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Quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020 I Série — Número 30
XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)
REUNIÃOPLENÁRIADE18DEFEVEREIRODE 2020
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Ana Sofia Ferreira Araújo Lina Maria Cardoso Lopes Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita Diogo Feijóo Leão Campos Rodrigues
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 7
minutos. Deu-se conta da não admissão, pelo Presidente, do
Projeto de Lei n.º 33/XIV/1.ª e foi anunciada a entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os 201 a 209/XIV/1.ª.
Ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento, teve lugar o debate quinzenal com o Primeiro-
Ministro (António Costa), que respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados Rui Rio (PSD), Ana Catarina Mendonça Mendes (PS), Catarina Martins (BE), Jerónimo de Sousa (PCP), Cecília Meireles (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), José Luís Ferreira (PEV), André Ventura (CH) e João Cotrim de Figueiredo (IL).
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Entretanto, a Deputada Ana Catarina Mendonça Mendes (PS) também expressou repúdio pelas atitudes de caráter racista de que foi alvo o futebolista Marega, a quem manifestou solidariedade, tendo-se associado às suas palavras os Deputados Catarina Martins (BE), Jerónimo de Sousa (PCP), Inês de Sousa Real (PAN) e José Luís Ferreira (PEV).
Seguiu-se o debate preparatório do próximo Conselho Europeu, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela
Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia. Proferiram intervenções, além do Primeiro-Ministro, que abriu e encerrou o debate, os Deputados Luís Capoulas Santos e Bacelar de Vasconcelos (PS), Isabel Meireles (PSD), Beatriz Gomes Dias (BE), Bruno Dias (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Cristina Rodrigues (PAN) e José Luís Ferreira (PEV).
O Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 35 minutos.
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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas. Vamos dar início à sessão. Eram 15 horas e 7 minutos. Peço aos Agentes de autoridade para abrirem as portas das galerias ao público. Hoje, como sabem, constam da ordem do dia dois debates, o primeiro dos quais com o Primeiro-Ministro e o
segundo preparatório do próximo Conselho Europeu, também com a participação do Primeiro-Ministro. Entretanto, a Sr.ª Secretária Sofia Araújo vai fazer o favor de divulgar vários anúncios. Faça favor, Sr.ª Secretária. A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não foi admitido pelo Sr.
Presidente o Projeto de Lei n.º 33/XIV/1.ª (Cidadãos) — Institui o dia 16 de maio como o «Dia do Portugal Ativo». Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes projetos de lei: n.º 201/XIV/1.ª (BE) — Exclui as
entidades do Serviço Nacional de Saúde do âmbito de aplicação da Lei dos compromissos (quinta alteração à Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, e quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 127/2012, de 21 de junho), que baixa à 9.ª Comissão; n.º 202/XIV/1.ª (PS) — Procede à 50.ª alteração ao Código Penal, revendo o regime sancionatório aplicável aos animais de companhia, que baixa à 1.ª Comissão; n.º 203/XIV/1.ª (PAN) — Altera a composição do Conselho Nacional de Bombeiros, regulada pelo Decreto-Lei n.º 73/2013, de 31 de maio, que baixa à 1.ª Comissão; n.º 204/XIV/1.ª (PCP) — Cria a Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural, que baixa à 7.ª Comissão, em conexão com as 11.ª e 13.ª Comissões; n.º 205/XIV/1.ª (PCP) — Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro, alargando a proibição de cobrança de encargos pela prestação de serviços de pagamento e pela realização de operações às operações realizadas através de aplicações digitais, que baixa à 5.ª Comissão; n.º 206/XIV/1.ª (PCP) — Procede à sexta alteração ao regime de serviços mínimos bancários, tornando-o mais adequado às necessidades dos clientes bancários, que baixa à 5.ª Comissão; n.º 207/XIV/1.ª (PCP) — Determina o cancelamento e a reversão do processo de fusão da Rede Ferroviária Nacional — REFER, E.P.E. com a EP — Estradas de Portugal, SA e da sua transformação na sociedade anónima com a denominação Infraestruturas de Portugal, SA, que baixa à 6.ª Comissão; n.º 208/XIV/1.ª (PAN) — Promove a redução de resíduos de embalagens e o aumento da taxa de reciclagem, que baixa à 11.ª Comissão, em conexão com a 6.ª Comissão; e n.º 209/XIV/1.ª (PAN) — Limita a cobrança de quaisquer comissões, despesas ou encargos nos casos em que não seja efetivamente prestado um serviço ao cliente por parte das instituições de crédito (primeira alteração à Lei n.º 66/2015, de 6 de julho), que baixa à 5.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos, então, iniciar o debate quinzenal com o Sr. Primeiro-Ministro,
que aproveito para saudar, bem como cumprimento todos os membros do Governo presentes. O formato do debate de hoje é o previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento da Assembleia
da República. Tem a palavra, em primeiro lugar, para formular as suas perguntas, o Sr. Deputado Rui Rio, do Grupo
Parlamentar do PSD. Faça favor, Sr. Deputado. O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o debate do Orçamento do Estado ficou
marcado, basicamente, por dois temas — é uma verdade —, o do IVA da energia e o do metropolitano de Lisboa. O tema do IVA da energia já foi muito debatido e, por isso, penso que há condições para as pessoas
perceberem aquilo que aconteceu. Mas, relativamente ao metropolitano de Lisboa, considero que não é exatamente assim, não tanto pela questão da opção técnica pela linha, na qual não me vou meter, não tanto pela competência ou não da Assembleia da República para o fazer — o Governo ou o PS dizem querer recorrer ao Tribunal Constitucional, que dirá de sua justiça se recorrerem —, mas por uma matéria que está completamente escura e que ninguém entende, que tem a ver com o seguinte: os senhores acusam o
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Parlamento de ter aprovado uma norma no sentido do fecho da denominada «linha circular» e de, ao fazer isso, o País poder perder fundos comunitários.
Numa primeira fase, diziam que o País perdia 200 e tal milhões de euros de fundos comunitários, que é o valor global da obra; numa segunda fase — e estas fases sucediam-se de meia em meia hora —, perdia, salvo erro, 83 milhões de euros de fundos comunitários, que era a verba alocada àquela obra; depois, houve, inclusive, declarações no sentido de que não se perdia nada, porque o dinheiro — sejam os 200, sejam os 83 milhões de euros — podia ser alocado a uma outra obra qualquer, no quadro do mesmo programa ou no quadro de um outro programa qualquer. Sinceramente, parece-me que nem os Deputados, e muito menos os portugueses, entenderam. Ou seja, a decisão do Parlamento põe em perigo 83 milhões ou 200 milhões, ou lá quanto é que é, de fundos comunitários ou não os põe em perigo, porque podem ser alocados a outra obra?!
Portanto, a primeira pergunta que faço, muito claramente, ao Primeiro-Ministro deste Governo é a seguinte: em que é que ficamos? Afinal, a deliberação do Parlamento põe ou não em perigo a utilização de uma dada verba de fundos comunitários e, se sim, qual é o valor dessa verba?
Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa. O Sr. Primeiro-Ministro (António Costa): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, não me ocorreria que o
Orçamento do Estado para 2020 tivesse, para o líder da oposição, ficado marcado… O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Qual líder da oposição?!… O Sr. João Oliveira (PCP): — O líder do PSD! O Sr. Primeiro-Ministro: — … pela questão de uma linha do metropolitano de Lisboa. Admitia que
considerasse que tivesse ficado marcado por ser o primeiro Orçamento em que o complemento solidário para idosos vai convergir para erradicar a pobreza entre os idosos, pela isenção do IRS nos primeiros três anos de atividade para os jovens no início da atividade profissional,…
Protestos do PSD. Aplausos do PS. … por termos o primeiro excedente orçamental em 50 anos… Enfim, imaginei vários motivos, mas, com toda
a franqueza, vejo que, depois de se ter preocupado com os 590 milhões de euros de que andou à procura junto do Ministro das Finanças, agora, a sua preocupação seja com uma linha do metropolitano de Lisboa.
Protestos do PSD. Sr. Deputado Rui Rio, naturalmente, o Governo aguarda a redação final do Orçamento do Estado e a sua
apreciação por parte do Sr. Presidente da República, mas há uma coisa que lhe posso garantir: o Governo entende que é da sua competência exclusiva a definição das linhas de metro e a sua execução,…
O Sr. António Gameiro (PS): — Muito bem! É isso mesmo! O Sr. Primeiro-Ministro: — … e esta linha vai ser executada com os fundos que lhe estão adstritos. Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Rui Rio. Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, eu não disse que, para mim, o Orçamento ficou
marcado pelo IVA da energia e pela linha do metropolitano. Para mim, ficou marcado por um aumento da carga fiscal absolutamente enorme…
Aplausos do PSD. … e ficou marcado, efetivamente, pelo mistério dos 590 milhões de euros que V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro,
diz que são uns trocos, mas que, para mim, são dinheiro. Vozes do PSD: — Muito bem! O Sr. Rui Rio (PSD): — A resposta que o Sr. Primeiro-Ministro deu nada tem a ver com a minha pergunta e,
portanto, eu devolvo-lha: esta deliberação da Assembleia da República põe ou não em perigo a utilização de 83 milhões ou de 200 milhões ou seja do que for? Esta é que é a questão que os portugueses querem saber, independentemente de todas as demais.
Portanto, faço uma pergunta concreta: põe ou não em perigo essa utilização? Ou seja, Portugal pode ou não perder verbas da União Europeia, já que a linha está suspensa — também não se diz que não é feita — por um ano?
Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, para já, a linha não está suspensa nem
os trabalhos estão suspensos; pelo contrário, tudo se desenvolve em total normalidade. Em segundo lugar, se viesse a ser suspensa, uma coisa seria certa: os 83 milhões de fundos comunitários
não podiam ser alocados a outro objetivo que não fosse o Eixo 1 do PO SEUR (Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos) e, tendo em conta o calendário de execução dos fundos comunitários, isso implicaria uma data-limite para a sua utilização. A possibilidade, que, aliás, ouvi alguns defenderem, de, em vez de serem alocados a esta linha, serem alocados a uma outra linha é totalmente impraticável, porque é materialmente impossível realizar o projeto, os concursos, a obra e os seus pagamentos em tempo útil para aproveitar esta verba.
Protestos do Deputado do PSD Cristóvão Norte. Portanto, se a opção, como alguns pareceram defender, é deixar de gastar esta verba nesta linha e gastá-la
numa linha para Loures, numa linha para Alcântara ou numa linha para qualquer outro sítio, isso é materialmente impossível no prazo de utilização, que, como sabe, quanto aos pagamentos, está sujeito à regra N+3.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Rui Rio. Faça favor, Sr. Deputado. O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, constata-se, portanto, um facto: o papel que o
Sr. Ministro do Ambiente há pouco entregou ao Sr. Primeiro-Ministro e que o levou a dar a resposta que me deu nada tem a ver com aquilo que o Sr. Ministro do Ambiente disse publicamente, enganando os portugueses,…
Aplausos do PSD.
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… quando referiu que aquilo que a Assembleia decidiu, pura e simplesmente, levava à não utilização do dinheiro. Aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro agora diz é que leva, eventualmente, à não utilização do dinheiro numa linha do metro de Lisboa, mas que Portugal pode continuar a utilizar a verba num qualquer outro projeto.
Vozes do PSD: — Muito bem! O Sr. Rui Rio (PSD): — E o Sr. Ministro Siza Vieira — que está a acenar com a cabeça, dizendo que não —
veio dizer publicamente o contrário daquilo que disse o Sr. Ministro do Ambiente, dizendo aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro agora disse.
Aplausos do PSD. Portanto, os senhores têm de se entender, se bem que eu já tenha entendido. E aquilo que entendi foi que o Sr. Ministro do Ambiente faltou à verdade, como se diz agora, porque
antigamente dir-se-ia que tinha mentido. Escolha a expressão — Sr. Ministro, escusa de me estar a olhar com essa cara… —, mas o que é certo é que aquilo que disse não é verdade.
Risos e aplausos do PSD. Sr. Primeiro-Ministro, coloca-se ainda outra questão, que tem a ver com o seguinte: também foi dito que a
decisão do Parlamento levava ao pagamento de indemnizações, por força de expropriações que foram feitas e que agora não seriam usadas, ou seja, o Governo teria de devolver os terrenos, mas não receberia por eles aquilo que pagou, porque isso iria dar lugar a uma indemnização. A pergunta que faço, muito concreta, é esta: houve já alguma expropriação concretizada ou ainda não?
Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, para responder. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, sobre os pormenores que o preocupam,
recomendo que leia o comunicado que o Sr. Ministro do Planeamento emitiu no dia 10 de fevereiro, que, no ponto 3, diz exatamente o seguinte: «Efetivamente, esse eventual projeto alternativo já não será exequível no âmbito do PT2020, dada a complexidade e o grau de maturidade exigido a uma iniciativa deste tipo».
Mas, Sr. Deputado Rui Rio, aquilo sobre que se devia interrogar é o seguinte: esta linha circular está aprovada desde 2008; já houve vários Governos e todos definiram como prioridade a realização desta linha circular; para esta linha circular já foram gastos milhões de euros na elaboração de projetos,…
Protestos do Deputado do PSD António Topa. … já foram desencadeados os processos de expropriações e já foram lançados os concursos; e quando tudo
está lançado e há uma verba comunitária negociada para esta linha, que, aliás, foi negociada não pelo atual Governo, não pelo anterior Governo, mas pelo anteanterior Governo,…
Protestos do PSD. … ou seja, por um Governo presidido pelo PSD e pelo CDS, é agora, à 25.ª hora, que o Sr. Deputado acha
que vamos pôr em causa a execução de uma linha, cuja verba, aliás, não pode ser utilizada para financiar outra linha alternativa!
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
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O Sr. RuiRio (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Ministro do Planeamento, Nelson de
Souza, veio dizer exatamente o contrário do que disse o Sr. Ministro Matos Fernandes, que veio dizer que os 83 milhões de euros do metro seriam utilizáveis.
O Sr. AdãoSilva (PSD): — É verdade! O Sr. RuiRio (PSD): — Tem uma segunda intervenção em relação à qual, na prática, podemos dizer «o Sr.
Primeiro-Ministro vem desmentir a verdade, porque ele tinha falado a verdade e, depois, tinha dito que não era bem assim aquilo que tinha dito.» Portanto, usando um português rebuscado, podemos dizer que desmentiu a verdade!
Mas a minha pergunta não é essa; consiste em saber se já há alguma expropriação concretizada ou ainda não.
Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, não lhe sei dizer, em concreto, se há
alguma expropriação. VozesdoPSD: — Ah! O Sr. Primeiro-Ministro: — Há um conjunto de coisas que eu sei dizer,… O Sr. DuarteMarques (PSD): — Não são muitas! O Sr. Primeiro-Ministro: —… e o Sr. Deputado Rui Rio, se parasse um segundo para refletir, também o diria
com certeza. Em primeiro lugar, o País, em matéria de obras infraestruturais, tem de ter a capacidade de tomar decisões
e de executar as decisões que toma. Essas decisões que são tomadas não são para o meu Governo, para um seu eventual Governo, nem para outro Governo qualquer; são obras estruturantes para largas dezenas de anos. Há um tempo para discutir, há um tempo para estudar e, depois, há um tempo para decidir. E, depois da decisão tomada, há que executar, Sr. Deputado!
Aplausos do PS. Portanto, relativamente à linha circular, passou o tempo do estudo, do debate, da reflexão. Estamos no tempo
da execução, e é isso que iremos fazer! Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Rui Rio, do PSD. O Sr. RuiRio (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, comecei logo por dizer que por aí não vou, ou
seja, que não vou debater tecnicamente o mérito da linha, porque não é isso que trago aqui. No fundo, o que trago aqui é a questão de saber uma coisa muito importante, seja em relação ao dossier metro, seja a outro dossier qualquer: é saber se o Governo fala verdade aos portugueses ou se o Governo mente.
Essa é que a questão de fundo! Aplausos do PSD.
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O Sr. Primeiro-Ministro diz «eu não sei se houve alguma expropriação». Eu aceito essa resposta. O Primeiro-Ministro não tem de saber! Mas se o Sr. Ministro Matos Fernandes, há pouco, lhe passou um papelinho para lhe dar uma resposta, pergunto se não tem um outro papelinho para passar ao Sr. Primeiro-Ministro dizendo-lhe se houve, ou não, alguma expropriação.
Aplausos do PSD. É isso que gostava de saber! Aquilo que temos de saber é se houve ou não expropriação. E o facto de não haver papelinho do Sr. Ministro
Matos Fernandes para o Sr. Primeiro-Ministro a dizer se houve ou não, leva-me a concluir, outra vez, a mesma coisa: o Sr. Ministro Matos Fernandes, quando disse ao País que tínhamos de pagar indeminizações por expropriações que não iam ter consequências e que, por isso, os terrenos teriam de ser devolvidos, não estava a falar verdade! Estava, portanto, em linguagem moderna, a faltar à verdade e, em português antigo, a mentir aos portugueses. Essa é que é a questão!
Aplausos do PSD. Se, entretanto, ao longo do debate, o Sr. Primeiro-Ministro obtiver da parte do Sr. Ministro do Ambiente essa
informação, agradecia que pudesse dizer à Câmara, e por intermédio da Câmara aos portugueses, se houve ou não expropriação.
É que se não houve ainda nenhuma expropriação materializada, a indeminização que se tem de pagar é zero, porque também não se recebeu dinheiro nenhum.
É isso que fica aqui quase claro a 100%, ou seja, que não há nenhuma expropriação realizada. Se não, estava aí o papelinho e o Sr. Primeiro-Ministro já teria dito «sim senhor, temos esta, esta e esta expropriação»!
A minha terceira pergunta tem a ver com um contrato que a Metropolitano de Lisboa assinou no sábado, dois dias depois de se ter aprovado o Orçamento do Estado. Se assinou contrato para adquirir material circulante para o metro de Lisboa, e apenas isso, nada a opor, está perfeito! Mas as notícias que surgiram — e que gostaria de confirmar — afirmam que se incluiu nesse contrato a sinalética de duas estações de metro que só se realizarão se a linha circular for concluída.
A minha pergunta é a seguinte: a Metropolitano de Lisboa, empresa pública, adjudicou a sinalética para duas estações que foram suspensas, na quinta-feira passada, pelo Parlamento, ou não?
Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, vou dizer-lhe o que acho verdadeiramente grave
neste debate todo. O que acho grave é que o Sr. Deputado, que é líder do maior partido da oposição, venha aqui dizer que não discute a questão técnica e que nem discute, sequer, a questão constitucional de saber se a Assembleia da República tem, ou não, competência para suspender a linha.
Gostava, então, de saber o seguinte, Sr. Deputado: se não tem uma opinião técnica e despreza a questão constitucional, porque é que votou favoravelmente a suspensão dessa linha?
Aplausos do PS. Protestos do Deputado do PSD Duarte Marques. O Sr. Deputado devia interrogar-se relativamente ao seguinte: a construção dessa linha consta do plano de
expansão aprovado pela atual Deputada Ana Paula Vitorino quando era Secretária de Estado dos Transportes; passou, depois, pelo Governo seguinte, que voltou a reafirmar essa prioridade — era eu, então, Presidente da Câmara de Lisboa e negociei com o Governo do Dr. Passos Coelho o plano de expansão do metro, atualizado em função das condicionantes de financiamento do País e a prioridade de expansão que tinha sido definida; foi
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negociada a inclusão do seu financiamento no PT2020 para ter financiamento comunitário; e foram lançados os procedimentos concursais para a realização do projeto — só no projeto já foram gastos 5 milhões de euros e temos 83 milhões de euros que só podemos alocar a esta obra, não havendo condições materiais para alocar esse montante a qualquer outra.
Alguns dos Srs. Deputados disseram que queriam adiar esta linha porque a prioridade era realizar a linha de Loures ou a linha de Alcântara. Acontece que já não é materialmente possível realizar nem a linha de Loures, nem a linha de Alcântara com as verbas do PT2020.
Estamos, neste momento, a preparar o PT2030. Foi aprovado na Assembleia da República, por proposta do Governo, um novo programa nacional de infraestruturas, que está em apreciação no Conselho Superior de Obras Públicas, que prevê novas expansões das linhas do metro de Lisboa, designadamente a extensão à zona ocidental da cidade e, eventualmente, a extensão ao concelho de Loures.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Prevê zero! O Sr. Primeiro-Ministro: — Portanto, a questão que se coloca não é saber se houve ou não uma contradição
entre ministros; não é saber se houve ou não alguma expropriação que implique agora a sua reversão. A questão de fundo que se coloca é saber como é que um partido com a responsabilidade de já ter governado este País várias vezes, com a responsabilidade de ter aprovado a atual expansão do metro, de ter aprovado esta linha, de ter negociado o financiamento desta linha, vem agora, levianamente, depois de estar tudo posto a concurso, defender a suspensão desta linha, não querendo discutir nem a questão técnica, nem a questão constitucional. Isso é que gravíssimo, Sr. Deputado!
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para formular perguntas em nome do Grupo Parlamentar do PS,
a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendes. A Sr.ª AnaCatarinaMendonçaMendes (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo,
Sr. Primeiro-Ministro, permitam-me que, antes de iniciar a minha intervenção neste debate quinzenal, possa aqui exprimir, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o nosso total repúdio pelo ataque racista de que o futebolista Marega foi alvo neste fim de semana.
Aplausos do PS, do BE, do PCP, do PEV e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. Gostaria de expressar-lhe toda a nossa solidariedade e admiração pela forma digna como despertou as
nossas consciências e de deixar claro, Sr.as e Srs. Deputados, que não somos hipócritas e que na Casa da democracia não pode haver ambiguidades na condenação de qualquer ato racista, aconteça ele onde acontecer ou com quem acontecer.
Aplausos do PS, do BE, do PCP, do PEV e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, depois de ouvir a intervenção do Sr. Deputado Rui Rio, numa espécie
de prolongamento do debate do Orçamento do Estado, talvez valha a pena que, neste debate, nos possamos concentrar nas questões que realmente interessam à vida dos portugueses e que a decisão tomada pelos Srs. Deputados do PSD, através da posição de voto que aqui tiveram, vai, e muito, influenciar negativamente a vida daqueles que todos os dias utilizam os transportes públicos em Portugal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o que é espantoso é que, depois de, na passada sexta-feira, o INE (Instituto Nacional de Estatística) ter divulgado dados muito relevantes e importantes sobre a nossa economia e o nosso crescimento económico, até hoje ainda não se tenha ouvido qualquer palavra por parte do principal partido da oposição.
Talvez continuem zangados com o País só porque Portugal e os Portugueses estão melhor desde que assumimos a governação em 2015, mas é bem sintomático do incómodo apenas explicado pela desilusão do
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PSD sobre estes dados. Mais uma vez, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os números e os resultados da economia portuguesa desmentem a tese dita e repetida até à exaustão, neste ciclo de governação, de que tudo está mal.
Os números revelados pelo INE, Sr. Primeiro-Ministro, revelam uma economia em convergência, uma economia resiliente e uma economia sustentável.
Aplausos do PS. Uma economia convergente, porque, ao contrário do anúncio do PSD da vinda do Diabo, Portugal começou
a crescer mais do que a Europa pela primeira vez desde que aderimos ao euro, e o que parecia improvável tornou-se, agora, habitual. O ano de 2019 foi já o terceiro ano consecutivo de convergência, mostrando um melhor desempenho pelo 14.º trimestre consecutivo. Estamos, pois, a cumprir o nosso compromisso de convergir numa década com a União Europeia.
Aplausos do PS. Trata-se também da demonstração de uma economia com resiliência porque, ao contrário do que o PSD tem
dito — que o País estaria a surfar uma onda de crescimento europeu —, a verdade é que a maré baixou e o argumento encalhou. Enquanto o crescimento na Europa tem desacelerado, o crescimento em Portugal não só resistiu, como acelerou.
Trata-se também de uma economia que demonstra sustentabilidade. Até há crescimento, até perdura, mas os profetas da direita continuam a dizer que não há de durar por muito mais tempo. Dizem que o crescimento é insustentável e assente no consumo privado, quando este tem vindo a reduzir o seu peso no crescimento. Em 2017, em 2018 e em 2019, o que puxou pelo País no crescimento foi o investimento e as exportações, alicerçando um crescimento que é sustentável para todos.
Aplausos do PS. A economia portuguesa, Sr.as e Srs. Deputados, é hoje a campeã do crescimento europeu e os resultados
divulgados pelo INE não são um acaso ou um milagre, são o trabalho dos portugueses, das empresas e dos trabalhadores, de um País com um rumo e uma estratégia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, o crescimento dos últimos anos encontra as bases sólidas nas reformas que tomámos em três pilares que já têm resultados: no investimento, nas exportações e nas pessoas.
No investimento, porque, na anterior Legislatura, este cresceu, em Portugal, o dobro do que cresceu na zona euro. Este investimento é fundamental para superar os baixos níveis de produtividade e contrasta bem com o que encontrámos em 2015: um quadro comunitário parado e sem as infraestruturas prontas para começar a investir. Encontrámos um setor financeiro por estabilizar.
Por isso é que, com as reformas feitas ao longo destes quatro anos, as empresas investiram mais, não só porque tinham mais confiança, mas porque se capitalizaram com o Programa Capitalizar. Os benefícios fiscais que alargámos deram-nos a quinta maior redução efetiva de impostos a empresas da Europa, tendo sido focada nas empresas que investem e não na redução cega que defende a direita.
Ao nível das exportações, o investimento materializou-se em mais valor acrescentado, permitindo o quinto melhor desempenho da área euro e o segundo da Europa dos 15, contrastando bem com o modelo económico de empobrecer para crescer que a direita tanto apregoa.
Estamos a qualificar — e vamos conseguir — para exportar melhor conhecimento. Promovemos as exportações e, em particular, fazemo-lo apostando em sermos mais competitivos com empresas e centros de saber capazes de colaborar e inovar.
As reformas dos programas INTERFACE e Indústria 4.0 motivaram um crescimento de 35% na receita de empresas de inovação e desenvolvimento e o Orçamento aqui aprovado há 15 dias renovou por mais cinco anos o sistema de incentivos fiscais à investigação e desenvolvimento empresarial e instituiu o IVA zero para a ciência.
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Estamos a apostar na qualificação e valorização das pessoas, que não só beneficiam como são o nosso maior ativo. E também aqui há um contraste com a direita. A diferença é enorme entre quem mandou emigrar e quem aumentou o salário mínimo em 20%, baixou mais de 1000 milhões de euros no IRS das famílias e negoceia hoje, na concertação social, um acordo de competitividade e rendimentos.
Aplausos do PS. Lançámos o Programa Qualifica, que já qualificou 35 000 pessoas. Reinvestimos no ensino superior,
aumentando em 15 000 o número de alunos inscritos. Baixámos a taxa de abandono escolar para mínimos históricos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, o silêncio incómodo da direita perante este caminho só pode ter uma justificação: a de que a direita não suporta que tenha sido um Governo do PS a conseguir, simultaneamente, os melhores resultados orçamentais da história do País e a retoma do crescimento económico convergente com a média da União Europeia.
Aplausos do PS. É obra, sim! É obra dos portugueses e de um País que sabe vencer as suas adversidades e que recusou o
caminho do empobrecimento que a direita lhe indicou. Pergunto, pois, Sr. Primeiro-Ministro, se podem os portugueses confiar nestes números como um sinal de
robustez da nossa economia para alcançarmos numa década o desenvolvimento desejado e criarmos, assim, condições de melhoria de vida para todos.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendes, de facto, é essa descrição
geral do País que explica a razão pela qual o líder da oposição, em vez de olhar para a floresta, se concentra num pequeno ramo de um arbusto que está no meio da floresta.
Aplausos do PS. Durante um ano inteiro, ouvimos intervenções sobre a anunciada desaceleração da economia portuguesa, e
quando o INE revelou que, no quarto trimestre, tivemos não uma desaceleração mas uma aceleração do crescimento da economia portuguesa, aí, o tema da economia deixou de preocupar a oposição.
Aplausos do PS. A verdade é que, apesar de Portugal, mais uma vez, ter crescido largamente acima da média europeia e
apesar de termos ouvido aqui uma infinidade de vezes a lista dos países da zona euro que cresceram mais do que Portugal, quando o INE e o Eurostat anunciaram que só Chipre e a Lituânia é que cresceram mais do que Portugal no quarto trimestre, o crescimento da economia portuguesa também deixou de ser tema para a oposição.
Aplausos do PS. Também deixou de ser tema para a oposição a questão relativa ao défice externo. Diz que é verdade que a
economia está a crescer, que estamos a exportar mais, que estamos a ganhar quota de mercado, mas que estamos a deteriorar o défice externo. Ora, como o INE referiu, os resultados resultam também, neste quarto trimestre, de um contributo da procura externa líquida para a variação homóloga do PIB positivo. Ou seja, aceleraram as exportações e desaceleraram as importações.
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Aplausos do PS. Também sabemos agora, ainda com mais rigor, qual é a natureza das nossas importações. É verdade que,
felizmente com a melhoria do rendimento das famílias, há hoje um maior nível de consumo e, com isso, um maior nível de importações. Mas a verdade é que o crescimento de bens de consumo foi de 1,2% e que o grande crescimento que temos em matéria de importações se verifica na área dos bens de equipamento, 4,3%, e isso, sim, é o resultado do investimento que as empresas estão a fazer para se modernizarem, adquirindo nova maquinaria para melhorarem a sua produtividade.
Aplausos do PS. Sabemos também que 80% dessas importações tem a ver com as aeronaves que a TAP está a adquirir para
melhorar a sua frota, as suas rotas e a qualidade do serviço que presta aos portugueses, à comunidade portuguesa no estrangeiro e à internacionalização da nossa economia.
Aplausos do PS. Como sabemos também, este crescimento económico, a par de ser sustentado nas exportações, continua a
ser sustentado fortemente no investimento privado. E esse investimento privado cresceu 34% desde 2015. Isto é mesmo o que dói à direita, que quis convencer o País de que a única forma de atrair investimento direto estrangeiro e de mobilizar o investimento privado era manter a política de austeridade.
Todos nos lembramos do que foi dito em 2016 quando decretámos o primeiro aumento do salário mínimo nacional: que os investidores iam fugir, que o investimento ia cair e que o desemprego ia aumentar.
Aplausos do PS. A verdade é que o salário mínimo nacional subiu 20%, irá subir neste ano e continuará a subir ao longo da
Legislatura até aos 750 €; o investimento direto estrangeiro continua a aumentar; o investimento privado continua a aumentar; e o desemprego caiu sustentadamente de mais de 12% para 6,5%. Este é o resultado desta governação.
Aplausos do PS. Não se trata só de ter mais emprego, trata-se também de ter melhor emprego. E temos melhor emprego
porque, no ano passado, a esmagadora maioria dos novos contratos celebrados foi sem termo, contratos sem precariedade, contratos que dão confiança e segurança e que significam melhor qualidade no emprego.
Aplausos do PS. Esta trajetória de redução do desemprego e de combate à precariedade foi, simultaneamente, acompanhada
por uma melhoria efetiva do rendimento líquido das famílias. No ano passado, o rendimento bruto aumentou 2,7% face a 2018, num ano em que a inflação foi de 0,3%.
Isso significa que, olhando efetivamente para a floresta, aquilo que vemos é uma economia que está a crescer mais, que está a criar mais emprego, que está a criar melhor emprego e com melhor rendimento e que está, sobretudo, a crescer de uma forma saudável, sustentada no investimento e nas exportações. Tudo isto no mesmo quadro em que a consolidação orçamental se vai produzindo com tranquilidade, sem brutais aumentos de impostos, sem cortes nas pensões ou nos salários e devolvendo a normalidade — normalidade à vida dos pensionistas, que veem não só as suas pensões mantidas como atualizadas anualmente, beneficiando de atualizações extraordinárias; e normalidade a quem trabalha na função pública, que vê, pela primeira vez neste século, reintroduzido o princípio da atualização anual dos salários, tendo em conta a inflação, de forma a não perderem poder de compra,…
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Aplausos do PS. … e que vê concluído, neste ano, o processo de recuperação do congelamento das suas carreiras, de forma
a que possam normalizar a perspetiva de carreira na Administração Pública. Isto consegue-se com o défice mais baixo da nossa democracia, com a redução sustentada do endividamento
e com a firme determinação que temos de chegarmos ao final desta Legislatura com a dívida abaixo dos 100% do nosso produto interno bruto, que irá continuar a crescer acima da média europeia e a sustentar mais e melhor emprego.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins. A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, queria associar-me a esta clareza de que o Parlamento
precisa de uma voz contra o racismo, que espero que se possa estender a todos os partidos e a todos os que aqui estão.
O facto de o insulto racista permanecer há muito tempo no nosso País e de ser muito usual não o torna menos perigoso, muito pelo contrário. O mais perigoso é mesmo a banalização do racismo.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem! A Sr.ª Catarina Martins (BE): — O racismo é um crime e o ato corajoso de Marega e a solidariedade que
despertou por todo o País são um apelo à ação, porque a violência e o racismo não podem permanecer impunes nem no futebol nem em lado nenhum.
Aplausos do BE e do PS. O Sr. Primeiro-Ministro: — Muito bem! A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Primeiro-Ministro, é hoje manchete do Jornal de Notícias a previsível
prescrição de mais de 16 milhões de euros em multas a banqueiros, os mesmos que dirigiram aqueles bancos que já levaram, numa década, mais de 18 mil milhões de euros dos cofres públicos.
Esta é mais uma notícia que dá conta da impunidade de uma elite com um extenso cadastro de crime económico no nosso País.
No caso do BES, já lá vão mais de cinco anos e nenhuma condenação. Os megaprocessos como o «Marquês» ou o «Monte Branco» arrastam-se. A mesma justiça que mantém Rui Pinto em prisão preventiva há mais de um ano, uma decisão que tem tanto de inédito como de incompreensível, é incapaz de produzir resultados sólidos no combate à corrupção e ao crime económico.
Dir-me-á o Sr. Primeiro-Ministro que todos estes são casos de justiça e que nos cabe respeitar a separação de poderes. É certo, mas também nos cabe avaliar as leis, as instituições e os procedimentos que temos de ter em cada momento se virmos que não está a funcionar.
Há matérias em que o Governo tem responsabilidades diretas e urgentes, pelo que queria de questioná-lo sobre elas.
Em primeiro lugar, questiono-o em relação à quinta diretiva, sobre branqueamento de capitais, que já deveria ter sido transposta até ao dia 10 de janeiro e ainda não foi. Bem sei que esta diretiva é bastante limitada, em todo o caso é um instrumento e é importante saber por que motivo ainda não foi transposta e quando é que o Governo traz ao Parlamento a proposta para a sua transposição.
Em segundo lugar, gostaríamos de saber se o Governo tem garantias de que o Banco de Portugal cumprirá as suas obrigações legais de prevenção de branqueamento de capitais, designadamente no caso da venda do EuroBic.
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Isabel dos Santos tem as suas contas arrestadas em Portugal mas não as suas participações, o que quer dizer que dispõe livremente das receitas da venda dessas participações. Isto é grave e é um problema particularmente delicado e que exige a intervenção do Banco de Portugal no caso do EuroBic. O Banco de Portugal não tem só a obrigação de garantir a idoneidade do comprador, tem também a obrigação de garantir a do vendedor e tem de ter garantias sobre o destino do dinheiro desta venda.
Se não houver garantias, Isabel dos Santos pode colocar as receitas desta venda num qualquer offshore ou numa empresa de que não se conhece beneficiário último e, em última análise, um caso em que não sabemos qual é a proveniência dos fundos pode transformar-se num caso de branqueamento de capitais feito mesmo nas barbas do Banco de Portugal.
A minha pergunta é a seguinte: que garantias dá o Banco de Portugal de que vai cumprir as suas obrigações? Aplausos do BE. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, naturalmente, não esperará que
eu responda às perguntas a que sabe que não posso responder, porque transcendem o âmbito de atividade, tutela ou superintendência do Governo.
Tal como temos de respeitar a separação de poderes, incluindo a do poder judicial, também temos de respeitar a independência própria do Banco de Portugal.
Não temos nenhum instrumento para fazer essa tutela nem temos poderes de direção ou de superintendência sobre o Banco de Portugal. Confiamos que as instituições funcionem e que o Banco de Portugal cumpra as suas obrigações.
No entanto, há duas coisas que gostaria de lhe dizer: em primeiro lugar, queria recordar que, na avaliação que o GAFI (Grupo de Ação Financeira) fez, em 2017, relativamente ao nosso sistema interno de controlo de branqueamento de capitais, Portugal obteve a nota máxima.
É verdade que há uma diretiva comunitária que está para transposição. O prazo terminava em janeiro passado, mas, neste momento, o diploma para a transposição já está no circuito legislativo e irá esta semana ou na próxima a Conselho de Ministros. Portanto, muito brevemente, poderemos contar com esse diploma para poder ser aprovado.
Quanto àquilo que o Banco de Portugal está a fazer, estou certo de que a Assembleia da República poderá chamar o Sr. Governador do Banco de Portugal para vir aqui dar as respostas que a Sr.ª Deputada deseja ter.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins. A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, faremos isso mesmo, isto é, vamos
chamar aqui o Governador do Banco de Portugal. Como sabe, se o EuroBic estiver a ser investigado — e, na verdade, esperemos que esteja, face a tudo o
que sabemos —, o Banco de Portugal pode mesmo impedir esta venda. Mas o pior a que temos assistido em Portugal é que o Banco de Portugal não age antes e a justiça é lenta depois. Entre a incapacidade de a supervisão agir quando deve e a lentidão da justiça, o crime económico tem permanecido impune e é isso que não podemos deixar que continue a acontecer.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Muito bem! A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Primeiro-Ministro, queria fazer-lhe uma pergunta sobre outra matéria.
Temos assistido a algumas notícias preocupantes sobre o Serviço Nacional de Saúde. Do nosso ponto de vista, tudo deve ser averiguado, nada deve ser alvo de generalizações abusivas, até porque, quando há problemas no SNS, o que sabemos é que temos de o reforçar, de o proteger. Isto porque, a população portuguesa depende
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do SNS e é exatamente onde há menos oferta de cuidados e junto das populações mais vulneráveis que o SNS é mais importante.
No último Orçamento do Estado garantimos o maior orçamento de sempre para o SNS sem cativações e com mais investimento. No fim da última Legislatura mudámos a Lei de Bases da Saúde, reforçando o caminho de um SNS público, universal e gratuito e é por isso, Sr. Primeiro-Ministro, que é com muita estranheza que vemos o anúncio do Governo relativamente ao lançamento de um concurso para uma nova PPP (parceria público-privada) no Hospital de Cascais, ou seja, a entrega do hospital à gestão privada.
O Sr. André Ventura (CH): — Agora já há Orçamento, já não há problema! A Sr.ª Catarina Martins (BE): — A nossa estranheza é dupla, porque, em 2016, o Governo anunciou que a
PPP de Cascais não ia ser renovada porque não servia o interesse público, mas, em 2018, acabou por prolongar o contrato porque não tinha tempo para internalizar o hospital no SNS e ficou com o prazo até 2021 — portanto tempo já haverá.
Acresce que neste período os escândalos só se multiplicaram, como o dos que estão a gerir o Hospital de Cascais mandarem doentes para hospitais privados como o de falsificarem dados nas triagens.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exatamente! A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Não se percebe, portanto, porque é que o Governo quer repetir o que corre
mal, quando a nova Lei de Bases da Saúde revoga o decreto-lei das PPP e prevê uma nova regulamentação do Serviço Nacional de Saúde em que a contratualização com privados só é aceite quando o Estado não tem capacidade para responder.
Ó Sr. Primeiro-Ministro, o Estado não consegue gerir um hospital público em Cascais? Aplausos do BE. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, começando por lhe responder à
primeira parte da pergunta quero dizer-lhe o seguinte: em matéria de supervisão, o Governo irá renovar a proposta de lei de reforma do sistema de supervisão que, como sabe, apresentou na anterior Legislatura e que caducou, sem ter sido aprovada, com o fim da mesma.
Em segundo lugar, refiro algo que deve ser objeto de boa reflexão: não é nenhuma fatalidade a justiça ser lenta. Se olharmos, por exemplo, para a justiça cível verificamos que, nos últimos quatro anos, o número de pendências baixou 44%, que no ano passado a taxa de resolução, no terceiro trimestre de 2019, foi de 84% e que o tempo médio de duração de uma ação cível em Portugal baixou, nos últimos quatro anos, de 18 meses para 12 meses.
Portanto, a lentidão da justiça não é uma fatalidade, nem é só uma questão de meios, é também uma questão de arquitetura legislativa e isso deve-nos fazer refletir muito bem. Por que razão é que há tão bons resultados na justiça cível e não há idênticos resultados em outras áreas da justiça? Isso deve ser objeto da nossa reflexão coletiva.
Sr.ª Deputada, quanto à questão das PPP, regressemos ao início da Legislatura anterior: no início da Legislatura anterior, o que é que constava do Programa do XXI Governo? Constava que iríamos proceder à avaliação das quatro PPP que existiam, de entre os cento e tal hospitais que o País tem, e, em função dessa avaliação, seriam tomadas decisões.
E o que é que aconteceu entretanto? Já foi internalizada, ou seja, integrada no Serviço Nacional de Saúde, a gestão da antiga PPP de Braga, está em processo de internalização e de integração no SNS a PPP de Vila Franca de Xira. Depois, foram feitas as avaliações relativamente a Loures e a Cascais e, no caso de Cascais, a avaliação que foi feita foi positiva quanto à manutenção da PPP.
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Por isso, em 2017, o Governo determinou a prossecução dos passos necessários para a aprovação do lançamento de uma nova PPP. Em 2018, foi autorizada a possibilidade da extensão, até 31 de dezembro de 2021, de forma a dar tempo para que o processo concursal fosse realizado.
Aquilo que consta do Programa do atual Governo é precisamente que não haverá mais nenhuma PPP em hospitais para além das que já existem. Ou seja, para além de Cascais e de Loures não haverá nenhuma PPP.
Em Cascais, foi lançado o concurso para que haja a renovação do modelo da PPP e quanto a Loures aguarda-se a conclusão do processo de avaliação. Este é o quadro político e o quadro legal em que temos trabalhado e é absolutamente compatível com o que consta na Lei de Bases da Saúde.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins. A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, continuo sem resposta às duas
questões que lhe coloquei. Por um lado, quando é que temos a regulamentação da Lei de Bases da Saúde e, por outro lado, como é que o Estado não é capaz de gerir um hospital público em Cascais que é o único motivo que, ao abrigo da Lei de Bases, pode explicar que ela seja entregue a um privado? Mas sobre isso não respondeu.
Sr. Primeiro-Ministro, tenho uma última questão para lhe colocar sobre uma outra área. Em Portugal, há cerca de 40 000 vigilantes e a maior parte trabalha para empresas contratadas pelo Estado: hospitais, repartições e até tribunais.
Os últimos concursos foram ganhos por empresas que apresentaram preços abaixo do custo e, em alguns casos, o resultado da baixa do preço foi o deixar salários por pagar. Na generalidade dos casos, estas empresas não estão a cumprir a lei de transmissão de estabelecimento atacando os direitos dos trabalhadores como, aliás, o Governo já reconheceu, portanto, estamos de acordo sobre esta matéria.
Porém, o problema é que as empresas continuam a não cumprir a lei e a questão que lhe coloco é: o que é que o Governo vai fazer para obrigar as empresas a cumprir a lei, nomeadamente garantindo aos trabalhadores os seus postos de trabalho e a sua antiguidade?
O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Gostaria ainda de saber o que é que o Governo vai fazer para combater o
dumping neste tipo de concursos, porque não é normal que quem está a trabalhar para o Estado esteja também a trabalhar para empresas que, pura e simplesmente, não cumprem a lei.
Aplausos do BE. O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Martins, a questão que coloca é uma
questão de fiscalização geral das relações de trabalho e foi por isso que, ao longo da última Legislatura, procurámos reforçar a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), designadamente em relação aos planos de inspeção sobre as áreas onde há uma maior predominância de situações de precariedade.
Relativamente à contratação externa pelo Estado desse tipo de serviços, temos vindo a trabalhar no sentido de os voltar a internalizar, designadamente encontrando aqui uma boa solução para a utilização de agentes das forças de segurança cuja condição física desaconselha o desempenho de atividade policial normal e que, mantendo o seu vínculo e o seu estatuto, podem assim desempenhar funções compatíveis com a sua condição física e com as necessidades permanentes do Estado em muitos desses serviços. É isto que temos procurado fazer.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa. O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, queremos começar a nossa
intervenção manifestando o nosso repúdio e condenação por qualquer expressão de racismo. Portugal não é um país racista mas há em Portugal quem o promova. A luta antirracista faz parte da história
do PCP mas também é parte da sua luta presente, por isso não pouparemos esforços para que o racismo seja combatido e erradicado em todas as suas expressões não só por obrigação constitucional, mas por exigência democrática.
Aplausos do PCP, do PS e do Deputado do PSD Duarte Marques. Sr. Primeiro-Ministro, um estudo da CES — Centro de Estudos Sociais — tornado público a semana passada,
mostrou que os trabalhadores portugueses ainda não conseguiram recuperar o poder de compra que tinham com os seus salários no início da década que passou, reforçando o que temos colocado como imperativo, ou seja, que a valorização dos salários é uma emergência nacional.
É uma emergência que exige, como o PCP tem defendido, o aumento dos salários para todos os trabalhadores, a valorização das profissões e das carreiras e, desde logo, o aumento do salário mínimo nacional para 850 €, no quadro da valorização geral dos salários, com o aumento de 90 € por trabalhador, seja do setor privado, seja do setor público, como temos assinalado.
O que temos defendido é perfeitamente comportável pela economia portuguesa e era um estímulo à sua modernização.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Aliás, informo o Sr. Primeiro-Ministro que muitos destes objetivos já
foram alcançados em muitas empresas e setores. O Sr. Primeiro-Ministro: — Pois já! O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — É preciso reconsiderar a insuficiência das medidas tomadas até hoje,
desde logo, dando o exemplo na Administração Pública, indo mais longe na recuperação de cerca de 10 anos de salários congelados. Tal como é preciso ir mais longe com o descongelamento da progressão nas carreiras e na sua valorização e dignificação.
O que o Governo avançou em matéria de valorização salarial não faz a justiça que é devida aos trabalhadores da Administração Pública e não basta, tão pouco, para repor o valor dos salários perdidos.
Sr. Primeiro-Ministro, é aceitável que se continue a prolongar esta injusta situação ou vai o Governo sair da sua recuada e rígida posição e abrir-se finalmente a uma solução do problema na negociação com os respetivos sindicatos?
Em relação ao setor privado, vamos continuar a ficar apenas por apelos genéricos ou agir para garantir que a riqueza criada seja justamente repartida e com medidas concretas, nomeadamente reconhecendo que a não recuperação do valor dos salários reais é também, e muito, o resultado da desregulação laboral, da precariedade e do bloqueio da contratação coletiva — problemas que não estão resolvidos?
Sr. Primeiro-Ministro, nesta matéria há de concordar que temos muito para avançar. Aplausos do PCP. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, disse, e bem, que, fruto do
desbloqueamento da contratação coletiva e das portarias de extensão, em muitas empresas e em muitos setores de atividade já foram alcançados esses objetivos.
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Não obstante o quadro legal, a verdade é que hoje já temos mais do dobro de trabalhadores cobertos por instrumentos de regulamentação coletiva do que tínhamos há quatro anos. Mas isto também significa que é necessário prosseguir esta trajetória e é por isso que, em sede de concertação social, estamos a negociar um acordo de médio prazo que tem um objetivo muito preciso: a recuperação do peso dos salários no produto interno bruto (PIB) para valores anteriores aos da crise.
Ora, esse é um esforço de diálogo social que temos de fazer e onde o papel das centrais sindicais é essencial. Temos estado a fazer um esforço, creio que tripartido, para que possamos obter estes resultados que é muito importante alcançar.
Como sabe, houve uma grande evolução no salário mínimo nacional e perspetivamos continuar a fazer essa evolução sustentada, ao longo desta Legislatura. Mas a verdade é que essa evolução do salário mínimo não tem sido acompanhada pela evolução do salário médio. E isso coloca-nos bastante acima, quando a União Europeia refere que o salário mínimo deve ser, pelo menos, 60% do salário médio, não por o salário mínimo ser alto, mas por o salário médio ser baixo.
Por isso, temos de prosseguir esse esforço, em sede de concertação social, como é necessário prossegui-lo em sede de negociação coletiva e também através dos acordos de empresa.
No que diz respeito à Administração Pública, a evolução salarial tem sido muito significativa, desde logo, por via do descongelamento das carreiras. Assim, este ano, iremos concluir esse processo e, só por via do descongelamento das carreiras, isso significará um aumento de 2,9% no conjunto da massa salarial. Repito: 2,9% no conjunto da massa salarial.
Acresce que, no ano passado, fizemos uma valorização específica dos vencimentos dos assistentes operacionais, colocando-os 35 € acima daquilo que era o salário mínimo nacional. A trajetória que temos prevista vai necessariamente forçar uma valorização significativa dos vencimentos no conjunto da Administração Pública, para além daquilo que é a mera atualização anual.
Mas não devemos desvalorizar a importância extraordinária que tem o facto de termos resposto este ano, com garantia de continuidade no próximo ano e em todos os anos até ao final desta Legislatura, esse princípio fundamental que é o da atualização anual do vencimento dos trabalhadores da função pública.
Sr. Deputado, não se menorize esse passo, porque sabemos bem que, desde o ano 2000, só em 2009, e creio que em 2002, houve atualização anual do vencimento dos trabalhadores — e foram as exceções que confirmaram a regra. E, desta vez, não se trata da exceção para confirmar a regra, vamos introduzir mesmo a regra. Por isso, o que propusemos aos sindicatos foi que atualizássemos já 2020 e que, simultaneamente, houvesse um compromisso para 2021 de atualização dos salários de acordo com a inflação esperada, garantindo o Governo que não haverá um aumento menor a 1%, se a inflação for menor, e que acompanhará a inflação, se ela vier a ser superior a 1%.
Esta é uma mudança estrutural no relacionamento do Estado com os seus funcionários e não podemos, nem devemos, desvalorizar essa mudança.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, do PCP. O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, tenha atenção que, se não
existirem aumentos salariais para todos, será uma injustiça e os problemas vão inevitavelmente aumentar! Aplausos do PCP. Sr. Primeiro-Ministro, permita-me regressar a um tema já aqui abordado, em que fomos confrontados com a
decisão do Governo de renovação da gestão clínica da PPP do Hospital de Cascais. Como, na altura, o PCP referiu, consideramos essa uma decisão inaceitável e que em nada vai favorecer o
Serviço Nacional de Saúde e a prestação de cuidados de saúde aos portugueses. E é tanto mais inaceitável quando foram públicas as insuficiências e procedimentos inadmissíveis que, ao longo de anos, se registaram naquele hospital. Ou será que, na decisão agora tomada, não foram tidos em conta os procedimentos denunciados na altura?
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O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Falamos em problemas que se registaram na PPP do Hospital de
Cascais, mas também nas PPP dos Hospitais de Braga, de Vila Franca de Xira e de Loures. Mas se a decisão é um passo na direção contrária do que seria, e é, exigível na defesa do SNS, há uma
preocupação maior: o facto de estarmos a cerca de dois meses do limite temporal da apresentação de um decreto-lei sobre a gestão pública, a que o Governo está obrigado, no seguimento da aprovação da Lei de Bases da Saúde. Quero ainda lembrar-lhe que, da nossa parte, esta questão foi decisiva para o nosso voto favorável.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! O Sr. André Ventura (CH): — Sim, sim! O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — O que lhe pergunto é: qual é a pressa em avançar com esta decisão e
não esperar pela discussão, na Assembleia da República, do decreto-lei referido anteriormente? O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Primeiro-Ministro, o problema está em saber se o reforço do papel
dos privados na saúde, assim como o aumento da promiscuidade entre o público e o privado que estas PPP alimentam, para além de consumir importantes meios financeiros do Estado, ainda coloca sérios entraves à resolução dos problemas com que o SNS se confronta. Isto é, ou não, verdade, Sr. Primeiro-Ministro?
Aplausos do PCP. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, no Serviço Nacional de Saúde,
temos 114 hospitais, dos quais quatro estavam em regime de PPP. O que decidimos fazer na anterior Legislatura foi avaliar o conjunto dessas PPP. Em função desse resultado, elas seriam ou não renovadas.
Por avaliação ou por decisão dos próprios parceiros privados, já foi decidido que dois desses hospitais não continuarão a ser geridos em regime de PPP, a saber: o Hospital de Braga, cuja gestão já está integrada no Serviço Nacional de Saúde, e o Hospital de Vila Franca de Xira, cuja gestão está em processo de integração no Serviço Nacional de Saúde.
Sobram, por isso, em 114, dois hospitais que estão a ser geridos em regime de PPP. Desses dois, a decisão que já tinha sido tomada relativamente ao Hospital de Cascais era a de haver um novo procedimento concursal — não a mera renovação do contrato, mas a celebração de um novo contrato, com base num novo processo. Foi uma decisão de 2017, concretizada em 2018. Portanto, estamos simplesmente a proceder à execução de uma decisão anterior à Lei de Bases da Saúde, pelo que decorre no seu calendário normal.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Vou já concluir, Sr. Presidente. Relativamente ao Hospital de Loures, a decisão tinha de ser tomada agora, porque tem de ser tomada com
dois anos de antecedência e, portanto, ainda no mês de fevereiro. Obviamente, isso não contradiz em nada a regulamentação da Lei de Base da Saúde, que se fará no
calendário previsto e cujo prazo-limite é em maio deste ano, prazo esse que naturalmente será cumprido. Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do CDS-PP.
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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, em primeiro lugar, gostava de
cumprimentá-lo e, depois, respondendo ao PS, que disse que queria falar aqui do que realmente importa à vida dos portugueses, antes de se lançar num discurso sobre um verdadeiro «País das Maravilhas» — acho que só por coincidência encontrarão lá vestígios de Portugal! —, de que o Sr. Primeiro-Ministro se apressou a ficar com os méritos, gostava de lhe falar de um assunto que interessa realmente aos portugueses.
Quem ouvisse as perguntas que lhe fizeram até aqui, ficaria com a ideia de que o que mais importa em relação aos hospitais é quem os gere. Ora, gostava de lembrar uma coisa que me parece óbvia: os hospitais não existem para ser geridos, os hospitais existem para prestar cuidados de saúde aos doentes, a quem deles precisa.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem! Protestos do PCP. A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Portanto, a prioridade, no que toca aos hospitais, são os doentes;… O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente! A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … a prioridade não é a natureza pública ou privada de quem os gere.
Ou seja, por outras palavras, a prioridade são os doentes, não é a ideologia, nem os preconceitos ideológicos de alguns partidos.
Vozes do CDS-PP: — Muito bem! Protestos do Deputado do PCP João Oliveira. A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Assim sendo, Sr. Primeiro-Ministro, gostava de lhe fazer algumas
perguntas para perceber qual tem sido, afinal, o fio condutor do Governo nesta matéria. É que, repare, no que toca ao Hospital de Braga e ao Hospital de Vila Franca de Xira, o Governo tomou uma
decisão muito diferente da que agora vem tomando em relação ao Hospital de Cascais. No caso da PPP do Hospital de Braga, uma PPP com resultados muito bons, excelentes em algumas áreas no que toca aos cuidados de saúde, com vários estudos, pedidos pela ARS (Administração Regional de Saúde), pela Universidade Católica e pela UTAP (Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos), apontando para rigor e boa execução nos recursos que são de todos, ou seja, perante uma PPP que oferecia melhores cuidados de saúde do que hospitais equivalentes ou semelhantes, gastando menos do que hospitais equivalentes ou semelhantes, o Sr. Primeiro-Ministro decidiu que ela não devia renovar-se e que não devia haver concurso nenhum.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Mau! Mas sempre quer falar de gestão?! A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O que lhe pergunto é por que razão, aos olhos do Sr. Primeiro-Ministro,
os doentes em Braga mereceram menos cuidado e atenção do que os doentes em Cascais. Aplausos do CDS-PP. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, aproveito para saudá-la. Julgo
que este é o último debate que travaremos na sua qualidade de líder parlamentar. Quero, por isso, agradecer-lhe pela forma tão frutuosa como estes debates decorreram e desejar que continue a exercer o seu mandato com o garbo e a alegria que sempre nos habituámos a apreciar em si.
Sr.ª Deputada, em primeiro lugar, não vivemos em nenhum«País das Maravilhas», nem eu me chamo Alice.
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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Mas parece! Risos do CDS-PP. O Sr. Primeiro-Ministro: — Por isso, Sr.ª Deputada, lamento dizer-lhe, mas não é essa a visão. Agora, o
não vivermos no «País das Maravilhas» não nos faz ignorar a realidade. E a realidade que existe é esta, goste, ou não goste, a Sr.ª Deputada: estamos a crescer mais do que a média europeia e, pela primeira vez, desde que aderimos ao euro, em 2017, 2018 e 2019, estamos a voltar a convergir com a União Europeia. Sim, esta é uma grande mudança que não posso deixar de sublinhar.
Relativamente aos hospitais, isso está fora de causa, a função dos hospitais, como de qualquer estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde, é tratar dos doentes. E, para tratarem bem dos doentes, é necessário serem bem geridos, daí que a modernização da sua gestão seja importante. Por isso, no Orçamento do Estado para este ano e no Plano de Melhoria de Resposta do Serviço Nacional de Saúde, que foi aprovado, não só prevemos a maior dotação de sempre do Serviço Nacional de Saúde, como, conscientes de que não basta pôr dinheiro em cima dos problemas, introduzimos duas medidas de gestão da maior importância: uma, a generalização das unidades de saúde familiar (USF) para podermos ter melhores cuidados primários de saúde; e, outra, a introdução de Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) nas unidades hospitalares para podermos ter melhores formas de gestão dentro dos estabelecimentos hospitalares.
Relativamente às PPP, ao contrário do que possa parecer, não temos um preconceito, temos, simplesmente, uma decisão política, que consta da Lei de Bases da Saúde e do Programa do Governo. A que consta da Lei de Bases está, como sabe, na Base 6, e no Programa do Governo está dito que não faremos novas PPP nos hospitais onde atualmente elas não existem.
Aplausos do PS. O que é que aconteceu relativamente ao Hospital de Braga? O que aconteceu foi que não obstante termos
dito que, sendo a avaliação positiva, estávamos disponíveis para fazer uma nova, o concessionário entendeu que não queria continuar. E, assim, integrámos o Hospital de Braga no Serviço Nacional de Saúde.
Os utentes de Braga vão ser mais mal servidos? Não, têm o direito a ser tão bem ou melhor servidos, porque não há razão alguma para a gestão pública ser pior do que a gestão privada.
É assim que a queremos. Queremos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde bem geridos para servir bem os utentes do Serviço Nacional de Saúde.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles. Faça favor, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, queria, em primeiro lugar,
agradecer as suas palavras. É, de facto, a última vez que, na qualidade de líder parlamentar, uso da palavra num debate quinzenal e folgo saber que achou a relação frutuosa. Mais frutuosa teria sido se tivesse respondido sempre às minhas perguntas, pelo que vou aproveitar esta vez porque já percebi que estou em maré de sorte.
Em relação ao Hospital de Braga, confesso que não percebi. É que o Sr. Primeiro-Ministro disse que o concessionário não queria continuar, mas quando se abre um concurso para uma concessão, não se sabe, à partida, quem é o concessionário que fica, e não é preciso ficar o mesmo.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Claro! A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — E quanto às pessoas de Braga terem direito a bons serviços de saúde,
não tenho dúvida nenhuma de que têm, Sr. Primeiro-Ministro, tenho é dúvidas de que os vão ter. Até porque, devo dizer-lhe, conheci o Hospital de São Marcos no tempo em que a gestão era pública, conheci-o depois, em regime de PPP, e receio que, agora, os resultados desta decisão se vão sentir.
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O que não percebo é o seguinte: se o Sr. Primeiro-Ministro não tem qualquer preconceito ideológico em relação às PPP e se a PPP no Hospital de Braga funcionava, e bem, porque é que, pura e simplesmente, não abriu um concurso e deixava as coisas continuarem como estavam, com este ou com outro concessionário?
Aplausos do CDS-PP. O Sr. Presidente: — O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, isso não aconteceu pela razão
essencial de que, quando foi concluída a avaliação, por um lado, não havia tempo para a abertura de um novo concurso e, por outro, o concessionário não quis alterar o contrato, o que não era possível sem um novo concurso. Não havendo tempo de abrir um novo concurso, aquilo que foi feito foi o que devia ser feito, a integração no Serviço Nacional de Saúde, com a responsabilidade que agora temos de o gerir tão bem ou ainda melhor do que era gerido anteriormente.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles. A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Primeiro-Ministro, mas ainda vai a tempo. É que se a questão é
essa, ainda vai a tempo de abrir um concurso. Aplausos do CDS-PP. O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, é um problema que está ultrapassado. A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não é bem assim! O Sr. Primeiro-Ministro: — Está integrado e assim vai prosseguir. Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles. A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, está ultrapassado para si, mas
para quem precisa de ir ao Hospital de São Marcos, em Braga, acho que não está nada ultrapassado e ainda teremos de voltar a este assunto.
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Muito bem! A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ainda em relação à saúde, e porque nem sempre as discussões mais
mediáticas são aquelas que mais contam, gostava de lhe deixar aqui algumas perguntas sobre cuidados paliativos que são, como sabe, cuidados prestados a doentes em situação de fim de vida ou em situação muito difícil.
Naturalmente que a situação destes doentes, qualquer que seja o Governo, será sempre difícil, penosa, não duvidamos disso. Mas convém perceber aquilo que fazemos para evitar sofrimento desnecessário, sobretudo para evitar o sofrimento em fim de vida que pode ser evitado.
Gostava de lhe deixar alguns números e, com serenidade, perguntar-lhe o que é que o Governo pensa fazer acerca deles. Em 2018, cerca de 102 000 doentes adultos precisaram de cuidados paliativos, mas só 25% tiveram acesso a estes cuidados; cerca de 8000 crianças precisaram de cuidados paliativos, mas só 80 crianças
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conseguiram ter acesso aos cuidados paliativos de que precisavam. Num setor que precisa de 496 médicos há apenas, em Portugal, 66; num setor que precisa de 2384 enfermeiros, em Portugal, há apenas 243.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua. A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Com certeza, Sr. Presidente. A mediana do tempo de dedicação semanal foi de menos de 45 minutos na medicina, menos de três quartos
de hora. Pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, o que é que o Governo pode fazer para evitar o sofrimento que pode ser
evitado com cuidados paliativos de qualidade? Aplausos do CDS-PP. O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, como se recorda, na anterior
Legislatura, tomámos um conjunto de medidas, desde a integração dos cuidados paliativos pediátricos à isenção das taxas moderadoras, passando, sobretudo, pela aprovação do Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos para o biénio 2017-2018 e agora para 2019-2020.
Cumprimos o biénio anterior e estamos a cumprir o atual biénio. E é por isso que, ao longo deste ano, iremos alargar o número de camas dos cuidados paliativos em até 800, iremos dar início a 10 unidades de dia e de promoção de autonomia e iremos alargar as respostas das equipas domiciliárias.
Iremos, ao longo deste ano, criar mais 10 equipas comunitárias nos diferentes ACE (Agrupamentos de Centros de Saúde), permitindo assegurar uma cobertura de 63%. Vamos abrir unidades de cuidados paliativos nos hospitais universitários e no IPO (Instituto Português de Oncologia) de Lisboa.
Portanto, este é o programa que iremos executar este ano, dando assim continuidade à execução do plano estratégico que aprovámos e que vamos continuar a executar, de forma a alargar e a melhorar os cuidados paliativos prestados a quem deles necessita.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Cecília Meireles, queria, evidentemente, associar-me às palavras que
lhe foram dirigidas pelo Sr. Primeiro-Ministro, dizendo-lhe também que, para um Deputado, há mais vida além dos debates com o Sr. Primeiro-Ministro, parafraseando o que disse um grande português.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Isto é uma cena de ciúmes! O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para formular perguntas ao Sr. Primeiro-Ministro, a Sr.ª Deputada Inês
Sousa Real, do PAN. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr.
Primeiro-Ministro, gostaria, antes de mais, de me associar às palavras de repúdio ao racismo e aos factos que originaram a saída de campo por parte de Marega, um futebolista que, justamente, deu voz e, de alguma forma, se traduziu no rosto não só contra o racismo mas também contra a violência nos jogos de futebol. Isso é algo que nos deve convocar a todos para trazermos a esta Assembleia a discussão, em concreto, sobre legislação.
Sr. Primeiro-Ministro, a cada dia, a cada notícia em Portugal verificamos que há um crescendo de violência. Sabemos que é um fenómeno complexo, que se manifesta em diferentes vetores e que tem sido, de facto, crescente na nossa sociedade. Esta sociedade está vulnerável, está exposta a estas matérias seja nos discursos de ódio ou nos comportamentos de pura intolerância. Isso é algo que nos tem levado até a situações-limite de vermos profissionais de saúde a serem agredidos em hospitais no exercício das suas funções, de professores e assistentes a serem vítimas de encarregados de educação e de alunos ou, ainda, de magistrados a serem
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atacados pelas partes em processos e, mais recentemente — no caso, que não é inédito, do jogador Marega —, de atletas a serem ofendidos na sua dignidade a ponto de deixarem, e bem, de competir.
Cada uma destas manifestações encerra, em si mesma, uma falha coletiva, que tem permitido não apenas a ascensão de sentimentos de insegurança seja nas ruas, seja nos contextos que há pouco referi, mas também o sentimento de impunidade nos criminosos.
É igualmente grave que aqueles que, com o seu discurso, têm «viralizado» o ódio, a discriminação e a violência sejam tidos, por uma parte da população, como a solução do problema.
Nesse sentido, Sr. Primeiro-Ministro, porque nos parece que é urgente estancarmos esta hemorragia que é a violência, gostaríamos de saber o que é o Governo considera relevante e o que é que está a fazer nesta matéria. Isto porque consideramos que seria fundamental existir uma estratégia nacional de prevenção integrada da violência, que acompanhe todos os contextos de vida, e porque também defendemos a necessidade de elaborar um plano estratégico operacional que dê resposta a estas problemáticas.
Assim, o que lhe perguntamos muito diretamente é: que estratégias está o Governo disponível a implementar, para garantir uma sociedade menos exposta às diferentes manifestações de violência e, no caso em particular do racismo e da violência no futebol, o que é que está disponível para fazer?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, acho que é preciso termos um
pouco de memória. Na Legislatura anterior, começámos a atacar este problema de uma forma estruturada, em primeiro lugar, em 2018, criando a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto.
Ainda em setembro passado, foi publicada uma nova legislação, aprovada nesta Assembleia da República por todas as Sr.as e Srs. Deputados — só com a abstenção do PCP e do PEV —, que institui um novo quadro legal, parte do qual, aliás, só entrará em vigor na próxima época desportiva. Portanto, não podemos estar sempre a fazer de conta que estamos a partir do zero. Temos de partir da memória do trabalho que fizemos.
Então, os Srs. Deputados acabaram de aprovar uma lei, que foi publicada em setembro, da qual uma parte ainda não está em vigor, e já estão a pensar em fazer uma nova?!
Aplausos do PS. Sr.ª Deputada, acho que, para já, o que temos a fazer é dar cumprimento à legislação que acabou de ser
aprovada e pôr as instituições a funcionar. Houve um caso absolutamente lamentável, unanimemente condenado na sociedade portuguesa — enfim,
quase unanimemente condenado na sociedade portuguesa! —, que despertou este debate. E é muito importante que assim tenha sido, porque, mais importante, muitas vezes, do que aquilo que está na lei é todos ganharem a consciência de que há comportamentos que, por mais normalizados que possam parecer, são absolutamente inaceitáveis, são intoleráveis. E a reação do jogador Marega, nessa matéria, foi exemplar do ponto de vista cívico!
Aplausos do PS. Mas o que temos de fazer e o que os clubes têm de fazer é aquilo que está previsto na lei. E o que está
previsto na lei é haver programas concretos, dirigidos ao respetivos associados, aos respetivos adeptos, nas diferentes modalidades, para haver um combate ativo a todas as formas de violência e de racismo.
Mas devo dizer-lhe que há algo que é absolutamente essencial que é também os senhores dirigentes desportivos terem muito cuidado na forma como se dirigem, em geral e regularmente, aos seus adeptos, aos seus apoiantes. Isto porque sabemos que o desporto é uma atividade de paixão, mas se andarmos a acender paixão, arriscamo-nos simplesmente a atear fogos…
O Sr. Duarte Marques (PSD): — Nem mais! Muito bem! O Sr. Primeiro-Ministro: — … que, depois, são muito difíceis de controlar.
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Aplausos do PS. O Sr. Jorge Costa (BE): — Há quem seja pago para isso! O Sr. Primeiro-Ministro: — Há uma enorme responsabilidade na forma como o discurso de ódio, de
intolerância, é muitas vezes alimentado. Acho que os dirigentes desportivos deviam olhar com muita atenção para um comportamento bastante
exemplar que, em particular, os treinadores de futebol têm vindo a ter que é o de ir colocando a paixão onde ela deve estar, que é dentro do campo, e a razão e a civilidade no comportamento de todos aqueles que assistem aos espetáculos desportivos.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra a Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, do PAN. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Primeiro-Ministro, os exercícios de memória, infelizmente, não
chegam quando falamos de vítimas não apenas no contexto futebolístico, mas nos exemplos que dei. E precisamos, efetivamente, de ter uma estratégia e de ter mais operacionais no terreno, para que exista uma cultura de segurança.
Posto isto, gostaria de lhe falar aqui num outro tema, relativamente ao ambiente e à proteção da qualidade de vida, sadia e humana. Numa altura em que ouvimos, com alguma perplexidade, as palavras do Sr. Secretário de Estado das Comunicações, a propósito do aeroporto do Montijo, dizendo que os pássaros não são estúpidos e que é possível que se adaptem, Sr. Primeiro-Ministro, quero dizer-lhe que nós também não somos. Portanto, nem os pássaros, nem o ser humano têm de se adaptar à falta de qualidade de vida, nomeadamente à poluição.
Por isso mesmo, gostaria de lhe trazer aqui um tema em que o PAN tem sido insistente e que é uma realidade que também não vem nos roteiros turísticos.
Ouvimos, há pouco, falar na opção da linha circular do metro, mas não temos falado suficientemente da opção de não restringir, seja em que medida for, os terminais de cruzeiros e o tráfego marítimo nas zonas das cidades.
Referimo-nos à pegada ecológica dos navios de cruzeiro e ao impacto que estes têm, nomeadamente nas cidades. Numa altura em que, precisamente, Lisboa se prepara para aumentar — e bem! —, por exemplo, as áreas de restrição ao tráfego automóvel, já depois de terem sido anunciadas mais zonas pedonais e cicláveis, não se percebe como pode tal atividade permanecer intocável, não havendo qualquer restrição.
Sr. Primeiro-Ministro, pelos vistos já percebemos que há aqui alguma alusão ao que possa ser a capacidade de senciência dos animais. Resta-nos saber se o Governo conhece ou não os reais impactos nocivos que têm os navios de cruzeiro e se estamos mesmo a condicionar a vida de quem cá vive, para depois permitir tudo a quem vem passear e visitar as nossas cidades.
Se não tem conhecimento, deixo-lhe estes dados: Lisboa foi o porto europeu com maior tráfego de navios. Enquanto isso, em cidades como Veneza já foram proibidos os cruzeiros com mais de 1000 toneladas, sendo que, em 2020, Itália irá reduzir o tráfego de cruzeiros em 33%.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Vou já concluir, Sr. Presidente. Tendo em conta este impacto, gostaríamos de perguntar se o Governo tenciona ou não reduzir o impacto
ambiental da atividade turística de cruzeiro no nosso País. É que, quanto a isso, vamos a tempo, não se podendo o mesmo dizer em relação ao Montijo. Entretanto, continuamos aqui com opções de mera maquilhagem ambiental.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro.
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O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, há um ponto em que estamos de acordo: é um ato de inteligência adaptarmo-nos para combater as alterações climáticas e é isso que também os portos têm de fazer.
É por isso que, designadamente, o porto de Lisboa tem em preparação um concurso para poder adaptar, em particular, o terminal de cruzeiros, de forma a assegurar que os navios em porto não sejam produtores de emissões e, pelo contrário, possam abastecer-se com a energia fornecida pelo porto. É uma forma inteligente de adaptação, para que possamos continuar a ter os benefícios económicos da atividade de cruzeiros, sem ter os impactos ambientais negativos de manter navios a funcionar em porto, consumindo desnecessariamente energia e, pior, emitindo gases que temos de eliminar, para podermos descarbonizar também a economia.
O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, tem de terminar. O Sr. Primeiro-Ministro: — Termino, Sr. Presidente. O ato de inteligência é descarbonizar a atividade de cruzeiros, não é proibir a atividade de cruzeiros. Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para formular perguntas, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os
Verdes. O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, permita-me que me associe também
ao que aconteceu com o atleta Marega e que não é, infelizmente, caso único, porque já aconteceu noutros estádios e com outros atletas, para dizer que se trata de mais uma prova, de mais um testemunho de que a xenofobia, o racismo e a discriminação andam por aí e já não é em silêncio.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem! O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Por isso exige-se um combate sério e determinado para, no futuro, não
voltarmos a viver episódios desta natureza, que não só são lamentáveis, são, também, «sem mas, nem meio mas», de todo, absolutamente condenáveis.
O racismo não está apenas fora de jogo. O racismo também está fora do nosso quadro constitucional, por isso, tem de ser combatido com toda a determinação.
Aplausos do PEV, doBE e do PCP. Sr. Primeiro-Ministro, começando agora as perguntas, Portugal, como certamente saberá, não dispõe de
legislação específica que acautele a proteção dos solos, o que significa que a sua contaminação continua a ser um problema grave. E porquê? Porque a lei ProSolos, que visa estabelecer o regime jurídico da prevenção da contaminação dos solos, continua, sem se perceber muito bem porquê, sem ser publicada.
Recordo que o período da consulta pública terminou em novembro de 2015. Chegados ao dia de hoje, quase cinco anos após a consulta pública, o País continua a aguardar a publicação de uma lei que dê resposta a um conjunto de problemas.
É verdade que este diploma não resolveria tudo, mas, ainda assim, viria preencher uma monumental lacuna no plano legislativo e poderia, aliás, evitar casos como aqueles a que temos vindo a assistir.
Em primeiro lugar, foram as obras de expansão do Hospital CUF Descobertas, no Parque das Nações, onde havia solos contaminados por hidrocarbonetos. Sucede que só depois de a polémica estar instalada é que tanto a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) como a CCDR (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional) acordaram para o problema, quando grande parte dos solos contaminados já não estava no local.
Agora, temos o caso das obras de ampliação da Fundação Champalimaud, em Pedrouços, que foram suspensas devido à existência de solos contaminados, mas, mais uma vez, só a meio das obras foram realizadas as análises que indicaram a contaminação por hidrocarbonetos, sem que tenha havido, previamente, um plano de descontaminação.
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Sr. Primeiro-Ministro, aquilo que pergunto é o seguinte: que motivos justificam este impasse? Por que é que a lei ProSolos não foi ainda publicada? O que se passa com esta lei e quando será feita a sua publicação?
Aplausos do PEV e de Deputados do PCP. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, só posso acompanhá-lo na sua preocupação. Não
obstante o esforço que a APA tem feito para elaboração de atlas, de guias técnicos e de recomendações, essa lei é uma lacuna. No programa legislativo do Governo para este ano está, precisamente, o preenchimento dessa lacuna e a produção do diploma sobre a qualidade dos solos.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira. O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, devo concluir que o Governo deixou
cair a lei que foi objeto de consulta pública em 2015? O Sr. Primeiro-Ministro: — Não, não! O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — É para este ano, então? OK. Outro assunto, Sr. Primeiro-Ministro: cerca de 40 trabalhadores das várias sociedades Polis e também do
seu gabinete coordenador continuam a viver na incerteza, porque continuam a viver numa situação precária do ponto de vista laboral, apesar de darem resposta a necessidades permanentes dos serviços.
Esta é uma situação que contraria não só uma recomendação aprovada pela Assembleia da República mas também um compromisso assumido pelo Governo. Publicamente, numa resposta dada a Os Verdes a uma pergunta escrita, dizia o Ministério do Ambiente e Transição Energética: «No âmbito da preparação do mapa de pessoal da APA para 2019 foi considerado o incremento de postos de trabalho, tendo em vista a integração de trabalhadores das diversas sociedades Polis». Pois, sim! Passou o ano de 2019 e nada!
Ora, uma vez que a lei do Orçamento para 2020 concretiza a extinção destas sociedades durante este ano, importava que os trabalhadores tivessem a garantia do Primeiro-Ministro…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir. O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Vou terminar, Sr. Presidente. Como estava a dizer, importava que os trabalhadores tivessem o compromisso do Primeiro-Ministro quanto
à integração nos quadros da Agência Portuguesa do Ambiente, porque, se assim não for, teremos de concluir que a resposta do Ministério do Ambiente e Transição Energética era só conversa.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, acho que concluir que era só conversa é um
bocado exagerado, mas tem sido objeto, efetivamente, de muita conversa dentro do Governo a identificação de quais são as funções que correspondem a necessidades permanentes e que geram integração e as que, não correspondendo a necessidades permanentes, não geram o dever de integração.
Essa conversa, efetivamente, não está ainda concluída. Como sabe, foi isso que justificou a não aprovação de uma proposta que o PEV apresentou no quadro do debate orçamental. O esforço que estamos a fazer vai no sentido de que essa conversa possa ser concluída em tempo útil, para que se possa proceder à integração daqueles que correspondem a necessidades permanentes, efetivas, por parte da APA.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: — É a vez do Sr. Deputado André Ventura, do Chega. Tem a palavra. O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, é um pouco contraditória a versão do
«País das Maravilhas» apresentada pela líder parlamentar do Partido Socialista, quando, ainda hoje, como ontem, soubemos que mais uma pessoa morreu à espera de consulta, em Beja, depois de outra em Lamego. Portanto, continuamos num «País das Maravilhas» que ninguém percebe de onde vem.
Mas queria perguntar-lhe sobre isto, Sr. Primeiro-Ministro: o Chega teve hoje acesso a uma fatura de dívida, que não é inventada por ninguém. Sabe o que é isto, Sr. Primeiro-Ministro?
Neste momento, o orador exibiu um documento. É a dívida da luz da GNR (Guarda Nacional Republicana). A dívida da luz! Sabe quanto é? É de 700 000 €
e está em risco de ficar sem luz. Sr. Primeiro-Ministro, qual é o «País das Maravilhas» em que não há dinheiro para pagar a luz da GNR?!
Meu Deus! Protestos do PS e risos do BE. Qual é o «País das Maravilhas» em que há um e-mail — e não diga que é mentira, senão mando-lho para o
seu gabinete, hoje à tarde — a dizer que, se a GNR não pagar, fica sem luz?! Portanto, explique-nos lá onde está o «País das Maravilhas». O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, muito obrigado, agradeço que mo envie. Mas há
uma coisa que posso garantir-lhe: a GNR não só não ficará sem luz, como continuará a iluminar a vida dos portugueses.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Deputado André Ventura. O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, fico contente que brinque com a dívida
da luz da GNR. Espero que consiga, mais logo, responder, pelo menos, a isto: é ou não verdade que a GNR está em risco de ficar sem luz?
Risos do PS e do BE. Acho que é um pouco grave para se brincar com uma situação destas, mas o Sr. Primeiro-Ministro saberá o
que fazer. Sr. Primeiro-Ministro, gostava de perguntar-lhe isto, porque acho que é uma questão política e não uma
questão que foge ao âmbito da política: Tancos. Sr. Primeiro-Ministro, foram publicadas, na página da Presidência do Conselho de Ministros, as respostas
que o Sr. Primeiro-Ministro, alegadamente, terá dado no inquérito judicial. É sabido que o juiz de instrução enviou para o Ministério Público uma certidão para investigação de eventual violação do segredo de justiça. Sabemos que a relação com o segredo de justiça não é a mais forte, mas há uma coisa que quero perguntar-lhe: o Sr. Primeiro-Ministro já respondeu a dizer «não tive o domínio dos factos» — penso eu, foi o que li na imprensa. O Sr. Primeiro-Ministro é o Primeiro-Ministro de Portugal, lidera o Conselho de Ministros e é publicado na página do Conselho de Ministros…
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O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Deputado, peço-lhe para concluir. O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Como estava a dizer, é publicada na página do Conselho de Ministros uma resposta sua a um inquérito que
está sob segredo de justiça. Qual é a sua responsabilidade política nisto, Sr. Primeiro-Ministro? Se é que ela existe, porque é gravíssimo que isto aconteça numa altura destas.
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Não teve tempo para falar do racismo! O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, achei estranho que, depois de ter andado dois
dias a dizer que eu era hipócrita, agora, cara a cara, não tenha dito nada sobre essa matéria. Aplausos do PS e de Deputados do BE. Protestos do CH. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Duarte Cordeiro): — Falta a coragem! O Sr. Presidente: — Peço-lhe para continuar, Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — O importante é que ficámos entendidos sobre a sua frontalidade. O Sr. André Ventura (CH): — Claro! O Sr. Primeiro-Ministro: — Quanto a essa matéria, nunca referi o que diz que eu disse na comunicação
social. Mas, se o senhor acredita em tudo o que lê na imprensa, faz mal,… O Sr. André Ventura (CH): — Apareceu na imprensa! O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Só lê o Correio da Manhã! O Sr. Primeiro-Ministro: — … porque, designadamente, a imprensa passa o tempo a citá-lo a si e sabemos
que, raras vezes, quando o cita a si, cita a verdade. Aplausos do PS. Portanto, é bom que não se habitue a tomar as minhas palavras por aquilo que é dito na comunicação social. O Sr. André Ventura (CH): — Tem ali os jornalistas! O Sr. Primeiro-Ministro: — Quanto ao mais, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que, sobre essa história toda, em
primeiro lugar, creio que o segredo de justiça morre na fase de inquérito. Protestos do Deputado André Ventura, do CH. Fiquei, aliás, tranquilo por saber que, chegada a fase em que divulguei as respostas, que já estavam a circular
parcialmente, sobre esse processo em instrução, esse processo não era objeto de qualquer tipo de segredo. Depois de ter visto publicadas as perguntas que me foram dirigidas, parcialmente as respostas que tinha dado e até uma notificação ao Conselho de Estado, com quase 10 dias de antecedência de o ofício ter chegado ao Palácio de Belém, é muito curioso que houvesse segredo.
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Aplausos do PS. O Sr. André Ventura (CH): — Então divulgou! O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal. O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo,
já vimos que o Sr. Primeiro-Ministro, hoje, trouxe os seus óculos cor-de-rosa e, nesta «nau Portugal», está no alto da gávea, já nem consegue ver bem cá para baixo, para o convés, e acha que os portugueses nem sequer estão enjoados desta forma de navegar, num mar que está cada vez mais revolto.
Todos os dias, vemos previsões económicas que são revistas em baixa — estou a falar das mundiais. Protestos do PS e do PCP. O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vemos que os juros não vão conseguir baixar mais. Sabemos já
que o orçamento da União Europeia vai ter de baixar para Portugal, e falaria mais sobre o que se vai passar no Conselho Europeu, se tivesse tempo no debate, daqui a um bocadinho, mas não tenho.
Enquanto estas nuvens se adensam, e por muitos malabarismos que o Sr. Primeiro-Ministro faça, estamos a crescer menos.
Protestos do Deputado do PS Luís Moreira Testa. Somos o País que menos cresce dos «Amigos da Coesão», em cuja cimeira o senhor esteve, em Beja, ainda
há poucas semanas. Fomos o que cresceu menos em 2018, em 2019 e preparamo-nos para ser o que cresce menos em 2020 e em 2021.
A queda sustentada do desemprego cessou e ler o boletim do INE (Instituto Nacional de Estatística) de dezembro é como ver uma tempestade a aproximar-se: o índice de produção industrial está a cair, descontando a parte da energia; o número de criação de empresas novas está a cair; o índice de confiança de famílias e empresas está a cair; olhamos para os serviços públicos e é melhor nem falar. No SNS, na saúde que não pode esperar, não pode esperar como os portugueses que, em Beja e em Lamego, morreram depois de horas de espera nas urgências.
Para cúmulo, perante isto, temos um timoneiro que não só tem os óculos cor-de-rosa como parece não saber bem o que há de fazer. As ex-namoradas da geringonça já nem no dia de S. Valentim lhe ligam. Vai perder o Imediato Centeno, que é a pessoa que todos os portugueses acham ser o responsável pelas contas certas. Lidera um Governo que já nasceu gordo e anafado e que, cada vez que é preciso içar uma vela, mostra um cansaço de morte.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado. O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou concluir, Sr. Presidente. Sr. Primeiro-Ministro, timoneiro desta nau, ainda está a tempo de mudar de rumo. Tenho aqui os mapas do
liberalismo que nos podem levar a bom porto. Como é que pode recusar esta oferta? O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Cotrim de Figueiredo, fico comovido com a
preocupação que tem quanto à saúde do Governo. Posso garantir-lhe que estamos bem de saúde, temos uma carta de marear bem definida no Programa do Governo e a firme determinação em prossegui-lo.
Sei que não gosta do Programa do Governo e essa é uma das qualidades da nossa vida democrática. O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — E da minha também!
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O Sr. Primeiro-Ministro: — E da sua, também! É que cada um de nós pode apresentar aos portugueses o rumo que pretende seguir e tenho reconhecido,
aliás, o facto de, pela primeira vez, a direita portuguesa, desde há muitos anos, ter, com frontalidade, assumido um programa liberal, que o PSD tem sempre vergonha em assumir e o CDS «tem dias». Vamos ver, agora, em que dia estamos. Mas, ao menos, tem essa frontalidade e isso é muito bom, porque é isso que permite aos portugueses ter sempre uma alternativa de governo.
Há uma coisa que sabemos: um dia que queiram mudar de governo, os portugueses podem olhar para si para fazer a política contrária à deste Governo. Até lá, vamos prosseguir, se não se importa, a nossa política.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Chegamos, assim, ao final do primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos. Vamos, agora, entrar no segundo ponto, de que consta o debate preparatório do próximo Conselho Europeu,
com a participação do Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República, no âmbito do Processo de Construção da União Europeia.
Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como o próximo Conselho Europeu é
um conselho extraordinário, que tem como único ponto da ordem de trabalhos a discussão do próximo quadro financeiro plurianual, creio que esta minha intervenção inicial pode ser bastante sintética.
A proposta apresentada pelo atual Presidente do Conselho é uma má proposta. Em primeiro lugar, é uma má proposta para a União Europeia, porque não corresponde ao nível de ambição que a União Europeia espelhou na sua orientação estratégica. Em segundo lugar, é má porque sacrifica o financiamento de uma política fundamental para o futuro da União Europeia, como o é a política de coesão, e, também, a política agrícola, em particular, o segundo pilar da política agrícola.
Não achamos que haja uma contradição entre novas políticas e velhas políticas, o que existe são novos objetivos, que devem ser prosseguidos por todas as políticas. E não haverá, seguramente, segurança e qualidade alimentar sem que haja investimento na PAC, não haverá, seguramente, transição climática sem que haja investimento na PAC e não haverá transição digital sustentável sem que haja um reforço na política de coesão.
O sacrifício da política de coesão é particularmente grave porque é a política que mais aproxima a União Europeia do dia a dia dos seus cidadãos e o reforço desta política é absolutamente essencial, neste momento em que a União Europeia se divide com a saída do Reino Unido.
Por isso, esta proposta, além de ser má pela falta de ambição para cumprirmos a estratégia que aprovámos, é também má no que respeita ao financiamento da política de coesão, da política agrícola e, em particular, do segundo pilar da política agrícola comum.
Finalmente, ela é má relativamente a Portugal, porque aumenta, em relação à proposta da Comissão, a redução do financiamento a Portugal no quadro da política de coesão, fruto da aplicação de uma atualização estatística onde procura reverter contra Portugal a melhoria do crescimento económico, da diminuição do desemprego e da diminuição das emissões de carbono entre 2015 e 2017, não tendo devidamente em conta as feridas duras que ainda hoje continuam a marcar a sociedade portuguesa, após a crise económica e financeira que vivemos.
Ela é má relativamente a Portugal, porque contém uma nova redução do nosso financiamento, em particular no segundo pilar da política agrícola comum, sendo este corte que sofremos em matéria de política agrícola comum superior ao pequeno reforço que obtivemos em matéria de política de coesão.
Ela é má também por eliminar o princípio da convergência externa em matéria de pagamento por hectare no quadro do primeiro pilar, o que afeta uma trajetória de convergência que tinha sido aprovada no anterior quadro financeiro e que é essencial para um país que recebe das menores contribuições por hectare do conjunto da União Europeia.
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Ela é má, ainda, por continuar a ter um corte de 29 milhões de euros no POSEI (Programa de Opções Específicas para fazer face ao Afastamento e Insularidade), as verbas destinadas aos programas específicos das nossas regiões autónomas dos Açores e Madeira.
Por isso, sendo uma proposta má para a União Europeia, uma proposta má para a política de coesão e uma proposta má para Portugal, naturalmente que não poderemos apoiá-la no próximo Conselho.
Quero regozijar-me por, no encontro que ontem mantive no Conselho Permanente de Concertação Social, ter verificado uma unanimidade de pontos de vista de todos os parceiros sociais em torno desta posição e espero que esta também seja a posição unânime do Parlamento português. Sendo esta uma má posição não deve ser apoiada pelo Governo de Portugal.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Capoulas Santos, do Grupo
Parlamentar do PS. Faça favor, Sr. Deputado. O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados: Enquanto Deputado e Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, quero também associar-me ao amplo consenso nacional em torno da recusa da última proposta sobre o orçamento plurianual da União Europeia, apresentado pelo Presidente do Conselho Europeu e que acaba de ser bem fundamentado por V. Ex.ª.
Todos temos noção das dificuldades na obtenção de um acordo equilibrado e do peso de Portugal no conjunto dos votos do Conselho, pelo que só uma estratégia negocial inteligente e agregadora poderá conduzir a bons resultados.
Felicito, por isso, o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo pelas iniciativas que têm liderado e de que a recente reunião dos «Amigos da Coesão», em Beja, constitui um bom exemplo. O número, o estatuto das delegações e o documento final aprovado são factos políticos que o Conselho Europeu Extraordinário de quinta-feira não poderá ignorar.
O atual contexto político na Europa e no mundo exige uma União Europeia forte e liderante, sobretudo num momento em que, pela primeira vez na sua história, ocorre a saída de um Estado-membro, e com a relevância que o Reino Unido tem. Não se compreende, assim, que as instituições comunitárias proclamem uma agenda e objetivos inovadores e ambiciosos e depois não os façam acompanhar dos instrumentos de política correspondentes, desde logo os financeiros.
Gostaria, por isso, de perguntar-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, qual a expectativa que tem de poder ainda vir a ser logrado um compromisso deste Conselho e qual a atitude, para além da posição de princípio de recusa liminar, que Portugal irá assumir face à proposta do Presidente Charles Michel.
Aproveito para lhe manifestar o meu apoio, que, estou certo, é secundado por uma amplíssima maioria neste Parlamento, pela estratégia negocial portuguesa que tem vindo a ser prosseguida mas, sobretudo, pela postura construtiva e responsável que Portugal tem assumido em prol de uma União Europeia mais forte e apetrechada face aos desafios do presente e do futuro, mais solidária e mais fiel aos seus princípios fundadores.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Usando ainda do tempo de intervenção do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro
Bacelar de Vasconcelos. Faça favor, Sr. Deputado. O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Sr.as e Srs.
Deputados: A União Europeia vive uma crise muito grave que exige dos responsáveis europeus uma grande coragem e uma renovada ambição.
O colapso financeiro de 2008-2009 lançou a economia europeia numa longa recessão de que não conseguiu ainda recuperar totalmente.
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A saída do Reino Unido, consumada apenas há alguns dias, é mais um sinal dessa fragilidade e condiciona o quadro plurianual em preparação.
Em consequência da crise económica e financeira e dos remédios adotados para a tratar emergiram sérios problemas sociais e políticos em todos os Estados-membros. Além da má consciência resultante da incapacidade de encontrar uma resposta digna para as vagas migratórias que atravessam o Mediterrâneo e os Balcãs, continuam por cicatrizar as feridas abertas pelas políticas de austeridade que flagelaram, sobretudo, as vítimas dos efeitos assimétricos da união monetária, do euro, cujas insuficiências seriam dramaticamente expostas ao longo dos últimos 10 anos.
Os nacionalismos cresceram, a par das pulsões autoritárias, obtendo uma expressão eleitoral que contamina os sistemas partidários e que até proporcionou, em alguns governos da União Europeia, uma aberrante partilha de poder com formações políticas da extrema-direita antieuropeia, pondo em xeque a própria democracia.
O egoísmo e a intolerância travaram o desenvolvimento do projeto europeu, continuam a ameaçar os objetivos generosos que inspiraram a sua fundação e desprezam as aquisições civilizacionais alcançadas. Persistem os bloqueamentos ditados por mesquinhez paroquial e irresponsável miopia.
A proposta orçamental apresentada pelo Presidente do Conselho contém indícios infelizes dessa falta de visão, quer pelos recursos modestos que mobiliza, quer pela distribuição que deles se propõe fazer. A percentagem do PIB bruto da União Europeia afetada é irrisória, abaixo dos mínimos propostos, aliás, por outras instâncias europeias, e a sua distribuição não contempla a preservação reclamada das verbas afetas à coesão, coesão que é apenas um outro nome para a solidariedade.
Por isso, a Cimeira dos «Amigos da Coesão», que se realizou em Beja, definiu metas claras para a presente operação orçamental, que terão de acomodar ainda os ajustamentos resultantes do abandono do Reino Unido. Seguem-se, nos próximos dias, negociações árduas e complexas no Conselho e no Parlamento, onde será proferida a palavra final.
Não estão em jogo apenas as preocupações justas e as pretensões legítimas do Governo português, partilhadas por 15 Estados que se fizeram representar na Cimeira da Coesão, em Beja, e que subscreveram a declaração comum; o quadro financeiro plurianual vai determinar os recursos disponíveis nos próximos sete anos para tornar viável a indispensável progressão do projeto europeu e reforçar a União Europeia com a mesma ambição de justiça e liberdade que garantiu, nos últimos 70 anos, a paz mais duradoura de toda a história da Europa.
Sr. Primeiro-Ministro, as provas que deu na iniciativa da Cimeira de Beja e as diligências a que tem procedido junto das instituições europeias alimentam a nossa confiança de que saberemos tomar uma posição firme na Europa, para defender aquilo que é indispensável, para que a Europa não sucumba aos desafios que enfrenta e possa prosseguir no rumo generoso e aberto que marcou a sua existência até agora.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada
Isabel Meireles. Faça favor, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Isabel Meireles (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados: Como já foi dito, a Cimeira de Beja, subscrita por 15 dos 17 «Amigos da Coesão», trouxe a conclusão de que o financiamento no próximo quadro plurianual de 2021-2027 deve manter-se, em termos reais, ao nível do quadro financeiro plurianual atual.
O PSD não pode estar mais de acordo porque, obviamente, é o interesse nacional que está em causa. Mas pergunto: o que pretende fazer o Governo português caso os países mais robustos em termos económicos — antigamente chamados «contribuintes líquidos», agora «países frugais», há sempre uma mudança de nomenclatura — se recusem e persistam nas suas propostas, que são contrárias às que foram apresentadas pelos «Amigos da Coesão»? Irá o Governo tomar uma posição mais dura, ao ponto de vetar o orçamento de longo prazo da União Europeia? Sim, Sr. Primeiro-Ministro, porque é possível fazê-lo. Como todos sabemos, a deliberação é adotada por unanimidade e, consequentemente, cada país, incluindo Portugal, tem o verdadeiro direito de veto.
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Mas o que nos preocupa é que as cimeiras dos «Amigos da Coesão» — que só arrancaram com a presença de membros do Governo agora, na última Legislatura não estiveram presentes — não têm grandes avanços. Eu diria que são mais amigos da ocasião do que propriamente da coesão.
Quanto às taxas de cofinanciamento e demais recursos próprios da União Europeia, Sr. Primeiro-Ministro, qual é a posição deste Governo?
Ainda relativamente aos fundos estruturais e à sua utilização, deixe-me falar no Plano Ferrovia 2020, que foi anunciado pelo então Ministro do Planeamento e Infraestruturas em 2016. Passaram quatro anos — quatro anos! — e a conclusão é penosa, porque apenas 11% do Ferrovia 2020 está concluído.
Dos 2,7 mil milhões de euros que iriam, supostamente, revolucionar os transportes ferroviários — e, atenção, metade dos quais proveniente dos fundos estruturais —, a execução financeira é de apenas 11%, ou seja, um desperdício de fundos estruturais! Mais: só 3 dos 20 projetos estão terminados e, ainda por cima, destes projetos muitos são de substituição e muito poucos para aumentar a velocidade da ferrovia. Eu diria que é francamente mau, que mudou o ministro, mas a Ferrovia 2020 continua descarrilada. O Governo fala em comboios, mas eu diria que as obras na ferrovia avançam mais a passo de caracol.
Continuando ainda relativamente à aplicação dos fundos comunitários e voltando ao que já foi aqui referido hoje, o Ministro do Ambiente e da Ação Climática reafirmou, na semana passada, que é impossível utilizar os fundos comunitários previstos para a construção da linha circular do metro de Lisboa, sendo que cerca de um terço orçamentado, os tais 83 milhões de euros de fundos comunitários, seria desperdiçado.
Comos sabemos, a suspensão da linha circular do metro de Lisboa foi adotada por esta Câmara. Aliás, em junho de 2019, o Parlamento tinha já aprovado uma resolução sobre a suspensão deste projeto. O Governo ignorou completamente esta decisão do Parlamento e o concurso não recebeu qualquer candidatura, porque, obviamente, não era atrativo, designadamente, dada a sua complexidade do ponto de vista de obra de engenharia. Portanto, como vimos, o concurso não se realizou por falta de concorrentes e não existe, por isso, qualquer obra.
Entretanto, o Ministro do Planeamento e Infraestruturas, Nelson de Sousa, veio dizer que os fundos europeus serão executados a 100%. Pergunto: será possível, então, executá-los ainda no âmbito de outro programa operacional? Bem sabemos, Sr. Primeiro-Ministro, que o investimento público não é exatamente uma prioridade deste Governo, mas gostaríamos de ver esses 83 milhões de euros absolutamente aproveitados.
E, diria, a barafunda estende-se às redes energéticas europeias. Por que razão este Governo deixou cair 30 projetos nacionais da lista dos projetos de interesse comum — os chamados PIC —, que incluem infraestruturas de gás, deixando em isolamento o mercado energético português?
Recordo que, em 2018, durante a II Cimeira para as Interligações Energéticas, Portugal, Espanha e França, com o apoio da Comissão Europeia e do Banco Europeu de Investimento, disponibilizaram apoio financeiro para estas redes, que, no entanto, não estamos a ver qualquer avanço. Pergunto: em que é que o Governo português falhou para que a Comissão Europeia excluísse estes projetos da lista dos projetos de interesse comum?
Concluiria dizendo que, provavelmente, por estas e por outras é que o crescimento português fica, Sr. Primeiro-Ministro, pelo segundo ano consecutivo, no último lugar do ranking dos 15 países da coesão, inclusive atrás da Grécia.
Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a
palavra a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias. A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados: A discussão sobre o Quadro Financeiro Plurianual vem, mais uma vez, demonstrar que a Comissão Europeia e o Conselho Europeu continuam a não querer investir no progresso social e ambiental da Europa.
Os cortes brutais anunciados nas áreas da coesão e da agricultura são prova disso mesmo, mas também os cortes nas políticas que iriam beneficiar, por exemplo, a implementação do novo Pacto Verde. É por isso inaceitável que a Comissão Europeia e o Conselho Europeu venham agora usar uma estratégia de ameaça e chantagem sobre o Parlamento Europeu e sobre este Parlamento, com uma nova crise institucional.
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Se essa crise ocorrer, será culpa exclusiva dessas instituições, que, para continuarem a promover o investimento na militarização da Europa e na indústria de armamento, propõem cortes no envelope para a coesão, em áreas que são fundamentais para o País. Esta proposta não deve ser aprovada pelo Governo português, devendo-se vetá-la, caso seja necessário.
As pessoas migrantes e refugiadas são alvo de racismo e xenofobia. Constroem-se narrativas que promovem visões estereotipadas e preconceituosas, as quais acentuam as divisões e estigmatizam. O debate sobre migrações e asilo encontra-se refém de um discurso securitário. Promove-se uma Europa-fortaleza, o reforço das fronteiras e a negação de direitos a refugiados e migrantes. Isto é o avesso do discurso dos valores humanistas e dos direitos humanos que vinha do passado. Será que era tudo propaganda?
Os centros de internamento para os refugiados, o acordo com a Turquia para o bloqueio dos fluxos vindos da Síria e da África oriental e a criminalização das ONG (organizações não governamentais) que tentam salvar migrantes no Mediterrâneo, onde já perderam a vida 17 000 pessoas em pouco mais de cinco anos, revelam o modo como é feita a gestão das migrações. A quem procura a Europa tudo é negado, incluindo o próprio estatuto de refugiado.
A resposta ao desafio de criar uma Europa solidária, derrubando os muros que separam comunidades, e mais democrática para todas as pessoas que cá vivem passa pela adoção de medidas que: promovam a humanização das leis da imigração, aprofundando a legislação existente de modo a eliminar práticas administrativas obsoletas e discriminatórias, e permitam regularizar os migrantes; representem um compromisso com o trabalho e com os direitos dos trabalhadores; combatam o racismo e a xenofobia de modo a assegurar a justiça social, garantindo, assim, a dignidade e os direitos das pessoas migrantes e refugiadas. Infelizmente, não são esses os valores que imperam nas escolhas que estão a ser feitas em Bruxelas. Isso ainda pode e deve mudar.
A União Europeia vai adotar a Estratégia para a Igualdade entre Homens e Mulheres. O debate que está em curso irá definir o modo como será integrada a perspetiva de género em todas as políticas e atividades e a inclusão de medidas específicas de promoção da igualdade. A igualdade entre homens e mulheres está longe de ser alcançada e o relatório apresentado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género revela que nenhum Estado-Membro conseguiu alcançar os objetivos.
A diferença salarial entre homens e mulheres é ainda superior a 16%, na média europeia, e esta diferença acentua-se de forma gritante quando se chega à reforma. As mulheres tendem a correr maior risco de pobreza e exclusão social — começando pelo desemprego — do que os homens. E há umas mais vulneráveis do que outras, por encabeçarem famílias monoparentais, por serem migrantes, racializadas, lésbicas, mulheres trans ou com deficiência.
As tarefas domésticas continuam a ser responsabilidade das mulheres. De acordo com dados do Eurostat relativos a 2017, em média, 79% das mulheres desempenham tarefas domésticas diariamente, enquanto apenas 39% dos homens o fazem. Portugal é um dos Estados-Membros que maior desigualdade de género apresentam na divisão de tarefas domésticas.
A violência contra as mulheres e a violência doméstica continuam a manifestar-se como um dos maiores flagelos das sociedades e como uma das mais brutais manifestações da desigualdade de género e da opressão das mulheres. Pelo menos uma em cada três mulheres com mais de 15 anos, na Europa, já foi vítima de um ou mais atos de violência. Erradicar a violência contra as mulheres e a violência doméstica tem de ser uma prioridade que saia do papel e chegue à vida concreta das pessoas.
Aplausos do BE. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr.
Deputado Bruno Dias. O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-
Ministro: Há uma questão incontornável neste debate, que tem que ver com o ponto de partida que é definido para estes processos negociais, num quadro de profunda desigualdade e de profundas contradições.
O que, desde logo, a Comissão Europeia e, mais recentemente, a Presidência finlandesa conseguiram foi estabelecer o terreno para esta discussão e para este processo de decisão relativamente ao Quadro Financeiro
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Plurianual. Ou seja, ao impor um ponto de partida de uma gravidade sem precedentes, totalmente inaceitável — aliás, com uma proposta que ia para lá do inaceitável —, foi só deixar correr o tempo para chegar ao fim com um quadro financeiro profundamente desfavorável e inaceitável (e pelo nosso País falamos!), mas que, sendo um pouco menos terrível do que era inicialmente, de acordo com essa tese, até parece que fica bem — mas não fica.
Aqui todos sabem que, neste processo, o tempo corre contra nós: corre contra Portugal, corre contra os países da coesão, corre a favor dos interesses das grandes potências da União Europeia. A questão é a de saber se o Governo se poderá eventualmente conformar com essa ideia de que uma proposta inaceitável, com algumas alterações pontuais e, sobretudo, com essa chantagem e a pressão do tempo, passa à categoria de «menos mau» ou de «o melhor que se pôde arranjar». É que nós já vimos esse filme!
Sr. Primeiro-Ministro, sejamos claros: nos quadros comunitários anteriores, o que tivemos com os fundos estruturais, na coesão e no resto, foi e continua a ser insuficiente, cada vez menos suficiente para responder aos problemas e às necessidades do nosso País, com cada vez menos percentagem do rendimento nacional bruto da União Europeia. E, se não respondeu e não está a responder às necessidades do nosso País, não perder nada não seria conquistar um resultado favorável. Ficarmos onde estávamos no quadro que ora termina não seria necessariamente uma vitória, seria manter algo que era profundamente insuficiente.
Agora, acentuar estas desigualdades, aprofundar o fosso entre o que perdem países como Portugal e o que ganham as grandes potências, isso, então, exige consequências e exige uma atitude do Governo português no sentido de colocar em cima da mesa essa não aceitação daquilo que, sendo inaceitável, carece de unanimidade. Com toda a clareza, o veto de Portugal tem de estar em cima da mesa, nesta discussão.
É que não devemos olhar só para o que recebemos a menos, temos de olhar também para o que pagamos a mais, ao nível das contribuições de cada Estado-Membro, e, em termos líquidos, esse resultado tem de ser avaliado. Qual é a avaliação que o Governo faz desse resultado? É esta a pergunta concreta que lhe fazemos: que resultado líquido tem essa proposta, designadamente em comparação com quadros anteriores?
Não estamos apenas perante a questão de os recursos serem mais diminutos, mais condicionados e de a gestão dos fundos estruturais ser mais centralizada por parte da União Europeia. Estamos, principalmente, perante os cada vez mais graves constrangimentos, impedimentos, limitações à nossa capacidade de, enquanto País, gerirmos os nossos próprios recursos, por imposição da mesma União Europeia.
Face ao que é inaceitável, exige-se que sejam retiradas as devidas consequências em defesa do interesse nacional, por um Portugal soberano e desenvolvido.
Aplausos do PCP e do Deputado do PEV José Luís Ferreira. O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Almeida, do Grupo
Parlamentar do CDS-PP. O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais membros do
Governo: Da última vez que discutimos o Quadro Financeiro Plurianual, o Sr. Primeiro-Ministro falou contra a proposta da Presidência finlandesa, solicitando a solidariedade do Parlamento — e teve-a, da parte do CDS.
Agora, a questão é a mesma relativamente à proposta do Presidente do Conselho. A questão não é sobre a solidariedade do CDS na oposição de Portugal em relação a essas propostas. Naturalmente, também nos opomos a elas, porque são lesivas do interesse nacional. A questão é a de saber até que ponto a estratégia do Governo de Portugal, durante todo este processo, produziu resultados e que resultados é que ela poderá produzir daqui até ao fim deste processo.
Portanto, estamos completamente disponíveis para apoiar o Governo na defesa do interesse nacional, mas temos de conhecer a estratégia do Governo para saber em que termos é que isso poderá acontecer. Para isso, precisamos de esclarecimentos sobre algumas questões concretas.
A primeira questão, essencial para Portugal, é sobre o Fundo de Coesão. Neste momento, segundo os últimos números do Fundo de Coesão, temos uma taxa de execução de 30%. Se compararmos com aquilo que acontecia em termos homólogos, ou seja, a um ano do final do quadro anterior, tínhamos, à época, mais do dobro da execução dos fundos de coesão. É sabido que este quadro tem mais um ano do que o anterior para executar fundos, mas, mesmo assim, o nível de execução é proporcionalmente muito inferior.
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Portanto, a minha pergunta é esta: que legitimidade é que um país como Portugal, que luta pelos fundos de coesão, porque eles lhe são essenciais, está a conquistar com uma execução tão baixa do Fundo de Coesão, o que, obviamente, não nos favorece nessa discussão?
Depois, há a questão do segundo pilar da PAC. O principal problema do segundo pilar da PAC é a alteração do valor da comparticipação nacional, é a contrapartida nacional passar de 15% para 30%. Portanto, a pergunta que se faz é no sentido de saber como é que Portugal poderá acomodar uma alteração deste tipo, que não tem tanto que ver com o montante que vem da União Europeia mas que tem muito que ver com a capacidade de, em Portugal, termos a contrapartida nacional a este nível de 30%.
Depois, há a questão da compatibilidade de um orçamento menor com políticas ambiciosas da União Europeia, como a transição digital e o Green Deal. Como é que, para Portugal, os fundos relativos a estas políticas vão estar disponíveis e como é que podemos saber se vamos ou não ter recursos financeiros para sermos competitivos?
Por fim, há a questão do direito de veto, que é essencial. O Sr. Primeiro-Ministro abordou toda esta negociação, desde o início, com uma perspetiva otimista e, por isso, rejeitou sempre a possibilidade de utilizar o direito de veto. Sr. Primeiro-Ministro, as coisas correram mal e, tendo corrido mal e estando nós nesta posição, neste momento, constantemente a ter de mostrar solidariedade ao Governo na defesa do interesse nacional, o que lhe pergunto é se o Governo de Portugal vai fazer tudo na defesa desse interesse nacional — e «tudo» é não prescindir de um instrumento fundamental como o direito de veto.
Aplausos do CDS-PP. O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues, do PAN, para uma intervenção. A Sr.ª Cristina Rodrigues (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: O
Presidente do Conselho Europeu começou mal o seu mandato. Após a proposta para um novo Quadro Financeiro Plurianual da Presidência finlandesa ter sido rejeitada liminarmente em dezembro, aguardava-se uma melhor proposta.
Apesar da posição unida e vocal do Parlamento Europeu e da forte comunicação do grupo Amigos da Coesão, saída do encontro em Beja, no início deste mês, a proposta do Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, não passa de mais do mesmo. Esta proposta é inaceitável e esperamos que o Sr. Primeiro-Ministro mantenha o que tem dito e escrito sobre o assunto.
Se queremos ser sérios e pioneiros no combate às alterações climáticas, nos compromissos que assumimos nos acordos de Paris, na concretização do Pacto Ecológico Europeu, um envelope global de 1,07% do rendimento nacional bruto da União é insuficiente para atingir os fins neles definidos e desrespeita mesmo as posições do Parlamento Europeu e da própria Comissão Europeia.
Na ressaca do Brexit, aceitarmos esta proposta retrógrada significa estarmos do lado dos que querem menos Europa, menos integração, menos solidariedade e menos proteção ambiental. Numa altura em que a União Europeia enfrenta desafios ambientais e sociais, aos quais acresce a instabilidade do tabuleiro geopolítico global, corre-se o risco não só de fazer a União Europeia falhar os próprios objetivos e compromissos como também de relegá-la para um segundo plano na esfera de influência internacional.
Esta proposta pode mesmo pôr em risco o Pacto Ecológico Europeu, a joia da coroa desta nova Comissão. Isto porque até os 7500 milhões de euros para o Fundo para a Transição Justa, que supostamente seriam dinheiro fresco, vêm de reafetações de outras rubricas orçamentais. Parece uma proposta feita para falhar — e falhará.
Independentemente dos valores específicos do Quadro Financeiro, que são muito menores do que é necessário, e da importância de impedir a redução do cofinanciamento, importa também alterar o paradigma de alguns programas-bandeira da União. Destaco, naturalmente, a política agrícola comum (PAC).
A filosofia produtivista e arcaica de pagamentos cegos por hectare e de subsidiação das indústrias intensivas e superpoluentes agropecuárias tem de mudar drasticamente e adaptar-se ao mundo atual. Um mundo que se exige mais sustentável, com verdadeiras políticas de proteção da biodiversidade, de preservação dos solos, de controlo do desperdício de água e de diminuição drástica das emissões de gases com efeito de estufa. E esta PAC é tudo menos isso.
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O orçamento europeu não deve servir para promover indústrias altamente poluentes e muito menos para benefício de apenas alguns.
Para concluir, Sr. Primeiro-Ministro, há que ter coragem para contrariar a posição do Presidente do Conselho Europeu e de alguns Estados-Membros, mas também há que ter coragem de pressionar a sua família europeia a rejeitar uma má proposta no Parlamento Europeu.
Sabemos que há pressa para se chegar a um acordo, mas não podemos aceitar um qualquer acordo, sob risco não só de fracassarmos com o projeto para a Europa como de condicionarmos irremediavelmente a implementação do Pacto Ecológico Europeu.
Sr. Primeiro-Ministro, podemos ou não contar consigo? Aplausos do PAN. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes. O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Queria começar por registar a
posição que o Sr. Primeiro-Ministro assumiu relativamente à proposta do orçamento plurianual da União Europeia, apresentada pelo Presidente do Conselho Europeu, porque Os Verdes também consideram que esta proposta não só não dá resposta às necessidades dos povos da Europa como também nos parece absolutamente desajustada para o nosso País, diria até que atinge mesmo o interesse nacional.
Mas isto significa que, se tiver «pernas para andar», este orçamento vai dar força aos condicionalismos, aos obstáculos que as políticas da União Europeia continuam a ter a nível do desenvolvimento do nosso País.
De facto, não é nada novo. Este caminho não é novo, porque a União Europeia continua de costas voltadas para os interesses dos povos europeus, pois já há muito que a sua grande preocupação deixou de ser os cidadãos para passar a ser a banca e os banqueiros. E se também já há muito a União Europeia removeu do seu vocabulário expressões ou conceitos tão importantes como solidariedade, agora o que se adivinha é mais uma golpada nas políticas de coesão, que vai ter efeitos muito negativos numa economia como a nossa, em que os fundos comunitários assumem um papel decisivo.
Portanto, admitir uma perda substancial de receitas dos fundos da União Europeia e prescindir de lutar por um quadro de financiamento justo seria, a nosso ver, absolutamente inaceitável e, por isso, Os Verdes esperam que o Governo se oponha, com toda a firmeza, a esta proposta.
A pergunta, que, acho, é a que se impõe, uma vez que o Governo português tem essa faculdade, é a de saber se o Governo vai ou não fazer uso do direito de veto nesta matéria.
Sr. Primeiro-Ministro, nós até consideramos que o debate em torno do financiamento da União Europeia também pode ser uma espécie de teste à natureza democrática da União Europeia. E porquê? Estamos perante três propostas diferentes: uma proposta de orçamento do Presidente do Conselho Europeu, uma proposta de orçamento da Comissão Europeia e uma proposta de orçamento do Parlamento Europeu.
Ora, sendo o Parlamento Europeu o único órgão que é eleito pelos europeus, seria razoável, seria democrático que fosse esse orçamento que prevalecesse, porque assim acentuava, de facto, a natureza democrática da União Europeia, se é que podemos falar disso.
Queria saber, Sr. Primeiro-Ministro, o que lhe parece esta leitura que Os Verdes fazem de que devia ser, de facto, a proposta do Parlamento Europeu a prevalecer, uma vez que é o único órgão com legitimidade democrática nas instituições europeias.
O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria congratular-
me pelo facto de ser inequívoco que todas as bancadas, unanimemente, confortaram a posição do Governo de que não podemos aprovar esta proposta apresentada pelo Presidente do Conselho Europeu. Isso é muito importante, porque é essencial haver um consenso nacional alargado relativamente a esta matéria.
Portugal deve ter uma postura construtiva. Sabemos bem que esta negociação é difícil, em primeiro lugar, porque temos menos um parceiro, o Reino Unido, que era um contribuinte importante; em segundo lugar, porque a União Europeia tem ambições acrescidas em matéria de combate às alterações climáticas, assume,
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finalmente, a perspetiva de ter uma atitude responsável de parceria com o continente africano, tem definidas como novas prioridades o desenvolvimento do seu pilar social, absolutamente vital para podermos assegurar uma transição justa no quadro digital e no quadro climático. Portanto, havendo menos contribuintes e novos desafios, obviamente, é necessário um esforço de negociação e de concertação.
Por isso, devemos ter uma postura construtiva. Mas não nos podemos considerar prisioneiros do tempo nem aceitar que o tempo jogue contra nós, porque isso é colocar este debate não numa posição de debate de proposta, de contraproposta, de aproximação de esforço, de procura de compreensão dos outros e de resposta a soluções, mas numa posição em que alguém pode chantagear o outro, dizendo «ou aceitas ou ficas sem nada».
Ora, essa postura não é aceitável na União Europeia. Seguramente, não poderá ser esse o quadro e nós não nos podemos sentir prisioneiros do tempo.
Como disse, e com toda a razão, a Sr.ª Deputada do PAN, nós queremos um acordo que seja o mais rapidamente possível alcançado — isso é fundamental para a nossa economia —, mas não vale a pena ter um mau acordo a qualquer custo. Por isso, a pressa não pode necessariamente ser boa conselheira, pelo que não podemos aceitar um acordo a qualquer preço.
Nós somos construtivos. Aceitámos e concordámos que era necessário modernizar as políticas tradicionais da União Europeia, incrementando as medidas agroalimentares no quadro da PAC, valorizando mais o desenvolvimento rural e menos os incentivos à produção intensiva, valorizando o papel da PAC no contexto do combate às alterações climáticas.
Relativamente à política de coesão, aceitámos que tivesse uma densificação temática importante em matéria de alterações climáticas, em matéria de transição para a sociedade digital — e é positivo que assim seja —, mas, por outro lado, de combate à pobreza, de integração das minorias, de acolhimento das políticas migratórias.
O que não podemos aceitar é que haja uma diminuição global do montante das verbas da coesão e que Portugal seja injustamente tratado neste contexto.
Aplausos do PS. Por isso, o nosso debate não é entre países gastadores e países frugais — frugais somos nós!… A Sr.ª Isabel Meireles (PSD): — E não só! O Sr. Primeiro-Ministro: — Os países que defendem o subfinanciamento são países que não acreditam na
União Europeia e que, por isso, não investem na União Europeia — ou se acreditam na União Europeia e não investem o necessário, não são frugais, são forretas, o que é bem diferente!
Aplausos do PS. É esta a realidade com que nos confrontamos. Portugal não está em situação de aceitar lições de ninguém… O Sr. Bruno Dias (PCP): — Só da Itália! O Sr. Primeiro-Ministro: — … sobre a boa gestão dos recursos públicos. Portugal foi o país que fez o maior
esforço de consolidação orçamental nos últimos anos. Portugal é dos países que mais tem contribuído para a redução do endividamento público e privado no contexto da União. Portugal é o país que está a crescer acima da média europeia. Portugal é, aliás, o país que tem, neste momento, a melhor taxa de execução dos fundos comunitários do atual Quadro 14-20, no conjunto dos países da União Europeia, com exceção de países como o Luxemburgo, que tem uma parcela ínfima de financiamento comunitário.
Por isso, não temos lições a receber. E também não damos lições. O que dizemos é o seguinte: se queremos que haja um acordo, todos temos de ter uma postura construtiva. É nessa postura construtiva que temos estado,…
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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não sei se não é o oposto! O Sr. Primeiro-Ministro: — … quando, por exemplo, promovemos a reunião dos Amigos da Coesão.
Aquando das conclusões dessa reunião, os Amigos da Coesão não disseram se o volume global do financiamento devia ser 1%, 1,11%, 1,16% ou 1,3%. O que dissemos foi que, independentemente do montante global, a verba da coesão devia ser preservada.
O que nós entendemos é que aquilo que é necessário é, de facto, que o Conselho aja não como um fator de divisão e de promoção de conflitos institucionais, mas, pelo contrário, que procure desenvolver o diálogo interinstitucional, sabendo-se que, no final, só teremos um orçamento se ele tiver o voto favorável do Parlamento Europeu. Portanto, o esforço que devíamos fazer era trabalhar entre a proposta inicial da Comissão e a proposta apresentada pelo Parlamento Europeu. E, entre esse 1,11% proposto pela Comissão e 1,3% proposto pelo Parlamento Europeu, há uma larga margem de negociação onde é possível negociar, onde é possível trabalhar. É nesse campo construtivo que nós nos colocamos.
Portanto, colocamo-nos de uma forma construtiva, sendo bem claros quanto à nossa postura: a proposta que está em cima da mesa não terá o nosso voto favorável. É assim que interpreto a posição de todos os partidos que aqui se expressaram, tal como foi a posição de todos os parceiros sociais que ouvi, ontem, no Conselho Permanente de Concertação Social.
É preciso ter em conta que não estamos isolados nesta matéria. É verdade que não haverá unanimidade se quatro países continuarem a vetar o esforço para termos um orçamento comum, mas não podemos ignorar a posição da maioria dos Estados, a posição do Conselho Económico e Social da União Europeia, a posição do Comité das Regiões da União Europeia, a posição do Parlamento Europeu, quer expressa pelo seu Presidente, quer pelo Presidente da Comissão dos Orçamentos, quer pelo Presidente da Comissão de Política Regional.
Ainda na semana passada, os líderes dos quatro maiores grupos parlamentares do Parlamento Europeu: o líder do PPE (Partido Popular Europeu), do S&D (the Progressive Alliance of Socialists and Democrats), dos Liberais, dos Verdes assinaram uma posição comum, reafirmando que não aprovarão um orçamento que não corresponda às necessidades globais de financiamento da estratégia comum da União Europeia e que contenha cortes na política de coesão e na política agrícola comum.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro: — Por isso, Sr. Presidente, para concluir, a nossa postura e, creio, interpretando
não só o nosso entendimento do interesse nacional, mas também aquilo que me pareceu ser o entendimento unânime desta Câmara, é que não aprovaremos esta proposta apresentada pelo Presidente do Conselho e continuaremos a trabalhar para que haja uma posição consensual que não ceda ao veto de quatro países que não são frugais, Sr.ª Deputada Isabel Meireles, são simplesmente quatro forretas.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, chegámos,
assim, ao final da nossa agenda de hoje. A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, com a ordem de trabalhos que passo a anunciar. O primeiro ponto consiste na apreciação conjunta do Projeto de Resolução n.º 88/XIV/1.ª (PSD) —
Recomenda ao Governo a atribuição ao Provedor de Justiça da função de coordenar e monitorizar a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança em Portugal, dos Projetos de Lei n.os 99/XIV (PSD) — Quarta alteração à Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro (Regula o ingresso nas magistraturas, a formação de magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários), assegurando formação obrigatória aos magistrados sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança, e 175/XIV/1.ª (PAN) — Cria um observatório na Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens para monitorização do cumprimento das obrigações impostas pela Convenção dos Direitos da Criança (Segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 159/2015, de 10 de agosto), na generalidade, e, ainda, do Projeto de Resolução n.º 204/XIV/1.ª (BE) —
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Recomenda a criação de um comité nacional para os direitos da criança, no cumprimento das recomendações do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças e da Convenção dos Direitos das Crianças.
Do segundo ponto consta o debate conjunto dos Projetos de Resolução n.º 148/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece o calendário para a instituição em concreto das regiões administrativas durante o ano de 2021 e n.º 220/XIV/1.ª (BE) — Prepara os procedimentos para a criação das regiões administrativas.
Finalmente, o terceiro ponto consiste na apreciação do Projeto de Resolução n.º 18/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que, quando ultrapassado o tempo máximo de resposta garantido para primeira consulta de especialidade no Serviço Nacional de Saúde, assegure aos utentes a liberdade de aceder a essa consulta em qualquer outro hospital à sua escolha, seja do setor público, privado ou social.
Desejo a todos uma boa tarde. Até amanhã. Está encerrada a sessão. Eram 17 horas e 35 minutos. Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.