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30 DE MAIO DE 2018

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que defendia a despenalização da eutanásia em situações especiais. Por seu turno, o BE, para além de ter

incluído a questão no seu programa eleitoral para as eleições legislativas de 2009, apresentou, em 2017, um

anteprojeto de lei de despenalização da morte assistida que foi discutido em colóquios e debates por todo o

País, dando origem no final desse processo de discussão à apresentação do projeto de lei que agora se discutiu

juntamente com os demais. Deste modo, a apresentação dos projetos de lei pelo PS e pelo BE é o resultado

natural do processo de discussão interna levada a cabo no plano da vida e funcionamento destes dois partidos.

Mesmo que assim não fosse e que as outras duas razões apresentadas anteriormente não existissem para

reforçar a legitimidade na apresentação destas iniciativas, a própria natureza do mandato dos Deputados

assegurá-la-ia, já que o mandato dos Deputados é livre, não sendo os eleitores os mandantes dos votos dos

Deputados.

Por fim, uma das críticas apresentadas por um conjunto de críticos, do qual se destaca Jorge Miranda4,

iminente constitucionalista e professor universitário, que apontam para a inconstitucionalidade da

despenalização da eutanásia e do suicídio medicamente assistido por via da violação frontal do artigo 24.º, n.º

1, da Constituição da República Portuguesa (direito à vida) que dispõe que «a vida humana é inviolável», o que,

segundo estes autores, significa que, independentemente das circunstâncias e das intenções subjacentes,

ninguém pode dispor da sua vida, como ninguém pode alienar a sua liberdade ou o respeito por si mesmo, não

se podendo conceber a autonomia e liberdade sem responsabilidade e a dignidade da pessoa humana sem o

respeito pela dignidade da vida.

Ainda que não seja jurista, parece-me que a resposta a esta última importante crítica deve passar por três

argumentos essenciais. Por um lado, deve notar-se, conforme sublinham Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva5,

que o facto de o direito à vida ser o primeiro dos direitos (condição sine qua non dos demais direitos) não significa

que haja uma permanente superioridade axiológica sobre os restantes direitos, pelo que este direito à vida exige,

também, um respeito pela autonomia e liberdade próprias do individuo em todas as dimensões e em termos que

lhe permitam dispor livremente da própria vida podendo, se for caso disso, escolher a própria morte6.

De resto, como questiona acertadamente Fernando Araújo7, como pode considerar-se que se respeita a vida

se não se respeita a vontade autónoma do indivíduo? Estamos no campo dos direitos humanos e aqui a opção

é relativamente clara entre o que deve caber ao indivíduo e o que deve caber ao Estado: nem o Estado nem

ninguém, para além do próprio indivíduo, deve decidir sobre o limite da dor e do sofrimento de uma pessoa na

presença de uma doença incurável e fatal ou sobre o que é o bem-estar individual de cada pessoa. Não se

comparam (nem podem comparar) vidas, níveis de sofrimento ou de felicidade.

Note-se, também, que o ordenamento jurídico português tem dado passos que, fazendo eco das mudanças

sociais profundas que ocorreram no nosso país desde a aprovação da Constituição da República Portuguesa,

confirmam e reforçam este entendimento do direito à vida numa lógica moderna e dessacralizada, assente na

autonomia e liberdade do indivíduo. Assim sucedeu, por exemplo, com a introdução do direito ao livre

desenvolvimento da personalidade na CRP (Revisão Constitucional de 1998), a despenalização da IVG ou o

chamado testamento vital, cuja constitucionalidade nunca foi posta em causa pelo Tribunal Constitucional. A

aprovação da despenalização da eutanásia e do suicídio medicamente assistido representaria — e, estou certo,

representará no futuro — mais um passo importante neste processo de valorização da autonomia e liberdade

do individuo.

Por outro lado, a eutanásia e o suicídio medicamente assistido não devem ser justificados com base no

princípio da dignidade humana, uma vez que, conforme nota alguma doutrina8, este é um princípio que nesta

discussão assume uma dupla dimensão, que lhe permite servir de argumento para ambos os lados do debate,

já que se é verdade que pode ser invocado para a defesa da eutanásia por esta permitir uma morte digna,

também é verdade que pode ser usado contra a eutanásia não só porque se pode dizer que a solicitação da

4 Jorge Miranda, «Sobre a eutanásia» in Público, 30 de Maio de 2018, disponível em: 5 Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, anotação ao artigo 24.º in Jorge Miranda e Rui Medeiros, «Constituição Portuguesa Anotada», tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2010, página 538. 6 Algo que resulta de um princípio de autonomia que decorre essencialmente do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (26.º/1 CRP). 7 Fernando Araújo, «A procriação assistida e o problema da santidade da vida», Almedina, 1999, página 116. 8 Inês Fernandes Godinho, «Autodeterminação e morte assistida na relação médico-paciente» in «O Sentido e o Conteúdo do Bem Jurídico Vida Humana», Coimbra Editora, 2014, página 118 e seguintes e Júlia Maria Vieira Gonçalves, «Eutanásia, um problema de consciência» in RJLB, Ano 2 (2016), n.º 6, página 797.

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