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Quarta-feira, 26 de abril de 2017 I Série — Número 80

XIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2016-2017)

Sessão Solene Comemorativa do XLIII Aniversário

do 25 de Abril

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro Moisés Salvador Coelho Ferreira

S U M Á R I O

Às 10 horas entrou na Sala das Sessões o cortejo em que

se integravam o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República — que saudaram, com uma vénia, os membros do Corpo Diplomático presentes —, o Primeiro-Ministro, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Presidente do Tribunal Constitucional, os Secretários da Mesa da Assembleia da República, o Secretário-Geral da Assembleia da República, o Chefe do Protocolo do Estado, a Chefe do Gabinete do Presidente da Assembleia da República, o Chefe do Protocolo do Estado e a Diretora do Gabinete de Relações Internacionais e Protocolo da Assembleia da República.

No Hemiciclo, encontravam-se já, além dos Deputados e Ministros, os Presidentes do Tribunal de Contas e do Supremo Tribunal Administrativo, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a Procuradora-Geral da República, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o

Provedor de Justiça, os Representantes da República para os Açores e para a Madeira, os representantes dos Presidentes das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, o Representante do Presidente do Governo da Região Autónoma dos Açores, os Conselheiros de Estado Eduardo Lourenço de Faria, Francisco Anacleto Louçã, Adriano José Alves Moreira e Domingos Abrantes Ferreira e os Chefes dos Estados-Maiores da Força Aérea, do Exército e da Armada.

Encontravam-se ainda presentes, na Tribuna A, a senhora de Ferro Rodrigues, o anterior Presidentes da República Ramalho Eanes e senhora, os anteriores Presidentes da Assembleia da República Mota Amaral e Maria da Assunção Esteves e o Cardeal Patriarca de Lisboa; na Galeria I, o Corpo Diplomático; na Galeria II, o Presidente da Associação Nacional de Freguesias, um Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Diretor Nacional da Polícia

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de Segurança Pública, o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana e a Secretária-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Presidente e membros da Comissão da Liberdade Religiosa, membros da Direção da Associação dos ex-Deputados da Assembleia da República, um ex-Conselheiro da Revolução, Direção da Associação 25 de Abril e convidados do Presidente da Assembleia da República; na Galeria III, Secretários de Estado, Deputados ao Parlamento Europeu, o Presidente do Conselho de Julgados de Paz, o Presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, o Presidente do Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal, o Presidente da Comissão Nacional de Eleições, o Presidente da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Comandante das Forças Terrestres, Comandante Aéreo, o Secretário-Geral da CGTP-IN, o Secretário-Geral

Adjunto da UGT, o Presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas e outras individualidades convidadas; nas Galerias IV a VI, o público; e, na Tribuna D, os representantes dos órgãos de comunicação social.

Constituída a Mesa, na qual o Presidente da República tomou lugar à direita do Presidente da Assembleia da República, a banda da Guarda Nacional Republicana, formada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional.

Seguiram-se os discursos dos Deputados André Silva (PAN), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Jorge Machado (PCP), Isabel Galriça Neto (CDS-PP), Joana Mortágua (BE), Alberto Martins (PS) e Teresa Leal Coelho (PSD), do Presidente da Assembleia da República e do Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa).

A sessão foi encerrada eram 11 horas e 45 minutos, tendo o hino nacional sido tocado pela Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos.

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O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Excelências, Sr.as e Srs. Deputados, declaro aberta a

Sessão Solene Comemorativa do XLIII Aniversário do 25 de Abril.

Eram 10 horas.

A Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional.

Em representação do PAN, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.

Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional e demais

Tribunais Superiores, Srs. Membros do Governo, Altas Autoridades Civis e Militares, Distintas e Distintos

Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Dizia Maria de Lourdes Pintasilgo que «a sociedade em trânsito não é uma

sociedade fechada sobre si própria. Escoa-se de um tempo já vivido para se alongar, adentrando-se, num tempo

ainda desconhecido». Atrevo-me a acrescentar que uma sociedade em trânsito é sempre uma sociedade em

movimento, uma sociedade com pensamento crítico, consciente do momento civilizacional em que se encontra.

E o nosso momento civilizacional é o da atualidade.

Esta requer que alonguemos os valores de Abril neste adentrar num tempo que entendemos ter de ser

necessariamente de interdependência, de responsabilidade, de boa governança, de empatia, de igualdade, de

felicidade, de prosperidade sustentável. A sociedade, por sua vez, espera da atualidade governativa a

persecução de políticas públicas e sociais justas, igualitárias e humanistas, o reforço da pluralidade política, a

criação de pontes de diálogo e entendimento, a promoção e legitimação da participação cívica, a defesa de uma

consciência social e política livre, informada e capacitada para construir um futuro em que todas e todos

possamos ter o direito a partilhar um planeta que é reflexo dessa mesma esperança.

Estaremos nós a cumprir esse desígnio?

Por vezes, é-nos difícil acreditar. Vivemos tempos conturbados, nos quais a balança mundial parece estar

tendenciosamente desequilibrada para o lado da xenofobia, da homofobia, da misoginia, do nacionalismo, do

racismo, do «especismo». Na Europa, na nossa Europa, os movimentos radicalizados crescem a passos largos.

Um pouco por todo o mundo, fechamos fronteiras, erguemos muros, reinstalamos regimes ditatoriais, alienamos,

exploramos e retiramos direitos, alimentamos guerras, subjugamos comunidades e populações de um modo

desenfreado. Um pouco por todo o mundo, e Portugal não tem sido exceção, subjugamos os valores ambientais

e o bem comum à ditadura dos agentes económicos.

Estamos convictos de que a reafirmação dos valores de Abril nos permitirá contribuir para o reequilíbrio desta

balança. Estamos convictos de que precisamos de retirar os valores de Abril desta lógica meramente discursiva

e de os transpor para o nosso século XXI, assumindo com orgulho que neste XLIII Aniversário ainda há espaço

para democratizar.

A estrutura base das atuais democracias ocidentais está abalada e desatualizada: não acompanha as

necessidades dos cidadãos, nem tampouco lhes propõe modelos exequíveis de governação mais transparentes,

participativos e descentralizados. A volatilidade dos nossos sistemas democráticos está também ligada à

participação, ou falta dela, no dia a dia político e social das democracias ocidentais. A política da maioria

absoluta, do privilégio, das elites instaladas e dos setores intocáveis tem de desaparecer.

Não nos iludamos. Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos: «Democratizar é uma tarefa que está

muito para além do Estado e do sistema político. Democratizar é um processo sem fim. Democratizar é

desmercantilizar a vida, descolonizar as relações sociais, despatriarcalizar a nossa sociedade». Grande parte

desse trabalho está nas mãos daqueles e daquelas que hoje se sentam nesta Assembleia da República, em

celebração de uma democracia ainda, e sempre, por concretizar. Sinto-me honrado por fazer parte de um

movimento político e cívico a quem está a ser dada a oportunidade de contribuir para essa realidade. Sei que

este sentimento transborda as portas desta Sala e que é partilhado por cada vez mais cidadãs e cidadãos que,

no que fazem e dentro das suas capacidades de ação, são dotados de um poder transformador incrível e

infindável.

O PAN valoriza esse sentido de missão e tudo fará para o potenciar, no cumprimento de um desígnio que é

de todos: o de vivermos em felicidade e harmonia.

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Aplausos do BE, do PCP, de Deputados do PSD, de Deputados do PS e de Deputados do CDS-PP.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar de Os Verdes,

tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr.

Presidente do Tribunal Constitucional, Sr.as e Srs. Deputados, Estimadas e Estimados Convidados, Srs.

Capitães de Abril, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Temos pressa de cumprir Abril! Passaram 43 anos sobre

aquele dia em que se devolveu ao País a esperança e ao povo o poder de construir o futuro. O dia em que, de

cravos vermelhos erguidos, se deu uma explosão de alegria e de saudação vibrante aos Capitães de Abril pela

libertação das amarras de 48 anos de fascismo.

Ter pressa de cumprir Abril é ter sede de garantir direitos e níveis dignos e verdadeiros de bem-estar e de

felicidade para um povo inteiro. Não apenas para alguns, mas para um povo inteiro.

Era Salazar, o ditador fascista, que dizia que era muito mais urgente constituir elites do que ensinar o povo

a ler, porque os problemas nacionais tinham de ser resolvidos, não pelo povo, mas pelas elites. Foi esse ditador

que disse que o jornal era o alimento intelectual do povo e que, como todos os demais alimentos, tinha de ser

fiscalizado, considerando a censura mais do que legítima e até um elemento de elucidação e um corretivo

necessário. Classificava a profunda violência e a tortura imprimida pela PIDE aos presos políticos como uns

singelos safanões a criaturas sinistras e não teve pudor em afirmar que em Portugal não havia espaço para a

liberdade. Continuada por Marcelo Caetano, acrescente-se a esta barbaridade um milhão de jovens lançados

para a guerra colonial e milhares de jovens a desertar e a emigrar, para fugir do País que os tramava. Era um

povo a quem se ditava pobreza e exploração, enquanto meia dúzia de famílias capitalistas enriquecia. Nas

palavras de Ary dos Santos, chamava-se esse País «Portugal suicidado».

Em 25 de abril de 1974 o País fez-se em festa. Nas ruas, repletas de gente ávida de voz, gritou-se que «o

povo unido jamais será vencido» e cantou-se que «o povo é quem mais ordena».

Nessa altura, os avanços foram imensos, mas o problema foi o que depois em tanto se interrompeu esse

avanço e até, em vários aspetos, se foi recuando. Por exemplo, na Legislatura passada e com o Governo anterior

alguém ousará afirmar que o aumento de horas de trabalho, o fim de feriados, a fragilização de serviços públicos,

a fúria de entrega de setores fundamentais aos privados, os cortes nas pensões contributivas e nos apoios

sociais, os cortes nos salários ou o aumento brutal de impostos foram avanços que se deram? Não! Foram

recuos que geraram pobreza e ameaçaram seriamente os nossos níveis de desenvolvimento. E deram-se por

escolhas ideológicas, de uma direita que claramente privilegiou os grandes interesses económicos e financeiros

e não o bem-estar dos cidadãos.

Em política não há inevitabilidades, mas sim opções, escolhas. Por isso, nesta Legislatura, depois de os

eleitores terem atribuído a maioria dos Deputados aos partidos que se tinham comprometido com a mudança, o

Partido Ecologista «Os Verdes» trabalhou e tem contribuído para que sejam, sem hesitações, repostas

condições e direitos aos portugueses, que lhes tinham sido retirados. Mas temos estado também a trabalhar

para que as condições de desenvolvimento melhorem a vários níveis. Para dar alguns exemplos: reclamámos

do Governo determinação para enfrentar interesses poderosos, como o das celuloses, para travar a brutal

expansão da área de eucalipto; propusemos medidas para a necessária descarbonização do País e para a

redução de gases com efeito de estufa, através da criação de estímulos à utilização do transporte coletivo e do

reforço da mobilidade ferroviária; exigimos atenção sobre o interior do País e a necessária revitalização da

atividade produtiva sustentável; reivindicámos mais meios para a conservação da natureza e da biodiversidade

e para o controlo da poluição; alertámos para problemas tão sérios como a preocupante intenção de pesquisa

de hidrocarbonetos na nossa costa, ou para a cada vez mais obsoleta central nuclear de Almaraz.

O que importa ter hoje presente é que não se pode perder a dimensão da coragem que se revelou em todas

as mulheres e homens que lutaram para construir Abril. Em jeito de apuramento de resultados, temos ainda

muito, muito por conquistar em termos de direitos sociais e ambientais.

Mas esta União Europeia que conhecemos tem-se constituído um sério obstáculo a esse objetivo. Forma-se

em torno de elites, serve os interesses dos poderosos, distancia-se dos povos, ignora as suas necessidades,

exige metas incompreensíveis.

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Ao Governo português, nós, Os Verdes, o que exigimos é que governe para as pessoas, para o

desenvolvimento do País e que não esbarre na obsessão dos números, encolhidos para Bruxelas. Essa é uma

condição para a estabilidade do nosso País.

Uma última nota para dizer que foram tantos os portugueses que procuraram refúgio noutros países para

fugir à guerra colonial, outros para buscar melhores condições de vida. São cerca de 5 milhões as pessoas de

origem portuguesa espalhadas pelo resto do mundo. Temos, nós, mais do que a obrigação de compreender o

imperativo de desprezar ideias fascistas, racistas, xenófobas que erguem fronteiras de desumanidade, quando

exaltam o medo de refugiados ou o ódio aos imigrantes.

Sempre, sempre com a liberdade, a democracia, a paz, a justiça, a solidariedade, a igualdade, a fraternidade

no horizonte, são muitos os que trazem, como descreve José Fanha «o mês de Abril/ a voar/ dentro do peito».

Mas «não é segurando nas asas que se ajuda um pássaro a voar. O pássaro voa simplesmente porque o deixam

ser pássaro» — Mia Couto.

Minhas senhoras e meus senhores, temos pressa de cumprir Abril!

Aplausos de Os Verdes, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do PCP, tem

a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,

Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Capitães de

Abril, Srs. Convidados, Srs. Deputados: A Revolução de Abril de 1974 é o ato maior, o marco mais importante

da história contemporânea do nosso País.

Ato de libertação, explosão de alegria, movimento de conquista e de construção, de construção da paz, do

desenvolvimento, do progresso, construção dos direitos após décadas de opressão e de repressão, pelo que

daqui saudamos quem por eles se sacrificou e até morreu. Saudamos os militares de Abril que, imediatamente

secundados pelo povo, deram o tiro de partida desta gloriosa jornada de emancipação e libertação do nosso

País.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, o 25 de Abril de 1974 comprova de forma inequívoca que, com a força do

povo, não há barreiras intransponíveis. Havendo conjugação de vontades, conseguimos derrotar obstáculos que

pareciam impossíveis de ultrapassar.

O fascismo, com todas as suas estruturas de poder, opressão, instrumentalização do medo e exercício de

violência física sobre quem lhe fazia frente, não conseguiu parar o povo e o Movimento das Forças Armadas e

caiu redondo no chão.

O 25 de Abril não foi um acontecimento de geração espontânea, foi o culminar de um processo, foi o culminar

de anos e anos de luta que envolveu muitos democratas e que teve sempre na linha da frente os comunistas

portugueses que, desde a primeira hora, com coragem e determinação, enfrentaram a besta fascista.

Assim, queremos prestar a nossa homenagem aos «heróis supremos da batalha» e saudar todos aqueles

que lutaram, resistiram, foram presos, torturados e assassinados pelo fascismo. As suas vidas, os seus

sacrifícios não foram em vão; antes pelo contrário, lutaram e saíram vencedores, apesar de todas as

dificuldades.

Aplausos do PCP.

Hoje vivemos, no plano internacional, tempos muito difíceis. O crescimento do belicismo, a ameaça da guerra

e o não desligado crescimento dos movimentos fascistas devem merecer por parte de todos os democratas

particular atenção, preocupação, mas também ação e luta.

Assistimos hoje, no País e um pouco por todo o mundo, à tentativa de meter no mesmo saco o fascismo e

aqueles que mais lhe resistiram e que são também as suas principais vítimas. Além de ser uma infame mentira,

é um insulto aos milhares de comunistas que foram os primeiros a lutar e a morrer pela liberdade e pela

democracia. Mas, mais do que um insulto, este exercício constitui, objetivamente, uma tentativa de branquear o

fascismo.

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Hoje, como ontem, somos chamados a resistir e a lutar pela liberdade e pelo aprofundamento da democracia,

com a convicção de que não há obstáculos intransponíveis.

Hoje, como ontem, somos chamados a travar a escalada belicista e a guerra, as que já estão em curso e as

que ameaçam começar a qualquer momento, com uma dimensão imprevisível. A não ingerência e a resolução

pacífica dos conflitos é valor de Abril que importa defender e aplicar.

O 25 de Abril de 1974 comprova também, de uma forma inequívoca, que quando o povo quer é possível

transformar a sociedade.

Com o 25 de Abril construímos um País mais justo e solidário, consagrámos direitos e demos corpo a esses

direitos. Com o 25 de Abril conquistámos a liberdade de expressão e o voto popular. Mas com Abril também

construímos a paz, a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, a segurança social, garantiu-se o acesso à

justiça, construíram-se serviços públicos, avançou-se no direito à habitação e no acesso a bens essenciais.

Muitos dos direitos conquistados com Abril, e que fazem parte do processo revolucionário, foram ameaçados,

destruídos e comprometidos nos anos que se seguiram de política de direita. Mas é inquestionável que Abril

deixa uma valiosa lição: é possível transformar o sonho em realidade e viver num País mais justo.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, cresci com o 25 de Abril, com os seus ideais e com o seu impulso

transformador. Cresci a aprender, como diz a música, que «só há liberdade a sério quando pertencer ao povo o

que o povo produzir».

A injustiça na distribuição da riqueza nacional constitui, a par da necessidade de aumentar a produção

nacional, um dos mais graves problemas estruturais que o nosso País enfrenta.

A concentração da riqueza em meia dúzia de grupos económicos, pela injustiça que comporta, não permite

que se concretize plenamente a liberdade. De igual forma, a liberdade está ferida se continuarmos subjugados

a instrumentos de submissão como o euro e a dívida.

Por isso, é urgente aumentar e distribuir melhor a riqueza produzida no nosso País. O combate à

precariedade, o aumento dos salários e a recuperação dos instrumentos de contratação coletiva de trabalho,

com a eliminação das normas da caducidade e a recuperação do princípio do tratamento mais favorável,

propostas que o PCP agendou para maio, são, a par da renegociação da dívida e do fim da submissão ao euro

e às opções da União Europeia, liberdade.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, durante décadas, os direitos conquistados com a Revolução de Abril foram

atacados. Seguiram-se os anos negros dos PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento) e do pacto de agressão.

Durante todos estes anos, o agravamento da exploração, o empobrecimento, a saída do País de centenas de

milhares de portugueses, a destruição dos serviços públicos, a descaracterização do regime democrático e o

comprometimento da soberania nacional foram apresentadas como virtudes, como inevitáveis para promover a

resignação de um povo e de um País a ter futuro. Ao mesmo tempo, foram promovendo a pobreza de centenas

de milhares para que meia dúzia ficassem cada vez mais ricos.

Os trabalhadores e o povo deram a resposta. A luta foi e é determinante. Provou-se, mais uma vez, que valeu

a pena lutar.

O Governo PSD/CDS foi derrotado e, tal como outros, que agiram contra os valores de Abril, foi afastado do

poder.

Na nova fase da vida política nacional, na atual relação de forças, apesar das opções do PS e do seu

Governo, foi possível dar passos, ainda que insuficientes, no sentido da recuperação de direitos e salários. São

avanços que valorizamos, mas importa ir mais longe.

Para o PCP não só é possível como necessário, com a força do povo, construir um país mais justo e solidário.

Um país em que quem trabalha veja reconhecido no seu salário o esforço do seu trabalho, um país em que

quem trabalhou uma vida inteira, com longa carreira contributiva, tenha acesso a uma reforma digna e sem

penalizações, um país onde os trabalhadores vejam reconhecidos os seus direitos e em que os serviços públicos

tenham qualidade e sejam acessíveis para todos.

Inspirados em Abril, no tempo em que vivemos temos presente a força da voz coletiva do povo que se

expressou na «Grândola vila morena, terra da fraternidade, em que o povo é quem mais ordena». Temos

presente essa força nas comemorações populares do 25 de Abril e na grande jornada do 1.º de Maio.

Neste tempo temos presente a força de tantas lutas, de tantas situações-limite, a força daquele hino que os

comunistas presos corajosamente ecoaram nas celas e nos corredores da sinistra prisão de Caxias: «Cada fio

de vontade são dois braços e cada braço uma alavanca». Hoje, em condições diferentes, esse é o caminho para

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ir mais longe na defesa, reposição e conquista de direitos, para romper as amarras do domínio do grande capital

e da submissão externa, para, com cada fio da nossa vontade, transformar milhares de braços em alavancas e

assim colocar os valores de Abril no futuro de Portugal.

Viva o 25 de Abril!

Aplausos do PCP, do PS, de Os Verdes e do PAN.

Vozes do PCP: — Viva!

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto, em

representação do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr.

Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Antigos Presidentes da República, demais Autoridades Civis e

Militares do Estado aqui presentes, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Sr. Núncio Apostólico, Sr.as e Srs.

Representantes do Corpo Diplomático, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Nos 43 anos do 25 de

Abril que hoje se assinalam lembramos e homenageamos todos aqueles que contribuíram para a construção da

democracia no nosso País, todos os homens e mulheres que se bateram, antes e depois desse dia, pela

liberdade e contra qualquer forma de totalitarismo. Neste que é o primeiro 25 de Abril após a morte de Mário

Soares, figura central da nossa democracia, é de elementar justiça referir aqui o seu nome.

Aplausos do CDS-PP, do PS e do PAN.

Celebramos a visão, a ousadia e a coragem, e a superação de tantos, lembrando também os que no 25 de

Novembro reconduziram o País para o verdadeiro rumo da liberdade e da democracia.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.

Se me é permitida uma nota pessoal, enquanto filha de militar e com dolorosas memórias da guerra colonial,

celebrar o 25 de Abril e também o 25 de Novembro é não esquecer dias e horas de inexcedível alegria. É

também honrar a memória do meu pai e os seus camaradas de armas, alguns deles aqui presentes.

Celebrar o 25 de Abril é um ato de justiça, de reconhecimento e de gratidão por aquilo que somos hoje como

povo e como País e não pode ser entendido como coisa menor, mero formalismo ou de circunstância. Fazê-lo

é preservar a memória, é respeitar a História e reconhecer que o 25 de Abril nos continua a edificar no presente

e nos projeta para o futuro.

Lembrar o 25 de Abril é guardar a chama que nos projetou para uma realidade que é hoje reconhecidamente

melhor, fruto do empenho de muitos, mas fruto, sobretudo, da alma de um povo. É avivar o orgulho que temos

no caminho percorrido, nas dificuldades ultrapassadas, nos esforços que os portugueses fizeram, o orgulho de,

como povo, continuarmos a ser capazes. É reafirmar o orgulho, tantas vezes esquecido, de ser português.

Neste percurso já longo reconhecemos erros — e não esquecemos o conturbado processo de

descolonização —, reconhecemos desvios e divergências. O CDS não tem nem nunca teve medo de afirmar os

seus valores e princípios e também nunca alimentou ressentimentos. Será sempre mais fácil destruir, mas muito

mais difícil será estimar, unir e construir. É desse lado que estamos e estaremos, como dizia Adelino Amaro da

Costa, em 1976, com palavras plenas de sentido e atualidade: «O CDS estará sempre empenhado em participar

no diálogo necessário para a sobrevivência e consolidação da democracia».

E o que nos trouxe a democracia? Indubitavelmente, a afirmação de direitos civis e políticos insubstituíveis,

com notáveis avanços e evoluções para o nosso coletivo, direitos que não podemos deixar de consolidar, num

processo sempre renovado de que é feita a construção da democracia. Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs.

Deputados, não podemos esquecer outros direitos.

Nesta fase de maturidade democrática, ainda que com sombras de incertezas, interrogamo-nos se estamos

ou não no patamar que gostaríamos de estar. Fazer política numa democracia moderna é não se contentar com

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os avanços que temos registado em matéria de liberdade e igualdade. Na democracia que queremos consolidar,

os direitos sociais deverão ser a trave-mestra que importa reforçar. Precisamos de valores sociais sólidos, que

devem ser entendidos como verdadeiros direitos humanos que o são, numa salutar interdependência com os

direitos civis que temos proclamado e construído.

Aplausos do CDS-PP.

Alinhado com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e com a nossa Constituição, o CDS está

empenhado em afirmar direitos sociais incontornáveis, valores universais intemporais. São direitos em que a

condição de pessoa é o requisito exclusivo para a titularidade dos mesmos e atuam como vetores integradores

e legitimadores do bem comum e, por isso mesmo, devem ser incentivados e protegidos.

É nesta linha que reafirmamos a necessidade de edificar uma sociedade moderna, que tem na proteção da

vida o alicerce dos direitos humanos, uma sociedade que não descarta os mais vulneráveis, antes deles cuida

e lhes amplia horizontes.

Defendemos a dignidade enquanto valor intrínseco e patrimonial inegociável do ser humano, pelo que, para

nós, e independentemente das circunstâncias, não há vidas que valem a pena ser vividas e outras não.

Aplausos do CDS-PP.

Adotamos, assim, uma visão solidária da dignidade humana, ultrapassando uma outra perspetiva

individualista que uma eventual ponderação mais isolada dos direitos civis poderá afirmar. Proteger a vida e os

mais vulneráveis será, pois, a melhor forma de garantir a promoção da dignidade e da liberdade que hoje aqui

celebramos.

Comprometidos com estes valores fundamentais e universais, queremos, no CDS, continuar a pugnar pelo

acesso ao tão prometido e muitas vezes incumprido Estado social. Queremos continuar a pugnar pelos bons

cuidados de saúde para todos, queremos garantir a devida proteção social aos idosos e aos mais vulneráveis,

aos seus cuidadores, queremos continuar a promover a natalidade e apoiar as famílias e a infância, melhorar o

investimento na educação e no ensino e garantir às gerações vindouras um legado de que eles e nós nos

possamos orgulhar.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, celebrar o 25 de Abril hoje será, assim, assumir as nossas

responsabilidades quanto ao presente, não hipotecando de forma irresponsável o futuro que queremos legar

aos que vierem depois de nós. Que legado estamos hoje a construir? Não queremos um vazio de promessas,

nem uma lista infindável de meras intenções, nem tão pouco discursos enganadores. Queremos compromissos

que se concretizam e, para isso, contamos com todos. Honremos, pois, os verdadeiros valores de Abril,

pensando assim no futuro que queremos deixar aos nossos.

Continuaremos, sem medo de afirmar os nossos princípios e valores, abraçando as nossas divergências e

sem medo de promover consensos. Continuaremos, sem medo, e sobretudo com esperança. A esperança que

nos impele para agir e não nos dispensa, de forma alguma, de participar ativamente na construção do nosso

País. A esperança de atingir novos patamares de desenvolvimento, de sermos mais felizes e mais resilientes,

como indivíduos e como coletivo. Com liberdade, com dignidade, em democracia.

Sr. Presidente da República, Minhas Senhoras e Meus Senhores: hoje, como sempre, poesia é liberdade.

Com a poesia de Sophia de Mello Breyner reafirmamos que, mais do que existir, queremos estar à altura de

«habitar livremente a substância do tempo». É essa a visão mais nobre que temos de estar na política, que hoje

aqui também celebramos.

É, pois, com gratidão, com orgulho, com responsabilidade e com esperança, sempre pela positiva, que

celebramos este 25 de Abril. Oxalá, 43 anos depois do primeiro, possam abrir-se novos horizontes e patamares

de desenvolvimento para os portugueses, reafirmando o nosso lugar na Europa e no mundo.

Viva a democracia! Viva Portugal!

Aplausos do CDS-PP, do PSD e do PS.

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O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Tem a palavra, em representação do Grupo Parlamentar

do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,

Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Primeiro-Ministro e demais

Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Nasci no Serviço Nacional de Saúde, estudei na escola pública, mas não pertenço a uma geração ingrata. A

Grândola também nos bate no peito à desfilada e, por isso, obrigada Capitães, obrigada a quem não se calou,

obrigada a quem resistiu até ao último sopro do seu corpo, obrigada a quem desertou para não ser cúmplice, a

quem viveu nos subterrâneos do medo. Obrigada a todas e a todos os combatentes desse amor inventado

chamado liberdade.

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

Todas as gerações têm os seus monstros. As gerações que viveram antes de mim nasceram e cresceram

no longo inverno do fascismo e da guerra, num regime que lhes marcava o destino do berço até à morte, sem

educação, nem saúde, nem a sorte das elites para quem estavam reservados os privilégios a que hoje

chamamos direitos. Para a maioria, o trabalho era outro tipo de prisão, o analfabetismo era a maior algema e o

patrão a pior polícia. Não foi só em Caxias que se ergueram grades.

Vergílio Ferreira escreveria, sobre as fronteiras da opressão: «Que a fronteira da tua liberdade te não seja a

porta da casa para que tu sejas livre dentro e fora dela. Que a tua liberdade comece no pão que te espera à

mesa e persista no desconhecido que te espera na rua. Que a distância de ti a ti seja por ti preenchida e nunca

pela polícia ou um diretor de consciência. Tu és livre. É, portanto, do teu dever libertares-te».

Sim, tenho orgulho de pertencer a uma geração que luta em liberdade. Tivesse isso chegado para não nos

mandarem emigrar; tivesse isso chegado para não nos sacrificarem o futuro no altar da austeridade; tivesse isso

chegado para não nos falharem a promessa de solidariedade numa Europa que afinal nos quer submissos.

Tentaram embalar a força transformadora da minha geração num conto sobre o fim da História. Deram-nos

um cravo para carregar ao peito uma vez por ano e disseram-nos que lutar pela liberdade era celebrar essa

História. Arrumaram os problemas do mundo numa virtuosa aliança entre a democracia e os mercados, mas

eles repelem-se. O muro também lhes caiu em cima e a História, longe de estar acabada, agora rebenta-nos

nas mãos. Em Alepo, onde decapitaram até a esperança; no cemitério em que se transformou o Mediterrâneo;

nos muros de arame farpado à volta dos campos que nos prometeram que não voltariam a existir; no crescimento

cada vez menos surdo da extrema-direita e da guerra.

Cada geração tem os seus monstros e os nossos aparecem todos os dias na televisão, quando chamam

«mãe» a uma bomba feita para matar os filhos de alguém porque já esqueceram a Rosa de Hiroshima;…

Aplausos do BE e do PS.

… quando a União Europeia determina que a deportação de refugiados é apenas uma questão de pagar o

preço certo à Turquia; quando movimentos reacionários e ultranacionalistas avançam na Europa, alimentando-

se dos destroços da austeridade que foi imposta aos povos.

Há 20 anos, Eric Hobsbawm receava que a xenofobia viesse a transformar-se na grande ideologia de massas

dos nossos tempos; que a rejeição do outro, a negação daquilo que a humanidade tem em comum fosse o bode

expiatório dos falhanços da sociedade. Olhando hoje para a Europa, quem pode não reconhecer, quem pode

não querer ver que houve um projeto que falhou? Falhou porque submeteu a democracia aos mercados

financeiros, falhou porque perdeu contacto com os direitos sociais e económicos dos povos, falhou porque

espalhou a pobreza e o desemprego, porque quis rasgar a Constituição. Falhou-nos porque entregou ou

privatizou o que era da nossa soberania e, portanto, da nossa liberdade.

O medo converteu-se no maior aliado de um projeto político conservador que domina a Europa. Demasiado

distante das aspirações dos povos para poder mobilizar as suas vontades, o poder centrista procura ocupar

cada espaço da nossa livre decisão com os seus burocratas, sanções e imposições. Perigo é a austeridade que

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renasce quando baixamos a guarda; perigo são as troicas que espreitam atrás de cada Programa de

Estabilidade.

Aplausos do BE.

Servem para nos lembrar que ainda não vencemos, que ainda temos quem se ache nosso dono, que ainda

não somos livres.

A espera é a derrota e o confronto com as imposições europeias, que é o mais difícil, ainda é o que está por

fazer.

A propaganda de que todos os protestos são populistas acabará por servir à absolvição de forças odiosas.

A alternativa aos projetos reacionários não é a moderação do situacionismo, com a sua defesa empenhada do

sistema que salva bancos mas que condena gerações a pagar as dívidas e os défices de uma velha elite,

demasiado poderosa e não raras vezes corrupta.

O maior erro é continuar a sacrificar a democracia aos lucros dos mercados financeiros e negar direitos e

liberdades, em nome de uma segurança que nunca se cumpre, só oprime.

A alternativa é a audácia de quem não se resigna, de quem questiona, de quem não tem medo de existir.

O medo e a esperança não só não se confundem, como se confrontam. E não há destino para quem fica a

meio do caminho, a atrapalhar o futuro, na estreita escolha do mal menor, imagem desbotada de democracia.

É por isso que não podemos baixar a guarda na defesa de uma democracia completa, radical, económica,

social, soberana, que reclame para si a livre decisão sobre o que é de todos, do trabalho aos bens comuns.

Abril, para não ser vazio, tem de ter conteúdo, tem de ser esperança.

No Bloco de Esquerda batemo-nos por este projeto de esperança. Por escolhermos a solidariedade em vez

da exclusão, por escolhermos a humanidade em vez da guerra, por defendermos investir no que é nosso em

vez de cumprir as regras do absurdo monetário, por defendermos que tem de haver aqui um futuro tão luminoso

como foi Abril. Dirão que sonhamos. A melhor resposta foi dada por um homem que sabia exatamente o que

existe entre a guerra e a paz e que hoje também homenageamos: «Sonhamos? Não sonhamos nada, somos

mesmo os únicos realistas deste filme.» — Miguel Portas.

Aplausos do BE.

Abril foi a melhor promessa que, ao libertar-se do passado, Portugal fez ao seu futuro. O futuro é hoje e nós

não pusemos o barco ao mar para ficar pelo caminho. Lutemos por ele. Como disse Natália Correia: «O cais é

a urgência, o embarque é agora».

Viva o 25 de Abril!

Aplausos do BE, do PS, do PCP, de Os Verdes e do PAN.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do PS, tem a

palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.

Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr.

Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Sr. Presidente do Tribunal de Contas, Srs. Antigos Presidentes

da República, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Celebramos hoje, aqui, o dia da

liberdade e da democracia, a data mais importante da história contemporânea de Portugal.

Ao celebrar o dia 25 de Abril de 1974 evoco a imagem de um jovem oficial do Exército à frente de um tanque,

envolvido pela multidão, a percorrer, a partir do Chiado, todas as ruas de um país.

A emoção de uma rendição anunciada esteve no rosto, no risco, nas indecisões, decerto no medo, mas na

imensa coragem desse militar. Salgueiro Maia foi, então, o mensageiro da liberdade e, nesse momento, o rosto

e a esperança de um povo. O Exército português dos Capitães de Abril, que ele simbolizou, afirmou a sua

legitimidade revolucionária quando o povo o acolheu nas ruas, no ato de rendição da ditadura.

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Aplausos do PS e do BE.

A nossa gratidão imperecível aos heroicos Capitães de Abril, alguns deles aqui presentes, que, com o risco

da própria vida, fundaram o nosso futuro e a nossa democracia.

Aplausos do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes.

Mas a Revolução do 25 de Abril de 1974 foi, também, o lugar e o tempo do fim da guerra colonial e de um

império colonial, e o início da liberdade para os povos dos futuros Estados de Angola, Cabo-Verde, Guiné,

Moçambique, São Tomé e Príncipe e, numa outra curva dramática da História, Timor-Leste.

O 25 de Abril é, simultaneamente, resultado e resultante da convergência da luta da resistência do povo

português e das lutas libertadoras dos povos colonizados, na sequência de um trágico e desumano erro histórico

da ditadura que prolongou o sofrimento de uma guerra injusta, responsável pela destruição, mutilação e morte

de tantos e tantos homens, e acabou por precipitar o retorno de milhares de portugueses ao País, em condições

vazias, de sacrifício e desesperança.

E porque não há futuro sem memória, temos de lembrar que o País livre e democrático, a República soberana

que hoje somos, foi sendo construído pela luta lenta, persistente, diária, difícil, com cadeias, desterros, exílios,

torturas e insubmissões.

A ditadura fascista assentou numa polícia política que censurou, vigiou e perseguiu pelo medo, que

assassinou centenas de portugueses, encurralou e torturou anos a fio milhares de homens e mulheres. A

ditadura teve lugares de sofrimento: Tarrafal, Peniche, Caxias, a guerra em Nambuangongo, os crimes de

Wiriamu.

Foi um longo caminho, de dias e dias e décadas, até chegar ao 25 de Abril, o dia que o povo português

sonhou e lhe pertence.

E neste momento, neste lugar da liberdade que é a Assembleia da República, cumpro o dever histórico de

honrar a memória de quem este ano nos deixou e da liberdade fez sua bandeira, quer na resistência à ditadura,

quer na fundação do regime democrático do 25 de Abril. Um homem que cruzou a sua vida com o destino da

Pátria: Mário Soares. A nossa gratidão e homenagem.

Aplausos do PS, do PSD, do PCP e do CDS-PP.

Ao evocarmos o 25 de Abril temos de o situar como o tempo e o lugar da fundação do Estado democrático,

em que Portugal se assume como República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e se propõe

alcançar uma sociedade livre, justa e solidária.

Iniciou-se, então, uma rutura histórica com um país social e economicamente subdesenvolvido, afirmando-

nos na garantia dos direitos políticos, sociais, culturais e ambientais, no acesso aos cuidados de saúde,

educação, proteção social e cultura, como âncoras da realização indissociável da liberdade e igualdade de todos

os cidadãos.

Abril é um dia e um lugar fantástico onde mora a esperança e o sonho do tudo ser possível. E, dessa cultura

em movimento, fica-nos a responsabilidade dos desafios de hoje: a procura de um verdadeiro desenvolvimento

sustentável, alicerçado pela inovação, pelo conhecimento, pela qualificação, pelo equilíbrio ambiental, na coesão

e equidade territoriais, no combate à pobreza e ao desemprego, à exclusão — designadamente dos imigrantes

—, à precarização do trabalho, em mais igualdade de oportunidades para mulheres e homens, no combate às

desigualdades, na valorização do espaço de cooperação internacional e do lugar da cultura e língua

portuguesas.

O desafio de hoje é ainda o aprofundamento da qualidade da democracia e do imperioso reforço da

credibilidade e transparência do Estado e da Administração, dos sistemas de segurança e justiça, em suma,

garantindo as condições de exercício de uma cidadania exigente e de uma nova ética de responsabilidade. E

assumindo, naturalmente, de pleno direito, e em igualdade, o nosso lugar na União Europeia.

Nos desafios de hoje, numa fase de crise europeia, as políticas austeritárias, de estreita disciplina orçamental,

provocaram, como entre nós, recessão e degradação social e os consequentes sacrifícios que atingiram

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sobretudo os mais pobres e excluídos e geraram uma insidiosa situação de incerteza, desesperança e chocantes

desigualdades sociais.

Ora, a saída da crise económica, social e ecológica exige uma União Europeia mais democrática, mais

transparente, subordinando o poder económico ao poder político, e que se oponha ao domínio opaco da

especulação financeira sobre os Estados e as instituições, que conduza um combate sem tréguas à corrupção

e à economia «subterrânea», e isso exige uma viragem capaz de suster o declínio do projeto europeu que o

abandono da solidariedade significou. A coesão social tem de regressar ao centro das políticas europeias.

Aplausos do PS.

A União Europeia não pode continuar a transformar um projeto europeu de solidariedade entre Estados,

povos e cidadãos no seu contrário, transferindo os imperativos dos mercados e das grandes corporações e

grupos financeiros aos orçamentos nacionais, sem adequada legitimação democrática.

Temos consciência de que «a construção europeia é capital não só para manter a paz sobre o continente,

mas igualmente para o progresso económico dos Estados-membros, e também para o seu poder político no

mundo». Mas a fragilização do projeto europeu, com enormes diferenças sociais entre povos e regiões, tem

aberto espaço a um surto de afirmações nacionalistas e soberanistas e às crescentes ameaças e ações do

terrorismo, extremismos e populismos.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o 25 de Abril é um dos raros dias das nossas vidas que rima com

liberdade, um lugar de todos os sonhos, da ousadia, da utopia tornada realidade que foi festa, esperança e

futuro.

Para que Abril não seja uma efeméride ritualista é nosso dever relacionarmo-nos com o futuro de modo

estratégico, recusando o conformismo, neste tempo ameaçador de incertezas, riscos para a paz, violência,

terrorismo, atentados contra direitos fundamentais.

Por isso, o nosso caminho, em Portugal e a nível planetário, só pode ser o de retomar a bússola dos grandes

valores universais da paz, da liberdade igual, do respeito absoluto pela dignidade humana, pelo sentimento de

fraternidade, do combate sem tréguas às disfunções sociais da pobreza, da exclusão e das desigualdades, pela

inspiração ética da política, pela perceção de que o equilíbrio ecológico é um imperativo vital para as gerações

futuras e para a própria sobrevivência coletiva.

Sr.as e Srs. Deputados, é preciso repensar o futuro como um cenário de liberdade, no qual a legenda do 25

de Abril seja uma matriz inspiradora da liberdade livre que se projeta no nosso presente com o seu caráter de

futuridade e de sempre.

Viva o 25 de Abril! Viva Portugal!

Aplausos do PS, de pé, do BE, do PCP e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do PSD, tem

a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho.

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. ex-Presidente da República, Sr.ª e Sr. ex-Presidentes da Assembleia da

República, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e dos

restantes Tribunais, aqui presentes, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sua Eminência o Cardeal Patriarca de

Lisboa, Sr. Provedor de Justiça, Sr.ª Procuradora-Geral da República, Sr. Presidente da Câmara Municipal de

Lisboa e restantes Autarcas aqui presentes, individualidades militares e civis, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados,

Minhas Senhoras e Meus Senhores: A liberdade só se alcança e a democracia só se realiza por completo

quando cada pessoa pode escolher, de acordo com o seu talento e a sua vocação, sem barreiras e em igualdade

de oportunidades, o seu projeto e o seu modo de vida.

O sonho da democracia e da prosperidade realiza-se numa sociedade livre e justa, na qual as pessoas são

reconhecidas pelo seu talento, pelo seu mérito e pelo seu contributo. O sonho de uma sociedade na qual cada

um pode escolher viver sem medo e sem necessidade é um ideal pelo qual se vive e pelo qual se morre, é uma

constante na vida.

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Uma sociedade que reconhece e valoriza quer o talento e o mérito, quer a inovação e a criatividade, tem de

fazer uma aposta firme na educação, tem de investir num ensino inclusivo, que garanta às crianças e aos jovens

oportunidades que não dependam da condição do seu nascimento. Tem de investir num ensino com exigência

e qualidade e com rigor na avaliação da escola, dos professores e dos alunos, um ensino que garanta a cada

criança a possibilidade de sair, de largar, de escapar ao círculo vicioso para o qual o seu contexto de base a

empurra.

Destruir este sistema de ensino que garante oportunidades efetivas é colocar uma nação em risco, é ameaçar

a massa crítica do futuro, é condenar a sociedade à estagnação e à pobreza, é levar as pessoas a desistir de

sonhar e de lutar; é destruir talento e ambição; é o rumo certo para o aprofundamento das desigualdades.

Nós, portugueses, maciçamente não queremos esse tipo de sociedade. Queremos a outra: uma sociedade

inclusiva, que garanta a todos condições para que cada um seja responsável por construir a sua própria vida,

tendo condições e capacidade de realizar o que desejar, de acordo com o seu talento, de acordo com a sua

vocação e o mérito das suas escolhas.

Nós não queremos uma sociedade que se reveja em conceções igualitárias, facilitistas ou de exclusão. É

esta sociedade livre, justa, inclusiva que em Portugal se impõe continuar a construir por vontade dos

portugueses. Nesse processo devemos introduzir elevados níveis de escrutínio e de transparência, deve a

sociedade libertar-se dos privilégios injustificados, da corrupção, do compadrio e da opacidade. Deve libertar-se

de instituições políticas e económicas que potenciem o enriquecimento ilegítimo à custa do resto da sociedade;

deve libertar-se de qualquer tentação de abuso de poder na política e na economia; deve ser firme no combate

à impunidade. É uma sociedade na qual a proveniência da riqueza deve ser justificada e, assim, o

enriquecimento ilícito criminalizado.

O valor hegemónico do progresso inclusivo e do desenvolvimento humano, económico e social sobrepõe-se

a qualquer salvaguarda de opacidade, sobretudo na presença de manifesta desproporção entre o património e

o modo de vida perante os rendimentos auferidos por cada um. Numa sociedade de capital escasso devemos

proclamar tolerância zero ao desvio dos recursos necessários à promoção do desenvolvimento inclusivo, de

oportunidades efetivas para todos.

A sociedade inclusiva, em permanente construção, é uma sociedade na qual os que exercem cargos políticos

e os atores económicos devem estar sujeitos a elevados níveis de escrutínio e de transparência. Devem registar

publicamente os seus interesses, os seus propósitos e as suas afiliações. Estas são medidas determinantes

para elevar o grau de confiança que as pessoas depositam nos outros e, consequentemente, para elevar a

medida em que são capazes de cooperar.

A confiança é, sobretudo, uma consequência do prestígio das instituições políticas e económicas e estas são

o garante do primado do direito, da promoção da igualdade de condições e de um sistema jurídico imparcial. A

democracia, a liberdade e a igualdade de oportunidades não serão direitos permanentes se a política não estiver

ao serviço das pessoas — de todas as pessoas —, se as instituições políticas e económicas não refletirem as

escolhas que conduzem a uma prosperidade inclusiva.

Olhando o mundo, percebemos que diferentes escolhas políticas levam a consequências distintas. O

progresso e o crescimento económico sustentável e inclusivo não são um mero acaso, são resultados

determinados por escolhas que fazemos. Essas escolhas são, antes de tudo, políticas e é o processo político

na sua composição primacial que determina a natureza e o tipo das nossas instituições e como funcionam; se

se organizam em torno de um mercado livre e concorrencial para todos, em condições de igualdade de

oportunidades; se criam incentivos à iniciativa privada e às empresas; se removem os obstáculos à entrada no

mercado, a burocracia, os custos excessivos na obtenção de licenças e alvarás, as dificuldades em obter

empréstimos e financiamento; se garantem condições de acesso que potenciem o talento e o mérito, a inovação

e a criatividade; em suma, se removem as barreiras que aprofundam as desigualdades registadas na casa de

partida.

Mas se, pelo contrário, as nossas escolhas vierem a determinar que a sociedade se organize num quadro

caracterizado pela insegurança do direito de propriedade e da livre iniciativa económica, pela opacidade e

ausência de escrutínio, na imprevisibilidade e nos interesses de grupos sociais ou de elites, então desperdiça o

talento, repudia o mérito, desmoraliza as pessoas e aliena-lhes a liberdade de escolher e as oportunidades de

progredir.

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Há uma fronteira clara entre as duas opções políticas que referi, e essa fronteira separa pensamentos

políticos inconciliáveis. Uma fronteira tão nítida quanto o Paralelo 38 que divide as Coreias. Uma fronteira que,

de um lado, coloca o primado da pessoa e do seu projeto de vida e, do outro, um Estado totalitário gerador de

pobreza e de injustiça.

Recordo Francisco Sá Carneiro, citando-o: «O socialismo marxista, coletivista e estatizante, por mais suave

que seja o seu discurso, não convém ao progresso dos povos nem ao livre desenvolvimento dos homens, até

porque é arcaico.»

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Mas, se os dois pensamentos políticos que aqui confrontei são,

realmente, inconciliáveis, é importante sublinhar a relevância moral de um outro traço distintivo entre eles,

sobretudo nesta data simbólica que celebramos. E esse traço distintivo é aquele que separa a tolerância, que

se propõe ao diálogo, à abertura e ao consenso, da intolerância, que se apresenta dogmática, que não discute

ideias, antes as impõe, e que não aceita a diferença ou a escolha livre, preferindo escolher por nós, em nome

de um suposto bem maior. Trata-se, no fundo, do que separa a verdadeira democracia das redutoras utopias

totalitárias.

E termino com uma referência, que é hoje incontornável, com profundo afeto e profunda admiração, àquele

que, do exílio, denunciou ao mundo o Portugal Amordaçado e que indicou e desbravou o rumo, primeiro da

escolha, e depois da consolidação, da liberdade, da democracia e da descentralização, da opção europeia, da

relação solidária e fraterna com a nossa pátria imaterial que é língua portuguesa e a enorme comunidade que a

partilha. Aquele que foi um dos mais marcantes rostos da luta para que, na continuação de Abril, Portugal

permanecesse do lado livre, democrata e inclusivo de um mundo dividido por um muro. Por tudo isto, obrigada

Mário Soares, e obrigada a todos os que lutaram e persistem em lutar pelos ideais da liberdade e da inclusão.

Obrigada! Viva a liberdade! Viva a inclusão! Viva Portugal!

Aplausos do PSD, com Deputados de pé, do PS e de alguns Deputados do CDS-PP.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — É agora a vez do Presidente da Assembleia da

República.

Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do

Tribunal Constitucional e dos demais Tribunais Superiores, Antigo Presidente da República, General Ramalho

Eanes, Antigos Presidentes da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral e Assunção Esteves, Srs.

Ministros, Sr.ª Procuradora-Geral da República, Sr. Representante da República para a Região Autónoma dos

Açores, Sr. Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Núncio

Apostólico, decano do Corpo Diplomático, Membros do Corpo Diplomático, Autoridades Civis e Militares, Sr.

Cardeal Patriarca de Lisboa, Srs. ex-Conselheiros da Revolução, Srs. Antigos Constituintes, Sr. Presidente e

Membros da Direção da Associação 25 de Abril, Ilustres Convidadas e Convidados, Excelências, Minhas

Senhoras e Meus Senhores: Há 43 anos nascia em Portugal uma promessa de liberdade.

Quarente e três anos depois podemos dizer com orgulho que da promessa de liberdade fizemos uma

democracia europeia e aberta ao mundo. Quarenta e três anos depois, honremos a memória, reafirmemos a

democracia e enfrentemos os desafios que temos pela frente.

Honremos a memória, começando pelo princípio de tudo: pelas nossas Forças Armadas, pilar da identidade

e da soberania nacional. Foi das suas fileiras que surgiu o MFA (Movimento das Forças Armadas) e os gestos

corajosos que fizeram nascer a democracia portuguesa. Ao longo destes 43 anos de democracia as nossas

Forças Armadas têm sabido prestigiar o Estado e servir os portugueses e são, por isso, ainda hoje a instituição

em que os portugueses mais confiam. Obrigado, Forças Armadas Portuguesas, obrigado, Capitães de Abril!

Aplausos do PSD, do PS, do BE e de Os Verdes.

E muito obrigado a todas as mulheres e homens que se bateram pela democracia.

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Foi já há 25 anos que nos deixou um grande português, que ajudou, como poucos, a mudar o nosso fado,

no dia 25 de abril de 1974: o Capitão Salgueiro Maia, um verdadeiro herói da democracia!

Aplausos do PSD, do PS, do BE, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

Esse dia inicial da liberdade começou ao som da Grândola Vila Morena. Recordemos pois, também, agora

que passam 30 anos da sua morte, o trovador da liberdade, José Afonso, tão admirado e cantado pelos jovens

de outrora e de hoje, o Zeca, para amigos e admiradores — e são tantos os que estão aqui hoje, no Parlamento,

e também nas avenidas, ruas e praças deste País, a celebrar o dia da liberdade.

Aplausos do PSD, do PS, do BE, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

Minhas Senhoras e Meus Senhores, Sr.as e Srs. Deputados, este ano, em que fazemos 43 anos de

democracia, começou com o desaparecimento do nosso querido Mário Soares. Mário Soares soube unir o País

partindo de uma identidade própria: era assumidamente laico, republicano e socialista. Mas sempre fez da

tolerância a sua bandeira na luta pela democracia, pela descolonização e pela Europa. Puxou pelo que há de

melhor na História de Portugal e na energia dos portugueses.

Em certo sentido, o Portugal que hoje somos inscreve-se na tradição de liberdade iniciada há 200 anos, com

as primeiras revoltas liberais. Por isso, e com este propósito de celebrarmos hoje a liberdade, de reafirmarmos

hoje os nossos valores, vamos comemorar, a partir da Assembleia da República, o bicentenário do

constitucionalismo português.

Essas comemorações, presididas pelo Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, serão uma oportunidade para a

produção científica e cultural, mas também para a divulgação pedagógica dos valores constitucionais, dos

direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Somos, com orgulho, o País europeu que há mais tempo aboliu a pena de morte. E estamos também, na

Assembleia da República, muito empenhados nesta evocação.

A disponibilização do edifício da Casa Amarela, afeto à Assembleia da República, convoca-nos para a

oportunidade de criar ali um centro interpretativo sobre o Parlamento, com auditório, espaços interativos e

livraria. É um sonho que nos cumpre concretizar. Será a porta principal para a Casa da democracia.

É uma ideia que hoje lançamos e que, estou certo, tem todas as condições para mobilizar as energias dos

Deputados, dos funcionários e de toda a família parlamentar, durante um período alargado de tempo.

O triunfo da memória sobre o esquecimento, como sempre insiste o grande Manuel Alegre, é um aspeto

decisivo da vitória da democracia.

Aplausos do PS, de Deputados do PSD e de Deputados do CDS-PP.

Minhas Senhoras e Meus Senhores, honramos a memória, empenhados no presente e confiantes no futuro.

Vivemos um tempo político diferente, um tempo político novo, um tempo em que o Parlamento ganhou uma

nova centralidade. Não há Deputados dispensáveis ou partidos excluídos das soluções de Governo; todos

contam para servir Portugal, seja na oposição ou no apoio ao Governo.

Recentemente, foram publicados os dados do Eurobarómetro, um inquérito semestral que é aplicado em

todos os países da União Europeia. Esse inquérito mostra-nos uma inversão na tendência de desconfiança

crescente que existia nas instituições políticas da democracia. Há hoje, por exemplo, mais confiança dos

portugueses na Assembleia da República. Estou convicto de que este novo tempo político tem ajudado a essa

revalorização do Parlamento, enquanto instância de negociação democrática e de representação dos interesses

dos portugueses.

Estou certo, igualmente, de que o Sr. Presidente da República tem tido também, aqui, um papel decisivo

nesta recuperação da confiança nas instituições da democracia, através da sua magistratura de proximidade,

leal, lúcida e afetuosa, e, sobretudo, através do seu permanente respeito pela Constituição.

Aplausos do PSD e do PS.

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Mas continuemos a ouvir as pessoas. Os sentimentos de distância face ao poder e o clima de desconfiança

ainda revelam níveis preocupantes. E os ataques mal-intencionados ao Parlamento e aos seus membros

continuam a ver-se e a ouvir-se.

O 25 de Abril representou o fim da ditadura e o princípio do voto universal em Portugal. Não podemos aceitar

que o direito universal ao voto se torne numa formalidade, em que, de forma desproporcionada, os mais jovens

e os mais pobres se interessem menos pela vida política e participem menos nos atos eleitorais. Temos de

pensar seriamente em novas soluções, que ajudem a aumentar a influência política e eleitoral das novas

gerações e que contribuam para uma renovação da representação política.

Enquanto titulares de cargos políticos, temos o dever de ouvir e refletir, mas também de dar o exemplo e de

prestar contas aos portugueses. Saibamos todos, eu e todos nós, dar o exemplo e estar à altura do mandato

dos portugueses. Saibamos todos, eu e todos nós, distinguir aquilo que são as legítimas e desejáveis clivagens

democráticas do que são as responsabilidades que temos perante as regras e o funcionamento das instituições

da democracia.

E falando em prestação de contas, importa dar a conhecer as primeiras propostas do Grupo de Trabalho

para o Parlamento Digital, que lancei há precisamente um ano. Num ano, e no âmbito das atividades do Grupo

de Trabalho para o Parlamento Digital, foi possível prever a desmaterialização do processo legislativo,

nomeadamente no circuito entre o Governo, a Assembleia da República, a Presidência da República e o Tribunal

Constitucional; preparar a renovação do site da Assembleia da República; criar mecanismos que permitem uma

maior interação com os cidadãos, como uma plataforma para a submissão de petições; simplificar os requisitos

para apresentação de iniciativas legislativas de cidadãos ou de referendos; criar instrumentos de democracia

direta, como a bolsa de perguntas e requerimentos.

Quero aqui felicitar o Sr. Vice-Presidente Jorge Lacão, que, aliás, não está cá porque está em minha

representação na Eslováquia, pelo trabalho de coordenação que tem desenvolvido. E quero saudar o espírito

de compromisso democrático que tem pautado a atuação de todos os grupos parlamentares neste Grupo de

Trabalho que lancei há um ano.

Entretanto, por intermédio do Sr. Deputado Fernando Negrão, posso também testemunhar que dos trabalhos

da Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, onde já tiveram lugar

valiosas audições, resultaram importantes contributos para melhorar os mecanismos de fiscalização, que já

foram hoje aqui falados, criando regras claras, comportamentos de exigência e soluções que correspondam a

uma democracia cada vez mais qualificada.

Minhas Senhoras, Meus Senhores, Sr.as e Srs. Deputados, olhemos também para os desafios estratégicos

de Portugal. A União Europeia e as relações transatlânticas são assuntos evidentemente estratégicos para nós.

Ora, é precisamente o futuro da União Europeia e das relações transatlânticas que está em jogo, neste tempo

histórico em que vivemos.

Portugal tem feito o seu trabalho na Europa. Contudo, sabemos que o cumprimento das nossas obrigações

é condição necessária, mas não suficiente, para o sucesso dos objetivos nacionais e europeus. Veja-se, por

exemplo, a ameaça da extrema-direita, que continua visível em França.

Não basta, a este respeito, falar em populismo. Acho que é um conceito que normaliza o que não é normal

em democracia: as derivas autoritárias, os ataques à liberdade de imprensa, o racismo, o fechamento económico

e social, o medo da diferença e do pluralismo. Isto não é nenhum novo populismo. Isto é a velha extrema-direita

autoritária, nacionalista e xenófoba!

Aplausos do PS, do BE, do PCP e de Os Verdes.

Às vezes não damos o devido valor àquilo que temos e esquecemos a dimensão daquilo que conseguimos.

Há quem fale de fadiga democrática e de desencanto europeu, mas foi a democracia e o projeto europeu que

garantiram o desenvolvimento e o mais duradouro período de paz no nosso velho continente. Recordemos as

sábias palavras de um grande europeísta, François Mitterrand: «o nacionalismo é a guerra».

Temos de aperfeiçoar a política monetária, temos de encontrar mecanismos em que a dívida não estrangule

o crescimento; temos de coordenar a governação económica; temos de harmonizar a fiscalidade, temos de

combater o terrorismo e garantir a nossa segurança e defesa; temos de integrar melhor os imigrantes e os

refugiados; temos de reforçar as políticas de coesão e de emprego; temos de fazer isso tudo, porque sabemos

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que não podemos ignorar os sinais de insatisfação e porque sabemos que há na Europa um projeto de paz e

desenvolvimento que não podemos dispensar. Temos de continuar o caminho para a igualdade de direitos e

oportunidades entre mulheres e homens, o caminho do respeito pelas diferenças, o caminho da consideração

pela dignidade dos mais idosos e dos mais jovens.

Há, apesar de tudo, sinais de esperança.

Ao mesmo tempo que definham os que abandonam os seus princípios, ao mesmo tempo que são castigados

os que cedem de forma oportunista à extrema-direita, emergem novas forças, com convicções sociais,

ambientais e europeias.

Esperemos que a derrota da extrema-direita se confirme e que represente o regresso do espírito fundador

europeu e o reforço atualizado do seu modelo social, a que Tony Judt chamou a «banalidade do bem».

Agora, ainda é tempo de arregaçar as mangas e de revitalizar essa banalidade que pensávamos adquirida.

Estamos perante o maior desafio à estabilidade da Europa desde o fim da guerra fria. Dos Estados Unidos da

América continuam a chegar-nos sinais preocupantes e contraditórios. Ao mesmo tempo que fazemos o trabalho

que nos compete, temos de estar vigilantes nas nossas famílias políticas europeias e nos fóruns internacionais,

em defesa da democracia e do Direito Internacional, de uma Europa melhor e de uma globalização mais regulada.

Respeitamos os tratados internacionais e os nossos compromissos. Não damos mas também não recebemos

lições de ninguém.

Aplausos do PS.

Somos um dos raros países europeus sem ameaças de extrema-direita.

Embora com naturais divergências quanto ao caminho a seguir, temos sido exemplo de compromisso entre

acordos internacionais e deveres constitucionais e da busca, por parte de todos nós, da conciliação entre

avanços sociais, crescimento económico e estabilidade financeira.

Se não há República sem republicanos, também não há democracia sem democratas empenhados.

Viva a democracia!

25 de Abril, sempre!

Viva Portugal!

Aplausos do PS, de pé, do BE, do PCP, de Os Verdes, de alguns Deputados do PSD e de alguns Deputados

do CDS-PP.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — O Sr. Presidente da República vai agora dirigir uma

mensagem ao Parlamento.

Tem a palavra, Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa): — Sr. Presidente da Assembleia da República,

Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores, Sr. Antigo Presidente da

República, Srs. Presidentes da Assembleia da República e Primeiros-Ministros, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa,

Sr.as e Srs. Embaixadores, Srs. Capitães de Abril, Sr.as e Srs. Deputados, Digníssimos Convidados, Minhas

Senhoras e Meus Senhores: Faz, hoje, exatamente 40 anos que, pela primeira vez, aqui, nesta Casa da

democracia, se iniciou o que já é uma tradição cívica — a celebração do 25 de Abril, pela voz dos eleitos por

todo o povo português.

E a dúvida que, de quando em vez, ouvi suscitar, a tantos dos meus jovens alunos foi esta: faria ainda sentido

uma cerimónia, aparentemente de mera rotina, num claustro fechado, dividida entre reiterar a devida gratidão

aos destemidos militares de 1974 e a todos quantos os haviam antecedido, na luta pela liberdade e pela

democracia, e repetir os argumentos do confronto político de cada instante, nalguns casos pontuados por avisos

ou mesmo quase ultimatos presidenciais? Não seria preferível viver a data fora deste Hemiciclo, junto de mais

portuguesas e portugueses, num gesto de abertura da política a problemas concretos do dia a dia do cidadão

comum, inovando nas ideias e ultrapassando a sensação de se estar a ver o mesmo, ainda que pessoas e

circunstâncias fossem diferentes?

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Ademais, vivendo a Europa e o mundo tempos dominados pelos apelos do digital, em que as mensagens

mais sérias fluem a ritmo alucinante, sem que emitentes e recetores se apercebam de que ficam reféns de uma

precipitação, de um esquecimento, de uma menor ponderação de conteúdos; tempos em que se afigura tentador

questionar instituições e ritos e simplificar afirmações, em homenagem à crescente aceleração de factos e

ansiosas expetativas de grupos sociais.

Pois é precisamente porque estes tempos são, amiúde, de substituição da substância pela forma, do estudo

e da qualificação pelo improviso e a superficialidade, de carreiras laborais por expedientes de ocasião, do debate

das ideias por proclamações básicas, dizendo o que se pensa ser aprazível ao ouvinte e não o que deve ser

dito; é por tudo isto, e mais a contingência de este empobrecimento ético e doutrinário abrir caminho a

radicalismos egoístas e excludentes, racismos e xenofobias, messianismos que da democracia apenas gostam

de usar o que lhes convenha, que faz sentido manter viva esta tradição.

Hoje, mais do que nunca. Para mostrar que não nos esquecemos da nossa História e que há datas, como a

do 25 de Abril — bem hajam os destemidos e corajosos Capitães de Abril —, que não foram, nem nunca serão,

indiferentes ao nosso destino coletivo. Para evocar os que já nos deixaram, como Mário Soares — ainda há três

meses — mas que continuam bem vivos na nossa memória; para confirmar que preferimos a democracia —

apesar de imperfeita, injusta ou incompleta — à mais sedutora das miragens ditatoriais. Para sublinhar que a

democracia tem uma Casa, em que se entrechocam as mais variadas visões da vida e da sociedade, e que nem

mesmo o tom áspero dessas discussões pode servir de pretexto para questionar a riqueza da diversidade

democrática. Para reforçar que é porque entre nós há tanta diversidade e tão vigorosos combates políticos que

o nosso sistema de partidos é dos mais estáveis na Europa, não deixando espaço a riscos antissistémicos

conhecidos noutras paragens. Para recordar que, se é verdade que a democracia está longe de acabar nesta

Casa, ou em todos os órgãos de soberania, a Assembleia da República é um símbolo primeiro da democracia

portuguesa. Prestigiá-la dá vigor à nossa democracia. Dela permanentemente fazer exemplo de discussão

substancial, de elevação pessoal, de atenção aos portugueses, de visão de médio e longo prazo, protege-nos,

a todos, contra a descredibilização da política, a tentação da demagogia, a revivescência de messianismos,

oferecendo passados improváveis ou futuros ilusórios.

Eis, por conseguinte, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, por que entendo que, neste tempo dos

chamados populismos anti-institucionais, dos tropismos antissistémicos, é essencial tornar claro que nos

orgulhamos dos nossos marcos históricos. Queremos viver em democracia, sabemos que ela tem de ser mais

livre e mais justa, mas sabemos, também, que valorizar a Assembleia da República, tal como todos os órgãos

de soberania, e outras instituições constitucionais de referência, a começar pelas Forças Armadas, é condição

insubstituível para que os portugueses nunca desistam do que andam a construir há mais de 40 anos.

Sim, porque não podemos olvidar que, se há heróis da nossa democracia, para além dos que a prepararam

e que, no 25 de Abril, lhe abriram caminhos de futuro, esses heróis são os portugueses.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e da Deputada do Bloco de Esquerda Catarina Martins.

Eles a converteram de projeto coletivo e de Constituição escrita em vida, construindo-a a cada momento. Os

portugueses constroem a democracia pelo voto, pela sua liberdade de opinião e de crítica, pelos partidos,

movimentos, associações políticas a que aderem ou em que militam. Ou então fazendo um percurso mais

solitário, fora dessas estruturas representativas, sem se desinteressarem da causa pública, assim dando

expressão aos direitos políticos e pessoais.

Os portugueses constroem democracia nas escolas, nos lugares de trabalho, nos sindicatos e nas

associações patronais, nas comunidades locais, no voluntariado, nas Misericórdias, nas IPSS (Instituições

Particulares de Solidariedade Social), nas agremiações culturais e cívicas, nas igrejas a que pertencem, desse

modo nunca deixando omitir ou esvaziar intoleravelmente os direitos económicos, sociais e culturais.

Os portugueses constroem democracia quando, emigrantes, nunca se esquecem das suas terras e para elas

contribuem sem cessar, ou quando recebem imigrantes e refugiados de todo o mundo, lembrando-se que a sua

odisseia é igual à que conhecem desde os séculos XV e XVI. E, portanto, apostando na abertura a outras

latitudes e longitudes.

Os portugueses constroem democracia quando, ao fim de anos de sacrifício, sentem que valeu a pena tudo

terem feito para sanear as finanças públicas ou tornar possível crescer e criar emprego de forma duradoura e,

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por essa via, criar condições para se reduzir a dívida que têm sobre os seus ombros, revelando resistência e

constância exemplares.

Em suma, aos portugueses devemos a nossa democracia ser efetivamente representativa e salutarmente

participativa, ser passado mas também presente e futuro, significar mais do que um sonho para alguns, antes

um regime ao serviço de um desígnio nacional.

Porque três realidades são indesmentíveis.

A primeira é a de que é dos portugueses, todos eles, o mérito primeiro das vitórias que fomos tendo nos

últimos anos, nas nossas finanças, na nossa economia, na nossa sociedade.

A segunda é a de que é dos portugueses, todos eles, o papel decisivo de, sobretudo, criar um futuro melhor.

A terceira é a de que os portugueses, ao sedimentarem a democracia, o fizeram, e fazem, a pensar na Pátria,

como patriotas. Patriotas, digo bem. E não tenhamos medo das palavras e do que elas encerram, patriotas

fervorosamente orgulhosos da sua Nação.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Porque há duas maneiras muito diferentes de se amar a Nação. Uma, a que infelizmente vai grassando

noutras sociedades, é a de se se dizer nacionalista contra o mundo, contra os que não são dos nossos,

rejeitando, excluindo, vivendo em medo permanente, perante tudo e todos. Outra, a nossa, a que esteve na

base da nossa expansão, por oceanos e continentes, com todas as limitações que conhecemos e assumimos,

e das nossas comunidades espalhadas pelo mundo, é a de amar a Nação de coração aberto, de alma universal,

não renegando as nossas raízes identitárias mas sabendo que elas foram feitas desde antes da independência,

de um somatório, entre outros, de traços culturais gregos, romanos, fenícios, lusitanos, germânicos, celtas,

mouros, judeus, e, mais tarde, africanos, asiáticos e americanos. Um nacionalismo patriótico e de vocação

universal, não um nacionalismo egocêntrico, agarrado a um pretenso passado, recriado, porque não real, e

insuscetível de enfrentar o futuro. Aliás, o único que perfilhamos, capaz de nos defender de terrorismos, de

inseguranças, de incertezas, porque, ao cultivar a abertura e a inclusão, torna mais difícil o que é hoje o pão

nosso de cada dia noutras sociedades: serem os perseguidos, os injustiçados, os rejeitados de dentro, os aríetes

dos maiores perigos e das mais insidiosas ameaças.

É esta visão descomplexadamente patriótica que dá sentido último à nossa democracia.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cabe assim aos portugueses, e ao seu inquebrantável patriotismo,

em primeira linha, o combate fundamental pela nossa democracia e, mais do que isso, por valores centrados no

respeito pela dignidade da pessoa humana, inscritos na nossa Constituição. E eles não têm faltado à chamada

neste combate. Como não têm faltado as instituições públicas e da sociedade civil, que acorreram a muitas das

privações dos anos mais penosos.

Portugueses, rede de proteção social no terreno e referenciais de paz, segurança e solidariedade, têm

permitido enfrentar crises sem tentações ou pulsões antidemocráticas ou menos democráticas. Mas não chega:

importa que todas as estruturas do poder político, do topo do Estado à Administração Pública e, naturalmente,

aos tribunais, entendam que devem ser muito mais transparentes, rápidas e eficazes na resposta aos desafios

e apelos deste tempo, revendo-se, reformando-se, ajustando-se.

Os chamados populismos alimentam-se das deficiências, das lentidões, das injustiças, das incompetências,

das irresponsabilidades do poder político ou da sua confusão, ou compadrio, com o poder económico e social.

Preveni-los ou pôr-lhes cobro requer determinação e permanente proximidade, antecipação e satisfação das

legítimas necessidades comunitárias.

Há, neste contexto, um bastião da nossa democracia que merece, hoje, na evocação do 25 de Abril, uma

palavra muito especial: o poder local.

Os milhares e milhares de mulheres e homens que passaram ou estão em espírito de missão nos municípios

e nas freguesias de Portugal, autarcas e trabalhadores foram, e são, uma das mais vivas diferenças da nossa

democracia relativamente à Monarquia Liberal e à Primeira República. Não a única, mas das mais relevantes.

Porque, com o sufrágio universal, alargaram, e alargam, a participação no poder político, muito para além de

um número circunscrito de cidadãos; porque viveram e vivem, sol a sol, próximos das pessoas. Sabem os seus

nomes, conhecem as suas queixas, não governam papéis, lidam com vidas concretas: água, esgotos, lixo,

escolas, caminhos, centros sociais, mercados, espaços verdes, comércio, agricultura, ambiente, cultura,

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parques industriais. Tudo o que implica com a vida dos mais de 10 milhões tem a ver com elas e com eles. Claro

que não passa à margem dos governantes regionais e nacionais, mas esses estão mais longe, ainda quando

tudo fazem para estarem mais perto.

Já disse, e repito: o poder local foi e é um «fusível de segurança» singular da nossa democracia.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

O poder local não é isento de problemas e defeitos, como toda a obra humana, mas tem direito a ser, como

um todo, celebrado por uma vez, num 25 de Abril. E, a meses da realização do ato eleitoral que a inicia, todos

formulamos o voto de que a nova legislatura autárquica traga consigo, quer nas áreas de satisfação de

necessidades clássicas ou básicas, quer no desenvolvimento económico, ambiental, social e cultural — e,

portanto, humano —, quer nas novas vias de participação popular, passos ainda mais arrojados, promovendo o

progresso, combatendo a pobreza e as desigualdades, e fomentando um clima livre, plural e crítico, próprio das

democracias fortes e prospetivas.

Espero-o, também, a duplo título, como Presidente da República e como antigo autarca, durante 19 anos, no

mais rico, num seu vizinho, e no então, porventura, mais pobre município nacional.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Portugal não é um País perfeito.

Temos de melhorar, e muito, o que queremos oferecer de futuro aos nossos jovens, tal como aos nossos

anciãos, que tanto nos deram já.

Os dois anos e meio que faltam para o termo da legislatura parlamentar terão de ser de maior criação de

riqueza e melhor distribuição. Governo, seus apoiantes e oposições, que legitimamente aspiram a voltar a

governar, estarão, por certo, atentos a este imperativo, na multiplicidade enriquecedora das suas opções. Tal

como têm sido essenciais uns e outros, neste último ano e meio, ao garantirem a virtuosa compatibilização entre

a indispensável estabilidade e o salutar confronto político e parlamentar.

Mas, se Portugal tem de fazer mais e melhor, para sermos justos, havemos de admitir que somos uma Pátria

em paz, com apreciável segurança, sem racismos e xenofobias de tomo, aceitando diferenças religiosas e

culturais como poucos, com uma rede de instituições sociais devotada, um poder local incansável e um sistema

político flexível, e, nessa medida, mesmo se carecido de reformas, mais sustentável do que muitos outros dos

nossos parceiros europeus. Por isso, temos resistido à nova vaga dita populista que percorre esse mundo fora.

Com quase nove séculos de história, não trocamos o certo pelo incerto. Não sacrificamos uma democracia,

ainda que imperfeita, seduzidos por cantos de sereia de amanhãs ridentes, em que do caos nascerá o paraíso.

E, também graças ao 25 de Abril, temos dentro de nós caminhos suficientemente opostos e, portanto,

alternativos, embora todos eles crentes na democracia constitucional, para nos sentirmos dispensados de

aventuras sem regresso.

Em suma, temos muito orgulho na nossa história, no nosso patriotismo aberto ao universo, na nossa

capacidade para nos reinventarmos em democracia, mantendo-nos fiéis à nossa língua, às nossas raízes, à

nossa maneira de ser: plataforma entre culturas, civilizações, continentes e oceanos.

Numa palavra, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, nós orgulhamo-nos de Portugal.

Aplausos gerais, tendo o PSD, o PS e o CDS-PP aplaudido de pé.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Declaro encerrada a Sessão Solene Comemorativa do

XLIII Aniversário do 25 de Abril.

Eram 11 horas e 45 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, tocou o hino nacional, tendo a

Câmara aplaudido de pé.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

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A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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