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Quarta-feira, 17 de abril de 2019 I Série — Número 76
XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)
REUNIÃOPLENÁRIADE16DEABRILDE 2019
Presidente: Ex.ma Sr.ª Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro
Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Sandra Maria Pereira Pontedeira António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro Ana Sofia Ferreira Araújo
S U M Á R I O
A Presidente (Teresa Caeiro) declarou aberta a sessão
às 15 horas e 5 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa do Projeto de Lei n.º
1199/XIII/4.ª e dos Projetos de Resolução n.os 2110/XIII/4.ª, 2111/XIII/4.ª e 2114/XIII/4.ª.
Procedeu-se ao debate conjunto, na generalidade, dos seguintes projetos de lei:
N.º 1147/XIII/4.ª (PSD) — Quadragésima sétima alteração ao Código Penal, criando restrições à suspensão da
execução da pena de prisão nos processos por crime de violência doméstica e elevando a moldura penal deste crime;
N.º 1148/XIII/4.ª (PSD) — Trigésima segunda alteração ao Código de Processo Penal, impedindo a recusa de depoimento por parte da vítima de violência doméstica e proibindo a suspensão provisória dos processos por crime de violência doméstica;
N.º 1149/XIII/4.ª (PSD) — Trigésima segunda alteração ao Código de Processo Penal, permitindo a aplicação da
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medida de coação de proibição e imposição de condutas quando houver fortes indícios da prática do crime de perseguição;
N.º 1150/XIII/4.ª (PSD) — Terceira alteração à Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, que regula o ingresso nas magistraturas, a formação de magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários, assegurando formação obrigatória aos magistrados em matéria de violência doméstica;
N.º 1151/XIII/4.ª (PSD) — Sexta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas;
N.º 1111/XIII/4.ª (PAN) — Altera o Código Penal, nomeadamente o crime de perseguição, permitindo a aplicação da medida preventiva de proibição de contacto com a vítima;
N.º 1113/XIII/4.ª (PAN) — Determina uma maior proteção para as crianças no âmbito de crimes de violência doméstica;
N.º 1152/XIII/4.ª (PCP) — Reforça os mecanismos legais de proteção das vítimas de violência;
N.º 1155/XIII/4.ª (PS) — Reformula os crimes de violação, coação sexual e abuso sexual de pessoa inconsciente ou incapaz no Código Penal, ao abrigo do disposto na Convenção de Istambul, e alarga o âmbito de aplicação da medida de coação de proibição de contacto aos crimes de ameaça, coação e perseguição (stalking);
N.º 1165/XIII/4.ª (CDS-PP) — Assegura formação obrigatória aos magistrados em matéria de igualdade de género e de violência doméstica (terceira alteração à Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro);
N.º 1166/XIII/4.ª (CDS-PP) — Consagra a natureza de crimes públicos dos crimes de ameaça e de coação, adequando-os ao crime de violência doméstica (quadragésima sétima alteração ao Código Penal);
N.º 1178/XIII/4.ª (CDS-PP) — Consagra a natureza de crime público do crime de perseguição, verificadas determinadas circunstâncias agravantes, bem como a possibilidade de aplicação de medidas preventivas (quadragésima sétima alteração ao Código Penal e trigésima primeira alteração ao Código de Processo Penal);
N.º 1089/XIII/4.ª (PCP) — Altera o Código de Processo Penal, prevendo a imposição de condutas ou a proibição de contacto quando há fortes indícios de prática de crime de perseguição (procede à trigésima nona alteração ao Código de Processo Penal);
N.º 1105/XIII/4.ª (BE) — Possibilita a aplicação de imposição de condutas ou a proibição de contacto quando há fortes indícios da prática do crime de perseguição (trigésima terceira alteração ao Código de Processo Penal);
N.º 1183/XIII/4.ª (BE) — Protege as crianças que testemunhem crimes de violência doméstica e torna obrigatória a recolha de declarações para memória futura no decorrer do inquérito (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas).
Intervieram naquele debate os Deputados Sandra Pereira (PSD), André Silva (PAN), António Filipe (PCP), Isabel Alves Moreira (PS), Vânia Dias da Silva (CDS-PP), Sandra Cunha (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Susana Amador (PS), Rita Rato (PCP) e Ângela Guerra (PSD).
Entretanto, a Presidente (Teresa Caeiro) deu conta da presença, na Tribuna das Altas Autoridades, da Presidente da República da Estónia, acompanhada de uma comitiva.
Foi apreciado o Projeto de Resolução n.º 2045/XIII/4.ª (PS) — Recomenda ao Governo que promova a proteção recíproca dos direitos dos cidadãos portugueses no Reino Unido e dos cidadãos britânicos em Portugal no quadro da relação bilateral futura. Proferiram intervenções os Deputados Carla Tavares (PS), António Filipe (PCP), Carlos Alberto Gonçalves (PSD), Pedro Filipe Soares (BE) e Pedro Mota Soares (CDS-PP).
Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 19/2019, de 28 de janeiro, que aprova o regime das sociedades de investimento e gestão imobiliária [Apreciações Parlamentares n.os 120/XIII/4.ª (BE) e 122/XIII/4.ª (PCP)]. Pronunciaram-se, além do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Mendonça Mendes), os Deputados Mariana Mortágua (BE), Duarte Alves (PCP), Fernando Rocha Andrade (PS), Jorge Paulo Oliveira (PSD) e Cecília Meireles (CDS-PP), tendo sido anunciada pela Mesa a apresentação dos Projetos de Resolução n.os 2115/XIII/4.ª (PCP), 2117/XIII/4.ª (BE) e 2119/XIII/4.ª (Os Verdes), de cessação de vigência do decreto-lei.
Foi apreciado o Projeto de Resolução n.º 2039/XIII/4.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo a criação de um fundo de emergência para as alterações climáticas, sobre o qual proferiram intervenções os Deputados Patrícia Fonseca (CDS-PP), João Marques (PS), Ângela Moreira (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Bruno Coimbra (PSD), André Silva (PAN) e Maria Manuel Rola (BE).
Foi apreciado, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 944/XIII/3.ª (Iniciativa Legislativa de Cidadãos) — Consideração integral do tempo de serviço docente prestado durante as suspensões de contagem anteriores a 2018, para efeitos de progressão e valorização remuneratória, juntamente com o Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março, que mitiga os efeitos do congelamento ocorrido entre 2011 e 2017 na carreira docente [Apreciações Parlamentares n.os 127/XIII/4.ª (PCP), 126/XIII/4.ª (BE) e 129/XIII/4.ª (PSD)]. Usaram da palavra, a diverso título, além do Ministro da Educação (Tiago Brandão Rodrigues) e da Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público (Maria de Fátima Fonseca), os Deputados Ana Mesquita (PCP), Joana Mortágua (BE), Margarida Mano (PSD), Porfírio Silva (PS), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Maria Augusta Santos (PS), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Pedro Alves (PSD).
O Presidente (Ferro Rodrigues) encerrou a sessão eram 18 horas e 22 minutos.
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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs.
Jornalistas, está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 5 minutos.
Solicito aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público.
Antes de entrarmos na ordem do dia, peço ao Sr. Secretário, Deputado Duarte Pacheco, o favor de proceder
à leitura do expediente.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cumpre-me informar que
deram entrada na Mesa, e foram admitidos pelo Sr. Presidente, o Projeto de Lei n.º 1199/XIII/4.ª (PCP) —
Procede à sexta alteração ao regime de serviços mínimos bancários, tornando-o mais adequado às
necessidades dos clientes bancários, que baixa à 5.ª Comissão, e os Projetos de Resolução n.os 2110/XIII/4.ª
(PSD) — Recomenda ao Governo que adote um programa de apoio à mobilidade de âmbito verdadeiramente
nacional e territorialmente justo, que baixa à 6.ª Comissão, 2111/XIII/4.ª (BE) — Recomenda ao Governo
medidas de mitigação dos efeitos da seca, que baixa à 11.ª Comissão, em conexão com a 7.ª Comissão, e
2114/XIII/4.ª (PCP) — Recomenda ao Governo a elaboração de um plano de investimento nas farmácias
hospitalares do Serviço Nacional de Saúde, que baixa à 9.ª Comissão.
É tudo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, vamos dar início à nossa ordem de trabalhos de hoje.
Começamos pela discussão conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 1147/XIII/4.ª (PSD) —
Quadragésima sétima alteração ao Código Penal, criando restrições à suspensão da execução da pena de
prisão nos processos por crime de violência doméstica e elevando a moldura penal deste crime; 1148/XIII/4.ª
(PSD) — Trigésima segunda alteração ao Código de Processo Penal, impedindo a recusa de depoimento por
parte da vítima de violência doméstica e proibindo a suspensão provisória dos processos por crime de violência
doméstica; 1149/XIII/4.ª (PSD) — Trigésima segunda alteração ao Código de Processo Penal, permitindo a
aplicação da medida de coação de proibição e imposição de condutas quando houver fortes indícios da prática
do crime de perseguição; 1150/XIII/4.ª (PSD) — Terceira alteração à Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro (regula o
ingresso nas magistraturas, a formação de magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de
Estudos Judiciários), assegurando formação obrigatória aos magistrados em matéria de violência doméstica;
1151/XIII/4.ª (PSD) — Sexta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico
aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas; 1111/XIII/4.ª (PAN)
— Altera o Código Penal, nomeadamente o crime de perseguição, permitindo a aplicação da medida preventiva
de proibição de contacto com a vítima; 1113/XIII/4.ª (PAN) — Determina uma maior proteção para as crianças
no âmbito de crimes de violência doméstica; 1152/XIII/4.ª (PCP) — Reforça os mecanismos legais de proteção
das vítimas de violência; 1155/XIII/4.ª (PS) — Reformula os crimes de violação, coação sexual e abuso sexual
de pessoa inconsciente ou incapaz no Código Penal, ao abrigo do disposto na Convenção de Istambul, e alarga
o âmbito de aplicação da medida de coação de proibição de contacto aos crimes de ameaça, coação e
perseguição (stalking); 1165/XIII/4.ª (CDS-PP) — Assegura formação obrigatória aos magistrados em matéria
de igualdade de género e de violência doméstica (terceira alteração à Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro);
1166/XIII/4.ª (CDS-PP) — Consagra a natureza de crimes públicos dos crimes de ameaça e de coação,
adequando-os ao crime de violência doméstica (quadragésima sétima alteração ao Código Penal); 1178/XIII/4.ª
(CDS-PP) — Consagra a natureza de crime público do crime de perseguição, verificadas determinadas
circunstâncias agravantes, bem como a possibilidade de aplicação de medidas preventivas (quadragésima
sétima alteração ao Código Penal e trigésima primeira alteração ao Código de Processo Penal); 1089/XIII/4.ª
(PCP) — Altera o Código de Processo Penal, prevendo a imposição de condutas ou a proibição de contacto
quando há fortes indícios de prática de crime de perseguição (procede à trigésima nona alteração ao Código de
Processo Penal); 1105/XIII/4.ª (BE) — Possibilita a aplicação de imposição de condutas ou a proibição de
contacto quando há fortes indícios da prática do crime de perseguição (trigésima terceira alteração ao Código
de Processo Penal); e 1183/XIII/4.ª (BE) — Protege as crianças que testemunhem crimes de violência doméstica
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e torna obrigatória a recolha de declarações para memória futura no decorrer do inquérito (sexta alteração ao
regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas).
Para iniciar o debate e apresentar as iniciativas do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Pereira.
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos hoje, uma vez mais, a
violência doméstica.
A violência contra as mulheres, em especial a violência doméstica, é uma das mais graves formas de violação
dos direitos humanos e, nestes quase quatro meses decorridos de 2019, despertámos, coletivamente e pelas
piores razões, nomeadamente 14 mortes, para a necessidade de atuar, persistentemente e sem contemplações,
na prevenção e combate deste fenómeno.
E ao embalo da maior perceção social que hoje existe — e bem — relativamente à violência doméstica, o
PSD, que desde sempre ergueu esta bandeira, quis aproveitar este interesse social e provocar um debate sério
e alargado na sociedade portuguesa, um debate que extravase este Parlamento.
Estamos em crer, Sr.as e Srs. Deputados, que ainda há muito a fazer em relação à prevenção e ao combate
deste tipo de crime e hoje temos condições para fazer um debate alargado na sociedade, por forma a
encontrarmos as melhores respostas para o debelar.
Temos assistido a um desinvestimento na área da formação dos magistrados, a nível da violência doméstica,
e várias entidades têm-no apontado, nomeadamente no relatório do GREVIO (Group of Experts on Action
against Violence against Women and Domestic Violence) — o grupo de peritos independentes responsável pelo
controlo da aplicação da Convenção de Istambul no nosso País —, como uma das vertentes essenciais para o
combate a este flagelo social que ainda grassa.
A formação das magistraturas, no que à violência diz respeito, é insuficiente e muitas vezes desadequada.
Importa que esta formação seja dirigida especificamente à adequada aplicação das medidas de proteção à
vítima e nas medidas de coação ao agressor, nomeadamente a teleassistência no sentido de proteger a vítima,
bem como o uso de pulseira eletrónica no sentido de afastar o agressor da vítima. Consideramos que isso
mesmo tem de ser integrado na formação inicial e contínua dos magistrados.
Sr.as e Srs. Deputados: É necessário acentuar que este crime é um crime grave e merece ser eficazmente
punido e, com isso, combater a perceção de impunidade e a tolerância social de que este crime ainda beneficia.
Impõe-se, naturalmente, uma discussão séria sobre as restrições à suspensão da execução da pena de prisão,
que é um instituto usado reiteradamente neste tipo de crime.
O PSD propõe, ainda, que esta discussão se faça com a elevação em um ano do limite máximo de moldura
penal do crime de violência doméstica, aumentando-o de cinco para seis anos, sobretudo com o objetivo de
permitir a aplicação de outro tipo de regras processuais, que, do nosso ponto de vista, oferecem mais garantias
de proteção às vítimas, a saber: os processos por crime de violência doméstica passarem a ser julgados, em
regra, por tribunal coletivo; permitir-se a aplicação da prisão preventiva nos crimes de violência doméstica, em
razão da medida da pena e não só se a conduta dolosa se dirigir contra a integridade física da vítima de violência
doméstica, como até aqui estava consagrado; bem como eliminar a possibilidade de aplicação neste crime do
instituto da suspensão provisória do processo.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Permitir-se, também, a aplicação da medida de coação de proibição de
contactos e imposição de condutas sempre que estivermos perante um crime de perseguição. E, na linha do
que vem sendo defendido por diversas entidades, que sabemos ser controvertido, propomos que façamos a
discussão sobre a recusa do depoimento da vítima, nos termos do artigo 134.º do Código de Processo Penal,
propondo a sua obrigatoriedade.
Sr.as e Srs. Deputados: O PSD não tem, nesta matéria, propostas fechadas. Sabemos que muitas delas são
controversas, sabemos isso, mas quisemos, exatamente, provocar o debate…
Sr.ª Presidente, estou com alguma dificuldade em fazer-me ouvir.
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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — A Sr.ª Deputada tem toda a razão e vi como se virou para a Mesa,
pedindo que intercedesse junto dos seus colegas, Sr.as e Srs. Deputados, para que criassem condições para
que pudesse prosseguir com a sua intervenção.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Muito obrigada, Sr.ª Presidente.
Sabemos que muitas matérias são controversas, mas quisemos, ainda assim, provocar o debate, discuti-las,
acareá-las, em conjunto com as diversas entidades que intervêm nesta matéria, com as associações de proteção
à vítima, por forma a encontrarmos as melhores respostas, as soluções mais eficazes para responder a este
fenómeno e, Sr.as e Srs. Deputados, para debelarmos, de uma vez por todas, reiteradamente, a violência
doméstica.
Sr.as e Srs. Deputados: Não podemos mais não fazer mais nada! O que é preciso é mais luta contra o luto.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN, para
apresentar as suas iniciativas.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Preocupa-nos a exposição dos filhos
em situações de violência doméstica.
Propomos, assim, que sempre que haja despacho de acusação por este crime, o Tribunal de Família e
Menores deva ser imediatamente informado, assegurando uma efetiva comunicação entre os tribunais para
evitar a imposição do convívio da criança, potencialmente vítima, com o agressor.
Para além disso, nas situações de morte de um dos progenitores em contexto de homicídio conjugal, deverá
existir obrigatória intervenção do tribunal para verificação da capacidade do progenitor sobrevivo para efeitos de
exercício das responsabilidades parentais.
Propomos, ainda, uma outra iniciativa, relativamente ao crime de perseguição, tantas vezes preliminar da
prática de crimes mais graves, como a violência doméstica e o homicídio.
Atualmente, até à pronúncia de uma sentença condenatória, a vítima não tem uma real proteção, continuando
à mercê da reiterada intrusão na sua reserva da vida privada, por parte do agressor, situação que pretendemos
corrigir da seguinte forma: por um lado, conferindo aos tribunais a possibilidade de estabelecer a proibição e
imposição de certas condutas ao arguido, como é o caso da proibição de contacto com a vítima até ao momento
do julgamento.
E, por outro lado, estendendo o regime aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e
assistência das suas vítimas ao crime de perseguição, onde se destaca o denominado «botão de pânico»,
dotando as vítimas da posse de um comando ou pulseira eletrónica para denúncia rápida de situações de perigo.
Temos a obrigação de desenvolver todos os esforços no sentido de parar este autêntico flagelo que corrói a
sociedade portuguesa, com a destruição de milhares de vidas. Acreditamos que as iniciativas que o PAN hoje
apresenta contribuirão para esse fim.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para apresentar as iniciativas do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado
António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Referir-me-ei a parte das iniciativas
apresentadas pelo PCP, particularmente às que se referem ao crime de perseguição, após o que farei algumas
considerações acerca das iniciativas que são apresentadas e que têm que ver com problemas relacionados com
Direito Penal e Processual Penal e depois pronunciar-me-ei sobre a restante temática, não menos importante,
obviamente relacionada com a violência doméstica, e a Deputada Rita Rato fará uma outra intervenção em
momento oportuno.
Começando pela iniciativa do PCP relativa à perseguição, aquilo que nos traz a este debate e que nos fez
apresentar esta iniciativa legislativa foi que embora consideremos que possa haver uma relação entre o crime
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de perseguição e o crime de violência doméstica são coisas distintas, conceptualmente distintas, e merecem,
evidentemente, um tratamento penal e processual distinto.
O projeto de lei do PCP, relativamente à possibilidade de aplicação de medidas preventivas de proibição de
contacto com a vítima no crime de perseguição, justifica-se pelo conhecimento e pela experiência que nos trouxe
já a tramitação relacionada com este tipo de crime.
Aquando da aprovação da lei que aqui autonomizou o crime de perseguição — na altura, ainda tínhamos
apenas como referência a expressão britânica stalking, porque era algo pouco conhecido em Portugal —,
apareceram testemunhos diversos de situações como essa que justificaram que houvesse uma autonomização
conceptual do crime de perseguição no ordenamento jurídico português.
Nessa altura, nas audições realizadas, houve propostas no sentido de que pudessem ser tomadas medidas
de proibição de contacto, mesmo em fase preventiva, porque isso seria importante para poder afastar
precocemente o perseguidor da vítima.
Essas sugestões não foram seguidas, mas a prática da aplicação da lei revelou que isso seria necessário.
No crime de perseguição temos visto situações em que, até que haja uma sentença transitada em julgado, a
perseguição continua, e com contornos muito graves, pelo que a vitimização se prolonga no tempo. Portanto, a
experiência aconselha a que se altere a legislação portuguesa, no sentido de que, também em fase preventiva,
possa ser imposta ao perseguidor a proibição de contacto com a vítima.
Foi nesse sentido que o PCP apresentou esta proposta, felizmente, já seguida por propostas de outros grupos
parlamentares, pelo que cremos que haja um consenso muito amplo relativamente a esta medida e a que ela
possa ser aprovada a breve prazo.
Relativamente a outras questões de direito penal e processual penal aqui presentes, queria dizer que
discordamos profundamente de propostas sobre esta matéria, que vêm quer do CDS, quer do PSD. Há princípios
basilares do nosso processo penal que não podem ser abandonados, e não podem ser abandonados a nenhum
título. A gravidade dos crimes não pode ser pretexto para liquidar as bases fundamentais do nosso direito
processual penal.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — O direito processual penal existe para proteger os inocentes e, portanto, os
inocentes têm de ser protegidos! São os criminosos que têm de ser combatidos! E, se não houver regras no
combate aos criminosos, não há regras para proteger os inocentes.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Nós não podemos deitar pela borda fora conquistas civilizacionais que
custaram muito a alcançar. E não me refiro só a Portugal, refiro-me à humanidade, a quem custaram muito a
conquistar e, por isso, não podem ser deitadas pela borda fora.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Como diz o nosso povo, não se pode «deitar fora o menino com a água do
banho» e, portanto, este concurso de ideias em que o PSD e o CDS se lançaram, de limitação da liberdade
condicional, faz lembrar um outdoor de um partido, dito de extrema-esquerda — e acho que é de extrema, mas
não considero que seja de esquerda —, onde se diz: «Nem mais uma pena suspensa», como se a questão
fosse a existência da possibilidade de penas suspensas.
A questão tem a ver com a adequação da aplicação das penas suspensas e aí, evidentemente, há um
trabalho a fazer, mas não pode ser por atacado. Não é a subverter regras fundamentais do direito processual
penal que se combate a criminalidade.
Todos consideramos que o crime de violência doméstica é muito grave, todos temos de colaborar para
encontrar medidas, inclusivamente de aperfeiçoamento legislativo, para combater, sem qualquer hesitação, este
fenómeno criminal, mas temos de ter cuidado na preservação daquilo que é essencial no nosso ordenamento
jurídico. Daí que não acompanhemos algumas das propostas que aqui são feitas, aliás, os pareceres que temos
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sobre elas são absolutamente arrasadores e, portanto, por aí não podemos ir. Construtivamente, sim,
destrutivamente não contarão connosco.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, em nome do Partido Socialista, tem a palavra
a Sr.ª Deputada Isabel Moreira.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 15 anos foram assassinadas
mais de 500 mulheres e mais de 1000 crianças e jovens ficaram órfãos. A violência doméstica tem sido uma
prioridade deste Governo e de Governos anteriores. Há vítimas, neste momento, a ouvir-nos e é também por
isso que aqui estamos, sem partidarizar o tema e sem falsas soluções.
A lei que temos nesta matéria é boa. Deve ser alterada, claro, quando se justifique, mas mentimos ao País
se dissermos que os obstáculos a uma luta bem-sucedida contra a violência doméstica e contra os crimes
sexuais estão, sobretudo, na lei.
Neste dia, apresentamos o projeto de lei que reformula os crimes de violação, coação sexual e abuso sexual
de pessoa inconsciente ou incapaz no Código Penal, ao abrigo da Convenção de Istambul, e alarga o âmbito
de aplicação da medida de coação de proibição de contacto aos crimes de ameaça, coação e perseguição, em
cumprimento das recomendações do GREVIO quanto à questão do consentimentoda vítima.
Propõe-se ainda, em termos adjetivos, o alargamento especial do âmbito de aplicação da medida de coação
de proibição de contacto aos crimes de ameaça, coação e perseguição, através de uma alteração do Código de
Processo Penal, sem agravar a moldura penal definida para estes crimes no Código Penal.
Mas hoje somos chamados a escolher entre o populismo penal, a defesa do Estado de direito e a função de
prevenção especial e geral do direito penal. O nosso sistema é avesso à punição pela punição ou à pena de
prisão como castigo apaziguador das vítimas.
Sr.as e Srs. Deputados do PSD, criar restrições à suspensão da execução da pena de prisão nos processos
por crime de violência doméstica, elevando a moldura penal deste crime, bem como impedir a recusa de
depoimento por parte da vítima de violência doméstica e proibir a suspensão provisória dos processos por crime
de violência doméstica é uma falsa solução e uma má solução.
É inaceitável, como referiu, de resto, a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), obrigar a vítima a
substituir-se ao Ministério Público, forçando-a a ser prova, reduzindo a zero a sua autonomia, como se o
interesse do Estado em prosseguir a ação penal fosse um valor totalitário.
A suspensão provisória do processo é, muitas vezes, precisamente a forma encontrada para preservar a
prova.
Vamos falar seriamente sobre a suspensão da execução da pena: o artigo 50.º do Código Penal não prevê
a obrigatoriedade de pena suspensa para crimes punidos com pena até 5 anos, prevê a possibilidade.
Ora, dada a ampliação do tipo ao longo de sucessivas alterações legais, cabem na violência doméstica atos
gravíssimos e atos menos graves — que não justificam uma pena privativa da liberdade —, e isto tem de ser
tido em conta pelo legislador racional, que legisla em termos gerais e abstratos e não para as notícias.
O CDS-PP decidiu corrigir sentenças e notícias delas, ao arrepio da dogmática penal. Propõe isto:
transformar os crimes de perseguição, ameaça e coação em crimes públicos. Para mais, como explica o parecer
da Procuradoria-Geral da República, cuja leitura recomendo, leu mal as notícias, parte de uma factualidade falsa
e constrói uma lei.
Sr.as e Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, sabem que a esquerda que representamos não é securitária
e recusa o aumento de penas que VV. Ex.as protagonizam. Ainda hão de apresentar um estudo que demonstre
uma relação entre aumento de penas e baixa da criminalidade… Ou não, porque não o há.
Na linha das recomendações dos relatórios da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência
Doméstica, o Governo agiu de imediato, ao criar uma equipa interministerial que deverá apresentar conclusões
num período de três meses, e sabemos do trabalho sério que está a ser feito para robustecer o sistema.
É precisamente porque sabemos que a violência doméstica é um crime gravíssimo, é precisamente porque
sabemos o que significa atentar contra a liberdade sexual de alguém, que também sabemos que somos
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chamados a passar o teste da defesa intransigente do Estado de direito democrático e a recusar o populismo
penal.
Aplausos do PS.
Como já escrevi, pretendemos passar no teste!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para apresentar as iniciativas do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Vânia Dias da Silva.
A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quatro vítimas mortais de
violência doméstica por mês é a média arrepiante deste início negro de 2019 que, no total, conta já com 15
pessoas mortas em contexto de violência familiar.
São 15 vidas ceifadas, 15 famílias destruídas e outros tantos sonhos e projetos interrompidos, em nome do
paradoxo mais vil e abjeto de que é capaz o ser humano — a violência contra os que lhes são mais próximos e,
teoricamente, mais queridos.
Não obstante os dados do Relatório Anual de Segurança Interna demonstrarem que, globalmente
considerado, o crime de violência doméstica sofreu uma ligeira diminuição nos anos de 2017 e de 2018, a
verdade é que não só se mantém como um dos crimes que mais mata em Portugal, como, pior, mostra aquilo
que é já uma evidência alarmante para todos nesta Câmara: as mortes por violência doméstica não param de
aumentar desde 2017.
É exatamente por isso que aqui estamos, unidos num objetivo comum, fazer do ano de 2019 o ano em que
encaramos de frente uma realidade dramática que não pode ter outro caminho se não inverter-se.
Os contributos que o CDS traz hoje são isso mesmo, contributos para uma reflexão maior, que convoca cada
um de nós e para a qual o CDS está, como sempre esteve, inteiramente disponível.
Sabemos todos — e nem mesmo a frieza dos números o desmente — que, mais do que desmultiplicarmo-
nos em intervenções legislativas, é imperiosa a sensibilização para o problema e, com isso, uma mudança
cultural.
Mas, sobretudo, o que todos sabemos é que, mais do que legislar, é necessário tirar do papel o que teima
em não sair dele; mais do que legislar, é necessário olear a rede e criar os mecanismos de articulação e de
coordenação que faltam; mais do que legislar, é necessário dotar as estruturas e as instituições dos meios que
persistentemente escasseiam e que põem a nu as falhas no domínio da prevenção, onde ela é mais essencial.
Aplausos do CDS-PP.
E, claro, reforçar a rede de apoio e as respostas sociais que, como todos sabemos também, são, em muitos
casos, completamente ausentes, particularmente na violência contra os idosos, de que o CDS não se tem
cansado de falar mas cujo eco, infelizmente, não chegou ainda à maioria de esquerda. Pode ser que agora
chegue!
Mas, sim, também é necessário legislar!
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há mais de um ano, desta mesma tribuna, o CDS deu a conhecer
ao País as suas propostas para a área da justiça. Entre elas, e para o que aqui importa, encontrava-se um
projeto de resolução que visava a constituição de uma comissão de peritos para a revisão da legislação penal,
com o intuito de, entre vários outros, se estudar o atual catálogo de crimes e a adequação dos mesmos aos
problemas da sociedade contemporânea.
Infelizmente, até à data, não pudemos contar com a companhia dos outros partidos. Mau grado a sua
importância — como, de resto, se vê por este debate — não foi possível avançar.
Ao CDS sobram as dúvidas e rareiam as certezas no que toca às inúmeras alterações que, a pretexto do
crime de violência doméstica, alguns partidos pretendem introduzir aos Códigos Penal e de Processo Penal.
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Não só nos parece má técnica, como, sobretudo, temos as maiores dúvidas quanto a várias das soluções
preconizadas. E não, Sr. Deputado António Filipe, não é o CDS que entra naquilo que apelidou de «concurso
de ideias».
Não obstante, e porque a urgência da matéria que agora tratamos não se compadece com as delongas e as
hesitações dos partidos, não só o CDS está disposto a discuti-las, como entendeu que, por isso mesmo, havia
que tratar de dois aspetos prementes que, normalmente, estão na antecâmara do crime de violência doméstica.
Falo, naturalmente, dos crimes de ameaça e coação e do crime de perseguição.
É sabido que, muitas vezes, qualquer destes três crimes antecede o crime de violência doméstica, e isso
está estudado, Sr.ª Deputada Isabel Moreira. E é aqui que, tantas vezes, a vítima de qualquer um deles entra
na rede da proteção do Estado. Simplesmente, como tantas vezes acontece também, a vítima é convencida ou
«musculadamente» persuadida a retirar a queixa, saindo novamente da rede de proteção do Estado e, por isso,
os mecanismos de prevenção deixam todos de funcionar. Falta a prevenção, sucumbe a proteção.
Ora, o que propomos é simples mas eficaz: tornar estes crimes, à semelhança do crime de violência
doméstica, crimes públicos, onde é impossível desistir da queixa, e, logo, permitir manter a vítima dentro daquela
rede de proteção que é absolutamente essencial, e todos sabemos que a sua falta desemboca no que vimos
acontecer este ano. Um pequeno passo para uma proteção maior. Ainda assim, admitimos que, na
especialidade, consigamos discutir um ou outro pormenor que possa eventualmente, ter influência nestes
projetos.
Acresce, ainda, no crime de perseguição, a faculdade de imposição de condutas aos agressores, como a
medida de afastamento e a proibição de contacto, uma medida reclamada aquando da consagração do tipo legal
e a que a realidade veio dar nota de que era necessário implementar.
Além disso, em cumprimento das recomendações do GREVIO e da equipa de análise retrospetiva, o CDS
propõe ainda o reforço da formação inicial e contínua dos magistrados, absolutamente essencial para uma visão
mais integrada e articulada do fenómeno.
Mas mais importante do que este combate a jusante, é o combate a montante, o combate no domínio da
prevenção, onde falham os meios, falha a coordenação e falha a proteção, onde o problema é verdadeiramente
pungente.
E, porque o que é bom pode e deve ser copiado, há excelentes experiências no terreno que o CDS entende
valer a pena replicar. É o caso do Espaço Júlia, em Lisboa, ou do Gabinete de Apoio e Informação à Vítima da
PSP do Porto, a funcionar 24 horas por dia e com ligação direta e permanente ao Ministério Público, onde, pelo
resto do País, como todos vimos este fim de semana, a questão dos meios técnicos e humanos é candente. No
meio de números tão cáusticos, neste Gabinete, em 6 anos, dos mais de 7000 pedidos de ajuda nem um único
registo de vítimas mortais. Não há como não ver, Sr.as e Srs. Deputados, que este é o caminho!
O combate ao crime de violência doméstica — já o disse aqui antes e repito-o agora, a terminar — não é,
nem pode ser, um exclusivo do CDS, do PAN, de Os Verdes, do PCP, do Bloco de Esquerda, do PS ou do PSD.
É, ao invés, uma matéria que exige os esforços de todos, em todos os sentidos e em todas as dimensões e
segmentos. Sem tréguas, sem indulgências, sem tibiezas! O CDS cá está para fazer a sua parte e colaborar na
solução!
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Cunha, para uma intervenção,
pelo Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: O crime de violência
doméstica, não é demais repeti-lo, é o crime contra as pessoas que mais mata em Portugal.
A discussão de hoje, de 15 projetos de lei relacionados com este problema, mostra que os partidos aqui
representados reconhecem finalmente que é nossa responsabilidade, que é nosso dever, nesta Casa, tudo
fazermos, também a nível legislativo, para combater este crime e para proteger as suas vítimas.
O Bloco de Esquerda não chega hoje a este debate. Na verdade, o primeiro projeto de lei que apresentou
enquanto Grupo Parlamentar, há cerca de 20 anos, foi precisamente a mudança da natureza do crime de
violência doméstica para crime público. Muitas outras propostas se seguiram, inclusivamente nesta Legislatura.
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Todas elas partiram da análise concreta da realidade e de quem sabe que a justiça não é e não pode ser um
sistema fechado em si mesmo, antes, deve servir um propósito social claro e inscrito na Constituição da
República Portuguesa.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda procurou ouvir todas e todos os
que têm um conhecimento concreto nesta matéria, da justiça aos órgãos de polícia criminal, às associações
ativistas. Realizou uma audição pública, que foi decisiva para o debate necessário e que permitiu avançar, desde
já, com duas propostas que farão uma enorme diferença material.
A primeira diz respeito ao facto de a Lei n.º 112/2009 não reconhecer as crianças que testemunhem ou que
vivam em contexto de violência doméstica como vítimas de violência doméstica. Mais do que uma omissão que
desrespeita a Convenção de Istambul, esta é uma situação que não protege as crianças, que menospreza a
violência que sobre elas é exercida e que influencia toda a forma como são tratadas no decorrer do processo
penal.
A Convenção de Istambul afirma, inequivocamente, que é necessário reconhecer «que as crianças são
vítimas de violência doméstica, designadamente como testemunhas de violência na família».
A Organização Mundial de Saúde alerta para o facto de as crianças que crescem em ambientes de violência
familiar sofrerem distúrbios comportamentais e emocionais que influenciam negativamente o seu
desenvolvimento, a sua integração social, o seu rendimento escolar, o seu bem-estar e alerta ainda para o facto
de o risco de comportamentos violentos futuros ser elevado. Considerar as crianças enquanto vítimas é o que
propõe, portanto, o Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — A segunda alteração refere-se ao desafio da recolha de prova que este crime
de violência doméstica encerra. Passando-se no seio familiar, onde o ascenso e a violência do agressor
prevalecem, é urgente tentar contrariar a dificuldade da recolha de prova. Por este motivo, é necessário valorizar
as declarações que a vítima está disposta a prestar o mais cedo possível e garantir que estas poderão ser
utilizadas numa futura audiência, em julgamento. Só respeitando este tempo — que todos os especialistas
apontam para um prazo máximo de 72 horas — é que se terá um testemunho rico em pormenores e fiável. Esta
é uma solução que protege a prova e que evita a revitimização, não impedindo, contudo, a vítima de se
manifestar e de testemunhar durante o processo, quando entender. Esta é também uma proposta que merece,
aliás, a aprovação da Procuradora-Geral da República, que ainda recentemente veio apelar a esta alteração
legislativa.
Além destas duas propostas de alteração, o Bloco de Esquerda apresenta também um projeto que, aliás,
tem o mesmo objetivo do de vários grupos parlamentares, que também aqui os apresentam, que é o de
possibilitar a aplicação de imposição de condutas ou a proibição de contacto, quando há fortes indícios da prática
do crime de perseguição.
De facto, não faz sentido que, estando prevista para este crime a possibilidade de serem «aplicadas ao
arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima», estas não possam, depois, ser aplicadas
enquanto medidas de coação, pelo que propomos também essa alteração.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, antes de prosseguirmos com os nossos trabalhos,
queria chamar a atenção da Câmara para o facto de se encontrar na galeria, acompanhada do Sr. Presidente
da Assembleia da República, a Sr.ª Presidente da República da Estónia, com uma larga comitiva, para quem
peço uma saudação muito calorosa.
Aplausos gerais, de pé.
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Srs. Deputados, a Mesa não regista quaisquer inscrições para intervenções.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, se me permite, peço a palavra para uma
intervenção.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome do Grupo
Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», gostava também de dizer algumas palavras sobre o tema que
agora está em discussão e que é objeto de várias propostas de diversos grupos parlamentares, para referir que
a violência doméstica é um fenómeno dramático. Já muitas vezes o discutimos aqui, na Assembleia da
República, e, em muitas dessas vezes, Os Verdes trouxeram ao Plenário da Assembleia da República a ideia
de que temos todos de nos unir para pedir tolerância zero para o fenómeno da violência doméstica, e de todas
as formas de violência, que afetam cada vez mais mulheres, crianças e idosos, como nos é revelado pelos
números.
Infelizmente, tivemos oportunidade de assistir a tal, no início do ano de 2019, com um número de mulheres
assassinadas que nos deve causar uma profunda preocupação, tendo em conta que o quadro legal tem
avançado, que Portugal ratificou diversos instrumentos internacionais de combate à violência, e que foram, de
facto, gerados mais meios, mais formação, mas que a realidade persiste. Nesse sentido, Sr.as e Srs. Deputados,
é importante que tenhamos consciência dessa realidade e que possamos atuar em conformidade com o drama
que ela constitui.
Por isso, Os Verdes dizem que todas as medidas de proteção das vítimas são fundamentais e são,
evidentemente, bem-vindas. Mas, com toda a franqueza, Sr.as e Srs. Deputados, Os Verdes consideram que o
caminho verdadeiro não é o do reforço das molduras penais.
Esse é aquele caminho que parece resolver alguma coisa e, em bom rigor, não vem resolver nada. Pode,
inclusivamente, desviar-nos daquilo que é fundamental, porque gera uma aparência de solução, mas não
soluciona.
Aquilo que Os Verdes gostariam de vincar é a necessidade de dotarmos este País de mais meios para o
apoio à vítima, para serem usados, designadamente, por agentes de segurança e também pelos profissionais
de justiça, e de mais formação para estes agentes, de quem se espera, nestes casos de violência, a primeira
dose, digamos assim, de segurança.
Por outro lado, há um caminho onde, certamente, não colhemos frutos a curto prazo, mas onde colheremos
frutos a médio e longo prazo, que é o caminho da educação e da sensibilização que esta sociedade deve fazer,
de forma muito forte e muito perentória. Na nossa perspetiva, é também fundamental trilhar esse caminho.
Estas têm sido, de resto, as propostas que Os Verdes têm apresentado à Assembleia da República, em
matéria de violência doméstica e de outras forma de violência, para as quais, repito, devemos pedir, e agir nesse
sentido, tolerância zero.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, há várias bancadas que ainda dispõem de tempo de
intervenção. No entanto, a Mesa não regista inscrições para uso da palavra.
Se assim se mantiver, daremos a palavra ao Partido Social Democrata, à Sr.ª Deputada Ângela Guerra, para
fazer o encerramento do debate.
Pausa.
Gostaria de continuar com esta praxe, que penso ser muito adequada, de o principal proponente fazer o
encerramento do debate, mas, entretanto, a Mesa foi informada de que a bancada do Partido Socialista quer
inscrever a Sr.ª Deputada Susana Amador, para uma intervenção, e o Bloco de Esquerda também pretende
usar da palavra, pelo que peço tolerância à Sr.ª Deputada Ângela Guerra.
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De todo o modo, penso que era bom que houvesse alguma contenção neste despique entre quem fala depois
de quem.
Assim sendo, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Susana Amador.
A Sr.ª Susana Amador (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Poderíamos dizer que todos os
contributos são válidos num debate sobre crimes que constituem graves atentados aos direitos humanos, que
têm, como sabemos, impactos devastadores e que se tornaram — e ainda bem! — centrais na agenda da nossa
sociedade e na agenda política, da qual, por parte do Partido Socialista, nunca saíram.
Mas a verdade é que quando alguns preconizam soluções legislativas que distorcem princípios estruturantes
do processo penal, e se desviam, também, da nossa Constituição, não as podemos validar, porque encerram
perigosos desvios ao Estado de direito democrático.
Os códigos penais, Sr.as e Srs. Deputados, não são uma espécie de varinhas mágicas da política criminal.
Temos todos de ter consciência de que é a montante que estes problemas devem ser atacados.
Estes problemas devem ser atacados na implementação adequada das boas soluções jurídicas existentes,
e temo-las no nosso ordenamento jurídico, na capacitação dos agentes da justiça, no desenvolvimento
económico e social, na prevenção e no combate ao preconceito, aos estereótipos de género e aos sexismos,
visando a mudança de padrões de comportamentos socioculturais entre homens e mulheres. É também na
educação para a cidadania que se ataca a génese do crime, e o da violência doméstica não é exceção.
Este é o nosso caminho, um caminho que se faz também a montante da lei.
O Partido Socialista continuará neste debate, com um contributo ativo e líquido para o aprimoramento da
nossa legislação penal, tendo em vista o reforço da proteção das vítimas, tendo em conta um quadro de
prevenção especial e de prevenção geral, em que lidaremos sempre com os valores da nossa matriz
constitucional e com os princípios da proporcionalidade, da adequação e da autonomia da vontade da vítima,
de que nunca poderemos abdicar e de que alguns partidos, como o PSD, abdicam. Para isso não contem
connosco.
Não contem connosco para derivas populistas e não contem connosco para entorses ao processo penal e a
princípios estruturantes do nosso Estado de direito democrático.
Aliás, todos os pareceres recebidos até ao momento revelam, de facto, críticas contundentes e demolidoras
para os autores destas propostas, que criam este tipo de desvios — tão perigosos, como já referimos — e nas
quais não nos podemos rever.
Acreditamos que a eficácia do sistema que a sociedade reclama se realiza pelo aperfeiçoamento dos diversos
mecanismos de intervenção e reforço de meios, mas sempre com cuidadoso respeito pelo equilíbrio entre os
vetores da segurança e da liberdade, que são apanágio do Estado de direito democrático.
Por isso, o Partido Socialista, quer no seu programa eleitoral quer na sua política ativa de promoção da
igualdade entre homens e mulheres e no combate à violência doméstica, tem enfatizado uma estratégia
transversal e integrada de combate à violência de género, com ações de formação, de sensibilização e de
prevenção, devidamente articuladas com as forças de segurança, com o sistema judicial e com os mecanismos
de proteção social.
Aliás, a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação e o Plano de Ação para a Prevenção e
o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica, que já fizemos aprovar no decurso desta
Legislatura, têm contribuído ativamente para o desenvolvimento de ações articuladas e integradas, de que
destaco protocolos muito importantes, desenvolvidos desde 2018, com os advogados, com os magistrados e
com os profissionais que trabalham com estes casos de violência doméstica.
Também na área da saúde e na área da segurança social desenvolvemos importantes instrumentos e
procedimentos em matéria de prevenção da violência.
Não podemos deixar de referir, Sr.as e Srs. Deputados, que, ao longo de 2014 e 2018, se reforçaram
investimentos continuados na prevenção e combate à violência contra as mulheres, com o apoio, sempre vital,
das organizações não governamentais, parceiros fundamentais para este Governo. A verdade é que, ao longo
destes últimos anos, a teleassistência aumentou 251%, a vigilância eletrónica aumentou 93%, a rede de
municípios solidários cresceu, e teremos mais 29 nesta estrutura no primeiro semestre de 2019. Também os
gabinetes de apoio à vítima são, hoje, mais, e expandiram-se. A rede nacional cresceu, contando com 39 casas-
abrigo de norte a sul do País.
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No Relatório Anual de Segurança Interna destaca-se, nos eixos de orientação estratégica, um trabalho muito
apurado no combate à violência e temos, hoje, 1080 homens e mulheres dedicados ao combate a este crime,
seja na GNR (Guarda Nacional Republicana), seja na PSP (Polícia de Segurança Pública).
Temos de aguardar o desenvolvimento do trabalho da comissão, da equipa técnica multidisciplinar criada
pela resolução do conselho de ministros de 2019, trabalho esse também integrado e que nos trará, seguramente,
resultados, propostas e recomendações que serão um contributo muito importante para que a ação política seja
qualificada, porque ancorada num conhecimento prévio.
Sr.as e Srs. Deputados, será esta a nossa frente de trabalho, será este o nosso esforço e contributo para o
combate à violência de género, com o projeto de lei já aqui apresentado e com este trabalho que estamos a
desenvolver a nível do grupo parlamentar e do Governo.
Não se legisla em função de clamores públicos e não se aumentam molduras penais por mera perceção ou
reação. Legisla-se sempre em nome de valores imanentes à própria sociedade, ao Estado de direito democrático
e a um Estado de fundamentação que nos orgulhamos de ser.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro). — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Cunha, para mais uma
intervenção, em nome do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Não obstante a discussão
que teremos oportunidade de ter, em profundidade e com todo o detalhe, sobre estes vários projetos, em sede
de especialidade, gostaria de deixar aqui, ainda, duas ou três notas relativamente a algumas das propostas que
estão em cima da mesa. Uma delas tem a ver com o Projeto de Lei n.º 1148/XIII/4.ª, do PSD, que impede a
recusa de depoimento da vítima de violência doméstica.
De facto, o Bloco de Esquerda não pode acompanhar esta proposta que encerra um potencial de
revitimização absolutamente indesejável. Consideramos que não faz sentido onerar a vítima com algo que deve
ser da responsabilidade do sistema e do Ministério Público, que é procurar todas as provas necessárias e não
considerar, única e exclusivamente, o testemunho da vítima como prova única. E, portanto, não se pode
substituir o dever do Ministério Público de alargar o espectro da prova. O depoimento da vítima é importante,
mas não pode ser argumento para limitar a sua autonomia.
Relativamente também ao projeto do PSD, que prevê a suspensão provisória dos processos, por via da
revogação do n.º 7 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, esta é uma solução que não serve, porque,
na verdade, acaba por facilitar ainda mais este instituto, de recurso à suspensão provisória do processo.
O Bloco de Esquerda tinha já apresentado uma solução que fazia a alteração diretamente no Código de
Processo Penal e que era muito mais objetiva e concreta e, portanto, era uma solução muito melhor. Esperemos
que o PSD esteja disposto a rever esta situação em sede de especialidade.
Uma última nota apenas para o projeto de lei que o Partido Socialista traz e que reformula os crimes de
violação, coação sexual e abuso sexual de pessoa inconsciente.
O título do artigo 164.º é alterado de «abuso sexual de pessoa incapaz de resistência» para «abuso sexual
de pessoa inconsciente ou incapaz». Esta é, efetivamente, uma procura de resposta ao acórdão da sedução
mútua, em que uma mulher foi violada na casa de banho de uma discoteca enquanto estava inconsciente. Mas
não compreende, o PS, e não assume que abusar de uma pessoa inconsciente ou incapaz, ainda que não esteja
claro do que é que ela é incapaz, não pode deixar de ser uma violação.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — O argumento que sustenta a diferenciação entre violação e abuso sexual de
pessoa que esteja inconsciente é o argumento de que a vítima não sofrerá, porque está inconsciente e, portanto,
não sente nem sofre tanto. Não compreendo como é que o Partido Socialista faz esta proposta de alteração,
mas depois mantém esta diferenciação entre abuso sexual de pessoa inconsciente e violação. O abuso sexual
de uma pessoa inconsciente só pode ser uma violação, pois se a pessoa está inconsciente não dá o seu
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consentimento e, como tal, só pode ser, efetivamente, uma violação. Não há qualquer outra forma de considerar
ou de olhar para este problema.
Estas são conceções que hoje já ninguém defende. Abuso sexual de pessoa inconsciente ou incapaz tem de
ser considerado uma violação e isso tem de ficar claro para qualquer pessoa.
O caso da violação de uma mulher numa casa de banho, enquanto estava inconsciente, ainda que tenha
sido considerado um abuso sexual — e não estamos aqui a falar de molduras penais —, é entendido por todos
os portugueses e por todas as portuguesas como uma violação.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro). — Antes de darmos a palavra à Sr.ª Deputada Ângela Guerra para
concluir o debate, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Rita Rato.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Estamos aqui a falar sobre
matérias de combate à violência doméstica e de proteção das vítimas e sobre a necessidade ou não de
aperfeiçoamento legislativo de algumas matérias.
Importa dizer que, independentemente da necessidade objetiva, que existe, de aperfeiçoamento legislativo,
é imperioso o reforço do investimento público nas várias dimensões de proteção da vítima. É urgente garantir a
contratação dos meios humanos em falta em muitos serviços essenciais, ao longo do processo de proteção das
vítimas, quer seja a nível das forças e serviços de segurança, quer seja a nível das equipas multidisciplinares
de apoio aos tribunais. É urgente garantir os meios materiais e humanos, mas, particularmente, os humanos e
técnicos nas comissões de proteção de crianças e jovens em risco, na segurança social, no Serviço Nacional
de Saúde. É urgente garantir a existência de psicólogos, que não existem nas esquadras nem nas equipas
multidisciplinares nos hospitais, nem ou escolas, onde deveriam existir, para garantir o acompanhamento das
vítimas.
Portanto, não é possível fazer esta discussão no abstrato, olhando para a formalidade da lei sem perceber
que hoje não existem todas as condições de investimento público para garantir a aplicação da lei.
Por isso, também, apresentamos uma proposta para a criação de uma comissão nacional de prevenção e
proteção das vítimas de violência, à semelhança do que acontece já hoje com a Comissão Nacional de
Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens, com funções de coordenação, prevenção, proteção e
acompanhamento das vítimas.
É necessário discutir necessidades de aperfeiçoamento da lei, ninguém o questiona, mas é imperioso garantir
o investimento público necessário para que a aplicação da lei e a proteção das vítimas seja feita a tempo e horas
e de forma célere.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro). — Agora, sim, para concluir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Ângela Guerra, do PSD.
A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na anterior Legislatura muito se
debateram os vários temas que hoje aqui tratamos, num grupo de trabalho que se destinou a promover um
debate alargado, como todos sabem, sobre a Convenção de Istambul e as implicações e alterações legislativas
dela decorrentes, através da auscultação e audição de inúmeras entidades.
Foram debates muito interessantes, intensos e produtivos e onde muito se avançou nestas matérias.
Neste mesmo âmbito foi também discutido e votado um conjunto de iniciativas apresentadas e trabalhadas
por todos os grupos parlamentares e votado, por unanimidade, o texto de substituição que levou à 39.ª alteração
ao Código Penal, designadamente, autonomizando o crime de mutilação genital feminina, criando os crimes da
perseguição e do casamento forçado e alterando os crimes de violação, coação sexual e importunação sexual,
tudo no cumprimento do disposto naquela Convenção, que, de facto, constituiu um marco histórico de avanço
civilizacional na defesa dos direitos humanos, da igualdade e da dignidade dos direitos das mulheres.
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Neste contexto, surgiu no nosso ordenamento jurídico a criminalização do stalking, da perseguição, onde se
consagrou também a punibilidade da tentativa e se previu a possibilidade de aplicação de penas acessórias e
de proibição de contacto com a vítima, obrigação de frequência de programas específicos de prevenção e
condutas típicas.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, percebeu-se, infelizmente a posteriori, que há situações em que é imperativo
fazer cessar as condutas do arguido no imediato e que esta urgência não se compadece com os prazos e as
formalidades morosas previstas no nosso Código de Processo Penal.
Percebeu-se a necessidade de verdadeiras ordens de restrição com aplicação célere, independente das
exigências formais das medidas de coação, e é neste sentido, com esta constatação, que algumas das iniciativas
que temos hoje em apreço, sobre esta questão, vão caminhando. Outras, porém, vão em sentido diverso:
invocam o relatório de avaliação do GREVIO, divulgado em janeiro deste ano, onde se apontam insuficiências
e recomendações, no que ao enquadramento penal dos crimes de violação e coação sexual se refere, e ainda,
também, a configuração do consentimento da vítima na definição dos tipos penais, bem como nas respetivas
causas do agravamento das penas.
Neste ponto importará referir que já nos trabalhos preparatórios da lei de 2015 foi discutida esta questão, de
os crimes de coação sexual e violação assentarem precisamente no não consentimento da vítima, bem como
na questão da transformação da natureza em crimes públicos.
Foi, no entanto, uma outra solução legislativa a que foi aprovada, e foi proposta pelo PSD, em que se visou
tornar mais clara a existência dos dois tipos, coação e violação, aqueles que assentam na violência e ameaça
graves, onde se coloca a vítima em estado de inconsciência ou na impossibilidade de resistir, e aqueles que
assentam no constrangimento da vítima por qualquer outro meio.
Deu-se, assim, em nosso entender, cumprimento à Convenção de Istambul, ao deixar claro, bem claro, na
lei que qualquer meio de constranger uma vítima é suscetível de integrar estes crimes e por «constranger»
entende-se que é levar alguém a fazer o que não quer.
Sr.as e Srs. Deputados, quanto aos demais projetos de lei que hoje aqui debatemos, e são muitos, sobre
violência doméstica, sobre formação de magistrados e sobre determinação e reforços de maiores garantias para
a proteção das crianças, de famílias onde este tipo de crime ocorre — e, naturalmente, falamos de violência
indireta e de violência vicariante —, o Grupo Parlamentar do PSD reitera o seu compromisso de trabalhar, como
sempre fez, aliás, nestas matérias, com os demais grupos parlamentares, para que os expectáveis consensos
possam ser alcançados na especialidade.
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Mas não são só as propostas que o PSD apresenta que têm de ser
reanalisadas e avaliadas,…
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Claro!
A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — … porque muitas delas também precisam de maior precisão, em nosso
entender.
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Ângela Guerra (PSD): — Não terminaria sem antes referir que, nesta matéria, ao longo de toda esta
Legislatura, o Grupo Parlamentar do PSD foi muito incisivo, afirmando sempre que a questão da violência
doméstica estava a ser muito pouco acompanhada e que havia um claro desinvestimento, por parte deste
Governo, numa grande maioria das ações de formação, de meios e de indicadores que é muito importante que
sejam monitorizados e referenciados. Fomos dizendo isto mesmo ao longo de todas as audições regimentais,
algumas até a requerimento do nosso Grupo Parlamentar, que foram feitas a todos os ministros, e já foram três,
que tiveram esta tutela.
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Sr.as e Srs. Deputados, este é o nosso compromisso, mas é também responsabilidade desta Casa dar
resposta a todas as mulheres e crianças que são vítimas deste crime. Nós estamos nesta disponibilidade e é
para isto que vamos trabalhar.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro). — Sr.as e Srs. Deputados, fica assim concluído este primeiro debate da
nossa ordem de trabalhos.
Vamos prosseguir com a discussão do Projeto de Resolução n.º 2045/XIII/4.ª (PS) — Recomenda ao
Governo que promova a proteção recíproca dos direitos dos cidadãos portugueses no Reino Unido e dos
cidadãos britânicos em Portugal no quadro da relação bilateral futura.
Para apresentar esta iniciativa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Tavares.
A Sr.ª Carla Tavares (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na sequência da aprovação, em 25
de novembro de 2018, do texto final do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, bem como da
declaração política sobre a relação futura, urge reiterar aquilo que, aliás, está já previsto no plano de preparação
e contingência do Governo português para a saída do Reino Unido da União Europeia, na parte que se refere
ao quadro da relação futura do Reino Unido com Portugal.
Assim, e sem prejuízo das negociações que terão lugar a nível do quadro da relação futura do Reino Unido
com a União Europeia e os seus Estados-Membros, o Governo português deverá sempre dar especial e
particular atenção à continuidade das relações bilaterais de Portugal com o Reino Unido após o Brexit.
Na verdade, o processo do Brexit tem sido marcado pela incerteza e instabilidade política. No entanto,
sabemos também que há aspetos que não mudam nem nunca mudarão com a saída do Reino Unido da União
Europeia. A aliança secular entre Portugal e o Reino Unido — aliás, uma das mais antigas e duradouras na
Europa — nunca poderá ser afetada na sequência do Brexit.
O projeto de resolução apresentado pelo Partido Socialista, que hoje discutimos, tem, por isso, como objetivo
o reforço das vertentes essenciais do nosso relacionamento bilateral na fase pós-Brexit: os laços humanos, a
presença significativa da comunidade portuguesa no Reino Unido e da comunidade britânica em Portugal;
também as relações económicas, igualmente muito profundas e, bem assim, a aliança geopolítica, sendo o
Reino Unido o nosso principal aliado no que respeita à segurança e defesa no contexto europeu.
O Reino Unido não deixará de ser o mais próximo aliado da União Europeia e, no caso de Portugal, continuará
a ser um aliado fundamental na frente atlântica.
Neste aspeto, em particular, há que manter a linha de valorização da vertente atlântica na política europeia,
uma vez que, sem o Reino Unido, Portugal é o País europeu que mais próximo está dos parceiros transatlânticos
e deve servir-se dessa vantagem para influenciar as decisões europeias. Na verdade, durante séculos, o Reino
Unido tem sido o nosso principal aliado na Europa. Deverá continuar a sê-lo, mesmo quando o Reino Unido
deixar de ser um Estado-membro da União Europeia.
Nesses sentido, consideramos ser da maior importância que o Governo faça um trabalho antecipado de
preparação para as negociações relativas à relação futura, de modo a que estas se iniciem logo que o Reino
Unido saia oficialmente da União Europeia.
A nossa prioridade n.º 1, desde o início deste processo, são os cidadãos e os seus direitos. A nossa
comunidade residente no Reino Unido, composta por cerca de 400 mil pessoas, entre os quais trabalhadores e
estudantes, que escolheram o Reino Unido como destino, naturalmente precisam de garantias de que os seus
direitos serão assegurados após o Brexit.
Portugal já demonstrou estar disponível para garantir todos os direitos aos cidadãos britânicos residentes em
Portugal, pelo que a proteção recíproca desses direitos deve ser a nossa principal prioridade, a par com a
facilitação da mobilidade para estadias temporárias. É, por isso, muito importante facilitar e apoiar também as
empresas que têm laços económicos com o Reino Unido, designadamente as cerca de 2850 empresas
portuguesas exportadoras para o Reino Unido, que é, aliás, o nosso quarto maior parceiro comercial e o nosso
principal emissor de turistas.
É, assim, importante facilitar e apoiar todos estes laços económicos com o Reino Unido, bem como aproveitar
o potencial interesse das empresas do Reino Unido que queiram permanecer no espaço europeu.
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De facto, se o Reino Unido quer estar out da União Europeia, uma coisa é certa: Portugal quererá estar
sempre in.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António
Filipe, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: É difícil discordar deste projeto de resolução.
Creio que ele reflete aquilo que é óbvio, embora a pergunta que se poderia suscitar, a propósito da sua
apresentação, é se o Partido Socialista considera que é preciso recomendar ao Governo que tome medidas
relativamente à salvaguarda das relações de Portugal com os cidadãos britânicos após a saída do Reino Unido
da União Europeia. Mas creio que, evidentemente, o Governo tem consciência de que é necessário salvaguardar
essa posição e que esta recomendação nem sequer seria necessária desse ponto de vista.
É, no entanto, uma evidência que as relações com os cidadãos britânicos, os direitos dos cidadãos
portugueses residentes no Reino Unido, assim como os direitos dos cidadãos britânicos residentes em Portugal
devem ser, evidentemente, acautelados sem qualquer sobressalto após a saída do Reino Unido da União
Europeia.
Aliás, já toda a gente percebeu que as dificuldades para que a vontade soberanamente manifestada pelo
povo britânico de sair da União Europeia se concretize têm sido, em larga medida, criadas pelas próprias
instituições europeias, que têm vindo a dificultar o mais que podem o processo de saída do Reino Unido da
União Europeia.
É, porém, uma evidência que, após a concretização dessa saída, que, aliás, correspondeu a uma escolha
que foi feita pelos cidadãos britânicos e que todos temos de respeitar, há, obviamente, todo um relacionamento
que deve ser mantido. Portugal e o Reino Unido têm relações históricas antiquíssimas, para o bem, mas, muitas
vezes, para o mal. O processo de relacionamento de Portugal com a Grã-Bretanha nem sempre foi pacífico.
Houve momentos da nossa história em que houve, de facto, situações de crise muito aguda marcadas por
grandes dificuldades de relacionamento com o Reino Unido.
Mas isso faz parte da história. Aquilo que é importante é que, efetivamente, após a concretização da saída
da União Europeia — sendo uma evidência que há mais Europa para além da União Europeia e que o Reino
Unido continuará a ser um país europeu mesmo não sendo membro da União, que há mais mundo para além
da União Europeia —, Portugal não afunile as suas relações internacionais com os países que pertencem à
União Europeia, mas que tenha, de facto, uma política externa com uma visão mais alargada e que, do ponto
de vista, muito importante, do relacionamento entre os cidadãos e as empresas, sejam tomadas as medidas
necessárias para que não haja sobressaltos nessa matéria.
Essa preocupação foi expressa, já por diversas vezes, pelo PCP, nesta Assembleia. Aliás, propusemos um
conjunto de audições, que se realizaram na Comissão de Assuntos Europeus, de várias entidades e de vários
membros do Governo, precisamente no sentido de evitar dificuldades nas relações entre Portugal e o Reino
Unido, na sequência da saída deste país da União Europeia.
A preocupação é legítima e esperamos que sejam tomadas todas as medidas para que possa haver um
relacionamento pacífico, não apenas do ponto de vista bélico, mas pacífico em todos os domínios da vida, entre
Portugal, o Reino Unido e os seus cidadãos.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos
Alberto Gonçalves, do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata.
O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de resolução
que estamos a discutir é debatido poucos dias depois de ter sido aprovada, nesta Câmara, uma proposta de lei
do Governo que aprovava um conjunto de medidas de contingência a aplicar na eventualidade da saída do
Reino Unido da União Europeia sem acordo.
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No debate que realizámos a 27 de março, tivemos a oportunidade de referir que a proposta de lei do Governo
não foi apresentada de forma atempada, impedindo a preparação adequada para dar resposta a uma situação
excecional, como em devido tempo alertámos.
Lembrámos também que estavam em causa os direitos dos cidadãos britânicos a residir em Portugal e,
sobretudo, o futuro da comunidade portuguesa que reside no Reino Unido. Sublinhámos nesse debate que o
Governo, apesar de conhecer a data prevista para a concretização do Brexit, não tomou as medidas necessárias
para que a rede consular estivesse minimamente capacitada para dar resposta às necessidades dos
portugueses que residem naquele país.
Referimos ainda, nesse mesmo debate e no projeto de resolução que apresentámos já em 2018, que a saída
do Reino Unido da União Europeia poderia vir a provocar um enorme impacto na nossa economia, na nossa
agricultura, no nosso turismo, ou seja, um grande impacto em Portugal.
Foi também claro em todo este processo que, chegados a abril de 2019, não existe qualquer estudo oficial
que nos permita fazer uma avaliação correta e concreta do impacto do Brexit para Portugal e para os
portugueses.
Este projeto de resolução vem dar razão ao PSD na análise que fizemos do trabalho do Governo, ou da falta
dele, na preparação do Brexit, e a única interpretação que podemos tirar ao ler o seu conteúdo é que o Grupo
Parlamentar do Partido Socialista não está confortável com o trabalho que o Governo desenvolveu nesta
matéria.
Assim, este projeto de resolução é uma crítica clara ao Governo, ao seu Primeiro-Ministro, ao Ministro dos
Negócios Estrangeiros, ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, mas também ao próprio Grupo
Parlamentar do Partido Socialista que, em sede de discussão deste dossier, nunca acompanhou as posições do
Grupo Parlamentar do PSD, nem de outros grupos parlamentares, votando mesmo contra o nosso projeto de
resolução, que fazia o mesmo tipo de recomendações.
No final, esta iniciativa do Partido Socialista dá razão aos Deputados do PSD que denunciaram a
impreparação de Portugal face às consequências do Brexit e demonstra que a confusão que tem existido em
torno deste processo no Reino Unido só é mesmo superada pelo Partido Socialista, pelo seu grupo parlamentar
e na relação que tem com o Governo.
No momento em que os portugueses que residem no Reino Unido e que os britânicos que residem em
Portugal precisavam de ter garantias, percebemos, através deste projeto de resolução e das suas
recomendações, que o plano de contingência preparado pelo Governo não consegue sequer — vejam bem, Srs.
Deputados! — ter a plena concordância do Partido Socialista. Isso, realmente, dá que pensar!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro
Filipe Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Brexit tem sido um conjunto
de avanços e de recuos, e essa realidade dinâmica, muito mais rica do que a nossa capacidade de imaginação,
tem retirado validade quer a propostas, quer a críticas. Senão, veja-se: o PSD acusa o Governo de chegar
atrasado, quando o PS fala de um projeto de resolução de um Brexit para 29 de março, e agora sabe-se que o
Brexit vai ser a assombração do dia das bruxas. Por isso, desse ponto de vista, é o Brexit que põe tudo ao
contrário.
O próprio Partido Socialista tem andado um pouco ao contrário do que seria expectável neste contexto,
porque, como já foi bem lembrado, aprovámos aqui há dias, na Assembleia da República, uma alteração à lei
— essa, sim, com consequência, com alterações na relação entre os dois Estados, com a salvaguarda de direitos
para cidadãos britânicos a residir em Portugal, exatamente para que a resposta do Reino Unido, depois do
Brexit, seja a mesma salvaguarda de direitos em relação aos cidadãos portugueses a residirem no Reino Unido
—, mas o PS traz-nos agora um conjunto de recomendações ao Governo, quando a própria Assembleia já
assumiu aqui o que o Governo pediu à Assembleia para assumir.
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Por isso, não é só o Brexit que anda a tempo ou a destempo, consoante as opiniões, é também o PS que
anda a destempo sobre aquilo que o Governo diz que faz e que pede à Assembleia da República para fazer e
sobre aquilo que o próprio PS apresenta à Assembleia da República.
Desse ponto de vista, é verdade que não foi só o Governo do Partido Socialista que chegou tarde para propor
medidas de contingência para o Brexit, foi o próprio Partido Socialista que chegou tarde para fazer uma
recomendação sobre o Brexit. É que, entenda-se, esta iniciativa que estamos hoje a discutir chegou já em março,
quando a previsão do Brexit era para a saída do Reino Unido no final desse mês. Não fosse adiado o Brexit e,
claramente, nós já estaríamos a discutir fora de tempo este conjunto de medidas.
Ora, não fosse este tema tão importante, não afetasse tanto a União Europeia e a economia portuguesa e
não tivéssemos uma comunidade portuguesa tão relevante no Reino Unido, de facto, todo este processo, quer
do Reino Unido, quer do Partido Socialista, seria uma gigantesca brincadeira. Como este assunto é demasiado
sério, só devemos ficar preocupados com a forma como, de facto, não estamos a salvaguardar atempadamente
os interesses quer de Portugal, quer dos portugueses, quer das comunidades portuguesas.
Felizmente, a Assembleia da República, com a proposta de lei que aprovámos há pouco mais de uma
semana, já salvaguardou esses direitos e, por isso, este projeto de resolução acaba por ser inócuo neste
contexto.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro
Mota Soares, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate e esta iniciativa
do Partido Socialista são a prova provada, se dúvidas existissem, de que o Governo de Portugal na matéria do
Brexit teve uma resposta relapsa, uma resposta tardia e uma resposta errónea.
Quando todos, na Europa, já tinham percebido que era preciso trabalhar em alternativas para proteger os
cidadãos de cada um dos Estados nacionais que estão no Reino Unido, mas também em contingências para
proteger as empresas que exportam para o Reino Unido — no caso português, esta dimensão é muito relevante,
pois estamos a falar de quase 400 mil compatriotas nossos que estão no Reino Unido e de muitas empresas
que exportam para o Reino Unido, tratando-se, aliás, do nosso quarto parceiro comercial —, quando todos, na
Europa, já tinham percebido que era preciso tomar medidas, o Governo português vinha ao Parlamento e dizia
que 95% do caminho estava feito, que íamos ter até ao final do ano o momento da verdade e que iríamos
conseguir ultrapassar esta mesma dificuldade.
Ainda na semana passada, a pergunta do CDS-PP, respondia o Partido Socialista que «o Governo fez todas
as démarches que eram possíveis e necessárias.» Passada uma semana, cá estamos, percebendo que as
démarches possíveis e necessárias não foram feitas e que, afinal, ainda era preciso fazer mais alguma coisa.
Basta vermos a forma como o Governo foi reativo para percebermos que, de facto, a gestão de Portugal
neste dossier não está a ser a mais correta. O único estudo sistemático que foi feito sobre o impacto que o Brexit
tem na nossa economia não foi feito pelo Governo, teve de ser encomendado pela CIP, confederação
empresarial de Portugal, e, aliás, em março de 2018, quando, há mais de um ano, o Conselho Europeu invetivou
os Estados a terem programas de contingência, o Governo português escolheu ignorar esses mesmos apelos,
escolheu ignorar essas mesmas indicações e hoje estamos, infelizmente, na situação em que estamos.
Nesse sentido, era importante que neste debate, o Partido Socialista nos explicasse algumas coisas, por
exemplo, quando é que o Governo português se vai reunir com o seu congénere britânico para começar a
analisar muitas matérias que são muito relevantes. Dou dois exemplos: a Holanda e a Espanha já reuniram para,
por exemplo, em matéria do domínio científico e do domínio do ensino superior perceberem como é que vão
continuar a ter uma relação posterior à saída do Reino Unido.
Mais, o próprio Governo, que no dia 27 de março fez aprovar, nesta Câmara, uma proposta de lei para estudar
as contingências até ao dia 29, dois dias depois, informou-nos que era muito importante reunir com as
autoridades britânicas relativamente aos direitos políticos quer de cidadãos britânicos que estão em Portugal,
quer, acima de tudo, de cidadãos portugueses que estão no Reino Unido. Até ao momento não temos nota de
qualquer reunião.
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Curiosamente, o que é que o Partido Socialista diz? Que as reuniões só devem acontecer, a ligação só deve
acontecer depois da saída do Reino Unido, talvez depois do dia 31 de outubro. Ou seja, nenhum de nós sabe
verdadeiramente sabe quando é que essa saída vai acontecer.
Mais ainda, o Partido Socialista, até ao momento, nada disse em matérias tão importantes — e isso é uma
ausência clara no projeto de resolução do Partido Socialista — como a da dimensão atlântica da Europa. Com
a saída do Reino Unido, há uma dimensão que se diminui na Europa, que é a sua vertente e dimensão atlântica.
Protestos do Deputado do PS Carlos César.
Pode estar o Carlos César a refutá-lo, mas a verdade é que não há uma única referência à dimensão atlântica
e ao futuro atlântico da Europa com a saída do Reino Unido. Pelos vistos, essa matéria para o Partido Socialista
não é relevante, nem é importante.
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Tavares,
do Partido Socialista.
A Sr.ª Carla Tavares (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido
Socialista está muito confortável com o papel que o Governo tem desempenhado em todo este processo.
Protestos do Deputado do PSD Carlos Alberto Gonçalves.
É por isso mesmo que aqui traz este projeto de resolução. É para não só reiterar mas também subscrever
tudo aquilo que está previsto no Plano de Preparação e de Contingência para a saída do Reino Unido da União
Europeia, reforçando aquilo que está previsto relativamente à relação futura, logo após a saída do Reino Unido
da União Europeia.
Aliás, Sr.as e Srs. Deputados, convém lembrar que Portugal foi o primeiro Estado-Membro a reunir-se com o
Reino Unido logo após o referendo. A então Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques,
encontrou-se com o seu homólogo três dias após o referendo. Os encontros entre Portugal e o Reino Unido
mantiveram-se sempre frequentes. E nestes encontros foram sempre tidos como prioridades para Portugal, na
negociação para o acordo de saída, aspetos como o direito dos cidadãos, dado o número significativo de
cidadãos britânicos e portugueses que residem em ambos os países, e também o apoio aos operadores
económicos, sendo o Reino Unido um dos principais parceiros económicos de Portugal.
Ademais, no que se refere às questões geoestratégicas, Portugal e o Reino Unido têm uma das mais velhas
alianças na Europa e o Reino Unido continuará a ser o nosso aliado geopolítico privilegiado.
Protestos do Deputado do PSD Carlos Alberto Gonçalves.
Aliás, é por isso mentira que Portugal não esteja a acautelar o espaço euro-atlântico e que isso vá ficar
fragilizado com o Brexit.
Sr.as e Srs. Deputados, tendo em consideração que a saída do Reino Unido da União Europeia configurará
um desafio gerador de potenciais impactos mas também de eventuais novas oportunidades, é por isso muito
importante relembrar e também reforçar esta necessidade de acautelar a solidez e o dinamismo das relações
futuras, devendo, por isso, procurar-se consolidar as relações bilaterais para que se tornem cada vez mais
amplas, designadamente em setores-chave, como a inovação, a ciência, a tecnologia, o setor cultural e outros.
Neste contexto, é determinante que a saída do Reino Unido da União Europeia não se traduza na criação de
barreiras injustificadas, desnecessárias e prejudiciais à possibilidade de os cidadãos portugueses e britânicos
visitarem ou residirem no Reino Unido.
O Reino Unido pretende deixar de fazer parte da União Europeia. Todavia, Portugal não abandonará nem os
portugueses a residirem no Reino Unido, nem os britânicos a residirem em Portugal.
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Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Concluída a discussão do Projeto de Resolução n.º 2045/XIII/4.ª (PS),
passamos à apreciação do Decreto-Lei n.º 19/2019, de 28 de janeiro, que aprova o regime das sociedades de
investimento e gestão imobiliária [Apreciações Parlamentares n.os 120/XIII/4.ª (BE) e 122/XIII/4.ª (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Independentemente e previamente à
discussão do conteúdo deste decreto-lei, há uma questão formal que se coloca e que tem relevância política. O
Governo tentou fazer passar este novo regime pela calada, tentando impedir a sua discussão na Assembleia da
República, e penso que deve dizer-nos porquê. Estamos a falar de um tema importante, que tem, como todos
os Srs. Deputados sabem, consequências fiscais, na medida em que alarga a um número indefinido de
sociedades benefícios fiscais que, até agora, eram aplicados aos fundos imobiliários.
Por isso, sejamos claros: o Governo pretendia alargar, de forma ainda não contabilizada, a despesa fiscal —
porque este regime vai ter um impacto fiscal — sem consultar o Parlamento, e isso parece-nos inaceitável. Mas
quando olhamos para os pormenores deste regime, percebemos por que razão tentaram escondê-lo. Enquanto
no País se discute um problema gravíssimo do acesso à habitação, enquanto se debatem os efeitos
descontrolados do turismo nos centros urbanos, enquanto toda a gente já percebeu que há um problema de
especulação imobiliária que está a inflacionar os preços para além do suportável e a pôr em causa a habitação
nas cidades, aparece o Governo a dizer ao País e ao mundo que do que Portugal precisa é de promoção de
investimento estrangeiro em imobiliário e dinamização do mercado imobiliário.
Como se não bastassem os vistos gold, como se não bastasse o regime para os residentes não habituais e
toda uma panóplia de outras benesses e outros benefícios fiscais, aqui temos mais um para promover o
dinamismo do mercado imobiliário. Sendo que também para este regime há uma desculpa: no caso dos vistos
gold, era para criar postos de trabalho (criaram muito poucos); no caso dos residentes não habituais, era para
atrair trabalho qualificado (também ninguém viu); no caso destas sociedades de investimento e gestão
imobiliária, é para a promoção do arrendamento de longo prazo, à semelhança, dizem-nos, de outros regimes
que existem lá fora.
Mas não é isso que está escrito neste decreto-lei. Este regime nem sequer se contenta em imitar o que existe
lá fora, consegue ser pior. E para que não restem dúvidas sobre a interpretação que fazemos do regime, vale a
pena citar a análise que fazem juristas de plataformas de fundos de investimento e de profissionais do setor e
que dizem que alguns aspetos deste regime, nomeadamente no regime fiscal e nas regras de distribuição ou
afetação dos seus ativos, apresentam maior flexibilidade do que alguns veículos internacionais similares.
O que quer dizer é isso mesmo: são melhores benefícios fiscais para o negócio imobiliário, mas, ao contrário
de Espanha, em que se limita a atuação destes veículos ao arrendamento por um período mínimo, em Portugal
não há limites para o negócio.
E volto a citar o parecer dos juristas: «Note-se que, apesar de se imporem limites mínimos à composição do
património, o regime é totalmente agnóstico quanto às formas de afetação, arrendamento ou outras formas de
exploração económica, por exemplo hotéis, lojas, centros comerciais, alojamento local», sem falar noutras
formas de flexibilidade.
Resumindo: o Governo está a dar benefícios fiscais, pelo menos ao nível das mais-valias, a sociedades que
se podem constituir para fazer promoção imobiliária e turismo, puro e duro, sem arrendarem uma única casa —
repito, sem arrendarem uma única casa —, pois não há nenhuma obrigação de arrendamento de qualquer casa
neste regime.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr.ª Deputada, queira concluir.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
O Sr. Ministro Siza Vieira veio dizer a público o seguinte: «Queremos, com esta medida, dar um passo
adicional, criando sociedades de investimento que só possam investir em imóveis para comprar e revender, mas
do que precisamos é de trazer investimento para o arrendamento de longa duração. Esperamos com isso dar
um contributo para o aumento da habitação a preços acessíveis».
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Sr. Secretário de Estado, a minha pergunta é esta: foi o Ministro que o enganou? Foi o Sr. Secretário de
Estado que enganou o Ministro?
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada. Há muito que já esgotou o seu tempo.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Ou será que é o Governo que quer enganar toda a gente, fingindo que
este é um regime para arrendamento de longo prazo, quando, na verdade, é um mecanismo de promoção da
especulação imobiliária?
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do
PCP.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado: No preâmbulo
do decreto-lei hoje em apreciação na Assembleia da República está escrito que as «sociedades de investimento
e gestão imobiliária (SIGI) configuram um novo veículo de promoção do investimento e de dinamização do
mercado imobiliário». Quem ler esta frase do preâmbulo, poderá pensar que estamos a apreciar um decreto-lei
num país em que o mercado imobiliário estaria, porventura, deprimido e que, a bem da economia nacional, seria
necessário dinamizá-lo. Também se enfatiza que este regime iria promover a «captação de investimento direto
estrangeiro».
Mas não é esse o país em que vivemos. O mercado imobiliário não precisa de mais instrumentos de
dinamização e muito menos de financeirização. Nem precisa de ainda mais captura pelo capital especulativo
estrangeiro, que nada tem de investimento, mas é antes uma mera compra de ativos, feita no nosso País. Pelo
contrário, precisa de políticas que contrariem um caminho de financeirização, de especulação imobiliária, de
aumento de preços para quem precisa de comprar ou arrendar casa, políticas essas que passam,
necessariamente, pela garantia do direito à habitação com uma forte intervenção do Estado, conforme está
previsto na Constituição, pela revogação da «lei dos despejos» do anterior Governo, PSD/CDS, por políticas
públicas que contrariem a expulsão das populações dos centros das cidades, além de medidas dirigidas ao
arrendamento comercial que evitem a expulsão de muitas pequenas e médias empresas dos centros das
cidades, contribuindo para a sua descaraterização.
Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, se, na chamada «nova geração de políticas de habitação»
do Governo PS, assistimos ao semear de ilusões sobre formas de o mercado resolver os problemas da
habitação, neste decreto-lei a fé cega no Deus-mercado sobe a um novo patamar.
Com este decreto-lei, o Governo pretende dar mais poder ao grande capital, travestido de fundos imobiliários,
fundos e sociedades de investimento e outras figuras.
Mas alguém acredita que as sociedades de investimento e gestão imobiliária — as financeiras que passariam
dominar o mercado da habitação — venham a promover habitação acessível para os trabalhadores e para o
povo português?!
O País não precisa de copiar modelos que existem noutros países, em que o mercado imobiliário tem outras
características, seja do lado da oferta, seja do lado da procura.
Precisamos, sim, de revogar a «lei dos despejos» do Governo PSD/CDS, que o Governo do PS, até agora,
quis manter. O País precisa, sobretudo, de uma forte intervenção do Estado enquanto promotor público,
particularmente no arrendamento.
Na discussão desta apreciação parlamentar, apresentada pelo PCP, a nossa proposta é a cessação de
vigência deste decreto-lei, que só serve os grupos económicos — sobretudo, estrangeiros — e que não resolve,
antes agravaria, os problemas da habitação, em Portugal.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Fernando
Rocha Andrade.
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O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Eu e o Grupo Parlamentar
do PS entendemos que esteve bem o Governo ao aprovar este regime, que cria um mecanismo que permite
canalizar o investimento para fundos imobiliários que, em vez de fazerem apenas a construção e venda dos
imóveis, podem proceder à respetiva exploração económica. Exploração económica essa que, naturalmente,
inclui o arrendamento, porque alimentamos a noção estranha de que, para haver arrendamento acessível,
convém fazer casas que possam ser arrendadas. E não acreditamos, note-se, que a finalidade das empresas
seja proporcionar arrendamento acessível; acreditamos é que, se houver empresas a construir casas para
arrendar, isso contribui para que haja casas para arrendar. É uma causalidade não demasiado complexa.
Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.
Quanto ao regime fiscal, convém termos presente que nada neste diploma altera o regime fiscal, nem podia,
uma vez que é um decreto-lei e os decretos-lei não podem alterar o regime fiscal.
Portanto, o regime fiscal de fundos de investimento que consta deste diploma é um regime fiscal que apenas
permite excluir daqueles rendimentos que são tributados diretamente no fundo — mas que, note-se, são
tributados à saída e, neste regime, a saída dos rendimentos auferidos anualmente é, aliás, a regra e não a
exceção — aqueles que são rendimentos de capitais, que dificilmente se aplicam neste caso, ou rendimentos
prediais ou de mais-valias, que, por natureza, são ocasionais.
A exploração empresarial destes imóveis seria, naturalmente, tributada em IRC, nos mesmo termos em que
é hoje em dia. Portanto, nada há de inovador neste regime fiscal, mantendo-se aquilo que já está no EBF
(Estatuto dos Benefícios Fiscais) e que, neste caso, permite que o essencial dos rendimentos destas sociedades,
ou seja, os rendimentos prediais, sejam tributados à saída e não no fundo.
Todavia, uma vez que o diploma está aqui, no Parlamento, podemos fazer aquilo que o decreto-lei não podia
fazer. Podemos, nomeadamente, fazer algumas adaptações do regime fiscal, esclarecendo precisamente essas
limitações do regime fiscal dos fundos aos rendimentos daqueles imóveis que, como consta, aliás, do regime
que está no decreto-lei, tivessem permanecido pelo menos três anos no mercado, ou no mercado de
arrendamento ou de um arrendamento sob a forma atípica, que é aquilo que queremos designar por formas
similares de exploração económica.
Assim sendo, votaremos contra a cessação de vigência, mas aproveitaremos esta oportunidade para
introduzir aquilo que nos parece ser uma clarificação no regime fiscal destes fundos, o que lhe permitirá servir
melhor a sua finalidade de promover a disponibilidade de imóveis para arrendamento em Portugal.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jorge
Paulo Oliveira, do PSD.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O
Governo sempre falou em criar um regime específico para as sociedades de investimento em património
imobiliário destinado, exclusivamente — e insisto na palavra «exclusivamente»! —, ao arrendamento
habitacional.
Por isso, das duas uma: ou mudou de opinião ou andou a enganar os portugueses!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Bem lembrado!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Na verdade, o decreto-lei que o Governo acabou por aprovar e que
estamos hoje a apreciar permite que o principal objeto social destas sociedades possa ser, igualmente, a
aquisição de bens imóveis para outras formas de exploração económica.
Ora, esta circunstância faz toda a diferença,…
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Bem dito!
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O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … porque permite que os imóveis em carteira possam servir, por
exemplo, de suporte à mera atividade de compra e venda, o que acabaria por contribuir para o agravamento dos
preços da habitação, agravamento esse que todos temos de combater.
Deixo uma segunda nota crítica para assinalar que o Governo, nos termos em que redigiu este diploma, ao
abrir a porta a um regime regulatório e fiscal mais favorável para as SIGI, poderá estar a contribuir para uma
dupla iniquidade.
Primeiro, porque privilegia um grupo limitado de atividades imobiliárias após ter agravado a tributação para
a generalidade das empresas e atividades.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Mendonça Mendes): — Qual tributação?
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — E, depois, porque permite que estas sociedades possam beneficiar de
um regime fiscal mais favorável para operações que não carecem de estímulo fiscal, como sejam, por exemplo,
aquelas que não incidam sobre o arrendamento habitacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As SIGI podem ser um instrumento importante de atração de
investimento e, nesse sentido, temos, no PSD, uma posição favorável de princípio à sua criação, mas não
podemos permitir que o seu objeto social seja desvirtuado, isto é, que o arrendamento habitacional não seja a
principal razão de ser da sua criação.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — E os serviços?!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, nesse sentido, apresentámos
diversas propostas de alteração, de entre as quais destaco: a restrição da aquisição de bens imóveis para outras
formas de exploração económica, que continuamos, naturalmente, a permitir; o alargamento das situações da
perda de qualidade de SIGI; e o reforço da participação dos pequenos aforradores.
No PSD — e julgo que deveríamos estar todos unidos neste propósito —, queremos atrair investimento para
a dinamização do mercado imobiliário,…
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Não precisa! Já há demasiada dinamização do mercado imobiliário!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … sobretudo para a dinamização do mercado de arrendamento
habitacional. Até porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo e os partidos que o suportam não têm
feito outra coisa que não seja introduzir desconfiança neste setor, afugentando investidores e proprietários.
Os resultados, esses,…
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Estão à vista!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — … estão à vista de todos! Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, repare,
em 2018, a celebração de novos contratos de arrendamento para habitação caiu e as rendas, essas, subiram
9,3%.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Claro! E porquê?!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sabe quem o diz, Sr.ª Deputada? Não somos nós, é o insuspeito
Instituto Nacional de Estatística.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Aproveito para anunciar à Câmara algo que é óbvio: que se encontram
presentes o Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares e o Sr. Secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais.
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Para uma intervenção, em nome do CDS-PP, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:
Estamos hoje a apreciar o Decreto-Lei n.º 19/2019, que o Governo apresentou com um objetivo. O CDS
concorda com o objetivo, mas tem dúvidas — sérias dúvidas! — em relação aos meios. E passo a explicar.
O objetivo é a captação de investimento, seja ele nacional ou estrangeiro e a criação em Portugal de
condições de competitividade para atração do investimento. Saudamos o objetivo, mas é pena, naturalmente,
que quando trata de assuntos muito mais abrangentes, como é o caso do IRC, o Governo não tenha nenhuma
destas preocupações de competitividade e de atração do investimento. Mas, enfim, se não pode ir ao que seriam
medidas estruturantes, mais vale que vá a algumas pequenas medidas. Antes isto do que nada!
Dizia eu que temos algumas dúvidas em relação aos meios, e explicarei porquê. Este diploma é, sobretudo,
dedicado ao setor da imobiliária e não ao da habitação e gostava de perceber o porquê da eleição deste setor
como privilegiado na atração de investimento estrangeiro, sendo que já há outras medidas vocacionadas para
o setor da imobiliária ou para o turismo residencial, enfim, o que lhe queira chamar — isto, por um lado.
Também sabemos, e é verdade, que os problemas da habitação, ao contrário do que parecem pensar as
bancadas mais à esquerda e, ocasionalmente, também o Partido Socialista, não se resolvem tornando
impossível a construção de casas ou tornando o arrendamento num pesadelo para os senhorios. Isso só leva a
que, a médio prazo, naturalmente, haja menos casas para arrendar e mais problemas de habitação.
O que gostávamos de perceber é até que ponto este diploma tornará mais fácil o arrendamento e o
investimento em habitação, ou, pelo contrário, se torna apenas mais fácil e fiscalmente mais vantajosa a gestão
de património já existente.
Se o objetivo do decreto-lei é o de, como se diz no seu preâmbulo, ser vocacionado para o investimento em
habitação, então porque é que não há nenhuma distinção no articulado entre o investimento em imobiliária para
habitação e o investimento em imobiliária seja para o que for?
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Entretanto, a Mesa não regista mais inscrições, nem sequer por parte
da bancada do Governo.
Pausa.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais acaba de se inscrever. Tem a palavra para uma intervenção.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de
contribuir para que esta discussão fosse útil e centrada no diploma que está em apreciação.
A Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, em particular, levantou várias hipóteses para as suas perguntas, só não
levantou uma: a de, aparentemente, a própria Sr.ª Deputada Mariana Mortágua não ter percebido aquilo que
está no diploma.
Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.
Vou procurar ajudar à presente discussão.
O objeto social das SIGI é o de direitos reais de gozo sobre imóveis, com o fim da sua exploração económica.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — E o arrendamento?
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Estamos a falar de uma limitação do objeto social
que está bem clara no diploma. Aquilo que o diploma também diz é que estes imóveis têm de ser detidos para
a sua exploração económica durante, pelo menos, um período de três anos. É isso que o diploma diz.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — E o arrendamento?
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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Com isso, procuramos fomentar que haja um
mercado de exploração económica do imobiliário,…
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Não precisa!
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — … o que é exatamente o contrário da especulação
imobiliária. Ou seja, aquilo que se pretende é que haja investimento em imobiliário para que esse imobiliário seja
utilizado, tanto pelas pessoas, no arrendamento habitacional, como pelas empresas, no arrendamento
comercial, ou em outras formas de exploração económica — sublinho «exploração económica».
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Não temos dúvidas sobre isso!
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Aquilo que pretendemos com isto é, precisamente,
ajudar a que o mercado tenha maior oferta, para que, como diz a velha lei da oferta e da procura, os preços
possam acompanhar inversamente aquilo que é o aumento da oferta imobiliária para — repito e sublinho —
exploração económica. É disso que estamos a falar.
O regime fiscal que lhe está associado é aquele que já existe para as sociedades de investimento imobiliário,
porque esta é uma categoria das sociedades de investimento imobiliário, que assegura que a tributação seja
feita à saída. Não é por isso despiciendo que este diploma preveja uma obrigatoriedade de distribuição anual
dos rendimentos, em relação aos seus participantes, para assegurar a constância da receita fiscal.
Sr.as e Srs. Deputados, não há nada que o Governo queira esconder. Aquilo que o Governo quer é fomentar
a exploração económica do mercado imobiliário. É nessa matéria e nessa dimensão que é apresentada esta
proposta, que é o contrário da especulação imobiliária de que a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, em particular,
aqui falou.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Antes de passar a palavra à Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, para
concluirmos este debate, gostaria de avisar a Câmara que deram entrada na Mesa três projetos de cessação
de vigência deste decreto-lei.
Para os anunciar, dou a palavra ao Sr. Secretário António Carlos Monteiro.
O Sr. Secretário (António Carlos Monteiro): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e
foram admitidos pela Sr.ª Presidente, os Projetos de Resolução n.os 2115/XIII/4.ª (PCP), 2117/XIII/4.ª (BE) e
2119/XIII/4.ª (Os Verdes) — Cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 19/2019, de 28 de janeiro, que aprova o
regime das sociedades de investimento e gestão imobiliária (SIGI).
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem agora a palavra, para encerrar o debate, não a Sr.ª Deputada
Mariana Mortágua, mas sim a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do Bloco de Esquerda.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: De facto,
este decreto é tão bom que o próprio Partido Socialista se vê obrigado a fazer alterações naquilo que vê que
não precisa de alterar e naquilo que diz que não precisa de fazer.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Bem lembrado!
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — De facto, o que conseguimos perceber aqui hoje, e parece ser de comum
acordo entre as várias bancadas, é que estamos a falar de um decreto que: quer prover habitação, quando não
garante que provê habitação; quer fomentar os contratos de arrendamento de longa duração, quando não prevê
que os fomenta;…
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O Sr. Luís Monteiro (BE): — Exatamente!
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — … que quer responder a uma crise habitacional, quando não responde a
uma crise habitacional.
Podem, mais uma vez, chamar-lhe «Maria Albertina», mas do que estamos aqui a falar é, de facto, de uma
medida que fomenta o negócio imobiliário, que garante financiamento privado que o Estado não controla,
financiamento este que será aplicado nos maiores proveitos que estas iniciativas tiverem, tornará a economia
nacional mais dependente de oscilações internacionais e pode ainda criar uma bolha imobiliária, não garantindo
qualquer política pública para a habitação.
É disto que estamos a falar hoje: este decreto-lei não traz qualquer garantia de que estes imóveis sejam
destinados a habitação, nem a habitação com renda acessível nem a habitação de longa duração. Isto é um
facto!
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr.as e Srs. Deputados, fica, assim, concluído o terceiro ponto da nossa
ordem de trabalhos.
Do quarto ponto consta a apreciação do Projeto de Resolução n.º 2039/XIII/4.ª (CDS-PP) — Recomenda ao
Governo a criação de um fundo de emergência para as alterações climáticas.
Para apresentar esta iniciativa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O CDS recomenda hoje ao Governo
a criação de um fundo de emergência para as alterações climáticas. Na prática, recomenda que o Governo
reserve uma verba de 30 milhões de euros do Fundo Ambiental, que nos parece ser o instrumento de
financiamento mais adequado, para fazer face a situações de emergência.
O ano de 2019 é o quarto ano consecutivo de seca. Depois de, em 2016, os agricultores terem reclamado
apoios extras — para alimentação animal ou para compensar os custos acrescidos com a rega —, apoios esses
que o Governo não deu, o CDS propôs um conjunto de medidas conjunturais de emergência que não foram
implementadas.
O ano de 2017 foi o ano trágico que todos sabemos. Por isso mesmo, propusemos, no âmbito do Orçamento
do Estado para 2018, a criação de um fundo de emergência para a seca, para dar resposta às necessidades de
abastecimento de água às populações e também para as atividades económicas, nomeadamente a agricultura.
Esta proposta foi rejeitada pelo PS, pelo Bloco de Esquerda, pelo PCP e por Os Verdes.
O ano de 2018 voltou a ser um ano de seca. As «águas de março», como dizia a cantora, vieram abafar a
discussão sobre esta seca e esta necessidade, a ponto de o Sr. Ministro do Ambiente ter dito, hoje de manhã,
que não houve seca em 2018.
Porém, o CDS não esqueceu e, por isso, voltou a apresentar a proposta, no âmbito do Orçamento do Estado
para 2019, com um objeto mais amplo, não apenas para a seca, mas para fazer face a situações de emergência
provocadas pelas alterações climáticas. A proposta voltou a ser rejeitada pelo PS, pelo Bloco de Esquerda, pelo
PCP e por Os Verdes.
Acreditando que estes quatro anos terão sido suficientes para que todos, nesta Câmara, considerem este
assunto da máxima relevância e urgência, voltamos a propor hoje a criação deste fundo de emergência para as
alterações climáticas.
Srs. Deputados, a sociedade civil já percebeu que é preciso estarmos preparados para emergências e,
inclusivamente, o conselho que fixou os critérios de indemnização das vítimas dos incêndios defendeu isto
mesmo há precisamente uma semana.
No CDS, estamos certos de que a razão esteve sempre do nosso lado, pelo que esperamos que, desta vez,
este projeto tenha o acolhimento de todas as bancadas.
Aplausos do CDS-PP.
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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, em nome do Partido Socialista, tem a palavra
o Sr. Deputado João Marques.
O Sr. João Marques (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As alterações climáticas e o seu
impacto na nossa vida e no nosso País têm sido uma preocupação do Governo do Partido Socialista.
Em 2016, o Governo criou o Fundo Ambiental, juntando num só fundo quatro outros: o Fundo Português de
Carbono, o Fundo de Intervenção Ambiental, o Fundo de Proteção dos Recursos Hídricos e o Fundo para a
Conservação da Natureza e da Biodiversidade.
Esta decisão permitiu concentrar os recursos num instrumento com maior capacidade financeira e maior
eficácia na resposta aos desafios colocados pelas alterações climáticas, atuando na preservação dos recursos
naturais, na prevenção dos riscos e na reparação dos danos ecológicos.
Desde a sua criação, o Fundo Ambiental, em articulação com os municípios, tem tido uma atuação efetiva
na resposta a eventos extremos, como, por exemplo: o abastecimento de água às populações, em caso de seca
extrema; a recuperação de linhas de água e de galerias ripícolas mais afetadas pelos incêndios de 2017; a
recuperação de danos na orla costeira, por ocorrência das tempestades Emma, Félix e Gisele, em 2018.
Desde a sua criação, em 2017, este Fundo já investiu 51,6 milhões de euros em projetos de mitigação e
adaptação às alterações climáticas e, em 2019, prevê-se que o valor ascenda aos 75,8 milhões de euros.
Entendemos, por isso, que o Fundo Ambiental tem dado resposta às situações decorrentes das alterações
climáticas, não só ao nível da prevenção, como também ao nível da resposta aos casos de emergência.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS vem, aqui, hoje, propor a criação de um novo fundo,
financiado pelo Fundo que atualmente existe, para dar resposta a um caso que decorre das alterações climáticas
e que já tem resposta no atual Fundo.
Pela vontade do CDS, ficariam cativos 30 milhões de euros para responder apenas ao abastecimento de
água às populações e outras atividades económicas — não se sabe bem o que isto significa —, apesar de estas
situações já terem resposta no Fundo Ambiental e de as situações de maior gravidade terem resposta no Fundo
de Emergência Municipal e em outros instrumentos disponíveis para o efeito.
O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Muito bem!
O Sr. João Marques (PS): — Para o Partido Socialista, esta iniciativa não acrescenta qualquer mais-valia,
antes pelo contrário traria mais entropia e mais ineficiência na resposta às populações. Esta iniciativa do CDS
é, apenas e só, mais um exercício de demagogia e eleitoralismo.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, em nome do PCP, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Ângela Moreira.
A Sr.ª Ângela Moreira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Acompanhamos as preocupações
em torno das alterações climáticas e das suas consequências, mas convém lembrar que elas são
essencialmente fruto da ação do homem sobre a natureza.
A grande questão que se coloca é a de saber se esta preocupação com o nosso futuro coletivo triunfará ou
se, ao contrário, vão continuar a prevalecer o egoísmo e as ambições economicistas.
Se, por um lado, há o reconhecimento de que o planeta Terra é um património de todos e que é necessário
garantir a preservação da sua habitabilidade, por outro lado, não pode deixar de causar perplexidade e
indignação a desproporção entre a gravidade do problema e o não avanço de soluções urgentes.
Sendo o principal objetivo encontrar soluções efetivas para o combate às alterações climáticas, a adoção de
medidas tem sido claramente insuficiente, por força das imposições do poder económico e dos mercados
capitalistas, favorecendo uma estratégia de mercantilização dos recursos naturais, penalizando populações e
natureza.
Está cientificamente comprovado que as alterações climáticas e as erradas políticas de território seguidas há
décadas são a causa de muitos fenómenos extremos a que o ser humano tem assistido, como, por exemplo, no
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caso concreto de Portugal, o aumento de fogos florestais, o acentuar da erosão costeira e os cada vez mais
frequentes períodos de seca extrema. Estes fenómenos requerem investigação, avaliação, planeamento,
investimento e concretização de políticas que visem uma resposta imediata e cabal a tais flagelos.
Não posso deixar de referir que a crescente ocorrência de incêndios, sobretudo aqueles de maior dimensão,
está associada às alterações climáticas, particularmente à subida da temperatura média e a períodos de seca,
não podendo ser desligada também de opções políticas que têm levado à desertificação do interior e ao
abandono e desordenamento florestal.
O mesmo pode ser dito em relação aos períodos de seca, cada vez mais frequentes e mais intensos.
Defendemos que é preciso um plano que vá para além de medidas de mitigação e contingência. Defendemos
que são necessárias medidas de caráter estrutural, com um plano que hierarquize a água em função da seca,
e para atingir esse objetivo a gestão da água na esfera pública é essencial.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Ângela Moreira (PCP): — O PCP sempre defendeu e propôs a criação de mecanismos passíveis de
fundamentar e agilizar procedimentos, permitindo um planeamento, investimento e respetiva ação rápida, com
vista à prevenção e resolução de danos causados por catástrofes.
Há que investir na prevenção, cujos custos serão sempre inferiores aos do combate às consequências,
custos que nem sequer podem ser equacionados económica, humana ou politicamente quando se trata de vidas,
de comunidades e de património.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes gostariam de
dizer que esta iniciativa do CDS que discutimos hoje não traz eficácia nenhuma às questões do combate e da
mitigação das alterações climáticas ou, até, dos processos de adaptação às mesmas.
O CDS propõe a criação, dentro do Fundo Ambiental, de um fundo de emergência, com 30 milhões de euros
— e podíamos sempre questionar-nos sobre para que é que daria deste valor —, mas, no fundo,
substancialmente, nada se altera. Portanto, aquilo que os senhores propõem é criar um fundo com um nome
diferente, dotando-o de 30 milhões.
Parece-lhe que isto resolve alguma coisa, Sr.ª Deputada? Parece-lhe que isto vai resolver algumas das
problemáticas com que nos confrontamos relativamente à matéria das alterações climáticas? Não! Isto é, pura
e simplesmente, fingir que fazem alguma coisa eventualmente para se lavar a consciência daquilo que os
senhores fizeram no passado.
Já agora, Sr.ª Deputada, permita-me que conteste uma afirmação que fez — na minha perspetiva, com
grande desplante —, quando disse que, sobre esta matéria, a razão esteve sempre do «nosso» lado, ou seja,
do vosso lado, porque foi dito pela boca da Sr.ª Deputada. Isso não é verdade, como a Sr.ª Deputada sabe!
E poderíamos lembrar, por exemplo, a famosa «lei Assunção Cristas» da arborização e rearborização, ou
seja, aquela lei que ficou conhecida como a «liberalização do eucalipto». Essa foi a forma como os senhores
promoveram a fragilização da nossa floresta, com o aumento exponencial das monoculturas de eucalipto,
sabendo nós qual a repercussão desse fenómeno, por exemplo ao nível dos fogos florestais.
Ou poderíamos lembrar a forma como os senhores não cumpriram minimamente o Plano Nacional para o
Uso Eficiente da Água,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem lembrado!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … que, como a Sr.ª Deputada há de convir, é uma matéria
extraordinariamente importante no que se reporta à questão das alterações climáticas.
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Ou poderíamos lembrar uma coisa que vos retira toda a razão: o encerramento compulsivo de linhas
ferroviárias a que procederam por este País fora e a forma como prejudicaram a resposta do transporte coletivo
aos utentes. Como vê, Sr.ª Deputada, não vos podemos atribuir razão nenhuma!
Ou poderíamos lembrar a forma como procuraram privatizar o setor dos transportes, pondo-o ao serviço dos
interesses das empresas e não ao serviço dos interesses dos cidadãos.
Ou, até — veja bem, Sr.ª Deputada! —, poderíamos lembrar aquilo que afirmou o então Ministro das Finanças
Vítor Gaspar, que me parece que era do vosso Governo, Sr.ª Deputada, quando pôs a hipótese da privatização
da água, inclusivamente da Águas de Portugal.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Portanto, Sr.ª Deputada, de facto, não sei se este projeto significa
uma procura por parte do CDS de limpar alguma consciência relativamente a todas estas responsabilidades
negativas que teve, mas, Sr.ª Deputada, sinceramente, em termos de eficácia, este projeto não é nada.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Bruno Coimbra para uma
intervenção.
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O tema das alterações climáticas
tem sido amplamente discutido nesta Câmara.
Todos sabemos que as alterações climáticas são um dos maiores desafios que a humanidade tem pela
frente, que estamos num contrarrelógio e que, dentro de poucos anos, aquilo que poderemos fazer será
completamente irrelevante para o resultado final desta batalha.
Todos sabemos também que Portugal é dos países mais expostos aos efeitos das alterações climáticas, aos
seus impactos e às suas consequências devastadoras.
Esta realidade sempre foi muito clara para o PSD, que sempre colocou na sua agenda e na sua ação política
quer o ambiente quer o clima.
Já na anterior Legislatura, sob governação liderada pelo PSD, Portugal assumiu um papel liderante a nível
internacional, unindo, numa única estratégia de crescimento, a economia, o ambiente e a política climática.
Foi nesse contexto, aliás, que colaborámos na preparação do Acordo de Paris. Foi também assim que
revimos o Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), que revimos a Estratégia Nacional de
Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC) e que definimos o Quadro Estratégico para a Política Climática
(QEPiC).
Foi, aliás, com o Governo liderado pelo PSD que Portugal ascendeu em todos os rankings internacionais…
Vozes do PSD: — É verdade!
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — … em matéria de política climática, entrando mesmo no top 3 mundial.
Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, o CDS apresenta-nos uma proposta que é uma retoma de uma outra proposta
que fez na discussão do Orçamento do Estado, uma proposta que tem alguma pertinência, mas que colheu, à
época, a abstenção do PSD.
O PSD absteve-se numa lógica de não sobrecarga das contas públicas, por entender que o próprio Fundo
Ambiental já tem mecanismos e formas de atender a esta prioridade.
Fizemo-lo nessa altura, como o fazemos, aliás, hoje.
Fizemos propostas, apontámos à implementação de medidas de combate às alterações climáticas e exigimos
que a gestão e distribuição do Fundo Ambiental fosse mais transparente.
Fizemo-lo nessa altura, como o fazemos hoje.
Cabe ao Sr. Ministro do Ambiente e da Transição Energética a gestão, aplicação e direcionamento do Fundo
Ambiental.
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Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — O Sr. Ministro do Ambiente deve assumir essa responsabilidade sem
tibiezas.
O Fundo Ambiental, que já financia diversos projetos nesta área, pode e deve estar disponível para reforços
e alocações extraordinárias em situações urgentes ou de força maior. Está assim previsto, aliás, no artigo 7.º do
decreto-lei que o criou e deve, assim, atender às situações de maior urgência também no quadro das alterações
climáticas e da seca que atravessamos. O Sr. Ministro do Ambiente é que tem de estar atento, devendo garantir
que assim acontece.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É inacreditável que o CDS venha
demonstrar preocupação com as alterações climáticas, quando todas as posições que toma são em sentido
contrário quer à mitigação, quer à adaptação.
Ao contrário do que quer dar a entender, o CDS apoia a exploração de petróleo e defende o aumento da
produção de gado. Mas, mais grave do que apoiar a produção pecuária, é defender a utilização de dinheiro
público para sustentar este poluente setor.
O CDS tem uma visão completamente oposta à do Acordo de Paris, que preconiza que somos nós que nos
devemos adaptar ao território e não o território a adaptar-se a nós. O CDS vem defender um fundo de
emergência para as alterações climáticas, mas está-se marimbando em adaptar o território para que não seja
necessário um fundo de emergência.
O CDS defende a construção de grandes barragens para manter culturas de regadio, como o olival
superintensivo,…
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Fica mal ao PAN mentir!
O Sr. André Silva (PAN): — … responsável pelo uso ineficiente e irresponsável de água. Quando não aposta
no regadio, o CDS aposta no eucalipto,…
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Mentira mil vezes repetida!…
O Sr. André Silva (PAN): — … que, para além de consumir maior quantidade de água do que as espécies
autóctones, desertifica os solos, é altamente inflamável e combustível, tornando o território cada vez mais
vulnerável a eventos catastróficos.
Para o CDS basta um fundo de emergência, sem perceber que não há milhões que cheguem para o destino
que nos espera, se não tomarmos medidas de efetiva adaptação.
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Não apoiado!
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Maria Manuel
Rola, pelo Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A análise feita pelo CDS neste
projeto de resolução é, de facto, correta. O nosso País é e será um dos países da Europa mais afetado pelas
alterações climáticas. Isso deve-se à nossa localização geográfica, mas também a opções políticas tomadas,
principalmente no passado, quanto à forma de prevenir os efeitos da ação humana no planeta e no nosso País.
Agora, o que estamos a discutir nesta proposta não é o combate às alterações climáticas.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Bem lembrado!
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A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — E se o CDS não esqueceu, nós também não! Não podemos deixar de
recordar as iniciativas que, de facto, não tomaram, no Governo, para reverter os efeitos das alterações
climáticas, que já em 2012 se sentiam. Basicamente, rezaram para que chovesse e tiveram tanta fé em que
choveria, que, ao mesmo tempo, trabalhavam na privatização dos transportes públicos do Porto e de Lisboa,
que, felizmente, esta maioria parlamentar reverteu, e abriam espaço, igualmente, à prospeção e exploração de
petróleo.
As opções do Governo do PSD e do CDS, uma parte delas, digo mais uma vez, revertidas por esta maioria,
não só teriam impossibilitado a aposta que agora se faz no transporte público e na redução da tarifa dos
transportes para a redução das emissões, como aumentariam a pegada ecológica, ao permitir que combustíveis
fósseis fossem extraídos do território português.
Também não nos esquecemos da liberalização do eucalipto, essa espécie sugadora de recursos,
nomeadamente — vejamos lá! — a água. E, sim, muita da necessidade de mitigação que aqui discutimos hoje
é vossa obra.
Agora, voltamos ao presente: que resposta à prevenção tem o CDS para dar? Num dia em que celebramos
a não construção da barragem do Fridão, temos o CDS a pedir medidas de urgência de mitigação para erros,
como este poderia ser, e como continuo a achar que podem existir.
Ouvimos alguma palavra sobre a preservação de aquíferos? Sobre garantir o aquífero de Vale de Fachas,
que permitiu a transposição de água para Fagilde, em 2017, e está agora ameaçado pelo traçado de uma
estrada, que o atravessará e contaminará? Pois, nada!
Limitação rigorosa ao glifosato que contamina a água? Pois, igualmente nada, até diria muito pelo contrário!
Alguma palavra sobre a agricultura intensiva que grassa no Alentejo e que, para além de acrescentar stress
hídrico ao empreendimento do Alqueva, desertifica os solos, impedindo a recarga de águas subterrâneas,
intensificando a salinização dos solos?! Pois, muito bem, Sr.ª Deputada, também nada!
Nós já sabemos, Sr.ª Deputada, e o mundo já sabe, que pensos rápidos não são solução e, felizmente, estas
decisões também já não estão nas vossas mãos. O que aqui trazem hoje nem sequer é água benta, é apenas
um mero fogo de artifício.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — A Mesa não regista mais inscrições, pelo que podemos concluir este
debate com a intervenção de encerramento do CDS-PP, pela Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Eu percebo o incómodo que a
esquerda tem por não ter apresentado nenhum projeto e não ter vindo a debate nesta matéria, porque
preocupação com as alterações climáticas todos parecem ter.
Sr. Deputado João Marques, o CDS vem, de facto, propor uma cativação do Fundo Ambiental, de 30 milhões
de euros. É precisamente isso! Sabe porquê, Sr. Deputado? Porque se fosse assim tão fácil mobilizar para este
tipo de matérias as verbas do Fundo Ambiental, em 2016 os agricultores não tinham ficado sem apoio nenhum!
Quando os agricultores vieram pedir, porque não tinham feno para dar comida aos seus animais e não tinham
água para regar os seus campos, o Sr. Ministro da Agricultura não teve o peso político suficiente para conseguir
agilizar a desmobilização das medidas e das verbas suficientes. Se esta cativação existisse, isso já poderia ter
acontecido.
E, Sr. Deputado — para responder aqui a várias intervenções —, em 2012, quando havia austeridade, havia
também sensibilidade e foram aplicados 45 milhões de euros do Orçamento do Estado para isenção de taxas
de recursos hídricos, isenção de contribuição para a segurança social, ajudas à alimentação animal e outro tipo
de apoios aos agricultores.
Agora, virada a página da austeridade, só há dinheiro para contratar camiões-cisterna para levarem água da
Aguieira para Fagilde, para contratar camiões-cisterna, deixando-os de sobreaviso, para o caso de vir a faltar
água. Mas isto não interessa nada, porque a valorização do interior, na opção das bancadas da esquerda, é
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apenas para ficar no papel. No que se refere à preocupação com aqueles que gerem, ocupam e tomam conta
de dois terços do nosso território, os senhores não têm uma palavra a dizer.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — «Bem prega Frei Tomás»!
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Vamos prosseguir com o último ponto da nossa ordem de trabalhos,
que é o da apreciação, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 944/XIII/3.ª (Cidadãos) — Consideração integral
do tempo de serviço docente prestado durante as suspensões de contagem anteriores a 2018, para efeitos de
progressão e valorização remuneratória, juntamente com a apreciação do Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de
março, que mitiga os efeitos do congelamento ocorrido entre 2011 e 2017 na carreira docente [Apreciações
Parlamentares n.os 127/XIII/4.ª (PCP), 126/XIII/4.ª (BE) e 129/XIII/4.ª (PSD)].
Antes de iniciarmos o debate, refiro, desde já, que se encontram presentes o Sr. Ministro da Educação e os
Srs. Secretários de Estado da Educação, da Administração e do Emprego Público e do Orçamento.
Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do PCP.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: As
primeiras palavras desta intervenção destinam-se aos milhares e milhares de professores e educadores que,
com os seus sindicatos, têm lutado em defesa do direito à contagem integral do tempo de serviço e que também
hoje estiveram concentrados à porta da Assembleia da República.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
Desde a primeira hora, o PCP deu voz, no Parlamento, às justas reivindicações dos professores, bem como
dos demais trabalhadores das carreiras e corpos da Administração Pública, como os militares, profissionais das
forças e serviços de segurança, da saúde, da justiça, entre outros, onde o problema da contagem do tempo de
serviço se coloca.
O ponto em que nos encontramos hoje não é o mesmo em que nos encontrávamos em 2017, na altura da
declaração de compromisso firmada entre o Governo e os sindicatos; não é o mesmo da aprovação do
Orçamento do Estado para 2018 ou da Resolução da Assembleia da República n.º 1/2018; não é o mesmo do
incumprimento, por parte do Governo, do Orçamento do Estado para 2018. É mais do que isso! É o ponto em
que aconteceu tudo isto que ficou para trás e em que o Governo tenta, mais uma vez, não cumprir o que ficou
consagrado, desta vez já em sede de Orçamento do Estado para 2019.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Uma farsa!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — É o ponto em que o Governo do Partido Socialista optou por condenar o
processo negocial ao fracasso e em que sindicatos e trabalhadores se viraram para a Assembleia da República,
exigindo que o seu problema pudesse, através dela, encontrar solução, face ao boicote negocial que sofreram
por parte do Ministério da Educação.
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Bem lembrado!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Ninguém pode hoje negar a necessidade de a Assembleia da República
tomar uma decisão definitiva sobre este problema, tendo em conta que existem já processos de recuperação
em vigor na Madeira e nos Açores, que resultam de negociação com os sindicatos e que podem ser adotados e
adaptados para o continente.
Os professores e educadores, pela mão de mais de 60 000 assinaturas entregues pelas organizações
sindicais, colocaram em petição os termos em que pode ser alcançado um entendimento quanto ao cabal
cumprimento do artigo 17.º da Lei do Orçamento do Estado e à eliminação de graves problemas, ilegalidades e
injustiças contidas no Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março, entre elas, o apagão de mais de seis anos e
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meio de tempo de serviço cumprido pelos professores e as ultrapassagens por docentes com igual ou menor
tempo de serviço, que consubstanciam um gigantesco ataque à carreira docente.
Assim, a questão que se coloca no dia de hoje não é a de se refazer, uma e outra vez, toda a discussão e
reviver todo o processo referente à contagem do tempo de serviço. Não podemos estar permanentemente a
voltar à estaca zero de um problema que conta com zero vontade negocial da parte de quem tinha a obrigação
de o ter resolvido logo em 2018 — o Governo.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — A questão que se coloca hoje é a de saber se vão ser tomadas as decisões
para resolver definitivamente a questão da contagem do tempo de serviço, do faseamento da recuperação, das
formas que podem ser encontradas para que isso aconteça.
A posição do PCP é clara: traduzimos nas nossas propostas o compromisso que assumimos com os
professores de uma solução definitiva por via desta apreciação parlamentar.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Não empurramos a recuperação para as calendas gregas, iludindo os
professores com condições e critérios que possam tornar esse processo inexequível.
Hoje, e aqui, o Partido Comunista Português reafirma as suas propostas e os seus objetivos.
Primeiro: garantir a contabilização integral do tempo de serviço. São 9 anos, 4 meses e 2 dois dias que têm
de contar para a progressão na carreira, porque foi tempo trabalhado.
Segundo: adotar a mesma solução negociada, em termos de faseamento, entre os sindicatos e o Governo
regional da Madeira, que corresponde a 7 anos.
Terceiro: assegurar, em 2019, a recuperação do tempo previsto no decreto-lei do Governo.
Quarto: eliminar a existência de ultrapassagens que resultam das regras previstas precisamente no decreto-
lei do Governo.
Quinto: possibilitar a utilização do tempo de serviço para efeitos de aposentação ou dispensa de obtenção
de vaga por opção do docente.
Sexto: garantir que o trabalho prestado enquanto professor contratado releva para efeitos de progressão,
assegurando a não discriminação em função da natureza do vínculo.
As propostas que apresentamos correspondem às expectativas dos professores e às suas justas
reivindicações.
O que o PCP pretende é que possam ser aprovadas pela maioria mais ampla possível, num processo de
especialidade célere, que defendemos ter de ficar concluído ainda antes da suspensão dos trabalhos
parlamentares, em virtude das eleições para o Parlamento Europeu, em maio.
Sr.as e Srs. Deputados: Os direitos dos trabalhadores têm de ser respeitados. A contagem do tempo de
serviço é um direito que tem de ser assegurado. O PCP continuará, hoje e sempre, a intervir ao lado dos
professores e educadores para que isto possa ser uma realidade.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
Entretanto, assumiu a presidência o Presidente, Eduardo Ferro Rodrigues.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Joana Mortágua.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, antes de mais, quero saudar todas as professoras e todos
os professores que se encontram nas galerias e também fora da Assembleia, com quem já tive também
oportunidade de estar.
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Deixo-vos agora o exemplo da Prof.ª Maria de Lurdes, que tem 15 anos de serviço e que começou a dar
aulas em 2004. Todos os anos fez formação contínua, entretanto, tirou uma pós-graduação, mas durante 14
anos ganhou o salário de base da carreira.
Ora, 14 anos depois, com o descongelamento, esta professora passou para o 2.º escalão. O que isto quer
dizer é que, passado um terço da sua vida profissional, esta professora está, agora, a começar a sua carreira,
porque quiseram tirar-lhe uma década do tempo de serviço.
Esta professora é provavelmente uma das professoras mais jovens do sistema de ensino. Para ela a
preocupação agora é se os pouco mais de 1200 € líquidos chegam para sustentar duas casas ou para os
transportes que provavelmente terá de pagar por ser uma professora deslocada, como muitas da sua idade e
com os seus anos de serviço.
Mas há professores com 20, 24, 26 anos de carreira que, com o tempo de congelamento, ficaram presos no
2.º, no 3.º, no máximo no 4.º escalão e para estes a questão e o problema não é apenas a promessa rasgada
do direito a uma carreira, o problema é também a certeza de uma reforma quando chegarem a velhos, uma
reforma que emagreceu com os 10 anos que lhes retiraram enquanto trabalhavam.
São 9 anos, 4 meses e 2 dias e nem mais uma hora! Os professores não pedem nem mais uma hora, não
pedem retroativos, não pedem privilégios, pedem apenas o que é seu de direito, que é o seu direito à carreira e
à sua carreira, não a uma qualquer outra, nem às regras das carreiras gerais com que inventaram um cálculo
esdrúxulo chamado «modúlo-padrão».
Não são três anos menos um bocadinho e também não são dois anos e três quartos, é quase uma década
de serviço, de trabalho dedicado à escola pública e que tem de ser reconhecido.
E era exatamente esse o mandato que o Governo tinha para fazer.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Mandato da Assembleia da República, na resolução que aprovou, e o PS
não votou contra; mandato da Assembleia da República no Orçamento do Estado para 2018; mandato da
Assembleia da República no Orçamento do Estado para 2019; e mandato, também, na declaração de
compromisso que o Governo assinou com os sindicatos.
O Governo falhou! O Governo falhou, porque nunca quis fazer negociações nem nunca tentou chegar a bom
porto, e falhou no respeito aos professores, quando impôs uma solução que rouba seis anos e meio de serviço
e cria uma avalanche de ultrapassagens.
É uma trapalhada com um desfecho triste, porque propõe, agora, aos professores uma situação de
desigualdade com os seus colegas da Madeira e dos Açores e uma recuperação de tempo amputada a um
terço.
O Governo falhou porque quis pôr a carreira europeia do Ministro das Finanças à frente da carreira dos
professores e à frente dos direitos dos professores.
Aplausos do BE.
Protestos do PSD.
E, como o Governo falhou, agora é o tempo do Parlamento. Agora é o momento legítimo e constitucional
para trazer aqui as apreciações parlamentares, que são o direito de um Parlamento que se quer inteiro na sua
soberania.
Ora, é isso que o Bloco de Esquerda aqui vem fazer: propor uma solução que responde aos professores e
que é responsável para com o País, porque defende a escola pública. Uma solução que propõe a recuperação
integral do tempo de serviço, com uma recuperação imediata dos 2 anos, 9 meses e 18 dias e o faseamento,
até 2025, do resto, com possibilidade de acesso, também, aos 5.º e 7.º escalões e à reforma antecipada. Esta
é a proposta do Bloco, que cumpre os objetivos dos sindicatos e não ignora a mobilização em torno de uma
iniciativa legislativa dos cidadãos.
Nós com o Partido Socialista já sabemos que não contamos.
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Protestos do PSD.
Já o PSD vem aqui em modo de «agarrem-me senão eu vou-me a eles».
Protestos do PSD.
Estende uma mão aos professores para depois dar a outra a Mário Centeno e deixar os professores sem
direitos visíveis na sua folha de vencimento.
Protestos do PSD.
Diz que é preciso reconhecer o direito dos professores, mas sem contar o tempo. É preciso responder aos
professores mas sem chatear Bruxelas.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — O Orçamento é vosso!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É preciso responder aos professores mas sem mexer no défice. E, com
muitos «mas», o PSD tenta enganar os professores,…
Aplausos do BE.
A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — Quatro anos, quatro Orçamentos!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … num joguinho eleitoralista que descredibiliza o Parlamento e falha naquilo
que foi a palavra dada aos professores.
Sr.as Deputadas e Srs. Deputados do PSD, se é verdade que querem devolver o tempo de serviço aos
professores cá estamos para isso.
Protestos do PSD.
A oportunidade é agora! Este é o tempo do Parlamento, é o tempo do debate na especialidade e de ver
quem, de verdade, está do lado dos professores.
Os nossos votos contam, são 19 e estão todos com os professores!
Protestos do PSD.
Há aqui muito mais votos para contar, vamos ver de que lado é que eles vão estar.
Aplausos do BE.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — As linhas vermelhas agora são rosa!
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, podem fazer os apartes que quiserem, mas interromper as
intervenções dos oradores é que não é correto nem é permitido.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Mano, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos
hoje num debate marcado a várias vozes.
A voz de mais de 20 000 cidadãos que apresentaram uma iniciativa legislativa, que aqui saudamos pelo
exercício de cidadania que torna viva a democracia; as três apreciações parlamentares apresentadas e as
propostas de todos os partidos que compõem a Assembleia, com exceção do Partido Socialista; a voz das 10
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organizações sindicais, com uma petição que recolheu mais de 60 000 assinaturas; e, naturalmente, a voz e a
presença de muitos professores que se encontram nas galerias e fora da Assembleia.
Ninguém duvidará de que é preciso um amplo e profundo descontentamento com o Governo para que esta
confluência de iniciativas ocorra.
O PSD está presente neste debate com uma proposta, e está presente por duas razões: primeira, porque o
Governo criou um problema, demorou dois anos a fazer de conta que o resolvia…
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — … e, depois de muita ambiguidade, incompetência e sobranceria,
eventualmente deslumbrado na mestria dos truques, assumiu que este desaparecia sem que tivesse que cumprir
a palavra dada.
Aplausos do PSD.
Mas o problema não é daqueles que se resolve sozinho. O Governo foi incapaz de resolver o problema que
criou e ampliou e, hoje, o Governo é um problema, em si mesmo, e cabe aos portugueses resolvê-lo.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — A segunda razão prende-se com o compromisso que o PSD, o maior
partido português, tem para com o País. Trata-se de um compromisso de responsabilidade e de confiança, que
nos motiva a fazer sempre mais e melhor e a resolver os problemas graves criados por Governos
demagógicos,…
O Sr. António Costa Silva (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — … da mesma forma que nos legitima a ser uma alternativa de futuro a todo
o tempo.
Aplausos do PSD.
A educação, quer pelo papel que tem na formação dos cidadãos, quer pelo potencial de competitividade, é
central como alavanca do desenvolvimento do futuro de Portugal.
Depois de quatro anos com os níveis mais baixos de investimento deste milénio, não é expectável ambicionar
melhores resultados no sistema educativo sem a participação ativa de um corpo docente valorizado. Precisamos
de bons professores numa sociedade cada vez mais exigente.
Por isso, o PSD vem, por este meio, assumir as suas responsabilidades em nome dos portugueses.
A Sr.ª Joana Lima (PS): — Saiu do frigorífico!
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Estamos conscientes de que o congelamento da progressão das carreiras
dos professores — sempre iniciado por Governos socialistas, quer em 2005 quer em 2011 — …
Aplausos do PSD.
… surgiu no contexto de grandes desafios orçamentais, que motivaram decisões difíceis no passado e que
foram ultrapassados com o contributo dos portugueses.
Ainda que subsistam incertezas não negligenciáveis, é necessário olhar para o futuro e ajustar, com
prudência, a realidade de hoje à ambição da amanhã.
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Este ajuste não pode, como no diploma do Governo, comprometer a confiança nos processos de concertação
social nem enganar, fazendo crer que dá o que não está a dar, como também não pode, como no caso dos
parceiros do Governo, ser um ajuste demagógico,…
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — … com o perigo de se cair no facilitismo de se anunciarem propostas
ambiciosas que nunca serão implementadas, por insustentabilidade financeira ou mesmo por
inconstitucionalidade.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — A valorização dos docentes, para ser efetiva, tem de ser compreendida e
assumida por todos, mesmo por aqueles cidadãos que não sendo professores ou não tendo filhos ou netos na
escola, se revêm no caminho que está a ser traçado para o futuro.
A proposta do PSD é séria para com os principais agentes de um serviço de educação que se quer exigente
e de qualidade, mas é sobretudo responsável porque pensa estrategicamente o superior interesse dos alunos e
do País.
É uma proposta que assume a contabilização integral do tempo de serviço que esteve congelado — 9 anos,
4 meses e 2 dias —, no respeito pela regra da despesa contida no Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Aplausos do PSD.
É uma proposta que garante que, em 2019, são já contabilizados 2 anos, 9 meses e 18 dias, e não apenas
daqui a seis anos, como decorre, para alguns docentes, da proposta do Governo. Fá-lo no respeito pela norma-
travão, dada a palavra dada pelo Ministro das Finanças de que está consagrada uma dotação para o efeito no
Orçamento do Estado para 2019, e tendo em conta a recente confiança do próprio, de que «existem graus de
liberdade suficientes para que a evolução dos salários na função pública retome a normalidade» — palavras de
Mário Centeno.
O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Bem lembrado!
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — É uma proposta que valoriza a concertação social como espaço
incontornável de compromisso em democracia, que foi menosprezado pelo atual Governo, e é uma proposta
que salvaguarda a separação de poderes, a transparência e o respeito de competências e de responsabilidades
do Governo e da Assembleia da República.
É uma proposta que estabelece critérios de compromisso com a sociedade a médio e longo prazo que, em
processo negocial, permitirão definir os termos e o modo como se concretizará a recuperação do tempo
remanescente com efeitos no próximo ano.
Estes critérios passam pela sustentabilidade futura do sistema público de educação, rejuvenescimento do
pessoal docente, revisão de carreiras, aposentações e necessidades futuras do sistema, e pelos recursos
disponíveis face à situação do País, crescimento económico e dívida pública.
O Partido Social Democrata não tem medo de fazer escolhas, sabe bem como é difícil fazê-las em momentos
indesejáveis. Numa época de populismos, mantemos o compromisso com a verdade e a seriedade face à
alternativa de enganar, dar para comprar votos ou dar esmolas para calar quem incomoda.
Vozes do PSD: — É verdade!
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Mas também sabemos dar, e dar bem, assumindo o preço da justiça social
e do compromisso com as gerações futuras.
Vozes do PS: — Ah!
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A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Contamos que esta Assembleia e todos os partidos saibam valorizar o
equilíbrio entre o esforço do País e o valor da educação, votando favoravelmente a nossa proposta.
A proposta do PSD é responsável e representa uma última oportunidade que damos a este Governo para
resolver o problema que criou ou, se para tal não lhe sobrar o engenho e a arte, o nosso compromisso de
Governo a partir de outubro.
O PSD volta a dar esperança aos professores, valorizando, acima de tudo, o futuro da educação.
Aplausos do PSD.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Onde é que já ouvi isto?! Já vimos este filme!
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Margarida Mano, o Sr. Deputado Porfírio Silva inscreveu-se para lhe
pedir esclarecimentos.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Mano, não concordamos com os
partidos à nossa esquerda quando desvalorizam o controlo do défice e da dívida, quando se querem desviar do
Orçamento que aprovámos juntos para 2019, mas, pelo menos, esses partidos não estão sempre a inventar um
discurso diferente de cada vez que discutimos essas matérias.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Já a posição do PSD é muito mais parecida com uma política de duas caras. Hoje, o PSD propõe que se
antecipe despesa com a valorização remuneratória destes profissionais, mas, ainda há dias, um Vice-Presidente
do PSD defendia exatamente o contrário. Não me contaram, o Prof. David Justino disse-o num debate na rádio,
comigo, em que criticava o Governo pelo aumento da despesa com salários na Administração Pública.
Dizia David Justino que esse aumento da despesa com salários significava hipotecar o futuro. Afinal, quem
nos quer enganar? O Vice-Presidente do PSD ou a Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD?!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
É que já vimos, antes, este filme do PSD com duas caras.
Antes das eleições de 2011, todos vimos e ouvimos Passos Coelho garantir a pés juntos que não aumentaria
impostos,…
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Tenha vergonha!
O Sr. Porfírio Silva (PS): — … que não podiam ser os reformados e pensionistas a pagar a crise,…
Protestos do PSD.
… que o País não precisava de mais austeridade…
Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Porfírio Silva, deixe-me interrompê-lo.
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Peço ao Sr. Deputado Duarte Marques que tenha o mesmo respeito pelo orador que o orador teve pela
intervenção da Sr.ª Deputada do PSD.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, faça favor de continuar.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Obrigado, Sr. Presidente.
Como dizia, Passos Coelho criticava, então, os cortes nos serviços públicos e até o ouvimos, precisamente
no dia 1 de abril, dizer que era um disparate cortar o 13.º mês. Para quê? Para depois governar contra tudo
aquilo que dissera.
Protestos do PSD.
O problema é que o PSD entrou outra vez em modo de campanha eleitoral, o que, para o PSD, é o modo de
duas caras: a direção do PSD diz uma coisa, os Deputados dizem outra.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Tenha vergonha!
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Aliás, mesmo os Deputados do PSD vão dizendo ora uma coisa hoje, ora outra
coisa amanhã.
O Deputado do PSD Duarte Marques afirmou, no final de 2017, que o que estava no programa do PSD era
fazer o descongelamento sem aumentar a despesa do Estado com funcionários.
Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.
Queriam um descongelamento de carreiras sem despesa! Vejam lá! Mas nunca mexeram uma palha para
fazer o descongelamento! Fizemo-lo nós, obviamente, com despesa!
Mas agora, tendo entrado em modo de campanha eleitoral, o PSD tem duas caras. E para os professores a
cara do PSD no poder seria outra vez a PACC (Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades), a
requalificação como porta de despedimento, as dezenas de milhares de professores que os senhores tiraram
da escola pública.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Sr.ª Deputada, uma vez que propõe aqui o contrário do que aqueles que, no seu partido, criticam o aumento
da despesa, que impostos quer aumentar para cobrir a diferença? Ou também acha que o controlo do défice e
da dívida é uma imposição de Bruxelas que não devemos respeitar?
Protestos do PSD.
Na ótica do PS, a questão das carreiras tem de ser tratada com equidade entre trabalhadores e entre
carreiras. Claro que, no Governo e no PS, queríamos ir mais longe, mas como «Roma e Pavia não se fizeram
num dia» é importante que a solução encontrada seja equitativa por ser equivalente para todas as carreiras.
Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.
A questão da equidade não importa ao PSD? Vão alargar a vossa proposta a todos os trabalhadores da
Administração Pública? E quanto custa nesse caso?
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O PSD decidiu ignorar o aviso do Presidente da República, que alertou, aquando da promulgação, para o
facto de uma apreciação parlamentar não dever questionar os limites do Orçamento de 2019. Se o PSD
apresenta uma proposta inconstitucional, que viola a norma travão, está o PSD a querer enganar os professores,
apresentando um projeto que sabe que não pode chegar a ser lei porque viola a Constituição?!
O Sr. Pedro Alves (PSD): — É falso! É falso!
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Porfírio Silva, tem de terminar.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Termino, Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada, foi o Governo do PSD que foi além da troica, cortando mais 1200 milhões de euros do que
estava previsto no memorando de entendimento, na área da educação.
Protestos do PSD.
Mais uma vez — e deduz-se isso da leitura das vossas propostas —,…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — … o PSD pensa que há professores a mais…
A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — Seja sério!
O Sr. Porfírio Silva (PS): — … e, por isso, quer pagar a vossa medida despedindo professores. É isso, Sr.ª
Deputada, que os senhores fazem quando chegam ao poder.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Margarida Mano.
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Porfírio Silva, o Sr. Deputado e os Deputados
do Partido Socialista devem estar desesperados.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Não!
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Estão, estão!
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Se querem falar de Pedro Passos Coelho, então lembro que os
portugueses e os professores se lembram bem de, em maio de 2011, o Ministro das Finanças de um Governo
socialista vir dizer que não havia dinheiro para pagar os salários dos funcionários públicos,…
Aplausos do PSD.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Bem lembrado!
O Sr. Duarte Marques (PSD): — É verdade!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas para as PPP já havia!
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A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Mas gostaria de lembrar algo desta Legislatura, bastante mais próximo no
tempo, de que os portugueses e os professores se lembram bem: o Sr. Deputado e os Deputados do Partido
Socialista votaram uma resolução de janeiro de 2018 que recomendava ao seu Governo que, para efeitos de
progressão, se contasse todo o tempo, todo esse tempo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Isso é uma recomendação!
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Quem está a mudar a palavra é o Partido Socialista!
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Porque é que não responde às perguntas que lhe fiz?
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Não vale a pena responder porque os professores e o País conhecem
bem tudo isto.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, é para fazer uma interpelação à Mesa sobre a condução dos
trabalhos.
O Sr. Presidente: — Sobre que aspeto da condução dos trabalhos?
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, é para pedir a distribuição de documentação.
O Sr. Presidente: — É, então, para distribuição de documentação?
Diga-nos só qual é a documentação que quer fazer distribuir, Sr. Deputado.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, vou entregar à Mesa uma folha com vários links…
Risos e protestos do PSD.
… que dão conta das declarações de vários responsáveis do PSD que aqui citei e que sustentam as
perguntas às quais o PSD não respondeu.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, não pode fazer considerações.
Faça chegar essa folha à Mesa, que a Mesa dar-lhe-á o destino devido.
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Sr. Presidente, é também para uma interpelação à Mesa sobre a condução
dos trabalhos.
O Sr. Presidente: — Faça o favor de dizer, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Sr. Presidente, gostava de pedir à Mesa para distribuir aos membros do
Governo presentes a Resolução da Assembleia da República n.º 1/2018, sobre a qual falei.
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O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, fica registado o pedido. O documento será distribuído pela Mesa.
Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Todos os partidos políticos, sem exceção, sabem que se o congelamento das carreiras da Administração Pública
foi uma decisão política difícil e extrema, o descongelamento teria que ser uma decisão política refletida e seria,
inevitavelmente, complexa, porque houve expectativas geradas durante os anos de suspensão, porque houve
várias alterações às diferentes carreiras e porque, claro, há um impacto orçamental considerável, que foi, de
resto, a razão do primeiro congelamento, em 2005, no Governo PS de José Sócrates.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — E de António Costa!
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — O mínimo que se pedia ao Governo PS de António Costa era que
tivesse estudado e planeado o descongelamento de toda e cada uma das carreiras da Administração Pública,
para, então, o poder fazer de forma transparente, sem indefinições intencionais, de forma justa, sem esconder
as limitações, e de forma sustentável, porque era evidente que os seus efeitos seriam pesados e não se
esgotariam numa legislatura.
Mas o Governo PS de António Costa, porque não fez nada disto, viu-se enredado em contradições e
contestações e, ao invés de governar, escolheu jogar. E jogou com as palavras, jogou com o tempo, jogou com
o Parlamento, jogou com os sindicatos, com os professores, com a escola, com os alunos e as suas famílias.
«Têm a minha palavra de que lutarei radicalmente pelos direitos dos professores» — afirmou o Ministro da
Educação, em 2 de novembro de 2018.
«A correção do tempo de serviço congelado é matéria cujos termos, limites, condições e faseamentos serão
objeto de negociação sindical» — afirmou Alexandra Leitão, em 15 de novembro de 2018.
«Quando descongelamos as carreiras dos funcionários públicos, (…) não se esqueçam de quem estamos a
falar, falamos das mulheres e homens ‘que ensinam os nossos filhos’. (…) Mais uma vez, não lhes estamos a
dar nada que não seja seu por direito nem a fazer nenhum favor. Estamos apenas a cumprir a lei e os contratos
que o Estado assinou.» — afirmou Pedro Nuno Santos, em 27 de novembro de 2018.
Foi com estes veementes compromissos que o Orçamento do Estado de 2018 passou, com os votos
favoráveis do PS, do Bloco de Esquerda, do PCP, de Os Verdes e do PAN. Mas nada do que estes governantes
afirmaram se concretizou como disseram.
A narrativa foi mudando e, com base numa conta opaca, até hoje desconhecida do CDS, o Governo
apresentou a sua inegociável proposta de recuperação, de 2 anos, 9 meses e 18 dias.
Sr.as e Srs. Deputados, em 15 de Junho de 2018, nesta mesma tribuna, o CDS deixou clara a sua posição.
E cito: «Era obrigação do Governo ter apresentado um plano transparente para o descongelamento de todas as
carreiras da Administração Pública, incluindo a carreira docente.
O CDS exige que o apresente agora, clarificando tudo o que terá que ser negociado: tempo, carreira, salários,
avaliação e aposentações. Um plano que implica compromissos para o futuro e que, por isso mesmo, tem que
passar por este Parlamento».
Antes dessa data, e sobretudo depois dessa data, o CDS reuniu inúmeras vezes com todos os representantes
dos professores — todos: estruturas sindicais consolidadas, novas estruturas sindicais, professores em nome
individual e promotores da iniciativa legislativa de cidadãos, hoje aduzida a esta discussão.
Ao longo deste processo, mantivemos a mesma posição, afirmámos sempre o mesmo, sem jogos de
sombras, sem cantos de sereia, olhando de frente os professores, mas também todos os cidadãos que
representamos.
Consequentemente, o CDS traz, hoje, a sua proposta de alteração ao Decreto-Lei do Governo, afirmando:
que o tempo de congelamento foi de 9 anos, 4 meses e 2 dias, mantendo os 2 anos, 9 meses e 18 dias da
proposta do Governo e acompanhando o Sr. Presidente da República, aquando da promulgação do diploma, na
garantia de que os professores não fiquem sem qualquer recuperação na carreira e que esta seja assegurada
já, em 2019; fixando novas negociações em 2020, com novo Governo e novo Orçamento, para a continuação
da reposição integral do tempo de serviço, ponderada a capacidade económico-financeira do País e
considerando o estatuto da carreira e a aposentação nos últimos escalões.
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Abre-se aqui uma oportunidade para tratar dois problemas críticos: o envelhecimento dos professores e a
necessidade de revalorizar a profissão, tornando-a atrativa aos mais novos.
O nosso objetivo, com a limitada informação disponível, uma vez que o Governo se recusou a enviar ao
Parlamento o estudo do impacto financeiro, é propor uma solução justa para os professores, para toda a
Administração Pública e para os contribuintes em geral; sustentável, para não voltarmos a discutir
congelamentos num futuro próximo; e estável, preservando alunos e famílias de uma turbulência à qual são
alheios e que sempre, sempre, os prejudica.
Sr.as e Srs. Deputados, estamos em ano eleitoral e não há como ignorar esse contexto. O Governo, ao mesmo
tempo que diz que a solução para os professores não se encontrava prevista no seu programa e que tem um
caráter claramente excecional, já anunciou que a exceção será, afinal, a regra para as restantes carreiras da
Administração Pública.
Os partidos que apoiam o Governo mobilizaram-se na rua e radicalizaram-se num «tudo ou nada» eleitoral.
Desconhecendo os montantes, fixam datas de pagamentos até 2025, fazendo crer que conseguem vincular,
pelo menos, mais duas legislaturas, dois parlamentos e dois governos. O risco do jogo do Bloco de Esquerda e
do PCP é a demagogia de prometer tudo sem ter como garantir nada.
Protestos da Deputada do PCP Rita Rato.
Mas não aceitar soluções responsáveis e solidárias entre cidadãos e gerações é também um jogo em que
ninguém ganha: nem os professores, nem, sobretudo, os que menos culpa têm, os alunos, com greves pré-
anunciadas já para o terceiro período, e nem mesmo a escola pública, ferida no seu dever constitucional de
ensinar.
Sr.as e Srs. Deputados, chegámos aqui pela ingerência do Governo com o apoio do PS.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Ingerência do Governo?!…
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Por isso, nesta apreciação parlamentar o que se discute não é se há
um problema, mas qual é a melhor solução. E entre popularidade com alguns e responsabilidade com todos, o
CDS sabe bem qual tem de ser o caminho.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada
Maria Augusta Santos.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Augusta Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo:
Debatemos hoje, de novo, a recuperação do tempo de serviço de educadores e professores.
Este debate é inseparável de uma marca indelével desta Legislatura: voltámos a apostar na escola pública
e retomámos uma estratégia de valorização dos profissionais da educação.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Foi a vinculação extraordinária de 7000 professores; a redução da norma-travão de cinco para três anos em
qualquer grupo de recrutamento, o que em 2019 representa a vinculação de mais 566 professores; a criação do
Grupo de Recrutamento de Língua Gestual Portuguesa.
Vozes do PS: — Muito bem!
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A Sr.ª Maria Augusta Santos (PS): — Quanto aos professores de Música e Dança do ensino artístico
especializado, foi a vinculação extraordinária e o novo regime jurídico específico de recrutamento e seleção; a
inclusão do tempo dos intervalos na componente letiva no 1.º ciclo e a uniformização do calendário escolar,
desde o pré-escolar ao ensino secundário;…
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Maria Augusta Santos (PS): — … a regulamentação do acesso aos 5.º e 7.º escalões, com um
aumento de 4000 vagas em 2019; o descongelamento das carreiras e o reposicionamento de cerca de 11 000
docentes; o investimento de 19 milhões de euros em formação contínua de professores.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Maria Augusta Santos (PS): — Isto é investir na escola pública e nos seus profissionais. Isto é respeito
pelos professores.
Aplausos do PS.
O descongelamento das carreiras é parte deste trabalho de valorização dos trabalhadores da Administração
Pública. Cumprimos, pontualmente, esse compromisso, mas logo surgiu uma nova questão: a recuperação do
tempo de serviço, que não estava no programa eleitoral do PS, nem no Programa do Governo, nem nos acordos
entre o PS e os demais partidos da esquerda parlamentar.
Sendo uma questão nova, com pesadas implicações orçamentais, sempre dissemos que ela teria de ser
resolvida por via negocial.
O Governo procurou, precisamente, encontrar uma solução por via negocial. Por isso, a posição do Governo
evoluiu, aproximando-se da posição dos sindicatos, propondo a recuperação de quase três anos.
Os sindicatos, apesar de terem assinado uma declaração de compromisso onde assumiam que a negociação
teria como base três variáveis — o tempo, o modo e o calendário da recuperação —, quiseram, quanto ao tempo,
impor a sua posição de partida como resultado da negociação. Infelizmente, a rigidez inicial raramente dá bons
resultados.
Nesta matéria, sempre defendemos: que os educadores e professores não sejam menos bem tratados do
que outros profissionais da Administração Pública;…
Aplausos do PS.
… que a equidade entre trabalhadores é um princípio fundamental; que a recuperação do tempo de serviço
seja calculada de forma equivalente em todas as carreiras — é uma questão de equidade entre trabalhadores;
e que os professores possam escolher entre o regime do decreto-lei específico ou o regime transversal para
várias carreiras especiais, o que é também importante para essa equidade.
Esta solução, se não resolve completamente, mitiga o impacto das ultrapassagens, porque o Governo nunca
desistiu de procurar as melhores soluções para os problemas.
Teria sido possível ir mais longe? Talvez tivesse sido possível encontrar melhores soluções se as
negociações não tivessem sido sacrificadas por aqueles que escolheram a via do confronto com o Governo e o
caminho da radicalização, incluindo a verbal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, como Deputada que estou e como professora que sou, digo-vos:
queremos sempre fazer mais pelos professores e pela carreira docente, porque sem os professores a educação
não teria feito em Portugal os enormes progressos alcançados nos anos da democracia.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua, por favor.
A Sr.ª Maria Augusta Santos (PS): — Mas também queremos e acreditamos que a esmagadora maioria
dos professores também quer, que as políticas públicas sejam sustentáveis, orçamentalmente responsáveis,
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que sejam dados apenas passos seguros, para que nunca voltemos ao enorme aumento de impostos, para que
não voltemos aos cortes cegos e aos congelamentos.
Aplausos do PS.
Equidade entre trabalhadores e sustentabilidade são princípios que orientam o Grupo Parlamentar do Partido
Socialista neste debate e nesta decisão.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, de Os Verdes.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs.
Deputados: A primeira palavra do Partido Ecologista «Os Verdes» é de saudação a todos os professores, que
têm dado uma verdadeira lição ao País quando demonstram que não se deve baixar os braços perante brutais
injustiças e que vale sempre a pena lutar.
Sr.ª Deputada do PS, essa conversa do «não há dinheiro» já não pega. Já não pega porque o País assiste
a que sejam permanentemente disponibilizados milhares de milhões de euros para a banca. Para aí há sempre
disponibilidade! Já vimos o Governo a pôr o défice abaixo da meta a que se tinha proposto, desperdiçando
dinheiro para investimento e, portanto, essa conversa não pega.
O que temos de verificar é que estamos perante uma brutal injustiça. Os professores foram muito injustiçados
quando o Governo do PSD/CDS manteve, durante toda a Legislatura, o congelamento da progressão nas
carreiras. Nesta Legislatura, nós teríamos de as descongelar, como é evidente, esse era o nosso compromisso.
Só que o Governo criou um outro problema ao dizer que não vão recuperar todo o tempo de serviço. Veja bem,
Sr. Ministro, a injustiça que aqui está criada: colocar um apagão perante o tempo de serviço, o trabalho
efetivamente prestado pelos professores faz de conta que não existiu para efeitos de progressão na carreira!
Nós temos batalhado, incansavelmente, na Assembleia da República, para que a postura do Governo seja
diferente. E o PS poderia ter ajudado mais! O PS podia ter sido coerente com o seu voto a favor do projeto de
resolução que Os Verdes aqui apresentaram e que deu como resultado a Resolução da Assembleia da
República n.º 1/2018, que determina a contagem de todo o tempo de serviço. Evidentemente, depois seguiram-
se também os Orçamentos do Estado para 2018 e 2019 que determinavam a negociação do modo e do prazo
de recuperação do tempo de serviço prestado. Mas o que é que aconteceu? O Governo foi completamente
irredutível nestas negociações.
Protestos do Ministro da Educação.
Foi, Sr. Ministro, foi completamente irredutível, pegou na questão dos dois anos e nove meses e não saiu
dali. Os sindicatos abriram portas para soluções alternativas: a questão do faseamento, a questão,
inclusivamente, da utilização do tempo para efeitos de aposentação, enfim, puseram várias alternativas em cima
da mesa, mas o Governo não queria ouvir, não queria sair da solução que tinha proposto.
Sr. Ministro, não será brutalmente injusto que os professores da Madeira e dos Açores conheçam a
recuperação de todo o tempo de serviço e os do continente não? Mas há professores de segunda e professores
de primeira?! Como é que é relativamente a esta matéria, Sr. Ministro?
Hoje estamos aqui a tratar das alterações ao teimoso decreto-lei do Governo, o Decreto-Lei n.º 36/2019, que
estabelece os tais dois anos e nove meses, e há várias soluções em cima da mesa. A do PSD e do CDS —
cuidado! — o que diz é que agora faz-se o que o Governo propõe e o resto do tempo logo se vê.
Srs. Deputados, isto não dá garantia nenhuma! O que dá garantia é a proposta de Os Verdes, que determina
a recuperação integral de todo o tempo de serviço — nove anos, quatro meses e dois dias —, de forma faseada,
entre 1 de janeiro de 2019 e 1 de janeiro de 2025.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
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O Sr. Presidente: — Pelo Governo, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro da Educação Tiago
Brandão Rodrigues.
Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Educação (Tiago Brandão Rodrigues): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, muito
boa tarde a todos.
Este Governo só tem uma cara e um enorme compromisso: cumprir o Programa aprovado nesta Câmara,
programa esse que reflete as posições conjuntas assinadas com os partidos que, em boa hora, quiseram que
desta Casa saísse um novo Governo que devolvesse normalidade à vida dos portugueses e devolvesse
progresso social e económico ao País.
Ora, foi exatamente isso que fizemos desde o primeiro dia desta Legislatura e que faremos até ao último dia
da mesma, o cumprimento integral do Programa do Governo, também na educação, valorizando repetidamente
a condição docente e a escola pública desde o primeiro dia.
Devolver a normalidade à vida dos portugueses implicava descongelar o que estava congelado. Assim
fizemos, descongelando a progressão salarial nas carreiras de todos os funcionários públicos, e assim fizemos
também na educação, descongelando, no dia 1 de janeiro de 2018, a carreira de todos os profissionais da
educação.
Garantido este descongelamento, e como é natural na condição humana, surgiu uma nova questão, não
prevista nem no Programa do Governo, nem nas posições conjuntas que o precederam. Esta questão nova,
sobre a qual não havia nenhum — repito «nenhum» — compromisso assumido por este Governo, é a questão
da recuperação do tempo de serviço docente, que esteve congelado entre 2011 e 2017 e que nunca se colocou
nos diferentes orçamentos aprovados nesta Casa durante esses sete anos.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Foi antes disso!
O Sr. Ministro da Educação: - Ou seja, depois de o cronómetro estar a contar para a frente, surgiu uma
nova reivindicação: a de que esse mesmo cronómetro também contasse para trás.
Sr.as e Srs. Deputados, embora sendo totalmente nova, o Governo foi sensível a esta questão e cumpriu
escrupulosamente as Leis do Orçamento do Estado de 2018 e de 2019, negociando com seriedade, com boa-
fé, sem intransigência, com números conhecidos e dando um passo firme que atenua os efeitos do impacto
desse mesmo congelamento.
Com o respeito que nos merecem os profissionais da educação, desde logo os docentes, agendámos, ao
longo de mais de um ano, várias rondas negociais para vermos se era possível dar um passo — nunca maior
do que a perna — ao encontro dessas reivindicações novas que, recordo, não só representam um imenso
compromisso orçamental, igualmente novo e nunca programado, como se repetiria, ano após ano, em todos os
orçamentos.
Efetivamente, trata-se de uma despesa nova que não afeta apenas um ano, antes, afeta todos os anos
futuros. Uma despesa que, com o alargamento para todas as outras chamadas carreiras especiais, se
apresentaria como ainda mais absolutamente insustentável.
Por ser uma despesa nova e uma despesa contínua, este Governo protagonizou um processo negocial,
sendo justo nos compromissos que assumiu e responsável na despesa que os mesmos acarretam, tendo ido o
Governo ao limite dos limites dos limites, em termos do que é financeiramente possível e sustentável. Foram
doze os momentos em que reunimos com as organizações sindicais e, se é inegável que uma negociação se
mede mais pelo ponto de chegada do que pelo ponto de partida, é indiscutível que só uma das partes
apresentou, durante o processo negocial, uma proposta diferente daquela com a qual partiu para essa
negociação, e essa parte foi o Governo.
A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — Ah!
O Sr. Ministro da Educação: — A outra parte manteve-se radicalmente inflexível.
Aplausos do PS.
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Sr.as e Srs. Deputados, este Governo negociou, chegou ao fim com uma posição diferente da que era a sua
no início e teve pela frente quem exige tudo e nada menos do que tudo.
Ainda assim, demos esse passo, de dar mais do que tínhamos programado, com equidade entre carreiras e,
por isso, hoje está aqui também na equação o novo decreto-lei para as outras carreiras especiais, já aprovado,
e está também a responsabilidade para com os portugueses.
E, porque somos Governo, não temos, infelizmente, a liberdade de dispor dos recursos presentes e futuros
dos portugueses para dar tudo a todos.
Felizmente, porque somos Governo, não temos a hipocrisia política de tomar os portugueses por tolos e
prometer a uns dar tudo, enquanto dizemos, ao mesmo tempo, que quem dará esse tudo será alguém lá para a
frente, num governo futuro cujas circunstâncias não podemos conhecer hoje, num tempo que não dizemos qual
é e com recursos que não explicamos a quê e a quem são retirados.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — É ao superavit! O superavit é um grande recurso!
O Sr. Ministro da Educação: — Governar implica escolher e, por vezes, até desagradar. Pena que ser
oposição implique apenas querer tudo e o seu contrário, dizer aos portugueses tudo e nada.
Estamos certos de que os portugueses saberão bem multiplicar este tudo por este nada, e ver que o resultado
para o bem comum seria o mesmo que quando se multiplica tudo por zero: dá «nada», Srs. Deputados! E é esse
rotundo «nada» que a direita, pela iniciativa do PPD/PSD, nos traz aqui hoje, com um tremendo oportunismo
político. O oportunismo político de quem, tendo estado contra o descongelamento, agora se propõe recuperar
todo o tempo congelado, sem jamais dizer como ou quanto vai custar, muito menos dizendo que impostos vai
aumentar ou que despesa vai cortar para atingir esse valor.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Dê a informação!
O Sr. Ministro da Educação: — Que coragem é esta, Sr.as e Srs. Deputados? Que valorização real é, afinal,
esta, Sr.as e Srs. Deputados? É apenas a promessa ilusória de uma direita mais uma vez incapaz de nos dizer
ao que vem. É que aquilo que o PSD hoje traz aqui não é uma esperança, o que o PSD hoje traz aqui é uma
verdadeira patranha.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para um pedido de esclarecimentos, o Sr. Deputado Pedro Alves,
do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro
da Educação, V. Ex.ª veio aqui, uma vez mais, tentar reescrever a história e, uma vez mais, fazer chantagem
com a Assembleia e com os professores.
O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Muito bem!
O Sr. Pedro Alves (PSD): — E, como se viu, os professores que estavam nas galerias ausentaram-se, tal é
a sintonia que existe com o Governo.
O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Muito bem!
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Nos últimos 18 meses, assistimos a uma farsa política em que o Governo, o
PS, o Bloco de Esquerda e o PCP foram os grandes protagonistas. Uns a redigir, outros a produzir e todos a
representar, com o Governo a fugir sistematicamente às suas responsabilidades.
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Tudo isso, porque é um Governo de consumo imediato, sem estratégia de médio ou longo prazo, que, através
da propaganda, procura responsabilizar os outros pelos problemas por si criados.
Senão, vejamos.
Quem congelou as carreiras dos professores? Um Governo do PS! Quem levou o País a uma pré-bancarrota?
Um Governo do PS! Quem, agora, pretende discriminar os professores perante o resto da função pública? O
Governo e o PS! Quem, deliberadamente, enganou os professores? O Governo e o PS! Quem, escudando-se
em questões de semântica e denegrindo a imagem pública dos professores, fez chantagem negocial? O
Governo e o PS!
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.
E quem apresenta, agora, um diploma que desmerece o trabalho dos professores e não acautela futuras
inconstitucionalidades? O Governo do PS!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estamos aqui na presença de um ministro da República que não
cumpre a lei, que não honra os compromissos que celebra e que não é sério nas negociações em que participa,
ao contaminar a opinião pública com valores que não demonstra.
O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Estamos na presença de um ministro que não percebe a importância social da educação e de todos os seus
agentes e que, por todas estas razões, não merece a confiança dos portugueses.
O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Sr. Ministro, diga-nos: mesmo depois deste atribulado processo, o PSD está
aqui a dar a mão e mais uma oportunidade ao Governo para se retratar. Os professores e esta Assembleia
querem definitivamente saber se o Governo está aberto e disponível para negociar,…
O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — … com verdade e com justiça, a reposição do direito a 9 anos, 4 meses e 2
dias de serviço, devido aos professores.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação: — Sr. Presidente, se houver mais Srs. Deputados inscritos para pedidos de
esclarecimento, responderei conjuntamente.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Ministro.
Então, assim sendo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, também para formular um pedido de
esclarecimento.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, o Sr. Deputado Porfírio Silva deixou no ar,
dirigida ao PSD, a questão de saber quanto custava, ou seja, quanto custava a proposta que estava a ser
deixada em cima da mesa pelo PSD.
Ora, a mim, parece-me uma excelente questão, Sr. Ministro. É que essa questão foi aquela a que o Sr.
Ministro Mário Centeno não respondeu ao Parlamento na discussão do Orçamento do Estado. «Quanto custava»
foi aquilo que o Sr. Ministro e o seu Governo sempre se recusaram a dizer, ao longo de ano e meio de
negociações.
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Portanto, Sr. Ministro, eu remeto-lhe agora a pergunta: se é assim tão caro, se é assim tão difícil, o que é
que o impede de partilhar, de forma transparente, com o Parlamento o valor que está em causa, para que
possamos decidir informadamente?! Se o Sr. Ministro tivesse feito esse trabalho, se tivesse feito essa conta —
coisa de que hoje em dia até já duvidamos —, poderíamos ter aqui uma discussão informada e saber, afinal,
quais são as possibilidades reais e até onde se pode ir na negociação do tempo com os professores, já este ano
e nos anos seguintes.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — O Governo não está aberto à negociação!
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Por isso, quanto custa, Sr. Ministro da Educação? Por que razão é que
não partilha com o Parlamento, que é vinculado na sua decisão, a informação que nos falta, para sermos,
responsavelmente, capazes de decidir?!
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Alves, muito obrigado pela sua questão.
Até parecia que estava escrita a alusão aos movimentos nas galerias. O Sr. Deputado tem sempre muita
informação!…
Protestos do PSD.
O que lhe quero dizer, Sr. Deputado, é que não acredite em tudo o que lhe contam os mentideiros. Não
acredite em todos os mentideiros!
Outra coisa, Sr. Deputado, que também já lhe disse várias vezes na comissão parlamentar, é que não é por
uma mentira ser dita muitas vezes que ela se transforma numa verdade! Não é por dizê-la alto e em bom tom
que ela se transforma numa verdade!
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, vou dizer-lhe, outra vez, alto e em bom tom, que o Governo nunca rompeu as negociações
com os sindicatos, nunca foi intransigente!
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Não é isso que os sindicatos dizem!
O Sr. Ministro da Educação: — O Governo nunca foi inflexível, agiu sempre de boa-fé e nunca falhou com
a palavra dada. Esta era uma boa história…
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Nunca reconheceu os 9 anos, 4 meses e 2 dias!
O Sr. Ministro da Educação: — Sr. Deputado, ou deverei dizer Sr. Deputado Professor Pedro Alves?!
Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe que isto era uma boa história: um Governo que se tem batido pela condição
docente e pela sua valorização, depois de uma intensa desvalorização do Governo anterior, simbólica e material,
ficava agora como o Governo que não se preocupa com os professores. Não é verdade! Não é verdade, Sr.
Deputado!
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Não diga isso! Tenha vergonha!
O Sr. Ministro da Educação: — Este Governo preocupa-se com os professores e não é por o Sr. Deputado
o negar muitas vezes que isso passa a ser verdade!
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Aplausos do PS.
Relativamente às contas, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, a Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do
Emprego Público, do Ministério das Finanças, repetirá aquilo que já foi dito exaustivamente.
É muito estranho que façam apreciações parlamentares, sem dizerem, verdadeiramente, e sem saberem,
verdadeiramente, quanto custa! É muito estranho, Sr.ª Deputada!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Pois é, também acho! Por isso é que lhe estou a perguntar!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Secretária de Estado da Administração e
do Emprego Público, Fátima Fonseca.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Finalmente, alguém para fazer as contas!
A Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público (Maria de Fátima Fonseca): — Sr.
Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, procurarei ser o mais clara possível no que diz respeito aos dois aspetos
que são muito relevantes, e não estamos a falar só de contas, porque as contas têm subjacente um racional,
que é um racional de equidade.
Vozes do PSD: — Quanto é?
A Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público: — Antes de chegar ao «quanto é»,
temos de saber «por que razão é», e isto é muitíssimo relevante.
O Governo desenvolveu uma solução assente num racional de equidade, porque este tema tem de ser
trabalhado no contexto da Administração Pública, sem esquecer que existem carreiras distintas com ritmos de
desenvolvimento remuneratório distintos e que o período de congelamento não significou uma progressão para
a generalidade dos trabalhadores das carreiras gerais.
Nestas carreiras, fundadas no tempo, a progressão é mais rápida.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — É mais rápida?!
A Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público: — O que se entendeu estabelecer,
em sede negocial, foi um racional que significa 70% do módulo de progressão. E 70% do módulo de progressão,
porque, nas carreiras gerais, os 7 anos de congelamento significam 70% do módulo de progressão aplicado a
estas carreiras.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso está mal contado!
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Diga algo novo!
A Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público: — Como o Governo é claro na
forma como conduz as suas negociações e tem sempre, sempre, um racional responsável, porque não se
compromete com soluções que hipotequem o futuro dos trabalhadores e dos portugueses, o Governo entendeu,
com contas certas — contas feitas pela mesma equipa que fez as contas que permitiram reverter cortes,
descongelar carreiras, aumentar pensões, subir o salário mínimo e elevar a base remuneratória da
Administração Pública —,…
Aplausos do PS.
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… estabelecer um diploma que tem um impacto financeiro muito elevado no País. Isto significa o limite a que
o Governo considera responsável elevar a despesa pública. Este diploma tem um custo de mais de 240 milhões
de euros por ano.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — O dos professores ou o da Administração?!
A Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público: — O diploma com o racional dos
70% custa 240 milhões de euros por ano.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Então, não eram 600 milhões?!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — É um bocadinho diferente dos 600 milhões de euros!
A Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público: — Isso significa que a generalidade
dos professores de carreira, contrariamente aos trabalhadores das carreiras gerais, que não terão tido direito a
mais do que uma progressão, terá, com a aplicação deste diploma, no espaço de cinco anos, duas progressões.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Diga lá qual é o diploma, já agora!
O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o tempo de que dispunha, Sr.ª Secretária de Estado.
A Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público: — Isso significa também, e com
isto termino, Sr. Presidente, que este racional, por responsabilidade e coerência com todos os trabalhadores da
Administração Pública, tem de ser aplicado a todo o conjunto das carreiras.
Se fosse defensável a proposta que é apresentada, de contagem integral de tempo, a aplicação desse
racional a todo o conjunto das carreiras fundadas no tempo significaria um valor insustentável de 800 milhões
de euros anuais de elevação de massa salarial, 635 milhões de euros anuais só para a carreira docente.
O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr.ª Secretária de Estado.
A Sr.ª Secretária de Estado da Administração e do Emprego Público: — Trata-se de um esforço
incomportável para a Administração Pública, porque teria de ser feito, necessariamente, à custa de outras
opções.
Não damos passos maiores do que a perna e sabemos que as opções tomadas sem ponderação têm
consequências.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Para a banca já dão!
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estamos a caminhar para o final deste debate.
Tem ainda a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Grupo Parlamentar do
Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs.
Deputados: Esta Legislatura foi sobre a recuperação de direitos e a forma de recuperar direitos que foram
negados ao longo de muitos anos. Quem não percebe isto, não percebe a importância do debate que estamos
aqui a ter hoje.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
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17 DE ABRIL DE 2019
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A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Parece que o Partido Socialista falhou em aprender a lição desta Legislatura
e as expectativas de recuperação de direitos que ela, legitimamente, criou, lá fora, na rua, aos professores, a
todos os funcionários públicos e a todos os trabalhadores.
É por isso que o Governo está hoje aqui isolado e já entra para este debate derrotado. O que nós queremos
é que os professores saiam deste debate vencedores.
O PSD apresenta duas propostas: uma próxima à do Governo, para pagar já 2 anos, 9 meses e 18 dias, e
uma próxima à do Governo, para não pagar seis anos e meio,…
O Sr. Pedro Alves (PSD): — Não diga isso! Seja séria!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … disfarçando com jogos de sombras aquilo que seria a efetivação do direito
à recuperação integral do tempo de serviço. «Fugiu a boca para a verdade» ao Sr. Deputado Pedro Alves,
quando disse que o PSD estava aqui, mais uma vez, para lançar a mão ao Governo, para dar a mão ao Governo.
Vozes do BE: — Exatamente!
A Sr.ª Margarida Mano (PSD): — Não, não! Isso é convosco!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É que, ao remeter o resto do tempo de serviço para negociação com quem
já provou que não quer negociar e que está de má vontade na negociação, o que está a fazer é a deixar a
carreira dos professores nas mãos de Mário Centeno.
O Sr. Pedro Alves (PSD): — São os vossos Orçamentos!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — E isso não é e não pode corresponder à verdade daqueles que aqui dizem
querer defender a carreira dos professores.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, já ultrapassou o tempo de que dispunha.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É que 9 anos, 4 meses e 2 dias não são um exercício de estilo nem são um
exercício de retórica, são dias trabalhados que têm de ser reconhecidos, e é isso que o Parlamento tem de fazer.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço-lhe para concluir.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Concluo, Sr. Presidente.
O PSD e todas as bancadas têm a oportunidade de vir a jogo na especialidade, para reconhecer,
efetivamente, este tempo de serviço às professoras e aos professores.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para finalizar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do PCP.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, em relação a este debate, queremos começar por dizer que,
quando se fala de liberdade, o Governo não tem, nem pode ter, a liberdade, nem tão-pouco a legitimidade, para
violar os direitos dos trabalhadores, conquistados com a luta e a reivindicação, nomeadamente o direito à
carreira, neste caso, à carreira docente.
Aplausos do PCP.
A primeira proposta do Governo neste processo é igual à última, é apagar o tempo de serviço. Essa é a
grande intransigência que aqui está colocada.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — É um facto!
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A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — E nós repetimos: não há qualquer motivo para adiar a resolução deste
problema nem pode haver aqui, no Parlamento, meias-soluções. O que tem de resultar da ação da Assembleia
da República é uma solução definitiva, com o calendário de faseamento proposto pelo PCP, de acordo com a
vontade expressa de milhares e milhares de trabalhadores.
O que não é responsável — também de acordo com algumas palavras hoje aqui matraqueadas várias vezes
— é que, tanto critério, tanta exigência, tantas propostas que têm tantas dificuldades e tanta subserviência aos
ditames e constrangimentos da União Europeia, tudo isso resulte numa coisa que não é praticável.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, já ultrapassou o tempo de que dispunha.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.
Portanto, o que é preciso perguntar é se PSD e CDS vão apoiar o Governo do PS, para que os professores
fiquem sem uma solução definitiva para este problema.
A Sr.ª Laura Monteiro Magalhães (PSD): — Quem apoia o Governo do PS são o PCP e o Bloco! Aprovaram
quatro Orçamentos do Estado!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — O que é preciso perguntar é se PSD e CDS querem «dar o dito por não dito»
e trair compromissos que assumiram para com os professores.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Esperemos que os professores lhes deem uma resposta à altura!
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Termino, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: agitar o papão das contas e do
retrocesso para o tempo da troica, utilizando os argumentos regados como foram regados aqui pelo Governo,
só indicia a falta de credibilidade dos números que para aqui foram atirados e a falta de vontade política de
resolver este problema.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, entretanto, no contexto da apreciação deste Decreto-Lei n.º 36/2019,
de 15 de março, deram entrada na Mesa propostas de alteração ao mesmo, apresentadas pelos Grupos
Parlamentares do PCP, de Os Verdes, do BE, do PSD e do CDS-PP, que baixarão, como manda o Regimento,
à 8.ª Comissão.
Srs. Deputados, terminámos a apreciação, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 944/XIII/3.ª (Iniciativa
Legislativa de Cidadãos), juntamente com o Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março [Apreciações
Parlamentares n.os 127/XIII/4.ª (PCP), 126/XIII/4.ª (BE) e 129/XIII/4.ª (PSD)] e, com isso, os nossos trabalhos de
hoje.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia o debate quinzenal
com o Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento, sobre a sustentabilidade
do sistema público da segurança social.
No final do debate, haverá votações regimentais.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 22 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.