinha como título É a liberdade, António Costa?
Mais uma vez percebemos que para este Governo o problema é sempre o mensageiro. Não é, Sr. Primeiro-
Ministro. O problema, para a bancada do CDS, é quem passa as notícias e quem tenta colocá-las. Não consta
que alguma vez, na bancada do CDS, alguém tenha enviado umSMS a um jornalista a fazer pressão ou uma
ameaça.
Risos do PCP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Vocês são uns artistas!
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Permita-me agora, Sr. Primeiro-Ministro, falar mais concretamente
sobre o Conselho Europeu que vai realizar-se a partir de amanhã. É um Conselho que acontece numa altura
muito delicada para a Europa, confrontado com o fenómeno do Brexit, com uma crise humanitária de refugiados,
à qual a Europa ainda não conseguiu dar resposta, confrontado com um problema muito sério à sua segurança
— temos terrorismo dentro da nossa fronteira —, confrontado com um problema sério da crise do euro, cuja
arquitetura ainda não está fechada e isso está a dificultar, e muito, o crescimento das economias europeias, o
financiamento das economias europeias mas, muito especialmente, da economia portuguesa, e é também a
primeira reunião depois da apresentação do Livro Branco sobre o Futuro da União Europeia.
Quero dizer-lhe, muito claramente, que esta discussão sobre o Livro Branco não pode significar o adiamento
de decisões vitais para Portugal e para a Europa, como, por exemplo, a da conclusão da União Económica e
Monetária, muito especialmente do mecanismo de supervisão dos depósitos, que é fundamental para voltar a
dar confiança à banca e, acima de tudo, permitir que o sistema bancário possa virar-se mais para o
financiamento da nossa economia.
Reconhecemos, certamente, pelo menos, o mérito — até para sermos simpáticos — de este Livro Branco
chamar à colação a discussão entre todos os europeus. Certamente que isso poderá ter o seu mérito, mas não
pode é significar o adiamento, por mais nove meses, de decisões que já estão tomadas e que têm de ser
asseguradas, porque são vitais para o dia a dia dos europeus em Portugal, em Espanha e em todos os países
da Europa.
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Sabemos que a crise da zona euro foi dolorosa e a sua resolução não é nada que possamos dar por definitiva.
Gerou, aliás, uma fratura cultural e política entre o que muitas vezes se designa, de forma simplista, por países
do sul e países do norte da Europa e, acima de tudo, minou a confiança como uma função básica na Europa
entre os Estados-membros.
Por isso mesmo, como alguém há pouco sustentava o que a Europa agora precisa é de alinhar as
expectativas com a realidade, e é nesse equilíbrio que as respostas políticas que precisamos têm de ser
encontradas. Como dizia há pouco, garantir efetivamente as medidas que já estão acordadas, mas que ainda
não estão realizadas: concretizar a União económica e monetária, designadamente o sistema europeu de seguro
de depósitos, que é fundamental para aumentar o financiamento da economia; garantir a troca de informações
entre os serviços de segurança dos Estados-membros; aumentar o prazo e o montante do Plano Juncker;
promover mais iniciativas a nível europeu que possam ajudar os Estados-membros a contrariar as elevadas
taxas de desemprego, especialmente o desemprego jovem e o desemprego de longa duração; ou restaurar o
sistema de Schengen.
Quero, por isso mesmo, Sr. Primeiro-Ministro, fazer-lhe duas perguntas muito focadas. A primeira pergunta
tem a ver com o que está previsto no programa de trabalho da Comissão para 2017, a saber, a iniciativa para a
juventude, conhecida como Iniciativa Emprego Jovem. Gostaria de saber que progressos é que o Governo quer
registar já este ano com a implementação desta iniciativa e se o Governo prevê, de alguma forma, o reforço
deste plano para dinamizar o apoio a desempregados de longa duração.
Depois quero também sinalizar a urgência de reforçarmos as interconexões de gás e de eletricidade, cujo
adiamento continua a ser muito prejudicial para Portugal e para Espanha, mas falo sobretudo do caso português.
Que progressos é que se realizaram desde a última vez que este assunto esteve em cima da mesa do Conselho
e, na lógica do mercado único, o que é que o Governo vai dizer sobre esta matéria no Conselho de amanhã?
A última pergunta, Sr. Primeiro-Ministro, tem a ver com o quadro de segurança de que V. Ex.ª falou. Uma
das matérias que está neste momento em cima da mesa é a execução de um plano concreto sobre segurança
e defesa. E o Presidente Juncker anunciou um Fundo Europeu de Defesa, que seria financiado em cerca de
5500 milhões de euros, cabendo 500 milhões de euros à União e 5000 milhões de euros aos Estados-membros.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Concluo já, Sr. Presidente.
A minha pergunta é a seguinte: qual vai ser o critério adotado para definir o patamar cooperativo entre os
Estados? A Portugal, se o critério for o critério europeu, caberia uma fatia de 60 milhões de euros por ano, o
que, somado ao que nós já contribuímos para a Agência Europeia de Defesa, daria um valor até superior ao
valor com o qual contribuímos para a NATO.
Nesse sentido, pergunto-lhe qual é o critério da participação de cada um dos Estados-membros.
Aplausos do CDS-PP.1
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs.
Deputados: Perante as enormíssimas e crescentes contradições que a União Europeia carrega no seu bojo, o
que é cada vez mais difícil de esconder, o projeto de conclusões do Conselho apresenta a velha insistência nas
mesmas receitas de sempre, cada vez mais em rota de colisão com as necessidades do nosso País e os direitos
do nosso povo.
Este rumo não tem futuro. Podem lançar-se livros brancos e podem fazer-se cimeiras de poderosos para
tentar forçar este caminho, mas não será assim que se resolverão os problemas dos povos. E muito menos com
a manutenção do euro e da União Económica e Monetária que servem os interesses dos países mais poderosos,
mas afundam países como Portugal. E menos ainda com a ideia de uma Europa a várias velocidades e dos
pelotões da frente, que já no passado foram invocados, nomeadamente, a propósito do euro, e que apenas
serviram para que Portugal fosse colocado na linha da frente da liquidação de direitos sociais, do
empobrecimento e do agravamento da dependência externa.
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Nos cinco cenários apresentados pela Comissão, falta um. E esse é o cenário da rotura com uma União
Europeia cada vez mais contrária aos interesses de Portugal, do nosso povo e de todos os povos da Europa. É
o cenário da libertação de Portugal da submissão ao euro e da recuperação da nossa soberania.
É nesse sexto cenário que reside o futuro de uma Europa de paz, cooperação e solidariedade, e não uma
União Europeia de exploração, retrocesso, imposição e guerra.
Veja-se a opção que é feita no projeto de conclusões do Conselho quanto ao que é considerado urgente e
ao que é adiado. Aposta-se no militarismo e na deriva securitária, enquanto os problemas económicos e sociais,
que atingem os países e os povos, são adiados para as calendas. Está lá escrito: corra-se no aumento dos
gastos militares e na operacionalização da chamada «estratégia global militarista» da União Europeia, mas adie-
se para novembro a discussão sobre crescimento e empregos justos.
Quase que poderíamos resumir o projeto de conclusões do Conselho Europeu numa única frase: pouco ou
nada de novo e, no que é novo, mais do mesmo ou pior ainda.
Desde logo, no que toca às questões económicas e sociais, o Conselho Europeu irá aprovar as linhas de
política económica da zona euro e as ditas «recomendações e prioridades para os planos nacionais de
reformas» e para os ditos «programas de estabilidade e convergência», ou seja, a bateria de chantagem e
imposição que bem conhecemos.
O projeto de conclusões repete ainda a ladainha da necessidade das reformas estruturais, do
aprofundamento do mercado único, nomeadamente do mercado único digital, e da finalização da união bancária.
Sobre a união bancária, Sr. Primeiro-Ministro, a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e a recente
discussão sobre o Governador do Banco de Portugal demonstram bem quais os verdadeiros objetivos por detrás
deste processo de concentração do sistema financeiro no plano europeu e confirmam e necessidade de
recuperarmos a nossa soberania monetária, e também na supervisão bancária, colocando sob controlo nacional
o Banco de Portugal, que está transformado numa sucursal do Banco Central Europeu.
A união bancária não pretende tão-pouco prevenir que sejam os cidadãos a pagar os buracos da banca.
Veja-se a recente proposta da autoridade bancária europeia de criar um veículo financeiro para o crédito
malparado. Além de constatar a falácia que é a união bancária, esta proposta constitui uma nova forma,
complementar à união bancária, de pôr o povo a pagar os desmandos do capital financeiro e os prejuízos da
banca.
Simultaneamente, o Conselho repete a sua profissão de fé nos tratados de livre comércio e saúda a
aprovação do CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement) pelo Parlamento Europeu. Sobre esta
questão, Sr. Primeiro-Ministro, queremos reiterar-lhe a nossa frontal oposição a este acordo, que vai prejudicar
duramente o nosso País em vários sectores económicos nacionais e que é um atentado aos direitos laborais e
sociais dos portugueses. É um desrespeito pela democracia e a soberania nacional dar acordo à entrada em
vigor do CETA, sem o necessário processo de ratificação.
Duas últimas notas sobre o tão falado reforço do Plano Juncker. A primeira é que nem uma palavra sobre o
orçamento da União Europeia, em ano de revisão intercalar; e a segunda é que os fundos europeus se mantêm
no seu mínimo histórico. E as perguntas são inevitáveis: está o Governo de acordo com as regras do Plano
Juncker? Concorda com a subjugação dos parcos recursos da coesão a planos, como o Juncker, orientados
para as PPP (parcerias público-privadas) e para instrumentos financeiros que beneficiam, em primeiro lugar, os
mesmos de sempre? E como é que explica as teses fantasiosas sobre capacidade orçamental da zona euro,
quando o silêncio sobre o orçamento é de chumbo?
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo e Srs.
Deputados, concluo, dizendo que estas são questões a que o Governo deve dar resposta, mas que não podem
fazer esquecer a questão de fundo, a da construção de uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos, uma
Europa de paz, cooperação e solidariedade.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
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A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, acho que, neste debate,
valeria a pena reafirmar um desafio feito por um colíder de Os Verdes europeus. O desafio era justamente o de
tentar perceber o quanto este Livro Branco poderá entusiasmar os cidadãos dos diversos países da União
Europeia. E parece que a resposta é óbvia: não entusiasma. É que as propostas, os desafios, os cenários nele
colocados estão, de facto, distantes da realidade e dos problemas concretos dos cidadãos.
Acho que, à medida que se vão construindo documentos e, infelizmente, políticas e medidas na União
Europeia, esse fosso se vai agravando cada vez mais.
E quando temos, designadamente, propostas ou cenários que vincam uma componente, já aqui referida, de
militarismo, de defesa, de securitarismo, é evidente que isto não diz nada às pessoas. As pessoas procuram
outras soluções para a sua vida concreta e para a sua vivência social e comunitária. E essas respostas a União
Europeia não tem dado ao longo dos anos, nem está disposta a dar.
Por exemplo, o Sr. Primeiro-Ministro vincou muito a questão da convergência económica e social. Mas como,
Sr. Primeiro-Ministro, se aquilo que a União Europeia tem feito é liquidar a nossa produção nacional, a nossa
capacidade de atividade produtiva, designadamente, sustentável? Mas que cambalhota se vai dar para que seja
diferente? Não, não é essa a solução que é proposta!
De facto, aquilo que a União Europeia fez e as políticas que desenvolveu foram justamente no sentido de
cavar mais o fosso das divergências económicas e sociais entre os diversos países da União Europeia.
Em termos da legislação ambiental, não há dúvida de que se produziu muito ao nível da União Europeia, de
que foram transpostas muitas diretivas para lançar um quadro mais robusto em termos da legislação ambiental,
mas, depois, como dissemos noutros debates, uma coisa é a legislação e outra coisa é a prática. Através dos
fundos europeus e da aplicação dos fundos comunitários, o que se fez foram muitas agressões ao ambiente e
à sustentabilidade do território e da vida das pessoas.
Não há qualquer dúvida sobre isso.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino, Sr. Presidente.
Rematando mesmo, e nesta sequência, depois vêm aqueles acordos de livre comércio, como o CETA, por
exemplo, onde se pedem convergências, quando, de facto, aquilo que se propõe são bases de piores salários
e de piores padrões ambientais.
O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Este não é o rumo certo, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs.
Deputados: O projeto de conclusões do Conselho Europeu começa com uma nota de otimismo, sublinhando os
sinais encorajadores das economias dos 28. Os sinais de otimismo não têm sido frequentes nos últimos anos e,
por isso, este merece relevo, não obstante as nuvens negras que pairam sobre os céus europeus, ali para os
lados de França e da Holanda e de outros Estados onde surtos populistas toldam os processos democráticos.
Portugal e o Governo português contribuem, sem dúvida, para esse otimismo, como ficou patente no debate
de hoje de manhã.
Todavia, para que tal otimismo possa assentar, no futuro, em alicerces sólidos, e não em fatores
circunstanciais, há trabalhos a fazer.
O mais basilar é definir um rumo e um horizonte compreensíveis pelos cidadãos e inequívocos para quem
decide. Um rumo e um horizonte que honrem as raízes da União Europeia e os seus princípios.
A Comissão Europeia apresentou o Livro Branco sobre o Futuro da Europa, que pautará o debate nos
próximos meses — saudamos esse Livro Branco. Os cenários apresentados são claros e diferenciados, mas,
muito possivelmente, o desenho final conjugará contributos de vários deles.
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Quem conhece as posições do Partido Socialista não espera outra coisa a não ser a rejeição da simples
manutenção do status quo, sem arrojo nem visão, e do retrocesso para um mercado comum, abandonando os
objetivos da coesão. Manter o satus quo é aceitar uma União Económica e Monetária incompleta, mais propensa
a acentuar as assimetrias do que a atenuá-las ou a suprimi-las.
A União Europeia deve, portanto, avançar.
Não é impossível que haja geometrias variáveis, com quem quiser ir mais longe em certas áreas, como já
sucede com o euro, o espaço Schengen e a política de defesa ou, no futuro, com o Gabinete do Procurador
Público Europeu.
Mas, como o Sr. Primeiro-Ministro já acentuou, essas geometrias variáveis não podem ser a regra e não
podem obedecer a uma simples lógica de diretório ou de exclusão de Estados-membros, só porque são médios
ou pequenos, ou periféricos, ou têm algumas dificuldades.
E essa União Europeia tem de avançar com equilíbrio entre várias dimensões.
Certamente, a diversificação e acentuação das ameaças internas e externas levam a que muitos cidadãos
exijam da União Europeia maior capacidade para os proteger. Quer ao nível da segurança interna, incluindo o
controlo das fronteiras, quer ao nível da defesa e da política externas, a União Europeia deve dar passos
decisivos para assumir maiores responsabilidades.
Todavia, a evolução futura não pode ser no sentido da concentração nessas funções (que, ao nível interno,
designaríamos como as clássicas funções de soberania), como decorre de um dos cenários do Livro Branco,
esquecendo a vocação da União Europeia para promover coesão, prosperidade e crescimento económico.
A essa luz, o Partido Socialista saúda a decisão da extensão do Plano Juncker, a persistência das políticas
de abertura ao exterior, designadamente através de acordos comerciais (e sublinho aqui o acordo do Canadá e
o do MERCOSUL), bem como a reiterada manifestação da intenção de completar a união bancária, de modo a
que os riscos sejam reduzidos e partilhados e a que o sector financeiro possa cumprir adequadamente o seu
papel financiador e dinamizador do investimento produtivo.
Por outro lado, apoiamos o objetivo de repartição mais equitativa dos benefícios do crescimento e de um pilar
de direitos sociais, realçamos a importância da Cimeira Social de novembro deste ano e insistimos na
necessidade do funcionamento de um mercado de energia totalmente interligado.
Uma Europa mais senhora e segura do seu projeto e do seu rumo é também uma Europa mais capaz de
levar estabilidade às suas fronteiras do leste e do sul e de receber condignamente aqueles que nela procuram
refúgio.
Assinalamos com satisfação que Portugal é um dos Estados-membros que cumpre mais rapidamente e com
qualidade as obrigações que assumiu de recolocação de pessoas provenientes da Grécia e de Itália. Do número
de pessoas que nos comprometemos a receber, 25% já estão entre nós, condignamente alojadas.
Porém, esta é uma pequena gota de água num enorme oceano. A situação do Mediterrâneo oriental parece
estável, não deixando de ser sintomático que nem sequer haja referências ao acordo com a Turquia no projeto
de conclusões que conhecemos, embora se saiba que esse acordo está a ser cumprido pelas autoridades desse
país com alguma hesitação, mas o Mediterrâneo central vive situações críticas que exigem grande empenho.
Regozijamo-nos pelo facto de a Presidência maltesa, a primeira de um país do sul da Europa desde o início de
2015, ter potenciado algumas iniciativas que permitem acorrer a questões vitais na relação da União Europeia
com o sul.
Sr. Primeiro-Ministro, deixo uma última palavra para um tema que, porventura, terá desenvolvimentos neste
Conselho Europeu, o tema da designação do presidente do Conselho Europeu.
O Partido Socialista preza a estabilidade, independentemente de posicionamentos político-partidários. Mas,
se não for possível dar esse sinal de estabilidade, é vital que a Europa escolha um estadista para o exercício
das funções de presidente do Conselho Europeu, alguém com peso institucional, internacionalmente
reconhecido, com experiência na condução dos destinos de um Estado-membro e sem aspirações imediatas a
um papel relevante na vida interna do seu país.
Em última análise, Sr. Primeiro-Ministro, é vital que seja sempre, mas sempre, um intérprete empenhado no
projeto europeu e capaz de contribuir para os enormes trabalhos que a Europa tem pela frente.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vou centrar-me nas questões que me
parecem ser as mais relevantes.
Se não fosse Primeiro-Ministro, provavelmente socorrer-me-ia do mesmo vocabulário que o Sr. Deputado
Miguel Morgado usou na forma como qualificou este Conselho. Por isso, procurei centrar a minha intervenção
naquilo que me parece essencial debatermos hoje, o Livro Branco que a Comissão Europeia pôs em cima da
mesa, convidando toda a opinião pública a debatê-lo.
Em primeiro lugar, queria dizer que considero ser muito importante neste momento que, em diferentes
formatos, os Estados-membros procurem aprofundar o diálogo. Registo, aliás, com muita satisfação que, depois
de termos feito a segunda edição da cimeira dos países do sul, que o PSD tanto desvalorizou, tenha sido
requalificada como diretório uma reunião de quatro Estados-membros, três dos quais participaram precisamente
na cimeira dos países do sul.
Protestos do Deputado do PSD Miguel Morgado.
Percebo, portanto, que os países do sul, ou seja, a França, a Itália e a Espanha, quando vêm a Lisboa são
Estados menores, quando recebem a Sr.ª Merkel em Paris já são um verdadeiro diretório. Está definida a visão
do PSD sobre os relacionamentos entre Estados.
Aplausos do PS.
O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Tem é de pensar nas suas próprias palavras!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Aquilo que registo como positivo desta reunião é que foi defendida uma
geometria variável mas aberta, tendo vários dos participantes dito expressamente que não visam excluir
ninguém e, designadamente, não visam excluir Portugal. Ainda ontem pudemos ouvir o Ministro da Economia e
das Finanças da França dizer aqui, em Lisboa, que Portugal é muito bem-vindo.
Gostaria de ser claro, repetindo o que disse há pouco: uma Europa de geometria variável pode ser um mal
menor, mas é sempre um perigo. E é um mal menor porque tem um efeito potencialmente dissolvente, que é
tanto mais dissolvente quanto menos coerência essa geometria tenha e haja uns Estados que se agrupam no
euro, outros Estados que se agrupam na segurança e na defesa, outros Estados que se agrupam noutras
matérias. Mas não posso ignorar que, entre os Estados-membros, há hoje Estados que não só não querem
avançar, como querem mesmo recuar, e ou ficamos num bloqueio total ou abrimos uma porta para podermos
avançar. Eu prefiro, obviamente, que haja uma porta em que possamos avançar todos; não podendo avançar
todos, acho que deviam poder avançar aqueles que querem.
Aquilo que eu disse — e utilizei precisamente uma velha expressão cavaquista para ficar claro que não
estava a dizer nada de novo — foi que a estratégia de Portugal tem sido estar no pelotão da frente, estar sempre
naquilo que também podemos designar por núcleo duro, a linha da frente do avanço e do progresso na União
Europeia.
Há quem diga que estamos a correr para o abismo, mas temos é de fugir de correr para o abismo. Recuso-
me a conformar-me com a ideia de que a Europa está condenada e acho que nos devemos empenhar em não
deixar de procurar salvar aquela que foi a criação mais importante que o ser humano produziu à escala global
nos últimos 60 anos e que foi garante de 60 anos de paz e de prosperidade num continente que, durante séculos,
foi dividido pela guerra.
Aplausos do PS.
Não sei, no meu melhor otimismo, se posso ter a certeza, daqui a 10 anos, de que tenhamos tido resultados
a salvar a Europa. Mas uma coisa da qual não tenho dúvidas é que hoje não temos o direito de desistir de tentar
salvar a Europa.
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E o que é que significa salvar a Europa? Significa, de facto, recusar essa Europa da divergência. Por isso,
em todos os cenários, a eliminação dos fundos de coesão e a não inclusão em nenhum deles — ou melhor, num
dos cenários isso prevê-se, efetivamente — da dotação de uma capacidade orçamental própria da zona euro
que permita financiar a convergência é um cenário que não podemos aceitar, mas é incrementar um cenário
que é fundamental para podermos salvar a Europa.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Apostar no Fundo Europeu de Desenvolvimento para África, fazer acordos com
os países que estão na origem dos fenómenos migratórios, contribuindo para a paz, para a democracia e para
o desenvolvimento como condição essencial para atacar na raiz esses fenómenos migratórios, é, sim, uma
política fundamental para a qual precisamos da Europa.
Como é que teríamos uma agenda climática sem a União Europeia? Como é que poderíamos ter um comércio
mundial mais justo se cada país negociasse, individualmente, com as grandes potências? Não teríamos! Temos
de ter uma União Europeia com uma capacidade efetiva de ter uma política comercial que permita, à escala
global, regular a globalização e contribuir para criar condições para termos um mecanismo de comércio
internacional mais justo.
Não confundimos aquelas que são as posições de alguns Estados-membros, e até algumas recomendações
de alguns comissários, com a política de refugiados que queremos defender, que defendemos e que pomos em
prática, e é nessa que, verdadeiramente, temos de nos concentrar.
Portanto, insisto na ideia de que a Europa que queremos deve ser uma Europa o mais ampla possível, uma
Europa o mais participada possível, o mais democraticamente controlada possível, mas também não deve ser
uma Europa que seja uma fuga para a frente, uma Europa que dê um passo maior do que a perna. Por isso,
tenho insistido que não podemos avançar com novas ambições, designadamente na área da defesa, sem
previamente resolvermos o que está por resolver. E o que está por resolver de essencial, o grande elefante que
não podemos fingir que não está dentro da sala, tem mesmo a ver com a União Económica e Monetária e com
a necessidade de convergência, nas suas diferentes vertentes.
Claro que é necessário completar a união bancária e, para completar a união bancária, é necessário,
designadamente, um fundo de garantia comum de depósitos. É evidente que não teremos nunca estabilidade
no conjunto da zona euro se a divergência económica e social continuar a aprofundar-se e se não fizermos o
esforço de diminuir as divergências e retomarmos uma trajetória de convergência, o que implica uma nova
política e uma nova visão. É evidente que, para nós, não há verdadeiramente União Económica sem uma Europa
social, mas a Europa social não só não está morta como dá sinais de vida.
O Parlamento Europeu aprovou recentemente — uma aprovação, aliás, que dividiu o PPE (Partido Popular
Europeu) — um relatório da Deputada Maria João Rodrigues sobre o pilar social da união económica e social.
Vamos ter em novembro, em Gotemburgo, por iniciativa do Governo sueco com o apoio da Comissão, uma
cimeira precisamente sobre a política social.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Para lá do Livro Branco, a Comissão Europeia comprometeu-se a declinar até
junho, num conjunto de documentos sectoriais, áreas sectoriais da maior importância, desde o pilar social àquilo
que deve ser o futuro da União Económica e Monetária e da política de convergência.
Portanto, não passamos um cheque em branco ao Livro Branco, mas participamos de uma forma construtiva,
positiva neste debate. Não renunciamos à partida a tentar salvar a Europa deste caminho que a conduzirá ao
abismo se não fizer as reformas de que necessita para poder voltar a ser um espaço de paz e de prosperidade
partilhada para todos os povos europeus.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Damos, assim, por encerrado o debate preparatório do Conselho Europeu, com a
participação do Sr. Primeiro-Ministro.
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Do terceiro ponto da ordem de trabalhos consta a apreciação do Relatório sobre o Progresso da Igualdade
entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional — 2015, juntamente, na
generalidade, com os projetos de lei n.os 214/XIII (1.ª) — Reforça a licença parental inicial até 210 dias, alarga o
período de licença parental em caso de nascimento prematuro e estende a dispensa para amamentação e
aleitação ao acompanhamento à criança até aos três anos de idade, promovendo uma alteração ao Código do
Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (Os Verdes), 344/XIII (2.ª) — Protege a trabalhadora
grávida, puérpera ou lactante no período experimental, tornando obrigatório parecer prévio da CITE em caso de
denúncia do contrato de trabalho por parte da entidade empregadora (BE), 354/XIII (2.ª) — Reforça a proteção
das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes e de trabalhadores no gozo de licença parental e procede à
alteração do Código do Trabalho e da Lei do Trabalho em Funções Públicas (PCP), 430/XIII (2.ª) — Aprova
medidas de transparência com vista à eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD)
e 431/XIII — Procede à 11.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho,
flexibilizando a licença parental exclusiva do pai e alargando o gozo da licença parental complementar e da
licença para assistência a filho aos avós (CDS-PP) e com os projetos de resolução n.os 697/XIII (2.ª) —
Recomenda ao Governo que tome medidas para maior valorização da participação das mulheres nas forças e
serviços de segurança (PCP), 701/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas com vista à
eliminação das desigualdades salariais entre homens e mulheres (PSD), 702/XIII (2.ª) — Recomenda ao
Governo que desenvolva uma política de incentivos para as empresas que promovam a igualdade de género
(CDS-PP), 703/XIII (2.ª) — Flexibilização dos horários das creches através de acordos de cooperação com a
segurança social, incentivos à sua constituição por parte das empresas e promoção de acordos entre
estabelecimentos de infância e entidades empregadoras (CDS-PP), 704/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o
aumento de três para cinco ciclos de tratamentos de procriação medicamente assistida, comparticipados pelo
Serviço Nacional de Saúde (CDS-PP), 711/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo o combate à discriminação das
mulheres e a promoção da igualdade de género nas forças de segurança (BE), 713/XIII (2.ª) — Recomenda ao
Governo a adoção de medidas que promovam a transparência das remunerações com vista à eliminação das
desigualdades salariais entre homens e mulheres (PS) e 715/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de
medidas de promoção da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal (PS).
Relativamente a este ponto, queria deixar umas breves palavras de introdução.
Celebra-se hoje mais um Dia Internacional da Mulher, que não é um dia como os outros, muito menos um
tema como os outros. Estamos a falar de uma questão civilizacional, do direito à igualdade, ao reconhecimento,
à emancipação de metade da Humanidade. Claro que avançámos muito em matéria de igualdade desde o 25
de Abril. Mal fora que assim não fosse ao fim de mais de 40 anos de democracia.
Assinalamos hoje mesmo os 40 anos da reforma do Código Civil que estabeleceu a igualdade entre a mulher
e o homem na família, mas nunca podemos dar por adquiridos os direitos conquistados, temos de lhes dar
tradução prática e temos de os defender no espaço público contra as recorrentes dinâmicas do preconceito. Em
matéria de igualdade, uma coisa é a igualdade perante a lei, que é muito importante, outra coisa é a
concretização do espírito da lei na realidade social.
É esse o desafio com que hoje nos confrontamos. Há muito caminho a trilhar no que se refere à igualdade
entre a mulher e o homem, não apenas na família mas também no emprego, nas relações laborais e salariais
ou no acesso a cargos dirigentes, em particular no setor privado.
Temos hoje em discussão um conjunto de matérias muito relevantes para a causa da igualdade, da iniciativa
dos diferentes grupos parlamentares. Julgo que é com este espírito de iniciativa que honramos a causa da
igualdade, uma causa da democracia e dos direitos humanos que honra o Parlamento e os parlamentares.
Vamos, pois, entrar no terceiro ponto da ordem do dia.
Para uma primeira intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego, Miguel Cabrita.
O Sr. Secretário de Estado do Emprego (Miguel Cabrita): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O
Governo apresenta hoje a esta Assembleia um Relatório, ao abrigo da Lei n.º 10/2001, que integra o contributo
de diferentes organismos que, de maneira direta ou indireta, desenvolvem atividade relevante na promoção da
igualdade entre homens e mulheres no emprego e no mercado de trabalho.
Gostaria de dirigir uma palavra especial à CIG (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género), que
faz agora 40 anos de existência, e à CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego), em relação
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à qual vale a pena sublinhar a importância de ser um órgão colegial tripartido e de ter como missão precisamente
estas áreas.
Aplausos do PS e do BE.
Reúne-se anualmente neste Relatório um conjunto de indicadores para avaliar os progressos da igualdade
no mercado de trabalho em Portugal. O Relatório em apreciação demonstra que continuamos a ter assimetrias
muito significativas, é certo que com progressos, mas são progressos que ainda revelam insuficiências perante
as quais não podemos cruzar os braços, desde logo na representação nos órgãos de administração de
empresas. De facto, esta proporção tem vindo a aumentar, de 4% em 2003 para 13% em 2015. É um avanço
relevante, mas, com uma base de partida quase residual, estamos ainda muito longe de ter um equilíbrio. É
também esse o caso da desigualdade salarial. Apesar das mudanças, as mulheres continuam a ter salários
médios inferiores aos dos homens, um padrão que não pode deixar de nos preocupar.
Matérias como a igualdade e a não discriminação são questões que, juridicamente, quer em termos nacionais
quer em termos internacionais, há muito que estão resolvidas, mas as disparidades, na prática, continuam a
existir. Verificamos que a remuneração média mensal base no setor privado diminuiu ligeiramente de 2013 para
2014, mas que se manteve inalterada em 2015, segundo dados publicados já depois deste Relatório, não tendo
havido, pois, progressão.
Mais: quando olhamos para 2014, percebemos que a diminuição das desigualdades esteve relacionada com
o facto de o ajustamento salarial em baixa ter incidido com mais acuidade nos homens. Os salários dos homens
diminuíram 0,9% em 2014, enquanto os das mulheres sofreram uma diminuição de 0,5%. Os salários foram
menos desiguais, mas mais baixos para todos e para todas.
Mais ainda: quando olhamos para os dados do Eurostat, Portugal revela um aumento dos padrões de
desigualdade de género nas empresas com 10 ou mais trabalhadores, uma tendência diversa daquela que
encontramos ao nível europeu.
Sabemos que o tecido empresarial português é constituído sobretudo por microempresas que têm níveis
salariais mais baixos e também uma maior incidência de trabalhadores com o salário mínimo. É por isso que o
aumento do salário mínimo é uma aposta importante para que a igualdade se promova, não na redução de
salários, mas no aumento dos salários, em particular dos mais baixos, porque a proporção de mulheres
abrangidas pelo salário mínimo é muito superior à dos homens e o aumento do salário mínimo promove a
igualdade da elevação de níveis salariais logo pela base.
Por outro lado, temos ainda questões relevantes de disparidades e de segregação profissional em diferentes
setores. Há, ainda, um significativo desequilíbrio que viola os valores da meritocracia e da equidade, centrais
nas sociedades democráticas.
Precisamos de corrigir estes desequilíbrios através de uma estratégia global, desde logo com maior equidade
nos percursos de educação e de formação, porque a segregação profissional só pode ser combatida a partir da
base, desde logo a partir de um trabalho cultural e de sensibilização. Mas também temos de ter instrumentos
concretos e, pelas razões já expostas, o Governo está a dar passos significativos nestas matérias. O aumento
do salário mínimo é absolutamente um fator chave neste trajeto, com os aumentos de 2016 e de 2017, de 5%
em cada ano, a concorrer para mitigar o gap salarial desde a base.
Aplausos da Deputada do PS Sónia Fertuzinhos.
Mas não é apenas na base salarial que temos de falar, temos também de falar no topo das decisões, e é por
isso que o Governo aprovou, recentemente, um regime de representação mais equilibrada de homens e de
mulheres no topo das decisões empresariais, quer seja no setor empresarial do Estado, quer seja nas empresas
cotadas em bolsa.
Esperamos que o Relatório que hoje aqui apresentamos seja uma base importante, uma base útil —
esperamos! — para os debates sobre a igualdade entre homens e mulheres, e queremos melhorá-lo no futuro
de modo a incluir mais e melhor informação que sustente também melhores tomadas de decisão de todos os
atores políticos.
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Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José de Matos Correia.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, do Partido
Ecologista «Os Verdes».
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.
Deputados: Este Relatório sobre o Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego
e na Formação Profissional — 2015 vem demonstrar que no Dia Internacional da Mulher, no ano de 2017, ainda
precisamos muito de discutir as matérias da igualdade e da não discriminação das mulheres.
De facto, elas são ou continuam a ser as maiores vítimas do desemprego, as maiores vítimas da
precariedade, as maiores vítimas dos baixos salários e, em relação a estes, é notória ainda a profunda
desigualdade, para trabalho igual, dos salários entre as mulheres e os homens.
Não há dúvida também que no mundo do trabalho as mulheres são ainda profundamente discriminadas em
função da maternidade, e essa é uma questão absolutamente inconcebível para o Partido Ecologista «Os
Verdes».
Nesse sentido, Os Verdes entenderam assinalar este Dia Internacional da Mulher com a apresentação de
várias iniciativas legislativas, algumas sobre a violência doméstica, que julgo ser uma matéria relativamente à
qual devemos continuar a intervir intensamente, quer ao nível legislativo, quer ao nível administrativo e da
resposta no terreno.
Os Verdes entenderam também juntar a este pacote de propostas que hoje, aqui, são discutidas um diploma
concreto para procurar contribuir para a erradicação da discriminação das mulheres no trabalho em função da
maternidade, justamente numa lógica de promoção de uma maior igualdade entre a mãe e o pai no
acompanhamento das crianças
Nesse sentido, aquilo que Os Verdes propõem é que a licença parental inicial passe para 180 dias, a gozar
pela mãe, garantindo condições para que esta possa amamentar o seu filho durante os primeiros seis meses de
vida.
A Organização Mundial de Saúde aconselha a que, se possível, a alimentação das crianças nos primeiros
seis meses de vida seja feita exclusivamente à base da amamentação, com benefícios evidentes ao nível da
saúde da criança e da mãe. O Estado tem, pois, a obrigação de garantir que a nossa sociedade se organiza,
designadamente ao nível laboral, de modo a permitir essa prerrogativa.
Propomos ainda o alargamento da licença parental gozada pelo pai para 60 dias, 30 dos quais imediatamente
após o nascimento, de modo a envolver ambos os progenitores, de uma forma mais presente, no período que
se segue ao nascimento do filho.
Neste projeto de lei que hoje apresentamos, Os Verdes propõem também que, em caso de nascimento
prematuro, a licença parental seja alargada aos dias de internamento do filho, contando, para efeitos práticos, a
partir do momento em que o bebé tem alta. Julgamos que os bebés prematuros requerem um acompanhamento
muito particular que não pode ser descurado e que requer uma presença forte de ambos os progenitores.
Por fim, o Partido Ecologista «Os Verdes» propõe que a dispensa de duas horas de trabalho, em regra,
atualmente prevista apenas para efeitos de amamentação ou aleitamento seja alargada ao acompanhamento à
criança, independentemente de esta estar a ser amamentada ou aleitada.
A Ordem dos Médicos tem alertado para esta questão, tendo inclusivamente lançado uma petição pública, e
denunciado a forma manifestamente indigna como certas trabalhadoras foram obrigadas a provar que estavam
a amamentar, por via de expressão mamária ou de análises bioquímicas.
A amamentação deve, sempre que possível, ser prolongada para além dos seis meses, já com a introdução
de outros alimentos. Mas, independentemente dessa questão, o acompanhamento da criança até aos três anos,
de uma forma mais presente, por parte de ambos os progenitores, é fundamental para o seu bem-estar e, em
bom rigor, também para o relacionamento mais saudável entre os pais e a crianças.
E, mais do que isso, quando as famílias têm melhores condições de presença entre os seus membros, geram-
se melhores condições emocionais, que rapidamente se repercutem numa melhor produtividade no trabalho.
Todos ficam, portanto, a ganhar com a proposta que Os Verdes hoje apresentam à Assembleia da República e
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que tem em conta, como referi, os saberes transmitidos pela Organização Mundial de Saúde e pela Ordem dos
Médicos.
As crianças, os progenitores, as entidades empregadoras e, consequentemente, a sociedade em geral,
ficarão a ganhar no caso de esta proposta ser aprovada. Esperamos, portanto, que haja concordância de todos
os grupos parlamentares nesse sentido.
Sr.as e Srs. Deputados, temos uma grande responsabilidade para que as mulheres, em pleno século XXI,
não sejam discriminadas no trabalho em função das matérias da maternidade.
Aplausos do BE e do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Em nome do Bloco de Esquerda, tem agora a palavra a Sr.ª
Deputada Sandra Cunha, para intervir.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, Srs. Membros do Governo:
Celebramos hoje, aqui, o Dia Internacional das Mulheres, naquilo que este dia significa em termos de conquistas
e avanços alcançados na promoção dos direitos das mulheres e da igualdade de género, mas também no que
respeita ao que ainda nos falta fazer, ao caminho que ainda nos falta percorrer.
Esse caminho é mais ou menos longo e mais ou menos sinuoso consoante o país, a cultura, o apoio social
ou o regime político onde esta luta se concretiza. E, por isso, importa lembrar que a luta das mulheres é, e tem
de ser, internacional.
Não podemos aceitar que os direitos mais fundamentais das mulheres sejam uma questão de sorte — sorte
com o país onde se nasce, com a cultura, com a religião ou com a família.
A nossa tem de ser a luta de todas as mulheres: trabalhadoras, desempregadas, imigrantes, refugiadas,
casadas, solteiras, mães, inférteis, escolarizadas, analfabetas, muçulmanas, católicas, judaicas, ateias,
lésbicas, transsexuais. Toda e qualquer mulher, em qualquer parte do mundo, exige o nosso maior empenho e
a nossa mais profunda solidariedade.
Em Portugal, são conhecidos por todos e por todas nós os avanços alcançados nesta luta, bem como aquilo
que falta fazer. Esta análise está plasmada nos vários relatórios, pareceres e estudos sobre esta matéria.
A violência doméstica e a violência no namoro, a tragédia dos femícidios, as diferenças salariais e as
dificuldades no acesso aos cargos de liderança e tomada de decisão, a participação política, a conciliação entre
trabalho e família, a partilha das tarefas domésticas, a discriminação quotidiana, o paternalismo, a
condescendência, os estereótipos de género, sabemos bem onde temos de trabalhar e como. Prova disso são
os projetos que hoje estão aqui em discussão.
Esta responsabilidade que recai sobre nós, a responsabilidade de garantir direitos e de garantir a igualdade
entre cidadãos e cidadãs, é das maiores responsabilidades que alguém pode ter.
Não podemos desprezar a responsabilidade que recai sobre nós enquanto Deputados e Deputadas mas
também enquanto homens e mulheres, enquanto cidadãos e cidadãs, que é a responsabilidade de transferir a
igualdade da lei para a vida. E uma das maiores dificuldades que este desígnio enfrenta é a discriminação
internalizada, aquela que naturaliza e normaliza o paternalismo, o machismo, a condescendência, que considera
normal e natural que as mulheres tenham de provar, a todo o momento, o quanto valem ou que valem o mesmo
do que os homens para legitimar o acesso aos direitos e ao tratamento que a estes é garantido à partida, que
rejeita a existência de obstáculos, barreiras e discriminações várias.
E porque esta é uma realidade mais passível de acontecer nos espaços com estruturas mais hierarquizadas
e com um funcionamento mais rígido e que, durante muitos anos, foram território exclusivo dos homens, o Bloco
de Esquerda traz hoje aqui um projeto que pretende aprofundar o combate à discriminação das mulheres e a
promoção da igualdade de género nas forças e serviços de segurança.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Falta consciencialização sobre o papel e a relevância do trabalho das mulheres
nestas forças e nestes serviços de segurança, falta adequação das instalações e equipamentos ao exercício
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das funções destas profissionais, falta o cumprimento cabal dos direitos destas mulheres, nomeadamente no
que respeita aos direitos de maternidade. É responder a estas faltas que se exige.
Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, por último, partilho convosco o desejo de que um dia o 8 de março seja
celebrado apenas pelo seu simbolismo histórico e não para marcar aquilo que ainda falta fazer para uma plena
igualdade de género.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, em nome do PCP, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Rita Rato.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Dia Internacional da Mulher foi
comemorado pela primeira vez em 1911, unindo mulheres de todo o mundo na luta por salário igual para trabalho
igual, pelas 8 horas de trabalho e pelo direito ao voto. Proposto por Clara Zetkin, em 1910, na II Conferência de
Mulheres em Copenhaga, abriu um caminho novo da luta das mulheres por mais direitos sociais e políticos.
Passados 106 anos, e porque as discriminações continuam a fazer parte do dia a dia das mulheres, é urgente
garantir medidas de combate efetivo à discriminação e de defesa da igualdade entre mulheres e homens no
trabalho, na sociedade e na família.
No nosso País, a Revolução de Abril inaugurou um tempo de direitos sociais e políticos das mulheres que
são parte integrante de um caminho de progresso conquistado com a corajosa luta de mulheres e homens.
Contudo, em 2017, a igualdade na lei ainda não é a igualdade na vida da maioria das mulheres. Em 2017,
ainda há quem entenda que as mulheres são seres menores. Ainda na semana passada, um Eurodeputado
polaco defendeu abertamente que as mulheres devem ter salários mais baixos porque são seres inferiores —
lamentável!
Em Portugal, as diferenças salariais entre mulheres e homens continuam a situar-se entre os 20% e os 30%,
aumentando quanto mais qualificadas forem as mulheres. Persistem as discriminações em função da
maternidade e as mulheres continuam a estar na linha da frente das múltiplas formas de violência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos anos, a realidade nos locais de trabalho conheceu uma
desumanização acelerada, marcada pela desregulamentação e pelo aumento dos horários de trabalho, pela
instabilidade e pela imprevisibilidade na organização dos tempos de trabalho.
O Relatório sobre o Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no Trabalho — 2015 é bem expressivo
desta realidade. As matérias expostas com maior expressão à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no
Emprego (CITE) são relativas a horários e articulação da vida familiar e profissional, sendo que 71% dos utentes
são mulheres.
O Relatório revela indicadores importantes, mas, na verdade, a violação dos direitos de maternidade e de
paternidade, por parte das entidades patronais, é, seguramente, uma realidade bem mais grave do que aquela
que é possível identificar a partir das queixas à CITE e do respetivo tratamento estatístico dos dados neste
Relatório.
No nosso País, em pleno século XXI, o atual quadro legal reconhece a formalidade dos direitos de
maternidade e paternidade, mas a prática diária nas empresas e locais de trabalho nega, limita e obstaculiza o
seu cumprimento.
Persistem, por parte das entidades patronais, pressões diretas e indiretas às mulheres em sede de
entrevistas de emprego, questionando a existência de filhos e a sua idade.
Persistem, também, situações de jovens que são discriminadas no acesso ao primeiro emprego porque
decidiram engravidar; crescentes pressões económicas e laborais para as trabalhadoras não gozarem a licença
de maternidade na totalidade e redução do horário para aleitamento e amamentação e trabalhadoras em
situação precária a quem não é reconhecido o direito à licença de maternidade.
Sr. Presidente, Sr. Deputados, o direito das mulheres ao trabalho com direitos e o direito a ser mãe, sem
quaisquer penalizações, são parte integrante das conquistas da Revolução de Abril e condição para um País
mais justo e democrático.
Com as propostas do PCP, hoje em discussão, queremos reforçar a proteção das trabalhadoras grávidas,
puérperas e lactantes e de trabalhadores propondo, por isso, a obrigatoriedade do pedido de parecer prévio à
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CITE em caso de despedimento e não renovação de contrato; a consideração da ilicitude de despedimento
aquele que é feito sem esse pedido de parecer prévio; a consideração como vinculativo do parecer da CITE,
quer em caso de despedimento, quer nos casos de não renovação de contrato a termo; e o alargamento no
Código do Trabalho e na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas das situações de denúncia do contrato
durante o período experimental.
Apresentamos, também, propostas específicas de combate às discriminações e valorização da participação
das mulheres nas forças e serviços de segurança.
A participação das mulheres nas forças e serviços de segurança, nomeadamente na PSP, na GNR, no Corpo
da Guarda Prisional, no SEF, na PJ ou na Polícia Marítima é da maior importância para o País pela capacidade
e competência que têm demonstrado no exercício das suas funções.
Apesar de todo o caminho feito, existem, ainda, muitos preconceitos e discriminações a combater, bem como
medidas concretas de adequação de meios e instalações.
O PCP orgulha-se de ser pioneiro nestas matérias e nestas iniciativas e congratulamo-nos, por isso, que
outros partidos queiram acompanhar esta vontade de mudança política do PCP.
Propomos, por isso, a promoção de campanhas de informação sobre a valorização do papel das mulheres
nas forças e serviços de segurança; a realização dos investimentos necessários para que as instalações e
equipamentos sejam adequados a ambos os sexos; as alterações no fardamento e equipamento de proteção,
de forma a rapidamente melhorar as condições de trabalho; assegurar o cabal cumprimento dos direitos de
maternidade das profissionais.
Sr. Presidente, Sr. Deputados, hoje é um dia para assinalar a razão da luta de todos os dias, luta feita por
mulheres e homens que não desistem de lutar pela sua dignidade, porque a luta emancipadora das mulheres é
inseparável da luta por uma sociedade mais justa e avançada, porque esta é uma luta pela dignidade e pela
democracia e não pode parar.
Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Em nome do Grupo Parlamentar PSD, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Ângela Guerra para uma intervenção.
A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dos dados constantes do Relatório,
que agora debatemos, sobre o Progresso da Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens no
Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional referente ao ano 2015, permitam-me destacar, primeiro, que
se verifica a manutenção de uma elevada taxa de participação feminina no mercado de trabalho; segundo, que,
entre 2011 e 2015, se observou um crescimento do peso das mulheres na população empregada; terceiro, que
a taxa de mulheres empregadas, com mais de 20 anos e com frequência académica de ensino superior cresceu
num ritmo maior do que a dos homens, fixando-se em 2015 em 60,6%.
Contudo, a diferença salarial entre homens e mulheres é um problema que persiste e resiste, tendo-se
situado, segundo dados deste Relatório, em 16,7%, o que, no entender do Grupo Parlamentar do PSD, não se
pode tolerar. Razão pela qual apresentámos na passada sexta-feira, e hoje debatemos, duas iniciativas que
visam o combate a esta desigualdade que todos os dias nos demonstra inequivocamente a ineficácia do quadro
jurídico vigente.
O princípio da igualdade salarial por trabalho igual e de valor igual constitui uma das prioridades inscritas nos
diversos instrumentos internacionais e está plasmada na nossa Constituição e no Código do Trabalho. Porém,
casos flagrantes, designadamente na vertente da discriminação indireta, entram todos os dias pelos nossos
olhos como uma realidade injusta e persistente. Ainda que a situação em Portugal não seja das mais graves da
União Europeia, isso não nos deve consentir num Estado com formação.
Em nosso entender, o tema exige por parte do Governo uma ação enérgica que intensifique a redução das
desigualdades salariais entre mulheres e homens e assim, em sede do projeto de resolução, o PSD apresentou
e elencou sete recomendações ao Governo, de entre as quais destaco as seguintes:
Primeiro, que torne imperativo para as médias e grandes empresas privadas a elaboração de uma análise
quantitativa e qualitativa das diferenças salariais entre homens e mulheres e, na sequência desse diagnóstico,
a elaboração de uma estratégia para a correção de eventuais diferenças injustificadas.
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Segundo, que proceda à elaboração de um novo relatório sobre diferenças salariais por ramos de atividade,
que proceda à atualização dos dados constantes do primeiro relatório.
Terceiro, que promova a publicação no site da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego da
listagem das empresas que pratiquem desigualdades salariais sem justificação objetiva.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, por outro lado, apresentamos, igualmente, um projeto de lei que
consagra, através de várias alterações ao Código do Trabalho, medidas inovadoras, transparentes e com o
objetivo de combater as desigualdades salariais entre homens e mulheres. A existência de estruturas de
retribuição complexas e a falta de informação disponível sobre os níveis de retribuição dos trabalhadores e das
trabalhadoras que executam trabalho igual ou de valor igual constituem importantes fatores que alinham na
persistência de desigualdades salariais entre mulheres e homens.
Assim, e no seguimento de decisões quer do Parlamento Europeu, quer da Comissão Europeia, que instam
os Estados-membros a, e cito, «exigirem aos empregadores que adotem uma política de transparência
relativamente à composição e estruturas dos salários, incluindo pagamentos extraordinários, bonificações e
outros benefícios que constituem a definição de retribuição.»
Neste mesmo sentido, o Grupo Parlamentar do PSD propõe as seguintes medidas: primeiro, que, nas médias
e grandes empresas, o empregador deve disponibilizar, sempre que tal seja solicitado por entidades públicas
competentes em matéria de relações laborais ou representativas dos trabalhadores, a informação não
nominativa sobre o montante da retribuição por categoria profissional desagregada por sexo, enumerando a
retribuição base, as prestações complementares fixas e variáveis, em dinheiro ou em espécie, bem como,
independentemente da sua natureza retributiva, gratificações, prestações extraordinárias e prémios, passando
a constituir contraordenação grave o incumprimento desta medida por parte dos empregadores.
Propomos, igualmente, a realização periódica de auditorias relativas ao sistema remuneratório. Assim, nas
média e grandes empresas um empregador deverá promover auditorias de três em três anos que analisem a
percentagem de homens e mulheres em cada categoria profissional, o sistema de avaliação e classificação
profissionais utilizado e informações pormenorizadas sobre as retribuições e desigualdades salariais em razão
do sexo. O resultado destas auditorias deve ser disponibilizado, a pedido, às entidades representativas dos
trabalhadores e aos parceiros sociais, salvaguardando sempre a proteção dos dados pessoais.
Por último, propomos uma clarificação dos conteúdos das convenções coletivas, especificando-se que estes
instrumentos deverão incluir medidas que visem a efetiva aplicação do princípio da igualdade e não
discriminação, designadamente prevenindo desigualdades salariais na retribuição de mulheres e homens.
Para lá das comemorações do dia 8 de março, há ainda um imenso trabalho para fazer e um longo caminho
para percorrer, mas, porventura, a mais importante tarefa é que culturalmente se ponham em prática e assumam
as leis que já existem e que continuarão a fazer, em nome do equilíbrio de género e pela universalização dos
direitos de cada uma e de todas as mulheres.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Vânia Dias da Silva para uma intervenção.
A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Celebramos hoje mais um Dia Internacional da Mulher, o 40.º desde que foi consagrado como tal pelas Nações
Unidas, mas com uma história já centenária, embora algumas vezes — vezes demais — interrompida.
De assinalar, igualmente, um marco decisivo em Portugal — a alteração do Código Civil, também há 40 anos
—, consagrando a plena igualdade entre mulheres e homens na vida familiar, de que gostava de destacar o
enterro do conceito de chefe de família.
E era já hora de gritarmos vitória, de, finalmente, podermos dizer que as sociedades ocidentais tinham
atingido, em matéria de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, o estádio absoluto e perfeito de
civilização. Mas não! A realidade teima em desmentir este desejo, um desejo que, felizmente, é de todos mas
para o qual ainda todos precisamos muito de trabalhar.
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Apesar dos muitos progressos feitos ao longo dos últimos anos, a igualdade de oportunidades entre mulheres
e homens está ainda longe do aceitável e mais ainda do ideal e desejável, especialmente no que toca ao plano
laboral e ao mundo do trabalho.
Basta percorrermos brevemente o Relatório sobre o Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no
Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional para percebermos, por exemplo, que aceder a cargos de
administração de topo — não obstante as qualificações académicas das mulheres serem cada vez mais
elevadas — é ainda uma utopia, ou que a proporção entre mulheres e homens nos conselhos de administração
continua muito dispare. Muito embora tenha sofrido uma variação positiva, ela é, de facto, pouco significativa,
aliás, por junto, não chegamos sequer a um quarto de mulheres em todos os conselhos de administração de
empresas portuguesas, ou, ainda, que os salários continuam com uma média muitos desfavorável às mulheres
— os homens ganham mais cerca de 150 € mensais do que as mulheres. Sem esquecer, também, a conciliação
da vida profissional com a vida familiar, em que os homens ascendem ao dobro das horas de trabalho
remunerado quando, entre trabalho remunerado e não remunerado, as mulheres trabalham muito mais horas
do que os homens.
E isto não são ideias feitas ou pré-concebidas de uns quantos radicais ou fundamentalistas, são dados que
decorrem de números e de estatísticas fidedignas, que nos cabe, especialmente a nós, contrariar e procurar
corrigir.
Por isso mesmo, mais do que proibir ou impor, entende o CDS que a igualdade de oportunidades entre
mulheres e homens deve ser trabalhada de forma construtiva, com propostas concretas, que, além de apontarem
um caminho e de introduzirem pequenas mas reveladoras alterações, promovam a sensibilização e a mudança
de mentalidades.
Daí que, à cabeça, o CDS proponha uma alteração ao Código do Trabalho no sentido de, por um lado,
flexibilizar a licença parental exclusiva do pai e de, por outro lado, alargar o gozo da licença parental
complementar da licença para assistência a filhos aos avós.
É sabido que, senão a pedra de toque, uma das chaves da promoção da igualdade de oportunidades entre
mulheres e homens no trabalho é a conciliação familiar com a vida profissional, já que uma das razões mais
invocadas para justificar tal desigualdade está exatamente nisso — na dificuldade de as mulheres conciliarem o
seu sucesso e enriquecimento profissionais com a sua vida familiar.
Há, de resto, estudos que concluem que a partilha da licença parental pode ajudar a reduzir a discriminação
contra mulheres no local de trabalho e, particularmente, na contratação, pois, quanto mais flexibilidade existir
entre o gozo pelos homens e pelas mulheres, menos relutantes serão os empregadores em contratar mulheres
em idade fértil.
Propomos, assim, aumentar os dias de licença parental, exclusivos e obrigatórios do pai, de 15 dias úteis
para 30 dias, e permitir que possam ser gozados durante as 6 semanas de licença obrigatória da mãe,
imediatamente após o nascimento e não apenas nos primeiros 30 dias, como atualmente. Propomos também
alterar os dias obrigatórios a que o pai tem direito depois do nascimento, passando de 5 para 7 dias.
Além disso, e numa perspetiva totalmente voluntária, entendemos que deve também ser possível alargar aos
avós o direito de gozo da licença parental complementar e da licença para assistência a filho, permitindo aos
pais maior flexibilidade na gestão da sua carreira profissional e, não menos importante, o convívio dos mais
velhos com os mais novos.
Acresce a flexibilização dos horários das creches. A vida moderna nem sempre permite aos avós ajudarem
os pais a tomar conta, a educar e a acompanhar os filhos, pelo que é preciso adequar os horários das creches
às necessidades efetivas e reais das famílias, especialmente aos pais que trabalham aos fins de semana, por
turnos ou em horário noturno.
Razão por que o CDS sugere que se adeque o modelo de financiamento das creches sem fins lucrativos, de
forma a incentivar o estabelecimento de horários flexíveis e alargados em função dos horários de trabalho das
entidades empregadoras, a par da possibilidade de as empresas poderem constituir instituições particulares de
solidariedade social e da celebração de acordos entre estabelecimentos de infância e entidades empregadoras.
De resto, é facto assente que as mulheres adiam cada vez mais a decisão da maternidade, sobretudo por
causa do exigente e competitivo mundo laboral, em que as mulheres têm de dar mais para terem, pelo menos,
o mesmo. Entre o sucesso na profissão e a maternidade, muitas são forçadas a escolher a primeira em
detrimento da segunda, às vezes de forma irremediável.
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Por isso mesmo, outra medida que entendemos dever ser adotada é o aumento de três para cinco os ciclos
de tratamento de procriação medicamente assistida, comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde, assim
permitindo às mulheres uma gestão mais eficaz e tranquila da sua carreira profissional.
Finalmente, recomendamos que seja criada uma política de incentivos económicos e fiscais para as
empresas que se empenhem em fomentar a igualdade entre mulheres e homens no trabalho e no emprego,
através, de um passo, da criação de um prémio anual que distinga as cinco melhores empresas em Portugal em
matéria de igualde e, de outro passo, do desenvolvimento de um sistema de incentivos fiscais às empresas que
cumulativamente cumpram o regime de paridade nos órgãos de administração das empresas compostos por
três ou mais elementos, como também assegurem uma política salarial igualitária entre mulheres e homens.
No CDS, acreditamos que pequenas medidas como estas, não impositivas mas de incentivo e de
sensibilização e sem impacto orçamental de monta, podem, a prazo, ter efeitos consideráveis no tema que hoje
nos ocupa, com a vantagem de estas medidas não esgotarem o tema e muito menos serem privativas dele, com
benefícios vários e em vários domínios, como na questão demográfica, por exemplo.
Numa matéria que tem reunido amplo consenso — e as iniciativas legislativas hoje em discussão não o
desmentem —, está nas nossas mãos e nas vossas mãos, nas mãos da maioria, não ignorar o problema e
ajudar na solução de uma questão que, em 2017, já devia fazer parte da história e esperar que, ao menos neste
tema, o da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, não se deixem inebriar pela contabilidade
política e pelo preconceito ideológico contra o proponente, que tantas vezes tem tolhido, e muito mal, as opções
desta maioria.
Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista
solicitou à Mesa que o tempo que lhe compete para fazer uma intervenção sobre esta matéria seja repartido
entre duas Sr.as Deputadas.
Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Wanda Guimarães para uma intervenção.
A Sr.ª WandaGuimarães (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Caras Deputadas e Caros
Deputados: Nesta feliz coincidência de datas, dirijo uma saudação muito especial às mulheres do meu País,
verdadeiras heroínas modernas do nosso quotidiano e que continuam a ser inaceitavelmente discriminadas no
trabalho e no emprego e, como é patente no Relatório, sem uma justa correspondência entre habilitações,
competências, funções e remunerações auferidas.
Aplausos do PS e de Deputados do BE.
Os últimos anos, trágicos para os trabalhadores nas suas condições de vida e de trabalho, com cortes
obsessivos em direitos e rendimentos, foram especialmente duros para as mulheres e os números de 2015,
genericamente, não apresentam diferenças substanciais, revelando até, em alguns casos, um agravamento
preocupante, como, por exemplo, no desemprego jovem, em que o fosso entre os sexos se agravou em 5 pontos
percentuais.
Deixamos, aqui, alguns alertas.
Sobre o emprego: embora a taxa de emprego tenha crescido, aliás, mais para as mulheres, resultando numa
diminuição do diferencial entre os sexos, a verdade é que continuou a manter-se abaixo da média europeia.
Sobre o desemprego: pese embora a violência da crise na indústria, são as mulheres que continuaram a
liderar os números do desemprego e a segregação no mercado de trabalho continuou, com a presença
maioritária das mulheres em determinadas categorias, como a educação e a saúde e, mesmo detendo
qualificações mais elevadas, continuam acantonadas nas categorias de baixos níveis de qualificação, com
evidentes prejuízos nas remunerações que percecionam.
Sobre os representantes do poder institucional: verificou-se uma diminuição de quase 3 pontos percentuais
relativamente a 2014 e nos conselhos de administração das empresas avaliadas apenas existem 13% de
mulheres. Fantástico: em 11 anos, o aumento foi de 9%!…
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Também há outros dois pontos fundamentais que não queríamos deixar de salientar: a desigualdade salarial
que persiste e nos envergonha e a conciliação entre o trabalho e a família.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Carla Tavares para uma
intervenção.
A Sr.ª CarlaTavares (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Passaram
100 anos desde que surgiu, pela primeira vez, a proposta para que fosse instituída a celebração anual da luta
pelos direitos das mulheres trabalhadoras. Repito: 100 anos, Srs. Deputados!
Ao longo destes últimos 40 anos, em Portugal, foi feito um percurso notável de conquistas. Todavia, e como
já aqui foi hoje várias vezes dito, há ainda um caminho muito longo a percorrer, há ainda tanto por fazer.
Por isso, o Partido Socialista quis hoje recordar também estes 40 anos de conquistas no nosso País com a
intervenção, nesta sessão, de duas gerações de Deputadas, lembrando, assim, todas as mulheres que lutaram
e continuam a lutar pelos direitos das mulheres no nosso País.
Queremos, ainda, cumprimentar o Governo, que, ao trazer a esta Câmara a apreciação deste Relatório,
colocou em definitivo o tema da igualdade de género na agenda política deste dia.
O Partido Socialista apresenta, hoje, dois projetos de resolução: um deles recomenda ao Governo a adoção
de medidas que promovam a transparência das remunerações com vista à eliminação das desigualdades
salariais entre homens e mulheres e o outro recomenda ao Governo a adoção de medidas de promoção da
conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal. Em ambas os projetos estão em causa direitos que,
desde a primeira hora, foram reivindicados pelas mulheres.
Em Portugal, as mulheres ganham, em média, quase menos 17% que os homens — seria como se, em cada
ano, as mulheres trabalhassem 61 dias sem que para tal fossem pagas, seria como se, a partir do dia 1 de
novembro de cada ano, as mulheres deixassem de ser remuneradas. Esta é a realidade que se quer combater.
Hoje, o Sr. Primeiro-Ministro deixou-nos aqui a promessa de que iria apresentar medidas concretas de
combate às desigualdades salariais até ao dia 1 de maio, novidade que muito nos agradou. Que venha, então,
o 1.º de maio.
Por outro lado, o desequilíbrio ainda existente na divisão do trabalho doméstico e do cuidado com a família
tem repercussões enormes no reconhecimento de direitos e oportunidades e na realização pessoal e profissional
das mulheres, que continuam a ser quem mais suporta o trabalho doméstico, o cuidar da casa e dos filhos.
Por dia, as mulheres trabalham, em média, mais 1 hora e 45 minutos do que os homens e prestam, em
média, 600 horas de trabalho gratuito por cada ano.
Mais do que concentrar os problemas da conciliação do lado das mulheres, o que tem efeitos altamente
perversos na promoção dos seus direitos, tem de haver, sim, uma efetiva partilha das tarefas domésticas entre
homens e mulheres.
Há ainda muito por fazer. Enquanto houver mulheres a receber menos do que os homens por trabalho igual,
mulheres vítimas de violência doméstica e no namoro, mulheres a morrer vítimas de violência doméstica,
impedidas de estudar e de obter instrução escolar, mulheres vítimas de mutilação genital, mulheres vítimas de
violação, mulheres obrigadas a casar ainda crianças, enquanto houver desequilíbrios na divisão do trabalho
doméstico entre homens e mulheres, enquanto houver mulheres a sentir culpa por deixarem os seus filhos
pequenos nos infantários às primeiras horas da manhã e só os podendo ir buscar às últimas horas da tarde,
enfim, enquanto houver uma — basta que seja uma! — mulher discriminada e privada da sua liberdade apenas
porque é mulher, basta isso para que esta luta não esteja concluída e para que não desistamos de lutar pelos
direitos da mulheres enquanto direitos do Homem, pois só assim se cumprirá de forma plena a nossa
Constituição, porque o lugar da mulher é e será sempre onde ela quiser.
Viva o Dia Internacional da Mulher! Vivam todas as mulheres!
Aplausos do PS, do PAN e de Deputados do BE.
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I SÉRIE — NÚMERO 60
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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Em nome do PAN, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva
para uma intervenção.
O Sr. AndréSilva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Num dia tão importante para a
democracia portuguesa e para a igualdade, o PAN fala para um Plenário quase vazio.
Protestos do PCP.
Tal como nos preocupa que ainda exista uma tão reduzida representação de mulheres nos vários órgãos do
setor empresarial português, preocupa-nos que continue a existir uma tão grande assimetria entre homens e
mulheres no exercício de cargos de direção e de chefia ou de alta responsabilidade, preocupa-nos que as
mulheres sejam empurradas para a base das hierarquias de trabalho, mesmo quando têm maior qualificação, e
preocupa-nos que a essa discriminação se acrescente a desigualdade salarial.
Preocupa-nos os silêncios e as invisibilidades a que continuam sujeitas as mulheres lésbicas, as mulheres
bissexuais, as mulheres trans.
Preocupa-nos o fechar de olhos à violência doméstica, à violência de género, à contínua opressão social
exercida sobre as mulheres no nosso quotidiano.
Preocupa-nos que o tempo dedicado à família não seja um tempo de qualidade e que continue também a ser
centrado na desigualdade de género.
Preocupa-nos que continuemos a ver o feminismo como um bicho papão.
Preocupa-me que seja preciso quase sempre chegar até ao dia 8 de março para percebermos que continua
quase tudo por fazer ou o quão difícil é acrescentarmos um ponto percentual de boas notícias nestas estatísticas
aqui hoje apresentadas.
O PAN é um partido que defende a igualdade. Como tal, e ao longo da nossa presença na Assembleia da
República, apresentámos e apresentaremos sempre medidas que foram, vão e irão ao encontro desta tão
urgente e necessária igualdade.
Debateremos já esta sexta-feira um projeto de lei e um projeto de resolução que pedem revisões legislativas
no âmbito da violência doméstica, um dos fenómenos criminológicos com maior grau de incidência na sociedade
portuguesa, correspondendo a uma realidade transversal a todos os grupos sociais e faixas etárias.
Sr.as e Srs. Deputados, o PAN também não se cala. Que o Dia Internacional da Mulher sirva como ponte de
diálogo entre os partidos e a sociedade civil e que se constitua como mais uma forma de agradecimento e de
destaque do trabalho realizado diariamente por estas mulheres e homens que tantas vezes se substituem ao
Estado no combate à discriminação e à desigualdade.
A vós, a nós, obrigado. Força!
Aplausos de Deputados do PS e do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Deputado André Silva, não me leve a mal, mas está longe
de corresponder à verdade que o Plenário esteja vazio.
Aplausos de Deputados do PS, do BE, do CDS-PP e do PCP.
Em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro para uma
intervenção.
O Sr. JoséMouraSoeiro (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o sexismo continua a marcar as nossas
relações de intimidade no espaço público, no campo do trabalho, como já foi dito, as relações de poder, que são
estruturalmente desiguais, fazem com que a discriminação das mulheres tenha contornos particulares.
Estamos a falar de entrevistas de emprego onde se pergunta se a pessoa pretende engravidar, estamos a
falar de assédio, estamos de falar do patrão que diz que à trabalhadora para usar saia porque o cliente gosta
mais, estamos a falar de denúncias e de não renovação de contratos, estamos a falar de despedimentos em
função da condição da mulher e em função da condição de gravidez.
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9 DE MARÇI DE 2017
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Por isso, o campo laboral é também o campo em que todos nós, homens e mulheres, temos a obrigação de
ser orgulhosa e consequentemente feministas.
A Constituição da República Portuguesa determina que as mulheres têm direito a proteção especial durante
a gravidez e após o parto. É por isso que a lei diz concretamente que o despedimento ou a não renovação do
contrato de trabalho de uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante está dependente de um parecer prévio
da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, sem a qual é considerado ilícito.
Sr.as e Srs. Deputados, no período experimental, que pode ir dos 15 aos 240 dias, a mulher grávida pode ser
dispensada sem justa causa, sem aviso prévio, sem indemnização. Não é sequer obrigatório que haja qualquer
parecer por parte da CITE.
Ora, este vazio, esta desproteção, ofende o princípio constitucional da proteção das mulheres trabalhadoras
e ofende a nossa sensibilidade e quem luta pela igualdade.
É por isso e é também isso que o projeto de lei do Bloco de Esquerda, que hoje está em discussão, pretende
colmatar.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições.
Sendo assim, cabe-me anunciar que a sessão plenária de amanhã terá início às 15 horas — ou seja, será à
hora habitual e não às 10 horas, hora a que começou a sessão de hoje —, e a ordem de trabalhos será
integralmente preenchida pelo debate da interpelação n.º 9/XIII (2.ª) — Sobre supervisão bancária (CDS-PP).
Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados.
Está encerrada a sessão.
Eram 14 horas e 3 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.