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Quinta-feira, 27 de abril de 2017 I Série — Número 81
XIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2016-2017)
REUNIÃOPLENÁRIADE26DEABRILDE 2017
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro Sandra Maria Pereira Pontedeira
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5
minutos. Ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 224.º do
Regimento, teve lugar o debate quinzenal com o Primeiro-Ministro (António Costa), que respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados Jerónimo de Sousa (PCP), Pedro Passos Coelho (PSD), Lara Martinho, Fernando Anastácio e Helena Roseta (PS), Catarina Martins (BE), Assunção Cristas (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e André Silva (PAN).
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projetos de lei n.os 507 e 508/XIII (2.ª) e dos projetos de resolução n.os 817 a 823/XIII (2.ª).
Procedeu-se ao debate preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia. Usou da palavra na abertura do debate o Primeiro-Ministro, tendo-se seguido os Deputados Miguel Morgado (PSD), Isabel Pires (BE), Pedro Mota Soares (CDS-PP), João Oliveira (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Eurico Brilhante Dias e Carla Tavares (PS).
O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 17 horas e 38 minutos.
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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas.
Vamos dar início à sessão plenária.
Eram 15 horas e 5 minutos.
Peço às Autoridades para abrirem as galerias.
Da agenda da sessão de hoje consta o debate quinzenal com o Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea b) do
n.º 2 do artigo 224.º do Regimento da Assembleia da República e o debate preparatório do próximo Conselho
Europeu ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela
Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia.
Para dar início ao debate quinzenal, e de acordo com o estipulado no Regimento da Assembleia da
República, as primeiras perguntas cabem ao Grupo Parlamentar do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, nestes últimos tempos da nova
fase da vida nacional têm sido dados passos, apesar de limitados, na recuperação de direitos e rendimentos,
medidas que tem contribuído, embora ainda de forma insuficiente, para pôr o País a crescer.
Neste mês de abril, milhares de crianças estão a receber a majoração do abono de família com retroativos a
janeiro. As famílias estão também agora a pagar menos IMI, em resultado da aprovação da proposta do PCP
nesse sentido. A proposta de apoio aos pescadores quanto à utilização de gasolina nas embarcações de pesca,
a decisão de honrar a memória com a recuperação do Forte de Peniche e a criação do Museu da Resistência
são outros avanços que valorizamos.
Este é o caminho que é preciso seguir, indo mais longe com uma justa política de reposição de rendimentos
e direitos.
Contudo, Sr. Primeiro-Ministro, sabe que muitos setores atingidos pelas medidas do anterior Governo do
PSD/CDS, de drásticos cortes de rendimentos, direitos e condições de trabalho, sentem uma crescente
preocupação, porque sentem que essas situações já deveriam ter tido resposta. E, olhando para o Programa de
Estabilidade e o plano nacional de reformas, elaborados e aprovados pelo Governo, esses setores pressentem
que está mais longe a solução para os seus problemas.
Poderíamos falar dos médicos e enfermeiros com protestos marcados, mas também dos professores, dos
auxiliares de ação educativa, dos agentes das forças de segurança, dos reformados, dos trabalhadores das
autarquias e de outros setores da população, que sentem a falta de resposta a serviços essenciais, seja na
saúde, na educação ou outros, que têm vindo aqui, pela nossa mão, nos últimos debates. Poderíamos também
falar do setor dos transportes, da Soflusa, da Transtejo, entre outros.
Trata-se de inquietações e preocupações que também são nossas.
Sr. Primeiro-Ministro, mantém-se a nossa preocupação com a crescente contradição entre o cumprimento
das metas definidas naqueles programas de ingerência e policiamento da União Europeia e querer ver o País a
crescer de forma robusta e sustentada, acelerando a criação de emprego, dando resposta às justas aspirações
dos que viram as suas vidas retroceder nestes últimos anos.
O facto de o Governo canalizar para o cumprimento dessas metas todos os ganhos de crescimento previstos
e do saldo excedente das contas públicas, realizado à custa de muitos sacrifícios dos trabalhadores e do povo,
dá razão às nossas preocupações.
Estas imposições são um espartilho ao desenvolvimento do País e estão em contradição com a necessidade
de dar resposta aos seus problemas, de garantir uma justa política de devolução de rendimentos e direitos.
Se assim é, como vamos resolver essa contradição? O Sr. Primeiro-Ministro vai prosseguir a política de
congelamento de salários na Administração Pública que já dura há dez anos? Repito, Sr. Primeiro-Ministro, já
dura há dez anos! Vai prolongar o prazo para o descongelamento das carreiras dos trabalhadores da
Administração Pública?
Vai deixar para as calendas uma cabal resposta ao flagelo da precariedade?
Até quando se vai arrastar a reversão do brutal saque fiscal que o anterior Governo promoveu aos
rendimentos do trabalho, em sede de IRS, adiando, por exemplo, a revisão dos escalões?
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Vai retardar o aumento do investimento necessário ao desenvolvimento das infraestruturas do País e da sua
economia e à melhoria dos serviços públicos e das funções sociais do Estado?
Sim, sei que são muitas as perguntas, mas não são menos as preocupações, Sr. Primeiro-Ministro, e a nossa
convicção é de que o País não pode aceitar estas imposições e estes constrangimentos ao seu desenvolvimento;
no fundo, não pode adiar a esperança.
Ontem ouvi o Sr. Presidente da República dizer que é preciso criar mais riqueza e reparti-la melhor. As boas
palavras nunca fizeram mal a ninguém, mas a grande questão de fundo é esta: como é que as palavras se
concretizam em atos, isto é, como é que se põe Portugal a produzir, como é que se valoriza o trabalho e os
trabalhadores?
Sr. Primeiro-Ministro, gostaríamos de ouvir a sua preocupação, a sua análise em relação a estas questões
de fundo que hoje marcam a situação portuguesa.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, eu não diria que há
contradição, mas há, seguramente, tensão, porque, na nossa política económica, temos de prosseguir
simultaneamente diferentes objetivos e cumprir diferentes compromissos.
Entre eles por vezes há tensão, mas não há contradição. Pelo contrário, o sucesso de 2016 demonstra bem
como é possível articular a eliminação dos cortes nos salários da função pública, a eliminação dos cortes nas
pensões, a diminuição da carga fiscal com uma situação orçamental melhor do que a que tínhamos
anteriormente. Poderíamos ter prosseguido só um dos objetivos? Não, porque ambos são essenciais para que
o conjunto seja mais sólido e para que qualquer um deles seja possível.
Se não conseguirmos ter uma trajetória sólida do ponto de vista da consolidação orçamental a situação ficará
pior para as famílias e teremos piores condições para haver investimento das empresas, para a criação de
riqueza, para o aumento da produção nacional e para a criação de emprego. Por isso, teremos de saber articular
essas políticas. É isso que temos feito e o contributo do PCP foi, aliás, essencial para que isso acontecesse.
O Sr. Deputado deu vários exemplos, mas poderíamos acrescentar mais: foi possível começar a responder
a problemas no Serviço Nacional de Saúde. No ano passado, contratámos mais 4000 funcionários para o Serviço
Nacional de Saúde; iniciámos uma eliminação dos aumentos brutais das taxas moderadoras no Serviço Nacional
de Saúde e temos agora de prosseguir, com maior justiça fiscal, alterando os escalões do IRS; temos de
prosseguir na nossa estratégia de reforma do Estado, devolvendo aos profissionais da Administração Pública
uma perspetiva de carreira, descongelando as carreiras. Como temos falado aqui várias vezes, temos de
responder à necessidade de, simultaneamente, reforçar a sustentabilidade do nosso sistema de segurança
social e fazer justiça em relação àquelas pessoas que têm as carreiras mais longas.
Temos de fazer isto no seu conjunto, mas fazê-lo articulando com outro objetivo fundamental, que é o de
termos umas finanças públicas sólidas, que não deem razão àqueles que estão à espreita para que o diabo
venha e fazerem a reversão dos ganhos que temos conseguido ao longo deste ano e meio. É avançando passo
a passo e em terreno sólido que consolidaremos os avanços que conseguimos e prosseguiremos o caminho
que devemos prosseguir. É assim que devemos continuar o nosso trabalho.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem ainda a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, registámos a resposta e
poderemos aqui discutir se é contradição, se é tensão, mas o que se confirma, Sr. Primeiro-Ministro, é que
Portugal precisa mesmo de se libertar dos constrangimentos que amarram a nossa soberania e o
desenvolvimento do País.
A questão da dívida é uma daquelas em que se coloca mais evidente a necessidade de Portugal se libertar
desses garrotes ao desenvolvimento.
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Portugal precisa de renegociar a dívida, para que os milhares de milhões de euros que hoje são gastos em
juros da dívida possam ser utilizados para investir e desenvolver o País.
Na próxima sexta-feira será votada a proposta do PCP para a criação de uma comissão parlamentar que
estude e prepare essas soluções e estamos convencidos de que esse será um passo importante na
consideração pelo Estado português das medidas concretas que podem e devem ser tomadas.
Há outra matéria, no que se refere diretamente aos constrangimentos externos, que tem grande importância
para centenas de milhares de trabalhadores, que é a do combate à precariedade.
O combate à precariedade no setor público e também no privado exige opções políticas e medidas concretas.
Foram aprovadas, com o nosso contributo, propostas que devem ser concretizadas em breve para o combate à
precariedade na Administração Pública.
O Sr. Presidente: — Faça o favor de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — É preciso garantir que o Governo tome as medidas necessárias em
relação a todos os trabalhadores precários da Administração Pública.
Também no setor privado é necessário tomar essas medidas, designadamente em relação aos recibos
verdes e aos falsos estágios.
Sr. Presidente, dê-me apenas 10 segundos para dizer que uma proposta que nós temos é a de dar força
executiva às decisões da ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), para que, detetando situações de
precariedade, integre os trabalhadores sem dar aos patrões a possibilidade de os despedir e de fugirem às suas
obrigações.
Sublinho, Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: tratemos desta questão, pois é do futuro de uma geração que
estamos aqui a falar. É justiça social o que esses trabalhadores esperam.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, se há ponto em que não há
nem contradição, nem tensão entre nós é sobre a questão da precariedade. E isto tem tudo a ver com o
crescimento, porque se queremos efetivamente crescer, de modo duradouro e sustentável, temos de abandonar
o modelo que criou a ilusão de que era possível voltarmos a ter empresas produtivas e economias competitivas
com base na destruição de direitos, na precariedade e nos baixos salários.
Temos de investir na qualificação e na inovação e, para isso, temos de ter relações laborais sãs e sólidas,
porque só uma relação de trabalho duradoura faz investir na qualificação e permite aos trabalhadores «vestirem
a camisola» e poderem aplicar todo o seu potencial ao serviço da melhoria e da produtividade.
Temos, por isso, de combater a precariedade no setor privado. Sei que, neste momento, na Assembleia da
República, há iniciativas do PCP, do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista para o combate à precariedade
no setor privado e espero que a Assembleia da República rapidamente conclua essa discussão, que nos parece
essencial.
No que diz respeito ao setor público, concluímos na segunda-feira a audição das estruturas sindicais para
poder ser assinada a portaria que dá execução ao mecanismo que foi previsto para combater a precariedade
no setor público.
Permita-me, Sr. Deputado, acrescentar mais alguma coisa. É evidente que no mundo de hoje nenhum país
está isolado e, portanto, há uma relação de interdependência, e o facto de fazermos parte da União Europeia
implica, necessariamente, termos de partilhar com os outros 27 Estados regras que são comuns. Ninguém pode
viver — numa família, numa empresa, numa cidade, num país, numa União — sem que haja regras e sem que
elas sejam comuns. Não se trata de imposição, trata-se de partilha de regras.
Partilhamos com o PCP divergências relativamente a algumas das regras que nos são impostas. Partilhamos
com a União Europeia alguma divergência com o PCP quanto a algumas outras regras.
Protestos do Deputado do PSD Pedro Alves.
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Julgamos que é necessário haver um melhor ordenamento da União Económica e Monetária. É necessário
que tenhamos uma União Económica e Monetária mais amiga do crescimento, mais amiga do emprego, que
estimule a convergência da nossa economia e que permita que tenhamos maior coesão. É necessário termos
regras que espartilhem menos a possibilidade de crescermos e termos uma economia mais sólida e mais
geradora de emprego.
Mas há, para nós, uma coisa que é clara: fora da união económica, fora do euro, estaremos seguramente
pior do que dentro dele. Desde logo, um efeito que teria a saída do euro seria a brutal desvalorização dos
rendimentos das famílias e dos trabalhadores portugueses e das poupanças dos portugueses. Esse é um risco
que não podemos correr.
Mas o facto de estarmos na zona euro não quer dizer que concordemos com tudo. Devemos estar na zona
euro batendo-nos para que o euro possa ser uma moeda melhor, uma moeda mais justa, que permita uma
prosperidade partilhada por mais países e que não beneficie só alguns em detrimento de todos os outros. Esse
é um caminho que temos de prosseguir.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para terminar, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou concluir, Sr. Presidente.
Partilhamos também a necessidade de reduzirmos a dívida e os custos da dívida. Para isso, a primeira
condição é a de termos défices cada vez menores e saldos primários que permitam reduzir a dívida e uma
política orçamental que nos permita melhorar os nossos ratings e diminuir o peso do serviço da dívida no custo
do nosso Orçamento.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Concluo, Sr. Presidente, dizendo que é essa a política que temos vindo a seguir
para obter os resultados que demonstram que também é possível obter ganhos de causa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos
Coelho para formular perguntas.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, foi com muito interesse que ouvi
a pergunta do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, apontando contradições na posição do Governo a propósito
das metas orçamentais e da compatibilização com os objetivos assumidos no âmbito do Semestre Europeu. O
Sr. Primeiro-Ministro respondeu que não havia nenhuma contradição, que havia tensão.
Mas deixe-me resolver, talvez arbitrar, essa questão, dizendo-lhe que sim, há contradição. Há contradição,
desde logo, da parte do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Olhe que não, olhe que não!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Quando o Governo anterior fazia questão de sublinhar exatamente a
necessidade de atendermos ao objetivo de cumprir as metas do Semestre Europeu, compatibilizando-o com o
saneamento financeiro e a descida do défice, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, na altura, considerava isso
insustentável, impossível.
Protestos do Deputado do PCP Jerónimo de Sousa.
Agora que está no Governo pensa de outra maneira, claro, mas na altura, quando estava na oposição, achava
isso absolutamente insustentável. Agora revela um bocadinho mais de simpatia e de sensatez quando aborda
o Governo quanto a esta matéria.
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Aplausos do PSD.
O Sr. Primeiro-Ministro respondeu como se, de facto, o Governo tivesse resolvido os problemas da tensão
sem contradição. Mas isso também não é verdade, conforme o próprio Governo explicou.
No Programa de Estabilidade que entregou para conhecimento do Parlamento, o Governo apresentou um
gráfico muito interessante onde explica como passámos do défice de 2015 para o de 2016. Excluindo as medidas
relacionadas com o BANIF (Banco Internacional do Funchal), o défice tinha sido de 3% — esta foi a base de
partida — e o Governo diz que conseguiu passar de 3% para 2%. Mas 0,9% — mais uma décima e seria a
totalidade da maravilha que tinham conseguido — resultaram de uma queda do investimento público face a
2015. Não é face ao projetado pelo Governo para 2016, porque, então, seria imenso. Não, não! É a queda do
investimento público face àquilo que vinha de 2015 — 0,9%.
É aqui que está a contradição, porque já todos percebemos que uma das principais variáveis de ajustamento
orçamental para este Governo não foi aquela que disse que seria, no Orçamento que apresentou, mas a que,
de facto, se verificou: a do investimento público. E, nesta matéria, Sr. Primeiro-Ministro, a contradição da sua
parte é total, porque era o Sr. Primeiro-Ministro que afirmava publicamente que isto de dizer que a economia
haveria de crescer sacrificando o investimento público não podia estar certo, era uma coisa que não se podia
conceber. Afinal, foi isso que o Sr. Primeiro-Ministro pôs em prática!
Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP Filipe Lobo d’Ávila.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, não foi só à custa do sacrifício do investimento público, que nem sequer tem
comparação com o que se passou em anos de bancarrota.
Porém, antes de abordar outras matérias, gostava de fazer uma pergunta direta ao Sr. Primeiro-Ministro. Há
algum tempo, o Governo recusou a proposta conjunta, nos termos da lei, do Banco de Portugal e do Tribunal de
Contas para nomear dois novos elementos para o Conselho das Finanças Públicas e fê-lo sem apresentar
qualquer justificação para essa recusa. Gostava, por isso, de questionar o Sr. Primeiro-Ministro sobre essa
matéria.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, permita-me que, antes de
mais, aproveite esta ocasião para prestar as minhas condolências ao Sr. Deputado Luís Montenegro pela perda
familiar que recentemente o enlutou.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Isso devia ser feito pessoalmente!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, quem durante muito tempo disse que era
impossível seguir a trajetória de políticas que seguimos no ano passado, alcançando o resultado que
alcançámos, foi V. Ex.ª. Durante todo o ano de 2016, o PSD disse repetidas vezes, pela sua voz e pela voz da
Ministra das Finanças do seu Governo, que era aritmeticamente impossível ficarmos com um défice abaixo de
3% adotando as medidas que adotámos. Ficámos não só abaixo dos 3%, como abaixo dos 2,5% fixados pela
Comissão Europeia, e ficámos mesmo nos 2%. Portanto, conseguimos, aritmeticamente, aquilo que os senhores
tinham dito que era aritmeticamente impossível.
Mais, demonstrámos que foi possível reduzir, em 2016, grande parte das medidas de sacrifício dos
rendimentos das famílias, como os cortes nos vencimentos, que os senhores repunham só no final desta
Legislatura, os cortes nas pensões, que foram mantendo contra a jurisprudência do Tribunal Constitucional, e a
brutal carga fiscal que criaram sobre o trabalho, obtendo um défice menor do que aquele a que estávamos
obrigados e, sobretudo, menor do que todas as suas previsões. Portanto, se há contradição, é entre os
resultados que alcançámos e os resultados que V. Ex.ª previu que viéssemos a alcançar.
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Aplausos do PS.
Vejo-o convertido aos benefícios do investimento público e fico satisfeito, porque, certamente, isso permitirá
que apoie o facto de, já neste ano, aumentarmos o investimento público em 21% relativamente ao que existiu
no ano transato.
Risos e protestos do PSD.
O Sr. Deputado conhece bem a evolução do investimento: entre 2010 e 2015, o investimento caiu de 27%
para 10% e, durante o ano passado, sofremos um problema grave de transição de quadros comunitários,…
Protestos do PSD.
… que fez com que o investimento tivesse tido uma redução significativa. Não é verdadeira a tese de que o
corte no investimento tenha sido a forma de cumprir o défice,…
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Então e o gráfico?
O Sr. Primeiro-Ministro: — … porque, como sabe, o investimento é financiado pelos fundos comunitários e
a ausência de despesa significa, sobretudo, ausência de receita.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Mais, como a receita é paga à cabeça e a despesa é distribuída no tempo, se tivéssemos tido mais
investimento, teríamos tido mais receita e não teríamos tido mais despesa, teríamos tido melhor défice e não
pior défice.
Aplausos do PS.
Protestos do Deputado do PSD Pedro Alves.
Portanto, V. Ex.ª sabe bem por que é que se atrasou a transição dos quadros comunitários,…
O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Oh…!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … mas sabe ainda melhor do que eu que não beneficiámos com isso, pelo
contrário, teríamos tido uma melhor execução orçamental se tivéssemos podido ter condições para dar melhor
execução aos fundos comunitários.
Não me vou alongar, porque já vi que cada vez que falo a sua bancada se enerva crescentemente.
Vozes do PSD: — Ah…!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Acho que todos desejamos ter um debate bastante tranquilo e civilizado e não
quero contribuir para que os Srs. Deputados se enervem.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Se dissesse a verdade…!
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O Sr. Primeiro-Ministro: — Portanto, termino dizendo simplesmente ao Sr. Deputado que, nos termos da
lei, há duas personalidades do Conselho das Finanças Públicas que devem ser propostas pelo Banco de
Portugal e pelo Tribunal de Contas, as quais o Governo nomeia. Recebida a proposta, foi transmitido
informalmente aos dois responsáveis dessas instituições que os nomes não mereceriam a aprovação do
Governo por não reunirem o perfil para o exercício dessas funções. Tendo a Sr.ª Presidente do Conselho das
Finanças Públicas acusado publicamente o Governo de nada ter dito, vi-me então forçado a formalizar o que
discretamente tinha sido transmitido: que os nomes não mereceriam a aprovação do Governo, e não mereceram.
Neste momento, aguardamos que nos seja feita uma nova proposta para ser apreciada devidamente.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho para fazer perguntas.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Primeiro-Ministro, já regressaremos a outras questões, mas há
uma que se impõe, à qual o Sr. Primeiro-Ministro não respondeu.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Claro!
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — É evidente!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Por que é que o Governo entendeu que não podia nomear as pessoas
constantes das propostas pelas duas entidades independentes?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro para responder.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, se a proposta tivesse sido
sua, dar-lhe-ia certamente satisfações sobre essa matéria.
Risos e protestos do PSD.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Era o que faltava!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Acontece que estou certo de que as propostas do Sr. Governador do Banco de
Portugal e do Presidente do Tribunal de Contas não foram propostas suas por interpostas pessoas.
Portanto, quando algum deles me fizer essa pergunta, responder-lhes-ei, mas compreende que seria
bastante indelicado responder a V. Ex.ª o que não respondi aos próprios, que nunca sentiram sequer a
necessidade de me perguntar porque é que tínhamos recusado aqueles nomes.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, não tem razão e aquilo que
acabou de dizer é uma piada sem qualquer adequação ao Parlamento.
O Conselho das Finanças Públicas decorre da lei e o Parlamento tem todas as razões para perguntar ao Sr.
Primeiro-Ministro porque é que o Governo recusa nomear, nos termos da lei, quem as entidades independentes
sugeriram.
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Vozes do PSD: — Claro!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Portanto, convido o Sr. Primeiro-Ministro a emendar a mão e a, desta
vez, responder à questão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Passos Coelho, muito obrigado pela sua
insistência.
Nos termos da lei, há duas entidades que propõem e há uma entidade que nomeia. O poder de nomeação é
do Governo e o Governo não prescinde nem abdica das suas competências.
Protestos do PSD.
Este é, aliás, um princípio que V. Ex.ª sempre seguiu, em matérias nas quais a nomeação era da competência
do Governo e recordo-me bem de, em certa ocasião, me ter respondido: «Esta é uma competência do Governo,
eu exercê-la-ei.» É isso, exatamente: o Governo mudou e nós exercemos a competência que V. Ex.ª exerceu
no devido tempo.
Aplausos do PS.
O Sr. António Leitão Amaro (PSD): — Mas explique porquê!
O Sr. Primeiro-Ministro: — As razões, dá-las-ei ao Sr. Governador do Banco de Portugal, se algum dia me
perguntar o porquê, e dá-las-ei ao Sr. Presidente do Tribunal de Contas, se alguma vez me perguntar o porquê.
Protestos do PSD.
Nunca nenhum me perguntou porquê e não vou ter a indelicadeza de responder a V. Ex.ª o que não respondi
a nenhum deles.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, a resposta do Sr. Primeiro-Ministro é inaceitável.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — É uma vergonha!
Vozes do PS: — Ah…!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — O Presidente do Tribunal de Contas e o Governador do Banco de
Portugal não representam o povo, mas os Deputados e o Parlamento representam, Sr. Primeiro-Ministro!
Aplausos do PSD e de Deputados do CDS-PP.
Enquanto Primeiro-Ministro, fui sempre escrutinado por todas as decisões que tomei e nunca me refugiei em
tais visões, sempre que no Parlamento fui questionado sobre elas.
Mas, sobre esta matéria, vou dizer-lhe exatamente aquilo que se passa. Sr. Primeiro-Ministro, o Conselho
das Finanças Públicas foi criado em Portugal na decorrência de um acordo feito entre o Partido Social Democrata
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e o Governo do Partido Socialista, em 2010. Nos termos desse acordo — e gostaria de pedir que fossem
entregues ao Sr. Primeiro-Ministro esses documentos —, foi nomeado um grupo de trabalho, que apresentou a
6 de abril de 2011 a proposta de estatutos que viria a estar na base da criação do Conselho das Finanças
Públicas.
Esse Conselho das Finanças Públicas, nos termos do relatório que o Governo do Partido Socialista aceitou
— e que o PSD aceitou também — dizia que eram as entidades independentes, Banco de Portugal e Tribunal
de Contas, que nomeariam todo o Conselho das Finanças Públicas.
Como Primeiro-Ministro pus em prática esse relatório, adotando como estatutos que o Conselho de Ministros
nomearia quem as entidades independentes propusessem…
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e o anterior Governo nomeou exatamente para o Conselho das
Finanças Públicas quem o Banco de Portugal e o Tribunal de Contas propuseram.
Sr. Primeiro-Ministro, trata-se, portanto, de preservar a independência da instituição, que eu sei que não é
uma coisa que o Partido Socialista preze muito…!
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Verdade!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Não é só em relação ao Conselho das Finanças Públicas. Temos
muitos exemplos disso em relação à UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental), que, em 2010, de resto,
também viu os seus meios reforçados por exigência do PSD contra a opinião do Governo de então e do Partido
Socialista.
O Partido Socialista quis, na altura, impor aqui que o próprio Conselho das Finanças Públicas dependesse
organicamente e financeiramente do Ministério das Finanças e não que tivesse autonomia financeira, como
devia.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, quero dizer-lhe que a justificação para recusar a nomeação tem de ser dada
por si…
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e vou dar-lhe uma última oportunidade para o fazer, por respeito
ao Parlamento e por uma questão de transparência perante o País.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, tenho pouco mais a
acrescentar. As entidades independentes que referiu têm o poder de iniciativa de propor e o Governo tem a
competência própria de nomear. Se concordar, nomeia, se não concordar, não nomeia. Foi isso que o Governo
fez e é assim que o Governo fará.
Aplausos do PS.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Que vergonha!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, estamos esclarecidos quanto
ao que o Governo entende sobre o que estipula a lei no que refere aos estatutos do Conselho das Finanças
Públicas.
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Mas quero dizer, então, ao Sr. Primeiro-Ministro que, em primeiro lugar, está, evidentemente, a faltar a um
compromisso assumido por um Governo do Partido Socialista com o Partido Social Democrata. Está a violar
estritamente o espírito dessa lei, que está bem expresso na proposta de estatutos que o grupo independente,
que foi reconhecido pelo Governo do Partido Socialista, aceitou.
Portanto, sabemos que o Governo faz uma interpretação incorreta da lei, mas, sobretudo, está a faltar a um
acordo que fez com o Partido Social Democrata quando negociou a viabilização do Orçamento para 2011.
Deixe-me acrescentar, Sr. Primeiro-Ministro, algumas eventuais razões para o Governo o fazer. É que,
justamente, o Conselho das Finanças Públicas tem sido uma das instituições a desmascarar a aritmética
impossível da sua execução orçamental. Justamente, Sr. Primeiro-Ministro!…
Aplausos do PSD.
Risos do Deputado do PS João Galamba.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Os milagres não são aritmética, são metafísica!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — E nós sabemos, desde Jorge Coelho, que quem se mete com o PS
leva e que quem se mete com o Governo leva! Leva se estiver no Banco de Portugal, onde ainda há nomeações
a fazer para a administração, e no Conselho das Finanças Públicas, onde também ainda há nomeações para
fazer.
O Partido Socialista, portanto, lida mal com as instituições independentes…
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Exatamente!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — … e agora sabemos que também lida mal com o Parlamento, a quem
entende não dever satisfações, por decidir, como decide, nos termos da lei.
Sr. Presidente, quero concluir, dizendo que sabemos como é que o Partido Socialista compatibiliza as
tensões e foge às contradições — ignora-as!
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Muito bem!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — E, então, como é que se propõe fazer nos próximos anos? Da mesma
maneira, da mesma maneira!
O Sr. Ministro Pedro Marques já tinha ensaiado aqui, no Parlamento, aquela tentação fantástica de explicar
que, afinal, era o Governo anterior que tinha o mérito dos 2% de défice em 2016 por não ter lançado os concursos
públicos que teriam permitido que o investimento público fosse maior.
O Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas: — É isso mesmo!
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Portanto, afinal ainda foi o meu Governo o responsável por termos
2% de défice em 2016. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, com o conhecimento que tenho, deixe-me dizer-lhe que não
é verdade! Isso não é verdade!
O Sr. Presidente: — Peço-lhe o favor de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — O mérito dos 2% é do seu Governo, não é do meu, mas não se deveu
à estratégia orçamental que o senhor propôs, deveu-se às cativações e ao corte brutal do investimento público,
que é aquilo que o Governo tenciona fazer nos próximos anos para atingir essas metas e isso já não é apenas
uma contradição «para geringonça ver» ou para «Bruxelas ver», é algo que preocupa muito o País.
Aplausos do PSD, de pé.
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Protestos do PS, do BE e do PCP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, permita-me que manifeste
alguma perplexidade pelo facto de V. Ex.ª entender que os problemas do País se reduzem a saber por que é
que duas pessoas foram ou não foram nomeadas para o Conselho das Finanças Públicas.
Aplausos do PS.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — Não vai explicar agora?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Num país onde ainda há quase meio milhão de desempregados,…
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Demagogia!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … num país onde há tanta gente a sofrer com dificuldades, a preocupação de
V. Ex.ª é saber por que razão é que não aceitámos a nomeação de duas pessoas que nos foram propostas para
o Conselho das Finanças Públicas?!
Aliás, nem percebo — se o Conselho das Finanças Públicas era tão mau para o Governo, então o Governo
não teria interesse em alterar a composição do Conselho de Finanças Públicas? Não percebo qual é a sua
lógica!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Tendo o Conselho das Finanças Públicas o mérito de ter falhado todas as previsões, e o Governo — que foi
acompanhando, ao longo de 2016, todos os falhanços das previsões — não tinha interesse em remodelá-lo?!
Com toda a franqueza, não percebo essa sua preocupação.
Gostaria de tranquilizar o Sr. Deputado quanto ao seguinte: este Governo não vê as entidades independentes
como forças de bloqueio nem vê o Conselho das Finanças Públicas como V. Ex.ª viu o Tribunal Constitucional.
Não, nós não vemos o Conselho das Finanças Públicas como o senhor viu o Tribunal Constitucional!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Vamos passar ao Grupo Parlamentar do PS.
Para fazer perguntas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lara Martinho.
A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-
Ministro, ao invés do que acabou de acontecer agora com o PSD, vamos voltar a falar de coisas que realmente
interessam ao nosso País.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Sr. Primeiro-Ministro, temos a capacidade de fazer coisas extraordinárias, as tais aritmeticamente
impossíveis. Demonstração disto são os resultados alcançados: um défice de 2%, o mais baixo da história
democrática; a economia, que cresceu 1,4%; as exportações, que registam novos máximos, e a taxa de
desemprego, que ficou no limiar dos 10%.
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Os resultados alcançados e as metas definidas para o futuro provam que é possível recuperar no plano
social, apoiar as pessoas, capitalizar as empresas, cuidar do setor bancário e, ao mesmo tempo, preservar o
bom equilíbrio das contas públicas.
Mas o mais extraordinário é que, a par tudo isto, temos ainda a capacidade de impulsionar projetos
inovadores a nível internacional, de ter uma visão, de traçar um rumo e de alcançar os objetivos. Foi isso mesmo
que este Governo fez: definiu a diplomacia científica como uma prioridade e a criação de um centro internacional
de investigação e desenvolvimento centrado nos Açores como um objetivo.
Ao longo dos últimos nove meses foram realizados 13 workshops em diversos países, com o objetivo de
conceber uma estratégia para o estudo do Atlântico. Foram 13 workshops que culminaram num encontro único
nos Açores para preparar a criação do Centro Internacional de Investigação para o Atlântico, o AIR Center.
Tratou-se de encontro único, que reuniu Governo, ciência e indústria, com 29 delegações internacionais e
instituições plurinacionais como a ONU e a Agência Espacial Europeia, centros nacionais como o de Centro
Nacional de Estudos Aeroespaciais francês, universidades como o MIT (Massachusetts Institute of Technology)
e o Carnegie Mellon University (CMU), e empresas internacionais como a Airbus. Contou com 250 participantes,
todos reunidos com o objetivo de alinhar as estratégias de investigação dos países do Atlântico Sul e do Atlântico
Norte para a cooperação internacional em áreas como as alterações climáticas, a energia, o espaço, o oceano
e a gestão de dados.
Um encontro marcado por um entusiasmo vibrante, um compromisso firme, abertamente assumido pelos
vários países participantes, que culminou na aclamação da criação de uma entidade intergovernamental, um
mecanismo que fomente uma governação eficiente da colaboração internacional, fazendo melhor uso das
infraestruturas existentes, humanas e físicas, em todas as nações.
Estava, assim, definida a criação do Centro Internacional de Investigação para o Atlântico nos Açores. A
criação deste centro é um enorme desafio. O AIR Center poderá mudar o paradigma da ciência em Portugal e
o papel dos Açores no desenvolvimento de uma nova agenda para a ciência e tecnologia, com uma abordagem
integrada para o Atlântico.
As perspetivas e as expectativas são enormes. O entusiasmo e o compromisso dos participantes também.
Importa, pois, Sr. Primeiro-Ministro, conhecer quais os compromissos nacionais para consolidar a criação deste
centro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Lara Martinho, se queremos crescer, temos,
efetivamente, de adotar um modelo que nos permita fazê-lo de um modo sustentável, e crescer a olhar para o
futuro e não pelas formas que falharam no passado.
O conhecimento é capital e, por isso, investir na qualificação dos nossos recursos humanos e investir na
inovação empresarial é absolutamente crítico.
A oportunidade que temos — através da ciência, da investigação sobre o mar profundo, as alterações
climáticas e o espaço — de valorizar o nosso território e a profundidade atlântica que os arquipélagos dos Açores
e da Madeira nos proporcionam é absolutamente central.
Também devemos colocar Portugal naquela que é a sua função neste mundo, a de construtor de pontes
entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul, entre países que vão da India ao Brasil, que vão dos Estados Unidos à
China e com os nossos parceiros europeus, que estiveram presentes, quer através da agência espacial, quer
através de vários outros países europeus, dos quais gostaria de destacar o Luxemburgo com quem
recentemente, na visita que fiz, tivemos oportunidade de assinar um acordo específico.
Neste momento temos um plano de ação, cujo objetivo é, em 2018, podermos ter o AIR Center a funcionar.
É esse o nosso objetivo e é nesse sentido que estamos a trabalhar numa grande aliança internacional — assente
no conhecimento e nas oportunidades económicas que pode proporcionar — para podermos ter um crescimento
sustentado, que possa gerir valor acrescentado, que permita criar e fixar mais e melhor emprego, mais
qualificado, e que nos permita aproveitar plenamente essa geração que outros mandaram emigrar e que nós
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queremos fixar em Portugal e aumentar o nosso potencial de crescimento, para que este venha a ter
desenvolvimento.
É preciso trabalhar para crescer. É o que estamos a fazer e é por isso que temos o Programa Nacional de
Reformas.
O Programa Nacional de Reformas não são abstrações, são projetos como este do AIR Center que o
concretizam, conjugando vários dos seus pilares, o das qualificações, o da inovação e o da valorização do
território. É assim que nós vamos fazer o País crescer, de modo sustentável e de modo duradouro, para
vencermos a maldição — que temos tido desde o princípio do século — de crescimentos medíocres, com uma
média de 0,2% ao ano.
É preciso crescer, mas para isso é preciso fazer o trabalho que é necessário. Estas são as verdadeiras
reformas estruturais que fazem o País crescer, não são as reformas do passado, que não reestruturam nada e
que estão condenadas, necessariamente, ao fracasso.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Ainda pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra, para formular perguntas, o Sr.
Deputado Fernando Anastácio.
O Sr. FernandoAnastácio (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, todos nos recordamos da profecia
do PSD, bastante acompanhada pelo CDS, de que seria impossível devolver rendimentos sem agravar o défice
externo ou a dívida.
Aliás, também nos recordamos das referências à falta de credibilidade desta solução governativa e do seu
Programa, dizendo que seriam precisamente os mercados e a União Europeia que a faria soçobrar. Era o tal
discurso da inexistência de alternativa.
A realidade, essa dura realidade, para o PSD e o CDS, encarregou-se de comprovar que o inevitável não
aconteceu, aconteceu precisamente o contrário: tem havido devolução de rendimentos, o défice é o mais baixo
da democracia, a dívida líquida reduziu, o desemprego baixou, o PIB (produto interno bruto) cresceu, para bem
dos portugueses.
A direita fixou-se como último reduto na narrativa da falta de investimento, e é precisamente sobre a falta de
investimento que eu gostaria de lembrar alguns exemplos e números que são importantes.
No 4.º trimestre de 2016, o investimento recuperou substancialmente: cresceu 3,9%, face ao período
homólogo de 2015, e 4,6%, face ao trimestre anterior, aliás, face ao trimestre anterior, foi mesmo o maior
crescimento dos últimos seis anos. Cresceu, no final de 2016, oito vezes mais do que no final de 2015.
O investimento privado acelerou fortemente; no final do ano passado, cresceu à volta de 15%, enquanto, no
final de 2015, o tal ano em que tudo estava bem, o investimento privado estava a cair 3%. Aliás, em 2016, o
investimento privado acabou por apresentar o maior crescimento dos últimos 16 anos.
Quanto ao investimento público, refiro uma frase proferida por uma entidade insuspeita, que é precisamente
o Conselho das Finanças Públicas, que diz que poderá estar relacionada com a redução das transferências da
União Europeia o que aconteceu no ano passado. E aqui se explica muito, obviamente, a falta de trabalho de
casa do anterior Governo.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Sr. Primeiro-Ministro, a confiança dos consumidores está no máximo
dos últimos 17 anos. O clima económico, que traduz a confiança dos vários agentes económicos, está no
máximo dos últimos 15 anos.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, tendo em consideração todos estes indicadores, o da confiança dos
consumidores e os do clima económico interno e externo, o que nos pode dizer? O que é que o País poderá
esperar quanto às perspetivas de crescimento e do comportamento do investimento, tanto na sua vertente
pública como na sua vertente privada?
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Anastácio, ao contrário do que muitos
previram, a atual solução governativa não afastou o investimento, pelo contrário, ao assegurar estabilidade
política e ao assegurar uma perspetiva de crescimento sustentado da nossa economia, devolveu confiança aos
consumidores e, com isso, melhorou o clima económico.
Os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) relativos ao ano de 2015 já eram muito claros: a principal
causa por que os investidores privados não investiam foi porque não sentiam, por parte dos consumidores,
confiança que justificasse o seu investimento.
O que verificámos, pelo contrário, ao longo do ano de 2016, foi que o investimento privado não só cresceu
como cresceu sustentadamente e consolidou-se, aliás, com uma notável criação de emprego.
Ora, a criação de emprego deve-se, precisamente, à confiança que as empresas têm de que o crescimento
não é de curto prazo, pelo contrário, é um crescimento que veio para ficar. Se compararmos 2016 com 2015,
vemos que, em 2015, o investimento privado cresceu 1,7% e que, no ano passado, já cresceu 6,3%.
Podemos verificar que, no 4.º trimestre do ano passado, a formação bruta de capital fixo (FBCF) cresceu
15,2%, relativamente ao período homólogo de 2015.
Portanto, ao contrário do que muitos receavam, a atual solução governativa tem reforçado a confiança e tem
permitido aumentar o investimento, sustentar o crescimento e a criação de emprego.
Os dados que, neste momento, expomos para 2017 ainda são preliminares, mas tudo indica que as
perspetivas de crescimento serão melhores este ano do que as do ano passado e, sobretudo, as perspetivas de
investimento.
O primeiro dado que temos é o de que a estimativa produzida pelo Instituto Nacional de Estatística demonstra
que, este ano, temos a melhor estimativa de investimento privado dos últimos nove anos e temos já, nos
primeiros dois meses deste ano, sinais que concretizam esta expectativa.
Em primeiro lugar, o investimento em máquinas e equipamentos, que é, sobretudo, realizado por empresas
para se equiparem para o seu futuro, aumentou 15%.
No que diz respeito ao investimento em construção, por parte das empresas, enquanto no 1.º trimestre de
2016 estava a cair 3%, está neste momento a subir 6%. Daqui concluímos que temos boas razões para acreditar
que, prosseguindo a atual política de respeito pelos compromissos que assumimos com os portugueses, pelos
compromissos que assumimos com os partidos que asseguram a maioria parlamentar e pelos nossos
compromissos para com a União Europeia, conseguiremos ter estabilidade política, ter estabilidade
macroeconómica, reforçar o clima de confiança e continuar a assistir ao crescimento do emprego, do
investimento privado, sustentando o crescimento económico e a criação de emprego.
Acho que é este o caminho que devemos seguir, e é este o caminho que iremos prosseguir.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.
A Sr.ª HelenaRoseta (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, celebrámos ontem mais um aniversário
do 25 de Abril e, como sei que gosta particularmente dos poemas do Sérgio Godinho, lembro os seguintes
versos: «(…) Só há liberdade a sério quando houver/A paz, o pão/habitação/saúde, educação (…)».
Aplausos do PS.
Sr. Primeiro-Ministro, estamos a trabalhar nisso, mas ainda temos muito trabalho para fazer.
O direito à habitação, como todos sabem, está consagrado na Constituição. No entanto, e ao contrário do
que acontece com os outros direitos sociais em Portugal, a habitação é o único direito social constitucional que
nunca teve uma lei de bases.
A minha pergunta é simples: está o Governo disponível para avançar, em articulação com o Grupo
Parlamentar do PS, no lançamento de uma lei de bases da habitação, que já nos foi recomendada até pelas
Nações Unidas, no sentido de podermos, com a participação das autarquias, dos moradores, dos parceiros do
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setor, das universidades e da sociedade civil, contruir a base do que devem ser as políticas de habitação, para
não estarem ao abrigo de programas que ora têm verba ora não têm e, quando não têm verba, não há políticas?
A segunda pergunta tem a ver com os bairros em situação de carência habitacional extrema. Temos visto
nas notícias, com muita preocupação, que há ainda 2800 famílias nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do
Porto que não foram contempladas pelo PER (Programa Especial de Realojamento), embora estivessem
recenseadas, temos visto que há famílias que não foram recenseadas porque chegaram depois e que o PER
está sem verba desde 2009.
Sabemos que no orçamento para este ano há uma verba para o PROHABITA (Programa de Financiamento
para Acesso à Habitação), mas é uma verba pequena e curta.
Entretanto, alguns destes bairros juntaram-se e dirigiram uma carta aberta às autoridades portuguesas e à
comunicação social em defesa da dignidade humana do direito à habitação. Algumas pessoas não só não têm
uma habitação condigna como são alvo de despejos sem alternativa ou estão privadas de energia elétrica há
meses, Sr. Primeiro-Ministro. Estive no Bairro da Torre e confirmei que há cinco meses que as pessoas não têm
energia elétrica.
Ora, as Nações Unidas aprovaram, no ano passado e Portugal apoiou, a Nova Agenda Urbana, que diz,
claramente, que não se quer deixar ninguém para trás e que deve ser facilitado a todos igual acesso aos serviços
básicos e a condições de habitação adequadas e acessíveis.
Sabemos que o Governo já está a trabalhar no levantamento das carências habitacionais, seguindo, aliás,
uma resolução, unânime, desta Assembleia da República. Sabemos também que a Secretaria de Estado da
Energia criou um grupo de trabalho, que inclui as autarquias, o IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação
Urbana), o Secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, a EDP Distribuição, a Entidade Reguladora dos
Serviços Energéticos (ERSE) e a Direção-Geral de Energia e Geologia, para encontrar uma resposta urgente
para fazer chegar energia a alguns destes bairros.
Tenho três perguntas simples para lhe colocar, Sr. Primeiro-Ministro.
Está o Governo disponível para, em articulação com a Assembleia da República e as autarquias, dar resposta
efetiva ao direito de todas as comunidades acederem à energia em condições compatíveis com os seus
rendimentos, isto é, mediante uma tarifa social, mesmo que para isso seja preciso mudar a legislação?
Está disponível para mobilizar todos os recursos disponíveis, seja no PROHABITA ou noutras instâncias,
para dar condições de realojamento condignas para as famílias em situação de carência habitacional extrema?
A disponibilização poderá não ser de imediato, mas está disponível para, a médio e curto prazo, na medida do
possível, resolver este problema?
Finalmente, e esta pergunta é, para mim, essencial e o Sr. Primeiro-Ministro sabe que é: está o Governo
disponível para acolher a participação e as iniciativas das organizações de moradores e associações locais,
como a Constituição da República determina, para que sejam eles próprios também a resolver os seus
problemas habitacionais?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Roseta, sabe bem, porque, ao longo dos
últimos anos, temos falado muito sobre o tema, que considero essencial mudarmos o paradigma da política de
habitação.
Houve um paradigma que morreu com a crise, foi um paradigma de uma política de habitação que assentava
no congelamento das rendas, matando o mercado do arrendamento, e no crédito fácil, que contribuiu para o
brutal endividamento das famílias.
Temos de voltar a ter um mercado de arrendamento saudável e acessível a todos. Nós esgotámos,
infelizmente, as políticas públicas de habitação quando, nos anos 90, foi lançado o PER, que implicou um grande
compromisso financeiro por parte das autarquias locais, e, muitas delas, ainda hoje, estão profundamente
endividadas, a suportar os encargos então contraídos.
O município de que a Sr.ª Deputada é presidente da Assembleia Municipal, hoje, já só tem basicamente a
dívida do PER, mas essa dívida ainda é um constrangimento efetivo.
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Ora, a verdade é que nem a erradicação das barracas esgotou a necessidade da produção de habitação
social, nem o PER esgotou as necessidades entretanto existentes em matéria de habitação social, como
também, por outro lado — e é muito importante —, as necessidades de habitação, hoje, não são só aquelas que
podem ser satisfeitas pela habitação social, porque o mercado de arrendamento livre também implica ter um
mercado de arrendamento acessível que permita à classe média, em particular às jovens gerações, ter acesso
à habitação.
Por isso, temos de trabalhar num novo paradigma assente na reabilitação urbana, o que é fundamental, e
temos, como sabe, um conjunto de programas que mobilizarão 5000 milhões de euros ao longo dos próximos
10 anos, mas temos de avançar também no que diz respeito ao arrendamento.
É, por isso, essencial, do meu ponto de vista, termos essa lei de bases da política de habitação, uma lei que
deve ser amplamente participada, que deve prever precisamente um papel importante para as associações de
moradores e as coletividades de bairro, que a experiência indica serem elementos-chave na gestão de muitos
dos impropriamente chamados «bairros sociais» e é a forma de as pessoas se apoderarem, de novo, do seu
território, da sua habitação, do seu bairro e, assim, se inserirem plenamente na cidade.
Neste momento, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.
O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr. Primeiro-Ministro, se fizer o favor.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já terminar, Sr. Presidente.
Como sabe, o Sr. Secretário de Estado da Energia constituiu um grupo de trabalho para dar uma resposta
de emergência às carências de energia. Creio que o problema não está na tarifa social, porque as alterações
que fomos introduzindo, nos últimos Orçamentos, permitiram alargar a tarifa social de energia de cerca de 60
000 famílias para 800 000 famílias.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem mesmo de terminar, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — No entanto, há o problema de ser necessário garantir a legalização das baixadas,
de forma a poder, com segurança, assegurar aquilo que são condições de vida essenciais.
Lei de bases, acho que é fundamental; nova geração de políticas de habitação, é absolutamente essencial;
trabalho com as autarquias locais, é vital; e envolvimento das comunidades locais, é indispensável.
Aplauso do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para formular perguntas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina
Martins.
A Sr.ª CatarinaMartins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, creio que há mais do que uma tensão
entre o Programa de Estabilidade e a posição conjunta que firmámos. Há uma contradição entre uma leitura
estrita do tratado orçamental, que o Partido Socialista nunca tinha afirmado e que aparece neste Programa de
Estabilidade, e o acordo que temos para parar o empobrecimento, para conseguir uma recuperação de
rendimentos durante os quatro anos de uma Legislatura e para conseguir dar os meios necessários aos serviços
públicos.
É verdade que os serviços públicos estão sem o investimento necessário. É verdade que nas escolas falta
tudo.
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Ah!…
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — É verdade que há turmas lotadas demais em escolas com meios de menos
e, por isso, é verdade que há uma tensão crescente entre alunos e pessoal docente e não docente que precisa
de medidas mais concretas e precisa, seguramente, de investimento.
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Vozes do PSD e do CDS-PP: — Oh!…
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — É verdade que falta demais no Serviço Nacional de Saúde e que isso põe
em causa o acesso das populações à saúde e, desde logo, a cuidados primários e que o objetivo que temos é
que cada família tenha um médico e um enfermeiro de família.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Mas quem é que aprovou o Orçamento?!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — É verdade que a progressão que acertámos, que combinámos e que o
Bloco de Esquerda quer e que continua a trabalhar para que seja possível, de devolução de rendimentos,
nomeadamente com o aumento de escalões do IRS, que é essencial à progressividade dos impostos e a uma
maior justiça no País, vê acrescidas dificuldades com este Programa de Estabilidade.
Não é nova a tensão, e um Programa de Estabilidade com uma leitura tão estrita do tratado orçamental é
uma novidade da parte do Governo e não da parte da esquerda e traz-nos mais dificuldades, mas o Bloco de
Esquerda nunca recua perante as dificuldades e cá estamos para negociar um Orçamento do Estado que seja
fiel ao compromisso de parar o empobrecimento no nosso País.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Há, todavia, algo que deve ser dito: as críticas do PSD não são porque o
PSD concorde com o Bloco de Esquerda,…
O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Pois não!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — … porque, de facto, o PSD não se incomoda com os resultados do défice
ou com o percurso de consolidação orçamental ou com a leitura estrita do tratado orçamental que faz o Governo,
pois sempre disseram que o queriam, o que incomoda o PSD é outra coisa, é o caminho que está a ser seguido
no País, que é diferente.
Quando o PSD critica este caminho…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É bom ou é mau?!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — … não diz a verdade toda, não diz que, em lugar de descongelar pensões
e acabar com cortes, que eram inconstitucionais, em salários ou repor prestações sociais, o que o PSD queria
era cortar 600 milhões de euros por ano nas pensões. Era o que estava no programa.
Aplausos do BE.
Protestos do PSD.
O que o PSD não diz é que queria aquela reforma que faltava, de que Passos Coelho se lembrava sempre,
que era a de cortar nos custos do trabalho, e não nos esquecemos de que descer o valor do trabalho foi sempre
a política do PSD e CDS.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Quando falam dos serviços públicos esquecem-se de dizer que o plano
deles não era mais investimento na escola ou na saúde, era, sim, a concessão a privados, massiva, do que é
de todos…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
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… e, com isso, negar a resposta que um Estado democrático precisa de dar, que é universal, que deve ser
para todos e para todas.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — O plano do PSD e CDS foi sempre e só privatizações, precarização e baixar
os rendimentos do trabalho. Se hoje estão incomodados, é porque sabem que nos, anos do Governo PSD/CDS,
foram retirados 3600 milhões de euros aos trabalhadores e que o capital ganhou mais de 2600 milhões de euros
ao trabalho.
Aplausos do BE.
O que não nos perdoam é que lutemos para equilibrar a balança em nome de quem trabalha, de quem
trabalhou, de quem quer trabalhar neste País.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Não se preocupem com as posições do Bloco de Esquerda, porque estamos
bastante confortados com elas e sabemos bem o que andamos aqui a fazer e nunca, nunca, escondemos o
nosso programa, ao contrário do que a direita faz todos os dias.
Aplausos do BE.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, há outras divergências que temos e os debates quinzenais são para isso mesmo.
Não é a primeira vez que temos divergências sobre a saúde e sobre as PPP (parcerias público-privadas) na
saúde.
Vozes do CDS-PP: — Ah!…
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Há uma nova divergência que temos em relação a um projeto para, ficámos
a saber, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.
O Instituto Nacional Ricardo Jorge é o Instituto de referência nacional na saúde pública, estratégico, que
avalia até a qualidade de todas as instituições de saúde no nosso País. Há uma Comissão para a Reforma da
Saúde Pública da qual já se demitiram a Ordem dos Médicos, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e a
Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública por saberem que está a ser estudada a possibilidade de
se dividir o Instituto Ricardo Jorge em dois institutos não se sabendo o que acontece à parte do Porto, onde se
fazem os testes do pezinho para todas as crianças deste País, apenas que a parte de Lisboa vai ser entregue,
através da Universidade Nova de Lisboa, a um consórcio de saúde com o Grupo Mello.
Sr. Primeiro-Ministro, seria um erro, e é um erro, que ainda se pode parar, e a minha pergunta é se o vai
evitar.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António
Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, vou começar pelo fim porque é
mais fácil.
O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge vai continuar a ser um laboratório tutelado pelo Ministério
da Saúde e no setor público.
O Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior têm estado a trabalhar, tendo
em vista poder alargar os recursos disponíveis para o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge através
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do acesso a fundos comunitários na área da ciência, mediante parcerias entre o Instituto Ricardo Jorge e a
Universidade Nova de Lisboa, por um lado, e, a Universidade do Porto, por outro.
Não temos conhecimento de qualquer parceria com o Grupo Mello mas, simplesmente, a ligação entre este
laboratório do Estado e duas universidades por forma a terem mais massa crítica para poderem concorrer aos
programas do Horizonte 2020. É isto que sabemos e é isto que permitirá continuar a reforçar a atividade do
Instituto Ricardo Jorge.
Quanto ao princípio, também é relativamente simples: é conhecida — disse-o, aliás, publicamente na altura
em que foi aprovado — a minha própria divergência com o tratado orçamental, mas também sempre disse que,
estando em vigor, devemos cumpri-lo.
Aquilo que consta do Programa de Estabilidade não tem novidade nenhuma, traduz, simplesmente, o
cumprimento de um tratado que cumpriremos enquanto ele existir, um dia que seja revisto, e desejamos que
seja revisto, poderemos evoluir relativamente àquilo que temos de cumprir.
Há algo que não tem qualquer contradição, nem tensão, mesmo que por vezes seja difícil, que é
compatibilizar essas regras com os compromissos que assumimos, designadamente com o Bloco de Esquerda.
Em 2016, ao contrário do que o PSD dizia, foi possível cumprir ambos os compromissos. Em 2017, mais uma
vez, demonstrámos no Orçamento do Estado que era possível cumprir ambos os compromissos. E iremos fazer
o mesmo em 2018, em 2019 e, se for vontade mutua, poderemos continuar a fazê-lo também em 2020 e anos
subsequentes. Para já vamos cumprir em 2017, em 2018 e em 2019 e vamos cumpri-lo sem novidade nenhuma.
Aquilo que acordámos em matéria de revisão de escalões é aquilo que teremos de fazer. Aquilo que
acordámos em matéria de desbloqueamento das carreiras é aquilo que teremos de fazer. Aquilo que
combinámos em matéria de reformas antecipadas é o que teremos de fazer. Como sempre temos encontrado
soluções para problemas que são difíceis, porque muitas vezes sabemos que, obviamente, existe essa tensão.
O que temos feito até agora e com sucesso? É, identificando os problemas, de uma forma positiva e
construtiva, encontrarmos soluções e formas de compatibilizarmos isso. Da nossa parte é o que continuaremos
a fazer, da vossa parte, estou certo, é o que continuaremos a fazer e, assim, daremos cumprimento àquilo que
nos comprometemos fazer. Pela nossa parte, conte connosco, iremos cumprir tudo o que acordámos com o
Bloco de Esquerda.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, estou certa de que continuaremos um
trabalho que é seguramente difícil, mas sabe também que o Bloco de Esquerda não vira costas a dificuldades.
Mas quero voltar ao Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge para lhe dizer que, então, é bom que
o Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência esclareçam verdadeiramente todos os parceiros da saúde do
que está em causa, porque há um documento escrito, que foi entregue, para pensar o futuro do Instituto Nacional
Ricardo Jorge e que contraria a ideia que, agora, o Sr. Primeiro-Ministro deu e que parece sossegar-nos em
parte.
Então, sejamos claros, porque o que se diz é que, da parte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior, haveria uma pertença do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge ao consórcio de saúde a
criar na Universidade Nova de Lisboa. Ora, esse consórcio existe, chama-se «Tagus TANK» e é do Grupo Mello,
e isto é absolutamente inaceitável.
Por outro lado, este documento prevê ainda uma adequação de recursos que tenha a ver com a nova
configuração organizacional e programática que venha a ser dada ao Instituto Nacional Ricardo Jorge. Ora, se
estamos a falar de fundos para investigação, se calhar não precisamos de mexer assim tanto na organização
do Instituto Ricardo Jorge. E, portanto, seria bom, seguramente, clarificar esta matéria, porque não são a Ordem
dos Médicos, a FNAM (Federação Nacional dos Médicos) e a Associação Nacional dos Médicos de Saúde
Pública (ANMSP) que são alarmistas, o Instituto Ricardo Jorge é muito importante para o País.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
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A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Já estou quase a terminar, Sr. Presidente.
O setor privado da saúde tem crescido à conta de fundos públicos e de apoios públicos. Neste momento, já
há mais hospitais privados do que públicos no País, vivem em grande medida de recursos públicos e não são
uma garantia da universalidade que este Estado tem de dar a toda a sua população, e é por isto que esta matéria
é seguramente importante.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem mesmo de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, peço dois segundos, tendo em a tolerância dada aos outros
partidos, para, brevemente, abordar um outro tema.
Temos a precariedade em cima da mesa, temos acordo sobre as matérias essenciais, os projetos estão no
Parlamento, a portaria sobre o público está pronta e discutida, cumprir prazos é também algo de essencial às
expectativas que tem toda uma população em ver a sua relação de trabalho ficar, finalmente, dentro da
legalidade, porque, não nos enganemos, a precariedade é, quase sempre, o abuso e a ilegalidade.
Finalmente, amanhã iremos discutir aqui o trabalho por turnos, e dois em cada 10 trabalhadores em Portugal,
de todos os setores, trabalham já por turnos, quase sempre com baixos salários e sem contratação coletiva, ou
seja, sem mecanismos básicos de proteção da sua saúde e da conciliação da vida familiar e pessoal.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem mesmo de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que seria bom que o Governo desse o
sinal de que compreende a necessidade de se avançar nesta proteção dos trabalhadores que têm os horários
mais pesados do nosso País.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro António
Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, relativamente ao Instituto Nacional Ricardo Jorge
não há dúvida nenhuma sobre o que o Sr. Ministro da Ciência e o Sr. Secretário de Estado da Saúde acabam
de dizer, e não foi isso que disseram.
Creio que deve haver uma confusão, porque existe um consórcio que foi constituído, aliás dinamizado pelo
Município de Lisboa há uns anos, e que envolveu várias instituições, tendo em vista podermos concorrer a um
KIC (Knowledge Innovation Community) do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT) na área das
ciências da saúde. Deve ser esse o consórcio a que se refere.
De qualquer forma, quer o Sr. Ministro da Ciência quer o Sr. Secretário de Estado da Saúde ouviram bem a
sua mensagem e irão transmitir o recado para que tudo fique claro.
Agora, o Instituto não vai ser privatizado, nem vai ter parcerias com privados, vai continuar a ser reforçado e
a ter melhores condições para poder funcionar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para formular perguntas, a Sr.ª Deputada
Assunção Cristas.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, esta manhã, aqui, no
Parlamento, na audição na Comissão de Saúde, voltou a fazer-se um ponto de situação sobre as dívidas no
setor da saúde.
Sei que o Governo gosta mais de falar de défice do que de dívidas, mas, lamentavelmente, o défice mais
baixo da democracia, como os senhores gostam de apregoar, pela segunda vez, porque a primeira vez que o
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apregoaram foi em 2008, casa e rima com a dívida mais alta da democracia, nessa altura e agora também
infelizmente.
Já sabíamos que a dívida dos hospitais EPE (Entidades Públicas Empresariais), que o ano passado tinha
crescido à razão de 30 milhões/mês, nos dois primeiros meses deste ano cresceu à razão de 63 milhões/mês.
Mas o que ficámos a saber esta manhã, Sr. Primeiro-Ministro, e sobre isto queria questioná-lo, foi que, neste
momento, aquilo que os hospitais fazem é pedir dispositivos médicos às empresas, à consignação, sem nota de
encomenda e, portanto, sem sequer gerar um contrato ou uma dívida, e isto vai correndo até que esses
dispositivos sejam usados, e em muitos casos são consumíveis, e só depois é que aparece a dita nota de
encomenda e o pagamento.
Pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, se tem conhecimento desta situação e qual é o montante da dívida que está,
assim, escondida e sonegada no SNS.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Assunção Cristas, agradeço as suas perguntas.
De facto, temos o dever de falar também do défice, porque estamos sujeitos a obrigações que temos de
cumprir. E é, aliás, com satisfação que lhe digo que acabam de ser revelados os dados da execução dos
primeiros três meses deste ano, que demonstram que o défice, este ano, baixou mais 290 milhões de euros
relativamente a idêntico período do ano passado…
Aplausos do PS.
… e que o excedente primário cresceu 280 milhões de euros relativamente ao 1.º trimestre do ano passado.
Por isso, pode estar tranquila que também este ano o défice vai no bom caminho, não obstante estarmos a
cumprir os compromissos que assumimos com os portugueses, com Os Verdes, com o PCP e com o Bloco de
Esquerda, termos reposto integralmente os vencimentos na função pública, termos reposto as 35 horas de
trabalho na Administração Pública, termos reposto os cortes nas pensões, termos reduzido a carga fiscal e
continuarmos a reduzir o défice. Sim, estamos a cumprir todos os compromissos que assumimos! E é assim que
faremos também relativamente às dívidas na saúde, que este ano, comparativamente com o ano passado, estão
a um nível idêntico…
Protestos do CDS-PP.
… e chegaremos ao final do ano de modo idêntico.
É verdade que, no mês de fevereiro, houve um aumento anómalo relativamente às notas de crédito, mas,
em março, já retomaram a normalidade e chegaremos ao final do ano em normalidade, como fizemos no ano
passado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, novamente, a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, pergunto-lhe sobre dívida e
sobre dívidas da saúde e o Sr. Primeiro-Ministro responde-me com défice. Portanto, tenho de voltar a fazer a
pergunta: qual é o montante das dívidas na saúde, neste momento, e qual é o montante dessas dívidas que
nem sequer estão reportadas, que nem sequer têm nota de encomenda, mas, na verdade, são dívidas
sonegadas e escondidas «debaixo do tapete»?!
Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD António Leitão Amaro.
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, já teve oportunidade de, hoje de manhã, na
Comissão, ouvir os responsáveis do Ministério da Saúde, que lhe deram toda a informação detalhada.
Vozes do PSD e do CDS-PP: — Ah!…
O Sr. Primeiro-Ministro: — Percebo que não goste de ouvir a informação agregada.
Durante vários meses, perguntou-me, aqui, sobre os juros da dívida, mas, como agora os juros baixaram,…
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Não, não! Continuam altos!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … deixou de me perguntar sobre os juros da dívida; durante um ano perguntou-
me pelo défice, como o défice melhorou, deixou de me perguntar pelo défice;…
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Já lá vou!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … agora, pergunta-me pela dívida, mas, brevemente, também deixará de me
perguntar pela dívida, porque também a dívida começará a baixar. Aliás, já baixou a dívida líquida,…
Aplausos do PS.
… já subiu o saldo primário e, portanto, baixará também a dívida bruta.
Portanto, Sr.ª Deputada, mantenha-se tranquila que ficará também sem perguntas sobre esse tema e irá a
outros temas de maior interesse.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, novamente, a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, tomo boa nota de que não sabe
responder e, por isso, aconselhava-o a que, de facto, se inteirasse, porque hoje de manhã quem cá esteve foram
os credores,…
Vozes do CDS-PP: — Exatamente!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … a queixarem-se precisamente de um Governo que não paga o
que deve e, mais, nem sequer deixa que sigam as notas de encomenda, exige que haja consignações e só
depois é que aparecem as notas de encomenda.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, sugiro-lhe que se inteire sobre essa situação…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Mantenha-se tranquilo!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … e que esteja tranquilo, porque, pela minha parte, estou muito
tranquila mas muito preocupada. É que, como sempre, vejo uma grave nota de irresponsabilidade da parte do
Primeiro-Ministro, quando, de facto, não considera nada importante e trata de tudo com uma grande ligeireza.
E, já agora, no ano passado, foi no último mês do ano que pagou dívidas acumuladas na saúde com 400 milhões
de euros que apareceram de uma receita extraordinária; e, portanto, vamos ver qual é a receita extraordinária
que aparece este ano.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
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A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Mas, Sr. Primeiro-Ministro, sobre questões que têm a ver com o
défice, naturalmente, queria ainda fazer-lhe uma pergunta sobre um outro tema, que tem a ver com a área da
despesa pública e, neste caso, dos transportes.
Também aqui, nesta Casa, há 15 dias, tivemos oportunidade de ouvir o responsável do regulador, a
Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, que se queixou de que tinha 30%, repito, 30% do seu orçamento
cativado.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — A minha pergunta é no sentido de saber se o Sr. Primeiro-Ministro
entende que 30% de cativações nesta área é ajustado para a Autoridade que fiscaliza 29 000 empresas em todo
o País garantir a boa execução do serviço público de qualidade nesta área. E, já agora, pergunto-lhe qual é o
valor das cativações das empresas de transportes.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, vou também acrescentar que, relativamente à
dívida, o último parágrafo do comunicado que foi feito sobre a execução nestes primeiros três meses refere o
seguinte: «A dívida não financeira nas administrações públicas — despesa sem o correspondente pagamento,
incluindo pagamentos em atraso — reduziu-se em 365 milhões de euros, face a igual período de 2016, tendo o
stock de pagamentos em atraso registado um decréscimo de 42 milhões de euros».
Protestos da Deputada do CDS-PP Assunção Cristas.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Responda às perguntas!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Significa isto que a dívida, os atrasos de pagamento estão a reduzir e, portanto,
Sr.ª Deputada, mantenhamo-nos serenos.
A única coisa que posso dizer, relativamente às cativações, é que, garanto-lhe, seguramente, todos os
responsáveis pela Administração Pública, a começar por mim próprio, no que diz respeito ao orçamento do meu
próprio Gabinete, gostaríamos de não ter os nossos orçamentos cativados em 30%. Sucede que a cativação é
um elemento essencial para assegurar a boa gestão orçamental,…
Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Magalhães.
… para assegurar que o Orçamento vai sendo gerido ao longo do ano, tendo em conta a evolução da receita
e a evolução da despesa, de forma a prevenir surpresas e a assegurar que, no final do ano, cumpriremos as
metas orçamentais a que nos propusemos. A ideia peregrina que muitas vezes existe em pessoas menos
informadas, mas que, certamente, não é partilhada por alguém que tem vasta experiência governativa, como a
Sr.ª Deputada, é a de que o Orçamento tem um momento inicial, que é o da aprovação, e um momento final,
que é o da conta. Não! A parte mais importante do exercício orçamental não é nem a aprovação do Orçamento
nem a verificação da conta, é o dia a dia da sua execução.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Ora, pois é!
O Sr. Primeiro-Ministro: — E é por isso que é fundamental que as cativações existam, como sempre
existiram e sempre existirão. E no dia em que as cativações não existam posso assegurar-lhe absolutamente
que não haverá uma boa execução orçamental. Logo, é necessário que elas existam e as descativações vão
sendo feitas de acordo com as necessidades, de acordo com a evolução da receita, porque quando se faz um
orçamento trabalhamos com previsões e aquilo que nos importa são os resultados que temos para apresentar
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ao País no final da execução. Para isso, é necessário ir medindo dia a dia, para não dar um passo maior do que
a perna. É também por isso que é muito bom manter 30% das cativações nessa Autoridade reguladora e em
todo o Estado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, novamente, a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, agradeço-lhe muito esta
confissão, que aqui fez.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É verdade!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — O Sr. Primeiro-Ministro acabou de assumir que, na verdade, nada
daquilo que se propõe fazer no Orçamento do Estado é, efetivamente, para cumprir.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exatamente!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Ficámos a saber que toda a despesa prevista para as escolas, para
os hospitais, para os transportes públicos, para os investimentos que estão por fazer — e por alguma razão no
ano passado o corte foi de 10% —, na verdade, deve ser tudo visto como x-20% ou x-30% ou aquilo que for.
Portanto, é bom que o Sr. Primeiro-Ministro assuma com clareza que, de facto, cativações transformam-se em
cortes, cortes cegos, despesa congelada, que é o oposto daquilo que o senhor dizia quando estava na
oposição…
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exatamente!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … e quando reclamava mais investimento público, mais qualidade
nos serviços, mais investimento nos transportes.
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, fica-lhe colada esta sua afirmação, aquilo que disse, ou seja, não interessa o
momento da aprovação — se calhar, é por isso que os seus parceiros aprovam com tanta facilidade —,…
Risos do PSD e do CDS-PP.
… o que interessa, na verdade, é, depois, a seguir, dar o dito pelo não dito e, com as cativações, com a
tesoura do Sr. Ministro das Finanças, acabar por não fazer nada daquilo que está previsto. Mas diga-o com
honestidade, diga-o com clareza e afirme-o aqui!
Aplausos do CDS-PP.
Portanto, o que fico a saber é que as verbas que estão previstas para os transportes, onde tem havido uma
degradação enorme — e o senhor quis manter os transportes no setor público, supostamente, para as coisas
correrem melhor —, não vão acontecer. E não vão acontecer, por exemplo, no metropolitano de Lisboa, com as
brutais cativações,…
Protestos do BE e da Deputada do PCP Rita Rato.
… com os investimentos que não são feitos, com a degradação a que assistimos todos os dias.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Há escadas rolantes avariadas!
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A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Mas, Sr. Primeiro-Ministro, sobre a forma como o senhor atingiu o
défice nós já a percebemos, foi desdizendo tudo aquilo com que se comprometeu.
Protestos do PS.
Agora, Sr. Primeiro-Ministro, queria colocar-lhe mais uma questão e, neste caso, também tem a ver com a
sua palavra e com o honrar a sua palavra.
Protestos do PS.
No dia 12 de fevereiro de 2016, o Sr. Primeiro-Ministro, a propósito do imposto sobre combustíveis, disse:
«O que quisemos foi ter uma neutralidade fiscal para os contribuintes mas também para o Estado». A minha
pergunta vai no sentido de saber se o senhor vai devolver os 250 milhões de euros que retirou ao bolso dos
contribuintes e, assim, honrar a sua palavra de neutralidade fiscal.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Quando estava no Governo não discutia isso no Conselho de Ministros?!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para responder.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, começo agora a perceber por que é que, durante
quatro anos, VV. Ex.as nunca conseguiram cumprir nenhum Orçamento, em todos os anos tiveram de ter, pelo
menos, um Orçamento retificativo…
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Cumpríamos o que prometíamos! Éramos transparentes!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … e nem assim conseguiram, alguma vez, cumprir o défice a que se propunham.
Aplausos do PS.
Protestos do CDS-PP.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Nós cumprimos o que prometemos!
O Sr. Primeiro-Ministro: — E, Sr.ª Deputada, ainda por cima, com muitas cativações, porque pode não ter
dado por isso, mas também teve cativações…
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Descativei-as! Fomos transparentes!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … e elas também foram cumpridas, o que não foi cumprido foram os resultados
orçamentais.
Quanto ao imposto sobre os produtos petrolíferos, no ano passado, assegurámos aquilo que tínhamos dito,
que era a revisão periódica em função da evolução do preço do petróleo e da receita do IVA. Isso foi cumprido,
foi o que fizemos em 2016.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, ainda, a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, de facto, há uma palavra que
nos separa: transparência!
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Aplausos do CDS-PP.
É que nós, quando, eventualmente, não conseguimos fazer tudo o que estava previsto, fazemos Orçamentos
retificativos, para que as coisas possam ser claras e transparentes; os senhores congelam, cortam, dizem que
baixam os pagamentos em atraso, porque nem sequer aceitam notas de encomenda, gastam primeiro e põem
a despesa debaixo do tapete.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exatamente!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Essa é a forma como os senhores tratam!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Malabarismos!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — É falta de transparência! Malabarismos e artimanhas! Disso já
estamos fartos e já sabemos aonde nos levou!
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, tenho outra coisa a dizer-lhe: de facto, passava o ano inteiro a batalhar para
descativar verbas, mas conseguia. Era por isso que não faltava com a palavra, era por isso que sabia que os
fundos comunitários eram todos executados. Todos! Todos, e mais houvesse!
Aplausos do CDS-PP.
Era por isso que havia um setor a investir como nunca, coisa que os senhores não sabem fazer, porque não
têm respeito pela palavra dada. E, mais uma vez, noto que o Sr. Primeiro-Ministro não vai respeitar a palavra
em matéria de neutralidade fiscal de imposto sobre combustíveis. O senhor arrecadou, contra a sua palavra,
250 milhões de euros do bolso dos contribuintes e, infelizmente, já percebemos que essa palavra não será,
certamente, honrada,…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O socialismo no seu melhor!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … já foi para o caixote do lixo, o senhor não quer saber do que disse
ou do que deixou de dizer nesta matéria.
Já agora, Sr. Primeiro-Ministro, para terminar, tenho uma última pergunta que gostaria de lhe fazer, mas,
antes disso, quero dizer-lhe que noto, não com alguma surpresa mas agrado, que o Sr. Primeiro-Ministro já
responde à bancada do Partido Socialista na qualidade de Primeiro-Ministro e de Secretário-Geral do Partido
Socialista em matéria de habitação. Portanto, quando eu lhe perguntar sobre a disponibilidade do Governo para
trabalhar esta ou aquela matéria, espero que tenha o mesmo tipo de resposta. E é bom que tenha feito essa
correção, porque, em matéria de habitação, de facto, aquilo que fez enquanto Presidente da Câmara de Lisboa
deixa muito, muito, muito a desejar…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Vai ser assim até outubro!
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — … e, portanto, é bom que agora dê uma ajuda ao Partido Socialista
em matéria de lei de bases para a habitação.
Mas a última pergunta que tinha para lhe fazer tem a ver com a reavaliação de ativos. Fiz, há um mês, uma
pergunta nesta Casa que não teve resposta: qual é o montante global da borla fiscal da reavaliação de ativos?
Sabemos que a EDP encaixou ou poupou 174 milhões de euros, pelo que quero saber quantas empresas é que
recorreram a este mecanismo e qual foi o total dessa borla fiscal.
Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD António Leitão Amaro.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.
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O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Assunção Cristas, telegraficamente, porque já
disponho de muito pouco tempo, primeiro, quero informar a Sr.ª Deputada de que durante os quatro anos em
que V. Ex.ª foi Ministra nunca houve menos de 500 milhões de euros de cativações por ano, repito, nunca menos
de 500 milhões de euros, a somarem-se ao retificativo e ao fracasso, sempre, todos os anos, em matéria de
défice.
Aplausos do PS.
Quanto ao mais, Sr.ª Deputada, quero apenas dizer-lhe que, como bem sabe, porque é uma ilustre jurista,
não havendo ativos, não há imposto a pagar. Portanto, se da reavaliação resulta que não há ativos não há borla
nenhuma, há só o pagamento que era devido…
Vozes do PSD e do CDS-PP: — Ah!…
O Sr. Primeiro-Ministro: — … e não um pagamento que seria indevido.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Chame-lhe o que quiser, mas é borla fiscal!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa
Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, face àquilo que nos
dispusemos trabalhar, já fizemos muito — mas muito mesmo — relativamente ao que o PSD e o CDS diziam
que era impensável ou impossível fazer para justificarem aos portugueses que tinham de continuar aqueles
cortes absurdos, inclusive, até fazer mais e passar a uma lógica, a uma fúria de privatização enorme, porque o
Estado não tinha possibilidade de arcar com todos os serviços públicos prestados aos portugueses.
Felizmente, Sr. Primeiro-Ministro, essa lógica foi colocada de parte, por vontade dos portugueses, que deram
uma maioria de Deputados na Assembleia da República a partidos que se tinham comprometido, justamente,
com uma mudança e uma inversão dessas políticas.
Assim, já devolvemos salários, já descongelámos pensões, já aumentámos apoios sociais, já repusemos as
35 horas na função pública, e muito mais há a fazer.
O Sr. Primeiro-Ministro elencou três questões, em relação às quais temos de arregaçar as mangas e começar
a trabalhar, designadamente na reformulação dos escalões do IRS, na não penalização das longas carreiras
contributivas e no descongelamento da impossibilidade de progressão nas carreiras.
É evidente que temos de batalhar muito neste caminho, mas é também evidente que temos de colocar uma
palavra fulcral e fundamental na nossa ação: desenvolvimento. Temos de trabalhar e estamos a partir agora de
um outro ponto de partida para desenvolver, para gerar outros níveis de desenvolvimento no País.
Pois bem, os setores da saúde e da educação são fulcrais nessa matéria. O Sr. Primeiro-Ministro tinha-se
comprometido com os portugueses que em 2017 todos iriam ter médico de família. Quero a reafirmação desse
compromisso, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — E para o próximo ano vai dizer a mesma coisa!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, como disse, temos feito muito,
e vamos continuar aquilo a que nos comprometemos fazer.
O setor da saúde é particularmente exigente e as carências eram muitas. Entre médicos, enfermeiros e
pessoal auxiliar foram contratados, no ano passado, para o Serviço Nacional de Saúde mais de 4000.
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Risos do Deputado do PSD Miguel Santos.
Não houve nenhum setor onde o esforço tivesse sido tão grande. Só médicos foram contratados 1400; foram
abertas 55 unidades de saúde familiar; e foram criadas mais de 600 camas de cuidados continuados.
O nosso objetivo é muito claro: que todos os portugueses tenham médico de família. É nesse sentido que
estamos a trabalhar, compromisso, esse, que também iremos cumprir. Passo a passo iremos cumprir, como
temos estado a fazer. E esse é um esforço que vai ser continuado. Não é fácil, mas é o esforço necessário. Não
temos a menor dúvida de que o objetivo do défice é muito importante, mas ele é instrumental para aquilo que é
essencial. E o que é essencial são as portuguesas e os portugueses e, entre as várias necessidades que têm,
e que são muitas — as da habitação, as da educação… —, há uma que é central e transversal a todos, a todas
as gerações: a da saúde.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E a habitação também!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Esse é um investimento que temos de continuar a fazer e sabemos bem que,
por muita racionalização que se faça, há recursos humanos que são imprescindíveis e que temos de reforçar. E
iremos continuar a fazer esse reforço.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, de novo, a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, sim, há questões e setores
que são fundamentais para os portugueses. E o compromisso que assumimos — e que Os Verdes também
quiseram introduzir na Posição Conjunta que assinámos com o Partido Socialista — é o de que é fundamental
um médico de família para todos os portugueses. Sabemos as carências, a dificuldade em marcar uma consulta,
a dificuldade de ter acesso ao direito fundamental à saúde, constitucionalmente consagrado. Trabalhar para
esse objetivo é fundamental. O Sr. Primeiro-Ministro colocou um prazo para esse cumprimento e esse prazo
deve ser cumprido.
Sr. Primeiro-Ministro, de facto, o défice e o tratado orçamental têm-se constituído num obstáculo fundamental
e explícito ao processo de desenvolvimento do nosso País. Há respostas que têm de ser dadas e, como já
afirmámos noutras alturas, esbarramos no défice. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, esse trabalho de «encolher» os
números ainda mais do que Bruxelas exige os portugueses não agradecem.
É um recado que Os Verdes deixam ao Primeiro-Ministro — aliás, já o fizemos noutras alturas — e acho que
é fundamental ter em conta que devemos trabalhar para as pessoas e não para os números.
Em relação ao desenvolvimento, há outro setor fundamental: a coesão territorial e o combate às assimetrias
regionais.
Sr. Primeiro-Ministro, veja bem se Os Verdes não têm razão neste raciocínio — e acho que o País já
promoveu esse debate das mais diversas maneiras: há um meio-termo de reflexão, de poder, de intervenção,
que falha no nosso País…
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queria terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … e a regionalização é uma resposta determinante para,
justamente, dar lugar a respostas necessárias no âmbito do desenvolvimento do nosso País, respostas, essas,
que não compete ao Governo nem ao poder local municipal darem, mas, sim, ao regional. E essa falha, Sr.
Primeiro-Ministro, não podemos prolongá-la por muito mais tempo.
Sr. Primeiro-Ministro, é ou não verdade que a regionalização seria uma peça e um instrumento fundamentais
para promover esse desenvolvimento?
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
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O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputada Heloísa Apolónia, fui daqueles que defendeu a
regionalização, que fez campanha pela regionalização e que, hoje, não pensa diferente do que pensava na
altura em que o referendo foi feito.
Considero que este não é o momento oportuno, nem há condições políticas para que se retome esse tema
de uma forma que não nos faça repetir erros de avaliação que nos fizeram precipitar há 20 anos. Acho que todos
devemos aprender com as lições e eu ainda não desaprendi o trauma que tive com o resultado desse refendo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Trauma?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Acho que o que é essencial compreender é que o caminho se deve fazer de
uma forma consolidada.
Hoje, muitos daqueles que, na altura, foram contra até são a favor e não conheço ninguém que, então, tenha
sido a favor e que hoje seja contra. É um caminho que, certamente, um dia será feito, até porque, como há dias
recordava o Sr. Deputado António Filipe, nos está imposto pela própria Constituição. Não creio que seja no
quadro desta Legislatura — acho que não é, seria um erro que pagaríamos caro se nos precipitássemos nesse
passo —, entendo que há caminhos que devemos fazer.
O que consta do Programa do Governo é um passo muito importante para ganhar escala que melhore a
eficiência das políticas públicas: permitir que, de uma vez por todas, as comissões de coordenação e
desenvolvimento regional deixem de ser serviços dependentes do Governo e passem a poder ter uma
legitimidade atribuída pelos autarcas da sua região.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já concluir, Sr. Presidente.
Acho que este é um passo muito importante que permitirá dar legitimidade democrática, aproximar os
municípios das regiões, dar escala às políticas públicas — que têm de ter escala, para além dos municípios e
das CIM (comunidades intermunicipais) — e consolidar um modelo que, no futuro, quando se verificar que há
um consenso nacional suficiente que o justifique, possa permitir reabrir o debate sobre a regionalização.
Sinceramente, não recomendo a ninguém que o abra antecipadamente, prematuramente, de modo
precipitado, porque correríamos seriamente o risco de voltar a ter o mesmo resultado que tivemos há 20 anos e
aqueles que, como eu, acreditam na regionalização não desejam, certamente, repetir os erros que foram
cometidos há 20 anos.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Acho que, no momento próprio, lá chegaremos…
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — E quando é o momento próprio?
O Sr. Primeiro-Ministro: — Gostava de poder ter poderes divinatórios, mas não tenho.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ah!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Uma coisa eu sei: nesta Legislatura, não é, com certeza.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado André
Silva.
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O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, antes da questão
que temos para lhe colocar, queria congratular o Governo, porque hoje se encerra um ciclo legislativo com a
publicação da portaria que regulamenta a lei que proíbe o abate de animais como forma de controlo populacional.
A partir de hoje, aqueles presidentes de câmara que se estão a recusar a aplicar a lei e que não gostam de
animais têm menos uma desculpa para não acompanhar a vontade dos portugueses.
Quanto ao tema que nos traz hoje ao debate, Sr. Primeiro-Ministro, segundo dados recentes da Agência
Portuguesa do Ambiente, e após uma trajetória de redução, Portugal teve um aumento significativo de 7% das
emissões de gases com efeito de estufa.
As razões são várias, mas a principal prende-se com uma tecnologia do século XIX que ainda temos no
nosso País: a produção de eletricidade a partir da queima de carvão, nomeadamente nas centrais de Sines e
do Pego, responsáveis, essas duas centrais, por 20% das emissões do País.
O aumento de produção destas centrais a carvão entre 2014 e 2015 traduz-se num aumento de emissões
no setor da eletricidade de 29%. Nenhum Governo tem, até ao momento, revelado preocupação ou interesse
em resolver este grave problema do setor energético.
Sr. Primeiro-Ministro, não se pode descarbonizar a economia sem se «descarvonizar» o sistema elétrico.
Gostaria de colocar ao Sr. Primeiro-Ministro três questões, que, aliás, já coloquei ao Sr. Ministro do
Planeamento e das Infraestruturas aquando do debate sobre plano nacional de reformas e que não foram
respondidas.
São as seguintes: até quando Portugal vai continuar a produzir energia elétrica a partir da queima de carvão?
Até quando vai o Governo continuar a conceder privilégios a estas indústrias, isentando-as de pagar imposto
sobre produtos petrolíferos? Para quando a elaboração do plano de descarbonização da economia, anunciado
pelo Governo para este ano, 2017?
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Silva, em primeiro lugar, gostaria de dizer
que, de facto, é um objetivo civilizacional da maior importância acabar com a política de abate de animais nos
canis, gatis — ou casas dos animais, como prefiro dizer — de âmbito municipal.
Em segundo lugar, devo dizer que estamos comprometidos e iremos cumprir o objetivo que temos em matéria
de descarbonização, e sabemos bem que a descarbonização passará pela «descarvonização».
Cremos, contudo, que esse objetivo tem de ser compatibilizado com as necessidades de conter o custo da
energia, designadamente a energia que é suportada pelas famílias e pelas empresas. Não podemos encerrar
as centrais de carvão sem termos alternativas limpas, com condições concorrenciais. Temos estado a alterar a
política em matéria de energias renováveis, de forma a conseguir atribuir novas centrais de produção de energia
com base na energia solar, sem os custos que tiveram as centrais de primeira geração.
Só aquilo que já licenciámos, ao longo do ano passado, permitiu aumentar em 250 MW a produção de
eletricidade, sem que tivéssemos de pagar as contrapartidas que estavam previstas nos contratos anteriores, o
que gerou uma poupança de cerca de 163 milhões de euros.
Este é o caminho que temos de ir prosseguindo: energia renovável concorrencial; energia renovável que não
careça de subsidiação; energia renovável que permita sustentar uma política energética limpa que nos permita
atingir os objetivos que nos comprometemos — com o País e internacionalmente — a cumprir, sem que isso
constitua um custo acrescido.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já terminar, Sr. Presidente.
Quanto à alteração dos CMEC (custos para a manutenção do equilíbrio contratual), como sabe, há um
calendário para terminarem. Numa das principais centrais, terminam precisamente este ano e, portanto, a central
passará a concorrer em condições de mercado.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, fica, assim, encerrado o primeiro ponto da ordem
de trabalhos.
Antes de passarmos ao segundo ponto, vou dar a palavra ao Sr. Secretário Duarte Pacheco para anunciar
iniciativas legislativas, entretanto admitidas.
Faça favor.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada, e foram
admitidos, os projetos de lei n.os 507/XIII (2.ª) — Defesa da transparência e da integridade nas competições
desportivas (PSD), que baixa à 12.ª Comissão, e 508/XIII (2.ª) — Reforça os direitos dos trabalhadores no
regime de trabalho noturno e por turnos (PCP).
Deram também entrada na Mesa, e foram admitidos, os projetos de resolução n.os 817/XIII (2.ª) — Construção
imediata do IC35, entre Penafiel e Entre-os-Rios (PSD), que baixa à 6.ª Comissão, 818/XIII (2.ª) — Recomenda
ao Governo o acompanhamento do processo de reposição urgente da circulação na estrada de acesso a El
Granado (Província de Huelva, Espanha), que faz a ligação a Portugal através da ponte sobre o rio Chança junto
à localidade de Pomarão, no concelho de Mértola (PCP), que baixa à 6.ª Comissão, 819/XIII (2.ª) — Recomenda
ao Governo a inclusão da Fortaleza de Juromenha, concelho do Alandroal, na Lista de Imóveis que integra o
Programa REVIVE (PSD), que baixa à 6.ª Comissão, 820/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo que assegure
aos reformados da indústria de lanifícios o acesso pleno ao direito de comparticipação dos medicamentos (BE),
que baixa à 9.ª Comissão, 821/XIII (2.ª) — Medidas para aumentar a cobertura vacinal em Portugal (BE), que
baixa à 9.ª Comissão, 822/XIII (2.ª) — Recomenda ao Governo a publicação de um relatório de avaliação da
política portuguesa de acolhimento de refugiados (BE), que baixa à 1.ª Comissão, e 823/XIII (2.ª) — Estabelece
o calendário para a instituição em concreto das regiões administrativas durante o ano de 2019, que baixa à 11.ª
Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, vamos passar ao segundo ponto da ordem de
trabalhos, que consta do debate preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do
artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do
Processo de Construção Europeia.
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este é o primeiro Conselho Europeu que
reúne num formato extraordinário a 27 para adotar as linhas de orientação para as negociações sobre o Brexit.
Como sabem, estas propostas de orientações foram classificadas e por isso não têm sido divulgadas
oficialmente, não obstante alguns links que têm existido. Portanto, sobre isso não irei falar, concentrar-me-ei em
descrever o processo e sublinhar aquilo que me parece essencial do ponto de vista português.
A aprovação destas orientações é uma primeira etapa para a primeira fase destas negociações. Haverá uma
segunda fase que será objeto de nova versão das orientações.
Após a aprovação no próximo sábado, a Comissão Europeia apresentará, a 3 de maio, as diretivas negociais
para esta primeira fase, tendo em vista assegurar uma saída ordeira do Reino Unido da União Europeia,
centrada, sobretudo, nas questões relativas aos cidadãos, ao acordo financeiro, à questão das fronteiras e a
diversas questões de natureza jurídico-administrativa.
Ainda em maio, o Conselho deverá aprovar estas diretivas, autorizando a Comissão a abrir as negociações,
que deverão começar em inícios de junho e prolongar-se por um máximo de 18 meses, de forma a ainda dar
tempo a que o Parlamento Europeu e o Parlamento britânico possam aprovar o acordo no prazo de dois anos,
previsto no Tratado.
No que diz respeito ao projeto de orientações, ele foi apresentado pelo Presidente do Conselho em 31 de
março e tem estado em apreciação desde então pelos 27 Estados-membros, tendo reunido, até agora, um
consenso bastante generalizado e tendo sido também objeto de apoio por parte do Parlamento Europeu e da
Comissão.
Em relação a Portugal, consideramos estas linhas orientadoras equilibradas e que salvaguardam os
principais interesses da União e do nosso País.
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Consideramos que é prioritário centrar-nos no que é essencial, ou seja, na questão relativa aos cidadãos.
Quanto a essa questão, entendemos que é necessário protegê-los em diferentes dimensões, nomeadamente
no que diz respeito a direitos de residência e a direitos sociais.
Desse ponto de vista, gostaríamos que o momento considerado para abranger os cidadãos correspondesse
ao momento da saída do Reino Unido da União Europeia. Isto porque temos o entendimento de que, enquanto
for membro da União Europeia, o Reino Unido está sujeito às suas obrigações e todos os cidadãos europeus
que lá residam estão sujeitos aos mesmos direitos e aos mesmos deveres que qualquer outro cidadão em
qualquer outra parte do território da União. Essa será, por isso, a nossa prioridade e aí centraremos as nossas
atenções.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem agora a palavra, em nome do Grupo
Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Miguel Morgado.
O Sr. Miguel Morgado (PSD): — Sr. Presidente: Nesta fase do processo em que nos encontramos, o da
saída do Reino Unido da União Europeia, o principal inimigo, o principal obstáculo que temos diante de nós é a
incerteza e a indefinição. Incerteza e indefinição que estão a afetar já dezenas ou centenas de milhares de
pessoas; incerteza e indefinição que estão a causar, já neste momento, um impasse económico relativamente
ao comportamento que as empresas querem ter — as que estão no Reino Unido e as que estão fora.
Portanto, o objetivo mais crucial que estas orientações devem dar é precisamente o de contribuírem para
reduzir essa incerteza e essa indefinição.
Nesse sentido, para o PSD, a prioridade das prioridades diz respeito aos direitos dos portugueses e dos
restantes cidadãos da União Europeia que foram para o Reino Unido trabalhar e viver.
A comunidade portuguesa é muito significativa no Reino Unido. Ainda em 2016, continuaram a emigrar para
o Reino Unido dezenas de milhares de portugueses.
Sabendo que isto afeta todos os cidadãos da União Europeia que lá estão a viver e a trabalhar,
designadamente os portugueses, é importante perceber que o Parlamento português representa também esses
portugueses e que não podemos aceitar que o Reino Unido faça dos direitos que assistem a esses cidadãos
portugueses uma arma negocial nesta mesa que se adivinha longa.
Ao contrário das notícias que estamos a receber do Reino Unido e que são preocupantes, é preciso garantir
que o Governo britânico não possa continuar a desencorajar, para além dos empecilhos burocráticos que está
a criar na vida de dezenas ou de centenas de milhares de pessoas, os pedidos para regularização da candidatura
a direitos de residência permanente no Reino Unido. É que agora o Governo britânico decidiu dar um passo em
frente e passou ativamente a desencorajar esses pedidos. Essas medidas do Governo britânico não são
aceitáveis.
O desejo do Governo britânico em obter reciprocidade no tratamento que os Estados-membros da União
Europeia darão aos seus residentes nesses Estados é legítimo e razoável.
Da parte do PSD, estamos disponíveis para acelerar o processo, juntamente com os nossos parceiros
europeus, de concessão, clarificação e estabilização dos direitos dos cidadãos britânicos nas nossas fronteiras
e nos outros Estados-membros.
Outro ponto muito importante e que não é aceitável que o Governo britânico opte por usar como arma
negocial diz respeito à cooperação em matéria de defesa e segurança. Sabemos que o Reino Unido é um
parceiro muito importante no estabelecimento da segurança interna e nas atividades de defesa, mas também
sabemos que, para a eficácia em todas estas operações, é crucial que haja alguma certeza, alguma definição e
confiança entre as instituições para que as respostas conjuntas a estes desafios sejam minimamente eficazes.
Também não podemos aceitar que esta matéria seja tratada em termos condicionais e como arma negocial.
A cooperação entre o Reino Unido e a União Europeia em matéria de defesa e segurança é também
fundamental.
Uma terceira prioridade que é importante esclarecer, no início das negociações, diz respeito aos
compromissos financeiros do Reino Unido com a União Europeia. Até ao final do atual quadro financeiro
plurianual e de outras responsabilidades contingentes e financeiras que o Reino Unido tem, somos favoráveis a
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que o Reino Unidos tem de as assumir, tal como as assumiu quando era um parceiro de pleno direito da União
Europeia.
Haverá uma discussão, certamente, complexa e difícil para nós, em Portugal, e para os nossos parceiros a
seguir a 2020, quando o Reino Unido abandonar a União Europeia e, portanto, perdermos a contribuição líquida,
muito expressiva, do Reino Unido para o Orçamento europeu.
Quanto à prossecução destas negociações e para levarmos a cabo este processo que se adivinha muito
difícil, é uma ilusão pensar que o conseguiremos levar a bom porto sem uma ideia clara da Europa que somos
e da Europa que queremos ser.
O primeiro passo para termos essa ideia clara da Europa que queremos ser diz respeito não só à vontade
de reformarmos as instituições europeias, mas também de não nos deixarmos intimidar pelos extremismos
políticos antieuropeístas de esquerda e de direita.
Vemos, pelo que está a acontecer em França, que muitas vezes as neutralidades que são assumidas por um
extremismo de um lado do espectro não são senão efetivas afinidades com o outro extremismo de polo oposto.
Não nos podemos deixar intimidar, nem podemos disfarçar essas presumidas neutralidades. Do lado de um
processo tão moroso e tão complexo como este e de outros atos políticos de idêntica envergadura, não nos
podemos esquecer quais são os valores europeus que fundam a Europa que desejamos: os valores da
democracia política, os valores do regime de liberdades, os valores de uma economia social de mercado.
No debate político interno português, temos de ter uma ideia clara sobre aquilo que nos divide entre as forças
extremistas — no nosso caso, de esquerda —, antieuropeístas que promovem um conflito e uma guerra aberta
contra estes valores e as outras forças políticas que são a favor de uma Europa que se revê precisamente nestes
valores.
O mínimo que se pode exigir ao Governo da República portuguesa é que não seja ambíguo neste confronto
político, neste debate do nosso tempo, que é o grande debate europeu do nosso tempo. Não pode ser a coberto
de ambiguidades de circunstância que este debate se torne mais confuso. Isso vale para Portugal, para França
ou para qualquer outro Estado-membro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra, em nome do Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Isabel Pires.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: O
Conselho Europeu de dia 29 de abril será extraordinário e irá focar-se na adoção das linhas orientadoras para
a negociação pós-Brexit.
Neste contexto, há uma primeira conclusão que podemos tirar: as posições de ambos os lados têm sido, até
hoje, confusas e, em alguns momentos, mesmo contraditórias, imprimindo um cenário de cada vez maior
incerteza, em particular para os milhares de pessoas que residem, trabalham e estudam no Reino Unido.
Segundo as informações que o Governo português tem prestado, inclusivamente em sede de comissão
parlamentar, estas negociações teriam duas prioridades essenciais: um acordo em matéria de segurança e
defesa, por um lado, e a defesa dos direitos dos cidadãos, por outro.
Não podemos deixar de notar que estas prioridades são contraditórias no seu objetivo. Se a primeira destas
prioridades é um tiro ao lado na resposta aos principais problemas, a segunda, analisando o debate em curso,
não pode ser levada a sério.
Desde o início, o Brexit foi instrumentalizado para incutir o discurso do medo e do ódio ao outro, ao que vem
de fora, e, também, para a sobrevivência política de uma elite governante que se vai deslocando mais e mais à
direita. A cada tentativa de condicionar a livre escolha democrática, as instituições ou representantes europeus
mais repeliam os cidadãos e deram fôlego ao Brexit.
A União Europeia é um projeto cada vez mais difícil de defender, mesmo contra as piores razões.
O povo britânico decidiu sair e, desde que foi acionado o artigo 50.º do Tratado de Lisboa, assistimos a uma
completa incongruência nas posições negociais. Ora é urgente um acordo que beneficie as duas partes, ora é
preciso um acordo que afirme o poder da União Europeia face ao Reino Unido. Ora é preciso um acordo que
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garanta as quatro liberdades de circulação, e nada menos do que isso, ora é preciso um acordo que se submeta
às exigências do Reino Unido em matéria de fronteiras.
Sr. Primeiro-Ministro, precisamos de colocar as prioridades no sítio certo e de acabar com esta absoluta
confusão.
Em primeiro lugar, têm, de facto, de estar as pessoas. Que tipo de direitos vão existir para os cerca de 3
milhões de cidadãos comunitários no Reino Unido? O que acontecerá aos portugueses e às portuguesas que
vivem no Reino Unido?
Estas são as primeiras perguntas, mas têm de ser também as primeiras preocupações na mente dos
negociadores. Sabemos qual é a vontade do Reino Unido e as complicações que tem criado. Com certeza,
saberá o Sr. Primeiro-ministro que, sensivelmente desde o referendo, o pedido de residência obriga ao
preenchimento de 85 páginas, num processo muito burocrático.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Um abuso!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Portanto, esta é uma prática de quem está a transformar os emigrantes em
principal fator de chantagem negocial, e isso é inaceitável. Mas a Europa pouco ou quase nada tem dito. Por
exemplo, aceita a União Europeia a posição de Theresa May de fechar temporariamente as fronteiras? Mais
uma pergunta essencial sem resposta neste processo.
Estas são as preocupações fundamentais e que não se coadunam com jogadas políticas e de poder.
Quando verificamos as prioridades da Comissão, percebemos que, novamente, a prioridade é dada ao
militarismo. Quando falamos de segurança e defesa, sabemos que o que está na mente das e dos comissários
europeus é utilizar as Forças Armadas britânicas para continuar a construir muros e barreiras aos refugiados.
Porque, Sr. Primeiro-Ministro, não esquecemos o acordo com a Turquia e a hipocrisia e desumanidade que ele
representa e aos supostos valores europeus.
Que é feito da preocupação com as pessoas, quando a Comissão Europeia, o Conselho e o BCE não têm
sido outra coisa que não os capatazes da austeridade e da chantagem sobre os povos?
Por isso, pergunto, Sr. Primeiro-Ministro — e por falar em valores da União Europeia —, qual será, afinal, a
posição do Governo português: o silêncio perante um acordo que coloca as armas e a repressão no centro ou
a ação concreta para que as pessoas e os seus direitos estejam no centro de um futuro acordo?
Os portugueses e as portuguesas que vivem no Reino Unido querem a resposta certa, Sr. Primeiro-Ministro,
e os europeus não aguentam mais uma resposta errada.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra, em nome do Grupo
Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e restantes Membros do
Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O próximo Conselho Europeu Extraordinário vai ser o primeiro que vai reunir
depois de um pedido formal e efetivo de saída do Reino Unido.
Sabemos que o processo de saída de um Estado-membro da União Europeia é algo que nunca foi tentado.
Nesse sentido, é algo que não tem histórico, não tem precedente. Nós não temos um mapa de procedimentos
para seguir e todos percebemos que vai ser um processo muito complexo, longo, que demorará cerca de dois
anos a negociar.
Nesse sentido, as perguntas que quero colocar são sobre o próprio processo negocial.
Gostava de perceber o que é que o Governo português quer fazer em relação à defesa da proteção dos
interesses portugueses durante este processo.
Sabemos que temos uma comunidade que deve ser cerca de meio milhão de portugueses, que estão, neste
momento, no Reino Unido e preocupa-nos muito o facto de atualmente existir uma onda de xenofobia, de
racismo, de protecionismo, de incompreensão sobre o estrangeiro, e esse estrangeiro é o próprio europeu.
Sabemos até de recentes ataques, crimes violentos, a comunidades não inglesas, e isso preocupa-nos muito.
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Também nos preocupa muito o que, neste momento, as autoridades britânicas estão a fazer em relação aos
pedidos de autorização de residência, pedidos que chegam a ter 85 páginas de perguntas e de respostas,
tratando, certamente, de entraves à presença de um conjunto de comunidades no qual também se insere a
portuguesa. Sobre esta matéria, o que de mais relevante ouvimos do Governo foi o Sr. Secretário de Estado das
Comunidades aconselhar os portugueses que vivem no Reino Unido a pedir a dupla nacionalidade. Parece-me
que a única coisa que o Governo português tem a dizer de relevante a estas pessoas é que o melhor para
proteger os seus interesses é dirigirem-se às autoridades britânicas e pedirem outra nacionalidade, além da
portuguesa.
Sr. Primeiro-Ministro, a primeira pergunta que queria fazer é a de saber se apoia esta posição, se a sua
posição oficial é esta, a de apoio a um membro do Governo que aconselha os portugueses a pedir a dupla
nacionalidade, ou se, pelo contrário, o que o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo de Portugal vão defender é que
as comunidades tenham de ser respeitadas. Temos de garantir o respeito por todas as regras comunitárias
enquanto o Reino Unido estiver na União Europeia.
A segunda pergunta tem a ver com as cerca de 3000 empresas portuguesas que, neste momento, estão a
exportar para o Reino Unido. Sei que o Governo nomeou há muito pouco tempo uma Estrutura de Missão para
tentar captar investimento durante o processo do Brexit. Aliás, já chamámos essa Estrutura de Missão ao
Parlamento, porque queremos perguntar qual é a sua estratégia, que metas e que meios tem, mas guardaremos
esse debate para o tempo certo.
Neste momento, queria perguntar o que é que o Governo português está a fazer para apoiar as empresas
que continuam a exportar para o Reino Unido e que, certamente, poderão ser apanhadas neste turbilhão que é
o Brexit.
Sabemos que a Direção-Geral dos Assuntos Europeus e a própria AICEP (Agência para o Investimento e
Comércio Externo de Portugal) fizeram um conjunto de estudos sobre os impactos que o Brexit tem junto das
empresas portuguesas, já pedimos ao Governo esses estudos e ainda não os recebemos, pelo que gostaria de
perceber o que é que o Governo português tem a dizer a estas empresas.
A terceira pergunta tem a ver com a dimensão atlântica da Europa e a posição de Portugal nessa dimensão
atlântica, porque, como é óbvio, o Atlântico é, para nós, um grande desígnio.
Muito recentemente, três chefes de Governo — o da Irlanda, o da Holanda e o da Dinamarca — reuniram-se
para preparar uma estratégia comum relativamente à saída do Reino Unido da União Europeia e estes três
países reuniram-se exatamente porque têm uma presença atlântica muito relevante.
Gostava de perguntar que avaliação faz desta reunião. Ao contrário do Governo, não somos particulares
adeptos de cimeiras e «cimeirinhas» — este Governo já inaugurou o processo das várias cimeiras e
«cimeirinhas» —, mas gostava de perguntar se o Governo português vai ou não articular uma estratégia atlântica
relativamente ao Brexit, à saída do Reino Unido da União Europeia.
Uma vez que ainda disponho de tempo, faço-lhe a quarta pergunta, que tem a ver com o seguinte: sabemos
que há, pelo menos, duas agências europeias que estão, neste momento, sediadas no Reino Unido e que vão
sair de lá. Uma delas é a Agência Europeia do Medicamento. O Governo português já sinalizou publicamente
que gostaria que essa Agência pudesse vir para Portugal.
Queria perguntar, Sr. Primeiro-Ministro, o que é que estamos a fazer, efetivamente, nesse sentido. A
Dinamarca, a Irlanda, a Itália, a Suécia também já sinalizaram publicamente essa intenção, mas fizeram um
bocadinho mais. A Suécia, por exemplo, lançou uma task force efetiva para tentar levar essa Agência para o
próprio país, lançou uma campanha nas redes sociais com um sítio eletrónico e, neste momento, tem um enviado
especial em Bruxelas para tentar negociar essa transferência da Agência para o próprio país.
Portugal sinalizou publicamente essa intenção, pelo que gostava que me dissesse o que é que isso significa
e o que é que o Governo português vai fazer sobre este dossier.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra, em nome do Grupo
Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado João Oliveira.
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O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: O processo de
saída do Reino Unido da União Europeia, vulgarmente designado por Brexit, sendo um fator demonstrativo da
crise da União Europeia, está, como outros fatores demonstrativos do mesmo facto, a ser instrumentalizado não
só por um maior aprofundamento do processo de integração capitalista europeu, mas também por uma maior
concentração de poder no diretório das potências europeias.
Ao mesmo tempo, este processo negocial está a ser transformado num verdadeiro ataque aos direitos do
povo britânico, que, sob as mais diversas formas e nos mais diversos sentidos, tem sido visado com um caminho
de pressão no sentido da ameaça de perda de direitos sociais e laborais, perda de um conjunto de condições
de vida e de trabalho que, necessariamente, são motivo de preocupação para o povo britânico e que não
podemos aceitar como forma de expressão que são de um processo de chantagem e de condicionamento do
povo britânico.
Obviamente que o caminho tem de ser outro, o de respeitar a vontade do povo britânico num processo que
não deve servir para subverter essa vontade e essa decisão soberana assumida pelo povo britânico e em que
é central a necessidade de acautelar não só os interesses de Portugal num quadro de relacionamento bilateral
histórico que existe entre os dois Estados mas também, como é óbvio, os direitos dos cidadãos portugueses
que residem e trabalham no Reino Unido.
Sr. Primeiro-Ministro, um aspeto relevante nesta discussão — e que, de resto, já ouvimos hoje durante o
debate pela voz do Sr. Deputado Miguel Morgado — é a tentativa de colocar toda a contestação à União
Europeia no mesmo saco do nacionalismo e da extrema-direita, o que, obviamente, não podemos aceitar. Aliás,
esta comparação que o Sr. Deputado Miguel Morgado procurou fazer entre as posições que assumem aqueles
que são os herdeiros do fascismo e as posições daqueles que são os herdeiros de quem combateu o fascismo
durante o século XX, de facto, só pode servir para branquear as posições da extrema-direita, para procurar
aligeirar o sofrimento e o martírio que o fascismo, no século XX, causou aos povos europeus. Obviamente que
essa é uma perspetiva que não podemos aceitar.
De resto, Sr. Primeiro-Ministro, julgamos que o Brexit não é nem nacionalismo, nem extrema-direita. Encerrar
essa decisão do povo britânico nessa conclusão e confundi-la com o nacionalismo e as posições da extrema-
direita é, de facto, dar força à extrema-direita e ao status quo da União Europeia. Existe, de facto, um grande
afastamento e um grande descontentamento dos povos europeus em relação à União Europeia, mas esse
descontentamento e esse afastamento têm raízes nas políticas e nas opções de destruição de direitos sociais e
laborais, promovidas pela União Europeia.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Procurar reconduzir o descontentamento e o afastamento dos povos em
relação à União Europeia às posições e às propostas da extrema-direita significa não só negar as raízes
objetivas desse descontentamento e desse afastamento da União Europeia, mas também branquear as
posições da extrema-direita, que, Sr. Primeiro-Ministro, são opostas às dos povos europeus quando afirmam o
seu descontentamento.
Quando os povos europeus afirmam descontentamento em relação à União Europeia é porque exigem mais
liberdade, mais democracia, mais desenvolvimento, mais progresso e mais justiça social. Obviamente que as
posições da extrema-direita, opondo-se à União Europeia, vão exatamente em sentido contrário: impõem menos
democracia, menos liberdades, menos desenvolvimento e piores condições de vida para os trabalhadores e
para os povos.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, isto levanta a necessidade de enfrentar essas raízes objetivas que estão na
origem do descontentamento dos povos em relação à União Europeia e que se encontram nas imposições dos
partidos — algumas das quais tivemos, de resto, oportunidade de discutir no debate anterior — que resultam
das regras do euro e da União Económica e Monetária, da governação económica, que amarram a soberania
dos povos e que os impedem de decidir por si o melhor caminho para o seu desenvolvimento e progresso, que
têm destruído as economias nacionais, em particular de países como Portugal.
Quando falamos com os portugueses que trabalham nos mais variados setores produtivos — na agricultura,
na pesca, na indústria —, verificamos que há uma identificação muito clara entre a destruição da capacidade
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produtiva do nosso País e as imposições europeias que nos têm sido colocadas ao longo de décadas e que têm
conduzido a esta situação.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, a questão que está colocada é a de saber
como é que se dá a resposta adequada ao descontentamento que os povos manifestam em relação à União
Europeia, defendendo, ao mesmo tempo, a soberania dos povos, o seu direito ao desenvolvimento, ao
progresso, à justiça social e à sua soberania. Isso exige, necessariamente, a afirmação dessa alternativa que é
preciso colocar à União Europeia, uma alternativa de relações de cooperação, de paz e de progresso na Europa,
em respeito pela soberania e pelo direito dos povos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada
Heloísa Apolónia, de Os Verdes.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: A saída do Reino Unido da
União Europeia é, seguramente, um processo com o qual a própria União Europeia e as suas instituições não
contariam numa determinada altura, até que os cidadãos falaram. Mas entendo que é fundamental que a própria
União Europeia não perca a oportunidade de questionar justamente por que é que os cidadãos dão essa
resposta. Nas mais diversas oportunidades que cidadãos de vários Estados da União Europeia tiveram para se
pronunciar sobre o processo de construção europeia, a generalidade das respostas era a de que não estavam
satisfeitos com o processo de construção europeia. E a União Europeia recusa-se sempre a fazer uma leitura
da voz desses cidadãos, o que é um erro crasso.
A própria União Europeia não percebe que está a governar para os interesses das suas elites e para os
interesses dos poderosos e que não está, de facto, a dar as respostas necessárias que se impõem para a vida
concreta dos cidadãos, muito pelo contrário. Como já foi referido no debate quinzenal, há determinados
instrumentos que vão sendo criados para colocar obstáculos ao progresso dos diferentes Estados, das
diferentes economias e ao desenvolvimento que se requer e que os cidadãos exigem. Quando falamos disso,
falamos das suas vidas concretas e das respostas às suas vidas concretas.
Portanto, a primeira ideia que Os Verdes gostariam de dar é a de lamentar que a União Europeia não faça
as leituras devidas da voz dos cidadãos.
A segunda ideia — já aqui referida por diversos grupos parlamentares — tem a ver com a questão de o
Governo português ter a obrigação de olhar pelo interesse e pelas necessidades dos cidadãos portugueses que
residem e trabalham no Reino Unido. Por exemplo, na Legislatura passada, tivemos uma vaga de emigração de
pessoas para o Reino Unido —…
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — E continua a haver!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … entre elas jovens qualificados. E essas pessoas saíam do País
porque este não lhes dava as respostas necessárias, pelo que eram obrigadas e, até, convidadas a sair do País.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Uma vergonha!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Esses cidadãos precisam de uma mão de apoio, precisam sentir
que o Governo português está do seu lado e a zelar pelas respostas necessárias à garantia dos seus direitos.
Por fim — e vou terminar —, a terceira ideia que Os Verdes gostariam de referir e de sublinhar é a de que
seria muito bom que este processo negocial da saída do Reino Unidos da União Europeia não se convertesse
num processo de vingança relativamente ao Reino Unido. Isso é que não podemos aceitar!
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O Partido Socialista vai dividir a sua intervenção por dois Srs.
Deputados.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Eurico Brilhante Dias.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: O Partido Socialista enfrenta este processo de saída do Reino Unido da União Europeia com
um sentimento de tristeza, em primeiro lugar. Este espaço partilhado da União Europeia, que é provavelmente o
espaço com mais participação democrática e mais liberdades cívicas que encontramos no globo, em que cada
cidadão exerce o seu direito de voto de forma livre, é um espaço de comunhão e de partilha de soberania e não
de imposição democrática e, por isso, é com tristeza que vemos o Reino Unido sair da União Europeia.
O processo será, seguramente, complexo e há quem diga que, provavelmente, durará mais de dois anos, tal
a dificuldade de fazer a desconexão da saída de um Estado-membro da União Europeia. Gostaria de deixar uma
preocupação e uma pergunta concreta ao Sr. Primeiro-Ministro, na medida em que este processo, sendo um
processo difícil, não pode consumir todas as energias da União nos próximos dois anos.
Aquilo que os cidadãos sentem é que a resposta que é preciso dar às suas necessidades tem de vir também
da União Europeia a 27 e a Declaração de Roma deixou-nos um conjunto de pistas: mais coesão, mais
convergência, completar a União Económica e Monetária.
Por isso, para nós, é um pressuposto fundamental que, neste momento, as guidelines do Brexit conduzam a
uma frutífera solução de partilha de responsabilidades futuras, num quadro relacional diferente, mas que a
União, ainda assim, tenha a energia para se focar naquilo que é essencial: mais convergência, mais coesão,
uma discussão das próximas perspetivas financeiras, que é central e essencial para o conjunto dos cidadãos e
também para Portugal.
Portanto, deixava-lhe esta questão, no sentido de saber se, no essencial, o Governo português, com o
conjunto de pressupostos que estão hoje nas guidelines, também não incluirá aquele pressuposto fundamental.
Este processo deve ter êxito, deve ser um sucesso, mas a União deve continuar focada no essencial, nos
problemas que tem, e não pode fechar-se durante dois anos a discutir o Brexit, deixando para trás aquela que
é uma agenda fundamental não só para Portugal, mas também para o conjunto dos 27 Estados-membros.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada
Carla Tavares, do Partido Socialista.
A Sr.ª Carla Tavares (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais membros do Governo, Sr.as e
Srs. Deputados: O Reino Unido é um dos mais antigos aliados de Portugal, senão mesmo o mais antigo. Unem-
nos séculos de História e cooperação, marcados por uma forte dimensão atlântica que tem sido estratégica para
o nosso País e que deverá ser também reforçada no contexto do Brexit, quer no âmbito da defesa quer no
âmbito da segurança.
Mas devem ser salvaguardados também os interesses dos portugueses que residem no Reino Unido e essa
é, de facto, a nossa principal preocupação. O Brexit tem causado enorme inquietação entre os portugueses
residentes e a trabalhar no Reino Unido, receosos que estão pela eventual perda dos seus direitos adquiridos
enquanto europeus no que respeita ao acesso ao trabalho, ao acesso aos negócios, ao direito de residência,
aos direitos sociais, à livre circulação de pessoas. Sentem-se como moeda de troca no âmbito de negociações
entre o Governo britânico e a União Europeia e estão bastante preocupados em relação ao seu futuro.
Residem atualmente no Reino Unido cerca de meio milhão de portugueses e, se é verdade que dois terços
destes já estarão em condições de obter autorização de residência, o que é certo é que um terço dos
portugueses residentes no Reino Unido ainda não estão em condições de a conseguir, pois são necessários
cerca de cinco anos para a obtenção da autorização de residência. É, por isso, essencial a definição do cut-off,
que é a data a partir da qual se contam para trás os cinco anos para a permissão da obtenção da autorização
de residência, e é com agrado que verificamos que a posição do Governo português é no sentido de esse
momento ser considerado como a data da saída efetiva do Reino Unido da União Europeia.
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Entendemos também, por isso, que é absolutamente prioritário alcançar um acordo em relação aos cidadãos
comunitários residentes no Reino Unido, bem como aos cidadãos residentes na União Europeia — e o número
de britânicos a residir em Portugal rondará os cerca de 20 000 a 30 000. Esse acordo deve ser assente em
princípios de reciprocidade e não-discriminação e deve ser o mais abrangente possível, incluindo não só direitos
de residência, mas também os diferentes direitos sociais.
Aproveitamos ainda para alertar para o excessivo processo burocrático dos procedimentos para a obtenção
da autorização de residência. Perguntamos, por isso, se têm sido tomadas medidas excecionais no sentido de
auxiliar os portugueses residentes no Reino Unido, designadamente com o reforço de meios nas embaixadas.
É também importante salvaguardar os interesses das empresas portuguesas no Reino Unido. Refiro que,
entre janeiro e agosto de 2016, o mercado britânico representou cerca de 10% das exportações portuguesas de
bens e serviços e cerca de 4,8% das nossas importações. Merecem especial atenção, por serem os principais
setores exportadores, os têxteis, a indústria metalúrgica, os vinhos e também o calçado e a cortiça.
Refiro também a recentemente criada estrutura de missão liderada pelo Dr. Bernardo Trindade, que tem por
objeto atrair para Portugal os investimentos sediados no Reino Unido que pretendam permanecer na União
Europeia após o Brexit. Felicitamos o Governo pela criação desta estrutura de missão, pois se o Reino Unido
quer estar out, Portugal quer estar in.
O Brexit deve ser encarado não como um problema, mas sim como uma oportunidade para Portugal, e
exemplo desta oportunidade é o já aqui referido interesse demonstrado pela Agência Europeia de Medicamentos
em mudar a sua sede para Portugal. Aproveitamos, assim, para perguntar se há novidades em relação a este
processo e, bem assim, se houve entretanto outras entidades que tivessem demonstrado interesse em fixar-se
em Portugal após o Brexit.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro,
António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, é essencial a
constatação de uma unanimidade total neste Parlamento quanto àquilo que identifiquei como prioridade negocial
da parte de Portugal — as pessoas, a defesa dos interesses dos cidadãos portugueses no Reino Unido e a
defesa dos interesses dos cidadãos do Reino Unido que residem em Portugal. Há unanimidade, estamos de
acordo quanto a isto.
Isto significa, por um lado, a garantia do direito de residência, que não depende de cinco anos de residência,
porque basta que um cidadão tenha nacionalidade de qualquer país comunitário para ter o direito de residir em
qualquer país da União Europeia. Esse período é contínuo, vai prosseguir e não deve ser interrompido com a
saída de qualquer Estado-membro da União Europeia.
Por outro lado, a proteção dos direitos significa a garantia dos direitos sociais já constituídos, dos direitos sociais
em formação e mesmo dos direitos sociais a serem efetivados dentro de anos, como, por exemplo, o direito à
reforma, que, em muitos casos, só se efetivará muitos anos após a saída do Reino Unido da União Europeia.
É, por isso, preciso salvaguardar o conjunto destes direitos, que devem continuar a ser respeitados. O
momento inicial não pode ser outro que não o da saída efetiva do Reino Unido da União Europeia; enquanto o
Reino Unido for parte da União Europeia é território da União e quem reside no Reino Unido reside em território
da União, como reside em território da União qualquer cidadão britânico que neste momento resida em Portugal.
Em segundo lugar, somos muito sensíveis à questão da burocracia e creio que o Governo britânico também
o é, porque pediu agora que as pessoas suspendessem o preenchimento do formulário de 85 páginas, uma vez
que, obviamente, não tem capacidade de apreciar tanta burocracia. Este é um tema que, aliás, foi objeto de
conversa entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e o Ministro dos Negócios Estrangeiros do
Reino Unido, tendo ambos combinado trabalhar em conjunto para uma maior simplificação e desburocratização.
Não quero deixar de responder a duas das questões colocadas pelo Sr. Deputado Pedro Mota Soares.
Quanto à matéria fundamental da estratégia atlântica, queria dizer-lhe que sim, temos uma estratégia
atlântica. Foi essa a estratégia que construímos com os parceiros dos Estados Unidos, com os parceiros da
América Latina, com os parceiros africanos e é essa a visão que temos do Atlântico, não meramente europeísta,
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mas como ponto de ligação entre a Europa e outras regiões do mundo. É assim que temos feito ao longo da
História, é assim que continuaremos a fazer no futuro e o projeto que ainda há pouco referimos relativamente à
localização do Air Center nos Açores visa precisamente sublinhar essa nossa dimensão atlântica.
Obviamente, já dissemos publicamente que estamos interessados em que a Agência Europeia de
Medicamentos se localize em Portugal. O que é que estamos a fazer em relação a isso? Estamos a fazer o
trabalho diplomático que Portugal deve fazer para alcançar esse objetivo. Há uma boa articulação entre o
Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Ministério da Saúde e outras entidades nacionais que podem contribuir
positivamente para o sucesso desse objetivo e o Governo português fez recentemente uma visita à Agência
Europeia de Medicamentos. Estamos a fazer o nosso trabalho e assim iremos prosseguir.
A Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia colocou uma questão muito importante e a União Europeia não pode deixar
de refletir sobre o que significam estes resultados. Como disse o Sr. Deputado João Oliveira, há posições muito
diversas relativamente às motivações de quem defende e de quem não apoia a União Europeia. O Sr. Deputado
sinalizou bem que há pessoas que são contra a participação na União Europeia por motivos muito diferentes e
seria altamente injusto confundir a posição do PCP com a posição da extrema-direita, ainda que sejam
coincidentes quanto a serem contra a União Europeia.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — É uma injustiça!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Mas, Sr. Deputado João Oliveira, é igualmente importante clarificar que, entre
aqueles que defendem a União Europeia, também há motivações diferentes para a defesa da União Europeia e
não se podem confundir todos os defensores da União Europeia.
O Sr. João Oliveira (PCP): — É evidente!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Entendo que a União Europeia é fundamental para podermos responder a
grandes desafios globais que temos pela frente: se queremos enfrentar com sucesso as alterações climáticas,
precisamos de uma União Europeia forte; se queremos ter uma regulação da globalização e não uma
desregulação selvagem dos mercados globais, precisamos de uma União Europeia forte; se queremos ser
eficazes na defesa coletiva e na segurança interna, precisamos de uma União Europeia forte. Hoje, quem quer
ser soberano ou faz parte de uma união à escala da União Europeia ou dificilmente um país com a dimensão
de Portugal assegura os poderes e os direitos próprios dos Estados soberanos.
É por isso que entendo que a União Europeia é essencial. A União Europeia não é perfeita? Não, não é
perfeita, porventura dificilmente poderia ser perfeita, porque dificilmente qualquer criação humana tende para a
perfeição. Mas o combate faz-se dentro da União Europeia e não fora da União Europeia. É possível melhorar
a União Europeia? É possível, sim. Ainda hoje a Comissão apresentou um dos livros sectoriais complementares
ao Livro Branco sobre o Futuro da Europa sobre o pilar social, estruturado em três categorias fundamentais: a
dos direitos de igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho, a das condições de trabalho
equitativas e a da proteção e da inclusão social. Uma Europa mais social será melhor do que a Europa que
temos atualmente. Por isso, vale a pena lutar por essa Europa e é por essa Europa que queremos lutar.
Queria dizer ao Sr. Deputado Miguel Morgado que se há alguém neste Parlamento que não é nem nunca foi
ambíguo em matéria de integração europeia é este Governo e é o principal partido que suporta este Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Connosco também não há ambiguidade!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Também não há ambiguidade, exatamente!
Risos do PS, do PCP e do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Gostaria de recordar que foi um governo do PS que solicitou a adesão à União Europeia, foi um governo do
PS que obteve a adesão à União Europeia, foi um governo do PS que integrou Portugal no euro, foi um governo
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do PS que concluiu a negociação do atual tratado que rege a União Europeia. Se há partido que tem formado
governos e que não é ambíguo sobre esta matéria é o Partido Socialista.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Agradeço-lhe que conclua, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou concluir, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, não foi o PS que alguma vez viveu uma fase de euroceticismo!
Vozes do PS: — Ora…!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Não, nunca vivemos qualquer euroceticismo!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Sr. Deputado, também não foi o PS que pôs em causa a adesão de Portugal à CEE (Comunidade Económica
Europeia) fazendo derrubar um governo porque não acreditava nas negociações que tinham sido feitas para a
adesão à CEE.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Não, não fomos euroceticistas, não somos «euroarrependidos», somos
«euroconvictos», o que não significa que sejamos «euroingénuos», porque isso também não somos!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, terminado o debate preparatório do próximo
Conselho Europeu, chegámos ao fim da nossa ordem de trabalhos de hoje.
A Mesa apresenta os seus cumprimentos ao Sr. Primeiro-Ministro e aos restantes membros do Governo.
A próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, com início às 10 horas, excecionalmente.
Da ordem de trabalhos consta a discussão, por marcação do Bloco de Esquerda, em conjunto, na
generalidade, dos projetos de lei n.os 496/XIII (2.ª) — Alterações ao regime jurídico-laboral e alargamento da
proteção social do trabalho por turnos e noturno (BE) e 508/XIII (2.ª) — Reforça os direitos dos trabalhadores
no regime de trabalho noturno e por turnos (PCP).
Haverá votações regimentais às 12 horas.
A todas as Sr.as Deputadas e a todos os Srs. Deputados desejo a continuação de uma boa tarde.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 38 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.