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Sexta-feira, 14 de junho de 2019 I Série — Número 95
XIII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2018-2019)
REUNIÃOPLENÁRIADE12DEJUNHODE 2019
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Sandra Maria Pereira Pontedeira António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro Ana Sofia Ferreira Araújo
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 6 minutos.
Ao abrigo do artigo 74.º do Regimento, procedeu-se a um debate de urgência, requerido por Os Verdes, sobre o tema «Travar as culturas agrícolas intensivas e superintensivas». Na fase de abertura, proferiram intervenções o Deputado José Luís Ferreira (Os Verdes) e o Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos). Intervieram, depois, no debate, além do Ministro, os Deputados António Lima Costa (PSD), Norberto Patinho (PS), Pedro Filipe Soares (BE), Patrícia Fonseca (CDS-PP), João Oliveira (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Nuno Serra (PSD), Pedro do Carmo (PS) e Ângela Moreira (PCP). No
encerramento, intervieram, de novo, o Ministro e a Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Foi reapreciado o Decreto da Assembleia da República n.º 290/XIII — Manutenção de farmácias de dispensa demedicamentos ao público nos hospitais do Serviço Nacionalde Saúde, tendo proferido intervenções os Deputados AndréSilva (PAN), Luís Graça (PS), Ana Oliveira (PSD), IsabelGalriça Neto (CDS-PP), Carla Cruz (PCP) e Moisés Ferreira(BE).
Foi apreciada a Conta Geral do Estado de 2017, tendo-se pronunciado o Secretário de Estado do Orçamento (João Leão) e os Deputados António Gameiro (PS), Cristóvão Crespo (PSD), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Mariana
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Mortágua (BE), Duarte Alves (PCP) e Paulo Trigo Pereira (N insc.).
Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Resolução n.os 2189 e 2190/XIII/4.ª e 2192 a 2194/XIII/4.ª, do Projeto de Lei n.º 1224/XIII/4.ª e da Proposta de Lei n.º 204/XIII/4.ª.
Foi discutido, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 1153/XIII/4.ª (CDS-PP) — Altera a tributação em sede de IRS, de modo a que os rendimentos passem a ser tributados de acordo com os proveitos efetivos do sujeito passivo em cada um dos anos a que se reportam e à taxa efetiva (Alteração ao Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro de 1988). Usaram da palavra os Deputados Cecília Meireles (CDS-PP), Leonel Costa (PSD), Fernando Rocha Andrade (PS), Mariana Mortágua (BE), Paulo Sá (PCP) e Paulo Trigo Pereira (N insc.).
Foram debatidos, em conjunto, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 1216/XIII/4.ª (PCP) — Garante a
gratuitidade dos manuais escolares na escolaridade obrigatória no ensino público e 1218/XIII/4.ª (BE) — Gratuitidade dos manuais escolares para os alunos que frequentam a escolaridade obrigatória na rede de ensino público do Ministério da Educação (Segunda alteração à Lei n.º 47/2006, de 28 de agosto). Intervieram os Deputados Ana Mesquita (PCP), Joana Mortágua (BE), Ana Sofia Bettencourt (PSD), Odete João (PS) e Ilda Araújo Novo (CDS-PP).
Foi discutido, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 1214/XIII/4.ª (PAN) — Regulamenta o fim que deve ser atribuído às pontas de cigarros, tendo-se pronunciado os Deputados André Silva (PAN), Pedro Soares (BE), Berta Cabral (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Renato Sampaio (PS), Patrícia Fonseca (CDS-PP) e Ângela Moreira (PCP).
O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 18 horas 36 minutos.
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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Funcionários,
Sr.as e Srs. Jornalistas.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 6 minutos.
Peço aos Srs. Agentes da Autoridade o favor de abrirem as portas das galerias ao público.
Vamos dar início à reunião plenária, cuja ordem do dia tem como primeiro ponto um debate de urgência,
requerido por Os Verdes, sobre o tema «Travar as culturas agrícolas intensivas e superintensivas».
Para a intervenção de abertura, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Nos últimos anos, temos vindo a assistir, sobretudo à volta do perímetro de rega do Alqueva, a uma grande e
acelerada transformação da paisagem agrícola desta região do Alentejo. Mas a crescente e acelerada
reconversão de culturas agrícolas em modo tradicional para plantações intensivas e superintensivas de olival e
de amendoal não está apenas a transformar a paisagem tradicional da região, porque em causa está, também,
a construção de um dos maiores crimes ambientais do nosso País.
Com efeito, com esta transformação, começam a ser visíveis impactos ambientais que eram, aliás, previsíveis
quando se avança para um sistema de culturas em regime intensivo ou superintensivo desta dimensão, sem se
ter acutelado um conjunto de elementos relacionados com o impacto no território, no ambiente e nas pessoas.
Estamos a falar de mais de 200 000 ha de culturas intensivas, onde se destaca o olival intensivo e superintensivo
com impactos muito sérios e a todos os níveis, impactos que se confinam não apenas apenas aos blocos de
rega instalados no âmbito do Alqueva, mas também aos perímetros vizinhos e a outras explorações onde as
culturas intensivas e superintensivas avançam de forma descontrolada.
As preocupações são muitas e vêm de todos os lados, até porque as populações estão a ser confrontadas
com a implementação deste tipo de culturas e com a aplicação constante de pesticidas junto às suas povoações.
E, à medida que estas culturas avançam, os impactos vão sendo cada vez mais visíveis.
Vamos aos factos: numa região com alguns dos melhores solos do Alentejo e onde o risco de desertificação
está há muito identificado, estas culturas intensivas estão a potenciar seriamente a erosão dos solos.
Por outro lado, a utilização de grandes quantidades de produtos fitofarmacêuticos e fertilizantes, por vezes
efetuada até de forma desregrada, está a provocar efeitos a vários níveis: a nível da saúde das populações, até
porque existem culturas intensivas junto dos aglomerados populacionais, ficando as pessoas expostas a sérios
riscos, decorrentes sobretudo da aplicação de agroquímicos; a nível da qualidade da água, com os fertilizantes
e os pesticidas a poluírem as águas superficiais e subterrâneas, com reflexos nos ecossistemas; também a nível
da saúde humana, até porque — é sabido — há pessoas que utilizam a água de captações junto a zonas de
aplicação para consumo próprio; também a nível da riqueza biológica da região, da sua biodiversidade,
sobretudo no que diz respeito à flora, que fica, assim, ameaçada, principalmente na sequência da aplicação de
herbicidas em locais que funcionavam como verdadeiros refúgios de biodiversidade.
Com a multiplicação destas culturas intensivas, as linhas de água, com todos os valores ecológicos que lhe
estão associados, estão a ser reduzidas a meras valas de drenagem, corrigidas e adulteradas, destruindo sem
dó nem piedade as galerias ribeirinhas e a vegetação marginal.
Como resultado das alterações das culturas em modo tradicional para as intensivas, o impacto nos
ecossistemas foi, por si só, notório — é verdade —, mas o problema agrava-se se tivermos em conta o uso
abusivo de herbicidas que a cultura intensiva exige, seja em quantidade, seja em locais que deveriam funcionar
como refúgios dessa biodiversidade.
A tudo isto é ainda necessário somar não só o facto de a colheita mecânica da azeitona ser feita também no
período noturno e estar a provocar uma verdadeira mortandade na avifauna que pernoita nestes locais, como
também a destruição e a perturbação de vários locais com interesse cultural associados à história da região e o
facto de parte desse trabalho ser realizado de forma precária, sem direitos e sem condições de dignidade.
E, a tudo isto, o Governo tem de dizer alguma coisa. O Governo tem de dar respostas a este grave problema
que começa a ser assustador. Não pode valer tudo! A rentabilidade económica não pode ser feita a qualquer
custo ou a qualquer preço, é preciso olhar também para os impactos — impactos a nível da conservação do
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solo, a nível da qualidade da água superficial e subterrânea, a nível da saúde humana, a nível da biodiversidade,
a nível do património arqueológico e histórico, mas também a nível da perda de uma certa identidade regional.
Estamos, portanto, diante de um grave problema que a todos deve preocupar e que exige respostas urgentes,
motivo pelo qual Os Verdes quiseram hoje trazer o assunto a debate. Trouxemo-lo não só com o propósito de
confrontar o Governo, com vista a saber que respostas estão a ser ponderadas face aos impactos que são já
visíveis, mas também porque foi um compromisso que assumimos com as populações durante as jornadas
parlamentares que Os Verdes promoveram no distrito de Beja, centradas exatamente na questão da cultura
intensiva e superintensiva e das suas consequências reais. E se, durante as jornadas parlamentares, Os Verdes
colocaram 500 bandeiras negras junto a muitas das culturas intensivas como forma de chamar a atenção para
este grave problema, aqui estamos hoje a trazer o assunto a debate.
Para terminar, e dando corpo aos compromissos assumidos com as populações, aproveito para anunciar que
Os Verdes vão dar entrada de duas iniciativas legislativas, com vista a contribuir para travar a expansão destas
culturas e para minimizar os efeitos das culturas já existentes. Uma destas iniciativas pretende garantir um
distanciamento das culturas intensivas já existentes relativamente às zonas populacionais e a outra pretende
impedir que sejam atribuídas medidas agroambientais ou ajudas ou subsídios ao investimento em culturas
intensivas e superintensivas.
São estes, por agora, os contributos que Os Verdes trazem para travar estas culturas e para promover a
agricultura sustentável que respeite o ambiente, a biodiversidade, o património, a saúde pública e a qualidade
de vida das populações.
Este é, também, o nosso contributo para, nesta matéria, fortalecer o combate às alterações climáticas.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, pelo Governo, o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e
Desenvolvimento Rural, Capoulas Santos.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (Luís Capoulas Santos): — Sr.
Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por agradecer ao Partido Ecologista «Os Verdes» o facto de
ter trazido este assunto a debate. É um assunto que consideramos da maior importância, mas que tem, também,
vindo a ter uma grande distorção na opinião pública.
Portanto, sendo um assunto muito sério, exige um debate sério e tenho a certeza de que será isso que
faremos aqui. O Governo procurará prestar informações sobre o que está a fazer e como o encara e, desta
forma, esclarecer particularmente a opinião pública. Isto porque se exige a cada cidadão, a cada político e mais
ainda a qualquer titular de órgão de soberania que não pactue nem com a desinformação, nem com o alarmismo
e que, quando se proferem certas declarações, tal seja feito de forma técnica e cientificamente sustentada.
O que posso dizer é que, no quadro do atual Governo, já determinei que fossem aprofundados estudos sobre
esta matéria, através do INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária), que estão em curso.
Determinei, também, à Direção Regional de Agricultura do Alentejo que procurasse, na próxima campanha,
fazer um acompanhamento exaustivo da colheita noturna para verificar se há, de facto, mortandade de árvores.
Entretanto, ainda no Governo anterior ao último, ou seja, até 2011, foram feitos três relatórios sobre esta
matéria e, durante os quatro anos seguintes, não houve nenhum acompanhamento nem nenhum seguimento
desta questão, tendo sido retomada no quadro deste Governo. De qualquer modo, os elementos de que o
Ministério da Agricultura dispõe concluem, no essencial, que o olival ou o olival em sebe não promove mais
pressões ambientais do que qualquer outra cultura regada, pelo contrário, consome menos água do que a
generalidade destas. Inclusivamente, os indicadores compulsados apontam-na até como uma das menos
potenciadoras de impacto negativo do solo.
O Sr. Deputado diz que há problemas de erosão por causa deste tipo de olival, mas não estão tecnicamente
demonstrados e não há nenhum estudo que o revele.
O Sr. Deputado diz que há perigo de pesticidas a mais, mas tal não está tecnicamente comprovado em lado
nenhum.
Protestos da Deputada de Os VerdesHeloísa Apolónia.
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O Sr. Deputado diz que há problemas para a saúde com os fitofármacos. Diga-me um único caso que
conheça de uma pessoa que, por causa do olival, tenha tido um problema de saúde.
O Sr. Deputado diz que há problemas com a qualidade da água, mas não há análises que confirmem essa
sua declaração.
O Sr. Deputado diz que há problemas com a biodiversidade, mas não há nada que o comprove; até pelo
contrário. Falou na grande mortandade de pássaros com a colheita noturna, mas, então, se houvesse uma
grande mortandade — que, de facto, não há! —, seria uma prova de que a biodiversidade existe, porque se a
biodiversidade não existisse não havia, certamente, pássaros nos olivais.
Protestos de Os Verdes.
Sr.ª Deputada e Sr. Deputado, quero dizer-vos com isto que estamos a estudar o assunto, mas não podemos
proferir declarações deste tipo, que não são sustentadas nem por nenhuma informação técnica, nem por
nenhuma informação científica. Não digo que não haja impactos negativos! Todos nós sabemos que a atividade
humana, através da agricultura, provoca sempre impactos negativos. Todos sabemos disto e temos a obrigação
de tentar minimizá-los, de tentar reduzi-los ao mínimo, mas não podemos alinhar num discurso alarmista que
assusta as pessoas, que põe em causa uma atividade e que não tem nenhuma comprovação técnica e científica.
É por isso que estamos a estudar e, obviamente, se os estudos concluírem que se justifica que se faça algo,
nós fá-lo-emos.
Gostava de chamar a atenção para o facto de o olival português exportar, hoje, para os mercados mais
exigentes do mundo e, ao exportar para esses mercados, é sujeito a controlos de qualidade da máxima
exigência. Ora, não consta que, no azeite português, tenham sido alguma vez detetados pesticidas ou outros
produtos que sejam maus para a saúde.
Protestos do Deputado do PCP Jorge Machado.
Sr.as e Srs. Deputados, além disso, temos de pôr o problema nas devidas proporções. A grande preocupação
é com os cerca de 20 000 ha de olival em sebe, mas estes representam menos de 1% do olival nacional. Estamos
a falar de 0,74% do olival nacional, que representam 12% do olival alentejano.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, acho que devemos ter alguma atenção ao pôr em causa uma atividade
económica de grande relevância para a economia do País e que contribui para o desenvolvimento de uma
região.
Não obstante, gostaria de vos informar acerca do seguinte: já existem, neste momento, no perímetro do
Alqueva, cerca de 55 000 ha de olival no seu total, o que significa que será cerca de um terço do perímetro de
rega. Entendemos que mais de 30% de uma única atividade num perímetro de rega começa a ser excessivo.
Por isso, gostaria de anunciar que determinei, no atual quadro comunitário de apoio, que não haverá, no
perímetro do Alqueva, mais apoios ao investimento para a instalação de olivais, nem para a instalação de
agroindústrias associadas ao olival, porque temos capacidade de laboração suficiente.
Protestos da Deputada do CDS-PP Patrícia Fonseca.
Gostaria, ainda, de vos informar que determinei à EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do
Alqueva) que apresentasse, a curto prazo, um estudo que nos permita tomar decisões sobre a continuidade da
mancha de olival. Entendemos que é prudente, para defesa da biodiversidade, estabelecer limites à mancha
contínua, assim como devem ser definidas as zonas de interrupção dessas mesmas manchas contínuas.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Em suma, Srs. Deputados,
agradeço uma vez mais o debate. Acho que devemos ser todos rigorosos nas declarações que fazemos sobre
esta matéria, devemos estudar mais aprofundadamente o assunto, devemos estar atentos e tomar as medidas
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que se justifique tomar. Como digo, para já, as medidas mais imediatas, na zona do Alqueva, são a suspensão
do apoio ao investimento e a delimitação das manchas contínuas dentro das dimensões tecnicamente
consideradas adequadas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, certamente concordará comigo se lhe disser que o tempo que utilizou em
excesso será descontado na primeira ronda.
Vamos passar à primeira ronda.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Lima Costa, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. António Lima Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, está em curso uma competição,
meramente eleitoralista, para ver quem é, afinal, o partido das esquerdas mais amigo do ambiente.
Protestos da Deputada do PCP Rita Rato.
A marcação deste debate, feita pelo Partido Ecologista «Os Verdes», com o tema «travar as culturas
agrícolas intensivas e superintensivas», insere-se nesse jogo.
A este respeito, o PSD não precisa de provar nada. A sua história fala por si e, por isso, em relação ao tema
concreto que aqui nos traz, a nossa posição é muito clara e simples: ao contrário de muitos, entendemos que é
possível conjugar expressões como «sustentabilidade e proteção ambiental» com «modernização tecnológica e
competitividade da agricultura»,…
O Sr. Nuno Serra (PSD): — Muito bem!
O Sr. António Lima Costa (PSD): — … uma agricultura geradora de emprego, valor acrescentado e coesão
territorial.
Neste caso concreto, para garantir a sustentabilidade e proteção ambiental, o Governo tem de monitorizar,
estudar e comparar o impacto ambiental de todos os tipos de culturas de regadio e, em cooperação com os
agricultores, definir eventuais medidas de mitigação desses impactos.
O facto é que o Governo não fez o que já devia ter feito. Foi esta ausência de conhecimento técnico e
científico, provocada pela inação do Governo, que gerou agora espaço para opiniões formadas com base em
«ouvi dizer» ou que geram alarme social e que, comprovadamente, mostram um aproveitamento político que
está à vista de todos. Trata-se de uma situação provocada pela inação do Governo, que prejudica, em primeira
instância, os próprios agricultores.
Ao contrário do que muitos pensam, os agricultores são os maiores interessados na defesa da natureza, no
combate às alterações climáticas e nas práticas agrícolas amigas do ambiente, cada vez mais valorizadas pelo
mercado.
Por isso, refutamos a ideia, que aqui perpassa, de desconfiança, de diabolização daqueles que são os únicos
que investem e apostam no nosso mundo rural.
Claro que devemos discutir o assunto, mas com bom senso. E bom senso é assumir que as infraestruturas
de regadio, o Alqueva e outras, foram feitas para intensificar a agricultura. Bom senso é colocar a questão na
sua exata dimensão: falamos de 1,3% da superfície agrícola utilizada do Alentejo. Bom senso é perceber que
falamos de espécies autóctones e, por isso, de baixa exigência de água, de fitofármacos e de fertilizantes. Bom
senso é não esconder que falamos de culturas com grande capacidade de sequestro de carbono e que
contribuem para travar o avanço da desertificação do solo no sul do País, que viu o índice de aridez triplicar em
20 anos.
Sr.as e Srs. Deputados, devemos também discutir o assunto com seriedade. O Bloco, o PCP e Os Verdes
têm feito, a este respeito, generalizações abusivas, que temos de denunciar na defesa do bom nome dos
agricultores.
Acusam os empresários agrícolas de maltratarem os seus trabalhadores. Eles criam, de facto, muito
emprego, mas não são fora-da-lei.
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Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. António Lima Costa (PSD): — Aos que não cumprem, as autoridades, naturalmente, devem atuar.
Mas se querem insinuar que a legislação laboral em vigor não serve esses trabalhadores, porque não mudaram
a lei nos últimos quatro anos?
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. António Lima Costa (PSD): — Podiam fazê-lo, isso esteve nas vossas mãos!
Acusam os empresários agrícolas de localizarem estabelecimentos de transformação de produtos e
subprodutos de culturas perto de áreas habitacionais. Aos que não estão licenciados, as autoridades que atuem,
claro. Mas, se querem insinuar que a legislação do licenciamento industrial está mal feita, que não serve as
populações, porque não mudaram a lei nos últimos quatro anos? Isso esteve nas vossas mãos!
É por toda esta falta de bom senso e de seriedade que não se percebem as motivações deste debate, que
são apenas motivações de ordem ideológica.
Protestos do Deputado de Os Verdes José Luís Ferreira.
O que está aqui verdadeiramente em causa é o habitual ataque à iniciativa privada, que leva a cabo uma
missão — essa sim, patriótica — de modernização e competitividade da nossa agricultura num contexto
internacional. É assim no azeite, nos frutos secos, no vinho, nos pequenos frutos, na maçã, na pera, nos
hortícolas ou na carne suína.
O que está aqui verdadeiramente em causa, Sr.as e Srs. Deputados, é o habitual ataque aos agricultores
mais dinâmicos que, contra ventos e marés, dão um enorme contributo para a coesão territorial e para o
crescimento económico do País, criando riqueza para redistribuir e assim melhorar o nível de vida dos
portugueses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Norberto Patinho.
O Sr. Norberto Patinho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, o
regadio tem sido uma das respostas mais positivas na luta travada pela coesão territorial e pelo desenvolvimento
do interior, criando condições favoráveis à fixação de pessoas e assegurando uma nova vitalidade e uma
prosperidade sustentável.
Dezassete anos depois do encerramento das comportas e do início do enchimento da albufeira, a barragem
de Alqueva vê hoje confirmada a sua principal função de reserva estratégica de água e tem sido nos períodos
de seca que Alqueva tem mostrado a sua principal virtude.
Alqueva superou todas as melhores expectativas, com um forte impacto na agricultura e no regadio.
Em paralelo com os bons resultados atingidos, tem-se criado em torno das culturas do regadio e, em
particular, do olival um alarmismo injustificado e não comprovado, que coloca em causa o contributo que esta
nova realidade tem dado à dinamização da agricultura, ao desenvolvimento da região e também no combate às
alterações climáticas.
O Alentejo representa um terço do território nacional e tem uma área total superior a 3 milhões de hectares.
A floresta representa cerca de metade da área, correspondendo cerca de 42% ao sistema de montado. Alqueva
irriga, atualmente, cerca de 120 000 ha, ocupando o olival uma área de 52 000 ha, menos de 1,5% da área do
Alentejo.
É verdade que, num quadro de aumento substancial da área de regadio, houve alterações da paisagem
agrícola, mas é uma realidade inquestionável que esta mudança foi determinante na fixação de pessoas no
território, gerando emprego e criando riqueza. É comparar o desemprego na região há 10 anos e agora. É
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comparar o número de jovens com formação que saíram do Alentejo e que estão a regressar. É verificar o
caminho paralelo desta nova realidade em termos de paisagem com o desenvolvimento sustentado do turismo
na região.
Enquanto autarca, que ainda sou, nota-se uma enorme diferença no recurso e na pressão que era feita junto
das câmaras municipais para resolver os graves problemas do desemprego. Impõe-se responsabilidade na
informação que se passa e é obrigatório que essa informação seja comprovada.
Não podemos afirmar que o olival implica um enorme gasto de água quando está comprovado que o olival
está entre as culturas de regadio menos exigentes em água. Mesmo o olival em sebe consome menos água do
que outras culturas.
Não devemos alarmar para os perigos do uso dos pesticidas e herbicidas sem apresentarmos casos
concretos de situações no domínio ambiental ou da saúde humana, sem apresentarmos dados científicos que
comprovem os motivos de alarme.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Norberto Patinho (PS): — Não podemos confundir os problemas causados com a laboração deficiente
de unidades de tratamento de bagaço de azeitona — que têm de ser resolvidos — com a exploração do olival.
As boas práticas agrícolas, que são obrigatórias, eliminam ou minimizam drasticamente os riscos associados
à utilização de fitofármacos. Mas, mesmo nesta situação, a oliveira apresenta um bom comportamento
relativamente a outras espécies vegetais. Como afirma o Presidente da EDIA, um campo de milho tem 20 vezes
mais veneno e 10 vezes mais adubo.
Também o balanço carbónico é muito positivo, sobretudo nos sistemas com enrelvamento na entrelinha e
sem perturbação do solo após a plantação.
Houve, claramente, uma mudança de paradigma na agricultura alentejana: mais tecnologia, maior
profissionalização, diversificação de produtos, interação com o setor da indústria agroalimentar, produção para
os mercados externos. Os agricultores e técnicos envolvidos são merecedores da nossa confiança.
Nos sistemas intensivos, há um nível superior de aplicação de fertilizantes e produtos fitofármacos, mas
existem competência técnica e fatores estruturais que permitem mais facilmente a implementação das práticas
de forma mais sustentável.
A capacidade técnica, a maior facilidade de mecanização e os incentivos financeiros das medidas
agroambientais conduziram a que os olivais mais modernos apliquem herbicida apenas na linha e tenham
enrelvamento na entrelinha.
A oliveira irrigada por sistema gota a gota é, ao contrário do que se pretende fazer crer, uma cultura com
benefícios comprovados: mediterrânea, autóctone, bem adaptada ao nosso clima e solos.
O regadio traz intensificação da agricultura, mas isso é um facto que não é novidade para ninguém. Foi por
isso que lutámos! Lutámos, durante décadas, pela construção da barragem de Alqueva, pelo regadio, por uma
agricultura diferente, pelo desenvolvimento, por um futuro melhor na nossa região, na nossa terra.
Alqueva foi sempre um projeto contestado: a cota, a mudança de clima, o nevoeiro, foram sempre grãos de
areia que atrasaram significativamente a concretização do projeto.
Não podemos travar o desenvolvimento de uma região. O regadio é decisivo para esse desenvolvimento. O
olival é uma das nossas mais-valias e não o devemos diabolizar.
Temos conhecimento, Sr. Ministro, de que a avaliação dos possíveis efeitos ambientais da cultura do olival
de regadio, realizada por técnicos do Ministério da Agricultura, concluiu que o olival intensivo não promove mais
pressões ambientais do que outras culturas regadas, com expressão determinante no Alentejo.
Temos conhecimento de que determinou que o INIAV promova estudos mais aprofundados, a apresentação
de conclusões e de eventuais recomendações tendentes a mitigar impactos negativos que possam vir a ser
detetados.
Perante a eventualidade de um domínio do território por uma única cultura de forma a constituir uma ameaça
quer sob o ponto de vista económico, quer sob o ponto de vista ambiental, felicito-o, Sr. Ministro, pelo anúncio
que fez há minutos de que vai contribuir para moderar a plantação de novos olivais, definindo regras para a
descontinuidade dos terrenos ocupados com esta cultura.
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Norberto Patinho, a exemplo do que aconteceu com o Governo, o tempo
usado a mais será descontado na segunda ronda.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.
Ministro, permita-me que comece esta intervenção não pelo tema em debate, mas por referir uma tentativa de
mascarar a realidade, que a direita aqui trouxe e que é, para nós, inaceitável. É inaceitável, porque, ao negar a
realidade, a direita pretende negar também o avanço que a maioria parlamentar conseguiu nos últimos anos na
defesa de trabalhadores, que eram brutalmente explorados, muitas vezes de forma selvagem, retirando-lhes
direitos, negando-lhes passaportes e dizendo que eles ainda estavam em dívida para com as empresas.
Vozes do BE: — Muito bem!
Protestos da Deputada do CDS-PP Patrícia Fonseca.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Esta realidade de século passado era a realidade do nosso País,
comprovada por autoridades policiais.
Por isso, quando a direita aqui vem dizer que não houve, nem há, exploração de pessoas em muitos dos tais
olivais intensivos ou outras culturas intensivas e superintensivas não quer apenas mascarar a realidade, quer
negar direitos a todos os trabalhadores, porque ao negar o abuso perante uns maltrata todos, e isso nós não
aceitamos, não podemos aceitar. Esta direita, que quer compactuar com esse abuso, ficará com essa
responsabilidade.
Nós demos passos para salvaguardar o interesse destes trabalhadores e orgulhamo-nos desses passos,
porque a escravatura não pode ter lugar no século XXI e muito menos em Portugal.
Sr. Ministro, sobre o debate, em concreto, que aqui foi trazido, há algumas ideias relevantes que é importante
deixar.
Um primeiro aspeto tem a ver com o facto de não podermos basear todo este debate naquilo que o Sr.
Ministro tentou fazer — e o PS tentou repetir —, ao afirmar que não há nenhum tipo de indicação científica para
os malefícios que a cultura intensiva ou superintensiva pode trazer.
A própria ONU (Organização das Nações Unidas) reconhece que há perigos diversos. Aliás, este tipo de
culturas começa por poder atacar a fauna — pode atacar a comunidade de insetos, por exemplo —, por poder
atacar os lençóis freáticos, por poder atacar a qualidade de vida das populações. Essa realidade existe e é um
problema que deve ser resolvido.
Desse ponto de vista, quando olhamos para o Alqueva, percebemos que esta realidade é confrontada com
interesses económicos inequívocos.
O Sr. Ministro disse que há uma grande exportação do derivado dos olivais,…
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Azeite! O derivado dos olivais é o azeite!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … do azeite e de outros bens, e esse interesse económico não nos pode
toldar o olhar para a realidade tal como ela é.
Sabemos que há, de facto, na cultura intensiva e superintensiva do olival, um retorno económico muito maior
do que na cultura tradicional. A pergunta que fazemos é esta: com que custo para o meio ambiente, com que
custo para a agricultura no nosso País, com que custo para o futuro daquelas terras? Este é o ponto que
queremos focar para começarmos esta discussão.
O Sr. Ministro diz que não há nenhuma validade científica que coloque em causa estes problemas, mas nós
tivemos várias ONG (organização não governamental), que em muitos casos são completamente idóneas, como
é o Centro de Estudos da Avifauna Ibérica, a Liga para a Proteção da Natureza, a Associação Nacional de
Conservação da Natureza – Quercus ou a SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves), que disseram
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que havia problemas para a avifauna, como já se está a ver do lado espanhol. E isso é inequívoco, já estamos
a ter esse retorno.
Mas há também problemas causados pela utilização de químicos, de forma intensiva, que podem chegar aos
humanos.
Sr. Ministro, o que lhe pergunto é se, durante este debate, podemos esperar do Governo mais alguma
iniciativa do que aquela que já nos trouxe. A que nos trouxe é um avanço, mas é insuficiente, porque nada diz
sobre os químicos que ficam na terra, nem sobre a defesa desta parte da fauna.
Sr. Ministro, há mais alguma coisa que nos venha cá trazer? É porque, na segunda intervenção, vou dar-lhe
algumas das soluções que o Bloco de Esquerda entende que são necessárias para o nosso País.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tal como foram informados os oradores precedentes, o tempo usado em excesso nesta
ronda pelo Bloco de Esquerda ser-lhe-á descontado na próxima ronda.
Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado — que
cumprimento —, Srs. Deputados, o CDS entende que este debate deve ser discutido com seriedade, sem
fundamentalismos, sem alarmismos, com base no conhecimento técnico e científico comprovado e não com
base na teoria do medo, que foi o que Os Verdes e também um pouco o Bloco de Esquerda nos vieram aqui
trazer.
Sr. Ministro, confesso que na primeira parte da sua intervenção fiquei bastante agradada. É pena que o Sr.
Ministro, para agradar à geringonça, tenha estragado, nos últimos segundos, tudo aquilo que disse, quando
afirmou que tinha decidido cortar o apoio aos olivais intensivos ou superintensivos ou a qualquer olival no
Alentejo. Gostaria de lhe deixar uma pergunta: qual o fundamento técnico e científico utilizado na tomada dessa
decisão?
Para que os Srs. Deputados e as pessoas lá em casa percebam, usa-se o termo «superintensivo» para um
olival que é em sebe.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não, não!
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Se disséssemos que era um olival em sebe, ninguém se preocuparia
com o termo «superintensivo», que é alarmante! Porquê? Porque havia o olival tradicional… Até estou a
estranhar que o PCP ainda não tenha falado, vamos ver o que é que ele vai dizer. Mas o PCP, que tanto defende
a soberania alimentar, o que é que tem a dizer deste tipo de olival? Espero que bem, porque foi com este tipo
de olival que conseguimos garantir a autossuficiência alimentar.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Se a gente só comer azeite, a Sr.ª Deputada até pode ter razão!
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Portugal tem dos melhores azeites do mundo, azeites que ganham
prémios, estão sempre nos lugares cimeiros dos prémios internacionais, muitas vezes ganham primeiros
prémios. Estes azeites não têm qualquer tipo de resíduos, de fitofármacos. Já agora, direi que os fitofármacos
são aquilo a que os senhores chamam «pesticidas», que são tão necessários para as plantas como nós
precisamos de medicamentos, e nós não tomamos antibióticos todos os dias. Portanto, é bom que o debate seja
sério para que as pessoas possam tomar decisões fundamentadas e com base em informação correta.
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — É tudo uma questão de semântica!
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — A produção por hectare de um olival em sebe, superintensivo, é
exatamente a mesma de um olival em pomar regado e, portanto, a quantidade de produtos fitofarmacêuticos é
exatamente a mesma.
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Os agricultores fazem todos tudo sempre bem? Seguramente que não! Seguramente que há médicos bons
e médicos maus, professores bons e professores maus, políticos bons e políticos maus, agricultores bons e
agricultores maus. Os agricultores que não cumpram devem ser controlados. É para isso que existem regras, é
para isso que existem penalizações e é para isso que o Governo cá deve estar, ou seja, para controlar e corrigir
o que está mal.
Os senhores virem transmitir uma teoria completamente errada… Aliás, referiram aqui várias organizações
internacionais e eu refiro, para terminar esta primeira ronda, que a BirdLife diz o seguinte: «É necessário
assegurar a compatibilidade da agricultura intensiva com a conservação da biodiversidade num momento-chave
para o futuro da política agrícola comum». Portanto, se a BirdLife também não vos oferece qualquer tipo de
credibilidade, gostaria de saber quais são as organizações que vos oferecem credibilidade.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — O mesmo tratamento, em termos de tempo, terá a bancada do CDS-PP.
Agora é a vez do Sr. Deputado João Oliveira, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Agricultura, o Sr. Ministro
nunca apanhará o PCP em falso, a criar alarmismo seja em que situação for, mas também não conte com o
PCP para silenciarmos os motivos de preocupação que temos nesta matéria.
Sr. Ministro, as preocupações que temos com a questão das culturas intensivas e superintensivas são de
natureza económica, social e, também, ambiental e de saúde pública.
São, à partida, preocupações de natureza económica e social porquê? Porque temos grandes empresas
estrangeiras que vêm, por exemplo, ao Alentejo comprar milhares e milhares de hectares para implantar culturas
intensivas e superintensivas, reduzindo, por essa via, a capacidade e a disponibilidade de terra para arrendar
— um dos principais problemas dos pequenos agricultores no Alentejo é não conseguirem ter acesso a terra
para arrendar; porque temos um problema com as culturas agrícolas, cada vez mais afuniladas no olival, no
amendoal, na vinha e em culturas intensivas e superintensivas; porque temos um problema de redução do
número de postos de trabalho, já que, com a cultura intensiva e superintensiva, também vem a redução do
número de postos de trabalho que é necessário assegurar e também, por essa via, se diminui o emprego na
área agrícola.
Temos problemas económicos e sociais na nossa região, e um pouco por todo o País, que resultam deste
tipo de agricultura intensiva e superintensiva e essa é uma dimensão que não subestimamos nem
secundarizamos. Os problemas económicos e sociais do impacto deste tipo de agricultura são reais e são
preocupações sobre as quais temos de questionar o Governo. Que avaliação, que monitorização, que
preocupação é que o Governo tem tido com estes impactos económicos e sociais das culturas intensiva e
superintensiva no nosso País?
Ao contrário do que acabou de dizer a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, do CDS, é óbvio que um país que
afunila a sua atividade agrícola em duas ou três culturas não garante a soberania alimentar. Isso é mais do que
óbvio e parece-nos mais do que evidente!
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Liberdade de escolha! Conhece liberdade de escolha?!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sobre as questões ambientais e de saúde pública, as nossas preocupações
não são menores, mas, Sr. Ministro, não vou especular sobre isso, vou apresentar-lhe um caso concreto.
No concelho de Avis, em Ervedal, Benavila, há explorações agrícolas intensivas e superintensivas
confinantes com zonas habitacionais e com a água superficial da barragem do Maranhão.
Sr. Ministro, relatos da população de Benavila dão conta de que, com a aplicação de fertilizantes e outros
produtos, há dispersão de um pó branco pelas zonas habitacionais. Por coincidência, há um registo de
problemas respiratórios e dermatológicos que se vai agudizando.
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A Câmara de Avis questionou a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e sabe qual foi a
resposta da DGAV à questão que a Câmara de Avis colocou? Entre outras coisas, diz isto: «Esta Direção-Geral
não possui informação sobre os produtos que, em concreto, os produtores das áreas que refere estão a aplicar.»
O Sr. Ministro acha que esta é uma resposta satisfatória? Que acompanhamento está a ser feito desta situação,
em concreto?
Sr. Ministro, nós não somos alarmistas e não vamos estabelecer uma ligação direta entre os problemas
dermatológicos e respiratórios, que se têm agudizado, e a dispersão daquele pó branco, mas isto precisa de ser
investigado e avaliado para se perceber se há ou não alguma ligação entre uma coisa e outra.
A terminar, quero ainda colocar-lhe outras questões, Sr. Ministro. Nós vamos, ainda hoje, entregar uma
iniciativa na Assembleia da República sobre estas matérias e gostaríamos de saber se o Governo está ou não
de acordo com a elaboração de uma carta de ordenamento e cadastro das explorações em regime intensivo e
superintensivo. Está ou não de acordo com o desenvolvimento e publicitação de um estudo de avaliação
integrada dos efeitos das extensas áreas ocupadas por culturas agrícolas em regime intensivo e superintensivo?
Está ou não de acordo em avaliar o regime de salvaguarda dos perímetros urbanos e massas de água
superficiais em relação a estas explorações? Está ou não de acordo em avaliar a possibilidade da
obrigatoriedade de um regime de avaliação de incidências ambientais como elemento de autorização da
instalação de novos projetos de agricultura intensiva ou superintensiva, ou da ampliação daqueles que já
existam, sempre que a área de abrangência seja superior a 50 ha?
Como vê, Sr. Ministro, não é uma abordagem alarmista a que estamos aqui a fazer, é uma abordagem
responsável de uma matéria que nos parece muito relevante e que tem de ser considerada em todas as suas
dimensões: ambiental e de saúde pública, mas também económica e social.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Também o Grupo Parlamentar do PCP terá o mesmo tratamento quanto ao tempo na
segunda ronda.
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, de Os Verdes, tem a palavra.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, o Sr. Ministro veio aqui dizer que quer
fazer um debate sério e é justamente isso que Os Verdes querem ao marcar este debate. Por isso, quero dizer-
lhe, Sr. Ministro, talvez para ajustar a sua resposta, que estamos a falar de culturas intensivas e superintensivas
e não apenas do olival — também do olival, mas não apenas do olival —, não podemos, por exemplo, subestimar
a brutal área de amendoal que grassa por esse Alentejo fora.
Por outro lado, o Sr. Ministro diz que, relativamente a esta matéria, não quer um discurso alarmista. Os
Verdes dizem que também não, mas também não queremos um discurso de branqueamento, que faça de conta
que os problemas não existem.
Por isso, numa lógica séria, de lealdade e de responsabilidade, trazemos a este debate uma matéria que
está a causar verdadeiros problemas ambientais e a afetar a qualidade de vida das populações.
O Sr. Ministro falou sempre do olival em sebe — de resto, o CDS também gosta de usar essa terminologia
—, ambos para usarem um eufemismo e esconderem, justamente, a característica destas culturas, que são
intensivas e superintensivas. E isso quer dizer qualquer coisa.
Ora bem, se o Sr. Ministro não estivesse, de facto, preocupado, não viria à Assembleia da República dizer
que encomendou estudos para aferir dos impactos destas culturas, nem viria à Assembleia da República dizer
que quer acabar com o apoio ao investimento a estas culturas, nem tão-pouco viria à Assembleia da República
dizer que é preciso descontinuar estas manchas imensas de olival intensivo e superintensivo.
Por outro lado, o Sr. Ministro, no seu discurso, quer fugir à realidade. Quero fazer-lhe uma pergunta muito
concreta: o Sr. Ministro consegue negar que estas culturas intensivas e superintensivas estão a descaraterizar
completamente a paisagem rural do Alentejo? Estão! O Sr. Ministro, certamente, não o nega.
O Sr. Ministro consegue dizer que estamos a falar de culturas de regadio, que não precisam de água?
Também não o pode dizer. Mas o Sr. Ministro sabe qual é a diferença relativamente ao olival tradicional, ao
olival de sequeiro.
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Já agora, vou colocar-lhe uma outra questão: porque é que o Sr. Ministro não anuncia também o fim do apoio
às medidas agroambientais que visam, justamente, tornar determinados modelos de produção mais
sustentáveis, mas que depois não são aplicadas aos modelos de produção mais sustentáveis?
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Não sabe o que diz!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Por exemplo, se estivermos a falar de medidas para o uso eficiente
da água, estes apoios podem aplicar-se às culturas intensivas e superintensivas, mas já não se aplicam ao olival
tradicional. Isto tem alguma lógica, quando estamos a falar de culturas mais sustentáveis? Não faz!
Portanto, seria bom que o Sr. Ministro alargasse esse «fim dos apoios» a determinados apoios que não
fazem sentido.
Por outro lado, o Sr. Ministro, se for ao terrenos falar com as populações, em concreto, também não será
capaz de negar que a utilização dos pesticidas nestas culturas intensivas e superintensivas está a afetar
diretamente a qualidade de vida das pessoas, tendo em conta, muitas vezes, a proximidade das suas habitações
a estas culturas. Estas pessoas têm de fechar as janelas e as portas de suas casas porque não aguentam, Sr.
Ministro. É bom ter em conta esta realidade.
A pergunta que Os Verdes fazem é se o Sr. Ministro está disposto a aceitar uma iniciativa que Os Verdes
apresentam na Assembleia da República no sentido de promover um distanciamento dos extremos destas
culturas intensivas e superintensivas às habitações, designadamente, um distanciamento de 300 m, que é,
justamente, a referência usada para as culturas transgénicas a nível da contaminação de outras culturas.
Sr. Ministro, nós temos um problema sério, o das alterações climáticas, em que temos de tomar medidas
concretas de mitigação, mas também de adaptação. E transformar a nossa paisagem, e não só a nossa
paisagem, mas tudo aquilo que comporta alastrar pelo nosso Alentejo fora e pelo nosso território fora estas
culturas intensivas e superintensivas é promover o contrário da adaptação que deveríamos estar a fazer, porque
isto tem impacto concreto no gasto de água e na saturação dos solos.
O Sr. Ministro, já que gosta tanto dos estudos técnico-científicos, mas, pelos vistos, dá pouca credibilidade
ao que dizem as populações, sabe perfeitamente que existem estudos direcionados para o Alentejo sobre os
efeitos das alterações climáticas que determinam uma potencialidade de desertificação de solos absolutamente
preocupante.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua, pois já ultrapassou o tempo de que dispõe na
segunda ronda.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — A partir de agora, o tempo de gastar será descontado no encerramento.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Precisamos, de facto, de medidas concretas de adaptação às
alterações climáticas e uma delas passa, justamente, por travar estas culturas intensivas e superintensivas.
Aplausos de Os Verdes e de Deputados do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Luís
Capoulas Santos.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Presidente, terei todo o gosto
em esclarecer um conjunto de equívocos, porque não posso chamar outra coisa a algumas das declarações que
aqui ouvi. Queria, sucessivamente, responder a todos os Srs. Deputados.
O Sr. Deputado António Lima Costa diz que o Governo estuda pouco. Pois, o Governo estuda pouco, mas
estuda alguma coisa. Nos quatro anos anteriores, o Governo não estudou rigorosamente nada.
Aplausos do PS.
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A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Porque não era preciso!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Não há uma única informação
técnica, não há um único trabalho científico que tenha sido produzido pelo Ministério da Agricultura sobre este
tema nos quatro anos que antecederam este Governo.
Protestos de Deputados do PSD.
Ao Sr. Deputado Norberto Patinho direi que concordo, essencialmente, com aquilo que disse. Acho que o
problema tem de ser visto na sua exata dimensão e, por isso, responderia, desde já, ao Sr. Deputado Pedro
Filipe Soares, porque me parece que estamos aqui a diabolizar um problema. Fala-se muito do intensivo, do
interintensivo, do superintensivo. Mas temos noção do que isso é? Isso quer dizer mais ou menos planta/m2. É
só isso!
E qual é o problema, Sr. Deputado? Não capta mais carbono? Não racionaliza a utilização de adubos por
fertirrigação? É que parece que é um diabo uma cultura ser superintensiva ou intensiva! Sr. Deputado, as
alfaces, os pimentos, os alhos, tudo isso é superintensivo. Alguma vez os Srs. Deputados estiveram
preocupados com o facto de todos os produtos hortícolas serem superintensivos? Alguém disse, quando vai
comprar uma alface ao mercado, «olha aqui está uma alface superintensiva», «olha aqui está um pimentão
superintensivo»? Isso é absolutamente absurdo!
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — O Ministro é que é superintensivo!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Estamos a falar de uma cultura cuja
densidade tem mais plantas ou menos plantas. Porque, até do ponto de vista ambiental, se tem mais plantas,
capta mais carbono; se tem mais plantas, leva menos adubos; se tem mais plantas leva menos pesticidas,
porque a pulverização incide de uma forma mais eficiente.
Portanto, este é um debate completamente surrealista! Desculpe que lhe diga: nestes termos, é
completamente surrealista!
Risos do PSD e do CDS-PP.
Quando eu vejo acentuar o intensivo, o superintensivo… Quem não percebe o que isso é, fica aterrorizado!
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Nem mais!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Ora, repito, uma vez mais: as
cenouras são superintensivas, os espinafres são superintensivos. Portanto, vamos acabar com a agricultura
superintensiva e, depois, não sei o que nós comemos, não é?
Protestos do BE, do PCP e de Os Verdes.
Gostaria, ainda, se os Srs. Deputados permitissem e se o Sr. Presidente permitisse que eu continuasse a
falar.
O Sr. Presidente: — Peço aos Srs. Deputados e às Sr.as Deputadas que estão de pé o favor de se sentarem.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Gostaria de dizer, em primeiro lugar,
ao Sr. Deputado Pedro Filipe Soares que subscrevo tudo o que disse relativamente à nossa preocupação com
as questões laborais no domínio da agricultura. São questões que nos preocupam e nas quais o Governo está
empenhado, porque, efetivamente, temos detetado situações de abuso, de exploração, que queremos eliminar
radicalmente.
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O Sr. Deputado João Oliveira fez várias declarações sem fundamentar nenhuma delas. A novidade que o Sr.
Deputado aqui trouxe é que há um misterioso pó branco, em Avis, que, supostamente, causa problemas de
saúde.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Não é «supostamente», é mesmo!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Certamente, já foi comunicado às
autoridades de saúde, que devem estar a investigar o assunto, porque não consta que haja pó branco em
qualquer outra parte do País onde há olival. Se há algum pó branco misterioso em Avis é porque alguma
circunstância, em Avis, determinou que assim fosse. Porque se fosse decorrente do olival, teríamos o País todo
polvilhado de pó de talco, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — O Sr. Ministro está brincar com coisas sérias!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Portanto, não me parece que esse
seja um argumento para trazermos para aqui.
Por outro lado, alguns do Srs. Deputados têm vindo a referir…
O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, faça favor de interromper um pouco.
Peço às Sr.as Deputada, a quem já há pouco pedi para se sentarem e que continuam de pé, o favor de se
sentarem para o Sr. Ministro poder continuar.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Alguns Srs. Deputados têm criticado
a proximidade das plantações junto das casas. Pergunto: então, o que é que impede as câmaras de, no seu
PDM (plano diretor municipal), impedirem que assim seja? Então, é ao Ministério da Agricultura que cabe agora
definir os limites dos perímetros urbanos nos planos diretores municipais?
Ouça, se a Câmara de Avis, a Câmara de Serpa, enfim, se as câmaras têm olival ao pé de casa, alterem o
seu PDM e estabeleçam a zona de proteção que acham que é adequada. Não é o Ministério da Agricultura que
vai fazer isso, como é evidente!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Esta está boa!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — O Sr. Deputado João Oliveira
anunciou, ainda, uma iniciativa do Partido Comunista — carta de ordenamento das áreas cultivadas nos
perímetros de rega — e perguntou se o Governo a ela aderiria. Já existe, Sr. Deputado! Portanto, o Partido
Comunista pode abster-se de tomar essa iniciativa, porque já existe! Nós sabemos onde estão e qual é o plano
cultural de todos os perímetros de rega. O Sr. Deputado não precisa de fazer isso!
O Sr. Deputado quer que o Governo estabeleça um pedido de autorização para todas as culturas acima de
50 ha. Sr. Deputado, acha que faz sentido? E porque não as culturas acima de 20 ha? Ou de 250 ha?
O Sr. João Oliveira (PCP): — De culturas intensivas e superintensivas, é disso que estamos a tratar!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Então, qual é o problema? Porque
é que há de haver um pedido de autorização acima de 50 ha? E se tiver 49,9 ha já pode plantar livremente um
olival superintensivo? Só a partir dos 50 ha é que é perigoso? Sr. Deputado, não parece fazer sentido essa sua
proposta.
Protestos do Deputado do PCP Jorge Machado.
A Sr. Deputada Heloísa Apolónia também chamou a atenção para a «brutal área de amendoal». Sr.ª
Deputada, a brutal área de amendoal é de 0,36%! Nós temos 11 000 ha de amendoal! Temos 11 000 ha de
amendoal! Onde é que está o problema? Onde é que está o problema?
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O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Temos sete vezes mais do que no ano passado!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Diz o Sr. Deputado que temos mais.
Pois temos, Sr. Deputado! Temos 11 000 ha, neste momento. E ainda bem que temos, porque é uma das
culturas mais bem cotadas, para as quais o País tem aptidão, e é uma cultura que não é das que mais gasta
água. Ainda bem que temos, Sr. Deputado. Ainda bem que temos. Não percebo onde é que está o problema!
A Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia diz: «O senhor anunciou que vai deixar de atribuir apoios ao investimento».
Então, eu estou a ser preso por ter cão e preso por não ter cão! Porque, se não faço isso, aqui d'el rei; se faço
isso, já estou a demonstrar que é preciso! Sr.ª Deputada, faço isso, porque, neste momento — não sou favorável
à monocultura em nenhuma circunstância —, já temos, com esta cultura, cerca de 30% do perímetro total de
rega do Alqueva e eu entendo que há que estabelecer limites à sua continuidade e, por isso, estabelecer
interrupções. Acho que não faz sentido continuar a apoiar financeiramente a instalação de lagares, quando já
temos lagares mais do que suficientes para laborar toda a nossa matéria-prima. É uma atitude de pura
racionalidade. Quem quiser fazer lagares que faça à sua custa. Fá-lo-á sem apoios públicos. É apenas isso, Sr.ª
Deputada.
Por último, a Sr.ª Deputada disse, ainda, que o olival descaracteriza a paisagem. Gostava de chamar a sua
atenção do seguinte…
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Quer ver que também é mentira!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Deputado, então, o que é não
descaracterizar a paisagem? É ter a paisagem como se não houvesse regadio, não é? Nós investimos no
Alqueva 2500 milhões de euros, Sr. Deputado. É evidente que naqueles 180 000 ha a paisagem tem de ser
descaracterizada, porque passamos de uma cultura de sequeiro para uma cultura de regadio. A única forma de
não descaracterizar a paisagem era não ter feito o regadio! Mas o seu partido e outros que aqui estão nesta
Sala andaram durante anos, comigo, a batalhar por aquela obra. Então, depois de a termos concluída, dizemos:
«Alto lá! Agora não podem descaracterizar a paisagem, vamos continuar com as culturas que existiam antes de
a obra de beneficiação ter sido feita»?
Sr.ª Deputada, temos de ter consciência de que não vivemos no paleolítico! Não vivemos da caça e da
recoleção! Nós vivemos da agricultura!
Aplausos do PS.
Vivemos da agricultura! É a agricultura que alimenta a humanidade, é a agricultura que contribui para a
economia do País, que contribui para o emprego, que contribui para o nosso autoabastecimento alimentar e
isso, naturalmente, tem custos ambientais. Uma horta descaracteriza a paisagem. A pessoa que, à volta da sua
casa, faz uma horta está a descaracterizar a paisagem! Há custos ambientais que decorrem, necessariamente,
da atividade agrícola, a não ser que voltemos ao paleolítico. É a única forma de resolver essa equação.
O que nós queremos, obviamente, é mitigar, reduzir os impactos negativos. É isso que estamos a fazer,
analisando os solos, analisando as águas, analisando a composição final dos produtos e, de todas as análise
que temos, nenhuma delas sustenta as teses que estão, neste momento, na opinião pública, diabolizando uma
cultura que não é diferente das outras culturas. Só que tem essa terrível pecha, que é o facto de se chamar
«intensivo». Mas repito, quando ouvirem falar em intensivo, lembrem-se de todos os legumes que consomem
em casa!
Aplausos do PS.
O Sr. Pedro do Carmo (PS): — A salsa, por exemplo!
O Sr. Presidente: — O tempo usado em excesso será descontado na próxima ronda, que começa de
seguida.
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Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Serra, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Nuno Serra (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, os argumentos
agressivos que hoje foram utilizados neste debate ilustram bem a visão distorcida, radical que alguns partidos
têm da sociedade.
Ao longo deste rol de fundamentos apontados por essas bancadas, não ouvimos falar uma única vez em
equilíbrio. Não ouvimos falar da sustentabilidade na produção de alimentos.
Nesse discurso, também não houve lugar para o crescimento da produção agrícola, para o desenvolvimento
sustentado da agricultura, nem para a coesão territorial.
Também não houve espaço para o verdadeiro desenvolvimento sustentável do nosso País e também não
houve lugar à ecologia, porque, Srs. Deputados, ser ecologista não é querer uma natureza sem homens, nem
mulheres. E radicalizar e extremar as assimetrias entre a produção, no meio rural, e o meio ambiente, Srs.
Deputados, é um erro! É um erro para o debate, porque não esclarece ninguém, mas é um erro também para o
futuro do meio ambiente.
Srs. Deputados, a produção agrícola e o meio ambiente só podem viver juntos, só podem coexistir juntos.
Por um lado, o mundo não sobreviverá sem a agricultura que nos alimenta e também não sobreviverá sem o
meio ambiente que garanta a sobrevivência do nosso ecossistema. E esse, sim, é o grande desafio dos políticos:
não acicatar, nem acentuar essas fricções, mas, pelo contrário, sermos todos promotores do bom senso, da
ponderação, da aplicação da ciência para garantirmos um futuro melhor.
Srs. Deputados, continuarem a radicalizar a vossa luta contra algumas práticas de cultivo intensivo, ao invés
de exigirem práticas agrícolas respeitadoras do meio ambiente, do saber e da ciência, não é serem equilibrados.
Nós, no PSD, continuaremos, sim, a defender agriculturas que recorram, cada vez mais, a fatores de
produção sustentáveis, em termos ambientais: mais eficientes em termos de água, mais produtivas e mais
rentáveis. Criar este anátema político com o olival intensivo, que é hoje de reduzida dimensão, sem recorrer à
questão da ciência, sem ponderar os desafios que o Homem tem para o dia de amanhã, não é olhar para a
dimensão humana, nem para o nosso País, é apenas olhar para os interesses de cada um.
Srs. Deputados, o olival intensivo não é um atentado ao meio ambiente, nem será, se, nós, os políticos,
conseguirmos colocar de lado os espartilhos ideológicos e, com a devida ponderação, criarmos condições para
que as produções agrícolas coexistam num País defensor do ambiente.
Esse é o desafio que aqui deixamos a todos os partidos neste Parlamento: não radicalizem a questão, dispam
os vossos casacos ideológicos, usem a ciência como ponto de partida, juntem-se a nós e pensem, acima de
tudo, nas pessoas, no mundo que queremos ter, no futuro do nosso País, onde o bem-estar dos homens e das
mulheres seja sempre, sempre o foco da nossa motivação política.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado Pedro do Carmo.
O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, o
que se debate hoje, nesta Assembleia, é a agricultura: agricultura de regadio, agricultura moderna, agricultura
produtiva. É uma agricultura que se pratica no Alentejo, em especial no Baixo Alentejo, fruto de um bom
investimento público, a barragem do Alqueva, que irriga 120 mil hectares e que foi construída para mudar o
Alentejo. E, agora, vamos também construir o Pisão.
Aproveito para cumprimentar os Srs. Presidentes de Câmara do Alto Alentejo, que ganharam uma nova
esperança com a decisão do Governo de construir esta barragem.
Aplausos do PS.
E digo: «É tão grande o Alentejo,/Tanta terra abandonada!/A terra é que dá o pão:/Para bem desta
nação/Devia ser cultivada./Tem sido sempre esquecido/À margem ao sul do Tejo:/Há gente
desempregada,/Tanta terra abandonada!/É tão grande o Alentejo!»
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O Sr. João Oliveira (PCP): — Ponha o Deputado Norberto Patinho a cantar isso!
O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Esta é uma música muito conhecida do Cancioneiro alentejano, uma moda,
como dizemos no Alentejo. E porque se chama moda? Porque espelha, retrata, o que se vivia na época.
Era isto que se vivia no Alentejo antes de Alqueva ser construída. Era este o retrato da agricultura que
tínhamos na região, mas o que temos hoje é a obrigação, o dever, de esclarecer, com factos e com verdades;
não é nem pode ser uma diabolização sobre este tipo de agricultura moderna com base em perceções.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, vamos, por isso, aos factos.
Construímos a Barragem de Alqueva para ter água, irrigar os solos e tornar as nossas terras produtivas?
Sim!
Por isso, devemos exigir um uso eficiente da água? Sim!
É o olival a cultura que mais água utiliza? Não!
Aplausos do PS.
Culturas como a do milho, do tomate, do vinho, da uva de mesa, do melão, da beterraba, do trigo utilizam
mais água que a do olival, e estes são apenas alguns exemplos.
Srs. Deputados, em alguns países, como é o caso do Egito, a plantação do olival em sebe é utilizada para,
entre outros efeitos, combater a desertificação. Esta cultura cria emprego? Sim, cria, e fixa população jovem e
qualificada nestes territórios do interior.
Aplausos do PS.
Este tipo de cultura traz desenvolvimento económico à região? Sim! Srs. Deputados, a região do Baixo
Alentejo é hoje uma das regiões do País que mais contribui para as nossas exportações.
Este tipo de cultura gera biodiversidade? Gera, e protege muitas espécies, naturalmente de forma diferente
da cultura do sequeiro, que continua a ser muito importante no Baixo Alentejo. O CEO (chief executive officer)
da BirdLife confirma não haver nenhuma evidência de mortalidade dos pássaros, como querem dizer que há.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Termino já, Sr. Presidente.
Esta cultura do olival fixa carbono? Sim! Logo, podemos afirmar que este tipo de cultura presta um importante
contributo no que concerne ao aquecimento global.
Há muito a fazer. Vamos trabalhar, vamos desenvolver a região!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado Pedro
Filipe Soares.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, pedi-lhe para indicar mais algumas ações e
o Sr. Ministro veio com retórica, tentando confundir olival ou amendoal com produtos hortícolas e a sua produção.
O Sr. Ministro sabe — não o tomo por desconhecedor desta matéria, sei que o Sr. Ministro é até bastante
conhecedor — qual é a diferença entre uma exploração e outra. Por isso, quando vem dizer que não aceita mais
instalação de olival no perímetro de Alqueva, porque já está sobrecarregado, ou que até defende que existam
períodos de intermediação entre explorações de olival, sabe que, para isso, está a propor o que não propõe, por
exemplo, para produções de cenouras ou de produtos hortícolas, porque não é a mesma coisa. Confundir uma
com a outra é, claramente, para não levar o debate a sério, e isso é o que as populações que são afetadas por
estas explorações superintensivas e intensivas não aceitam da parte do Sr. Ministro, desejando um debate mais
sério sobre esta matéria.
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Pedi-lhe ações e vou deixar-lhe as sugestões do Bloco de Esquerda. Em primeiro lugar, que não se neguem
os efeitos negativos que isto pode ter nas populações, particularmente no uso abusivo de pesticidas, os tais
produtos fitofarmacêuticos, e que se ouçam as populações, os presidentes de câmara, alguns até do Partido
Socialista e alguns até que acompanhavam a área da agricultura, como é o caso do ex-Deputado Luís Pita
Ameixa, que é conhecedor destas matérias e que está, ele próprio, preocupado com o que está a acontecer no
Alentejo.
Queria perguntar-lhe se considera, ou não, importante a implementação de áreas e infraestruturas
tamponizantes mínimas e, por isso, alargar aquilo que o Sr. Ministro já disse ser necessário. Mas alargar isso
para que haja um pensamento estruturado de forma a impedir um prolongamento de monoculturas ou de culturas
superintensivas e intensivas por hectares e hectares a fio.
Pergunto se acha, ou não, importante a implementação de redes e infraestruturas ecológicas, para que,
também aí, se possibilite a redução do uso de pesticidas, entre outras matérias.
Pergunto ainda se garante, ou não, uma perspetiva estruturada para a aplicação destes planos, porque é
isso também que falta. Não vemos isso a acontecer e, como tal, consideramos essencial uma moratória no
licenciamento de produções intensivas ou superintensivas e que exista, claramente, um ordenamento destas
culturas.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Termino já Sr. Presidente.
Por último, peço ao Sr. Ministro que não negue a realidade e que tenha a coragem de fazer aquilo que
compete ao Ministério da Agricultura, que é defender a avifauna e defender, por exemplo, que não haja extração
noturna de frutos, etc., nem utilização noturna de pesticidas.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Ninguém aplica pesticidas de noite!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Porque, como o Sr. Ministro sabe, isto é uma mortandade de aves.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares achou estranho o
Sr. Ministro estar a comparar o olival com culturas hortícolas, mas eu trago-lhe outra comparação, Sr. Deputado:
criticar ou comparar um olival superintensivo com um olival intensivo, que é um olival em pomar, é a mesma
coisa que criticar os pomares de pera-rocha ou de maçã de Alcobaça, que, hoje em dia, são conduzidos em
sebe e que, tradicionalmente, eram conduzidos em pomar, ou seja, aquelas árvores com copazinha que víamos
nos livros das escolas. É a mesma coisa que dizer que uma vinha de enforcado é menos boa ou melhor do que
uma vinha enlatada ou do que uma vinha em cordão.
Cada região tem as suas tipicidades e, portanto, uma não é melhor do que a outra. É preciso que os senhores
falem daquilo que sabem e, se não sabem, vão-se informar! Não desinformem.
O PCP está muito preocupado com a questão da mão de obra — e registei que não veio falar mal do olival!
O Sr. Deputado estava preocupado com a mão de obra e com o emprego, o que para nós também é uma
preocupação, pois as condições de trabalho devem ser dignas para toda a gente, mas este tipo de olival vem,
precisamente — e também em resposta ao Bloco de Esquerda —, colmatar esse problema de falta de mão de
obra, porque é mecanizado e, portanto, não precisa de tanta mão de obra.
Não posso também deixar de dizer que há partidos que, perante um problema — e neste debate vimos isso
—, a solução que encontram é a de proibir. O CDS quer evoluir, transformando desafios em oportunidades.
Há aqui problemas? Há. Há o problema do bagaço de azeitona, que os senhores levantaram e que já foi
discutido, por diversas vezes, em reuniões de Comissão. Porém, o problema da poluição gerada pelas fábricas
de bagaço de azeitona não tem nada a ver com o tipo de condução do olival! As fábricas que transformam o
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bagaço de azeitona têm de cumprir a lei e têm de criar condições para não poluírem. São assuntos
independentes, não vamos misturá-los e confundir as pessoas. Tem de se cumprir a legislação ambiental.
Há um outro problema, relacionado com as aves e a apanha noturna. É um problema? Vejamos, porque a
própria BirdLife duvida que seja um problema; questiona-o e diz que se deve avaliar. Também tivemos cá, salvo
erro, o presidente do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), que nos disse — e o Sr.
Ministro também já nos disse — que isso vai ser avaliado. Só que, Sr.as e Srs. Deputados, o olival colhe-se de
outubro a fevereiro e, portanto, só nessa altura é que se vai poder fazer essa avaliação, e não agora, quando
os senhores decidem.
Mais uma vez, em vez de proibir a apanha noturna, que é aquilo que os senhores pretendem, vamos estudar.
Vamos ver quais são os locais dormitório, onde é que as aves dormem, se dormem só em algumas zonas e não
dormem noutras, para se decidir onde é que se pode colher de noite e onde é que tem de se colher de dia. Se
isso não for suficiente, pode-se, por exemplo, espantar as aves para elas levantarem voo e não estarem lá
durante a colheita. Há um conjunto enorme de soluções que devemos procurar, antes de proibir. Os senhores
gostam muito de proibir.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço-lhe para concluir.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Para concluir, Sr. Presidente, deixo só esta nota: quando se fala da
preocupação com a transformação da paisagem, gostava de perguntar a Os Verdes, ao Bloco de Esquerda,
aliás, a todos os partidos aqui presentes, se algum dos senhores critica e põe em causa a paisagem do Alto
Douro Vinhateiro, profundamente transformada pelo homem, talvez a mais transformada, e a paisagem da
cultura da vinha da Ilha do Pico, que são, nem mais nem menos do que património da humanidade. Representam
uma monocultura intensiva de vinha que ninguém põe em causa, que não traz problema algum, que todos
gostamos de ver. E todos gostamos de beber esses vinhos.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem mesmo de terminar.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Portanto, esta é uma discussão completamente demagógica que o
CDS não pode acompanhar.
Aplausos do CDS.PP.
O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ângela Moreira.
A Sr.ª Ângela Moreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O
crescimento desmesurado das culturas agrícolas intensivas e superintensivas é motivo de justas preocupações.
A integração na União Europeia fomentou o encerramento de milhares de explorações agrícolas e levou a
que pequenos e médios produtores deixassem as suas explorações, abrindo o caminho ao modo de produção
intensiva e superintensiva, à exploração do lucro fácil e rápido. Um modo de produção que assenta na sobre-
exploração da terra, com plantações em compassos muito reduzidos, com consumos de água bem superiores
aos tradicionais e uma utilização massiva de agroquímicos.
A intensificação destas culturas constitui, por si só, um elevado risco para o ambiente pela exposição a
agentes bióticos nocivos, pela intensificação da utilização de pesticidas para controlo de pragas, que, recorrendo
a pulverização aérea e a alta pressão, vão contaminando o solo, os recursos hídricos, a fauna, a flora e as
populações, pela aniquilação da biodiversidade.
A permissividade dos sucessivos Governos, esta inércia mascarada de preocupação com o ambiente e com
as alterações climáticas, vem fundamentar as preocupações do PCP. Enquanto prevalecerem interesses
economicistas e preocupações com o lucro, o planeta perde o lugar central que lhe é devido, lugar que continua
ocupado pelo grande capital.
Prova disto é o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental dos projetos suscetíveis de produzirem
efeitos significativos no ambiente, onde é feita referência a projetos agrícolas. Aqui, uma vez mais, tudo parece
ser feito à medida do lucro fácil e rápido, estando o regime de avaliação de impacte ambiental assente na
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dimensão singular das explorações, deixando de fora projetos que, agregados, formam extensas áreas que
ultrapassam largamente os limites mínimos que justificam a necessidade de avaliação de impacte ambiental.
Porém, esta não lhes é exigida, não se acautelando a proteção do solo, dos recursos hídricos, da biodiversidade,
do património, das populações — isto para falar apenas dos aspetos mais evidentes.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada
A Sr.ª Ângela Moreira (PCP): — Concluo já, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, como justifica que, perante uma preocupação emergente com o ambiente, não se tomem
medidas imediatas para a avaliação e acompanhamento deste problema?
Para terminar, pergunto: está o Sr. Ministro na disposição de romper com as opções políticas de direita e de
avançar com outra política que assuma como objetivo principal a defesa dos recursos naturais, do meio ambiente
e das populações?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural,
Luís Capoulas Santos.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Presidente, relativamente aos
Srs. Deputados Nuno Serra e Pedro do Carmo, queria dizer que não tenho nada a acrescentar, a não ser que
subscrevo, no essencial, aquilo que disseram.
Gostaria de aproveitar para responder ao Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, porque voltei a ter a sensação
de que labora em alguns equívocos. São, manifestamente, equívocos, alguns dos quais foram referidos pela
Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca.
Disse o Sr. Deputado que eu dei o exemplo da horticultura para as culturas intensivas, mas, como já foi dito,
a pera rocha do Oeste é um pomar em sebe e as vinhas são pomares em sebe. É aquele arbusto multiplicado
por quilómetros. Ora, nunca vi ninguém preocupado com o sistema de rega nas culturas em sebe. E não dizemos
pera rocha intensiva, não dizemos maçã de Alcobaça intensiva, nem dizemos vinho do Porto intensivo! Tudo
isso são culturas intensivas, portanto o problema não está em chamar-se intensivo, ou não.
Digo-lhe mais: do ponto de vista do ambiente, as culturas intensivas têm vantagens. E porquê? Primeiro,
porque havendo mais plantas por hectare, há maior captação de carbono. Em segundo lugar, existe fertirrigação,
o que significa que a adubação é feita com a rega, ou seja, quer isto dizer que a adubação é descontinuada ao
longo do tempo. Já na cerealicultura, por exemplo, o adubo é colocado todo de uma vez, pondo-se a questão
da escorrência quando vem a chuva.
Neste momento, temos em Portugal cerca de 200 000 ha de cereais e temos 50 000 ha de olivais no Alqueva.
Os cereais de Portugal levam o dobro dos agroquímicos do olival, mesmo daquele a que chamam de intensivo
e de superintensivo! Portanto, acho que se criou um mito e que se não for descodificado para o cidadão comum
levará a opinião pública a laborar num erro e, qualquer dia, até nem consomem azeite!
Srs. Deputados, desse ponto de vista, já viram o perigo que este debate representa?! O azeite é um alimento
saudável, cada vez mais reconhecido como tal em todo o mundo. Se estamos a dar aqui a ideia de que é
perigoso comer azeite, se o olival tem todos estes malefícios, se faz mal à saúde, se tem agroquímicos, se tem
pesticidas, se tem herbicidas, então, só pode dar um produto péssimo! Temos de ter muito cuidado com as
declarações que fazemos, porque o azeite é dos melhores produtos que temos para a saúde humana.
Sr. Deputado, o senhor, se calhar, ignora que — enfim, não tem obrigação de saber, como é óbvio —, nos
últimos anos, a União Europeia reduziu o uso de mais de 100 pesticidas.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Porque eram cancerígenos!
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Os agricultores queixam-se disso,
porque, nalguns casos, deixam de ser competitivos, não tendo produtos para atacar as doenças e têm produções
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mais baixas, precisamente porque a União Europeia tem vindo a reduzir drasticamente o número de pesticidas,
mais de 100, nos últimos seis ou sete anos. Portanto, acho que não podemos insistir nesse discurso.
A Sr.ª Deputada Ângela Moreira voltou a incorrer nos mesmos erros: agroquímicos e pesticidas. Diga-me
qual é a atividade agrícola, a não ser aquelas que estão em modo de produção biológica ou de proteção
integrada, que este Governo tem promovido e defendido. Gostava de lembrar que foi este Governo que pôs em
execução a estratégia nacional para a agricultura biológica. É este Governo que tem as medidas agroambientais
e que consagra, nos fundos comunitários, cerca de 30% a 40% de medidas que têm carácter verde.
Portanto, somos os primeiros a defender uma agricultura sustentável, uma agricultura que tende, cada vez
mais, para uma agricultura biológica. Devo dizer que há muitos olivais, vários hectares, a que os senhores
chamam intensivos, que estão em modo de produção biológica e até em modo de produção integrada.
A Sr.ª Deputada falou ainda no consumo de água destas «culturas malditas». Gostava de dar-lhe alguns
valores: o olival gasta, em média, 2500 m3 por hectare; o tomate gasta 8500 m3; o pimento gasta 9000 m3; a uva
de mesa gasta 6000 m3; o melão gasta 7000 m3 por hectare; as fruteiras, maçãs, peras, gastam entre 7000 e
9000 m3 por hectare. Portanto, são precisamente o olival — seja ele intensivo ou não, porque os consumos de
água são iguais — e o amendoal as culturas menos consumidoras de água. Se hoje podemos ter mais área no
Alqueva, cujo perímetro inicial foi concebido para 120 000 ha e vai chegar aos 180 000 ha, isso só é possível
por causa da área de olival, porque a área de olival, gastando menos água, libertou terreno para ser utilizado
noutras culturas.
Srs. Deputados, acho que este debate tem sido esclarecedor, mas tem sido, também, um debate que visa
exatamente o contrário daquilo que os seus promotores pretendiam, porque demonstra que, afinal, estas são
culturas que não diferem das outras e que, portanto, não há nenhuma razão para serem catalogadas como
culturas malditas, muito pelo contrário.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Vamos passar ao encerramento deste debate. Tem, de novo, a palavra o Sr. Ministro
da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs.
Deputados: Queria apenas reafirmar aquilo que procurei dizer na resposta que dei a todos os Srs. Deputados,
voltando a agradecer ao Partido Ecologista «Os Verdes» o facto de ter trazido o tema a debate, porque acho
que este é um tema que carece de muito debate na sociedade portuguesa pelas razões que foram aqui
exuberantemente expostas, até porque este debate, falando das culturas ditas intensivas ou superintensivas,
acabou por ser, sobretudo, um debate centrado no empreendimento de Alqueva, onde elas têm maior
implantação.
Durante muitos anos, para não dizer muitas décadas, eu e outras pessoas que aqui estão, como o Sr.
Deputado João Oliveira, como o Sr. Deputado Norberto Patinho, como o Sr. Deputado Pedro do Carmo e outros,
batemo-nos por este empreendimento e, ao longo destes anos, assistimos sempre a argumentos que
diabolizavam o investimento. Começaram por dizer, até vozes insuspeitas e credíveis da nossa sociedade, que
o Alqueva nunca encheria, porque o Guadiana não tinha água para isso. Durante anos, combatemos o
argumento de que aquilo era um «elefante branco», porque o sistema mediterrânico irregular faria com que
houvesse cheias periódicas, mas o Alqueva já encheu três vezes. A seguir, dizia-se que o preço da água nunca
seria competitivo, que não havia nenhuma cultura que pudesse ser rentável. Demonstrámos também que, com
o preço da água — que, aliás, este Governo já baixou em 30% —, é possível ter todas estas culturas rentáveis.
Depois, havia quem dissesse, vozes credíveis da nossa sociedade, que era um empreendimento que só ia servir
para instalar campos de golfe. Para vos dizer a verdade, não conheço nenhum campo de golfe nos quase 100
000 ha já instalados. Agora, nos últimos meses, vem esta história do olival. Esta diabolização do olival tem de
ser esclarecida e desmontada, como foram todas as demais.
Considero, por isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que demonstrámos, neste debate, que este é um
problema que carece, obviamente, de ser estudado. Não dizemos que não há impactos negativos — todas as
atividades humanas sobre o território, sobre os solos, têm impactos negativos. Ficou demonstrado que o
Governo está a estudá-las e que está aberto a adotar as medidas que técnica e cientificamente se justifiquem
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para corrigir quaisquer desvios ou quaisquer problemas que se coloquem ao ambiente ou à saúde pública, seja
aquilo que for.
Ficou, também, demonstrado que a olivicultura, enquanto atividade agrícola da cultura da oliveira, não tem
nada a ver com a poluição industrial de duas ou três unidades agrícolas no Alentejo que têm vindo, na opinião
pública e na imprensa, a demonstrar que existem problemas que se colocam às comunidades. Mas gostava de
vos dizer que, por exemplo, na Andaluzia, onde problemas iguais se colocaram, as fábricas, em vez de usar o
bagaço de azeitona como combustível, passaram a usar gás e acabou a poluição! Portanto, é uma questão de
natureza ambiental. Se as regras não são cumpridas, as fábricas, no limite, têm de ser encerradas. De facto,
tenho acompanhado alguns casos de algumas povoações — aliás, são duas fábricas em concreto — e estou
inteiramente solidário com aquelas populações. Não gostaria de viver numa casa, numa aldeia ou numa
povoação em que tivesse de fechar as janelas para não ter a casa engordurada. Isso é, do meu ponto de vista,
intolerável. Se existe legislação ambiental, ela tem de ser aplicada e, no fundo, ou se muda o combustível, ou
fecha a fábrica. Não creio que haja outra alternativa.
Ficou também, creio, integralmente demonstrada a importância desta atividade económica para o País.
Produzíamos, há menos de 20 anos, 40% das nossas necessidades em azeite. Aliás, fomos autossuficientes
nos anos 50 e, depois, com a política agrícola comum, foram dados subsídios para arrancar oliveiras. Lembrar-
se-ão que, nos anos 80, foram dados subsídios para arrancar oliveiras; arrancaram-se milhares de hectares de
oliveira e o País perdeu a sua independência nessa matéria. Passámos do autoabastecimento para cerca de
40% do autoconsumo. Neste momento, já produzimos 150% das nossas necessidades e temos uma enorme
capacidade ainda de expansão do olival. Olho, por exemplo, para Trás-os-Montes, que ainda noutro dia visitei
e onde estive com técnicos. Deem água a Trás-os-Montes e terão ali um outro potencial enorme para o olival. É
por isso que estamos, também, a investir no regadio em Trás-os-Montes.
Acho que não podemos misturar toda uma atividade que é feita, em princípio, com escrupuloso cumprimento
da legislação, porque a União Europeia é quem tem as regras mais apertadas, quer no uso de pesticidas, quer
no uso de adubos, quer no controlo do produto final. Voltava a chamar-vos a atenção para isto, que é muito
importante. Os produtos, em particular o azeite, são rigorosamente fiscalizados no destino. Se houvesse alguma
vez um problema com produtos químicos ou outros que fossem prejudiciais à saúde, acham que um mercado
como o alemão, como o norte-americano, como o canadiano, ficavam impávidos e serenos e não diziam nada?
Não. O produto é bom porque as práticas culturais respeitam as normas internacionais que estamos obrigados
a cumprir.
Sr.as e Srs. Deputados, em suma, o que queria dizer-vos é que o Governo estará sempre atento às iniciativas
desta Assembleia, disposto a acolhê-las sempre que elas se justifiquem e disponível para facultar todos os
elementos. Aliás, como vos disse, incumbi o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária de proceder
a um estudo aprofundado sobre todas as componentes que têm a ver com o olival: o solo, a água, a nutrição
das plantas…
O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, peço-lhe para terminar.
O Sr. Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural: — Peço desculpa, Sr. Presidente.
Como disse, vou terminar esta minha intervenção, agradecendo uma vez mais ao Partido Ecologista «Os
Verdes», porque acho que trazer este tema a debate foi muito útil, e reitero a todos a disponibilidade do Governo
para trabalhar com o Parlamento sobre esta matéria.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra, em nome de Os Verdes, a Sr.ª Deputada Heloísa
Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Se o Sr. Ministro quiser
recordar coisas que foram ditas e até defendidas no passado — não é que esteja a comparar exatamente a
realidade e as espécies em concreto, mas, se calhar, o Sr. Ministro vai perceber aquilo que Os Verdes querem
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dizer —, lembro-lhe que, há muitos anos, também se defendia muito as monoculturas de eucalipto por esse País
fora.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Era o futuro!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sim, o Sr. Ministro lembrar-se-á: dizia-se que dava muito emprego,
que gerava uma dinâmica económica imensa para a nossa floresta! Hoje, acho que já toda a gente consegue
perceber o rastilho que se espalhou por este País fora. Sabe para que dinâmica, Sr. Ministro? Dos fogos
florestais. Agora lembre-se o Sr. Ministro o que se perdeu em termos de emprego com esse drama dos fogos
florestais e o que se tem perdido na nossa floresta. Por que é que estamos a lutar hoje? Pela floresta autóctone,
Sr. Ministro. Não temos nada contra a espécie eucalipto, mas, sim, contra as imensas manchas de monocultura
de eucalipto. Essa é que foi uma das desgraças da nossa floresta.
Sobre este debate em concreto, vamos ver se não cometemos o mesmo erro relativamente ao olival intensivo
com outras consequências, designadamente consequências graves para as alterações climáticas: saturação de
solos, desertificação de solos e consumo de água. E vamos ver se, daqui a uns anos, não estamos todos de
mãos na cabeça a dizer: «O que é que andámos a fazer? Precisamos, de facto, de olival tradicional». Os Verdes,
Sr. Ministro, estão a alertar em tempo útil.
O Sr. Ministro queria um debate sério, mas foi o Sr. Ministro que contribuiu para um debate pouco sério, ao
ter dito que tudo isto tem custos ambientais mas que pôr uma horta à porta de casa também tem custos
ambientais. Sr. Ministro, quer comparar essas duas realidades? Acho que dizer isso é mesmo não levar a sério
aquilo que se está a discutir. O Sr. Ministro também disse: «Os senhores estão a contribuir para que as pessoas
considerem que consumir azeite é muito perigoso». Sr. Ministro, pelo amor de Deus! Sinceramente, isso não é
dar seriedade ao debate, e o Sr. Ministro sabe perfeitamente que não é isso que está em causa.
Se quer falar de qualidade, se calhar temos mesmo de falar do olival tradicional e, se calhar, temos mesmo
de remeter a lógica da quantidade para o olival intensivo e superintensivo, porque essa era a primeira prioridade
deste tipo de modelo, digamos assim, de olival.
O Sr. Ministro também não traz seriedade ao debate quando diz: «Não temos a certeza se há mortandade
de aves ou não decorrente da recolha mecânica da azeitona, mas, se houver, é porque a biodiversidade existe».
Sr. Ministro, sinceramente, isso traz pouca seriedade ao debate!
O Sr. Ministro quer um eufemismo para a questão do superintensivo, mas também não vale a penar estar a
escamotear a realidade, porque sabe que quando as culturas são de grande densidade usam mais pesticidas e
mais fertilizantes. Sim, o Sr. Ministro sabe que, com essas culturas de grande densidade, há mais problemas
fitossanitários. Estes problemas alastram-se de uma forma completamente diferente e mais rápida.
O Sr. Ministro sabe isso, como sabe, também, que a carga ambiental destas culturas intensivas e
superintensivas é muito maior. O problema da saturação dos solos coloca-se de uma forma mais intensa e o
problema relativamente à utilização do recurso à água coloca-se igualmente de uma forma mais intensa.
Sr. Ministro, já devíamos ter aprendido com problemas que se criaram no passado. Estamos sempre a dizer
que as questões económicas não são incompatíveis com as questões ambientais, mas quando se coloca no
prato da balança ou quando se tem de decidir sobre uma matéria económica ou uma matéria ambiental, pois a
matéria económica continua sempre a valer, mesmo que os impactos ambientais sejam brutais e possam trazer
problemas muito sérios no futuro.
Um dos problemas dos sucessivos Governos é o de terem tido uma visão de muito curto prazo e de não
terem visão de médio e longo prazo. Estamos a confrontar-nos com um problema sério relativamente às
alterações climáticas — e vou repetir isto, Sr. Ministro —, que requerem, que pedem urgentemente propostas e
medidas de adaptação na área agrícola. O Sr. Ministro devia estar a dar passos largos no sentido da adaptação
do nosso território à mudança climática. E volto a referir que há estudos concretos sobre o Alentejo que ditam
que, se tudo continuar na mesma, vamos ter um problema sério de desertificação de solos.
Depois, venham cá falar de soberania alimentar, Sr. Ministro! Depois, não temos onde cultivar! Portanto, veja
bem o que estamos a fazer no presente com impacto no futuro.
Mesmo para terminar, também gostaria de dizer ao Sr. Ministro que é bom ouvir as populações e aquilo com
que elas se confrontam no dia a dia. Não podem estar as populações todas erradas, os autarcas todos errados,
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as associações todas erradas e, afinal, só o Governo e a direita estarem certos! Nesta matéria, não pode ser
assim! Por isso, aconselho o Sr. Ministro a ir para o terreno e a ouvir concretamente as populações.
Mesmo, mesmo para terminar, refiro que o Sr. Ministro diz assim: «Então, agora o Governo é que vai ditar
um distanciamento entre o extremo da cultura intensiva e superintensiva e das habitações?!» Sim! Sim, essa é
uma proposta que Os Verdes fazem!
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, também fizeram o mesmo relativamente às culturas transgénicas,…
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Ora!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … em que se colocava a questão da contaminação. Porque é que
o Governo o fez? Ah! Aí, foram a União Europeia e as multinacionais que o ditaram, não foi, Sr. Ministro?…
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, chegámos ao final deste debate de urgência.
Do segundo ponto da ordem do dia consta a reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º
290/XIII — Manutenção de farmácias de dispensa de medicamentos ao público nos hospitais do Serviço
Nacional de Saúde.
A Mesa regista a inscrição do Sr. Deputado André Silva, do PAN, para uma intervenção.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. André Silva (PAN): — Boa tarde, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados.
Analisamos, hoje, o Decreto da Assembleia da República n.º 290/XIII, referente à exploração de farmácias
em meio hospitalar, vetado e devolvido pelo Sr. Presidente da República.
O PAN não acompanhou favoravelmente este diploma, na medida em que, como sublinhado no texto da
mensagem do Presidente da República referente à devolução do diploma, onde é solicitada mais clarificação do
seu caráter excecional e singular, o PAN apresentou um projeto de lei que visava repristinar, em termos gerais
e abstratos, o regime de 2009, tendo sido esta proposta chumbada.
Assim, sempre considerámos que a solução adotada não cumpre os ditames inscritos na Lei Fundamental
por aludir a uma entidade de forma individualizada e concreta, razão pela qual terá sido objeto de veto
presidencial. Aliás, o Sr. Presidente questiona a opção por uma solução onde não se contempla uma fórmula
geral e abstrata, passível de se aplicar a mais do que uma situação de facto e a mais do que uma entidade
destinatária.
Mantemos a nossa posição relativamente à necessidade da manutenção da existência de farmácias em meio
hospitalar, contudo o caminho deverá ser o da repristinação do regime de 2009. Em resposta a uma pergunta
efetuada pelo PAN, o Ministério da Saúde reconheceu que o eventual fim deste serviço no Beatriz Ângelo
representaria uma efetiva perda de qualidade do serviço prestado pelo hospital e criaria inúmeros
constrangimentos e inconveniências aos milhares de doentes que diariamente o utilizam.
Frisamos que esta iniciativa visa a proteção dos utentes, ainda mais legitimada pelo estudo do impacto
nacional da existência de farmácias em hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), realizado pela Pordata,
o qual afasta a possibilidade de impactos negativos ou predatórios na variação do número de farmácias nas
áreas de influência dos hospitais e nas respetivas cidades. Conclui o estudo que, para além da otimização da
acessibilidade ao medicamento, não existe o risco de deterioração da rede de farmácias, pelo que a revogação
do regime, pretendida pelo Governo, deve ser revista.
Assim, Sr.as e Srs. Deputados, considerando o interesse público assente nas necessidades prementes dos
doentes, conjugado com a inobservância de impactos negativos advindos da existência de farmácias em meio
hospitalar, consideramos que deve ser repristinado o diploma que regula este regime, assente num quadro
normativo geral e abstrato, conforme a proposta que apresentámos.
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Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde.
Neste momento, a Mesa não regista mais inscrições, pelo que vamos passar ao ponto seguinte da ordem de
trabalhos.
Pausa.
Inscreveu-se, entretanto, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Graça, do Partido Socialista.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Graça (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Presidente da República vetou o
corpo legislativo que o Parlamento produziu sobre a possibilidade de haver farmácias de venda direta ao público
em hospitais do Serviço Nacional de Saúde e colocou-nos três questões a que, julgo, importava tentar responder.
A primeira questão foi: «Por que razão exclui a gestão direta da farmácia concreta a que se dirige pelo próprio
hospital, em vez de escolher concessionar essa gestão?» Não queremos que esta possibilidade esteja excluída,
pois a lei que permite o mais também permite o menos. Mas convém recordar que foi o decreto-lei habilitante
de 2009 que estabeleceu que era a concessão o regime que devia ser seguido.
A segunda questão colocada pelo Sr. Presidente da República foi: «Por que razão, optando pela concessão,
aprova apenas uma em concreto, excluindo a repristinação do regime abstrato de concessões?»
Vale a pena ler o preâmbulo do decreto-lei que, em 2016, extinguiu o decreto-lei habilitante: «Uma vez que,
fruto da experiência relativa à instalação e ao funcionamento de farmácias de dispensa de medicamentos ao
público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, se constata que os princípios do interesse público e da
acessibilidade que presidiram à implementação deste regime não se demonstraram (…)». De facto, das sete
farmácias criadas, apenas uma ainda funcionava em 2016. Não havia, por isso, dúvidas quanto à não
necessidade de repristinar uma lei que, apesar da sua bondade teórica, não se veio a confirmar na realidade.
Contudo, um grupo de cidadãos, insatisfeitos com esta decisão, avançou com uma iniciativa legislativa,
lembrando ao Parlamento e aos Deputados que havia uma farmácia que funcionava, a qual era uma PME
Excelência, cumpria as suas obrigações contratuais e fiscais, cuja relevância social era testemunhada pelos
autarcas de todos os concelhos abrangidos pelo Hospital Beatriz Ângelo e, por isso, merecia a reapreciação do
Parlamento.
Foi isso que a Assembleia fez, primeiro, aprovando a iniciativa legislativa de cidadãos através de um conjunto
de Deputados e, depois, contribuindo para uma nova redação legislativa que, não repetindo uma experiência
que não tinha surtido efeito, permitia que, onde os cidadãos reconheciam mérito, se mantivesse o serviço
prestado.
A terceira questão foi: «Por que razão, a fazer sentido a existência de uma só concessão em concreto,
entende dever privilegiar uma determinada entidade privada (…)? E porque, ao fazê-lo por lei individual, afasta
a solução de abertura de concurso público, sem direito de preferência (…)?»
Na verdade, esta questão decorre também da lei habilitante, que estabelecia que as farmácias abertas no
primeiro concurso público teriam direito de preferência nos dois concursos públicos subsequentes. O Parlamento
não introduziu nenhum direito novo.
Há, no entanto, um alerta com o qual, de facto, todos temos de concordar: o veto do Sr. Presidente é
decretado num momento em que a farmácia do Hospital Beatriz Ângelo já está encerrada, uma vez que, neste
período de tempo, o contrato chegou ao seu termo.
Portanto, apesar dos esforços dos cidadãos, do Parlamento e, estamos certos, também do Sr. Presidente da
República, o tempo decorrido acabou por encerrar a única farmácia de dispensa de medicamentos ao público
em hospitais do SNS, o que significa que, hoje, já não é possível preservar a situação que a iniciativa legislativa
de cidadãos pedia ao Parlamento que preservasse, perdendo-se, assim, a utilidade da iniciativa.
Tenho dito, Sr. Presidente.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD,
tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Oliveira.
A Sr.ª Ana Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate de hoje resulta da devolução
à Assembleia da República, por parte do Sr. Presidente da República, no passado mês de maio, do diploma que
permite a manutenção de farmácias de dispensa de medicamentos ao público nos hospitais do Serviço Nacional
de Saúde, um diploma de iniciativa de cidadãos cuja importância nunca é demais sublinhar.
A verdade, porém, é que o objeto desse diploma, que recebeu muitos votos a favor de vários Deputados do
Partido Socialista, tal como o atual, se cinge, na prática, à farmácia que funcionava no hospital de Loures, já que
essa era a única que se mantinha em funcionamento desde a sua abertura. As outras farmácias lançadas ao
abrigo da legislação aprovada pelos Governos de José Sócrates já haviam incorrido sucessivamente em
situações de insolvência, deixando até avultadas dívidas ao Estado. Vale a pena, por isso, ter presente que foi
novamente um Governo socialista, agora o de António Costa, que, em 2016, como já foi dito, resolveu proibir as
referidas farmácias nos espaços dos hospitais do SNS.
Como se não bastasse esta contradição entre dois Governos socialistas, o Grupo Parlamentar do PS veio
aprovar um diploma — o que agora reapreciamos — através do qual fingia pretender manter aberta,
precisamente, a farmácia que o seu Governo decidira fechar, o que teve a sua confirmação final com o seu
encerramento, no passado dia 2 de abril. Aliás, o Partido Socialista sabia bem que a versão final do diploma que
aprovou alterava radicalmente o conteúdo da iniciativa legislativa popular a que o mesmo respeitava.
Com efeito, o PS substituiu a generalidade e a abstração que caracterizavam o Projeto de Lei n.º 995/XIII/4.ª
por uma solução concreta e individual, porque aplicável a uma só situação de facto e a uma só entidade
destinatária. Assim o entendeu o Sr. Presidente da República e assim o entende o PSD, que também não se
revê nesta abordagem casuística, que apenas se dirige a uma concessão concreta e a uma concessionária
específica existente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como já tive oportunidade de dizer nesta Câmara, a respeito deste
mesmo processo legislativo, o PSD acredita na procura de soluções enquadradas, sustentáveis, que sirvam os
verdadeiros interesses de todos os portugueses. Entendemos que os problemas e anseios dos cidadãos devem
ser ponderados de forma séria e estrutural e não em função de conveniências políticas de ocasião, que apenas
defraudam as suas expectativas.
A grave situação que o País vive, em termos de acesso aos serviços de prestação de cuidados de saúde, só
poderá ser ultrapassada com um Governo que esteja, verdadeiramente, ao serviço das pessoas e que as não
instrumentalize ao serviço de agendas e habilidades que nada têm a ver com os interesses legítimos dos
portugueses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel
Galriça Neto, do CDS-PP.
A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Sr. Presidente, a temática da dispensa de medicamentos por
farmácias hospitalares, que hoje discutimos, já foi devidamente enquadrada e, portanto, abstenho-me de me
alongar relativamente a essa matéria.
Contudo, lembro que, na altura em que fizemos o anterior debate, dissemos que não estávamos disponíveis
para repristinar um decreto-lei que se revelou um falhanço, com manifestas consequências negativas para o
Estado. Dissemo-lo na altura e mantemo-lo hoje, pelo que estamos como estávamos anteriormente nesta
matéria. Referimos também que entendíamos que esta Casa não tem de fazer leis à medida para um
determinado caso, para uma determinada entidade privada e particular e, portanto, mantemos essa mesma
atitude.
O que dizemos não nos coíbe de reconhecer o papel social que a farmácia teve enquanto funcionou e
também não nos coíbe de reconhecer aquilo que, para nós, é fundamental neste debate: acautelar os interesses
das pessoas de Loures, daqueles que têm necessidades de saúde naquela área, acautelar os interesses de
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todos os portugueses e não prejudicar o Estado através de modelos que, obviamente, não estão devidamente
enquadrados.
Portanto, entendemos que não há espaço para repristinar a lei, como dissemos no início. Assim, aquilo que
com este Governo tem de se preocupar em fazer é, sobretudo, não deixar que se somem casos e casos de não
acesso aos cuidados de saúde e de má qualidade na prestação de cuidados de saúde e mudar o panorama
que, tristemente, se instalou na saúde, em Portugal.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção, em nome do PCP, cabe à Sr.ª Deputada
Carla Cruz.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a reapreciação do Decreto da
Assembleia da República n.º 290/XIII, na sequência do veto presidencial, reafirmamos o que assumimos em
todo o processo legislativo que lhe deu origem, ou seja, que fomos e somos contra o regime legal — o Decreto-
Lei n.º 241/2009, de 16 de setembro — que autorizou a abertura e o funcionamento de farmácias de dispensa
de medicamentos ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.
Assumimos este posicionamento por entendermos que, nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, não
devem ser acolhidas estruturas privadas ligadas à prestação de cuidados de saúde e/ou medicamentos, como
é o caso das referidas farmácias. Não abdicando deste princípio, decidimos intervir em todas as fases do
processo legislativo, quer na generalidade, quer na especialidade, de forma a garantir uma solução que
salvaguardasse os postos de trabalho e a acessibilidade aos medicamentos por parte dos utentes.
Foi, pois, neste contexto que apresentámos, em sede de especialidade, uma proposta de alteração à redação
da proposta então apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS.
Na nossa proposta, admitia-se, com carácter de excecionalidade, a continuação das farmácias hospitalares
existentes à data de 1 de março de 2019 e determinava-se que o lançamento do concurso público teria de
ocorrer no prazo máximo de três meses. Esta última proposta foi rejeitada, aspeto que foi tido em conta à data,
na votação final global.
Mesmo com as dúvidas levantadas no veto presidencial, entendemos que o diploma não devia ser vetado e,
com vista a salvaguardar os postos de trabalho e o acesso dos doentes aos medicamentos, consideramos que
o diploma deve ser confirmado.
O PCP reafirma o seu compromisso de sempre, de defesa do Serviço Nacional de Saúde, da melhoria e
remoção de todos os obstáculos existentes que impedem os doentes de aceder ao Serviço Nacional de Saúde,
mas também aos medicamentos e à terapêutica de que necessitam.
Reafirmamos também, aqui, o compromisso de sempre de defender todos os trabalhadores e os seus
direitos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado Moisés Ferreira,
do Bloco de Esquerda.
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O decreto-lei que estamos a
reapreciar, e que foi vetado pelo Sr. Presidente da República, resultou de uma iniciativa legislativa que teve o
voto contra do Bloco de Esquerda. Que fique claro que manteremos esse voto. Essa iniciativa legislativa teve
como ponto de partida uma iniciativa de cidadãos que se dirigiu à Assembleia, dizendo que, para uma melhor
acessibilidade a medicamentos, para uma melhor acessibilidade à farmácia, sugeria repristinar um regime
jurídico que permitia a instalação de privados em qualquer hospital do Serviço Nacional de Saúde.
Na altura, dissemos que não aceitaríamos tal regime e propusemos, aliás, uma alternativa que passava por
as farmácias hospitalares, que já existem atualmente em todos os hospitais, e que são as que preparam
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medicamentos, distribuem os medicamentos para o internamento, para a cirurgia, etc., poderem dispensar
medicamentos ao público.
Essa proposta do Bloco de Esquerda tinha inúmeras vantagens: estava cumprido o objetivo da acessibilidade
às terapêuticas e aos medicamentos; garantir-se-ia um preço mais baixo para o Serviço Nacional de Saúde e
para o utente e até era possível, desta forma, reduzir o desperdício e promover a dispensa em unidose.
Lamentavelmente, essa proposta foi chumbada com votos contra do PSD, do PS e do CDS, preferindo-se,
por isso, optar por uma outra solução, que seria a de permitir a instalação de privados nos hospitais do Serviço
Nacional de Saúde.
Partiu-se daí para a especialidade e a verdade é que, em especialidade, se fez uma alteração significativa
àquela que foi a iniciativa legislativa de cidadãos e aquilo que era a repristinação de um regime que abria
completamente os hospitais à instalação de privados passou a ser um fato feito à medida para um caso concreto,
coisa que nunca poderia ter acontecido, mas aconteceu.
Consideramos, por isso, que a lei não pode ser feita para casos particulares e, por isso, não reconfirmaremos
o decreto, votaremos contra, como sempre votámos.
Consideramos também que a solução não é a de repristinar um decreto que abre os hospitais públicos à
instalação de privados e, por isso, votaremos contra a proposta que o PAN traz aqui, porque esse é o resultado
prático dessa proposta, isto é, escancarar o Serviço Nacional de Saúde à instalação de privados.
Estamos, obviamente, disponíveis para fazer a discussão da solução que desde sempre trouxemos a este
debate, que é fazer com que as farmácias hospitalares — e volto a sublinhar que já existem em todos os hospitais
— possam ter investimento e possam elas também fazer a dispensa hospitalar. Essa é a melhor solução para
todas as partes.
Continuaremos certamente disponíveis para esse debate, mas não estaremos disponíveis para leis feitas à
medida, nem para a abertura dos hospitais do SNS à instalação de privados.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, terminado este ponto da ordem de trabalhos,
passamos ao terceiro ponto, que consiste na apreciação da Conta Geral do Estado de 2017.
Para a sua apresentação, tem a palavra, em nome do Governo, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento,
João Leão.
O Secretário de Estado do Orçamento (João Leão): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2017 e
2018, o défice orçamental atingiu os mínimos históricos da democracia — 0,9% e 0,5%, respetivamente. Este
equilíbrio orçamental foi atingido num quadro de estabilidade, confiança, reposição de rendimentos e aumento
do emprego.
Com efeito, reduziu-se o IRS, eliminando a sobretaxa em 2017 e o aumento no número de escalões — são
menos 1000 milhões de euros de IRS pagos todos os anos pelos portugueses.
Passou a haver aumentos regulares de pensões e melhoraram-se as prestações sociais, como o abono de
família e a prestação para a inclusão, repuseram-se os salários e descongelaram-se as carreiras.
Nos últimos três anos, a taxa de desemprego caiu para metade, de 12,4% para 6,8%, o valor mais baixo
desde 2002.
A partir de 2017, a economia portuguesa passou, de forma consistente, a crescer acima da zona euro. É
difícil subestimar o impacto muito positivo desta evolução na vida de todos os portugueses.
Tudo isto foi feito de forma equilibrada e sustentável e, com a melhoria das contas públicas, Portugal saiu
em 2017 do procedimento por défice excessivo. E hoje, pela primeira vez, tem um défice orçamental semelhante
à generalidade dos outros países europeus.
Contas públicas equilibradas e credíveis permitiram que a dívida pública iniciasse uma trajetória de redução
de 129%, em 2016, para 121%, em 2018.
Prevemos que já em 2023 a dívida pública fique abaixo dos 100%. Portugal deixará, assim, de estar no grupo
de países mais altamente endividados e de estar sujeito à incerteza permanente da evolução dos mercados
financeiros.
A taxa de juro da dívida pública atingiu na emissão de hoje o valor mais baixo de sempre, 0,6% a 10 anos.
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A taxa de juro suportada pelos portugueses há dois anos, em 2017, era o dobro da taxa italiana; hoje, a taxa
de juro de Itália é que é três vezes mais alta do que a portuguesa.
Esta acentuada redução da despesa com juros, suportada pelos portugueses, permite continuar a melhorar
os rendimentos e a investir nos serviços públicos e representa um enorme balão de oxigénio para toda a
economia portuguesa.
Com contas públicas equilibradas, juros baixos e crescimento económico, os portugueses podem, pela
primeira vez, olhar para o futuro com confiança: confiança na continuação da reposição de rendimentos e da
melhoria das condições de vida, confiança de que, caso a economia europeia venha a abrandar, Portugal não
entra automaticamente em procedimento de défices sucessivos, como aconteceu, infelizmente, no passado,
com as consequentes sanções, aumentos de juros e incerteza sobre a economia, confiança de que não vão
estar novamente sujeitos a aumentos de impostos e cortes no rendimento.
Os portugueses querem, sim, que continuemos a dar passos firmes na melhoria das suas condições de vida,
avanços equilibrados e sustentáveis que não voltem a colocar em causa tudo o que conseguiram nos últimos
três anos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, a Mesa aguarda, com alguma ansiedade, pelas
inscrições que os grupos parlamentares certamente farão com grande intensidade.
Pausa.
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado António Gameiro.
O Sr. António Gameiro (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A Conta
Geral do Estado de 2017 é a prova provada de que a boa gestão orçamental pode afastar a gestão orçamental
pouco competente e de que, afinal, o diabo não veio.
O valor do défice orçamental das administrações públicas em 2017 fixou-se no mais baixo e histórico défice
da democracia portuguesa: 0,9%. Portanto, este valor, que tem também a acompanhá-lo a maior baixa de dívida
pública dos últimos 20 anos para 125,7%, compagina bem, e prova, o esforço de contas certas, de rigor na
execução orçamental e de capacidade de fazer convergir Portugal com a maioria dos países da zona euro e da
União Europeia.
Este valor deve-se, essencialmente, a forte crescimento da receita fiscal, mais 1,7%, a uma maior poupança
em juros, menos 0,2%, o que correspondeu neste ano a uma poupança de 822 milhões de euros.
É preciso não esquecer que, no ano de 2017, Portugal amortizou 10 mil milhões de euros ao FMI. Além disso,
manteve o défice a este nível e conseguiu contrair a dívida de 128% para 125%.
Mas houve poupança na despesa corrente, nas chamadas gorduras do Estado, que a direita tanto gostava
de dizer que era preciso poupar mas não foi capaz de cortar.
Por outro lado, tivemos também poupança em subsídio de desemprego — sim, porque estes resultados
acompanham com uma quebra brutal do valor da taxa de desemprego — e em outras contribuições da
segurança social — sim, porque a segurança social tornou-se mais produtiva, acomodou mais e, por isso,
poupou para poder transferir para o Orçamento do Estado.
Verificou-se, também, um acentuado acréscimo dos encargos em prestações sociais, do investimento, da
despesa com pessoal, e, portanto, isto acompanhou comprovando que a reposição dos salários, que a reposição
das pensões e que a política de salários e de rendimentos deste Governo tinham toda a razão de ser, ao contrário
daquilo que a direita, desde 2015, aqui foi tentando vender como a sua narrativa.
A formação bruta de capital fixo demonstra que, ao ter aumentado 680 milhões de euros, a economia cresceu.
Cresceu, porque os portugueses confiaram, cresceu porque os portugueses têm hoje, e tiveram em 2017, uma
grande confiança na capacidade deste Governo.
Tivemos um aumento e um crescimento económico de 2,7%, quando a zona euro cresceu 2,4% no ano de
2017. Ou seja, o Tribunal de Contas, o Conselho Económico e Social, a UTAO, todos elogiam o Governo e
definem e sublinham caracterizando-o como um Governo de grande capacidade orçamental.
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, agradecia-lhe que terminasse.
O Sr. António Gameiro (PS): — Portanto, Sr. Presidente, aquilo que se pode dizer hoje, ao analisarmos aqui
a Conta Geral do Estado, é que o Governo está de parabéns, Portugal está de parabéns, porque estava e está
no caminho certo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cristóvão
Crespo, do PSD.
O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a discussão de hoje, em
sessão plenária, e a votação na próxima sexta-feira, concluimos o processo de prestação de contas de 2017.
Para além da dimensão orçamental e financeira, temos de chamar ao debate a dimensão humana e de
qualidade de vida dos portugueses e verificar qual o saldo que resultou da atuação do Governo e da maioria
que o suporta.
A primeira palavra é de lamento, porque o ano de 2017 foi doloroso para os portugueses, mostrando como
a atuação do Governo nos deixou expostos a todo o tipo de adversidades.
A politica de cativações traduziu-se na ausência do Estado e levou-nos à falta de proteção das vidas das
pessoas e dos bens — lembremo-nos dos grandes incêndios de junho e outubro. Neste quadro devastador, com
116 mortos, a destruição de centenas de casas de habitação, de empresas e de postos de trabalho, nem o
pinhal de Leiria, com 800 anos de história, resistiu!
A politica de cativações levou-nos a não assegurar a segurança nacional — lembremo-nos do roubo de
armas em Tancos; a politica de cativações levou-nos à contínua degradação da prestação dos serviços públicos
– degradação da qualidade do estado social que os senhores tanto dizem acarinhar; e lembremo-nos do caos
na saúde, na segurança social ou na educação. A politica de cativações levou-nos à redução drástica do
investimento público — lembremo-nos da situação caótica dos transportes públicos, da falta de investimento na
ferrovia, nos hospitais ou nas escolas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pelos resultados obtidos, pagámos, continuamos a pagar e iremos
pagar, no futuro, um preço demasiado alto. O PSD denunciou e continua a denunciar que a quebra acentuada
do investimento público, em toda a Legislatura, vai condicionar a oferta pública aos cidadãos. O investimento
em infraestruturas e equipamentos representou apenas 49% do valor de 2012 e 50% do orçamentado, para
esse mesmo ano, pelo Governo.
O PSD denunciou e continua a denunciar que a dívida pública consolidada aumentou, verificando-se que a
dívida, em termos nominais, continuou a aumentar em 2017. Sr. Deputado, não pagaram ao FMI, transferiram
a dívida do FMI para o futuro!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Muito bem!
O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — Portanto, fizeram mais dívida para pagar ao FMI. O que aconteceu foi
que não amortizaram a dívida ao FMI, mas constituíram dívida para o futuro.
Aplausos do PSD.
O PSD denunciou e continua a denunciar que os pagamentos em atraso na aquisição de bens e serviços
aumentaram 80%, tendo as entidades do Ministério da Saúde sido responsáveis por 96% desse total.
O PSD denunciou e continua a denunciar que o Governo não está a olhar como deve para o financiamento
da segurança social, em especial face ao quadro demográfico e aos impactos das alterações climáticas, dado
que os saldos positivos merecem análise cuidada porque resultam do ciclo económico e estão influenciados
pelo próprio Orçamento do Estado.
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Sr.as e Srs. Deputados, em conclusão, no ano de 2017 foi escrita uma página negra e das mais negras da
história recente de Portugal.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queria pedir-lhe que terminasse a sua intervenção.
O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — Sr. Presidente, vou já terminar.
Foi um ano doloroso na vida dos portugueses.
Srs. Deputados, no final da Legislatura, não é o PSD que diz que o caminho foi mau. Permitam-me citar o
que o Sr. Primeiro-Ministro disse há dias: há serviços públicos que funcionam de forma deficiente e não é
aceitável a forma como funcionam os transportes, a saúde e a emissão de cartões de cidadão e de passaportes.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, muito obrigado.
O Sr. Cristóvão Crespo (PSD): — Se é o Governo que o afirma, como pode ser desmentido pelo PSD?
Esta nunca será a opção do PSD, pois a opção do PSD será sempre estar junto das pessoas e das suas
aspirações.
Aplausos do PSD.
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Tem é outras aspirações!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado João
Almeida, do CDS-PP.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs.
Deputados: A propósito da Conta de 2017, o Sr. Secretário de Estado falou de algumas coisas, mas não falou
de outras.
Falou de crescimento, mas não falou de PIB (produto interno bruto) per capita; falou de desemprego, mas
não falou de produtividade; falou de défice, mas não falou de carga fiscal; falou de taxas de juro, mas não falou
de dívida nominal. Ou seja, o Sr. Secretário de Estado falou de tudo o que é conjuntural e não falou, porque não
podia falar, de tudo aquilo que é estrutural.
O ano de 2017 caracteriza exatamente aquela que foi a gestão do Partido Socialista ao longo desta
Legislatura nas finanças públicas: um aproveitamento, em serviços mínimos, da conjuntura internacional mais
favorável de sempre desde que entrámos na moeda única e a total incapacidade de promover medidas de
políticas públicas que pudessem fazer com que esta conjuntura de que Portugal beneficiou pudesse vir a ter
efeitos estruturais.
A estas realidades, das quais o Sr. Secretário de Estado não falou, poderia acrescentar-se, por exemplo, a
questão do investimento. O Sr. Secretário de Estado também não podia falar de investimento e, dentro do
investimento, também não podia falar de uma realidade muito importante e da qual nunca se fala. Tem havido,
em Portugal, de ano para ano — em 2017 também assim aconteceu — uma depreciação do capital existente,
ou seja, estamos a perder recursos e isso, do ponto de vista estrutural, tem obviamente um efeito muito nocivo.
Não falou dos serviços públicos, porque todos sabemos, também, que a degradação destes tem sido outro
lado Bda política de gestão das finanças públicas do Governo socialista, que se entretém a debater com os
seus colegas de coligação realidades «micro» ou «nano» do Serviço Nacional de Saúde.
Os senhores andam há meses a discutir os hospitais com PPP (parcerias público-privadas). Os hospitais
com PPP são menos de 5% da realidade total dos hospitais. Aquilo que os portugueses se perguntam é o
seguinte: se os senhores se preocupam tanto com o Serviço Nacional de Saúde, quando é que vão começar
discutir os outros 110 hospitais? É isso que os portugueses querem saber!
Aplausos do CDS-PP.
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Quando é que os senhores discutem 95% dos recursos financeiros afetos à saúde? Os senhores andam a
discutir as PPP que representam 5% dos recursos públicos afetos à saúde.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — E quanto é que custam?
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Custam 5%, Sr.ª Deputada! Custam 5% do orçamento da saúde.
Protestos da Deputada do PCP Rita Rato.
Sr.ª Deputada, tenho todo o gosto em responder à sua pergunta: custam 5%.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — E quanto é que lucram?
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr.ª Deputada, já respondi à sua pergunta, agora tenha um
pouco de paciência. Também tem de ouvir, pois estamos nós no uso da palavra.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Mas convinha que terminasse, Sr. Deputado.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, a tolerância que lhe peço é proporcional à
interrupção que foi feita.
Para terminar, Sr. Secretário de Estado, as questões que se colocam são as seguintes: quando é que este
Governo promoverá a recuperação das posições em matéria de PIB per capita para que Portugal se torne,
efetivamente, competitivo e os portugueses beneficiem disso? Quando é que vamos ter formação profissional
que conduza a um aumento de produtividade?
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Quando é que vão reduzir as taxas dos impostos para que não
seja o Governo a ficar com o benefício todo do que se produz a mais? Quando é que, do ponto de vista público,
haverá uma redução efetiva da dívida nominal?
Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Temos
várias formas de debater a Conta Geral do Estado de 2017. Uma delas é debater como a criação de emprego
melhorou as contas públicas e as contas da segurança social, como ajudou a sustentabilidade da segurança
social, e outra é ter um debate sobre as escolhas orçamentais do passado, voltar às discussões sobre os
constantes desvios e as revisões do défice sempre em baixa, a subexecução do investimento público, a
suborçamentação na saúde, na receita. Podemos, até, debater a Lei de Bases da Saúde, como aqui fez o
Deputado João Almeida, ou podemos optar por uma outra vertente e discutir os sucessivos problemas da
contabilidade do Estado, a falta de transparência, a despesa fiscal mal contabilizada, os benefícios fiscais
sucessivamente mal contabilizados na Conta Geral do Estado, a falta de clareza na forma como as contas vão
sendo apresentadas todos os anos.
Tudo isto é possível, tudo isto é feito e, na verdade, tudo isto é o nosso fado: todos os anos — passados dois
anos! — fazer um debate sobre uma realidade que se passou há dois anos para discutir tudo e coisa nenhuma,
conforme há mais interesse de um grupo parlamentar ou de outro, e ir parar a uma discussão como a que temos
aqui hoje, que, na verdade, não tem interesse nenhum. Cada um discutiu aquilo que melhor entendeu e esta
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discussão em nada diz respeito a uma análise que a Conta Geral do Estado merecia, porque é um documento
válido e deveria ter a atenção do Parlamento.
Para que isto aconteça — sabemos que esta não é uma novidade — é preciso encontrar uma nova forma de
discussão da Conta Geral do Estado e, para isso, é preciso, também, alterar os seus calendários. A Conta Geral
do Estado de 2017 tem interesse se for discutida antes da discussão do Orçamento do Estado para 2019. Não
há outra forma de fazer este debate, para que ele não seja vazio, sem interesse e sem utilidade, de facto.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, sem tirar o mérito a esta discussão e muito menos a um documento tão
importante como a Conta Geral do Estado, certamente dar-lhe mérito é garantir outras formas e outros
calendários de discussão.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Em nome do PCP, tem a palavra para uma intervenção o Sr.
Deputado Duarte Alves.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O parecer do
Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado assinala, mais uma vez, um conjunto de reservas,
acompanhadas de recomendações para a sua resolução, que sucessivos governos continuam a não
implementar integralmente. É importante que estas irregularidades na Conta sejam ultrapassadas, para garantir
o rigor e a transparência sobre a realidade orçamental.
O ano de 2017 ficou marcado por um Orçamento do Estado que, ficando aquém das necessidades do País,
permitiu a reposição e a conquista de direitos, em resultado da iniciativa do PCP e da luta dos trabalhadores e
do povo. Foi possível não só consolidar medidas positivas que já vinham de 2016 como também alcançar
avanços importantes, não só pelo seu efeito na elevação das condições de vida das populações mas também
pelos caminhos que apontaram para o futuro.
Veja-se o alargamento da gratuitidade dos manuais escolares para todo o 1.º ciclo, uma medida de 2017 que
permitiu poupanças de centenas de euros para as famílias e abrir caminho para que, em 2019, se implemente
a gratuitidade para toda a escolaridade obrigatória, um caminho que foi possível trilhar com a persistência e a
iniciativa do PCP.
Veja-se a reposição do pagamento de metade do subsídio de Natal, que, depois, foi alargado, pondo fim à
medida do Governo PSD/CDS que visava dilui-lo e, portanto, acabar definitivamente com este subsídio que é
conquista de Abril e conquista dos trabalhadores.
Veja-se o aumento das pensões para grande parte dos pensionistas, que foi um caminho que, por iniciativa
do PCP, foi possível continuar, ano após ano, fazendo uma diferença significativa, após três aumentos
extraordinários, na vida de cada um dos pensionistas, ou ainda o fim da sobretaxa do IRS (imposto sobre o
rendimento das pessoas singulares), criada pelo PSD/CDS, para todos os contribuintes.
Em 2017, inicia-se, também por proposta do PCP, a redução do valor do pagamento especial por conta
(PEC), que abriu caminho para que hoje os micro, pequenos e médios empresários estejam dispensados de
entregar o PEC.
Estas medidas atestam o PCP e a CDU como forças insubstituíveis na defesa dos interesses dos
trabalhadores e do povo.
Srs. Deputados, a Conta Geral do Estado demonstra também as limitações decorrentes das opções de fundo
do Governo PS, que optou por não se distanciar em aspetos essenciais da política de direita e da submissão
aos ditames da União Europeia e do euro.
A decisão da venda do Novo Banco à Lone Star teve consequências em 2018 e 2019, mas já em 2017
identifica-se, na Conta Geral do Estado, nos veículos ligados ao ex-BPN (Banco Português de Negócios), uma
despesa de mais de 772 milhões de euros, bem acima do que estava orçamentado.
Outro exemplo são os encargos com as parcerias público-privadas, que custaram mais de 1 632 milhões de
euros, dizendo mesmo o Tribunal de Contas que carece de explicação a desproporção entre os encargos
líquidos das PPP pagos pelo Estado e o investimento realizado nas PPP pelos parceiros privados, que, em
2017, foi menos de um décimo dos encargos públicos.
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O investimento público, que dificilmente poderia descer, continuou e continua hoje a níveis abaixo de 2010,
porque o Governo optou por canalizar toda a margem de manobra que tinha para a redução acelerada do défice,
cumprindo as imposições de Bruxelas.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza) — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — O Orçamento do Estado para 2017 e a sua execução, tal como os orçamentos
seguintes, confirmam que, para aprofundar a reposição de rendimentos e direitos, para dar resposta aos
problemas dos serviços públicos, do SNS, da escola pública, para dar resposta aos problemas estruturais do
País, é preciso romper com essas imposições e esses constrangimentos.
É esse o caminho de que o País precisa para assegurar um futuro de desenvolvimento, de soberania e de
progresso social.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza) — Ainda neste ponto, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr.
Deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira.
O Sr. Paulo Trigo Pereira (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo:
Por que razão estamos aqui a debater a Conta Geral do Estado? Porque o artigo 107.º da Constituição da
República diz que «A execução do Orçamento será fiscalizada pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da
República, que, precedendo parecer daquele tribunal, apreciará e aprovará a Conta Geral do Estado (…)». Mas
será que esta Casa da democracia aprecia a Conta Geral do Estado por razões meramente legais e
constitucionais ou aprecia-a por razões substantivas, isto é, pela importância de esclarecer quer a execução
orçamental do Estado, quer a situação patrimonial do Estado, os seus ativos, o stock da dívida financeira, a
dívida não financeira, etc.? Tentarei responder a estas questões no final.
Comecemos pelo enquadramento: para além do parecer do Tribunal de Contas, sobre a Conta Geral do
Estado de 2017 incidiram os pareceres do Conselho Económico e Social, da UTAO (Unidade Técnica de Apoio
Orçamental) e, também, os pareceres setoriais de 12 comissões permanentes, enviados à COFMA (Comissão
de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa), que, por sua vez, fez um parecer adicional final.
No total, foram escritas 873 páginas nos pareces sobre a Conta de 2017. Não me parece que 873 páginas
signifiquem ter uma apreciação robusta da Conta Geral do Estado e uma fiscalização. Costuma dizer-se que
«muita informação mata a informação». É o caso. Não precisamos de tantas páginas escritas sobre a Conta.
Temos, portanto, um problema estrutural de apreciação e de fiscalização política que tem de ser resolvido.
Vamos, agora, ao cronograma. Hoje é dia 12 de junho, estamos a discutir a Conta de 2017. As ilações que
surgem desta Conta só terão impacto no Orçamento para 2020, com outro governo em funções. É preciso
encurtar este período. A nova lei de enquadramento orçamental que vai entrar em vigor já no ano que vem,
nestes artigos, encurta o período e ainda bem. Este é um problema também estrutural, mas que vai ser resolvido.
As condições deste debate parlamentar, uma grelha de 3 minutos, a meu ver, significa que o Parlamento não
dá importância nenhuma à Conta Geral do Estado. Repito, para se oiça bem: o Parlamento não dá importância
condigna à Conta Geral do Estado, ou seja, à fiscalização das receitas e das despesas públicas, à situação
financeira do País, ao endividamento do País, e talvez por isso tenhamos ido três vezes à bancarrota. Deixo isto
para vossa reflexão.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Antes de passarmos ao quarto ponto da ordem de trabalhos,
pedia ao Sr. Deputado António Carlos Monteiro que desse conta da entrada de vários diplomas na Assembleia.
O Sr. Secretário (António Carlos Monteiro): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e
foram admitidas, várias iniciativas legislativas: os Projetos de Resolução n.os 2189/XIII/4.ª (Os Verdes) —
Reabilitação urgente da Escola Secundária de Azambuja, no distrito de Lisboa, 2190/XIII/4.ª (BE) —
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Alargamento da disponibilização gratuita da terapêutica com sistema de perfusão contínua de insulina a
indivíduos maiores de 18 anos, que baixa à 9.ª Comissão, 2192/XIII/4.ª (PCP) — Harmonização e aplicação dos
direitos no acesso à reforma para os profissionais da pesca, que baixa à 10.ª Comissão, 2193/XIII/4.ª (PSD, PS,
BE, CDS-PP, PCP, Os Verdes, PAN, N insc.) — Institui o dia 22 de junho como Dia Nacional da Liberdade
Religiosa e do Diálogo Inter-religioso e 2194/XIII/4.ª (BE) — Recomenda ao Governo a atribuição de apoios para
a recuperação do concelho de Monchique, que baixa à 7.ª Comissão; o Projeto de Lei n.º 1224/XIII/4.ª (PSD) —
Quadragésima sétima alteração ao Código Penal, criminalizando a conduta de quem mate, sem motivo legítimo,
animal de companhia, que baixa à 1.ª Comissão, e a Proposta de Lei n.º 204/XIII/4.ª (ALRAA) — Estabelece o
regime jurídico da regularização dos «Chãos de Melhoras».
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos, então, ao quarto ponto da nossa ordem de trabalhos,
com o debate, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 1153/XIII/4.ª (CDS-PP) — Altera a tributação em sede de
IRS, de modo a que os rendimentos passem a ser tributados de acordo com os proveitos efetivos do sujeito
passivo em cada um dos anos a que se reportam e à taxa efetiva (Alteração ao Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30
de novembro de 1988).
Para apresentar este projeto de lei, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos anos, temos visto
os atrasos no processamento das pensões atingirem recordes.
Nas palavras da Sr.ª Provedora de Justiça, têm sido recebidos na Provedoria apelos lancinantes, e cito, «de
pessoas privadas do seu rendimento por tempo indeterminado, obrigadas a trabalhar para além da idade legal
da reforma, obrigadas a auferir pensões provisórias por períodos muito longos, e demasiado longos, e pessoas
que, depois da morte de um familiar, não conseguem receber a pensão de sobrevivência», pessoas essas que,
por causa desses atrasos, sobrevivem à custa dos vizinhos, da família ou dos amigos.
Em 2018, as queixas por atrasos no processamento das pensões foram três vezes mais do que em 2017.
Este ano, em 2019, continuavam a aumentar.
São pessoas que esperam meses e meses, quando não esperam um ou dois anos para receberem a sua
pensão.
Em alguns casos, são pessoas que não estão a trabalhar, desempregados de longa duração, sem outro meio
de subsistência ou, por exemplo, pescadores que entregam a sua carta e deixam de poder trabalhar, quando
perdem a licença e ficam sem nenhum rendimento até que a pensão seja processada.
Diz a Sr.ª Provedora de Justiça: «é vexatório para a comunidade de cidadãos, a qual não pode deixar de
ficar insegura e sem confiança num Estado cujos serviços não conseguem assegurar, em tempo útil, o elementar
direito de um cidadão idoso à proteção social adequada».
Mais diz a Sr.ª Provedora: «o Estado paga tarde, sem juros e, ainda por cima, mercê do seu próprio atraso,
tem um ganho injusto em sede de IRS, prejudicando ainda mais os pensionistas».
A Sr.ª Conceição Bessa Ruão (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Diz ainda a Sr.ª Provedora: «o mesmo Estado, porém, é implacável na
cobrança de contribuições, muitas vezes indevidas, exigindo muito mais dos cidadãos do que de si próprio, o
que compromete o princípio da boa-fé».
O projeto que o CDS ora apresenta não é uma solução para este problema que o Governo tem de resolver,
é um remendo. Mas é um mínimo! O mínimo que se exige a um Estado que não está a cumprir com as suas
obrigações é que não venha depois, em sede de IRS (imposto sobre o rendimento de pessoas singulares),
tributar injustamente aqueles que, por exemplo, por força do atraso do próprio Estado perderam a sua isenção,
ou fazer subir de escalão aqueles que, por força do atraso do próprio Estado, seriam menos tributados.
Isto é o mínimo, Srs. Deputados, que se pode exigir a um Estado que, quando confrontado com estas queixas
e com o seu aumento, apresenta sempre a desculpa da falta de funcionários e da falta de pessoas na segurança
social.
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Pois tenho uma sugestão para esse mesmo Estado e para esse mesmo Governo: pegue nas pessoas que
estão a utilizar os meios, muitas vezes até abusivos, do fisco e da segurança social para fazerem cobranças —
para as quais não falta mão de obra e que nunca se atrasam — e ponha-as a processar pensões. Talvez assim
não seja já preciso este projeto de lei.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Leonel
Costa.
O Sr. Leonel Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que este projeto de lei pretende é
retomar o anterior regime, segundo o qual os contribuintes podiam reportar ao ano fiscal a que, efetivamente,
respeitavam os rendimentos que tinham sido pagos em momento posterior, permitindo, assim, a correção da
liquidação de IRS do ano a que os rendimentos respeitam.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — E isso ainda podem!
O Sr. Leonel Costa (PSD): — Esse regime vigorou de 1994 até 2000, quando o PS, invocando motivos de
simplificação procedimental, deu origem ao atual artigo 74.º, hoje em discussão, que conduz a situações de
manifesta injustiça.
Vozes do PSD: — É verdade!
O Sr. Leonel Costa (PSD): — No fundo, um contribuinte que hoje receba rendimentos relativos a anos
anteriores está obrigado ao englobamento desses rendimentos todos num só ano, o que, em face da regra da
progressividade da taxa de imposto, em muitos casos implica uma taxa superior à que seria devida pela
tributação separada daqueles rendimentos nos efetivos anos a que respeitam.
O Tribunal Constitucional — embora considerando que não seria motivo para julgar esta norma
inconstitucional —, já se pronunciou e deixou bem clara a injustiça fiscal que este regime implica.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Leonel Costa (PSD): — Esta injustiça é ainda mais grave com este Governo.
Um dos casos em que mais se verifica a aplicação deste regime é o dos pensionistas. É caótica e intolerável
a excessiva demora deste Governo na atribuição das pensões por reforma. Não se justifica a atual demora, de
12 a 14 meses, para responder a estes pedidos de reforma.
Vozes do PSD: — É verdade! Muito bem!
O Sr. Leonel Costa (PSD): — São várias as consequências: a obrigação de trabalhar para além da idade
legal da reforma; pensões provisórias por longos períodos; pessoas que se veem privadas de qualquer
rendimento por tempo indeterminado.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Leonel Costa (PSD): — Como se isto não chegasse, este Governo, que nem a recomendação da Sr.ª
Provedora de Justiça atendeu, no sentido de reverter esta injustiça, é ainda beneficiado fiscalmente pela sua
própria inércia e incapacidade.
O Governo ganha em todas as frentes e o contribuinte perde em todas.
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O Sr. Duarte Marques (PSD): — E paga mais!
O Sr. Leonel Costa (PSD): — Para terminar, impõe-se questionar o CDS se, na redação do projeto de lei,
teve em consideração ou acautelou duas realidades distintas: a dos casos em que, por um lado, o atraso na
liquidação, e consequente retardamento no pagamento do imposto, deriva de motivos exclusivamente
imputáveis ao sujeito passivo e, por outro, a dos casos em que este retardamento é inimputável ao sujeito
passivo, como é o caso que acabei de referir da inércia do Estado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Fernando
Rocha Andrade.
O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nas intervenções anteriores
falou-se muito pouco do conteúdo do projeto de lei, falou-se antes de outras coisas. E percebo o embaraço, face
ao conteúdo do projeto.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Embaraço?! Os portugueses estão à espera de soluções e o senhor
acha que é um embaraço?!
O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — É que, ao contrário do que parece, o projeto de lei não mitiga
problema nenhum que exista e cria, aliás, um problema que não existia.
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS):— Muito bem!
O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Ora vejamos. No imposto progressivo, o problema é: ao concentrar,
num ano, rendimentos de vários anos, não havendo nenhuma outra regra, a taxa marginal do imposto
progressivo aumentaria artificialmente. Há, classicamente, duas maneiras de resolver esta questão.
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Quais são?!
O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Uma delas é substituir todas as declarações de rendimentos
relativas aos anos a que respeita o imposto.
Protestos do CDS-PP.
A outra maneira de resolver a questão é tendo uma norma de mitigação, como aquela que existe no artigo
74.º, que divide o montante pago pelo número de anos, por forma a não provocar esse empolamento da taxa
marginal. A nossa lei, desde há muitos anos, tem uma fórmula de mitigação — que, aliás, foi melhorada — deste
género.
A última vez que esta questão foi ponderada foi na reforma do Código do IRS de 2014, onde se manteve
esta solução, com o Governo — recordo — a que pertencem os autores das duas intervenções anteriores e com
um Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que pertence ao partido que apresenta esta iniciativa.
O CDS e o PSD, ao contrário do que possa ser sugerido, não propõem aqui uma solução…
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Pois não!
O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — … de se substituírem as declarações dos anos anteriores. O que
o CDS propõe é uma alteração da fórmula. Fórmula essa que fica quase na mesma, ou seja, continua a assentar
na divisão por vários anos dos montantes recebidos num só ano, mas manda, agora, aplicar as taxas que,
efetivamente, vigoravam nesses anos.
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Ora isto, em concreto, cria um problema novo, que não existia. É que, como as taxas de IRS têm estado a
descer nos últimos anos, a única verdadeira consequência prática desta iniciativa do CDS é tributar esses
rendimentos recebidos neste ano não às taxas que agora existem mas às taxas do enorme aumento de impostos
do Ministro Vítor Gaspar.
Aplausos do PS.
É a única consequência prática e é por isso que este projeto não resolve problema nenhum e cria um
problema que não existia.
Se os Srs. Deputados pegarem numa folha de cálculo e forem fazer as contas, atendo-se à iniciativa do
CDS…
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, pedia-lhe que terminasse.
O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Termino já, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, nessa folha de cálculo, coloquem uma pensão de 800 € mensais; depois coloquem a
correção para mais 1000 € anuais, seis anos depois; façam a conta da liquidação segundo o método do CDS e
verificarão que, neste exemplo — e outros haveria —, o imposto a pagar vai aumentar um pouco mais de 200 €
para o contribuinte em causa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Vamos separar os problemas em causa.
O primeiro problema é o do atraso no pagamento das pensões, o qual tem causas que podemos discutir e
tem soluções que não estão em discussão.
Há dias, tive oportunidade de falar com um trabalhador do Centro Nacional de Pensões — que, por acaso,
até é do PSD, nem sequer é do meu partido — porque queria perceber a causa dos atrasos. O que me foi
relatado é, aliás, muito próximo daquilo que temos discutido aqui: são anos e anos a perder trabalhadores,
incluindo os anos de governação do PSD e do CDS-PP, em que o Centro Nacional de Pensões continuou a
perder trabalhadores, e, agora, as centenas de pessoas que foram contratadas não conseguem ainda dar
resposta a todos os problemas.
Protestos do PSD.
Quer isto dizer que está tudo bem? Não, não quer dizer que está tudo bem.
Protestos do PSD.
Quer isto dizer que o Estado não tem responsabilidade, que este Governo não tem a responsabilidade de
resolver o problema? Não! Tem…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Ora!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — … e tem de ser mais célere e competente a resolver esse problema!
Quer isto dizer que não há causas para estes atrasos nos cortes do Governo do PSD e do CDS-PP? Não.
Há causas e elas estão ligadas aos anos de austeridade e aos cortes feitos pelo Governo PSD/CDS-PP.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
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Vamos agora ao problema que nos traz aqui, que é este caso específico: julgo que ninguém quer defender
regras injustas ou que prejudiquem contribuintes quando esses contribuintes estão a recuperar indeminizações
por despedimento, pensões e salários que são seus. Ninguém, aqui, quer prejudicar nenhum contribuinte.
Temos é de analisar se as propostas em causa resolvem o problema, se melhoram aquilo que existe, se é
possível fazer melhor ou se o que existe é o máximo que é possível fazer.
Neste momento, quando o rendimento é recebido e se reporta a anos anteriores, é dividido pelo número de
anos em que já existe e a taxa é calculada para uma parcela, que corresponde à parcela atual, à qual se aplica
a taxa de IRS em vigor atualmente. Esta regra pode ser prejudicial se a taxa atual for inferior e pode ser mais
benéfica se a taxa atual for superior. Portanto, depende. Não é claro que isso prejudique ou beneficie os
contribuintes, depende de a taxa de IRS atual ser superior ou ser inferior àquela que vigorava na altura a que
os rendimentos dizem respeito.
O CDS propõe que o rendimento seja dividido e taxado à taxa dos anos a que dizem respeito. Já aqui foi
referido um caso em que isso seria prejudicial: se esses anos correspondem aos anos do brutal aumento de
impostos de Vítor Gaspar, os contribuintes vão acabar a pagar mais imposto e isso é, porventura, mais injusto.
Tenho ainda outro problema com este projeto: é que não compreendo a que taxa é que ele se refere, se se
refere à taxa marginal ou à taxa média. Não é claro no projeto a que taxa é que se refere e se, por exemplo, se
aplicar a taxa média desde já digo que é injusto, porque a um aumento de rendimento deve corresponder um
ajuste das taxas a pagar.
Há outro problema que não foi aqui referido, a questão das deduções, que não está resolvido: se o
contribuinte tivesse recebido o rendimento todo no ano a que diz respeito, se calhar, teria um potencial de
deduções superior àquele de que conseguiu, de facto, usufruir. Esse problema não é resolvido.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, tem de terminar.
A Sr.ª MarianaMortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente.
Só há uma maneira de resolver esse problema de forma justa, eficaz e pormenorizada, que é o contribuinte
em causa fazer a retificação de todas as suas declarações de IRS. E, aí, tem de fazer as declarações de IRS
de novo, o que não está aqui contemplado.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, tem de terminar.
A Sr.ª MarianaMortágua (BE): — A alternativa é criar uma nova regra e nós não temos garantias, neste
momento — ainda estamos a refletir —, de que essa regra seja melhor do que aquela que atualmente existe.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Paulo Sá.
O Sr. PauloSá (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projeto de lei que o CDS traz hoje a debate visa
resolver um problema com a tributação, em sede de IRS, de rendimentos auferidos em anos anteriores.
Até ao ano de 2000, este problema, simplesmente, não existia. Até esse ano, o Código do IRS permitia que
os contribuintes reportassem os rendimentos de anos anteriores aos anos em que esses rendimentos foram
efetivamente produzidos, garantindo, desse modo, que os contribuintes não eram prejudicados, ou seja, que
não pagavam mais imposto do que o devido.
O problema surge em 2001, com a eliminação da possibilidade de reporte e a introdução de um cálculo
aproximado do IRS a liquidar. A forma de cálculo foi sendo alterada ao longo dos anos, mas o problema manteve-
se: os contribuintes podem ser prejudicados, pagando mais imposto do que aquele que resultaria se o reporte
de rendimentos fosse permitido.
Nos últimos 18 anos, o CDS, que esteve por diversas vezes no Governo, podia ter resolvido este problema.
A Sr.ª PaulaCruz (PCP): — Ora, bem lembrado!
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O Sr. PauloSá (PCP): — Por exemplo, por que motivo não o resolveu aquando da reforma do IRS, em 2014,
altura em que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais era do CDS? Não resolveu o problema porque não
quis! Podia tê-lo feito, mas essa não foi a sua opção. A opção do CDS, sempre que esteve no Governo, foi de
ignorar esse problema e pôr os contribuintes a pagar mais IRS.
Protestos do Deputado do CDS-PP Hélder Amaral.
Agora que está na oposição, o CDS lembra-se, de repente, da injustiça que isto representa para os
contribuintes e propõe uma solução.
É o CDS, outra vez, a tentar branquear o seu passado. É o CDS, pela enésima vez, a propor na oposição
aquilo que não quis fazer quando esteve no Governo. É o CDS, na oposição, a tentar parecer o partido amigo
dos contribuintes, o mesmo CDS que, quando esteve no Governo, juntamente com o PSD, foi o partido que
massacrou os contribuintes de mais baixos rendimentos, impondo-lhes um aumento brutal do IRS, do IMI e dos
impostos especiais de consumo.
Aplausos do PCP.
O Sr. DuarteMarques (PSD): — Quatro Orçamentos do PCP! O PCP parece a 5àsec!
O Sr. PauloSá (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o problema, em sede de IRS, com a tributação de
rendimentos de anos anteriores é um problema real, um problema que deve ser resolvido. Mas a solução
proposta pelo CDS não é a mais adequada, já que, apesar de aplicar a cada ano a taxa de imposto devida nesse
ano, continua a dividir o rendimento pelo número de anos, circunstância que gera distorções no apuramento do
imposto a liquidar.
A solução mais adequada, que, aliás, esteve em vigor até ao final do ano 2000, será a de permitir que os
rendimentos de anos anteriores sejam reportados aos anos em que efetivamente foram produzidos, garantindo
que o imposto a pagar seja exatamente aquele que resultaria se os rendimentos tivessem sido declarados no
ano em que foram gerados.
O PCP está disponível para debater, na especialidade, o projeto de lei do CDS, procurando uma solução
mais adequada do que aquela que o CDS propõe para o problema da tributação dos rendimentos auferidos em
anos anteriores.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado
Paulo Trigo Pereira.
O Sr. PauloTrigoPereira (N insc.): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a tentar resolver um
problema que é administrativo do ponto de vista legislativo. O problema que temos em mãos aplica-se em grande
parte a pensões em atraso, que, pelo facto de serem pagas tardiamente, vão cair num IRS de um ano posterior.
Esse é um problema administrativo, não é um problema político.
A solução do CDS é, tecnicamente, uma má solução. Aliás, a própria redação — «aplicando-se a cada ano
ou fração a que respeitem a taxa» — levanta dois problemas: primeiro, a taxa não se aplica a um ano, aplica-se
a rendimentos de um ano; segundo, não há uma taxa de IRS, há várias taxas marginais que incidem sobre
qualquer rendimento. Portanto, tecnicamente, é má.
Agora, a questão é saber se há alguma progressão em relação à situação atual. Não há, efetivamente! Hoje
em dia, um pensionista que receba 20 000 euros de pensões de anos anteriores vai reportar e já vai dividir esse
rendimento pela mesma metodologia que o CDS propõe, pelos diferentes anos, aplicando-se as taxas do
corrente ano. O Sr. Deputado Rocha Andrade já disse, e bem, que a única diferença é que, de facto, o que se
está a aplicar para esses rendimentos, que são parcelarizados, são as taxas atuais. E isso pode beneficiar o
contribuinte — como já foi referido, e bem! — ou pode penalizar o contribuinte.
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira terminar.
O Sr. PauloTrigoPereira (N insc.): — A solução proposta pelo PCP é a solução que seria a mais justa, mas
dá um imenso trabalho à autoridade tributária e em certos casos beneficia mas noutros prejudica o contribuinte.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. PauloTrigoPereira (N insc.): — Termino, então, Sr. Presidente, dizendo que gostaria que o PCP
clarificasse os custos dessa solução, o que não é possível e não é essa a solução que está na proposta do CDS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Em nome do Grupo Parlamentar proponente desta iniciativa, o
CDS-PP, tem a palavra, para encerrar este debate, a Sr. Deputada Cecília Meireles.
A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O problema de fundo a que
este projeto de lei quer responder, e não resolver, é o problema do atraso no processamento das pensões, que
aumentou muito, mas mesmo muito, e não é o CDS que o diz, é a Sr.ª Provedora de Justiça. É a este problema
de fundo que, com exceção do PSD, o PS, o Bloco de Esquerda e o PCP não têm nada a dizer.
O Sr. FernandoRochaAndrade (PS): — Não é o que está em debate!
O Sr. PauloSá (PCP): — Não ouviu!
A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — Aos pensionistas que esperam e desesperam — meses, um ano, dois
anos à espera do processamento de uma pensão —, o PS não tem rigorosamente nada a dizer e o Bloco de
Esquerda e o PCP o que têm a dizer é que a culpa é, de certeza, do Governo anterior. Chama-se a isso o
branqueamento do vosso presente.
O Sr. HélderAmaral (CDS-PP): — O que é que não é culpa do Governo anterior? Digam lá!
A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — Aos pensionistas de hoje, nada, mas mesmo nada, têm a dizer.
Em relação à solução que se aplica, é verdade, a pensionistas, mas também a outras situações, como é o
caso, por exemplo, de indeminizações por despedimento, que, muitas vezes, também são atrasadas, há dois
planos de análise, sendo um o plano político. Estamos ou não de acordo em que há aqui um problema?
O Sr. FernandoRochaAndrade (PS): — Se agora há um, passaria a haver dois problemas!
A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — O melhor seria não existir, é verdade, o melhor seria as pensões serem
processadas a tempo e horas, mas, existindo um problema, estamos ou não de acordo em que há um problema
para resolver com a sua tributação? Não ouvi uma palavra de discordância.
O Sr. FernandoRochaAndrade (PS): — Não fala do projeto de lei porque tem vergonha da proposta que
fez!
A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — O outro plano é o da questão técnica. Srs. Deputados, o CDS tem total
abertura para todas as soluções que, tecnicamente, respondam a este problema e às recomendações da Sr.ª
Provedora de Justiça, desde que se garanta que os pensionistas que não seriam tributados, se tivessem
recebido a tempo e horas, não sejam agora mais tributados. É tão simples como isso.
Agora, Srs. Deputados, percebo que o assunto vos cause embaraço. Só prova que têm vergonha e é normal
que a tenham.
O Sr. FernandoRochaAndrade (PS): — A Sr.ª Deputada não fala da proposta que fez!
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A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — Mas, Srs. Deputados, queria dizer, especialmente ao Sr. Deputado que
já foi Secretário dos Assuntos Fiscais,…
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira terminar.
A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — … que até posso perceber que o senhor, entre os pensionistas e os
técnicos das finanças, prefira pôr-se ao lado dos problemas dos técnicos das finanças, mas, no meu caso,
ponho-me ao lado dos pensionistas.
O Sr. FernandoRochaAndrade (PS): — Põe-se agora! Põe-se agora!
A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — Sr. Deputado Rocha Andrade, pena foi…
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, tem de terminar.
A Sr.ª CecíliaMeireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, se conseguir que eu não seja interrompida, talvez eu
possa terminar com brevidade.
Pena foi que, quando o senhor foi Secretário de Estado com a tutela deste assunto, não o tenha resolvido.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos, agora, ao quinto ponto da nossa ordem de trabalhos,
que consiste na discussão conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 1216/XIII/4.ª (PCP) — Garante a
gratuitidade dos manuais escolares na escolaridade obrigatória no ensino público e 1218/XIII/4.ª (BE) —
Gratuitidade dos manuais escolares para os alunos que frequentam a escolaridade obrigatória na rede de ensino
público do Ministério da Educação (Segunda alteração à Lei n.º 47/2006, de 28 de agosto).
Para apresentar a iniciativa legislativa do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.
A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Paredes, telhados, secretárias,
cadeiras e equipamentos. Se é verdade que é sobretudo das pessoas que é feita uma escola, ninguém questiona
serem aqueles alguns dos elementos materiais universais que a constituem, servindo a todos os alunos no seu
percurso escolar. Também os manuais escolares devem ser assim olhados, sobretudo tendo em conta as
responsabilidades que a Constituição da República Portuguesa imputa ao Estado em matéria de educação.
Por iniciativa do PCP, foi inscrito como objetivo para esta Legislatura a progressiva gratuitidade dos manuais
escolares para todo o ensino obrigatório. Assim, no Orçamento do Estado para 2016, por proposta do PCP, foi
consagrada a gratuitidade dos manuais para todas as crianças que iniciassem o seu percurso escolar no ano
letivo 2016/2017, medida que foi alargada no ano seguinte a todos os alunos do 1.º ciclo do ensino básico.
Continuando esta caminhada, o PCP propôs, e foi aprovado no Orçamento do Estado para 2018, o
alargamento da gratuitidade a todas as crianças do 2.º ciclo do ensino básico.
Já no Orçamento do Estado para 2019, é conquistado o direito à distribuição gratuita dos manuais escolares,
no início do ano letivo de 2019/2020, a todos os alunos que frequentam a escolaridade obrigatória na rede
pública do Ministério da Educação.
A distribuição gratuita de manuais escolares é uma medida de enorme alcance social, contribuindo para
combater situações de desigualdade no acesso à educação por motivos económicos e sociais.
O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — O PCP tem também colocado, ao longo do processo de implementação da
gratuitidade dos manuais escolares, questões práticas que devem ser corrigidas, por forma a que uma medida
tão relevante não possa ser manchada por aspetos negativos de índole meramente operacional.
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No entanto, o que hoje aqui trazemos é precisamente a garantia de que não se andará para trás, colocando
na letra da lei dos manuais escolares aquilo que foi alcançado, por via das propostas, em sede dos Orçamentos
do Estado para 2016, 2017, 2018 e 2019.
Dizemos e reafirmamos que também neste caso se demonstra que, com a contribuição e o decisivo papel
do PCP, não estamos condenados a ter como caminho a liquidação de direitos ou o agravamento das condições
de vida dos trabalhadores e do povo.
O Sr. JoãoOliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª AnaMesquita (PCP): — Pelo contrário, é com a conquista de mais direitos e com mais rendimentos
que o País avança.
Para o PCP, a escola pública, universal, gratuita, de qualidade e para todos corresponde ao modelo que
melhor serve os interesses e direitos, justamente, de todos. É na defesa deste projeto, pela afirmação e pela
valorização das respostas da escola pública que o PCP continuará a agir e a intervir.
Continuaremos em defesa deste direito dos manuais escolares gratuitos para toda a escolaridade obrigatória.
Um passo relevante que é preciso defender, que é preciso garantir e incluir na letra da lei.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar a iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda,
tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.
A Sr.ª JoanaMortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com o aumento da escolaridade
obrigatória para 12 anos, a democratização e a massificação do ensino secundário trouxeram novos desafios
para a para a organização da educação.
Apesar de a escolaridade ser obrigatória até ao 12.º ano, isso não quer dizer que a sua frequência seja
completamente gratuita. Ninguém paga uma propina para frequentar a escola pública, mas há muitos custos
associados a essa frequência que representam custos acrescidos para as famílias.
Os manuais escolares transformaram-se no pesadelo de muitas famílias no início de cada ano letivo, no
pesadelo de setembro. Era um custo muito grande, de 200, 300 ou 400 € — a dobrar ou a triplicar sempre que
uma família tem mais do que um filho —, que todas as famílias tinham de suportar para adquirir os manuais
escolares necessários. Os municípios tiveram a perceção do peso dos manuais escolares no orçamento familiar
em Portugal e, portanto, alguns deles decidiram oferecê-los até alguns níveis de ensino, seguindo, aliás, políticas
que, do ponto de vista europeu, já estão bastante disseminadas e são praticadas em muitos países da Europa.
Nas negociações entre os partidos de esquerda e o Governo determinou-se que a desigualdade entre alunos
e famílias de um município para outro não era a maneira certa de garantir o direito constitucional à educação e
que se deveria adotar uma política nacional de gratuitidade dos manuais escolares. É esta política que queremos
que agora fique garantida por lei, e não apenas na negociação Orçamento a Orçamento, chegando este ano
letivo até ao 12.º ano de escolaridade.
Temos quatro objetivos com este projeto de lei. Um é o de garantir que a política de manuais escolares
gratuitos não é assistencialista. A educação gratuita não é uma caridade para os pobres, é um desígnio
constitucional e uma política de Estado, uma política de desenvolvimento estratégico nacional, e é por isso que
os manuais escolares gratuitos devem ser entendidos como uma continuidade da escolaridade obrigatória e
gratuita.
Em segundo lugar, quisemos garantir que a gratuitidade dos manuais escolares não é uma renda para
editores. Portanto, a reutilização é uma política que deve ser fomentada e para a qual os manuais devem estar
preparados, também por razões ambientais. Assim, tanto por razões ambientais como por questões de saúde
das crianças, quisemos também reforçar nesta lei as intenções que têm existido de desmaterialização dos
manuais escolares.
Por último, quisemos garantir e reforçar a ideia, que já existe, de que os manuais não devem promover visões
discriminatórias da sociedade que sejam contrárias aos direitos humanos, à Constituição e ao perfil dos alunos
à saída da escolaridade obrigatória.
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Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PSD,
tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Sofia Bettencourt.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Assistimos hoje a mais um
exercício de fuga ao confronto com a realidade. Discutimos o Orçamento do Estado, as promessas, em mês e
meio, o seu confronto com a realidade discutimo-lo em meia hora. Esta é a marca dos debates parlamentares,
a marca desta Assembleia, que agrada a esta maioria mas que não é transparente nem responsável.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — O ponto que agora discutimos é, igualmente, de responsabilidade.
Para atalhar caminho, reitero que o PSD é a favor da distribuição e do empréstimo de manuais escolares aos
alunos do ensino obrigatório. O PSD tem é reservas quanto à forma e ao modo na sua implementação.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Já mudaram de posição!
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Reservas quanto à sustentabilidade futura desta despesa
permanente que se assume, uma despesa não totalmente prevista nos Orçamentos do Estado já aprovados.
O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Reservas quanto à justiça da medida, porque beneficia quem mais
pode e não quem efetivamente necessita. Não vale a pena entrar na discussão entre Estado social e Estado
assistencialista. Sabemos que, para além dos manuais escolares, as condições do sucesso educativo
dependem do acesso a tantos outros recursos educativos: mais funcionários e recursos humanos
especializados, melhores equipamentos, mais investimento e requalificação, mais valorização dos docentes.
Tudo isto deixado ao abandono pela atual maioria nestes quatro anos, não nos discursos mas nos factos
concretos vivenciados nas escolas por educadores, professores, alunos e famílias.
Foram quatro anos de desinvestimento, afirmam todas as instituições a quem compete acompanhar as
execuções das contas do Estado, e não podem utilizar a estafada desculpa de a responsabilidade ser dos outros.
Não podem porque ignoram que beneficiaram do esforço conjunto que todos os portugueses realizaram para
tirar o País da bancarrota a que os Governos do Partido Socialista conduziram o País.
O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Discutimos dois projetos de lei que, antes de mais, são reveladores
da falta de confiança dos parceiros no Governo que suportam. São dois projetos distintos. O do Bloco de
Esquerda, marcadamente ideológico, vai muito para lá daquilo que dizem querer resolver.
Protestos do BE.
Querem impor uma agenda, mesmo para lá dos princípios constitucionais já salvaguardados na legislação
em vigor. É intrusivo ao impedir as escolas de adotarem instrumentos e recursos pedagógicos que considerem
fundamentais à aprendizagem e ao sucesso educativo e é revelador do pendor totalitário do Bloco de Esquerda
ao substituir-se ao democrático processo de concertação social.
Já o projeto do PCP, tive de o ler e reler. Aparentemente, o PCP afasta-se da sua posição, prevendo agora
o acesso a todos, sem discriminação, mesmo que sem a condição de recurso, quer estudem no público ou no
privado. Diga-se que é mais coerente com o texto constitucional, mas será mesmo isto que estão a defender?!
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O Sr. Pedro Pimpão (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP) — Está no preâmbulo.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — O PSD manterá, coerente e responsavelmente, tudo o que sempre
disse e apresentou ao longo desta Legislatura. Mantemos as reservas que sempre demonstrámos, na ausência
de um justo princípio de condição de recursos. Ainda há tanto a fazer para dotar as escolas de meios que não
nos parece adequado que rico, remediado ou pobre beneficiem de igual modo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe à Sr.ª Deputada Odete João, do
Partido Socialista.
A Sr.ª Odete João (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo, ao longo desta Legislatura,
tem vindo a implementar a gratuitidade dos manuais escolares. Aliás, esta medida constava, e consta, do
Programa do atual Governo, sendo um avanço muito significativo no que se refere às obrigações do Estado no
cumprimento da Constituição.
Reconhecemos que não se fez tudo, reconhecemos que não se faz tudo num dia, mas esta medida é um
avanço incontornável no combate às desigualdades e ao insucesso escolar. Esta é uma medida de valorização
das pessoas que o PS inscreveu como prioritária.
A Sr.ª Maria Augusta Santos (PS): —Muito bem!
A Sr.ª Odete João (PS): — O regime de gratuitidade inclui uma política pública de sustentabilidade com a
reutilização dos manuais, reutilização essa que ainda está a dar os primeiros passos e ainda exige
aprofundamento. Todavia, a reutilização contribui para fomentar uma cidadania ambiental e incentivar a
economia circular, bem como para promover a sustentabilidade económica e financeira, ao mesmo tempo que
desenvolve hábitos e atitudes de responsabilização social e de partilha de recursos fundamentais para a nossa
sociedade.
Por outro lado, a gratuitidade dos manuais impulsiona o desenvolvimento de novos patamares educacionais.
Desde logo, inclui a abertura a novas práticas pedagógicas. Muitos agentes educativos consideram desejável
que se evolua para ambientes de aprendizagem onde o manual escolar deixe de ser a fonte privilegiada do
saber e da informação, assumindo que podemos estar perante ambientes mais profícuos do desenvolvimento
curricular.
A medida deve também ser amigável para com todas escolas que optem por não adotar qualquer manual —
porque isto não tem caráter obrigatório, faz parte da autonomia das escolas — e que prefiram, por exemplo,
enriquecer os recursos que partilham no centro de recursos ou na biblioteca da escola. Esta medida pode ainda
promover a inovação pedagógica, potenciar o uso de materiais digitais, incentivar a sua produção pelas próprias
escolas e libertar, de uma vez por todas, o digital da associação com o livro em papel.
Os projetos de lei em debate, do PCP e do Bloco, pretendem consagrar na Lei n.º 47/2006 o disposto nos
sucessivos Orçamentos do Estado, no que se refere à gratuitidade dos manuais escolares para os alunos do
ensino público obrigatório. No entanto, embora conste do preâmbulo da iniciativa do PCP que esta medida se
destina aos alunos do ensino público obrigatório, pergunto se o âmbito de aplicação é efetivamente esse, uma
vez que isso não está explícito no seu articulado.
Para finalizar, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista concorda com a progressiva consolidação da
medida dos manuais escolares, sempre associada à sua reutilização, pelas razões que já apontámos, mas
entendemos ser necessária uma visão mais abrangente, que falta nos projetos em análise.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada
Ilda Araújo Novo, do CDS-PP.
A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com os projetos de lei que
temos em apreço, o Bloco de Esquerda e o PCP querem que a gratuitidade dos manuais escolares seja passada
a forma de lei, mas esta irresponsabilidade, que começou no primeiro ano de mandato deste Governo, visa
agora toda a escolaridade obrigatória da rede pública de ensino. Sem que tenha havido oportunidade de apurar
os resultados da medida em curso, ignora-se a estimativa do Instituto de Gestão Financeira da Educação e o
parecer do Tribunal de Contas, que considera não existirem condições de sustentabilidade e acusa o Governo
de a suborçamentar em 100 milhões de euros.
Entretanto, não se paga às livrarias, às quais já são devidos mais de 3 milhões de euros, e despreza-se o
fantástico indicador de 4% de reutilização, apesar de já se antecipar a sua inexequibilidade nos anos de exame,
no 1º ciclo e nas disciplinas de línguas estrangeiras.
Vem a propósito lembrar as recentes declarações da Sr.ª Secretária de Estado da Educação, que afirmou, e
cito, que «o problema da disponibilização gratuita dos manuais escolares é a reutilização. Sem ela, não vai ser
possível manter-se a medida, sob pena de se criar um problema de sustentabilidade orçamental».
Não obstante este estado de coisas, os proponentes pretendem abranger 12 anos de escolaridade
obrigatória, uns meros oito milhões de manuais nas mãos de um milhão e cem mil estudantes, mais ou menos,
isto apesar de, deliberadamente, terem excluído outros recursos didático-pedagógicos relevantes, como é caso
dos cadernos de atividades. Agem, o PCP e o Bloco de Esquerda, como se nada fosse, como se isto não
significasse onerar o futuro séria e indefinidamente.
A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — A austeridade ainda mora aí!
A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — É que, por esta forma, ainda sem o resultado da avaliação e antes
mesmo do final da Legislatura, procuram assegurar desde já a permanência da medida, retirando-a da decisão
anual do Orçamento do Estado.
Isto sem falar nos problemas de constitucionalidade, intimamente ligados ao facto de as alterações propostas
atentarem descaradamente contra o princípio da igualdade ao serem destinadas a privilegiar somente os alunos
que frequentam estabelecimentos da rede pública de ensino.
Protestos do Deputado do BE Moisés Ferreira.
Não que não se esperasse que o Bloco de Esquerda e o PCP renunciassem, desta feita, à oportunidade de
desferir mais um ataque aos alunos e famílias que escolhem o ensino privado. Bem pelo contrário, como se vê!
Protestos do BE e do PCP e contraprotestos do CDS-PP.
Dando de barato as óbvias redundâncias decorrentes de legislar sobre o que já está previsto e regulado em
diversos diplomas, bem como a patente complexidade logística de implementação, converter em lei uma medida
cuja avaliação está previsto que se conclua apenas no fim do ano letivo de 2019-2020 é, no mínimo, gravemente
precipitado.
Terminando, é nosso dever e vosso, Sr.as e Srs. Deputados, reconhecer e salientar que a pretendida
gratuitidade do ensino, expressamente consagrada na nossa Constituição, não dispensa nem prescinde das
indispensáveis condições de sustentabilidade.
No caso concreto dos manuais escolares, o CDS defende que a gratuitidade deve estar sujeita a uma
condição de recursos.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP) — Condição de pobreza!
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A Sr.ª Ilda Araújo Novo (CDS-PP): — Assim, as alterações propostas não podem e não devem prevalecer,
de forma alguma — não nestas condições —, sob pena de, a par de tantas outras medidas igualmente irrefletidas
e insustentáveis, prejudicarem, afetarem e contribuírem para comprometer a sobrevivência do próprio sistema
público educativo.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Gostam que as pessoas andem de mão estendida!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para o encerramento deste debate, a Sr.ª
Deputada Ana Mesquita.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP) — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Sofia Bettencourt, gostaria de começar por
dizer que é pela progressividade dos impostos que deve ser feita a justiça fiscal.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP) — Não é por haver pessoas a pagar ou a deixarem de pagar os manuais que
ela se faz. A questão é outra, a questão é que a mesma cadeira, a mesma secretária, o mesmo quadro, seja ele
interativo ou de utilização com giz, caneta e apagador, servem precisamente os alunos que são provenientes
das famílias que têm mais e das que têm menos. Portanto, não é essa a questão. A questão é a progressividade
dos impostos e a justiça fiscal, que deve existir.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — É isso mesmo!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Esta questão que agora está em cima da mesa é, de facto, relevantíssima
para muitas e muitas famílias e não admira que o PSD já venha falar de outra maneira sobre a gratuitidade,
porque está a aperceber-se exatamente do impacto que isto tem no bolso das famílias. É enorme, repito, é
enorme, e tem, de facto, de ser valorizado.
Sr.ª Deputada Odete João, efetivamente, a proposta do PCP é a de respeitar e transpor aquilo que foi
aprovado em sede de Orçamento do Estado, portanto, estamos absolutamente disponíveis para os trabalhos
em sede de especialidade, no sentido de encontrar uma redação que responda inequivocamente aos objetivos
que enunciamos no preâmbulo e que esteja, também, de acordo com aquilo que foi aqui referido.
Sr.ª Deputada Ilda Araújo Novo, fala da exclusão de outros recursos pedagógicos e é caso para dizer que,
talvez, o CDS tenha andado distraído sobre aquela que tem sido a intervenção do PCP.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Pois tem!
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — É que temos feito muitas propostas precisamente para eliminar os custos de
frequência, imagine-se, não só no ensino obrigatório mas em todos os graus de ensino. E temos feito propostas
não só de eliminação dos custos de frequência mas também, ao mesmo tempo, de aumento e de reforço da
ação social escolar. Estamos, de facto, noutro campo, completamente oposto ao do CDS-PP, porque vamos
continuar a lutar e a trazer para o ensino, para a educação dos alunos, menos custos para as famílias.
Esta aposta na gratuitidade dos manuais escolares é absolutamente fundamental para combater o insucesso
escolar, para aliviar os encargos das famílias e para garantir o direito constitucional à educação.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, termina, assim, a apreciação, na generalidade,
dos Projetos de Lei n.os 1216/XIII/4.ª e 1218/XIII/4.ª.
Entramos no último ponto desta tarde, que é o da discussão, na generalidade, do Projeto de Lei n.º
1214/XIII/4.ª (PAN) — Regulamenta o fim que deve ser atribuído às pontas de cigarros.
Tem a palavra, para a apresentação desta iniciativa legislativa, o Sr. Deputado André Silva, do PAN.
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O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aparentemente inócuas, as pontas de
cigarro são dos resíduos mais tóxicos e perigosos para o ambiente. Entre muitos componentes, como o alcatrão,
o arsénio ou o benzeno, os filtros dos cigarros contêm acetato de celulose, ou seja, plástico, o que ajuda a
explicar que cada ponta de cigarro demore cerca de 10 anos a decompor-se.
Descartar inadequadamente uma beata de cigarro para a via pública ou para o ambiente conduz a que todos
os químicos que ela contém possam contaminar solos, linhas de água e organismos vivos, podendo entrar na
cadeia alimentar, representando um potencial risco para a saúde pública. Facilmente arrastadas, acabam
invariavelmente nos cursos de água, sendo já o resíduo mais encontrado nas zonas costeiras, onde são, muitas
vezes, ingeridas por aves e animais marinhos, que as confundem com alimento.
Estima-se que, em Portugal, são atiradas para o chão cerca de 7000 beatas a cada minuto.
Neste momento, o orador exibiu um garrafão cheio de pontas de cigarro.
Para se ter uma ideia da dimensão da poluição, o que está neste garrafão é a quantidade de pontas de
cigarro apanhadas em três quartos de hora, por três pessoas, em apenas 100 m de passeio, na Avenida
Almirante Reis, em Lisboa. Estão aqui entre 1000 e 1500 beatas!
O Sr. João Oliveira (PCP): — O PAN a trazer plástico para a tribuna?!
O Sr. André Silva (PAN): — Não podemos continuar a ignorar os custos ambientais associados ao descarte
inadequado e à ausência de regras e de processos de recolha destes resíduos.
É, assim, urgente, no âmbito das políticas públicas ambientais, adotar medidas concretas, firmes e eficazes,
como as que o PAN propõe no projeto de lei que hoje debatemos: a realização, num primeiro momento, de
ações de sensibilização sobre estas condutas, dirigidas tanto ao consumidor como aos setores de atividade
mais diretamente relacionados com o descarte inadequado de pontas de cigarro; o estabelecimento de certas
obrigações e práticas, como a disponibilização de cinzeiros à porta dos serviços e estabelecimentos mais
abrangidos pelo consumo de cigarros, nomeadamente restauração, plataformas de embarque ou paragens de
autocarro; o pagamento, pelo produtor, de uma ecotaxa destinada a custear as ações de gestão de resíduos
assim como de sensibilização, de formação e de recuperação de ecossistemas; o sancionamento do ato de
descartar pontas de cigarro inadequadamente; e a adoção de um período transitório de um ano após a entrada
em vigor da lei.
Nenhuma medida é grande o suficiente para resolver o problema que temos em mãos e nenhuma é
demasiado pequena para que se justifique que seja posta de lado no que respeita à defesa dos ecossistemas
terrestres e marinhos. São várias as frentes e todos somos poucos para o conseguir.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda, o Sr. Deputado Pedro Soares.
O Sr. Pedro Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Segundo o relatório de uma associação
ambientalista internacional, a WWF (World Wide Fund for Nature), cada pessoa pode estar a ingerir cerca de
2000 micropartículas de plástico por semana, com efeitos devastadores na saúde e no ambiente.
Se não queremos plástico nos nossos corpos, temos de travar os milhões de toneladas que são depositados
na natureza todo o ano. Temos de começar por aí, porque, de facto, as pontas de cigarros são um problema
ambiental e um problema de saúde pública. A sua degradação é extremamente difícil e lenta. Por isso,
acompanhamos as preocupações que o PAN acabou de referir na apresentação do seu projeto de lei.
No entanto, temos algumas opiniões sobre o conteúdo desse projeto. Pensamos que é necessário
sensibilizar o consumidor, mas consideramos excessivo o foco no comportamento individual. Praticamente
metade do projeto é sobre a sensibilização do consumidor. O PAN considera, inclusivamente, que deve incidir
sobre o consumidor um conjunto importante de contraordenações. No entanto, do nosso ponto de vista, a
questão principal tem de ser a montante do consumidor e, nessa perspetiva, a proposta de diretiva do
Parlamento Europeu e do Conselho sobre a redução dos impactos dos produtos de plástico no ambiente refere
explicitamente a necessidade de medidas para a criação de regimes de responsabilidade alargada do produtor
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para todos os produtos de plástico. É por aí que temos de começar, é por aí que o Estado deve legislar e é aí
que toda a sociedade deve, de facto, fazer incidir as suas preocupações.
Isto significa que, por exemplo, são necessárias alternativas biodegradáveis. É necessário que os produtores
investiguem e invistam na produção de alternativas biodegradáveis, sendo igualmente necessário que o Estado
e os produtores invistam em medidas para a economia circular, de reutilização de desperdícios de forma
sustentável, havendo já propostas nesse sentido. Também nessa perspetiva, consideramos que a
responsabilidade dos produtores deve ser alargada. Aquilo que, neste momento, percebemos do projeto de lei
do PAN é que, nesta medida, há pouca clareza, é pouco concreto e, nalguns casos, é até ambíguo.
Assim, consideramos que este debate é importante, o Bloco compagina-se com essas preocupações, mas
também irá apresentar, em debate de especialidade, propostas concretas no sentido de melhorar e de focar
essencialmente os produtores e não os consumidores.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção é do Grupo Parlamentar do PSD.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Berta Cabral.
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A defesa do ambiente é um desiderato
transversal à generalidade dos cidadãos e é, seguramente, também, um tema e um desiderato comuns a todos
os partidos políticos. Nessa matéria, o PSD tem provas dadas. Cada vez mais o mundo se vê ameaçado pela
acumulação de plásticos e de lixos nos oceanos, lixos, esses, que entram na cadeia alimentar e que causam
graves danos e graves problemas de saúde à humanidade.
Nesta categoria, encontramos as conhecidas beatas de cigarros, de cigarrilhas e de charutos, que, de acordo
com dados da União Europeia, são o segundo produto de plástico de utilização única mais encontrado nas
respetivas praias.
Nesse sentido, a matéria hoje em discussão merece toda a nossa atenção e revela enorme pertinência, pois,
segundo organizações não governamentais que se dedicam a esta temática — e isto já foi aqui referido —, a
cada minuto, 7000 pontas de cigarros são atiradas para o chão em Portugal. Reafirmo-o porque, efetivamente,
este é um número que tem de nos chocar a todos.
O ambiente não tem fronteiras, sobretudo fronteiras físicas, e uma beata atirada para o chão em Lisboa pode
causar a morte de inúmeros peixes em qualquer parte do globo.
Esta é, pois, uma iniciativa pertinente e sobre a qual valerá a pena a Assembleia da República trabalhar, sem
perder de vista a Diretiva 2018/0172, do Parlamento Europeu e do Conselho, sobre plásticos de utilização única
e resíduos pós-consumo de produtos de tabaco com filtros que contêm plástico, diretiva, essa, que, como sabem,
aguarda publicação e, também, regulamentação acessória.
Por outro lado, a nível autárquico, há um conjunto de regulamentos, de projetos e de iniciativas em curso,
muitos deles em parceria com várias entidades, que devem ser considerados, na medida em que poderão
contribuir para enriquecer o projeto de lei em causa. Dito de outra forma, o PSD comunga da importância da
matéria em causa e da relevância do seu tratamento, mas não dispensa um amplo debate na especialidade
sobre esta matéria.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Berta Cabral (PSD): — Sem embargo, subscrevendo a responsabilidade do poluidor, que deve, no
entanto, ser clarificada, entendemos que este é um compromisso que deve envolver toda a sociedade, pois
implica a continuidade da mudança de mentalidades já iniciada em Portugal com a Lei n.º 37/2007, de 14 de
agosto, que aprovou normas para a proteção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco.
Para o PSD, a prevenção é a palavra-chave no âmbito da defesa do ambiente, que sempre prosseguimos e
iremos continuar a prosseguir. Não podemos, por isso, concordar que uma tão exaustiva fiscalização — e era
isto que queria referir —, a cargo de tantas e diferentes entidades, seja solução para este problema. Por isso
mesmo, esta é uma iniciativa que merece a nossa atenção, mas não dispensa a nossa regulamentação.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção é do Grupo Parlamentar de Os Verdes.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não há dúvida de que as
pontas de cigarro constituem um resíduo que muitas vezes é lançado em meio livre, tem impacto ambiental e
necessita, por isso, de ter um destino.
Não há dúvida também, como já foi, de resto, aqui referido, de que há várias autarquias que, estando
sensibilizadas para esta questão, têm já tomado algumas medidas que não devem ser descuradas, devendo ser
tidas em conta.
Relativamente ao projeto que aqui nos é apresentado, julgo que há fundamentalmente três vertentes que
devem ser salientadas. A primeira é a questão da sensibilização dos cidadãos: campanhas de informação,
campanhas de formação dos cidadãos relativamente ao impacto que estas pontas de cigarro podem ter.
Uma segunda vertente prende-se com a disponibilização recorrente, digamos assim, de recipientes, vulgo
cinzeiros, onde os cidadãos possam depositar essas pontas de cigarro. É verdade que, designadamente em
muitos locais públicos, esses recipientes não existem e, portanto, os cidadãos fumadores acabam por deitar as
pontas de cigarro para o chão.
Por outro lado, uma terceira vertente deste projeto prende-se com a questão da punição, das coimas
atribuídas a quem lançar uma ponta de cigarro para o chão. Relativamente a esta questão da punição e das
coimas, não há dúvida de que, nesta Casa, o PAN concorre com o CDS nesta matéria: não há projeto que não
tenha uma coima para o cidadão, uma punição relativamente a um determinado comportamento.
Mas o PAN, no preâmbulo que faz neste projeto de lei, dá uma resposta, digamos assim, em duas fases:
supostamente, numa primeira fase, haveria a sensibilização e disponibilização de recipientes, coisas com as
quais Os Verdes concordam absolutamente; numa segunda fase, haveria a questão da punição e das coimas
para os cidadãos. Ocorre que, depois, no articulado, o PAN não faz essa diferenciação e aquilo que acontece é
que põe tudo numa primeira fase, o que nos leva a crer que a questão da punição e das coimas é, de facto, uma
prioridade para o PAN.
Não vamos, obviamente, inviabilizar este projeto na votação na generalidade, mas gostávamos de sublinhar
o facto de se dever tomar como prioridade a questão da sensibilização dos cidadãos e da disponibilização de
recipientes. Não precisamos de multar as pessoas para que elas tenham comportamentos corretos, aliás, acho
que já temos exemplos, em Portugal, relativamente a essa questão. Por exemplo, no que se refere aos
ecopontos, à triagem dos resíduos em casa para, depois, as pessoas fazerem a diferenciação na sua deposição,
não precisamos de multar os cidadãos para que eles tenham um comportamento regular e correto.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — O que é que é fundamental? É sensibilizar os cidadãos para que
essa triagem seja feita, para que os resíduos tenham um encaminhamento correto e, por outro lado,
disponibilizar os recipientes e os contentores em proximidade dos cidadãos, para que essa deposição possa ser
feita. Portanto, não precisamos de andar num estado policial, sempre a punir, sempre com coimas brutais.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — De facto, temos de passar a uma visão mais ecologista da
questão…
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira terminar, se fizer favor.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino mesmo, Sr. Presidente.
E essa visão mais ecologista passa, efetivamente, pela sensibilização, pela educação e pela disponibilização
de soluções.
Muito obrigada pela tolerância, Sr. Presidente.
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Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado
Renato Sampaio, do Partido Socialista.
O Sr. Renato Sampaio (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PAN apresenta-nos uma iniciativa
legislativa que é, indiscutivelmente, da maior importância para o tratamento de um resíduo que tem bastante
perigosidade.
Contudo, esta iniciativa centra o tratamento da matéria mais na instalação de equipamentos de recolha por
parte de estabelecimentos comerciais, empresas e edifícios públicos, obrigando-os, até, a limpar a área
envolvente.
Além disso, esta iniciativa centra-se também na aplicação de coimas ao consumidor final, que, do nosso
ponto de vista, são elevadas, retirando praticamente ao produtor a responsabilidade por este resíduo. Em
relação ao produtor, o que é que faz? Limita-se a transferir para empresas licenciadas a recolha e o tratamento.
Há, portanto, uma confusão muito grande!
Para os cidadãos, a campanha a fazer é, fundamentalmente, de sensibilização — disto não tenho dúvidas!
—, mas, embora seja da maior importância a sensibilização dos cidadãos para esta matéria, a iniciativa não traz
praticamente mais nada a não ser mais uma coima.
Esta iniciativa é, do nosso ponto de vista, muito genérica, sem um aprofundamento normativo relevante, e só
as coimas têm, realmente, esse aprofundamento, exatamente para os estabelecimentos comerciais, para as
empresas, para os edifícios públicos.
Omite uma questão, do nosso ponto de vista, muito importante, que é a das autarquias locais. As autarquias
locais são a resposta e as responsáveis pela recolha e pelo tratamento de resíduos e, fundamentalmente, pela
limpeza urbana, havendo até autarquias que já têm regulamentos próprios sobre esta matéria, para evitar este
e outro tipo de resíduos, nomeadamente a Câmara de Lisboa e a Câmara de Leiria.
Além disso, omite completamente, ou praticamente, a existência de uma diretiva comunitária europeia sobre
os plásticos de uso único, que já foi adotada pelo Conselho Europeu, no dia 21, e que engloba exatamente os
produtos do tabaco com filtro. Esta diretiva vai ser transposta para o direito português e, do ponto de vista da
sua conceção, é muito mais ampla e fundamentalmente mais consequente para tornar eficaz o tratamento deste
tipo de resíduos.
Por isso, entendemos que esta iniciativa é avulsa e não tem em conta a diretiva comunitária — aliás, deve
ter sido só o título que chamou a atenção do PAN para esta matéria —, mas, de qualquer maneira, o Partido
Socialista não a vai inviabilizar e espera encontrar mecanismos para o seu melhoramento em sede de comissão.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, do CDS-PP,
para uma intervenção.
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Sr. Presidente, o CDS reconhece à iniciativa o mérito de trazer a
debate um tema com um impacto não desprezível no ambiente.
Reconhecemos a importância da necessidade de sensibilização dos cidadãos para comportamentos cívicos
tão simples e óbvios como o de não deitar beatas para o chão e reconhecemos ainda que, para que tal aconteça,
é necessário que haja mais equipamentos para a recolha e a deposição dessas beatas.
Aliás, esta matéria, que tem sido debatida na União Europeia, culminou na diretiva de que falava o Sr.
Deputado Renato Sampaio. Esta diretiva foi publicada precisamente hoje e tem dois anos para ser transposta,
abrangendo muito mais temas para além do que estamos a debater hoje, que é o tema das beatas. Além disso,
não devemos desprezar o facto de haver um conjunto de autarquias que já têm regulamentos municipais sobre
esta e outras matérias.
Posto isto, e tendo em conta a relevância e o mérito que lhe reconhecemos, apesar de esta iniciativa propor,
no seu título, regular o destino a dar às pontas de cigarros, confesso que, à boa maneira totalitária, as únicas
coisas em que ela é clara são a proibição, a obrigação e a sanção.
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Este projeto propõe proibir que se deitem beatas para o chão e aplicar coimas entre 200 € e 4000 € a quem
o faça. Quando há pouco falou, o Sr. Deputado André Silva trouxe, num garrafão de plástico — que, presumo,
depois vai parar ao ecoponto —,…
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Já devia pagar multa!
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — … as beatas que foram recolhidas na Avenida Almirante Reis. Ora,
se um condutor for em excesso de velocidade na Avenida Almirante Reis, paga 120 € de coima, mas, se deitar
uma beata pela janela, vai pagar, no mínimo, 200 € de coima. Parecem-nos claramente desproporcionadas,
estas coimas!
O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O curioso é o garrafão de plástico! Devia pagar uma multa de 500 euritos!
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Depois, obriga à existência de cinzeiros e equipamentos de recolha,
o que faz todo o sentido, como disse, e parece-nos óbvio, e propõe, caso não existam, coimas que vão de 1 a
5 milhões de euros. São estas as coimas propostas, porque a iniciativa remete para as contraordenações
ambientais e considera-a uma contraordenação muito grave.
Esta proposta, no âmbito da responsabilidade alargada do produtor, também prevê que cabe ao produtor
assegurar a gestão dos resíduos, só que não explica como, não aponta uma solução e não apresenta uma
proposta.
Posto isto, no CDS, acreditamos que a solução não está em proibir e sancionar, mas passa necessariamente
pela inovação, pela investigação, pela sensibilização dos cidadãos, pela procura de novas soluções, novas
utilizações que contribuam para a economia circular. E há já muitos bons exemplos de recolha de beatas para
utilização e transformação: o projeto Portugal sem Beatas, que distribui porta-beatas que são uma espécie de
tubinhos de ensaio; os cinzeiros nas praias; a Missão Beatão, que existe, por exemplo, no meu concelho; ou,
até, o E-tijolo, programa muito recentemente divulgado, do Instituto de Soldadura e Qualidade e do Laboratório
da Paisagem, que venceu um concurso de ideias em abril deste ano e que prevê precisamente a incorporação
de uma percentagem de beatas na construção de tijolos, tornando-os mais leves e resistentes ao isolamento.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada…
A Sr.ª Patrícia Fonseca (CDS-PP): — Para terminar, Sr. Presidente, devo dizer que toda esta matéria é, de
facto, muito importante, mas, na opinião do CDS, não se deve seguir pela proibição e sanção antes de se fazer
uma fase prévia de sensibilização e de se pensar em alternativas tecnológicas inovadoras que permitam resolver
um problema que é de todos nós.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PCP,
tem a palavra a Sr.ª Deputada Ângela Moreira.
A Sr.ª Ângela Moreira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O destino das pontas de cigarro tem
de ser outro que não o de poluir o meio ambiente, mas o projeto de lei do PAN, que hoje discutimos, segue,
mais uma vez, a orientação a que o PAN nos habituou, de proibir, punir ou multar, e que temos dificuldade em
acompanhar.
Estamos perante mais uma iniciativa com foco em proibições, penalizações, aplicação de coimas, mais
multas e mais contraordenações: pagar por poluir, em vez de evitar a poluição; vigiar e penalizar o cidadão;
redobrar as obrigações de controlar, fiscalizar e multar, em vez de investir em prevenir a poluição. Penalizar,
proibir, multar não resolvem os problemas ambientais; podem aumentar as receitas das coimas, mas não
acabam com o problema.
Se há hábitos que têm de ser mudados — e eles são evidentes —, então, que se intervenha na alteração
dos comportamentos, de forma a evitar que as pontas de cigarro vão para o chão, em vez de se arrecadar
dinheiro em multas, enquanto as beatas continuam a ter o mesmo destino; dê-se prioridade à ação educativa e
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formativa, em vez da ação proibitiva e punitiva; invista-se menos em fiscais dos cidadãos e mais na colocação
de cinzeiros no espaço público e na limpeza,…
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Ângela Moreira (PCP): — … especialmente nos locais onde o problema está sinalizado com maior
preocupação.
O desequilíbrio entre essas duas dimensões de resposta a este problema é muito evidente neste projeto de
lei e reflete o desejo do PAN de criar um estado geral de vigilância sobre os cidadãos, hoje, a pretexto de
problemas ambientais, amanhã, sabe-se lá a que pretexto.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Muito bem!
O Sr. José de Matos Rosa (PSD): — É verdade!
A Sr.ª Ângela Moreira (PCP): — A proteção do meio ambiente e a criação de condições para uma vida em
harmonia com o meio ambiente devem ser objetivos políticos promovidos e defendidos, de forma a que sejam
assumidos por cada um como objetivos individuais e coletivos, mas dificilmente podem ser impostos com a
lógica do PAN de proibir, prender ou multar.
Tal como aconteceu noutras matérias, em que se fez a opção correta, rejeitando a lógica persecutória e
punitiva, também nesta questão o PCP está disponível para contribuir para soluções que reconhecemos serem
necessárias. Manteremos a nossa posição coerente, não desligando os problemas ambientais do seu
enquadramento social e procurando a sua resolução efetiva, mesmo que esse caminho seja mais difícil de fazer
do que embarcar na lógica de proibir, prender e multar.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Paulo Trigo Pereira, também
para uma intervenção.
O Sr. Paulo Trigo Pereira (N insc.): — Sr. Presidente, em relação às matérias…
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, desculpe, dá-me licença?
O Sr. Deputado não dispõe de tempo para intervir.
Pausa.
O Sr. Paulo Trigo Pereira (N insc.): — Sr. Presidente, tem toda a razão. Cedi tempo…
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O Sr. Deputado teve um impulso de generosidade para com o
PAN e esse impulso de generosidade agora…
O Sr. Paulo Trigo Pereira (N insc.): — E a Mesa estava atenta! Peço desculpa pelo lapso.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não se pode fumar o mesmo cigarro duas vezes!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Em nome da Mesa, também peço desculpa à Assembleia pelo
meu lapso nesta matéria.
Para encerrar este ponto da ordem de trabalhos, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pareceu-me ser consensual nas vossas
intervenções a necessidade e a urgência de retirar as pontas de cigarro do meio ambiente e encontrar alguma
solução.
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Também posso deduzir que, sendo esta a única proposta que esteve e está em debate e não tendo havido
outras propostas, os grupos parlamentares, segundo entendo, estarão disponíveis para viabilizar esta iniciativa,
que não é perfeita e necessita de correções, tal como já foi referido, para a melhorar e a tornar uma lei
consensual.
Agradeço ao Deputado Pedro Soares e concordo genericamente com as críticas construtivas que foram
feitas. O foco não está no comportamento individual, nomeadamente nas contraordenações, como foi dito —
não é verdade! —, o que está em cima da mesa é alargar a responsabilidade ao produtor, fazer campanhas de
sensibilização e informação e, depois, em última linha, haver um regime sancionatório para quem prevarica.
Diz que é necessário encontrar alternativas biodegradáveis, mas elas não existem e, enquanto não existem,
de facto, massificadas, temos de fazer alguma coisa, temos de dar este primeiro passo.
Sr.ª Deputada Berta Cabral, relativamente à lista exaustiva de entidades fiscalizadoras, debatemos muitas
vezes, em debates de iniciativas legislativas, a ausência de capacidade de fiscalização por parte de uma
determinada entidade. A técnica legislativa foi no sentido de alargar a lista de entidades fiscalizadoras para
poder, de alguma forma, suprir alguma falta de meios do Estado. Mas, evidentemente, devemos também
debater, na especialidade, essa questão.
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, quanto ao Estado policial, discordo do que disse, não é isso que, de facto,
como já referi, está aqui em cima da mesa e a pergunta que faço é a seguinte: desde quando é que poluir é uma
liberdade individual?
Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.
A minha liberdade termina quando começa a do outro e parece-me que a interpretação que faz…
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira mesmo terminar.
O Sr. André Silva (PAN): — … da nossa iniciativa é, de facto, excessiva.
Quero dizer-lhe, também, que deverá ler o artigo 11.º que contém uma disposição transitória de um ano, a
qual afasta, de facto, as contraordenações durante um ano.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado, queira terminar.
O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, vou terminar dizendo que estamos disponíveis para, em sede
de especialidade, trabalhar esta iniciativa legislativa, melhorá-la e sair uma lei bem melhor do que aquela que
apresentámos.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, está terminada a nossa ordem do dia de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á na sexta-feira, dia 14 de junho, às 10 horas, e terá como ordem de
trabalhos uma marcação do Bloco de Esquerda para a discussão, na generalidade, do Projeto de Lei n.º
1221/XIII/4.ª (BE) — Dispensa a cobrança de taxa moderadora nos cuidados de saúde primários e nas demais
prestações de saúde sempre que a origem de referenciação para estas for o Serviço Nacional de Saúde (décima
primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro).
A todas as Sr.as Deputadas e a todos os Srs. Deputados desejo uma boa tarde e àqueles e àquelas que
forem celebrar os Santos Populares uma boa festa.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 36 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.