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Quinta-feira, 31 de outubro de 2019 I Série — Número 2
XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)
REUNIÃOPLENÁRIADE30DEOUTUBRODE 2019
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita Ana Sofia Ferreira Araújo
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 5 minutos.
Foi aprovado um parecer da Comissão Eventual de Verificação de Poderes dos Deputados Eleitos relativo à assunção de mandatos e à substituição de Deputados do PS e do PCP.
Foram anunciados os resultados das eleições realizadas para Vice-Presidentes, Secretários e Vice-Secretários da Mesa e para o Conselho de Administração da Assembleia da República, tendo sido eleitos os seguintes Deputados: para Vice-Presidentes, Edite Estrela (PS), Fernando Negrão (PSD), José Manuel Pureza (BE) e António Filipe (PCP); para Secretários, Maria da Luz Rosinha (PS), Duarte Pacheco (PSD), Nelson Peralta (BE) e Ana Mesquita (PCP); para Vice-Secretários, Diogo Leão (PS), Sofia Araújo (PS), Helga
Correia (PSD) e Lina Lopes (BE); para o Conselho de Administração, Eurídice Pereira (PS), José Silvano (PSD), Isabel Pires (BE), Duarte Alves (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), André Silva (PAN) e Mariana Silva (PEV). No final, o Presidente felicitou os Deputados eleitos, bem como osDeputados que assumiram o mandato pela primeira vez.
O Primeiro-Ministro (António Costa), após saudar o Presidente e os Deputados, procedeu à apresentação do Programa do XXII Governo Constitucional, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Deputados Rui Rio (PSD), Ana Catarina Mendonça Mendes (PS), Catarina Martins (BE), Jerónimo de Sousa (PCP), Cecília Meireles (CDS-PP), André Silva (PAN), José Luís Ferreira (PEV), André Ventura (CH), João Cotrim de Figueiredo (IL), Joacine Katar Moreira (L), Adão Silva (PSD), Marina Gonçalves (PS),
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Mariana Mortágua (BE), António Filipe (PCP), Telmo Correia (CDS-PP), Bebiana Cunha (PAN), Cristóvão Norte (PSD), José Luís Carneiro (PS), Moisés Ferreira (BE), Paula Santos (PCP), José Moura Soeiro (BE), Maria Begonha (PS) e Beatriz Gomes Dias (BE). No final, a Deputada Cecília Meireles (CDS-PP) interpelou a Mesa pelo facto de o Primeiro-Ministro não ter respondido aos pedidos de esclarecimento do Deputado Telmo Correia (CDS-PP).
Foi aprovado um parecer da Comissão Eventual de Verificação de Poderes dos Deputados Eleitos relativo à substituição de um Deputado do PS.
Deu-se início ao debate do Programa do XXII Governo Constitucional, tendo usado da palavra, a diverso título, além dos Ministros do Ambiente e da Ação Climática (João Pedro Matos Fernandes), de Estado e da Presidência (Mariana Vieira da Silva) e de Estado, da Economia e da Transição Digital (Pedro Siza Vieira), os Deputados Fernando Negrão (PSD), Pedro Delgado Alves e Porfírio Silva (PS), Pedro Filipe Soares (BE), João Oliveira (PCP), Ana Rita Bessa (CDS-PP), João Paulo Correia (PS), André Ventura (CH), João Cotrim de Figueiredo (IL), Joacine Katar Moreira (L), Cristina Rodrigues
(PAN), Nelson Peralta (BE), Emídio Guerreiro (PSD), Duarte Alves (PCP), Maria Manuel Rola (BE), Mariana Silva (PEV), Jorge Costa (BE), João Dias (PCP), Ricardo Vicente (BE), Alma Rivera (PCP), António Ventura (PSD), Fabíola Cardoso (BE), Luís Leite Ramos e Bruno Coimbra (PSD), Luís Moreira Testa (PS), António Filipe (PCP), José Manuel Pureza (BE), Bebiana Cunha (PAN), Constança Urbano de Sousa (PS), Sandra Cunha (BE), Sandra Pereira (PSD), Diana Ferreira (PCP), Joana Mortágua (BE), Lara Martinho (PS), Isabel Pires (BE), Pedro Rodrigues (PSD), Bruno Dias (PCP), José Maria Cardoso (BE), Paulo Rios de Oliveira (PSD), João Pinho de Almeida (CDS-PP), João Vasconcelos (BE), Duarte Alves (PCP), José Luís Ferreira (PEV) e Carlos Pereira (PS).
Durante o debate, a Vice-Presidente Edite Estrela (PS), ao presidir pela primeira vez aos trabalhos, saudou os Deputados, o Primeiro-Ministro e restantes membros do Governo e os funcionários, os jornalistas e os agentes da autoridade da Assembleia da República.
O Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 29 minutos.
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O Sr. Presidente: — Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e
Srs. Jornalistas, vamos dar início à nossa sessão.
Eram 10 horas e 5 minutos.
Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias.
Srs. Deputados, antes de entrarmos no primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos, a Sr.ª Secretária Maria
da Luz Rosinha vai prestar algumas informações à Câmara.
Faça favor, Sr.ª Secretária.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou passar a ler o Relatório e
Parecer n.º 2 da Comissão Eventual de Verificação de Poderes dos Deputados Eleitos, que é do seguinte teor:
«Aos 30 dias do mês de outubro de 2019, pelas 9 horas e 15 minutos, reuniu, na Sala 7 do Palácio de São
Bento, a Comissão Eventual de Verificação de Poderes dos Deputados Eleitos, onde foram observadas as
seguintes assunções de mandatos e substituições de Deputados, tendo em conta as disposições legais
aplicáveis e os pedidos de substituição apresentados:
a)Artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Deputados, com efeitos desde 26 de outubro corrente,
inclusive.
Partido Socialista:
Círculo eleitoral de Aveiro – Pedro Nuno de Oliveira Santos substituído por Bruno Armando Aragão
Henriques;
Círculo eleitoral de Braga – José Fernando Gomes Mendes substituído por Ana Maria Ribeiro da Silva;
Círculo eleitoral de Castelo Branco – Eurico Jorge Nogueira Leite Brilhante Dias substituído por Joana
Morgadinho Bento;
Círculo eleitoral de Coimbra – Marta Alexandra Fartura Braga Temido de Almeida Simões substituída por
João Eduardo Dias Madeira Gouveia;
Círculo eleitoral de Faro – Jamila Bárbara Madeira e Madeira substituída por Ana Lúcia Silva de Passos;
José Apolinário Nunes Portada substituído por Francisco José Pereira de Oliveira; Jorge Manuel do Nascimento
Botelho substituído por Célia Maria Marques da Rosa Paz;
Círculo eleitoral de Fora da Europa – Augusto Ernesto Santos Silva substituído por Paulo Porto Fernandes;
Círculo eleitoral de Guarda – Ana Manuel Jerónimo Lopes Correia Mendes Godinho substituída por Cristina
Maria Figueiredo Almeida de Sousa;
Círculo eleitoral de Leiria – António Lacerda Sales substituído por Sara Maria Belo Velez;
Círculo eleitoral de Lisboa – António Luís Santos da Costa substituído por Rita Mafalda Nobre Borges
Madeira, em virtude do impedimento temporário de Miguel Filipe Pardal Cabrita; Mariana Guimarães Vieira da
Silva substituída por Diogo Feijó Leão Campos Rodrigues; Mário José Gomes de Freitas Centeno substituído
por João Miguel Maçarico Nicolau; Graça Maria da Fonseca Caetano Gonçalves substituída por Alexandra
Nunes Esteves Tavares de Moura; João Titternigton Gomes Cravinho substituído por Fernando José dos Santos
Anastácio; Susana de Fátima Carvalho Amador substituída por Fernando Paulo Ferreira; Maria de Fátima de
Jesus Fonseca substituída por Vera Lúcia Raimundo Braz dos Santos; Ana Sofia Pedroso Lopes Antunes
substituída por Paulo Jorge Duarte Marques;
Círculo eleitoral de Porto – João Pedro Soeiro Matos Fernandes substituído por Carlos Alberto Silva Brás;
João Veloso da Silva Torres substituído por Nuno Miguel Ribeiro Coelho;
Círculo eleitoral de Santarém – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão substituída por Manuel António
dos Santos Afonso; Maria do Céu de Oliveira Antunes Albuquerque substituída por Maria Lúcia Lagriminha
Coelho;
Círculo eleitoral de Setúbal – Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita substituído por Ana Sofia Ferreira
Araújo; João Saldanha de Azevedo Galamba substituído por Fernando Miguel Catarino José; Ricardo Emanuel
Martins Mourinho Félix substituído por Clarisse Maria Gaudino Veredas Campos;
Círculo eleitoral de Viana do Castelo — Tiago Brandão Rodrigues substituído por José Manuel Vaz
Carpinteira;
Círculo eleitoral de Viseu – João Paulo de Loureiro Rebelo substituído por Maria da Graça Mouta Silva Reis.
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b)Artigo 6.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos Deputados, com efeitos desde 26 de outubro corrente, inclusive.
Partido Socialista:
Círculo eleitoral de Coimbra – João Albino Rainho Ataíde das Neves assume o mandato, cessando Raquel
de Fátima Cardoso Ferreira;
Círculo eleitoral de Évora – Luís Manuel Capoulas dos Santos assume o mandato, cessando Cátia Alexandra
Sousa Silva;
Círculo eleitoral de Porto – Ana Paula Mendes Vitorino assume o mandato, cessando Nuno Miguel Ribeiro
Coelho; José Luís Pereira Carneiro assume o mandato, cessando José Carlos Ribeiro Barbosa; Maria Isabel
Solnado Porto Oneto assume o mandato, cessando Isabel Sofia Alves Andrade.
c) Artigo 7.º do Estatuto dos Deputados, com início a 30 de outubro corrente, inclusive:
Partido Comunista Português (PCP) — Francisco José de Almeida Lopes (Círculo eleitoral de Setúbal)
substituído por Bruno Ramos Dias.
A Comissão deliberou, por unanimidade, admitir todas as substituições de acordo com os documentos
apresentados.
Examinados os elementos de que dispõe, a Comissão foi de parecer que devem igualmente ser julgados
como verificados os poderes dos mencionados Deputados substitutos e, assim, legitimadas as substituições em
apreço.»
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha.
Pode prosseguir com a leitura das atas relativas às eleições realizadas no dia da primeira sessão plenária.
Faça favor, Sr.ª Secretária.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a ata relativa à eleição
dos Vice-Presidentes, Secretários e Vice-Secretários da Mesa da Assembleia da República é do seguinte teor:
«Aos vinte e cinco dias do mês de outubro de dois mil e dezanove, procedeu-se à eleição dos Vice-
Presidentes, Secretários e Vice-Secretários da Mesa da Assembleia da República para a XIV Legislatura, tendo
sido apurados os seguintes resultados:
Votantes — 229
Vice-Presidentes
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela
Votos «sim» — 177
Votos brancos — 48
Votos nulos — 4
Fernando Mimoso Negrão
Votos «sim» — 165
Votos brancos — 60
Votos nulos — 4
José Manuel Marques da Silva Pureza
Votos «sim» — 172
Votos brancos — 53
Votos nulos — 4
António Filipe Gaião Rodrigues
Votos «sim» — 170
Votos brancos — 55
Votos nulos — 4
Secretários
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha
Votos «sim» — 181
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Votos brancos — 45
Votos nulos — 3
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Votos «sim» — 181
Votos brancos — 45
Votos nulos — 3
Nelson Ricardo Esteves Peralta
Votos «sim» — 157
Votos brancos — 69
Votos nulos — 3
Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita
Votos «sim» — 160
Votos brancos — 66
Votos nulos — 3
Vice-Secretários
Diogo Feijóo Leão Campos Rodrigues
Votos «sim» — 186
Votos brancos — 40
Votos nulos — 3
Ana Sofia Ferreira Araújo
Votos «sim» — 176
Votos brancos — 50
Votos nulos — 3
Helga Alexandra Freire Correia
Votos «sim» — 165
Votos brancos — 61
Votos nulos — 3
Lina Maria Cardoso Lopes
Votos «sim» — 151
Votos brancos — 75
Votos nulos — 3
Nos termos regimentais, foram eleitos: para Vice-Presidentes, os Srs. Deputados Edite Estrela, Fernando
Negrão, José Manuel Pureza e António Filipe; para Secretários, os Srs. Deputados Maria da Luz Rosinha, Duarte
Pacheco, Nelson Peralta e Ana Mesquita; e, para Vice-Secretários, os Srs. Deputados Diogo Leão, Sofia Araújo,
Helga Correia e Lina Lopes.
Para constar, se lavrou a presente ata, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores: Duarte Pacheco — Sofia Araújo.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou agora proceder à leitura da ata respeitante à eleição dos membros para
o Conselho de Administração da Assembleia da República para a XIV Legislatura:
«Aos vinte e cinco dias do mês de outubro de dois mil e dezanove, procedeu-se à eleição dos membros para
o Conselho de Administração da Assembleia da República, tendo sido apurados os seguintes resultados:
Votantes — 226
Candidatos propostos — Lista A
Efetivos:
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Eurídice Maria de Sousa Pereira (PS)
José Maria Lopes Silvano (PSD)
Isabel Cristina Rua Pires (BE)
Duarte Le Falher de Campos Alves (PCP)
João Rodrigo Pinho de Almeida (CDS-PP)
André Lourenço e Silva (PAN)
Mariana da Conceição Pereira da Silva (PEV)
Suplentes:
Pedro Nuno Raposo Prazeres do Carmo (PS)
Hugo Miguel de Sousa Carneiro (PSD)
Nelson Ricardo Esteves Peralta (BE)
João Manuel Ildefonso Dias (PCP)
Ana Rita Barreira Duarte Bessa (CDS-PP)
Maria Cristina Pacheco Rodrigues (PAN)
José Luís Teixeira Ferreira (PEV)
Votos «sim» — 209
Votos brancos — 14
Votos nulos — 6
Nos termos legais aplicáveis, e face ao resultado obtido, declaram-se eleitos para o Conselho de
Administração da Assembleia da República os candidatos propostos.
Para constar, se lavrou a presente ata, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores: Duarte Pacheco — Sofia Araújo.»
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha.
Aproveito este momento para felicitar os candidatos que foram eleitos, sendo que alguns se encontram aqui
na Mesa, e também todas as Sr.as e Srs. Deputados que foram eleitos para os diversos cargos agora anunciados
pela Secretária Maria da Luz Rosinha.
Quero também saudar todos aqueles que estão hoje aqui pela primeira vez, Deputadas e Deputados, em
substituição de outros que saem, e desejar-lhes os melhores votos de sucesso e de bom trabalho.
Agora, sim, vamos entrar no primeiro ponto da nossa ordem do dia, que consta da apresentação, pelo Sr.
Primeiro-Ministro, do Programa do XXII Governo Constitucional.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.
O Sr. Primeiro-Ministro (António Costa): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs.
Deputados: Na primeira ocasião em que me dirijo à Assembleia da República neste novo mandato, quero
começar por cumprimentar todas e todos os Deputados ora eleitos, desejando as maiores felicidades no
exercício do mandato que agora se inicia.
Faço-o não apenas por cortesia institucional mas porque em vós saúdo os cidadãos que representam e
porque estou bem ciente que no nosso sistema constitucional é perante o Parlamento — e só perante o
Parlamento — que o Governo é politicamente responsável.
Aqui renovo as minhas felicitações ao reeleito Presidente da Assembleia da República, com votos de
continuado sucesso no desempenho destas funções, expressando aqui o compromisso de total respeito, de
absoluta lealdade e de plena disponibilidade para o escrutínio livre, plural e sistemático da atividade governativa
por parte da Assembleia da República.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este é, obviamente, um Governo de continuidade da mudança que
iniciámos em 2015. Por isso, ninguém espere, ou receie, retrocessos no progresso que já alcançámos; por isso,
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ninguém tenha a expectativa, ou tema, que vamos agora ficar a marcar passo; por isso, ninguém imagine, ou
desconfie, que vamos mudar o rumo do nosso caminho.
Este Governo está mesmo aqui para garantir que continuaremos a avançar. Queremos continuar com
confiança o percurso que iniciámos em 2015, abrindo caminho quando ele se estreita, vencendo obstáculos
quando eles surgem, mas mantendo sempre o rumo que traçámos, com passo firme e seguro, para ir mais longe
no trilho que iniciámos e sem nunca dar um passo maior do que a perna.
Aplausos do PS.
Este Governo continuará a garantir o equilíbrio responsável entre a melhoria dos rendimentos e a confiança
que promove o investimento; a recuperação dos serviços públicos e a diminuição da nossa dívida pública; a
redução das desigualdades e as contas certas; a coesão interna e a competitividade externa; e a defesa do
interesse nacional e o aprofundamento do projeto europeu.
Sabemos bem que, quanto mais avançamos, mais exigente se torna a caminhada. O nível de ambição é
agora, naturalmente, superior e, por isso, o desafio será também ainda maior.
Sabemos que não nos basta mais do mesmo e que, como nos comprometemos com os portugueses, temos
agora de fazer ainda mais e melhor — ainda mais crescimento, ainda melhor emprego, ainda maior igualdade,
e sempre com contas certas.
Mas também sabemos, como, aliás já há quatro anos sabíamos, que estamos em condições de cumprir com
o que nos comprometemos perante os portugueses.
É por isso que aqui nos apresentamos com total confiança, podendo asseverar que cumprimos nos últimos
quatro anos e voltaremos a cumprir nos próximos quatro.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Programa do XXII Governo Constitucional corresponde, no
essencial, ao programa com que o Partido Socialista se apresentou às eleições. É o que resulta, naturalmente,
do respeito pela vontade popular, sem prejuízo das alterações que introduzimos como sinal da atitude de
compromisso que adotaremos ao longo da presente Legislatura.
Também deste ponto de vista, o Governo apresenta uma linha de continuidade face à solução política dos
últimos quatro anos e posso atestar que o empenho deste Governo neste processo político continua exatamente
o mesmo. Assim será, sem qualquer discriminação, com todos os partidos à esquerda, e também com o PAN,
que queiram colaborar connosco para garantir estabilidade e continuar a melhorar a vida dos portugueses.
Aplausos do PS.
Como é sabido, o Programa do Governo estrutura-se em torno de quatro grandes desafios estratégicos: as
alterações climáticas, a sustentabilidade demográfica, a transição digital e o combate às desigualdades. Durante
este debate, na parte da tarde, o Ministro do Ambiente e da Ação Climática, a Ministra de Estado e da
Presidência e o Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital desenvolverão o nosso programa em
torno desses objetivos estratégicos.
Mas, para vencer estes desafios, são necessárias medidas concretas de efetiva melhoria da vida dos
cidadãos e de real impacto no quotidiano das famílias: morar numa casa condigna e a custos acessíveis; ter um
emprego estável e bem remunerado; encontrar uma creche ou uma escola de qualidade para os filhos e ter
condições para que possam prosseguir os estudos no ensino superior, se assim o desejarem; usar os
transportes públicos com comodidade e a preços razoáveis; e ter acesso a bons cuidados de saúde.
A habitação é, obviamente, a base da construção da vida familiar. Foi fundamental termos relançado, na
Legislatura anterior, uma nova geração de políticas públicas de habitação, que culminou na aprovação, nesta
Assembleia da República, da primeira Lei de Bases da Habitação.
Agora, importa desenvolver essa lei e concretizar as medidas de política que definimos. Sabemos que os
objetivos são ambiciosos.
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Temos o firme propósito de celebrar os 50 anos do 25 de Abril em 2024, tendo erradicado a carência de
habitação condigna que ainda afeta 26 000 famílias em Portugal.
Aplausos do PS.
Mas também a classe média e muito em especial as novas gerações se deparam com graves dificuldades,
vendo-se obrigadas a despender uma parte considerável do seu orçamento familiar em encargos relacionados
com a habitação. Por isso, lançámos o Programa de Arrendamento Acessível, para que seja possível arrendar
uma casa adequada, com uma taxa de esforço compatível com o rendimento das famílias.
Aplausos do PS.
Para promover um mercado de arrendamento equilibrado, acessível e seguro para todos, é necessário
aumentar também a oferta pública de habitação, por iniciativa municipal ou do Estado, em especial a partir da
valorização do seu próprio património subaproveitado.
Assim, pretendemos, até ao final da Legislatura, disponibilizar uma oferta pública para arrendamento
acessível, por parte do Estado, de mais 10 000 habitações.
Os últimos quatro anos ficaram marcados por uma redução histórica do desemprego, tendo-se registado,
ainda, importantes progressos, designadamente no setor público, na redução da precariedade. Mas é
indispensável uma ação determinada, em sede de fiscalização, para pôr termo a expedientes e abusos que
põem em causa a dignidade do trabalho.
Temos, sobretudo, dois desafios fundamentais a que temos de responder: garantir a melhoria geral dos
salários e uma melhor conciliação da vida pessoal, familiar e profissional. Por isso, temos a expectativa da rápida
conclusão do que já foi pré-acordado em concertação social em matéria de conciliação e de uma resposta
positiva, por parte dos parceiros, ao convite que dirigimos para celebrar um acordo geral sobre política de
rendimentos que preveja uma subida da generalidade dos salários, no âmbito do pacto para o crescimento.
Aplausos do PS.
Não basta olhar para o salário mínimo nacional, é necessário prosseguir uma evolução justa de todos os
salários. E quero insistir, muito em particular, na importância de a concertação social acordar um valor de
referência para a contratação coletiva, para alcançarmos uma remuneração dos jovens qualificados
correspondente ao seu nível de formação.
Aplausos do PS.
É urgente assumirmos coletivamente que temos de assegurar aos jovens portugueses a confiança de que
devem continuar a investir na sua qualificação e que é aqui, em Portugal, que podem realizar-se plenamente,
do ponto de vista pessoal e do ponto de vista profissional. Sem esta garantia, Portugal correrá o risco de perder
o esforço enorme que as famílias e as instituições de educação têm feito para termos a geração mais qualificada
de que alguma vez Portugal pôde dispor.
Aplausos do PS.
O Programa do Governo contempla duas medidas de grande alcance que visam apoiar as famílias para que
estas possam ter, efetivamente, a liberdade de ter os filhos que realmente desejam. Por um lado, vamos
aumentar progressivamente as deduções fiscais no IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares)
em função do número de filhos. Por outro lado, vamos criar o complemento-creche para apoiar as famílias a
partir do segundo filho.
Um dos indicadores mais importantes do progresso da última Legislatura — e terá reflexos por gerações e
gerações — é a redução do abandono escolar precoce de 13,7%, em 2015, para 10,8%, no primeiro semestre
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deste ano, aproximando-nos, assim, da média da União Europeia. Aliás, creio que estamos em condições de a
alcançar neste ano letivo.
Temos de prosseguir esse esforço. Por isso, iremos lançar, no pré-escolar, um sistema de deteção precoce
de problemas de literacia e de numeracia e iremos reforçar o Programa Nacional de Promoção do Sucesso
Escolar, definindo uma ação integrada sobre a aprendizagem da matemática, que, como sabemos, é uma das
maiores causas de insucesso e de abandono escolar precoce.
No ensino superior, nos últimos quatro anos, registámos um assinalável aumento de 21% no número de
alunos inscritos. Subimos de 40% para 50% a taxa de jovens com 20 anos que estão a frequentar o ensino
superior, o que constitui um forte impulso para podermos alcançar antecipadamente a meta dos 60% que a
União Europeia fixou só para 2030.
Aplausos do PS.
Posso hoje anunciar que, já na próxima semana, voltaremos a assinar, com todas as universidades e
politécnicos, um novo contrato de confiança, já acordado, de forma a garantir a estas instituições um horizonte
estável de financiamento para toda a Legislatura.
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!
O Sr. Primeiro-Ministro: — E quero aqui recordar novamente o compromisso já assumido de, também nesta
Legislatura, acrescentar 12 000 novas camas, em residências estudantis, às 15 000 já existentes, o que é
essencial para que ninguém deixe de estudar no ensino superior por carências económicas.
Aplausos do PS.
A redução tarifária proporcionada pelos novos passes sociais demonstra bem a importância e as vantagens
da descentralização e teve uma expressão significativa no aumento do rendimento disponível das famílias, para
além de facilitar a sua mobilidade, e, muito importante, de contribuir para a redução das emissões de CO2.
Percebe-se agora melhor a prioridade que definimos desde o primeiro dia da anterior Legislatura para o
investimento em transportes públicos.
Percebe-se agora melhor a importância dos concursos de aquisição lançados na Legislatura anterior e que
permitirão reforçar, nesta Legislatura, significativamente, a oferta de transportes públicos — 10 novos navios
para a Transtejo, 700 novos autocarros, 14 novas composições para o metro de Lisboa, 18 novas composições
para o metro do Porto, 22 novos comboios para a CP (Comboios de Portugal) e ainda 20 comboios…
Aplausos do PS.
Protestos do PSD, do CDS-PP e do CH.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Agora é que vão chover comboios em Portugal!
O Sr. André Ventura (CH): — Tem de pagar, Sr. Primeiro-Ministro!
O Sr. Adão Silva (PSD): — Têm motor esses comboios?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Finalmente, vejo que percebem que para colher é preciso primeiro semear.
Aplausos do PS.
Vozes do PSD, do CDS-PP e do CH: — Ah!
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe que continue, por favor.
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O Sr. Primeiro-Ministro: — Para satisfação de todos os portugueses — e também, pelos vistos, de todas as
Sr.as e Srs. Deputados —, a estes 20 novos comboios para a CP, podemos acrescentar 20 comboios que estão
parados há muitos anos e que, graças ao plano de recuperação do material circulante, vão voltar a entrar em
funcionamento e a circular nos carris. Temos, de novo, o País nos carris!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD, do CDS-PP e do CH.
Agradeço, aliás, que sublinhem mais a importância do que estou a dizer.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, faça favor de continuar.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Quanto mais reagirem, mais os cidadãos percebem a importância da mudança
que estamos a conseguir fazer.
Aplausos do PS.
A Legislatura que agora começa será inevitavelmente marcada pelo desenvolvimento das potencialidades
abertas pela nova Lei de Bases da Saúde, mas é muito importante que este trabalho legislativo não nos distraia
nem desfoque do essencial, que é a melhoria dos cuidados de saúde prestados aos cidadãos.
A Sr.ª SandraPereira (PSD): — Ah!
O Sr. Primeiro-Ministro: — A prioridade continua a ser o desenvolvimento dos cuidados de saúde primários.
Para além das 103 novas unidades de saúde familiar criadas na anterior Legislatura, estarão também em
funcionamento, até 31 de dezembro deste ano, mais 20 unidades de saúde familiar, concretizando já o objetivo
a que nos propusemos de generalizar este modelo ao longo da presente Legislatura.
Protestos do PSD.
No desenvolvimento da rede do Serviço Nacional de Saúde, terão também um papel essencial os novos
hospitais: o Hospital de Lisboa Oriental, o Hospital Central do Alentejo, os hospitais de Sintra e do Seixal, cuja
conclusão se estima para o final de 2023,…
Aplausos do PS.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Agora é só em 2023!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … e aos quais espero que possa juntar-se o novo hospital do Funchal.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. André Ventura (CH): — É preciso pagar, Sr. Primeiro-Ministro!
O Sr. Marcos Perestrello (PS): — Ainda agora começou o debate e já estão com comichão!
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O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, por favor, continue.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, continuarei.
Do mesmo modo, vamos eliminar faseadamente as taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários e
em todos os cuidados de saúde prescritos em unidades do Serviço Nacional de Saúde ou na Linha Saúde 24.
E vamos, ainda, apostar no reforço da saúde oral, alargando o cheque-dentista a todas as crianças logo a partir
dos 2 anos; da saúde visual, mediante um vale de óculos para as crianças e jovens até aos 18 anos e para
maiores de 65 anos beneficiários do rendimento social de inserção; e da saúde mental, através de equipas de
saúde mental comunitárias.
Nestes diversos domínios que marcam a diferença no dia a dia dos cidadãos, é possível e é necessário fazer
ainda mais e melhor. Para o efeito, necessitamos de instituições fortes, ágeis e eficazes. Por isso, inscrevemos
no nosso Programa do Governo um conjunto de objetivos de boa governação que passam, para além de contas
certas, pelo investimento nos serviços públicos, pela valorização das funções de soberania e pela melhoria da
qualidade da nossa democracia.
Vamos continuar a modernizar o Estado e a qualificar a nossa Administração Pública, colocando sempre o
foco no serviço ao cidadão. Esta constitui uma prioridade do atual Governo, aliás, com expressão clara na sua
orgânica.
Queremos valorizar, capacitar e rejuvenescer a função pública, com a entrada, em breve, de 1000 novos
técnicos superiores e uma política salarial atrativa mas responsável.
Prosseguiremos com a agenda de simplificação administrativa. Assim, e a título de exemplo, iremos
harmonizar os dados biométricos recolhidos para a emissão do cartão de cidadão e do passaporte, dispensando
os cidadãos de uma dupla recolha e aliviando os serviços de um trabalho duplicado.
Aplausos do PS.
Não é de ruturas ou de míticas «reformas estruturais» do Estado que o País necessita, mas de um esforço
contínuo de melhoria da qualidade dos serviços prestados aos cidadãos e em qualquer parte do seu território.
Há, pois, que fazer um forte investimento na coesão territorial. Também aqui o desafio é grande. Ao longo
de décadas, foi-se acentuando a clivagem entre o litoral e o interior, o contraste entre as cidades e as áreas de
baixa densidade ou mesmo a divergência entre os centros urbanos e as suas periferias. Este será um desígnio
claro deste Governo, o que também é evidente na sua orgânica.
De igual modo, trabalharemos para aumentar a confiança dos cidadãos nas suas instituições. Na anterior
Legislatura, aprovámos já um vasto conjunto de medidas de prevenção e combate à corrupção, desde o novo
Código dos Contratos Públicos até ao reforço da Polícia Judiciária sob o ponto de vista orgânico, técnico e
humano.
O Programa do Governo leva este combate ainda mais longe, propondo, designadamente, penas acessórias
que dupliquem o período de inibição para o exercício de cargos públicos e que permitam decretar a falta de
idoneidade de gerentes e administradores de sociedades que tenham sido condenados pela prática de crimes
de corrupção.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a última Legislatura provou que é possível um círculo virtuoso entre
o crescimento da economia e a melhoria das condições de vida dos cidadãos. O Programa que aqui vos
apresentamos exige mesmo uma ambição reforçada para o crescimento económico.
Tenho insistido, e quero aqui repetir, que não basta estarmos a crescer acima da média europeia, precisamos
de crescer mais e ter, pelo menos, uma década de convergência continuada com a União Europeia. Daí o convite
para que, em sede de Conselho Económico e Social, avancemos para um verdadeiro pacto para o crescimento,
com mais investimento, melhor conhecimento e maior rendimento.
O novo modelo de desenvolvimento que nos tem permitido crescer, aumentar as exportações e ganhar
quotas de mercado, criando mais e melhor emprego, é um modelo que assenta no conhecimento, que gera
maior valor acrescentado e não na exploração dos baixos salários; é um modelo que estimula a iniciativa, apoia
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o empreendedorismo e incentiva o investimento; é um modelo que não assenta no leilão da redução
indiferenciada dos impostos, mas concentra a nossa capacidade de despesa fiscal no apoio à inovação, à
criação de emprego qualificado e ao reforço da coesão territorial; é um modelo em que o Estado promove
políticas públicas e apoia projetos mobilizadores, investe na abertura de mercados e na criação de
infraestruturas que apoiem a internacionalização da nossa economia.
Este ciclo virtuoso assentou na restauração da confiança interna e assentou também na restauração da
credibilidade externa, por via da reposição da normalidade constitucional, da estabilidade política, da
recuperação dos rendimentos e do saneamento sustentado das nossas finanças públicas, com o défice mais
baixo da democracia e a confiança reforçada na nossa capacidade de pagamento da dívida pública.
Não podemos quebrar agora este equilíbrio. E convém recordar: finanças públicas sãs e crescimento
económico sustentável não são meros resultados estatísticos, é o que nos permite, efetivamente, poupar 2000
milhões de euros por ano com o custo da dívida para podermos aumentar em 2000 milhões de euros por ano o
investimento no Serviço Nacional de Saúde.
Aplausos do PS.
É o que nos permite, pela primeira vez na nossa história, irmos, no próximo ano, para o terceiro ano
consecutivo de atualização anual das pensões de reforma, devido a um crescimento económico acima dos 2%.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, se na Legislatura anterior fomos capazes de virar a página da
austeridade, nesta Legislatura temos de, juntos, escrever uma nova página de prosperidade.
Sabemos que é possível e que temos um Programa do Governo com um roteiro para a alcançar: um roteiro
para acabar com a precariedade e aumentar o rendimento disponível das famílias; um roteiro para modernizar
o Estado e prestar melhores serviços públicos; um roteiro para combater a corrupção e aumentar a confiança
nas instituições; um roteiro para travar as alterações climáticas e construir um futuro mais sustentável; um roteiro
para apoiar o interior e promover uma maior coesão territorial; um roteiro para proteger a floresta e estimular o
desenvolvimento rural; um roteiro para aumentar a natalidade e atrair mais pessoas para o nosso País; um
roteiro para diminuir ainda mais o abandono escolar precoce e aproveitar as oportunidades da sociedade digital;
um roteiro para combater as desigualdades e erradicar a pobreza; um roteiro para diminuir o peso da dívida
pública no produto interno bruto e continuar a convergir com a União Europeia. Em suma, é um roteiro para dar
continuidade à mudança que iniciámos em 2015.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, governaremos com humildade mas com ambição, sabendo que os
desafios são muitos mas também com a confiança de os superar — confiança assente na experiência dos
últimos quatro anos de governação; confiança assente na consistência de uma estratégia que definimos numa
Agenda para a Década, na coerência com que a vimos prosseguindo e na determinação e rigor com que
planeamos e executamos cada etapa; e confiança, sobretudo, nos recursos de Portugal, na capacidade dos
portugueses e na nossa vontade coletiva de nos unirmos no nosso compromisso comum, que é o futuro de
Portugal e dos portugueses.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, agradeço as palavras que endereçou ao Presidente e à Mesa da
Assembleia da República.
Sr.as e Srs. Deputados, há pouco, esqueci-me de submeter à votação o parecer da Comissão Eventual de
Verificação de Poderes dos Deputados Eleitos.
Vamos, pois, votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Segue-se, agora, a fase de pedidos de esclarecimento.
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Tem a palavra, para esse efeito, o Sr. Deputado Rui Rio, do Grupo Parlamentar do PSD, a quem aproveito
para cumprimentar depois de tantos anos de ausência nesta Casa.
O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr. Presidente, cumprimento-o também ao fim de 18 anos de ausência desta Casa.
Sr. Primeiro-Ministro, que também cumprimento, a minha primeira questão é sobre a composição do seu
Governo.
O Sr. Primeiro-Ministro tem o maior Governo da História de Portugal. Depois daquela polémica sobre a
eventualidade de precisarmos de um carpinteiro para solucionar o problema do Sr. Deputado André Ventura,
quase precisávamos de um carpinteiro para ajustar a bancada do Governo, tantas são as pessoas que aí estão.
Aplausos do PSD.
O seu Governo custa mais dinheiro e é pior. Estimo que este alargamento do Governo custe qualquer coisa
como mais de 50 milhões de euros aos contribuintes e vai ter, seguramente, problemas de articulação.
O Sr. Primeiro-Ministro anunciou muitos roteiros, mas, se calhar, quase precisava de um roteiro para a gestão
do Governo, tantas são as pessoas que vai ter de gerir.
Aplausos do PSD.
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.
Haverá mais gente no Partido Socialista sossegada porque houve mais lugares para distribuir, mas tem o
Governo maior e mais caro de toda a História de Portugal.
Só para a coesão territorial, tem uma Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional, uma Secretaria de
Estado da Valorização do Interior, uma Secretaria de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e uma
Secretaria de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território. Se não
tiverem um roteiro, todos estes Secretários de Estado vão ter muita dificuldade para saberem exatamente em
que áreas devem agir, independentemente da ação dos outros.
Aplausos do PSD.
Já vimos um Governo com um Secretário de Estado da Cultura, já vimos um Governo com um Ministro da
Cultura, já vimos um Governo com um Ministro da Cultura e um Secretário de Estado da Cultura e agora temos
um Governo com uma Ministra da Cultura e dois Secretários de Estado. Portanto, multiplicam-se os ministros e,
no âmbito dos ministros, multiplicam-se os secretários de Estado.
É preciso ir ao tempo de Vasco Gonçalves, IV Governo Provisório, para encontrarmos um Governo com 62
elementos. E V. Ex.ª tem um Governo com 70 elementos!
O Sr. Primeiro-Ministro pode fazer o Governo que quiser — com 40, com 50, com 70 ou com 80 elementos
—, mas fica com um recorde nacional que eu nunca gostaria de ter tido, que é o recorde nacional de ter o maior
e mais caro Governo de toda a História de Portugal.
Aplausos do PSD.
O Sr. João Oliveira (PCP): — O melhor Governo de Portugal teve 62 membros!
O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr. Primeiro-Ministro, a outra questão que quero colocar também tem a ver com a
composição do Governo e com uma promoção e uma despromoção que fez.
A despromoção que fez foi a do Sr. Ministro das Finanças, Mário Centeno, a quem chegaram a chamar, não
só na campanha eleitoral como nos últimos meses, de «Ronaldo das Finanças». Portanto, o «Ronaldo» foi
despromovido na hierarquia do Governo e, mais, nem sequer está agendada a sua intervenção neste debate,
ou seja, não vai falar aquele que era o emblema máximo daquilo que V. Ex.ª tinha para apresentar.
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Protestos do PS.
Perante esta despromoção, V. Ex.ª pode dizer a esta Câmara e aos portugueses que o Sr. Ministro Mário
Centeno não vai sair do Governo durante o próximo ano, designadamente quando terminar o mandato da
presidência do Eurogrupo e quando terminar, mais ou menos ao mesmo tempo, o mandato do Governador do
Banco de Portugal? Pode afirmar aqui que o Sr. Ministro Mário Centeno está de pedra e cal e que não é um
Ministro a prazo?
Protestos do PS.
O Sr. João Oliveira (PCP): — O PSD a exigir Mário Centeno! Novidades atrás de novidades!
O Sr. Rui Rio (PSD): — A outra questão tem a ver com a promoção do Secretário de Estado da Energia, que
deixou de ser Secretário de Estado da Energia para ser Secretário de Estado Adjunto e da Energia, portanto o
segundo na hierarquia do Ministério.
Todos nós vimos as notícias sobre a exploração de lítio no norte de Portugal, em que o Sr. Secretário de
Estado deu a concessão da exploração de lítio a uma empresa que tinha três dias de existência, que tinha sede
numa junta de freguesia do Partido Socialista e que tinha sido constituída com o mínimo de capital possível para
constituir uma sociedade anónima, 50 000 €, para um negócio na ordem dos 350 milhões de euros. Além disso,
foi concessionada sem um estudo de impacte ambiental, quando, ainda pouco tempo antes, na Covilhã, não
atribuiu uma concessão precisamente porque não havia estudo de impacte ambiental.
Por isso, a minha questão relativamente a esta promoção é a seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro, ao promover
o Sr. Secretário de Estado João Galamba, está em condições de dizer a esta Câmara e ao País que, nos planos
legal, político e ético, o Sr. Secretário de Estado agiu bem e sem qualquer maca? Está em condições de dizer
isso ao País?
Aplausos do PSD.
O Grupo Parlamentar do PSD, uma vez instalado o Parlamento e as suas comissões, não vai, seguramente,
deixar cair esta matéria, porque é nossa obrigação que fique claro aquilo que aconteceu, até porque,
estranhamente, a Radiotelevisão Portuguesa não deixou que o programa que evidenciou estas matérias fosse
para o ar antes das eleições, tendo apenas ido para o ar poucos dias depois das eleições. Portanto, mais uma
razão para colocarmos a questão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Rui Rio, está previsto que a primeira ronda de pedidos de esclarecimento,
e só essa, tenha a duração de 5 minutos.
O Sr. Rui Rio (PSD): — A indicação que eu tinha era a de que poderia chegar aos 10 minutos.
O Sr. Presidente: — De qualquer forma, como está a utilizar o seu próprio tempo, faça favor de continuar.
O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr. Primeiro-Ministro, tenho mais duas questões para lhe colocar, sendo que uma
delas tem a ver com a saúde.
Ainda agora ouvimos o seu discurso, em que disse que tudo o que está mal vai ficar bem — acredita,
naturalmente, quem quer.
Mas pergunto: por que razão escreveu no seu Programa que jamais fará uma parceria público-privada (PPP)
durante esta Legislatura? Isto agrada, seguramente, à esquerda e desagradará ao Sr. Presidente da República,
que queria uma lei de bases feita mas não contra o PSD. Deixou ali uma coisa híbrida, mas agora foi claro: é
contra as PPP e desagrada aos setores mais moderados da sociedade portuguesa.
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Se aparecer um privado que diga que faz a gestão de um hospital de forma mais eficaz e por menos dinheiro,
o Governo diz: «não quero».
Se aparecer um privado que diga que faz melhor e mais económico, uma vez que o Serviço Nacional de
Saúde está, em muitas situações, num caos, o Governo diz: «não quero».
Se aparecer um privado que diga que avança com os investimentos e a manutenção que é necessária fazer,
o Governo diz: «não quero».
Se aparecer um privado que diga que faz a gestão do hospital, reduz as listas de espera e não leva mais
dinheiro por isso, uma vez que há pessoas que estão há meses à espera por uma consulta ou por uma cirurgia,
o Governo diz: «não quero».
Sinceramente, não entendo por que razão, a não ser que seja por tabu ideológico, podendo o Governo fazer
um contrato e uma fiscalização bem feita, se isso for possível, tem uma posição de princípio de dizer, pura e
simplesmente, que não.
Essa não é uma posição racional e sobre isso queria ouvir a sua explicação para esta matéria.
Aplausos do PSD.
A última questão que quero colocar — para não exagerar no tempo de que disponho, Sr. Presidente — é
sobre algo profundamente lamentável que o Sr. Primeiro-Ministro fez durante a campanha eleitoral.
Depois de sucessivos adiamentos da construção da ala pediátrica do Hospital de São João, o candidato, se
assim se pode dizer, do Partido Socialista a Primeiro-Ministro foi lançar a primeira pedra para a construção
dessa ala pediátrica a escassos dias das eleições. Ficámos todos a pensar que fez a gestão de tal maneira que
a obra começou pouco tempo antes das eleições, mas, não, ainda foi pior do que isso. A obra não começou, já
passou quase um mês e nada aconteceu.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Bem lembrado!
O Sr. Rui Rio (PSD): — Ou seja, fez uma coisa de lamentar, que foi utilizar uma matéria séria — trata-se de
crianças com doença oncológica a serem tratadas em contentores — para iludir. Foi lá dar a ilusão de que a
obra iria começar, tendo em vista 6 de outubro, e a obra não começou.
Por isso, pergunto-lhe: quando é que vai lá, efetivamente, lançar a segunda pedra? Ou seja, quando é que
as obras vão começar?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, que, aliás, já informou a Mesa
que responderá aos pedidos de esclarecimento individualmente.
Tem a palavra, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, queria saudar V. Ex.ª pelo seu regresso à
Assembleia da República e na qualidade de líder da oposição. Percebo melhor agora porque é que disse que
esse é um lugar que não lhe agrada.
Aplausos do PS.
É que ficou muito manifesto, pela ordem de prioridade das suas preocupações, que está aqui simplesmente
a fazer um estágio para vir a ser comentador televisivo.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Começa mal!
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O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Deputado Rui Rio, se o PSD assim o permitir, tenho a certeza de que, um
dia, não sabemos quando, teremos oportunidade de ver o governo que formaria, se tiver a possibilidade de
formar um. Até lá, acho que cada um deve preocupar-se com o que lhe compete. Se não se importa, eu
preocupo-me com a organização do Governo e com as promoções e despromoções e, seguramente, V. Ex.ª
preocupar-se-á com o tamanho mais reduzido do seu grupo parlamentar e com as despromoções que,
porventura, ocorrerão muito brevemente na sua vida.
Aplausos do PS.
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Responda às perguntas!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Respondo agora às três únicas questões que colocou e que respeitam ao País.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD) — Quatro!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Como V. Ex.ª seguramente sabe, a lei determina que a exploração dos recursos
minerais seja atribuída à entidade a quem foi concedida a licença de prospeção ou a quem ela indique. Tendo
o Sr. Ministro Álvaro Santos Pereira atribuído aquela licença de prospeção a quem atribuiu, a licença de
exploração teria de ser atribuída à mesma empresa ou a quem ela viesse a indicar. É isso que está na lei.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, nesta sua passagem pela Assembleia da República, convém que não a transforme num lugar
para fazer julgamentos de tabacaria, porque a Assembleia não é uma tabacaria.
Aplausos do PS.
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Fiscalização é tabacaria?!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Quanto à outra questão, efetivamente, enquanto Primeiro-Ministro, não fui lançar
nenhuma primeira pedra na ala pediátrica do Hospital de São João porque o meu antecessor teve o privilégio
de o fazer.
Aplausos do PS.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Duas vezes! Foi lá duas vezes!
O Sr. Primeiro-Ministro: — O meu antecessor teve mesmo a gentileza de pôr duas primeiras pedras!
Aplausos do PS.
Portanto, limitei-me a ir lá, enquanto Secretário-Geral do Partido Socialista e não enquanto Primeiro-Ministro,
ouvir as garantias que o engenheiro da obra deu, que eu respeito e em que confio. E antecipo-me, desde já, a
convidá-lo para, no final do primeiro semestre de 2021, me acompanhar na inauguração dessa obra, que,
seguramente, será um bom serviço para todas as crianças da região Norte.
Aplausos do PS.
Quanto às PPP, o que consta do Programa do Governo não constitui nenhuma novidade ao que sempre
dissemos. Com esta Lei de Bases, rompemos, e bem, com o que fomentava a Lei de Bases de 1990, ou seja,
que o papel do Estado fosse o de fomentar o setor privado para que ele concorresse com o setor público. Nesta
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Lei de Bases da Saúde, contra a qual o PSD votou, ficou garantido que a função fundamental do Estado fosse
a de assegurar um Serviço Nacional de Saúde público, universal e tendencialmente gratuito. Essa clarificação
fundamental ficou feita na Lei de Bases.
Ainda relativamente às PPP, também ficou garantido na Lei de Bases que qualquer governo, se assim o
desejar, pode ensaiar esse modelo. Mas este Governo não o deseja fazer porque dissemos logo no início da
Legislatura anterior que avaliaríamos, caso a caso, as vantagens e inconvenientes e a realidade demonstrou
que, sempre que a avaliação foi positiva, a parte contrária não manteve vontade nem disponibilidade para
prosseguir com o contrato. E é por isso que têm vindo a ser resgatadas, uma a uma, todas as PPP que existiam
e que estão a acabar.
É um modelo que o Sr. Deputado tem todo o direito de defender, como nós temos todo o direito de não
prosseguir. E uma das enormes vantagens que constitui a riqueza da nossa democracia é a de podermos ter
um Governo do Partido Socialista estável e uma oposição de direita credível liderada pelo PSD.
Desejo a V. Ex.ª as maiores felicidades, como tenho a certeza que também deseja ao Governo as maiores
felicidades, para bem de Portugal e dos portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, a Sr.ª
Deputada Ana Catarina Mendes.
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do
Governo, Sr.as e Srs. Deputados, começo por saudar o Governo, agora empossado, e a apresentação que aqui
foi feita do seu Programa.
Antes de debatermos o Programa do Governo, permita-me que lhe diga, Sr. Deputado Rui Rio, que mostra
bem ao que vem, dando corpo à afirmação que proferiu de que o lugar de Deputado talvez não seja prestigiante.
É que o Sr. Deputado Rui Rio optou pela demagogia, pelo populismo e pela insinuação, ao invés de dignificar o
debate do Programa do Governo.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Sr. Deputado Rui Rio, espera-se mais de um líder da oposição como é o PSD e espera-se mais de um
Deputado que esteve nesta Casa há 18 anos e que deveria honrar também o seu mandato.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, sejamos muito claros neste início de novo ciclo político em Portugal: os
portugueses votaram na estabilidade política, votaram num Governo do Partido Socialista e votaram na
continuação do sucesso alcançado na anterior Legislatura, seja nos rendimentos, seja no crescimento da
economia, seja na melhoria de vida das pessoas. Por isso, os portugueses não perceberão que haja retrocessos
nesta Legislatura, mesmo que a direita toda junta assim o queira.
Sr.as e Srs. Deputados, o sucesso da anterior Legislatura decorre da negociação, decorre do diálogo e
decorre da união de alguns partidos que fizeram face à austeridade e ao empobrecimento e que foram a favor
dos resultados positivos alcançados.
Aplausos do PS.
Sr.as e Srs. Deputados, a primeira palavra que fica do Grupo Parlamentar do Partido Socialista é a seguinte:
continuaremos, nos próximos quatro anos, a lutar pela estabilidade governativa, pelo diálogo e pelo
compromisso, a bem da vida das pessoas, a bem da melhoria da vida das pessoas. É esse o compromisso
deste Grupo Parlamentar.
Aplausos do PS.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, se muito já foi alcançado e se muitos compromissos já foram aqui
feitos, gostaria de referir a ideia do Partido Socialista, a qual não tem só a ver com o salário mínimo, que,
felizmente, tudo aponta para que volte a aumentar nesta Legislatura. Esta bancada assume também um
compromisso para com a classe média.
Sr. Primeiro-Ministro, como está inscrito no nosso Programa do Governo e como hoje foi dito por si, é preciso
que a classe média tenha um olhar atento, depois do tratamento que recebeu no tempo da crise e depois dos
êxitos alcançados nos últimos quatro anos.
A classe média precisa e o Grupo Parlamentar empenhar-se-á para que, em sede de concertação social,
possamos ter, ao fim de 25 anos, um outro acordo sobre a valorização dos rendimentos, sobre a valorização
dos preços e sobre a valorização dos salários. Isso é absolutamente decisivo para que haja dignidade no
trabalho e uma efetiva ligação das habilitações que as pessoas têm à valorização dos seus salários.
Mas esta classe média só pode ser valorizada se houver — como disse, e bem, e por isso queremos saudá-
lo — uma política de habitação pública com rendas acessíveis, porque isso garante dignidade na habitação e
condições de vida.
Queremos também sublinhar aquele que é o compromisso maior nesta Legislatura, que é o da justiça fiscal
e da progressividade dos escalões de IRS durante os próximos quatro anos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Democracias fortes exigem classes médias fortes, porque é disso que
estamos a tratar, sem nunca esquecer os mais desfavorecidos e combatendo, assim, as desigualdades.
Aplausos do PS.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, conte com o Grupo Parlamentar do Partido Socialista para fiscalizar a ação
do Governo…
Vozes do PSD e do CDS-PP: — Oh!!
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — … e para o apoiar no caminho que está traçado. Sim, Sr.as
e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não esquece a função do Parlamento. E a função
do Parlamento é fiscalizar o Governo, é fiscalizar a ação do Governo. É isso que faremos, a bem de uma
democracia mais forte, com melhores condições de vida para as pessoas, com uma classe média mais forte.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendes, permita-me que comece
por felicitá-la pela sua eleição para Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o maior grupo
parlamentar da Assembleia da República.
Creio que a interpretação dos resultados eleitorais é bastante clara. Os portugueses disseram nas urnas que
faziam uma avaliação positiva dos últimos quatro anos, que gostaram da solução política que permitiu a
mudança em 2015 e que desejavam, agora, a prossecução da mesma solução política com um PS mais forte
— e, efetivamente, temos hoje um PS mais forte.
A Sr.ª Deputada disse — e é verdade — que a direita toda junta, desde o PSD ao Chega, só poderá derrotar
o Partido Socialista nesta Assembleia se conseguir somar aos seus votos os votos do PAN e os votos de toda
a esquerda. Sem os votos de toda a esquerda e os votos do PAN, a direita não vence o Partido Socialista nesta
Assembleia.
Aplausos do PS.
E este dado não é aritmético, é político. Significa que os portugueses disseram que querem mesmo uma
democracia viva, onde haja um Governo do PS ancorado no seu espaço político próprio, que é a esquerda, e
querem também uma alternativa clara, polarizada à direita pelo PSD.
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Compete-nos, a nós, assegurar que estas condições políticas criadas pelos portugueses assegurem
estabilidade efetiva ao longo dos próximos quatro anos. E, para isso, não tenho dúvidas de que o dever de
promover o diálogo e o compromisso cabe a quem ganha as eleições. Ora, é com essa postura que devemos
estar nesta Assembleia, com humildade democrática e com o mesmo espírito e vontade de construir soluções
que permitam dar continuidade à mudança, assim como estivemos, aliás, na Legislatura anterior. Houve
momentos mais fáceis e houve momentos mais difíceis. Mas há uma coisa de que tenho a certeza: o que garantiu
a durabilidade da anterior solução governativa, uma Legislatura de quatro anos, não foi ela ter assentado num
acordo de papel passado — aliás, esses papéis esgotaram-se ao fim de dois anos de Legislatura —, foi, sim, o
facto de, em conjunto, termos conseguido ir muito além daquilo que tínhamos assinado nas posições conjuntas.
Aplausos do PS.
Se isso foi possível durante esses quatro anos, sê-lo-á, por maioria de razão, agora, nos próximos quatro
anos.
A nossa missão é muito clara: nós temos de enfrentar, não podemos adiar, os grandes desafios estratégicos
que se apresentam aos portugueses e ao nosso País, os quatro grandes desafios estratégicos que identificámos
no nosso Programa do Governo.
Assim: temos de enfrentar as alterações climáticas, que ameaçam a própria existência da humanidade; temos
de enfrentar a dinâmica demográfica, que põe em causa o futuro coletivo do nosso País; temos de enfrentar os
desafios da transição digital, que são simultaneamente uma enorme oportunidade mas também um desafio para
promover a igualdade e garantir que avançamos no progresso, sem que ninguém fique para trás; e, por fim,
temos de enfrentar esse desafio permanente de qualquer socialista e social-democrata, que é o combate às
desigualdades em todas as suas vertentes — a desigualdade com base no género, a desigualdade com base
na origem e no credo, a desigualdade com base nos rendimentos. Enfim, todas as formas de desigualdade têm
de estar na primeira linha do nosso combate.
Aplausos do PS.
Aquilo que é muito importante compreender é que, ao mesmo tempo que enfrentamos os desafios
estratégicos, temos de responder às necessidades imediatas dos portugueses. E estas não são contraditórias
com aqueles, pelo contrário, têm de se harmonizar. É que, quando definimos como prioridade responder à crise
da habitação, respondemos a uma das condições fundamentais para enfrentar uma nova dinâmica demográfica,
devolvendo liberdade às jovens famílias para poderem ter os filhos que efetivamente desejam ter.
Quando damos prioridade ao transporte público, não estamos só a garantir maior mobilidade às pessoas,
estamos também a dar um grande contributo para enfrentar as alterações climáticas.
Quando damos prioridade ao desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde, o que estamos a dizer é que
é prioritário enfrentar o desafio do combate às desigualdades.
Quando temos a educação na primeira linha das nossas preocupações, o que estamos a dizer é que temos
de preparar as novas gerações para os desafios do futuro da sociedade digital.
Portanto, responder às necessidades de hoje não é contraditório com o olhar para amanhã. Pelo contrário,
temos de mobilizar os portugueses hoje para enfrentarmos os grandes desafios estratégicos do amanhã.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada
Catarina Martins, a quem aproveito para saudar.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Saúdo-o também pela sua eleição.
Sr. Primeiro-Ministro, a nossa responsabilidade é o nosso mandato. E nós cá estamos, durante esta
Legislatura, para procurar compromissos e negociar soluções concretas que melhorem a vida das pessoas.
É nisso que estamos empenhados e foi por isso que propusemos um acordo escrito com o Partido Socialista.
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Estamos, aliás, certos de que o Programa que agora apresenta seria muito diferente se tivéssemos feito esse
acordo de Legislatura. Mas foi sua a decisão de não o fazer e, portanto, hoje estamos a debater o Programa do
Governo do Partido Socialista.
No entanto, Sr. Primeiro-Ministro, não deixamos de registar e de valorizar a sua iniciativa de refletir no
Programa do Governo algumas preocupações do Bloco de Esquerda. Interpretamos essa iniciativa como um
sinal da vontade de negociar à esquerda as medidas que concretizam este Programa, nomeadamente no
próximo Orçamento do Estado.
É o caso, no trabalho, da garantia política quanto à trajetória do salário mínimo nacional até ao final da
Legislatura, uma base de compromisso que não espera pelas pressões patronais. E este sinal que agora avança
é bem melhor do que a antiga remissão para a concertação social, que fica na dependência dos patrões e da
sua aceitação de uma trajetória de valorização.
É também o caso, na saúde, de uma posição que não é nova, mas que é agora explicitada no Programa, do
bloqueio a novas PPP, e que é essencial para salvaguardar o SNS (Serviço Nacional de Saúde).
É ainda o caso, no ambiente e na energia, do fecho da Central Termoelétrica de Sines já em 2023, que não
só é — como o Bloco sempre disse — tecnicamente possível, como é ambientalmente imperioso.
E é, por fim, o caso da negociação dos caudais diários no rio Tejo e de uma revisão que aprofunde a
Convenção de Albufeira.
São sinais políticos do Partido Socialista, em três áreas importantes — trabalho, saúde e ambiente —, que
reconhecemos. E cá estaremos para, com lealdade e plena independência, apreciar estas e outras propostas,
a começar já pelo próximo Orçamento do Estado.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, a proposta de Programa do Governo é também marcada por alguns vazios
importantes. E tão importante como os sinais positivos que o Governo quis dar aos partidos de esquerda é o
que estes vazios sinalizam. Abordo-os pela mesma ordem: trabalho, saúde, ambiente e energia.
Em primeiro lugar, quanto ao trabalho, nada há sobre os cortes que restam da troica, nada há sobre
diminuição de horários, nada há sobre a eliminação do fator de sustentabilidade que penaliza injustamente tantas
pensões, nem há qualquer medida que concretize a intenção de combater a precariedade ou sobre a conclusão
do PREVPAP (Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública) e
a resposta às muitas centenas de trabalhadores com vidas suspensas das falhas deste processo de vinculação.
Sinalizo os vazios e também as medidas que o Programa enuncia sem concretizar: penalização das
empresas com maiores desigualdades salariais; limitação da laboração contínua; regulação do trabalho em
plataformas; melhorar o subsídio social de desemprego. Todas estas medidas são urgentes. Mas como e quando
se aplicam? O Programa do Governo nada diz, mas o Bloco de Esquerda não deixará de fazer proposta.
Em segundo lugar, a saúde. Não há no Programa do Governo nenhum compromisso de investimento e
despesa. Nada sobre medidas tão estruturantes como a exclusividade dos profissionais do Serviço Nacional de
Saúde e nem sequer a concretização da dedicação plena.
O Bloco cá estará para se bater pela concretização da nova Lei de Bases da Saúde, com a mesma convicção
e disponibilidade com que negociámos os seus princípios com o PS na anterior Legislatura.
Em terceiro lugar, o ambiente e a transição energética. Novamente, a primeira ausência é o compromisso
com metas de investimento. Aliás, as únicas metas do Programa que aparecem concretizadas são as da dívida
e as do défice. Para o Governo, 3% de saldo primário vale mais do que recuperar o investimento público. O
problema é que, se não investirmos na eficiência energética, no território, na ferrovia, na descarbonização da
economia, nunca teremos contas certas. A emergência climática é a crise. E responder implica investimento.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Primeiro-Ministro, disse-o e repito: o nosso compromisso é o nosso
mandato, o nosso programa é a exigência de justiça num País que é ainda um dos mais desiguais da Europa.
Assim, de forma construtiva, o Bloco aqui estará com proposta e iniciativa para concretizar as boas intenções
em que convergimos e que o Programa do Governo anuncia.
A pergunta, que é a pergunta da Legislatura, é a de saber se o Partido Socialista e o seu Governo estão
dispostos a essa negociação.
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Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, se essa é a pergunta da
Legislatura, até podíamos encerrar já a Legislatura,…
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Claro!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … porque a resposta é, obviamente, «sim».
E a resposta não é de agora. Gostaria de recordar à Sr.ª Deputada — que, nessa altura, talvez não tenha
acompanhado devidamente a vida do Partido Socialista — que em 2014, quando me candidatei a Secretário-
Geral do Partido Socialista, propus ao Partido Socialista uma clarificação muito clara de qual deveria ser a sua
orientação estratégica. Não foi uma operação tática, foi só uma clarificação da sua orientação estratégica. Isto
é, decretar o fim desse conceito anacrónico chamado «arco da governação» e poupar definitivamente os partidos
à esquerda da comodidade de serem meramente partidos de protesto, devendo, antes, ser confrontados com a
oportunidade de contribuírem positivamente, como contribuíram ao longo da última Legislatura, para a resolução
concreta dos problemas dos portugueses.
Foi isso que propus em 2014 e foi isso que o Partido Socialista aprovou em 2015. E quando, em 2015, na
campanha eleitoral, eu disse que, se a direita não tivesse maioria, o PS estava pronto para formar Governo com
o apoio da esquerda, eu sabia o que estava a dizer e sabia também que havia condições para o fazer.
Aplausos do PS.
Essas condições, aliás, concretizaram-se. E contra as expectativas mais negras, dos diabos que aí vinham
até à procura de ridicularizar, com a invenção da expressão «geringonça», essa solução política, felizmente o
País, graças ao sucesso da governação e da atuação da Assembleia da República, acabou até por adotar como
carinhosa essa expressão para aquela solução política. E nós fomos sempre coerentes com a nossa posição.
Portanto, aquilo que digo hoje não é diferente daquilo que eu disse em 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018 e,
seguramente, não será diferente do que direi em 2020, 2021, 2022 e 2023.
Penso isto, além do mais, porque acho que é fundamental para a democracia portuguesa manter-se viva. E,
para que haja uma democracia viva, é preciso haver alternativas. E, para haver alternativas, no nosso sistema
partidário, temos, efetivamente, salvo calamidades inimagináveis, de evitar soluções — e aí, aliás, creio que
estou de acordo com o Sr. Deputado Rui Rio — do chamado «Bloco Central» ou de grandes coligações. Em
todos os países da Europa onde as grandes coligações existem, o resultado tem sido o da hiperfragmentação,
o da ingovernabilidade e o do reforço dos extremismos.
Ora, nós temos de preservar a qualidade da democracia e, para isso, tem de haver uma democracia viva,
assente em alternativas. Nós não temos equívocos sobre qual é o nosso lugar neste Parlamento. Não é por
agora termos ganho mais lugares e encolhido o PSD que nos desviámos para a direita. O nosso lugar é aquele
onde nascemos: na esquerda democrática portuguesa. Foi aqui que nascemos, é aqui que estamos e é aqui
que estaremos.
Aplausos do PS.
Não há vazios. O trabalho tem sido uma prioridade. Está no Programa do Governo, esteve no meu discurso
de posse e esteve no meu discurso de hoje. Temos três grandes prioridades. Uma delas é dar combate efetivo
à precariedade. Não basta a alteração que foi feita na lei, é necessário que haja uma fiscalização ativa para
garantir efetivamente que não haja abusos nem expedientes.
Temos dois grandes desafios: a melhoria geral dos rendimentos das famílias — não só do salário mínimo,
mas do conjunto dos salários dos portugueses — e também a obrigação de cumprir esse grande objetivo de
melhorar a conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional, em concordância, aliás, com um pré-acordo
que já foi estabelecido na segurança social.
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O Estado deve dar exemplos, continuando a cumprir o PREVPAP. Há 16 000 pareceres já homologados. Só
na administração central, estão abertos 1752 concursos para 10 037 postos de trabalho. Na administração local,
estão 4101 concursos abertos para 9938 postos de trabalho. Há um total de 5543 concursos abertos para 19
975 postos de trabalho. Iremos cumprir!
Também não há vazios na saúde. O compromisso fundamental que assumimos no Programa do Governo é
o de desenvolver a Lei de Bases da Saúde, a qual prevê, designadamente, prioridade à dedicação plena.
Não há vazios em matéria de investimento público. São 10 000 milhões de euros, repito, 10 000 milhões de
euros de investimento público que estão neste momento lançados e que serão concretizados ao longo da
Legislatura. Além destes 10 000 milhões de euros de investimento público, recordo dois grandes investimentos
privados em infraestruturas que estão também lançados: o novo aeroporto internacional e o novo terminal Vasco
da Gama, que, apesar de serem investimentos feitos por privados, são investimentos muito significativos no
reforço das novas infraestruturas.
Temos também um novo quadro financeiro plurianual para negociar e de onde podemos mobilizar os recursos
necessários para continuarmos a fazer mais e melhor.
Por isso, é um Programa que não tem vazios e que tem prioridades: enfrentar os nossos grandes desafios
estratégicos e, também, responder às necessidades do trabalho, às necessidades da saúde e às necessidades
do aumento do investimento público. Essas serão realidades desta Legislatura.
Ainda bem, Sr.ª Deputada, que convergimos e que temos vontade para prosseguir, negociando nesta
Legislatura. Mas não basta negociar! É preciso negociar, acordar e cumprir o que acordamos. É para isso que
aqui estamos. Estou certo de que é também por isso que o Bloco de Esquerda aqui está, porque só há uma
coisa sobre a qual não tenho dúvidas: quem votou no Bloco de Esquerda, votou mesmo para dar continuidade
à solução política encontrada na Legislatura anterior.
Aplausos do PS.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Isso já não sabe!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa,
decano dos Deputados desta Casa, a quem aproveito para cumprimentar. Está nesta Casa desde a Constituinte.
É, neste momento, o único Deputado que está nessas circunstâncias.
Faça favor, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, o problema é que os outros foram-se embora!
Risos e aplausos do PCP, do PS, do PSD e do PEV.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: Estamos perante o Programa de que o País precisa?
Um Programa que responde à necessidade de aumentar a produção nacional e o investimento público? Que dá
valor ao trabalho e aos trabalhadores? Que dá resposta urgente a problemas urgentes que ameaçam o Serviço
Nacional de Saúde, onde basta não fazer nada daquilo que é urgente fazer para o destruir? Estamos perante
um Programa que dá centralidade ao direito à habitação e valoriza a cultura? Não, não estamos.
Estamos perante um Programa vago e abrangente, elaborado para não se comprometer em concreto com
as opções políticas que nas diversas áreas se impõem, com formulações que indiciam soluções de sentido
negativo ou mesmo de retrocesso na Administração Pública, transportes, ambiente, deficiência, forças de
segurança e Forças Armadas, poder local, a par de omissões em matérias relevantes.
Onde o Programa é claro é nas opções de política macroeconómica. É rígido na prioridade ao défice em
detrimento do investimento, na prioridade à economia, na ótica dos interesses do capital em detrimento do
trabalho, na prioridade à dívida em detrimento da capacitação da Administração Pública, na prioridade a visões
assistencialistas em prejuízo das opções de justiça na distribuição da riqueza produzida e do verdadeiro combate
à pobreza.
Passemos a cinco questões concretas, começando pelo aumento geral de salários, que é uma emergência
nacional.
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Para garantir o aumento geral dos salários para todos os trabalhadores, é necessário um conjunto de
medidas em que se inclui a defesa e dinamização da contratação coletiva, mas também a fixação do salário
mínimo nacional em 850 €, ambas as propostas já apresentadas pelo PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Que opção vai o Governo fazer? Vai convergir com o PCP nestas
propostas e objetivos?
E em relação à precariedade? O PCP já apresentou um conjunto de propostas para o combate à precariedade
e em defesa de vínculos efetivos para quem desempenha funções permanentes. Insistimos na necessidade de
conclusão do PREVPAP, garantindo o vínculo efetivo a todos os trabalhadores da Administração Pública que
desempenham funções permanentes. Vai o Governo convergir com estas propostas do PCP, assumindo o
combate à precariedade laboral como questão decisiva para todos os trabalhadores, em particular para as jovens
gerações?
A terceira questão é sobre a falta de trabalhadores nos serviços públicos. Vai ou não o Governo convergir
com as propostas do PCP para a contratação urgente de profissionais de saúde, de auxiliares de ação educativa,
de funcionários judiciais, de profissionais das forças de segurança e de tantos outros trabalhadores que fazem
falta aos serviços públicos?
São os direitos dos portugueses que estão postos em causa. As propostas do PCP correspondem a medidas
urgentes, como a situação da pediatria do Hospital Garcia de Orta demonstra de forma dramática, e é necessário
saber que opção fará o Governo nesta matéria.
A quarta questão é sobre os transportes públicos. O PCP já apresentou propostas para que as medidas
tomadas na anterior Legislatura sejam definitivamente fixadas na lei e reforçadas na sua abrangência e impacto,
com o reforço das medidas de redução do preço dos passes, de alargamento da oferta de transporte público e
da sua aplicação global em todo o território nacional de forma idêntica. Vai o Governo convergir com essas
propostas do PCP?
Por fim, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de falar sobre a questão da demografia e da natalidade.
Sabemos que muitas jovens famílias gostariam de ter mais do que um filho e não tomam essa decisão porque
as suas condições de trabalho as impede disso ou porque não encontram da parte do Estado medidas de apoio
adequadas às suas necessidades.
Garantir horários de trabalho dignos e compatíveis com a vida pessoal e familiar e garantir às famílias a
segurança e a certeza de terem gratuitamente vagas em creches para as crianças até aos três anos são duas
propostas do PCP que correspondem aos anseios dessas jovens famílias.
Vai ou não o Governo convergir com as propostas do PCP na resposta a essa questão da qual depende
também o nosso futuro coletivo?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, saúdo-o pela sua vitalidade
que garante a continuidade. É um bom sinal para todos aqueles que se interrogam se, nesta Legislatura, vamos
ou não dar continuidade à mudança que iniciámos em 2015. Da parte do Governo, a posição é muito clara e
inequívoca: estamos aqui para dar continuidade à mudança que iniciámos em 2015.
Sabemos que a conjuntura política é distinta, mas sabemos também que as respostas aos problemas que o
País exige são as da continuação do caminho que iniciámos, sem retrocessos, sem ficarmos parados a marcar
passo e muito menos sem mudar de rumo; pelo contrário, dando força para continuar. E, como o Sr. Deputado
costumava dizer — e espero que continue a dizer —, enquanto houver caminho para andar, cá estamos nós
para continuar a andar. Pela minha parte, vejo caminho para andar, vou continuar a andar e gostaria muito de
não andar sozinho.
Por isso, Sr. Deputado, é muito bem-vindo para responder positivamente à questão que os portugueses
perguntam, que é a de saber se vamos ou não dar continuidade à mudança que iniciámos em 2015.
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Aplausos do PS.
O Sr. Deputado diz que há falta de compromissos concretos. Falta de compromissos concretos?!
Na habitação, para além do compromisso de desenvolver a lei de bases, para além da nova geração de
política de habitação que lançámos, para além do Programa de Arrendamento Acessível, comprometemo-nos
com as metas concretas de, até ao final desta Legislatura, só da parte da promoção pública do Estado,
colocarmos 10 000 fogos em arrendamento acessível e de, até aos 50 anos do 25 de Abril, em 2024,
assegurarmos às 26 000 famílias que ainda hoje não têm uma habitação condigna que terão todas uma
habitação condigna, para assim celebrarmos condignamente o 25 de Abril. Então, estes não são compromissos
concretos?
Em matéria de transportes públicos, não são compromissos concretos os 10 novos navios que estão a ser
adquiridos para a Transtejo? Os 700 autocarros que estão a ser adquiridos para vários sistemas de transportes
em todo o País? As 14 novas composições para o Metro de Lisboa? As 18 novas composições para o Metro do
Porto? Os 22 novos comboios para a CP? Os 20 comboios que estão finalmente a ser reparados na CP?
Então, estes não são compromissos concretos, Sr. Deputado?!
Aplausos do PS.
Protestos do CDS-PP.
São compromissos concretos, como o é também a nossa opção em matéria de política de rendimentos, a
qual, aliás, tive oportunidade de enunciar, quer no discurso de tomada de posse, quer hoje, aqui.
A saber: o aumento do salário mínimo nacional, ouvidos seguramente os parceiros sociais, tendo em conta
a dinâmica do crescimento económico, do emprego, mas nunca esquecendo o valor social do salário mínimo
nacional para o combate à pobreza e a redução das desigualdades. Fixámos uma meta: 750 € até 2023 e, já
para a semana, vamos ouvir formalmente os parceiros sociais para podermos fixar já o valor do salário mínimo
nacional para 2020.
Mais: lançámos um desafio aos parceiros sociais para, em sede de concertação, fixarmos uma referência
para o conjunto da negociação coletiva em matéria da valorização salarial dos jovens qualificados, aos quais
temos de dar um sinal inequívoco de que é aqui, em Portugal, que podem construir o seu futuro.
Ainda em relação ao acordo global sobre a política de rendimentos — como creio, aliás, que o PCP tem dito
repetidas vezes, exatamente com a mesma formulação —, não basta aumentar o salário mínimo nacional, temos
de valorizar o conjunto de todos os salários em Portugal. É essa a resposta que temos e é inequívoca a nossa
postura.
Em matéria de precariedade, entrou em vigor uma nova lei no dia 1 de outubro. Sabemos que divergimos
num ponto concreto sobre essa lei, mas convergimos quanto àquilo que é essencial: a eliminação da
possibilidade de se usar como fundamento para haver contrato a prazo o facto de se ser jovem e de se ser
desempregado de longa duração; a existência de sanções às empresas que abusem da contratação a prazo; a
redução do número de renovações possíveis e do tempo de duração do contrato a prazo.
É, agora, essencial reforçar as condições de fiscalização para garantir que não haja expedientes nem abusos
no cumprimento da lei.
Continuaremos a cumprir o PREVPAP, tal como referi há pouco na resposta que dei à Sr.ª Deputada Catarina
Martins.
Quanto à falta de trabalhadores, temo-lo identificado e temos avançado nesse sentido. São mais de 11 000
profissionais só no Serviço Nacional de Saúde que foram contratados ao longo da última Legislatura e temos de
prosseguir esse esforço em muitos setores de atividade, de acordo com as nossas capacidades e em função,
também, das nossas necessidades.
Está, aliás, aberto o maior concurso de sempre para a contratação de 1000 novos técnicos superiores da
Administração Pública, de forma a rejuvenescer a nossa Administração, a reforçar a capacidade de planeamento
e a internalizar no Estado muitas das atividades de consultoria que temos estado a enviar para fora do Estado,
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diminuindo a independência e a capacidade de reflexão, de planeamento e de pensamento estratégico por parte
do Estado.
Relativamente ao PART (Programa de Apoio à Redução do Tarifário dos Transportes Públicos), o nosso
compromisso é total, prossegui-lo não só nas Áreas Metropolitanas como em todas as comunidades
intermunicipais. Não teremos qualquer recuo nessa matéria.
Finalmente, em relação à demografia, como tive oportunidade de recordar, já há um pré-acordo em sede de
concertação social para, no âmbito do Programa 3 em Linha que lançámos, assinarmos um acordo para a
conciliação entre a vida pessoal, a vida familiar e a vida profissional. Há, também, um compromisso muito sério
para avançar com uma rede de creches em todo o País, com base, aliás, no acordo que assinámos com todas
as instituições da economia social e solidária e também nas propostas que constam do Programa do Governo,
tais como, desde logo, a criação de um complemento-creche que apoie as famílias no acesso às creches.
Assim, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, não são seguramente os objetivos nem estas questões que nos
dividem. Podemos estar mais ou menos próximos em cada uma delas, mas o rumo que temos é exatamente o
mesmo. Por isso, tal como tem dado continuidade à sua atividade parlamentar, espero que, nesta Legislatura,
demos continuidade à mudança política que iniciámos em 2015 e que o nosso País e os nossos cidadãos
querem que agora prossigamos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.
Primeiro-Ministro, queria começar por cumprimentá-lo nesta nova Legislatura.
Ouvi o seu discurso, o grande desfile de recordes que veio trazer-nos mais uma vez e também o rol de
promessas, desde material de transporte até novos hospitais. Imagino que sejam os mesmos que já ouvimos
mais de uma dezena de vezes e que não cresçam face a esses…!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Claro!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — De facto, Sr. Primeiro-Ministro, estamos aqui para discutir o Programa
do Governo e, embora o seu Governo se apresente como um verdadeiro recordista na sua dimensão e no seu
tamanho — é verdadeiramente um Governo ultra-mega-grande —, gostava, no âmbito do Programa do Governo,
de lhe exigir, em nome dos portugueses, uma garantia, de lhe pedir um esclarecimento e de lhe deixar uma
proposta.
No âmbito desta garantia que gostava que deixasse nesta Câmara, queria falar-lhe de outro recorde de que
o seu Governo não falou, que é, obviamente, o da carga fiscal.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ora!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O seu Governo caracterizou-se pelo facto de ter chegado a uma carga
fiscal como nunca, mas mesmo nunca, antes se tinha visto em Portugal. Nunca em Portugal uma parte tão
grande do esforço e do trabalho dos portugueses tinha ficado para o Estado, Sr. Primeiro-Ministro. Este é um
recorde do seu Governo que os portugueses sentem no bolso.
Li o Programa do Governo — embora o Sr. Primeiro-Ministro tenha feito as coisas de maneira a que essa
leitura tenha sido feita em poucos dias — e reparei que a expressão «carga fiscal», que dantes tanto utilizava,
tinha sido perfeitamente obliterada. Já não existe!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Baniram-na!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — No entanto, existem algumas coisas bastante enigmáticas do ponto de
vista fiscal, pelo que queria que o Sr. Primeiro-Ministro deixasse a todos os portugueses a garantia de que,
durante esta Legislatura, nenhum português com os mesmos rendimentos vai pagar mais impostos ou mais IRS.
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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vão pagar, vão!
O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Augusto Santos Silva): — Vão pagar menos!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Gostava também que explicasse se, quando fala em aumentar a
progressividade do IRS, isso quer dizer que todos vão pagar menos ou que alguns vão pagar mais e outros vão
pagar menos.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ora!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Quando fala numa abordagem ao sistema de benefícios fiscais que lhe
confira maior clareza e eficácia, Sr. Primeiro-Ministro, esta eficácia é para quem paga ou é para a administração
tributária ir buscar mais dinheiro, havendo menos benefícios fiscais?
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Por último, e mais importante ainda, diz que vamos caminhar no sentido
do englobamento dos diversos tipos de rendimento em sede de IRS. Sr. Primeiro-Ministro, este englobamento
a coberto da justiça é para haver mais receita em sede de IRS e para alguns portugueses pagarem menos IRS?
Ou vai, de facto, ser neutral, ou neutral «para inglês ver», como era o aumento do gasóleo e da gasolina, que
também era para ser neutral e acabou com os portugueses a pagarem mais 1000 milhões de euros em gasóleo
e gasolina?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. André Ventura (CH): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Em segundo lugar, pedia-lhe um esclarecimento. De facto, o Sr.
Primeiro-Ministro diz que vai investir na qualidade dos serviços públicos, mas acho que há muitos portugueses
que esperam e desesperam por uma consulta nos hospitais ou mesmo pelo seu cartão de cidadão e que,
olhando hoje para o seu Governo, percebem que o Sr. Primeiro-Ministro está, de certeza, muito mais preocupado
com a quantidade do que propriamente com a qualidade.
O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Os senhores não aprenderam nada com as eleições!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Portanto, queria saber se vamos ficar por aqui, porque fui consultar
aquilo que diz sobre a descentralização e, com todo o respeito, Sr. Primeiro-Ministro, é um bocadinho
enigmático. Fiquei sem perceber se, afinal de contas, o Governo vai ou não defender a regionalização.
Repare, aquilo que diz é que se aguardam as conclusões do trabalho da Comissão Independente e do debate
público que se seguirá. Ora, a Comissão Independente já apresentou o seu trabalho, há cerca de três meses.
Fez um estudo sobre a regionalização e disse: «A Comissão está consciente de que as decisões últimas sobre
as opções em debate serão inevitavelmente políticas.»
Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, atendendo a que a Comissão diz e defende que, havendo regionalização,
haverá cinco juntas, com sete membros cada uma e, no mínimo, 300 deputados, aquilo que lhe perguntava era
se vai ficar por este ultra-mega-grande Governo ou se vamos ter isto vezes cinco, multiplicado pelas regiões,
com mais de 300, quase 400, novos cargos políticos. Acho que, sendo essa uma decisão política, valia a pena
perceber se vai começar esse debate ou se vamos continuar a discutir a descentralização através do INFARMED
(Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde) e do enorme flop que foi a descentralização.
Aplausos do CDS-PP.
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Por último, queria deixar-lhe uma proposta. Um problema para o qual o CDS o alerta há mais de quatro anos
é o facto de a ADSE (Instituto de Proteção e Assistência na Doença) precisar de novos beneficiários…
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Exatamente!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … e de muitos portugueses serem tratados como cidadãos de segunda
por não terem direito ao acesso à ADSE. O CDS entregará, ainda hoje, uma proposta de um estudo para, com
responsabilidade, abrir a ADSE a novos beneficiários, consagrando este direito para todos os portugueses.
Esperamos que, desta vez, as nossas palavras sejam ouvidas.
Aplausos do CDS-PP e do CH.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, começo por felicitá-la pela sua
eleição para líder do Grupo Parlamentar do CDS-PP, fazendo votos de que tenha um mandato com grande
satisfação e os melhores resultados políticos e também pessoais.
Efetivamente, em matéria de recordes, temos tido, por exemplo, um aumento de 9% das contribuições para
a segurança social, não porque, como sabe, tenhamos aumentado a taxa social única, mas porque, felizmente,
tivemos o recorde da maior criação de emprego e da maior valorização salarial, o que nos tem permitido
aumentar em 9% as contribuições para a segurança social.
Aplausos do PS.
Esse aumento de 9% da receita da segurança social, Sr.ª Deputada, como sabe, é o que explica, no
essencial, esse aumento da carga fiscal. A carga fiscal tem subido, não porque tenhamos aumentado as taxas
dos impostos, não porque tenhamos aumentado a base de incidência, mas porque, felizmente, a economia hoje
está mais dinâmica e gera mais riqueza, há mais consumo, há mais emprego e há melhores salários. Por isso,
felizmente, a receita sobe graças ao crescimento e à dinâmica da nossa economia.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ah! A receita!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — A receita! Mas não é a receita, é a carga!
O Sr. Primeiro-Ministro: — É por isso, aliás, Sr.ª Deputada, que fico um pouco surpreso por ver que, depois
da boa avaliação que tiveram, em função de serem os campeões do combate à carga fiscal, apesar de ignorarem
olimpicamente a revisão em alta que o Instituto Nacional de Estatística entretanto fez do crescimento do produto
interno bruto (PIB) ao longo dos últimos quatro anos, mantém persistentemente a mesma causa.
Admiro-lhe a coerência, mas, como há de perceber, a coerência não é um exclusivo seu, é também nosso.
Efetivamente, a nossa prioridade é garantir maior justiça fiscal, fazer os incentivos certos em matéria fiscal e
não entrar num leilão de redução indiferenciada dos impostos para tudo e para todos. Registo, contudo, uma
inovação importante no seu discurso: a sua preocupação, agora, já não é com os benefícios fiscais para a
aquisição de combustíveis que emitem CO2,…
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Também é, esteja descansado!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … mas passou a ser com o rendimento dos portugueses.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Oh!…
O Sr. Primeiro-Ministro: — É um avanço muito importante, da Legislatura anterior para a atual.
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Quero dizer-lhe que o que consta do nosso Programa do Governo é o aumento da progressividade do IRS,
de modo a que haja uma diminuição do pagamento de IRS por parte da classe média, que não beneficiou, em
grande parte, da eliminação da sobretaxa, que tínhamos herdado, e ainda não beneficiou nem do aumento do
mínimo de existência, nem dos novos escalões que criámos na Legislatura anterior. Portanto, aqueles que estão
na classe média e que pagam os seus impostos vão, efetivamente, ficar a pagar menos impostos.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É preciso ver o que é a classe média!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Agora, pela forma como fez a pergunta, tenho de referir duas questões. Primeiro,
aqueles que hoje fogem ao fisco seguramente irão pagar mais, porque garantimos maior eficiência na cobrança
dos impostos que são devidos. Quanto ao englobamento, também respeitamos a opção de cada um.
Por exemplo, em matéria de rendimentos prediais, até isentamos a tributação do rendimento predial para
quem coloque os seus imóveis em regime de arrendamento acessível ou para quem assegure contratos que
não tenham precariedade. Efetivamente, essa redução existe e, aliás, muitos municípios têm reduzido o IMI
(imposto municipal sobre imóveis) para quem cumpre estas condições. Para quem não o faz — e tem a liberdade
de não o fazer —, é provável que o englobamento venha a traduzir-se num agravamento do imposto. Mas política
fiscal é isso: não é cobrar receita por cobrar receita, é dar os incentivos certos para obter os resultados desejados
e evitar resultados indesejados. É isso que iremos prosseguir também nesta Legislatura.
Aplausos do PS.
Finalmente, tem razão: a comissão técnica que a Assembleia da República designou entregou o relatório já
após o termo da passada Sessão Legislativa e estou certo de que a Assembleia vai promover o debate sobre
as propostas apresentadas. É óbvio que a regionalização é uma opção política e a Assembleia fará essa opção,
na medida em que é soberana para o fazer. Sobre essa matéria, o Governo não apresentará qualquer proposta.
Contudo, tendo em conta que a decisão é política e verificando que várias pessoas, desde o referendo
anterior, evoluíram na sua posição e, portanto, são hoje defensoras da regionalização — como eu sou e já era,
mas, por exemplo, o Deputado Rui Rio já disse que, na altura, votou contra, mas que agora é a favor da
regionalização —, tenho chamado a atenção para a necessidade de se evitar um voluntarismo que nos conduza
a novas derrotas onde elas não devem existir, designadamente: dando garantias absolutas aos portugueses de
que a regionalização não significa um aumento da despesa, mas uma maior eficiência no conjunto da
Administração; garantindo que, efetivamente, há um consenso político suficientemente sólido para ela poder
avançar, garantindo, designadamente, e tendo em conta que o atual Presidente da República foi o campeão da
oposição à regionalização, que a regionalização não é uma bravata, mas que tem condições para poder existir
e implementar-se.
Por isso, tenho recomendado a todos prudência, pouco voluntarismo, muito debate, muito esclarecimento,
muita interrogação e muitas respostas às dúvidas que existem, de forma a que, quando se avançar, seja com
um passo firme, seguro e que não seja «maior que a perna», para não voltarmos a ter um tropeção como aquele
que existiu há mais de 20 anos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do PAN, o Sr. Deputado André Silva.
O Sr. André Silva (PAN): — Bom dia, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados e Sr. Primeiro-Ministro.
Quero começar por endereçar ao Governo votos de um bom mandato.
Sobre o Programa que o Governo apresenta, não sendo seguramente aquele que o PAN apresentaria,
reconhecemos que é feito um esforço de aproximação em áreas que consideramos particularmente importantes,
nomeadamente a do combate às alterações climáticas, facto que não deixamos de assinalar como positivo e
que demonstra a importância e o reconhecimento do trabalho e das propostas do PAN.
Exemplo disso mesmo é a introdução, no Programa do Governo, da proposta do PAN que visa o fim da
produção de energia elétrica a partir do carvão e o consequente encerramento das centrais termoelétricas do
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Pego e de Sines, até 2023. Trata-se de uma medida crucial no quadro da descarbonização da economia, em
particular no setor energético, na medida em que estas duas centrais são responsáveis por cerca de 20% do
total das emissões do nosso País.
Esta proposta que o PAN há muito vem defendendo, tantas vezes alvo de tentativas de desacreditação,
inclusive com prenúncios de um apagão energético, foi acolhida pelo Governo porque este concluiu que é
ambientalmente crucial e técnica e economicamente viável antecipar estas metas.
Se, nesta matéria, o Governo reconheceu que é possível sermos muito mais ambiciosos no caminho do
combate das nossas vidas, o das alterações climáticas, o PAN espera que esta posição do Governo possa ser
lida como sinal de um mandato em que as políticas para a ação climática e a proteção dos ecossistemas serão,
de uma vez por todas, uma prioridade e um sinal de que aumentará a exigência na fiscalização e na
regulamentação das atividades económicas poluidoras.
Sr. Primeiro-Ministro, ainda no âmbito do encerramento das centrais termoelétricas do Pego e de Sines, e
porque não se extrai do Programa do Governo uma solução para a preocupação manifestada pelo PAN a
respeito da situação profissional dos trabalhadores daquelas duas unidades e do porto de carvão, pergunto-lhe
o que perspetiva o Governo para os cerca de 700 trabalhadores afetados pela medida, nomeadamente se estão
a ser acautelados planos de reconversão profissional ou a ser estudadas outras medidas compensatórias.
Não podemos deixar de notar, porém, as muitas diferenças que nos separam em matéria energética e
ambiental. O Governo ainda não deu um passo fundamental: assumir o compromisso de não explorar petróleo
e gás no nosso País. Um Estado coerente e responsável — e como tantas vezes o Sr. Primeiro-Ministro lembra
de que Portugal foi o primeiro país no mundo a afirmar o compromisso da neutralidade carbónica — não pode
continuar em cima do muro. A caminho da terceira década do século XXI, e num país com abundantes fontes
de energia renováveis, não é mais compreensível, Sr. Primeiro-Ministro, a narrativa de se querer compatibilizar
a descarbonização da economia com a exploração de petróleo.
Sr. Primeiro-Ministro, o País pode contar com o Governo e com o Partido Socialista para revogar a lei que
possibilita a exploração de hidrocarbonetos, que o PAN trará brevemente a debate?
Ainda, Sr. Primeiro-Ministro, e pelo papel absolutamente determinante da mobilidade na vida do dia a dia das
pessoas, assinalamos que passaram praticamente sete meses desde que aprovámos a redução dos passes,
que permitiu que mais utentes procurassem os transportes públicos para se deslocar, preterindo, como se
deseja, o transporte individual. Porém, a situação que se vive hoje nos transportes públicos, em especial nas
Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, com falta de material circulante e falta de articulação entre os
diferentes operadores, coloca em causa tudo o que de bom se atingiu com a medida.
Pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro: anunciado que foi o reforço do material circulante, qual o prazo para que
esse reforço se materialize? Quanto tempo mais é que os utentes vão ter de esperar para poder usufruir dos
transportes públicos em condições?
Queríamos também assinalar que o objetivo de atingir o valor de 750 € para o salário mínimo nacional no
final da Legislatura parece-nos pouco ambicioso…
Risos do PSD.
… e que trabalharemos no sentido de o ver chegar, pelo menos, aos 800 €, conforme defendemos no nosso
Programa Eleitoral.
Por fim, não podemos deixar de registar que trabalharemos em áreas que estão omissas ou pouco
concretizadas no Programa do Governo, como: desenvolver uma estratégia para o combate à corrupção; uma
efetiva monitorização da aplicação da Lei de Bases da Habitação e do arrendamento acessível, com vista a
acompanhar as efetivas necessidades das famílias, dos estudantes, dos jovens, dos idosos e das pessoas em
situação sem-abrigo; implementar mais e melhores respostas de equipamentos de emergência e de transição
no combate à violência doméstica e ao tráfico de seres humanos; valorizar e dignificar as carreiras dos
profissionais da Administração Pública; concretizar incentivos para a autoprodução de energia; apostar em
políticas de prevenção da doença e promoção da saúde; defender formas de produção de alimentos mais éticas
e sustentáveis; responsabilizar os agentes poluidores ou conferir mais proteção aos animais no Código Penal.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta Legislatura que agora inicia, o PAN, com
uma representação parlamentar mais alargada, continuará, sem se desviar, o caminho que iniciou há quatro
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anos: a defesa inabalável das nossas ideias, procurando fazer avançar o nosso Programa com quem nos queira
acompanhar, mas sempre com o sentido de responsabilidade na construção de compromissos e de equilíbrios,
sempre decisivos para sustentar os grandes avanços do nosso País.
Aplausos do PAN.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Silva, permita-me que comece por felicitar
o PAN pelo claro reforço que teve nas eleições legislativas e desejar, ao novo grupo parlamentar que se
constituiu, um bom mandato parlamentar quer com quem já tive o prazer de trabalhar no passado, quer com
todos aqueles que terei o prazer de trabalhar ao longo deste quatro anos.
O encerramento das centrais era uma opção que constava já do Programa Eleitoral e podemos concretizar
agora a antecipação das datas. E podemos fazê-lo garantindo as condições de segurança energética, que são
absolutamente essenciais. Por isso, relativamente à central de Sines, definimos bem quais são as duas
condições essenciais: a conclusão das barragens do Alto Tâmega e a construção de uma nova linha de alta
tensão para o Algarve, que deve estar concluída em meados de 2022 e que permitirá nessa altura iniciar
progressivamente o encerramento da central de Sines.
Em qualquer caso, é necessário assegurar a reconversão dos trabalhadores, necessariamente — temos de
ter um programa social muito forte de reconversão dos trabalhadores, em particular, em Sines —, mas também
a reconversão da central do Pego para outras atividades, designadamente podendo ser uma central de
biomassa, muito importante para criarmos um músculo económico forte que nos permita intervir, de forma
efetiva, na gestão da biomassa florestal, que constitui, como sabe, um enorme risco para a nossa floresta.
Relativamente aos nossos recursos naturais, vou ser claro: o País não se pode dar ao luxo de prescindir de
conhecer quais são os seus recursos naturais. Como sabe, no anterior Governo fomos declarando
sucessivamente a caducidade de todas as licenças que tinham sido emitidas para a prospeção e eventual
exploração de hidrocarbonetos no nosso País. Não tencionamos, durante esta Legislatura, abrir qualquer
concurso para a sua exploração. Estamos mesmo disponíveis para poder discutir uma moratória longa
relativamente à concessão de novas licenças de prospeção. Acho que seria um erro, pura e simplesmente,
revogar a lei. Acho que devemos estar preparados para a poder ter, mas com uma moratória muito clara, em
consonância com a opção que tomarmos.
Convém nunca esquecer que, mesmo após 2050, tendo atingido a neutralidade carbónica, todas as
estimativas indicam que o País continuará a ter de importar significativas quantidades de hidrocarbonetos. Ora,
isso significa continuar a penalizar a nossa balança externa e a enfraquecer a nossa autonomia energética.
Devemos, por isso, sempre ter as reservas, mas estou de acordo que podemos e devemos assumir uma
moratória quanto à sua prospeção.
Também gostaria de ser claro em relação a uma outra questão, que não me colocou: o País não pode ser
contra a valorização de todos os recursos naturais que tem. O País não pode não querer saber se tem petróleo
e não o querer explorar, não querer saber se tem gás natural nem se precisa de o explorar e até ter dúvidas
sobre se deve explorar um recurso que sabemos que tem, que é essencial para assegurar uma transição
energética global, que tem a ver com o lítio. Não podemos ter hesitações de que queremos mesmo explorar o
lítio que temos e de que temos de valorizar esse recurso natural de que o País dispõe.
Aplausos do PS.
Finalmente, quanto ao salário mínimo, é fundamental o seu aumento. Achamos que a meta razoável e com
a qual nos poderemos comprometer, hoje, são os 750 €. Acho que temos de ir avaliando com os parceiros
sociais a dinâmica do crescimento económico, a evolução do emprego e também saber a função social que o
salário mínimo desempenha no combate à pobreza e na redução das desigualdades. Seguramente, todos
desejaríamos que o crescimento económico e a dinâmica do emprego nos pudessem permitir ir até mais além
dos 800 € que propõe o PAN.
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Aquilo que temos de fazer é trabalhar para garantir que todos os anos haja não só a atualização do salário
mínimo nacional, mas, sobretudo, cada vez mais crescimento e melhor emprego, de maneira a assegurar, de
uma forma sustentada, a trajetória para o nível mais ambicioso que possamos ter de melhoria dos rendimentos
de todos os portugueses.
É nessa trajetória que estamos e na qual convergimos. Quem me dera poder dizê-lo e, com segurança, ter
aquela meta que o PAN propõe. Se lá chegarmos, que grande notícia será. Aliás, será mais um record para a
Sr.ª Deputada Cecília Meireles vir a lamentar!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar «Os Verdes», tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro,
enquanto houver estrada para andar, Os Verdes também cá estarão, desde que a estrada seja o caminho certo.
Repito, desde que a estrada seja o caminho certo.
Sr. Primeiro-Ministro, nós, Os Verdes, vemos no Programa do Governo sinais positivos, sinais negativos e
sinais positivos «mas». Ou seja, sinais que são potencialmente positivos, mas que, para serem avaliados,
exigem uma clarificação. Estamos certos de que, depois dos esclarecimentos do Sr. Primeiro-Ministro, as
conseguiremos pôr no lote dos sinais positivos.
Começando pelos sinais negativos, Sr. Primeiro-Ministro, queria deixar-lhe aquilo que, para nós, é já uma
preocupação: o facto de o Programa do Governo prever um reforço de verba a nível da despesa no âmbito dos
compromissos assumidos com a NATO (North Atlantic Treaty Organization). Nós, como ecologistas, que
trazemos a paz no nosso ADN, temos de olhar para esse reforço de verba como um sinal muito negativo, como
negativo, aliás, é o facto de o Programa do Governo não ter uma única referência ao grave problema que o
amianto representa.
Quanto aos sinais positivos, Sr. Primeiro-Ministro, registamos a intenção do Governo em pretender abolir os
plásticos não reutilizáveis até 2020. Trata-se de uma matéria importante que vem ao encontro daquilo que Os
Verdes há muito reclamam, e, portanto, saudamos o Governo por isso, assim como saudamos o facto de o
Governo ter acolhido as propostas das associações de ambiente, nomeadamente da Associação ZERO, no que
diz respeito à antecipação do prazo para o encerramento das centrais do Pego e de Sines.
Também registamos como muito positiva a promessa de um reforço, de um investimento forte a nível dos
serviços públicos. De facto, os serviços públicos estão todos a precisar de investimento. Eu diria que eles estão,
no mínimo, pouco saudáveis.
Centrando-me nos transportes públicos, o Governo também diz que vai haver um investimento a sério nos
transportes públicos. É uma matéria sobre a qual Os Verdes também têm batalhado insistentemente, sobretudo
na anterior Legislatura isso aconteceu, porque há muito que percebemos ser necessário colocar os transportes
públicos num patamar em que sejam, de facto, para os cidadãos uma verdadeira alternativa à utilização do
transporte individual.
Também podemos dizer que, depois dos avanços que se conseguiram na anterior Legislatura no que diz
respeito ao passe social, seria até um crime que não se apostasse agora do lado da oferta, porque se se não
apostar será quase como convidar as pessoas a deixarem ou a abandonarem os transportes públicos. De facto,
a redução do valor do passe social foi uma medida muito importante, não só do ponto de vista social, com
reflexos muito positivos nos orçamentos familiares, mas também do ponto de vista do ambiente e da redução
da emissão de gases com efeito de estufa e, portanto, do combate às alterações climáticas.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, tudo isto vai por água abaixo se não houver investimento a sério do lado da oferta.
Se não houver investimento, como eu disse há pouco, será empurrar as pessoas para fora dos transportes
públicos.
Sobre esta matéria, tenho dois pedidos de esclarecimento até porque as bancadas do PSD e do CDS
pareceram muito incomodadas quando o Sr. Primeiro-Ministro se referiu ao número de reforço do material
circulante e eu não sei se esse número correspondia àquilo que o Governo do PSD e do CDS subtraiu aos
transportes públicos!
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Aquilo que lhe queria perguntar, Sr. Primeiro-Ministro, era se, de facto, vamos ter um investimento a sério
nos transportes públicos, por um lado, e, por outro lado, qual é a disponibilidade do Governo para alargar as
medidas que se tomaram a nível do passe social para o resto do território, porque isso seria, de facto, um passo
de gigante, não só em termos de mobilidade das populações, sobretudo, do interior, mas também do ponto de
vista ambiental e da redução de gases com efeito de estufa.
Quanto à ferrovia, Sr. Primeiro-Ministro, o Programa do Governo encara-a como uma aposta, o que, para
nós, é muito significativo e, se for levada a sério, pode marcar mesmo uma viragem da forma de olhar para as
políticas de mobilidade que se querem sustentáveis. Sobre esta matéria, tenho três perguntas para lhe fazer.
Primeira, quando falamos na ferrovia, temos forçosamente de falar da EMEF (Empresa de Manutenção de
Equipamento Ferroviário). A EMEF tem um papel absolutamente central, só que vive com um problema de falta
de trabalhadores. É verdade que, na anterior Legislatura, foi feito um reforço, que continua a ser insuficiente, e
a situação tenderá a agravar-se se tivermos em conta, por um lado, que desses trabalhadores há muitos que
estão quase a atingir a idade da reforma, e, portanto, vão sair, e, por outro lado, o aumento do número de utentes
que passaram a frequentar o comboio, o que exige outro tipo de resposta por parte da EMEF.
Queria perguntar-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que planos existem para a EMEF e se vai ou não haver novas
contratações de trabalhadores para essa empresa.
Também gostaria de saber se o Governo tem previsão para a conclusão do estudo sobre a ligação ferroviária
entre a cidade de Portalegre e a sua zona industrial, estudo esse que consta do PNI (Programa Nacional de
Investimentos) 2030.
Por fim, queria saber se é desta vez que vamos ter a Linha do Alentejo devidamente eletrificada e
modernizada. Recordo que houve uma recomendação nesta Assembleia, aprovada sem votos contra, que se
referia exatamente à modernização e eletrificação não só do troço Casa Branca-Beja, mas também Beja-
Funcheira.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado, embora ligeiramente, ultrapassou o tempo de que dispunha, que será
descontado no período subsequente, de acordo com a praxe desta Casa, mais do que com as regras.
Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro para responder.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Luís Ferreira, ainda bem que estamos
disponíveis para prosseguir o caminho enquanto houver caminho para fazer.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Se for certo!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Se o caminho é certo? Dou-lhe várias pistas.
Primeiro, o caminho é o que iniciámos em 2015, portanto se gosta do caminho que iniciámos em 2015 é a
esse que pretendemos dar continuidade. Se não quer que haja retrocesso neste caminho, estamos no caminho
certo. Se não quer que fiquemos parados a marcar passo, estamos no caminho certo. Se não quer que mudemos
o rumo, estamos no caminho certo. Se estamos de acordo com tudo isto, então só há uma coisa a fazer:
começarmos mesmo a caminhar, seguir em frente, porque o tempo urge e é necessário continuarmos a andar.
Relativamente às questões que colocou, em primeiro lugar, sobre se é a sério o investimento nos transportes
públicos, digo-lhe que é. Como sabe, os concursos estão abertos, os concursos estão em curso e vão começar
a chegar, ao longo desta Legislatura, as composições, os navios e os comboios. O calendário é conhecido e é
assim. Se tivessem sido lançados na Legislatura antes da anterior, seguramente já na Legislatura que terminou
eles poderiam ter entrado em funcionamento, mas como não foram, como só foram lançados na anterior, estarão
prontos nesta.
Infelizmente, para se comprar comboios não é como ir a um stand de automóveis, é necessário fazer
concurso, é necessário cumprir as regras legais do concurso, é necessário fazer a adjudicação e só aí é que os
comboios começam a ser produzidos. Por isso, leva tempo.
Felizmente lançámos os concursos, felizmente o tempo já está a correr e os resultados vão começar a surgir
ao longo desta Legislatura.
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O Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos (PART) é um programa para todo o País
e é um programa que é utilizado à medida das necessidades por cada área metropolitana ou por cada
comunidade intermunicipal.
Como sabe, a fórmula de repartição tem a ver com o número de pessoas transportadas por quilómetro.
Obviamente que é necessário densificar e desenvolver as redes de transporte público para que haja mais
pessoas a poderem utilizá-las e quanto mais forem sendo desenvolvidas essas redes e maior for o número de
pessoas a transportar mais será o apoio concedido pelo PART para o desenvolvimento deste programa tarifário.
Na verdade, e porque as situações são muito distintas de comunidade intermunicipal para comunidade
intermunicipal, de concelho para concelho, é que nós acreditamos que, estando descentralizadas essas
competências, cada um poderá desenhar o programa à medida das suas necessidades. Estou, por exemplo, a
lembrar-me de como, no município de Baião, a opção do Presidente da Câmara foi investir, sobretudo, no
transporte flexível, tendo em vista servir não as pessoas que vivem no centro do concelho, mas sim as pessoas
que vivem nas múltiplas aldeias em que o concelho está disperso para assegurar um transporte à medida das
necessidades, em particular da população mais idosa, que tem de ir à sede do concelho para aceder aos
cuidados de saúde ou para qualquer outra necessidade. É essa flexibilidade que temos de ter e que só a
descentralização nos permite assegurar.
Finalmente, decerto, conhece, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 110/2019, que foi aprovada em 5
de julho passado, e que permite definir o embrião de uma nova política industrial na área da ferrovia.
Trata-se muito mais do que reforçar a EMEF — Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, SA,
trata-se de fazermos na ferrovia aquilo que começámos há vários anos atrás a fazer, por exemplo no setor
automóvel, e que nos tem permitido crescer hoje para novos clusters, como o cluster aeronáutico. Ainda ontem
foi concretizado um investimento da mais alta importância nesse setor, sendo esse um caminho que agora
queremos começar também a fazer na ferrovia.
É esse o plano que aqui temos desenhado, que passa por reforçar a EMEF, mas que não passa por reforçar
exclusivamente a EMEF. Temos, pois, de ir mais além do que isso.
Quanto às obras previstas no Programa Nacional de Investimentos 2030, que foi aqui votado na Assembleia
da República no final da Legislatura, está agora no Conselho Superior de Obras Públicas para que este elabore
o devido parecer e, em função desse parecer e do debate público, iremos defini-lo a tempo e horas e com a
urgência necessária para nos poder guiar na nossa negociação para o próximo Quadro Financeiro Plurianual
com a União Europeia
Relativamente à questão concreta que colocou quanto à eletrificação da linha Casa Branca-Beja, está
concluído o estudo e, muito brevemente, será aberto o concurso para a sua efetivação. Já a ligação de Beja à
Funcheira não está prevista nem no Programa Ferrovia 2020, nem no Programa Nacional de Investimentos
2030, e essas serão, seguramente, as prioridades.
Na Legislatura passada, fizemos um grande esforço para termos um plano global com amplo consenso
político nesta Assembleia, que, felizmente, superou os três quartos dos Deputados, para podermos ter um plano
devidamente consolidado, devidamente estruturado e que seja agora a base da nossa negociação com a União
Europeia. Portanto, essas serão as obras que terão prioridade, e aguardamos, repito, o parecer do Conselho
Superior de Obras Públicas.
Quanto à ligação ferroviária relativa a Portalegre, prevista no Programa Nacional de Investimentos 2030,
aguardamos a avaliação que está a ser feita pelo Conselho Superior de Obras Públicas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, antes de mais, e já que hoje estamos
em dia de saudações, deixe-me saudá-lo por conseguir ter um dos maiores Governos da Europa e do mundo.
De facto, proporcionalmente, é um recorde digno, sobretudo para um Governo que dizia querer reduzir
«gorduras» da Administração Pública. É, de facto, um excelente sinal para os portugueses!….
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Como temos pouco tempo, e o tempo é para cumprir, passo às várias questões que gostaríamos de lhe
colocar em relação a este Programa do Governo, que, em bom rigor, é mais um Programa de entretenimento
do que de Governo.
Sobre a saúde, ainda hoje o Tribunal de Contas voltou a alertar para a insustentabilidade da ADSE. O que é
que o Sr. Primeiro-Ministro propõe sobre isto? Absolutamente nada! Temos de enfrentar um zero e um vazio.
A falta de medicamentos fundamentais para várias doenças devia envergonhar um Governo com estas
dimensões, mas não, nada temos sobre isto, temos de melhorar a saúde como se fosse uma coisa assim
programática e vaga.
Sr. Primeiro-Ministro, hoje é um dia especial, é o dia em que um ex-Primeiro-Ministro socialista está a ser
ouvido, num tribunal, por corrupção. E o que é que este Programa do Governo nos traz sobre corrupção?
Absolutamente nada!
Vai ou não trazer de novo a este Hemiciclo o debate sobre o enriquecimento ilícito, redefinido, naturalmente,
talvez como deveres declarativos?
Vai ou não trazer a este Hemiciclo uma efetiva proposta de incompatibilidades entre membros do Governo e
negócios com empresas que negociaram com o Governo e que envergonhariam qualquer democrata que se
preze?
Vai ou não o Governo ter um plano contra a corrupção e de incompatibilidades vitalícias, eventualmente,
entre quem negoceia com empresas e depois vai trabalhar para essas empresas?
Temos hoje aqui presente o Sr. Ministro da Administração Interna, a quem também felicito. Sr. Ministro, mais
uma vez, temos um Programa que diz querer uma segurança interna mais robusta. Imagine-se! Qualquer um de
nós poderia dizer isso.
Onde é que estão as medidas para combater as esquadras fechadas em vários pontos do País, Sr. Primeiro-
Ministro? Onde é que estão as medidas para combater o suicídio nas forças policiais, um dos maiores da Europa,
que nos devia envergonhar a todos?
Estamos preocupados em aumentar a idade mínima para assistir às touradas, mas não a idade para a
mudança de sexo. Esquecemo-nos, portanto, dos problemas fundamentais, dos problemas da tal
progressividade… Ainda hoje soubemos que, afinal, vem aí mais progressividade no IRS.
Sr. Primeiro-Ministro, estamos a penalizar quem trabalha mais, quem se esforça mais, quem quer dar mais
ao País, sempre, e o que o Governo traz hoje aqui é «vamos ter mais progressividade», que é o mesmo que
dizer «vamos sufocar mais a classe média».
O Sr. Primeiro-Ministro chamou populista ao líder do PSD, mas não foi o Sr. Deputado Rui Rio que hoje foi
populista. O Sr. Primeiro-Ministro é que deveria vir aqui falar de uma qualquer negociata de lítio numa junta de
freguesia socialista e lamentar que isso tivesse ocorrido em vez de ter promovido a Ministro quem levou a cabo
esta negociata. Era isto que deveria fazer hoje e não atacar o líder do PSD.
Sr. Primeiro-Ministro, uma última questão, esta sim importante do ponto de vista das suas próprias
prioridades: o Sr. Primeiro-Ministro disse, e disse várias vezes, que este seria o Governo do crescimento
económico, mas disse que era o Governo do crescimento económico com mais dinheiro para as famílias. O que
lhe queremos perguntar não tem a ver com conversa, mas com medidas concretas: como é que o IRS vai ser
definido para dar às famílias, que hoje vivem sufocadas em impostos, mais dignidade, mais força e, sobretudo,
mais capacidade de viver, principalmente nas grandes cidades, onde os preços começam a sufocar essa tal
classe média que o Sr. Primeiro-Ministro tanto diz defender?
Era isso que nós esperávamos ouvir hoje do Governo e era isso que esperávamos que hoje o Governo viesse
aqui defender.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a exemplo do que se passou com Os Verdes, o tempo a mais que usou
na sua intervenção, 1 minuto e 12 segundos, será retirado do tempo de que dispõe para a segunda parte do
debate.
Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Ventura, em primeiro lugar, o Programa do
Governo é muito claro quanto à saúde: a primeira prioridade consiste em desenvolver os cuidados de saúde
primários, a segunda prioridade em duplicar o investimento nos cuidados continuados integrados, a terceira
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prioridade em alargar o cheque-dentista às crianças até aos 2 anos, criar o vale de óculos para todas as crianças
e jovens até aos 18 anos e a todos os idosos acima dos 65 anos que tenham o rendimento social de inserção.
Risos do PSD.
Consiste também em desenvolver e generalizar a todo o País o modelo das unidades de saúde familiares,
concretizar, até ao final desta Legislatura, os cinco grandes hospitais que estão lançados: o hospital oriental de
Lisboa, o hospital central do Alentejo, os hospitais de Sintra e do Seixal e espero, também, o novo hospital do
Funchal. São muito claros os nossos compromissos em matéria de saúde.
Aplausos do PS.
Em matéria de combate à corrupção, espero que o Sr. Deputado enriqueça, finalmente, o nosso panorama
legislativo com a legislação que aguarda ser enriquecida desde que eu deixei de ser Ministro da Justiça, em
2002, porque todo o quadro legislativo que existe, criado nesse tempo, é um quadro legal robusto para combate
à corrupção, mas aguardo que, finalmente, alguém chegue para o poder modernizar.
Mas queria dizer-lhe que, mais do que leis, aquilo de que nós precisamos é de meios e, por isso, foi
fundamental a nova Lei Orgânica da Polícia Judiciária, que reforçou esta Polícia do ponto de vista orgânico, do
ponto de vista humano e do ponto de vista técnico para prosseguir o combate à corrupção.
Aplausos do PS.
Consta também do Programa do Governo o compromisso de propor à Assembleia da República — e conto
com o seu voto — a duplicação das sanções acessórias relativamente à inibição do exercício de cargos públicos
e a criação, pela primeira vez, da sanção acessória de falta de idoneidade para o exercício de funções de gestão
e administração de qualquer sociedade por parte de quem seja condenado pela prática do crime de corrupção.
Relativamente à segurança interna, temos não só uma nova lei que foi criada, pela primeira vez, na
Legislatura anterior, ou, melhor pela segunda vez, porque a primeira tinha sido criada já entre 2005 e 2007…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
É para não estar sempre a citar, é só para sublinhar, só para não ser vitupério…
Na Legislatura passada foi aprovada a segunda Lei da Programação das Infrasestruturas e Equipamentos
das Forças de Segurança, que temos vindo a cumprir.
Tem também de ser prestada uma homenagem a todas as nossas forças de segurança, porque são elas que
garantem algo que é absolutamente essencial e que é também outro recorde que deveria orgulhar todos: é que,
nos rankings internacionais, nós somos considerados como o terceiro país mais seguro do mundo, e isso é um
fator essencial para a vida dos portugueses e para a nossa credibilidade externa.
Aplausos do PS.
O Sr. Deputado, certamente por lapso, terá confundido progressividade do IRS com aumento do IRS.
O Sr. André Ventura (CH): — Não! Não!
O Sr. Primeiro-Ministro: — A progressividade do IRS significa que nós devemos ter escalões devidamente
diferenciados para garantir aquilo que é essencial na justiça fiscal, isto é, que cada um pague em função das
suas capacidades. E aquilo que fizemos já foi termos aumentado o mínimo de existência ou termos desdobrado
os escalões até aos 40 000 € de rendimento anual. Temos agora de fazer um esforço acima dos 40 000 €, pelo
que aquilo que iremos fazer, nesta Legislatura, é proceder ao desdobramento dos escalões para diminuir a
tributação que incide sobre a classe média.
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Para nós, as medidas fiscais em sede de IRS não têm só a ver com escalões, têm a ver, por exemplo, com
as medidas que temos para aumentar a dedução em função do número de filhos, porque se queremos responder
positivamente à alteração da dinâmica demográfica, para além de se combater a precariedade no trabalho e
garantir o acesso à habitação, temos de criar melhores condições às famílias para poderem exercer a liberdade
de terem os filhos que desejarem ter. Por isso, as medidas de apoio em relação às creches ou a maior dedução
em função do número de filhos são absolutamente essenciais, e estão previstas no nosso Programa do Governo.
Sr. Deputado, lamento desiludi-lo, mas quando falamos de crescimento económico não falamos de retórica,
falamos de experiência feita.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ah!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Pela primeira vez desde que aderimos ao euro, crescemos acima da média
europeia em 2017 e estamos a crescer em 2019. E mesmo nas previsões mais pessimistas continuaremos a
crescer acima da média europeia em 2020 e em 2021.
Aplausos do PS.
Aquilo que temos de garantir, como tenho dito e repetido — ainda hoje voltei a dizê-lo meu discurso, mas
porventura não terá ouvido essa passagem —, é que não nos basta crescer acima da média europeia, temos
de crescer mais e temos de ter, pelo menos, uma década de convergência sustentada com a União Europeia.
Temos de ter uma maior ambição de crescimento, e foi para isso que desafiei todos os parceiros sociais para
celebramos um pacto para o crescimento de forma a dar sustentabilidade, segurança e previsibilidade a todos
os agentes económicos de modo a assegurarmos, efetivamente, este maior crescimento e termos, pelo menos,
uma década de convergência com a União Europeia. É mesmo essa a ambição que temos e é essa ambição
que iremos concretizar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo,
do Iniciativa Liberal.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Colegas
Deputados, deveria ser com grande alegria que eu hoje estaria a discursar, pela primeira vez, neste Hemiciclo.
É a primeira vez que um Deputado de um partido assumidamente liberal está nesta Câmara.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Desde a monarquia constitucional, é!
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Os que votaram em nós queriam trazer a este Parlamento uma
nova atitude, uma nova visão. Deveria estar com alegria a fazer isso, mas essa alegria não resistiu à leitura do
Programa do Governo.
De facto, olhamos para aquele Programa, olhamos à volta para as pessoas e para as ideias e nada há de
novo, nada há que nos alegre. Tudo o que encontramos é uma diferença enorme entre o que o País precisa e
aquilo que este Governo quer fazer.
Apesar dos múltiplos roteiros que o Sr. Primeiro-Ministro citou no seu discurso, faltam alguns.
Falta um roteiro de como é que se acaba com a falta de quadros qualificados, quando o que o Governo quer
é tributá-los mais e mais.
Falta um roteiro para acabar com um País que está descapitalizado, quando o Governo quer aumentar
exatamente os impostos sobre o capital.
Falta um roteiro para eliminar as listas de espera de centenas de pessoas que agonizam, quando o que o
Governo quer é limitar, impedir as pessoas de usarem prestadores privados de serviços de saúde por meros
motivos ideológicos.
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Também falta um roteiro para que as escolas públicas sem condições possam ter como alternativa escolas
com condições que o Governo deixe os alunos escolher. Por preconceito ideológico isto também não acontece.
Falta ainda um roteiro para que um País onde nascem muito poucas crianças consiga não ter um Governo
que só nomeou 13 pediatras para os centros de saúde enquanto arranjou 50 secretários de Estado.
Falta um roteiro que resolva de vez o problema da corrupção. Temos um Governo que está mais empenhado
em impedir que os seus camaradas sejam condenados do que em acabar verdadeiramente com este fenómeno.
Protestos do PS.
Este Programa é mais do mesmo. Não tem rasgo, não tem ambição. Tal como há quatro anos, nada contém
que inspire os portugueses, que os liberte e os encoraje a fazer mais por si e pelo seu País.
Ao contrário de há quatro anos, diz que é um Programa de contas certas, mas desta vez nem sequer essas
contas apresenta. Em cada página pressentem-se os tentáculos do Estado a crescer, financiados, ainda e
sempre, por novos impostos.
Este Partido Socialista governa o País há 24 anos. Foram 24 anos de estagnação, em que caímos do meio
para a cauda da tabela europeia do desenvolvimento. A julgar por este Programa, os próximos quatro anos vão
ser ainda piores.
O PS não aprende, porque não quer aprender, Sr. Primeiro-Ministro. Sabe que, mantendo um país amorfo e
resignado, tem sempre um grupo de pobres, de desesperados, de dependentes do Estado que lhe irão dar o
voto.
A pobreza de muitos é aquilo que segura o PS ao poder, e como o PS não existe para mais do que para
estar no poder nunca irá resolver o problema da pobreza que lhe permite manter-se lá.
Estas palavras do Iniciativa Liberal deviam ter sido proferidas com alegria, mas têm de ser proferidas, afinal,
com muita energia, com a energia de quem sabe que começa hoje uma longa batalha a favor da liberdade
individual e contra a pobreza que vai sustentando governos como este que está no poder.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, como aconteceu com os dois casos anteriores, o tempo excedido será
descontado no tempo que lhe for atribuído na fase de debate.
Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Cotrim Figueiredo, começo por cumprimentá-lo
pela sua eleição.
Tenho uma vantagem sobre si, porque tenho um estado de espírito ambivalente. Sinto, em primeiro lugar,
uma enorme alegria por vê-lo aqui, porque acho que a riqueza da democracia assenta mesmo naquilo que define
como preconceito ideológico.
Aplausos do PS.
É muito bom que esteja aqui alguém que se diga assumidamente liberal, porque, de facto, já estamos um
bocado cansados daqueles que são envergonhadamente liberais e se vão disfarçando como sendo sociais-
democratas.
Aplausos do PS.
Finalmente, o PSD tem alguém autenticamente liberal em quem se pode rever nesta Assembleia da
República.
Risos do PS.
Devo dizer-lhe que onde o Sr. Deputado viu que temos caminhos absolutamente diferentes e viu tristeza eu
vi uma enorme alegria. É que o que é bom na democracia é os portugueses poderem dispor, em cada momento,
de caminhos alternativos para seguirem.
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Conhecem o nosso caminho e avaliam-no bem ou mal, desejam continuá-lo ou não o desejam continuar. Um
dia, ficaremos a conhecer o seu e poderão escolhê-lo.
Infelizmente — e é isso que torna o meu sentimento um pouco ambivalente —, hoje fiquei desiludido, porque
esperava ouvi-lo dizer que não concorda com o nosso Programa, mas esperava ouvi-lo dizer alguma coisinha,
uma única ideia diferente e nova que tivesse para o País.
O Sr. Marcos Perestrelo (PS): — Ficou muito aquém!
O Sr. Primeiro-Ministro: — Aí, confesso, fiquei bastante desiludido, porque nada disse.
Aplausos do PS.
Mas posso recomendar-lhe, primeiro, que se dê ao trabalho de reler o Programa do Governo e verificar que
não há nele uma única proposta de aumento de impostos…
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Por acaso há!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … seja para as pessoas e as famílias de mais altos rendimentos, seja para a
tributação das empresas. Não há nele nenhuma proposta de aumento de impostos para qualquer forma de
rendimento.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, deixa-me também um pouco dividido entre a satisfação de ver que somos,
de facto, diferentes nas nossas ideias, e, ao mesmo tempo, de perceber qual é o ponto da nossa diferença: a
ideia que tem de porque é que há pobreza em Portugal e de quem são os pobres em Portugal.
Penso que, seguramente, não tomará a iniciativa de propor a reposição do voto censitário para que quem
menos tem não tenha, ao menos, a capacidade de eleger tantos Deputados nesta Assembleia da República
como aqueles que o elegeram a si.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joacine Katar Moreira, do
Livre.
A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não me irei alongar imensamente
em elevados cumprimentos.
Vou começar imediatamente por me referir ao seguinte: os imigrantes e as minorias étnicas necessitam de
ser olhados com o mesmo respeito e com a mesma importância que os emigrantes e os lusodescendentes.
Desejava que o Sr. Primeiro-Ministro me explicasse como é que irá incentivar um olhar de pertença dos
imigrantes à comunidade nacional, rejeitando a nacionalidade imediata aos seus filhos.
Queria referir ainda que não há nenhum combate às desigualdades com ordenados mínimos absolutamente
miseráveis como os que nós normalizamos e com os quais ninguém neste Hemiciclo conseguiria viver.
Refiro ainda que é insuficiente afirmarmo-nos ambientalistas. Pergunto-lhe qual é o orçamento para o
combate às alterações climáticas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Joacine Moreira, em primeiro lugar, em relação
às questões da imigração, Portugal tem um longo historial de migrações. Durante muitos anos, partimos, mas,
nas últimas décadas, temos também acolhido.
É muito importante que nunca esqueçamos que as migrações não são um fenómeno de conjuntura, mas é
algo que faz parte da história da Humanidade desde a sua origem. Há 50 000 anos iniciámos uma viagem a
partir do continente africano e desde aí não deixámos de passear pelo mundo enquanto Humanidade.
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Nos livros de História, muitas vezes, tendemos a achar que as grandes vagas migratórias foram momentos
que aconteceram num ápice, quando efetivamente aconteceram ao longo de décadas ou mesmo de séculos.
Essa é uma realidade com a qual é preciso todos aprendermos a viver, da mesma forma que vivemos com as
alterações do clima, com a dinâmica da vida, com o ciclo das estações do ano, porque as migrações fazem parte
da vida da Humanidade.
Aquilo que também aprendemos ao longo da nossa História é que sempre que nos fechámos aos outros
empobrecemos, sempre que nos abrimos aos outros enriquecemos. Assim, Portugal, até por isso, deve ser um
país orgulhosamente aberto ao mundo e a todos aqueles que queiram viver em Portugal.
E mais: estamos numa fase da nossa vida económica onde não há entidade patronal e não há setor de
atividade que não nos diga que é necessário responder, com urgência, às carências de mão de obra que temos.
Não vale a pena ter a ideia de que é necessário vivermos com um regime de quotas, porque a experiência da
crise também nos ensinou que há um regulador natural dos fluxos que tem a ver com maior crescimento ou com
recessão económica.
Por isso, definimos como prioridade um acordo de mobilidade no seio da CLPL. E tenho muita esperança
que, na atual presidência da CPLP, de Cabo Verde, esse acordo seja possível. Mas, como também temos dito,
se não for possível um acordo multilateral no âmbito da CPLP, temos de agir unilateral ou bilateralmente com
os países que quiserem avançar connosco.
Na atual estrutura do Governo, tão criticada, criámos, pela primeira vez, uma Secretaria de Estado para as
imigrações, porque o esforço de integração na nossa sociedade, o esforço de termos uma sociedade inclusiva
passa também pela integração dos imigrantes em Portugal.
Temos, por isso, essa nova unidade orgânica, com uma diferenciação muito importante, que é fundamental:
uma separação clara entre o que têm de ser as instituições que se dedicam à imigração e as políticas e as
instituições que se dedicam ao combate ao racismo e à xenofobia, porque o combate ao racismo não tem a ver
com a nacionalidade, não tem a ver com a origem, porque grande parte das discriminações referem-se a
nacionais portugueses, a nacionais originários portugueses, que nasceram em Portugal e sempre viveram em
Portugal, que têm, simplesmente, uma cor de pele distinta e que têm de ser tratados por igual com os demais
portugueses.
Aplausos do PS.
Houve um avanço muito grande na nossa Lei da Nacionalidade, em 2006/2007, que foi termos abandonado
o tradicional critério do jus sanguinis para adotarmos também o critério do jus soli.
Em regra, as crianças que nasçam em Portugal, ainda que filhos de pais estrangeiros ou de não nascidos
em território nacional, são também portuguesas. É necessário aprofundar e fazer uma avaliação para levar a
todas as consequências o critério do jus soli, mas, sobretudo, para eliminar grande parte dos obstáculos
burocráticos que têm dificultado a atribuição da nacionalidade a quem a lei já reconhece o direito de ter
nacionalidade originária por ter nascido no nosso País.
Finalmente, quanto à questão ambiental, Portugal foi não só o primeiro País do mundo, logo em 2016, a
comprometer-se com o objetivo da neutralidade carbónica em 2050, como foi também o primeiro País do mundo,
através do Governo a que este dá continuidade, a aprovar o Roteiro para a Neutralidade Carbónica, fixando as
metas – aliás, mais ambiciosas para esta primeira década — até 2030.
Mas esse Roteiro não tem só metas, tem medidas de política e tem estimativas orçamentais, pelo que quando
me pergunta onde está o orçamento, posso dizer-lhe que o orçamento está nesse Roteiro e tem de ir sendo
concretizado ano a ano, quer por parte do Estado quer por parte do investimento privado, que é também
necessário para que a sociedade portuguesa cumpra esse objetivo.
Por isso, Sr.ª Deputada, aquilo de que estamos certos é que ao longo desta Legislatura seremos capazes de
dar avanços concretos para cumprir as metas desta primeira década, até 2030, e continuarmos a lançar as
bases das políticas necessárias para alcançarmos a neutralidade carbónica até 2050.
Muito obrigado pelas suas questões, Sr.ª Deputada.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: — Continuamos com pedidos de esclarecimento ao Sr. Primeiro-Ministro e com as
respetivas respostas.
O Sr. Primeiro-Ministro informou a Mesa que irá responder às próximas oito questões em conjunto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, o Sr. Primeiro-
Ministro disse-nos que este Programa do Governo tinha um roteiro para melhorar os serviços do Estado
prestados aos cidadãos. Tenho, então, de pensar que no seu anterior Governo não houve roteiro. De facto, a
sensação que há é a de que os serviços públicos do Estado falharam clamorosamente aos cidadãos. E vou dar-
lhe dois exemplos, Sr. Primeiro-Ministro, no âmbito da saúde e das pensões.
No âmbito da saúde, Sr. Primeiro-Ministro, foi divulgado ontem o relatório da ADSE que deixa em pânico os
funcionários públicos, porque diz, fundamentalmente, duas coisas. A primeira é que havia disponíveis cerca de
540 milhões de euros, grande parte desse dinheiro arranjado pelo Governo anterior ao seu e a segunda é que,
neste momento, esta verba está esgotada e que no próximo ano haverá um défice de 17 milhões de euros na
ADSE. São 1 milhão e 200 mil funcionários, Sr. Primeiro-Ministro!
Pergunto: o que é que o seu Programa do Governo diz sobre esta matéria? É que não encontrámos nada
sobre esta questão perturbante para os funcionários públicos.
Também na questão da saúde e do Serviço Nacional de Saúde, V. Ex.ª vem dizer que, agora, neste Governo,
o Serviço Nacional de Saúde vai ser a joia da coroa. Veja bem, Sr. Primeiro-Ministro, a joia da coroa!
Pergunto: e no anterior Governo, que também era seu, era o quê? Era algo de pechisbeque? Era alguma
coisa de pechisbeque? É que, no fundo, a sensação que temos é a de que o Serviço Nacional de Saúde ficou
muito degradado e não responde aos cidadãos. Aliás, como o Sr. Primeiro-Ministro diz numa pérola do seu
discurso de tomada de posse, na página 6: «Ouvi os cidadãos que me diziam ‘olhe pelo Serviço Nacional de
Saúde’.»
Sr. Primeiro-Ministro, eles não estavam a fazer-lhe um pedido; estavam a fazer-lhe uma crítica, um remoque,
porque o Serviço Nacional de Saúde funcionou mal: aumentaram as listas de espera, as dívidas dos hospitais
cresceram e os tais cinco hospitais que agora parece que é para 2023 não foram feitos! Nada foi feito!
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, aquilo que faltou no Serviço Nacional de Saúde foi investimento e agora lemos
o Programa do Governo e não está lá nada sobre investimento modernizador do Serviço Nacional de Saúde.
Portanto, a sensação com que ficamos é que o SNS não vai ser a tal joia da coroa, vai ser, com certeza,
muito mais, a continuação do pechisbeque que foi, afinal, no Governo anterior.
Sr. Primeiro-Ministro, ficamos com a sensação de que este Governo, em matéria de saúde, é «muita parra e
pouca uva» ou, usando a sua expressão, «é muito roteiro e pouca meta».
Uma outra questão tem a ver com as pensões. Voltando ao tal cidadão que o encontra na rua e lhe diz «não
podemos estar dois anos à espera que nos atribuam as pensões», quero dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, mais
uma vez, que não era um pedido; era mesmo um remoque.
Até lhe direi uma coisa que me parece importante: este cidadão que lhe chamou a atenção estava a ser
ingrato para com V. Ex.ª. Sabe porquê, Sr. Primeiro-Ministro? Porque V. Ex.ª disse aqui, em abril de 2019, o
seguinte: «Relativamente aos atrasos no processamento das pensões, até junho,…» — e V. Ex.ª repetiu — «…
até junho tudo estará reposto em relação aos atrasos».
Sr. Primeiro-Ministro, então, depois, na campanha eleitoral, um cidadão aborda-o e diz-lhe «veja lá como é
com as pensões»? A verdade é esta: as pensões demoram anos a serem atribuídas pelo Centro Nacional de
Pensões e agora o problema — veja bem! — alargou-se à Caixa Geral de Aposentações: 300 dias de espera
por uma pensão para os funcionários públicos!
Pergunto: onde é que está a resposta para os cidadãos, funcionários públicos e outros, que o interpelam na
rua, não numa lógica de pedido, mas numa lógica de remoque? É que, no seu Programa do Governo, a resposta
a esta questão não existe, e isto é preocupante.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Marina Gonçalves, do Grupo Parlamentar do PS.
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A Sr.ª Marina Gonçalves (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e
Srs. Deputados, para reduzir as desigualdades temos de ser capazes de construir um sistema fiscal justo e
progressivo, e o Partido Socialista assume hoje esse compromisso com a sociedade.
A construção desse sistema fiscal passa pela capacidade de garantir que o contributo que cada cidadão dá
para a construção da sociedade e para o funcionamento de serviços públicos coesos e exigentes é coincidente
com o seu rendimento, independentemente da sua fonte, e é equitativo na sua aplicação e distribuição.
A redução do esforço fiscal das famílias é o vetor central na continuidade da política de combate às
desigualdades e da política de devolução e de aumento dos rendimentos, e é por isso que é tão importante não
apenas dar sequência ao que se fez nos últimos quatro anos mas também trabalhar para se ir mais longe na
promoção da equidade fiscal.
Não é demais lembrar o que se fez: em quatro anos, aumentámos os escalões de IRS, permitindo um alívio
fiscal a muitas famílias portuguesas; aumentámos o limiar do mínimo de existência, permitindo que mais famílias
com menos rendimentos tivessem isenção no pagamento de IRS; acabámos definitivamente com a sobretaxa
de IRS, que, embora fosse uma medida extraordinária, parecia que iria eternizar-se; reformulámos as deduções,
nomeadamente repondo uma dedução e aumentando o seu valor para uma dedução fixa por filho, acabando
com o sistema que, esse sim, era regressivo; e promovemos um conjunto de medidas de combate à fraude e
evasão fiscais que permitiram uma maior equidade fiscal.
Alguns dirão, como, aliás, já o disseram, que assistimos nos últimos quatros anos a um aumento sem
precedentes da carga fiscal imposta pelo Partido Socialista, e são esses os que hoje dizem serem o garante da
redução da carga fiscal. Mas os que hoje dizem, sem reservas, que o Partido Socialista aumentou a carga fiscal
foram os mesmos que votaram contra a redução dos impostos diretos que promovemos durante os últimos
Orçamentos do Estado.
Aplausos do PS.
De facto, promovemos essa redução nos últimos quatro Orçamentos do Estado, o que permitiu que as
famílias portuguesas hoje paguem menos 1000 milhões de euros em IRS.
Esses são também os mesmos que desvalorizam que o aumento da receita fiscal advém do melhor
funcionamento da economia e do efetivo aumento real do rendimento das pessoas e do consumo, e isso deve-
se ao trabalho que o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o PCP e o Partido Ecologista «Os Verdes» fizeram
e que, em conjunto, conseguiram aumentar o rendimento das famílias.
Perguntar-se-á se isso chega, se o Partido Socialista e o Governo estão satisfeitos apenas com a
concretização dos últimos quatro anos. Eu diria que o Programa do Governo é muito claro: não, não chega!
Ainda há muito caminho a fazer para promover mais justiça social e menos desigualdade e o Programa do
Governo é muito claro ao referir expressamente a progressiva eliminação de diferenças nas taxas que estão a
ser aplicadas aos diferentes tipos de rendimento, permitindo, aí sim, mais progressividade nos impostos e ao
dizer, expressamente, que «vamos continuar o trabalho que fizemos de aumento dos escalões de IRS,
permitindo um novo alívio fiscal para as famílias portuguesas». O Programa do Governo é claro ao dizer «vamos
eliminar as deduções e benefícios fiscais que hoje têm efeito regressivo e vamos continuar a combater o
planeamento fiscal agressivo».
Por isso, é importante garantir que aquela que parece ser uma preocupação transversal a todos os partidos
aqui representados seja, efetivamente, uma concretização do XXII Governo Constitucional.
Sr. Primeiro-Ministro, apresentamos hoje um conjunto de medidas que vão, efetivamente, para além da
concretização dos últimos quatro anos. O Programa do Governo apresenta compromissos sérios e exigentes
para com o povo e para com a redução da carga fiscal.
E como hoje o nível de exigência é efetivamente maior, pedia-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, essa garantia, ou
seja, a garantia de que a expetativa e a confiança que depositamos num Programa do Governo assente em
mais justiça fiscal sejam, efetivamente, transpostas para medidas concretas, fazendo jus ao trabalho que foi
feito nos últimos quatro anos e proporcionando melhores condições de vida aos portugueses.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o Programa do Governo identifica
prioridades que subscrevemos, nomeadamente o rigor fiscal e o combate às desigualdades, por exemplo. Mas
se lermos com atenção a concretização destas prioridades, o Sr. Primeiro-Ministro sabe que encontramos muitas
expressões como «promover», «consolidar», «reforçar», «capacitar», «caminhar no sentido de» e menos
medidas concretas.
Este debate é, por isso, um bom momento para verificarmos se é possível um compromisso para avanços
concretos na justiça fiscal e financeira. E é com esse espírito que gostaria de saber a sua resposta a quatro
medidas muito concretas que tenho para lhe propor.
Começando pela justiça fiscal, em Portugal, quem declarar 1 milhão de euros em salários paga uma taxa
máxima de 48% de IRS mais um adicional de solidariedade, e isso está correto. Mas se a mesma pessoa
declarar 1 milhão de euros em juros ou dividendos paga apenas 28% de IRS. Se concordamos que deve haver
um imposto único e progressivo sobre os rendimentos pessoais, como, aliás, diz a Constituição, então só há
uma forma de corrigir esta injustiça: chama-se «englobamento de todos os rendimentos».
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Se for essa a intenção do Governo — expressa pelo Partido Socialista,
pela primeira vez, no seu Programa —, isto é, fazer um englobamento obrigatório de todos os rendimentos em
sede de IRS, nesta Legislatura, então, desde já lhe digo que tem aqui uma maioria parlamentar para concretizar
essa medida.
Em segundo lugar — já o tínhamos discutido na Legislatura anterior —, temos a questão da progressividade
fiscal, ou seja, a introdução de novos escalões no IRS para aliviar a classe média, mas também um modelo de
deduções fixas para despesas de educação, para acabar com as diferenças entre as famílias ricas e as famílias
pobres.
Em terceiro lugar, refiro o fim do benefício fiscal para os residentes não habituais, porque têm uma despesa
fiscal de 600 milhões de euros, mas, acima de tudo, porque é justo, porque temos o dever de colocar em pé de
igualdade todos os pensionistas e todos os trabalhadores nos impostos que pagam ao Estado.
A quarta medida é uma urgência nova e diz respeito ao combate ao abuso nas comissões bancárias. Esta
preocupação aparece mencionada, ainda que de forma genérica, no Programa do Governo e, por isso, gostaria
de saber se concorda com medidas básicas para resolver o problema: uma conta universal de serviços básicos
garantidos, o fim das comissões de MB Way e, finalmente, um livro de regras para a Caixa Geral de Depósitos,
porque é um banco público e tem obrigações de banco público a cumprir para com os seus clientes.
Sr. Primeiro-Ministro, neste início de debate, estas quatro medidas são uma garantia do compromisso pela
justiça.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado António Filipe, do
Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, reafirmou há pouco o
seu propósito de prosseguir o caminho aberto há quatro anos. Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, é bom que haja
coisas que não fiquem pelo caminho.
Neste Programa do Governo, é notório que muitos problemas que ficaram por resolver pelo anterior Governo
correm o risco de ser deixados pelo caminho pela omissão. Essa omissão tem significado: falo de pessoas, de
carreiras profissionais, de serviços públicos essenciais que asseguram tarefas fundamentais do Estado, por
exemplo de carreiras na justiça, na segurança, na saúde, na educação, na prestação de serviços essenciais aos
cidadãos.
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Sr. Primeiro-Ministro, a tecnologia e a digitalização não resolvem tudo. O País não pode tratar as pessoas
que asseguram funções essenciais do Estado como peças descartáveis. O País não pode passar sem os
médicos, os enfermeiros e os demais profissionais do Serviço Nacional de Saúde, não pode passar sem os
professores e os assistentes operacionais da escola pública, não pode passar sem os profissionais das forças
e serviços de segurança, sem os militares, sem as pessoas que, no dia a dia, garantem o funcionamento do
Estado e assumem a obrigação de servir mais e melhor a comunidade.
Sr. Primeiro-Ministro, a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos que compete ao Estado assegurar
não se faz sem que haja carreiras profissionais valorizadas, sem salários condignos que impeçam a debandada
dos serviços públicos, sem as condições de estabilidade e de progressão das carreiras. A questão que se coloca
perante este Programa do Governo é a seguinte: que expetativas poderão ter os médicos, os enfermeiros e
outros profissionais de saúde? Que expetativas de carreira terão os funcionários judiciais, os funcionários dos
registos e notariado, do sistema prisional, os militares, os profissionais das forças e serviços de segurança, os
profissionais da educação quanto à revalorização das suas carreiras, após décadas de desvalorização e com
tantos problemas que não foram resolvidos?
Sr. Primeiro-Ministro, esta questão não diz apenas respeito aos profissionais, diz respeito a todos os
cidadãos, porque sem carreiras públicas valorizadas não teremos o SNS de que os portugueses tanto precisam,
não teremos a escola pública que os nossos jovens merecem, não teremos a segurança e a investigação
criminal, a justiça necessária para garantir o necessário combate à criminalidade, à corrupção, à violência
doméstica e a flagelos sociais.
Sr. Primeiro-Ministro, são estas as contas certas que o Governo deve verdadeiramente prestar aos
portugueses.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs.
Membros do Governo, vou referir dois temas e, no fundo, fazer três perguntas relativamente concretas.
Sabemos que o Programa do seu Governo é vago, mas concreto quando convém ao Governo,
designadamente piscando o olho aos seus antigos parceiros ou aos seus novos amigos. É tão concreto quanto
tentar definir a idade para assistir a um determinado espetáculo, piscando, assim, o olho aos seus mais recentes
amigos. Mas não fala de temas essenciais!
Já foi anunciado que este Parlamento discutirá, muito brevemente, uma questão central — a eutanásia. É
conhecida a posição do CDS acerca desta questão: fomos, somos e seremos contra pela forma como
encaramos o valor da vida. Pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro: qual é a posição do Governo? Se não houver
posição do Governo, qual é a sua posição e, no limite, qual é a posição do Partido Socialista? Esta é uma
questão fundamental, não é uma questão indiferente.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Primeiro-Ministro, de facto, tem um Governo grande, muito grande.
Que tenha um grande Governo é outra questão e, sinceramente, não acho que tenha um grande Governo. Acho
que tem um Governo grande, que não tem um grande Governo.
Tem um Governo novo, mas, em áreas essenciais, é o Governo velho. Dou-lhe dois exemplos: a Sr.ª Ministra
da Justiça, que queria ser libertada dessa função, teve de ficar. A propósito, pergunto-lhe o seguinte: vai ou não
regulamentar, finalmente, a lei do lobbying, garantindo mais transparência, tal como o CDS defendeu?
Fica, também, o Sr. Ministro da Administração Interna, foi embora o Secretário de Estado das «golas», ficou
o Presidente da Proteção Civil, também ele das «golas», mas ficou o Sr. Ministro. Isso tem um problema, Sr.
Primeiro-Ministro. É que soubemos recentemente que, em termos de serviços de estrangeiros e fronteiras,
aconteceu um pouco de tudo ao longo destes últimos quatro anos: redes de apoio à imigração ilegal,
encobrimento de situações graves… Olhe, por exemplo: 487 cidadãos do Indostão que entraram como sendo
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brasileiros; dois cidadãos com ordem de expulsão do espaço Schengen por atividades criminais, que foram, a
coberto desta rede de subornos e de corrupção, introduzidos no nosso País.
Estas — dirá o Sr. Primeiro-Ministro — são questões da justiça, são questões da tal operação Rota do Cabo.
Mas, e o Governo? Esta pergunta sobre o Governo é evidente, Sr. Primeiro-Ministro. É que há um relatório sobre
todas estas matérias, com todos os indícios, a que o Governo teve acesso e que deixou absolutamente na
gaveta. Mais: esse relatório indicava alguns responsáveis, e o Governo não só não deixou na gaveta o relatório,
como, a seguir, premiou os responsáveis, colocando um na Frontex e outro na REPER (Representação
Permanente de Portugal junto da União Europeia), com que, de resto, não tinha nada a ver.
Portanto, quando o Sr. Primeiro-Ministro vem aqui com um Governo novo, que é o Governo velho, tem de
responder às questões com que o Governo se foi debatendo ao longo destes anos, sendo o Governo o mesmo.
Em suma, o Governo soube ou não destes indícios? O Governo valorizou ou não estes indícios? O que fez o
Governo em relação a isto? O Sr. Ministro Eduardo Cabrita, quando esteve na respetiva comissão parlamentar,
não disse nada sobre o assunto.
O mesmo se diga em relação às forças de segurança e em relação às questões essenciais sobre as forças
de segurança. O Sr. Primeiro-Ministro diz «vamos fazer», «temos algumas soluções», «estamos a pensar em
várias coisas». A verdade é que, ao longo de quatro anos de mandato — e digo-lho diretamente, Sr. Primeiro-
Ministro, que nós não queremos grandes ideias nem grandes planos, queremos questões concretas —, nem
admissões, nem mudança de índices remuneratórios, nem promoções, nem mesmo os suplementos que o
Tribunal determinou que fossem pagos, nem subsídio de risco! Zero! Nada!
A pergunta seguinte, Sr. Primeiro-Ministro, consiste em saber o que o Governo vai fazer, pois o Programa do
Governo não nos diz nada, fala apenas em «articulação», «junção». O que é que isso quer dizer? Fusão das
forças de segurança? É isso que estão a defender? É bom que o digam, porque o Governo não diz nada e,
depois, fala em mais planeamento a quatro anos. Já sabemos que, quando os socialistas começam a planear,
os quatro anos chegam ao fim e nada está feito.
O protesto está anunciado, o descontentamento continua e pergunto-lhe diretamente, Sr. Primeiro-Ministro,
qual é a resposta, porque boas intenções não chegam, boas intenções nessa matéria são, para nós,
absolutamente nada, são zero. Esta pergunta não é de agora, pois passámos quatro anos a levantar esta
matéria, ano após ano.
O Sr. Presidente: — Tal como nos outros casos, o tempo que o CDS usou a mais nesta intervenção será
descontado no período de debate.
Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do Grupo Parlamentar
do PAN.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, dois dos
assuntos que trago são preocupações do PAN face ao Programa do Governo ora apresentado.
Em matéria de habitação, sucessivos governos não anteciparam devidamente as necessidades e vivemos
hoje uma situação dramática no acesso à habitação. Já em 2018, o levantamento nacional de necessidades de
realojamento habitacional identificava 26 000 agregados a viver em condições habitacionais indignas. Por sua
vez, os estudos sobre a taxa de esforço a nível de arrendamento, ou seja, o peso do arrendamento nos
rendimentos das famílias, revelam que esta é de 51% no Porto e de 58% em Lisboa. Em qualquer um dos casos,
corresponde a mais de metade dos rendimentos das famílias.
Também o Programa de Arrendamento Acessível prevê como máximo para um T2, no Porto, o valor de 1100
€ e, em Lisboa, o valor de 1150 €, o que não se coaduna com a capacidade económica da maioria das famílias
portuguesas, que dificilmente conseguem suportar estes valores e muito menos conseguem ainda aceder a
outros bens e serviços.
Assim, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de o questionar sobre a forma como o Governo vai monitorizar o
incentivo ao arrendamento acessível e assegurar o acesso ao 1.º Direito - Programa de Apoio ao Acesso à
Habitação. Tendo em conta o objetivo do Governo na erradicação de todas as carências habitacionais até 2024,
vai o Governo apresentar uma calendarização dos objetivos que define em matéria de habitação?
Sr. Primeiro-Ministro, outro tema fundamental para nós é o da educação. O ano escolar teve início a 13 de
setembro e começou com mais de 11 000 estudantes sem professores. A maioria dos horários disponibilizados,
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nestas circunstâncias, pelo Ministério da Educação, eram parciais, o que se traduz em remunerações baixas.
Assim, verificou-se que não havia candidatos suficientes para dar resposta às necessidades efetivas que
existem nas nossas escolas.
Ao mesmo tempo, temos vindo a assistir a um preocupante crescimento da idade média de docentes. No
relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), é referido que apenas 1%
dos docentes em Portugal têm menos de 30 anos e há apenas uma década este valor era de 16%. Estima-se
que, até 2023, irão aposentar-se 10 000 docentes. No caso dos assistentes operacionais, estima-se que há mais
de 3000 em falta nas escolas públicas do nosso País.
Sr. Primeiro-Ministro, a não resposta às necessidades efetivas permanentes nas escolas dizem também
respeito a outros profissionais, como é o caso dos psicólogos que atuam a nível da promoção da saúde mental,
da orientação vocacional, no desenvolvimento de programas adequados às necessidades das comunidades
educativas. Mais do que políticas remediativas, precisamos de começar a investir seriamente na prevenção.
Sr. Primeiro-Ministro, gostaríamos de colocar-lhe duas questões. Que medidas vai o Governo adotar com
vista a tornar a docência mais apetecível para os mais jovens e como vai aproveitar o conhecimento dos cerca
de 10 000 professores que irão aposentar-se?
Por último, como tenciona o Governo resolver a instabilidade com que se iniciou o ano letivo e dar resposta
às necessidades efetivas permanentes?
Aplausos do PAN.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, refiro o mesmo em relação aos tempos do seu grupo parlamentar.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cristóvão Norte, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.
Primeiro-Ministro, o Sr. Presidente da República disse, e bem, no ato de tomada de posse do Governo, que o
crescimento económico que se tem verificado não satisfaz. De facto, essa é uma observação compreensível.
Repare, Sr. Primeiro-Ministro: em 2015, entre os 28 Estados-Membros da União Europeia, Portugal figurava
na 18.ª posição em termos de PIB per capita e, hoje, quatro anos volvidos, caímos para a 21.ª, com apenas sete
países mais pobres do que nós. Pior: a persistir este ritmo, a verificar-se esta tendência, não tardará a chegar o
dia em que acordaremos e seremos o País mais pobre do continente mais rico do mundo.
Esta é uma jornada que só pode contentar quem não tem ambição, quem não tem ambição para construir
um País mais próspero, que ofereça melhores serviços, serviços públicos decentes aos seus cidadãos, e que
crie condições para que os cidadãos façam vingar os seus projetos de vida.
Mas, apesar destes factos, a questão do crescimento económico não é prioridade para este Governo, aliás,
não é, bem vistas as coisas, encarada como um problema. E, como não é um problema, não carece de solução,
não merece resposta, não merece tratamento.
Não há referências à iniciativa privada, o que é um péssimo prenúncio e denuncia a lógica estatizante, não
assentando, assim, numa visão consistente sobre o crescimento económico, os nossos recursos endógenos e
as nossas vantagens comparativas.
Sr. Primeiro-Ministro, de uma vez por todas: Portugal não está a convergir nos rendimentos. O PIB per capita
por paridade de poder de compra, ou seja, o que cada um pode comprar com o que ganha — e é isso que
interessa a cada cidadão —, decaiu, em Portugal, em 2018, para níveis de 2013,…
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — … descendo, em relação à média europeia, de 76,5% para 75,7%. Os
rendimentos estão, por isso, a cair em relação à média europeia.
Este é um problema que temos de vencer, mas não o faremos sem reformas estruturais e sem desbloquear
os estrangulamentos crónicos que minam o crescimento e sufocam as boas iniciativas, as melhores energias da
nossa sociedade. E também não o faremos com uma carga fiscal recorde, a qual o Governo se demitiu de reduzir
e nada disse, não obstante ter anunciado, Orçamento após Orçamento, a sua intenção de a reduzir.
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Este Governo, com os sinais que dá à esquerda, com as proclamações que faz, viverá em liberdade
condicional, pois vai necessitar do acordo e da aceitação da esquerda para tudo o que quiser fazer. E essas não
serão nunca reformas estruturais que relancem o País para mais crescimento económico, para uma visão mais
forte e mais pujante do futuro.
Precisamos de investimento e de poupança e temos de dizer aos nossos jovens, Sr. Primeiro-Ministro, que
precisamos deles cá, pela segurança social, pelo seu ímpeto reformista, pela natalidade, pelas suas
qualificações. Temos de dizer-lhes que vale a pena estudar — o Governo diz o contrário —, que vale a pena
investir na sua formação, que o seu esforço vai ser remunerado e que não vai ser consumido cada vez mais
pelo Estado sem esperança e cada vez com menos futuro.
O Governo é coerente, Sr. Primeiro-Ministro. Quer fazer tudo, ou quase tudo, igual ao que fez.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — E vocês são contraditórios!
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Mas, se fizermos tudo igual, vamos obter os mesmos resultados e vamos
ter mais divergência.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Divergência?!
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — E a divergência trará, Sr. Primeiro-Ministro, o aumento da pobreza relativa.
Sr. Primeiro-Ministro, explique a esta Câmara e aos portugueses porque é que Portugal, já que o Governo
operou este milagre económico, está a ser ultrapassado por vários países no que diz respeito aos níveis de
riqueza e o que vai fazer para inverter esta situação.
Explique também aos portugueses, Sr. Primeiro-Ministro, porque é que inscreveu, em abril de 2019, 5,6 mil
milhões de euros de investimento público no programa de estabilidade e crescimento que entregou em Bruxelas
e agora, tanto no programa eleitoral do Partido Socialista como no Programa do Governo, inscreveu 10 000
milhões de euros. Vamos ter outra vez cativações, Sr. Primeiro-Ministro? Vamos ter outra vez no Orçamento,
em loop, a mesma coisa, para nunca realizarmos nada e irmos prometendo sucessivamente, deixando os
serviços públicos abandonados como eles estão?
Por fim, Sr. Primeiro-Ministro, tem de prestar uma garantia aos portugueses que ainda não prestou, pois
ainda não foi claro nem objetivo. O Sr. Primeiro-Ministro diz que não tenciona aumentar impostos. Mas, Sr.
Primeiro-Ministro, como fica quem opta pelo englobamento dos rendimentos prediais e tem, neste momento, um
contrato a decorrer, pagando 28% sobre esses rendimentos? Falo da classe média, que não é aquela mais
abonada, mais favorecida, aquela que a esquerda tem na ponta da língua!
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Alguns até ficam a pagar menos!
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Se esse for o percurso, não só teremos mais impostos, como, sobretudo,
teremos um golpe mortal no mercado da habitação — habitação essa que o Governo quer que seja acessível
mas tira o tapete a quem coloca as casas no mercado, tornando-o desfigurado, desvirtuado e pondo-o em causa.
Aplausos do PSD.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Isso não é verdade!
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr.
Deputado José Luís Carneiro.
O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Sr. Presidente da Assembleia da República, digníssima Mesa, Sr.as e Srs.
Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, há várias constatações que gostaria de
fazer.
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Durante os últimos quatro anos, em detrimento do encerramento de serviços — serviços de saúde, serviços
de administração fiscal, serviços de administração da justiça —, denegando o Estado e as suas
responsabilidades fundamentais às populações, optámos por reforçar os meios, por modernizar a administração
e por restituir dignidade a esses serviços na sua relação com as populações.
Pude viver de perto, como autarca de territórios de baixa densidade, um momento muito crítico para a vida
das nossas comunidades locais. Tive, depois, a oportunidade de estar com o Sr. Primeiro-Ministro no Governo
e conhecer de perto, e profundamente, as mudanças que foram feitas.
Queria lembrar que — e é a primeira constatação —, enquanto se destruiu a Administração Pública e se
sonegou às populações os bens e serviços públicos fundamentais, fomos capazes de restituir confiança nas
instituições e no Estado de direito democrático.
Protestos do Deputado do PSD Jorge Paulo Oliveira.
A segunda constatação, Sr. Primeiro-Ministro, é a de que fomos também capazes de recuperar a confiança
na escola pública, nas instituições de ensino superior e nas instituições que compõem o nosso sistema científico
nacional, essencial para a valorização do elemento fundamental de desenvolvimento e que constitui, para nós,
a origem e o destino da política — as pessoas.
A terceira constatação é a de que conseguimos promover uma política de recuperação de rendimentos,
conseguimos garantir a estabilidade do sistema financeiro e do sistema bancário, gerámos confiança nas
famílias e gerámos confiança nas empresas. As empresas investiram e criaram emprego e o emprego estimulou
o consumo e a produção interna. Com isso, também conseguimos garantir outra sustentabilidade das funções
sociais e também das funções estratégicas do Estado. Recuperámos a credibilidade e o prestígio do País nas
instâncias internacionais e as comunidades portuguesas no estrangeiro, hoje, olham para o País e querem vir
investir aqui e aqueles que partiram querem regressar.
Protestos do Deputado do PSD Jorge Paulo Oliveira.
Temos vindo a crescer acima da média europeia e conseguimos, com isso, convergir com os países mais
desenvolvidos da União Europeia. O nosso crescimento, curiosamente — e contrariamente àquilo que tem vindo
a ser afirmado por algumas e por alguns —, assenta em todas as variáveis do crescimento.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Nem todas, nem todas!
O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Assenta na inovação e no conhecimento, inserindo o País nas cadeias
de valor internacionais, e assenta no aumento das exportações e na diversificação dos mercados.
Não devemos esquecer que vencemos — venceram as nossas empresas, venceu o nosso trabalho, venceu
o País; que fomos competitivos em mercados para fazer face a crises económicas e políticas em países
parceiros do nosso — basta ver os casos da América Latina, da Venezuela, da Angola e de Moçambique; e que
conseguimos crescer nas exportações e diversificar os nossos mercados — pese embora a crise económica,
que, naturalmente, prejudicou as nossas relações comerciais com alguns desses espaços.
Crescemos também no investimento direto estrangeiro. Ainda ontem, o Sr. Ministro da Economia anunciou
um grande investimento na região Norte em setores nevrálgicos de tecnologia de ponta, nomeadamente no setor
da aeronáutica, mas também nas tecnologias da informação e da comunicação.
Conseguimos avançar com um plano de investimento público e, como foi dito pelo Sr. Primeiro-Ministro, é
um plano de investimento público que tem duas variáveis fundamentais — são, aliás, essenciais para o Partido
Socialista e para os sociais-democratas —, que é compatibilizar a competitividade da economia do País com,
simultaneamente, a coesão social, económica e territorial e fazendo investimentos nas infraestruturas críticas,
fundamentais para a afirmação da economia no plano internacional, e investir nas infraestruturas de habitação,
nas unidades hospitalares e nos cuidados de saúde primários, essenciais para garantir que a competitividade
não deixe ninguém para trás e que estamos mais coesos internamente para competirmos melhor externamente.
Sr. Primeiro-Ministro, cumprimos com a palavra que demos aos portugueses, porque valorizámos as
pessoas, dignificámos as suas instituições e contribuímos para dignificar o Estado. Alcançámos o défice mais
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baixo da democracia e conseguimos reduzir a dívida pública, o que continua a ser um dos principais objetivos
do Programa do Governo. Foi essa a razão pela qual os portugueses nos deram uma maioria clara e inequívoca
para governarmos durante quatro anos.
Sr. Primeiro-Ministro, queria concluir colocando uma pergunta.
Sei bem que o Governo, no exercício das suas funções, das suas responsabilidades, internas e
internacionais, não cedeu às políticas reacionárias,…
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Reacionárias? Somos fascistas?!
O Sr. José Luís Carneiro (PS): — … optou por políticas progressistas, e também não cedeu a uma via
revolucionária, optou por uma via reformista.
Considerando os desafios europeus e internacionais, que, aliás, são reconhecidos no Programa do Governo,
gostaria que o Sr. Primeiro-Ministro nos pudesse transmitir a sua perspetiva acerca da importância que a
estabilidade política teve, tem e terá no futuro para conseguirmos cumprir e honrar os compromissos com a
sociedade portuguesa e para continuarmos a afirmar, na vida internacional, um Estado que hoje nos prestigia a
todos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Moisés
Ferreira.
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, na Legislatura
anterior foi possível construir uma nova Lei de Bases da Saúde.
Ainda bem que o Bloco de Esquerda lançou esse debate, ainda bem que Bloco de Esquerda persistiu nesse
debate, mesmo quando o PS recuava. Hoje, temos uma nova Lei de Bases da Saúde e, por isso, a nova
Legislatura deve ser a da concretização dessa Lei.
Acontece que, lendo o Programa do Governo, se dá mais pelas omissões do que pelas concretizações. Dou
um exemplo: a Lei de Bases diz que deve ser produzida uma nova legislação para a centralidade da gestão
pública, mas o Programa do Governo não se compromete com a revisão do atual Estatuto do SNS; a Lei de
Bases diz que o investimento no SNS obedece a um plano plurianual, mas o Programa do Governo não se
compromete com esse plano plurianual de investimentos; a Lei de Bases diz que o Estado deve assegurar os
recursos necessários ao SNS, mas o Programa do Governo não se compromete com metas orçamentais ou
metas de contratação de profissionais. Onde há omissão, tem de haver compromisso para esta próxima
Legislatura.
O Bloco de Esquerda assume, obviamente, esse compromisso para o SNS e assume que trará a esta
Assembleia da República todas as iniciativas que forem necessárias para concretizar a nova Lei de Bases.
Mas a pergunta que se coloca neste primeiro debate é se o Governo assume esse compromisso, se assume
o compromisso para um novo Estatuto do SNS, se assume o compromisso para um plano plurianual de
investimentos, se assume o compromisso para mais profissionais com carreiras condignas. Assim, em vez de
gastarmos 260 milhões de euros com horas extraordinárias, usaríamos esse dinheiro para contratar 7000
profissionais para o SNS; em vez de esbanjarmos 100 milhões de euros com tarefeiros, usaríamos esse dinheiro
para construir carreiras dignas para os profissionais; e, em vez de canalizarmos milhares de milhões de euros
para privados, usaríamos esse dinheiro para investir no SNS.
O Bloco assume esse compromisso. E a pergunta que coloco, não só para o debate de hoje mas para toda
a Legislatura, é a seguinte: o Governo assume também esse compromisso para o SNS?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, para responder a este conjunto de questões.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito obrigado pelas questões que colocaram.
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Em primeiro lugar, Sr. Deputado Adão Silva, sim, é fundamental ouvir as pessoas, quer pelo que têm a dizer
de mal e pelas críticas, quer também pelo que têm a dizer de bem. E isso não me custa ou surpreende: fui
durante oito anos Presidente de Câmara e qualquer um que tenha sido autarca sabe que o essencial na vida de
um autarca é saber estar na rua, saber ouvir as pessoas e registar o que lhe têm a dizer. Não ouvimos sempre
coisas agradáveis. Mas sabe o que faz quem só quer ouvir coisas agradáveis? Não vem para o Governo, porque,
como sabe, quem está no Governo não ouve só coisas agradáveis, ouve também aquilo que as pessoas dizem
que é necessário fazer e nós temos de encontrar resposta para fazer o que falta mesmo fazer.
Aplausos do PS.
É verdade que algo que é absolutamente inaceitável é o tempo de resposta que temos tido relativamente aos
pedidos de pensão. Como sabe, foram adotadas medidas de desconcentração para o tratamento dos serviços.
Houve um reforço nos serviços e há melhorias, mas o problema está por resolver e é preciso ir saber em que
circunstâncias em especial. Nós até avançámos — como, aliás, já aqui anunciei — com uma liquidação
provisória do montante da pensão em função do simulador, o problema é que o simulador não se aplica a todas
as pessoas.
Não vou agora estar aqui a relatar um caso concreto, mas, num dos casos em que fui interpelado na rua, e
foi, aliás, muito visível na televisão, pude verificar, em concreto, o que se passou: trata-se daquelas situações
— e o Sr. Deputado, como já foi Secretário de Estado do setor, sabe bem a complexidade dos sistemas de
informação — em que houve descontos para diversos sistemas em Portugal e houve períodos de descontos
fora de Portugal e, muitas vezes, esses atrasos não se devem aos nossos serviços mas à dificuldade de obter
resposta e informação dos países onde as pessoas estiveram emigradas. Portanto, é um problema sério para o
qual temos de encontrar resposta.
E o que quero aqui dizer — e referi-o precisamente na tomada de posse do Governo — é que não esqueci o
que ouvi, como também ainda não me esqueci do que aprendi nos oito anos em que fui Presidente de Câmara.
Há outros que se esqueceram, mas eu não. Por isso, continuarei a estar atento.
Vários Srs. Deputados colocaram uma questão que tem a ver com a justiça fiscal e a progressividade. O
Programa do Governo é muito claro sobre essa matéria, sobretudo no que diz respeito à necessidade que temos
de avaliar os resultados da comissão que fez a avaliação da eficiência dos vários benefícios fiscais que o País
tem, e assume o compromisso de avançar em matéria de englobamento. E é isso que iremos fazer, passo a
passo, com a devida sustentabilidade ao longo desta Legislatura. E esse trabalho, que alguns veem como
significando antecipadamente um aumento da tributação, é um trabalho que temos de fazer com o equilíbrio
necessário, de modo a não sacrificar a justiça fiscal e os objetivos que o País tem de prosseguir e são
absolutamente essenciais.
Se queremos continuar a crescer, temos de manter um esforço para a capitalização das nossas empresas,
de forma a diminuir a sua dependência do sistema bancário e continuar a ter um maior investimento e mais
sustentado na dinamização da nossa economia.
No que diz respeito ao arrendamento, pelos exemplos que ouvi de um lado e do outro das bancadas, o que
temos é um quadro de incentivos à adoção de comportamentos adequados e temos de ter um quadro de
desincentivos à obtenção de resultados que consideramos indesejáveis.
O caso do arrendamento é bem evidente. Pode mesmo haver total isenção da tributação se houver a
colocação das casas em regime de arrendamento acessível ou se houver, por exemplo, um compromisso em
matéria de durabilidade dos contratos de arrendamento. Esse é um incentivo que damos para a adequação do
mercado de arrendamento às necessidades. Efetivamente, também há penalizações. Estão previstas
penalizações, por exemplo, em sede de IMI (imposto municipal sobre imóveis) — relativamente a fogos que
continuam a ser artificialmente retirados do mercado, diminuindo artificialmente a oferta —, porque deve ser
dado o incentivo correto para que todos os fogos sejam colocados no mercado, para aumentar a oferta.
É precisamente nesse equilíbrio que devemos poder avançar ao longo desta Legislatura.
Do mesmo modo, consta do Programa do Governo a necessidade de proceder a uma avaliação do atual
quadro regulatório em matéria de taxas bancárias, garantindo que elas correspondam aos serviços que são
efetivamente prestados aos clientes.
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O Sr. Deputado António Filipe foi o primeiro que colocou a questão das carreiras especiais. Tenho dito e
repetido que não podemos olhar para a política de rendimentos como sendo exclusivamente uma política de
rendimentos da Administração Pública e muito menos podemos olhar para a Administração Pública focando-nos
exclusivamente nas suas carreiras especiais. Temos de olhar para a Administração Pública no seu conjunto e
com o foco centrado no cidadão e no serviço que lhe prestamos.
Por isso, não há só as carreiras especiais, também há as carreiras gerais e refiro-me, em particular, aos
técnicos superiores da Administração Pública, para quem nós temos de ter um olhar efetivo e uma resposta
concreta nesta Legislatura. Nesse sentido, já abrimos um concurso para admissão de 1000 novos técnicos
superiores para a Administração Pública, um grande esforço de rejuvenescimento, o que é absolutamente
necessário desenvolver, não só para a qualidade do serviço, como também para responder, por exemplo, de
modo estrutural às dificuldades da ADSE. E temos de responder também ao nível remuneratório que os nossos
técnicos superiores hoje têm, comparativamente ao que é oferecido no setor privado. Essa é uma resposta que
temos de dar.
Mas nós temos de olhar para as carreiras em três perspetivas. Primeiro, é necessário reforçar as
contratações, uma vez que há 11 000 novos profissionais no Serviço Nacional de Saúde e sabemos que ainda
não é suficiente; ao longo da última Legislatura, tivemos 2216 admissões na Guarda Nacional Republicana,
1631 admissões na Polícia de Segurança Pública e sabemos que existem ainda carências. Segundo, temos de
ter a capacidade de responder à normalização da vida da Administração Pública, garantindo a todos os
profissionais uma atualização anual dos seus rendimentos. Terceiro, temos de responder a uma das medidas
mais importantes adotadas na última Legislatura, que é a de pôr termo ao congelamento das carreiras e
assegurar que todos tenham uma perspetiva de carreira.
Sr. Deputado, em 2020, se nada mais fizéssemos, só pelo efeito automático da legislação já aprovada em
matéria de progressões e promoções, teremos um aumento da despesa de 527 milhões de euros. Ou seja, 527
milhões de euros é o que já temos garantido como aumento da despesa automaticamente por via das
progressões e promoções.
Ora, a par de garantir o que já está garantido, para evitar retrocessos, temos de responder às novas
necessidades do pessoal, responder às necessidades da valorização das carreiras, o que há anos está
esquecido e nunca teve valorização, e responder às expectativas que existem nas carreiras especiais. Mas tudo
tem de ser feito com o equilíbrio necessário, porque as «contas certas» — o termo que o Sr. Deputado António
Filipe usou para fazer um trocadilho — são também as contas certas com que temos de responder aos
portugueses, para que, com os impostos que pagam, possamos prestar um cada vez melhor serviço, para que
os impostos que pagam não tenham de ser aumentados, para que a poupança que hoje temos com os juros da
dívida possa continuar a existir e para que possamos investir mais onde é necessário. As «contas certas» são
isto tudo e são essas contas certas que temos de entregar aos portugueses.
A Sr.ª Deputada Bebiana Cunha colocou uma questão sobre a habitação. Gostaria de lhe dizer que 24% dos
imóveis que, até este momento, já entrou no regime de renda acessível tem rendas inferiores a 500 € mensais.
É um programa novo que requer uma avaliação regular e que tem de ser complementado com o aumento da
oferta pública, como disse, aliás, no meu discurso, em que assumi o compromisso, só da parte do Estado, de
disponibilizarmos, até ao final da Legislatura, 10 000 fogos para arrendamento acessível.
Quando olhamos para as carreiras e para os profissionais, o que está no Programa do Governo em matéria
de professores é algo que é fundamental e os sindicatos devem assumir, de uma vez por todas, disponibilidade
para discutirmos. Temos de começar a normalizar aquela carreira de forma idêntica às demais carreiras. É
inaceitável, e nada o justifica, que aquela seja a única carreira em que, durante anos e anos a fio, não tenha
havido fixação no quadro das escolas, com desvantagens para o próprio, para a estabilidade da escola, para a
estabilidade do início do ano letivo e para a melhoria da qualidade do ensino.
Temos de mudar porque não há nenhuma razão para que esta seja a única carreira em que, durante grande
parte da vida, as pessoas, de quatro em quatro anos, tenham de estar sujeitas a mudar de escola. Como nas
demais carreiras da Administração Pública, as pessoas têm de ter estabilidade na sua vida, porque isso contribui
significativamente para a melhoria da qualidade do serviço que prestamos.
Também não podemos ignorar — como, aliás, o Programa do Governo não ignora — que é necessário
responder a necessidades específicas, designadamente na área de Lisboa e na região do Algarve, como o custo
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acrescido do alojamento. É isso que está previsto no programa do alojamento, pelo que temos de encontrar uma
resposta.
O Sr. Deputado Cristóvão Norte achará, com certeza, que o crescimento económico não se decreta com uma
varinha mágica. Já é um progresso, pois passou da fase em que receava que chamássemos o diabo para agora
ter a esperança de que podemos gerar um milagre. Olhe, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Mas iremos
continuar a trabalhar passo a passo.
Sei que o seu discurso ficou desatualizado com o meu,…
O Sr. CristóvãoNorte (PSD): — Mas não está desatualizado com o Programa do Governo!
O Sr. Primeiro-Ministro: — … sei que o tinha escrito em casa sem conhecer o meu e, por isso, para a
próxima terá, seguramente, uma nova oportunidade para poder estar em sintonia com o que eu disse sobre a
nova ambição que temos de ter para podermos crescer mais e para termos, pelo menos, uma década de
convergência continuada e sustentada com a União Europeia.
Sr. Deputado, queria dizer-lhe o seguinte: os governos nunca têm mãos livres, porque em democracia
ninguém governa com mãos livres. Temos, felizmente, uma comunicação social independente e que escrutina,
dia a dia, a nossa atividade. Temos, felizmente, um sistema de justiça independente que garante que ninguém
está acima da lei. E temos, espero, uma oposição atuante, viva, criativa, cheia de ideias, para nos obrigar a
governar cada dia mais e melhor.
Felizmente, temos a comunicação social e o sistema de justiça e aguardaremos que a oposição se reorganize
e possa também corresponder à sua função.
Mas, Sr. Deputado, há uma coisa que lhe posso garantir: deve atualizar a aritmética parlamentar. O PS, na
confrontação com a direita, não está dependente de nada, a direita é que, cada vez que quiser nesta Assembleia
da República derrotar o Partido Socialista, terá de somar a todos os seus votos — do seu voto ao do Sr.
Deputado André Ventura — os votos do PAN mais os votos de toda a esquerda. Boa sorte, se quiser,
efetivamente, comprometer a governação do Partido Socialista.
Aplausos do PS.
E o que acabei de referir permite-me responder, aliás, à questão colocada pelo Sr. Deputado José Luís
Carneiro sobre a importância da estabilidade política. Ela é muito importante para a vida dos portugueses e para
a vida da nossa economia e das nossas empresas.
É a estabilidade política que hoje nos diferencia internacionalmente e reforça a nossa credibilidade
internacional. Basta comparar como nós crescíamos e como crescia a Espanha, qual era a nossa taxa de juro
e qual é a taxa de juro da Espanha e posso garantir-lhe que grande parte dessa diferença está explicada pelo
facto de sermos um País em que assegurámos, durante quatro anos, a estabilidade política. E mais: somos um
País que tem todas as condições para continuar a garantir mais quatro anos de estabilidade política para fazer
o que falta fazer, designadamente, Sr. Deputado Moisés Ferreira, aquilo que está escrito com toda a clareza,
preto no branco, no nosso Programa do Governo. E vamos mesmo regulamentar a Lei de Bases da Saúde,
porque o partido que criou o Serviço Nacional de Saúde não vai ser seguramente o partido que vai enfraquecer
o Serviço Nacional de Saúde.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Vamos passar aos pedidos de esclarecimento dos últimos Srs. Deputados inscritos.
Para esse efeito, tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Paula Santos, do Grupo Parlamentar do
PCP.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, trago aqui três questões que se prendem
com problemas que exigem uma resposta urgente. São três questões relacionadas entre si porque dizem
respeito a direitos que a nossa Constituição consagra.
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A primeira diz respeito ao apoio às artes. O Governo insiste no mesmo erro de 2018 e deixa de fora dos
apoios dezenas de estruturas de criação artística elegíveis. Mais uma vez, opta pela desvalorização do trabalho
realizado por estas estruturas, menorizando o papel da cultura no desenvolvimento do País.
Para evitar a suspensão e/ou o encerramento da atividade de estruturas de criação artística, quando muitas
já referiram não ter outra solução, o PCP propõe que todas as candidaturas sejam apoiadas e que seja revisto
o atual modelo de apoio às artes, introduzindo uma vertente não concursal e o reforço de financiamento para
apoiar todas as candidaturas.
Vai o Governo acompanhar estas propostas para assegurar a continuação da criação artística?
A segunda questão, Sr. Primeiro-Ministro, é sobre a habitação. Para resolver o problema do acesso à
habitação, que se agrava, é preciso: colocar rapidamente casas públicas para arrendamento ao abrigo da renda
apoiada e condicionada, em vez de se continuar a alienar património público; dar estabilidade aos inquilinos,
travar os despejos e extinguir o «balcão dos despejos»; e garantir a impenhorabilidade da habitação própria e
permanente para impedir que a banca ou fundos imobiliários despejem as famílias. Todas estas são medidas
que o Governo tem de tomar, sem transferir responsabilidades para as autarquias, incluindo aquela referida aqui
pelo Sr. Primeiro-Ministro do realojamento das 26 000 famílias já identificadas.
O que vai fazer? Vai convergir com estas propostas e cumprir com as responsabilidades constitucionais na
garantia do direito à habitação?
A terceira questão tem a ver com a gratuitidade dos cuidados de saúde. Para reduzir os elevados custos das
famílias com a saúde, é preciso: eliminar os impedimentos no acesso à saúde como as taxas moderadoras;
assegurar a atribuição de transportes de doentes não urgentes; e avançar na dispensa gratuita de medicamentos
a cidadãos com mais de 65 anos de idade, aos doentes crónicos e às famílias com carência económica. Que
posição vai assumir em relação a estas propostas?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado José Soeiro, do
Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, amanhã, dia em que terminaremos
o debate deste Programa do Governo, terá lugar uma greve nacional dos trabalhadores dos call centers. É um
setor onde trabalham mais de 100 000 pessoas, onde, nos últimos três anos, triplicaram os lucros, mas onde,
nesse mesmo período, o salário médio baixou. E baixou, entre outras razões, por causa do outsourcing. Quem
hoje trabalha para a MEO, para a NOS ou para a Vodafone, nunca tem um vínculo com a empresa em que
trabalha, mas, sim, com um intermediário. São mais de 30 empresas de outsourcing que vão fornecendo
trabalhadores aos call centers. Na mesma sala, no mesmo call center, há trabalhadores com salários diferentes
e com condições diferentes.
O outsourcing é atualmente uma das mais agressivas e intensas vias de precarização. Por isso, salta aos
olhos que o outsourcing e o próprio setor dos call centers não mereçam uma única referência no Programa do
Governo. É que, se queremos combater a precariedade, temos mesmo de mexer nisto.
Um outro tema também já aqui abordado, mas também ausente de referências no Programa do Governo, é
o PREVPAP, um Programa que desenhámos em conjunto e que já permitiu regularizar 30 000 situações de
trabalhadores precários.
Ora, este Programa não acabou. Há milhares de trabalhadores que esperam, neste momento, não apenas
as decisões técnicas das comissões de avaliação mas a decisão política do novo Governo sobre a sua
regularização.
Sr. Primeiro-Ministro, como vai resolver o problema pendente do IEFP (Instituto do Emprego e Formação
Profissional), da RTP, dos técnicos nas escolas e dos Laboratórios do Estado? O que pretende este novo
Governo fazer sobre este Programa que desenhámos em conjunto na anterior Legislatura?
Quais são os compromissos, qual é o calendário e quais são as metas relativamente ao PREVPAP?
Aplausos do BE.
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O Sr. Presidente: — É agora a vez de a Sr.ª Deputada Maria Begonha, do Grupo Parlamentar do Partido
Socialista, pedir esclarecimentos.
A Sr.ª Maria Begonha (PS): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e Srs.
Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Faço esta minha primeira intervenção na Assembleia da
República aproveitando a oportunidade para interpelar o Governo num tema que é central para todo o povo
português, para toda a sociedade portuguesa, mas, sobretudo, e mais decisivamente, para as gerações mais
novas, que é a emancipação dos jovens portugueses.
Os últimos quatro anos recuperaram a ambição nas qualificações, no emprego, na habitação e na mobilidade,
isto é, nos quatro eixos fundamentais que melhor definem a emancipação jovem. Dessa ambição resultaram
uma descida do desemprego jovem para níveis históricos, a existência de menos contratos precários, o
lançamento de uma nova geração de políticas de habitação, de melhor investimento na escola pública e mais
investimento no ensino superior e também o estabelecimento de um novo paradigma nas políticas de mobilidade
que promoveu um acesso mais justo e alargado ao transporte público.
Mas renovar e reforçar a ambição nas políticas para a emancipação é urgente e prioritário. E, mais do que
estabelecer uma prioridade, é preciso fazer escolhas. É certo que o Partido Socialista coloca todo o seu
empenho e a sua agenda política ao serviço de se viver melhor em Portugal. Viver-se melhor em Portugal
enquanto se é jovem, enquanto se é estudante e enquanto se é jovem trabalhador. E também é certo que o
Governo já fez a sua escolha, porque temos um Programa do Governo que se compromete com caminhos e
soluções para o mais essencial, a saber: dar combate às desigualdades que impedem percursos de vida,
reforçando a liberdade de escolha e a liberdade de todos os jovens exercerem os seus direitos e aspirações
fundamentais. A liberdade de se qualificarem, com a plena consciência de que temos licenciados, mestres e
doutorados a menos e barreiras a mais no acesso ao ensino e à ação social.
A liberdade de escolhermos onde vivemos, de só sairmos do País por opção e não por obrigação, mas
também a liberdade de ficarmos e de regressarmos ao País, porque o Governo trabalhará para que valha a
pena investir nas nossas qualificações, nas nossas carreiras e nas nossas vidas, no nosso País.
A liberdade de nos realizarmos no trabalho, assim como de conciliarmos a vida pessoal ou académica com
a vida profissional. É que a mais emprego tem de corresponder melhor trabalho, com mais direitos, sem
precariedade e com um salário mais justo. E permitam-me aqui destacar que o Sr. Primeiro-Ministro identificou
já a necessidade de promover um acordo sobre política de rendimentos que valorize os salários dos mais jovens
e, em particular, dos mais qualificados, num País que, infelizmente, já foi vezes de mais permissivo e conformado
perante a injustiça salarial e que, agora, tem um Programa que combate os leques salariais excessivos e as
disparidades salariais injustas.
Aplausos do PS.
A liberdade ainda de ter habitação digna. Hoje, em 2019, só a forte e ambiciosa oferta de habitação pública
nos próximos quatro anos pode permitir avançar no alargamento da renda acessível para a juventude
portuguesa, cumprindo, assim, a Constituição. E permitam-me destacar também os estudantes que não pagam
uma mas duas propinas com o custo da habitação por serem afetados pela carência de residências de
estudantes, a que também o Programa do Governo dá resposta, porque os próximos quatro anos terão que ser
de total cumprimento e empenho em matéria de aumento de alojamento estudantil.
Por tudo isto, Sr. Primeiro-Ministro, porque estas são algumas das muitas prioridades para dar resposta a
desafios difíceis dos jovens portugueses, que são objeto de compromisso no Programa do Governo, a questão
que lhe coloco é se está preparado para assumir a emancipação jovem como um direito, enquanto se é jovem,
e não um privilégio.
E pergunto-lhe ainda se, prosseguidos os compromissos vertidos no Programa do Governo, os jovens
portugueses poderão dizer, em 2023, que vivem melhor do que em 2019, como, aliás, já vivem agora, em 2019,
melhor do que em 2015, último ano em que uma direita de má memória governou este País.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Beatriz Dias, do Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de começar por dizer que
foi com satisfação que ouvi o Sr. Primeiro-Ministro reafirmar o compromisso expresso no Programa do Governo
de aprofundar o princípio do direito de solo no regime da nacionalidade. No entanto, os avanços, embora
importantes, relacionam-se com a eliminação de obstáculos burocráticos e não resolvem o problema político
que só será ultrapassado com a implementação de medidas concretas. É que o essencial não se resolve com
simples mudanças administrativas; é mesmo preciso mudar a lei.
Apesar de afirmar que Portugal é um País orgulhosamente aberto ao mundo, a quem queira viver em
Portugal, o Programa do Governo continua a não incluir qualquer proposta de alteração da lei da nacionalidade
que consagre o princípio do direito de solo. É uma omissão difícil de compreender.
Como sabe, o Bloco de Esquerda apresentou, no primeiro dia desta Legislatura, um projeto de lei que visa
alterar a lei da nacionalidade, de modo a garantir a atribuição da nacionalidade portuguesa a todas as pessoas
nascidas em Portugal, independentemente da nacionalidade e do estatuto legal dos seus progenitores. Quem
nasce no nosso País, tem de ser português.
Já apresentámos esta proposta no passado e voltamos a fazê-lo, porque não podemos aceitar uma lei injusta
e discriminatória, que remete milhares de pessoas para a condição de estrangeiros no seu próprio País, apenas
por serem filhos e filhas de imigrantes.
É verdade que, nos últimos anos, houve alterações que representam uma melhoria face ao quadro legal
anterior. Mas muitas pessoas continuam sem direito a ser portuguesas, apesar de este ser o seu País, de aqui
terem nascido, de aqui viverem e de contribuírem para a riqueza do País com o seu trabalho e com os seus
impostos.
Registamos com agrado o seu anúncio, o de que está disponível para ultrapassar os problemas burocráticos.
Como lhe disse, a revisão da lei da nacionalidade consta de um projeto de lei que o Bloco já apresentou nesta
Legislatura e é um caminho que deve ser feito quanto antes.
O que lhe pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, é quando poderemos ter uma lei da nacionalidade que garanta de
uma forma inequívoca que quem nasça em Portugal é português, honrando, assim, o compromisso de
aprofundar o direito de solo que assumiu no seu Programa.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Muito obrigado, Sr. Presidente, muito obrigado, Sr.as e Srs. Deputados.
Sr.ª Deputada Paula Santos, bem sei que todos os problemas são urgentes, mas, infelizmente, não é possível
responder a todos eles e a toda a gente, no imediato. Portanto, devemos ter prioridades e uma trajetória para ir
resolvendo os problemas ao longo da Legislatura.
Chamo a atenção para que, relativamente ao apoio às artes, e no que diz respeito ao último concurso bianual,
a verba total agora disponibilizada foi de 18,7 milhões de euros, o que representa um aumento de 17% face ao
aumento registado no concurso anterior, e que, entre 2015 e 2019, o apoio público às artes, no seu conjunto,
cresceu 83%. É que convém não esquecer que, para além deste concurso bianual, há um concurso quadrianual,
pelo que, além das 102 entidades agora apoiadas, devemos ter em conta as que já estão a ser apoiadas no
âmbito do concurso quadrianual, que são 186.
Agora, há uma coisa de que estamos certos: é que se é verdade que temos de ir aumentando as verbas e
investir no apoio às artes, como temos vindo a fazer, também é verdade que, se mantemos um regime de
concurso, um concurso significa que não há uma garantia de que todos aqueles que se apresentam têm direito
a ser apoiados.
Chamo ainda a atenção para que, relativamente às candidaturas admitidas, houve um aumento de 46% das
entidades consideradas elegíveis e houve um aumento efetivo do número de entidades que são apoiadas e,
sobretudo, houve um aumento significativo do apoio que receberam.
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Há entidades que continuaram a não ser apoiadas, é verdade. Quando temos um concurso aberto para a
admissão de 1000 técnicos superiores na Administração Pública e toda a gente diz que 1000 técnicos superiores
é um enorme avanço, é preciso ter em conta que há 18 000 candidatos para essas 1000 vagas, o que significa
que, se todas forem preenchidas, há 17 000 candidatos que não terão lugar atribuído.
Portanto, temos de optar: ou há regime de concurso ou não há regime de concurso.
Não podemos, em cada concurso, responder à não atribuição dos apoios com o reforço orçamental, mas
temos de em cada ano ir assegurando o reforço orçamental em função das capacidades do País, da ambição
que temos de ter de, na área da cultura, haver um crescimento acima do crescimento que temos tido em todos
os outros setores, com uma meta muito clara que está fixada neste Programa do Governo, que é a de atingirmos
os 2% do Orçamento do Estado para o setor da cultura.
Relativamente à habitação, como eu aqui disse, temos de aumentar a oferta pública. Assumi, até, um objetivo
muito concreto, só da parte do Estado: mais 10 000 fogos para arrendamento acessível, precisamente com o
aproveitamento de muito do património do Estado que está subutilizado e que pode ser reorientado. Há já vários
exemplos disso. Veio-me agora à memória a reafetação do antigo edifício do Ministério da Educação para
residência universitária; o aproveitamento, finalmente, do há décadas encerrado Hospital Miguel Bombarda para
um programa de arrendamento acessível; a urbanização, que esperamos há anos, de terrenos no Monte de
Caparica para um programa de 3500 fogos a desenvolver, com construção de raiz no concelho de Almada, além
de outros exemplos que poderia dar-lhe. Felizmente, temos muito património que podemos e temos de colocar
no mercado para aumentar a oferta.
Finalmente, em relação à saúde e à trajetória das taxas moderadoras, o Programa do Governo também
assume um compromisso, decorrente, aliás, da Lei de Bases da Saúde, de ir isentando progressivamente os
utentes das taxas de saúde nos cuidados de saúde primários e nos diferentes tratamentos prescritos pelas
unidades do Serviço Nacional de Saúde ou pela Linha Saúde 24.
O Sr. Deputado José Soeiro tem razão. Temos de olhar para as novas formas de trabalho e de olhar,
efetivamente, com a fiscalização devida para os diferentes expedientes e abusos do quadro legal. Isso passa
não necessariamente por mexer na lei, mas por reforçar a capacidade de fiscalização. A fiscalização nos call
centers é um exemplo. Infelizmente, não é o único.
Relativamente ao PREVPAP, a resposta é muito simples: é dar continuidade ao trabalho que iniciámos na
Legislatura anterior, que tem de ser prosseguido e tem de ser concluído.
Antes de responder à Sr.ª Deputada Maria Begonha, queria reafirmar à Sr.ª Deputada Beatriz Dias aquilo
que já tive oportunidade de responder há pouco. Fizemos, em 2006, uma rutura histórica com o nosso critério
fundamental de atribuição da lei da nacionalidade. Durante anos, o nosso critério era o do jus sanguinis, ou seja,
o filho de um português é português. Isso explicava-se, naturalmente, num País cuja experiência durante
décadas, séculos, em matéria migratória era a de partir e a prioridade era a de garantir que o filho de um
português nascido nos Estados Unidos, na Venezuela, na África do Sul, tivesse direito a ser português.
A introdução do jus soli nesse momento foi uma rutura profunda com aquelas que eram as bases tradicionais
da nossa lei da nacionalidade. A experiência tem-nos dito que tem feito sentido. A ligação e a conjugação que
temos feito entre a atribuição do direito à nacionalidade às crianças que nascem em Portugal e a regularização,
a estabilização e até o direito do acesso à nacionalidade aos seus progenitores, mesmo que não tenham nascido
em Portugal, mesmo que não sejam descendentes de portugueses, tem sido uma trajetória muito importante no
caminho para a inclusão.
É preciso avaliar bem aquilo que queremos e não abrir a porta àquilo que não queremos. Não basta fazer
uma escala em Portugal para que quem nasça em Portugal seja português. Tem de haver um vínculo suficiente
com o território nacional e é preciso, também, respeitar a vontade dos pais sobre se querem ou não querem que
o seu filho seja português, porque não temos de impor a nacionalidade como critério único ou forma única de
inclusão na sociedade portuguesa. Quem nasce em Portugal pode ter também o direito de não querer ser
português e temos de respeitar esse direito.
O compromisso que assumimos é o de avaliar bem os problemas que existem, fruto de entraves burocráticos,
fruto de uma deficiente interpretação da lei ou daquilo que exige mesmo, ou exigirá porventura, uma efetiva
alteração do quadro legislativo.
Mas há, sobretudo, um paradigma cultural que temos de alterar na nossa Administração, sendo por isso
muito importante que uma das propostas que consta do Programa do Governo seja a separação efetiva, no
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âmbito do nosso Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, das suas missões próprias de natureza policial daquelas
que são as funções administrativas que impropriamente lhes estão atribuídas. As forças de segurança têm uma
função fundamental e não devem ser distraídas dessa sua função. Há outras funções do Estado que não se
reduzem à de segurança, devendo as funções administrativas ser retiradas das forças de segurança para que
elas se possam concentrar naquilo que efetivamente lhes cabe fazer.
Quero terminar respondendo à Sr.ª Deputada Maria Begonha, que referiu um tema que hoje em dia é central
para a sociedade portuguesa. Tenho referido repetidas vezes, voltei a referi-lo na tomada de posse, voltei a
referi-lo aqui e repetirei tantas vezes quanto forem necessárias: o País tem a oportunidade de beneficiar de uma
geração com a qual, pela primeira vez em toda a nossa história, pelo menos desde o século XV, nos
aproximamos dos melhores níveis de qualificação da União Europeia. Não podemos desperdiçar esta geração.
Esta geração exige uma confiança reforçada e clara do que, efetivamente, pode esperar do seu futuro e tem de
ter a liberdade, mas também a confiança, de poder construir aqui o seu futuro, com a expectativa de que se
pode realizar plenamente quer do ponto de vista pessoal, quer do ponto de vista profissional.
Isso implica uma resposta integrada. Implica garantir, efetivamente, o combate ao insucesso escolar e ao
abandono escolar precoce. Implica a garantia de que quem quer entrar no ensino superior não encontre uma
barreira económica que o impeça de aceder ao mesmo. Hoje, não basta fixar uma propina máxima, é mesmo
preciso garantir alojamento para quem quer frequentar o ensino superior. Hoje, é mais do que uma propina
aquilo que é pedido por uma parte de casa ou por um quarto para quem está deslocado da sua família para ter
acesso ao ensino superior.
É fundamental garantir o cumprimento efetivo dessa mudança de fundo que entrou em vigor no passado dia
1 de outubro, que acabou com a possibilidade de se usar como fundamento para haver contrato a prazo o facto
de se ser jovem à procura do primeiro emprego, como se ser jovem implicasse necessariamente uma situação
de precariedade.
É evidentemente necessário responder, como desafiámos os parceiros sociais a responder, com um
tratamento justo e adequado a nível da qualificação para os jovens qualificados que procuram emprego. Tenho
dito, e repetido, às empresas que, se querem continuar a ser competitivas a exportar, têm de passar a ser
competitivas a contratar, porque o nosso modelo de desenvolvimento não é mais o do baixo salário, mas é o
que assenta no conhecimento como motor do nosso desenvolvimento.
Investir no conhecimento não é só investir em mais investigação científica, não é só investir na transferência
do conhecimento através dos centros tecnológicos ou dos centros de interface. A melhor forma de transferir
conhecimento é mesmo contratar quem sai dos estabelecimentos de ensino superior, dos cursos de formação
profissional, dos centros de formação profissional com mais qualificação, para melhorar a produtividade das
empresas e também para poderem ter o direito à plena realização profissional, com remuneração justa e
adequada ao seu nível de qualificação.
Aplausos do PS.
Mas temos igualmente de garantir, para o efetivo direito à emancipação jovem, não só o acesso ao emprego
de qualidade mas também à habitação acessível. Aquilo que se passa hoje no mercado de arrendamento é a
negação do que deve ser um mercado de arrendamento vivo e dinâmico. Todos conhecemos bem a história da
«tempestade perfeita», do que foram décadas de congelamento administrativo das rendas, do que foi o desastre
da liberalização selvagem e desregulada da lei das rendas, do que foi, e tem sido, o impacto do crescimento da
nossa economia e o que tem sido, também, o impacto, não só em Portugal mas em todas as cidades e em todos
os países desenvolvidos, do lado negativo de um ciclo muito continuado de baixas taxas de juro que têm
reencaminhado o investimento para o refúgio no mercado imobiliário.
É a tempestade perfeita! Mas para essa tempestade perfeita temos de ter também a resposta adequada. Isso
implica quer o incentivo aos privados para aumentar o parque de arrendamento acessível, quer o aumento da
própria oferta pública, seja dos municípios, seja do Estado. Por isso é que assumimos metas e objetivos
concretos para esta Legislatura.
Por fim, é preciso olhar para o desafio demográfico com a vontade de adotar medidas que permitam inverter
a dinâmica que temos, respondendo, seguramente, aos mais idosos e também às novas gerações,
respondendo, sobretudo, a um dado que todos os estudos indicam e que nos tem de interrogar: é que, hoje, as
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famílias não têm a liberdade de ter os filhos que efetivamente desejam, havendo um enorme diferencial entre a
fecundidade desejada e a fecundidade efetiva. Temos de garantir às novas famílias a liberdade de terem os
filhos que desejam e isso implica a habitação, implica o rendimento do salário e implica, também, outras formas
de melhorar o rendimento disponível para além do salário. Implica, de facto, termos uma rede de creches que
cubra as necessidades efetivas. Precisamos mesmo de ter uma educação pré-escolar universal. Temos de ter
maiores condições de apoio às famílias para poderem aceder às creches e temos de ter uma política fiscal que
não seja o leilão que a direita propõe, de redução dos impostos para todos, mas que oriente a nossa capacidade
de despesa fiscal para apoiar o que deve ser apoiado, por exemplo, aumentando as deduções fiscais em função
do número de filhos que cada jovem família deseja efetivamente ter.
Aplausos do PS.
É com o conjunto destas medidas que temos de ter a capacidade de fazer com que os jovens nos ouçam e
possam acreditar que é mesmo aqui, connosco, em Portugal, que têm a grande oportunidade de se realizarem
plenamente do ponto de vista pessoal e do ponto de vista profissional. Nós queremo-los e não os mandamos
emigrar. Aos que emigraram dizemos que são bem-vindos para regressar. A todos os que cá estão, o que
desejamos é construir uma sociedade de futuro, uma sociedade que seja o futuro das suas próprias vidas.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Cecília Meireles, pede a palavra para que efeito?
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa sobre a orientação dos
trabalhos.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito obrigada, Sr. Presidente.
Lamento muito ter de me dirigir a V. Ex.ª e solicitar que intervenha, mas, de facto, o Sr. Deputado Telmo
Correia fez perguntas muito concretas ao Sr. Primeiro-Ministro sobre eutanásia, sobre forças de segurança e
sobre o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) que não foram respondidas.
Agradecia que o Sr. Presidente orientasse o Sr. Primeiro-Ministro para dar uma resposta.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, permita-me que a interrompa.
A Sr.ª Deputada sabe quais são as regras de funcionamento do Parlamento nos debates com o Primeiro-
Ministro. Cada Deputado é livre de colocar as questões que entender e o Sr. Primeiro-Ministro é livre de
responder ou não e quem tira as conclusões são todos aqueles que estão a assistir aos debates. Não há
nenhuma maneira de obrigar alguém a falar.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Faça favor.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, já que o Sr. Primeiro-Ministro disse que respondia
perante o Parlamento, pedia apenas ao Sr. Presidente, enquanto Presidente do Parlamento e representante de
todos os Deputados, que explicasse ao Sr. Primeiro-Ministro que o Parlamento não é apenas as bancadas de
esquerda! Somos todos nós e os portugueses que nos elegeram!
Aplausos do CDS-PP.
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O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, a função do Presidente do Parlamento não é a de dar explicações a
ninguém.
Aplausos do PS.
Vamos interromper os trabalhos, que recomeçarão às 15 horas e 30 minutos com o ponto dois da ordem do
dia, o debate propriamente dito do Programa do XXII Governo Constitucional.
Eram 14 horas e 4 minutos.
Boa tarde, Sr. Primeiro-Ministro e demais membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs.
Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas.
Vamos retomar os trabalhos.
Eram 15 horas e 34 minutos.
Peço aos Srs. Agentes da autoridade para abrirem as portas das galerias.
Antes de passarmos ao ponto dois da ordem do dia, a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha vai dar-nos conta
de uma alteração ao relatório e parecer da Comissão Eventual de Verificação de Poderes dos Deputados Eleitos,
que carece de votação.
Faça favor.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, muito boa tarde a todas e a todos.
Cumpre-me dar conta de que houve um lapso na indicação do candidato não eleito que substitui o Deputado
eleito João Veloso da Silva Torres, pelo que foi necessário reunir de novo a Comissão Eventual de Verificação
de Poderes dos Deputados Eleitos.
Assim, o Deputado do círculo eleitoral do Porto João Veloso da Silva Torres é substituído por Eduardo Miguel
Sabino Guedes Barroco de Melo.
Neste contexto, examinados os elementos de que dispõe, e com a inserção da referida retificação, a
Comissão foi de parecer de que devem ser julgados como verificados os poderes do Deputado substituto e,
assim, legitimada a substituição em apreço.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos votar esta alteração ao relatório e parecer.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Vamos, pois, entrar no período de debate do Programa do XXII Governo Constitucional.
Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando
Negrão, que, aliás, foi eleito Vice-Presidente, pelo que aproveito para o saudar também por esse facto.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Ouvimos todos a apresentação, pelo Sr. Primeiro-Ministro, do Programa do Governo para os
próximos anos. E não há outra forma de o dizer: o que nos fica é que tudo soa ao mesmo!
Soa ao mesmo no otimismo e na confiança no futuro. Soa ao mesmo na ausência de uma mensagem de
estabilidade deste Governo minoritário. Soa ao mesmo na falta de capacidade e de competência. E o pior de
tudo é que soam a falso as expectativas que cria nos portugueses.
A única coisa verdadeira, Sr. Primeiro-Ministro, é que o senhor governa só para não perder o poder. E isso
não só é verdade como é a confirmação do que fez ao longo dos últimos quatro anos, em que se sentou nessa
cadeira. Mas vamos por partes.
Soa ao mesmo esse otimismo e essa confiança no futuro.
O Sr. Primeiro-Ministro quer passar a ideia de que o mundo pode desmoronar-se, mas nós podemos ficar
descansados porque não seremos atingidos por nenhuma crise, estaremos imunes aos impactos negativos de
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uma recessão e seremos uma espécie de oásis, graças aos bons ofícios da sua governação, a passada e a
futura.
Todos sabemos que isso não é verdade. Até podia aproximar-se dela, mas não o é, porque o seu anterior
Governo não soube cuidar do futuro. Olhou apenas para o presente, para o curto prazo, para o ganho imediato.
Repete que Portugal cresceu acima da média europeia, mas omite que tal acontece porque as grandes
economias tiveram um comportamento medíocre, sendo certo que uma pequena economia como a nossa,
comparativamente às mais fortes, é sempre mais vulnerável às crises.
O seu Governo não aproveitou a conjuntura de que beneficiou para preparar Portugal para um ciclo
económico menos favorável e mais exigente. Não fez as reformas necessárias para robustecer a nossa
economia. Tratou apenas de distribuir sem olhar para o amanhã. Desbaratou oportunidades. Apregoou um
défice perto do zero e, simultaneamente, deixou os serviços públicos à míngua e ficou a dever quase tudo a
quase todos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Primeiro-Ministro «empurrou com a barriga» e nós cá estaremos para receber a fatura, mais pesada e
mais dura.
Infelizmente, a confiança que o Sr. Primeiro-Ministro endossa para o futuro não tem cobertura nestes últimos
quatro anos, em que o senhor esteve à frente da governação do País. Não é crível, nem para quem precisou
dos serviços do Estado e o Estado lhe falhou, nem para quem vendeu ao Estado e o Estado não lhe pagou.
Só é de confiança quem é pessoa de bem. Só é pessoa de bem quem paga as suas dívidas e honra os seus
compromissos.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — E, curiosamente, no seu Programa do Governo, não há uma palavra sobre
pagamento a fornecedores. O senhor não fez do Estado pessoa de bem.
Soa ao mesmo a mensagem de estabilidade que assegura ter para governar nos próximos anos.
Onde há estabilidade num Governo minoritário, que não logrou obter os necessários apoios prévios e
expressos junto dos partidos que elegeu como seus interlocutores preferenciais?
Onde há estabilidade num Governo minoritário, que vai navegar à vista, com uma calculadora sempre na
mão — e tantas vezes o Sr. Primeiro-Ministro aqui falou da calculadora —, a ver se soma os votos necessários
para aprovar as suas medidas?
Julgará o Sr. Primeiro-Ministro que os seus parceiros, anteriormente juramentados, mas agora apenas
apalavrados, vão ficar satisfeitos com as cedências à esquerda que polvilhou no Programa do seu Governo?
Não o creio. Não lhes vão chegar as migalhas que cedeu, aqui e ali, em jeito de grandes orientações
estratégicas.
Onde há estabilidade num Governo minoritário, que tem um Primeiro-Ministro que não hesitará em provocar
uma crise política — como já fez anteriormente, com a questão dos professores —, se isso se lhe afigurar como
politicamente útil e vantajoso, mesmo que não o seja para o País? Ver-se-á se há pântanos ou não no seu
caminho, Sr. Primeiro-Ministro!
Aplausos do PSD.
Onde há estabilidade num Governo minoritário, que tem uma cultura arreigada do «quero, posso e mando»,
mas nunca demonstrou ter coragem nem abertura para levar a cabo verdadeiras reformas em áreas como a
economia, a segurança social ou o sistema político, e agora deixou claro que não tem intenções, sequer, de
levar temas tão estruturantes como estes a debate?
Por isso, soa também ao mesmo a capacidade deste Governo para executar as políticas de que o País
precisa. Quantidade não é sinónimo de qualidade.
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A ideia que fica é a de que o Sr. Primeiro-Ministro quis compensar ou iludir a evidente falta de rasgo e de
ambição deste seu Governo, aparentemente seminovo, com um profundo e exuberante número de ministros e
secretários de Estado, como se mais fosse necessariamente melhor. Não é.
Dá-se, de resto, a infeliz circunstância de estarmos confrontados com um Programa do Governo francamente
curto para um Governo excessivamente longo. É um Programa em que nenhum ministro ou secretário de Estado
foi tido nem achado, tal é o profissionalismo e o compromisso destes governantes com o País e os portugueses.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Estes governantes aceitaram assumir tutelas sem propor uma medida,
disseram «sim» sem conhecer uma linha do Programa que teriam de cumprir, assinaram um cheque em branco
e puseram os seus supostos quatro anos de exercício de funções nas mãos de uma ou outra cabeça pensante.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Por aqui se vê e confirma que este será um Governo para gerir, não para
governar. Quanto às consequências, será uma questão de tempo — diria mesmo, muito pouco tempo — até o
País perceber que um Executivo com 70 governantes, cujas funções e competências, em muitos casos, se vão
sobrepor fatalmente umas às outras, é sobretudo um fator de entropia, de imobilismo e de instabilidade
governativa de que o País não precisava.
Por tudo isto, soam a falso as expectativas que o Sr. Primeiro-Ministro cria nas pessoas. E isso é o mais
grave, porque os portugueses merecem mais e melhor.
Um Programa do Governo não deve ser o mesmo repositório de promessas vagas e inconsequentes que é
um programa eleitoral. Tem de fundamentar as opções tomadas, tem de explicar o caminho que se vai seguir,
tem de mobilizar o País para o crescimento e o progresso. Nada disso se vê aqui!
É importante para os trabalhadores portugueses o aumento do salário mínimo, que continua abaixo da média
europeia? Claro que sim e, felizmente, hoje em dia, já ninguém o contesta. Mas, antes, é preciso saber criar as
condições para que a economia tenha capacidade de garantir não só o aumento do salário mínimo, mas também
a elevação do nível médio da remuneração do trabalho dos portugueses.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Caso contrário, arriscamo-nos a ter um País que se rege pela bitola do
salário mínimo. Não é isso que o PSD quer e não é isso que os portugueses desejam.
Este Programa traz-nos uma mão-cheia de nada.
Na saúde, não paga a fornecedores, não reduz a dívida do SNS, não investe em mais e melhores hospitais.
Apenas diz o que não faz, que é mais contratos de parcerias público-privadas, não por nenhuma razão lógica
ou a pensar no que é melhor para o País, mas porque pode vir a dar jeito ceder, aqui e ali, à esquerda.
Se, em julho, aquando da aprovação da Lei de Bases da Saúde, o PS e o Governo ainda não queriam assumir
o fim das PPP, porque alegadamente não era claro que isso representasse o melhor para o interesse nacional,
agora, no Programa do Governo, parece que estão certos de qual o caminho a seguir. Está clarinho como a
água: a gerigonça pode não ter edição 2.0, mas a ideologia que vingou é a da gerigonça.
Aplausos do PSD.
E é essa realidade que não devemos deixar de denunciar!
O segundo Governo de António Costa não pode ser uma versão retocada do anterior nas suas práticas. A
conjuntura e as circunstâncias são diferentes e o Sr. Primeiro-Ministro não herda agora aquilo que de bom
herdou em 2015.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — A dívida, o défice…!
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O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Não há herança e não haverá desculpas!
O segundo Governo de António Costa não pode repetir situações graves e desprestigiantes como as que
envolvem o triste e simbólico caso de Tancos. Nós não vamos esquecer-nos de Tancos, Sr. Primeiro-Ministro.
A verdade, por mais inconveniente que seja e por mais que incomode quem incomodar, terá de ser conhecida.
Estaremos cá, Sr. Primeiro-Ministro, para não deixar que coloque este tema na gaveta.
O segundo Governo de António Costa não pode aceitar que se mantenha por mais tempo a situação de
crianças com problemas oncológicos que são tratadas em contentores. A dois dias das eleições, o Sr. Primeiro-
Ministro foi ao São João ver o andamento das obras da nova ala pediátrica. Foi um número para eleitor ver.
Protestos da Deputada do PS Joana Lima.
Porque não vai lá agora ver, Sr. Primeiro-Ministro? Desde o dia 6 de outubro, está tudo parado.
O segundo Governo de António Costa não pode deixar que haja, às portas de Lisboa e numa zona altamente
habitada, um hospital, o Garcia de Orta, sem urgência pediátrica, que não consegue preencher vagas, que não
consegue atrair profissionais.
Este Programa do Governo traz medidas que atraiam profissionais de saúde para o sistema nacional de
saúde? Nem uma medida, Sr. Primeiro-Ministro. Nem uma medida! Deve a quase todos e não satisfaz ninguém.
Não é mais do que uma casa de tijolo construída em alicerces de papel, à custa dos portugueses e das
instituições.
O segundo Governo de António Costa não pode deixar de assumir a responsabilidade pelo fracasso rotundo
de medidas como o Programa Regressar, que tinha como objetivo trazer de volta os portugueses que saíram do
País na altura da troica. Durante os seus quatro anos, o Governo socialista não só não conseguiu atrair os
portugueses de volta, como nem sequer impediu a sua saída. Foram, pelo menos, 350 000 os portugueses que
saíram do País durante o período do Governo socialista.
Quanto ao famigerado Programa Regressar, bandeira acenada entusiasticamente pelo próprio Primeiro-
Ministro, apenas 208 pessoas apresentaram candidaturas e apenas 37 pessoas receberam apoio para
efetivamente voltarem. Se há um responsável por este fracasso, é o Sr. Primeiro-Ministro.
O segundo Governo de António Costa não pode multiplicar promessas virtuais em planos de ferrovia que,
sabe-se de antemão, não serão feitos em 4 anos, nem em 8, nem em 20. Não está nos planos que estes planos
sejam mais do que isso: um conjunto de intenções, de frases que enchem um Programa oco e sem substância.
O Governo diz que resultado final quer, mas esquece-se de dizer como pensa lá chegar.
É esse programa de ações que tem de ser apresentado, porque é esse programa de ações que tem de ser
sufragado pelos Deputados à Assembleia da República.
Sabemos que o Governo gosta de brincar ao faz de conta. Faz de conta que governa o País. Faz de conta
que pensa em primeiro lugar nos portugueses. Faz de conta que quer uma discussão séria a propósito do
Programa do Governo na Assembleia da República. Mas, na realidade, não quer nada disto. Quer continuar a
fingir tempos de glória enquanto aplica austeridade encapotada. Quer continuar a fingir eras de crescimento e
progresso enquanto sacrifica o investimento e os serviços públicos.
Agora, Sr. Primeiro-Ministro, está à frente de um Governo recauchutado e não novo. Politicamente, o senhor
está sozinho frente aos portugueses, a quem tanto prometeu nos últimos tempos em variadíssimas áreas.
Chegou a hora de cumprir, havendo naturalmente que começar exatamente por levar a cabo tudo aquilo que
no seu primeiro Governo prometeu e não realizou.
Nesta bancada, aqui estaremos, como sempre, vigilantes, mas construtivos, sem dogmatismos e com espírito
de diálogo e de abertura para questões de Estado relevantes, contribuindo com propostas e ideias para que
Portugal progrida e os portugueses, finalmente, possam convergir com os países mais competitivos da União
Europeia, o que manifestamente não tem acontecido.
Sr. Primeiro-Ministro — e vou terminar —, não basta ter um Governo para poder dizer que governa!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do
Grupo Parlamentar do PS.
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O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, quero saudá-lo pela sua reeleição, bem como as Sr.as
e os Srs. Deputados, em particular os que iniciam o mandato pela primeira vez.
Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr. Deputado Fernando Negrão,
é curioso que tenha começado a sua intervenção dizendo que tudo soa ao mesmo. Curiosamente, o que «tudo
soa ao mesmo» é a intervenção que o PSD traz no debate do Programa do Governo.
Aplausos do PS.
Se olharmos para a intervenção, se ouvirmos a intervenção aqui proferida há quatro anos pelo Sr. Deputado
Luís Montenegro, eu sublinhava que aquilo que poderíamos esperar eram dúvidas sobre a fatura de uma dívida
que vai crescer, de um défice que não se percebe como é que não vai aumentar, a fatura de afastar, em vez de
se atrair, investimento.
Quatro anos depois, o PSD parece que não aprendeu nada com o que aconteceu durante quatro anos no
País. Durante quatro anos, falou-se da chegada do diabo, do fim, do descalabro que representaria a governação
do PS e dos seus parceiros à esquerda. Mas aqui estamos, quatro anos depois, com uma maioria reforçada por
aquilo que os portugueses reconhecem como trabalho realizado e com a efetiva demonstração de que é possível
um rumo diferente e que este rumo diferente se vai manter com a renovação, numa nova Legislatura, das
prioridades, dos objetivos, do aprofundamento das metas que, durante quatro anos, o PSD e a direita insistiram
em não querer reconhecer.
Otimismo e confiança, diz o Sr. Deputado, são coisas negativas. Não, são coisas positivas. Foi o que ajudou
ao crescimento da economia, foi o que ajudou o País a virar a página e, hoje, os portugueses agradecem a
solução que, durante quatro anos, presidiu aos destinos do País.
Aplausos do PS.
É também curioso verificar a contradição das afirmações que nos faz. Ao mesmo tempo que diz que não
ficaremos imunes a crises que podem ocorrer, olhe-se agora para as grandes economias que, essas, sim,
cresceram abaixo e tiveram um crescimento medíocre e que, curiosamente, Portugal não tem um crescimento
medíocre quando as grandes economias têm, também diz que isto, de alguma maneira, é um fator negativo,
que não devemos ter em conta nem valorizar como uma demonstração de que há solidez nas contas públicas,
na redução da dívida e da nossa capacidade de robustecer a nossa resposta.
Mais: o Sr. Deputado diz que se distribuiu sem critério, que aquilo que foram reposições de rendimento de
pensões, de confiança de crescimento, não teve critério algum e que apenas houve um desbaratar durante
quatro anos.
Sr. Deputado, para um partido que tanto coloca em cima da mesa a necessidade de reformas estruturais, é
curioso que se esqueça de verificar que nós assegurámos, durante estes quatro anos, sustentabilidade na
segurança social para os próximos 20;…
Aplausos do PS.
… que se aprovou uma Lei de Bases da Habitação estrutural para os destinos do País; que a Lei de Bases
da Saúde foi revista, reformada com a maioria que, à esquerda, foi capaz de produzir alterações; que os passes
sociais devolveram rendimento acrescido aos bolsos dos portugueses e aliviaram os orçamentos das famílias e
que na política de rendimentos, mais do que opções pontuais, tivemos opções que estruturam um destino e
opções estratégicas para o País.
O Sr. Deputado refere, ainda, a terrível saída de pessoas do País, mascarando os números e fazendo de
conta que não sabe aquilo que é real sobre os números da emigração, porque, efetivamente, o que tivemos
todos os anos foi menos pessoas a sair.
O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Isso não é verdade!
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O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — A sua soma dos números esconde a realidade, que é a de que todos
os anos há menos pessoas a emigrar, em primeiro lugar,…
Aplausos do PS.
… e, mais, 65% a 70% das pessoas que saem regressam menos de um ano após a data em que partiram,
permitindo a manutenção de um saldo migratório cada vez mais positivo.
Aplausos do PS.
Para terminar, quero fazer-lhe uma série de perguntas, e vou ser rápido.
Nós aguardámos até este momento, estamos à espera de saber o que pensa o PSD sobre o Programa do
XXII Governo Constitucional…
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — … e ainda não sabemos.
Protestos do PSD.
Qual é a posição do PSD sobre o salário mínimo? Qual é a posição do PSD em matéria ambiental e sobre a
alteração dos prazos para a descarbonização?
A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Nenhuma!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Qual é a posição do PSD sobre o investimento necessário na habitação?
Qual é a posição do PSD sobre a progressividade no IRS e a revisão dos escalões?
A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Nenhuma!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Qual é a posição do PSD sobre as creches e sobre o complemento
para as creches? Qual é a posição do PSD sobre o investimento público, que está programado no Programa do
Governo?
A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Nem o leram!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Qual é a posição do PSD sobre coesão territorial?
Tanto tempo que tiveram até agora, dou-lhe a oportunidade de responder ao País, porque o País quer saber
qual o papel que a oposição quer desempenhar. O País precisa e quer uma oposição como alternativa, uma
oposição forte e uma oposição que, efetivamente, desempenhe o seu papel.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Governo fez o seu papel. Façam, por favor, também o vosso!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos continuar com este método mais flexível, que é o da
ultrapassagem dos tempos. Desde que a mesma seja compensada no tempo global do debate, não será por
mim que irá ser problemática.
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Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, fez-me uma série de
perguntas. É curioso que me tenha feito tantas perguntas. Será que está à espera que eu lhe vá responder…
Protestos do PS.
… quando o exemplo que aqui temos é o de o Deputado Rui Rio ter feito quatro perguntas ao Sr. Primeiro-
Ministro e de ele não ter respondido a uma única, aliás, prática habitual do Sr. Primeiro-Ministro?!
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
Eu aprendi alguma coisa nos debates quinzenais com o Sr. Primeiro-Ministro, que é a de não responder.
Mas vou dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves: os ministros setoriais vão intervir e, nessa
altura, o PSD terá oportunidade de fazer as perguntas diretamente.
Falou num tema especialmente importante, que é o da segurança social. Deixe-me dizer-lhe que o anterior
Ministro da Segurança Social, que era, e é, um grande técnico nesta área, do melhor que o País tem, errou num
ponto fundamental. Por causa dele, nunca se discutiu, nesta Casa, a verdadeira reforma da segurança social.
Só se discutiu essa reforma a duas décadas, a 20 anos!
Aplausos do PSD.
O Sr. João Oliveira (PCP): — E a vossa reforma antes desta?!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Esse é o grande erro do PS, que não quer ir mais longe.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas as más medidas foram vossas!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Nós vemos os nossos jovens a dizerem que no tempo deles não terão
reforma. Esta é, invariavelmente, a afirmação desses jovens e os senhores não querem saber dessa opinião
desses jovens!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Agora, são só os jovens que contam para o PSD!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Nós queremos e apostaremos nessa e noutras reformas, designadamente
da economia e do sistema político. Não deixaremos de fazer essa aposta!
Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, saberá tudo aquilo que é o nosso programa, até pode ter oportunidade
de o ler, se tiver tempo para isso, e os Srs. Ministros setoriais responderão às perguntas que forem necessárias
fazer e, inclusive, darão resposta às suas perguntas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Porfírio Silva, do Grupo
Parlamentar do PS.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr.as e Srs.
Deputados: O XXII Governo Constitucional apresenta à Assembleia da República um Programa para investir os
próximos quatro anos na resposta articulada a quatro grandes desafios estratégicos: alterações climáticas,
sustentabilidade demográfica, transição para o digital, combate às desigualdades.
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O Programa do Governo ampara essa forte ambição estratégica no compromisso com uma boa governação:
contas certas para a convergência, investir na qualidade dos serviços públicos, melhorar a qualidade da
democracia e valorizar as funções de soberania.
Quer isto dizer que o XXII Governo Constitucional se propõe governar para as pessoas, para os portugueses
de hoje e para os portugueses de amanhã, para todos os portugueses, porque, para nós, diferentemente de
outros, o País só está melhor quando a vida das pessoas está melhor.
Aplausos do PS.
Nesse sentido, a missão deste Governo continua o trabalho do Governo anterior, agora com novos níveis de
ambição e de exigência. Como o Primeiro-Ministro hoje voltou aqui a reafirmar, queremos dar continuidade à
mudança iniciada em 2015, sabendo que não se fez tudo numa Legislatura, que há ainda muito para fazer, mas
que o rumo continuará a ser o mesmo: construir uma sociedade decente, melhorar as condições de vida dos
cidadãos, o que exige, ao mesmo tempo, criar condições para o crescimento da economia, uma economia mais
inovadora, mais inclusiva e mais limpa. É esse círculo virtuoso que temos de continuar a alimentar.
Para alcançar esse desiderato, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, agora reforçado pelo voto popular,
honrará as suas responsabilidades próprias de assumir e fazer frutificar o património de quatro anos de esquerda
plural bem-sucedida no Parlamento e no Governo, esperando dos nossos parceiros nada mais, nada menos do
que um empenhamento tão nítido como o nosso.
Que fique claro que nós respeitamos a pluralidade do diálogo parlamentar e não deixaremos de estudar e
considerar as propostas de todos os representantes eleitos para esta Casa da democracia.
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Contudo, a verdade é que o PS representa uma ideia acerca da responsabilidade
das políticas públicas que a direita não partilha, minada como está por uma conceção profundamente
individualista da sociedade e por preconceitos profundos contra o papel do Estado, dos serviços públicos e dos
seus trabalhadores. As batalhas pela igualdade e contra a determinação do futuro de cada um pela sua condição
social de partida continuam a separar-nos profundamente da direita em políticas decisivas, por exemplo, em
matéria educativa.
Precisamos de juntar toda a determinação de quantos entendem que Estado social não é assistencialismo,
que o Estado social é para todos, não é só para os mais carenciados.
Precisamos de fazer com que somem todos aqueles para quem a promoção da saúde é uma
responsabilidade primária das políticas públicas.
É preciso contar com todos os que trabalham pela continuidade do investimento na escola pública como
principal instrumento de redução das desigualdades e de mobilidade social, continuando a promover o sucesso
escolar, a reduzir o abandono precoce e a promover a inclusão.
Precisamos de todas as inteligências e de todas as vontades apostadas em que a transição para o digital
seja oportunidade de uma sociedade assente no conhecimento, mais inclusiva, onde inovação vá a par de
melhor e mais qualificado emprego, de maior equidade territorial, uma transição para o digital, respeitadora dos
direitos fundamentais, designadamente dos direitos dos trabalhadores.
Olhando, assim, para o País e para as nossas responsabilidades, não nos equivocaremos na escolha dos
parceiros. Para prosseguir o rumo, sabemos que temos de ser os menos sectários de todos, e, de todos, os
mais flexíveis a negociar, com os olhos postos nos resultados a alcançar, mais do que nas diferentes posições
de partida.
No passado, a direita sonhou com o diabo para travar a recuperação de rendimentos e direitos, mas o diabo
não veio e o País retomou um caminho de desenvolvimento económico e social.
A direita, que tentou fazer esquecer as suas responsabilidades governativas anteriores apostando num
discurso radical, recebeu dos eleitores uma mensagem de desaprovação.
Infelizmente, há, nesse campo, quem não tenha aprendido grande coisa com a experiência. O líder da
oposição entrou neste debate, não focado nos próximos quatro anos,…
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O Sr. João Oliveira (PCP): — O líder só é da oposição ao PSD, não é de mais ninguém!
O Sr. Porfírio Silva (PS): — … mas a tentar apanhar uma boleia das fake news das últimas semanas. O
líder da oposição entra esta Legislatura a lamentar os custos da democracia, quando devia mesmo era
preocupar-se com os custos da falta de democracia, com os custos do autoritarismo e da presunção de
autossuficiência.
Aplausos do PS.
Também por isto o País não pode contar com esta direita para dar um rumo consistente à governação e às
políticas públicas. Temos, por isso, de contar com a determinação, com a inteligência e com o trabalho de todos
os que sabem e querem, a partir tanto das suas diferenças, como das suas convergências, dar continuidade ao
essencial do rumo iniciado em 2015 e mostrar que sabemos quanto vale para os portugueses a estabilidade
política e social.
O País pode, para isso, contar com o Partido Socialista, esta força da esquerda democrática, que, mais uma
vez, nas últimas eleições, a cidadania escolheu reforçar para que possamos, no Governo e no Parlamento,
continuar a assumir as nossas responsabilidades perante os portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Grupo
Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados: Há 4 anos atrás, dissemos, no debate parlamentar em que o Governo anterior tomou
posse, que a direita estava amargurada com o País e, amargurada e zangada com o resultado eleitoral, ficaria
entregue ao azedume se não fizesse escolhas diferentes.
Escolheram esse caminho durante quatro anos e creio que hoje podemos dizer que os avisos estavam certos
e que os resultados estão bem à vista: tiveram uma derrota eleitoral histórica e, ao escolherem esse caminho
de azedume, ficaram impedidos de apresentar alternativas credíveis para o País.
A amargura não convenceu nem venceu como programa político — creio que hoje podemos afirmar isso com
toda a certeza.
Mas também há quatro anos, o Governo veio à Assembleia da República ganhar legitimidade, garantir uma
cooperação com a Assembleia da República e mostrar que, com o Parlamento, havia outras possibilidades.
Nessa cooperação conseguimos recuperar salários, recuperar pensões, libertar o País das garras da troica,
resgatar a esperança e mostrar que havia uma alternativa à austeridade.
Quatro anos depois, podemos dizer que valeu a pena esse caminho. Não nos arrependemos da escolha que
fizemos há quatro anos atrás.
Mas, olhando para esse momento e olhando para o dia de hoje, podemos também dizer que nem tudo está
igual ao que estava em 2015. Em 2015, havia compromissos para quatro anos, escritos sob a forma de acordos
formais, e um Programa do Governo com medidas concretas, negociadas à esquerda, que foi trazido aqui à
Assembleia da República.
Hoje, ao debatermos um Programa do Governo do Partido Socialista, escolhido, decidido e apresentado
apenas e só pelo Partido Socialista, percebemos, neste debate, que onde antes havia promessas de cooperação
com o Parlamento, hoje parece existir um tom de desafio, de ameaça. Não é um bom caminho se se deseja
mesmo a estabilidade para quatro anos.
Um projeto para quatro anos não devia começar com uma vinda ao Parlamento mostrando que já se fez as
contas como o Governo pode ser derrubado, deveriam era mostrar que estavam disponíveis para fazer as
escolhas certas para que essas contas nunca fossem feitas.
Aplausos do BE.
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Se o Governo quer mesmo aumentar salários e alargar direitos, se quer mesmo fazer mais e melhor, saiba
que precisa do Parlamento, e no Bloco de Esquerda há uma esquerda que nunca falta a estas escolhas
fundamentais.
Sabemos, e creio que a democracia nos demonstra, que cooperação não é submissão. Nós estivemos
disponíveis para trabalhar sobre o Programa do Governo, mas o PS não o quis. Tem essa legitimidade, mas
mais poder traz mais responsabilidade. Nós, isso, bem o sabemos, tem é de saber também o Partido Socialista
e o Governo.
Negociar é dialogar, envolver, comprometer. Pescar à linha medidas de uns e outros pode servir como sinal
de abertura, mas não é método para um diálogo e nesse engano ninguém devia cair.
Eu sei que havia um sonho de uma maioria absoluta, e é legítimo esse sonho, mas ninguém deve ficar
ressentido por não a ter alcançado.
Se o povo português não quis dar ao PS a comodidade da maioria absoluta, esse incómodo deve ser
ultrapassado, porque é assim que a democracia funciona.
Olhem para a direita e vejam que quem se zanga com o País nunca tem sucesso e, por isso, um Governo
de minoria absoluta não é a resposta quando se falha uma maioria absoluta.
Mesmo que não sejam fáceis as conversas, mesmo que não estejamos sempre de acordo, é a exigência do
diálogo que o resultado das eleições nos compromete.
Há quatro anos, soubemos das virtudes do caminho que iniciámos, mas avisámos, também, desde o início
para as suas insuficiências.
Alertámos inúmeras vezes para a fragilidade do investimento público.
Deitou-se dinheiro para o BANIF e nós dissemos que esse dinheiro fazia falta para a escola pública. Pagou-
se para vender o Novo Banco e dissemos que esse dinheiro fazia falta — e faz falta — ao Serviço Nacional de
Saúde. E sempre que o Governo foi além da meta para o défice, alertámos que era aí que ia faltar o espaço
para o investimento público.
Hoje, sabemos que tínhamos razão, mas não ficamos satisfeitos com isso, porque significa que os problemas
estão aí por resolver. Olhemos para as urgências hospitalares das quais o Hospital Garcia de Orta é o maior
dos exemplos e percebemos como falta — e como faltou — o investimento: na falta de auxiliares de ação
educativa, que vão fechando as escolas pelo País, ou na falta de professores, que deixam as salas de aulas
vazias, ou na falta de investimento público na habitação e de uma crise habitacional, que nas grandes cidades
leva mais de metade do rendimento das famílias só para pagar os custos para ter acesso a uma habitação, ou
na fuga de capitais para offshores, ou nos 600 milhões de euros de benefícios fiscais perdidos com os
afortunados pensionistas de outros países, que não pagam qualquer IRS, ou, não menos importante, na
precariedade que vai de jovens a menos jovens com baixos salários que ainda marcam a nossa economia.
Sabemos o tanto que falta fazer, mas sabemos também como cada vez que alertávamos havia um incómodo
que aparecia e, por isso, muitas vezes, não fomos compreendidos. Muitas vezes até nos chamavam empecilhos,
dos quais se queriam livrar, mas a verdade é que, se tivéssemos sido escutados, hoje o País estaria melhor, e
é nessas insuficiências que identificamos que traçamos o caminho para o futuro.
Mas há uma pergunta à qual se deve responder: o fantasma do Governo passado continuará a pairar no
Governo atual?
Sabemos como os programas de governo são um conjunto de boas intenções, mas que têm de passar o
crivo da realidade e o desafio da aplicação das políticas no concreto. E se neste Programa do Governo mesmo
essas boas intenções ficam debaixo desta assombração, a dúvida que paira é sobre o investimento público.
A falta de investimento assombra a vida das pessoas que desesperam nos serviços públicos, que não têm
os cuidados de saúde que merecem, que encontram as escolas encerradas ou as salas de aulas sem
professores.
A assombração, agora, neste Programa do Governo, aparece sob a forma de superavit primário permanente
de 3% do PIB e é a marca do Eurogrupo transformada em camisa de forças do Governo.
Ora, o nosso desafio, o desafio de todos nós, é termos a coragem de libertar o investimento público para as
necessidades do País e, por parte do Bloco de Esquerda, cá estamos para enfrentar esse desafio.
Do muito que fizemos há ainda muito por fazer, e nós identificamos essas exigências.
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Para vencer a crise climática, a crise da habitação, o desafio de uma economia para todos, justa e digna,
com serviços públicos fortes e solidários, cá estará o Bloco de Esquerda para criar as pontes necessárias ao
País e participar nos diálogos essenciais.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O
Programa do Governo que hoje discutimos, sendo o Programa de um Governo PS, reflete necessariamente as
opções do PS com os seus compromissos, as suas insuficiências, limitações e contradições próprias.
O ponto de partida e termo de comparação hoje já não é o de 2015, já não é o da perspetiva de interrupção
da política de agravamento da exploração e de empobrecimento dos PEC e do pacto de agressão da troica e
da governação PSD/CDS. O ponto de partida e termo de comparação, hoje, é o caminho de defesa, reposição
e conquista de direitos que valeu a penas percorrer nos últimos quatro anos e a necessidade da sua
consolidação e aprofundamento.
Como já afirmámos neste debate, no entender do PCP o Programa do Governo não corresponde à política
de que o País necessita para resolver os problemas presentes e assegurar um futuro de desenvolvimento
soberano, de progresso e justiça social. É de uma política alternativa, patriótica e de esquerda que Portugal
necessita, e essa não é a política do PS nem deste Governo.
As poucas medidas e objetivos concretos assumidos neste Programa que possam indiciar perspetivas de
avanço não são suficientes para que seja outra a constatação que se faz.
No entanto, o PCP não faz, como nunca fez, uma apreciação fixista ou expectante do Programa do Governo.
Sabemos que o Programa e a política do Governo terão de confrontar-se com a realidade a que se dirigem, que
a sua insuficiência ou opções erradas traduzir-se-ão na incapacidade de resolução dos graves problemas
nacionais que persistem e que essa incapacidade colocará o desenvolvimento da luta dos trabalhadores e das
populações como condição para que se obtenha resposta cabal às necessidades e anseios populares.
Acontecerá com este Governo como acontece com todos os Governos. De resto, a experiência da última
Legislatura demonstra com clareza que as opções erradas, insuficientes ou limitadas do Governo podem sempre
ser superadas com a iniciativa política e o desenvolvimento da luta. Foi assim que aconteceu com o aumento
real das pensões, recusado pelo anterior Governo e não inscrito no seu Programa mas depois concretizado
porque a força da luta e a iniciativa política do PCP assim o determinaram.
Já ouvimos hoje, por mais que uma vez, o Primeiro-Ministro fazer contas à aritmética parlamentar,
procurando fixar ideias quanto às difíceis condições que precisam de estar reunidas para que o PS e o Governo
sejam derrotados em votações na Assembleia da República.
É mau prenúncio que o Governo parta já do princípio de que as suas propostas poderão suscitar a
necessidade de derrota com tal aritmética, mas ficamos, pelo menos, a saber que o Governo conta à partida
com essa aritmética para algum desfecho ou objetivo tremendista que pretenda vir a alcançar.
Melhor seria que o Governo se concentrasse em fazer as contas à soma de forças e de votos necessários
para fazer aprovar as medidas de avanço nos direitos e de resposta às necessidades dos trabalhadores, do
povo e do País.
E pode, desde já, o Governo contar com uma coisa: o PCP não faltará com a sua força, os seus votos, as
suas propostas e iniciativas à política alternativa de que o País necessita e por que os trabalhadores e o povo
anseiam.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. João Oliveira (PCP): — A aritmética que conta para uma política alternativa é bem diferente da que
ocupou o discurso do Primeiro-Ministro e é bem evidente: a única circunstância em que não será possível
aprovar medidas para uma política de esquerda e de defesa do interesse nacional é a circunstância em que a
força e os votos do PS falhem a esse objetivo e convirjam com o resultado pretendido pelos partidos à direita
do PS.
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O Sr. João Dias (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Consolidar e aprofundar o caminho de defesa, reposição e conquista de direitos percorridos nos últimos quatro
anos exige assumir com clareza objetivos nesse sentido e fixar condições e meios para a sua concretização e
significa, igualmente, identificar limitações e constrangimentos a esse caminho e vias para a sua superação.
Nas intervenções do Grupo Parlamentar do PCP foram já dados hoje vários exemplos de como esses
objetivos são abordados de forma vaga e difusa, sem compromissos concretos associados ou até mesmo com
afirmações de sentido contrário.
Na resposta à emergência nacional de aumento geral dos salários, à necessidade de combate à
precariedade, à necessidade urgente de contratação de trabalhadores para os serviços públicos e de valorização
de todas as carreiras profissionais, de aumento do investimento público, de reforço dos meios na saúde, na
educação, na cultura, na justiça, nas forças e serviços de segurança e noutras áreas da responsabilidade do
Estado, os compromissos assumidos pelo Governo no seu Programa não correspondem ao que seria necessário
para que se pudesse afirmar que se trata de uma política de consolidação e aprofundamento do caminho de
defesa, reposição e conquista de direitos.
Quando tratamos do posicionamento do Governo face aos principais constrangimentos, externos e internos,
que o País enfrenta, a resposta dada pelo Programa do Governo é, em alguns casos, inexistente e, noutros
casos, de aceitação do conjunto de imposições que estão na base desses constrangimentos.
Agudiza-se a contradição que esteve presente na passada Legislatura entre as possibilidades de resposta
aos problemas do País e, simultaneamente, a aceitação e o cumprimento das imposições externas,
designadamente as da União Europeia.
Quando o Governo assume como referências emblemáticas do seu Programa a aceitação e o cumprimento
das imposições do défice, com excedentes orçamentais e saldos primários positivos de 3%, ou a mera gestão
da dívida pública sem perspetiva da sua renegociação, o que verdadeiramente está a fazer é a acentuar aquelas
contradições.
Um saldo primário de 3% significa não contratar os trabalhadores em falta, não fazer o investimento público
necessário à melhoria dos serviços públicos, não apoiar os setores produtivos.
Um saldo primário de 3% significa deixar tudo isso para trás e gerar excedentes orçamentais de mais de
6000 milhões de euros que serão integralmente desviados para satisfazer a gula dos credores sem sequer pôr
em hipótese uma resposta estrutural ao problema da dívida.
Fixar um objetivo de saldo primário de 3% significa pôr todo o País a trabalhar para os juros da dívida,
significa secundarizar as necessidades dos trabalhadores e do povo perante os juros da dívida, significa
comprometer o futuro do País em nome de uma política de gestão da dívida com novos empréstimos para pagar
os anteriores, sem que o problema sequer se aproxime de uma solução.
As opções do Governo em matéria de dívida pública correspondem à casa de madeira da fábula Os Três
Porquinhos e o Lobo Mau. Pode ser mais robusta que a casa de palha e mais fácil de construir que a de betão,
pode até ser mais rápida de pôr à vista, mas bastará um sopro mais forte dos especuladores/credores numa
próxima ofensiva especulativa sobre o nosso País e lá se vai a obra ao ar novamente.
O mesmo em relação à aceitação das imposições externas que continuam a determinar a liquidação e o
abandono dos nossos setores produtivos na agricultura, nas pescas e na indústria. Aceitando tais imposições,
a consequência será a da continuação e agravamento da nossa dependência externa.
O mesmo em relação à recusa do controlo público dos setores estratégicos dominados pelo capital
monopolista e pelos grandes grupos económicos, com exemplos dramáticos na energia, na banca, nos
transportes e nas telecomunicações.
Apenas como exemplo concreto, como é que o Governo poderá compatibilizar a reabertura das estações
dos CTT encerradas e a garantia de um serviço público postal como direito universal das populações e fator de
coesão territorial se deixar intocada a propriedade dos CTT e não salvar a empresa da liquidação operacional a
que tem sido sujeita, num quadro em que o fim da concessão do serviço postal já em 2020 coloca estes
problemas hoje como urgentes?
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Quando o Governo se refere a
contas certas, o critério que utiliza é o que resulta das imposições da União Europeia, do Tratado Orçamental e
das regras da zona euro, é o critério que deixa intocados os interesses do capital monopolista e dos grandes
grupos económicos para não sobressaltar os sacrossantos mercados, é, afinal de contas, o critério que
compromete seriamente as possibilidades de consolidação e aprofundamento do caminho de defesa, reposição
e conquista de direitos percorrido nos últimos quatro anos.
Pela parte do PCP, o critério certo para as contas certas não é esse, é o da solução dos problemas do País
e da resposta às necessidades dos trabalhadores e do povo.
É por esses objetivos, com a proposta da política alternativa, patriótica e de esquerda que defendemos, que
o PCP se baterá.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Peço à Sr.ª Vice-Presidente, Edite Estrela, o favor de me substituir durante algum
tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.
Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente, Edite Estrela.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O
Programa do Governo para a área da saúde tem algumas boas intenções arrastadas desde 2015, como, por
exemplo, a construção de cinco novos hospitais, que não passaram ainda do papel ou de uma pedra simbólica,
tem más ideias, desencantadas na Legislatura anterior, como a da exclusão das PPP, tem omissões graves,
como sejam os cuidados paliativos, as doenças raras ou a eutanásia, assunto aqui já perguntado pelo CDS e
novamente omitido pelo Sr. Primeiro-Ministro, e elenca um rol de intenções que a falta de capacidade de
execução dos últimos quatro anos transforma num fatal déjà vu. Nada a que não tenhamos sido habituados por
uma governação que anuncia em vez de fazer e que desenvolveu o mau hábito de nem investir nem pagar
dívidas.
Falemos, justamente, de dívidas. É que, embora as pessoas não sejam números, a verdade é que estes
explicam muito do que os utentes têm passado nos serviços de saúde: listas de espera de anos e em crescendo,
encerramento temporário de serviços, demissões sucessivas de direções clínicas, saída de médicos
especialistas.
De acordo com o portal da transparência do SNS, a dívida total a fornecedores externos em agosto de 2019
era de 1833 milhões de euros. Só para ficar claro: o SNS deve três vezes e meia o valor do Orçamento do
Estado para a cultura.
A dívida dos hospitais EPE (empresas públicas empresariais), que a tutela anterior, que é agora repetente,
afirmou publicamente, aqui na Comissão de Saúde, que iria saldar até ao final do ano, cresceu 65 milhões de
euros em setembro de 2019 e fixa-se em 651 milhões de euros.
Talvez, por isso, tenham surgido notícias de que os hospitais do SNS estão novamente com dificuldades
para pagar a fornecedores, que os prazos de pagamento voltaram a dilatar-se e desde o verão as empresas
estão a receber respostas vagas quando reclamam a liquidação de faturas, que há hospitais a assumir que até
ao final do ano só têm dinheiro para pagar salários. Isto quanto às dívidas reconhecidas nas contas, porque há,
pelo menos, um ano de cirurgias realizadas através do SIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para
Cirurgia) que nem sequer foram ainda faturadas.
Vai ser precisa uma nova injeção de capital, que é, na verdade, um prémio à má gestão e a solução que a
tutela anterior, agora repetente, apresentou em 2018, de uma autonomia de gestão acrescida em 11 hospitais,
ficou limitada a três contratos-programa e reduzida a quase nada.
Com resultados negativos, dívidas crescentes e investimento parco executado abaixo do orçamento e falta
de planeamento quanto aos recursos humanos, a consequência é um SNS depauperado e francamente limitado
na sua capacidade de servir a tempo e horas os que contam com ele: todos nós!
Sobre tudo isto o Programa do Governo não diz uma palavra, mas se o Governo é omisso, o CDS não o
será, por isso daremos entrada de uma recomendação ao Governo para que, nos casos em que não sejam
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respeitados os tempos máximos de espera para consultas de especialidade na rede pública, o doente possa
escolher ser atendido num hospital do setor social ou privado.
O Programa do Governo também nada diz sobre a ADSE — de resto, esse assunto já aqui foi perguntado
pelo CDS e foi omitido pelo Sr. Primeiro-Ministro —, o que é particularmente negligente quando são conhecidos
vários estudos e relatórios, incluindo o da Entidade Reguladora da Saúde e hoje mesmo o do Tribunal de Contas,
que demostram que a sustentabilidade da ADSE está em risco e só pode ser garantida com o seu alargamento.
Prova disso é que com o atual perfil dos beneficiários o excedente orçamental baixou de 200 para 67 milhões
de euros nos últimos quatro anos.
Mas se o Governo é omisso, o CDS não o será e, por isso, daremos entrada de uma recomendação ao
Governo para que tome as medidas necessárias ao alargamento gradual da ADSE a todos os trabalhadores,
independentemente de terem ou não um vínculo laboral ao Estado, garantindo, assim, a sua sustentabilidade e
acabando com uma discriminação atualmente sem qualquer sentido.
Para o CDS importa que as pessoas tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade a tempo e horas,
independentemente do sítio onde moram ou da dimensão da sua carteira.
Apresentamos hoje mesmo as nossas propostas, porque não nos demitimos de propor uma alternativa que
passará sempre por garantir a todos a liberdade de escolha que atualmente é reservada só a alguns.
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, sendo a primeira vez que que presido a uma
sessão plenária, permitam-me que saúde muito calorosamente todas as Sr.as e Srs. Deputados das diferentes
bancadas e que dirija também uma saudação muito especial ao Sr. Primeiro-Ministro e aos Membros do
Governo, às Sr.as e Srs. Funcionários desta Casa, às Sr.as e Srs. Jornalistas e também às Sr.as e Srs. Agentes
da autoridade.
A todos desejo um trabalho profícuo em prol da democracia e do interesse nacional.
Aplausos do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Correia para formular um pedido de esclarecimento à Sr.ª
Deputada Ana Rita Bessa.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, é
lamentável a falta de memória do CDS em matéria de saúde e de Serviço Nacional de Saúde, porque nem nós
nem os portugueses se esquecem o que os senhores fizeram no Governo, entre 2011 e 2015: cortaram 1100
milhões de euros do Serviço Nacional de Saúde,…
Aplausos do PS.
… aumentaram as taxas moderadoras, dificultando o acesso dos portugueses ao Serviço Nacional de
Saúde, aos hospitais e aos centros de saúde e às unidades de saúde familiar! Isto, para não falar dos hospitais
que ficaram por construir, das unidades de saúde familiar que ficaram por montar e dos centros de saúde que
ficaram por construir.
Protestos do CDS-PP.
Os últimos quatro anos do Serviço Nacional de Saúde apresentam os seguintes números: foi reposto o corte
que os senhores fizeram no Serviço Nacional de Saúde; o investimento no Serviço Nacional de Saúde, em
quatro anos, entre 2015 e 2019, foi de 1300 milhões de euros.
O Serviço Nacional de Saúde conta, hoje, com mais 11 000 profissionais, com mais médicos, mais
enfermeiros e mais auxiliares. Foram realizadas mais 700 000 consultas ao longo da anterior Legislatura nos
cuidados de saúde primários e também houve mais 18 000 cirurgias.
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Lamentamos que o CDS tenha estado contra a Lei de Bases da Saúde. Quando se procura soluções, o CDS
está contra e escolhe sempre o lado errado das respostas.
Aplausos do PS.
Lamentamos também que a intervenção da Sr.ª Deputada tenha ignorado as medidas que estão inscritas no
Programa do Governo, nomeadamente as de criação de mais unidades de saúde familiar, de mais centros de
saúde, de mais portugueses com médico de família e de novos hospitais.
Termino como comecei, Sr.ª Deputada: é lamentável a falta de memória do CDS em matéria de Serviço
Nacional de Saúde.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, confesso que estava com alguma
ansiedade para perceber qual seria o primeiro Sr. Deputado a tentar falar do Governo anterior ao Governo
anterior para poder assacar alguma responsabilidade.
Aplausos do CDS-PP.
Acho que isso vai ser mais complicado de fazer daqui para a frente, que vai gastar imenso tempo e vai dar
imenso trabalho estar a dizer que não é o Governo anterior mas é o Governo anterior ao anterior.
Sr. Deputado, não há nenhum problema de má memória por parte do CDS. Se calhar, há é consigo
relativamente ao Governo anterior, que é para falarmos de um passado mais recente. Diga-me uma coisa, Sr.
Deputado: foi construído o hospital de Todos os Santos, o hospital de Lisboa Oriental?! Sabe que isso constava
do Programa do seu Governo — o Governo anterior —, que esteve inscrito durante quatro anos em todos os
Orçamentos do Estado e nada aconteceu? E quanto ao hospital do Seixal, ao hospital de Sintra e ao hospital
do Funchal? Aparecem agora novos em folha como uma grande novidade, uma grande coisa que agora, sim,
finalmente, é que se vai fazer!
Se eu fosse cínica, Sr. Deputado, dir-lhe-ia: que desgraça de Governo que houve antes deste, mas este é
que vai, agora, resolver o assunto, seguramente!… Sr. Deputado, vou poupá-lo a isso!
Quanto a promessas do anterior Governo — não do anterior ao anterior, mas do anterior, que era seu —,
tinha também sido dito que todos os portugueses teriam um médico de família. Lembra-se disso? Não tiveram!
Mas agora é que vai ser! O Governo anterior foi péssimo, não cumpriu a sua promessa, mas este Governo, que
é mais ou menos o mesmo, afinal agora é que vai conseguir. Quanto a credibilidade, estamos conversados!
Aplausos do CDS-PP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do
partido Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs.
Deputados: Chega a ser emocionante, comovedor ver a esquerda, agora, muito chateada com o Partido
Socialista. É, de facto, muito, muito emocionante que o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, que deram a
mão ao pior que o Partido Socialista fez, venham hoje, perante os portugueses, dizer que não se lembram de
nada, que temos de ter cuidado com o dinheiro que damos aos bancos e que temos de ter cuidado com os
portugueses que perderam o emprego. Vergonha era o que deveriam ter hoje, quando estão aqui a apoiar um
Governo a quem deram a mão durante quatro anos!
Vozes do PS: — Oh!...
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O Sr. André Ventura (CH): — Com tudo o que se passa na saúde — urgências fechadas, hospitais em que
nada funciona, esquadras de polícia fechadas —, este mesmo Governo diz, no seu Programa, que quer alargar
a habitação pública — imagine-se! — àqueles de sempre, àqueles que já conhecemos e a quem o Governo
chama «minorias de vário tipo», «minorias de vário género». São sempre os mesmos a pagar!
Protestos do PS.
Nós, que pagamos impostos, estamos sempre a pagar para o mesmo! Esquece-se a ampla maioria de
portugueses que trabalha, que paga impostos e que se esforça para ter uma vida digna. É sempre a mesma
injustiça, que agora chega ao Parlamento para ser denunciada todos os dias.
Disse ainda o Governo — anunciou-o — que iria promover uma grande reforma eleitoral. Claro, até o Bloco
de Esquerda dizer que não podia ser, toca a esquecer a reforma eleitoral! Mais vale assumirem e dizerem que
vão sustentá-los durante quatro anos, em vez de andarem aqui aos ziguezagues a enganar os portugueses.
Este Programa do Governo, além de esquecer os agentes e as forças de segurança, traz-nos um elemento
mais perturbador. Diz: «A partir de agora, vamos estudar modelos alternativos à prisão». Estou a imaginar!
Talvez em casa, talvez no carro, talvez na praia. Porque não? Porque não ter uma justiça em que, quem violou
e matou, tem direito a estar na praia durante três meses e tem direito a estar fora da praia, talvez no campo,
durante o resto do tempo?! É uma vergonha! Sobretudo, quando houve, em plena campanha eleitoral, mais uma
mulher morta por alguém que devia estar na cadeia e não estava. Mais uma vez, a mesma vergonha, que agora
o Governo traz no seu Programa.
Ouvimos todos falar da Lei da Nacionalidade. O Livre, com a sua grande aposta na Lei da Nacionalidade, já
contagiou o Bloco de Esquerda: toda a gente que nascer em Portugal é português e, mesmo que esteja a passar
aqui de comboio, é português! É assim que vamos neste País! É assim que olhamos para o futuro e é assim
que queremos fazer de Portugal, efetivamente, um País digno em matéria de nacionalidade. Isto tem de ser dito
aos portugueses! O que querem fazer é a maior vergonha e o maior ataque à nacionalidade de que há memória!
Protestos do PS.
Sr. Primeiro-Ministro, não sei se estamos no século XV, se no século XVI ou XVII, mas sei que este Governo
é uma das maiores vergonhas da nossa História democrática. Isso eu sei e vou continuar a dizê-lo!
Ainda neste Programa do Governo, fala-se de habitação, esquecendo os portugueses sufocados pelo IMI,
sufocados em taxas e burocracias. Olham para o lado e dizem: «Paguem! Paguem! Paguem! Nós estamos cá
para distribuir depois». É o melhor da política socialista: «nós distribuímos e os outros pagam». Sempre foi assim
e é assim que vai continuar a ser!
Termino com um repto, Sr. Primeiro-Ministro.
Fala em reconhecer o trabalho e o mérito dos antigos combatentes. Vergonha, Sr. Primeiro-Ministro! É uma
vergonha, quando há antigos combatentes a ganharem 177 € e quando aqueles que não querem fazer nada
continuam a ganhar mais de 1000 € por mês e a encher a nossa segurança social e os nossos correios da forma
que sabemos. Os antigos combatentes são para respeitar e este Governo cometeu aqui, mais uma vez, uma
das maiores vergonhas da nossa história.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
A direita disse que o diabo ia chegar. Chegou mesmo! E o diabo, hoje, é esta grande maioria de esquerda,
que quer tornar Portugal numa espécie de Venezuela. Não contem connosco! Não contem com o Chega, nem
contem com a direita portuguesa!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim
Figueiredo, do Iniciativa Liberal.
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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, permitam-
me que me dirija a vós do meu lugar no Hemiciclo para poder dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que fiquei
sensibilizado pelo facto de ter escolhido a Iniciativa Liberal, na sessão desta manhã, como o seu principal
adversário ideológico.
Risos do PS.
Fiquei sensibilizado, sobretudo porque até sentiu necessidade de inventar o argumento do voto censitário,
que eu não usei. O Sr. Primeiro-Ministro sabe que não usei esse argumento, sabe que não o defendo. Quem
tem necessidade de o inventar é porque não tem mais nenhum argumento ou, então, tem muito receio da
oposição que sabe que a Iniciativa Liberal lhe fará.
Protestos do PS.
Também fiquei muito sensibilizado que tenha sentido a falta das nossas alternativas. Lamento não ter tido
tempo para lhe enunciar as alternativas que a Iniciativa Liberal tem às políticas que constam do Programa do
Governo.
Sr. Primeiro-Ministro, está há tempo de mais no mais alto poder, já não se lembra do que é não ter tempo
para explicar as medidas. Por isso, espero que, na qualidade de Primeiro-Ministro, mas também de Secretário-
Geral do Partido Socialista, use a sua influência para que a alteração ao Regimento que a Iniciativa Liberal
propôs ontem seja aprovada, de modo a que os partidos pequenos tenham tempo para propor alternativas e
poderem discuti-las consigo.
O Sr. Primeiro-Ministro disse que o Programa não falava em aumento de impostos. Não fala em aumento de
impostos, mas está muito perto! Está muito perto, porque diz, por exemplo, que vai aumentar enormemente o
investimento público, que vai ter um significativo aumento da despesa pública corrente — a acreditar nas
promessas que são feitas e se não houver cativações —, que vai manter o objetivo de chegar ao final da
Legislatura com a dívida pública abaixo de 100% do PIB, diz que, apesar de o défice primário ter baixado de
3,4% para 3%, mantém o mesmo objetivo. Tudo isto num cenário internacional que não vai ser, certamente,
melhor do que o cenário fantástico que tivemos nos últimos quatro anos.
Sr. Primeiro-Ministro, está a querer quadrar o círculo! Quem tem saudades de ser comentador é o Sr.
Primeiro-Ministro! Quer voltar à Quadratura do Círculo! É que isto só se quadra de uma de duas maneiras: ou
incumpre o Programa que hoje aqui apresenta ou vai aumentar impostos.
A mesma conclusão posso tirar quando se olha para a Administração Pública. Está previsto no Programa de
Estabilidade, aprovado em abril, um aumento de 3% da massa salarial, e agora temos, além da massa salarial,
admissões de funcionários e progressões de carreira. Isto, tudo junto, não vai custar menos de 1000 milhões de
euros, numa estimativa minha, porque, mais uma vez, este Programa não tem contas.
Então, pergunto: de onde vem esta diferença? Ou incumpre o Programa ou aumenta os impostos.
Sr. Primeiro-Ministro, compromete-se a que, no Orçamento que vai apresentar em breve e no resto da
Legislatura, que não vai proceder ao aumento de impostos? E não se refugie, por favor, nos impostos diretos
versus os indiretos, que foi aquilo que andou a fazer na última Legislatura.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Joacine Katar
Moreira, do Livre.
A Sr.ª Joacine Katar Moreira (L): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Executivo, Sr.as
e Srs. Deputados: Um Executivo do século XXI necessita, inevitavelmente, de encontrar, enquanto objetivo
número um, a igualdade. É esta igualdade o nosso objetivo.
Iremos auxiliar e incentivar completamente qualquer iniciativa que se relacione com o aumento da igualdade,
com a redução das assimetrias e, especialmente, com uma igualdade que não seja unicamente retórica, mas
que tenha uma ótica feminista e uma ótica antirracista, uma igualdade que, em momento algum, relativize a
necessidade do aumento do ordenado mínimo nacional e do investimento no Serviço Nacional de Saúde.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro do Ambiente e da
Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática (João Pedro Matos Fernandes): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Caras e Caros Colegas do Governo: Nem sempre sabemos o que nos
espera quando falamos de certos fenómenos. Mas sabemos bem o que nos espera quando falamos de
alterações climáticas. Sabemos bem da necessidade de mudança de hábitos que, como cidadãos, temos de
levar a cabo e sabemos bem da necessidade de liderança política para atingirmos os nossos objetivos.
Sendo a ação climática um domínio transversal e assim reconhecido na orgânica e no Programa do Governo,
a concentração num só Ministério das competências-chave para a mitigação das emissões, a adaptação do
território e o sequestro de carbono são, em nosso entender, um muito bom começo.
Não partimos do zero. Sabemos o que fizemos nos últimos quatro anos: um trabalho com resultados.
Sentimos também que este é um tema cujas preocupações são comuns a muitos dos partidos nesta Assembleia
e, mais do que tudo, sabemos ser esta uma das maiores preocupações dos portugueses, em particular das
gerações mais jovens.
Em resumo, somos responsáveis sempre, mas, sobretudo, seremos ambiciosos. É de ambição que se trata
quando se fala em reduzir em 55% as nossas emissões até 2030, em ser neutro em carbono em 2050, em
acabar, durante esta Legislatura, com a produção de eletricidade a partir do carvão.
Mitigar, adaptar e sequestrar são os três verbos-chave.
Comecemos pelo primeiro, o verbo mitigar, ou seja, pela redução das emissões carbónicas.
Todos os setores terão de contribuir para a redução de emissões, mas é sobretudo nas áreas da produção
de eletricidade e da mobilidade que maiores e mais rápidos avanços terão de ser realizados.
Fechar a central do Pego em 2021 e a de Sines em 2023 são, hoje, metas possíveis, antecipando até o que
estava inscrito no programa eleitoral do Partido Socialista. São metas possíveis com ganhos ambientais e com
ganhos na fatura da eletricidade, pois a produção a partir de fontes renováveis é mais barata do que a partir de
combustíveis fósseis.
Os resultados obtidos com o recente leilão para a produção de eletricidade a partir do solar, em que Portugal
bateu um recorde do mundo pelo preço mais baixo, provam à saciedade que é mesmo mais barato gerar
eletricidade a partir de fontes renováveis do que utilizar para esse efeito combustíveis fósseis. Naturalmente,
isto aduzir-se-á numa redução das importações e num aproximar progressivo do preço da eletricidade paga
pelos nossos consumidores, incluindo os consumidores industriais, aos dos restantes países do centro da
Europa.
Outra proposta central do Programa do Governo é a avaliação do impacto das propostas legislativas e das
políticas setoriais na ação climática. Não é um método simples nem usual, mas é uma obrigação que o Governo
assume para si, para ter pronta até ao verão, e que quererá alargar aos investimentos industriais e às decisões
de financiamento do setor financeiro.
Para ser neutro em carbono em 2050, o País terá de investir mais 2 mil milhões de euros por ano do que
num cenário corrente. Também por essa razão, este é um projeto tão importante para o desenvolvimento
económico do País.
Dessa verba, uma parcela muito expressiva será responsabilidade das empresas e das famílias, pois a
neutralidade carbónica não se consegue fechando umas chaminés, mas apenas com um projeto de
transformação profunda da produção, do consumo e do uso de recursos.
Do nosso Programa consta o desenvolvimento de um green bank que tenha um papel seminal no
financiamento de projetos no domínio da ação climática, sendo que acompanhamos de forma empenhada os
projetos do Banco Europeu de Investimento nesta área, podendo, no limite, dispensar até um projeto à escala
nacional.
Este Governo acompanha também com entusiamo a proposta da nova Comissão, a European Green Deal,
procurando que o mesmo inclua as necessidades de adaptação dos territórios europeus que se encontram mais
expostos aos efeitos das alterações climáticas, ou seja, os que se localizam no sul da Europa, evidentemente,
entre eles, Portugal.
É verdade que uma fatia dos investimentos para se atingir a neutralidade passa pela troca de veículos a
combustão por veículos elétricos, pela neutralidade energética dos edifícios, pela criação de comunidades
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energéticas que envolvam espaços industriais. Estes são investimentos privados. Mas há uma parcela de
investimento que cabe ao Estado, sobretudo os investimentos na mobilidade e nos transportes.
Daí a relevância da expansão dos metros de Lisboa e do Porto, como dos projetos de metrobus, semelhantes
ao desenvolvido para Coimbra. Será durante a próxima Legislatura que se concretizarão os projetos, já em fase
de concurso, para a expansão das redes, para a aquisição de material circulante, bem como a chegada dos
novos navios para a Transtejo.
Na próxima Legislatura serão também decididos os novos projetos de investimento — cuja ambição é já do
conhecimento desta Assembleia por constarem do PNI —, com a diferença de que, desta vez, quem vai decidir
esses investimentos são as autarquias e as áreas metropolitanas e não o Governo.
A redução do preço dos passes é um projeto fundamental para a transição justa, projeto a reforçar nesta
Legislatura, bem como o acompanhamento de novas soluções de mobilidade, com um especial enfoque na
mobilidade elétrica.
Do nosso Programa consta a continuidade dos leilões para a produção de eletricidade a partir do solar e a
novidade dos leilões para as centrais despacháveis, ou seja, para centrais de produção de eletricidade a partir
de fontes renováveis que associem a armazenagem. Só assim robusteceremos a segurança do abastecimento
e reduziremos a necessidade de importações e de uso de qualquer combustível fóssil.
O reforço da produção a partir de fontes renováveis e o armazenamento da eletricidade, a par da constituição
de comunidades energéticas que possam rentabilizar, de forma plural, a produção para consumo local, são as
pedras de toque de uma transição energética justa, por contribuírem para a redução da fatura de energia dos
consumidores domésticos e industriais.
Para atingir o pleno da redução de emissões, temos de saber evoluir para uma economia que, ao crescer, o
faça regenerando recursos, garantindo que cabe nos limites dos sistemas naturais, ou seja, temos de evoluir
para uma economia progressivamente mais circular.
Portugal vai ser, para setores como o da construção, do uso dos plásticos, da limitação do descartável, um
exemplo, e isso está no nosso Programa; bem como está no nosso Programa a concretização de um movimento
de reequilíbrio fiscal que reduza progressivamente a carga sobre o trabalho e a transfira para a poluição, as
emissões e o uso intensivo de recursos.
Não se trata de aumentar a carga fiscal — nada disso —, trata-se de usar as ferramentas fiscais de maneira
a orientar a economia e os hábitos sociais de consumo, de forma a garantir que a emergência climática não é
uma proclamação vã mas uma base para a mudança de que Portugal precisa, ou não fosse o nosso País um
daqueles que mais sofre, na Europa, com as consequências das alterações climáticas. É precisamente por
essas consequências serem um elemento do presente e não do futuro que a necessidade de adaptação do
território terá de correr em paralelo com a redução de emissões.
Nesta matéria, o nosso Programa é tão claro como ambicioso. É claro o destaque que atribuímos às
intervenções no litoral e na rede hidrográfica utilizando sempre métodos de engenharia natural, bem como à
preparação do nosso País para a escassez de água.
A água não vem do céu, vem da terra e é essencial para a Terra e para aqueles que a habitam. A água é
suporte de ecossistemas e não é propriedade da nossa espécie. Assim, que ninguém se iluda, pois só há uma
estratégia de longo prazo para a gestão dos recursos hídricos: gastar menos água, completando a poupança
com a reutilização dos efluentes tratados nas ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais) para usos
secundários, neles incluída a rega de culturas permanentes.
A atividade económica que melhor terá de fazer um esforço de adaptação, por viver em exclusivo dos
recursos naturais, é, naturalmente, a atividade agrícola. O Programa do Governo deixa clara a evolução para
um modelo agrícola mais resiliente e uma agricultura mais sustentável. A par da melhoria da fertilidade do solo,
teremos de apostar na reconversão progressiva das culturas, com espécies e variedades mais bem adaptadas
às mudanças do clima, à escassez de água, à promoção de pastagens biodiversas e ao fomento da agricultura
de precisão.
Em relação ao mar, para além da consolidação do modelo de economia azul que temos vindo a desenvolver,
cumpriremos o compromisso assumido com as Nações Unidas de garantir que 14% do nosso oceano venha a
ser reservado para uma rede de áreas marítimas protegidas.
Falarei agora da dimensão do sequestro de carbono.
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Ser neutro em carbono não significa registar emissões zero. É verdade que o grande esforço se encontra do
lado da redução de emissões, que terão de ser reduzidas em 85% até 2050. Mas também a nossa capacidade
de sumidouro terá de aumentar das atuais 9 megatoneladas para 13 megatoneladas de CO2. E para o aumento
da capacidade de sequestro de gases com efeitos de estufa não dispomos de três décadas, pois o clima está a
aquecer a cada dia e, por isso, a cada dia também, será mais difícil conseguir atingir este objetivo.
A floresta portuguesa terá como fim último um objetivo que corresponde a um bem público e que se traduz
na sua capacidade de ser a sequestradora de carbono de que o País necessita, a partir do reordenamento da
nossa paisagem.
Sim, a floresta é um problema de escolha de espécies por causa da necessidade de adaptação do território,
mas acreditem que esta é a opção menos difícil. A floresta é, essencialmente, um problema de estrutura fundiária
e um problema de pessoas titulares da sua propriedade.
Conhecer o cadastro, fomentar a gestão conjunta, remunerar os serviços de ecossistemas que a floresta nos
presta, desenhar novos planos de paisagem com novos mosaicos culturais, perceber que quanto mais tempo
as árvores viverem sem serem cortadas mais aumenta a sua capacidade de sumidouro são as opções-chave
para uma floresta — privada, as mais das vezes — que se rentabiliza, ao mesmo tempo que cumpre a sua
função mais importante, repito, a de sumidouro.
Juntar as políticas de conservação e das florestas é muito importante, mas juntar ordenamento do território
e florestas é mesmo estratégico para o desenho de um novo conjunto de mosaicos de paisagens, nele incluída
uma maior capacidade de intervir na regeneração das áreas ardidas.
Bioeconomia é uma economia sustentável e que reúne todos os setores da economia que utilizam recursos
biológicos. O nosso Ministério, agora com as florestas, tem todas as ferramentas para produzir, no espaço de
um ano, uma estratégia nacional para a bioeconomia. Assim está no nosso Programa e assim o faremos.
Concluo dizendo que os sistemas naturais nunca se enganaram. Nunca lhes falta nada, nunca lhes sobra
nada, nada é mais justo na sua escala do que um sistema natural. Não há, de facto, planeta B, não há uma
Terra 2.0 e, por isso, nunca se perguntem se o copo está meio cheio ou se o copo está meio vazio. Se o copo
está meio de água, é porque tem o dobro do tamanho que é necessário. É este o princípio da racionalidade da
suficiência, que se constrói com uma economia que cresce gerando bem-estar, mas que é, em simultâneo,
hipocarbónica e regeneradora de recursos.
Foi claro, em nossa opinião, o trabalho desenvolvido pelo Governo, na anterior Legislatura, em relação às
redes que constroem o território. Esse trabalho irá intensificar-se durante esta Legislatura, mas agora
acompanhando a relevância que a promoção da biodiversidade e do capital natural terão na construção de um
Portugal mais justo, mais coeso e mais sustentável.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Ministro, a Mesa registou a inscrição, para formular pedidos de
esclarecimento, de 12 Srs. Deputados.
Como deseja responder?
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Sr.ª Presidente, irei responder em grupos de 6.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues, do PAN, para pedir
esclarecimentos.
A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, há 20 anos a
Diretiva Habitats foi transposta para o direito português.
Esta Diretiva prevê o restabelecimento ou a manutenção dos habitats naturais e das espécies de interesse
comunitário num estado de conservação favorável e, em consequência, os Estados ficaram incumbidos de
designar zonas especiais de conservação (ZEC), a fim de estabelecer uma rede ecológica europeia coerente,
de acordo com um calendário definido.
O prazo para proceder a essas designações terminou em 2010. Ora, estamos em 2019 e Portugal não
designou um único sítio de importância comunitária como zona especial de conservação.
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Face a esta inércia, a Comissão Europeia intentou uma ação no Tribunal de Justiça da União Europeia, em
2018, que veio a ser considerada procedente e, em setembro deste ano, este Tribunal declarou que Portugal
não cumpriu as obrigações exigidas na Diretiva Habitats, nomeadamente a designação dos sítios de importância
comunitária (SIC) em causa, como zonas especiais de conservação, e falha na implementação de medidas de
conservação, referindo que as medidas que Portugal apresentou são genéricas e têm caráter apenas orientador
e não satisfazem as exigências ecológicas de cada espécie e de cada tipo de habitat presente em cada sítio em
causa.
Será coincidência que, atualmente, em alguns dos locais que deveriam ter sido classificados como zona
especial de conservação estejam planeadas ou já em curso explorações económicas que colocam em causa
habitats e espécies protegidas por esta Diretiva?É o caso do aeroporto do Montijo, das dragagens do Sado, das
estufas do sudoeste alentejano ou dos olivais intensivos no Guadiana, que se situam na zona de influência
destes locais ou dentro destes sítios. Como sabe, Sr. Ministro, se estes sítios já tivessem sido devidamente
classificados, muitos destes projetos não teriam sido autorizados.
Sr. Ministro, depois dos prazos das diretivas terminarem, depois das interpelações da Comissão Europeia,
depois da condenação de Portugal pelo Tribunal Europeu de Justiça, o Programa do Governo não faz qualquer
referência à designação destas zonas especiais de conservação.
Assim, temos de perguntar: podemos ou não contar com a designação destas 61 zonas até ao final de 2019?
Ou vamos continuar a deixar o caminho livre para os interesses económicos, com prejuízo para os valores
ambientais?
Uma outra zona que já deveria estar designada como zona especial de conservação e não está é a Reserva
Natural do Estuário do Tejo. É uma zona que, nem de propósito, se encontra na zona de influência do local onde
se pretende construir o denominado aeroporto complementar do Montijo.
Trata-se, Sr. Ministro, de uma zona que é habitat de muitas espécies protegidas pelas diretivas referidas,
mas que está fortemente ameaçada com a intenção de construção do aeroporto no Montijo.
De resto, são conhecidos os potenciais efeitos nefastos do aeroporto para o ecossistema e o próprio estudo
de impacte ambiental é particularmente esclarecedor quando diz que, e cito, «os impactes mais importantes na
fase de exploração são para as aves e decorrem da circulação de aeronaves sobre o Estuário do Tejo» ou «irá
causar uma elevada perturbação ao nível do ruído nos habitats de alimentação e refúgio para este grupo».
Acresce que os potenciais riscos não se circunscrevem às aves e têm igualmente implicações para as
pessoas, o que decorre do aumento exponencial de voos que passarão a sobrevoar a Área Metropolitana de
Lisboa, nomeadamente áreas residenciais, a um ritmo de qualquer coisa como 72 movimentos por hora — mais
que um avião por minuto.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, já ultrapassou, e muito, o seu tempo. Porém, como está
a ser descontado no tempo global do seu grupo parlamentar, estou apenas a avisar.
A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Muito obrigada, Sr.ª Presidente. Vou terminar.
Sabendo o Sr. Ministro que uma obra desta envergadura corresponde a um plano setorial e,
consequentemente, deve ser sujeita a avaliação ambiental estratégica, até porque convenientemente as
questões relacionadas com a expansão do Aeroporto Humberto Delgado e a construção do aeroporto
complementar do Montijo foram excluídas do Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas, perguntamos
se mantém a posição de não ser necessária esta avaliação estratégica ou será que a considera desnecessária
porque a resposta poderá não ser favorável à construção do aeroporto.
Aplausos do PAN.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Peralta, do Bloco de Esquerda,
também para um pedido de esclarecimento.
O Sr. NelsonPeralta (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, o planeta não pode esperar. A crise climática é
uma urgência para a humanidade e é necessário e inadiável que a sociedade se reorganize para dar resposta
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e para proteger o planeta, a biodiversidade e as nossas vidas. Saúdo por isso que seja central esta temática no
Programa do Governo.
No entanto, há várias preocupações que ele nos suscita, desde logo a criação de uma fiscalidade verde, que,
diz o Governo, será neutra para as receitas do Estado e será uma discriminação positiva para o consumo.
Pergunto, desde logo, em que consiste concretamente a fiscalidade verde. Pergunto ainda se será neutra,
ou até mais justa, para a população mais empobrecida e que, como tal, consome menos.
Outra preocupação é que o Programa do Governo coloca o comércio de carbono como o principal
instrumento para a descarbonização. Ora, o problema é que entregar ao mercado este instrumento da
democracia não funciona — repito, não funciona. A realidade comprova-o. Apenas 100 empresas são
responsáveis por 71% das emissões de gases com efeito de estufa.
O mercado é um teto intransponível para a ambição climática. Por isso, sendo ambicioso, Sr. Ministro,
pergunto: o Governo apresenta várias medidas relativas ao consumo e também ao carvão, mas onde estão as
medidas ambiciosas e estruturantes para reduzir as emissões na produção de bens e de serviços? Onde está a
reconversão industrial? O que é feito da reorganização da economia para garantir que os grandes poluidores
deixem de o ser?
Sr. Ministro, é essencial uma resposta à emergência climática, mas as camadas mais empobrecidas da
população são as mais vulneráveis aos riscos da crise climática e são também as que menos contribuem para
o aquecimento global. A resposta tem de ser a sua proteção e a criação de emprego, a resposta tem de ser
através de políticas de igualdade. Por isso, a resposta é: justiça climática, justiça na economia.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio
Guerreiro, do PSD.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e
Srs. Deputados, Sr. Ministro, uma das novidades do Programa do Governo é a antecipação dos prazos de
encerramento de duas centrais, a de Sines e a do Pego. É que o programa eleitoral que foi sujeito à votação
dos portugueses tinha outros prazos, dizendo-se que a do Pego iria fechar em 2023 e que a de Sines fecharia
em 2027.
Ora, a grande novidade, que rendeu umas capas de jornais muito do agrado daquilo que é a atividade do
Governo, que vive muito dessa propaganda feita pelos jornais, é que agora, afinal, vão fechar, respetivamente,
em 2021 e 2023.
Sr. Ministro, o que o Governo fez foi mais ou menos aquilo que aquelas lojas más fazem antes dos saldos,
ou seja, aumentam o preço e, depois, quando os saldos começam, baixam-no até ao preço inicial.
E isto porquê, Sr. Ministro? É que a central do Pego, como o Sr. Ministro sabe, tem um prazo de concessão
e está previsto há 28 anos que ele termine em 2021. Por isso, ao fim e ao cabo, o que o Governo vem dizer é
que vai cumprir o prazo.
Na campanha eleitoral tinha dúvidas, ia dar dois anos de benesse, mas agora, afinal, vai cumprir o prazo.
Quanto à de Sines, é um bocadinho mais complexo porque os CMEC (custos de manutenção do equilíbrio
contratual) já terminaram em 2017 e, por isso, se ela ainda está em funcionamento foi porque, de facto, não
foram tomadas as medidas devidas para que encerrasse, como estava previsto no seu contrato, em 2017. Aliás,
este prolongamento, se calhar, deve-se àquilo que nem vale a pena puxar para aqui, pois já foi referido um
tempo histórico quando, em 2007, um determinado governo, do qual o Sr. Primeiro-Ministro foi n.º 2, decidiu dar
uma licença sem data a esta central. Mas os senhores lá saberão como é que hão de resolver isto.
Por isso, neste capítulo, o que o Sr. Ministro e o Governo vieram dizer foi que, afinal, no Pego vão cumprir o
prazo que estava previsto no contrato — muito bem, parabéns! — e não aquilo que andaram a dizer aos
portugueses, ou seja, que iam dar mais dois anos. E em Sines a mesma coisa! Têm um problema de má
consciência, porque não resolveram até 2017, mas agora, felizmente, a data vai ser antecipada.
Mas, Sr. Ministro, há aqui dois problemas: é que não basta substituir a produção de eletricidade face ao fecho
destas duas centrais, que é muito importante que fechem porque são a carvão, sejamos claros! Mas se o Alto
Tâmega substitui Sines — é similar a capacidade de produção de eletricidade —, falta ainda resolver o problema
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da central do Pego e, sobretudo, o desafio da transição energética, porque vai obrigar à eletrificação do País e
é necessário produzir ainda mais.
Uma nota final, agora noutro tema: o lítio.
Hoje, ouvimos aqui o Sr. Primeiro-Ministro dizer que, para o petróleo e para o gás natural, foi importante fazer
uma moratória entre a prospeção e a exploração, mas no lítio não foi importante nada! Decidiu-se entregar a
uma empresa constituída três dias antes, com muitas dúvidas relativamente à constituição da mesma, e o Sr.
Secretário de Estado disse na televisão que o Estado e o Governo não têm de se preocupar com quem são as
pessoas e se há conflitos entre elas.
Sr. Ministro, o lítio é um bem de todos nós. Este Governo vai entregar a sua exploração, por décadas, a uma
entidade e não tem de se preocupar com a idoneidade das pessoas que vão fazer essa gestão?! Custa-me a
acreditar!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do PCP, para pedir
esclarecimentos.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro: No
Programa que hoje analisamos, o Governo propõe-se «reforçar a trajetória de redução dos preços da
eletricidade», referindo como duas apostas nesse sentido as renováveis e as «comunidades de energia».
Sr. Ministro, vai ficar por aqui a ação do Governo no sentido de reduzir os preços da energia? Não pretende
o Governo pôr em causa as rendas excessivas arrecadadas pelas empresas do setor da energia?
Uma pergunta muito concreta: vai ou não concretizar o conjunto de recomendações da Comissão de Inquérito
às rendas excessivas?
Por exemplo, não há nenhuma referência no vosso Programa à necessidade de recuperação de verbas para
o Sistema Elétrico Nacional, identificadas pela ERSE, ou seja, a devolução por parte da EDP de milhões de
euros, que teriam um reflexo significativo nas tarifas pagas pelos consumidores portugueses, tal como não se
encontra nenhuma referência ao objetivo de fixação de um regime de preços máximos na energia.
Garantir melhor acesso dos portugueses à energia, que é um bem essencial, exige este conjunto de medidas,
mas nada disso se encontra no Programa do Governo.
Sr. Ministro, da parte do PCP, insistimos na proposta de redução do IVA (imposto sobre o valor acrescentado)
sobre a energia elétrica, o gás natural e também o gás de botija, passando a ser taxados a 6% em vez dos
atuais 23%.
A energia é um bem essencial, não é um bem de luxo, e deve ser taxada como bem essencial. Está na hora
de reverter a decisão do Governo PSD/CDS, tomada em 2011, de aumentar o IVA da eletricidade e do gás de
6% para 23%.
A redução do IVA da energia que o PCP propõe permitiria um aumento significativo do rendimento disponível
das famílias, com impactos positivos do ponto de vista social e na dinamização da atividade económica. Vai o
Governo acompanhar estas propostas do PCP?
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do BE, para pedir
esclarecimentos.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, há cerca de cinco meses discutimos aqui a
emergência climática e medidas concretas para lhe fazer face. Já na altura referíamos a exequibilidade da
antecipação do encerramento das duas centrais antes do fim desta Legislatura. Sabíamos que era possível e
felicitamos.
Tivemos, no entanto, outras discussões em que até concordámos no princípio mas que não foram vertidas
no Programa, como a necessidade da avaliação de impacte ambiental dos largos hectares sucessivos de
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monoculturas intensivas, por exemplo. Existe calendarização para a promoção do regadio mas não para as
medidas essenciais de prevenção.
Também não se entende que, com os crescentes problemas de falta de água, não se aposte num outro plano
para responder à gestão da água, nomeadamente retomando a existência de uma autoridade para que se
devolva autonomia financeira e de gestão às administrações das regiões hidrográficas.
Por fim, não posso deixar de perguntar se a celeuma levantada à volta do lítio não o fez pensar nos problemas
enunciados. Para este setor estratégico não faria sentido a gestão pública?
Sr. Ministro, esta exploração foi entregue a uma qualquer empresa com três dias de existência. Não lhe
parece estranho que isto seja legal? Não retiraram conclusões sobre a legislação de impacte ambiental atual,
que desprotege o País e os recursos?
Para nós, é claro: estes assuntos não podem continuar a ser tratados com leviandade. Assim, digo-lhe,
estamos disponíveis para que estas propostas se tornem realidade daqui a cinco meses. O combate às
alterações climáticas tem de incorporar novas lógicas e uma efetiva capacidade de decisão do Estado.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, de Os Verdes, para pedir
esclarecimentos.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática, a luta
ecologista por um ambiente sadio e pela vivência em harmonia com a natureza é uma luta de todos, luta à qual
se vêm juntando milhares de jovens, um pouco por todo o País, que daqui saudamos vivamente.
O compromisso com a mitigação e a adaptação às alterações climáticas exige uma urgente mudança de
políticas, exige um travão ao capitalismo selvagem.
As alterações climáticas são um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta nos nossos dias. Os seus
efeitos fazem-se sentir um pouco por todo o mundo, com os extremos climáticos a destruir vidas e localidades.
A luta em defesa do planeta é a luta entre os que defendem modos de produção sustentáveis e os que exploram
os recursos até à sua finitude, para assegurar a apropriação da riqueza, sem se importarem com as
consequências para a natureza, para o ambiente, para os animais, para a vida de mulheres e homens.
Sr. Ministro, no papel tudo cabe e é possível assumir todos os desafios para se enfrentarem as alterações
climáticas e garantir o cumprimento de várias metas assumidas de descarbonização e de um maior investimento
na área do ambiente. Os Verdes cá estarão para ver e crer.
Depois de uma leitura atenta do Programa do Governo, percebemos que em momento algum aparece a
palavra amianto, e isso, Sr. Ministro, é uma falha muito grave. Os Verdes têm colocado na agenda política, com
relevante prioridade, a questão de presença de amianto em edifícios públicos, designadamente nas escolas, e
do perigo que tal realidade pode constituir.
Perguntamos: perante a preocupação das pessoas que frequentam edifícios públicos que contêm amianto,
e que temos visto em manifestações claras de cansaço pelas promessas não cumpridas da retirada deste
material em segurança, o que responde? Vai este Governo concretizar a retirada do amianto dos edifícios
públicos ou este «apagão» significa que o Governo não sabe o estado da intervenção e não tem uma
calendarização para intervenções prioritárias no futuro?
Quanto à exploração de lítio, Sr. Ministro, a concessão de lítio em Montalegre tem aquecido os serões dos
portugueses às sextas-feiras. No que diz respeito a Os Verdes, a nossa preocupação, agora acrescida com esta
novela televisiva, já era anterior e prende-se desde o início com o facto de, neste País, o Ministério do Ambiente,
que deveria ser o guardião do equilíbrio ambiental e das nossas riquezas naturais, estar na origem da assinatura
de um contrato de concessão de uma mina a céu aberto para exploração de lítio, num território de grande
sensibilidade ambiental, sem qualquer estudo de impacte ambiental prévio. Era importante que houvesse
transparência e respeito pelas populações de Montalegre.
Segundo o parecer da Comissão de Avaliação da Proposta de Definição do Âmbito, o estudo de impacte
ambiental exige uma sobreposição total da área de intervenção da mina com a zona da Reserva da Biosfera do
Gerês, com o Perímetro Florestal do Barroso, e esta insere-se parcialmente na área do território da alcateia do
lobo ibérico. Prevê-se ainda que esta possa vir a representar uma ameaça para o mexilhão-de-rio, espécie
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classificada e em perigo de extinção, que, ironicamente, determinou a eliminação de uma das barragens do Alto-
Tâmega, no quadro do Plano Nacional de Barragens.
Para além destes impactos sobre a biodiversidade, e contrariamente à resposta do Sr. Ministro a Os Verdes,
em sede de comissão parlamentar, na qual garantiu que não havia exploração de lítio em nenhuma área
classificada, a Mina de Montalegre insere-se nas Terras de Barroso, classificadas como Património Agrícola da
Humanidade, em 2018, pela FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), devido ao valor do
seu sistema agro-silvo-pastorício.
Sr. Ministro, sabendo-se que, ao aceitar esta classificação, o Estado português assume a responsabilidade
de preservar as características do território e a obrigação de aviso prévio de qualquer intervenção que altere
radicalmente, pergunto: tem a FAO conhecimento desta situação? Se sim, qual foi o parecer que deu sobre a
matéria? E quando apresentará o Sr. Ministro, publicamente, os locais onde pretende autorizar a prospeção de
lítio?
Aplausos do PEV e do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a este primeiro conjunto de pedidos de esclarecimento,
tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Sr.ª Presidente, agradeço a todos as Sr.as e Srs.
Deputados que me dirigiram perguntas, às quais responderei com muito gosto.
Relativamente ao pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada do PAN, queria dizer, com todo o respeito, que
a única parte em que foi rigorosa foi quando disse que estamos atrasados na transformação dos SIC em ZEC,
mas tudo o que disse a seguir radica num erro tremendo, repito, tremendo. Enquanto não tem um plano de
gestão — como sítio de interesse comunitário não tem um plano de gestão, mas tem de o ter e vai tê-lo até ao
final de 2020 —, o que acontece, e não consigo dizê-lo de outra forma, é rigorosamente o oposto daquilo que a
Sr.ª Deputada disse. Enquanto não houver um plano de gestão, toda e qualquer intervenção, até em excesso,
tem de ter um parecer positivo do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas). Por isso, repito,
a reserva, no sentido de quase nada se poder fazer, é mesmo — mas mesmo! — o oposto daquilo que a Sr.ª
Deputada disse.
Relativamente à avaliação ambiental estratégica do aeroporto, como disse, e bem, é um projeto. Ora, se é
um projeto, não é um plano. A avaliação ambiental estratégica, que também ouvi dizer que era uma coisa muito
mais rigorosa — de facto, nunca ninguém me conseguiu mostrar, nem a mim nem a ninguém, uma avaliação
ambiental estratégica assim, porque, por ser estratégica, é, obviamente, muito mais vaga do que a avaliação de
um projeto em concreto, e nem poderia ser de outra forma —, faz-se em sede de um plano e não em sede de
um projeto.
Ora, este Governo não discutiu onde deveria ser o aeroporto. Havia uma decisão, que tomou, dizendo «o
aeroporto é ali», quando aquilo que era importante era ter sido feita uma avaliação de impacte ambiental para
um projeto, o qual tem um procedimento que é conhecido, que respeita uma diretiva comunitária e que tem
corrido muito bem, ao longo dos anos, em Portugal.
O Sr. Deputado Nelson Peralta perguntou o que é uma fiscalidade verde. É uma fiscalidade que, por exemplo,
acaba com os benefícios fiscais ambientalmente perversos, como os que ainda existem em Portugal. Se, do ano
de 2017 para o ano de 2018, Portugal reduziu em 9% as suas emissões, enquanto na Europa só houve uma
redução de 3%, foi, entre outras coisas, através de uma medida fiscal. Ou seja, foi porque este Governo resolveu
acabar com a isenção, que vinha de antanho — não sei de onde vinha! —, completa do ISP (imposto sobre
produtos petrolíferos) na produção de eletricidade a partir do carvão. Ora, precisamente porque deixou de existir
essa isenção, a utilização do carvão como fonte para a produção de eletricidade foi tornada muito menos
interessante para quem produz eletricidade a partir do carvão.
Sr. Deputado Emídio Guerreiro, as licenças do mercado livre não têm data. Não consigo mesmo entender
como é que junta aqui a central do Pego e a de Sines, porque, no ano 2021, não acaba nada no Pego. Houvesse
uma licença ambiental, que este Governo não dará, e poderiam continuar a laborar. Aliás, é mesmo estranha a
comparação que faz com Sines, porque, como diz, e bem, os CMEC acabaram em 2017 — não sei a data ao
certo, mas, certamente, estará a ser rigoroso — e Sines continuou a funcionar.
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O que existe, neste momento, são condições que resultam muito de uma coisa nova, e não é só um estudo
feito pelo INESC TEC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência) que o
garante. A coisa nova é mesmo o sucesso que este Governo teve, nomeadamente ao atrair um conjunto de
produtores para a produção de eletricidade a partir da energia solar, os quais permitem hoje encarar com toda
a tranquilidade o encerramento de Sines em 2023, cumprindo-se duas condições, que certamente serão
realizadas: a entrada em funcionamento das barragens do Alto Tâmega e a construção de uma nova linha de
alta tensão que permita servir o Algarve, região que tem apenas duas entradas de eletricidade de alta tensão a
partir da grande rede e precisa de uma terceira, para que esse conforto seja absolutamente natural.
À pergunta sobre o lítio, colocada tanto pelo Sr. Deputado Emídio Guerreiro como pela Sr. Deputada de «Os
Verdes», a quem saúdo, respondo que o lítio é absolutamente fundamental para a transição energética. De
facto, sem lítio não vamos ter capacidade de armazenar uma parte muito expressiva da eletricidade que se
produz a partir de fontes renováveis. Precisamos de lítio, pois, essencialmente, é esta a tecnologia que temos e
é esta que se desenvolverá num futuro próximo.
Quem, com toda a naturalidade — e isto não tem mesmo nenhum significado para além das palavras —,
atribuiu a concessão daquela mina de lítio foi ainda o Governo do PSD. É um facto! Atribuiu uma autorização
para a pesquisa, a prospeção e, consequentemente, a exploração.
Concluída a primeira fase, foi, naturalmente, assinado um contrato, porque a lei é clara — é claríssima! —
ao dizer que não pode haver exploração sem haver uma avaliação de impacte ambiental. E não haverá
exploração sem haver uma avaliação de impacte ambiental! Pensam mesmo muito mal e cometem um erro —
e isso foi referido pelo Sr. Deputado Rui Rio logo na sua primeira intervenção — quando comparam esta
exploração com uma outra em que foi negada, e muito bem, a exploração a título experimental. Não haverá
exploração nenhuma, seja a título definitivo, seja a título experimental, sem haver uma avaliação de impacte
ambiental. Por isso, este processo é absolutamente claro.
A empresa Lusorecursos indicou, como é absolutamente normal… Aliás, peço desculpa, mas antecipo já.
Srs. Deputados, vão descobrir que os contratos da energia solar, que foram ganhos por grandes empresas do
mundo, vão afinal ser assinados com empresas criadas para o efeito, não sei se três dias antes, se uma semana
antes ou se na véspera. É sempre assim que as coisas funcionam.
Já agora, estão todos muito escandalizados com o capital social da empresa que assinou o contrato, que
deu 50 000 €, mas sabem qual era o capital social da empresa inicial pela qual, pelos vistos, muitos choram
agora lágrimas de crocodilo? Foi de 5000 €. Sinceramente, não consigo entender onde é que não é óbvio que
a lei foi cumprida com todo o rigor, e, tanto ou mais importante do que isso, que os resultados da avaliação de
impacte ambiental serão cumpridos com todo o rigor.
Embora estejamos, claramente, a ponderar interesses ambientais, a exploração de lítio em Portugal tem um
interesse ambiental, que é o de permitir que a nossa sociedade e a nossa economia se descarbonizem. Estamos
a comparar interesses ambientais, a que vou chamar de globais, com interesses ambientais locais, e,
obviamente, se, em cada uma das explorações, os interesses ambientais locais feridos forem mais relevantes
do que os interesses ambientais globais, não haverá essa mesma exploração de lítio.
Sr.ª Deputada, relativamente às licenças do passado, eu não disse — mas é que não disse mesmo! — que
não poderia haver alguma que já estivesse em área protegida, sendo que eu sei muito bem qual é o meu conceito
de área protegida e, com todo o respeito, não é como o Natal, ou seja, não é como o Homem quiser. As áreas
protegidas são os parques naturais, as paisagens protegidas propriamente ditas, o único parque nacional que
temos e os SIC ou as ZEC, que, para o efeito, são exatamente a mesma coisa da Rede Natura 2000. Não vale
dizer «eu agora protegi isto». Isso não vale!
Relativamente ao concurso que o Governo vai lançar, aquilo que eu disse, e repito, é que foram excluídas
três das 12 áreas onde há um potencial de lítio, porque estavam, em grande parte, em áreas protegidas ou em
parques naturais. Ficaram nove, mas uma delas, a da Serra de Arga, tem uma parcela na ordem dos 30% a
40% numa área da Rede Natura 2000 e, portanto, também essa área foi excluída, ou seja, não haverá
exploração de lítio. Nenhuma das áreas que agora lançamos a concurso será numa área protegida ou num sítio
da Rede Natura 2000.
Mas também lhe digo, Sr.ª Deputada, que dou mais do que um doce àqueles que me conseguirem mostrar
a diferença entre uma mina de lítio e uma mina de feldspato, sendo que, neste País, há 50 destas a funcionar
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perfeitamente. Há uma única mina de lítio neste País, que se situa na Guarda, e é um exemplo de green mining,
referido à escala mundial.
Sr. Deputado Duarte Alves, de facto, não iremos rasgar nenhum contrato que venha de trás relativamente à
produção de eletricidade a partir de fontes renováveis. Não, não iremos! Não iremos e temos, neste momento,
um conforto muito grande, que é o de percebermos que a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis
cria um sobreganho para os consumidores. Num momento em que, no MIBEL (Mercado Ibérico da Energia
Elétrica), o preço anda à volta dos 45 €/MWh, no leilão — e nem sequer vou para o valor recorde do mundo,
para não me acusarem de nada —, dizemos que o valor médio de produção é de 20 €/MWh. E esta diferença
de 25 € por cada megawatt que venha a ser produzido tem um único destino, que é, obviamente, o de aliviar a
fatura dos consumidores.
Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, tem toda a razão. Nós ouvimos mesmo o que o Bloco nos diz, e ouvimos
com muito gosto, sendo que, e não me leve a mal, sentimos que às vezes não somos ouvidos por vós. Não
ouvimos uma palavra do Bloco de Esquerda relativamente ao sucesso que tivemos com os leilões da energia
solar. Se não os tivéssemos feito, a central de Sines não iria fechar em 2023.
Ouvi sempre, com muito gosto, o Bloco de Esquerda e o PAN referirem-se abundantemente à relevância da
criação de comunidades energéticas. Pois, nós criámo-las, mas não ouvimos nenhuma palavra de aplauso.
Com isto, penso que concluo as respostas às perguntas que me fizeram.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa,
do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Sr.ª Presidente, ouvi atentamente a resposta que o Sr. Ministro deu ao Deputado
Duarte Alves, que, em boa hora, levantou a questão das rendas excessivas na energia. Assim, gostava de
questionar o Sr. Ministro sobre a resposta liminar que deu, pois disse que o Governo não vai rasgar contratos.
Esta é uma resposta espantosa quando, ainda há uns meses, foi o Partido Socialista que, na Comissão
Parlamentar de Inquérito, depois de 200 horas de trabalho e de apurado estudo e análise desses mesmos
contratos, recomendou não uma nem duas mas 27 vezes — em 27 recomendações que aprovou com o seu
voto — a revisão das condições em que operam estas empresas. Ora, rever as condições da operação de
empresas num setor estratégico regulado como o da eletricidade é só a coisa mais normal que pode haver numa
economia moderna e na União Europeia. Não estamos a falar da sovietização da energia…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Melhor seria!
O Sr. EmídioGuerreiro (PSD): — Balcanização!
O Sr. Jorge Costa (BE): — Há gostos para tudo!
Como estava a dizer, não estamos a falar da sovietização da energia, estamos a falar de uma política de boa
gestão de recursos estratégicos nacionais. E o Partido Socialista, que muito estudou esta matéria ao longo das
muitas horas da Comissão Parlamentar de Inquérito, chegou à conclusão de que, sim, era necessário rever a
forma como estão a ser remuneradas estas empresas e que isso não seria rasgar contratos, era apenas boa
governação.
Em face dessas recomendações, diz-nos hoje o Governo que é tudo letra morta, para deitar para o caixote
do lixo e que a Comissão Parlamentar de Inquérito foi tempo perdido e não serviu para nada.
Sobre os leilões solares, Sr. Ministro, vale a pena regressar às conclusões da Comissão Parlamentar de
Inquérito. É verdade que é de celebrar, porque até as expectativas do Governo, que disse que abaixo de 30
€/MWh as empresas não seriam rentáveis, foram superadas em larga medida, visto que o leilão acabou nos 20
€/MWh. Porém, convém comparar esse valor com aquele que vai ser pago, ao mesmo tempo, com a extensão
ilegítima da remuneração das eólicas. E, muitas vezes, são até as mesmas empresas que agora ganharam na
energia solar que vão receber a 60 €/MWh e a 65 €/MWh, graças a uma medida que o Governo do PSD e do
CDS aprovaram durante a troica.
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Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Jorge Costa (BE): — Portanto, em face dessa disparidade, dessa renda excessiva que se introduziu
e que o Partido Socialista, no Governo — no entanto, na Comissão Parlamentar de Inquérito, o Partido Socialista
recomendou que esse regime fosse revisto —, não quer rever, os leilões solares são um belo exemplo da
necessidade estrita de rever uma remuneração para os níveis do mercado, Sr. Ministro. Estamos a falar dos
níveis do mercado e, portanto, aquilo que foi sugerido pela Comissão de Inquérito foi remeter a remuneração
das eólicas a esse patamar.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. Jorge Costa (BE): — O Sr. Ministro não respondeu ao Sr. Deputado do PCP, pelo que insisto na
pergunta sobre a disponibilidade do Partido Socialista e do Governo para rever as taxas de IVA da eletricidade
e do gás, que estão a 23% e que devem ser revistas por se tratarem de bens essenciais cujo acesso universal
deve ser garantido, sendo que temos um País com uma altíssima pobreza energética.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias,
do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro do
Ambiente, nesta Casa, na anterior Legislatura, o Secretário-Geral do PCP perguntou ao Sr. Primeiro-Ministro se
estava disponível para gastar com a floresta o mesmo que gastou com os bancos. Nem o Sr. Primeiro-Ministro
respondeu, nem o Governo gastou esse dinheiro.
Agora, o passo que deu foi o de desmantelar o Ministério da Agricultura, numa conceção que separa a
agricultura da floresta, reveladora de que este Governo, de facto, abandonou definitivamente a política
agroflorestal, desistiu da visão integrada das duas dimensões, num quadro em que a floresta está hoje
ameaçada não só por fatores ambientais mas, principalmente, por fatores económicos e sociais.
Sr. Ministro, além da garantia do ordenamento florestal, para o PCP, defender a floresta impõe o aumento
do preço das madeiras na produção. É preciso enfrentar a ditadura monopolista das maiores empresas da
celulose, dos aglomerados, da biomassa e da cortiça, é necessário apostar na valorização da produção nacional
e na diversidade económica, mas, sobretudo, defender a floresta é defender a produção agrícola e florestal
familiar. Sim, Sr. Ministro! É que a agricultura familiar é amiga do ambiente. Não combater as causas mais
profundas que contribuem para o abandono do mundo rural e para a violência dos incêndios que resultam na
ruína da agricultura familiar e na desvalorização da floresta multifuncional e de produção é desistir da floresta,
é não querer fazer o que é preciso fazer.
O que se exige é uma política alternativa que defenda o emprego, os serviços públicos e as estruturas
desconcentradas do Estado, sem os quais o abandono do mundo rural e, consequentemente, os grandes
incêndios são uma fatalidade. É que sem pessoas não é possível gerir a floresta. É necessário alterar, e muito,
a natureza das políticas executadas pelos sucessivos Governos e pela União Europeia, a começar pela nova
Política Agrícola Comum.
Por isso, Sr. Ministro, pergunto-lhe: como é que vai resolver os principais problemas da gestão florestal sem
uma política de apoios públicos à agricultura e à produção florestal familiar? Que medidas vai implementar para
garantir o rendimento justo à produção florestal? Tem propostas para a regulação do mercado lenhoso? Está
disponível para levar a cabo cortes nos apoios públicos às grandes empresas que lucram com as espécies de
crescimento rápido? No quadro da Política Agrícola Comum, que exigências vai fazer para defender os apoios
necessários para a floresta?
Aplausos do PCP e do PEV.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Vicente, do Bloco de Esquerda.
O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, segundo o Portal do Clima, em consequência
das alterações climáticas, prevê-se que o número de dias com risco de incêndio extremo possa passar de 9
para 45 dias por ano até ao final do século. Para proteger o território e a população dos incêndios, é preciso
uma mudança estrutural da floresta.
Atualmente, o eucalipto representa 26% da área florestal e, se acrescermos o pinheiro bravo, representam
quase metade. A situação atual é perigosa porque estas espécies são menos resistentes ao fogo do que as
folhosas autóctones, típicas do mediterrâneo, e porque a sua expressão territorial é abusiva. Em todo o País,
encontramos dezenas de quilómetros consecutivos de eucalipto e de pinheiro bravo. Acresce que o eucalipto é
uma espécie com comportamento invasor, que avança indiscriminadamente sobre as áreas ardidas e
abandonadas.
Foi, portanto, com agrado que encontrámos, entre as intenções que constam do Programa do Governo, cito,
«a diversificação da paisagem» e a «reconversão da área existente para espécies mais adaptadas ao território,
tendo em vista a resiliência aos riscos de incêndio».
O que não consta do Programa são as medidas para atingir estes objetivos.
Assim, pergunto: que medidas concretas tem o Governo para forçar a diversificação da paisagem, que levem
os produtores florestais a investir em espécies alternativas ao eucalipto e ao pinheiro bravo? Que metas prevê
o Governo atingir, em termos de área e de localização, para novas plantações de espécies folhosas e resilientes
ao fogo? Está o Governo disponível para rever os planos regionais de ordenamento florestal, de forma a deixar
de considerar o eucalipto uma espécie prioritária?
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Membros do Governo,
sendo esta a minha primeira intervenção no Plenário da Assembleia da República, começo por saudar as Sr.as
e os Srs. Deputados e os Membros do Governo.
Sr. Ministro, os problemas ambientais que enfrentamos não se esgotam nas questões climáticas; vão muito
além disso e exigem uma ação corajosa que coloque os interesses das populações e do equilíbrio ecológico em
primeiro lugar.
Uma das grandes preocupações deve ser a da gestão dos recursos hídricos. A insuficiência do volume de
água dos rios Tejo e Ponsul atingiu valores históricos e demonstra, por um lado, os problemas das regras da
Convenção de Albufeira e da gestão dos transvases pelo Governo espanhol e, por outro lado, os problemas da
gestão privada de barragens e de empreendimentos orientada para o lucro, sem a preocupação de garantir
caudais que salvaguardem os ecossistemas e a biodiversidade nos rios nacionais.
É preciso uma gestão pública dos recursos hídricos, uma gestão racional e planificada dos vários recursos,
em que o Estado assuma o seu papel determinante no combate à degradação ambiental e enfrente os interesses
dos grupos privados. Impõe-se que o Governo assuma uma posição de defesa dos interesses nacionais e
assegure caudais estáveis, através da definição de caudais instantâneos, a cada momento, como solução para
os rios internacionais.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Está o Governo disposto a avançar neste sentido?
Por fim, pergunto que compromisso assume o Governo quanto ao reforço dos meios que permitem colocar
o ambiente no mapa real das prioridades e dotar o Estado da capacidade de intervenção nesta área. Pretende
reforçar a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas
com os meios necessários, nomeadamente os meios humanos, para assegurar a sua ação presente e futura?
Ou, pelo contrário, adiará o possível e o necessário, novamente?
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Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Ventura, do PSD.
O Sr. António Ventura (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro do Ambiente e da Ação
Climática, o Programa do Governo para com os Açores resume-se a uma mesa e duas cadeiras. Ou seja, vão
criar um conselho de concertação, vão sentar-se e falar. Mas não há nada para falar!
Estive aqui há quatro anos e o que há é para cumprir, como, por exemplo, a construção dos dois radares
meteorológicos, a construção da cadeia de Ponta Delgada, o investimento no porto da Praia da Vitória, o apoio
específico à Universidade dos Açores e, acima de tudo, já que estamos a falar de ambiente, da sua
responsabilidade, a descontaminação dos solos e aquíferos da Praia da Vitória, por responsabilidade da
presença norte-americana na Base das Lages.
Sr. Ministro, a descontaminação total não foi feita nestes últimos quatro anos. A pergunta é a seguinte: qual
vai ser a vossa responsabilidade para os próximos quatro anos?
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso, do Bloco de
Esquerda.
A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, o Programa
do Governo afirma repetidamente, e bem, a centralidade das questões ambientais e a necessidade de combate
às alterações climáticas.
No capítulo referente à economia circular, o tópico «Utilizar melhor a água que temos» avança, entre outras
medidas, com a necessidade de aprofundar a Convenção de Albufeira, garantindo caudais diários no rio Tejo.
O Governo quer rever caudais, e nós concordamos, mas, neste preciso momento, o Tejo está em mínimos
históricos, consequência não só das alterações climáticas mas, essencialmente, da ação humana.
O cenário de autêntica calamidade ambiental em que se encontra o Tejo Internacional resulta do escoamento
propositado da barragem de Cedilho, que levou ao esvaziamento quase total do Tejo a montante,
nomeadamente dos rios Ponsul e Sever, seus afluentes. As consequências de ordem ecológica, social e
económica são enormes em toda a zona transfronteiriça, que o Programa do Governo, e bem, diz querer afirmar.
Assim, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro o seguinte: que medidas e meios, no âmbito do Programa do
Governo, impedirão a repetição, num futuro próximo, deste crime ambiental anunciado, perante a passividade
da APA? Quais as medidas previstas para responsabilizar o Estado espanhol e a Iberdrola, a empresa
concessionária da barragem de Cedilho, pelos danos causados não só aos ecossistemas mas também às
populações? Que medidas podemos esperar que privilegiem e garantam caudais ecológicos contínuos e diários
na rede hidrográfica, na sequência da reunião prevista para novembro?
O Tejo não pode ser uma torneira que algumas empresas abrem e fecham quando querem, porque a água
não é um negócio, é um direito e uma necessidade básica de todos e de todas.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Informo o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática que tem mais
dois pedidos de esclarecimento.
Sr. Deputado Luís Leite Ramos, do PSD, tem a palavra.
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro do Ambiente e da
Ação Climática, as minhas primeiras palavras são para saudá-lo neste início do seu mandato e desejar-lhe as
maiores felicidades.
V. Ex.ª veio a esta Câmara repetir o mesmo conjunto de generalidades e os mesmos verbos de encher, direi,
com que o Governo insuflou este Programa que apresenta hoje neste Parlamento e ao País.
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À força de querer agradar aos seus ex-velhos parceiros, mas não querendo comprometer-se com nenhum
deles,…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sim, sim! A principal preocupação é mesmo essa!
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — … o Governo trouxe-nos não um Programa mas um catálogo de boas
intenções, ousaria dizer, «geringonçamente» correto. Em vez de um Programa para enfrentar e resolver os
problemas do País, o Governo traz-nos um catálogo de boas intenções. O ambiente e a ação climática não
fogem a esta regra, bem pelo contrário. Ficámos sem saber exatamente o que é que o Governo quer e muito
menos quando e como o pretende fazer.
Por isso, Sr. Ministro, permita-me que lhe faça três perguntas que julgamos importantes.
Em primeiro lugar, gostaria de questioná-lo sobre o superfundo para a transição energética. Vemos no
Programa do Governo esta referência, mas ficámos sem saber de que se trata realmente, a quem se destina e
para quê. Será que o Sr. Ministro é capaz de nos dar alguma explicação sobre este superfundo?
Em segundo lugar, gostaria de questioná-lo sobre o Programa de Apoio à Redução do Tarifário dos
Transportes Públicos. O Governo garante o mesmo nível de financiamento do Estado central durante toda a
Legislatura? É assim que podemos ler aquilo que está escrito no Programa do Governo? Admite rever os critérios
do Programa por forma a haver equidade territorial entre as Áreas Metropolitanas e o resto do País? Ou seja,
tratando de forma diferente aquilo que não é igual?
Finalmente, Sr. Ministro, uma pergunta que tem a ver com uma questão que já abordámos ao longo da
anterior Legislatura, nesta Câmara, por várias vezes, sobre a Transtejo e a Soflusa. É nesta Legislatura que vão
ser, finalmente, conhecidos e aprovados pelo acionista Estado, que o senhor representa, os relatórios e as
contas destas duas empresas?
O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Vamos ficar a saber, finalmente, qual é a dívida acumulada destas duas
entidades? O Governo admite a passagem destas empresas para a Carris? Em que condições? A dívida ficará
parqueada nos contribuintes e vai limpa para estas entidades? Ou será de outro modo?
Sr. Ministro, uma resposta objetiva e clara a estas perguntas seria muito bom para o nosso debate e para o
País, que espera esta resposta.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Coimbra, do PSD.
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, este é um debate sobre as intenções do
Governo, mas o que nos deixa apreensivos é o facto de a sua governação recente não ter passado de muito
mais do que isso: intenções e anúncios e pouca concretização!
O Ministério pode agora ter «ação climática» no nome, mas isso por si só não capta carbono, se não houver
coragem para afrontar, para incomodar e para implementar as mudanças que se exigem na sociedade, na
economia e nas outras áreas de governação.
Na área do ambiente, é necessária, de facto, uma governação corajosa, Sr. Ministro. É fácil dizer que se
governa para 2050, mas a estratégia tem de ser mensurável ao longo do tempo e não pode ter lacunas por onde
a eficácia se esvai. E há várias lacunas, Sr. Ministro.
Todos queremos reduzir as emissões, todos queremos descarbonizar a economia — é mais do que urgente
—, mas o Sr. Ministro meteu na gaveta os compromissos de curto prazo que tínhamos garantido no passado
recente e continua a ser brando onde tinha de ser forte, como, por exemplo, no setor da energia ou, mesmo, na
defesa do interesse nacional, na relação com os nossos parceiros europeus.
Veja-se, por exemplo, a questão das interligações energéticas, fundamentais para tornar Portugal um
exportador de energia renovável. Estas são tão fundamentais que se chegou a bloquear um conselho europeu
para a obtenção desse acordo, que agora não está a ser cumprido nem na eletricidade, nem no gás, como os
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projetos excluídos da lista de projetos de interesse comum da União Europeia, enquanto o Programa do Governo
fala em redução da nossa dependência energética.
Neste Programa, vemos também a fiscalidade verde integrada na estratégia para a descarbonização,
assumida num quadro de neutralidade fiscal. Neutralidade fiscal…
O Sr. Adão Silva (PSD): — Isso é um mito!
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Ministro, como se não bastasse o seu Governo ter sido recordista da
maior carga fiscal de sempre, recordo-lhe que, quando chegou a esse lugar, herdou a reforma da fiscalidade
verde, que deu sinais certos à economia e promoveu comportamentos sustentáveis, tendo como princípio base
uma neutralidade fiscal real.
Era real, Sr. Ministro! As receitas da taxa de carbono, da taxa dos sacos de plástico, eram direcionadas para
incentivar a mobilidade elétrica e para baixar o IRS das famílias, através do quociente familiar. E o que é que o
Sr. Ministro fez? O Sr. Ministro, na primeira oportunidade, reduziu os incentivos à mobilidade elétrica, acabou
com o quociente familiar no IRS e paralisou a fiscalidade verde, que estava a progredir nos incentivos à eficiência
energética.
Se hoje fala em fiscalidade verde e em neutralidade fiscal, depois disto tudo, tem de dizer como, tem de dizer
quanto, tem de dizer de que forma e tem de se comprometer, pois nós vamos exigir a prestação de contas e a
responsabilização por aquilo que anuncia, mas depois contradiz, por aquilo que apresenta, mas depois adia.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a estes oito pedidos de esclarecimento, tem a palavra
o Sr. Ministro do Ambiente e Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes.
O Sr. Ministrodo Ambiente e Ação Climática: — Sr.ª Presidente, começo por agradecer aos oito Srs.
Deputados e Sr.as Deputadas que me dirigiram perguntas.
Sr. Deputado Jorge Costa, com todo o respeito, não faz sentido, nos dias de hoje, falar-se em produzir
eletricidade a partir de fontes renováveis a preço de mercado. Não faz mesmo sentido! Só faz sentido falar em
produzir abaixo do preço de mercado.
Protestos do Deputado do BE Jorge Costa.
Só faz sentido falar em produzir abaixo do preço de mercado. E, sim, porque, obviamente, os custos de
produção e instalação da energia eólica são diferentes dos da energia solar, elas também têm valores diferentes.
É um facto.
Sobre o IVA do gás e da eletricidade, há uma coisa com a qual confesso concordar: a separação entre gás
e eletricidade. Acho que faz muito sentido podermos separar as regras de variação do IVA do gás ou da
eletricidade, para podermos olhar para um e outro de forma diferente, porque a eletricidade pode e deve ter
sempre, na sua produção, fontes renováveis.
Relativamente à política florestal, quero acreditar que me expliquei mal, mas muitas das coisas já foram
adiantadas na minha primeira intervenção. O objetivo último da nossa floresta é, aliás, o de ser o único
sumidouro de carbono que temos. E, sim, se isso implica falar das espécies que são mais adaptadas, é
sobretudo importante falarmos da estrutura fundiária e do conjunto de pessoas que são detentoras desse mesmo
território florestal.
Sim, a PAC tem de olhar cada vez mais para as florestas e faremos tudo no sentido de assegurar que o
sumidouro, que hoje é de apenas 9 Mt de carbono, seja de 13 Mt, tão brevemente quanto possível. É que, para
podermos ser neutros em carbono em 2050, temos de reduzir para metade a área ardida em cada ano e isso
obriga, naturalmente, ao desenho de toda uma nova paisagem.
Por isso, respondendo à pergunta do Sr. Deputado Ricardo Vicente, queremos mesmo diversificar a
paisagem e a ferramenta principal que temos chama-se «remunerar serviços de ecossistemas». Nenhum
território pode viver com menos rendimento.
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O PNPOT (Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território) foi aprovado nesta Casa de forma
clara e sabemos que aqueles que, hoje, são comummente territórios de baixa densidade o serão no futuro
próximo, ou seja, sabemos que eles se manterão com poucas pessoas. O que eles não podem ter, de todo em
todo, é menos rendimento e, precisamente porque são fundamentais para produzir os serviços de ecossistema
que permitem a vida, esses serviços têm necessariamente de ser remunerados.
Sim, o aprofundamento da Convenção de Albufeira está no nosso Programa, com o objetivo de garantir
caudais diários para o rio Tejo e gerir as massas de água comuns.
Relativamente à pergunta sobre a descarbonização da Praia da Vitória, ela veio mesmo da anterior
Legislatura. Por isso, aquilo que o Governo está a fazer é público e quem está a conduzir esse processo são os
meus colegas dos Ministérios da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, sendo que, obviamente, o Governo da
República está empenhadíssimo em conseguir a descontaminação daqueles solos, sabendo também quem são
os responsáveis pela sua contaminação.
Relativamente à pergunta que foi feita pela Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso, penso que há um equívoco. E
há um equívoco porque o Tejo não tem menos água. O Tejo não tem menos água, aliás, hão de ver que a notícia
é sempre que o Tejo tem pouca água e que, depois, falam no rio Ponsul. O Tejo não tem menos água.
De facto, espero que nunca peçam ao Ministro do Ambiente aquilo que, no fundo, indiretamente, estão a
pedir: que eu peça a Espanha para não cumprir a Convenção de Albufeira. De facto, isso eu não pedi. Não pedi
a Espanha para não cumprir a Convenção de Albufeira e, por isso, a água que tinha de ser enviada para Portugal
foi enviada esvaziando a albufeira de Cedillo.
A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Pois!
O Sr. Ministrodo Ambiente e Ação Climática: — Não, não, não! Mas há uma coisa que não posso deixar
de lhe dizer: a senhora acaba de fazer uma declaração de amor às barragens!
A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Eu?!
O Sr. Ministrodo Ambiente e Ação Climática: — Como é que o rio Ponsul tem água? A água no rio Ponsul
não é retirada por montante, é retirada por jusante. O rio Ponsul tinha mais água porque estava no regolfo da
própria albufeira, ou seja, se não houvesse albufeira nenhuma, o rio Ponsul estaria quase sempre em estio.
Como existe albufeira, o rio Ponsul normalmente tem água, o que não se verifica neste momento. Mas o que
leva água ao rio Ponsul não é a gestão de nenhuma entidade privada, é o facto de haver uma albufeira que
permite que, repito, por jusante e por estar no regolfo da albufeira, ele tenha essa mesma água.
Sr. Deputado Luís Ramos e Sr. Deputado Bruno Coimbra, sobre as interligações energéticas, aquilo que
posso dizer é que as interligações elétricas com Espanha estão a correr dentro do previsto. É um facto que,
relativamente ao gás, há um aparente desinteresse, a partir de indicações dos reguladores francês e espanhol,
mas esta decisão é um ato delegado e tem de passar ainda pelo Parlamento Europeu. Portugal já fez o protesto
que devia fazer e tudo faremos para garantir que essa mesma interligação do gás se mantenha viva e venha a
ser construída.
Sr. Deputado Luís Ramos, o superfundo para a transição energética pretende ser tão bem-sucedido como o
Fundo Ambiental. Recordar-se-á que, quando o Governo anterior assumiu funções, aquilo que acontecia era
que, das receitas dos quatro fundos que vieram a constituir o Fundo Ambiental, nunca se conseguia executar
mais de 50% em cada ano, gastando-se 4,5 milhões de euros.
Aquilo que conseguimos com o Fundo Ambiental foi executar 90% das receitas, gastando 1 milhão de euros,
ou seja, foi um ótimo ato de gestão interna por parte da Administração e de aplicação dos dinheiros públicos.
Queremos fazer o mesmo para a energia, sendo que existem três fundos distintos que, obviamente, ganharão
ao serem geridos em conjunto. A única coisa que ainda estamos a discutir é se vamos ou não associar
diretamente esta gestão à do Fundo Ambiental.
Sr. Deputado, relativamente às contas da Transtejo e da Soflusa, sei bem o que herdámos, mas as de 2014,
2015 e 2016 já estão aprovadas, apesar de as termos encontrado por aprovar, e as de 2017 e 2018 serão
aprovadas este ano. Também ainda este ano, será aprovado o contrato de serviço público para a Transtejo e a
Soflusa e quero mesmo acreditar que, constituída a empresa metropolitana de transportes de Lisboa — neste
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caso concreto, a de Lisboa —, constituição essa que é apenas possível porque o anterior Governo legislou
nesse sentido, a Transtejo e a Soflusa, que são uma muito boa razão para que essa empresa se constitua,
possam vir a ser detidas por ela.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Testa, do PS.
O Sr. Luís Moreira Testa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as Ministras e Srs. Ministros, Sr.as
e Srs. Deputados: Ao longo dos últimos anos, Portugal atingiu, nos mais diversos indicadores, patamares que
muitos julgavam inalcançáveis.
Ao longo dos últimos quatro anos, Portugal assentou em perspetivas de crescimento transversais e que foram
responsáveis pelos sucessos económicos que têm sido atingidos. Durante quatro anos, aumentaram o
investimento, o consumo e as exportações. Durante quatro anos, a economia diversificou-se e diversificaram-
se os mercados. O investimento direto estrangeiro e a internacionalização da nossa economia assumiram-se
como motores do desenvolvimento que nos permitiu atingir o clima de confiança económica em que vivemos.
Os progressos que foram feitos ao longo da última Legislatura, ainda assim, carecem de um novo impulso,
de novas dinâmicas e de uma outra abrangência, nomeadamente em territórios cuja competitividade teima em
não acompanhar os ritmos desejáveis e já atingidos por regiões com melhor desempenho.
Se, nos últimos quatro anos, se começou por desenhar e implementar um plano para a coesão, o Programa
Nacional para a Coesão Territorial, nesta Legislatura, a centralidade e a transversalidade deste desígnio têm
resposta na determinação com que o Governo encara o desafio do desenvolvimento de um País por inteiro. As
políticas de coesão têm de ter uma visão abrangente e a força política que permita o movimento e o concurso
de todos os instrumentos de governação.
A constituição de novas centralidades em territórios afastados e distantes, que podem acolher o investimento
de quem destina o seu produto ou o seu serviço não para aquele mercado local em concreto, mas para um
mercado global, reveste-se certamente de um ganho de causa maior do que a mera localização dos fatores
produtivos em novas coordenadas.
Por um lado, o reforço de investimento privado trará novas oportunidades, com a constituição de novos
postos de trabalho, mas, como se isto não bastasse, o contributo para o crescimento da economia nacional pode
ser ainda mais impressivo, tendo em conta o potencial e a margem de crescimento desses mesmos territórios.
Por outro lado, o aproveitamento dessas novas centralidades à escala do inexplorado mercado ibérico será um
catalisador da rentabilidade dos projetos.
As políticas públicas ao serviço de uma nova realidade, de um novo momento e de um País renovado e
ambicioso fazem sentido se capazes de transformar uma realidade que clama por futuro. Muitas áreas do
Governo, senão todas, serão chamadas para esta empreitada. Quando se tem a oportunidade de construir um
mundo novo, como se está a fazer, alterando paradigmas e invertendo realidades, há que mobilizar recursos,
mobilizar pessoas, mobilizar as empresas e as instituições.
Na decorrência do Programa do Governo que nos é apresentado, o que é mais significativo do ponto de vista
da marcha para a coesão é, sem dúvida, o facto de, no mesmo tempo, também se promover uma nova visão
para a economia nacional.
A anunciada Economia 4.0, ainda para mais tendo como um dos seus principais pilares a transição digital,
coloca a possibilidade de Portugal utilizar parte substancial do seu território em condições de igualdade, face a
outras regiões com maiores níveis de desenvolvimento. Na verdade, a inovação induzida pelas políticas públicas
na economia nacional, quer através de programas de transferência de conhecimento, em parceria com
universidades e politécnicos, quer através da criação de uma rede de laboratórios colaborativos, potenciará,
sem margem para dúvidas, aquilo que agora se designa «a quarta revolução industrial».
À pergunta sobre se o Estado deve, ele próprio, voltar a ter uma política de industrialização, como acontecia
há décadas, o Programa do Governo responde de forma clara: Portugal será um País ambicioso, protagonista
de uma vanguarda industrial, que utiliza novos e modernos processos ambientalmente sustentáveis e em que o
conhecimento é fator decisivo na cadeia de valor.
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Aplausos do PS.
No entanto, a maior e mais complexa questão a que o Programa do Governo responde é a de sabermos que
País queremos, para onde caminhamos e que estrada percorremos. Qual o projeto que temos para Portugal?
Essa resposta está enunciada na Agenda para a Década, nos programas eleitorais do Partido Socialista e,
sobretudo, no Programa do Governo que hoje discutimos. Essa resposta é dada pela ação do Governo do
Partido Socialista: um País com menos desigualdades e mais desenvolvimento, um País moderno, atrativo,
enérgico, capaz de superar os desafios do futuro. O que nos motiva hoje e todos os dias é termos um Portugal
por inteiro.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra de Estado e da
Presidência, Mariana Vieira da Silva.
A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência (Mariana Vieira da Silva): — Muito obrigada, Sr.ª Presidente.
Saúdo-a na primeira intervenção que faço nesta Legislatura, saudando em si todos os Deputados desta
Assembleia.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No início de cada Legislatura juntamo-nos nesta Assembleia para o
Governo apresentar o seu Programa, perante os representantes eleitos pelo povo.
Este é o momento em que estabelecemos as bases para os quatro anos que se seguem, procurando
corresponder às expectativas e à confiança de um povo que escolheu prosseguir o caminho que vinha sendo
trilhado desde 2015, mas sem deixar de olhar para os desafios de um mundo em constante mudança.
Ao organizar o seu Programa em torno de quatro desafios estratégicos cujo alcance é de médio e longo
prazo, o Governo não se ilude na urgência de algumas das medidas a tomar.
Estão em causa desafios estratégicos de médio prazo, é certo, mas cujas respostas pressupõem medidas
políticas a tomar no presente e com efeitos no dia a dia dos cidadãos. Não estamos, por isso, a adiar o escrutínio
da avaliação, mas a responder de forma criteriosa aos desafios do País. Os desafios da próxima década
começam a resolver-se no presente. São políticas de fundo sobre desafios estruturais e que deviam merecer
debates alargados nesta Casa. É esse o nosso compromisso.
Mas os sinais que vimos na campanha eleitoral, no espaço público e já no início deste debate vão,
infelizmente, em sentido contrário. Os que mais se queixaram dizendo que, supostamente, o Governo navegava
à vista e não tinha coragem para reformar são os primeiros, como se viu esta manhã, a trocar o debate sobre o
nosso futuro coletivo pelas polémicas das redes sociais ou pelas notícias de última hora.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD, do CH e da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me que desenvolva duas prioridades do Programa do
Governo: o desafio da dinâmica demográfica e o combate a todos os tipos de desigualdades.
Em primeiro lugar, o desafio demográfico.
O diagnóstico é conhecido e é partilhado por largos setores da nossa sociedade e até pela maioria das
bancadas parlamentares desta Assembleia.
Por cada 100 jovens, existem hoje 159 idosos, e este número mais do que duplicou desde 1990, altura em
que por cada 100 jovens existiam 68 idosos.
A idade média da mãe, ao nascimento do seu primeiro filho, subiu dos 25 anos em 1990 para os 30 anos em
2018, com as consequências que isso tem, naturalmente, para o número de filhos que cada mulher tem.
Em Portugal, as mulheres e os homens afirmam desejar ter dois ou mais filhos, mas a sua expectativa real é
de não chegar aos dois.
Ao longo da última Legislatura, as políticas certas trouxeram resultados: a criação de emprego e a redução
da precariedade laboral; o aumento dos rendimentos; o desenvolvimento do estado social. Todas estas políticas
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contribuíram para criar condições para a melhoria em dois indicadores fundamentais: o número de filhos que
cada mulher tem e o saldo migratório.
De facto, há hoje mais e melhor emprego. Foram criados mais de 350 000 empregos, sendo a variação
líquida de emprego justificada, na esmagadora maioria, por vínculos definitivos. E não apenas o salário mínimo
subiu quase 20%, como o rendimento médio mensal líquido dos trabalhadores subiu 9,2% desde o final de 2015.
Outras medidas foram cruciais para o aumento do rendimento das famílias. O abono de família aumentou de
forma expressiva, os manuais gratuitos, a redução das propinas e os novos passes sociais são disso exemplo.
E temos resultados. Ao longo da última Legislatura, o índice sintético de fecundidade subiu de 1,3 em 2015
para 1,41 em 2018, sendo este o valor mais elevado desde 2005. Depois de seis anos em que apresentou
valores negativos, o saldo migratório voltou, em 2017, a apresentar valores positivos e, em 2018, um novo valor
positivo, um saldo migratório de mais de 11 000 pessoas.
Mas queremos fazer ainda mais e melhor e o Programa do Governo tem soluções para dar resposta ao
desafio demográfico. Problemas complexos e partilhados pela maioria dos países desenvolvidos não têm
respostas simples e quem pretender responder com uma medida salvífica a estes desafios, como se existisse
uma varinha mágica para acabar de um dia para o outro com tendências de décadas, não só não está a ser
sério como está deliberadamente a tentar iludir os portugueses.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência: — É por isso que a estratégia do Governo é clara: criar
condições para que as mulheres, os homens, as famílias tenham os filhos que ambicionam ter, melhorando as
condições de acesso à habitação, reduzindo a precariedade e tendo emprego de maior qualidade, continuando
a melhoria de rendimentos e reforçando o acesso das jovens famílias a serviços de apoio à infância.
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência: — Em suma, o contrário do que defendem os partidos à nossa
direita, sempre tão preocupados com o envelhecimento e com a crise da natalidade, mas sem se questionarem
sobre a contradição entre esta preocupação e as suas propostas de sempre: liberalizar o mercado da habitação;
desregular o mercado de trabalho; prosseguir uma política de redução de direitos. Todas as respostas da direita
são contraditórias com a necessidade de estabilidade de vida para as famílias que pensam ter os filhos que
desejam.
Aplausos do PS.
É neste quadro que, nesta Legislatura, assumimos diferentes compromissos, como: aumentar as deduções
fiscais, em sede IRS, em função do número de filhos, mas sem diferenciar as crianças em função do rendimento
dos pais; criar o complemento-creche, atribuindo a todos os portugueses que tenham filhos nas creches o valor
de 60 € mensais, universal, que apoie a comparticipação das famílias no preço das creches a partir do segundo
filho; criar um parque habitacional com apoio público de habitação a custos acessíveis, orientado para dar
resposta aos agregados de rendimentos intermédios; aplicar ativamente as mudanças legislativas para a
redução da precariedade laboral, que entraram em vigor dia 1 de outubro.
Para o Governo, o objetivo de criar condições para que os portugueses possam ter os filhos que querem ter
não significa que não olhemos para o desafio demográfico à luz do mundo em que vivemos, à luz do século XXI.
Isso implica assumir Portugal como um país aberto ao mundo e àqueles que escolhem Portugal para viver.
Neste campo, o Programa do Governo propõe criar um título temporário de curta duração que permita a
entrada legal, em Portugal, de imigrantes com o objetivo de procurar o primeiro emprego; estabelecer uma
separação clara entre as funções policiais e as funções administrativas de autorização e documentação de
imigrantes; simplificar e agilizar as tipologias e os processos de obtenção de vistos e autorizações de residência,
diminuindo a complexidade dos títulos existentes; generalizar o ensino do Português a estrangeiros não
lusófonos, porque sabemos bem que o domínio da Língua Portuguesa é um elemento fundamental para a
integração.
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Enfrentar o desafio demográfico não se resume a tentar inverter a queda da natalidade. Implica também lidar
com as consequências do envelhecimento populacional, principalmente nos desafios que coloca aos sistemas
de proteção social,…
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência: — … e também redefinir as políticas públicas no sentido de ter
respostas mais adequadas a um número cada vez maior de cidadãos maiores de 65 anos.
Assim, propomos duplicar o ritmo de investimento nas respostas de cuidados continuados integrados, face à
Legislatura anterior, garantindo a disponibilização de mais camas de internamento e a implementação das
diferentes tipologias, previstas na rede até ao final da Legislatura.
Propomos, igualmente, apostar na criação de mecanismos de reforma a tempo parcial, como forma de
promoção do envelhecimento ativo e de permanência no mercado de trabalho, naturalmente opcional, num
quadro de desagravamento das horas de trabalho.
Pretendemos, ainda, aprofundar a diversificação de fontes de financiamento da segurança social, como
aconteceu na Legislatura passada, nomeadamente alargando a lógica, criada na anterior Legislatura, de
consignação de receitas fiscais para o fortalecimento do sistema e implementar a figura do gestor do doente
crónico, porque o SNS confronta-se com cidadãos cada vez mais velhos e que, durante mais tempo e mais
recorrentemente, necessitam de o procurar.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Perante os compromissos que aqui apresentamos alguns dirão — e
já o fizeram hoje — que são só promessas. A esses queria relembrar que estamos aqui, depois de uma
Legislatura em que tínhamos um objetivo, que diziam utópico, definimos uma estratégia, que diziam impossível,
executámos um Programa, que diziam perigoso. E tivemos resultados, que os portugueses reconheceram nas
urnas.
Aplausos do PS.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Também no tema das desigualdades o diagnóstico é conhecido, é
amplamente discutido, ainda que talvez menos consensual. Assistimos a um fenómeno mundial de crescente
concentração da riqueza, sobre qual precisamos de agir, também a nível nacional.
Apesar dos expressivos progressos em anos mais recentes e de termos, hoje, o mais baixo nível de
desigualdades de sempre, Portugal era, em 2018, um dos países da União Europeia com maior desigualdade
de rendimentos.
A disparidade entre salários de homens e mulheres na retribuição mensal é de 18%, valor ainda mais
impressivo nos quadros superiores, mais de 27%, e nos profissionais altamente qualificados, mais de 20%.
Portugal tem ainda um nível de qualificações distantes dos seus parceiros europeus. Apesar dos progressos,
50% da população com idade entre os 15 e os 64 anos tem o ensino secundário, e este valor chega aos 75%
na média da União Europeia.
Ao longo da última Legislatura tomámos medidas na criação de emprego, no aumento de 20% no salário
mínimo nacional, na valorização das prestações sociais, o RSI (rendimento social de inserção), o CSI
(complemento solidário para idosos), a prestação social para a inclusão ou o abono de família, no aumento
continuado das pensões. Mas também na lei da representação equilibrada, no combate ao insucesso escolar,
na democratização do acesso ao ensino superior. Tomámos medidas e temos resultados.
De 2015 a 2018, mais de 180 000 portugueses saíram da condição de risco de pobreza e mais de 380 000
saíram da condição de privação material severa.
A representação de mulheres nas empresas cotadas subiu de 12%, em agosto de 2017, para 19%, em junho
de 2019, e de 11% para 24% nos órgãos de fiscalização.
A taxa de abandono escolar precoce, como já foi referido esta manhã, reduziu-se de 13,7%, em 2015, para
10,8% no primeiro semestre deste ano, aproximando-se da média da União Europeia, que é de 10,6%, mas,
sobretudo, aproximando-se da meta de 10% dos objetivos da Europa 2020.
Finalmente, o número de alunos matriculados, pela primeira vez, no ensino superior aumentou 21%, entre
2015 e 2019.
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Mas queremos fazer mais e melhor e o Programa do Governo tem medidas que pretendem dar resposta a
este desafio.
Em primeiro lugar, reduzindo as desigualdades na sua origem e dando, no sistema educativo, uma das suas
respostas mais importantes: garantir que todos, qualquer que seja a sua origem, tenham as condições de
prosseguir, através da sua educação, e de realizar todas as suas ambições.
Aplausos do PS.
Para isso, propomos criar um sistema de deteção precoce de problemas de literacia e numeracia no pré-
escolar e estimular as competências linguísticas.
Propomos prosseguir a redução do insucesso escolar, em particular no ensino básico e na matemática, e
continuar o caminho de democratizar o acesso ao ensino superior, aumentando as bolsas e as residências e
garantindo o acesso automático às bolsas de ação social escolar do ensino superior, quando o aluno tenha
beneficiado de uma bolsa de ação social no ensino secundário.
Aplausos do PS.
Em segundo lugar, é necessário agir ativamente para reduzir a desigualdade de rendimentos. Além do
aumento do salário mínimo e do acordo de rendimentos que o Primeiro-Ministro apresentou no seu discurso de
tomada de posse e hoje aqui, procuraremos criar um sistema de incentivos para que as empresas reduzam as
desigualdades salariais e de penalização para aquelas que tenham leques salariais excessivamente desiguais.
Comprometemo-nos a aumentar o complemento solidário para idosos, cujo valor deve subir para o limiar de
pobreza, para que uma medida que deu provas de eficácia ganhe uma renovada relevância no combate à
pobreza entre os idosos.
Comprometemo-nos, também, a acentuar a progressividade do IRS, revendo, entre outras medidas, os
respetivos escalões.
Finalmente, comprometemo-nos a prosseguir o caminho da promoção da igualdade de género e a reforçar o
combate a todas as discriminações, assegurando o cumprimento das leis de paridade de género nos órgãos de
administração das empresas públicas e sociedades cotadas e de representação equilibrada nos cargos
dirigentes da Administração Pública e promovendo condições efetivas de conciliação entre o trabalho e a vida
familiar e pessoal, prosseguindo o Programa 3 em Linha e concretizando um acordo em concertação social.
Mas, principalmente, comprometemo-nos a prosseguir, de forma empenhada, na prevenção e no combate à
violência contra as mulheres e à violência doméstica, continuando a expandir a rede de apoio às vítimas e
implementando as medidas urgentes de resposta nas primeiras 72 horas, a formação de todos os profissionais
que estão no terreno e articulando os dados, que cada departamento do Estado tem, para que possamos
conhecer melhor a realidade e intervir atempadamente sobre ela.
Aplausos do PS.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há quatro anos, quando aqui debatemos o Programa do XXI
Governo, o grande mote da oposição era a ideia de que as políticas então propostas eram impossíveis e levariam
o País a uma nova crise. A estratégia era errada, diziam, e teria consequências desastrosas. Essas previsões
falharam.
Num segundo momento, o problema já não era a estratégia errada, mas a falta de estratégia. O anterior
Governo só pensava no dia a dia, diziam, e isso teria consequências diabólicas. Mais uma vez, falharam.
Finalmente, depois da crítica de que a estratégia era errada ter falhado, depois da crítica de que não havia
estratégia ter caído também, o problema era a execução. Mas, ano após ano, Orçamento após Orçamento, as
principais medidas do Programa do Governo foram sendo concretizadas. As previsões da direita falharam
novamente.
Apesar da insistência permanente dos profetas da desgraça, o Governo traçou novamente os seus objetivos,
concretizados no Programa que hoje aqui discutimos: apresenta um caminho e identifica quatro eixos
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estratégicos de intervenção, procurando responder aos problemas estruturais do País e às necessidades do
quotidiano dos portugueses.
É este objetivo e é esta a estratégia para o alcançar e é isso que aqui estamos hoje a defender. E por muito
que alguma oposição queira cavalgar os caminhos do populismo fácil, cá estaremos, hoje, amanhã e nos
próximos quatro anos, para falar do presente, apresentar soluções e propostas para o futuro respondendo aos
problemas, aspirações e anseios de todos os portugueses.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Ministra, inscreveram-se 10 Srs. Deputados para lhe pedirem
esclarecimentos.
Presumo que queira responder cinco a cinco, pelo que tem, desde já, a palavra, para o efeito, o Sr. Deputado
António Filipe, do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência, a questão que vou
colocar tem de ver com a igualdade do ponto de vista da imigração.
Se há quem veja, irracionalmente, a imigração como uma ameaça, nós vemo-la não apenas como um
fenómeno social inevitável, mas como um fenómeno de que o País pode muito beneficiar.
A questão é que haja uma política de acolhimento que seja razoável, isto é, que haja políticas no sentido de
acolher, de inserir socialmente os imigrantes, no sentido de reconhecer direitos aos imigrantes que lhes permita
uma correta inserção social.
Ora, aqui, do nosso ponto de vista, há uma correta evolução legislativa que ainda se deve fazer. De facto,
não podemos permitir que continue a existir uma situação em que um trabalhador que entrou ilegalmente no
nosso País — que tem como objetivo trabalhar, sobreviver e sustentar-se a si e à sua família e que não vem
viver à custa de ninguém, vem trabalhar para ter uma vida melhor — tenha de depender de uma situação
excecional, de uma regularização excecional e, muitas vezes, discricionária que os deixe entregues à sua sorte
ou à sua falta de sorte.
Entendemos que a legislação portuguesa deve encontrar uma forma razoável de permitir a integração desses
trabalhadores e das suas famílias, não apenas no mercado de trabalho mas na sociedade portuguesa, com
todos os direitos que devem ser reconhecidos aos cidadãos.
Essa é uma evolução que deve ser feita e não continuarmos a pactuar com uma situação em que, a nível da
regularização de cidadãos estrangeiros, haja dificuldades para depois alguém vir vender facilidades. Essa não
é uma situação com o que o Estado português deva pactuar, pelo que esperamos que o Governo tenha esta
sensibilidade e promova as alterações legislativas necessárias capazes de encontrar uma solução pragmática
mas razoável e humana de acolhimento dos imigrantes que nos procuram para ter uma vida melhor, solução
essa com a qual o nosso País pode muito beneficiar.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Bloco de
Esquerda.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra de Estado e Presidência, o primeiro e
prioritário desafio demográfico que se nos coloca é o de responder ao envelhecimento dignificando os mais
velhos e respondendo aos seus problemas. O maior desses problemas é a pobreza. Vivemos num País em que
a velhice e a pobreza se justapõem em resultado de pensões muito baixas que só limitadamente são
compensadas por complementos de reforma.
Responder a este desafio demográfico implica uma escolha que foi das mais eficientes no combate à pobreza
dos mais velhos nos últimos quatro anos: aumentos extraordinários das pensões, sobretudo das mais baixas.
Sr.ª Ministra, dada a importância desta medida para uma resposta ao desafio demográfico presente, que é a
velhice pobre, ficamos muito preocupados com a ausência de qualquer referência no Programa do Governo
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sobre esta hipótese de aumento extraordinário das pensões. Daí a nossa pergunta clara: vai ou não vai o
Governo dar continuidade à política de aumentos extraordinários das pensões mais baixas?
Mas o desafio demográfico é também o das respostas às gerações presentes, pelo que quero colocar-lhe
uma questão sobre o que tem de ser outro dos domínios mais fortes das políticas de combate às desigualdades
e às discriminações, precisamente nas gerações presentes, que o seu Ministério, certamente em articulação
com outros ministérios, está desafiado a assumir. Refiro-me ao combate pelos direitos das pessoas com
deficiência e quero pedir-lhe, a este respeito, um esclarecimento.
O Programa do Governo assume como «grande desígnio da Legislatura» — estou a citar o Programa do
Governo — um plano nacional de promoção da acessibilidade. Estamos de acordo, naturalmente, mas sucede
que, em 2017, por decreto-lei do Governo anterior, foram instituídas equipas técnicas de promoção da
acessibilidade em cada ministério com o mandato de fazer cumprir as normas técnicas de acessibilidade nas
construções de cada ministério. Essas equipas, certamente, já apresentaram resultados e eles são fundamentais
para que não se comece tudo a partir do zero, só que ninguém conhece esses resultados.
Sr.ª Ministra, tem ou não o Governo um levantamento detalhado, departamento a departamento, das
barreiras a derrubar pelo plano que agora anuncia ou o plano vai ficar à espera de um levantamento que, afinal
de contas, está por fazer?
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência, gostaria de lhe
pedir esclarecimentos sobre três temas, em concreto sobre violência doméstica, tráfico de seres humanos e
inclusão.
Em 2018, foi noticiada a morte de 28 mulheres, mas os dados do RASI (Relatório Anual de Segurança
Interna) deram conta de 39 homicídios em contexto de violência doméstica. Neste ano são já 30 as vítimas de
violência doméstica noticiadas no nosso País. Face a esta realidade, como pretende o Governo concretizar uma
abordagem integrada nos processos criminais, tutelares e de proteção relativos à prática destes crimes, de
acordo com as recomendações do Conselho da Europa?
Num inquérito divulgado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género em Julho deste mesmo
ano, só 152 câmaras integram a rede solidária de municípios com o objetivo de incentivar a autonomização das
vítimas de violência doméstica através da disponibilização de habitações ou de apoio ao arrendamento. Prevê
o Governo uma solução para que uma vítima de violência doméstica tenha esta resposta, independentemente
do município onde vive?
Noutro plano, sabemos que as vítimas se encontram numa situação de elevada fragilidade psicossocial. O
que lhe perguntamos, Sr.ª Ministra, é se o Governo está disponível para dar mais apoio às vítimas,
equacionando, inclusivamente, uma licença paga para que estas possam lidar devidamente com o sucedido?
Um outro flagelo social que queremos trazer a este debate diz respeito ao tráfico de seres humanos. Os
dados públicos dão conta que Portugal já ocupou o segundo lugar em 28 no que diz respeito ao tráfico para
exploração laboral, o que, obviamente, nos deve preocupar a todos e a todas.
Sabemos que para travar este fenómeno é necessário um combate estrutural à pobreza, uma política
integradora de imigrantes, mas também o reforço das estruturas das entidades fiscalizadoras e o apoio às
organizações não governamentais que atuam nesta matéria.
Assim, Sr.ª Ministra, perguntamos: pretende o Governo reforçar as respostas de transição para acolhimento
de vítimas de tráfico de seres humanos, que garantam as condições básicas de sobrevivência e o
acompanhamento psicossocial destas vítimas e dos seus filhos menores, permitindo a sua reorganização
pessoal, económica, habitacional e social?
Atendendo, também, à constante sobrelotação dos centros de acolhimento e proteção a vítimas de tráfico de
seres humanos, como pretende o Governo dar resposta a estas necessidades?
Por último, e de acordo com o Relatório do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, apesar de se
ter verificado um aumento do número de alunos com necessidades educativas especiais no ensino secundário
e no ensino superior, apenas cerca de metade das instituições de ensino superior prevê adaptações e respostas
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de apoio a estes estudantes. Além disso, há uma evidência ao nível dos profissionais da educação que revela
necessidades de formação para uma educação inclusiva.
Sra. Ministra, irá o Governo apoiar as instituições de ensino superior para disporem, nas suas instalações,
de um gabinete de apoio e acompanhamento ao estudante com necessidades educativas especiais?
Para terminar, o risco de pobreza ou exclusão social é mais elevado entre as pessoas com deficiência do
que entre as pessoas sem deficiência. Este risco é agravado pelas dificuldades que as pessoas com deficiência
enfrentam no seu dia a dia, seja no acesso à educação, ao mercado de trabalho e aos serviços públicos. As
acessibilidades, nomeadamente aos transportes, são um aspeto fundamental que nos parece pouco abordado
ou esquecido no Programa do Governo.
Assim, o que se compromete o Governo a concretizar para dar respostas às necessidades das pessoas com
deficiência no que diz respeito às acessibilidades aos transportes públicos?
Aplausos do PAN.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, de Os Verdes.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência, o nosso País enfrenta
sérios problemas demográficos, com saldos de natalidade consecutivamente negativos, realidade agravada com
a expulsão de Portugal de centenas de milhares de jovens que aqui não encontravam expectativas de vida. O
problema só se resolve com a criação de condições para que os jovens possam ter filhos. Uma das questões
fundamentais é o melhoramento do salário, porque o rendimento das famílias, a sua subsistência, é a forma de
gerar segurança nas suas vidas e a possibilidade de poderem programar, de acordo com o seu desejo, as
mesmas. Programar vidas com emprego estável, com a garantia do direito a creches gratuitas, com apoios
sociais justos, com habitação a custos controlados. Os jovens querem ter filhos, constituir família, mas só com
um presente garantido é possível concretizar os sonhos. Mas o que lhes é oferecido é um presente sem médicos,
como o escândalo a que assistimos no Hospital Garcia de Orta, por exemplo.
Sr.ª Ministra, está este Governo disponível para dar o passo de garantir a todos os trabalhadores o direito ao
horário semanal de trabalho de 35 horas sem perda de remuneração?
Está disponível para ser um agente de progresso e, por outro lado, garantir mais tempo livre para os pais
estarem com os seus filhos?
Está o Governo disponível para assegurar emprego público de qualidade nas regiões do interior, para garantir
que os jovens aí se fixem? Por exemplo, pode anunciar-nos a reabertura de um serviço público, um que seja,
numa destas regiões?
Sem medidas concretas, Sr.ª Ministra, nem no litoral nascerão crianças, quanto mais no interior.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Constança Urbano de Sousa, do PS.
A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência,
gostaria de interpelá-la acerca de um dos grandes desafios do nosso País e da Europa, que é o desafio
demográfico.
A verdade é que, a curto prazo, ele não se consegue resolver sem mais imigração, e a imigração é hoje
necessária para satisfazer as necessidades de mão de obra que hoje sentimos não só em Portugal mas em toda
a Europa e nos mais variados setores da atividade económica do País.
Sem imigração não vamos poder satisfazer essas necessidades de mão de obra e, portanto, não vamos
poder ter desenvolvimento económico e, com isso, os portugueses também não poderão ter mais prosperidade.
Penso, pois, que é importante a prioridade que o Programa do Governo dá à regulação dos fluxos migratórios
e, sobretudo, a uma questão que é importante, que é a documentação dos imigrantes.
Essa questão não se resolve atirando leis para cima do problema, porque essas leis nós temos. Ainda
recentemente aprovámos uma lei que permite regularizar todos os trabalhadores que, tendo embora entrado
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irregularmente no nosso País, estão inseridos no mercado de trabalho, permitindo, através da presunção da sua
entrada legal, legalizar essas pessoas.
O que é importante, acho eu, é investir nos procedimentos, e estes têm de, uma vez por todas, ser
simplificados e, sobretudo na era digital, automatizados sem que nos venham com o fantasma da segurança,
porque os sistemas automatizados permitem não só agilizar os procedimentos administrativos como prestar
melhor serviço àqueles a que se destinam, e de uma forma muito mais segura para o Estado.
Por isso, a pergunta que lhe coloco, Sr.ª Ministra, é a seguinte: quando é que, finalmente, vamos investir em
sistemas informatizados, tanto ao nível dos consulados como do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, para
permitir coisas tão simples como renovar a autorização de residência online?
É certo que até há bem pouco tempo essa possibilidade estava vedada por lei, mas, felizmente, o anterior
Governo já ultrapassou esse obstáculo, aprovando as medidas legislativas para que os pedidos pudessem ser
não presenciais, pudessem ser feitos online, e para que os procedimentos pudessem ser digitalizados,
poupando assim os recursos humanos, que são tão necessários para outras tarefas, como de fiscalização, e
acabando, de uma vez por todas, com o princípio da desconfiança relativamente não só ao estrangeiro mas
também ao cidadão em gera, que é a grande entropia do funcionamento da administração pública em Portugal.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a estes cinco pedidos de esclarecimento, tem a palavra
a Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência.
A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência: — Obrigada, Sr.ª Presidente.
Queria começar por agradecer as perguntas que os cinco Deputados me fizeram.
Sr. Deputado António Filipe, queria dizer-lhe que a Sr.ª Deputada Constança Urbano de Sousa já deu parte
da minha resposta A nossa disponibilidade para fazer as alterações legislativas que ainda forem necessárias é
total, mas temos consciência de que o nosso trabalho agora não é um trabalho legislativo — aliás, se fosse, não
seria do Governo, muito provavelmente seria da Assembleia da República —, mas, sim, o de identificar
procedimentos desnecessários, simplificar os procedimentos que são necessários, digitalizá-los e torná-los mais
próximos das pessoas.
Já no Simplex que o anterior Governo apresentou em junho tínhamos previsto várias medidas para este
problema. Uma delas era a criação de um cartão para os cidadãos estrangeiros — e o que importa aqui não é
tanto o cartão, mas sim o procedimento dentro da administração — que implicasse que cada pessoa só tivesse
de contactar uma vez com o serviço. De facto, o que importa é identificar os obstáculos, eliminá-los, sermos
rápidos. E o compromisso do Governo, nos seus vários departamentos, desde o Ministério da Administração
Interna, ao Ministério da Presidência, ao Ministério da Justiça, ao Ministério do Trabalho e ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros, é o de sermos muito rápidos e eficazes nas mudanças a implementar, nomeadamente
nos vistos, nas autorizações de residência e nas renovações de autorização de residência.
Sr. Deputado José Manuel Pureza, a sua pergunta também tem resposta simples, embora não tão
concordante. A estratégia que definimos neste Programa do Governo é muito simples: retomar o CSI, que foi
efetivamente a medida — basta olhar para as séries longas de dados — que foi eficaz na redução da pobreza,
como resposta principal.
Se tivermos, anualmente, aumentos extraordinários de pensões, há uma coisa que deixamos de lhes poder
chamar, que é «extraordinários», porque a palava «extraordinário» existe, precisamente, para aumentos
pontuais.
O que sabemos que existe hoje é a fórmula de atualização de pensões a funcionar, a economia a crescer o
suficiente para garantir que, mais uma vez, pelo terceiro no consecutivo, praticamente todas ou a grande maioria
das pensões terão aumentos e, agora, importa voltar a olhar para o CSI, elevar o seu nível de referência para o
limiar de pobreza para sermos verdadeiramente eficazes na redução da pobreza entre os idosos, não deixando
de dizer que este é um dos grupos etários onde maior caminho fizemos e onde fomos mais eficazes nos últimos
anos.
Relativamente às pessoas com deficiência, temos já feito parte do diagnóstico que referiu e o que falta é
encontrar os instrumentos financeiros e planear a sua execução. Não devemos esconder que é um trabalho
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muito significativo, que demora tempo — aliás, o Sr. Primeiro-Ministro sabe-o, porque a Câmara de Lisboa
também tem um trabalho deste tipo em curso —, mas o facto de ser um trabalho prolongado não significa que
devamos desistir de o iniciar já e de sermos muito persistentes na sua execução, estando o Ministério da
Presidência, em colaboração com o Ministério do Trabalho, a trabalhar nesse processo.
A Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN, colocou-me muitas perguntas e eu quero dizer-lhe que, hoje, a
nossa rede de municípios onde territorializamos as políticas de igualdade está mais vasta, ou seja, abrange já
218 concelhos, e o Programa do Governo assume o compromisso de alargar esta rede de modo a cumprir a
cobertura total do território. Temos feito esse trabalho município a município, assinando protocolos, e esse é um
caminho que devemos continuar a percorrer.
Relativamente às pessoas com deficiência nas instituições de ensino superior, o Programa do Governo
contempla a medida de promover, precisamente em articulação com as instituições de ensino superior, o
aumento de alunos com deficiência a frequentar este nível de ensino mediante a melhoria das instalações, que,
muitas vezes, ainda falta fazer, mediante a melhoria das condições de acolhimento, o apetrechamento físico e
tecnológico e também a criação de uma estrutura de apoio a estes estudantes. Portanto, o trabalho estará em
curso durante este mandato.
Em relação ao tráfico de seres humanos, fizemos um caminho na última Legislatura, tivemos 203 sinalizações
deste crime, identificámos 141 vítimas, das quais 29 eram menores de idade, em 2018 e 2019 foram realizados
cerca de 60 acolhimentos e aprovámos, ainda recentemente, em Conselho de Ministros, regras para o
acolhimento urgente, regras essas que poderão introduzir melhorias muito relevantes nesta matéria.
Sobre violência doméstica, os números são…
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — São embaraçosos!
A Sr.ª Ministra de Estado e da Presidência: — … impressionantes e horríveis — não há outra palavra —,
são uma responsabilidade a que o Governo não foge, mas que também não assume individualmente, pois é
uma responsabilidade de toda a sociedade. Todos, neste Hemiciclo e fora dele, devemos compreender que
precisamos de trabalhar para dar respostas, e aquilo que fizemos ao longo da última Legislatura foi um forte
alargamento da rede de apoio, tendo, inclusive, em março do ano passado, pedido a uma estrutura de missão
que olhasse para o que faltava fazer.
A estrutura de missão, como sabem, entregou o trabalho no final da Legislatura anterior. Eu ainda me
disponibilizei para vir discuti-lo com os Srs. Deputados, mas isso não foi possível. Agora, trata-se de implementar
medidas de acompanhamento nas primeiras 72 horas, medidas de formação dos diferentes profissionais que
estão no terreno. E, respondendo a uma das perguntas que a Sr.ª Deputada fez, que teve a ver com os números
— e a que é sempre difícil responder —, trata-se de integrar as diferentes bases de dados, pois enquanto não
tivermos todo o Governo a trabalhar com os mesmos dados a intervenção nesta matéria é muito difícil.
Desde o dia em que recebemos o relatório temos estado a trabalhar, principalmente a Sr.ª Ministra da Justiça,
o Sr. Ministro da Administração Interna e eu, e o nosso objetivo, neste momento, é o de cumprir as
recomendações da equipa de missão.
Queria também responder à Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Partido Ecologista «Os Verdes», minha quase
homónima, dizendo-lhe que é um facto que a possibilidade de os jovens poderem ter os filhos que desejam é
um caminho longo que envolve todas as dimensões que a Sr.ª Deputada referiu.
De facto, essas dimensões são as que sucintamente apresentei e que passam pela diminuição das
precariedades em matéria de habitação e em matéria de emprego, que são as que mais dificultam a
emancipação dos jovens e a possibilidade de constituição de família ou de as pessoas se autonomizarem de
casa dos seus pais, pelo aumento do salário mínimo, como também referiu, por um acordo alargado de
aumentos salariais, de que hoje já por diversas vezes falámos, e exigem uma resposta do SNS, é certo, mas,
fundamentalmente, exigem que essa resposta seja integrada e dada no local mais necessário.
De facto, uma coisa são as maternidades, a rede existe, temos problemas de recursos humanos que
procuramos resolver, mas outra coisa é o apoio às crianças e aí o Programa do Governo defende uma coisa
muito importante: é nos cuidados primários que a primeira resposta deve ser dada a qualquer um de nós, aos
cidadãos mais velhos e também às crianças e a capacidade de as unidades de saúde familiar e dos centros de
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cuidados de saúde primários poderem responder às crianças passa por ter a especialidade de pediatria a
funcionar nos cuidados de saúde primários.
Os problemas são conhecidos de todos, é um caminho longo, mas nós vamos percorrê-lo.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Continuando com os pedidos de esclarecimento, tem agora a palavra a
Sr.ª Deputada Sandra Cunha, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, as medidas para o combate às desigualdades
de género são fundamentais para a transformação social e para uma sociedade igualitária e verdadeiramente
democrática. Estamos de acordo neste ponto.
Citando o Programa do Governo, quero centrar-me nas medidas que propõem para travar o flagelo da
violência doméstica, salientando três medidas positivas: o sistema para sinalização de potenciais vítimas e
agressores; a criação de um ponto único de contacto para as vítimas; e o sistema de tratamento integrado da
informação relativa à violência doméstica e aos homicídios em relações de intimidade.
Mas, Sr.ª Ministra, não obstante estas medidas, não deixa de causar estranheza que o combate à violência
doméstica, considerado pelo Governo, na Legislatura anterior, como um desígnio nacional, não continue a
beneficiar desse estatuto. É que a violência doméstica não diminuiu nestes últimos anos nem tão-pouco os
feminicídios, como, aliás, os números negros deste ano o provam.
Veja-se que não existe no Programa do Governo uma única medida que permita executar as recomendações
do Grévio (Grupo de Peritos sobre a Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica) no que respeita ao
cabal cumprimento da Convenção de Istambul. Refiro-me especificamente à necessidade de proteção efetiva
das crianças e jovens que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica e que são nesse sentido
também agredidas. Foram 10 000 em quatro anos. Tal como não existe uma medida que permita proteger a
informação num crime de prova tão difícil como sabemos que é o da violência doméstica, tendo a Procuradora-
Geral da República feito já vários apelos e recomendações para se considerar a recolha de depoimentos para
memória futura neste tipo de crimes.
Pergunto-lhe, Sr.ª Ministra, se este Governo ainda elege o combate à violência doméstica como um desígnio
nacional e se está disponível para apoiar estas propostas.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Pereira, do PSD.
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra, bem-vinda à discussão
sobre o desafio demográfico. É bom ouvi-la, em representação do Governo, a falar dessas coisas, até porque
nós, no Partido Social Democrata, já discutimos e refletimos sobre o desafio demográfico há algum tempo.
E veja lá, Sr.ª Ministra, que até convocámos o Partido Socialista para vir a debate connosco sobre as
implicações do desafio demográfico e o Partido Socialista recusou-se. Mas parece-me que, Sr.ª Ministra, ainda
viremos a tempo.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Agora é que vai ser!
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Ouvi-a com muita atenção e queria antes de mais, em nome do Grupo
Parlamentar do PSD, reafirmar o nosso empenhamento político no combate às desigualdades, às
discriminações e a todas as formas de violência, sobretudo, Sr.ª Ministra, a violência contra as mulheres que,
na nossa sociedade, ainda tem uma dimensão que é assustadora em termos de números.
Esperava tê-la ouvido falar mais sobre isso, sobre o combate que temos de enfrentar. Mas também
compreendo, Sr.ª Ministra, que com os números de mortes registados, e que não param de aumentar, deva ser
embaraçoso falar sobre essa questão.
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Queria dizer-lhe, Sr.ª Ministra, que o Programa do Governo é uma completa desilusão: é curto, é vago, é
impreciso, não estabelece objetivos, não apresenta medidas concretas, é apenas um arrazoado de algumas
boas intenções. O Governo não se compromete, não traz nada de novo e o pior é que não tem um rasgo de
ambição para o futuro nestas matérias, que era o que esperaríamos de si e do Governo.
Sr.ª Ministra, no Programa de Governo há omissões absolutamente graves e incompreensíveis, desde o
sistema de prevenção, passando pelo sistema de proteção às vítimas e sua autonomização, à formação quer
das forças de segurança, quer das magistraturas, um assunto aqui amplamente debatido e em relação ao qual
todos reconhecemos a necessidade urgente de se intervir. Há, pois, uma ausência total de palavras sobre estas
questões.
Queria perguntar-lhe, Sr.ª Ministra, por exemplo, o que é feito do alargamento a todo o território nacional do
Programa para Agressores de Violência Doméstica em contexto prisional. Nem uma linha escrita aparece no
Programa do Governo sobre isto! Digo-lhe que esta medida está em projeto-piloto desde 2017, tendo a Direção-
Geral de Reinserção e Serviços Prisionais já dito que estava pronta para avançar e que só precisava de
financiamento. Por isso mesmo, não se compreende que tal não aconteça, sobretudo quando, ainda por cima,
foi objeto de uma recomendação absolutamente específica da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em
Violência Doméstica em contexto conjugal, no sentido de se alargar este programa a todo o território nacional.
Sr.ª Ministra, falou em demografia e falar em demografia é, também, falar de envelhecimento ativo. Queria
perguntar-lhe qual é a estratégia do Governo no que diz respeito ao combate à violência contra os idosos.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Boa pergunta!
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — O Programa do Governo diz-nos apenas que é preciso combatê-lo, mas
isso, Sr.ª Ministra, é uma verdade de La Palice, já todos o sabemos e todos concordamos com isso. O que
queremos saber é como é que o Governo pretende fazê-lo, com que meios, com que prioridades. Não há nada,
no Programa do Governo, que o diga.
Sr.ª Ministra, falou das questões da violência doméstica e do Relatório Final da Comissão Técnica
Multidisciplinar para a Melhoria da Prevenção e Combate à Violência Doméstica. Queria dizer-lhe que é
vergonhoso que tenhamos feito aqui um dia de luto nacional, que o Sr. Primeiro-Ministro se tenha comprometido
a, no prazo de três meses, apresentar medidas para a concreta aplicação do artigo 29.º-A, que trata exatamente
da imposição de medidas urgentes de apoio à vítima e de medidas de coação ao agressor, mas depois
verificarmos que estas medidas, que todos já percebemos poderem salvar vítimas, não estão a ser aplicadas. É
vergonhoso, Sr.ª Ministra, que, passados seis meses e passados os três meses sobre as conclusões desse
relatório técnico, não haja sequer uma medida, uma orientação sobre esta matéria.
Portanto, para este Governo, o combate à violência doméstica consiste em muita propaganda e em muito
pouco trabalho em concreto.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do PCP.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr.ª Ministra de
Estado e da Presidência, abordou, na sua intervenção, as questões da demografia e da natalidade. A baixa
natalidade que temos no País não é de todo uma fatalidade, não resulta sequer do acaso, tem causas concretas
sobre as quais é preciso intervir. Se as famílias não têm mais filhos não é porque não queiram, mas porque não
podem.
O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Os baixos salários, a precariedade, o desemprego, a desregulação dos
horários de trabalho, o atropelo aos direitos de maternidade e paternidade, os reduzidos apoios sociais, a
ausência de uma rede pública de creches, uma insuficiente rede pública de jardins de infância, as dificuldades
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no acesso à saúde e à habitação, tudo isto condiciona e impede que as famílias tenham os filhos que,
efetivamente, querem ter.
É preciso responder a esta realidade, encontrando soluções para os problemas que estão na origem de toda
esta situação. É preciso valorizar os salários, nomeadamente subir o salário mínimo nacional para os 850 €,
como o PCP propõe.
Vozes do PCP — Muito bem!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — É preciso garantir emprego com direitos, cumprir os direitos de maternidade
e de paternidade, mas é preciso, também, reforçar a proteção social das crianças, aumentar e alargar o abono
de família com vista à sua universalização, tal como o PCP tem defendido, pois o abono de família é um direito
de todas as crianças. É preciso garantir uma rede pública de creches, com cobertura em todo o País,
assegurando uma creche gratuita, ou soluções equiparadas, a todas as crianças até aos 3 anos, como o PCP
propõe. Até lá é preciso promover soluções transitórias que garantam essa mesma gratuitidade já em 2020, mas
que não sejam creches que funcionem 24 horas por dia ou sete dias por semana, como muitos patrões querem,
nem que respondam aos horários e aos ritmos de trabalho que querem impor-se aos trabalhadores.
O Sr. João Oliveira (PCP): — É isso mesmo!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — As crianças, as mães e os pais, as famílias precisam de tempo para viver. É
preciso haver horários dignos para os pais, tempo para as crianças brincarem, aprenderem, socializarem e
tempo para pais e filhos estarem juntos. Sr.ª Ministra, é preciso reduzir o horário de trabalho para as 35 horas
para todos os trabalhadores, como o PCP propõe, e é preciso combater, efetivamente, a desregulação dos
horários de trabalho, como o PCP defende.
Estas são propostas concretas, Sr.ª Ministra.
Está o Governo disponível para convergir com o PCP nestas propostas, de modo a garantir a necessária e
justa resposta às crianças e às famílias do nosso País? É que para se cumprir os direitos das crianças é preciso
garantir-se os direitos dos pais e das mães trabalhadoras.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Ministra, trouxe aqui questões ligadas à dinâmica demográfica e às
desigualdades. Poucas coisas afetam tanto a dinâmica demográfica como a falta de vagas nas creches, como
o facto de 8 em cada 10 crianças não terem vaga em creches, em 35 concelhos portugueses. Há pouca coisa
que diga tanto sobre desigualdades como o facto de ser menos caro pôr um filho numa universidade — às vezes
até privada — do que numa creche.
Mas deixe-me também acrescentar a dimensão de género, pois quando uma creche custa, em média, 300 €
e uma mãe ganha o salário mínimo, as contas que se fazem em casa sabemos quais são. Depois, andamos nós
aqui a fazer contas aos impactos de género que têm as políticas que adotamos.
O problema com as creches em Portugal e aquilo que leva a esta realidade é que elas são vistas como
assistência à família, como resposta social, quando deveriam ser, na verdade, incluídas no sistema de educação
pública. Incluí-las no sistema de educação pública significa que reconhecemos à criança o direito de frequentar
uma creche, porque isso vai ter impacto na sua vida, na sua saúde, na sua vida social, na sua inclusão social,
mas também na sua inclusão educativa.
O facto de as creches não estarem incluídas no sistema de ensino permite, depois, ao Governo vir aqui
propor o que nunca proporia para a escola, que é, nada mais nada menos, do que a atribuição de um cheque-
creche, ou seja, trata-se de alimentar as rendas dos privados, em vez de intervir na oferta. Este facto permite,
ainda, ao Governo atribuir esse cheque-creche apenas ao segundo filho, dizendo, no fundo, que, como o direito
não é universal, o segundo filho tem mais direitos do que o primeiro. Aquilo que permite ao Governo propor uma
medida em que o segundo filho tem mais direito e mais apoio do que o primeiro para frequentar uma creche é o
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facto de as creches não estarem incluídas no sistema de ensino público gratuito universal, ou seja, o que
possibilitou a taxa de cobertura que temos hoje no pré-escolar.
A minha pergunta é a seguinte: o Governo está disposto a garantir creches a todas, mas mesmo a todas, as
crianças no sistema educativo público?
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa
Liberal.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr.ª Ministra Vieira da Silva, lemos
na página 135 do Programa do Governo a sua intenção de «reforçar os mecanismos de prevenção e de
repressão do discurso de ódio, designadamente nas redes sociais». Sabendo nós que este é um tema
particularmente complexo do ponto de vista tecnológico, moral, ideológico até, e fazendo a justiça de achar que
não é o restabelecimento da censura o que está aqui implícito, pergunto de que forma vai tratar deste assunto
e o que significa isto. Há intenção de publicar leis especiais — vou ler, para ser fiel a um texto antigo —, de
modo a «impedir a perversão da opinião pública (…) por forma a defendê-la de todos os fatores que a
desorientem contra a verdade»? É disso que se trata, Sr.ª Ministra?
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a este segundo conjunto de pedidos de esclarecimento,
tem a palavra a Sr.ª Ministra do Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva.
A Sr.ª Ministra do Estado e da Presidência: — Sr.ª Presidente, agradeço novamente aos cinco Deputados
que me fizeram perguntas.
Começando por responder à Sr.ª Deputada Sandra Pereira, é verdade que o PSD fez um debate sobre o
desafio demográfico, do qual me recordo muito bem. Desse debate surgiu uma grande ideia, que era um subsídio
de 10 000 € por cada criança que nascesse. Sabe o que aconteceu a esse subsídio? Não apareceu no programa
eleitoral do PSD!
Aplausos do PS.
Portanto, disponíveis para debates sobre desafios demográficos, estamos — aliás, citei indiretamente as
propostas salvíficas que iam resolver problemas que duram há décadas. Mas, para essa discussão
sinceramente não estamos muito disponíveis, nem estão os Srs. Deputados do PSD, senão teriam incluído a
dita proposta no programa eleitoral do PSD e não o fizeram.
Diz a Sr.ª Deputada que eu deveria sentir-me embaraçada com o número de mulheres que morreram e com
o número de vítimas de violência doméstica. Sinto-me muito envergonhada com esses números, mas sinto-me
sempre muito embaraçada pela sistemática utilização e pelo aproveitamento partidário que a Sr.ª Deputada faz
na Comissão onde normalmente me ouve — e que fez hoje aqui, novamente — de um tema que é de todos,
cuja resposta é muito difícil e, provavelmente, sempre irresolúvel, como muitas vezes temos referido.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD, tendo Deputados batido com as mãos nos tampos das bancadas.
Respondendo diretamente à pergunta que me fez e que, na verdade, também foi feita pela Sr.ª Deputada do
Bloco de Esquerda, sobre se a questão da prevenção e do combate à violência doméstica é um desígnio
nacional e uma prioridade para este Governo, digo que é.
Não sei como é que o PSD costuma funcionar,…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Acho que nem eles!
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A Sr.ª Ministra do Estado e da Presidência: — … mas quando se pergunta a uma comissão de peritos para
avaliar as medidas principais e é feito um conjunto de recomendações, o que nos cabe agora fazer é cumprir. E
o que fizemos foi aprovar uma resolução do Conselho de Ministros na qual as medidas previstas nesse relatório
estão descritas detalhadamente e o que estamos a fazer é trabalhar para as implementarmos. Lamento, mas
ninguém pediu um relatório para, depois, não lhe ligar nenhuma! Portanto, aguardámos os três meses — foi até
mais do que três meses — e o nosso Programa do Governo, nesta matéria, tal como dissemos muitas vezes, é
o cumprimento daquela resolução do Conselho de Ministros e não falta trabalho para fazermos nos próximos
quatro anos.
Um dos temas que sistematicamente me coloca, e com razão, é o da violência contra os idosos. Como lhe
tenho respondido, um dos problemas que temos tem a ver com o facto de a diversidade de bases de dados não
nos permitir conhecer realmente os números. Podemos ter uma impressão e estamos a trabalhar de modo a
termos os dados para saber em que territórios acontecem, em que condições, se há queixas recorrentes, para
se conhecer a realidade e para se procurar responder diferenciadamente, pois o resto é a resposta que damos
a todos.
Sr.ª Deputada Joana Mortágua, sobre o desígnio nacional já respondi. O que lhe queria dizer é simples: os
compromissos que assumimos na resolução do Conselho de Ministros que o anterior Governo aprovou são os
compromissos que queremos prosseguir e deixamos em aberto, no Programa do Governo, como solucionar o
tema de uma ação integrada na área da família e na área judicial para os temas da violência doméstica de que
também temos falado.
À Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do PCP e, pelo menos parcialmente, à Sr.ª Deputada Joana Mortágua
respondo que temos, em Portugal, uma taxa de cobertura de creches de cerca de 49% e que a referência
europeia é de 33%. Podemos debater, mas não é consensual — não queria tomar partido nesse debate — que
todas as crianças devam frequentar a creche e, por isso, devemos tratar a creche como um elemento da
escolaridade, sendo essa a consequência que teria.
O que procurámos fazer? Procurámos criar condições para que a referência europeia, os tais 33%, possa
ser cumprida em todos os concelhos. Portanto, foi recentemente aberto um aviso do Programa de Alargamento
da Rede de Equipamentos Sociais, que, tendo por referência precisamente os concelhos em que esta cobertura
não existe, tem um apoio para a disponibilização de mais de 10 000 vagas para creches.
Este é um trabalho que temos de prosseguir, ao qual juntamos duas dimensões: o complemento de creche
em sede de abono, a que não chamaria cheque, pois é universal e todos receberão a partir do segundo filho, e
as deduções fiscais.
Se há trabalho a fazer na redução da pobreza entre as crianças, certamente é um trabalho que deve ser
integrado e para o qual já demos muitos passos e respostas, designadamente na cobertura dos cuidados de
saúde primários. E esse trabalho é para continuar.
Sr. Deputado do Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, há uma coisa que nos distingue claramente,
que é a nossa fé, digamos assim, na capacidade que as grandes empresas que atuam com redes sociais, por
exemplo, têm em relação a fazer qualquer espécie de regulação eficaz nesta matéria.
O nosso objetivo, e que, aliás, temos vindo a desenvolver, é muito simples: formar as crianças, formar os
jovens, formar os cidadãos, para saberem lidar com a informação que lhes chega. E eu, com franqueza, não
conheço outro caminho verdadeiro e realmente eficaz para lidar com este problema.
Julgo que respondi a todas as perguntas.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lara Martinho, do
PS.
A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Ministros, Sr.as e Srs.
Deputados: Este Programa do Governo definiu como uma das áreas de atuação potenciar a autonomia regional.
E se no anterior Programa do Governo era referida a necessidade imperiosa de reconciliar o País com as
autonomias regionais e, sobretudo, de mobilizar as regiões autónomas para um novo patamar de
relacionamento, dado o afastamento que existia, hoje o panorama é muito diferente. Nos últimos quatro anos,
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conseguimos alcançar, de facto, uma relação construtiva, cooperante e realizadora entre o Governo da
República e os Governos regionais.
O Sr. Paulo Neves (PSD): — Não é verdade! Não é verdade!
A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Demos passos decisivos, no caso da Região Autónoma dos Açores, com o
desenvolvimento de grandes projetos internacionais, como o AIR Center, o porto espacial, em Santa Maria, e o
Centro para a Defesa do Atlântico, nas Lajes.
Demos passos decisivos no respeito pela autonomia, cumprindo, na íntegra, a lei das finanças regionais e
assegurando para as regiões as receitas dos jogos sociais.
Demos passos decisivos na saúde, eliminando a discriminação dos açorianos no acesso a cuidados médicos
prestados no continente, e nos transportes, com a comparticipação, pela primeira vez, das ligações inter-ilhas.
Também no âmbito do dossier da Base das Lajes foram dados importantes passos: pela primeira vez, há a
garantia de que o Estado irá intervir em todos os locais onde os Estados Unidos da América não assumam a
sua responsabilidade; há a garantia de um auxílio ao município da Praia de Vitória para a obra do reforço de
abastecimento de água ao concelho; há o apoio à legalização do bairro de Santa Rita, que beneficia mais de
100 famílias.
Mais recentemente, a solidariedade nacional manifestou-se na comparticipação, em 85%, dos estragos
causados pela passagem do furacão Lourenço, uma posição muito diferente da que foi assumida pelo Governo
PSD/CDS, que, em situação idêntica, mandou os Açores irem à banca.
Estas são apenas algumas das tantas e tantas outras medidas que foram também alcançadas nos últimos
quatro anos.
Agora, importa, como refere o atual Programa, reforçar o papel das autonomias regionais e importa
continuarmos a fazer ainda mais e melhor pelos Açores e para os açorianos, concluindo o que ainda falta fazer.
Temos a certeza de que, com este Governo, o caminho de continuidade do reforço das autonomias é não só
desejável como também possível.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro de Estado, da
Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira.
O Sr. Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital (Pedro Siza Vieira): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O Governo apresenta hoje o seu Programa nesta Assembleia num quadro económico
bastante diferente daquele que se verificava há quatro anos.
A ambição no Programa anterior não era pequena: atingir uma década de convergência com a Europa, com
mais coesão social e maior coesão territorial. Mas, no plano económico, as ações imediatas eram condicionadas
pela situação financeira precária que então ainda se vivia. Por isso, as primeiras prioridades desse Programa
eram claras e bem assumidas: recuperar o rendimento das famílias, reduzir o desemprego, resolver o problema
do financiamento das empresas.
Quatro anos depois, o panorama é bem diferente. Ao entrarmos no quarto ano consecutivo de convergência
com a Europa, percebemos as mudanças estruturais que ocorreram no País.
O investimento empresarial e as exportações apoiaram o crescimento da economia, pelo sexto ano
consecutivo as contas externas apresentam saldos positivos, criaram-se 350 000 empregos e as empresas
estão mais capitalizadas, menos endividadas e mais rentáveis.
A situação das finanças públicas e a estabilização do sistema financeiro fizeram com que Portugal seja o
País da zona euro que, nos últimos três anos, mais viu os juros da dívida pública baixarem, oferecendo ao País
um verdadeiro «dividendo da estabilidade», que nos permite agora investir nos serviços públicos e na
modernização da nossa economia.
Hoje, o País que se propunha atingir uma década de convergência com a Europa entra no segundo terço
desse caminho. As expectativas dos portugueses, naturalmente, elevaram-se, mas, ao mesmo tempo, o
Governo tem consciência dos constrangimentos e dos desafios que o País enfrenta.
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Desde logo, as alterações que a digitalização e a automação irão trazer às sociedades e às empresas não
podem ser subestimadas. Novas formas de contactar com clientes, fornecedores ou parceiros, novos modos de
interagir com máquinas e com o mundo alteram a forma como as comunidades se organizam e como a
humanidade se compreende e se confronta com o seu futuro.
As novas tecnologias de tratamento, processamento e transmissão de dados não vão apenas criar novas
atividades, vão alterar profundamente o modo como se desenvolvem as mais tradicionais e vão permitir reduzir
os desperdícios, melhorar a eficiência energética e reutilizar resíduos de forma mais eficiente.
As mudanças dos últimos anos foram muito rápidas e extensas e, à medida que as tecnologias se
disseminam, elas vão mesmo acelerar. Essas mudanças encerram também ameaças. A OCDE estima que cerca
de 10% dos postos de trabalho atuais virão a ser substituídos por máquinas e que 25% correspondam a funções
que possam ser em grande parte automatizadas.
Muitos novos empregos serão criados, mas aqueles que não disponham das competências para operar no
novo ambiente digital correm o risco de ficar pelo caminho. O potencial de desregulação das relações laborais
também é profundo e a economia digital corre o sério risco de aumentar a precarização do trabalho e de fragilizar
a situação dos trabalhadores. As empresas e os países que se prepararem para os desafios que a transformação
digital coloca vão crescer e prosperar; os outros podem tornar-se cada vez mais periféricos.
Mas prefiro encarar o processo de transformação digital como uma oportunidade. Ele permite-nos aspirar a
que Portugal possa ser, no termo da próxima década, uma sociedade verdadeiramente desenvolvida, com uma
economia assente no conhecimento, em que o crescimento sustentado da produtividade assenta na inovação e
na qualificação das pessoas; uma sociedade inclusiva, que a todos ofereça as competências para poderem
participar nas oportunidades criadas pelas novas tecnologias e apoiada num Estado social forte; e um País
dotado de uma Administração Pública mais eficaz e mais transparente.
A importância e a rapidez da transformação digital exigem, porém, atenção acrescida e liderança mais
próxima para assegurar a melhor transição para a sociedade digital.
Na orgânica do Governo, isso exige um trabalho coordenado e articulado entre várias áreas da governação,
desde logo com a área das infraestruturas e comunicações, por forma a acelerar a cobertura do território por
redes de comunicações de nova geração em todo o País, em particular nos territórios de baixa densidade, e
também com as áreas da educação e do ensino superior.
É na matéria das qualificações que Portugal fez mais notáveis progressos ao longo deste século, mas
continua também mais afastado da média europeia. Iremos trabalhar no reforço do financiamento ao ensino
superior, mas procuraremos que este esteja associado ao acesso de novos públicos e à promoção de
competências em computação em todas as áreas de formação em ciências e tecnologia.
Na área da modernização do Estado, a transformação digital oferece uma das mais poderosas oportunidades
de melhoria e simplificação da Administração Pública. Assumimos que, ao longo da Legislatura, os 25 serviços
mais utilizados pelos cidadãos e pelas empresas serão desmaterializados, simplificados e disponíveis online.
Iremos investir na promoção da utilização da internet e da literacia digital; prosseguiremos a execução do
programa Indústria 4.0, com vista a capacitar as organizações para a maturidade digital; procuraremos que 50
000 microempresas do setor do comércio e serviços desenvolvam uma presença digital básica.
Queremos trabalhar para que Portugal esteja na linha da frente do desenvolvimento de conhecimento na
área das ciências da computação, inteligência artificial e cibersegurança.
Sabemos que o esforço de investimento das empresas se deve intensificar, mas sabemos também que os
mercados externos apresentam aos investidores um cenário de incerteza.
O comércio internacional desacelerou e entrou em queda desde 2018. A tensão mantém-se entre as
principais economias mundiais. Portugal tem continuado a crescer acima da média europeia, mas a um ritmo
inferior ao de anos anteriores.
As incertezas externas não podem desviar as empresas de prosseguirem o esforço de mudança estrutural
de que depende a sua competitividade futura.
O Governo não deixará de estar atento ao contexto externo e de ajustar a política económica, de forma
responsável, à evolução da conjuntura, mas as políticas públicas têm mesmo de apoiar o reforço do investimento
público e privado.
O Governo pretende usar os recursos ao seu dispor para o efeito.
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Em primeiro lugar, pretende acelerar o ritmo do investimento público em áreas críticas, para assegurar
infraestruturas modernas ao serviço das empresas e dos cidadãos.
O investimento público em várias áreas crescerá a um ritmo superior a 10% ao ano durante a Legislatura,
atingindo um valor de 10 000 milhões de euros no quadro dessa Legislatura e a ele somar-se-ão mais de 3000
milhões de euros de investimento privado nos portos e no reforço da capacidade aeroportuária em Lisboa e no
Porto.
O investimento, público e privado, constituirá, por si só, um fator de crescimento da economia e irá também
reforçar a competitividade futura das empresas portuguesas.
Em segundo lugar, propomo-nos usar instrumentos financeiros públicos para apoiar o investimento
empresarial. Vamos criar, finalmente, um verdadeiro banco promocional nacional, a partir da integração das
diversas sociedades financeiras do Ministério da Economia.
Nos próximos 100 dias, esta nova instituição deverá estar constituída e dotada de recursos suficientes para
disponibilizar às empresas portuguesas os meios de financiamento adequados à sua transformação. Esta nova
instituição irá funcionar igualmente como um banco verde, apoiando os investimentos necessários ao esforço
de descarbonização da economia.
Em terceiro lugar, o Governo propõe criar um quadro fiscal estável que facilite e apoie o investimento
empresarial. Ao longo da Legislatura, procurar-se-á que não haja agravamento da fiscalidade sobre as
empresas. Irá ser prosseguida a política de incentivos ao investimento, nomeadamente através do alargamento
da dedução de lucros retidos e reinvestidos em sede de IRC e da melhoria do SIFIDE (Sistema de Incentivos
Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial) para apoiar o esforço das empresas na inovação e no
reforço da capacidade produtiva.
Procurar-se-á ainda apoiar os processos de ganho de escala e de sucessão empresarial de que depende a
nossa produtividade. Serão ainda prosseguidas outras oportunidades de desagravamento da fiscalidade das
empresas.
Não menos importante: continuar-se-á a trabalhar na diminuição dos custos do pagamento de impostos,
procurando a diminuição do esforço de tesouraria associado e a simplificação administrativa.
Vamos trabalhar, em sede de concertação social, na reforma da formação profissional, para aproximar ofertas
formativas das necessidades da procura.
Vamos continuar a apoiar a Investigação e Desenvolvimento Empresarial e os centros de interface
tecnológicos. Iremos disponibilizar, até ao início do próximo ano, 200 milhões de euros para a capacitação das
infraestruturas tecnológicas e para apoiar projetos mobilizadores em copromoção.
Iremos, ainda, prosseguir, de forma muito determinada, os esforços de simplificação administrativa e de
melhoria do ambiente de negócios, com vista à redução consistente dos custos de contexto.
Hoje, o País tem outras ambições e outros recursos para as poder prosseguir. Mas, Sr. Presidente e Srs.
Deputados, a mais decisiva aposta na construção de um País moderno e inovador implica, sobretudo, pensar
nas pessoas.
Se, há quatro anos, o trabalho parecia a alguns um recurso abundante e barato, hoje, pelo contrário, as
pessoas são consideradas um recurso escasso e crítico para a nossa competitividade futura. A emigração
massiva nos anos de crise determinou que Portugal tenha hoje menos 300 000 ativos do que tinha há uma
década. E, se já conseguimos recuperar saldos migratórios positivos, não é menos certo que os números da
emigração continuam elevados. As pessoas devem, por isso, ser encaradas pelas empresas e pelo País como
o mais valioso ativo.
Aplausos do PS.
O exemplo é claro e é-nos dado pelas próprias empresas que nos tiraram da crise, que foram as empresas
mais produtivas e expostas à concorrência externa. A lição destas empresas é que competir com base no baixo
preço e baixo custo é proposta derrotada.
Hoje, podemos falar de um modelo económico português que é caraterizado pela flexibilidade dos processos
de produção, pelo foco no serviço, no desenvolvimento do produto, na resposta rápida e na elevada qualidade
a preço competitivo. Este modelo repousa na qualidade da gestão e na qualificação e experiência dos
trabalhadores.
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O Estado vai procurar apoiar o crescimento do rendimento disponível das classes médias através da redução
do IRS ou do continuado reforço dos serviços públicos. O Governo procurará ainda promover o reforço das
medidas de combate à precariedade, de redução dos níveis de insegurança no mercado de trabalho e de
relançamento da negociação coletiva.
Mas o Governo entende que se deve ir mais longe e, por isso, pretende convidar os parceiros sociais para
negociar, em sede de concertação social, um acordo global sobre crescimento económico e rendimentos para
o horizonte da Legislatura, acordo esse que sirva de referência para a contratação coletiva e que preveja uma
clara valorização dos rendimentos do trabalho.
A valorização dos rendimentos do trabalho é justa, é possível e é necessária. É justa porque durante o
período de ajustamento os rendimentos do trabalho foram os mais afetados. E se, nos últimos anos, os salários
vêm subindo em todos os níveis de remuneração, o peso dos rendimentos do trabalho no PIB ainda se mantém
abaixo daquilo que se registava em 2010.
A valorização dos rendimentos do trabalho é também possível. Se, há quatro anos, a situação financeira das
empresas era condicionada e muito precária, hoje em dia a rentabilidade dos seus ativos e dos seus capitais
próprios está mais sólida, oferecendo-lhes maior capacidade de investir nos recursos mais críticos para o seu
futuro.
A melhoria dos rendimentos do trabalho é, finalmente, necessária. A disponibilidade de trabalhadores com
as qualificações adequadas é hoje a maior preocupação das nossas empresas. Valorização do trabalho e
competitividade não estão em conflito, pelo contrário, a atração de trabalhadores com as qualificações e a
experiência necessárias são uma condição da competitividade presente e futura.
O Governo pretende apoiar o crescimento da produtividade e da competitividade das empresas para que
enfrentem com muito sucesso os bastantes desafios que os próximos anos nos apresentam. É que, em última
análise, é disso que depende a capacidade de construirmos um País que oferece a todos os que aqui vivem e
trabalham a possibilidade de construírem os seus projetos de vida de forma correspondente às suas aspirações
e às suas qualificações.
É para este objetivo que foi construído o Programa que hoje se submete ao Parlamento e é com a sua
execução que o Governo se compromete a trabalhar durante os próximos quatro anos.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Ministro, a Mesa registou 11 inscrições para pedidos de
esclarecimento. Como pretende responder?
O Sr. Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital: — Sr.ª Presidente, responderei primeiro a
cinco pedidos de esclarecimento e depois aos restantes seis.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires,
do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, Sr. Ministro, uma das
prioridades proclamadas pelo Governo neste Programa tem exatamente a ver com a economia digital, com a
inovação. Desde há uns anos a esta parte, é óbvia a importância que as novas tecnologias, a digitalização e a
inovação terão para o futuro, mas também, e acima de tudo, para o presente, porque é no presente que se
prepara desde já a economia portuguesa para os impactos que ela terá.
Não sendo este um debate novo, tem falhado numa parte essencial, que é a proteção dos direitos do trabalho.
E é exatamente sobre isso que gostaríamos de questionar o Sr. Ministro.
Na sua intervenção, referiu muitas vezes a necessidade de apoiar o investimento em investigação e em
incentivos para as empresas e para as PME fazerem a transição para a digitalização, mas, do ponto de vista
laboral, as propostas que estão no Programa do Governo deixam-nos demasiadas preocupações e críticas,
porque, de resto, têm muita proclamação e pouca prática.
Por exemplo, falam em estimular o trabalho à distância, mas este tema necessita de aprofundamento, porque
não consideramos que se possa avançar para algo deste género de ânimo leve, como se tal não tivesse qualquer
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implicação negativa numa matéria pela qual tanto se lutou, que são os direitos do trabalho. Não se pode, com
ânimo leve, querer alterar tão profundamente relações de trabalho sem considerar os perigos e discuti-los
abertamente.
Os alertas são muitos e vão desde a desregulação dos horários de trabalho à dificuldade ainda maior de
fiscalização das condições de trabalho e de cumprimento dos contratos de trabalho.
Portanto, a reboque da inovação e da digitalização não pode vir a desregulação laboral ou sequer o
aprofundar de desigualdades territoriais e sociais.
Por isso, Sr. Ministro, a pergunta é simples: considerando a falta de concretização do Programa do Governo,
a muita proclamação do combate à precariedade e a pouca prática, como pretende articular a digitalização e a
inovação com a garantia de direitos laborais e um combate efetivo às desigualdades?
Sr. Ministro, não pode valer tudo em nome da competitividade e não basta utilizar muitas vezes a expressão
«valorizar o trabalho», é preciso concretizar o que quer dizer com isso.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues, do PAN, para pedir
esclarecimentos.
A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN) — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, já percebemos que o Governo pretende
continuar a aumentar o número de turistas a entrar em Portugal.
Os números avançados relativamente ao projeto de expansão do aeroporto de Lisboa são bastante
elucidativos: 50 milhões de turistas a entrar por ano só na Área Metropolitana de Lisboa.
Perguntamo-nos se os eventuais proveitos económicos justificarão tudo, nomeadamente a degradação
ambiental, a perda de qualidade de vida, a gentrificação da cidade, o contributo para as alterações climáticas,
entre outras coisas.
Assim, mais concretamente, perguntamos ao Sr. Ministro se estará na disponibilidade de aceitar a proposta
do PAN e realizar estudos de capacidade de carga turística para o País e, em especial, para as regiões mais
pressionadas pelo turismo, a fim de apurar o real impacto na qualidade de vida das populações.
Quanto a outro assunto, o Programa do Governo prevê a necessidade de rever o regime de autorização de
residência para investimento, procurando dirigi-lo para o investimento na criação de emprego e na requalificação
urbana e do património cultural.
Os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras demonstram que, entre 2012 e 2019, o valor do
investimento total acumulado ascende a quase 5000 milhões de euros, dos quais cerca de 90% foram
canalizados para a aquisição de imóveis. Segundo os referidos dados do SEF, em sete anos apenas foram
atribuídos 17 vistos gold por via do critério da criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho, o que criou em
Portugal pouco mais de 200 novos postos de trabalho no total.
Em sete anos, nunca se atribuiu um visto gold por via das categorias ligadas ao investimento na investigação
científica ou no património cultural ou artístico.
Vários organismos internacionais, tais como a OCDE, o Grupo de Ação Financeira Internacional, o
Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, e organizações não-governamentais, tal como a Transparência
Internacional, têm tecido fortes críticas aos vistos gold e apelado à sua revogação, sublinhando que os potenciais
benefícios económicos destes instrumentos não compensam os riscos de corrupção, de branqueamento de
capitais, de evasão fiscal e de segurança que envolvem. Alertam, também, para a falta de transparência e
supervisão, por exemplo, quanto à origem dos rendimentos do candidato ao visto gold.
Face a isto Sr. Ministro, não lhe parece que o Governo deveria limitar a atribuição deste tipo de vistos?
Por outro lado, o Programa do Governo vem propor a criação do visto floresta, sem, no entanto, haver
quaisquer considerações quanto à necessidade de sustentabilidade dos projetos associados a este tipo de visto
Assim, pergunto-lhe: como pretende acautelar as questões ambientais?
Aplausos do PAN.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Rodrigues, do PSD, para pedir
esclarecimentos.
O Sr. Pedro Rodrigues (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e
Srs. Deputados, Sr. Ministro, o Governo decidiu sublinhar como desafio estratégico para os próximos quatro
anos a transição digital da economia portuguesa. Enquanto objetivo fundamental do País e da economia
nacional, o PSD não pode, obviamente, deixar de o saudar por isso.
Sr. Ministro, esperaríamos, contudo, que do Programa do Governo resultasse uma estratégia clara e
resultassem respostas concretas que colocassem o País num caminho determinado sobre como a economia
portuguesa pode enfrentar os desafios que se nos colocam com a economia digital. Pelo contrário, Sr. Ministro,
lendo o Programa do Governo, ficamos com um conjunto de perplexidades, com algumas dúvidas e com uma
série de incertezas.
A primeira perplexidade, Sr. Ministro, resulta logo da orgânica do Governo. Se, efetivamente, a transição para
a economia digital fosse um grande objetivo deste Governo, certamente que as pastas relativas a esta matéria
não estariam divididas por tantos membros do Governo.
Portanto, Sr. Ministro, de duas, uma: ou o Sr. Ministro da Economia, enquanto Ministro de Estado, acumulará
as funções dos seus colegas do Governo nesta matéria ou então a transição digital será mais ou menos um
filme já visto, infelizmente, e acabará certamente com os senhores a distribuírem uns tablets e uns computadores
nas escolas perto do próximo período eleitoral.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, a segunda perplexidade resulta da esquizofrenia que significa o anúncio com
pompa e circunstância nesta Câmara de que a transição digital é um grande desafio para a economia nacional,
ao mesmo tempo que milhares e milhares de portugueses esperam nas filas das repartições públicas para
renovar o cartão de cidadão e a carta de condução.
Sr. Ministro, como pode um Governo pedir um esforço de modernização às milhares de micro, pequenas e
médias empresas que são o pulmão da nossa economia, não obstante uma asfixia fiscal de que não há memória
em Portugal, quando no nosso Governo funciona ainda a ditadura do carimbo, do requerimento e do papel de
25 linhas?
Como pode este Governo, Sr. Ministro, considerar que os portugueses ainda acreditam que os senhores
serão capazes de liderar a transição digital, quando o anterior Governo, liderado, de resto, por este Primeiro-
Ministro, foi o que mais depauperou os serviços públicos, que levou a uma degradação dos serviços de saúde,
de educação e de transportes como não há memória em Portugal?
Sr. Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, a terceira perplexidade é determinada pelo facto
de ter sido anunciado recentemente um processo de consulta pública para a atribuição das faixas de espectro
para o 5G e de ainda não conhecermos em Portugal os resultados do relatório que a União Europeia ordenou
que o nosso País fizesse para efeitos de determinação das consequências de implementação dessa rede 5G.
Por isso, a minha pergunta é clara, Sr. Ministro: vai o Governo divulgar essas conclusões? Ou vai o Governo
preparar-se para implementar as redes 5G, sem dizer ao País, ou seja, fazendo nas costas dos portugueses,
dos operadores e dos empresários a implementação de tão importante infraestrutura?
Sr.ª Presidente, para terminar, o que parece é que a um Governo também liderado por este Primeiro-Ministro,
que foi o campeão dos anúncios, da depauperação dos serviços públicos, do lançamento das primeiras pedras,
se segue um Governo de continuidade, segundo o Sr. Primeiro-Ministro, e já o percebemos, que se prepara
para ser o campeão das promessas digitais.
Aplausos do PSD.
Entretanto, reassumiu a presidência o Presidente, Eduardo Ferro Rodrigues.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro Pedro Siza Vieira, a questão que colocamos ao
Governo nesta fase do debate tem a ver com os setores produtivos, questão central da nossa economia e do
nosso desenvolvimento.
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O PCP reafirma que é não apenas necessário mas possível defender e promover o nosso aparelho produtivo,
naturalmente analisando também os impactos da economia digital setor a setor, potenciando os recursos do
País, qualificando e integrando as forças produtivas.
O que se exige é o incremento substancial do investimento público e privado de qualidade, uma profunda
alteração na gestão dos fundos comunitários e nas políticas de formação, investigação e desenvolvimento
tecnológico, no crédito, na energia e no comércio externo.
Exige-se a reversão das privatizações e a recuperação para o setor público dos setores básicos e
estratégicos e a definição de uma estratégia para a economia digital no respeito pelo quadro constitucional, em
todas as suas vertentes e dimensões.
A valorização do trabalho e dos trabalhadores tem de ser, de facto, matriz obrigatória na aplicação das novas
tecnologias, não com essas flexibilidades que se traduzem afinal em precariedade e em desemprego, mas, sim,
respeitando os direitos dos trabalhadores e a sua participação e tendo como objetivo condutor a redução da
jornada de trabalho para as 35 horas. Ou o Governo considera que essa transição digital é afinal o caminho
mais rápido para uma concentração de riqueza e para uma exploração sem precedentes? É que, para além
daquilo que o Sr. Ministro agora disse, conta o que está escrito no Programa do Governo.
Questionamo-lo sobre a indispensável dinamização e apoio da atividade das micro, pequenas e médias
empresas que tão maltratadas foram nas governações PSD/CDS. Impõe-se assegurar uma eficaz regulação da
concorrência, combatendo os abusos de posição dominante e de dependência económica, apostando no
mercado interno do qual dependem grande parte das PME.
Sr. Ministro, o Programa do Governo que se discute não deveria passar ao lado do objetivo central de que
Portugal seja um país com mais produção e mais emprego, com mais exportações, com uma política de Estado
de substituição de importações por produção nacional, um país em melhores condições para enfrentar e vencer
a dependência externa, um país soberano e desenvolvido.
A questão que se coloca é a das opções concretas que avancem nesse sentido.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Cardoso,
do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Sr. Presidente, só uma pequena retificação, o meu nome é José Maria
e não José Manuel.
O Sr. Presidente: — Muito prazer, Sr. Deputado. Faça favor.
Risos.
O Sr. José Maria Cardoso (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, demais Membros do Governo, Sr.as e Srs.
Deputados, no quarto desafio estratégico do Programa em debate, sociedade digital, entre outras coisas, é dito
que o modelo de desenvolvimento que ambicionamos para o País é o de uma economia assente no
conhecimento, em que o crescimento da produtividade assenta na inovação e na qualificação das pessoas.
É também dito que construir um Portugal moderno, inovador, na linha da frente da sociedade da informação,
significa, sobretudo, pensar nos cidadãos e capacitá-los. Estamos perfeitamente de acordo quanto a esta
formulação e quanto a este propósito.
Mas também deve ser dito que este investimento tem de ser aplicado de forma inclusiva para que ninguém
fique para trás. Tem de ser pensado para proteger os que estão menos capacitados para enfrentar os desafios
da transição digital. Ninguém pode ficar pelo caminho quando não foi facultada a devida formação.
Sr. Ministro, sou oriundo de um distrito marcado pelo estigma dos três B: baixos salários, baixas qualificações,
baixa produtividade. Foi o que sempre aconteceu no Vale do Ave e no Vale do Cávado. Há uma crise permanente
que sistematicamente serve de desculpa para a precariedade e para o emprego condicionado, garroteado
especialmente no setor têxtil.
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A minha pergunta é a seguinte: como é que este desafio tecnológico, esta anunciada digitalização da
economia se compatibiliza com os baixos índices de escolaridade?
Segundo dados de 2016, em relação ao nível de escolaridade dos trabalhadores por conta de outrem nesta
região, nomeadamente no Vale do Ave, 66% desta população tem como habilitação máxima o terceiro ano do
ensino básico. Para que estes trabalhadores não sejam infoexcluídos ou, no limite, rejeitados e, mais uma vez,
vítimas de processos de modernização que em nada atendem às suas condições, pergunto-lhe que medidas,
que meios, que programas de formação estão pensados e preparados para dar resposta a esta realidade.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Paulo Rios, do Grupo
Parlamentar do PSD.
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados,
Sr. Ministro, cá estamos de volta aos nossos debates feitos mais de divergências do que de convergências.
O motivo que me faz intervir hoje, em nome do PSD, é o de tentar repor uma verdade e afirmar outro caminho.
A verdade tem a ver com o crescimento. Sabemos todos que os pequenos países e dependentes como
Portugal crescem quando crescem os grandes países e retraem-se quando eles também se retraem. Portugal
tem de aproveitar os ciclos de crescimento porque a nossa retração é sempre mais profunda do que a dos países
que têm maior resiliência.
A verdade, Sr. Ministro, é que este Governo, à boleia de uma verdade pequena, está a induzir a uma mentira
grande que gostava hoje de repor e, para isso, de contar com a sua ajuda. Quando o Governo afirma, orgulhoso,
que Portugal cresce mais do que a média europeia está a induzir nos portugueses a conclusão de que Portugal
é o campeão europeu do crescimento. E nós sabemos que não é verdade.
Portugal cresce mais do que a média, porque cresce mais do que os grandes países, mas quando nos
comparamos com os países, permita-me a expressão, do nosso campeonato, o nosso crescimento é mínimo, é
miserável.
Quando dizem que crescemos mais do que a média europeia, oxalá, não o façam na União Europeia, porque
há aqui um monte de países que cresce muito mais do que nós — os que se comparam connosco — e alguns
crescem mais do dobro. Espero que não digam isso com muito orgulho, porque ficaremos embaraçados.
Sr. Ministro, Portugal tem de crescer e de crescer mais, mas a verdade é que este crescimento não é
suficiente. Não podemos continuar a dizer aos portugueses que Portugal cresce mais do que a média europeia,
induzindo a esta mentira montada em cima de uma verdade.
Aplausos do PSD.
Pior, ao afirmar este facto desta forma tão orgulhosa, induzimos a outra conclusão: este resultado é
suficiente, deve orgulhar-nos e não queremos melhor. Isto é ainda mais perigoso, porque também não é
verdadeiro.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Muito bem!
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — O PSD tem outro caminho que queremos afirmar. Achamos que o
País tem de crescer baseado em dois princípios: o fiscal e o do investimento e das exportações.
Relativamente à baixa de impostos, o Governo tem o cuidado, repito, o cuidado de dizer no Programa do
Governo que se trata da baixa de impostos diretos. Porquê? Porque ao dizer esta verdade está a esconder
outra. Isto significa o aumento dos impostos indiretos!
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Claro!
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O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Nós não podemos negar os dois. Sabemos que o Governo procedeu
ao aumento da carga fiscal, nomeadamente dos impostos indiretos. Portanto, os portugueses, mais cedo do que
tarde, perceberão que o que lhes estão a dar num bolso estão a tirar noutro.
O PSD defende uma efetiva descida dos impostos, mas também defende uma efetiva aposta no investimento.
E para haver uma aposta no investimento, o Estado tem de ser indutor e exemplo de investimento,
nomeadamente de investimento público.
Sr. Ministro, sabemos que o investimento público nos últimos quatro anos foi, sem qualificação, abaixo do do
Governo anterior, portanto, desse ponto de vista, o vosso passado não vos recomenda. Mas, mais do que isso,
quando o Estado quer ser exemplo e indutor de investimento deve começar por pagar aos agentes económicos
com quem se relaciona e não acumular dívidas com eles, uma vez que essa não é a uma forma leal de estar no
mercado.
O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Mesmo para a economia!
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — O Governo também pode e deve não crucificar, não asfixiar as
entidades regulatórias, nomeadamente com cativações de legalidade mais do que duvidosa, pois são essas que
podem, sim, induzir a uma sã concorrência.
Sr. Ministro, receamos que, com este Programa do Governo tão genérico, seja difícil fiscalizar a ação do
Governo até que seja tarde demais. Mas há uma certeza que começamos a ter: é que o segundo vinho vai ser
pior do que o primeiro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado, da Economia e da Transição
Digital, Pedro Siza Vieira.
O Sr. Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel
Pires, falou de um tema que está no centro das nossas preocupações e do que pude afirmar na intervenção que
fiz: saber como é que a transição digital, que é algo que está a ocorrer agora mesmo, que vai acelerar, que é
uma grande oportunidade para a Humanidade e para o nosso País, pode, ao mesmo tempo, conviver com riscos
muito sérios de degradação da situação dos trabalhadores, de precarização de relações de trabalho, de
desregulação do mercado de trabalho.
Essa situação é uma realidade. Todos já ouvimos falar da «uberização» das relações de trabalho, todos já
vimos o que são as reações, do ponto de vista político e judicial, em vários países do mundo relativamente a
essa questão.
As relações de trabalho, ou seja, a forma como trabalhamos vai mudar. Vamos trabalhar à distância, vamos
trabalhar de forma muito mais flexível, vamos fazer coisas muito diferentes. Mas isso não pode significar, e tenho
isso muito claro, que a situação daqueles que vivem do seu trabalho fique desguarnecida relativamente ao que
é necessário para se ter uma vida decente que é auferir um salário digno que permita a todos realizarem os
seus projetos de vida.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Muito bem!
O Sr. Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital: — Essa é uma das tarefas essenciais da
transição digital.
O Sr. Deputado José Maria Cardoso colocou a questão de haver afirmações, que são claras, relativamente
àquilo que deve ser no Programa do Governo a transição digital e à aspiração que temos para o País: uma
sociedade altamente desenvolvida assente no conhecimento, na inovação, nas qualificações, que não deixa
ninguém para trás e que oferece a todos as competências necessárias para prosseguir neste novo mundo digital.
Sr. Deputado, estas afirmações são claras, porque se tivermos os propósitos bem claros, se os pudermos
partilhar amplamente, podemos tomar as decisões certas sempre que tivermos de decidir sobre estas matérias.
É importante, nesta área, trabalhar muito no que também foi o motivo da minha intervenção e de intervenções
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anteriores, ou seja, na necessidade de reforçar os mecanismos de fiscalização do trabalho, de estar atento a
novas realidades que ocorrem, como os outsorcings, como as empresas de trabalho temporário que, na verdade,
acabam por ser formas de disponibilizar trabalho a empresas, para satisfação de necessidades permanentes.
Estas formas de trabalho que vão ocorrer e, provavelmente, vão continuar a crescer não podem significar,
para aqueles que vivem do seu trabalho, uma desproteção relativamente à lei do País. Portanto, devemos ser
mais exigentes e fiscalizar melhor isso.
Sr.ª Deputada Isabel Pires, já agora, o Governo quer, e está mais interessado do que qualquer outro, que
este processo corra bem. Temos verdadeiramente a preocupação de que quem vive do seu trabalho possa
realizar em Portugal os seus projetos de vida. Demasiadas pessoas, com qualificações em que o País investiu,
viajam para fora, vão enriquecer outras comunidades, outras regiões, outros países, porque não encontram aqui
um trabalho à altura das suas aspirações e das suas qualificações.
O desafio maior que temos é o de criar as condições, trabalhando todos, na Assembleia da República, no
Governo, nas empresas e nos sindicatos, para que as pessoas não tenham de optar por essa saída.
Estarmos na União Europeia, estarmos num espaço que permite a livre circulação de pessoas é bom! As
pessoas devem ter a oportunidade de optar por sair, mas isso deve ser uma opção, não podem sair por falta de
alternativas adequadas.
Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues, relativamente aos fluxos turísticos, designadamente nos destinos de
Lisboa e do Porto, convém, efetivamente, avaliar de que forma podem ser compatibilizados com os circuitos que
se percorrem na cidade. É importante que a experiência dos turistas e dos residentes continue a ser aprazível,
possa, ao longo do tempo, continuar a ser interessante e que os motivos de atração não se estraguem. Por isso
temos, obviamente, de avaliar de que forma os circuitos dos turistas ocorrem e fazer com que ocorram outros
motivos de atração turística noutros pontos da cidade e do País. Essa foi, precisamente, a estratégia que, nos
últimos anos, levámos a cabo.
É por isso, aliás, que o maior crescimento dos afluxos turísticos não está nos destinos tradicionais de Lisboa,
do Algarve ou da Madeira, mas, precisamente, noutras regiões do País, noutras cidades. É para aí que temos
procurado captar nova procura turística.
O regime dos vistos gold foi revisto durante a Legislatura anterior no sentido de procurar outro tipo de razões
que levem ao investimento e habilitem à autorização de residência para investimento. É verdade que a maior
parte das decisões tem a ver com o imobiliário e isso, eventualmente, levar-nos-á a equacionar uma revisão do
regime para percebermos de que forma podemos utilizar melhor isso.
Queria garantir-lhe o seguinte: o regime de autorização de residência para investimento não põe em causa
o controlo dos requisitos de idoneidade dos requerentes do visto por parte das autoridades nacionais. A
especificidade da autorização de residência para investimento é esta: aquele que beneficia dessa autorização
não tem de estar aqui a trabalhar nem a permanecer. Beneficia dessa autorização por via do investimento que
faz, mas está sujeito exatamente ao mesmo controlo que fazemos relativamente a todos os que nos procuram
para aqui viver e trabalhar.
O Sr. Deputado Pedro Rodrigues falou da transição digital e, desde logo, da questão da orgânica do Governo
e da forma como os assuntos da transição digital serão geridos dentro da Administração Pública e do Governo.
Esse é, precisamente, o problema que trouxe mais exigência a nível da orgânica governamental. Há desafios,
há questões, há tratamentos que não se resolvem dentro da esfera clássica da Administração Pública. A ideia
de que uma determinada área de governação tem determinados recursos técnicos e financeiros para resolver
um único problema sobre a dependência de um único responsável político é uma fórmula cada vez menos
adequada às necessidades das sociedades modernas.
Para resolvermos problemas como a transição digital, temos de, ao mesmo tempo, tratar de questões de
infraestruturas, de educação, de formação profissional, de ensino superior, de ciência, da indústria, dos serviços,
e não é possível ter um ministro que abranja isto tudo. Aquilo que é verdadeiramente necessário é quebrar os
silos dentro da Administração Pública à volta de um único programa, de uma única estratégia, e exigir não
apenas a todos os responsáveis que, dentro do Governo, lidam com estes problemas mas aos próprios serviços
deles dependentes que trabalhem à volta de programas e de projetos.
Sr. Deputado, tive o benefício de, nestes últimos dois anos de governação, acompanhar vários projetos, onde
pude testemunhar que, com vontade e empenho de uma equipa, é possível quebrar as barreiras e os silos
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existentes na Administração Pública à volta de programas transformadores. Espero que também aqui possamos
ter sucesso, porque aqui a questão é muito elevada.
De facto, Sr. Deputado, uma das áreas de maior capacidade de transformação é, precisamente, a dos
serviços públicos. Julgo verdadeiramente que a transição digital na Administração Pública vai permitir-nos ser
mais eficientes, mais eficazes, servir melhor os cidadãos e ser mais transparentes para aqueles que nos
precisam de controlar, desde logo os próprios cidadãos e as próprias empresas.
O Cartão de Cidadão é um bom exemplo. Quando tivemos um afluxo muito elevado de procura do Cartão de
Cidadão nos últimos tempos, verificámos que os serviços clássicos ficaram, de facto, muito entupidos, ficaram
com incapacidade de responder em tempo útil. Foi por isso que, imediatamente, tivemos a capacidade de utilizar
as novas tecnologias para que se pudesse fazer a renovação do Cartão de Cidadão para os maiores de 25 anos
online. Com isso já proporcionámos a renovação de 60 000 Cartões de Cidadão, libertando os serviços clássicos
para aquelas questões de cidadãos novos, de novos pedidos de nacionalidade, que teriam de continuar a ser
feitos ali.
Este é um exemplo de como é possível a transformação digital levar um melhor serviço aos cidadãos.
De facto, Sr. Deputado, Portugal tem muita coisa nesta matéria de que se deve orgulhar e da qual deve falar
externamente. Ainda na semana passada, estiveram aqui o embaixador para o digital da República Federal da
Alemanha e alguns responsáveis do ministério alemão para a transição digital. Vieram precisamente ver a nossa
digitalização na Administração Pública, os serviços públicos digitais e o nosso sistema de compras públicas
eletrónicas, que é o mais avançado da Europa. Vieram aprender connosco, vieram aprender com os nossos
dirigentes da Administração Pública, porque temos aí coisas interesses a serem feitas, mas devemos,
obviamente, fazer mais.
Relativamente ao 5G, estamos dentro dos prazos definidos pela União Europeia e, obviamente, não vamos
tomar nenhuma decisão que não esteja sujeita ao escrutínio dos cidadãos e da Assembleia.
Sr. Deputado Bruno Dias, obviamente, defender o setor produtivo nacional é a tarefa essencial, diria eu, para
uma política pública. Na verdade, não acredito, não acredita ninguém deste Governo, que baixar impostos pura
e simplesmente e deixar o mercado funcionar resolva qualquer problema de afirmação e de desenvolvimento da
economia nacional. Aquilo que os últimos anos nos mostram é que, nos períodos em que houve política
industrial, apoio às empresas, apoio às infraestruturas tecnológicas, trabalho na educação e na qualificação dos
portugueses, crescemos na produtividade, crescemos nas exportações. Quando, pura e simplesmente,
quisemos desguarnecer a ideia de uma política industrial, de uma política económica, as coisas não correram
tão bem. É por isso que estamos a trabalhar com as empresas, através da iniciativa Clubes de Fornecedores,
para que os setores exportadores, as grandes empresas exportadoras trabalhem cada vez mais com
fornecedores portugueses, para aumentarmos o valor acrescentado nacional. Essas são boas práticas que
queremos continuar a fazer seguir.
É verdade, Sr. Deputado José Maria Cardoso, que a inclusão na transição digital é fundamental e é possível.
Eu também vivi no Vale do Ave. Conheço bem a indústria têxtil. Ainda ontem, estive numa empresa de malhas
em Barcelos, onde conheci uma modelista, uma «rapariga da minha idade», como se costuma dizer. É uma
mulher que começou a trabalhar ainda criança, que fazia moldes à mão e que, aos 40 anos, lhe pediram na
empresa que começasse a fazer moldes através de um sistema de AutoCAD (Computer Aided Design). Ela
pensou que era o fim da sua carreira profissional. Hoje em dia, é modelista numa empresa de destaque. Isso
mostra que é possível darmos as competências a toda a gente, repito, a toda a gente, para poder trabalhar neste
novo setor.
Sr. Deputado Paulo Rios, o crescimento português não é o maior da Europa, mas se nos compararmos com
aqueles países que são pré-adesão, somos o quarto país que mais cresceu nos últimos anos. Somos o quarto
país que mais cresceu e, se descontarmos a Irlanda, que, como sabe, tem um PIB inflacionado em quase 35%,
em virtude da localização das grandes multinacionais tecnológicas que não correspondem efetivamente à
riqueza ali criada, provavelmente estamos até à frente.
O investimento público vai entrar em velocidade de cruzeiro e vai puxar pela economia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, tem mais cinco pedidos de esclarecimento.
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Tem a palavra o Sr. Deputado João Almeida, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Ministros, Sr.as
e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Economia, de facto, trata-se de um Governo socialista. Percebemos isso
quando foi preciso esperar até à hora do jantar para alguém falar de criação de riqueza. Tínhamos, de facto, a
expectativa de ouvir o Sr. Ministro da Economia.
Começámos, desde logo, pelo cardápio que o Primeiro-Ministro nos trouxe de transportes públicos vários,
que, esperamos, algum dia sejam vistos pelos utentes e que não aconteça o mesmo que aconteceu com os
hospitais que o senhor aqui anunciou hoje, porque são os mesmos que anunciou há quatro anos. Portanto,
esperamos não ter as mesmas composições, os mesmos barcos e os mesmos autocarros anunciados daqui a
quatro anos, à semelhança do que aconteceu agora!
Mas, como costuma dizer o povo, o Sr. Ministro da Economia falou, mas não disse. Fez um discurso em que
caracterizou a economia nacional, os desafios, a transição digital, mas a questão é que, para manter o modelo
que o Governo socialista quer manter e para conseguir cumprir os compromissos que hoje aqui assumiu,
Portugal tem de crescer mais do que cresceu até agora. Nada do que o Sr. Ministro da Economia aqui disse nos
garante que, estruturalmente, a economia portuguesa tenha, neste momento, condições para crescer mais do
que cresceu nos últimos quatro anos.
Por uma razão simples: não estávamos propriamente à espera que o Sr. Ministro nos viesse aqui apresentar
o plano quinquenal de expansão da economia portuguesa — da parte do CDS, calculará que não era isso que
esperávamos —, mas esperávamos, de um ministro que tem conhecimento da realidade empresarial
portuguesa, que nos trouxesse uma estratégia clara de remoção dos obstáculos às empresas portuguesas e,
principalmente, de remoção dos obstáculos à mobilidade social dos trabalhadores, em Portugal. Sobre isso,
muito pouco ou nada foi dito.
Se temos ainda salários baixos — e isso foi dito por vários colegas e por vários membros do Governo durante
este debate —, é porque as empresas não tiverem capacidade de investimento. É impossível conseguirmos
aumentar salários se as empresas não tiverem capacidade de investimento. É impossível termos mobilidade
social se, quando um empregador decide aumentar o salário de um trabalhador, o maior beneficiário não é o
trabalhador, é o Estado. É o Estado que vai buscar uma parte significativa do esforço da empresa que devia ir
para o trabalhador mas que o Estado absorve com a sua política fiscal e contributiva.
Também é importante termos noção do que falta à economia portuguesa — e o Sr. Ministro não nos falou do
que falta à economia portuguesa —, que é capital. Falta capital à economia portuguesa. E se falta capital, não
é por acaso, é porque o sistema fiscal português não é competitivo.
Há uns anos, houve um Governo que assinou com o maior partido da oposição, que era o Partido Socialista,
um acordo para a redução gradual do IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas) que nos pusesse
em linha com os países com quem competimos a nível europeu, para conseguirmos atrair investimento. O
Governo anterior — não o anterior do anterior, falo do Governo anterior — acabou com esse processo de
redução e a consequência é óbvia. Neste momento, os países com quem queríamos competir crescem muito
mais do que nós e nós perdemos o comboio da atração de investimento.
Por outro lado, podíamos ter capital nacional para investimento, mas este é o Governo que, tal como o
anterior — que, por acaso, era muito parecido, embora um pouco mais pequeno! —, não tem qualquer estratégia
para a poupança, em Portugal. Zero! A poupança é algo que este Governo ignora olimpicamente e, depois,
queixa-se que não há capital, achando, provavelmente, que o capital cai do céu.
Relativamente à transição digital e à qualificação dos trabalhadores, em todas as transformações, em todas
as revoluções anteriores, sempre se disse que iam acabar postos de trabalho e acabaram por aumentar os
postos de trabalho. A questão não é essa. A questão é a de saber o que é feito para que as pessoas possam
efetivamente aceitar este desafio e fazer como aquela operária de quem o Sr. Ministro falou. Para isso, é preciso
formação profissional e a experiência que temos dos últimos quatro anos é a de que o Governo foi uma força
de bloqueio da formação profissional em Portugal. Em muitas áreas em que havia empresas que tinham
encomendas, onde havia trabalhadores para poderem produzir essas encomendas e que podiam aumentar a
capacidade exportadora da economia portuguesa, não houve formação profissional, não houve capacidade de
empregar mais gente e não houve capacidade de termos mais Produto.
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Sr. Ministro, aquilo que digo não é uma opinião. Os indicadores são muito claros. O Banco Mundial publicou,
na semana passada, o ranking de competitividade dos países e Portugal estava, em 2015, na 23.ª posição. Em
2016, passou para 25.º, em 2017, para 29.º, em 2018, para 34.º e está, neste momento, na 39.ª posição. Ou
seja, quatro anos de Governo socialista, dezasseis posições perdidas pelo País em termos de competitividade.
Isto tem muito a ver com a estagnação do nosso crescimento e com a nossa incapacidade de acompanharmos
os parceiros europeus que crescem mais do que nós.
Protestos do Deputado do PS João Paulo Correia.
Mas a balança comercial é outro dos indicadores de que não estamos no caminho certo. Tivemos um período
de equilíbrio da balança comercial e começámos novamente a desequilibrá-la por completo, o que prova que,
estruturalmente, não há efeito nenhum de alteração na economia portuguesa. Quando há épocas de expansão
económica, as importações aumentam substancialmente e nós não conseguimos esse equilíbrio.
Por outro lado, a dívida externa está longe de estar controlada ou equilibrada, o que traz também uma enorme
vulnerabilidade à nossa economia.
Por fim, o PIB per capita foi descendo, o que quer dizer que, por cada português, produzimos cada vez
menos, comparando com os nossos parceiros.
Por isso, Sr. Ministro, aquilo que perguntamos é muito simples: quando é que o Governo socialista percebe
que o dinheiro dos outros, um dia, vai acabar e que a nossa economia não está em condições de resistir a um
abalo, como outros que teve no passado? Quando é que vão perceber que o sistema fiscal tem, efetivamente,
de ser um instrumento de atração de investimento?
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Quando é que vão perceber que a celeridade da justiça é necessária? Sr. Ministro, se nem no Ministério da
Economia se percebe isto tudo, então, para que é que serve o Ministério da Economia?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado João
Vasconcelos.
O Sr. João Vasconcelos (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do
Governo, Sr.as e Srs. Deputados, como se sabe, as anteriores vias sem custo para o utilizador, que, há uns
anos, foram introduzidas, e bem, no País, assentavam nos princípios da solidariedade, da coesão territorial, na
promoção das acessibilidades e no combate às assimetrias e desigualdades do País.
Também se sabe que o Governo PSD/CDS introduziu portagens nas ex-SCUT, desferindo uma machadada
fatal nesses princípios.
Há vias muito difíceis em regiões do interior, e também no Algarve, sem alternativas, em relação às quais há
uma promessa do Sr. Primeiro-Ministro. Em 2015, por alturas das eleições legislativas, o Sr. Primeiro-Ministro
prometeu ou admitiu, como forma de combate à interioridade, acabar com as portagens no interior do País, bem
como com as portagens do Algarve, uma região de particular afluxo turístico, reconhecendo, e bem, que a
estrada nacional n.º 125 era um cemitério.
Perguntava ao Sr. Ministro se este Governo, afinal, vai, ou não, acabar com as portagens no interior do País
e também no Algarve, devido às razões que referi.
Por outro lado, a estrada nacional n.º 125, como se sabe, está à espera, desde 2009, da sua requalificação
total. Ora, é uma vergonha, Sr. Ministro, que uma parte dessa via, entre Olhão e Vila Real de Santo António,
ainda não tenha sido requalificada. Parece que temos cidadãos de primeira e cidadãos de segunda no Algarve.
As perguntas concretas que queria deixar ao Sr. Ministro são as seguintes: vai, finalmente, este Governo
levantar as portagens no interior e no Algarve? Para quando a requalificação da estrada nacional n.º 125? E, já
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agora, porque palavra dada deverá ser palavra honrada, o Sr. Ministro vai relembrar o Sr. Primeiro-Ministro, se
este se esquecer, de, finalmente, cumprir a palavra dada em 2015?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. DuarteAlves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro, o
Governo reconhece, logo no início do seu Programa, que a economia portuguesa está sujeita a uma situação
internacional marcada pela incerteza, pela probabilidade de abrandamento do crescimento e por tensões
comerciais. Perante isso, a questão que se coloca é a seguinte: quais são as opções que o País deve fazer de
modo a preparar-se para esse contexto incerto?
Preparar o País para o futuro passa por mais produção nacional, o que requer um reforço do investimento
público que potencie o investimento privado e o desenvolvimento económico, mais investimento para dar mais
músculo à economia, produzir mais para importar menos, garantir uma mais justa distribuição da riqueza criada
no País, apostar na qualificação e na incorporação tecnológica.
Para isso tudo é preciso mais investimento público, mas quando olhamos para o Programa do Governo
vemos que este continua a insistir em níveis de investimento público muito aquém daquilo que é necessário. Sr.
Ministro, 10 mil milhões de euros, em 4 anos, para áreas tão importantes como transportes, SNS, escola pública,
agricultura?! É claramente insuficiente!
Sr. Ministro, é errada a opção do Governo pela obsessão do défice zero, pelo saldo primário de 3% ou pela
submissão às imposições de Bruxelas. Do que o País precisa é de se preparar para o futuro, de garantir melhores
serviços públicos, aproveitando-se este período para reforçar o investimento público.
Sr. Ministro, as micro, pequenas e médias empresas são a base do tecido económico português — o PCP já
colocou uma questão sobre esta matéria, a que o Sr. Ministro ainda não respondeu —, havendo mesmo medidas
aprovadas no Orçamento do Estado para 2019 que ainda estão por cumprir, nomeadamente a relativa ao IRC
simplificado. Quando se concretiza esta medida, Sr. Ministro?
Há também que avançar com medidas como a da melhoria do regime do IVA de caixa, permitindo que seja
cobrado não no momento da faturação, mas só após boa cobrança, aliviando a tesouraria das micro, pequenas
e médias empresas.
Da parte do PCP, continuaremos a intervir contra o favorecimento dos grandes grupos económicos, em
defesa das micro, pequenas e médias empresas e de quem vive do seu trabalho!
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.
O Sr. JoséLuísFerreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.
Ministro da Economia, como todos sabemos, as micro, pequenas e médias empresas têm um papel
absolutamente decisivo na nossa economia: representam cerca de 98% do número total de empresas do nosso
País, são responsáveis por 80% do total do emprego e representam 60% do total do volume de negócios das
sociedades não financeiras.
Apesar da importância que assumem na nossa economia, a verdade é que, na generalidade, essas empresas
continuam a apresentar níveis excessivos de endividamento. Esse cenário é ainda mais preocupante se tivermos
em conta que as micro, pequenas e médias empresas se encontram muito dependentes do crédito bancário,
sobretudo de curto prazo. Ou seja, a situação que estas empresas estão a viver constitui um forte obstáculo à
retoma do investimento empresarial e, por contágio, não ajuda, para não dizer que compromete o relançamento
da economia portuguesa.
Por isso, interessava saber, Sr. Ministro, qual a estratégia do Governo e que medidas pondera desenvolver
como forma não só de agilizar e de facilitar o acesso das micro, pequenas e médias empresas ao financiamento,
mas também de promover a sua capitalização.
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As micro, pequenas e médias empresas, Sr. Ministro, também se deparam com outros problemas. Por
exemplo, quando pretendem candidatar-se a fundos comunitários, muitas vezes veem-se obrigadas a recorrer
a empresas para se poderem candidatar, de modo a que essas empresas façam as candidaturas, e o resultado
é que, nalgumas situações, quem fica com a maior fatia do bolo não é a empresa que se candidata, mas a
empresa que prepara a candidatura.
Por isso, era importante que o Sr. Ministro nos dissesse o que pretende fazer para facilitar o processo de
candidatura destas micro, pequenas e médias empresas, nomeadamente quanto ao seu enorme peso do ponto
de vista burocrático.
Por fim, Sr. Ministro, em relação a eficiência energética, matéria que tem muita relevância, não só no plano
económico, interessava saber o que é que o Governo prevê no que diz respeito às medidas destinadas a
aumentar a eficiência energética das empresas.
É uma matéria que Os Verdes gostariam de sublinhar, não só pela importância que assume do ponto de vista
económico, mas sobretudo, e principalmente, pela importância que assume do ponto de vista ambiental e do
seu potencial contributo quanto à redução da emissão de gases com efeito de estufa e no combate às alterações
climáticas que lhe estão indiscutivelmente associadas.
Portanto, Sr. Ministro, pela relevância que essa matéria representa, Os Verdes consideram que seria
importante que o Governo nos pudesse dizer alguma coisa, porque sabemos muito pouco sobre as medidas
que o Governo pretende implementar relativamente ao aumento da eficiência energética das empresas e que
tem muito a ver com os impactes ambientais que decorrem do consumo energético. Essa é uma frente que não
pode ser, naturalmente, desvalorizada quando falamos da redução da emissão de gases com efeito de estufa,
que não pode ser desvalorizada quando falamos, sobretudo, do combate às alterações climáticas, porque essa
frente representa, ou pode representar, um excelente contributo quando falamos dessas matérias.
Aplausos do PEV e do PCP.
O Sr. Presidente: — Para um último pedido de esclarecimento ao Sr. Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado
Carlos Pereira, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. CarlosPereira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Economia, permita-
me que faça algumas observações antes de lhe colocar algumas perguntas.
O PSD chegou a este debate relativamente obcecado com as pastas e a orgânica do Governo. Vimos isso
na parte da manhã e vimos isso, agora, com o Sr. Deputado Pedro Rodrigues. Na prática, ao fazer isso, nalguns
casos ficou mesmo à porta do debate. No caso do Sr. Deputado Pedro Rodrigues, não deixa de ser engraçado,
porque o Sr. Deputado, a propósito da questão da sociedade digital e, também, da inovação, fez algumas
observações sobres as pastas e eu confesso, em abono da verdade, que não me lembro minimamente — não
sei se o Sr. Ministro se lembra — de como foi a organização das pastas no Governo do PSD/CDS sobre esta
matéria da inovação.
Mas há uma coisa de que me lembro e que até está demonstrada em vários livros e publicações estatísticas,
que são os resultados que o PSD e o CDS tiveram no que diz respeito à inovação, na altura em que foram
Governo. Não me lembro das pastas, mas lembro-me bem dos resultados: foi o maior tombo em inovação que
os senhores fizeram, durante a vossa governação, em Portugal, comparando com o resto da Europa.
Foi preciso o PS chegar ao Governo para se poder puxar para cima a inovação como aspeto essencial para
uma economia baseada no conhecimento, conforme estamos a trabalhar — esta é a primeira observação.
Aplausos do PS.
Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques.
A segunda observação — e voltamos ao PSD — tem a ver com a intervenção do Sr. Deputado Paulo Rios.
O Sr. Deputado tem uma característica, que é a de gostar de criar realidades paralelas. Mas, pior que criar
realidades paralelas, é o facto de o Sr. Deputado Paulo Rios estar convencido de que, por dizer uma, duas, três
mentiras muitas vezes, elas se transformam numa verdade. Ora, Sr. Deputado, não é assim.
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Protestos do Deputado do PSD Paulo Rios de Oliveira.
Todos sabemos — o Sr. Deputado Paulo Rios também sabe — que a economia cresceu acima da média em
2017 e 2018, que a economia cresceu 9,3% durante a passada Legislatura e que isso é, de facto, muito! Já
dissemos que temos mais ambição, que queremos mais, mas, Sr. Deputado, não pode criar uma mentira com
aquilo que é a realidade. Isso é contrariar a realidade e não lhe fica bem, Sr. Deputado Paulo Rios.
Aplausos do PS.
Voltamos, outra vez, ao PSD, Sr. Ministro.
O PSD, na voz do Sr. Deputado Cristóvão Norte, tem, aqui, uma estratégia um bocadinho diferente: quando
não gosta de um indicador, lembra-se de outro indicador que talvez seja melhor. Hoje, lembrou-se do PIB per
capita.
O Sr. CristóvãoNorte (PSD): — Esse é o mais importante!
O Sr. CarlosPereira (PS): — Também sabemos que o PIB per capita não está nos níveis em que
gostaríamos que estivesse, mas, Sr. Deputado Cristóvão Norte — creio que, neste momento, não se encontra
presente —, o PIB per capita, na Legislatura passada, aumentou 4%.
Protestos do PSD e do CH.
Na vossa Legislatura caiu 3%! Sr. Deputado, onde estava a vossa ambição na vossa Legislatura? Não me
lembro, não a vi! Essa é a grande questão!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Sr. Deputado João Pinho de Almeida, tenho muito respeito por si — é verdade — e é por ter, de facto, muito
respeito por si que lhe pedia que fizesse um exercício simples, que consiste em olhar à sua volta, atrás, ao lado,
à frente, e procurar os seus Deputados da anterior Legislatura. Onde é que ele estão? Não estão! Sabe porque
é que não estão? Porque o CDS está sistematicamente a fazer um discurso que contraria a realidade! Ora, esse
discurso, além de contrariar a realidade, contrariou o sentimento dos portugueses que votaram massivamente
no PS e não votaram no CDS.
O Sr. JoãoPinhodeAlmeida (CDS-PP): — Massivamente?!
O Sr. CarlosPereira (PS): — Essa é a questão e é por isso que o Sr. Deputado continua a perder votos.
Esse discurso não cola, de facto, na sociedade portuguesa.
Aplausos do PS.
Finalmente, Sr. Ministro da Economia, coloco duas perguntas.
O Sr. PauloRiosdeOliveira (PSD): — Finalmente!
O Sr. CarlosPereira (PS): — Passados quatro anos de Legislatura e com os resultados obtidos — que já
foram abundantemente explicados nesta Casa ao longo deste dia —, a pergunta que gostaria de fazer é se
considera aceitável e até possível de demonstrar a tese que o PSD e o CDS tentam fazer passar de que é a
redução generalizada do IRC que provoca um aumento significativo do produto interno bruto do País. Como
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vimos, não foi isso que aconteceu nos últimos quatro anos: não houve uma redução generalizada do IRC e o
PIB cresceu como nunca tinha crescido no País ao longo dos últimos anos.
Finalmente, coloco uma pergunta que tem a ver com uma questão que julgo ser essencial e que é, aliás, um
desafio, mas que também pode ser um obstáculo ao crescimento económico do País, e que tem a ver com a
questão da mão de obra qualificada.
Porventura, um dos maiores desafios do País é garantir que este atraia mão de obra qualificada para impedir
que haja limitações ao seu crescimento económico. A pergunta é a seguinte: que políticas públicas é que se
podem esperar para os próximos quatro anos para garantir que o crescimento económico não é travado pela
falta de mão de obra?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro de Estado, da Economia e da Transição
Digital, Pedro Siza Vieira.
O Sr. MinistrodeEstado,daEconomiaedaTransiçãoDigital: — Sr. Presidente, Sr. Deputado João
Almeida, um tema muito importante que referiu foi o da formação profissional. De facto, a formação profissional
precisa de outro tipo de impulso. Provavelmente, é uma reversão dos tempos da troica que ainda tem de ser
feita. Na verdade, o quadro financeiro plurianual atual, o PT2020, tinha um tratamento muito desadequado da
formação profissional.
Tivemos oportunidade de fazer um grande esforço ao nível da reprogramação no sentido de dirigir verbas
para a formação profissional, e precisamos, obviamente, de adequar a oferta a isso. É um trabalho que seria
mais facilitado, e o nosso sistema de formação profissional poderia estar mais bem capacitado se as respetivas
verbas fluíssem do PT2020 como não foi possível, em função das opções que foram tomadas pelo Governo
anterior ao anterior.
Aplausos da Deputada do PS Sónia Fertuzinhos.
O Sr. Deputado falou, também, da questão da balança comercial desequilibrada. Sr. Deputado, talvez esteja
desatualizado. Durante este ano, falou-se do desequilíbrio da nossa balança comercial. O equilíbrio foi atingido
em setembro deste ano. Portanto, estamos pelo sexto ano consecutivo com saldos externos positivos.
Queria dizer o seguinte: ao contrário do que o Sr. Deputado está a sugerir, o crescimento das importações
durante o ano de 2019 tem a ver com a importação de equipamento reprodutivo — máquinas, equipamentos,
material de transporte.
O saldo negativo da balança de bens corresponde, praticamente, ao valor das aquisições de aeronaves por
parte da TAP, que, só por si, explicam o saldo comercial negativo, 77% do valor do saldo comercial da balança
de bens.
Sr. Deputado João Pinho de Almeida — e já agora respondo também ao Sr. Deputado Carlos Pereira —,
está por demonstrar que exista uma correlação entre a baixa dos impostos sobre o rendimento para as empresas
e o crescimento do investimento. A baixa dos impostos, a baixa da taxa de IRC seguramente melhora a situação
dos acionistas, mas não está demonstrado que por si só eles reinvestissem esses dividendos nas próprias
empresas. É por isso que a opção do Governo anterior e deste Governo não é a redução da taxa de IRC, mas,
pelo contrário, é criar benefícios e incentivos para aqueles que reinvestem os seus lucros na melhoria da
inovação e na modernização das suas empresas ou na capitalização das mesmas.
Aplausos do PS.
É também por isso que, durante estes quatro anos, o investimento direto estrangeiro em Portugal atingiu
níveis muito elevados. Estamos com o stock de investimento direto estrangeiro mais elevado de sempre,
continuamos a ter intenções de investimento que se concretizam praticamente todas as semanas e a verdade,
Sr. Deputado, é que lhe posso dizer que todos os investidores estrangeiros com quem falo a última coisa que
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referem é a questão fiscal. Portanto, se fosse verdade aquilo que o Sr. Deputado sugeria, não teríamos tido os
níveis de investimento nacional e estrangeiro que tivemos nestes últimos anos.
Sr. Deputado João Vasconcelos, o processo de redução das portagens nas SCUT foi um compromisso
assumido pelo Governo anterior no seu Programa, que foi sendo concretizado ao longo do tempo: houve uma
primeira redução, logo em 2016, de 15%, generalizadamente, com reduções adicionais ainda para as classes
2, 3 e 4, e que foi retomado agora, sobretudo para os veículos comerciais, durante o ano de 2019, por forma a
reduzir os custos de contexto para as empresas servidas por essas autoestradas.
O Programa do Governo prevê que o processo da redução das portagens nas antigas SCUT continue a ser
levado a cabo, provavelmente agora com maior atenção para com aqueles que são os residentes servidos por
essas infraestruturas.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado Duarte Alves, o contexto externo da economia portuguesa é incerto, é verdade. A procura
externa dirigida à economia portuguesa não está a crescer como cresceu noutros tempos. Mas há duas coisas
que queria referir. A primeira é a seguinte: nestes últimos três anos, pela primeira vez, as exportações
portuguesas estão a crescer sistematicamente acima daquilo que é o crescimento do comércio na União
Europeia. Ou seja, se é verdade que, no passado, quando crescia a Europa, as nossas exportações cresciam,
a realidade é que nestes três últimos anos as nossas exportações ganham sistematicamente quota de mercado.
Estamos a vender mais aos países europeus e aos países fora da Europa do que aquilo que a própria economia
deles, as próprias compras deles ao exterior vão crescendo.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Muito bem!
O Sr. Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital: — Isso significa que as nossas empresas
estão mais competitivas, estão a vender produtos, bens e serviços com mais qualidade ao preço competitivo,
sendo isso o que justifica a preferência dos clientes estrangeiros.
Mas queria dizer mais. Queria dizer que o contexto externo, incerto, não nos deve desviar a atenção das
mudanças estruturais que precisamos de continuar a fazer. Não podemos parar de investir, não podemos parar
de modernizar a economia portuguesa e as empresas portuguesas, não podemos parar de investir nas
qualificações e nas nossas infraestruturas porque o contexto externo está incerto. A verdade é esta.
Volto a um outro ponto que o Sr. Deputado referiu. Na verdade, estamos a poder investir na modernização
das nossas empresas. Estamos a poder investir nas nossas infraestruturas e nos serviços públicos precisamente
porque o fazemos de forma responsável. Como disse há pouco, estamos a recolher agora o dividendo da
estabilidade. É a circunstância de termos finanças públicas equilibradas, de estarmos a reduzir a dívida pública
que nos dá folga financeira para investirmos sustentadamente no nosso futuro, e isso é essencial.
Sr. Deputado José Luís Ferreira — e respondo também a uma outra questão colocada pelo Sr. Deputado
Duarte Alves, que tem a ver com a situação das micro, pequenas e médias empresas —, a preocupação com o
nível de endividamento das pequenas e médias empresas foi, precisamente, aquela que, no início da Legislatura
anterior, me levou a integrar a estrutura de missão para a capitalização das empresas, resultado de várias
medidas políticas que não interessa agora recordar. Mas a verdade é que a autonomia financeira das pequenas
e médias empresas aumentou nos últimos quatro anos e está agora nos 39,5%. Estava abaixo dos 30% há
quatro anos atrás, foi de 39,5% em 2018 e este movimento continua a aumentar. O endividamento das pequenas
e médias empresas continua a reduzir-se. É um processo que temos de continuar, e temos de encontrar fontes
alternativas.
O melhor exemplo que lhe posso dar é o sistema de garantia mútua, que, nesta última Legislatura, fez
canalizar para as pequenas e médias empresas, para as microempresas portuguesas, quase 6000 milhões de
euros de crédito que, de outra forma, não estaria acessível a essas empresas.
Temos, também, obviamente, grande preocupação com a eficiência energética. É por isso que há
financiamento público para os investimentos necessários à eficiência energética na indústria e nos serviços e,
seguramente, o banco verde que queremos criar também há de caminhar para aí. Temos uma linha para a
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eficiência energética para pequenas e médias empresas, que está aberta em 100 milhões de euros, e vamos
continuar com esse movimento.
Sr. Deputado Carlos Pereira, já falei no tema da redução do IRC e da sua relação com o crescimento, mas
queria só aproveitar o tempo que me resta para mencionar um tema que formulou nas suas considerações
iniciais. Trata-se do tema da inovação, tema essencial para o crescimento futuro da nossa economia. Nós não
vamos continuar a crescer só com mais mão de obra, precisamos de mão de obra com as qualificações
adequadas, sim, mas o crescimento há de vir do aumento da produtividade. Trata-se de, com os mesmos
recursos, produzir mais, produzir sobretudo mais em valor. E isso advém do investimento na inovação, na ciência
e na tecnologia.
O crescimento da despesa nacional em investigação e desenvolvimento passou para 1,3% do PIB, sendo já
50% suportado pelo setor privado. Isto é muito importante, porque é o caminho do futuro.
Queria dizer-lhe mais: que o recente índice de inovação na Europa e nas regiões mostrou que Portugal foi o
país que mais cresceu no European Union Innovation Scoreboard e, sobretudo, que três regiões portuguesas
são hoje consideradas regiões fortemente inovadoras. Em Espanha não existe uma única e em Itália só a
Lombardia é considerada uma região inovadora forte.
No sul da Europa, Portugal tem hoje três regiões — Norte, Centro e Lisboa — que são fortemente inovadoras.
Essas são as bases para o nosso futuro, são as bases do crescimento futuro da nossa produtividade, é aquilo
que justifica que as nossas empresas estejam a ganhar tantas quotas de mercado. É por isso que toda a política
pública dirigida à inovação e à ciência e que a estratégia nacional de empreendedorismo é tão importante e já
está a dar estes resultados.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe o favor de concluir, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital: — Concluo já, Sr. Presidente.
Na verdade, o caminho já está a ser traçado e é essencial para o nosso futuro coletivo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao final do debate de hoje. Amanhã, quinta-feira, às 10
horas, terá lugar o encerramento do debate do Programa do XXII Governo Constitucional.
Despeço-me de todos, desejando uma boa noite.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 29 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.