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Segunda-feira, 27 de abril de 2020 I Série — Número 48
XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)
Sessão Solene Comemorativa do XLVI Aniversário
do 25 de Abril
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
S U M Á R I O
Às 10 horas e 4 minutos, entraram na Sala das Sessões
o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro, onde se encontravam já Deputados e membros do Governo.
Encontravam-se também presentes: Na Tribuna A, o antigo Presidente da República Ramalho
Eanes e o Cardeal Patriarca de Lisboa; Na Galeria I, os Conselheiros de Estado Domingos
Abrantes Ferreira e Francisco Anacleto Louçã, a Secretária-Geral da CGTP-IN e o Presidente do Conselho Fiscal da Associação 25 de Abril;
Na Galeria II, os Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Administrativo, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a Provedora de Justiça, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, o Chefe do Estado-Maior da Armada e o Chefe do Estado-Maior do Exército;
Na Galeria III, o Presidente do Conselho Económico e Social, o Presidente do Conselho Diretivo da ANAFRE, o Comandante-Geral da GNR e o Diretor Nacional da PSP;
Na Tribuna D, representantes de órgãos da comunicação social.
Constituída a Mesa, na qual o Presidente da República tomou lugar à direita do Presidente da Assembleia da República, ouviu-se o hino nacional, que foi cantado, de pé, pelos presentes.
Seguiram-se os discursos do Presidente da Assembleia da República — durante o qual foi guardado, de pé, 1 minuto de silêncio em memória dos que, no País, faleceram vítimas da COVID-19 —, dos Deputados João Cotrim de Figueiredo (IL), André Ventura (CH), José Luís Ferreira (PEV), Inês de Sousa Real (PAN), Telmo Correia (CDS-PP), Jerónimo de Sousa (PCP), Moisés Ferreira (BE), Rui Rio (PSD) e Ana Catarina Mendonça Mendes (PS) e do Presidente da República.
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O Presidente da Assembleia da República deu por encerrada a sessão eram 11 horas e 47 minutos, tendo-se
ouvido, de novo, o hino nacional, que foi cantado e aplaudido, de pé, pelos presentes.
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Após ter sido constituída a Mesa, ouviu-se o hino nacional, que foi cantado, de pé, pelos presentes na Sala.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Declaro aberta a Sessão Solene Comemorativa do XLVI
Aniversário do 25 de Abril.
Eram 10 horas e 4 minutos.
Sr. Presidente da República, Excelência, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça, Sr.ª Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Sr. General Ramalho Eanes, Sr.ª Ministra de
Estado e da Presidência, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Sr.as
e Srs. Vice-Presidentes da Assembleia da República e Presidentes dos Grupos Parlamentares, Sr. Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas, Sr.ª Provedora de Justiça, Srs. Conselheiros de Estado, Sr.
Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Srs. Chefes do Estado-Maior da Armada, do Exército e da
Força Aérea, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Presidentes do Conselho Económico e Social e do Conselho Diretivo
da ANAFRE, Sr. Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, Sr. Diretor Nacional da Polícia de
Segurança Pública, Sr.ª Secretária-Geral da CGTP-IN, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Eminência, Ilustre
Representante da Associação 25 de Abril, Sr.as e Srs. Convidados, Portuguesas e Portugueses:
Portugal e os portugueses têm sido confrontados, nas últimas semanas, com as consequências de uma grave
pandemia internacional, cuja evolução tem acarretado sérias implicações a nível social, económico e financeiro.
A perda de centenas de vidas humanas é, sem dúvida, a expressão mais violenta da pandemia, porque
irreversível. E bastaria que se perdesse apenas uma para que o nosso lamento se fizesse ouvir e a nossa
solidariedade chegasse a quem vê desaparecer um seu ente querido.
Nesta hora difícil que vivemos, os nossos pensamentos estão com todos quantos perderam familiares e
amigos. Com todos quantos se encontram hospitalizados, lutando pela sua sobrevivência contra este vírus
terrível. Com todos quantos estão impossibilitados de contactar os seus mais próximos, confinados nas suas
residências ou em instituições um pouco por todo o País, a quem tentamos atenuar o vazio da privação dos
afetos de proximidade. Com todos os que, impossibilitados de festejar na rua o Dia da Liberdade, nos possam
acompanhar nesta homenagem ao 25 de Abril.
Para todos eles, uma palavra de solidariedade, de ânimo, de esperança. Mas, em especial, por todos os que
nos deixaram, peço que cumpramos 1 minuto de silêncio.
Foi guardado, de pé, 1 minuto de silêncio.
Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores: A crise que atravessamos — que a Europa e o mundo
atravessam —, e que começou por ser uma crise de saúde pública, atinge hoje uma dimensão que só encontra
paralelo se recuarmos muito tempo.
Desde o primeiro momento, Portugal e os portugueses souberam mobilizar-se de uma forma responsável,
empenhada, disciplinada, paciente e serena, antecipando mesmo as recomendações das autoridades de saúde
e cumprindo escrupulosamente as suas orientações, dando provas da sua tenacidade, capacidade de
resistência e vontade maior de vencer esta enorme provação. Ao fazerem-no, não sem sacrifício, estão a dar
um precioso contributo para atenuar a transmissão mais acelerada do novo coronavírus e, dessa forma, moderar
alguns dos efeitos mais nefastos da pandemia.
Desde o passado dia 18 de março, Portugal e os portugueses enfrentam estas difíceis circunstâncias — que,
de resto, partilhamos com muitos países e cidadãos do mundo inteiro — em estado de emergência. Estas
circunstâncias registam maior severidade nos Estados Unidos e na Europa, especialmente em Espanha e em
Itália, países irmãos a quem endereçamos uma palavra amiga e solidária.
Este é o primeiro estado de emergência das nossas vidas e, esperamos, o último. Enfrentamo-lo com
ansiedade, com receio, com medo, porque, como nos lembra Mário Dionísio, «ter medo é próprio do homem. A
coragem não é mais do que saber atravessá-lo e ir com ele contra as forças que o consomem ainda e sempre
com medo de mostrá-lo».
Mas, mesmo em estado de emergência, em liberdade.
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Mesmo em estado de emergência, não vimos ser suspensa a democracia que somos, a democracia que Abril
nos trouxe nessa manhã inesquecível, que hoje, com sentido de dever e responsabilidade, evocamos e
celebramos, volvidos 46 anos.
Mesmo em estado de emergência, a Assembleia da República não deixou de funcionar, não fechou as suas
portas. Enquanto órgão de soberania, e no uso das competências constitucionais, a Assembleia da República
manteve intactos os seus poderes, determinantes para a resposta a esta crise.
Foi no uso dos seus poderes legislativos que a Assembleia da República aprovou, por exemplo, medidas
sobre o endividamento das autarquias locais no âmbito da pandemia ou o regime excecional sobre a mora no
pagamento das rendas e sobre a impossibilidade de suspensão de serviços essenciais, como água, energia
elétrica, gás natural ou comunicações eletrónicas.
Foi no uso do poder de fiscalização que o Parlamento manteve o acompanhamento permanente do evoluir
da situação e a fiscalização da ação do Governo e da Administração, em especial do conjunto de medidas
extraordinárias e de caráter urgente de resposta à crise que Portugal e os portugueses atravessam.
Foi a Assembleia da República que autorizou que o Sr. Presidente da República decretasse o estado de
emergência e o pudesse renovar por duas vezes.
Ontem, como hoje, honrando o papel fundamental do Parlamento, honrando quem representamos, honrando
este chão comum que é a Constituição da República Portuguesa saída de 1976, honrando a democracia que
somos e todos quantos a tornaram possível, honrando, hoje, o 45.º aniversário das primeiras eleições
verdadeiramente livres em Portugal.
Celebrar — e não festejar — o momento fundador do nosso regime na Casa da Democracia é também
mostrar, no presente e para o futuro, que, independentemente das circunstâncias, mesmo as mais
extraordinárias e graves, mesmo em estado de emergência, como o que vivemos, a democracia e o Parlamento
dizem «presente», para garantir que as crises nunca servirão de pretexto para lançar as sementes de qualquer
alternativa antidemocrática.
A Assembleia da República, com os seus Deputados, não saiu do palco democrático e, tal como o fez nas
últimas semanas, respeitando todas as recomendações ao nível da saúde e da segurança, dando o exemplo
pela prevenção e pelo trabalho, abriu hoje, mais uma vez, as suas portas ao País. E, se não fechou as portas
no passado, não faria sentido que não as abrisse hoje, 25 de abril de 2020, 46 anos depois de Abril, que nos
deu a liberdade.
Aos Capitães de Abril, aqui representados pela Associação 25 de Abril, o nosso muito obrigado!
Aplausos do PS, do BE, do PCP, do PAN, da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e de Deputados
do PSD.
Desde 3 de junho de 1976, a Assembleia da República está em pleno funcionamento. Hoje não foi exceção.
Hoje não é exceção. A liberdade não está só a passar por aqui: a liberdade é aqui e agora.
Minhas Senhoras e Meus Senhores: Reunir hoje a Assembleia da República, tanto mais com a muito honrosa
presença do Sr. Presidente da República, a quem muito agradeço em termos institucionais e pessoais, e de
altas entidades do Estado português, tem igualmente um outro propósito, o de homenagear todos quantos têm
permitido que o País não pare, que a economia não colapse, que o desemprego não dispare.
De todos os profissionais dos mais diversos setores — da agricultura à pecuária, da silvicultura à pesca, das
indústrias extrativas às indústrias transformadoras, da banca aos seguros, da recolha de resíduos à limpeza
urbana, dos estafetas aos operadores de super e hipermercados, das farmácias às obras públicas e construção
civil, do transporte de mercadorias aos transportes públicos, da restauração aos correios e telecomunicações,
dos bombeiros aos professores, da imprensa e da comunicação social em geral aos vários serviços públicos —
, são milhões aqueles que disseram e dizem «presente» para que outros portugueses possam recolher-se e
proteger-se. São milhões aqueles que, apesar das circunstâncias e com custo pessoal, se expõem, permitindo
que o País não pare.
É pelo povo, e para ele, que o Parlamento se mantém em funcionamento. Com o seu labor, dão um
inexcedível contributo para atenuar os efeitos desta pandemia, no imediato e no tempo, contributo sem o qual,
não tenhamos dúvidas, não estaríamos em condições de superar esta crise.
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Como nos dizia Luis Sepúlveda, um amigo de Portugal que vimos desaparecer nos últimos dias devido à
COVID-19, «admiro os resistentes, os que fizeram do verbo ‘resistir’ carne, suor, sangue, e demonstraram sem
espaventos que é possível viver, mas viver de pé, mesmo nos piores momentos».
Mas há, compreenderão, uma palavra especial que devo transmitir, em nome do Parlamento e das
portuguesas e dos portugueses que aqui representamos.
Aos profissionais de saúde de todas as áreas, pela sua dedicação, pela sua competência, pelo seu
profissionalismo e pelo enorme esforço que demonstram, muito além do estrito dever, prescindindo, em tantas
situações, do contacto com familiares para uma entrega sem limites aos outros e à causa pública.
Aplausos gerais.
Aos militares dos três ramos das Forças Armadas e às forças de segurança, pelas qualidades e virtudes
demonstradas na execução das tarefas e missões que lhes são atribuídas neste tempo particularmente exigente,
nas quais revelam qualidades de bravura, coragem e grande dedicação ao serviço da segurança pública, de
Portugal e dos portugueses.
Aplausos gerais.
A todas e a todos, muito obrigado.
São também estes os ganhos de Abril: a cultura cívica, a forma adulta como Portugal e os portugueses estão
a responder à emergência que atravessamos.
E há que evocar uma das maiores conquistas do Portugal democrático, o Serviço Nacional de Saúde (SNS),
e o seu fundador, António Arnaut, que entendeu a igualdade de oportunidades como condição essencial para o
exercício da liberdade, que hoje celebramos.
Aplausos do PS, do BE, do CH e de Deputados do PSD.
O Estado social e democrático que hoje somos teve nele um promotor visionário e um defensor exigente,
sendo-lhe devida uma sentida homenagem no momento em que o Serviço Nacional de Saúde e os seus
profissionais são testados ao limite por este vírus terrível, que alterou radicalmente a nossa vida em sociedade.
Minhas Senhoras e Meus Senhores: O Portugal de hoje deve muito a todos quantos, contra todas as
expectativas, contra muitos que pensavam nunca tal poder acontecer, foram capazes de ultrapassar bloqueios
e encontrar soluções capazes de recuperar o País da profunda crise — até mesmo de identidade e de valores
— em que se encontrava, depois de um período tão difícil e complexo como foi o período de assistência
financeira, com profundos impactos na pobreza e na exclusão social. De uma coisa estou certo: Portugal e os
portugueses estão vacinados contra a austeridade. Resta saber se a vacina tem 100% de eficácia!…
Embora a pandemia que enfrentamos tenha deitado a perder parte do que conquistámos com tanto esforço
e sacrifício, devo recordar que foi no Parlamento — que assumiu, também por isso, uma centralidade crescente
no funcionamento do nosso sistema político —, e em concertação permanente, que foi possível concretizar um
programa de recuperação de rendimentos e de alteração de política económica, sem pôr em causa os
compromissos internacionais de Portugal.
Num momento em que os portugueses esperam dos seus representantes sentido de responsabilidade, estou
certo de que todos os representantes políticos, porque todos contam, porque todos são importantes, darão o
seu contributo para um novo presente, para um futuro melhor. Todos têm sido determinados no combate a esta
pandemia e aos efeitos por ela provocados.
Ao combate à pandemia, que está ainda longe de estar ultrapassado, soma-se agora um outro desafio tão
ou mais difícil: o do combate às desigualdades, pelo desenvolvimento económico, pela prosperidade. Com
projetos diferentes, naturalmente, mas respeitando as regras de funcionamento do sistema democrático. É essa
a natureza do nosso regime.
O pior que podia acontecer à nossa democracia seria ver o trabalho de escrutínio próprio das oposições
parlamentares ser exercido por poderes fácticos ou inorgânicos, cujos intentos são pouco claros, muitas vezes
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contraditórios entre si e dificilmente circunscritos às questões em disputa e dos quais nunca virá nenhuma
alternativa política e nenhum benefício democrático.
Pior está a democracia quando o escrutínio é feito com base em calúnias, em mentiras, em falsidades, em
campanhas de desinformação que apenas visam denegrir as instituições, os seus representantes e, em última
análise, a democracia. Não é isto o escrutinar da democracia, isto é a democracia a ser atacada.
Quer a desinformação quer a propaganda populista aproveitam o distanciamento entre os partidos e a
sociedade, sempre com o intuito de desacreditar os valores fundamentais do Estado de direito democrático,
minar a confiança nas instituições e, o fim último, destruir a democracia.
A resposta passa por tornar a democracia mais inclusiva, mais representativa, uma democracia de confiança,
capaz de gerar confiança.
A resposta passa por tornar as nossas instituições mais fortes, mais sólidas, mais capazes de responder aos
anseios das populações e de afastar os seus receios.
Não só em Portugal mas também no plano da União Europeia, tem sido essa a nossa aposta, contribuindo
para que esta não perca de vez toda a credibilidade e razão de ser. Porque, não tenhamos qualquer dúvida, se
não houver solidariedade europeia no período mais grave que os Estados-Membros atravessam desde o final
da II Guerra Mundial, o projeto europeu deixará de fazer sentido.
Fiel aos princípios fundadores deste projeto comum de paz, de desenvolvimento e de democracia, Portugal
tudo deve fazer — e tem feito, através do Governo e não só — para que, neste intervalo negro, não se perca a
Europa da partilha e da solidariedade. Como disse há poucos dias o Papa Francisco, «hoje, a União Europeia
encontra-se face a um desafio histórico, do qual dependerá não só o seu futuro mas o do mundo inteiro».
A nossa intervenção política continuará a ser pautada pela defesa de todos os portugueses e, em especial,
de todos os que têm sido afetados por esta pandemia. É por eles que nos devemos unir, porque, perante
tamanho desafio — e tal como perante as crises migratórias ou as alterações climáticas —, só venceremos esta
pandemia se nos mantivermos unidos.
É um combate que não depende só de nós, isoladamente.
É um combate que depende de todos.
Não podemos desistir, não há tempo a perder.
É pelos que sonham um futuro melhor, para si e para os seus, que hoje, com esperança e determinação, em
democracia e liberdade, dizemos «presente».
Viva o 25 de Abril!
25 de Abril sempre!
Viva a Democracia!
Viva a Liberdade!
Viva Portugal!
Aplausos do PS, do BE, do PCP, do PEV, da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e de Deputados
do PSD.
Vamos dar início às intervenções dos Deputados únicos representantes de partido e representantes dos
grupos parlamentares.
Em representação do Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Ex.mo Sr. Presidente da República, Ex.mo Sr. Presidente da
Assembleia da República, Ex.mo Sr. Primeiro-Ministro, Ex.mos Convidados, Sr.as e Srs. Deputados:
Hoje, dia 25 de abril, o mais novo dos meus quatro filhos faz 18 anos e, por isso, tenho dois motivos bons
para celebrar. Para ele, é um aniversário especial, a entrada na idade adulta, e eu decidi escrever-lhe uma carta
que, no fundo, se dirige a toda a sua geração. Com a autorização do próprio, gostaria de vos ler essa carta:
«Meu querido Miguel:
Hoje é o teu dia de anos. Muitos parabéns! Cresceste tanto nestes 18 anos. Aprendeste a pensar pela tua
própria cabeça e a assumir quando fazes asneira. Orgulho-me disso. Não te escrevo para dar conselhos, mas
para te dizer coisas que eu talvez gostasse que me tivessem dito quando tinha a tua idade.
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Quero começar pela liberdade, sempre a liberdade. Nasceste a 25 de abril, uma coincidência feliz para te
lembrar que nunca deves tomar a liberdade como garantida. Muitos tiveram de lutar para que possas desfrutar
dela hoje. E tu deves estar preparado para fazer o mesmo, se um dia, sob um qualquer pretexto, te quiserem
privar da tua liberdade, mesmo que seja só um bocadinho, mesmo que seja só por um bocadinho. Tu e a tua
geração.
Percebeste cedo que a tua liberdade acaba quando a dos outros começa. Mais: foste entendendo que não
te sentirás livre enquanto ao teu lado houver quem o não seja. Por isso, nunca deixes de olhar à tua volta, de te
interessar e de cuidar dos outros, de lutar ao seu lado ou à sua frente, se tiver de ser. Tu e a tua geração.
Percebeste cedo que a tua liberdade acaba quando a dos outros começa e, graças ao 25 de Abril e ao 25 de
Novembro, nasceste num País democrático e livre. Mas a liberdade que verdadeiramente interessa não é a dos
países, é a das pessoas. E não há verdadeira liberdade enquanto não houver igualdade de oportunidades e
possibilidade de escolha. É que, embora tu e os jovens da tua geração tenham nascido num País livre, não
nasceram num País próspero.
Sinto uma parte da responsabilidade por isto. Eu e a minha geração não te deixamos, a ti e à tua geração,
um País à altura das vossas ambições. O País que vos deixamos quase não cresce desde que nasceste, há 18
anos. O País que vos deixamos foi ultrapassado por países que eram mais pobres do que nós há 18 anos. O
Portugal que vos deixamos é hoje menos produtivo em termos relativos do que era quando nasceste. Por isso,
tu e a tua geração terão menos oportunidades do que eu tive, menos escolhas do que eu tive, menos liberdades
do que eu tive. Pela parte que me toca, desculpa.
Mas não desesperes. É possível mudar: lutando, trabalhando, criando. Confio que os portugueses são
capazes de mais, se os deixarem escolher o seu caminho na vida, se os deixarem escolher, por exemplo, a sua
escola ou o seu médico, se não dependerem do Estado para tudo e para nada, se a burocracia não os atrasar
ou impedir. Se mudarmos isto, os portugueses serão tão bons como os melhores e mais livres do que nunca.
Se resistirmos ao conformismo e aos falsos unanimismos, se não deixarmos que o Estado se confunda com
um partido, se a crítica e a diferença forem vistas como a força que efetivamente são, os portugueses, repito,
serão tão bons como os melhores e mais livres do que nunca.
Mas nada disto cairá do céu. Temos, cada um de nós, os mais novos e os mais velhos, de fazer a nossa
parte. Eu entrei na vida política, no Iniciativa Liberal, para defender o liberalismo, que, em Portugal, não tinha
voz. Tu, Miguel, escolherás a tua própria forma de lutar. Mas, seja ela qual for, meu filho, fá-lo com a coragem
que já demonstraste ter.
Luta por ti, luta pelos jovens como tu, pelos que serão como tu, pelos que já foram como tu e também pelos
que não pensam como tu. Nunca desistas de melhorar o mundo à tua volta, à tua maneira, com a ajuda dos
teus ou sozinho, se tiver de ser.
Foi para isto que se fez o 25 de Abril: para te libertar de uma ditadura, sim, mas, acima de tudo, para te
libertar de tudo e de todos os que não deixam a tua geração procurar aquilo que livremente deseja.
Um beijo do teu pai, que te deseja, neste 25 de abril, um dia — e uma vida — livre e muito feliz.»
Aplausos do PSD, do PAN e do CH.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Chega, tem a palavra o Sr.
Deputado André Ventura.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.
Primeiro-Ministro, Altos Funcionários do Estado, General Ramalho Eanes, Sua Eminência Cardeal Patriarca de
Lisboa:
Assinalámos o fim de uma ditadura numa manhã importante de Abril. E hoje, 46 anos depois, continuamos
confinados, já não por força de nos retirarem as liberdades, mas por uma pandemia que nos retirou a maior
parte da nossa liberdade.
Não devíamos estar aqui hoje. E não devíamos estar aqui hoje porque os portugueses não puderam estar
ao lado daqueles que perderam, daqueles que celebraram e daqueles que queriam abraçar no dia de hoje.
Por isso, hoje é o dia de dizer que, por muito importante que seja, não deveríamos estar aqui e, arrisco-me
a dizê-lo, uma grande maioria dos portugueses não queria que estivéssemos aqui.
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Se Abril é alguma coisa, tem de ser a unidade de lutarmos como nunca contra um inimigo que
desconhecemos e que, certamente, vamos vencer.
Mas de que valem os cravos de Abril, Grândola, Vila Morena cantada à janela ou E Depois do Adeus a passar
na rádio se continuamos a ser um dos países com mais altos índices de corrupção da OCDE (Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Económico), se continuamos, infelizmente, a libertar bandidos e a maltratar
as nossas forças de segurança e os nossos magistrados, se continuamos a tratar mal a saúde, a educação, os
profissionais que estão na linha da frente e que hoje acabamos por aplaudir?! De que nos vale ter cravos ao
peito se a todos eles tratamos mal e, diria mesmo, somos um dos piores da Europa?! De que vale termos Abril,
se não temos separação de poderes, se temos uma confusão cada vez maior entre Estado e partido e se isso
compromete, a prazo, a nossa liberdade?!
Vêm aí dos tempos mais difíceis de sempre. E é tempo de perguntarmos o que significa Abril, hoje. Como
podemos falar de Abril se pagamos subvenções vitalícias a políticos que roubaram o Estado?! Como podemos
falar de Abril se pagamos àqueles que nos roubaram nos últimos anos?! Como podemos falar de Abril quando
há julgamentos intermináveis, que não acabam?! E os portugueses, em casa, perguntam-se: «Quando
chegaremos a bom porto?» «Populismo!» — dizem eles.
É a mesma conversa desde que pusemos o cravo ao peito, é a mesma conversa há 46 anos e os portugueses
estão a começar a ficar fartos.
De que vale pormos cravos se temos cada vez mais impostos, muitos deles para pagar — talvez hoje não
fique bem dizê-lo — a muitas minorias que não o merecem e a quem nós pagamos?! Os coitadinhos de Abril
também têm de ser hoje mencionados, sem desrespeito, por serem, na verdade, uma das razões principais de
pagarmos tantos impostos.
Hoje celebramos o fim de uma ditadura e o início de um regime democrático, mas — porque não dizê-lo? —
precisamos de outro. Precisamos de outro! E, com o respeito enorme que temos por aqueles que lutaram
naquela manhã para fazer um regime diferente, também hoje precisamos que uma nova madrugada venha para
nos trazer um novo regime. Por uma razão simples: este já não serve!
Francisco Sá Carneiro dizia que, naquele dia, os militares realizaram um ato heroico de libertação de si
mesmos, mas, consigo, quiseram libertar Portugal inteiro. Porque não assumir hoje que talvez os militares,
naquela manhã, tenham conseguido libertar-se a si próprios, mas não conseguiram libertar Portugal inteiro,
porque essa ainda vai ser a nossa missão a concretizar?
Pode não ser correto, pode não ser politicamente aceitável, pode nem ser moralmente viável, mas hoje é o
momento em que há uma força política nesta Assembleia que diz: «O 25 de Abril não esqueceremos, mas
queremos outro, queremos outra democracia e queremos outra República. Queremos a 4.ª República
Portuguesa!»
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do Partido
Ecologista «Os Verdes», tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr.as e
Srs. Deputados, Valorosos Capitães de Abril, Sr.as e Srs. Convidados:
Aqui estamos hoje para falar de Abril, porque hoje é dia de falar de Abril. É dia de evocar essa madrugada,
tudo o que nos trouxe, tudo o que semeou e tudo o que nos permitiu sonhar.
E, mesmo em tempos como os que vivemos, aqui estamos.
Aqui estamos, porque hoje também é dia de não deixar desvanecer a importância que a liberdade e a
democracia representam para nós, enquanto povo e enquanto País.
Aqui estamos, como estivemos para decidir medidas de combate à crise.
Aqui estamos, como estivemos para discutir o estado de emergência e os seus prolongamentos.
Aqui estamos, como iremos estar nas próximas semanas para discutir novas medidas de combate a esta
ameaça coletiva que sobre nós paira.
E aqui estamos, respeitando escrupulosamente todas as regras de saúde pública e sem retirar elevação ao
que se pretende assinalar hoje na Assembleia da República.
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Aqui estamos para falar da Revolução dos Cravos. Dessa madrugada que semeou esperança, que devolveu
dignidade a um povo vigiado, perseguido e silenciado, que convocou a liberdade e a democracia para o nosso
destino coletivo e que nos trouxe a paz e nos ensinou a valorizar as preocupações com a justiça social, com o
combate à pobreza e com a necessidade de preservar os recursos ambientais.
Para trás, ficaram a ditadura, a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), a censura, a perseguição,
a tortura e a guerra colonial.
Para trás, ficaram um País a preto e branco e um povo obrigado ao cinzentismo de ideias com travo a mofo;
um País onde a mortalidade infantil imperava e o analfabetismo reinava, porque a saúde e o ensino eram luxos
de rico.
Para trás, ficaram um povo triste e um País sombrio.
É por isto e por muito mais que importa dizer: «Fascismo nunca mais!»
Mas falar da Revolução dos Cravos é falar da coragem dos Capitães de Abril, que, nessa madrugada, saíram
dos quartéis para sacudir aquele «presente» e arquivar o tal passado, para nos darem outro futuro e outro
caminho.
É falar da resistência e da coragem de tantos homens e mulheres que lutaram por um País onde a riqueza
produzida fosse por todos distribuída e os recursos naturais por todos sustentavelmente partilhados.
Não posso, por isso, deixar de saudar, em nome do Partido Ecologista «Os Verdes», os Capitães de Abril e
os homens e mulheres que lutaram por um País livre. Uns e outros fizeram História, não só porque foram
capazes de dar corpo ao sentir de um povo inteiro, mas também por tudo quanto Abril nos trouxe. E trouxe
muito!
Desde logo, o Serviço Nacional de Saúde, que representou um enorme passo em termos de civilização, mas
também uma porta que se abriu para os portugueses no acesso aos cuidados de saúde. Com o SNS,
conseguimos melhorar os indicadores de saúde em Portugal, melhorar a saúde e a qualidade de vida dos
portugueses. Foi o SNS que permitiu que a taxa de mortalidade infantil passasse para valores abaixo da média
europeia.
Desde a sua criação, a estrutura do SNS tem-se mantido, apesar de ter sido fortemente fragilizada pelos
Governos do PSD de Cavaco Silva e pela Lei de Bases de 1993, que veio abrir o mercado da saúde aos privados,
e de ter sido enfraquecida ainda pelos cortes do Governo de Passos Coelho e Paulo Portas e por um
subfinanciamento de décadas de Governos do PS, do PSD e do CDS.
Ainda assim, aí o temos, a servir de escudo a esta pandemia, a assumir um papel absolutamente decisivo e
insubstituível neste combate. E, sem grande esforço, podemos fazer uma ideia de como seria lidar com o novo
coronavírus se não tivéssemos o nosso SNS.
É por isso que nunca é demais sublinhar a importância do Serviço Nacional de Saúde e dos seus profissionais
e alertar para a necessidade do seu reforço e da valorização dos homens e das mulheres que, corajosamente,
continuam na linha da frente deste combate e que merecem todo o nosso reconhecimento.
Nesta circunstância, queria endereçar também, em nome do Partido Ecologista «Os Verdes», as mais
sentidas condolências às famílias das vítimas que não resistiram ao novo coronavírus e uma palavra ainda a
todas as pessoas que continuam a trabalhar para garantir que, apesar de tudo, o essencial não falta e o País
não para de todo.
É justo registar também a forma como os portugueses estão a encarar o problema, o que tem representado
um pilar fundamental para construir a resposta, que tem de ser coletiva. Tem de ser coletiva, mas já percebemos
que a solidariedade europeia é apenas conversa fiada.
Na verdade, a postura da dita «União» acaba por traduzir a dimensão da natureza solidária da União
Europeia e o significado da União: é o «salve-se quem puder» no reino do «vale tudo». E, apesar do foguetório
do Eurogrupo, nem há solidariedade nem fundos adicionais.
Ainda assim, que maio represente o início de uma caminhada de regresso à normalidade, uma caminhada
que se adivinha longa e que o bom senso recomenda que seja progressiva e cautelosa.
Enquanto ecologistas, o que esperamos é que «depois do adeus», isto é, depois de se achatar a curva desta
pandemia, nos viremos para outros achatamentos e para outras curvas.
Porque é preciso achatar a curva das desigualdades, sobretudo a pensar nos milhares de trabalhadores que
ficaram sem trabalho e nos que viram os seus rendimentos substancialmente reduzidos com esta crise.
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É necessário achatar a curva da distribuição da riqueza produzida, dos salários, da injustiça fiscal e da
imoralidade dos paraísos fiscais.
É preciso achatar a curva da ausência do interesse público em decisões como as respeitantes à localização
de aeroportos.
É imperioso achatar a curva do tratamento entre os bancos e os contribuintes. Hoje, pedimos aos bancos o
favor de serem sensatos e recordamos que receberam milhões de euros dos portugueses, mas, ontem, ninguém
nos pediu sensatez. O dinheiro saiu dos nossos salários e das pensões diretamente para os bancos e ninguém
nos lembrou de qualquer exemplo de ajuda dos bancos, até porque ela nunca existiu.
É também necessário achatar a curva dos desequilíbrios ambientais.
É imperioso achatar a curva da crise climática e da perda de biodiversidade ou do uso insustentável dos
recursos naturais.
Impõe-se um regresso à razão e uma aproximação aos valores de Abril.
Termino com um «até já», porque, às 15 horas, das janelas e das varandas de cada um, vamos cantar a
Grândola, em defesa do ambiente, em defesa da saúde, mas também para lembrar que o 25 de Abril não está
de quarentena.
Viva o 25 de Abril!
Aplausos do PEV do PCP e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do PAN, tem
a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da
República, Sr. Primeiro-Ministro, Ilustres Entidades, Altas Autoridades, Distintas e Distintos Convidados, Sr.as e
Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários:
A 25 de Abril de 1974, os jovens Capitães de Abril iniciaram a concretização do sonho de gerações que os
haviam precedido, com o derrube de uma ditadura opressora que durava já há mais de 48 anos e a construção
de um Estado democrático. Este sonho não teria sido possível sem o empenho e a mobilização da sociedade
portuguesa, que se organizou para dar resposta aos novos desafios de participação política na criação de um
País livre.
Evocar Abril em 2020 tem, no entanto, de ir além da justa homenagem àqueles que fizeram a História. Requer
a renovação e o fortalecimento dos valores democráticos, refletindo o presente e a liberdade de construir o
futuro, mas constatando, que, no presente, também temos fragilidades que persistem e vendo, então, que Abril
continua por cumprir.
Abril está por cumprir nos seus princípios fundamentais, como o princípio da igualdade. Apesar do caminho
até aqui feito, nem todas as pessoas têm a mesma dignidade social ou são tratadas como iguais. O rosto da
violência doméstica continua a ser marcadamente feminino. Para o desempenho do mesmo trabalho, as
mulheres recebem menos do que os homens e, apesar de mais habilitadas, têm mais dificuldade em aceder aos
cargos de chefia ou aos lugares de topo na política, em que continuam a estar sub-representadas.
Abril está por cumprir no combate à pobreza. Basta olharmos para o nosso País e verificarmos que mais de
10% da população continua a viver em situação de pobreza, apesar de estar empregada. E a vulnerabilidade
atinge, sobretudo, crianças e pessoas idosas, mais uma vez, na sua grande maioria mulheres.
Abril está por cumprir também no acesso à justiça. Se, por um lado, a defesa dos direitos e interesses
protegidos pela Constituição é tratada como um luxo, pondo em causa o acesso ao direito, por outro, não se
investe num combate sério à corrupção ou no aumento da transparência.
Abril está por cumprir também na resposta do Serviço Nacional de Saúde. Durante sucessivos Governos,
houve um desinvestimento na saúde, seja na valorização dos seus recursos humanos, seja nos meios de
resposta existentes. E esta crise demonstrou-nos bem a importância de um Serviço Nacional de Saúde forte e
capaz de dar respostas. Não podemos esquecer que não faz assim tanto tempo que as pessoas em Portugal
não tinham acesso aos mais básicos cuidados de saúde.
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Abril está por cumprir também no direito universal à habitação. No nosso País, são milhares os que não têm
uma casa ou um teto e são muitos mais aqueles que não têm uma habitação digna para viver, com condições
de higiene e de conforto mínimas.
Abril está por cumprir na proteção de todos os cidadãos na doença, na velhice, na invalidez e no desemprego:
dos que não têm dinheiro sequer para aquecer a casa no inverno ou para comprar medicamentos, dos que não
têm um salário digno ou uma pensão digna para viver, dos que vivem isolados ou até mesmo sem condições de
mobilidade que lhes garantam uma cidadania plena.
Abril está por cumprir na igualdade de acesso à educação com qualidade. No nosso País, falta ainda trilhar
um longo caminho para garantirmos uma educação inclusiva, que contribua para reduzir o fosso das
desigualdades sociais e regionais.
Abril está por cumprir no respeito que devemos também aos animais. No nosso País, os animais continuam
a ser votados ao abandono, aos maus-tratos, à privação da liberdade ou à sujeição a atividades cruéis, que
ferem os valores humanitários que nos devem nortear.
Abril está por cumprir na qualidade de vida e ambiental. Vivemos submersos num modelo de
desenvolvimento insustentável, marcado pelo aproveitamento irracional dos recursos naturais e em violação do
princípio da solidariedade entre gerações. Neste País, é o interesse económico que mais ordena, com licença
para devastar ecossistemas de interesse único e que são ainda um importante motor de combate às alterações
climáticas.
Abril está por cumprir no funcionamento das instituições. Na própria Casa da Democracia, ainda há quem
mostre intolerância a desvios ao pensamento único do sistema. Nesta Casa, não podemos esquecer que a
democracia é de todos e para todos. Não há donos da democracia. Só respeitando a pluralidade democrática e
as vozes discordantes que Abril nos permitiu é que se trava o caminho de populismos e demagogias crescentes.
À democracia de pouco ou nada servirão cerimónias e demais simbologias que se mostrem alheadas das
aspirações e preocupações das pessoas e mais ainda das consequências da atual crise sanitária, económica,
social e ambiental, ditada por uma doença silenciosa e desconhecida.
Bem sabemos que os próximos tempos permanecerão difíceis. Esta doença pôs um foco sobre as forças e
as fragilidades do nosso regime democrático. Ao olhar para elas, sabemos que precisamos de uma força
redobrada para livremente reerguer o País, reforçar o Serviço Nacional de Saúde, promover o bem-estar social
e económico, a qualidade de vida das pessoas, um Estado criador de um novo modelo de desenvolvimento
económico, mais justo, sustentável e climaticamente neutro, e, acima de tudo, um Estado que não permita que
esta crise se transforme também numa crise humanitária.
São muitos os desafios que nos esperam. Mas, neste mar turbulento, provocado por este coronavírus que
ameaça a humanidade, não estamos todos no mesmo barco. Por isso, como bem referiu o Secretário-Geral da
ONU (Organização das Nações Unidas), o mantra «não deixar ninguém para trás» importa agora mais do que
nunca.
Precisamos de uma nova alvorada.
Precisamos de um novo Abril e de um despertar para um novo paradigma.
O nosso País precisa de novas políticas de conciliação do trabalho, da família e do lazer. Pensemos no papel
que o trabalho tem na nossa sociedade, nas consequências do encerramento de milhares de empresas e de
mais de um milhão de cidadãos em layoff ou no aumento drástico dos números do desemprego a cada dia.
Pensemos na importância de as nossas crianças terem não só o direito efetivo de acesso à educação, mas
também o direito de ser crianças e de todos termos direito ao desenvolvimento pessoal e ao tempo livre.
Precisamos que o tempo que temos hoje não seja condicionado por esta crise sanitária e precisamos de,
enquanto sociedade, ser capazes de nos organizar para permitir esse mesmo tempo.
O nosso País precisa, assim, de novas políticas de apoio à criação cultural e artística. Pensemos na ironia
de viver num País que iniciou uma Revolução com canções de resistência e que nega agora o devido apoio e
valorização aos seus artistas.
O nosso País precisa de novas políticas ambientais e de empatia e sensibilidade para com os animais.
Pensemos no autofágico modelo de desenvolvimento vigente, assente na produção e no consumo desmedidos,
que polui e invade ecossistemas intocados, destrói habitats e extingue espécies. A ciência não se cansa de
alertar para a necessidade de mudança dos nossos hábitos e comportamentos. Caso contrário, não
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conseguiremos achatar a curva das emissões de carbono nem evitar o aumento da temperatura média global.
E isso também nos matará e mais crises como aquela com que nos debatemos hoje se seguirão.
O nosso País democrático não sobreviverá sem novas políticas, sem novas políticas que aprofundem e
reforcem aquilo que esta crise mais evidenciou: a importância e a necessidade de um Estado social forte, que
ponha as pessoas em primeiro plano e atue na defesa e na proteção do interesse dos seus cidadãos, sem
qualquer tipo de distinção ou discriminação, e que reforce o caminho para a igualdade. Recorde-se que, em
democracia, a força de um Estado depende diretamente da confiança dos seus cidadãos. Não há confiança sem
transparência e a falta dela também alimenta populismos antidemocráticos.
Antes de terminar, não podemos deixar de referir que hoje não podemos todos celebrar o 25 de Abril. Faltam
aqueles cujas vidas perdemos e a cujas famílias não podemos deixar de manifestar pesar. Faltam aqueles que
estão doentes ou em isolamento social. Hoje, não saímos todos juntos à rua. A todos eles deixamos uma palavra
de força e de ânimo, assim como àqueles que estão em casa a cuidar dos seus ou a zelar pelo cumprimento
das regras recomendadas pela Direção-Geral da Saúde, protegendo-se, assim, a si e aos demais.
Começámos esta intervenção agradecendo a quem abriu o caminho da liberdade. Terminamos enaltecendo
a atitude solidária e altruísta de todos os nossos concidadãos, agradecendo em particular àqueles que têm
assegurado o funcionamento do País, garantindo a saúde dos que estão doentes e assegurando os cuidados à
população, a segurança dos demais, a distribuição de bens e alimentos, a recolha de resíduos, a tantos outros
que prestam serviços essenciais e também, obviamente, à comunicação social, nas palavras de Gandhi,
«cumprindo o nosso dever de cidadãos do mundo». São vocês o nosso garante da liberdade e de que Abril
continua a viver em todas e todos nós.
Viva o 25 de Abril!
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do CDS-PP,
tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Ilustres Convidados, Sr. ex-
Presidente da República Ramalho Eanes, Sr.as e Srs. Deputados:
Começo por recordar que o CDS não só discordou desta cerimónia em tempo de pandemia e em estado de
emergência como propôs uma alternativa viável e responsável para uma evocação que consideramos
fundamental por representar a liberdade. Isso nunca esteve em causa.
Olho para esta Sala e verifico até que os partidos que a impuseram a foram reduzindo e espaçando, seja em
número de Deputados, seja em número de convidados. Afinal, ao contrário do que disseram, a questão nunca
foi ideológica; quando muito, era uma questão de lógica. E não usarei sequer a liberdade que devo ao 25 de
Abril para responder ao muito que ouvimos por termos esta posição. Isso só qualifica quem o proferiu e não
ofende quem quiseram ofender.
O CDS é um dos quatro partidos históricos da nossa democracia e a voz representativa da democracia cristã
neste Hemiciclo, desde as primeiras eleições livres. Não aceitamos lições de democracia de ninguém.
Com esta cerimónia em estado de emergência, o que o poder político está a dizer é que permite para si
mesmo aquilo que proibiu aos portugueses e que não respeita para si próprio o que exigiu ao povo: isolamento
e confinamento.
Enquanto aqui celebramos, os portugueses não se podem juntar para celebrar nada, nem o seu próprio
aniversário. Enquanto aqui celebramos, os nossos idosos estão isolados e as crianças deixaram de ver os seus
amigos. Muitas são as famílias que não puderam sequer despedir-se dos seus mortos. Milhares perderam o seu
emprego e inúmeras empresas foram obrigadas a fechar. Muitos não vão poder estar com as suas mães no
próximo dia 3 de maio ou celebrar a sua fé no dia 13 de maio.
Em democracia, não há umas datas prescindíveis e outras imprescindíveis por imposição de uma maioria.
No País, esta celebração dividiu os portugueses, quando o momento é de união. Todo o País deve respeito a
este Parlamento, mas o Parlamento também deve respeitar os portugueses.
Hoje, 25 de abril de 2020, a nossa liberdade coletiva é defendida por todos os que, na primeira linha, estão
a salvar vidas, mas também por todos aqueles que, respeitando o que o poder político determinou, estão
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confinados, abdicando da sua liberdade individual. Por isso, este é um mau exemplo. Ainda assim, estamos aqui
mandatados para coerentemente lavrar o nosso protesto democrático, não deixando de cumprir o nosso dever.
Viva a Democracia!
Viva Portugal!
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do PCP, tem
a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da
República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr.ª Presidente do Supremo
Tribunal Administrativo, Sr. Representante dos Capitães de Abril, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs.
Deputados:
A Revolução de Abril é património do povo e é património do futuro. Celebramos hoje com a confiança de
que o melhor do seu caminho histórico ainda está por vir e de que, mais tarde ou mais cedo, a luta dos
trabalhadores e do povo, a luta dos democratas o concretizará na sua plenitude.
Decidiu a Assembleia da República, e bem, comemorar a Revolução de Abril. Em nenhum momento difícil
da nossa vida coletiva, mesmo enfrentando as maiores dificuldades e transportando as mais densas
inquietações, pudemos deixar de celebrar Abril. E se há momento em que o 25 de Abril não pode ser apagado
é este, para confirmar e reafirmar a importância do seu projeto libertador e a atualidade dos seus valores e dos
seus ideais de liberdade, emancipação social e nacional.
Sim, impunha-se estar aqui para exaltar a determinação do nosso povo, que ama a liberdade e a reconquistou
e que hoje, tal como nós, vai, às 15 horas, por todo o País, cantar a Grândola e o hino nacional, dando expressão
à ação valorosa e de grande coragem do Movimento das Forças Armadas (MFA) e a essa unidade construída
de firmes vontades que juntou povo e MFA para realizar o ato e processo mais moderno e avançado da nossa
época contemporânea: um tempo novo, em rutura com um passado fascista, opressor e obscurantista que hoje
alguns, vestindo novas e dissimuladas vestes, pretendem branquear, denegrindo Abril. Um tempo novo que
permitiu transformar a realidade vivida e, com ela transformada e em transformação, mudar a forma de ver o
mundo e a própria sociedade.
Sim, foi uma Revolução que quis ir longe no quebrar de muitas grilhetas de opressões seculares e de
exploração.
Uma Revolução que optou e decidiu criar esse bem precioso que hoje tanto valorizamos e que o surto
epidémico tem mostrado indispensável: o nosso Serviço Nacional de Saúde, que precisamos de valorizar e
reforçar.
Uma Revolução que optou pela consagração dos direitos sociais universais à educação, à segurança social,
à cultura e pela valorização do trabalho, dos trabalhadores e dos seus direitos, pelo fim do domínio da economia
pelos monopólios e latifúndios.
Uma Revolução que optou pela paz contra os interesses dos que faziam a guerra.
Confrontou-se a Revolução, desde muito cedo, com a resistência de interesses económicos e políticos
poderosos e muitas das suas realizações andaram para trás. Ficou tanto por fazer!
Está muito por fazer e, mais do que nunca, neste tempo inquietante, é preciso seguir no trilho de Abril,
renovando o apego aos seus importantes valores.
São os valores de Abril que podem iluminar o caminho de Portugal. São os valores da liberdade, da
democracia, da natureza do Estado concebido para responder aos interesses e necessidades do povo e do
País, em oposição à conceção do Estado como instrumento para servir o capital e a exploração.
São os valores do desenvolvimento económico que devem ter como objetivo a melhoria das condições de
vida dos portugueses, o pleno emprego, uma justa e equilibrada repartição da riqueza nacional, a soberania e a
independência nacional.
São os valores de Abril que nos fortalecem como povo e que nos podem ajudar a ultrapassar os problemas
que anos de políticas negaram e que a atual situação epidémica agravou.
São valores que podem e devem ser traduzidos num programa político concreto, patriótico e de esquerda,
dando expressão ao conjunto das dimensões da democracia de Abril, que queremos e propomos dever ser
simultaneamente política, económica, social e cultural.
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Vivemos tempos difíceis. Os que há pouco diziam que vivíamos acima das nossas possibilidades estão de
volta, empolando dificuldades reais. Regressaram a debitar as suas velhas receitas, agigantando catastróficos
cenários para justificar o aprofundamento da exploração. Ei-los ensaiando o discurso da inevitabilidade do corte
dos salários, das pensões e dos direitos e a pensar manter intocáveis os seus instrumentos de exploração. Não
o podemos aceitar!
Não é inevitável que o surto epidémico se traduza em regressão na vida dos trabalhadores e do povo. A
resposta às dificuldades passa por valorizar salários e por políticas dirigidas à defesa e à criação de emprego.
Habituados a ter o seu lugar reservado à mesa do Orçamento do Estado, os grandes grupos económicos e
financeiros aí estão já a reclamar milhões aos cofres públicos.
Dizem-nos que estamos todos no mesmo barco. Os mesmos que estão na origem das gritantes
desigualdades existentes passaram a arvorar-se campeões do consenso nacional. Não, os portugueses não
estão todos nas mesmas condições. Não estão no mesmo barco os que permanecem de cofres cheios e os que
empobrecem trabalhando e se endividam, os que estão em layoff e no desemprego, os que trabalharam uma
vida inteira e têm parcas reformas e pensões, porque sempre tiveram baixos salários. Não estão no mesmo
barco muitos pequenos e médios empresários. Não estão no mesmo barco aqueles que continuam a colocar
milhões na Holanda e nos offshore para fugir ao fisco e aqueles que vão passando de emprego precário para
emprego precário, sem meios de vida.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os direitos não podem ficar de quarentena!
A situação que vivemos mostra a importância dos serviços públicos para servir o povo e o País, mostra bem
a falácia do discurso da diabolização do Estado e do investimento público ou da despesa pública, mostra as
erradas políticas de subalternização da produção nacional que o fundamentalismo neoliberal justificava e que a
União Europeia apregoava e impunha.
Este é o tempo de reconhecer que o caminho se faz cumprindo a Constituição da República e não contra
ela. Sim, precisamos de produzir cá o que nos impuseram comprar lá fora, modernizando e diversificando as
atividades económicas. Precisamos de recuperar para o País o que nunca devia ter sido privatizado. Precisamos
de acelerar o investimento, de adquirir os equipamentos de que o País carece, de construir infraestruturas, de
assegurar serviços públicos essenciais. Precisamos de concretizar Abril e de o celebrar pensando no Maio de
quem trabalha, que saudamos.
Deixo uma saudação particular às centenas de milhares que estão, neste dia e todos os dias, nos hospitais,
nos serviços públicos essenciais, nas fábricas, nos campos para assegurar que o País não para.
Sim, que viva Abril sempre, agora mais do que nunca!
Aplausos do PCP, do PS, do BE e do PEV.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Tem a palavra, em representação do Grupo Parlamentar
do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado Moisés Ferreira.
O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,
Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Administrativo, Sr. Primeiro-Ministro e
demais Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados:
Num 25 de Abril que é assinalado em plena pandemia, permitir-me-ão que comece por lembrar todas as
pessoas que sucumbiram ao novo coronavírus, todas as pessoas e famílias que têm sofrido e que vivem
angustiadas. Permitir-me-ão que comece por manifestar toda a nossa solidariedade a todas essas pessoas.
Hoje, não lembramos somente os corajosos Capitães que, há 46 anos, pela madrugada, libertaram o País e
fizeram nascer o dia «inteiro e limpo». Lembramos e homenageamos também todos os trabalhadores para quem
essa madrugada transformadora se fez: os da saúde, da indústria, da distribuição, do comércio, entre tantos
outros, todos os outros, que enfrentam a epidemia, todos os dias, para fazer funcionar o País. A todos eles
devemos muito e a todos eles agradecemos muito.
Este é um 25 de Abril diferente. Os concertos serão à janela, entoando a Grândola, hoje, às 15 horas, e os
encontros que tradicionalmente se proporcionam neste dia ficarão para outras ocasiões. Hoje, não desceremos
a Avenida, mas nem por isso esquecemos que a liberdade é o nosso chão.
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Este é, pois, um 25 de Abril diferente de todos os outros. Diferente no modo, mas ainda mais importante no
significado.
O País vive sob um estado de emergência, único na nossa História democrática. Ele tem sido necessário
para medidas de confinamento e de restrição da circulação que têm travado a epidemia, mas não suspende a
democracia nem serve para atacar direitos e liberdades conquistados. A pandemia não descontinuou a
Constituição nem «cerra as portas que Abril abriu».
A crise sanitária mostrou como a saúde é um bem público. Mostrou como o direito à proteção da saúde é
absolutamente central, como absolutamente central é também o Serviço Nacional de Saúde, filho da Revolução
de 1974.
Hoje, podemos confirmar que é Abril que combate a epidemia, não é a epidemia que combate Abril.
À crise económica devemos responder, por isso, com o espírito de Abril: solidariedade e proteção do
emprego; justiça e proteção dos rendimentos de quem menos tem; igualdade e intensificação dos direitos
fundamentais. Na «terra da fraternidade», em que acreditamos e que queremos construir permanentemente,
ninguém fica para trás.
Do momento que vivemos, tiramos e continuaremos a tirar lições.
Aprendemos que, em situações de emergência de saúde pública, é o nosso SNS — aquele que é público,
universal, geral, gratuito — que nos salva e protege. Não são os privados que fazem da saúde uma mercadoria,
os que fecharam portas ou os que viam na epidemia mais uma oportunidade de negócio. Um Serviço Nacional
de Saúde forte é o que faz falta ao País.
Aprendemos que é no Estado que devem estar as funções essenciais e os setores estratégicos e que, se
assim não for, a nossa capacidade de resposta, enquanto País, ficará diminuída e a nossa população
desprotegida.
Quem ainda não soubesse ficou agora a saber que todos os profissionais de saúde são imprescindíveis.
Todos: técnicos auxiliares de saúde, assistentes técnicos, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica,
farmacêuticos, técnicos superiores de saúde, enfermeiros, médicos. Todos, sem exceção. Nunca mais podem
ser tidos como gorduras do Estado e nunca mais devem ser forçados a emigrar. Não são precarizáveis nem são
descartáveis.
Aos que começam a espreitar a oportunidade de desenterrar a velha cartilha da austeridade, o País
responderá com estas lições. Se tivéssemos hoje menos SNS, como sempre propuseram, estaríamos
desgraçados. Se tivesse sido tudo entregue ao mercado, como tanto queriam, a população não teria resposta
na área da saúde.
Precisamos de um SNS com mais investimento para continuar o combate à COVID, certamente, mas também
para recuperar a atividade suspensa e, ao mesmo tempo, reforçar a sua resposta em áreas como a saúde
mental ou os meios complementares de diagnóstico.
Não voltaremos atrás, ao tempo em que se tiraram mais de 1000 milhões de euros ao SNS e em que a direita
queria ir além da troica e advogava a sua entrega aos grupos económicos.
Precisamos de profissionais de saúde que, para além de serem aplaudidos e elogiados, tenham também
melhores carreiras e remunerações. Merecem-nas agora e não permitirão que se volte atrás, ao tempo do
congelamento de carreiras ou da redução do valor do trabalho.
Das lições desta crise, também fica claro, caso ainda houvesse dúvidas, que são os trabalhadores que
permitem que o País funcione, que garantem que, no dia a dia, não falha o essencial. Não são os acionistas
nem são os que sediaram as empresas lá fora para fugir aos impostos.
Neste que é o primeiro 25 de Abril depois da sua morte, convoquemos a «inquietação» de que nos falava
José Mário Branco. Inquietação quando há trabalhadores que ficaram com os salários ameaçados para não
colocar em risco os dividendos. Inquietação quando o emprego é precário e desaparece, apesar dos apoios do
Estado para não despedir. Inquietação perante uma Europa que se entendeu rapidamente no passado para
salvar bancos, mas que agora apenas consegue estender a mão que empurra os países para o fundo do
endividamento.
Inquietação que é capaz de fazer do peito «campo de batalha» para transformar as lições desta crise em
escolhas que temos de fazer por nós, pelo nosso povo, sem pedir licença a Bruxelas, e inquietação que é
também capaz de «flores aos milhões», mesmo «entre ruínas». Que sejam, mesmo assim, milhões de cravos
vermelhos para conseguir um País e um futuro melhores.
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Hoje, momento em que mostramos que o 25 de Abril não ficou suspenso nem adiado, lembramos que não
há noite que não acabe. E que há noites que dão lugar a dias inteiros e limpos. Assim terá de ser novamente
com a pandemia e a crise económica.
Luís Sepúlveda escreveu que «somente aqueles que ousam podem voar». Fizemo-lo há exatamente 46
anos. Em dias, avançámos décadas. Façamo-lo sempre. Façamo-lo outra vez. Da crise só saímos avançando,
nunca recuando.
Viva a Revolução de Abril!
Viva o 25 de Abril!
Aplausos do BE, do PCP, do PEV e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Grupo Parlamentar do PSD, tem
a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.
Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados:
Pela primeira vez, Portugal comemora o 25 de Abril com a liberdade condicionada. A liberdade que a
Revolução nos trouxe está hoje, por força das circunstâncias, limitada a esta cerimónia, ela própria fortemente
condicionada. Mas aquilo que, à primeira vista, pode parecer negativo é, no fundo, um exemplo positivo do
próprio regime democrático, que, sem complexos, mostrou ser capaz de responder com a legalidade
constitucional perante uma ameaça séria à nossa saúde coletiva.
Portugal não tem a democracia suspensa. Tem a democracia bem presente, ao demonstrar que ela encerra,
em si mesma, mecanismos de funcionamento capazes de responder com eficácia a uma circunstância única e
absolutamente excecional.
Teria sido dramático se, por cobardia ou complexos de ordem ideológica, não tivéssemos aprovado o estado
de emergência e não tivéssemos imposto os constrangimentos que as circunstâncias, infelizmente, nos exigem.
A bem da própria democracia, tal não aconteceu.
Temos todos consciência de que Portugal vive um período muito difícil do ponto de vista sanitário, pelo
momento que estamos a atravessar e pelo facto de podermos vir a ter uma segunda onda da pandemia daqui
por poucos meses. Impõe-se, por isso, que o País se prepare para esta eventualidade, porque a economia
portuguesa não resistirá a uma nova paragem idêntica àquela que estamos a viver.
As falhas que da primeira vez existiram não poderão ser repetidas. No próximo inverno, teremos de ter uma
maior capacidade de resposta do SNS, sob todos os pontos de vista. Teremos de ter mais equipamentos
disponíveis e mais profissionais habilitados a usá-los. Teremos de ter testes em quantidade suficiente. Terá de
haver proteção individual adequada para todos, a começar pelos profissionais de saúde que estão na linha da
frente. E terá de haver, como já tive oportunidade de alertar, informação e pedagogia adequadas que, na
ausência de medicamentos para a cura da infeção, apoiem os portugueses no necessário reforço do seu sistema
imunitário.
A questão do planeamento logístico não pode ser esquecida também, pois, sem ele, a nossa resposta será
sempre deficiente e incompleta. Neste particular, temos de olhar com especial cuidado para os lares de idosos,
onde todos estes aspetos assumem uma importância absolutamente decisiva.
Mais importante do que planear a presença de governantes nos jornais e nas televisões para publicitarem, a
toda a hora, o que fizeram e o que não fizeram é planear a resposta do País a uma eventual segunda onda da
COVID-19. A enorme debilidade com que a nossa economia e as nossas finanças públicas vão sair desta longa
paragem não acomoda um novo embate de igual dimensão.
Por isso, temos também de, ao nível dos diversos ministérios, corrigir as falhas e injustiças que têm vindo a
acontecer, de modo a que as empresas e os trabalhadores possam receber os seus apoios em tempo útil e
oportuno.
O Partido Socialista e os partidos da maioria parlamentar que apoia o Governo têm garantido que, com eles,
não haverá qualquer tipo de austeridade. É uma notícia que seguramente a todos agrada, mas tal otimismo não
pode ser impeditivo de nos prepararmos para o pior cenário, pois, tal como o povo nos ensina, «mais vale
prevenir do que remediar».
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Sr. Presidente, na evocação do 25 de Abril, cumpre-nos agradecer aos militares que, há 46 anos — tantos
quantos os Deputados aqui hoje presentes —, nos trouxeram a liberdade e a democracia. Deles não me quero
nem posso esquecer.
Mas, na celebração deste ano, julgo ser da maior justiça evocar, à frente de tudo o mais, aqueles que
faleceram vitimados pela COVID-19, em particular os que, pela crueldade das circunstâncias, não puderam ter
um funeral de acordo com as nossas tradições e os nossos valores culturais. É neles e nos seus familiares que
primordialmente devemos ter hoje, e aqui, o nosso pensamento. É a eles que devemos dedicar, em primeiro
lugar, esta Sessão Solene Comemorativa do 25 de Abril de 2020.
Aos portugueses que, durante todo este tempo de estado de emergência, continuam a trabalhar para que a
nossa economia não pare por completo e para que não nos faltem os bens de primeira necessidade — a começar
justamente pelos serviços de saúde —, não pode também a Assembleia da República deixar de agradecer. A
ingratidão, sendo própria de alguns homens, não pode ser própria do Homem.
Portugal atravessa um momento particularmente difícil. A ele suceder-se-á o tempo de completa dedicação
à recuperação da economia nacional e da nossa esperança coletiva. A unidade que a esmagadora maioria dos
portugueses demonstrou na luta contra este inimigo comum permite-nos ter a certeza de que, tal como em
muitos outros momentos da nossa História, haveremos de ultrapassar esta dificuldade com o saber e a coragem
com que sempre o fizemos. Haveremos de vencer, com a mesma coragem com que, ao tempo, dobrámos o
Cabo das Tormentas e, com elas, construímos a Esperança.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Tem a palavra, em representação do Grupo Parlamentar
do PS, a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendes.
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia
da República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Ilustres Convidados:
Subo a esta tribuna, com emoção e orgulho, para saudar o 25 de Abril de 1974 e todas as suas conquistas,
e com a firme convicção de que, na Casa da Democracia, devemos assinalar esse dia maior de Portugal.
Para assinalar «O dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio», como tão bem escreveu
Sophia de Mello Breyner.
Para saudar o 25 de Abril do Portugal plural e da democracia representativa.
Para saudar o 25 de Abril da liberdade, da tolerância, da igualdade. O 25 de Abril da democracia, da
descolonização, do desenvolvimento. O 25 de Abril da paz, da abertura ao mundo, dos sonhos e do futuro.
Para saudar esse dia em que o jovem capitão Salgueiro Maia, com coragem, sem medo, com bravura e
carregado de sonhos e utopia, capitaneou a coluna de militares que derrubou a ditadura de 48 anos. Nessa
manhã, os Capitães de Abril, que daqui saúdo calorosamente, encheram as ruas e as praças de Portugal de
esperança e deram à minha geração a oportunidade de crescer em liberdade. A todos — e permitam-me que,
pela amizade, recorde o Capitão de Abril e Deputado da minha bancada durante muitos anos Marques Júnior
— o meu sincero muito obrigada.
Aplausos do PS, do BE e do Deputado do PSD Rui Rio.
Para a minha geração, que nasceu pouco antes da Revolução e cresceu num Portugal livre, democrático e
aberto ao mundo, a História não se apaga. Lembrar Abril é celebrar todas as suas conquistas e recordar a
libertação de um Portugal amordaçado, um País de fome, miséria e desigualdades; um País devastado pela
morte e pela mutilação de milhares de jovens na guerra colonial; um País que forçou muitos ao exílio, à
clandestinidade e à emigração; um País que prendeu, torturou e matou quem ousou pensar diferente; um País
onde tantos meninos nunca foram meninos porque a escola lhes estava vedada;…
Aplausos do PS.
… um País onde as mulheres não tinham os mesmos direitos que os homens; um País em que uma guerra
colonial anacrónica roubava futuro aos jovens e o direito à autodeterminação dos povos.
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Foi este País que o 25 de Abril transformou e, por isso, devemos hoje homenagear, dos mais conhecidos
aos mais anónimos, todos os que deram, com o seu sangue, a sua vida para que Portugal pudesse mudar.
Aplausos do PS.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me que me dirija diretamente a todas e a todos os
portugueses que nos seguem das suas casas neste 25 de Abril vivido de forma tão atípica.
Quero, em primeiro lugar, prestar homenagem a todos os que estão em confinamento social, mas também
deixar uma palavra de solidariedade às vítimas e a todos os portugueses que estão a enfrentar esta pandemia
de forma exemplar. Estamos todos juntos a enfrentar a pandemia, cumprindo todas as normas da Direção-Geral
da Saúde.
Manuel Alegre, no magnífico texto «Rosas Vermelhas», do livro Praça da Canção, numa ode à liberdade e à
ternura, a propósito do seu aniversário passado nas masmorras das cadeias da PIDE, escrevia o seguinte: «Em
Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto». Muitos estiveram, então,
nos seus postos, de diferentes modos, todos inconformados com a perpetuação da ditadura.
Lembrei e aqui evoquei, perante vós, as palavras de Alegre para, no contexto de realização desta Sessão
Solene do 25 de Abril, deixar também uma questão: acaso poderíamos nós, Deputados, estar noutro local que
não no Parlamento para assinalar os 46 anos do 25 de Abril? Não, não poderíamos!
Mesmo num contexto de estado de emergência, a democracia não está suspensa. Todas as semanas temos
estado aqui a trabalhar, por mandato do povo, para aprovar leis e para fiscalizar o Governo.
Não estaríamos à altura das nossas responsabilidades se fechássemos o Parlamento ao 25 de Abril. Hoje,
mais do que em qualquer outro dia, a Casa da Democracia tem de dizer «presente».
Hoje estamos aqui, nesta como noutras sessões, no nosso posto: nós que estamos presencialmente aqui,
como todos os Deputados que, pelas circunstâncias, não podem estar fisicamente.
Comemorar a liberdade é trabalhar para a democracia e não devemos subtrair-nos a nenhuma das
dimensões necessárias desse trabalho. Fazemo-lo em nome dos e pelos portugueses que nos elegeram e,
elegendo-nos, confiaram na nossa dedicação em manter viva a chama da liberdade, da Constituição e da
República, honrando a democracia representativa.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente da República, como V. Ex.ª tão bem ensinou a várias gerações de estudantes de Direito, o
Parlamento tem um lugar único na democracia: é a instituição da pluralidade, onde se representa a diversidade
da comunidade. O Parlamento é a Casa das diferenças de opinião, das diferenças programáticas, das diferenças
de propostas. É na Assembleia da República que a pluralidade se assume como valor constitutivo e como
garante e instrumento do bem comum. É aqui que se afirma, cada dia e em cada debate, que a unidade nacional
é a unidade plural da diversidade.
O Parlamento não pode, por isso, em qualquer circunstância, deixar de ocupar o seu lugar e de assumir as
suas responsabilidades de representação, porque as nossas diferenças não podem ser divisivas e destrutivas.
As nossas diferenças são legítimas, mas a sua afirmação deve coexistir com a capacidade de, nos momentos
decisivos para os portugueses, nos unirmos no que é essencial.
Nunca nestes 46 anos, como no último mês e meio, a democracia foi tão colocada à prova.
Nenhum de nós imaginaria que, em 2020, estaríamos limitados na nossa liberdade por uma pandemia, um
inimigo invisível, que nos impôs circunstâncias que conduziram à declaração do estado de emergência.
Mas a democracia que conquistámos no 25 de Abril está consolidada e viva. Por isso, estamos a conseguir
usar com moderação os poderes de exceção. Por isso, garantimos, na emergência, o papel do Parlamento no
equilíbrio de poderes que garante o Estado de direito. Por isso, temos um Parlamento que nunca interrompeu o
seu funcionamento e que não foi suspenso pela emergência.
O inimigo desconhecido que ameaçou a nossa liberdade fez também aparecer outros demónios já
conhecidos, como a xenofobia, o fechamento nacional e o medo — um medo subterrâneo que alguns gostariam
de usar para abalar os pilares do Estado de direito democrático. Sentir medo é próprio do ser humano. Mesmo
os que resistiram durante a ditadura, nunca deixaram de ter medo, mas souberam não se deixar vencer por ele.
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Aplausos do PS.
Também hoje é nossa responsabilidade não decidir condicionados pelo medo e impedir a exploração do
medo como arma política.
Um Parlamento que se deixasse sequestrar pela demagogia estaria a defraudar Abril, tal como defraudaria
Abril um Parlamento fechado sobre si mesmo. Ter um Parlamento forte é cumprir Abril.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Faz hoje 45 anos que foi eleita a Assembleia Constituinte. Foram as
primeiras eleições livres do Portugal democrático e em menos de um ano foi aprovada a Constituição da
República Portuguesa.
É a Constituição da República Portuguesa que corporiza todas as conquistas e todos os valores democráticos
de Abril. A Constituição, Sr.as e Srs. Deputados, não é passado, é presente e futuro!
A instituição de um regime democrático permitiu o fim do isolamento de Portugal. A visão de Mário Soares
levou-nos à integração europeia — e como essa integração nos trouxe desenvolvimento e esperança num
mundo melhor, mais pacífico, mais igual e mais solidário!…
Importa, pois, hoje, olhar para o nosso papel na União Europeia e para os desafios que se colocam ao projeto
europeu. Nunca os cidadãos foram tão exigentes face ao projeto europeu. As notícias que recebemos da Europa
alternam entre o bom, o mau e o incerto. Mas, no que depender de nós, Grupo Parlamentar do Partido Socialista,
a Europa sairá reforçada nesta crise, fará parte da sua solução e não dos problemas gigantescos que temos
pela frente. Esperemos que todos queiram partilhar este nosso sentimento de reforço da Europa.
Evocar o 25 de Abril não é apenas comemorar, é renovar o compromisso com a liberdade, a democracia, o
desenvolvimento e o bem-estar, que, felizmente, tem sido consensual na sociedade portuguesa. E durante tanto
tempo, de tão consensual que foi, temo-nos esquecido de que a liberdade é uma flor delicada.
Foi recentemente divulgado que há mais ditaduras no mundo do que democracias e, se não há razões para
estarmos pessimistas em Portugal, temos de estar atentos às situações dos outros pontos do mundo.
O nosso compromisso com a liberdade, enquanto pessoas com responsabilidades políticas, renova-se todos
os dias na nossa capacidade de ouvir as pessoas, de sentir os seus problemas, de olhar com respeito as
diferentes opiniões, na nossa capacidade de trabalhar para o bem comum.
Estes meses mostraram que a adversidade não tem de tolher a liberdade. Os próximos anos demonstrarão
que a liberdade não é apenas a mais justa, mas também a mais eficaz forma de construir a prosperidade. Este
é o próximo desafio das nossas vidas.
Mobilizemo-nos todos para ganhar em Abril, mais uma vez, a nossa liberdade individual e coletiva.
A todos os portugueses deixo as palavras de Torga: «Recomeça… / Se puderes / Sem angústia / E sem
pressa. / E os passos que deres, / Nesse caminho duro / Do futuro / Dá-os em liberdade. / Enquanto não alcances
/ Não descanses. / De nenhum fruto queiras só a metade.»
Abril é de todos os portugueses!
Viva o 25 de Abril!
Viva a Liberdade!
Aplausos do PS e da Deputada do BE Catarina Martins.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Sua Ex.ª o Sr. Presidente da República vai agora dirigir
uma mensagem ao Parlamento.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa): — Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Administrativo,
Sr. Presidente António Ramalho Eanes, Srs. Ministros, Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, Digníssimos
Convidados, Sr.as e Srs. Deputados, Portugueses:
Deliberou a Assembleia da República manter, neste tempo de sacrifício de todos os portugueses, a cerimónia
oficial de evocação do 25 de Abril e mantê-la aqui, nesta Casa, nos termos em que a tem realizado, embora
com um número muito reduzido de Deputados e convidados.
Fê-lo também tendo presente o nunca ter interrompido as sessões plenárias durante o estado emergência,
o constituir a presente fórmula, a que mais facilmente daria voz à multiplicidade acrescida de formações
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partidárias, e o preencher o número de presentes com as condições há dias definidas pelas autoridades
sanitárias.
Compreendem os portugueses que o Presidente da República respeite a competência própria da Assembleia
da República sobre a evocação, o local, o formato e a composição dos participantes, tal como, por princípio,
sempre respeitaram os seus antecessores quando a Assembleia se encontrava em funções, isto é, fora de
períodos eleitorais.
Compreendem ainda os portugueses que o Presidente da República, símbolo da unidade nacional, em caso
algum, concebesse sequer um desencontro com a Casa da Democracia, que traduz a diversidade nessa
unidade, num momento da vida do País que exige convergência perante desafios tão graves como os da vida,
da saúde e ainda o da vida digna no emprego, nos salários, nos rendimentos, nas famílias, nas empresas.
Esta hora impõe-nos unidade, unidade que não é nem unicidade, nem unanimismo, mas unidade entre os
portugueses que o têm lembrado no seu dia a dia e unidade entre os responsáveis políticos, uma convergência
que tem sido decisiva para Portugal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Portugueses: O Presidente da República é, porém, obviamente
sensível às dúvidas de alguns portugueses, surgidas nas últimas semanas, acerca da sessão que hoje aqui nos
reúne. Entende mesmo que é fundamental, para continuarmos todos juntos, porque o caminho a fazer ainda é
longo, difícil e imprevisível, dizer o que pensa de cada uma dessas interrogações críticas.
Não é este um tempo excecional e, em tempos excecionais, não devem dispensar-se evocações costumeiras
e, para muitos, ritualistas? Não! É precisamente em tempos excecionais que se impõe evocar o que constitui
mais do que um costume ou um ritual, o que é manifestamente essencial.
O 10 de Junho é essencial e vai ser evocado. O 1.º de Dezembro é essencial e vai ser evocado. O 5 de
Outubro é essencial e vai ser evocado. O 25 de Abril é essencial e tinha de ser evocado.
Em tempos excecionais, de dor, de sofrimento, de luto, de separação, de confinamento, é que mais importa
evocar a Pátria, a independência, a República, a liberdade e a democracia.
Mas, sendo este um tempo em que vários de nós não vemos filhos ou netos, nem visitamos doentes ou lares
há mais de um mês e em que só podemos, alguns de nós em grupo de risco, sair das nossas casas em termos
muito mais limitados, não é um tempo que rejeite o que nesta evocação traz consigo um espírito de festa de
políticos? Não! A presente evocação não é uma festa de políticos alheia ao clima de privação vivido na sociedade
portuguesa.
Evocar o 25 de Abril é falar deste tempo, não é ignorá-lo. É falar dos seus desafios presentes e futuros, do
que fazemos e do que falta fazer, do que acertamos e do que erramos. É ainda ir às raízes buscar forças
adicionais, encontrar mais razões para mobilizar, para enfrentar cansaços, desânimos e frustrações.
E os que aqui estamos, vale a pena lembrá-lo, na diversidade de opiniões, não viemos de outro país, de
outro mundo, de outra galáxia, fomos a livre escolha dos portugueses. O que nos reúne hoje são os seus dramas,
os seus anseios, as suas angústias, pelas quais somos assumidamente responsáveis.
Mas, mesmo aceitando que o espírito da sessão é esse, num tempo de confinamento de tantos portugueses,
como foi na Páscoa e é agora no Ramadão, não estamos perante um mau exemplo em estado de emergência,
no plano dos princípios, como no do acatamento das diretivas sanitárias? Não! O estado de emergência implica
um reforço extraordinário dos poderes do Governo e, porque vivemos em liberdade e democracia, e é com elas
que queremos vencer estas crises, quanto maiores são os poderes do Governo, maiores devem ser os poderes
da Assembleia da República para o controlar.
Por isso, a Assembleia da República nunca parou de funcionar: discutiu e votou o mais importante em
sessões plenárias. Ao fazê-lo, trabalhou e trabalha para cumprir a sua missão nacional. E tem-no feito, e fá-lo
hoje também, respeitando as diretivas sanitárias, como, obviamente, se impõe.
Esta Sessão é o exemplo disso mesmo. É um bom e não um mau exemplo. Aqui se ouviram vozes
discordantes que falaram de Abril de 2020, de sucessos e também de fracassos, passados e presentes, e de
sonhos e temores futuros, numa situação crítica da vida nacional.
O que seria verdadeiramente incompreensível e civicamente vergonhoso era haver todo um País a viver este
tempo de sacrifício e de entrega e a Assembleia da República demitir-se de exercer todos seus poderes numa
situação em que eles eram, e são, mais do que nunca, imprescindíveis.
Aplausos do PS, do PSD, do BE, do PCP e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
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E também nesta Sessão que sempre foi, e será, um momento crucial de controlo crítico e plural em liberdade
e democracia. Porque são esses os valores de Abril.
Evocar Abril não é apenas, nem sobretudo, saudar de modo especial o Presidente António Ramalho Eanes,
aquele, dos seus militares, que foi o primeiro Presidente da República democraticamente eleito em Portugal,
símbolo, também ele, do espírito de unidade deste nosso encontro cívico.
Aplausos do PS, do PSD e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
Evocar Abril não é apenas, nem sobretudo, agradecer ao representante dos Capitães de Abril, aqui presente,
o seu gesto insubmisso e o dos seus pares.
Aplausos do PS, do PSD e do BE.
Evocar Abril não é apenas, nem sobretudo, recordar a Constituição que dois de nós, aqui presentes, votámos,
em bancadas muito diferentes, há algumas décadas.
Evocar Abril não é apenas, nem sobretudo, recordar, neste primeiro ano em que já não estão todos eles
connosco, os quatro principais fundadores partidários do constitucionalismo pós-Abril, e que sucessivamente
nos deixaram: Francisco Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Mário Soares e, no ano passado, Diogo Freitas do Amaral.
Aplausos do PS e do PSD.
Evocar Abril é, nesta circunstância, combater a crise na saúde, que ainda atravessamos e vamos atravessar,
e, por causa dela, a crise económica e social que começamos a viver e viveremos durante anos.
Evocar Abril é chorar os mortos, que hão de merecer, no fim desta provação, uma homenagem coletiva
daqueles que não puderam prestar a sua homenagem pessoal.
Evocar Abril é testar os que há a testar. É isolar os que há a isolar. É internar os que há a internar. É ventilar
os que há a ventilar, pacientes do vírus e de outras doenças. É proteger os que há a proteger, incluindo os que
vivem em lares ou instituições similares. É conjugar aberturas amadurecidas com precauções bem explicadas
e bem compreendidas que há a conjugar. É acorrer aos desempregados, aos que estão em risco de o ser, às
famílias aflitas, às empresas estranguladas. É lembrar os compatriotas que sofrem a pandemia por esse mundo
fora. É exigir ainda mais uma Europa lúcida, solidária, empenhada e rápida a agir. É ultrapassar egoísmos,
unilateralismos, visões fechadas do mundo e da vida que há a ultrapassar. É não imolar quem ficou para trás
no altar do progresso, como lembrava o Papa Francisco, ou seja, não excluir ainda mais os mais excluídos.
Evocar Abril é testemunhar gratidão sem fim aos que salvaram, salvam e salvarão vidas e, por isso, deverão
ser permanentemente acarinhados, agora e sempre, e os que ajudaram a salvar e a manter o básico na nossa
sociedade — civis, Forças Armadas e forças de segurança.
Evocar Abril é reconhecer improvisos, impreparações, atrasos, mas também competências, devoções,
determinações, trabalho e mais trabalho, contenção e mais contenção, que pareciam e parecem intermináveis.
Evocar Abril é retirar a seu tempo as lições do que foi e é esta vivência única, as fragilidades, as
desigualdades, as clivagens no nosso tecido social, as debilidades, as carências, as descoordenações, a rigidez,
a lentidão em demasiadas das nossas instituições, mas também os exemplos de criatividade, de versatilidade
digital, de excelência na pesquisa biomédica, de inspirado e inspirador desarincanço, de generoso voluntariado,
de ilimitada solidariedade, de permanente maturidade cívica, de inimaginável resistência, de incondicional
disponibilidade para abraçar causas nacionais determinantes.
Evocar Abril é viver tudo isto em liberdade e democracia, com uma comunicação social insubstituível, como
é sempre em democracia, sem censura, e redes sociais sem controlos, com estado de emergência preventivo
e não repressivo, adotado sem um voto contra nesta Casa, com confinamentos assumidos e não
arregimentados, combatendo o vírus e não o escondendo.
Se isto não é razão para percebermos a diferença entre liberdade que assume e repressão que apaga e
entre democracia que revela e ditadura que silencia, então nunca perceberemos que a nossa determinação nos
combates que estamos a travar e vamos vencer vem da nossa História de quase 900 anos, mas também de
termos criado e preservado um Portugal livre e democrático.
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Aplausos do PS e do PSD.
Perante os problemas que defrontamos e os que vamos defrontar, em liberdade e democracia, temos de
continuar a resistir ao desgaste, à fadiga, à lassidão.
Temos de manter a máxima convergência possível, temos de não ceder ao simplismo de separar velhos e
novos, metropolitanos, urbanos e rurais, regiões autónomas, sem embargo da sua autonomia específica, Porto,
Norte, Centro, Alentejo, Algarve e Lisboa. E também não podemos cair na tentação fácil de discriminar ideias,
correntes de opinião ou pessoas, como se o 25 de Abril fosse só de uma parte de Portugal.
Nenhum de nós portugueses, a começar nos que mais podem e, por isso, mais devem ser responsabilizados,
se estivesse nas suas mãos, teria querido viver estas crises. Nenhum! Mas, agora que elas aí estão nas nossas
vidas, temos de as vencer.
Deixar de evocar o 25 de Abril no tempo em que ele, porventura, mais está a ser posto à prova nos últimos
46 anos seria um absurdo cívico e não o fazer nesta Casa da Democracia, com a presença de todos os principais
poderes do Estado e para além deles, seria um mau sinal, um péssimo sinal de falta de unidade no essencial e
de compromisso de, juntos na nossa diferença, continuarmos uma missão que não está acabada, como unidos
e juntos têm estado os portugueses.
Seria ainda sobrepor o passageiro, o transitório, o efémero ao duradouro, ao permanente, ao essencial, em
vez de olhar longe e fundo, como nos momentos cruciais os portugueses sempre fizeram. Fizemo-lo na
improvável independência, na impossível expansão marítima, na inesgotável presença universal, na intemerata
semente de liberdade que há 200 anos foi lançada na Revolução do Porto, no inadiável gesto de Abril de 1974.
Olhar longe e fundo, eis por que razão o Presidente da República nunca hesitou um segundo sequer em aqui
vir e aqui estar nesta evocação de Abril.
Aplausos do PS, do PSD, do Deputado do BE José Manuel Pureza e da Deputada não inscrita Joacine Katar
Moreira.
Não se troca um momento único para evocar o Abril de 1974, falando dos sacrifícios de abril de 2020, pela
satisfação momentânea de pulsões passageiras, transitórias, efémeras, insistentes que pareçam ser. O efémero
é efémero.
Se Abril tivesse atendido ao efémero, a nossa liberdade e democracia teriam tardado, e muito, e não seriam
o que são. Se Portugal tivesse, logo no início da sua História, atendido ao efémero, não teria sequer sido
Portugal.
E agora, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Portugueses, vamos ao essencial. Vamos vencer as crises
que temos de vencer!
Aplausos, de pé, do PS, do PSD, do CDS-PP e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Está, assim, encerrada a Sessão Comemorativa do XLVI
Aniversário do 25 de Abril de 1974.
Eram 11 horas e 47 minutos.
Ouviu-se, de novo, o hino nacional, que foi cantado e aplaudido, de pé, pelos presentes na Sala.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.