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Quinta-feira, 26 de abril de 2018 I Série — Número 77

XIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2017-2018)

Sessão Solene Comemorativa do XLIV Aniversário

do 25 de Abril

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Idália Maria Marques Salvador Serrão Moisés Salvador Coelho Ferreira António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro

S U M Á R I O

Às 10 horas, entrou na Sala das Sessões o cortejo em

que se integravam o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República — que saudaram, com uma vénia, os membros do Corpo Diplomático presentes —, o Primeiro-Ministro, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Presidente do Tribunal Constitucional, os Secretários da Mesa da Assembleia da República, o Secretário-Geral da Assembleia da República, o Chefe do Protocolo do Estado, a Chefe do Gabinete do Presidente da Assembleia da República, o Chefe do Protocolo do Estado e a Diretora do Gabinete de Relações Internacionais e Protocolo da Assembleia da República.

No Hemiciclo, encontravam-se já, além dos Deputados e Ministros, os Presidentes do Tribunal de Contas e do

Supremo Tribunal Administrativo, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o Presidente do Partido Social Democrata, a Procuradora-Geral da República, o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea em representação do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, a Provedora de Justiça, os representantes da República para os Açores e para a Madeira, o representante do Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, o representante do Presidente do Governo da Região Autónoma da Madeira, os Conselheiros de Estado Adriano José Alves Moreira, Domingos Abrantes Ferreira, Eduardo Lourenço de Faria e Francisco Anacleto Louçã e os Chefes dos Estados-Maiores do Exército e da Armada.

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Encontravam-se ainda presentes: Na Tribuna A, a mulher do Presidente da Assembleia da

República, Dr.ª Maria Filomena de Aguilar, a mulher do Primeiro-Ministro, Dr.ª Fernanda Tadeu, os antigos Presidentes da República Ramalho Eanes e mulher, Dr.ª Manuela Eanes, Jorge Sampaio e mulher, Dr.ª Maria José Ritta, e Cavaco Silva, o antigo Presidente da Assembleia da República Mota Amaral, o antigo Primeiro-Ministro Francisco Pinto Balsemão e o Cardeal Patriarca de Lisboa;

Na Galeria I, o Corpo Diplomático; Na Galeria II, o Presidente do Conselho Económico e

Social, o Presidente da Associação Nacional de Freguesias, o representante do Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, o Presidente e membros da Comissão da Liberdade Religiosa, o Presidente e membros da Associação dos ex-Deputados da Assembleia da República, ex-Conselheiros da Revolução, membros da Associação 25 de Abril e convidados do Presidente da Assembleia da República;

Na Galeria III, Secretários de Estado, Deputados ao Parlamento Europeu, a Secretária-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, o Presidente do Conselho de Julgados de Paz, o Presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, o Presidente do Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal, o Presidente da Comissão Nacional de

Eleições, o Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o Adjunto do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas para o Planeamento e Coordenação, o Secretário-Geral da CGTP-IN e o Secretário-Geral da UGT, o Presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, o Presidente da Confederação Empresarial de Portugal, o Presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas e outras individualidades convidadas;

Nas Galerias IV a VI, o público; Na Tribuna D, os representantes dos órgãos de

comunicação social. Constituída a Mesa, na qual o Presidente da República

tomou lugar à direita do Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional, que foi cantado, de pé, pelos presentes na Câmara e nas Galerias.

Seguiram-se os discursos dos Deputados André Silva (PAN), José Luís Ferreira (Os Verdes), Paulo Sá (PCP), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Isabel Pires (BE), Elza Pais (PS) e Margarida Balseiro Lopes (PSD), do Presidente da Assembleia da República e do Presidente da República.

A sessão foi encerrada eram 11 horas e 38 minutos, tendo a Banda da Guarda Nacional Republicana tocado, de novo, o hino nacional, que voltou a ser cantado, de pé, pelos presentes na Câmara e nas Galerias.

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Após ter sido constituída a Mesa, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos,

executou o hino nacional, que foi cantado, de pé, pelos presentes na Câmara e nas Galerias.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Sr. Presidente da República, Excelências, Sr.as e Srs.

Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, declaro aberta a Sessão Solene Comemorativa do

XLIV Aniversário do 25 de Abril.

Eram 10 horas.

Em representação do PAN, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.

Primeiro-Ministro, Ilustres Entidades, Altas Autoridades, Distintas e Distintos Convidados, Sr.as e Srs. Deputados:

Peço que imaginem a situação de alguém que vai de férias e compra um bilhete de comboio de Lisboa para

Faro. Por qualquer motivo, essa pessoa engana-se na linha e apanha um comboio com direção a Braga, mas

só se apercebe quando a carruagem já se encontra em andamento. O que irá, naturalmente, essa pessoa fazer?

Parar na próxima paragem, tentar corrigir o erro e apanhar, quanto antes, um comboio na direção contrária para

chegar ao Algarve e começar as suas férias.

E se estivermos enganados em relação ao percurso que estamos a fazer enquanto sociedade, enquanto

civilização?

Na data em que celebramos 44 anos de um momento histórico de transformação e de valor inestimável para

os portugueses, acreditamos que estamos num novo período de transição. Agora é novamente o momento de

mudar de direção e de alterar as prioridades da agenda política. Mas o que é tão imperativo que nos faça

compreender que temos urgentemente de mudar de direção? O profundo impacto das alterações climáticas no

equilíbrio dos ecossistemas. A única coisa que aumenta mais depressa do que as nossas emissões é a produção

de palavras que se comprometem a baixá-las.

Precisamos de nos lembrar que a tarefa do nosso tempo ultrapassa em muito as alterações climáticas. Temos

de ir mais longe e mais fundo. Para sermos honestos connosco próprios, trata-se, na realidade, de transformar

tudo relativamente à forma como vivemos neste planeta. Trata-se de uma questão de sobrevivência da nossa

espécie e que exige uma alteração consistente e consciente do comportamento individual e social,

acompanhada, a jusante e a montante, de melhor apoio do Estado.

O paradigma da civilização atual baseia-se no mito da separação entre o eu e o outro: o ser humano, os

outros seres vivos e a natureza como um todo. A narrativa coletiva assenta agora num novo dogma, o do

desenvolvimento enquanto metáfora para o crescimento económico ilimitado, sem o qual, supostamente,

ninguém pode ser feliz. Esta quimera, impossível de realizar num planeta com recursos finitos, gera uma

crescente devastação dos recursos naturais, perda massiva de biodiversidade, contaminação das reservas de

água, poluição sem fronteiras, alterações climáticas irreversíveis, o extermínio de sociedades ancestrais e uma

industrialização de toda a vida animal e vegetal, que, associada ao crescente fosso entre norte e sul, cria um

enorme e desnecessário sofrimento. E esta pressão ameaça todos com um colapso ecológico-social sem

precedentes.

Estamos a viver acima das capacidades do planeta e o Antropoceno pode mesmo ser a última idade do ser

humano.

Mas, caras companheiras e caros companheiros de viagem, o mundo e o futuro não têm de ser

monocromáticos. Existe todo um arco-íris de opções para além dos modelos socioeconómicos implementados

e das possibilidades que conhecemos e perpetuamos desde sempre. Nem a esquerda extrativista nem a direita

produtivista nos têm apontado soluções de bem-estar que não envolvam enormes custos ecológicos e humanos.

Continuar a repetir erros esperando resultados diferentes apenas demonstra quão irracionais ainda somos.

É tempo de mudar de linha, e não temos muito tempo, pois o ponto de não retorno está a um apeadeiro de

distância.

Compete-nos garantir, com a urgência que esta crise ecológica merece, uma transição para um modelo

económico baseado em energias 100% limpas e renováveis e que promova a independência energética de

todos os portugueses, que proteja o bem comum e não subjugue o ambiente a interesses económicos e

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empresariais e equilibre a despesa pública com investimentos ecologicamente sustentáveis e de longo prazo.

Este modelo deverá também garantir mais tempo para a família e para o lazer, respeito intergeracional e uma

melhor coesão territorial. Em Bruxelas, devemos reforçar a fraternidade e a equidade no seio da União Europeia

e rejeitar todos e quaisquer atos que promovam agressões ou fomentem guerras. A transição faz-se apostando

e investindo na cultura da não-violência.

Apostar nas pessoas, para além dos discursos gastos de cariz puramente ideológico, é mostrar-lhes

alternativas, é dar-lhes informação e formação para que possam fazer apreciações críticas da realidade e, acima

de tudo, é dar-lhes exemplos sobre como é possível harmonizar o equilíbrio entre a sua satisfação pessoal, a

sustentabilidade ambiental, o bem-estar e a dignidade dos outros povos e a proteção de todas as outras formas

de vida.

Termino com uma palavra de enorme gratidão aos Capitães de Abril, por, naquela madrugada, terem sido o

nosso cais e nos terem feito mudar de linha. Muito obrigado!

Aplausos do PS, do BE, do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar de Os Verdes,

tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,

Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr.as e Srs. Deputados, Valorosos Capitães de Abril, Sr.as e Srs.

Convidados:

Voltamos hoje a falar de Abril. E voltamos a falar de Abril não apenas para evocar essa madrugada mas

também para reafirmar a necessidade de não perdermos de vista os valores e os sonhos que Abril nos prometeu.

Voltamos hoje a falar do dia que todos os dias devia estar presente nas decisões que interferem nos nossos

destinos coletivos, na vida das pessoas e na sustentabilidade dos nossos recursos.

E voltamos a falar de Abril porque Abril nos trouxe a liberdade, a democracia, as preocupações com a justiça

social, com o combate à pobreza, com a necessidade de preservar os recursos ambientais e porque nos trouxe

também a paz.

Por isso mesmo, aos militares de Abril, que nesse dia saíram dos quartéis, impedindo que, em noites escuras

ou em dias assim, a morte continuasse a sair à rua silenciando quem não pactuasse com o fascismo, mas

também a todas as mulheres e a todos os homens que acreditaram num País livre e, percebendo que o País

mais parecia o «bairro negro», onde não havendo «pão» não podia haver «sossego», lutaram, tantas vezes com

o preço das suas vidas, para sacudir o destino do País e dos portugueses. A uns e a outras a nossa mais

calorosa saudação e reconhecimento por tudo quanto Abril nos trouxe, prometeu e permitiu sonhar.

Aplausos de Os Verdes, do PS, do PCP e do BE.

Mas hoje voltamos a falar de Abril porque Abril também nos trouxe a paz.

Por isso mesmo, continuamos sem compreender a posição assumida pelo nosso País relativamente aos

recentes bombardeamentos à Síria por parte dos Estados Unidos da América, do Reino Unido e da França. Não

vemos nem razão nem oportunidade neste bombardeamento. Operações desta natureza são sempre

desprovidas de razão, ainda por cima à margem das Nações Unidas e em claro confronto com o direito

internacional. Se nada está provado e quando o bombardeamento ocorre exatamente antes de a Organização

para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ) começar o seu trabalho de investigação, teremos mesmo de

questionar essa oportunidade.

Oportuno, com toda a razão, em sintonia com o direito internacional, e até por respeito às resoluções desta

Assembleia, seria se o Governo se envolvesse ativamente no reconhecimento do Estado da Palestina como

forma de contribuir para a paz no mundo. Isso, sim, seria oportuno. Isso, sim, teria razão.

Mas voltamos hoje a falar de Abril porque Abril é também uma lição.

De facto, a adesão imediata dos portugueses à Revolução dos Cravos só é explicável porque os ideais de

Abril estavam e estão em perfeita sintonia com os interesses dos portugueses. A Revolução de Abril é, assim,

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uma lição que nos mostra que, quando se age a pensar no povo, o povo está do lado da decisão e de quem a

assume.

Não estranha, por isso, que, depois de terem vivido quatro anos num verdadeiro sufoco, em que PSD e CDS

retiravam nas reformas e nas pensões, nos salários e nos direitos de quem trabalha para engordar a banca e

os grandes grupos económicos, os portugueses tenham sabido colocar os partidos responsáveis pelo

desemprego, pela pobreza e pela fome longe do governo. E bem fizeram os portugueses, porque, se a direita

continuasse no governo, estaríamos agora a elencar o universo de cortes, de injustiças, da multiplicação do

desemprego e da pobreza, da privatização da água e de outros recursos ambientais, da desvalorização do

trabalho e do volume da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho e, sobretudo, não veríamos forma de o

diabo ir embora, porque a economia continuaria sem dar sinais de vida.

Se a nossa democracia nos mostra que às vezes estamos mais longe e outras vezes mais perto de Abril,

com o Governo do PSD e do CDS Abril saiu literalmente do nosso horizonte. Um horizonte que a solução para

a qual Os Verdes também contribuíram procura agora trazer de volta, com mais justiça social, com mais respeito

pelas famílias e com mais respeito por quem trabalha, com um importante património de conquistas que vão

desde o fim dos cortes salariais à reposição dos feriados, dos aumentos nas pensões ao fim do saque fiscal

sobre os rendimentos do trabalho, da consagração legal do princípio da não privatização da água ao travão à

liberalização do eucalipto, dos estímulos, por via fiscal, à utilização dos transportes públicos aos incentivos para

as micro, pequenas e médias empresas que se instalem no interior do País. Um património de conquistas que

seria absolutamente impensável se o PSD e o CDS continuassem no governo, mas que seria também — e é

justo afirmá-lo — pouco provável se o PS não estivesse condicionado por outras forças políticas, nomeadamente

por Os Verdes.

Este é um dado importante, e mais importante ainda quando falamos de Abril e da necessidade de nos

aproximarmos de tudo quanto Abril representa. Mas se é verdade que Os Verdes registam com agrado o

caminho já trilhado também é verdade que falta ainda muito.

Falta acabar com os monstruosos sorvedouros de recursos públicos que são as parcerias público-privadas.

Falta acabar com a imoralidade de chamar os contribuintes a pagar a fatura da irresponsabilidade dos

banqueiros. Recorde-se que, na última década, enquanto os funcionários públicos perderam 12% do seu poder

de compra, as ajudas do Estado à banca atingiram os 20 000 milhões de euros. Dá que pensar!

Mas falta ainda regionalizar o País e trazer de regresso as freguesias extintas pelo PSD e pelo CDS, o que

esperamos que não fique comprometido com o recente acordo entre o PS e o PSD, um acordo, aliás, a lembrar

o velho e pouco saudoso Bloco Central e tudo o que representou para os portugueses.

Falta também remover os obstáculos externos ao nosso desenvolvimento, desde logo o tratado orçamental,

porque, de facto, nós «não somos todos défice» e «muito menos seremos todos Gaspar». Aliás, parece-nos

muito pouco sensato, face ao estado dos serviços públicos, desde logo da educação ou da saúde, que o Governo

decida reduzir o défice para lá do que ele próprio estabeleceu. Ninguém entende a arte de tal caminho, sobretudo

quando as artes reclamam verbas e os transportes públicos remendam caminhos por falta de investimento.

Falta combater as assimetrias regionais e o abandono do mundo rural e valorizar a agricultura familiar.

Falta olhar para a nossa floresta como um setor estratégico e evitar as tragédias dos incêndios florestais.

Falta investir na mobilidade sustentável e na valorização da ferrovia.

Falta cuidar dos nossos rios e proteger as áreas protegidas.

Há, ainda, portanto, um longo caminho a percorrer e, a nosso ver, há condições para nos aproximarmos

ainda mais de Abril. Da parte de Os Verdes, enquanto houver estrada para andar e o sentido for Abril, cá

estaremos, aqui e lá fora, junto das populações, afirmando a ação ecologista, um compromisso para o futuro,

porque Os Verdes também querem Abril no futuro.

Viva o 25 de Abril!

Aplausos de Os Verdes, do PS, do BE, do PCP e do PAN.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do PCP, tem

a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.

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O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.

Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Capitães de

Abril, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados:

Naquele dia de Abril que hoje comemoramos, o povo saiu à rua e, pleno de força e determinação, proclamou:

«O povo é quem mais ordena!» E, com esta afirmação, tão singela mas ao mesmo tempo tão profunda nas suas

implicações, o povo tomou nas mãos o seu destino e fez-se a Revolução.

Um pouco por todo o País, mas com especial simbolismo no cerco ao Quartel do Carmo, impressionantes

massas populares juntaram-se aos militares de Abril e, ombro com ombro, de cravo na mão, forjaram a aliança

Povo-MFA e partiram à conquista de uma nova sociedade. Chegava ao fim a longa noite fascista, cujo negrume,

ao longo de quase 50 anos, havia sido iluminado pela corajosa luta dos resistentes antifascistas, que não

olharam a sacrifícios, por vezes da sua própria vida, para devolverem a liberdade ao povo português.

Nos meses seguintes, com a feroz oposição daqueles que acham que o povo é apenas um penacho

decorativo no chapéu da democracia, as massas populares operaram decisivas e profundas transformações na

sociedade portuguesa. Atiraram a odiosa ditadura fascista para o caixote do lixo da História e construíram a

mais avançada, mais progressista e mais democrática organização social que alguma vez Portugal teve.

Liberdade de expressão, direito de reunião e manifestação, liberdade de associação e formação de partidos

políticos, liberdade sindical, direito ao trabalho, direito à greve, controlo pelo Estado dos setores estratégicos da

economia, participação dos trabalhadores na gestão das empresas, direito à contratação coletiva, reforma

agrária, direitos sociais e culturais, sistema de segurança social, serviço nacional de saúde geral e gratuito,

ensino básico universal, elevação do nível de vida das classes trabalhadoras e do povo em geral,

reconhecimento do direito dos povos das colónias à independência — estas são algumas das importantes

conquistas da Revolução de Abril.

Nenhuma destas conquistas foi oferecida ao povo português. Foram, todas elas, alcançadas pela luta dos

trabalhadores, das massas populares e do movimento sindical, em aliança com os militares do Movimento das

Forças Armadas, conquistas que, dois anos depois, haveriam de encontrar o seu lugar na Constituição da

República Portuguesa, a qual, apesar de desvirtuada em sucessivas revisões, ainda mantém o espírito

progressista e democrático da Revolução de Abril. Exercendo as conquistas de Abril antes que qualquer decisão

dos órgãos de poder formal as reconhecesse, o povo afirmou-se como protagonista na construção de uma nova

e mais justa sociedade.

Volvidos mais de 40 anos, ainda ouvimos certas pessoas e certas forças políticas referirem-se em tom

depreciativo, e nalguns casos mesmo com indizível horror, àqueles intensos anos de transformação

revolucionária da nossa sociedade. É a atitude de quem abomina a democracia ou a vê simplesmente como um

processo formal em que a intervenção das massas populares na vida política se deve limitar ao voto de quatro

em quatro anos.

Ao longo de quatro décadas, as conquistas da Revolução de Abril nos domínios dos direitos políticos,

económicos, sociais e culturais estiveram sob o fogo cerrado da política de direita, que, em estreita consonância

com os interesses do grande capital, procurou limitar o seu alcance ou mesmo liquidá-las. Particularmente

gravosa foi a ação do anterior Governo, PSD/CDS, que desferiu o mais brutal ataque de que há memória aos

direitos dos trabalhadores e do povo. Não é exagero dizer que, pela sua intensidade e alcance, essa ação se

traduziu num verdadeiro ajuste de contas com o 25 de Abril e as suas conquistas.

A corajosa e persistente luta dos trabalhadores e do povo português levou ao isolamento político e social

desse Governo, à rejeição da sua política de exploração e empobrecimento e, em outubro de 2015, à sua derrota

eleitoral.

Risos do PSD.

Também aqui se confirmou, mais uma vez, que vale a pena lutar. É com a luta que os trabalhadores e os

povos resistem e derrotam as ofensivas contra os seus direitos e é com a luta que abrem horizontes de

esperança.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PS.

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Nos últimos dois anos e meio, no quadro de uma nova correlação de forças na Assembleia da República,

com o contributo decisivo do PCP, foram adotadas medidas de defesa, reposição e conquista de direitos e

rendimentos, medidas que, dando resposta a problemas urgentes dos trabalhadores e do povo, estão, contudo,

aquém daquilo que seria necessário e possível. E, se não se vai mais longe na resolução dos problemas dos

trabalhadores, do povo e do País, isso deve-se às opções do PS e do seu Governo, que, em convergência com

o PSD e o CDS, mantêm o seu compromisso com os interesses do grande capital e a sua submissão às

imposições do euro e da União Europeia.

O que se impõe é a mobilização dos recursos orçamentais disponíveis não para a redução acelerada do

défice e da dívida, mas sim para dar resposta aos problemas das pessoas, investindo nos serviços públicos, no

Serviço Nacional de Saúde (SNS) e na escola pública, na proteção social, nos transportes públicos, na floresta

e no mundo rural, na cultura, na ciência e na investigação, na segurança e na justiça.

Portugal e os portugueses não estão condenados a uma perpétua submissão às orientações e imposições

do euro e da União Europeia e aos interesses do grande capital. Os avanços alcançados nos últimos dois anos

e meio não são o ponto de chegada, são o ponto de partida de novas lutas para conquistar novos avanços, são

o ponto de partida para a afirmação e a construção de uma política alternativa, patriótica e de esquerda.

Há 44 anos, o povo português saiu à rua e, superando todas as dificuldades e todos os obstáculos,

empreendeu a construção de uma sociedade mais livre, mais justa e mais fraterna. A melhor forma de hoje

comemorarmos a Revolução de Abril e a ousadia de um povo que soube transformar um sonho em realidade é

projetando os valores e as conquistas dessa Revolução no presente e no futuro de Portugal.

Viva o 25 de Abril!

Vozes do PCP e de Os Verdes: — Viva!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de Deputados do PS e do BE.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional e

dos demais Tribunais Superiores, Altas Autoridades Civis, Militares e das Forças de Segurança, Sr. Núncio

Apostólico, Excelência Reverendíssima, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Eminência Reverendíssima, Sr.as e

Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Ilustres Convidados, Sr.as e Srs.

Deputados:

Evocamos hoje o dia 25 de Abril de 1974, sobre o qual passaram 44 anos.

Perdoem-me a nota pessoal, mas tenho de o fazer neste momento. Também eu tenho 44 anos. Cresci

mesmo aqui, em frente ao Parlamento, em casa dos meus avós. Brinquei e corri pelos recortes da relva que

circundam São Bento. Subi e desci muitas vezes a escadaria branca que quase alcança a bandeira, umas vezes

curiosa — o que aconteceria dentro daquelas enormes portas? —, outras a pedir a mão e o olhar atento do meu

avô.

Acredito que, nesses passeios com o meu avô, a sua intenção era, deliberadamente, a de fazer-me apropriar

deste espaço. Homem de esquerda convicto, que sofreu com a família as agruras destinadas a quem era do

contra, ao trazer-me a brincar nos relvados estava a familiarizar-me com a democracia, estava a inscrever em

mim a sede pela liberdade recentemente conquistada. Tantos anos passados, encontro-me agora do lado de cá

da enorme porta, dentro e parte desta Casa, e acredito que foi essa sede de liberdade, então semeada, que me

guiou.

Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República: No dia 25 de Abril de 2018, integro

uma geração que só conhece o seu País em liberdade e que é por isso agradecida, mas uma geração que ainda

viveu os estertores dolorosos de uma violência revolucionária que quase extinguiu o Estado de direito que então

se pretendia edificar. Por isso é tão verdade, como disse Miguel Torga, que hoje é dia de exaltar «a liberdade

que devemos à generosidade de heróis que tivemos de combater logo no dia seguinte ao da generosidade».

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Com lealdade, o CDS sempre afirmou não reconhecer autoridade aos que se assumem, de novo, hoje,

proprietários do 25 de Abril.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.

A democracia é nossa e deve ser de todos, dos que a construíram e de todos os que nela vivem, senão não

se chama democracia.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — A liberdade não tem nem pode ter tutela. Por isso, não confiámos ao

Estado da altura o papel de fazer surgir um homem novo, como não confiamos ainda hoje, porque é a liberdade

que nos faz cidadãos e nos coloca como pessoas, com direitos e deveres, face ao poder político, seja em

Portugal, seja na União Europeia, onde somos construtores de um projeto comum de coesão e solidariedade:

um País que respeite a escolha de cada um e uma Europa que acolha a soberania de cada país. É por isso que

rejeitar novos impostos europeus é, hoje, garantir a nossa soberania e a nossa liberdade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Garantir a nossa liberdade significa protegê-la.

Se a ganhámos a um regime autoritarista, temos hoje de a defender da tirania das boas intenções, que

impede a escolha na educação e na saúde e faz das pessoas danos colaterais de uma ideologia, que proclama

a defesa do Estado social mas depaupera os hospitais, não investe na escola pública e desvaloriza as forças

de segurança, que sugere a apropriação da propriedade privada, ignorando que se trata de um direito

constitucional, que questiona o fim da vida e, assim, o seu valor, em vez de garantir a todos os cuidados que

dignificam cada um, que decide sobre a vida das pessoas sem pensar em todas as consequências, algumas até

consideradas inconstitucionais.

Aplausos do CDS-PP.

Essa tirania das boas intenções, que resiste à iniciativa privada mesmo quando esta se conjuga e promove

o interesse público, que anuncia que dá com uma mão e esconde que tira com a outra, que exige aos cidadãos

obrigações mais severas que ao Estado, controlando em vez de confiar, é tirania porque impõe uma visão, inibe

a escolha e desvaloriza o contraditório.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da

República, Sr. Primeiro-Ministro: No dia 25 de Abril de 2018, nos 44 anos do Estado democrático, temos a

obrigação de lembrar os incêndios. Lembrá-los não apenas pela memória da tragédia, o que seria justo, lembrá-

los não apenas pela homenagem aos mortos, o que seria correto, mas lembrá-los porque não podemos

comemorar a democracia se esta não significar o mesmo para todos os portugueses.

Aplausos do CDS-PP e de Deputados do PSD.

O Estado democrático falhou às pessoas que não soube proteger nem socorrer, às comunidades que ficaram

sozinhas a combater os incêndios, às famílias que ficaram isoladas no centro do País. Democracia é dar

garantias a todos, porque todos valemos o mesmo, vivamos numa cidade cosmopolita ou numa aldeia do interior.

A nossa liberdade, como portugueses, só é verdadeira se o for para todos, se existir para todos. E a verdade é

que, 44 anos depois, Abril falhou em junho e falhou em outubro.

Sr.as e Srs. Deputados: No dia 25 de Abril, reunimos de forma diferente de todos os outros dias neste

Hemiciclo. Hoje, há uma evocação, um apelo a fazer sair do passado alguma coisa de novo, a atualizar o sentido

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«inteiro e limpo» na «substância do tempo», do nosso tempo: um tempo mais complexo e mais rápido; um tempo

de opiniões leves e indignações vorazes; um tempo em que construímos mas sabemo-nos vulneráveis; um

tempo em que é essencial relembrar que a cada direito corresponde um dever e que a cada liberdade

corresponde responsabilidade.

Hoje, 25 de Abril, dia em que se comemora um País que se abriu à participação política e aos partidos,

acabando com a imposição de um partido único, devemos ter a consciência de que, pelo caminho, muito mudou.

Há cada vez menos participação política, mas há uma sociedade civil mais ativa. Nasceram novas formas de

participação cívica que temos de saber reconhecer e valorizar. E, se temos cada vez menos certezas absolutas,

menos manifestos ideológicos, temos cada vez mais uma mobilização e uma vontade de um novo tipo de

intervenção à procura do seu lugar, uma vontade a que o País e o Parlamento não podem virar costas.

Aproveitar, desenvolver o Portugal de hoje não se consegue com respostas que nem sequer funcionaram no

passado. O importante é atualizar o sentido «inteiro e limpo», não é repetir Abril, não é voltar para trás.

Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: No dia 25

de Abril de 2018 é já tempo de encontrar o espaço de liberdade para confrontar e debater o melhor que

desejamos para Portugal, sem a censura de qualquer bússola moralista, antiga ou moderna, sem a geometria

enganadora do politicamente correto, com a maturidade de saber que conquistar a liberdade é reforçar a

responsabilidade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Querer liberdade é assumir as suas consequências e a ética como um

critério. Tem de ser esta sede de liberdade que nos guia, esta sede que nos ensina a procurar o bem comum a

partir da dignidade de cada pessoa, esta sede de mais de 10 milhões de portugueses que representamos e

servimos.

Pela liberdade, pelos portugueses, viva sempre Portugal!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs.

Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Primeiro-Ministro e demais

Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados:

Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar hoje a erosão de direitos que acontece em plena Europa.

Não há muito tempo, deputados catalães cantaram uma música que tanto nos diz, Grândola, Vila Morena, para

vencer, por breves minutos, o muro de silêncio que a União Europeia levantou para lhes roubar a voz, enquanto

legitima a agenda persecutória do Estado espanhol.

Que hoje, aqui, ao celebrar a liberdade e ao prestar homenagem aos milhares de homens e mulheres que

foram presos políticos em Portugal, saibamos olhar o mundo com o peso da nossa História, da solidariedade e

das palavras. Aqui ao lado, no país vizinho, há presos políticos. Falta uma solução política para a Catalunha. A

monarquia espanhola está a esmagar as mais elementares garantias de um Estado de direito.

Nesta nossa «terra da fraternidade», sabemos que «o povo é quem mais ordena» e, por isso, daqui enviamos

a nossa solidariedade para quem está, neste momento, preso por ter defendido o direito a decidir o seu futuro.

Aplausos do BE e do PAN.

Da mesma forma, se cá, em Portugal, «faz primavera», se lá, no Brasil, se sentem «doentes», se nos pedem

«urgentemente algum cheirinho de alecrim», acedemos. Não será, certamente, pelo Tanto Mar entre os nossos

países que trocaremos a indignação pelo silêncio ou a insubmissão de consciência pela conformação.

Nos assassinatos políticos das ruas brasileiras, lembramos que, em Portugal, a morte também saiu à rua em

dias assim, que a bala também carrega o preconceito, o racismo, o machismo, a homofobia ou a transfobia. Mas

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as ideias são mais fortes do que as balas, do que o preconceito e do que a opressão. Podem matar um homem

ou uma mulher, mas nunca as suas ideias.

Se os democratas brasileiros chamam por nós, resta-nos uma resposta: País de Abril, presente! Não vos

viramos as costas e nenhum golpe antidemocrático passará sem a nossa denúncia.

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

Sr. Presidente, cresci na democracia que despertou com estrondo numa madrugada de Abril e que

celebramos com o cravo vermelho que, com orgulho, trazemos ao peito. É dessa forma que quero saudar os

Capitães de Abril, que abriram as portas da Revolução, e quem nunca deixou de lutar pela nossa liberdade.

A democracia que recuperou a República construiu o Estado social, garantia da solidariedade e da igualdade

que Abril idealizou.

Na geração dos filhos de Abril, «somos todos SNS». O Serviço Nacional de Saúde é dos maiores manifestos

à liberdade e à igualdade da sociedade portuguesa: acolhe e trata da mesma forma ricos e pobres, empregados

e desempregados, refugiados ou membros do Governo. Em pouco mais de quatro décadas, projetou o País de

elevadas taxas de mortalidade infantil para os melhores indicadores da saúde mundial.

Por isso, queremos que a sua segurança, a sua filosofia solidária e o seu indiscutível modelo de sucesso

sejam a regra nas áreas onde nos sentimos desprotegidos e desprotegidas e rejeitamos a caricatura que o

transforma num alçapão para negócios privados. Nasci num hospital público, estudei numa escola pública e

licenciei-me numa universidade pública. São esses os ombros de gigante com que nos tornamos e conseguimos

ir mais longe.

A minha geração não é ingrata, mas não cai na ingenuidade. Percebemos como, troica sim troica não, a ideia

da Constituição de Abril da «construção de um País mais livre, mais justo e mais fraterno» vai sendo

reinterpretada, alterada e mesmo atacada.

Sou filha da Revolução que consagrou a igualdade, mas, na minha geração, as mulheres ainda ganham

menos 16,7% do que os homens — é como se trabalhássemos de graça, na prática, dois meses por ano —, o

assédio sexual faz parte do quotidiano de todas as mulheres e meninas e, enquanto a violência doméstica é o

crime que mais mata em Portugal, a justiça continua a faltar nas salas dos tribunais onde as hediondas

sentenças nos insultam a todas.

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

Na minha geração, ainda existe um racismo de que não se fala mas que marca com brutalidade o quotidiano

de quem não tem o privilégio branco.

Foi à minha geração que exigiram que pagasse para poder ir à universidade e que condenaram a uma vida

precária, a que chamaram de flexibilidade. Insistem que somos a geração mais formada de sempre, mas a

propaganda, como as boas intenções, nunca se vê no recibo de vencimento. Vendem-nos promessas de

empreendedorismo em inglês, mas isso só se traduz em «conhecimento top», «salário low-cost», «precariedade

non-stop».

O meu percurso foi o de milhares de outros jovens cujos sonhos foram aprisionados por um call center, onde

a pressão e o abuso são a regra. Pedem-nos para «vestir a camisola» da empresa, mas rejeitam colocar o

símbolo no contrato de trabalho. O patrão, esse, é sempre uma empresa de trabalho temporário que nos

extorque parte do salário.

A globalização não trouxe as prometidas novas oportunidades. Diziam que era o caminho para novos direitos,

uma cidadania global, uma democracia reforçada, diziam que essa globalização era a outra face da União

Europeia, espaço de coesão e participação, mas era tudo fake news.

Não queremos e não quero um regresso ao passado, porque isso é a precariedade do presente. Não

queremos e não quero um País fechado, porque para isso já basta a União Europeia. Quero um País aberto à

Europa e ao mundo, que se solidariza com os povos e as suas lutas emancipatórias, que acolhe os que fogem

da guerra, da fome e da miséria, que protege os seus dos achaques dos mercados financeiros e da predação e

arrogância das multinacionais. Em suma, um País governado pela ideia da sua Constituição, a Constituição de

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Abril, e não pelas contas de uma folha de Excel, porque as contas que importa acertar atingem-se não pela lente

dos tratados orçamentais, mas com uma economia que funcione para todos e não apenas para uns poucos.

Da educação à habitação, da justiça ao trabalho, tudo o que falta conquistar cabe-nos a nós colocar na

agenda política. Caberá tudo isto num Orçamento? Não, mas certamente passa por ele. E será que agrada ao

Eurogrupo? Provavelmente também não, mas Abril nunca rimou com Eurogrupo.

Aplausos do BE.

Não foi Abril que nos desiludiu, é a caricatura que dele quiseram fazer que rejeitamos. A geração dos filhos

e das filhas de Abril reafirma os valores por que tantos neste País lutaram, fazendo da nossa luta a nossa

homenagem.

Sabemos do caminho feito e sabemos do caminho a fazer. Sabemos que vivemos num País que, mesmo

com todas as contradições, é outro e é melhor, porque somos devedores de Abril de 74 e de todas as lutas da

emancipação. Essa dívida é a nossa responsabilidade de fazer melhor, de não fechar os olhos, de recusar a

conformação com o que falta ou a naturalização dos recuos.

Somos daqui e somos do mundo. Crescemos na sombra da «flor do partigiano», com as «rosas» que floriram

«na curva da estrada» deste País.

Viva o 25 de Abril!

Aplausos do BE, de Os Verdes, do PAN e de Deputados do PS e do PCP.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do PS, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Elza Pais.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.

Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal

Constitucional, Altos Dignitários Civis e Militares, Capitães de Abril, Sr.as e Srs. Deputados, Portuguesas e

Portugueses:

Celebrar Abril é celebrar a liberdade, aquela «madrugada» esperada, «o dia inicial inteiro e limpo» de que

Sophia nos falava.

Celebrar Abril é celebrar a igualdade, esse nobre princípio constitucional, para que ninguém fique para trás

e acabar com sofrimento humano causado por discriminações intoleráveis.

É celebrar a liberdade de mudar e de decidir e escolher os destinos do País.

É recordar vidas de luta e de resistência.

É recordar as mulheres que viveram pela liberdade, tantas vezes esquecidas pela História, mas que

estiverem sempre lá, em momentos únicos e decisivos.

Aplausos do PS e de Deputados do BE.

Discursaram, aderiram a causas, correram riscos, foram condenadas, sofreram incompreensões, injúrias e

agressões, mas lutaram sempre, sempre, pela emancipação, pela educação e pela liberdade.

Celebrar Abril é manter bem viva a memória e os legados de Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher

portuguesa, pioneira na Europa, a conquistar o direito ao voto.

É recordar Maria Lamas e As Mulheres do meu País.

É lembrar as três Marias e as Novas Cartas Portuguesas, censuradas por terem conteúdos atentatórios da

moral pública e só não jugadas porque Abril aconteceu.

É manter bem viva a memória de Maria Barroso e esses momentos em que, através da poesia dita, exercia

«a denúncia e a participação».

Aplausos do PS, de Deputados do BE e da Deputada do PSD Teresa Leal Coelho.

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Os sacrifícios destas mulheres não, não foram em vão! Não consigo imaginar o que seria querer o divórcio e

não o conseguir, querer sair do País e ter de pedir autorização ao marido, querer ser magistrada ou diplomata

e ser impedida pelo Estado. Não, não consigo imaginar o mundo que amordaçou as nossas mães e as fez viver

debaixo da tutela do Estado e do marido, sem direitos e sem liberdade.

Hoje, o que nos faz falar, uma e outra vez, nesta data não é haver nada de novo para dizer, é, sim, haver

gente nova a quem o dizer. É importante que as jovens e os jovens saibam o que andámos para aqui chegar,

saibam as batalhas duras, de resistência, das nossas mães e dos nossos pais, em que, muitas vezes, se jogava

tudo ou nada.

Celebrar Abril é homenagear os Capitães de Abril, de Salgueiro Maia a Vasco Lourenço, que saúdo, por

terem feito o sonho acontecer.

Aplausos do PS e de Deputados do BE.

E é em nome do meu partido, em nome das mulheres e dos homens do meu Grupo Parlamentar, das

socialistas e dos socialistas portugueses que urge, hoje e sempre, dizer-vos: obrigada, obrigada, obrigada!

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados: Nasci na ditadura, mas tornei-me mulher em liberdade. Foi em Abril que aprendi o

significado dos valores e da ética, a riqueza da diversidade e das opções políticas que nos oprimem ou nos

libertam.

Ao longo da minha vida, aprendi o valor da liberdade e o preço da não subjugação, aprendi a fazer pontes e

convergências, aprendi que as oportunidades no feminino são bem mais escassas que no masculino e aprendi

o doloroso preço da sua conquista.

Foi há pouco mais de 10 anos que garantimos que nenhuma mulher seria presa quando decidisse, em

liberdade, interromper uma gravidez não desejada.

Foi recentemente, já com esta composição parlamentar, que impedimos o retrocesso dessa lei libertadora,

que garantimos que todas as mulheres, sem qualquer restrição, tivessem acesso à procriação medicamente

assistida e que garantimos igual dignidade legal à heteroparentalidade e à homoparentalidade.

Aplausos do PS e do BE.

Foi agora, neste ano, em Abril, que aprovámos, nesta Casa, com convergências diversas de vontades, leis

civilizacionais contra o sofrimento humano e leis que irão quebrar o teto de vidro que impede as mulheres de

chegarem aos lugares de topo, aos lugares de poder, onde, afinal e realmente, se decide.

As mulheres são pioneiras na ciência e na matemática, são artistas, escritoras e cineastas e não precisam

de favores, como disse o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres; precisam,

sim, que os seus direitos sejam cumpridos.

Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, os portugueses e as portuguesas encontram no Governo do seu País uma

inquestionável vontade de corrigir as desigualdades e de recuperar a esperança, um caminho de crescimento e

confiança e de convergência com a Europa.

Assistimos, hoje, à maior criação de emprego dos últimos 19 anos. As famílias viram os seus rendimentos

crescer nos dois últimos anos. Há hoje menos 80 000 pessoas em situação de pobreza. Vivemos uma nova

realidade porque decidimos pôr fim à austeridade. As nossas crianças e os nossos jovens abandonam hoje

menos a escola e o acesso ao ensino superior está, hoje, mais democratizado.

Sou mãe de um jovem arquiteto, uma profissão que emergiu em Abril e que foi gravemente afetada pela

crise. Os seus amigos, o João, da Guarda, a Maria, de Caminha, o Luís, de Mirandela, e a Filipa, de S. Miguel,

foram forçados a emigrar, mas todos e todas resistiram, e ele próprio resistiu, porque ama o nosso sol, ama o

nosso mar e a aldeia, em Mangualde, onde ainda vive a sua avó, com 95 anos.

Portugal tem hoje mais condições para projetar realidades novas do conhecimento, da ciência, dos direitos

e da cidadania para influenciar o mundo. Portugal foi e pode ser uma força de esperança e de futuro.

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Sr.as e Srs. Deputados: Cumprir a democracia e viver a liberdade é ouvir as pessoas, estar com elas, construir

proximidades, ouvir os seus silêncios e criar, como dizia Maria de Lourdes Pintasilgo, uma ação política

transformadora.

Cumprir a democracia e viver a liberdade é evitar fraturas e conflitualidades entre jovens e idosos, entre

empregados e empregadores, entre patrões e trabalhadores, entre o interior, de onde eu sou, e o litoral.

Cumprir a democracia e viver a liberdade é não deixar mais que nenhuma mulher seja agredida ou

assassinada numa relação de intimidade.

Celebrar Abril é habitar a «substância» de um «tempo novo» que todos integre e ninguém exclua e ver «mais

longe e mais fundo», como dizia o poeta.

A política não serve para justificar inevitabilidades, serve para abrir caminhos, para fazer as pessoas mais

felizes, e por isso a escolhi como ação transformadora.

É este o valor de Abril que temos, todos os dias, de cumprir.

Viva Abril!

Viva a Liberdade!

Viva a Igualdade!

Aplausos do PS, do PAN e de Deputados do BE.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do PSD, tem

a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Balseiro Lopes.

A Sr.ª Margarida Balseiro Lopes (PSD): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da

República, Ilustres Deputadas e Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Srs.

Presidentes do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça e dos demais Tribunais Superiores,

Antigos Presidentes da República e da Assembleia da República, demais Autoridades Civis, Académicas e

Militares, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Comemorar o Aniversário do 25 de Abril é uma responsabilidade e um orgulho para a Assembleia da

República, e fazê-lo não é nem pode ser o mero cumprimento de um dever, uma formalidade sem significado.

Comemorar o 25 de Abril é prestar homenagem a todos aqueles que lutaram e resistiram a um regime

ditatorial e que, naquele dia, em nome do povo português, libertaram o povo, para devolver ao povo a condução

dos seus destinos.

Aplausos do PSD.

É também tempo de agradecer aos militares que lutaram na Guerra Colonial, independentemente de

concordarem ou não com a política ultramarina. Aos muitos que pereceram e aos que sobreviveram

agradecemos. Agradecemos, especialmente, aos que quebraram o ciclo da Guerra Colonial, dando esperança

à criança que dizia: «Quando for grande, não vou combater!»

Comemorar este Aniversário é honrar o regime democrático em que vivemos, fundado nas Revoluções de

Abril de 74 e de Novembro de 75. Provámos que a liberdade é mais forte do que o medo. Vivemos num regime

democrático que se concretizou com a aprovação da Constituição de 76 e se consolidou com a revisão

constitucional de 82.

Honrar este regime é afirmar que Portugal é uma República que reconhece o primado à dignidade da pessoa

humana, que Portugal é um Estado onde o respeito e a garantia dos direitos e liberdades fundamentais não são

negociáveis.

Quarenta e quatro anos depois, importa perguntar: o que conseguimos e o que está por fazer? E

conseguimos tanto!

Nas últimas décadas, 21 governos foram cumprindo os desígnios constitucionais de garantir um Estado social

com saúde, educação e igualdade de oportunidades para todas as pessoas, procurando que Portugal seja cada

vez mais um País onde não importa quem somos, quem são os nossos pais, de onde viemos, no que

acreditamos, quem amamos.

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As novas gerações olham, por isso, com gratidão para o que as gerações que nos precederam nos deram:

a elas, a muitos de vós, se deve o sistema educativo, o Serviço Nacional de Saúde e a independência da justiça

como existem e tantas outras conquistas nas mais diversas áreas da governação.

Nós, os mais novos, temos tido, desde que nascemos, acesso a oportunidades com que as gerações

anteriores apenas puderam sonhar. Somos, por isso, o produto de um Portugal sonhado.

O facto de a minha geração ter nascido e sempre ter vivido em liberdade não significa que prescinda de

defender essa liberdade ou que esqueça que o nosso País nem sempre a teve. Porque a liberdade funda-se

num dia mas não se constrói numa noite, recupera-se numa data mas conquista-se todos os dias e tem de ser

conquistada e reconquistada e reconquistada todos os dias.

Aplausos do PSD e de Deputados do PS e do CDS-PP.

Uma liberdade que é minha, que é tua, que é nossa.

É do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, que eu aqui cumprimento, e que pôde ver o seu partido sair da

clandestinidade e entrar num Parlamento eleito pelo povo.

É da Sr.ª Deputada Catarina Martins, que eu aqui cumprimento, e que nunca teve de encenar uma peça

censurada a «lápis azul».

É do Sr. Deputado Carlos César, que eu aqui cumprimento, e do Partido Socialista, que nesse dia pôde ver

os seus fundadores regressar a casa.

É da Sr.ª Deputada Assunção Cristas, que eu aqui cumprimento, e que pôde ser mãe de família e ter uma

vida profissional de sucesso também por causa desse dia.

E é do meu partido, do Partido Social Democrata, que, fundado no dealbar da democracia, nunca mais largou

o sonho de reformar Portugal, para melhor, para amanhã, para futuro.

Aplausos do PSD

É do Dr. Rui Rio, que aqui cumprimento, e que pôde ser dirigente estudantil em liberdade também por causa

desse dia.

É de todas as mulheres, a quem aqui presto os meus cumprimentos, para quem Abril significou um passo

largo na direção da igualdade entre homens e mulheres através da efetivação do direito ao voto ou à liberdade

de movimentos, entre muitas outras conquistas.

Há muito por fazer e o povo português espera e reclama de cada responsável político que se faça mais, que

se faça melhor.

Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República: A política portuguesa tem-se

fragmentado cada vez mais, numa repetição de divisões entre o nós e o eles. Nós, os políticos, e eles, o povo;

ou nós, o povo, e eles, os políticos; nós, os jovens, e eles, os mais velhos; os da capital e os do resto do País;

os do interior e os do litoral; os da cidade e os do campo; os da Madeira ou dos Açores e os do Continente; os

do nosso partido e os dos outros partidos.

A política e a democracia não podem continuar a alimentar estas divisões. A atividade parlamentar não é um

campeonato onde os nossos ganham ou perdem e as vitórias de uns são as derrotas de outros.

Aplausos do PSD e de Deputados do PS.

A atividade parlamentar tem de exigir que as pessoas ganhem, que o País ganhe, porque, demasiadas vezes,

para que os partidos ganhem, são as pessoas que perdem. E digo sem rodeios: há assuntos em que não

ouvimos suficientemente o que o povo reclama.

É talvez o mais central desses assuntos o combate à corrupção e a defesa do Estado e do erário público da

captura por interesses particulares.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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A Sr.ª Margarida Balseiro Lopes (PSD): — Temos de ter a coragem para reformar o sistema político,

introduzindo transparência para que sejam conhecidos todos os interesses em causa em todas as decisões

tomadas pelos poderes públicos. A transparência tem de ser a regra do funcionamento democrático, e importa

recordar que o exemplo vem de cima.

A opacidade só serve os prevaricadores, os menos sérios, os corruptos, debaixo de um manto que os

encobre, a generalização: «são todos iguais».

Mas não, não são todos iguais. Não somos todos iguais.

Devemos, por isso, garantir, em geral, que qualquer pessoa deve ter o direito a saber quem, quando, como

e porquê os poderes públicos decidem o que decidem, quanto nos custa hoje e quanto nos custará amanhã.

Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, e o que está por fazer?

Um Portugal por fazer na educação. Mais de 30 anos após a aprovação da Lei de Bases do Sistema

Educativo, importa refletir sobre a educação do futuro que queremos.

Um Portugal por fazer na saúde, com o Serviço Nacional de Saúde a assinalar 40 anos em 2019. Temos de

garantir, sem exceção, a cobertura universal dos cuidados de saúde em tempo razoável e com recursos

suficientes, independentemente da condição económica, geográfica ou etária.

Um Portugal por fazer na cultura. Não é aceitável que a cultura seja o parente pobre da governação. A cultura

não tem esquerda nem direita, deve ser livre e não programada politicamente.

Aplausos do PSD e de Deputados do CDS-PP.

Um Portugal por fazer na coesão territorial, porque o Portugal a construir tem de ser um país inteiro e não

um país dividido — dividido entre quem vive nas grandes áreas metropolitanas ou no resto do País. E hoje não

nos esquecemos daqueles que não celebram connosco o 25 de Abril de 2018 porque perderam a vida ou

perderam os seus familiares em 2017.

Um Portugal por fazer no emprego e no combate à precariedade, num país dividido, onde para defender os

direitos adquiridos de uns se sacrificam os direitos básicos de outros. A todos os que trabalham devem ser

garantidos os mesmos direitos.

Aplausos do PSD.

Um Portugal por fazer na segurança social, porque um país que propositadamente esquece as novas

gerações é, necessariamente, um país por construir.

Um Portugal por fazer para os jovens, por um país que aproveita a força, a criatividade, a energia, a

imaginação e a iniciativa dos seus jovens e a quem são dadas condições e oportunidades para que possam

provar que são capazes, que fazem coisas novas e que as fazem bem. Muitos se lamentam que para os jovens

tudo é urgente, mas neste caso é-o, de facto. O Portugal por fazer não pode esperar.

Um Portugal por fazer na solidariedade intergeracional, porque, numa mão, a inovação tecnológica não pode

produzir novos excluídos nas gerações mais velhas, que perdem acesso aos serviços e direitos fundamentais

quando eles são mediados eletronicamente, e porque, na outra mão, o endividamento limita a liberdade de

escolha das novas gerações. Não se pode aceitar um fardo tão pesado para as novas gerações.

Um Portugal por fazer na inclusão. Todos, nesta sessão, somos responsáveis por aquelas pessoas a quem

não são plenamente reconhecidos ou garantidos os seus direitos fundamentais: a pobreza, o género, a etnia, a

raça, a nacionalidade, a ascendência, a fé, a orientação sexual ou a convicção política.

Temos de garantir a igualdade de oportunidades e a inclusão de todos quantos cá vivem, eliminar todos os

fatores de discriminação e intolerância, todos os grilhões que aprisionam a liberdade.

A geração que sonhou e concretizou as Revoluções de 74 e de 75 conseguiu que nós, os seus filhos,

vivêssemos no Portugal sonhado.

Nasci no ano em que caiu o Muro de Berlim, e o povo português merece que nós, os seus representantes,

sejamos capazes de realizar este Portugal por fazer, de derrubar os muros da injustiça e da desigualdade

injustificadas.

E a todos os que nos ouvem hoje, aqui, no Parlamento, em qualquer canto ou recanto de Portugal, pela

televisão, pela rádio ou pelas redes sociais, a todos os portugueses que nos ouvem espalhados pelo mundo,

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em qualquer metrópole ou isolados da civilização em qualquer dos continentes: cada um de nós tem a sua

história, que é singular, mas o nosso destino é coletivo, é partilhado, é voltar a sonhar e fazer um Portugal para

as próximas gerações.

A força do nosso País não se mede pela força das suas armas, mas pela convicção dos nossos ideais; não

se mede pela força dos mais poderosos, mas pela esperança e pelo sonho de cumprir Portugal.

Como escreveu Torga: «Livre não sou, que nem a própria vida/ Mo consente/ Mas a minha aguerrida

teimosia/ É quebrar dia a dia/ Um grilhão da corrente/ Livre não sou, mas quero a liberdade/ Trago-a dentro de

mim como um destino».

Viva Portugal!

Aplausos do PSD, de pé, do CDS-PP e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs.

Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs. Presidentes do Tribunal de Contas

e do Supremo Tribunal Administrativo, Srs. Antigos Presidentes da República e senhoras, Sr.as e Srs. Ministros,

Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Sr. Presidente do Partido Social Democrata, Sr.ª e Srs. Vice-

Presidentes da Assembleia da República e Presidentes dos Grupos Parlamentares, Sr.ª Procuradora-Geral da

República, Sr.ª Provedora de Justiça, Srs. Representantes da República para as Regiões Autónomas dos Açores

e da Madeira, Srs. Presidente e Vice-Presidente das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas da

Madeira e dos Açores, Sr. Vice-Presidente do Governo Regional da Madeira, Srs. Antigos Presidentes da

Assembleia da República e Primeiros-Ministros, Srs. Conselheiros de Estado, Sr.as e Srs. Secretários de Estado,

Srs. Chefes do Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Deputados ao

Parlamento Europeu, Sr. Núncio Apostólico, Decano do Corpo Diplomático, Membros do Corpo Diplomático,

demais autoridades civis e militares, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Srs. Conselheiros da Revolução, Sr.

Presidente e Membros da Direção da Associação 25 de Abril, Ilustres Convidadas e Convidados, Excelências,

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

A sessão solene do dia 25 de abril é sempre especial para a democracia portuguesa, mas a de este ano é

ainda mais especial, porque neste ano a Constituição da República aprovada em 1976 ultrapassa em

longevidade a Constituição de má memória de 1933.

Aplausos do PS, do BE e do PCP.

Uma prova de maturidade do nosso regime democrático, consolidado pela luta do nosso povo e nascido da

coragem liderante dos Capitães do Movimento das Forças Armadas. Aqui deixo, pois, uma merecida saudação

aos Capitães de Abril e à Associação 25 de Abril, na pessoa do Coronel Vasco Lourenço, cuja presença muito

nos honra.

Aplausos do PS, do BE e de Deputados do PSD.

Éramos todos muito jovens e ainda aqui estamos, 44 anos depois, sempre prontos para os combates da

democracia.

As Forças Armadas portuguesas são um pilar da identidade nacional. Há 44 anos, souberam, uma vez mais,

interpretar o interesse nacional, derrubando a ditadura e abrindo caminho ao país que hoje somos: um Portugal

democrático, solidário e aberto à Europa e ao Mundo.

Há 44 anos, a sociedade portuguesa confrontou-se consigo mesma.

Ter feito parte de uma Revolução, com os seus triunfos, erros, excessos e contradições, é um extraordinário

momento das nossas vidas. Tempos inesquecíveis. Não deitámos o lixo para debaixo do tapete nem deixámos

esqueletos no armário ou fantasmas no sótão.

Aplausos do PS.

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Dessa fase revolucionária nasceu uma sociedade mais democrática, mais justa e mais coesa, que hoje

celebra, um pouco por todo o País, esta festa popular, esta festa nacional que é o 25 de Abril.

A coesão nacional e a língua, o ambiente de segurança, o clima de confiança e a estabilidade democrática

são hoje inegáveis vantagens comparativas de Portugal. Algumas dessas vantagens são estruturais, outras,

como a recuperação da confiança, são mérito de responsáveis políticos.

Permitam-me aqui, a este propósito, que destaque o papel que tem sido desempenhado pelo Sr. Presidente

da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Digo-o aqui, ao seu lado, e digo-o por todo o lado e onde for preciso:

tem uma importante quota-parte nos méritos dos resultados de Portugal nos últimos anos e uma relação

exemplar com a Assembleia da República e com os outros órgãos de soberania.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente da República, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus

Senhores: Portugal tem desafios estratégicos próprios que vão além do tempo das legislaturas e que devem ser

abraçados desde já, com o maior consenso possível.

Os compromissos estratégicos em nada prejudicam as divergências programáticas existentes. Pelo contrário,

quem está seguro dos pontos de divergência está também em melhores condições para se entender naquilo

que ultrapassa as grandes orientações diferentes de política económica e social.

A democracia tem necessários momentos de compromisso e não dispensa o confronto das alternativas.

Julgo, até, que a saúde do nosso sistema partidário assenta, justamente, nessa capacidade de gerar alternativas

claras. Quarenta e quatro anos depois, o regime democrático português mostra que tem sempre soluções,

mesmo nas condições mais difíceis.

Minhas Senhoras e Meus Senhores, Excelências, em 2019, o 25 de Abril faz 45 anos. Caminhamos a passos

largos para meio século de democracia. É um momento oportuno para um exercício coletivo de memória e para

uma mobilização democrática com sentido de futuro.

A Assembleia da República, dentro dos seus recursos próprios, estará na linha da frente desse exercício.

Porque entendemos, fiéis ao inconformismo de Abril, que o projeto da liberdade, da democracia e da

solidariedade é sempre um projeto inacabado.

Porque sabemos que não há melhor regime do que a democracia, e porque acreditamos que o melhor da

democracia ainda está para vir.

Aplausos do PS e de Deputados do PSD e do CDS-PP.

Abril anunciou-se com três dd: democratizar, descolonizar, desenvolver.

A descolonização foi durante muito tempo quase matéria tabu e a experiência colonial objeto de recriações

fantasiosas.

Finalmente, com a nova geração de Abril, surgiu um olhar crítico sobre esse passado colonial, hoje presente

nas artes plásticas, no cinema ou nas ciências sociais.

O desafio agora é trazer essa discussão para um outro patamar, capaz de fomentar no espaço público uma

cultura histórica, democrática e cosmopolita.

Pela nossa parte, Assembleia da República, não deixaremos de contribuir para a promoção dessa cultura

histórica.

O colonialismo é um tema que não será esquecido no próximo ano, em que se assinalam os 150 anos da

abolição da escravatura em todo o império português.

Faremos o mesmo exercício de memória em relação aos outros dois dd: democratizar e desenvolver.

Desenvolvimento — ao longo destes 45 anos muitos direitos políticos, económicos, sociais e culturais

passaram do texto constitucional para a vida quotidiana dos portugueses. É impressionante o caminho feito.

Portugal desenvolveu-se bastante nestes 44 anos.

Vivemos agora, em 2018, um novo ambiente político, económico e social, depois de um período muito

complexo, com profundos impactos na pobreza e na exclusão social.

Quando penso nesse período, não deixo de me admirar com a força das nossas instituições e com o papel

notável que o sindicalismo e os contrapesos constitucionais desempenharam.

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Estamos hoje, felizmente, perante indicadores que nos animam, e não me refiro apenas a indicadores

macroeconómicos e financeiros, porventura mais conhecidos de todos.

Portugal atingiu o nível de desigualdade mais baixo de sempre e, no entanto, somos ainda um dos países

com mais desigualdade na União Europeia.

O risco de pobreza baixou, e baixou em especial entre as famílias com crianças, um grupo sempre vulnerável

e particularmente atingido pela crise e, no entanto, somos ainda dos países com mais pobreza na União

Europeia.

Um país marcado por níveis elevados de pobreza e desigualdade é um país com contas menos equilibradas

e com menos potencial de crescimento, para além de, evidentemente, ser um país injusto.

Se damos tanta visibilidade às entidades dedicadas à avaliação dos défices económicos, por que razão não

havemos de ouvir com a mesma atenção o que nos dizem aqueles que se dedicam aos défices sociais?

A Revolução de Abril é herdeira dos valores da liberdade, igualdade e fraternidade. Somos uma sociedade

solidária, como poucas. As liberdades cívicas têm avançado como em poucos países, mas temos de reconhecer

que, no capítulo da igualdade, ainda temos um longo caminho a percorrer.

E aqui entra o d da democracia.

O sistema político português compara bem, em termos de desempenho, com outros sistemas democráticos.

Por exemplo, o caminho para a paridade entre homens e mulheres nas instituições ainda não está completo,

mas tem sido muito importante, como, aliás, pudemos testemunhar hoje mesmo, neste Hemiciclo. E ainda bem

que assim é, porque o 25 de Abril também foi feito pelas mulheres e para as mulheres.

Aplausos do PS, do BE e de Deputados do PSD.

Mas é, de facto, muito ao nível das desigualdades económicas e sociais que o desempenho democrático tem

de melhorar.

Ainda no último Eurobarómetro víamos que 96% dos portugueses consideram excessivas as diferenças de

rendimentos no nosso País.

Nesse sentido, além das prestações sociais, da fiscalidade, dos serviços públicos, nomeadamente do nosso

grande Serviço Nacional de Saúde, além disso, temos porventura de atuar a montante, na pré-distribuição, nas

condições de representação e de negociação do mundo do trabalho perante as transformações laborais,

tecnológicas e globais que atravessamos.

Seria, no entanto, redutor resumir algum desencanto democrático global a uma explicação meramente

económica e social.

Não ignoremos o caráter autónomo da política nem respondamos ao regresso da política com marketing e

tecnocracia.

Sobretudo, não respondamos à desconfiança sobre as instituições democráticas com lógicas que só servem

para diminuir a atividade política aos olhos dos cidadãos.

Aplausos do PS e de Deputados do PSD e do CDS-PP.

A resposta está na questão social e estará também na renovação democrática das instituições.

Nenhum preconceito, nenhuma ideia feita, nenhuma mentira devem ficar sem a resposta dos democratas.

São desejáveis as críticas e até admissíveis os ataques políticos, mesmo ao Parlamento e aos Deputados, mas

não são aceitáveis ataques de caráter, qualquer que seja o alvo, de qualquer grupo parlamentar ou de qualquer

partido político.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP e de Deputados do PCP.

Enquanto for Presidente da Assembleia da República, os ataques injustos terão sempre resposta e as críticas

corretas serão sempre impulso para a mudança.

É a pensar no futuro da democracia e nas novas gerações que estamos a desenvolver aqui em frente, na

Casa Amarela da Assembleia da República, o projeto do centro interpretativo, uma homenagem ao

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constitucionalismo e à democracia, que esperamos inaugurar em 2019, assinalando, assim, da melhor maneira,

os 45 anos do 25 de abril.

Pergunto-me também se a Assembleia da República não deveria dar um sinal mais forte no sentido do reforço

das oportunidades de participação política. Temos pouca gente a participar muito e muita gente a participar

pouco.

Devemos avaliar seriamente a possibilidade de alargamento do âmbito da limitação dos mandatos e das

acumulações de cargos e ponderar incentivos eficazes à dedicação exclusiva no Parlamento.

É tempo de fazermos essa reflexão, de ouvirmos a sociedade civil, para que, na próxima Legislatura se possa

decidir com segurança.

Minhas Senhoras e Meus Senhores, não quero terminar sem antes voltar a saudar, com emoção, o Sr.

Presidente da República, o Sr. Primeiro-Ministro, os Membros do Governo, os líderes dos partidos políticos e

das direções parlamentares, os Deputados, os Funcionários, os jornalistas e os convidados aqui presentes.

A todos, digo: Viva o 25 de Abril! Viva a Democracia! Viva Portugal!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente da República vai agora dirigir uma mensagem à Assembleia da República.

Tem a palavra, Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa): — Sr. Presidente da Assembleia da República,

Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores, Srs. Antigos Presidentes da República,

Presidente da Assembleia da República e Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Embaixadores, Srs. Capitães de Abril,

Sr.as e Srs. Deputados, Digníssimos Convidados, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

Quarenta e quatro anos passaram sobre a data primeira da democracia que hoje somos, e por muito repetitivo

que a alguns pareça, ou porque resistem ao que mudou ou porque nunca conheceram o que era antes ou porque

anseiam para além do que vivem, cumpre assinalar e agradecer.

Assinalar que, sem o 25 de Abril de 1974, teria sido mais longo, mais sofrido e mais complexo o estertor da

ditadura e, sobretudo, o compasso de espera pela liberdade e pela democracia.

Agradecer uma, dez, vinte, trinta, quarenta, quarenta e quatro vezes e todas as que se sigam no futuro aos

Capitães de Abril, que deram o passo sem o qual a devotada luta de tantas décadas continuaria um sonho

adiado.

Aplausos gerais.

Para os Capitães de Abril aqui presentes e para todos quantos já partiram, mas que continuam no nosso

pensamento, a certeza de que não esquecemos, não omitimos, não apagamos.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não há ainda 20 dias, em La Lys, homenageámos os nossos heróis

mortos em combate a poucos meses do termo da Grande Guerra e, em novembro, estaremos novamente no

desfile da vitória em Paris, evocando os milhares de portugueses que serviram a Pátria em condições dramáticas

na Europa, em África, em terra, no mar e no ar, 100 anos já decorridos, tempo mais do que suficiente para

recordarmos o passado e retirarmos ilações para o presente e para o futuro. Recordarmos o passado, a cruenta

divisão da Europa, os intensos e mesmo dramáticos debates nacionais acerca do envolvimento na guerra, o

chamado «Governo de União Sagrada», a inesquecível ida do Presidente Bernardino Machado ao Corpo

Expedicionário Português na frente de batalha e aos nossos aliados no desafio comum, a muito acidentada

preparação e difícil resistência das nossas Forças Armadas, confrontadas com situações chocantemente

adversas, o sonhado papel legitimador, interno e externo, da presença militar portuguesa para a República

nascente, englobando a defesa das colónias e, sobretudo, o direito a participar no momento da vitória, com as

inerentes consequências políticas.

Em simultâneo, e em contraponto, o agravamento da situação económica e social, interna e externa, e a

corrosão do sistema político durante os anos de guerra, os apelos autoritários vindos da burguesia possidente

e conservadora e de correntes políticas e religiosas em confronto com o poder republicano, mas também, e,

sobretudo, após La Lys, setores militares, a Presidência de Sidónio Pais, o 18 de abril de 1925, o caminho

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pontuado de debilidades políticas, de escândalos económicos e de repressões sociais para a ditadura militar de

1926, depois projetada na Constituição de 1933.

Claro que a História ultrapassa largamente este sumariar de um período de anos de guerra, que se

prolongaram por muitos mais, e qualquer paralelo com o que viria a ser Portugal nos anos 60 e 70, ou nos anos

80 e 90, ou neste século XXI é obviamente passível de justos e incisivos reparos.

Ainda assim, seja-me permitido sublinhar alguns traços que poderão suscitar reflexões para outras épocas e

nelas o presente e o futuro de Portugal.

Primeira reflexão: a Europa perdeu sempre ao dividir-se e ganhou, por pouco que fosse, ao unir-se ou, pelo

menos, ao ensaiar convergências, ao prevenir a guerra e sedimentar a paz, sendo que o percurso para essas

convergências, para essa paz foi e é necessariamente exigente, moroso, ainda quanto desafiante, e nunca deva

esquecer o mais importante, os europeus, em nome dos quais se constrói a Europa.

Segunda reflexão: as Forças Armadas portuguesas constituem um fator nuclear de identidade nacional, nos

tempos de bonança como nos de provação, tão forte que há 100 anos os agravos que sofreram aceleraram o

fim da I República, mesmo se tornaram impossível o regresso a um regime monárquico, tão forte hoje que se

configura como indissociável da democracia.

Por isso mesmo, a instituição militar, algumas vezes apressada e erroneamente vista por alguns como

reminiscência do passado e não como garantia do presente e aposta no futuro, mantém, para não dizer que

reganha, centralidade quando se reforça a democracia ou mais amplamente se constrói a unidade nacional.

Afirmá-lo sempre é imperativo, agir em conformidade é-o ainda mais.

Terceira reflexão: a capacidade de renovação do sistema político e de resposta dos sistemas sociais de

antecipação de desafios, de prevenção de erros ou omissões, de permanente proximidade dos cidadãos e dos

seus problemas é essencial para evitar fenómenos de lassidão, de contestação inorgânica e antissistémica e de

ceticismo contra os partidos e os parceiros económicos e sociais, isto sendo certo que numa democracia viva

os mais decisivos dos políticos são e devem ser os cidadãos.

Não o minimizemos! Os vazios que venham a ser deixados pelos protagonistas institucionais alimentarão

tentações perigosas de apelos populistas e até de ilusões sebastianistas, messiânicas ou providencialistas.

Ora, mesmo que esses apelos e ilusões acreditem que o poder forte sonhado, seja ele de uma pessoa, de

um partido, de um grupo económico, de um parceiro social, de uma instituição pública ou privada, é compatível

com a democracia, certo é que a deriva resultante seria sempre não democrática.

A democracia supõe um equilíbrio de poderes, feito de pesos e de contrapesos. É esse equilíbrio que permite,

mesmo nas democracias mais antigas, moderar tropismos para lideranças populistas na forma ou no conteúdo.

No dia em que se rompesse o equilíbrio de poderes, a que a nossa Constituição chama separação e

interdependência de poderes, estaríamos a entrar em terreno perigosíssimo, propício ao deslumbramento, ao

autoconvencimento, à arrogância, ao atropelo da própria Constituição, das leis e dos direitos das pessoas.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Felizmente, 100 anos depois, vivemos já o suficiente, entre a década

de 20 do século passado e o começo deste século, para sabermos o que reforça a nossa unidade nacional,

nomeadamente o papel estruturante das Forças Armadas, a necessidade de constante renovação do sistema

político, a criação sustentada de condições de crescimento e de emprego, a aguda perceção da realidade social

e, nela, da pobreza, do seu risco e das desigualdades pessoais e territoriais, o eficiente combate à corrupção

nas pessoas e nas instituições, a sistemática prevenção dos messianismos de um ou de alguns alegadamente

para salvação dos outros.

Por isso, não confundimos o patriotismo, de que nos orgulhamos, com hipernacionalismos claustrófobos,

xenófobos, que nos envergonhariam, nem confundimos o prestígio ou a popularidade mais ou menos conjuntural

de um ou mais titulares do poder com endeusamento ou vocação salvífica.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Lembramo-nos bem como, há 100 anos, uma situação política, económica, social e cultural mal resolvida

desembocou em décadas que prometiam o que, mais tarde, além de sacrificarem direitos e liberdades

inalienáveis, se viu não poderem cumprir: o império colonial eterno, a ditadura monocrática viva para além do

seu criador, a certeza de que a alegada felicidade interna dispensaria integrações num continente e num mundo

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em mudança e, antes disso mesmo, a convicção de que nunca se assistiria à partida daqueles — e foram mais

de um milhão — que ousaram buscar fora o que não encontravam cá dentro.

Foi esse modelo injusto, repressivo e impossível, sonhado em 26, 33 e 40 como resistente a tudo e a todos,

que soçobrou em 1974, ou, melhor, se esgotou muito antes, mas só viu certificado nessa data, pela mão corajosa

dos Capitães de Abril, o seu esvaziamento.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, termino, pois, por onde comecei, pela data histórica que nos reúne

hoje aqui: o 25 de Abril de 1974 faz parte da memória pessoal vivida da ainda maioria dos presentes nesta

evocação, que por muito que se diga que um dia será olvidada, porque banal ou remota, nunca desaparecerá

da memória coletiva.

O breve relance pelo centenário da Grande Guerra só o confirma: celebrar o 25 de Abril em Portugal de 2018

é também aprender a prevenir os trilhos que conduzem a caminhos que todos sabemos indesejáveis, ainda que

muito diversos daqueles de há 100 anos. Diversos, porque os messianismos de hoje — são experiências alheias

que o demonstram — se escondem por detrás das aparências democráticas, usam mais eficazes poderes

mediáticos, têm contornos mais sedutores, mesmo se continuam a prometer caminhos impossíveis, a alimentar

ilusões irrealizáveis, a sacrificar liberdades essenciais, a consagrar monopólios da verdade e a custarem tempo,

muito tempo, perdido para o todo coletivo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Não é esse, hoje — nem nunca poderá ser esse no futuro —, o nosso caminho na construção da liberdade,

da justiça social e, portanto, da democracia e, mais amplamente, da coesão interna e da projeção externa da

nossa Pátria. Nenhuma cedência de princípio pode ser admitida e nenhum tempo pode ser perdido. São os

portugueses que no-lo exigem! É Portugal que no-lo impõe!

Viva o 25 de Abril! Viva Portugal!

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Declaro encerrada a Sessão Solene Comemorativa do

XLIV Aniversário do 25 de Abril.

Eram 11 horas e 38 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, tocou, de novo, o hino nacional,

que voltou a ser cantado, de pé, pelos presentes na Câmara e nas Galerias, tendo-se seguido aplausos gerais.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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