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Quinta-feira, 15 de outubro de 2020 I Série — Número 13

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

REUNIÃOPLENÁRIADE14DEOUTUBRODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa do Projeto de Revisão

Constitucional n.º 3/XIV/2.ª, das Propostas de Lei n.os 60 e 61/XIV/2.ª, dos Projetos de Lei n.os 558 a 565/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 697 a 713/XIV/2.ª.

Em declaração política, o Deputado Pedro Filipe Soares (BE) considerou insatisfatórias as propostas contidas no Orçamento do Estado para 2021, tendo criticado as posições do Governo nas negociações perante os alertas que o seu partido tem apresentado. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados João Paulo

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Correia (PS), Duarte Pacheco (PSD), João Oliveira (PCP), Cecília Meireles (CDS-PP) e Bebiana Cunha (PAN).

Em declaração política, a Deputada Diana Ferreira (PCP) criticou a insuficiência de respostas da rede de equipamentos sociais, por desresponsabilização do Estado, nomeadamente no apoio à terceira idade e às creches, e chamou a atenção para a necessidade de valorização dos trabalhadores destas instituições. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Isabel Pires (BE), André Ventura (CH), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Hugo Oliveira (PS), Bebiana Cunha (PAN), Mariana Silva (PEV) e Helga Correia (PSD).

Em declaração política, o Deputado João Gonçalves Pereira (CDS-PP) acusou o Governo de apresentar em Bruxelas o plano de recuperação económica do País (Plano de Recuperação e Resiliência) sem, previamente, ter sido discutido no Parlamento. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Hugo Costa (PS), Emídio Guerreiro (PSD) e Bruno Dias (PCP).

Em declaração política, a Deputada Inês de Sousa Real (PAN) propôs a criação de uma comissão independente, composta por organizações representativas da sociedade civil e por cidadãos sem ligações partidárias, com a finalidade de acompanhar a aplicação dos fundos europeus atribuídos a Portugal. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Duarte Marques (PSD) e Cláudia Santos (PS).

Em declaração política, o Deputado João Paulo Correia (PS) apresentou as principais medidas contidas no Orçamento do Estado para 2021, que apontou como um orçamento de combate à crise de saúde pública e à crise económica e social e que não põe em causa as principais políticas dos últimos cinco anos seguidas pelo Governo. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Jorge Paulo Oliveira (PSD), André Ventura (CH), Inês de Sousa Real (PAN), Cecília Meireles (CDS-PP), João Cotrim de Figueiredo (IL), João Oliveira (PCP) e Mariana Mortágua (BE).

Em declaração política, o Deputado António Maló de Abreu (PSD), a propósito dos efeitos da pandemia da COVID-19 nos serviços de saúde, nos sistemas de proteção social e na vida em sociedade, criticou a atuação do atual Governo e a degradação no acesso dos doentes aos cuidados de saúde. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Moisés Ferreira (BE), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Bebiana Cunha (PAN), Joana Lima (PS) e Paula Santos (PCP).

Ao abrigo do n.º 2 do artigo 77.º do Regimento, o Deputado António Ventura (PSD) proferiu uma intervenção sobre o Plano de Revitalização Económica da Ilha Terceira, tendo acusado o Governo Regional e o Governo da República de não porem em prática a descontaminação dos solos e aquíferos da Praia da Vitória, bem como o investimento no porto daquela cidade e ainda a atribuição de novas valências à Base das Lajes. No final, respondeu a um pedido de esclarecimento da Deputada Lara Martinho (PS).

Ao abrigo do n.º 2 do artigo 77.º do Regimento, a Deputada Isabel Rodrigues (PS) proferiu uma intervenção na qual, a propósito das eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, fez um balanço da governação do PS naquela Região, tendo enaltecido os resultados alcançados e salientado a importância da cooperação entre o Governo Regional e o Governo da

República. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Paulo Moniz (PSD) e Alma Rivera (PCP).

Ao abrigo do n.º 2 do artigo 77.º do Regimento, o Deputado André Ventura (CH) falou acerca da necessidade de controlo e transparência na execução dos fundos europeus, tendo condenado a alteração de regras da contratação pública, a substituição de responsáveis de altos cargos públicos e a falta de meios para a luta contra a corrupção. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento do Deputado João Gonçalves Pereira (CDS-PP).

Procedeu-se a um debate, com a participação do Governo, sobre o Estado da União, conforme previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei relativa ao acompanhamento, apreciação e pronúncia, pela Assembleia da República, no âmbito do processo de construção da União Europeia (Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, alterada pela Lei n.º 21/2012, de 17 de maio, e Lei n.º 18/2018, de 2 de maio), e sobre as linhas gerais das prioridades da futura Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia. Usaram da palavra, além do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Augusto Santos Silva), que abriu e encerrou o debate, os Deputados Isabel Oneto e Luís Capoulas Santos (PS), Isabel Meireles e Clara Marques Mendes (PSD), Fabíola Cardoso e Beatriz Gomes Dias (BE), Bruno Dias (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Nelson Basílio Silva (PAN), José Luís Ferreira (PEV), André Ventura (CH) e João Cotrim de Figueiredo (IL).

Foi apreciada a Petição n.º 650/XIII/4.ª (Humberto Tomaz de Sousa Almeida e Silva e outros) — Diz Não ao Paredão juntamente com os Projetos de Resolução n.os 549/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que reavalie a obra de prolongamento do quebra-mar exterior do Porto de Leixões, 611/XIV/1.ª (BE) — Suspensão do processo de adjudicação das obras de expansão do Porto de Leixões, incluindo o prolongamento do quebra-mar exterior, 616/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo que garanta a aplicação de todas as medidas de redução de impacte ambiental nas obras de prolongamento do quebra-mar de Leixões e do novo terminal de contentores e 650/XIV/2.ª (PEV) — Intensificação e credibilização da avaliação de impacte ambiental das obras integradas no projeto de acessibilidades marítimas ao Porto de Leixões. Proferiram intervenções os Deputados Bebiana Cunha (PAN), Maria Manuel Rola (BE), Diana Ferreira (PCP), Mariana Silva (PEV), João Cotrim de Figueiredo (IL), Cecília Meireles (CDS-PP), Pedro Sousa (PS) e Alberto Machado (PSD).

Foi apreciada a Petição n.º 637/XIII/4.ª (Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações) — Solicitam que a profissão de carteiro seja qualificada como de desgaste rápido juntamente com o Projeto de Resolução n.º 657/XIV/2.ª (BE) — Pela regulamentação da atividade de carteiro com vista à redução do desgaste resultante do exercício da atividade e à garantia das condições de segurança e saúde no trabalho. Intervieram, a diverso título, os Deputados Isabel Pires (BE), Bruno Dias (PCP), José Luís Ferreira (PEV), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Nelson Basílio Silva (PAN), Fernanda Velez (PSD) e Fernando José (PS).

Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Resolução n.os 714 a 716/XIV/2.ª e do Projeto de Lei n.º 566/XIV/2.ª.

O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 20 horas e 27 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Sr.as e Srs. Agentes da autoridade, está aberta a sessão plenária.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Antes de dar início aos nossos trabalhos, cujo primeiro ponto se destina às declarações políticas, a Sr.ª

Secretária Deputada Maria da Luz Rosinha vai transmitir várias informações.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Muito boa tarde a todas e a todos.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas

legislativas: Projeto de Revisão Constitucional n.º 3/XIV/2.ª (CH); Propostas de Lei n.os 60/XIV/2.ª (GOV) e

61/XIV/2.ª (GOV); Projetos de Lei n.os 558/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), 559/XIV/2.ª

(Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), 560/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira),

561/XIV/2.ª (PCP), 562/XIV/2.ª (PEV), que baixa à 13.ª Comissão, 563/XIV/2.ª (PEV), que baixa à 13.ª

Comissão, em conexão com as 9.ª e 10.ª Comissões, 564/XIV/2.ª (CH), 565/XIV/2.ª (CH); Projetos de

Resolução n.os 697/XIV/2.ª (BE), que baixa à 7.ª Comissão, 698/XIV/2.ª (BE), que baixa à 11.ª Comissão,

699/XIV/2.ª (PSD), que baixa à 9.ª Comissão, 700/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 2.ª Comissão, 701/XIV/2.ª (BE),

que baixa à 11.ª Comissão, 702/XIV/2.ª (PSD), que baixa à 8.ª Comissão, 703/XIV/2.ª (PS), que baixa à 8.ª

Comissão, 704/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 7.ª Comissão, 705/XIV/2.ª (CH), que baixa à 10.ª Comissão,

706/XIV/2.ª (PSD), que baixa à 13.ª Comissão, 707/XIV/2.ª (CH), que baixa à 9.ª Comissão, 708/XIV/2.ª (PEV),

que baixa à 8.ª Comissão, 709/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira), 710/XIV/2.ª (PEV), que

baixa à 8.ª Comissão, 711/XIV/2.ª (CDS-PP), 712/XIV/2.ª (PSD) e 713/XIV/2.ª (PEV).

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária. Vamos entrar na ordem do dia, cujo primeiro ponto consta de declarações políticas.

A primeira declaração política cabe ao Grupo Parlamentar do BE, para o que tem a palavra o Sr. Deputado

Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A análise e o mérito de uma proposta de Orçamento do Estado medem-se, necessariamente, pelo texto e pelo contexto. Normalmente,

compara-se um orçamento de um ano com os dos anos anteriores, avalia-se a evolução anual das verbas e

medem-se as escolhas em função do caminho prévio.

Mas, não, não estamos num ano normal, esqueçam as regras habituais. A pandemia baralhou todas as

contas, retirou normalidade à vida, criou uma crise de saúde pública e escancarou as portas a uma recessão

abrupta. É a isso que temos de responder: à maior e mais rápida contração económica que alguma vez

vivemos e à crise social e económica que se agiganta.

O Bloco de Esquerda está consciente da exigência que temos pela frente. Dissemo-lo no tempo certo, quer

publicamente, quer ao Governo, por isso mesmo, iniciámos há meses as negociações com o Governo para

construirmos um Orçamento do Estado que não falhe no essencial: a resposta às pessoas neste momento

crítico.

As nossas conversas começaram pelo mais simples: cumprir o que já estava acordado para 2020, e que a

pandemia tornou ainda mais urgente, e pôr em prática o que foi decidido no Orçamento Suplementar.

O tempo passou e as coisas ainda estão por fazer. A contratação de profissionais para o Serviço Nacional

de Saúde (SNS), que acordámos no último Orçamento, era uma urgência já antes da pandemia, mas ficou por

fazer. O SNS perdeu médicos durante a epidemia e só sete meses depois do início da epidemia em Portugal é

que o Governo decidiu efetivar 2995 profissionais.

As equipas comunitárias de saúde mental, como acordámos no Orçamento para 2019, são ainda mais

fundamentais em tempo de pandemia. Foram repetidamente anunciadas, mas nunca contratadas.

O apoio social extraordinário para trabalhadores informais existe apenas no papel, não protegeu ninguém!

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A alteração dos prazos de acesso ao subsídio de desemprego, para apoiar pessoas que perderam o

emprego com a pandemia, ainda não foi concretizada.

O apoio para os cuidadores informais, que teve uma dotação de 38 milhões de euros, só chegou a

precisamente 32 pessoas, o que significa que, na prática, não existe para a generalidade dos cuidadores.

A descida do IVA (imposto sobre o valor acrescentado) da eletricidade, que o Governo fez depender de

uma resposta da Comissão Europeia e teve o OK em junho passado, está agora prometida para dezembro e

só deve chegar em janeiro.

«Cumprir o acordado», tão simples de dizer, mas tão difícil de ver fazer!

Este é um momento de responsabilidade e não de promessas ilusórias.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — E também não é o tempo de medidas simbólicas, que foram importantes noutros momentos para iniciar debates ou abrir caminhos para reconhecer novos direitos. Não

estamos nesse tempo! A crise obriga a medidas concretas, que respondam agora pela vida das pessoas.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Por isso mesmo, quando nos apresentaram o truque da alteração das tabelas de retenção do IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares), dissemos que não era esse

o caminho que daria estabilidade à vida das pessoas. Respondemos o mesmo sobre o Novo Banco, rejeitando

que a Lone Star continue a encher os bolsos à custa da desgraça da gestão do banco. Este não pode ser um

orçamento que deixe tudo na mesma. Essa é a nossa obrigação.

Ouvimos o Governo falar de exigências de última hora por parte do Bloco. Quais são elas, Sr.as e Srs.

Deputados do Partido Socialista? Todas, todas as nossas propostas estão em cima da mesa desde o início do

verão — não são secretas e estão publicadas; apresentámo-las ao Governo e ao País e se insistimos nelas é

porque a realidade da vida das pessoas nos está a dar razão.

Não há dia que passe sem que a falta de profissionais no Serviço Nacional de Saúde seja notícia. Se a

nossa preocupação já vinha de trás, a pandemia só a tornou mais urgente. A fixação de profissionais não é

uma simples questão de concursos para contratação; ela depende de garantirmos que conseguimos atraí-los e

mantê-los no SNS, o que é particularmente flagrante no caso dos médicos. Não é uma questão menor.

A vaga de despedimentos a que estamos a assistir, com o aumento da taxa de desemprego, acontece

porque as leis laborais desprotegem os trabalhadores. Nós sabemos disso, o País sabe disso e o Sr. Primeiro-

Ministro sabe disso. Aliás, ainda há dias afirmava que a crise provou a desproteção dos trabalhadores, um

verdadeiro flagelo. Mas fica-se pelas lamentações, rejeitando alterações ao Código do Trabalho que protejam

o emprego ou o uso da pressão do Estado. A intransigência é tamanha que o Governo nem sequer aceitou

acabar com o período experimental, apesar de a crise ter mostrado como esse período experimental

desprotegeu brutalmente os trabalhadores. Não é uma questão menor.

O apoio social que o Bloco de Esquerda levou às negociações com o Governo é bem diferente do que

resulta da proposta de Orçamento do Estado. Propusemos um apoio permanente e o que chegou é um apoio

extraordinário, emagrecido pela condição de recursos e de curta duração, que deixa desprotegidas, por

exemplo, famílias de trabalhadores independentes com salários médios e em que um membro do casal tenha

ficado sem rendimentos. Deveriam ficar para trás? Claro que não! Não é uma questão de pormenor.

Hoje, depois de avaliada a proposta de Orçamento do Estado que o Governo entregou na Assembleia da

República, só podemos concluir que a intransigência do Governo resultou numa proposta insatisfatória.

As divergências que temos com a proposta do Governo não são de pormenor, são nas questões

fundamentais que definiram este Orçamento do Estado. Se há uma porta aberta para as resolver, há, mas não

para falhar às pessoas neste momento crítico.

O mandato do Bloco de Esquerda é para respostas que garantam que no próximo ano ninguém ficará para

trás. É a esse mandato que não faltaremos!

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem três pedidos de esclarecimento: do PS, do PSD e do PCP… Peço desculpa, mas, afinal, tem mais dois pedidos de esclarecimento.

Srs. Deputados, peço que se inscrevam durante a intervenção e não depois.

Temos, então, cinco pedidos de esclarecimento e pergunto ao Sr. Deputado como pretende responder.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, dois, dois, um.

O Sr. Presidente: — Muito bem, Sr. Deputado. Vamos, então, começar pelos primeiros dois, dando a palavra ao Sr. Deputado João Paulo Correia, do

Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, o Orçamento que o Governo apresentou na Assembleia é um orçamento de combate, de combate à

pandemia e de combate a uma crise económica e social. É um orçamento que traz avanços, avanços esses

que foram negociados também com o Bloco de Esquerda, porque recordamos bem o que disse o Bloco de

Esquerda, em julho, quando se falou a propósito das bases de entendimento para este Orçamento.

O Bloco de Esquerda exigiu, na altura, reforçar os serviços essenciais, proteger o emprego, proteger as

pessoas mais atingidas pela crise e proteger os setores de atividade mais atingidos por esta crise. Ora, é isso

que este Orçamento traz! Traz avanços em todas estas frentes.

Então, a questão que se coloca aqui, que todos os portugueses colocam, é saber por que razão o Bloco de

Esquerda pondera votar contra o Orçamento do Estado, que reforça o investimento no Serviço Nacional de

Saúde, que prevê a contratação de 4200 profissionais, que prevê a contratação de 260 profissionais para o

INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica), que prevê a criação do subsídio extraordinário de risco para

os profissionais de saúde que estão na linha da frente para o combate à COVID-19.

O BE pondera votar contra a contratação de 3000 assistentes operacionais para a escola pública, Sr.

Deputado? Pondera votar contra o aumento do salário mínimo? Pondera votar contra o aumento extraordinário

de pensões? Pondera votar contra a nova prestação social, que está estimada em mais de 400 milhões de

euros e que irá beneficiar cerca de 170 000 pessoas?!

Aplausos do PS.

Pondera votar contra o aumento do limite mínimo de subsídio de desemprego para quem trabalhou a

tempo inteiro? Pondera votar contra a descida das taxas de retenção do IRS? Pondera votar contra a descida

do IVA da eletricidade para 2021?

Aplausos do PS.

Pondera votar contra o alargamento da gratuitidade das creches para os 1.º e 2.º escalões? Pondera votar

contra o reforço dos meios humanos e dos poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho, que foi um

entendimento a que chegámos entre Governo, PS e o Bloco de Esquerda? Pondera votar contra a

suspensão…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o tempo.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente. Pondera votar contra a suspensão da caducidade dos contratos coletivos de trabalho? Pondera votar

contra o aumento do investimento público em 20%? Pondera votar contra uma medida que tanto exigiu e que

é: o Estado não vai emprestar nem mais um euro ao Fundo de Resolução?

Aplausos do PS.

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Esta matéria está garantida no Orçamento do Estado…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — O Bloco de Esquerda pondera votar contra este Orçamento? Não temos condições nem há razões para criar uma crise política…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou fortemente o tempo de que dispunha.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — … em cima de uma crise pandémica e em cima de uma crise económica e social. Votar contra este Orçamento é votar contra o País, Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, sinceramente, já vimos zangas de namorados e fim de casamentos católicos com menos violência do que a

que os senhores estão aqui a proporcionar.

Aplausos do PSD.

Pergunto: os senhores acordaram agora? Os senhores acordaram agora ou foram os últimos a saber?

Cativações extraordinárias? Os senhores aprovavam coisas que, sabia-se, depois, nunca aconteceriam.

Aprovavam de cruz!

O Sr. André Ventura (CH): — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Os senhores nunca perceberam que estavam a ser enganados?!

O Sr. André Ventura (CH): — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Promessas de investimento, de reforço de pessoal, palavras lindas, como aquelas que o Sr. Deputado João Paulo Correia aqui usou, os senhores assinavam de cruz e nunca percebiam

que estavam a ser enganados?! Ou antes, enquanto havia alguns euros para distribuir não fazia mal, porque

os ventos sopravam de feição?

Vozes do PSD: — Ora!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Mas basta chegarem os primeiros ventos de crise para se sentirem as dificuldades e alguém saltar do barco e não querer assumir as responsabilidades.

Aplausos do PSD.

Protestos do Deputado do BE José Manuel Pureza.

Que irresponsabilidade, Sr. Deputado! Que irresponsabilidade que, perante a maior crise económica que o

País viveu na nossa democracia, um Governo, que durante os últimos cinco anos foi apoiado por VV. Ex.as,

não tenha capacidade de apresentar um Orçamento que responda às dificuldades do País e às dificuldades

das pessoas e que a primeira coisa que se sinta seja o ruir dos apoios que tão sólidos pareciam, mostrando,

mais uma vez, que quando há dinheiro, os senhores entendem-se, quando há problemas, os senhores

desentendem-se.

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O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Vai haver mais dinheiro!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Mas aí, Sr. Presidente, termino a perguntar: qual é a novidade? Nos últimos 40 anos todos sabem que, quando houve problemas, quem teve de resolvê-los fomos nós.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, queria agradecer as perguntas do Sr. Deputado Duarte Pacheco e do Sr. Deputado João Paulo Correia.

Começo por responder ao Sr. Deputado Duarte Pacheco, dizendo-lhe, de forma muito singela, que fiquei

na dúvida se a forma, quase apaixonada, como o PSD está a defender este Orçamento do Partido Socialista

não mostra alguma tentativa de união de facto a que ainda estamos para assistir.

Risos do Deputado do BE José Manuel Pureza.

Protestos de Deputados do PSD, do CDS-PP e do CH.

Pela nossa parte, não contem connosco para esse filme.

Mas, Sr. Deputado João Paulo Correia, creio que vale a pena discutirmos o essencial do que está em cima

da mesa e despirmos este debate de retóricas inflamadas, de chantagens ao País.

Como percebemos, estar à altura do momento é garantir que não nos enrolamos nem em retórica nem em

chantagem. Por isso, vou responder-lhe pelos conteúdos do que está em cima da mesa.

A consciência de cada um e de cada uma ditará que resposta queremos dar à pergunta, no dia em que o

Orçamento do Estado for votado: acreditamos que ele protegerá, durante o próximo ano inteiro, de 2021, as

pessoas da brutalidade da crise que se está a agigantar? Na nossa opinião, este Orçamento do Estado não o

faz. Não o faz, porque falha em momentos fundamentais.

Como disse, a proposta de apoio social desprotege muitas pessoas, milhares delas, e o Governo não pode

dizer que não alertámos para esse perigo porque o fizemos repetidamente. No entanto, escolheu entregar a

proposta como quis. Não pode ignorar que as várias contratações para o Serviço Nacional de Saúde foram

todas várias vezes anunciadas e poucas vezes concretizadas.

O Sr. Deputado referiu a contratação e vou-lhe dar conta das notícias, porque concretização ainda não há

de quase nada.

Em maio, eram 2300 profissionais para o SNS; em junho eram 2700; em agosto eram mais 4300; em

setembro já foram mais 950; e, no final, tudo espremido, em outubro eram, afinal, só 2995. É desta realidade

que estamos a falar,…

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … num serviço fundamental num período pandémico, no Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Podia ser diferente. Já alertávamos para a necessidade de contratar antes da pandemia. O que não se percebe é que, depois de uma pandemia, não se tenha ainda mais urgência

nessa contratação.

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A necessidade de garantir que as pessoas não ficam desprotegidas na economia não foi apenas o Bloco

de Esquerda que a reconheceu. O Sr. Primeiro-Ministro, e até o Partido Socialista, reconheceram que, na lei

laboral, há um mar de desproteção dos trabalhadores. No entanto, o que é que o Partido Socialista faz?

Nem sequer no período experimental, que provou ser um gigantesco logro às pessoas,…

Protestos da Deputada do PS Ana Catarina Mendonça Mendes.

… que levou milhares para o desemprego mal começou a pandemia, nem sequer nisso o PS aceita mexer!

Quando falamos em proteção contra os despedimentos,…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo. Peço-lhe para sintetizar rapidamente.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, vou terminar, com uma frase. Quando falamos em proteção contra os despedimentos, o PS não aceita mexer em quase nada.

E sobre o Novo Banco, basta olhar as tabelas do Orçamento do Estado para percebermos que continua a ir

ao défice e há uma pergunta à qual o Sr. Ministro de Estado e das Finanças não consegue responder: quem é

que vai pagar o buraco que lá está a ser criado?

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exatamente!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — E sobre isto não há resposta. Fica a realidade demonstrada.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, segue-se um segundo grupo de pedidos de esclarecimento. Assim, tem a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado João Oliveira, do Grupo

Parlamentar do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, queria saudá-lo por ter trazido esta declaração política sobre um tema que é, naturalmente, relevante e que

teremos oportunidade de aprofundar nas próximas semanas.

Da parte do PCP, já clarificámos a nossa posição em relação a esta matéria.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Clarificaram?!

O Sr. André Ventura (CH): — Não clarificaram, não!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Faremos a nossa ponderação em relação ao posicionamento e ao sentido de voto no Orçamento do Estado em função da resposta global aos problemas nacionais e não em função de

chantagens e pressões, algumas das quais já hoje ouvimos. Não somos sensíveis a esses argumentos. Os

argumentos da chantagem e da pressão a nós não nos comovem.

Já fizemos uma primeira apreciação da proposta de lei do Orçamento do Estado e consideramos que ela

não dá resposta aos problemas estruturais do País,…

O Sr. André Ventura (CH): — Ah, pronto!

O Sr. João Oliveira (PCP): — … não dá resposta às novas situações que a epidemia veio colocar e não se liberta de condicionamentos e imposições, particularmente da União Europeia, que funcionam como um

garrote à resposta de que o País precisa.

O Sr. André Ventura (CH): — Então, como é que vão votar?!

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.as e Srs. Deputados, diria que estes critérios que adiantamos não são diferentes daqueles que temos adiantado na apreciação de sucessivos Orçamentos do Estado, nem sequer

são critérios diferentes daqueles que utilizámos na votação do último Orçamento do Estado, que foi o

Orçamento Suplementar, em que o PCP votou contra.

Aliás, a ponderação que fizemos nessa altura corresponde, em muitas circunstâncias, a questões que o Sr.

Deputado Pedro Filipe Soares referiu na sua intervenção.

A falta de resposta a problemas económicos e sociais dos trabalhadores, a falta de resposta à situação do

desemprego, a falta de resposta a quem perdeu o seu rendimento e, simultaneamente, um conjunto de

medidas de benefício ao capital foram alguns dos elementos que sublinhámos quando votámos contra o

Orçamento Suplementar, porque entre o último Orçamento, para 2020, e a pandemia, a situação em que

estamos hoje, não passámos de um Orçamento para outro, houve um Orçamento Suplementar, e nessa altura

o PCP sinalizou — com esta apreciação que, também hoje, deixamos aqui clara — que, não havendo essa

resposta aos problemas que se colocavam, não tínhamos problema em posicionar-nos de acordo com essa

reflexão, e votámos contra.

Alguns dos problemas que hoje enfrentamos, particularmente na resposta que ficou em falta no reforço dos

serviços públicos e no plano económico e social, resultam da incapacidade de, no Orçamento Suplementar,

terem sido tomadas essas decisões. A questão que se nos coloca é saber qual é a resposta global aos

problemas nacionais,…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente. A questão que se coloca é saber qual é a resposta global aos problemas nacionais, que não se resolverão

por si e para os quais terão de ser tomadas medidas, para que estes possam, efetivamente, ser ultrapassados.

Eles não se resolvem com normas programáticas, é preciso dar, no Orçamento do Estado, solução eficaz a

cada um dos pontos que ali se inscrevem.

A resposta que está, verdadeiramente, por dar é da parte do Partido Socialista e do Governo, sobre qual é

a perspetiva que têm, verdadeiramente, para dar essa resposta global que a proposta de Orçamento parece

não conter.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, ouvindo a sua declaração política, diria mais este arrufo, em que já ninguém sabe quem está a chantagear quem, fiquei com

algumas dúvidas, porque o Sr. Deputado dizia — e compreendo, porque estamos em pandemia — «esqueçam

as regras habituais».

Em relação à pandemia, percebo que se esqueça, mas creio que o Sr. Deputado não esqueceu apenas as

regras habituais, esqueceu muitas outras coisas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Exato!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — É que ouvi-o dizer, ali da tribuna, com um ar cândido e surpreendido, que o PS não tinha cumprido algumas coisas que tinha acordado com o Bloco de Esquerda, não tinha

cumprido algumas coisas que estavam no Orçamento do Estado e no Orçamento Suplementar.

Sr. Deputado, está realmente a dizer-me que agora, cinco anos depois — já vai no sexto Orçamento que

está a negociar! —, de repente percebeu que o PS, às vezes, não cumpre aquilo que está no Orçamento?!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Percebeu agora!

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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Percebeu isso agora?! Está mesmo a dizer-nos isto? Percebeu isso agora, ou seja, que o PS às vezes não cumpre?!

O PS, normalmente, não cumpre! Desde cativações a normas programáticas, já aconteceu de tudo.

Aplausos do CDS-PP.

É inacreditável que o Sr. Deputado, mais de cinco anos depois, venha dizer isto com ar surpreendido.

Em segundo lugar, em relação ao Novo Banco, disse — e nisso estou de acordo consigo — que o que lá

está é que o Estado não vai emprestar ao Fundo de Resolução, mas é evidente que, de uma maneira ou de

outra, o Estado vai garantir o que está no Fundo de Resolução. Vai haver uma tranche para o Novo Banco,

isso vai ao défice e, na realidade, na prática, o que lá está é uma engenharia financeira para fazer exatamente

o habitual.

Assim, só me fica uma pergunta, Sr. Deputado. O Sr. Deputado votou um Orçamento — aceito que

discordasse, mas votou, e votou a favor — com uma transferência para o Novo Banco em 2018, votou um

Orçamento com uma transferência para o Novo Banco em 2019 e votou um Orçamento com uma transferência

para o Novo Banco em 2020. Esqueceu-se? Só gostava de perceber o que é diferente este ano.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, no fundo, parece ter reconhecido, este ano, aquilo que dissemos durante muitos anos sobre o Novo Banco e o Fundo de

Resolução.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É preciso ter lata!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Lembramo-nos quando a líder do CDS estava na praia e assinou de cruz a resolução do BES, a criação deste problema para o Estado.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

E sabemos de que lado estava o CDS quando o Bloco de Esquerda denunciava que o Fundo de Resolução

seria um sorvedouro de dinheiros públicos para despejar no Novo Banco — e o CDS dizia que não.

Na altura, o CDS e o PSD diziam que não. Até o PS dizia que tal poderia ser; agora mudou de opinião.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não é verdade!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Mas o CDS e o PSD juravam que não. Ora, percebemos como a realidade deitou por terra essa jura e esse custo está a rebentar nas mãos de

todos nós.

O que sabemos hoje, e não sabíamos no passado, é que a gestão da Lone Star seria tão danosa para os

dinheiros públicos.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

É fundamental que essa suspeição, que levou agora à criação de uma nova comissão de inquérito, seja

esclarecida. Foi exatamente por isso que propusemos a comissão de inquérito — ela fará o seu caminho —,

exigimos que haja uma clarificação de todas as injeções de capital e queremos consequências de proteção do

dinheiro público. Exatamente por isso fizemos a proposta que fizemos e não vamos nos truques de engenharia

financeira que o Partido Socialista aqui apresentou.

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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não vão agora!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É estranho que sobre matérias fundamentais, como o Estado social, desde a escola pública até ao Serviço Nacional de Saúde, nada tenhamos visto da parte do CDS, mas

sabemos porquê. É que a pretensão do CDS era privatizar o SNS.

Sabemos como estaríamos, no período pandémico, se estivéssemos dependentes de um SNS emagrecido,

privatizado, com os privados a fecharem as portas e as pessoas sem saberem onde ir. Sabemos que essa era

a pretensão do CDS e, por isso, está tão fora deste jogo nas soluções para o País que — percebemos! — não

toca no que é fundamental para dar resposta à pandemia.

Sr. Deputado João Oliveira, creio que na intervenção que fez demonstrou que há uma preocupação, que

partilhamos, sobre a resposta que este Orçamento do Estado deve dar num período especial.

Não é um Orçamento igual aos outros e o período a que está a responder não é igual aos outros. Por isso,

ou temos coragem de responder, neste momento, e não deixar alastrar a crise económica e social, ou a

consequência disso é estarmos a prometer às pessoas que as estamos a proteger sabendo, na verdade, que

as vamos deixar desprotegidas.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — E é essa a nossa consciência, com esta proposta de Orçamento do Estado, apresentada pelo Governo.

Da parte do Bloco de Esquerda, a nossa posição está clara; ela é pública, não é de intransigência, até é de

abertura para podermos rever os pontos de divergência, assim haja vontade do Governo para ir ao

fundamental na resposta à vida das pessoas.

Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se acha que este Orçamento — e é uma resposta a que teremos acesso nos

próximos dias —, de facto, não faz promessas falsas às pessoas, porque essa será a pergunta a que cada um

e cada uma de nós terá de responder no dia em que o votar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, da parte do PAN, temos defendido a renegociação dos acordos do Novo Banco porque nos parece ser aquilo

que, efetivamente, poderá evitar esta sangria de dinheiro dos contribuintes para o que é um poço sem fundo.

Assim, em primeiro lugar, e tendo em conta a posição que o Bloco de Esquerda tem assumido nesta fase

negocial com o Governo, gostaríamos de saber em que pé fica a questão da renegociação dos contratos.

Em segundo lugar, gostaríamos de saber se o Bloco de Esquerda está disponível para, em sede discussão

na especialidade, contribuir para a revisão dos escalões do IRS e também garantir o caminho que tem de ser

feito, em Portugal, no que diz respeito ao salário médio.

Em terceiro lugar, Sr. Deputado, gostava de perguntar-lhe o seguinte: tendo em conta o reforço ou a verba

prevista para a educação neste Orçamento do Estado — sabemos que grande parte provém de fundos

europeus, nomeadamente para a retirada do amianto das escolas, para o plano da digitalização —,

gostaríamos de saber como é que o Bloco de Esquerda vê, neste Orçamento, a valorização dos profissionais

de educação e a contratação de 3000 profissionais não-docentes assistentes operacionais.

Por fim, gostaria de perguntar-lhe que linhas vermelhas tem colocado o Bloco de Esquerda em matéria

ambiental, nestas negociações com o Governo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, agradeço as suas várias questões. Não vou conseguir responder a todas, mas há uma que me parece fundamental para que não

confundamos discussões.

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O próprio Governo reconheceu que todo o programa dependente dos fundos comunitários está

diferenciado deste Orçamento do Estado. São fundos, na sua larguíssima maioria, pagos a fundo perdido, com

comparticipação a 100%, por isso não devemos misturá-los com as escolhas que estão a ser feitas neste

Orçamento do Estado. Como é óbvio, do ponto de vista de estratégia económica, não estão separados,

porque os resultados dos investimentos dos fundos comunitários veem-se também na recuperação da

economia, mas não estão a ser debatidos na discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado e, mesmo

no espaço do investimento público, não dependem do Orçamento do Estado, dado serem completamente

pagos pelos fundos comunitários. Desse ponto de vista, temos de separar, portanto, as duas situações.

Quero dizer-lhe, sobre essa gestão dos fundos comunitários, que já tivemos oportunidade de fazer a nossa

resposta ao Governo, considerando que a proposta apresentada pela Comissão Europeia tem o problema de

impedir o investimento em medidas estruturais e de só apontar para medidas extraordinárias, faltando, por

isso, um pilar fundamental relativamente àquilo em que poderiam ser usados.

Vou também responder-lhe à questão sobre a política de rendimentos, que não se faz apenas através da

política fiscal. Dissemos ao Governo que, nas expetativas criadas para a economia e para os trabalhadores,

valorizar os rendimentos é fundamental. Se o Governo disse, há meses, nesta Assembleia, que a proposta

que tinha para apresentar ao País era a de elevar o salário mínimo para os 750 € até ao final da Legislatura,

nós dissemos ao Governo que essa proposta deve ser mantida, aprendendo que foi através dos salários, dos

rendimentos, do investimento no nosso mercado interno que conseguimos, no passado, recuperar de uma

crise económica e social. A resposta do Governo é insatisfatória neste contexto, pois diz que vai aumentá-lo

mas colocando já em causa a fasquia dos 750 €.

Da parte do Bloco de Esquerda, dizemos que a política de rendimentos não pode estar dissociada de uma

resposta profunda à crise.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Vamos passar à próxima declaração política, neste caso do Grupo Parlamentar do PCP.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os últimos meses evidenciaram realidades já conhecidas da rede de equipamentos sociais, nomeadamente dificuldades sentidas pelas instituições e

insuficiências nas respostas aos utentes e às famílias. Os últimos meses demonstraram bem que a atual rede

de equipamentos, assente em respostas transferidas para a rede solidária, responsável pela quase totalidade

dos equipamentos existentes, não está a responder às necessidades, significando, sim, uma

desresponsabilização do Estado na área social e criando situações de dificuldades e de desigualdades no

acesso aos equipamentos.

A desresponsabilização do Estado na garantia de respostas sociais, nomeadamente nos equipamentos

sociais, é fruto da opção política de sucessivos governos que transferiram para as instituições de solidariedade

social uma responsabilidade que é primeiramente do Estado. Esta opção subverteu o papel complementar

atribuído às instituições e traduziu-se no progressivo abandono das responsabilidades constitucionais

atribuídas ao Estado na criação de uma rede pública de equipamentos sociais de âmbito nacional e adequada

às necessidades concretas de cada região no território.

Esta opção política tem consequências, desde logo, para as famílias e para os utentes que, por exemplo,

no caso dos lares, são, muitas vezes, empurrados para lares sem autorizações de funcionamento — os

chamados «lares ilegais» — por não terem vagas na atual rede ou por não poderem suportar os custos. Tem

também consequências na comparticipação das famílias e muitas debatem-se, diariamente, com dificuldades

para garantirem o pagamento da mesma.

Esta opção política tem consequências para as instituições e para os seus trabalhadores, pelo facto de ser

um modelo assente na total responsabilização das IPSS (instituições particulares de solidariedade social), por

via de um financiamento público, que se repercute na acentuação das desigualdades entre instituições, no

plano financeiro, dos recursos humanos e técnicos, refletindo-se ainda nas diferenças de qualidade dos

serviços prestados, entre outras dimensões. Estes trabalhadores, na esmagadora maioria das situações,

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ganham o salário mínimo, têm longas jornadas de trabalho, trabalham por turnos, em horário noturno e não

têm a devida compensação e valorização.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reflexão e a tomada de medidas para responder às necessidades das

famílias têm de considerar duas dimensões: que rede temos e de que rede precisamos? E é exatamente com

estas duas dimensões sempre presentes que o PCP tem apresentado várias propostas.

Recordamos, desde já, uma iniciativa sobre o envelhecimento com direitos — que resultou numa resolução

da Assembleia da República, em 2018, que, aliás, urge concretizar —, propondo a criação de uma rede

pública de equipamentos e de serviços de apoio à terceira idade (apoio domiciliário, centros de dia,

residências para idosos), uma necessidade que o atual contexto confirma e torna mais urgente.

É preciso uma rede pública de lares e de outros equipamentos e serviços de apoio à terceira idade cujas

valências respondam às necessidades diversas deste grupo social heterogéneo, devendo ser consideradas as

situações de maior ou menor dependência e uma articulação da resposta dos lares com outras respostas

igualmente importantes, como o apoio domiciliário, os centros de dia, entre outros. Importa também que

existam respostas específicas que permitam, além da prestação de cuidados, atividades direcionadas para as

características e para as necessidades identificadas de cada utente.

Recordamos como o PCP tem insistido, também, numa rede pública de creches, apresentando propostas

nesse sentido e contribuindo para que se deem passos decisivos para a gratuitidade da frequência das

creches, mas também para uma resposta que seja universal, devendo esta proporcionar a componente de

guarda e de socialização, considerando as fases de desenvolvimento de cada criança, a idade e o seu próprio

ritmo.

Os últimos meses confirmaram o quão acertada esta intervenção se mostrou. Tivessem sido

imediatamente implementados a gratuitidade das creches e o regime de apoio às famílias, como o PCP

propôs, e muitas famílias não teriam sido confrontadas com problemas por causa das mensalidades nem as

instituições se teriam visto a braços com as dificuldades que enfrentaram.

Para garantir estas respostas mais diferenciadas e mais direcionadas, mas também para responder a

necessidades urgentes que o atual contexto demonstra, é impreterível o reforço de trabalhadores neste setor.

Lembramos que o PCP propôs a contratação de trabalhadores, com direitos, para estas instituições — uma

carência que se arrasta há anos e que se confirma todos os dias —, sendo preciso valorizá-los no concreto,

não só com palmas, elogios e palavras bonitas, e rejeitar qualquer situação de precariedade.

É preciso valorizar os salários destes trabalhadores, as suas carreiras, cumprir as convenções coletivas de

trabalho e as medidas de higiene, de saúde e de segurança no trabalho, para assegurar a sua proteção, ainda

mais necessária no atual contexto, com a exposição a que estão sujeitos, bem como assegurar a necessária

formação a que têm direito. Repito: é preciso reforçar o número de trabalhadores. É preciso que aqueles que

foram, aliás, considerados como trabalhadores de serviços essenciais tenham um suplemento remuneratório,

por força do risco acrescido a que estão expostos atualmente.

A realidade demonstra que uma resposta assente numa rede do setor social e privado não serve as

necessidades existentes. É necessário romper com um modelo assente numa lógica de privatização das

respostas sociais, com o alargamento do negócio para o setor privado e com a proliferação de entidades não

licenciadas. É fundamental definir uma relação do Estado com as instituições assente numa cooperação que

responda aos problemas e às lacunas existentes e que assegure o seu papel complementar. É fundamental

assegurar a existência de uma rede pública de equipamentos sociais — lares, creches e outros — de gestão

pública, na responsabilidade da segurança social, que responda às carências existentes, que combata as

desigualdades no acesso, que promova os direitos dos utentes, com respostas e valências de qualidade e de

proximidade, que considere as necessidades dos utentes e das famílias, que tenha trabalhadores valorizados.

E isto não é mais do que a assunção, por parte do Estado, das suas responsabilidades na garantia de

direitos sociais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem cinco pedidos de esclarecimento. Como pretende responder?

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A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, responderei primeiro a dois pedidos de esclarecimento, depois responderei a outros dois e, por fim, a outro.

O Sr. Presidente: — Então, opta por responder a 2+2+1. Está a entrar na moda deste novo sistema tático. Muito bem.

Risos.

Tem a palavra, para o primeiro pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Bloco de

Esquerda.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, em primeiro lugar quero, obviamente, saudar o PCP pelo tema da declaração política e dizer que o Bloco de Esquerda acompanha, de

facto, os alertas que o PCP aqui trouxe hoje, nomeadamente sobre a necessidade de reforçar os

equipamentos sociais, sobretudo os que respondem à infância, à velhice, às pessoas dependentes ou com

deficiência.

Portanto, achamos que é preciso integrar a rede de creches no sistema de ensino, por exemplo, tornando-

as gratuitas.

Precisamos de uma rede pública de equipamentos para os idosos, precisamos de muito mais apoio

domiciliário e de resposta para as pessoas com deficiência que lhes garanta autonomia.

Precisamos também, acima de tudo, porque sem isto não há qualquer resposta óbvia para este problema,

de valorizar os profissionais do setor social, que são mal pagos, pouco reconhecidos, sem carreiras dignas

desse nome e, muitas vezes, precários e precárias.

Sr.ª Deputada, referiu, na sua intervenção, que vai neste sentido, como é que conseguimos, enquanto País,

valorizar estes profissionais que, durante os últimos meses, tanto se mostraram absolutamente essenciais

para o nosso País e fundamentais para combater a crise pandémica. Por isso, também lhe pergunto se não

acha que, a par do reforço do financiamento e da necessidade de criarmos uma resposta pública nesta área,

em todo o território, não é o momento também de repensar o próprio modelo de intervenção, nomeadamente

no caso dos lares e das pessoas idosas.

Do nosso ponto de vista, devemos olhar com atenção para as experiências de vida independente, de

desinstitucionalização, de procurar que as respostas em que apostamos sejam mais respeitadoras da

autonomia das pessoas, mais assentes na permanência em casa e na manutenção do quotidiano, que

sabemos ser muito relevante, contrariamente ao que está a acontecer atualmente, na separação e na quebra

das rotinas de vivência destas pessoas, no engavetamento institucional, que tantos resultados negativos têm

dado.

A última pergunta tem também a ver, necessariamente, com esta questão.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, queira concluir, por favor.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Vou concluir, Sr. Presidente. A par do investimento numa resposta pública, não considera o PCP que este é também o momento de

repensar de raiz no modelo em que queremos apostar, enquanto País, para estas necessidades?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Boa tarde a todas as Sr.as Deputadas e a todos os Srs. Deputados.

O próximo pedido de esclarecimento cabe ao Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

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O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Diana Ferreira, ouvimos com muito agrado a sua preocupação para que seja garantido o orçamento social para o próximo ano.

O PCP pode dar as voltas à Assembleia que quiser, mas a resposta que tem de dar é sobre como vai votar

no Orçamento do Estado para 2021. Já sabemos várias coisas. Sabemos que, para os lares, o reforço é

«zero» ou tendencialmente «zero». A Sr.ª Deputada falou dos reforços dos trabalhadores, das convenções

coletivas e dos aumentos salariais e sabemos que a resposta é «zero» ou tendencialmente «zero» e ficámos a

saber, ontem, que as pensões não terão, na sua grande maioria, atualizações neste ano. Sabemos até que

algumas pensões só serão atualizadas em agosto do próximo ano, conforme disse a Sr.ª Ministra da

segurança social.

Por isso, Sr.ª Deputada, vir aqui dizer que fazem falta os lares, que faz falta o reforço do sistema nacional

de saúde, que fazem falta as creches, que fazem falta as estradas, os hospitais… Faz tudo falta! Mas quando

chegar o momento do Orçamento do Estado, o que queremos ver é se este orçamento, que não responde a

nada disso que a Sr.ª Deputada disse, vai ou não ser viabilizado pelo Partido Comunista Português, como tem

feito nos últimos anos, à exceção do último. Portanto, é isso que nós queremos saber!

Meus amigos, até à votação do Orçamento do Estado, o PCP pode dizer o que entender porque ninguém,

neste País, vai levar a sério qualquer preocupação social que não tenha a resposta a esta pergunta: como é

que o PCP vai votar no orçamento menos social de sempre do Partido Socialista? É isso que queremos saber!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo.

O Sr. André Ventura (CH): — Olhos nos olhos, é a isso que queremos ter resposta e é isso que o País, lá fora, quer saber.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. André Ventura (CH): — Afinal, o Partido Comunista Português vai ou não dar a mão ao Governo de António Costa?

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, não quis interromper o Sr. Deputado André Ventura porque já tinha começado a fazer a sua pergunta, mas queria pedir-vos o encarecido favor de

seguirem a regra que adotámos, segundo a qual quem não fala da primeira fila deve utilizar máscara ou,

então, vir ao púlpito para falar.

Gostaria que seguíssemos essa regra por uma questão de respeito para com a saúde de todas e de todos.

Tem a palavra, para responder, a Sr. Deputada Diana Ferreira, do PCP.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, agradeço desde já à Sr.ª Deputada Isabel Pires e ao Sr. Deputado André Ventura pelas questões que aqui colocaram.

Sr.ª Deputada Isabel Pires, começaria por dizer-lhe que, efetivamente, os lares não são a única resposta

que existe no âmbito da terceira idade, dos reformados ou dos idosos. Aliás, tivemos o cuidado de referir a

necessidade de se articular a resposta dos lares — que pode ser uma resposta possível e deve ser uma

resposta considerada, num conjunto de situações — com outras respostas sociais direcionadas aos idosos,

nomeadamente, a garantia de apoio domiciliário, a partir do momento, naturalmente, em que as pessoas

idosas pretendam ficar nas suas casas e aí ter um conjunto de apoios desta mesma natureza.

Por isso, defendemos também a necessidade de articulação com o apoio domiciliário, com os cuidados

domiciliários e, até, com respostas existentes a nível de centros de dia, em situações em que a autonomia dos

idosos permita essa realidade, e também em situações em que a articulação familiar permita um outro tipo de

acompanhamento.

Havendo da parte das pessoas idosas essa vontade de ter uma outra resposta que não passe por um lar

residencial, é também responsabilidade do Estado garantir meios e garantir, do ponto de vista das respostas,

todas as medidas necessárias para que isso possa ser concretizado.

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Por isso, não se trata de uma solução que esteja, de todo, posta de parte. Os lares são uma das respostas

que existe do ponto de vista do apoio social, mas há outras que têm, naturalmente, de ser consideradas.

Dissemos que os idosos são um grupo social heterogéneo e que as suas especificidades e necessidades têm

de ser tidas em conta no seu contexto, e também nas respostas adequadas a essas mesmas características e

necessidades, sendo que não podemos deixar de aqui referir, como a Sr.ª Deputada também fez, a tremenda

necessidade de valorizar os trabalhadores que trabalham nesse setor, sejam eles em IPSS ou em outras

respostas sociais que também existem. Efetivamente, a esmagadora maioria tem salários baixíssimos e tem

longas jornadas de trabalho.

Sr. Deputado André Ventura, os trabalhadores dos lares querem é saber se vão ter carreiras valorizadas.

Os trabalhadores dos lares querem saber se vão ter um aumento do salário, querem saber se vão ter

melhores condições nos seus locais de trabalho. As famílias deste País querem saber se vão ter respostas, de

um ponto de vista de vagas, seja para lares, seja para creches, seja para outras respostas sociais. Os utentes

querem saber, chegando essas respostas sociais, se as suas necessidades e as suas características são

atendidas e se essa resposta social é adequada ao que precisam. Sobre isso, o Sr. Deputado disse zero, o

que mostra, também, o seu profundo desinteresse sobre este mesmo assunto.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos ao segundo grupo de pedidos de esclarecimentos. Tem a palavra, para o primeiro desses pedidos, o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, do CDS-PP.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Diana Ferreira, naturalmente há uma parte da intervenção que fez que nos distancia muito: a que tem a ver com a

opção que o PCP faz, do nosso ponto de vista erradamente, de não defender uma política social orientada

para os utentes, para quem precisa, em cada caso, e defendendo uma política social orientada para a

propriedade de quem presta o serviço.

Para o PCP, a prioridade é que as instituições sejam públicas. Para nós, a prioridade é que os idosos, as

crianças e todos aqueles que necessitam de apoio tenham o apoio de que necessitam.

Portanto, é fundamental que distingamos aqui uma questão: não podemos à segunda, quarta e sexta-feira

ir às instituições sociais dizer que defendemos muito os seus trabalhadores e, depois, vir para o Parlamento

dizer que essas instituições sociais não prestam um serviço suficientemente bom, que não tratam

suficientemente bem os seus trabalhadores e que deveriam ser substituídas por instituições do Estado.

Digo-lhe, Sr.ª Deputada: o que precisamos de fazer é olhar para os idosos, olhar para as crianças e

perceber, num contexto como este, que é um contexto excecional, como é que melhor os poderemos atender.

Por isso, o que eu lhe pergunto é: mesmo considerando os trabalhadores, com certeza, quando votou o

Orçamento do Estado que não aumentava os acordos de cooperação em linha com o aumento do salário

mínimo nacional, como é que a Sr.ª Deputada achava que as instituições iriam conseguir refletir no pagamento

aos trabalhadores aquilo que não estava refletido no que recebiam do Estado? É fundamental saber isso!

Quando os senhores ponderam apoiar, mais uma vez, o Governo do Partido Socialista, gostaria também de

perguntar-lhe como é que acham que as brigadas que, agora, são criadas para acorrer às situações mais

urgentes dos lares, seis meses depois e com menos gente do que foi anunciado, vão conseguir resolver o

problema?

Quanto a questões estruturais, os senhores muitas vezes também dizem que se trata de questões que vêm

deste e de outros governos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente, com esta última pergunta: por que é que o Governo que os senhores apoiam há cinco anos ainda não resolveu um problema urgentíssimo

como é o da articulação entre a segurança social e a saúde nos lares, para que os idosos tenham,

efetivamente, os cuidados que merecem?

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para o próximo pedido de esclarecimentos, o Sr. Deputado Hugo Oliveira, do Partido Socialista.

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Diana Ferreira, hoje, o PCP trouxe-nos um debate sobre equipamentos sociais. Se o tema já não é novidade, atendendo ao facto de

que temos feito esse debate ao longo das últimas semanas, a posição do PCP também não é nova. E não é

nova nem nesta matéria nem em nenhuma outra. A posição do PCP tem-se mantido sempre igual em todos os

debates.

Falamos hoje em equipamentos sociais, mas poderíamos falar de saúde, de educação, de transportes ou

do salário mínimo, que a posição do PCP seria sempre a mesma: «é pouco».

Juntos, fizemos a maior redução do preço dos transportes públicos. O que disse o PCP? «É pouco».

Juntos, fizemos o maior aumento do salário mínimo. O que disse o PCP? «É pouco».

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Juntos, conseguimos a gratuidade das creches, de que falou, para o 1.º escalão do IRS, estando prevista a

gratuidade para o segundo escalão, neste Orçamento do Estado. O que disse o PCP? «É pouco».

Sr.ª Deputada, o que hoje disse não é, portanto, novidade.

Não vou ter a ousadia de contestar a posição do PCP sobre ser «pouco». Já nem considero que essa

posição esteja errada ou que seja, até, um defeito. Sr.ª Deputada, o PCP dizer «é pouco» já não é um defeito,

é feitio, embora reconheça que esse «feitio» tenha um único objetivo, que é o de lutar pela melhoria das

condições de vida dos portugueses.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vai daí?!

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Infelizmente, o rigor das contas do País não nos tem permitido acompanhar, em todas as matérias, esse «feitio» do PCP.

Sr.ª Deputada, o que gostaria de perguntar é se todos os avanços que fizemos juntos, este ano,

nomeadamente o PARES 3.0 (Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais), não são

positivos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir, se fizer o favor.

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Não prefere o PCP estes avanços, mesmo que os considere «pouco», ao percurso que a direita está desejosa de efetuar?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder, a Sr. Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço também as questões que foram colocadas.

Sr. Deputado do CDS, João Almeida, desde já, gostaria de dizer-lhe que ninguém falou de substituição

relativamente às IPSS. Nós falamos é da criação de uma rede pública de equipamentos sociais, de lares, de

creches e, já agora, de outras respostas, porque as respostas em termos de equipamentos sociais não se

esgotam nestas duas valências.

Sr. Deputado, também nunca ouviu da parte do PCP nenhuma palavra desrespeitosa em relação a essas

instituições, porque também temos memória e sabemos que muitas delas foram formadas numa completa

ausência de respostas públicas às necessidades prementes das populações a que era preciso responder. Por

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isso, nós até valorizamos muitas organizações que foram feitas de forma voluntária e que, depois, se

transformaram em instituições dessa natureza, conduzindo à criação de um conjunto de respostas sociais.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Claro!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Por isso, valorizamos, inclusive, muitos desses trabalhadores que estiveram na origem destas mesmas instituições. Valorizamos tudo isso, Sr. Deputado. O que a seguir não

aceitamos é que o Estado se descarte das suas responsabilidades, porque as respostas, de um ponto de vista

de direitos sociais, são uma responsabilidade primária do Estado.

Aplausos do PCP.

As instituições particulares de solidariedade social têm um papel complementar e não se podem substituir

ao Estado. E o que está acontecer nesse momento é que são essas instituições que estão a substituir o

Estado num conjunto de respostas…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — O Estado tem de transferir os meios!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — … que tem de ser o Estado a garantir.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Por causa dos vossos Orçamentos!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — E é preciso, Sr. Deputado, inverter esse caminho. Para inverter esse caminho, é preciso alargar a rede existente e isso, Sr. Deputado, não passa por criar mais vagas junto dos

lares, como fez o Governo de que o CDS fez parte, sem ter sequer em consideração o espaço dos lares, só

atirando dinheiro para cima das IPSS. Não, não é essa a solução. A solução é criar uma rede pública que

responda às lacunas que existem neste momento, porque as listas de espera para os lares mantêm-se, as

listas de espera para as creches também se mantêm e os problemas destes trabalhadores também se

mantêm.

A resposta passa por uma rede pública de lares, de creches e de outros equipamentos e por um Estado

que assuma, efetivamente, as suas responsabilidades, responsabilidades que estão, aliás,

constitucionalmente consagradas.

Sr. Deputado Hugo Oliveira, do PS, gostaria só de sinalizar, aqui, duas ou três observações que fez.

Efetivamente, há muita coisa que é «pouco», Sr. Deputado. Não deixamos de sinalizar avanços que foram

importantes nos últimos anos, mas, efetivamente, é mesmo muito pouco, Sr. Deputado. Não é possível viver

com 565 € líquidos por mês, o salário mínimo que temos, hoje, no nosso País. E é isso que 25% dos

trabalhadores no nosso País levam para casa todos os meses — para pagar as contas, para garantir a

alimentação, para pagar a renda de casa —, muitos dos quais trabalham neste setor, Sr. Deputado. E é

também para responder aos trabalhadores deste setor e para garantir melhor qualidade na resposta deste

setor que a valorização salarial é absolutamente impreterível.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira concluir, se faz favor.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, vou terminar. O PCP assinalou isso mesmo, aqui, na semana passada, quando trouxe à discussão o aumento do salário

mínimo nacional, tendo colocado como objetivo alcançar os 850 €/mês, proposta que nenhum dos partidos à

direita do PS, nem o PS, esteve disponível para acompanhar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, muito obrigado.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, mesmo para terminar.

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De um ponto de vista do destino dos dinheiros orçamentais, é uma questão de opção política, Sr.

Deputado, e o PS tem optado por beneficiar o capital e não por garantir mais direitos aos trabalhadores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Entramos no último grupo de pedidos de esclarecimentos à Sr.ª Deputada Diana Ferreira e o primeiro cabe à Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Diana Ferreira, gostaria de felicitá-la pelo tema que traz.

De facto, a realidade dos equipamentos sociais no nosso País merece mais políticas públicas, políticas

públicas mais eficientes, o mesmo se passando com a realidade dos trabalhadores destas instituições.

Obviamente, não basta dizê-lo, não basta referir o papel que a economia social tem, há que apoiá-la, há

que valorizá-la, há que, de facto, reconhecê-la e criar condições para que se criem sinergias adequadas para

as necessárias respostas sociais.

Sr.ª Deputada, não posso deixar de aproveitar este momento para lhe colocar duas questões muito

concretas.

O Governo tem criado algumas linhas de financiamento às IPSS, como foi o caso da Linha de Crédito

Social Investe e, mais recentemente, da Linha de Apoio ao Setor Social COVID-19, linhas de financiamento

destinadas unicamente às IPSS e que têm deixado de fora as instituições de utilidade pública, que fazem um

importantíssimo trabalho social de resposta aos problemas mais emergentes do ponto de vista social e, muitas

vezes, também, ambiental.

Gostaríamos de saber se, da parte do PCP, consideram que estas instituições devem continuar a ficar de

fora destas linhas de financiamento.

Em segundo lugar, também não posso deixar de lhe perguntar se, fruto do contexto sanitário que

vivenciamos e em que esperamos episódios de surtos, no que diz respeito, nomeadamente, aos equipamentos

da primeira infância, o PCP não considera que, numa fase especialmente difícil como esta, seria importante

fazer não só um levantamento de todas as respostas existentes, sejam elas do setor público, sejam elas do

setor privado, já que esta rede deve, de facto, dar uma resposta conjunta numa perspetiva de sinergia.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para o próximo pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Partido Ecologista «Os Verdes».

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O próximo pedido de esclarecimentos cabe à Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Partido Ecologista «Os Verdes».

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, saúdo o PCP por trazer à discussão esta tão importante matéria, que tem sido cada vez mais alvo de atenção, visto que não é

de hoje que se conhecem as dificuldades dos idosos e das pessoas dependentes.

Ao longo dos últimos anos, as famílias viram acentuar-se a necessidade de espaços que lhes servissem de

suporte para ser possível conjugar as responsabilidades familiares com as responsabilidades laborais, quer

seja no apoio aos seus familiares mais velhos, quer seja na necessidade de uma rede de equipamentos de

apoio à infância, com regulação de horários de trabalho que permitam gerir saudavelmente cada situação.

Nos nossos dias, as famílias contam cada vez menos com o apoio direto de familiares e exige-se que a

sociedade dê resposta a esta questão, e, ao mesmo tempo, convida mulheres e homens a dividirem as

responsabilidades em matéria da educação dos seus filhos.

As dificuldades e as carências referidas pela Sr.ª Deputada não são de hoje. No entanto, a pandemia que

vivemos mostrou, de forma clara e evidente, que é necessária a criação de uma rede nacional de lares e de

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creches para que ninguém fique sem o apoio de que necessita, quer seja nos cuidados de saúde e no

combate à solidão, quer seja no direito de desenvolver capacidades de forma saudável, que as creches

permitem às crianças.

Assim, Sr.ª Deputada Diana Ferreira, pergunto-lhe se não considera necessária a elaboração, com

urgência, de um plano de criação de uma rede pública de creches que cubra todo o País, com vista,

sobretudo, à garantia de creche gratuita para todas as crianças até aos 3 anos — como Os Verdes

propuseram no seu projeto de resolução, que não mereceu o acolhimento desta Assembleia —, permitindo

que estes problemas que se intensificaram fossem menos uma preocupação para milhares de famílias.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O último pedido de esclarecimento cabe à Sr.ª Deputada Helga Correia, do PSD.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero saudar o PCP por ter trazido a debate um tema tão importante e atual como este dos equipamentos sociais nos lares e

creches, num momento tão particular, em que as instituições de solidariedade social desempenharam um

papel fundamental neste período da pandemia, pois estiveram na linha da frente e que com tão pouco

conseguiram fazer muito no apoio aos nossos idosos, às nossas crianças, mesmo àqueles — e saliento — que

estão nos lares ilegais. O PCP hoje fala dos lares ilegais, mas no passado não foi capaz de acompanhar uma

proposta do Partido Social Democrata.

Mas quero salientar, também, a questão das instituições, tanto as que estão na rede pública como aquelas

que, não sendo da rede pública, são da rede solidária e que prestam serviço público, como já foi aqui referido,

e que se substituem ao Estado no papel que ele deveria ter e que não tem no apoio às pessoas mais

vulneráveis, o que deve ser enaltecido por este Parlamento. Sabemos que são respostas tão ou mais eficazes

ou tão ou mais eficientes de acordo com a maior proximidade, ou não, destas respostas…

Pausa.

Peço desculpa, Sr. Presidente, mas há um ruído de fundo na Sala e não consigo concentrar-me.

Continuando, e voltando atrás para que se consiga perceber, sabemos que estas respostas são tão ou

mais eficazes consoante a proximidade que este serviço assume junto das populações mais vulneráveis e

sabemos que tanto o Partido Socialista como o Partido Social Democrata valorizam estes serviços de

proximidade.

A concluir, Sr.ª Deputada Diana Ferreira, sendo o PCP um parceiro — que tem sido — do PS no

Orçamento do Estado, quero colocar-lhe algumas questões: afinal, o que mudou ou o que não mudou? Ou,

então, o que vão exigir que o Governo mude, uma vez que são parceiros privilegiados nas negociações deste

Orçamento do Estado, neste momento tão particular? Vão usar a mesma cartilha que o PCP tem usado e que

todos nós bem conhecemos?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Vou já terminar, Sr. Presidente. É a cartilha de tudo na esfera pública e nada na esfera privada ou solidária. Afinal, como se posiciona o

Partido Comunista neste Orçamento do Estado?

Muito obrigada pela tolerância, Sr. Presidente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder a estes últimos pedidos de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do PCP.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Agradeço também à Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, à Sr.ª Deputada Mariana Silva e à Sr.ª Deputada Helga Correia as questões que me

colocaram.

Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, há algo que temos a dizer sobre estas linhas de financiamento que aqui

também referiu — é preciso ter em conta que, muitas vezes, estas linhas de financiamento estrangulam as

próprias instituições, e isso tem de ser, naturalmente, avaliado.

Muitas IPSS, há alguns anos, não eram instituições particulares de solidariedade social, eram associações

das mais variadas composições, da área da cultura, da área do recreio, da área do desporto e de outras áreas

e que, por força da lei, e para acederem a um conjunto de apoios — porque o financiamento do Estado ao

movimento associativo popular diminuiu significativamente —, foram obrigadas a transformar-se também em

IPSS. Esta é uma realidade que também não podemos deixar de salientar.

Naturalmente que o levantamento do conjunto de respostas que existe no País é necessário. Aliás, a Carta

Social, neste momento, está muito longe de ter toda a identificação e de estar atualizada com as respostas

que existem neste momento. Por isso, naturalmente, o levantamento do tipo de respostas que existe é

necessário para sabermos se as mesmas são ou não adequadas à região em que se inserem.

Mas o que a realidade também nos diz é que as carências ao nível das respostas sociais são muitas. Aliás,

em relação às listas de espera, como já referi, nos lares, nas creches, mas também a outras carências no

âmbito de respostas sociais e de equipamentos de apoio à infância, à juventude, às pessoas com deficiência,

também aos adultos e aos idosos, é igualmente responsabilidade do Estado garantir estas mesmas respostas.

Sr.ª Deputada Mariana Silva, naturalmente que importa elaborar um plano de creches, um plano de

implementação de uma rede pública de creches até à entrada no pré-escolar — no fundo, é disso que estamos

a falar —, que garanta também a universalidade da resposta. A intervenção que o Partido Ecologista «Os

Verdes», tal como o PCP, têm tido neste mesmo sentido, e sendo positivo o que ficou consagrado no anterior

Orçamento do Estado, naturalmente que importa ir muito mais longe, só o primeiro escalão não chega. É

preciso alargar a gratuitidade das creches, garantir a sua universalidade e garantir também a criação de uma

rede pública para responder ao conjunto das necessidades de todo o País, considerando até necessidades

específicas do território, que também são muito diferentes.

Sr.ª Deputada Helga Correia, nós também já conhecemos a cartilha do PSD. Aliás, a cartilha do PSD, por

exemplo em 2013, quando estava no Governo com o CDS, foi a de encerrar as últimas respostas públicas que

havia nesta área, retirando-as da alçada da segurança social e entregando-as ao setor solidário. Portanto, esta

é, efetivamente, a cartilha do PSD que nós também já conhecemos.

Mas a cartilha do PSD não é a do que o País precisa, Sr.ª Deputada. O País não precisa da privatização de

direitos sociais, o País não precisa que se fomentem negócios à custa dos direitos sociais nem precisa da

mercantilização dos direitos sociais. O País precisa de redes públicas de equipamentos sociais de proximidade

e de qualidade que respondam às necessidades dos utentes e das populações e que respeitem os direitos

laborais dos seus trabalhadores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos à próxima declaração política, que cabe ao Grupo Parlamentar do CDS-PP.

Tem a palavra, para o efeito, o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS entendeu trazer para esta declaração política aquilo que é a recuperação económica do País. Portugal, a Europa e o

mundo foram confrontados com uma crise pandémica que rapidamente evoluiu para uma crise económica e

que degenerou numa violenta crise social que ainda agora está no seu início. Falar de recuperação económica

implica falar, naturalmente, daquilo que foi um plano, uma visão que o Governo encomendou, o plano Costa

Silva.

Independentemente do desacordo com algumas das ideias daquele plano, designadamente as que são

mais estatizantes, o CDS até elogiou aquele que foi um exemplo de disponibilidade cívica — por vezes

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criticamos e apontamos o dedo à sociedade civil por não participar na vida pública. Portanto,

independentemente da visão que temos daquele plano, só podemos elogiar quando há pessoas com

qualidade, com formação, que se disponibilizam para servir o País.

Tivemos a apresentação pública desse plano sempre com um enorme espetáculo, o espetáculo a que o

Partido Socialista nos habitua. Tivemos a discussão do plano, também aqui, no Parlamento. Tivemos a

discussão do plano também no espaço mediático. E depois disso o que tivemos? Tivemos o Sr. Primeiro-

Ministro a chamar e a convocar os partidos para ouvir que ideias tinham e o que achavam daquele mesmo

plano, tendo entregue um PowerPoint a cada partido.

Depois disso, o Primeiro-Ministro entendeu — e bem! — promover um debate neste Parlamento, e o que

temos hoje em mãos é apenas um PowerPoint com 15 páginas e com o cronograma do Plano de

Recuperação e Resiliência (PRR).

Sabemos que esse plano assenta, essencialmente, em três grandes blocos: o bloco da resiliência, o bloco

da transição digital e o bloco da transição climática e que esses três blocos subdividem-se em muitas outras

áreas e que o plano contém uma estimativa, um número com muitos e muitos milhões de euros em cada uma

dessas áreas.

Mas o que prevê o tal cronograma, que eu tenho aqui, do Plano de Recuperação e Resiliência?

Esperávamos que hoje, dia 14 de outubro, o Sr. Primeiro-Ministro estivesse aqui, no Parlamento, precisamente

a apresentar esse mesmo plano. Fez uma outra opção: entendeu apresentar, não muito longe, na Gulbenkian,

numa sessão para a comunicação social, aquilo que é a primeira versão de um plano que vai ser apresentado

amanhã em Bruxelas e do qual o Parlamento tem um enorme desconhecimento.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, as perguntas que temos de colocar, aqui, hoje, e a que talvez só o Partido

Socialista possa responder, são estas: que investimentos vão constar deste plano que comprometem o País e

que amanhã vão ser entregues em Bruxelas? Ao nível dos fundos europeus — são fundos europeus que vão

sustentar, precisamente, este mesmo plano —, o que sabe o Parlamento? O Parlamento não foi informado,

não houve debate, ou seja, não houve qualquer escrutínio.

Esta é a Casa da democracia. E utilizando, até, a expressão de um membro deste Governo, pergunto: o

povo não tem o direito de saber aquilo com que Portugal se vai comprometer em Bruxelas?

Vozes do CDS-PP: — Tem!

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Ainda ontem ouvi, aqui, no Parlamento, dois ministros dizerem «o Sr. Primeiro-Ministro foi ao Parlamento, até promoveu o debate parlamentar, chamou os partidos

políticos e ouviu-os…». Mas a pergunta que se coloca é a seguinte: depois desse debate, depois dessas

reuniões, o que é que resultou? O que é que vai ser apresentado em Bruxelas? O Parlamento não sabe, nós

não sabemos, infelizmente.

Sr.as e Srs. Deputados, numa altura em que se fala tantas vezes em extremismos, é precisamente a

ausência de informação, de transparência que abrem a porta e o espaço a esses mesmos extremismos.

Sr.as e Srs. Deputados, é bom termos consciência que aquilo que o Governo vai entregar amanhã em

Bruxelas, o tal plano, vai comprometer o País, pelo menos na próxima década, em matéria social, em matéria

de infraestruturas, em matéria de mobilidade, em matéria de coesão territorial, de descarbonização, etc.

Estamos numa Casa e num Parlamento que debate tudo e mais alguma coisa. Esta matéria, que é essencial,

devia ser aqui debatida, bem como as opções que o Governo quer levar a Bruxelas.

Termino, dizendo o seguinte: hoje, dizem que vivemos o chamado «novo normal». Eu diria que isto não é

nada normal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, três Srs. Deputados. O Sr. Deputado pretende responder em separado ou em

conjunto?

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Em conjunto, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito bem, Sr. Deputado. Começo por dar a palavra, para pedir esclarecimentos, ao Sr. Deputado Hugo Costa, do Partido Socialista.

O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, cumprimento-o pela escolha do tema.

A atual situação pandémica colocou, certamente, novos e importantes desafios. O Governo do Partido

Socialista coloca como central, quer no Plano de Recuperação e Resiliência, quer no Orçamento do Estado

para 2021, uma política contracíclica e uma política que aposte nos efeitos multiplicadores.

Sr. Deputado, Portugal vai ter, nos próximos 10 anos, entre 2021 e 2030, entre o Portugal 2020, o novo

quadro comunitário e o Plano de Recuperação e Resiliência, o maior valor financeiro em fundos europeus. E é

nossa responsabilidade garantir que o País utilize esses fundos da melhor forma possível, razão pela qual foi

também importante, hoje, a aprovação, na especialidade, da lei de contratação pública, na Comissão de

Economia.

Mas centremo-nos no debate. O Sr. Deputado diz que o debate sobre o Plano de Recuperação e

Resiliência não foi feito no Parlamento. Ora, recordo que foi o próprio Governo que solicitou que existisse um

debate nesta Câmara com o Sr. Primeiro-Ministro — foi a pedido do Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Deputado!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Hugo Costa (PS): — Recordo também que foi o próprio Grupo Parlamentar do Partido Socialista que solicitou que o Prof. António Costa Silva viesse à Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e

Habitação para debater o plano.

Recordo ainda que, quando o Sr. Deputado do CDS apresentou um requerimento solicitando que o Sr.

Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital e o Sr. Ministro das Infraestruturas e da Habitação

viessem à Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, o Partido Socialista votou

favoravelmente e essas audições já tiveram lugar.

Assim sendo, não percebemos por que razão o CDS diz que não houve debate deste Plano de

Recuperação e Resiliência. Não percebemos!

Aplausos do PS.

Mas, Sr. Deputado, 6 minutos também não bastaram para perceber quais eram as propostas do CDS.

Quais são, afinal, as propostas do CDS relativamente a este Plano de Recuperação e Resiliência?! É que 6

minutos não bastaram para percebê-lo. Será que o CDS discorda da aposta na habitação, que é central nesta

política? Será que o CDS discorda da aposta na ferrovia, na qual, ao longo de décadas, não foi feita qualquer

aposta?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Hugo Costa (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente. Ou será que o CDS discorda que, finalmente, se possam fazer algumas travessias rodoviárias, que

também foram deixadas para trás porque o Portugal 2020 não o permitia?

Gostaríamos de obter respostas para estas questões, Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro, do PSD.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, cumprimento-o igualmente pelo tema que nos traz.

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O Sr. Deputado tem razão naquilo que diz, porque o que tivemos foi um PowerPoint muito bonitinho, muito

redondinho, onde tudo é muito importante, onde tudo é muito prioritário, como, aliás, ficou bem claro quando

tivemos na Comissão de Economia o Prof. Costa Silva, autor primário deste plano e que, às perguntas que os

Srs. Deputados iam fazendo, ia dizendo «é muito importante», «é prioritário», «é muito importante», «é

prioritário»…

Ora, a verdade é esta: aquilo que está hoje a ser apresentado na Gulbenkian, e não no Parlamento, será

também muito importante e muito prioritário, mas nós estamos ainda sem saber como é que se concretiza. E

isto é muito importante. De facto, importa muito saber onde, como e para onde se vai investir todo este

dinheiro — concretizar é que é decisivo! É que o Governo tem falado muito, tem apresentado vários

PowerPoints muito bonitos, mas não concretiza.

A primeira questão que coloco é exatamente sobre esta lentidão. Nós estamos a viver momentos muito

complicados, momentos em que a economia, infelizmente, vai caindo, o desemprego aumenta e as incertezas

também. O que verificamos é que há uma lentidão nas respostas concretas. E a economia real, as empresas e

os trabalhadores precisam de respostas concretas. Por isso, esta lentidão cria uma incerteza que não é de

todo recomendável e que é um traço caracterizador deste Governo.

Também aquilo que vamos conhecendo do Orçamento do Estado nos preocupa um pouco, porque

verificamos que há uma enorme manutenção do peso do Estado e um esquecimento daquilo que é a

economia real, onde se criam empregos e onde se cria riqueza.

Assim sendo, Sr. Deputado, a questão que lhe coloco é no sentido de saber se concorda que esta lentidão

e esta incerteza que o próprio Orçamento também encerra e que a ação do Governo deixa transparecer ao

longo dos últimos meses não é o caminho que precisávamos para dar confiança e criar riqueza e emprego em

Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Por fim, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Gonçalves Pereira, o Sr. Deputado trouxe aqui o relato do processo e do caminho percorrido até agora no quadro da elaboração do chamado «Plano de

Recuperação e Resiliência».

Seguramente, toda a gente há de concordar com a necessidade de um debate aprofundado e consequente

sobre as opções que o País tem pela frente relativamente a esta matéria. Coisa diferente é, certamente,

reduzir esse debate a uma espécie de caixa de sugestões e reclamações para, depois, quem decide lá em

Bruxelas tomar conta da ocorrência e avançar com a aprovação nas costas do nosso País. Isto não é

aceitável!

Mas também falta agora o resto, Sr. Deputado, que é ouvi-lo acerca do que isto também traduz e do que

isto significa em relação a estas políticas de subordinação do nosso País e de governação das opções

fundamentais para o nosso futuro coletivo aos ditames que sejam emanados a partir de Bruxelas, tendo de

nos conformar com aquilo que de lá seja dado como orientação e indo nós até lá para submeter algo à

aprovação — nós não, mas o Governo — para depois, a seguir, o Governo mostrar ao País e à Assembleia da

República o que foi lá aprovado.

Nós não estamos de acordo com esse processo, mas também queremos dizer uma palavra sobre o

conteúdo, porque sobre o conteúdo o Sr. Deputado também não teve tempo para falar ou não se lembrou de

falar.

Mas, sobre o conteúdo, Sr. Deputado, também queria colocar-lhe uma questão relacionada com as opções

fundamentais que, nesta altura, se impõe colocar em cima da mesa e debater, como o apoio aos setores

produtivos, à produção nacional, às micro, pequenas e médias empresas, coisa que é substancialmente

diferente de dar o dinheiro aos mesmos do costume, às grandes empresas e às multinacionais, para estes

depois terem os trabalhadores como peça descartável, que foi o que aconteceu — para dar apenas alguns

exemplos do distrito de Setúbal — na Autoeuropa, na Continental e na Lauak, onde os trabalhadores foram

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tratados como peças descartáveis, tendo sido rapidamente anunciados ou desencadeados processos de

despedimento coletivo.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente. O mesmo aconteceu, mais recentemente, na SPAL (Sociedade de Porcelanas de Alcobaça), que, depois

de estar a receber dinheiros do Estado para o layoff, tendo os trabalhadores os salários cortados, faz agora

despedimentos coletivos de dezenas de trabalhadores.

Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se tem, ou não, algo a dizer sobre o que temos pela frente em relação aos

direitos de quem trabalha e aos salários como fator e condição para o desenvolvimento e para a resposta aos

problemas do País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados as questões colocadas.

Começo por responder ao Sr. Deputado Hugo Costa, do Partido Socialista, que não deve ter ouvido bem a

minha intervenção. Eu não disse que não tinha havido debate — inclusive, elogiei o Sr. Primeiro-Ministro por

ter promovido um debate e ter vindo aqui ao Parlamento. E elogiei o facto de o Sr. Primeiro-Ministro ter

chamado os partidos e de os ter ouvido. Aliás, o Sr. Deputado deve andar distraído, porque o Sr. Primeiro-

Ministro aqui, nesse mesmo debate, agradeceu os contributos que as diferentes bancadas tinham dado

nessas mesmas conversas em privado.

O que não sabemos, Sr. Deputado, é o resultado dessas conversas. Não sabemos, daquilo que foi o

debate aqui, no Parlamento, o que é que o Sr. Primeiro-Ministro conseguiu, ou não, reter desse mesmo

debate.

E, Sr. Deputado, nem por acaso, estava eu há pouco a fazer a declaração política da tribuna e recebo no

meu telemóvel uma mensagem, dizendo o seguinte: «António Costa apresenta plano de retoma na

Gulbenkian».

Sr. Deputado, o que eu disse foi o seguinte: esse plano devia ser apresentado aqui e discutido pelos vários

partidos, antes de ser apresentado em Bruxelas. Foi precisamente isto que eu disse.

Pergunta-me também o Sr. Deputado por propostas do CDS. Mas nós nem sequer conhecemos o plano do

PS! As propostas do CDS foram transmitidas nesse debate — e eu ouvi várias — e na conversa que houve

com o Sr. Primeiro-Ministro.

Agradeço também ao Sr. Deputado Emídio Guerreiro as questões colocadas, concretamente a do tempo

de incerteza. Em relação ao tempo de incerteza, quero dizer-lhe que há uma certeza que temos, e que é a

única certeza que podemos ter neste momento: é a de que vamos ter fundos europeus. Ainda não sabemos

onde é que eles vão ser utlizados, mas já sabemos que vamos tê-los. E isso, parecendo que não, é importante

para o desafio que temos para os próximos 10 anos, uma vez que se trata de um grande envelope financeiro,

devendo nós utilizar esses fundos da melhor forma possível.

Queria também dizer ao Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP, que até parece que estamos de acordo. É que

é importante saber aqui, neste Parlamento, o que é que vai ou não vai ser apresentado em Bruxelas. Fala o

Sr. Deputado na força de Bruxelas… Devo dizer que até fico espantado com o Partido Comunista em alguns

destes debates. É que o Partido Comunista diz o seguinte: «Nós não queremos nada com a Europa, não

queremos nada de Bruxelas». Mas, depois, quando se trata de dinheirinho e de fundos comunitários, o Partido

Comunista já diz: «Nós, aí, queremos ter uma palavra a dizer».

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

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Sr. Deputado, estes fundos europeus vão ajudar a resolver muitas das questões que colocou, tais como os

problemas das empresas, o problema de travar o próprio desemprego…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Vou concluir, Sr. Presidente. Termino, dizendo o seguinte: era importante conhecermos o plano em detalhe. Não sabemos sequer se

vamos conhecê-lo hoje, se só depois de Bruxelas o conhecer, não sabemos quando vamos conhecê-lo.

Portanto, fica aqui o repto ao Partido Socialista para que faça pressão junto do Governo para que este

possa dar a conhecer esse mesmo plano.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos à declaração política do Grupo Parlamentar do PAN. Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A oportunidade de acesso que vamos ter aos fundos europeus que aí vêm é, sem dúvida, uma importante alavanca para o País. Mas essa

oportunidade traz-nos também a grande responsabilidade de garantir não só um uso adequado desses

mesmos fundos como também uma maior transparência na sua aplicação e ainda a possibilidade de os

portugueses poderem participar da tomada de decisão quanto ao seu uso.

Há meses que o PAN tem afirmado, de forma perentória, que a crise sanitária não só não tinha o efeito de

fazer desaparecer a corrupção, como trazia consigo o perigo de aumento deste fenómeno, já tão danoso para

o nosso País.

Alertas não têm faltado e chegam-nos de entidades tão distintas como a OCDE (Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Económico), o FMI (Fundo Monetário Internacional), o GRECO (Group of

States against Corruption), o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), o Tribunal de Contas ou a

Transparência Internacional (TI). Todas estas entidades alertaram para a vulnerabilidade a lobistas, para o

aumento de situações de conflitos de interesse, para os riscos de subornos ou para a ameaça de falsificação

de documentos e até mesmo de produtos médicos.

De resto, as soluções que têm sido propostas por estas entidades para prevenir e fazer face a estes riscos

são claras e passam, nomeadamente, pela criação de novos mecanismos de transparência, pelo reforço dos

mecanismos de controlo e de fiscalização, tanto das medidas excecionais para fazer face à crise sanitária

como das medidas que se preparam para a fase de recuperação e retoma económica.

Era precisamente o caminho do reforço dos mecanismos de controlo e fiscalização, recomendado por estas

diversas entidades internacionais, que queríamos, quando, no passado mês de junho, aqui propusemos que a

comissão parlamentar para o acompanhamento da COVID-19 tivesse também a competência para avaliar o

impacto financeiro e a transparência das medidas de resposta e de recuperação das crises que estamos a

viver, algo que foi rejeitado por este Parlamento.

Estes mecanismos de transparência e de escrutínio assumem particular relevância e são bastante

importantes no que toca aos fundos europeus, à sua gestão e à sua execução, pois parece ser este o caminho

certo se queremos evitar os riscos de corrupção, para os quais já fomos alertados.

É bom recordar que, em 32 anos, o nosso País recebeu 130 000 milhões de euros em fundos europeus e

são vários os estudos que nos dizem que estes fundos não serviram para fazer as reformas estruturais de que

o País precisava e que este processo de aplicação poderia ter sido posto em causa pela excessiva

centralização do processo de decisão, pela criação de dificuldades artificiais de candidatura, pela falta de

auscultação da sociedade civil e do tecido empresarial, por uma certa tendência para fenómenos de

patronagem e pela sua instrumentalização para fins eleitorais. E não somos nós que o dizemos, mas sim,

precisamente, os estudos existentes a este respeito.

Veja-se, por exemplo, o relatório de 2019 do Organismo Europeu da Luta Antifraude (OLAF), que nos diz

que, entre 2015 e 2019, no âmbito dos fundos estruturais e de agricultura, o nosso País perdeu cerca de

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1,92%, na sequência de fraudes e irregularidades, tendo sido o oitavo país da União Europeia com maior

percentagem de perdas.

Mas a perda de fundos europeus para a corrupção não é o único problema das candidaturas, seja na fase

de gestão, seja na fase de execução. Existe também um claro afastamento da sociedade civil, fenómeno que

bem nos deve preocupar e que é patente nos dados do Eurobarómetro do ano passado, que nos dizem que só

38% dos portugueses têm conhecimento dos projetos cofinanciados pela União Europeia na sua região e que

só 12% sentem que estes fundos trouxeram uma melhoria para a sua vida quotidiana. Estes dados devem

convocar-nos a agir, não só por uma maior transparência, mas também por uma maior proximidade da

sociedade civil, para que a gestão e execução dos fundos europeus não seja, como no passado, feita em

circuito fechado, mas antes por uma execução que assegure mecanismos de controlo e de fiscalização

adequados, bem como de participação cidadã.

Pois bem, são precisos mecanismos de controlos adicionais aos que já existem atualmente. Por isso

mesmo, o PAN anunciou, no início do passado mês de agosto, que proporia a criação de um portal da

transparência para os fundos europeus que, em tempo real, apresentasse as medidas, os projetos apoiados, o

seu custo orçamental, o número de beneficiários, as entidades beneficiárias, os critérios de atribuição, o seu

grau de execução e outros aspetos relevantes, o que em nada se pode confundir com o portal Base.gov, já

existente e marcadamente virado para a contratação pública. Trata-se, pois, de uma medida que foi

recomendada pelo FMI para o período de crise sanitária e consequente recuperação, e que foi até consagrada

no plano de Costa Silva, aplicada já em alguns países.

Sr.as e Srs. Deputados, foi isso mesmo que propusemos ao Governo, e já tivemos oportunidade de ouvir,

nesta Assembleia, a concordância por parte do Sr. Primeiro-Ministro. E será isso mesmo que materializaremos

em sede de discussão na especialidade do Orçamento para 2021.

Mas o portal da transparência não basta para aproximar a sociedade civil das fases de candidatura, gestão

e execução dos fundos europeus. Estamos a falar de dinheiro que é de todos e que, por isso mesmo, deve ter

um impacto direto na vida dos portugueses. Estamos a falar de opções que vão condicionar o futuro de médio

e longo prazo do País, que vão condicionar as escolhas políticas de futuros Governos, tenham eles a cor

política que tiverem, e isto, Sr.as e Srs. Deputados, é algo que temos de ter presente no imediato. Por isso

mesmo, porque estamos a falar de questões que condicionam diretamente a vida dos nossos concidadãos, o

PAN entende que é preciso ir mais longe e criar uma comissão independente composta por organizações

representativas da sociedade civil e por cidadãos independentes, sem ligações partidárias, que acompanhe

todas as fases relativas aos fundos europeus que vão chegar em breve e que, com os seus contributos, auxilie

a comissão parlamentar de acompanhamento na fase de recuperação.

Recordamos ainda que foi graças a uma iniciativa legislativa do PAN que este Parlamento alargou o âmbito

das matérias suscetíveis de serem objeto de iniciativa legislativa de cidadãos, o que constitui um enorme

avanço em matéria de democracia participativa. Saibamos, então, continuar a dar estes avanços e, em sede

de especialidade do Orçamento do Estado para 2021, conseguir trazer a democracia participativa para a

execução dos fundos europeus e, assim, evitar erros do passado e contribuir, acima de tudo, para algo que

nos deve mobilizar: aumentar a confiança dos nossos concidadãos nos órgãos de soberania.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, a Mesa regista que a sua declaração política suscitou um pedido de esclarecimento da parte do Sr. Deputado Duarte Marques, do PSD.

Tem a palavra para o efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o PAN traz a debate um tema importante que tem sido envolvido em algum populismo pouco justo com aqueles que, durante os últimos

anos, ao longo de duas ou quase três décadas, usaram os fundos comunitários em Portugal.

O que seria de Portugal, dos hospitais, dos lares de idosos, das escolas, das universidades, das empresas

se não fosse a utilização de fundos comunitários? Não foram assim tão mal aplicados.

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Mas podemos fazer melhor? Podemos, e é por isso que a proposta que o PAN já apresentou foi, também,

seguida por outros partidos e, felizmente, o próprio Governo já assumiu a intenção de apresentar o portal da

transparência. Mas a verdade é que o próprio Programa-Quadro em execução já tem um portal desse género.

Chamo a atenção para que, no meio da discussão dos fundos comunitários que aí vêm, há um montante

equivalente à «bazuca» europeia que ainda está por utilizar. São 12 000 milhões de euros que Portugal tem

desperdiçado de fundos europeus, que temos de utilizar e de investir, não de gastar.

Mas eu lançava o seguinte desafio ao PAN: acompanha o PSD numa proposta que deu entrada, na última

segunda-feira, na Mesa da Assembleia, que obriga o Governo a apresentar um relatório trimestral sobre a

negociação, implementação e execução da «bazuca» europeia em Portugal e a vir, de três em três meses, à

Comissão de Economia esclarecer, apresentar, demonstrar e acompanhar o que está em execução com este

dinheiro?

Dois anos para executar 70% do montante é demasiado pouco para deixarmos o Governo sem a pressão

de executar rápido e bem.

Sr.as e Srs. Deputados, o PSD estará cá para escrutinar, para propor alternativas, mas, sobretudo, para

defender o interesse dos cidadãos em que se utilize bem esta oportunidade dos fundos europeus, não para

substituir o Estado naquilo que ficou por fazer com a austeridade dos últimos anos, mas para fazer reformas

estruturais que permitam ao País crescer mais e melhor e que permitam às empresas voltar a crescer como no

passado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, entretanto, o Partido Socialista inscreveu uma Sr.ª Deputada para pedir esclarecimentos.

Como pretende responder, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito bem. Antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Cláudia Santos para pedir esclarecimentos, peço aos Srs.

Deputados que cumpram a regra de se inscreverem enquanto está a ser proferida a declaração política.

Sr.ª Deputada Cláudia Santos, tem a palavra para pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista associa-se à convicção do PAN sobre a necessidade de se garantir transparência no acesso aos

fundos comunitários. Todavia, parece peculiar que se reflita sobre esse assunto de tão grande relevância sem

se ter em conta a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, que está em discussão pública e

que prevê um conjunto de mecanismos que nos parecem de extraordinária relevância para fazer face a esse

risco de corrupção.

Gostaríamos, portanto, de conhecer a opinião do PAN sobre dois desses mecanismos, duas das soluções

previstas na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção que nos parecem de magna importância para se

prevenir a corrupção no acesso aos fundos comunitários, nomeadamente a corrupção ativa de pessoas

jurídicas e empresas.

Em primeiro lugar, a Estratégia prevê a obrigatoriedade de programas de compliance, ou cumprimento

normativo, e, mais do que essa obrigatoriedade, exige-se a avaliação da eficácia desses programas de

cumprimento normativo. Pergunto: o PAN reconhece a essencialidade dessa medida?

Segunda questão: não temos, neste momento, um estatuto processual penal para pessoas jurídicas, o que

significa que uma empresa que é arguida num processo penal por corrupção, ou que até já foi condenada em

primeira instância por corrupção, continua a poder candidatar-se a fundos europeus ou concorrer a concursos

públicos. A Estratégia refere-se, expressamente, à necessidade de criação de um catálogo de medidas de

coação para pessoas coletivas que as impeçam, durante a vigência do processo penal, de concorrer a

concursos públicos ou de aceder a fundos europeus.

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Portanto, não podemos discutir este tema como se nada estivesse a ser feito relativamente a ele. O Grupo

Parlamentar do Partido Socialista e o Governo estão profundamente comprometidos com a prevenção e a

repressão da corrupção e gostaríamos de conhecer a opinião do PAN sobre estas duas medidas concretas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder aos dois pedidos de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, gostaria de agradecer ambas as questões colocadas.

Relativamente às questões do Sr. Deputado Duarte Marques, há um aspeto que não posso deixar de

referir. Quando diz que é um «populismo pouco justo», recordo os vários estudos que existem sobre a matéria

e como, muitas vezes, uma imagem vale mais do que mil palavras, mostro-lhe o ranking em matéria de

irregularidades.

A oradora exibiu um texto.

Conforme referi há pouco, o relatório do OLAF coloca-nos numa posição muito pouco graciosa em matéria

do que tem sido a utilização indevida ou até mesmo da perceção que os cidadãos têm sobre a forma como

utilizamos os fundos comunitários. Portanto, não discordando do que, a seguir, o Sr. Deputado disse da

relevância dos fundos comunitários e, até, do cumprimento das metas na sua execução — nenhum de nós,

nesta Assembleia, pretende que Portugal desperdice a oportunidade de usar esses mesmos fundos

comunitários —, não nos podemos esquecer, porém, que também temos um dever de transparência, de

reforçar mecanismos de controlo e de fiscalização para que os erros do passado não voltem a ser cometidos.

Apesar das virtudes, também houve muitas vicissitudes e muitos vícios que não podemos ignorar.

Sr. Deputado, em relação à outra questão que colocou, nomeadamente sobre se acompanhamos o PSD na

proposta de apresentação do relatório trimestral na Comissão de Economia, evidentemente que

acompanhamos tudo aquilo que possa constituir estes mecanismos de reforço. O que lamentamos é termos

assistido, já nesta Legislatura, a uma diminuição da participação do próprio Governo nesta Assembleia,

nomeadamente com o fim dos debates quinzenais, porque esse também seria um momento mais do que

indicado para podermos confrontar o Sr. Primeiro-Ministro com preocupações que, certamente, são comuns a

todas e a todos nós.

Nesse sentido, não será certamente o PAN que irá obstaculizar a essa proposta, muito pelo contrário, até

porque muito nos preocupa também a utilização destes fundos. Se existe uma «bazuca» europeia, todos nós

queremos saber utilizá-la, ao invés de estarmos aqui a dar tiros nos pés.

Relativamente às questões que a Sr.ª Deputada Cláudia Santos nos colocou, e que, desde já, muito

agradeço, o PAN acompanha, evidentemente, essas preocupações em relação à importância da própria

Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, seja na obrigatoriedade dos programas de compliance, que nos

parece da maior pertinência, seja no estatuto processual penal, nomeadamente para a responsabilidade das

pessoas coletivas, evitando assim a possibilidade de concorrerem a fundos quando estão a decorrer

processos neste domínio.

O que propomos com esta medida é um reforço dos mecanismos de fiscalização, porque os mecanismos

existentes terão, eventualmente, as suas fragilidades, Sr.ª Deputada, e temos de aprender com todos estes

processos para garantir que a informação é, acima de tudo, acessível e legível por parte dos cidadãos. Não

podemos ter um portal Base.gov, por exemplo, que, apesar da sua bondade e pertinência, é legível, por

exemplo, para jornalistas, técnicos ou outras pessoas habilitadas, enquanto a maior parte dos cidadãos, se

quiser obter informação sobre se estão a decorrer candidaturas ou como estão a ser utilizados estes fundos,

não consegue ler essa mesma informação.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo já, Sr. Presidente. Portanto, este valor que aí vem é extremamente importante para Portugal. Saibamos utilizá-lo, mas, acima

de tudo, tenhamos a responsabilidade de demonstrar como o estamos a fazer.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, para proferir a próxima declaração política, que cabe ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Correia.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Orçamento do Estado para 2021 é um Orçamento de combate. É um Orçamento de combate à crise de saúde pública e à crise económica

e social que, inesperada e subitamente, se abateram sobre o nosso País. É um Orçamento alicerçado no

diálogo e nas conversações levadas a cabo, nos últimos meses, com o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV. É

um Orçamento que assegura a linha dos exercícios orçamentais anteriores. É um Orçamento que respeita a

escolha da maioria dos eleitores, que se pronunciaram nas eleições legislativas, ou seja, que respeita as

linhas orientadoras do programa do PS com entendimentos à esquerda.

O caminho percorrido pelo PS e os seus parceiros parlamentares atingiu e superou metas económicas e

sociais como o crescimento económico acima da média europeia, a histórica taxa de criação de emprego e o

combate às desigualdades, um caminho que transformou a economia portuguesa numa economia mais

resiliente e que permitiu enfrentar uma crise totalmente inesperada com as medidas adequadas à fase da

emergência e à fase de estabilização económica e social.

Por isso, torna-se particularmente relevante recordar que o Orçamento do Estado para 2021 não recua um

milímetro nas conquistas dos últimos cinco anos E, para além de manter o conjunto de medidas que serviram

as prioridades governativas dos últimos cinco anos, este Orçamento do Estado avança em todos os domínios

e estes avanços resultam das negociações que decorreram ao longo dos últimos meses. São avanços que

resultam de aproximações entre o Governo e o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV: o reforço do Serviço

Nacional de Saúde, através da contratação de 4200 profissionais para hospitais e centros de saúde; a

contratação de 260 profissionais para o INEM; a criação de um subsídio de risco para os profissionais de

saúde que estão na linha da frente no combate à COVID-19; o reforço da escola pública, com a contratação de

cerca de 3000 assistentes operacionais; o reforço do Programa de Apoio à Redução Tarifária, de modo a

alargar o número de utilizadores que poderão beneficiar deste passe de transportes coletivos. Prevê o reforço

das medidas de proteção dos rendimentos: o aumento do salário mínimo nacional, mantendo a meta de 750 €

em 2023; o aumento extraordinário de 6 € a 10 € nas pensões mais baixas; a redução das taxas de retenção

do IRS; a redução do IVA da eletricidade; a devolução do IVA pago em restauração, alojamento e cultura em

vouchers para gastar nas mesmas áreas; e o alargamento da gratuitidade das creches da rede pública e social

a todos os filhos das famílias dos primeiro e segundo escalões.

Aplausos do PS.

Prevê também o reforço das medidas de proteção social: aumento para 504 € do valor mínimo do subsídio

de desemprego, para quem tenha estado empregado a tempo inteiro; a criação de um apoio social

extraordinário para que os trabalhadores em situação de desemprego ou redução de atividade nunca tenham

um rendimento abaixo do limiar da pobreza, isto é, abaixo de 501 €; o reforço das medidas de apoio ao

emprego e combate à precariedade laboral, como a suspensão da caducidade dos contratos coletivos de

trabalho; as grandes empresas com lucros registados em 2020 só poderão beneficiar de apoios públicos se,

ao longo do próximo ano, mantiverem o nível de emprego; novos deveres de informação sobre vínculos de

trabalho por parte das plataformas digitais; novo limite às renovações do trabalho temporário; mais poder de

fiscalização e intervenção e mais meios humanos para a Autoridade para as Condições do Trabalho.

Aplausos do PS.

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Prevê ainda o reforço do investimento público em cerca de 20% face ao ano corrente. E sobre o Novo

Banco fica assegurado que, em 2021, o Estado não irá emprestar um euro ao Fundo de Resolução. Fica

assim respondida a pretensão de muitos, nomeadamente do Bloco de Esquerda. Fica garantido que não

haverá transferência de capital do Estado para o Fundo de Resolução.

Estas novas medidas são avanços que respondem aos desafios que se colocam ao País. São avanços que

resultam de aproximações ao Bloco de Esquerda, ao PCP e ao PEV. Não há razões para desperdiçar estes

avanços, muito menos por taticismo político ou agenda partidária.

Aplausos do PS.

Nenhum português compreenderia ou aceitaria que, em cima de uma crise pandémica à escala planetária e

de uma crise económica e social em curso, fosse criada uma crise política.

Vejamos o exemplo da União Europeia: os líderes europeus têm sabido gerar os entendimentos

absolutamente necessários no seu seio. A maioria dos Estados-Membros superaram diferenças ainda maiores

do que as diferenças que separam alguns partidos nesta Assembleia, e fizeram-no porque sabem que uma

crise política na União Europeia só atrasaria as respostas necessárias para o combate à pandemia, a proteção

do rendimento das famílias e a recuperação económica. Não podemos aplaudir os avanços europeus e, ao

mesmo tempo, fingir que a estabilidade política não é a base essencial para combater a pandemia e a crise

económica e social.

Sr.as e Srs. Deputados, aos que dizem que não há problema em que o País comece o ano de 2021 com

duodécimos, como afirmou o Bloco de Esquerda há dias, nós respondemos que estar contra este Orçamento é

estar contra o País.

Aplausos do PS.

Risos do CH.

Que fique bem claro que as negociações entre o Governo, o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV geraram

avanços inquestionáveis, avanços que representam centenas de milhões de euros e que irão beneficiar

centenas de milhares de portugueses. Se para o Bloco de Esquerda estes avanços são fogachos, para o PS

estes avanços cumprem o desígnio de que não deixamos ninguém para trás.

Aplausos do PS.

Pelo Partido Socialista, as negociações continuarão, quer na fase da generalidade, quer na da

especialidade, como sempre aconteceu. As negociações com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV são a

prioridade do Governo e do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado, por favor.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente. Os entendimentos alcançam-se com cedências de ambas as partes. Quem apresenta novas linhas

vermelhas a toda a hora só pretende dificultar e inviabilizar negociações.

O caminho é de entendimentos. O PS coloca-se ao lado de quem procura dialogar. Os avanços e este

Orçamento não podem ser desperdiçados, porque é um Orçamento de combate, um Orçamento prudente num

mundo de incertezas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado João Paulo Correia, a Mesa regista sete inscrições para pedidos de esclarecimento.

Como pretende responder?

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O Sr. João Paulo Correia (PS): — Responderei, primeiro, a um grupo de três e, depois, a um grupo de quatro, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos, então, ao primeiro grupo de pedidos de esclarecimento.

Para o efeito, em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira, do PSD.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Paulo Correia, os portugueses têm bem presente que o PS escolheu os partidos da extrema-esquerda para alcançar uma maioria no

Parlamento, têm bem presente que estes partidos da extrema-esquerda responderam ao pedido de namoro e

a esse enlace e que esta relação a três fluiu, e fluiu bem, enquanto os tempos foram de vacas gordas,

enquanto os tempos foram de facilidades e enquanto houve dinheiro.

Mas a relação a três descambou perante as primeiras dificuldades. Na hora da verdade, quando se exigia

que o Governo e o PS estivessem à altura do momento e que o Governo e o PS estivessem à altura das

escolhas que fizeram no passado e que nunca se cansaram de reafirmar nesta Casa, o que é que o Governo e

o PS têm para oferecer aos portugueses? Têm para oferecer uma proposta de Orçamento do Estado que não

foi capaz de consensualizar com os seus companheiros de viagem. O que têm para oferecer aos portugueses

são os sucessivos lamentos, críticas e até chantagens sobre a conduta dos seus antigos companheiros de

viagem — o Bloco de Esquerda e o PCP.

O que o Governo e o PS têm para oferecer aos portugueses é o pré-anúncio de uma crise política, que

acresceria em cima de uma crise pandémica, de uma crise sanitária, de uma crise económica e de uma crise

social, tudo aquilo que os portugueses dispensam. Mas, infelizmente, é exatamente isso a única coisa que o

PS e o Governo têm para oferecer aos portugueses.

Por isso, Sr. Deputado João Paulo Correia, a minha pergunta é muito simples: onde para o sentido de

responsabilidade do PS e do Governo perante os portugueses? É isto que os senhores têm para nos oferecer?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O próximo pedido de esclarecimento cabe ao Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Paulo Correia, o senhor disse que o Orçamento do Estado avança em todos os domínios, e é verdade, tem razão, ele avança em todos os

domínios. Por exemplo, a grande maioria das pensões fica por atualizar a 1 de janeiro do próximo ano. É um

avanço em relação ao que o Sr. Primeiro-Ministro tinha dito há nove meses!… Também disse, há 10 meses,

que este seria o Orçamento que acautelaria a sobrevivência das empresas. Também isso, segundo todas as

entidades que já se pronunciaram sobre ele, deixou para trás! Foi um avanço, também!…

Mas conseguiu avançar noutra coisa: numa amálgama de programas de apoio que veio aumentar a

burocracia como nunca vimos em Portugal.

Sr. Deputado, pode fazer chantagem com o Bloco de Esquerda e com o PCP as vezes que entender, mas

não pode vir dizer a esta Câmara que quem estiver contra o Orçamento está contra o País. Isso recorda-nos a

frase «quem não estiver connosco está contra nós», e isso já não é assim, Sr. Deputado, vivemos num Estado

democrático!

Se o Partido Socialista não conseguiu, sequer, convencer os seus parceiros de viagem a viabilizar este

Orçamento, como é que vai convencer o País de que este é o Orçamento de que o País precisa para

responder à crise?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

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Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Paulo Correia, quero, antes de mais, agradecer-lhe por ter trazido este tema à Assembleia da República, que é da maior atualidade e

pertinência, pois estamos, de facto, a falar de um Orçamento que acontece num momento muito complexo

para o País, que não vai ter impacto apenas no ano de 2021. Temos de ter a consciência de que — e para que

quem está lá em casa perceba — este Orçamento também vai ter o seu impacto nas próximas décadas, e

que, necessariamente, a retoma económica não se vai consolidar unicamente em 2021.

Por isso mesmo, não podemos deixar de fazer uma crítica que já tivemos oportunidade de fazer. Este

Orçamento acaba por ser de continuidade, não é um ponto de viragem, não traz rasgo ao que tem de ser uma

opção política de um novo modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável: mais justo do ponto de vista

social e económico, mas sustentável do ponto de vista ambiental, e pouco ouvimos falar quanto a isto.

Em matéria climática, não podemos deixar de dar nota que ele está completamente desalinhado com

algumas das visões de Costa Silva e do plano de retoma económica para o País, nomeadamente naquele que

é o plano de recuperação e nos apoios às empresas, para incentivos positivos para esta mesma reconversão

em matéria ambiental, que é imperioso que se faça também, também na transição energética, que tem de ser

feita, nas indústrias poluentes, no setor da agricultura e da pecuária intensiva e superintensiva, que até aqui

tem beneficiado de isenções e subsídios perversos, de forma absolutamente incompreensível.

Portanto, parece-nos importante perceber até onde estão o Partido Socialista e o seu Governo disponíveis

para ir neste Orçamento, tendo um compromisso ambientalmente mais justo e adequado à realidade da crise

climática, que não desapareceu.

Por outro lado, em relação ainda a estes apoios diretos às empresas, porque é necessário um apoio mais

direto e não apenas por via do endividamento, queremos saber se estão disponíveis para apoiar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr.ª Deputada, por favor.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo já, Sr. Presidente. Em relação àqueles que são os subsídios perversos — há um elefante na sala chamado Novo Banco —,

não ouvimos falar da possibilidade de renegociação destes contratos, para que, de uma vez por todas, não se

fale apenas de não injetar dinheiro, mas também de renegociar os contratos do Novo Banco. Gostaríamos de

saber se estão disponíveis para isso.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para responder a estes três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Correia, do Partido Socialista.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, gostaria de agradecer as questões colocadas pelos Srs. Deputados Jorge Paulo Oliveira, André Ventura e Inês de Sousa Real.

Começando por responder à Sr.ª Deputada do PAN, gostaria de dizer-lhe que o Partido Socialista está

disponível para que, em sede de especialidade, possamos avançar mais nas conversações que têm sido

mantidas entre o Governo, o PS e o PAN nos domínios da política ambiental, indo ao encontro de algumas

expectativas apresentadas pelo PAN e que a Sr.ª Deputada teve oportunidade de reproduzir. Na especialidade

— ou antes, até, da especialidade, neste processo de votação na generalidade e depois na especialidade —,

estamos disponíveis para as aproximações necessárias.

Não ouvi nas intervenções do Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira e do Sr. Deputado André Ventura

nenhuma objeção de fundo em relação ao que o Orçamento do Estado apresenta. Não ouvi nenhuma crítica

frontal relativamente aos seus avanços. Julgo que nenhum dos Srs. Deputados discorda do reforço do Serviço

Nacional de Saúde, com a contratação de mais de 4000 profissionais, nem do reforço do INEM. Não

discordarão, certamente, da criação do subsídio extraordinário de risco para os profissionais da área da saúde

que se encontram na linha da frente do combate à COVID, nem discordarão, certamente, do aumento do

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salário mínimo, do aumento do limite mínimo do subsídio de desemprego, do aumento extraordinário das

pensões. Não discordarão da nova prestação social, nem do aumento do investimento público e também da

descida do IVA da eletricidade, ou da descida da própria carga fiscal, que este ano desce para níveis de 2012,

segundo estudos mais recentes, do peso dos impostos no PIB (produto interno bruto) e também não

discordarão da medida de apoio fiscal aos setores mais atingidos, como são a restauração, o alojamento e as

artes.

Desse ponto de vista, gostaríamos de dar nota de que, não estando contra esta proposta de Orçamento do

Estado, aguardamos que apresentem os contributos que entendam dar, agora, na discussão na generalidade,

e depois também na especialidade, para que possam vir a debate, porque sem propostas em concreto é difícil

promover o debate de propostas que não são conhecidas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos ao segundo grupo de pedidos de esclarecimento. Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, quero começar por cumprimentar o Sr. Deputado João Paulo Correia e dizer-lhe que esta declaração política foi assim uma espécie de arrufo parte 2. Já

tínhamos tido a parte 1 com o Bloco de Esquerda e agora tivemos a parte 2 com o PS.

Confesso que já não sei muito bem quem está a chantagear quem, mas há uma coisa que sei: o País

precisa de tudo menos da continuação destas encenações.

Confesso que não percebi, porque, aparentemente, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, há bocado, estava

muito surpreendido por o PS, às vezes, não cumprir as coisas que põe no Orçamento e com que se

compromete com o Bloco de Esquerda, e, agora, o Sr. Deputado também está muito surpreendido, porque,

aparentemente, descobriu que o Bloco de Esquerda tem uma certa tendência para gostar muito de estar na

fotografia e para pôr umas frases num outdoor, quando as medidas são simpáticas, mas, quando há alguma

dificuldade e alguma coisa corre mal, quando estamos em crise, já sai e não quer aparecer na fotografia. Ó Sr.

Deputado, depois de cinco anos, tiveram um arrufo e percebeu isto? Está muito surpreendido? Isto foi evidente

desde o princípio, Sr. Deputado! Portanto, continuo sem compreender.

Há uma outra coisa que convinha que o PS também explicasse. É que tomou a decisão de se sentar

apenas com determinados partidos e vários partidos já explicaram o seu sentido de voto em relação ao

Orçamento, mas, para o Orçamento passar da generalidade para a especialidade, convém que os partidos

ponham os seus sentidos de voto na mesa. Percebo que eles possam mudar da generalidade para a

especialidade, mas, para passarmos à especialidade, vai ser preciso que ou o Bloco de Esquerda ou o PCP

ou o PSD, alguém, aqui, no mínimo, se abstenha.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Na bancada do PSD viram todos a cabeça para o lado!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Isto parece-me uma evidência e, portanto, gostava de perceber o que é que o PS pensa fazer em relação a isso.

Por último, Sr. Deputado, de todas as medidas de que falou, de facto, há uma coisa que percebo: é que

houve margem para muita coisa, mas aquilo para que não houve margem foi para um alívio no IRS, mesmo

que um alívio muito diminuto, de 200 milhões de euros, de que os senhores tinham falado. Aquilo que vai

haver é apenas, repito, apenas uma medida na tabela de retenção na fonte. Gostava de saber o porquê desta

escolha, o porquê de haver margem para tudo…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr.ª Deputada, por favor.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … menos para um alívio no IRS, que é o mais justo de todos, porque está de acordo com o rendimento e é direcionado à classe média.

Aplausos do CDS-PP.

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Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, quem estiver a ouvir as declarações políticas de hoje já percebeu que estamos a assistir a uma espécie de filme ou novela, chamado A Fatura da Geringonça,

em que a protagonista, PS, luta pela sobrevivência e os namorados, Bloco e PCP, lutam pela relevância neste

Orçamento,…

Risos do Deputado do PSD Jorge Paulo Oliveira.

… que, como tivemos ocasião de dizer, já se percebeu que atrasa e adia a recuperação de Portugal,

protege, de facto, o Estado, mas desprotege totalmente a economia, que era o essencial para criar emprego

de qualidade daqui para a frente, não baixa um imposto, não elimina uma das 4000 taxas que já foram

identificadas, não simplifica nada exceto a contratação pública e o Código das Expropriações — exatamente

dois sítios onde não devia mexer, a bem dos direitos dos cidadãos —, não procura eliminar nenhum dos

atrasos do SNS e evitar mais mortes precoces na área não-COVID.

Quando chegamos ao fim deste debate, o Sr. Deputado João Paulo Correia vem dizer-nos que quem não

está com este Orçamento está contra o País. Ó Sr. Deputado, em face desta evocação de «quem não está

comigo está contra mim» — acho que é de São Mateus, não é? —, devo dizer-lhe que, já que vamos usar

evocações deste tipo, se calhar, mais adequadamente se poderia usar a de que «mais depressa se apanha

um mentiroso do que um coxo».

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, ainda para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Oliveira, do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Paulo Correia, depois do registo psicanalítico do CDS e do registo telenovelesco da Iniciativa Liberal, queria colocar-lhe

questões sérias sobre o Orçamento do Estado, a partir dos problemas a que o Orçamento do Estado tem de

responder.

É perante os problemas nacionais e a resposta que é exigida que se tem de fazer a avaliação sobre se o

Orçamento do Estado corresponde ou não aos objetivos que dele se esperam. Já ontem registámos que, na

nossa perspetiva, o Orçamento do Estado não dá resposta aos problemas estruturais do País — o que é uma

evidência e uma constatação fácil de fazer —, mas registámos também que o Governo fez a opção de

inscrever de forma muito parcial e limitada algumas das propostas pelas quais o PCP se bateu, procurando

que houvesse resposta a esses problemas nacionais, e que essa opção não permite que se verifique, de facto,

uma correspondência com a resposta necessária a cada um desses problemas.

Por outro lado, também já dissemos que a ponderação do PCP será feita em função da resposta global aos

problemas nacionais.

Por isso, a «bola» está do lado do Governo e é o Governo que tem de dizer se há ou não espaço para essa

resposta, se há ou não perspetiva de resposta a esses problemas, que estão identificados — e não é preciso

estudar muito para os perceber, basta olhar à volta, para a realidade económica e social, para a realidade do

desemprego, dos cortes nos salários, da pobreza, dos problemas da precariedade e da acentuação da

exploração de quem trabalha, das dificuldades dos serviços públicos. E nós encontramos, para cada um

desses problemas, uma possibilidade de solução com as propostas pelas quais o PCP se bateu, mas às quais

o Orçamento do Estado não dá resposta.

Queria dizer-lhe, Sr. Deputado João Paulo Correia, que isso é particularmente evidente em algumas

matérias, como, de resto, ainda ontem evidenciámos. Por exemplo, o suplemento remuneratório para os

trabalhadores dos serviços essenciais não pode abranger apenas uma pequena parte dos trabalhadores da

saúde, porque há trabalhadores dos serviços essenciais na saúde, nas forças e nos serviços de segurança, na

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higiene e limpeza urbanas e em muitos outros serviços, como os bombeiros, trabalhadores que foram

obrigados a continuar a trabalhar presencialmente durante o período de confinamento. E esses trabalhadores

têm o direito a ver ser-lhes reconhecida a circunstância em que foram obrigados a trabalhar e em que

continuam hoje a dar resposta às necessidades dos portugueses.

Há necessidades de investimento público. Há necessidades de resposta do ponto de vista fiscal…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir, por favor.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente. Há necessidades de resposta do ponto de vista fiscal, para lá do problema da retenção na fonte, que é um

problema que precisa de ser resolvido. O compromisso do PS em relação ao IRS era com a revisão dos

escalões e é por esses compromissos que é preciso puxar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: Sr. Deputado João Paulo Correia, as restrições que existem em algumas normas do Orçamento do Estado, por exemplo, em relação à

contratação de trabalhadores e ao investimento público,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — … replicando normas de Orçamentos anteriores, não são compatíveis com os anúncios que o Governo faz relativamente a objetivos de contratação de trabalhadores para os serviços

públicos…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado João Oliveira, queira concluir, por favor.

O Sr. João Oliveira (PCP): — … e ao aumento do investimento público. Como é que o PS vai desatar este nó, por exemplo, que é apenas um de muitos outros que podíamos referir?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Paulo Correia, o Orçamento não pode prometer mais médicos e, depois, não dar garantias para os médicos se manterem no SNS. Este é um

problema que já identificámos, aliás, foi por isso que correu mal ao longo do último ano.

O Governo não pode prometer uma prestação para combater a pobreza e, depois, apresentar um apoio

extraordinário que só vai abranger a maior parte das pessoas por seis meses e que deixa muitas famílias

pobres de fora.

O Governo não pode dizer querer proteger o emprego, mas recusar alterar e repor as indemnizações por

despedimento, que impedem os despedimentos e protegem o emprego.

O Governo não pode dizer que o Estado está de fora do Novo Banco e, depois, os mapas do Orçamento

mostrarem 476 milhões para o Novo Banco, dos quais 180 milhões são financiados por impostos canalizados

do Estado para o Fundo de Resolução e o resto é financiado por um empréstimo que, como sabe, será pago

com impostos futuros.

Por isso, Sr. Deputado João Paulo Correia, gostaria de lhe dizer uma coisa — e entenda o conselho como

entender: a chantagem não vai proteger o País da crise. Não é sob chantagem que vamos proteger as

pessoas daquilo que de tão difícil virá com esta crise.

Nós sabemos que os tempos são difíceis, nós sabemos que as pessoas vão sofrer o desemprego, a

pobreza, nós sabemos que o SNS vai ficar sob pressão. É por isso que somos tão exigentes com as nossas

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responsabilidades: porque, daqui a seis meses, as pessoas que não tiverem acesso à prestação vão pedir

responsabilidades a quem votou o Orçamento; porque, daqui a seis meses, as pessoas que virem mais 476

milhões a ir para o Novo Banco vão pedir responsabilidades a quem votou o Orçamento; porque, daqui a seis

meses, quando as pessoas forem ao SNS e os profissionais de saúde não estiverem lá, porque, entretanto,

saíram ou ainda não foram contratados, vão pedir responsabilidades a quem votou o Orçamento.

Por isso, repito, Sr. Deputado: não é com chantagens que vamos defender as pessoas e o País. Vamos

defender o País com medidas fortes, com enorme responsabilidade, mas também com enorme exigência.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr.ª Deputada, por favor.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Concluo, Sr. Presidente. Se o PS quiser reconsiderar, sabe que o Bloco de Esquerda tem a porta aberta e, outra coisa, sabe

exatamente quais as medidas que estão em cima da mesa, porque elas são as mesmas desde o primeiro dia

em que começámos a negociar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder a estes quatro pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado João Paulo Correia, do Partido Socialista.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, queria agradecer as questões colocadas pelos Srs. Deputados Cecília Meireles, João Cotrim de Figueiredo, João Oliveira e Mariana Mortágua.

Respondendo à Sr.ª Deputada Cecília Meireles, gostaria de lhe dizer que, mesmo quando o Governo do

Partido Socialista, com o apoio dos parceiros parlamentares, desceu o IRS sobre as famílias, que hoje pagam

menos 1000 milhões de euros do que pagavam no final de 2015, mesmo nesses Orçamentos, o voto do CDS

foi «contra». Agora, pelos vistos, mesmo em relação à medida do Governo para descer as taxas de retenção

no IRS, permitindo que as famílias possam poupar cerca de 200 milhões de euros no ano de 2021, o CDS está

contra.

Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.

Portanto, do nosso ponto de vista, do que se trata aqui é de estar contra por estar contra, aliás, o CDS

sempre se pautou por ser um partido muito forte na oposição, mas, depois, no poder, não ser coerente com

aquilo que defende.

Em relação à questão colocada pela Iniciativa Liberal, o PS não luta pela sobrevivência, o PS luta por

apresentar um Orçamento que combata a pandemia e a crise económica e social.

Aplausos do PS.

É isso que está em cima da mesa e o Sr. Deputado tem duas opções: ou contribui para uma crise ou

viabiliza o Orçamento, porque ele traz avanços em todas as frentes.

Relativamente às questões referidas pelo PCP, sim, Sr. Deputado João Oliveira, as negociações são

fundamentais, elas decorrem há meses e irão decorrer até à conclusão do debate na generalidade, esperemos

que transitem também para a especialidade, como aconteceu nos Orçamentos do Estado anteriores, em que

houve negociações antes e depois da especialidade.

Também gostaria de dizer à Sr.ª Deputada Mariana Mortágua que partilhamos das mesmas prioridades. As

reivindicações apresentadas pelo Bloco de Esquerda, em julho deste ano, foram quatro: o reforço dos serviços

essenciais, e ele aí está, no Orçamento do Estado; a proteção do emprego, e as medidas aí estão, no

Orçamento do Estado; o apoio às famílias mais fragilizadas pela crise, e ele aí está, no Orçamento do Estado;

e o apoio aos setores de atividade mais atingidos pela crise, que também aí está, no Orçamento do Estado.

Portanto, a questão não é a de saber se se trata de chantagem ou não, porque o PS não está a

chantagear. Aquilo que todos os portugueses questionam e que não se percebe, e o PS interpela diretamente

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o Bloco de Esquerda sobre isso, é a razão desta inflexibilidade, desta rigidez, desta alteração de agenda

político-partidária do Bloco de Esquerda, quando este Orçamento traz um conjunto de avanços e o Bloco de

Esquerda, perante esses avanços, considera votar contra e inviabilizar o Orçamento.

Digo-lhe mais, Sr.ª Deputada: no Orçamento do Estado para 2020 estava prevista uma transferência de

capital para o Fundo de Resolução e não foi por isso que o Bloco de Esquerda deixou de se abster, tal como

também se absteve, no Orçamento do Estado para 2020, com um excedente orçamental.

Apesar de tudo isso e apesar de este Orçamento prever o aumento da despesa pública, o aumento do

investimento público, uma nova prestação social, o aumento do salário mínimo, o aumento extraordinário das

pensões e um conjunto de outras medidas, como a suspensão da caducidade dos contratos coletivos de

trabalho, o combate ao trabalho temporário ilegal,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir, por favor.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — … a colocação de deveres de informação nas plataformas digitais — tudo matérias negociadas com o Bloco de Esquerda e estabilizadas nas conversações com o Bloco de

Esquerda —, apesar de tudo isso,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — … o Bloco de Esquerda rasga as conquistas que fizemos até hoje…

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Não minta!

O Sr. João Paulo Correia (PS): — … e está disponível para inviabilizar um Orçamento com avanços concretos para o País.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É assim que quer conversar?!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, passamos à declaração política do Grupo Parlamentar do PSD.

Tem a palavra, para o efeito, o Sr. Deputado António Maló de Abreu.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O mundo e Portugal enfrentam, desde há largos meses, um dos maiores desafios de saúde pública das últimas décadas.

A pandemia de COVID-19 tem posto à prova os serviços de saúde e os seus profissionais, tem

pressionado os sistemas de proteção social, tem perturbado o quotidiano das pessoas, das famílias, da vida

em sociedade tal como a conhecíamos.

Estamos hoje perante realidades novas, tremendas, de dimensão, duração e consequências imprevisíveis.

Por isso, dizemos daqui a todos e a cada um dos portugueses: nunca desistam! Se desistirmos e

baixarmos os braços, uma só vez que seja, pode ser o bastante para falharmos. Nunca desista, pela sua

saúde! Pela nossa vida coletiva, nunca desista! Pela vida da nossa família, dos nossos amigos, dos nossos

vizinhos, dos nossos colegas, nunca desista!

Há um desígnio nacional para que estamos todos convocados: o de resistir, acreditar e nunca desistir.

Há, hoje, um dever de esperança e é precisamente por toda esta grave incerteza que cumpre aos

responsáveis e, desde logo, a quem nos governa prevenir cenários, calcular riscos e tomar atempadamente

medidas que acautelem o provável agravamento da situação sanitária do País.

Mas, em vez de tudo isto, o atual Governo navega à vista, ao sabor das circunstâncias, quando não em

marcha à ré ou em contramão, vestido de aparências e de conveniências partidárias, abrindo buracos para

tapar buracos, que é o mesmo que dizer «faz que anda, mas não governa nem sai do sítio».

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O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Acima de tudo, o Partido Socialista procura desresponsabilizar-se com o seu jeito sonso, como se tivesse acabado de chegar ao poder. Tem responsabilidades em 18 dos

últimos 25 anos, está ao leme há precisamente cinco anos consecutivos, passam ministros e os seus

secretários, mantém-se a modorra, reforça-se a propaganda e aumentam as desculpas.

A narrativa de passa-culpas, mil vezes batida, qual bombo da festa, revela uma obsessiva dependência da

Coligação PS/Bloco de Esquerda/PCP pelo canal História, a par de uma já crónica urticária pelo canal

Memória. E o Primeiro-Ministro ainda tem a habilidade, digamos assim, de os pôr a marchar, em indisfarçável

toque de caixa, rumo à aprovação do Orçamento.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Com a opção do Governo, em março passado, de suspender toda a atividade programada não-COVID, o acesso dos doentes aos cuidados de saúde degradou-se ainda mais,

caiu a pique, desse modo penalizando fortemente os mais vulneráveis, os mais velhos, os mais fracos e os

que menos podem. Precisamos de nos reconciliar com os que foram abandonados: tutti fratelli é de uma

belíssima e inestimável atualidade.

Nos primeiros nove meses de 2020, houve menos 5 milhões de consultas presenciais nos cuidados

primários, menos 1 milhão de consultas nos hospitais, menos 100 000 cirurgias programadas, menos 17

milhões de exames de diagnóstico e terapêutica, menos milhares de rastreios, designadamente em oncologia.

Os tempos médios de espera são de 188 dias para uma primeira consulta hospitalar, mais de seis meses

para uma simples consulta e quase meio ano para uma cirurgia.

Não espanta, assim, o brutal aumento da mortalidade não-COVID verificado este ano: registaram-se mais

7144 mortes do que a média dos mesmos meses dos últimos cinco anos.

Esta é uma situação da maior gravidade, na medida em que expõe dramaticamente as atuais fragilidades

do SNS para dar resposta às necessidades de saúde dos portugueses. Do caos instalado só não vislumbra

uma tragédia quem não quer, a não serem tomadas medidas corajosas, pela privação de milhões de

portugueses do seu direito à proteção na saúde. Este não é o tempo de esperar por milagres.

Este é o vosso legado, a vossa canga, a herança de degradação que deixam para o futuro e que exige que

ponham, no mínimo, a mão na consciência e governem — governem a pensar nas pessoas!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Para isso, o Governo devia ter desenhado e posto em prática, logo na primavera, um plano nacional de emergência, visando a recuperação da atividade assistencial no

Serviço Nacional de Saúde, um plano que devia já ter reduzido as listas de espera para cirurgias e consultas,

garantindo o respeito pelos tempos máximos de resposta garantidos.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Por isso, o Governo devia ter tratado da atribuição de médico de família ao milhão de portugueses que ainda não o têm. Esta é mais uma omissão que devia envergonhar

quem, há quatro anos, prometeu que 2017 seria, de uma vez por todas, o ano em que todos os portugueses

teriam um médico de família atribuído.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir, por favor.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — É chegado o momento de separar as águas, de separar a prática da coreografia, o prioritário do acessório, o profundo do superficial, o insignificante que nos divide, enquanto

portugueses, do importante que nos deve mobilizar a todos.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Nós, por nós, não desistimos de Portugal nem dos portugueses. Nós, por nós, não deixamos ninguém para trás.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Maló de Abreu, inscreveram-se cinco Deputados para pedir esclarecimentos.

Peço ao Sr. Deputado que diga à Mesa como pretende responder.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, pretendo responder, primeiro, a um grupo de três e, depois, aos restantes dois.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito bem, assim será. Tem, então, a palavra, para o primeiro pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Bloco

de Esquerda.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Maló de Abreu, em primeiro lugar, agradeço por nos ter trazido este tema, que é da maior importância.

O Sr. Deputado andou a saltitar de canal em canal, de programa em programa, e não ficou em nenhum, ou

seja, fez uma espécie de zapping, nesta intervenção, e percebeu-se porquê. Efetivamente, saltitou do canal

História para outros canais e, no final, concluiu: «Não contem com o PSD.» Ou seja, uns que governem, outros

que apresentem propostas, que façam aquilo que têm de fazer, porque, como o Sr. Deputado

automaticamente assumiu, o PSD nem sequer está nessa.

Portanto, no que toca a encontrar soluções, não contem com o PSD, outros que o façam. No que toca a

encontrar, neste momento, medidas não só para o combate à epidemia, mas também para a resolução de

problemas, como a recuperação da atividade que foi suspensa, disse: «Façam vocês.» Ou seja, o PSD faz um

zapping e põe-se automaticamente fora do programa que é necessário.

Por isso, acho importante trazermos para este debate aquilo que nos parece necessário e, como é óbvio,

questionar o PSD sobre isso.

É verdade que estamos a viver um recrudescimento da epidemia em Portugal — os números são óbvios —

e é verdade que, já desde março, o Governo deveria ter preparado este momento, que toda a gente sabia que

ia ser duro e crítico. Em vez disso, fez um plano para o outono-inverno, que, como o Bloco de Esquerda já

teve oportunidade de dizer na Assembleia da República, não tem nenhuma previsão de recurso, e andou sete

meses sem contratar profissionais. Não deveria ter sido assim!

Efetivamente, é preciso discutir as soluções.

Da parte do Bloco de Esquerda, as soluções são muito claras: o reforço do Serviço Nacional de Saúde,

claro; a contratação corajosa de profissionais para o Serviço Nacional de Saúde, já; o aumento das

transferências para as instituições do Serviço Nacional de Saúde, para poder recuperar atividade.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Moisés Ferreira, peço que termine.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Termino com isto, Sr. Presidente. Agora, da parte do PSD, temos muitas dúvidas sobre quais são as propostas que nos trazem. Serão estas,

Sr. Deputado? Ou é a tradição do PSD, de emagrecer o Serviço Nacional de Saúde?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, também para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.

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A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, cumprimento o Sr. Deputado Maló de Abreu pelo tema trazido, que é da maior importância.

Gostava de me centrar num assunto mais do quotidiano, mais do curto prazo, que tem que ver com as

notícias recentemente conhecidas sobre a pressão que existe em vários hospitais do SNS, a propósito do

aumento dos casos de COVID-19, particularmente nos internamentos.

Sabemos que o hospital de São João cancelou cirurgias e passou para um nível de contingência mais

elevado, o que vai ter efeitos na atividade cirúrgica programada. De resto, o Dr. Fernando Araújo, que é

Presidente do Conselho de Administração do São João e ex-Secretário de Estado de um Governo socialista,

admitiu que os profissionais estão, e cito, «muito preocupados com o evoluir da situação, em função do

crescimento do número de casos» e explicou que existem profissionais infetados e em quarentena e que tudo

isto vai ter um impacto determinante no internamento.

Ao mesmo tempo, sabemos também que o Hospital de São José, o Hospital Beatriz Ângelo e o hospital

Amadora-Sintra estão na mesma circunstância de pressão e de incapacidade de resposta.

Hoje, também soubemos que o atual Bastonário da Ordem dos Médicos e outros bastonários anteriores a

ele se juntaram numa só voz para expressar, por um lado, um efetivo agradecimento aos profissionais do SNS

pela sua resiliência e abnegação e para dizer, por outro lado, que o Governo parece não ter aprendido «a lição

dos meses que se passaram» — estou a citar, não são palavras minhas —, que o SNS está novamente

disposto a uma disrupção grave e sofrerá com a pressão da procura que tem em mãos, que são desocultados

os problemas prévios do SNS e que, por isso mesmo, o que move os Srs. Bastonários e as Sr.as Bastonárias

nesta carta é a angústia de quem conhece os doentes pelo nome e sabe que o SNS, como está, sozinho, não

os poderá ajudar.

Portanto, perante este cenário, e face aos sucessivos alertas que temos feito nesta Casa, esta é a pergunta

que lhe deixo: na opinião do Sr. Deputado, é melhor encaminhar os doentes não-COVID para listas de espera

e os doentes COVID para tendas à porta dos hospitais?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente. Ou é melhor aproveitar a capacidade instalada, que o Governo nega existir, fingindo constantemente que

não existe e deixando as pessoas em situação de total incapacidade no acesso aos cuidados de saúde?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Qual destes caminhos, ou qualquer outro que possa existir, é, na opinião do PSD, o melhor?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para o último pedido de esclarecimento deste primeiro grupo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Maló de Abreu, antes de mais, saúdo-o pelo tema que trouxe, mas peço-lhe que esclareça as posições do partido que

representa em relação a dois assuntos muito concretos.

O Sr. Deputado trouxe a questão das políticas públicas de saúde e dos seus vários problemas e nós

gostávamos de falar especificamente sobre dois deles, a começar pelos problemas associados às juntas

médicas, que, inclusivamente, vão ser discutidos nesta Casa, na próxima sexta-feira.

Tendo em conta a realidade de muitos portugueses que não têm acesso ao atestado multiusos e que estão

à espera há mais de oito meses, alguns até há mais de um ano — estamos a falar de pessoas que não tinham

previamente acesso a este atestado e que estão a pedi-lo pela primeira vez —, e sabendo, desde logo, os

constrangimentos inaceitáveis que isto causa na vida destas pessoas, gostaríamos de saber se o Partido

Social Democrata concorda com a solução que o PAN apresenta. De forma muito resumida, essa solução

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passa por criar uma lista tipificada para automatizar o acesso e integrar um profissional de saúde mental

nestas juntas médicas.

Gostava de aproveitar o momento para lhe fazer uma pergunta sobre um outro assunto, que se prende com

uma proposta que vem neste Orçamento do Estado, relativamente à integração de médicos aposentados no

SNS, garantindo a sua pensão e acrescendo-lhe 75%, de acordo com a categoria em que estes médicos se

encontrassem.

Tendo em conta o problema estrutural da falta de investimento numa estratégia de rejuvenescimento desta

classe e o problema que teremos daqui a 5 ou 10 anos, com a aposentação de outros profissionais, e

reconhecendo o PAN que profissionais com muitos anos de serviço têm, claramente, muitos conhecimentos

adotados, mas que, devido à sua idade, estão, também eles, no grupo de risco, gostaríamos de saber qual é,

no fundo, a posição do PSD em relação a esta medida.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder a este primeiro grupo de pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado António Maló de Abreu.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, quero agradecer, naturalmente, as perguntas feitas pelos Srs. Deputados Moisés Ferreira, Ana Rita Bessa e Bebiana Cunha, a que vou tentar responder o

mais concisamente possível.

Em relação ao Sr. Deputado Moisés Ferreira, tenho a dizer-lhe que, efetivamente, fiz uma espécie de

zapping, apesar de não ter ido tão longe quanto gostaria, porque tentei traçar o cenário catastrófico da

situação em que se encontra a saúde em Portugal. Tentei desenhar, mostrar, como está a situação, que é

demasiadamente grave para nos mantermos calados e para, muito menos, nos mantermos quietos.

Portanto, tratei de factos, não tratei da coreografia, como disse, e não falei por falar, anunciei factos

concretos. Os factos são estes e já falámos várias vezes sobre isto: os milhões de consultas presenciais que

foram adiadas, o milhão de consultas que foram adiadas nos hospitais, as 100 000 cirurgias que não foram

feitas e que estavam programadas, os 17 milhões de exames de diagnóstico e terapêutica que não foram

feitos. Há dados objetivos, não são dados inventados. Nós sabemos qual é a situação e é preciso agir!

Quando diz que o PSD não fez propostas, eu queria lembrar-lhe, pelo menos, dois momentos concretos.

Primeiro, logo em janeiro, o PSD pediu ao Governo que apresentasse, o mais rapidamente possível, um

plano de emergência…

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — … e o Governo só o apresentou em março. Nós estamos numa emergência contínua! É preciso agir rapidamente e o que temos visto deste Governo é que não age com a

rapidez necessária ao que a situação exige.

Depois, muito antes de começar a acontecer o que aconteceu nos lares, a situação dramática dos lares, o

PSD chamou a atenção e disse que era necessário atuar, era necessário ter um plano de contingência para os

lares e o que vimos, o que aconteceu, o que está a acontecer e o que há de continuar a acontecer é que este

Governo não tem mão na situação, perdeu a mão da situação.

A tradição, eventualmente, não é o que era. O PSD entende, em primeiro lugar, que é preciso investir mais

no Serviço Nacional de Saúde. Para nós, o Serviço Nacional de Saúde é o centro. É o centro! Mas também

dizemos, sem rebuço, sem nenhum problema ideológico, que, num momento destes — e muito mais num

momento destes —, é necessário apelar à cooperação do sistema social e do sistema privado,…

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — … sem medo, sem questões ideológicas à partida, e, portanto, há aí, eventualmente, algo que nos diferencia, que é a necessidade absoluta de darmos resposta.

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Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, então, possivelmente, aproveitarei a resposta ao próximo grupo de pedidos de esclarecimento para responder aos outros Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Lima.

A Sr.ª Joana Lima (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado António Maló de Abreu, quando iniciou a sua declaração política, pareceu-me que ia no sentido de criar espaço para uma intervenção

crítica, mas positiva. Porém, rapidamente descambou: criticou, criticou, criticou. Aliás, como bem disse, há

pouco, tentou retratar, de uma forma catastrófica, como está o SNS.

Pois bem, o Sr. Deputado, na sua intervenção, não apontou uma ideia, não apontou um caminho, não

apontou uma medida, não apontou uma solução. O que é que o PSD quer para este debate, Sr. Deputado?

Saúdo-o por ter trazido, nesta intervenção, este tema tão importante a debate, mas não podemos vir aqui só

destruir, destruir, destruir.

Vivemos momentos atípicos, momentos difíceis, com situações novas e desconhecidas para a maior parte

dos profissionais, mas temos uns profissionais de saúde, um Governo e um SNS que estão à altura para dar

resposta aos portugueses e aos utentes do Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, deixe-me relembrar-lhe que, no Orçamento do Estado para 2020, antes da situação

pandémica, houve um acréscimo de 900 milhões de euros e que tivemos, no Orçamento Suplementar, um

reforço de 500 milhões de euros para fazer face às respostas necessárias para a COVID-19. Tudo isto para

fazer face às necessidades dos portugueses.

O Sr. Deputado devia sabê-lo. Os portugueses sabem-no, os portugueses sabem bem o que este Governo

tem feito e o que se propõe fazer na proposta de Orçamento do Estado para 2021.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Joana Lima (PS): — Mas é preciso estar à altura dos desafios, é preciso votar a proposta de Orçamento do Estado e quero ver o que é que o PSD, com tanta conversa, vai fazer a esta proposta.

Protestos de Deputados do PSD.

Sr. Deputado, deixo-lhe uma pergunta muito simples: já que nada disse sobre propostas para fazer face à

situação que vivemos, o que é que o PSD faria, se estivesse no Governo numa situação tão complexa

relativamente ao Serviço Nacional de Saúde, já que ninguém conhece as vossas propostas? Digam-no aqui,

Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, cumprimento o Sr. Deputado António Maló de Abreu.

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Sr. Deputado, sobre a parte inicial da sua intervenção, ela só o responsabiliza a si e a mais ninguém,…

O Sr. Adão Silva (PSD): — A ele e ao Grupo Parlamentar do PSD!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … fica consigo o que proferiu. Sobre o que efetivamente interessa, que é discutir as questões de saúde, sobre o que verdadeiramente

interessa, que é adotar as medidas para reforçar o Serviço Nacional de Saúde, para reforçar a sua capacidade

com mais meios e mais profissionais, não só para responder aos doentes com a doença COVID-19 mas

também para recuperar tudo aquilo que ficou por fazer e para continuar a acompanhar todos os utentes e

todos os doentes do nosso País, Sr. Deputado, tenho a dizer que, em maio, o PCP trouxe à Assembleia da

República uma proposta para um plano de emergência para o Serviço Nacional de Saúde.

Veja o que tinha esta nossa proposta: contratação de trabalhadores; conversão dos contratos de trabalho;

suplemento remuneratório para valorizar aqueles que estão nos serviços essenciais; valorização dos

trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde; reforço dos serviços de saúde ocupacional; reforço das equipas

de saúde pública; atribuição de médico e enfermeiro de família e aplicação de medidas excecionais e

transitórias para assegurar que todos os utentes tivessem médico e enfermeiro de família; reforço de meios

para a saúde mental; reforço do número de camas de agudos, de cuidados intensivos, de cuidados

continuados e paliativos; reforço da capacidade de diagnóstico e terapêutica.

Sabe porque é que trouxemos esta proposta? Trouxemo-la porque sabemos que é com mais meios que o

Serviço Nacional de Saúde pode ter a capacidade de tratar todos aqueles que agora têm a doença COVID e

tratar também todos os portugueses que continuam a ter todas as outras doenças que continuam a existir.

E o que fez o PSD perante uma proposta concreta para resolver problemas concretos? Votou contra. Votou

contra! Foi essa a emergência por parte do PSD! Quando já antevíamos que, com o aproximar do período de

inverno, muito provavelmente, a situação poderia agravar-se, o PSD, que vem aqui criticar, vem aqui contribuir

para a descredibilização do Serviço Nacional de Saúde, no momento de tomar medidas concretas para a sua

resolução, pôs-se de fora.

Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo algo que também é importante referir: nós não fomos confrontados

com duas hipóteses, ou seja, ou fica tudo na mesma ou transfere-se a prestação de cuidados para os grupos

privados. Não! Não são estas as hipóteses que temos em cima da mesa. Reconhecemos que o PSD e o CDS,

na altura em que governavam, também diziam que era tudo uma inevitabilidade, mas a verdade é que foi

possível recuperar rendimentos e foi possível recuperar direitos.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Aquilo que é necessário neste momento é o caminho que o PCP aqui propôs: o reforço do Serviço Nacional de Saúde, em vez de estar a canalizar recursos para os grupos privados

continuarem a lucrar à custa da doença e à custa da saúde dos portugueses. Aquilo que é preciso é ter um

Serviço Nacional de Saúde com mais meios e é por isso que o PCP se irá bater.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Maló de Abreu.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, quero agradecer às Sr.as Deputadas Joana Lima e Paula Santos as perguntas que fizeram.

Começando pela Sr.ª Deputada Joana Lima, quero dizer-lhe que nós não fizemos uma crítica, baseámo-

nos em factos — e contra factos não há argumentos, de facto!

Não fomos nós que dissemos, em tempos, que havia uma baixíssima probabilidade de o vírus chegar a

Portugal.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Muito bem!

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O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Não fomos nós que dissemos que a Organização Mundial da Saúde estava a exagerar um bocadinho.

Aplausos do PSD.

Não fomos nós que dissemos que as máscaras dão uma falsa sensação de segurança.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Não fomos nós que dissemos que a pandemia podia ser uma oportunidade para a agricultura portuguesa.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. António Malo de Abreu (PSD): — Não fomos nós que dissemos nada disto! Nós sabemos quem o disse e, portanto, o que trouxemos aqui hoje foram factos concretos.

Nós fizemos, nos momentos próprios, os avisos. Nós não somos Governo, nós temos e assumimos a

responsabilidade da oposição, construtivamente, mas não abdicamos da crítica, não abdicamos de vos

confrontar, a vocês, que suportam o Governo, não abdicamos de confrontar o Governo com os seus falhanços

sucessivos e não abdicamos de denunciar o que se passa no Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Não é para valorizar o privado, está enganada com quem está a falar. Nós valorizamos muito o Serviço Nacional de Saúde, que, também para nós, vou repetir, está no centro

da política de saúde.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Tivessem aprovado as nossas propostas!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Isto para nós é inquestionável! O que achamos é que, sobretudo num momento destes, é fundamental fazer um apelo a que todos

possamos trabalhar em conjunto. Todos os portugueses, todos os subsistemas de saúde devem colaborar. A

situação é demasiadamente grave, é demasiadamente difícil, estão pessoas a morrer, estão pessoas a sofrer

e, portanto, não há folgas a dar a ninguém, não há tempo para esperar por ninguém. É preciso todos

colaborarmos!

Quero aproveitar a oportunidade para responder à Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, dizendo-lhe que o que se

passa com as juntas médicas é absolutamente lamentável. Há portugueses que estão à espera há um ano!

Protestos da Deputada do PS Joana Sá Pereira.

A Provedora de Justiça falou, inclusivamente, em dois anos de espera para uma junta médica. Não pode

ser!

O Sr. Ricardo Baptista Leite (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Há pessoas que dependem dessa junta médica. Há portugueses que, para sobreviverem, para comerem, precisam desta junta médica feita e não podem esperar um ou dois

anos para serem vistos pela junta médica.

Finalmente, respondendo à Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, quero dizer-lhe que estamos de acordo: não há

dois caminhos, um caminho para doentes COVID e um caminho para doentes não-COVID, há um caminho

para todos os doentes. Aliás, um dos grandes erros foi o de isolar completamente os doentes não-COVID e

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chegarmos a esta situação trágica, em que pessoas estão a morrer por não terem tratamento, por terem medo

de ir aos hospitais. Eu conheço a realidade!

Há três países num País: o País oficial, que é o vosso; o País oficioso, que é o que, por vezes, aparece nos

jornais; e o País real de quem foi aos hospitais, como a Sr.ª Deputada foi, também connosco, a vários

hospitais e viu as filas nas urgências, na consulta externa, viu pessoas à chuva, sentadas no chão. O que se

passa nos hospitais portugueses é uma vergonha! Temos vergonha do que passa nos hospitais portugueses,

neste momento!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Portanto, nós somos claros, e ser claro é dizer que temos de estar todos juntos e unidos no combate à terrível pandemia que vivemos neste momento. Nós não abdicamos das

nossas responsabilidades, não abdiquem VV. Ex.as das vossas!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, ao abrigo do n.º 2 do artigo 77.º do Regimento da Assembleia da República, tem a palavra o Sr. Deputado António Ventura.

O Sr. António Ventura (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Estados Unidos da América reduziram, em 2015, o seu contingente militar na Base das Lajes, situação que fez com que o Governo

Regional agrafasse, apressadamente, um conjunto de promessas não cumpridas nos últimos 10 anos e

fizesse outras, dividindo a responsabilidade com a República. E assim nasceu e foi construído o Plano de

Revitalização Económica da Ilha Terceira, o chamado PREIT.

Este Plano foi enviado para o Governo da República com um montante de pagamento superior a 300

milhões de euros. Da primeira vez que questionei o Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre este documento,

ele disse que «valia zero». Foi uma resposta muito esclarecedora do seu conhecimento e do seu interesse no

apoio à ilha Terceira.

Este Plano inclui a descontaminação dos solos e aquíferos da Praia da Vitória, que, após muita pressão

política, lá se iniciou. Porém, não se sabe o que está feito e o que falta fazer. Não existe a devida

transparência e a desejada informação, pois a este momento teríamos de saber a data de conclusão dos

trabalhos, os montantes financeiros envolvidos, quem vai pagar e os locais que ainda não sofreram

intervenção.

É tal a importância que este Governo atribui à descontaminação que, recentemente, o Ministro do Ambiente

e da Ação Climática foi à Terceira e disse que não prestava declarações sobre este assunto — atenção, falo

do Ministro do Ambiente! — e o Governo Regional ficou caladinho, sem exigência, sem reivindicação e sem

protesto.

A descontaminação sempre foi um processo a que o Governo fugiu, rejeitando responsabilidades e não

querendo falar sobre o tema. Continua a ser um parto difícil, a necessária atenção política. Não existia nem

existe vontade ou interesse em realizar de forma célere a descontaminação.

A Base das Lajes é, acima de tudo, um tema de Estado, que o Governo da República e o Governo

Regional têm de ter na agenda política.

Há cinco anos que os Governos do PS — sempre liderados pelo mesmo e acompanhados pelo mesmo

Ministro dos Negócios Estrangeiros — vêm prometendo novas valências para a Base das Lajes, e nada

ocorreu.

Os dois Governos não se entendem e isto prejudica o avanço de qualquer negociação. Por exemplo, os

diplomatas dos Estados Unidos em Portugal têm vindo a afirmar que a eventual revisão do acordo da Base

das Lajes deve partir da iniciativa de Portugal. Todavia, o Governo da República não quer rever o acordo e o

Governo Regional quer. Em que ficamos? Ou seja, estamos a perder antes de nos sentarmos à mesa das

negociações.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Acreditamos que os Açores podem obter benefícios na área da

geoestratégia, designadamente no desenvolvimento do emprego local e no desejado e imprescindível

processo de internacionalização da economia regional.

Estamos convictos de que, para além das evidências de circunstância e de «oportunidades de hora»,

teremos de ser capazes de agir, nos Açores, na construção de um conceito regional estratégico, que

proporcione uma linha de orientação. A nossa posição geográfica deve constituir a afirmação autonómica no

contexto europeu e internacional, situação que deve ser motivo de orgulho para Portugal.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Ventura (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Outro tema de que importa falar hoje diz respeito ao Porto da Praia da Vitória. Triste Porto, na boca e na mão do Governo da República e do

Governo Regional dos Açores, que muito prometeram, muito têm falado e nada fizeram e, neste mês,

anunciaram a sua morte.

O PREIT previa 77 milhões de euros de investimento do Governo da República na instalação de GNL (gás

natural liquefeito) para abastecimento de navios, mas nem 1 cêntimo foi gasto.

A chamada «declaração conjunta», assinada entre os dois Governos a 30 de abril de 2016, previa a

candidatura ao «plano Juncker», mas nenhum papel foi enviado.

Este mês, foi anunciada a Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030, mas não houve nem uma referência

ao Porto da Praia da Vitória.

Minhas senhoras e meus senhores, há um terceiro tema que não pode passar sem a devida indignação e

protesto desta Casa. É inconcebível, na ótica da isenção do serviço público, que a Autoridade Tributária envie

um e-mail aos açorianos informando sobre a possibilidade do voto antecipado, um e-mail, assinado pelo

Governo Regional, a dizer: «O futuro dos Açores está nas suas mãos.»

Protestos da Deputada do PS Isabel Rodrigues.

As pessoas contam receber da Autoridade Tributária mensagens ligadas ao sigilo fiscal, numa

comunicação direta com os contribuintes e não com os eleitores. A relação com o eleitor deve ser da

responsabilidade da Comissão Nacional de Eleições.

Aliás, já não é a primeira vez que os dados dos açorianos são usados indevidamente por entidades

públicas. Há três anos, informação pessoal de 231 000 utentes do Serviço Regional de Saúde dos Açores

foram impropriamente publicados no site da Administração Regional de Saúde de Évora. Até hoje, o Governo

do PS não investigou nem deu explicações sobre esta gravidade.

O PS usa todos os meios para fazer campanha eleitoral, mas é preciso que percebam que não vale tudo

nem são donos de tudo.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado António Ventura, a Mesa regista a inscrição da Sr.ª Deputada Lara Martinho, do Partido Socialista, para pedir esclarecimentos.

Tem a palavra para o efeito, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Ventura, veio aqui afirmar que o Governo da República e o Governo dos Açores não concretizam e não se entendem, mas foram estes dois

Governos que concretizaram e garantiram um conjunto de medidas fundamentais para os Açores ao longo dos

últimos anos.

Estamos a falar do cumprimento, na íntegra, da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, de os açorianos

não serem discriminados no acesso aos cuidados médicos prestados no continente, de as ligações aéreas

interilhas terem passado a ser comparticipadas pelo Governo da República ou ainda de os estragos do furacão

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Lourenço terem sido comparticipados em 85%, quando já passámos por outras situações em que nos

mandaram à banca.

Falamos também do aumento, em quase 100%, do pacote de fundos europeus para os Açores e de uma

forte aposta em projetos internacionais, como o AIR Center (Atlantic International Research Center), o primeiro

laboratório da Agência Espacial Europeia, o centro nacional de operações de Space Surveillance and

Tracking, a criação do porto espacial em Santa Maria, o Observatório do Atlântico ou o Centro para a Defesa

do Atlântico.

No âmbito do dossiê da Base das Lajes, que o Sr. Deputado referiu e que é fundamental para a nossa ilha,

o Sr. Deputado esqueceu-se de que se garantiu um auxílio fundamental para a câmara municipal com vista ao

reforço do abastecimento de água no concelho e ao controlo e monitorização da qualidade da água,

esqueceu-se de que foi já adjudicada a remoção das terras contaminadas da zona do Cabrito, esqueceu-se de

que foi aprovado um Programa Especial de Apoio Social à Ilha Terceira, esqueceu-se de que foi garantido o

apoio à legalização do bairro de Santa Rita, que aloja cerca de 100 famílias, esqueceu-se de que foi iniciada

uma operação low-cost da Ryanair, fundamental para o desenvolvimento do turismo na nossa ilha, esqueceu-

se de que foi instalado o radar meteorológico em Santa Bárbara e esqueceu-se de que foi certificado o

aeroporto das Lajes.

Podia continuar uma longa lista de concretizações — sim, concretizações —,…

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Lara Martinho (PS): — … a que, infelizmente, não assistimos nos Governos do PSD/CDS.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Bem lembrado!

A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Não está tudo feito, mas vamos continuar a garantir um conjunto de medidas fundamentais para a nossa região, como temos feito até agora.

O Sr. Deputado veio também afirmar que o Governo da República abandonou o Porto da Praia da Vitória,

que o trocou pelo Porto de Sines, mas, ainda ontem, o Ministro das Infraestruturas foi categórico na recusa

dessa ideia.

A minha pergunta, Sr. Deputado, é no sentido de saber como é que explica que o programa estratégico do

PSD para 2030 proponha o aumento da capacidade do Porto de Sines e não faça uma única referência ao

Porto da Praia da Vitória.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr.ª Deputada, por favor.

A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Sr. Presidente, vou mesmo terminar. Sr. Deputado, como é que explica que, em 120 páginas — 120 páginas! — deste documento estratégico do

PSD…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Lara Martinho (PS): — Sr. Presidente, vou mesmo terminar. Sr. Deputado, como é que explica que, em 120 páginas deste documento estratégico do PSD, haja apenas

uma tímida e singular referência aos Açores? Como é que explica que este documento não aborde uma única

das questões que aqui levantou?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Lara Martinho (PS): — A minha pergunta, Sr. Deputado, é esta: não acha que seria interessante começar pelo seu próprio partido,…

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Lara Martinho (PS): — … garantindo que, num documento estratégico desta natureza, os Açores estão efetivamente representados?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado António Ventura, do PSD.

O Sr. António Ventura (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Lara Martinho, acho fabuloso e extraordinário que haja tantas medidas e, afinal, os Açores sejam a região do País onde há

mais beneficiários de RSI (rendimento social de inserção), com 6% da população.

Protestos do Deputado do PS João Paulo Pedrosa.

Acho extraordinário e fabuloso que, com tantas medidas, a região dos Açores tenha um terço da população

em risco de pobreza, os números mais elevados de Portugal.

Acho extraordinário e fabuloso que, com tantas medidas, tenhamos, por exemplo, uma taxa de abandono

escolar precoce, em 2019, de 27% nos Açores, enquanto a média nacional é de 10%.

Portanto, algo está a falhar. Algo está a falhar, com tantas medidas, e isso significa que as políticas não

são dirigidas ao fundamental, que são as pessoas.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. António Ventura (PSD): — As pessoas dos Açores estão mais pobres! Com tantas medidas e mais medidas e planos, as pessoas estão pobres. Isto significa que algo falha, falha a governação nos Açores e

falha a governação na República.

Os senhores não começaram a governar ontem, governam desde finais de 2015! Portanto, o culpado pelo

estado da região e o estado dos açorianos, o culpado pela pobreza e pela falência das empresas é o Governo

do PS, quer lá, quer cá.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Segue-se a intervenção, também ao abrigo do n.º 2 do artigo 77.º do Regimento da Assembleia da República, da Sr.ª Deputada Isabel Rodrigues, do Partido Socialista.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Estamos a menos de duas semanas da realização das eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.

Um ato eleitoral é sempre um momento relevante da nossa vida democrática. Este realizar-se-á num tempo

de dificuldade e exigência, face aos impactos da pandemia da COVID-19 e da incerteza quanto ao

comportamento do vírus no futuro.

Nas últimas semanas, assistimos, também nesta Câmara — aliás, ainda agora —, a declarações que

procuram iludir os resultados da governação do Partido Socialista nos Açores e desmerecer a cooperação

entre o Governo Regional e o Governo da República.

O Sr. João Paulo Pedrosa (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Nos Açores, este é o tempo dos visitantes ilustres, que, no corrupio de visitas e declarações à comunicação social, não procuram sequer disfarçar o seu profundo desconhecimento

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sobre a realidade regional, sendo certo que, de alguns, conhecemos o desvalor que atribuem aos eleitores

açorianos.

Ouvimos quem se mostrasse saudoso dos primórdios da autonomia constitucional, quando a região,

durante séculos votada ao abandono e entregue a si própria,…

Risos do Deputado do PSD António Ventura.

… se lançava na construção — e bem! — de infraestruturas básicas, das quais nunca havia sido dotada.

Se para uns se trata de manifesto desconhecimento ou de análise superficial de alguns indicadores, para

outros trata-se apenas de estratégia com vista a ganhos políticos. Não interessa se é verdade ou mentira, o

importante é que os média e as redes sociais reproduzam.

Vamos, então, aos factos. Em 2019, os Açores registaram o valor do PIB mais elevado de toda a sua

história e, no segundo trimestre de 2020, em plena pandemia, a taxa de desemprego da região foi de 4,9%,

inferior à média nacional.

Protestos do Deputado do PSD António Ventura.

Sei que virá logo alguém dizer que são os programas ocupacionais. Desenganem-se! A verdade é que

registámos, em relação a julho de 2016, um decréscimo de 49% no número de açorianos inscritos em

programas de inserção socioprofissional. Temos menos desemprego e o número de inscritos em programas

ocupacionais reduziu-se para metade.

Na educação, onde há sempre quem insista em ver a árvore e não a floresta, levámos todas as crianças à

escola, à creche, ao ensino pré-escolar — público! — e à escolaridade obrigatória no 12.º ano, em todas as

ilhas da região.

Aplausos do PS.

Nos últimos 10 anos, com a governação do Partido Socialista, a taxa de desistência decresceu 80% e a

taxa de conclusão do ensino secundário aumentou 9,5%.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Nos últimos quatro anos, investimos fortemente na qualificação, assegurando a cerca de 10 000 açorianos a melhoria da sua empregabilidade.

Naturalmente, gostaríamos de avançar a um ritmo ainda mais acelerado, em particular no que se refere à

taxa de abandono escolar precoce, onde há, certamente, muito trabalho ainda para fazer. Não estamos

satisfeitos e, por isso, temos uma estratégia regional de combate à pobreza, matéria em que fomos, aliás,

pioneiros. Mas o caminho que falta fazer não pode apagar o caminho que já percorremos.

Aplausos do PS.

Na Legislatura que agora termina, atingimos cerca de 700 respostas sociais, de apoio à infância, à família,

aos idosos, espalhadas pelas nossas nove ilhas, e aumentámos o respetivo financiamento em 16%.

Falemos também de saúde: os Governos liderados por Vasco Cordeiro aumentaram em cerca de 30% o

número de utentes com médico de família. Em 2019, foram realizadas mais 150 000 consultas médicas e mais

219 000 atos de diagnóstico e terapêutica do que no ano de 2016.

O tempo é escasso para falar ainda do muito que fizemos na agricultura, nas pescas, no turismo, sempre

sob o chapéu da proteção do ambiente e dos ecossistemas, assumindo plenamente a responsabilidade de

deixar às gerações futuras um património que lhes garanta, como a nós, bem-estar e subsistência.

Durante a pandemia, e à semelhança do que fizéramos antes, quando, em 2012, Vasco Cordeiro assumiu,

pela primeira vez, a presidência do Governo, não baixámos os braços nem nos rendemos.

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Num tempo em que escasseavam recursos de proteção e testagem, nem sempre fomos compreendidos na

necessidade de salvaguardar uma realidade composta por nove ilhas, separadas por um imenso mar, cujo

sistema regional de saúde, com três hospitais em três ilhas e centros de saúde nas demais, tem nas redes de

referenciação de doentes um importante pilar, sob pena da sua ineficiência, ineficácia e insustentabilidade.

Lutámos pelas açorianas e pelos açorianos, lançando medidas específicas de apoio às empresas, ao

emprego e aos empresários em nome individual.

Neste final de Legislatura, a nossa dívida pública representa 44% do PIB da região, ou seja, menos de

metade da dívida da Madeira e pouco mais de um terço da dívida de Portugal.

Por muito que custe àqueles para quem quanto pior melhor, esta é a região que vai a eleições no próximo

dia 25 de outubro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Concluo já, Sr. Presidente. Esta é uma região em que os investidores internacionais confiam, como recentemente se viu com a procura

seis vezes superior à oferta numa emissão obrigacionista, que levou a uma taxa de juro fixa que tem o valor

mais baixo que até hoje se registou na região.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Concluo já, Sr. Presidente. Esta é uma região que no PO (Programa Operacional) Açores 2020, com perto de 2000 candidaturas

aprovadas e de 1,4 mil milhões de investimento global elegível, executou já mais de 900 milhões de euros.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Termino já, Sr. Presidente. Apelo à sua compreensão. Esta é uma região em que as instituições internacionais confiam para a gestão do espaço marítimo

adjacente ao arquipélago, como resulta do reconhecimento, pela OSPAR (Convenção para a Proteção do

Meio Marinho do Atlântico Nordeste), de 17 áreas marinhas protegidas.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Isabel Rodrigues, V. Ex.ª…

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Como diz o nosso hino, pela pena da grande Natália Correia, «os Açores são a nossa certeza de traçar a glória de um povo».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Isabel Rodrigues, tem dois pedidos de esclarecimento. Fará o favor de informar a Mesa como deseja responder.

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, desejo responder aos dois pedidos de esclarecimento em conjunto.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito bem. Então, o primeiro pedido de esclarecimento cabe ao Sr. Deputado Paulo Moniz, do PSD. Tem a palavra, Sr.

Deputado.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Rodrigues, o exercício da atividade política deve corresponder a uma atitude coerente. V. Ex.ª, não faz ainda uma semana,

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acusou-me, daquela tribuna, de ter feito campanha eleitoral. Depois de a ouvir hoje, concluo exatamente que o

que fez foi campanha eleitoral, sabe-se lá por que agonia o Partido Socialista dos Açores muito lho pediu.

Risos da Deputada do PS Isabel Rodrigues.

Mas essas contas de coerência ficam consigo e com os açorianos.

O Sr. António Ventura (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Todos os números que torturou para nos fazer crer no paraíso dos Açores têm um problema grave: esbarram na realidade.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Ora bem!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sabe que a realidade é como o algodão, não engana. Assim, a Sr.ª Deputada pode tentar torturar os números que quiser pois a realidade dura e crua das dificuldades dos açorianos não

fica de fora daquilo que aqui tentou fazer-nos crer.

Deixe-me ainda dizer-lhe que tenho estima pessoal e institucional por si e custa-me sinceramente vê-la,

nas poucas vezes em que usou da palavra nesta Câmara, votar contra os Açores e defender o Partido

Socialista. Sr.ª Deputada Isabel Rodrigues, causa-me pena porque os açorianos, quando lhe confiaram o voto,

confiaram-no na firme expetativa de que os defendesse e não o Partido Socialista. Trai permanentemente os

açorianos, ao votar contra os açorianos nesta Câmara!

Sr.ª Deputada, outra vez, a votar contra os Açores?! É com muita pena e pesar que constato isso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para um segundo pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, de facto, ouvi com atenção a Sr.ª Deputada Isabel Rodrigues, mas também a Sr.ª Deputada Lara Martinho, sobre a lista das concretizações do

Governo do Partido Socialista na Região Autónoma dos Açores e no Governo da República.

Faltou falar das não-concretizações, faltou falar de tudo aquilo que ficou por fazer, a começar pelo facto de

o Governo do Partido Socialista ter apresentado, ontem, um Orçamento sem ter concretizado um dos

compromissos que tinha com o povo do Pico, nomeadamente com os ex-trabalhadores da Cofaco. Ainda hoje,

estes trabalhadores não têm garantido algum rendimento. Falhou e muito!

Mas falhou também na reabilitação da Cadeia de Apoio da Horta, no plano de remodelação dos tribunais

da região, na constituição da segunda equipa de busca e salvamentos. Tudo isto foram compromissos e

propostas aprovados no Orçamento do Estado para 2020.

Falhou também porque não concretizou a intervenção no aeroporto da Horta, a descontaminação dos solos

na ilha Terceira, o plano de revitalização económico da ilha Terceira, o entreposto de gás natural na ilha

Terceira. Falha porque não toma medidas de reforço na fiscalização do nosso mar. Defender os Açores passa

muito por defender a pesca!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — E a pesca não é defendida! O Governo do Partido Socialista falha porque não vai suprir a falta de meios humanos nos vários serviços

públicos, como as forças de segurança, e que condicionam, por exemplo, o grau de formação dos açorianos.

Lá como cá, o País e os açorianos precisam que se cumpra com a palavra dada e esse é um elemento

fundamental. Os Açores, tal como o País, precisam de uma resposta aos seus problemas e de uma mudança

de políticas estruturais. É preciso escolher, finalmente, que interesses pesam mais.

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Para nós, CDU, pesam mais os interesses do povo, açoriano e português. Esperamos para ver que postura

mantêm.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Isabel Rodrigues.

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, vou começar pela intervenção do Sr. Deputado Paulo Moniz.

Sr. Deputado, digo a V. Ex.ª que dispenso as suas referências à estima, que antecedem sempre alguma

forma de ataque pessoal.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Isabel Rodrigues, peço desculpa, mas tem de usar máscara.

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — Tem razão, Sr. Presidente. Eu é que peço desculpa à Câmara e ao Sr. Presidente.

Sr. Deputado Paulo Moniz, vamos por partes. Não votei contra os Açores, votei contra uma lei que aqui

propôs, dizendo que, na semana seguinte, iria resolver um problema dos Açores mas que só entrava em vigor

em janeiro de 2021. Sejamos honestos!

Vozes do PS: — Muito bem!

Protestos do Deputado do PSD Adão Silva.

A Sr.ª Isabel Rodrigues (PS): — A segunda questão é sobre o debate preparatório do Conselho Europeu. Ficámos sem saber o que é que o PSD pensava sobre as alterações climáticas e o papel da Europa, sobre as

relações da Europa com a China, com o Reino Unido, depois do Brexit, com África, porque o senhor

aproveitou a preparação de um debate, que tinha uma agenda fechada, efetivamente para instrumentalizar

esse debate. Mantenho integralmente.

Sr. Deputado, registo que há falta de argumentos para contrariar os indicadores que dei. Tudo aquilo que

lhe resta fazer é atacar a forma como desempenho o meu mandato de Deputada. Estamos conversados, Sr.

Deputado!

Aplausos do PS.

Sr.ª Deputada Alma Rivera, o Orçamento do Estado é um processo que agora se iniciou. Aquilo que

anteontem deu entrada na Assembleia da República é um documento que, ao contrário do que acontecia, por

exemplo, com os Governos do PSD, cumpre integralmente a Lei das Finanças das Regiões Autónomas,

atendendo a um conjunto de investimentos prioritários para a região, como é o caso dos cabos submarinos e

da rede de radares meteorológicos, para citar apenas dois.

Tudo isto serve para dizer que este é um processo que está agora a iniciar-se, sendo minha convicção que,

no caso que referiu sobre a Cofaco, tendo sido já aprovada uma lei na Assembleia da República e havendo

um conjunto de outros compromissos que o Governo tem assumido e cuja concretização já iniciou, não terá de

estar tudo no Orçamento do Estado, em articulado da lei, porque estará, com certeza, na previsão da respetiva

despesa. Ainda assim, Sr.ª Deputada, acho que é muito cedo para se fazer a avaliação que fez.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Também ao abrigo do n.º 2 do artigo 77.º do Regimento, tem a palavra, para proferir uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

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Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País vai receber, neste ano, no próximo ou algures durante a Legislatura, um valor nunca antes visto em Portugal, que será, mais ou menos, à volta de

15 mil milhões de euros. Nunca na história do nosso País foi tão importante que a transparência fosse tão

efetiva.

Pois é precisamente neste momento, em que a transparência mais é necessária, que o País se afunda

numa amálgama de confusões legislativas nesta matéria. O relaxamento das regras de contratação pública,

que permitirão ajustes diretos e regras flexíveis para todos e para o seu contrário, para quem quiser dar ou

vender, mostra bem o perigoso caminho que estamos hoje a seguir.

A diminuição dos vistos do Tribunal de Contas para muitas das obras públicas que vão iniciar-se,

apresentadas como investimento público, transmitem um dos sentimentos de maior insegurança da nossa vida

pública. Mas também — por que não dizê-lo, hoje, aqui nesta Câmara? — a substituição de diretores da

Polícia Judiciária por elementos vindos do Ministério da Justiça deveria merecer, pelo menos, a atenção desta

Câmara, no âmbito da luta contra o crime. Quem são? De onde vieram? Por que razão são substituídos os

diretores da Polícia Judiciária, numa altura em que tanto dinheiro vai chegar a Portugal?

O afastamento do Presidente do Tribunal de Contas, apresentado como algo natural, vinculativo do

Presidente da República e do Primeiro-Ministro, quando, uns meses antes, tinham reconduzido a Inspeção-

Geral da Administração Interna, mostra bem que o critério nada tem que ver com política, nada tem a ver com

acordos com o Presidente da República. O critério tem a ver com isto: quem se mete com o PS, leva, e quem

se mete com o Governo, vai embora para casa. Esse tem sido o critério e esta vai continuar a ser a regra,

enquanto esta Câmara, que é a única que pode fazê-lo, não mandar abaixo esta iniciativa autoritária de

António Costa.

A Procuradoria Europeia viu-se dispensada de uma magistrada que tinha ficado em primeiro lugar e que foi

não conduzida mas, sim, afastada por um outro que estava em segundo lugar. E o País assiste, impávido,

como se tudo isto fosse normal. É como se o País já não se importasse, para lá das câmaras e das

manchetes, com aquilo que faz e com aquilo que diz. Mas, lá fora, as pessoas continuam a ver e a sentir que

cada passo que damos é um passo novo para o precipício de corrupção que, daqui a seis meses, vamos estar

a apontar ao Governo, enquanto a esquerda vai virar os olhos, alguma direita vai envergonhar-se e os

portugueses vão dizer: «mais do mesmo», «o mesmo de sempre», «estivemos cá e não avisámos». É o

mesmo caminho que já vimos em 2009, em 2011, em 2001, mas não aprendemos que é um caminho que

temos de arrepiar.

Quando olhamos para este Orçamento, percebemos que aqueles que diziam que iam agora fazer a grande

luta pela transparência nada fazem, neste Orçamento. E não é preciso o Chega para falar na duplicação de

gastos da Assembleia, do Presidente da República, e para que, à noite, o Presidente da República vir

desmentir essa mesma duplicação, basta olhar para o Orçamento e ver que não há nenhum reforço para

aqueles que lutam pela transparência e contra a corrupção. Essa é a verdade inadiável que Portugal tem de

enfrentar! Não há um único cêntimo a mais para aqueles que lutam contra esse fenómeno tão perigoso, tantas

vezes aqui anunciado, que é a corrupção.

Portugal desce no ranking europeu de transparência, descemos em todos os rankings de corrupção e,

mesmo assim, o nosso Orçamento fica-se pela metade, que é o mesmo que dizer que metade de zero

equivale a zero.

Perante isto, o Presidente da República olha para o lado e diz que nada tem a ver com o que está a

passar-se e alguma oposição prefere não comentar. Numa palavra, «venezuelização» — é isso que está a

acontecer em Portugal!

Enquanto uns se riem e acham que talvez seja um caminho possível, enquanto outros acham que está tudo

bem, um dia, daqui a alguns meses, vamos estar nos jornais a comentar o que podíamos ter evitado e não

evitámos.

Que ninguém tenha dúvidas: António Costa não está para ficar. Mais mês, menos mês, este Governo vai

cair, porque não há um único governo socialista, na história do País, que, em crise, se tenha aguentado mais

do que um ano e meio. Aqueles que acham que António Costa vai seguir até ao fim, com crise ou sem crise,

com desemprego ou sem desemprego, desenganem-se, porque não vai acontecer!

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Como hoje aqui diziam, nesta bancada, daqui a seis meses, vão estar a exigir responsabilidades não

àqueles que se opuseram, mas àqueles que viabilizaram o Orçamento do Estado. Alguns vão dizer, como

sempre: «Não tínhamos alternativa, não podíamos fazer nada!». Temos alternativa, o poder está nas nossas

mãos, porque está nas mãos daqueles que nos elegeram, para fazer uma barreira ao caminho perigoso que

estamos a seguir em Portugal.

Enquanto discutimos se António Costa avança ou não avança, o País mergulha numa amálgama cada vez

maior de falta de transparência. As CCDR (comissões de coordenação e desenvolvimento regional) estão à

vista de todos, o dinheiro distribuído pelas autarquias vai ser «um ver se te avias» para Portugal nos próximos

meses, quando temos eleições autárquicas a pouco mais de um ano. Se não arrepiarmos este caminho,

agora, vamos arrepender-nos, daqui a alguns meses, por não o ter feito: uns vão lamentar não ter criticado,

outros vão lamentar não ter agido.

Nisto, o Partido Socialista diz que não, que temos um programa de compliance e um programa de

prevenção, um programa de estratégia contra a falta de transparência e contra a corrupção, quando

soubemos, hoje, que, de facto, há uma grande novidade no Orçamento do Estado: o Governo do PS quer

cobrar 58 vezes mais multas de trânsito do que cobrou no ano passado.

Excelente! Para um País que quer avançar no caminho certo, isto é dizer aos polícias «cobrem mais, vão

buscar dinheiro à classe média, vão buscar dinheiro às pessoas, para nos continuar a sustentar, a nós, ao

maior Governo que alguma vez tivemos na história e aos salários dos consultores que continuam a trabalhar

para o maior Governo que alguma vez tivemos em Portugal.»

Precisamos de aumentar as penas de corrupção.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Precisamos de medidas de coação que evitem que, até a condenação com trânsito em julgado, as

empresas possam concorrer, quando condenadas em primeira instância.

Protestos daDeputada do PS Joana Sá Pereira.

E precisamos do afastamento perpétuo dos cargos públicos de pessoas condenadas por corrupção.

Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: nada disso está neste Orçamento, nada disso está no

Programa do Governo.

Como diz um amigo meu, «agora, pensem».

O Sr. António Filipe (PCP): — Só faltam os tremoços!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado André Ventura, inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, um Sr. Deputado do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de cumprimentar o Sr. Deputado André Ventura e colocar-lhe, aqui, uma questão muito concreta, que tem precisamente a ver

com o tema que o CDS trouxe a esta Câmara em declaração política, os fundos europeus. Ouvimos falar aqui

dos fundos europeus, amanhã teremos o Sr. Primeiro-Ministro a entregar um plano em Bruxelas que o

Parlamento desconhece e o Sr. Deputado falou aqui em matéria de transparência. Pergunto-lhe, sobre essa

matéria, o que é que pensa relativamente àquilo que deve ser a transparência da relação entre o Governo, o

Parlamento e Bruxelas.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para responder, Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, muito obrigado. De facto, os fundos europeus obrigam-nos a repensar a forma como vamos fazer o controlo e a fiscalização nesta matéria.

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O Chega defende que deve ser uma entidade independente, e não uma entidade governamental, a fazer o

controlo dos fundos públicos e que essa entidade independente deve reportar mensalmente ao Parlamento.

Essa foi a solução encontrada noutros países e deve ser essa a solução que nos deve orientar. Alguns dizem

que não, que o Tribunal de Contas fará o seu trabalho, mas todos já vimos o que aconteceu ao Presidente do

Tribunal de Contas. Outros dizem que devemos deixar essa questão para o Ministério Público, os mesmos que

preferem deixar os processos a correr dezenas de anos, até termos uma fiscalização efetiva.

Por isso, só há uma solução para combater aquela que pode ser a maior epidemia de fraude, em Portugal,

nos próximos anos: é permitir que uma entidade independente reporte apenas ao Parlamento, face à

fiscalização desses fundos europeus.

O contrário será abrir o caminho para a desgraça, que estaremos cá para ver daqui a seis meses.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminamos, assim, o primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos, declarações políticas, e avançamos, já com a presença do Governo, que a Mesa aproveita para

saudar, para o segundo ponto da nossa ordem de trabalhos, de que consta o debate, com a participação do

Governo, sobre o estado da União, conforme previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei relativa ao

acompanhamento, apreciação e pronúncia, pela Assembleia da República, no âmbito do processo de

construção da União Europeia (Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, alterada pela Lei n.º 21/2012, de 17 de maio

e Lei n.º 18/2018, de 2 de maio), e sobre as linhas gerais das prioridades da futura Presidência portuguesa do

Conselho da União Europeia.

Para abrir o debate, tem a palavra, em nome do Governo, o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios

Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O discurso do estado da União, proferido pela Presidente da Comissão Europeia, assim como

a carta de intenções dirigida pela Presidente e pelo Vice-Presidente da Comissão Europeia ao Parlamento

Europeu e à Presidência do Conselho são documentos muito importantes porque, antecipando o programa de

trabalhos da Comissão Europeia para 2021, mostram a coerência programática que existe entre as instituições

europeias e que existe entre os propósitos e o programa de ação da Comissão Europeia e os propósitos e o

programa de ação da Presidência do Conselho.

Igualmente importante é o facto do programa do trio das presidências, formado pela Alemanha, por

Portugal e pela Eslovénia, ser inteiramente claro e preciso nos grandes objetivos e nas grandes tarefas deste

trio de presidências, no segundo semestre de 2020 e no primeiro e segundo semestres de 2021.

Já aqui resumi esse programa, na Assembleia da República, dizendo que é um programa de prioridade

absoluta à recuperação económica e social da Europa, segundo as prioridades da nossa agenda estratégica

europeia — a transição digital, a ação climática, a resiliência e autonomia estratégica da Europa —, com o

sentido de urgência que é indispensável.

Neste quadro, o valor acrescentado da Presidência portuguesa é, também ele, meridianamente claro: trata-

se de colocar o foco na Europa social, trata-se de mostrar que a Europa só conseguirá vencer o desafio da

dupla transição — energética/climática e digital — usando o seu modelo social, reforçando o pilar europeu dos

direitos sociais.

A este valor acrescentado da Presidência portuguesa, soma-se também o facto de, do ponto vista do

calendário político, a Presidência portuguesa significar, também, o tempo de agir. Com a Presidência alemã,

foi o tempo de tomar decisões muito importantes, no que diz respeito aos instrumentos financeiros e

programáticos para alavancar a recuperação económica e social europeia; com a Presidência portuguesa

tratar-se-á de pôr em execução esses instrumentos financeiros e programáticos.

Por isso, podemos hoje dizer que duas características essenciais caracterizarão a nossa Presidência: uma,

o foco no social, e, outra, o ser o tempo de agir — agirmos todos em conjunto, nós, os europeus.

É isso que explica as cinco prioridades que organizam a Presidência portuguesa da União Europeia.

A primeira prioridade é a prioridade dada à resiliência da Europa, resiliência que deve ser entendida nos

dois planos em que ela faz sentido: no plano da economia e da coesão social, de um lado, e no plano dos

valores, do outro.

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O próximo Quadro Financeiro Plurianual e os planos de recuperação e resiliência, alavancados pelo fundo

de recuperação, são muito importantes, mas tão ou mais importantes do que eles é o Estado de direito, a

problemática do Estado de direito, a participação cívica na definição do futuro europeu, que é um dos objetivos

da conferência sobre o futuro da Europa e, evidentemente, os aspectos muito importantes relacionados com o

novo pacto de asilo e migrações.

Portanto, quando dizemos que a resiliência é uma prioridade absoluta da Presidência portuguesa da União

Europeia, estamos a falar da resiliência económica da Europa, mas também da consolidação da Europa como

um espaço de solidariedade e de valores.

A segunda prioridade essencial da nossa Presidência do Conselho da União Europeia será a prioridade à

Europa social. Organizaremos, no Porto, a 7, 8 e 9 de maio próximos, a cimeira social europeia. Essa cimeira

social será composta por dois grandes elementos: uma conferência, reunindo as instituições europeias, os

parceiros sociais e as instituições académicas, e o Conselho Europeu informal dedicado à temática social. E,

para além da lógica, que já expliquei, essa cimeira social terá preocupações muito práticas: tratar-se-á de dar

impulso político à concretização do plano de ação para a implementação do pilar europeu dos direitos sociais,

tratar-se-á, portanto, de discutirmos, em conjunto, a melhor forma de aprovar o quadro regulamentar europeu

para o salário mínimo, o quadro regulamentar europeu para o rendimento mínimo, a nova garantia para a

infância, a revisão da garantia para a juventude, o livro verde sobre o envelhecimento, as estratégias para a

transparência e para a igualdade salarial, para a igualdade de género e, também, a área essencial da «União

Europeia para a saúde» — cito a Presidente da Comissão Europeia.

A terceira prioridade essencial da nossa Presidência é a Europa verde, o Pacto Ecológico Europeu, além

do clima, mas, também, a reforma da política agrícola comum, o Ano Europeu da Ferrovia e a importância da

mobilidade elétrica.

A quarta prioridade é a Europa digital. Também aí, mais uma vez, não se trata apenas e só de economia.

Trata-se, por exemplo, da educação digital, da democracia digital, das redes de comunicações e dos sistemas

de dados na Europa e das oportunidades, mas também das questões, colocadas pelo desenvolvimento da

inteligência artificial.

Finalmente, a quinta prioridade é a Europa global. Organizaremos a reunião de líderes europeus com o

Primeiro-Ministro indiano, porque, para nós, é muito importante que a Europa possa interagir com todos os

grandes atores globais: os Estados Unidos e o Reino Unido, certamente, mas também África, a América

Latina, a China e a Índia.

Estas são as prioridades da Presidência do Conselho da União Europeia que vai ser exercida por Portugal.

Certamente, haverá questões que teremos que enfrentar, mas a nossa lógica é esta: tempo de agir, com a

consciência de que é o modelo social europeu a melhor arma que temos para vencer o desafio da

recuperação económica e social, para vencer o desafio da transição digital e para vencer o desafio da ação

climática.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Entramos, agora, na fase das intervenções deste debate e o primeiro grupo parlamentar a intervir é o do Partido Socialista, tendo a Mesa a indicação de que o tempo será

dividido em duas intervenções.

Para a primeira, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.

A Sr.ª Isabel Oneto (Partido Socialista): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: A resposta à COVID-

19, pelos seus efeitos devastadores, assumiu a centralidade do debate de política social, quer entre nós, quer

na Europa e no resto do mundo.

Vivemos um novo paradigma que a todos desafia mas que também revela, enquanto comunidade,

enquanto decisores, o melhor e o pior de cada um: a capacidade que temos, neste momento, de enfrentar a

adversidade sem nos desviarmos da matriz que nos guia, enquanto comunidade política fundada em valores

que, mesmo em tempo de crise, temos de preservar.

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E é aqui que cada um se revela. Na Europa, revelou-se uma líder, humanista, combativa, solidária,

determinada em não deixar ninguém para trás.

Neste momento de balanço do estado da União, também se revelam os países que acreditam numa União

Europeia que, acima de regras comuns, é uma união de partilha de valores. E é isso que está em jogo, hoje,

nas negociações sobre o quadro financeiro que permitirá, nesta adversidade, a cada país por si, com a sua

identidade própria e o seu percurso histórico, não apenas resistir e minimizar os efeitos do vírus, mas, acima

de tudo, preparar o futuro das próximas gerações.

Também entre nós o momento é de revelação. Como em todo o mundo, fomos apanhados por uma crise

que interrompeu o nosso percurso de crescimento económico e de emprego, de estabilidade das famílias, de

consolidação das contas públicas e, não menos importante, de recuperação da nossa credibilidade no plano

europeu e internacional. E, essa credibilidade, a COVID-19 não a destruiu.

Se há uma década fomos arrasados pela crise das dívidas soberanas, hoje, a nossa credibilidade permitiu,

pela primeira vez, a emissão de dívida a oito anos com uma taxa de juros negativos. Por outras palavras, os

mercados financeiros pagam para emprestar dinheiro ao Estado português.

Entre nós, também tivemos um tempo em que decidimos o nosso quadro financeiro, para 2021,

estruturalmente interligado ao nosso compromisso de também não deixamos ninguém para trás e de

prepararmos o futuro, na linha da agenda ecológica digital assente num modelo social europeu.

Também aqui será um momento de revelação de quem consegue estar, ou não, à altura da

responsabilidade histórica. Nem na Europa, nem entre nós, é tempo de tudo ou nada. O Governo tem

demonstrado a sua capacidade de diálogo, enquanto ator ativo na construção de um consenso europeu, em

torno do fundo de recuperação e de resiliência, e do Quadro Financeiro Plurianual. Contribuímos para que os

Estados-Membros mais atingidos pela crise possam iniciar a sua recuperação. Esperemos, pois, que no

momento em que Portugal assume a Presidência da União Europeia, num momento crucial para o futuro da

Europa, não estejamos a viver com duodécimos e a adiar a nossa recuperação.

Termino, Sr. Presidente, com uma palavra de congratulação pela escolha do nome de Mário Soares para

patrono do novo ano académico do Colégio da Europa.

No momento que discutimos o futuro da Europa e o nosso próprio futuro, é bom recordar sempre aqueles

que abriram o nosso caminho. Seguramente, Mário Soares deixou-nos esse legado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de me pronunciar sobre a Presidência portuguesa

do Conselho da União Europeia, começando por registar, com apreço, a primazia dada ao Parlamento para a

apresentação das suas linhas gerais.

Portugal é, hoje, um país respeitado na Europa e no mundo pelos valores universais que defende e pratica,

e, desde logo, a defesa intransigente do Estado de direito, pela capacidade de acolhimento de refugiados e

imigrantes, pela boa e laboriosa integração das suas comunidades radicadas noutros países, que são tantas,

em tão diferentes latitudes.

É, portanto, uma boa noticia para os cidadãos da Europa, a assunção, pelo nosso País, da Presidência do

Conselho, num momento tão problemático quanto esperançoso.

Nunca, porventura, em mais de três décadas de integração europeia, as prioridades portuguesas, que o Sr.

Ministro acaba de elencar, estiveram tão alinhadas com as prioridades da União Europeia, já suficientemente

confirmadas no Programa do Trio de Presidências e da troica parlamentar.

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, e, estou certo, a esmagadora maioria deste Parlamento,

partilha e subscreve as prioridades da futura Presidência do Conselho da União Europeia. Desde logo, a

atenção e o empenho concedidos à recuperação económica num contexto de emergência social, inseparável

da forte aposta nas vertentes ecológica e digital, assim como, quanto à agenda externa da União, a atenção

especial concedida às relações com África, com a India, com a relação transatlântica e com a América Latina.

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Também nós, Deputados, com a óbvia coordenação do Sr. Presidente Assembleia da República, temos

vindo a trabalhar com a adequada independência, mas em colaboração com o Governo, na preparação do

programa da dimensão parlamentar da Presidência portuguesa, que incidirá num conjunto relevante de

iniciativas. Gostaria de aproveitar esta oportunidade para dar disso conhecimento à Câmara e ao Sr. Ministro.

Estamos, assim, para além das iniciativas protagonizadas pelo Sr. Presidente da Assembleia da República,

a organizar reuniões de presidentes e plenária da COSAC (Conferência dos Órgãos Especializados em

Assuntos Europeus), em janeiro e maio, respetivamente, e a Conferência Interparlamentar sobre Política

Externa e Segurança Comum (PESC) e sobre Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), nas quais

terão, para além da Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus, especial protagonismo as Comissões

Parlamentares de Negócios Estrangeiros e de Defesa, em março.

Para além destas iniciativas, a Assembleia da República participará, em copresidência com o Parlamento

Europeu, na Conferência sobre Estabilidade, Governação e Coordenação Económica e Monetária, no âmbito

da semana parlamentar europeia, em fevereiro, em Bruxelas, em parceria com o Parlamento Europeu, com

especial envolvimento das Comissões Parlamentares de Orçamento e Finanças e de Trabalho e Solidariedade

Social, e ainda na reunião do Grupo Especializado de Controlo Parlamentar Conjunto (GCPC), da Europol,

onde participarão também Deputados da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos,

Liberdades e Garantias.

Organizaremos, ainda, para dar mais destaque à prioridade portuguesa das relações com Africa, uma

reunião interparlamentar UE/África, com a participação, designadamente, do Parlamento Europeu e da

vertente parlamentar da União Africana.

Cabe-me, assim, mais do que questioná-lo, Sr. Ministro, felicitá-lo pelo seu contributo, enquanto membro

do Governo, para as históricas decisões de julho, que, apesar das incertezas da COVID-19 e da crise dela

decorrente e do ainda imprevisível desfecho do Brexit, permitiram que o ano de 2021 possa ser encarado

como um tempo de esperança e de confiança no futuro.

Nós, Deputados da Assembleia da República, tudo faremos para contribuir para o sucesso da Presidência

portuguesa do Conselho e para honrar o nome de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao PSD, cujo tempo será dividido entre a Sr.ª Deputada Isabel Meireles e a Sr.ª Deputada Clara Marques Mendes.

Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Meireles.

A Sr.ª Isabel Meireles (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal assume, pela quarta vez, a Presidência rotativa de

Conselhos da União Europeia e esta Presidência afigura-se-nos particularmente desafiante, porque ela tem

entre mãos — e permitam-me a chã expressão — várias «batatas quentes».

Antes de mais, a primeira é a do Brexit. Boris Johnson acaba de pedir nova extensão de tempo. Estamos a

78 dias de um no-deal, um cenário que era impensável em toda a Europa, e o divórcio entre o Reino Unido e

Bruxelas não se concretiza. O Reino Unido saiu da União, mas não saiu da Europa e a União Europeia perdeu

um país, mas não perdeu a sua alma.

A primeira questão é, pois, a seguinte: a Presidência portuguesa tem um plano B para o caso de haver no-

deal?

Em segundo lugar, há outra questão que nos parece também «quente», que é sobre o Quadro Financeiro

Plurianual 2021-2027. Como sabemos, as negociações estão num impasse, estão mesmo suspensas, e este

Orçamento, como todos sabemos, é absolutamente indispensável para a recuperação nacional e para a

recuperação europeia. Pergunto se o Sr. Ministro, no caso de este impasse se manter, espera que a

Presidência portuguesa possa promover o emprego, o apoio às pequenas e médias empresas e, sobretudo, a

unidade do mercado.

A terceira questão, que eu também considero «quente», prende-se com os fundos europeus. Há, pelo

menos, 10 entidades que fiscalizam os fundos europeus — 10 entidades! E o Governo, que exibe o Simplex

na Administração Pública, será que não consegue encontrar um modelo mais eficaz, mais transparente para

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controlar a sua execução, não só em termos de abusos, como, eventualmente, de fraudes, para não

cometermos erros do passado, porque não podemos desperdiçar um único euro neste tempo de crise?

Sr. Ministro, uma última questão, esta sobre as redes da quinta geração, o 5G.

John Bolton, ex-conselheiro de Donald Trump, alertou para que a Huawei não é uma empresa de

telecomunicações como as outras, é um braço do Estado chinês, e diz mesmo que está em causa a

sobrevivência do Ocidente. Ontem, o Sr. Presidente da República, na aula inaugural do Colégio da Europa,

que tive o privilégio de frequentar, deu, de algum modo, respaldo a esta teoria.

Por isso, a pergunta que faço é se Portugal e a Europa devem ficar dependentes da China e das empresas

chinesas de conetividade e de expansão do 5G, porque a segurança e as suas manifestações modernas,

nomeadamente a cibersegurança, não podem ser negligenciadas, e é isso também o que esperamos da

Presidência portuguesa dos Conselhos, nesta matéria, para o próximo ano.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Clara Marques Mendes.

A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Neste debate sobre as prioridades da Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia,

gostaria de deixar algumas notas, embora o tempo de que disponho não permita que me alongue.

Desde logo, Sr. Ministro, quero começar por afirmar que a pandemia veio provocar uma crise mundial e

lançar desafios quer à sociedade quer à economia ao nível nacional e ao nível europeu. E, por isso mesmo, é

preciso uma ação urgente, mas não só urgente, uma ação abrangente ao nível europeu, e, como referi

também, ao nível nacional.

Neste contexto, o discurso da Sr.ª Presidente da Comissão Europeia sobre o estado da União, o próprio

Programa do Trio das Presidências, do qual Portugal faz parte, e também o programa da Presidência alemã

sublinham, neste aspeto, a importância que deve ser dada aos trabalhadores e às suas famílias, ou seja, a

Europa social que o Sr. Ministro também aqui referiu e que nós reiteramos que, de facto, deve ser uma

prioridade da União Europeia.

Queria ainda referir que o Programa do Trio das Presidências manifesta um compromisso, o de a União

Europeia proteger as pessoas. E, para cumprir esse compromisso, o citado programa fala precisamente da

implementação e da importância do pilar europeu dos direitos sociais — e aproveito para destacar que o PSD

também se congratula por aquilo que o Sr. Ministro acabou, aqui, de referir, dizendo que o pilar europeu dos

direitos sociais é também uma prioridade e vai permanecer como tal na Presidência portuguesa.

E, de facto, é importante porquê? Porque com a implementação deste pilar conseguimos garantir a

igualdade de oportunidades de acesso ao mercado de trabalho, condições de trabalho justas, proteção e

inclusões sociais. Portanto, mais uma vez, destacamos que é fundamental que o Governo português tenha

sempre este pilar como um dos objetivos e uma das prioridades.

Recordo também, Sr. Ministro, que o pilar europeu dos direitos sociais nos remete para uma outra

realidade, que é a realidade das constantes alterações que vão ocorrendo no mundo do trabalho. Desde logo,

pelas novas tecnologias e desde logo, também, pelo envelhecimento. Portanto, há desafios acrescidos que se

colocam no mundo do trabalho…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, faça favor de concluir.

A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Termino, Sr. Presidente, afirmando que é preciso perceber, de facto, a disponibilidade do Governo para esta questão, pelo que queríamos ouvir um pouco mais o Governo

falar desta que deve ser também uma prioridade nesta fase.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção pertence ao Bloco de Esquerda, que também irá dividir o tempo de que dispõe.

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Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Começo por cumprimentar o Sr. Ministro, os Srs. Secretários de Estado e as Deputadas e Deputados

presentes.

O estado de saúde da União Europeia, a três meses da Presidência portuguesa, é preocupante. Não me

refiro apenas aos números de infetados pela COVID-19, mas a problemas prévios que, agravados pela

pandemia, enchem de nuvens o horizonte.

Apesar dos discursos otimistas da Presidente Ursula von der Leyen, a União vive a maior crise de sempre:

o desemprego e as quebras de rendimentos dispararam. Nos últimos seis meses, o número de inscritos nos

centros de emprego, em Portugal, aumentou 30%; a pobreza ganha terreno, afetando especialmente as

crianças e o seu acesso à educação, inclusivamente na Alemanha; a emergência climática continua à solta,

apesar da proposta aprovada pela esquerda no Parlamento Europeu; o Estado de direito recua a Leste, numa

deriva autoritária inaceitável, colocando minorias e o próprio projeto europeu em perigo. Nas fronteiras da

União são aprisionados ou empurrados de volta para o inferno milhares de seres humanos, em Lesbos, mas

também no Quartel de Tavira ou em Custóias.

Precisamos de uma outra Europa, uma Europa que se atreva, neste momento dramático, a atacar não só

os sintomas mas a própria raiz dos problemas, incentivando alternativas transformadoras do sistema que nos

trouxe até aqui. Só assim poderemos reconstruir a Europa face a esta calamidade, para a qual as políticas

neoliberais dos últimos anos nos deixaram tão pouco preparados.

Precisamos da transição para uma sociedade em que o trabalho e o cuidado sejam reconhecidos como a

base de criação de riqueza. Uma mudança que deve ser ecológica e digital, mas no essencial socialmente

justa e inclusiva — uma Europa para as pessoas e não para o lucro.

Sr. Ministro, irá a Presidência portuguesa incentivar esta mudança do modelo de desenvolvimento de que

necessitamos para uma Europa para as próximas gerações, priorizando o social sobre o económico, a

sustentabilidade ambiental sobre o lucro imediato, as pessoas sobre as grandes empresas ou continuaremos

como até aqui, Sr. Ministro?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, na sequência, a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Muito obrigada, Sr. Presidente. Boa tarde, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Nem a discriminação racial nem a luta antirracista são um

fenómeno novo, mas conheceram, nos últimos tempos, um novo fôlego político e mediático.

Em setembro, por ocasião do discurso sobre o estado da Nação, a Presidente da Comissão Europeia

anunciou um plano de ação da União Europeia contra o racismo. Não sendo um documento perfeito,

representa um marco histórico no reconhecimento do racismo estrutural como um problema europeu que afeta

milhões de pessoas em toda a Europa.

Entre as medidas apresentadas, inclui-se a recomendação para os Estados-Membros implementarem

planos de ação nacionais de combate ao racismo, uma proposta que o Bloco de Esquerda já apresentou e que

foi aprovada nesta Casa.

O Governo anunciou um plano nacional de combate ao racismo e à discriminação racial. Pergunto-lhe, Sr.

Ministro: é desta que o Governo vai passar da propaganda à ação? Vai responder à urgência e dar verdadeira

centralidade política ao combate ao racismo? Já não podemos esperar mais.

Pergunto-lhe ainda: vai o Governo, na elaboração do plano nacional, promover a participação das

organizações antirracistas, como recomenda a Comissão?

Outra questão: em 2008, a Comissão apresentou ao Conselho a Diretiva 426, para a aplicação do princípio

de igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade

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ou orientação sexual, devendo estas medidas ser implementadas fora do contexto do mercado de trabalho.

Esta Diretiva tem sido sucessivamente barrada por falta de consenso entre os Estados-Membros. Irá o

Governo assumir o compromisso de avançar com a aprovação desta diretiva durante a Presidência Europeia?

Outro aspeto que quero analisar é o pacto das migrações. Este pacto é um logro, uma oportunidade

perdida. As medidas apresentadas reforçam a Europa fortaleza e nada apresentam sobre os mecanismos para

criar rotas seguras de migração.

Mais uma vez, as pessoas migrantes, refugiadas ou requerentes de asilo, ficam à porta. São

criminalizadas, tornadas um empecilho.

Com esta proposta, falha a promessa de uma abordagem humanitária, falha a narrativa da solidariedade e

falha o acolhimento.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Promover rotas seguras para as pessoas que fogem da fome e da guerra é ou não um dos objetivos da Presidência portuguesa?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra, em nome do PCP, o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado: A questão central que importa destacar neste debate é a abordagem que hoje fazemos sobre a Presidência

portuguesa do Conselho da União Europeia, a ter início a 1 de janeiro próximo.

Se, relativamente ao chamado «debate do Estado da União», já pudemos fazer referência às questões

colocadas, da recuperação económica às políticas industriais, ambientais, do digital, etc. — e fizemo-lo num

debate muito recente em sessão plenária —, já por seu turno a Presidência portuguesa, que se aproxima a

passos largos, deve ser debatida e encarada pela responsabilidade e pela oportunidade que traduz.

Para o PCP, a responsabilidade e a oportunidade que não pode ser recusada é a de que Portugal possa

contribuir, de forma séria, consequente, construtiva e determinada, por um caminho alternativo por uma

Europa de cooperação, de progresso social e de paz. É essa a agenda que deve prevalecer, desde logo na

Presidência portuguesa, e não as agendas, novas ou velhas, da desigualdade, da submissão, de degradação

dos direitos dos trabalhadores e dos povos.

É indispensável que os debates, as propostas, as decisões que teremos pela frente tenham estas

referências prioritárias: de uma Europa assente na elevação dos direitos laborais e sociais; de uma Europa

respeitadora do direito ao desenvolvimento soberano e promotora de relações mutuamente vantajosas; de

uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, respeitadora da democracia; de

uma Europa que promova efetivas relações de amizade, de cooperação, de solidariedade com todos os povos

do mundo; de uma Europa respeitadora do meio ambiente, fator de desenvolvimento harmonioso e

preservação da natureza; de uma Europa que respeite e promova a cultura, a diversidade e o intercâmbio

cultural.

No momento deste debate, é impossível ter certezas quanto à situação concreta em que nos

encontraremos a 1 de janeiro. Mas nesta altura ganham mais força e atualidade os alertas do PCP, desde logo

quanto ao que está colocado em relação ao Quadro Financeiro Plurianual e ao Fundo de Recuperação.

É preciso defender e afirmar princípios e objetivos que não podem ser abandonados como a função

redistributiva do Orçamento, o seu reforço por via fundamentalmente das contribuições dos Estados, tendo por

base o rendimento nacional bruto para a coesão e fundos estruturais, para suporte das estratégias de

desenvolvimento dos Estados-Membros ou, ainda, a rejeição de condicionalidades quer no Orçamento quer no

Fundo de Recuperação, denunciando o problema do fundo em que, ou são empréstimos que serão pagos à

custa de novos recursos próprios que subtraem aos Estados, ou são novas taxas que se impõem não

revertendo para os Orçamentos dos Estados, ou aí teremos cortes orçamentais ou até pagamentos à União

Europeia, com as ameaças e as armadilhas que outra vez vão aparecendo ao princípio da igualdade entre

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Estados, tentando impor, a pretextos vários, por exemplo, a «ultrapassagem» da regra da unanimidade,

impondo, de facto, as maiorias qualificadas.

E quanto à dita «Europa social», importa sublinhar que as políticas da União Europeia o que não devem ser

é um colete de forças, como se verificou no mandato anterior do Governo, para impedir a elevação dos direitos

sociais, que as respostas sociais devem ser à medida das necessidades dos países e não um fator de

degradação, de restrição ao investimento e ao desenvolvimento nos serviços públicos e nas funções sociais

do Estado, baixando a fasquia em nome da harmonização.

É inaceitável que sejam estas as «escolhas» que nos querem oferecer. Não estamos condenados a estas

inevitabilidades. Assim haja coragem política para defender o interesse nacional, mas também, desde logo, o

direito dos povos ao desenvolvimento!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado, também pelo cumprimento quase cronométrico do tempo.

Passamos à intervenção do CDS-PP. Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado: Como o Sr. Ministro disse, sem dúvida que há um alinhamento entre aquilo que foi o discurso sobre o estado da

União — já ocorreu há algum tempo — e aquilo que são, neste momento, as prioridades das várias instituições

europeias e até as prioridades da Presidência portuguesa, que o Sr. Ministro definiu como o «tempo de agir».

Do nosso ponto de vista, não temos nada contra. Acontece que há muita coisa a definir antes de agir.

Portanto, essa ideia de que tudo está definido e de que tudo estará definido durante este período da

Presidência alemã e de que, a seguir, na Presidência portuguesa, é tempo apenas de agir, poderá ser, mas há

muita definição que tem de ser feita.

A primeira questão tem a ver com a resposta à crise, os fundos e o Orçamento. Ainda nos lembramos do

tempo em que o Sr. Ministro e o Sr. Primeiro-Ministro aqui nos pediam apoio para defender a rejeição do

Quadro Financeiro Plurianual. Pois o Quadro Financeiro Plurianual que está neste momento em cima da mesa

é pior do que aquele que os senhores nos pediam para rejeitar. Portanto, continuamos a não estar

convencidos de que o apoio conjuntural dado pelo Fundo de Recuperação compense — pelo menos, a médio

prazo — aquilo que é um mau Quadro Financeiro Plurianual.

Portanto, esta ideia de que há apoios conjunturais para necessidades estruturais não faz sentido. Há

apoios conjunturais porque também há necessidades conjunturais. Assim sendo, o Fundo de Recuperação

responde às necessidades que surgiram já depois de se ter iniciado a negociação do Quadro Financeiro

Plurianual, porque, para aquilo que é estrutural, os recursos continuam a ficar aquém.

Depois, há a questão do financiamento destas medidas. O Sr. Ministro não falou, e não se fala mais, dos

recursos próprios. Já conseguiram definir o que vão ser os novos recursos próprios? Já conseguiram definir

como é que os ditos «impostos europeus» vão existir, quem os vai cobrar, como vai cobrar e quem os vai

pagar? É que nós estamos a discutir aqui sem uma base de sustentação para aquilo que estamos a dizer que

serão as prioridades. Como é que isto vai ser financiado? Continua a não haver transparência.

Depois, há ainda uma questão de transparência nacional. Nós ouvimos dizer que é Portugal que define o

seu programa de recuperação — aliás, o Sr. Primeiro-Ministro apresentou-o hoje, não no Parlamento, mas na

Gulbenkian. Então, pergunto, porque é importante que os portugueses saibam, o seguinte: é ou não verdade

que este plano vai ser submetido à aprovação da Comissão Europeia? A resposta é de «sim» ou «não». Vai

ou não ser submetido a essa aprovação? Segunda pergunta para uma resposta de «sim» ou «não» é esta:

durante a execução do plano, vai ou não existir um conjunto de metas pelas quais Portugal vai ser responsável

e do cumprimento das quais depende a libertação de cada uma das tranches? Sim ou não, Sr. Ministro?

Por fim, há a questão do Estado de direito. Sr. Ministro, há uma situação nas fronteiras da União Europeia

que é totalmente inaceitável, que é o que se passa na Bielorrússia. Portanto, se a Presidência portuguesa quer

ter como prioridade os valores da União, entre os quais está naturalmente o Estado de direito,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — … pergunto qual será a ação da Presidência portuguesa relativamente àquilo que se passa na Bielorrússia e à possibilidade de, durante a nossa Presidência,

apoiarmos o povo da Bielorrússia a libertar-se daquilo que é uma ditadura que ainda existe em espaço

europeu.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado Nélson Basílio Silva, do PAN.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nélson Basílio Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro: O Governo elencou, no debate da semana passada de preparação para o Conselho Europeu, e voltou aqui hoje a repetir,

algumas das prioridades da Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.

Uma dessas prioridades foi o combate às alterações climáticas, objetivo que o PAN sem dúvida aplaude,

combate esse que continua muito vazio de concretizações.

É que, apesar das diversas iniciativas proclamatórias ao longo dos anos, a verdade é que as ações que a

emergência climática exige teimam em não se tornar realidade.

Mas, Sr. Ministro, permita-me que o alerte para o ataque que o Acordo Verde Europeu está, neste

momento, a sofrer. Após, em maio passado, a Comissão Europeia ter anunciado o corte em 50% do uso de

pesticidas e a redução significativa do uso de fertilizantes sintetizados, antibióticos e um aumento exponencial

da agricultura orgânica, grupos de pressão liderados pela Bayer, através do grupo de lobby Copa-Cogeca,

estão a fazer uma tremenda pressão para que essa redução seja diluída de 50% para 25%, minimizando as

exigências pretendidas. Ao mesmo tempo, pretendem reduzir a aposta na agricultura biológica.

Sr. Ministro, como sabe, este plano do Acordo Verde Europeu é vital para atingir a neutralidade carbónica

em 2050. E, apesar de essa meta já estar em risco, decerto concordará com o PAN que não devemos desistir,

nem relaxar.

Tendo em conta a ameaça que constitui a pressão que determinados setores, no caso farmacêuticas, estão

a fazer, e também porque em Portugal não raras vezes o PAN tem denunciado o crescimento desses mesmos

setores em detrimento dos habitats naturais e do nosso bem comum — por exemplo, com o uso continuado do

glifosato, quer na agricultura quer na limpeza urbana —, pergunto-lhe qual vai ser a atitude da Presidência

portuguesa no Conselho da União Europeia em relação a esta matéria.

Vai ou não a emergência climática ser um fator realmente central no mandato da Presidência portuguesa

do Conselho da União Europeia, de forma eficaz e efetiva?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do PEV.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: Em vésperas da Presidência portuguesa do Conselho, Os Verdes deixam algumas considerações, começando pela Lei

Europeia do Clima, que prevê, e bem, a redução das emissões de gases com efeito de estufa.

Mas, além das metas, que são importantes, os meios para alcançar essas metas são absolutamente

fundamentais, porque, sem meios, toda a doutrina de uma Europa mais verde acaba por cair por terra. E se,

para a União Europeia, o mercado vale mais do que o ambiente, como de resto evidencia o comércio de

emissões, está tudo dito. Ora, uma ação séria em matéria de alterações climáticas exige que o futuro das

pessoas e do planeta esteja acima do lucro.

Por outro lado, o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, com a realização da Cimeira Social para o Emprego

Justo e o Crescimento, requer um impulso forte para dar uma resposta urgente e decisiva aos problemas

concretos, agravados pela pandemia.

O que é preciso é tirar ensinamentos desta crise e recuperar a vida das pessoas. Mais do que nunca, a

União Europeia tem de mostrar que se preocupa, de facto, com a dimensão humana.

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Mas, a nosso ver, nada disso se consegue com o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e o Fundo de

Recuperação, que tornam a convergência e a coesão cada vez mais uma miragem.

Para terminar, quero deixar mais duas breves notas, Sr. Ministro. Sobre os refugiados, em circunstância

alguma se pode cair na hipocrisia de esquecer as causas e o tempo é de agir e levar a solidariedade dos

discursos para o terreno. Só assim conseguiremos salvar vidas.

A segunda nota tem a ver com o acordo com o Mercosul (Mercado Comum do Sul), que, em benefício da

transparência e da democracia, impõe um debate público, devendo Portugal exigir esse legítimo debate, que

envolva os cidadãos europeus em matérias cruciais para o nosso futuro, com implicações para a soberania

dos Estados, os direitos das populações e o ambiente.

O que pergunto, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, é se o Governo português está determinado em

fazer da Presidência portuguesa um marco em termos de influência positiva para muito do que está a falhar na

União Europeia e, sobretudo, para não aprofundar um modelo que não serve Portugal, nem a generalidade

dos povos europeus.

Aplausos do Deputado do PCP Bruno Dias.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Muito obrigado, Sr. Presidente. Sr. Ministro, é evidente que a União Europeia vive os tempos mais dramáticos da sua história. E quando a

União Europeia vive os tempos mais dramáticos da sua história, com o desemprego, com a fome e com as

falências, há partidos que estão preocupados com o pacto das migrações e com o racismo. Quando os

europeus ficam sem dinheiro na carteira e correm à busca de emprego, quando as empresas não conseguem

pagar salários nem dívidas, estamos preocupados com o pacto das migrações!

É bom que se saiba lá fora quais são as prioridades de muitos destes partidos.

Protestos do PS e do BE.

Eu sei que querem muitas migrações e imigrações, legais e ilegais, tudo o que puderem ter no mundo. Um

dia, resolverão isso com alguém.

O Sr. Ministro falou de atores globais e disse que o Estado falaria com todos, especialmente com os

Estados Unidos da América e a China. Mas há um Deputado nesta Casa, o Deputado Miguel Costa Matos —

penso que hoje não está aqui — que disse preferir o Presidente chinês ao Presidente norte-americano. Ora,

convinha que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros dissesse aqui se essa é a posição do Partido

Socialista, que prefere o ditador chinês ao Presidente democrático de um dos nossos maiores aliados

internacionais. E era importante que o Partido Socialista esclarecesse de que lado é que está da história e ao

lado de quem é que prefere estar.

Mas também era importante, Sr. Ministro, que esclarecesse finalmente os portugueses acerca do seguinte:

é ou não a favor de impostos europeus? É que o seu Primeiro-Ministro vem aqui e, num dia, diz que sim,

noutro, diz que não. Era importante percebermos se o PS é ou não a favor de impostos europeus. E também

importa saber quem é que os vai pagar e como é que os vão pagar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Mas pelas interrupções de que fui vítima enquanto falava…

Vozes do PS e do BE: — Oh!…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

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O Sr. André Ventura (CH): — Fui vítima, enquanto falava! Sr. Ministro, era bom que esclarecesse também os portugueses em relação…

Protestos de Deputados do PS.

Calma! Estão a falar muito alto.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado queira concluir.

O Sr. André Ventura (CH): — Era bom que o Sr. Ministro esclarecesse os portugueses em relação a Moçambique.

Apoiamos tudo e mais alguma coisa, falamos da Síria, de Marrocos e de todos os sítios de onde vem

imigração que, muitas vezes, não nos interessa para nada. Vamos ou não apoiar Moçambique na luta contra o

terrorismo, numa das alturas mais difíceis da sua história, em Cabo Delgado?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vamos ou não ter coragem de o fazer e vai ou não Portugal honrar a sua história ao apoiar Moçambique?

Era isso que, hoje, gostávamos de o ouvir dizer.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, acredita que a Presidência portuguesa do Conselho terá bons resultados, pois sente Portugal ao

seu lado em matérias de dimensão social.

Ora, ontem mesmo, a Comissão divulgou uma estatística sobre a percentagem de população a viver em

más condições de habitação e Portugal é o segundo país dessa lista — entenda-se: Portugal é o segundo pior.

Dezoito anos de governação PS, nos últimos 25 anos, produziram 24% de portugueses a viver em más

condições de habitação. Por isso, quando diz que Portugal a acompanha na dimensão social, a Presidente von

der Leyen deve estar a falar noutro país. Confunde a amizade que lhe interessa mostrar pelo seu amigo

António com as narrativas que a comunicação do PS vai criando. A realidade, essa coisa chata para as

narrativas, é, infelizmente, bem diferente e o problema é que von der Leyen não está habituada a lidar com

argumentos deste tipo, de «banha da cobra», cujo único objetivo é o da manutenção do poder.

Os péssimos resultados da utilização dos fundos europeus no passado confirmam isto mesmo: Portugal

está, há duas décadas, a divergir da União Europeia. Os portugueses têm hoje menos poder de compra face à

média da União Europeia do que tinham há 20 anos. E isto vai continuar, porque já se percebeu que nada vai

mudar na governação dos novos fundos.

Ninguém sabe muito bem como e quem vai avaliar, selecionar e acompanhar os projetos que serão

apoiados. Ainda ninguém percebeu como se pode garantir que, desta vez, haverá retorno social e económico

desses investimentos. Ainda ninguém nos explicou porque é que, desta vez, não vamos acabar apenas a

engrossar a montanha de dívida pública e a lamentar mais uma oportunidade perdida.

Deixo uma nota final para dizer que a Comissão sabe bem que só há recursos para a importante dimensão

social se houver crescimento económico. Para isso, não podemos acrescentar ao dirigismo estatista português

um dirigismo europeu, a definir projetos de cima para baixo, sem saber aquilo que cada nação está preparada

para executar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou concluir, Sr. Presidente.

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A União Europeia não pode continuar a engordar a máquina burocrática que tudo quer regular e

uniformizar. Portugal deveria ser a voz de alerta que exigisse que a decisão sobre boa parte dos projetos

dependesse de cada Estado-Membro. Países ricos e países pobres têm necessidades diferentes, países

grandes e países pequenos têm prioridades diferentes, países centrais e países periféricos têm interesses

diferentes.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Na política, como na vida, tratar igual aquilo que é diferente é uma injustiça, e é uma injustiça que gostaríamos de ver a Presidência portuguesa a combater.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, passamos agora à fase de encerramento deste debate.

Para uma intervenção em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios

Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Agradeço todas as intervenções e a colaboração exemplar que a Assembleia da República tem mantido com o

Governo, no sentido de que a dimensão parlamentar do programa da Presidência do Conselho da União

Europeia seja também um momento de afirmação dos valores europeus e portugueses e um momento de

afirmação do valor que Portugal acrescenta à União Europeia.

O programa apresentado pelo Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Europeus fala por si próprio e o

Governo está à disposição para tudo aquilo de que o Parlamento precisar do ponto de vista da colaboração.

Também agradeço a referência da Sr.ª Deputada Isabel Oneto ao facto de a promoção do Colégio da

Europa, neste ano, ser colocada sob inspiração de um dos maiores europeístas, o Dr. Mário Soares.

O Sr. Deputado Bruno Dias lembrou, e bem, que vivemos ainda em incerteza. Em janeiro, quando começar

a Presidência, não sabemos com que problemas novos nos vamos defrontar e que problemas antigos vão

continuar a assolar-nos, mas é exatamente quando há incerteza sobre a evolução das coisas que devemos ter

a maior clareza na nossa estratégia, nos nossos objetivos, nos nossos princípios e nos nossos modos de

atuação.

Do meu ponto de vista, ninguém melhor do que Mário Soares para nos mostrar essa orientação clara de

que precisamos, pró-europeia, mas pró uma Europa forte política e socialmente e uma Europa vibrante do

ponto de vista económico.

Queria também agradecer o apoio que o PSD manifestou, através da Sr.ª Deputada Clara Marques

Mendes, à principal prioridade da Presidência do Conselho da União Europeia por parte de Portugal, a

prioridade à Europa social. Faço minhas as palavras da Sr.ª Deputada quando chama a atenção para quão

importante é a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Este Pilar é hoje, ainda, apenas um

compromisso político assumido na Conferência de Gotemburgo, em 2018, pelos líderes europeus, mas é

necessário passar à prática e transformar o compromisso político num plano de ação.

A Comissão Europeia vai apresentar o plano de ação em fevereiro e é muito importante que não fique

sozinha e que tenha a orientação e o impulso político do Conselho Europeu para que o plano de

implementação seja concreto e, ele próprio, implementado. Esse é o sentido fundamental da Cimeira Social

que organizaremos no Porto, em maio, nos moldes que aqui descrevi.

Para ser concretizado, o Pilar Europeu dos Direitos Sociais implica avanços consistentes da Europa em

matérias de resseguro europeu do subsídio de desemprego, de garantia para a infância e para a juventude, de

apoio à igualdade de género e à igualdade salarial entre homens e mulheres, de apoio ao envelhecimento

ativo, de regulação dos rendimentos mínimos a que os europeus têm direito, quer seja o salário mínimo, quer

seja o rendimento mínimo propriamente dito.

Agradeço, portanto, o apoio do PSD a estas prioridades.

Continuando a dirigir-me a esta bancada, sabemos, evidentemente, que há processos em curso que ainda

não estão finalizados e temos contribuído ativamente, já na nossa responsabilidade de próxima Presidência,

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para que eles sejam fechados de forma positiva. Um deles é o acordo com o Reino Unido, que nos parece

essencial, quer do ponto de vista europeu, quer do ponto de vista nacional. Se essa for uma tarefa para a

Presidência portuguesa, ela desempenhá-la-á o melhor que souber e puder.

Também esperamos que, ao longo deste mês, haja acordo entre o Parlamento Europeu e o Conselho

sobre o quadro financeiro plurianual e que cessem os obstáculos que estão a ser colocados às ratificações

nacionais das decisões que o Conselho Europeu tomou em julho, designadamente sobre o Fundo de

Recuperação e sobre a necessidade de atender às regras do Estado de direito, constitutivas da nossa União,

quando aplicamos fundos europeus a que temos acesso.

Quanto à questão interna sobre os fundos, que referiu de passagem, à hora em que falo, já conheço, pelo

menos, três iniciativas, de três grupos parlamentares diferentes, justamente para que este Parlamento possa

acompanhar em permanência a execução dos fundos em Portugal.

Em relação às redes 5G, a Sr.ª Deputada conhece bem a decisão europeia e portuguesa em matéria de

requisitos de segurança que qualquer empresa, seja fornecedora direta ou indireta das redes 5G, tem de

cumprir quando se trata das redes de comunicações de infraestruturas críticas.

Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado João Almeida, que referiu que não podemos definir a

Presidência portuguesa como um tempo apenas de agir, devo dizer que o tempo de agir é o mais difícil.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Por isso mesmo!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Por isso é que esse é mesmo um dos lemas fundamentais da Presidência portuguesa.

O Sr. Deputado queixa-se de que o Conselho Europeu acrescentou ao quadro financeiro plurianual 750

000 milhões de euros ao dispor dos Estados,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Oh!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — … até 2026, não só para responderem a esta necessidade conjuntural da recuperação da economia pós-COVID, como também para usarem esta

oportunidade para a transformação estrutural da economia e da sociedade europeia.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Está bem…

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Parece-me uma queixa um pouco estranha. Finalmente, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, nada melhor do que algumas declarações que se fazem

nesta Assembleia para mostrar bem a clareza das distinções que aqui ocorrem e que fazem a riqueza do

debate democrático.

O Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo entende que só havendo crescimento económico é que pode

haver Europa social. Pois, a nossa Presidência é organizada exatamente sob a conceção contrária: só com

uma Europa social é que teremos um crescimento económico favorável ao emprego, ao rendimento e, sim,

aos direitos dos trabalhadores.

Aplausos do PS.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Pois, claro! Por isso é que não vai correr bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — O Sr. Deputado André Ventura queixa-se por falarmos de racismo quando somos assolados, de novo, na Europa pela pobreza. É exatamente por

querermos combater a pobreza, por sermos a favor da liberdade, da dignidade humana e da não

discriminação, por entendermos que todas as pessoas são iguais e livres em direitos que combatemos o

racismo.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminamos, assim, este debate, saudando novamente o Governo.

Passamos ao terceiro ponto da ordem de trabalhos, que consiste na apreciação conjunta da Petição n.º

650/XIII/4.ª (Humberto Tomaz de Sousa Almeida e Silva e outros) — Diz Não ao Paredão e dos Projetos de

Resolução n.os 549/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que reavalie a obra de prolongamento do

quebra-mar exterior do Porto de Leixões, 611/XIV/1.ª (BE) — Suspensão do processo de adjudicação das

obras de expansão do Porto de Leixões, incluindo o prolongamento do quebra-mar exterior, 616/XIV/1.ª (PCP)

— Recomenda ao Governo que garanta a aplicação de todas as medidas de redução de impacte ambiental

nas obras de prolongamento do quebra-mar de Leixões e do novo terminal de contentores e 650/XIV/2.ª (PEV)

— Intensificação e credibilização da avaliação de impacte ambiental das obras integradas no projeto de

acessibilidades marítimas ao Porto de Leixões.

Para apresentar a iniciativa legislativa do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, gostaríamos de saudar os quase 7000 peticionários que se agregaram e mobilizaram em torno desta preocupação para muitas

pessoas, nomeadamente da Área Metropolitana do Porto, desde Matosinhos até Espinho. Esta petição dá voz

a cidadãos e cidadãs, associações, empresas e entidades públicas, no fundo, a toda uma comunidade que se

uniu para expressar a sua vontade: dizer «não» ao paredão.

As preocupações dos peticionários, que acompanhamos, são várias e dizem respeito, nomeadamente, a

diferentes formas de impacto, quer a nível ambiental, quer na economia local. Sabemos bem que, desde que

esta petição foi criada, já houve vários desenvolvimentos, nomeadamente a criação, por despacho do

Governo, de um grupo de trabalho que visou encontrar uma forma de dizer a estes cidadãos e cidadãs que

iam ser ouvidos, apesar de nada do que estas pessoas reivindicavam ter sido efetivamente acolhido.

Quer as pessoas que residem na frente mar, quer as pessoas que usufruem das praias de Matosinhos até

Espinho, quer as pessoas que têm mais preocupações com os impactes ambientais, quer as pessoas que

dinamizam a economia local, nomeadamente em Matosinhos, têm elencado uma série de aspetos que não

estão, de todo, acautelados com o processo que tem sido feito.

Aliás, se relermos o relatório da Análise Preliminar das Atividades de Deslize em Ondas na Praia de

Matosinhos, veremos que ele é bem claro ao referir que esta praia se destaca como um dos principais palcos

do País para a aprendizagem de modalidades ligadas ao surf, sendo o centro desta indústria no norte de

Portugal. A praia de Matosinhos tornou-se uma referência nacional e a prática desta atividade desportiva é

bastante benéfica para a economia local.

Segundo o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, com esta obra, estimam-se perdas na economia local

que rondam os 20 milhões de euros anuais. Este mesmo Laboratório aponta um outro problema com o

prolongamento do quebra-mar exterior, o do aumento da erosão da orla costeira a sul, o que poderá levar a

episódios frequentes de galgamento.

Outro impacto diz respeito aos ecossistemas marinhos e às comunidades biológicas aquáticas associadas.

Falta ainda concretizar de forma efetiva qual o impacto no agravamento da qualidade do ar de Matosinhos,

particularmente em Matosinhos Sul, associado ao transporte rodoviário, que se prevê que cresça

substancialmente com esta obra. Estima-se que sejam perto de 1300 camiões por dia.

Sobre o argumento do aumento de competitividade do Porto de Leixões, que tem servido como principal

argumento de arremesso para a realização desta obra, em boa verdade, convém dizer que não há ainda uma

estimativa da competitividade que esta intervenção garante, isto é, não sabemos daqui a quanto tempo

ouviremos a APDL (Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo) e o Governo dizerem

que será necessário intervir novamente para atualizar o Porto de Leixões.

Estes cidadãos e cidadãs têm-nos lembrado reiteradamente da importância de serem considerados os

impactos globais e cumulativos das três intervenções previstas na obra de acessibilidades marítimas do Porto

de Leixões, devendo estas três obras integrar os estudos de impacte ambiental, de forma cumulativa.

Portanto, no entendimento do PAN, o Governo deve, tal como solicitado nesta petição, avaliar e considerar

todas as vertentes e não ter uma visão unilateral, descurando aquilo que é a importância da economia local.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, queira terminar, por favor.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Vou concluir, Sr. Presidente. Portanto, o repto que lançamos a esta Assembleia é que recomende ao Governo que reavalie as obras do

prolongamento do quebra-mar exterior do porto de Leixões e garanta a avaliação do impacto que esta obra vai

ter, nomeadamente na prática do surf, e, inclusivamente, do impacte ambiental em todos os municípios, desde

Matosinhos até Espinho.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar a iniciativa legislativa do seu grupo parlamentar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do Bloco de Esquerda.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por agradecer aos peticionários e peticionárias que tanto se mobilizaram por uma questão que tem impacto em Matosinhos,

mas também em toda a região do litoral norte. Esta é uma questão premente.

É indiscutível a importância da construção de infraestruturas portuárias que potenciem boas condições de

navegabilidade e acautelem a segurança dos navegadores.

Não é menos verdade, no entanto, que as políticas de mar, água e solos devem garantir a sustentabilidade

social, patrimonial, ambiental, salvaguardando a proteção da biodiversidade e, neste caso, o impacto na

morfologia costeira do litoral norte e centro, ainda mais quando sabemos dos efeitos das alterações climáticas

nos territórios. Quem vive em zonas costeiras sabe bem do impacto dos galgamentos, cresce e vive com

essas histórias do que já não existe por força do avanço do mar.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Ora, no projeto de expansão do Porto de Leixões existem obras que têm vindo a ser fortemente contestadas, quer pelo poder local, quer pela população, precisamente pela falta

de prevenção e cautela numa intervenção desta magnitude.

A própria Assembleia Municipal de Matosinhos decidiu, em fevereiro deste ano, pela suspensão do

concurso para o quebra-mar de Matosinhos enquanto não existir um estudo cumulativo das três intervenções

que fazem parte de toda a obra a tomar lugar no Porto de Leixões para a expansão da sua navegabilidade. E

faz sentido, Sr.as e Srs. Deputados. É, de facto, criticável e pouco avisado que se avance para o lançamento

de concursos e a assunção de compromissos com uma primeira intervenção sem que se conheçam os efeitos

cumulativos das três obras que existirão naquele local. As três intervenções em causa — intervenção no fundo

para 14 m, extensão do quebra-mar e novo terminal de contentores — afetam a mesma área, são

interdependentes e têm, de facto, impactos numa mesma zona, que se intensificam uns aos outros.

Para além disso, é sabido que este tipo de intervenção terá impactos negativos na orla costeira a sul e que

estes continuam a não ser devidamente considerados. Aliás, vários autarcas mostraram já renitência

relativamente ao impacto destas obras na costa dos seus municípios, quando ouvidos sobre o Programa da

Orla Costeira Caminha-Espinho, que propõe que se derrube edificado existente precisamente pelo efeito das

alterações da costa decorrentes de fenómenos de excesso de construção e das alterações climáticas.

Por fim, a própria Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, no parecer da

Comissão de Avaliação sobre o Processo de Avaliação de Impacte Ambiental do Quebra-Mar, dizia que

«houve a oportunidade de expressar o entendimento de que o Plano Estratégico de Desenvolvimento da

APDL deveria ser objeto de avaliação ambiental estratégica» e que este teria permitido «a uma escala

adequada, avaliar, conjugada e complementarmente, os diversos projetos objeto do Plano, bem como definir e

validar as melhores opções de desenvolvimento».

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Existe, portanto, a consciência plena da importância do Porto de Leixões, mas também da importância de

não aprofundar os efeitos da erosão costeira e o aumento do número de episódios de galgamento, já tão

frequentes na região. E esta consciência é alargada e quase consensual.

Apesar de tudo isto, a APDL e o ministério que a tutela parecem continuar a não querer prevenir para não

remediar. Fazer a avaliação ambiental estratégica do Plano e incluir a costa a sul do Porto na avaliação dos

efeitos é essencial para se avançar com todo o conhecimento para menorizar os impactos.

É por isto que voltamos a propor a suspensão da adjudicação até que se consiga agir de forma preventiva

e com a noção dos impactos cumulativos. É isso que propomos neste projeto: intervenção com peso, medida e

cautela. Não esperamos outra coisa.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao PCP, pelo que tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, gostaria de começar por cumprimentar os peticionários que trouxeram a debate as questões

relacionadas com o quebra-mar de Leixões e as respetivas obras.

Importa lembrar que, em março deste ano, face a informações que tinham vindo a público dando nota que

a APDL se preparava para adjudicar a obra de prolongamento do quebra-mar, e tendo a APDL, à altura,

afirmado publicamente que já teria parecer positivo de todas as entidades necessárias para concretizar a obra,

o PCP, conhecendo as preocupações diversas que tinham sido manifestadas, questionou o Governo

exatamente sobre este assunto.

O enquadramento desta obra num conjunto de investimentos muito mais vastos, que compreendem a

reconversão do terminal de contentores sul e a requalificação do porto de pescas, a par das legítimas

preocupações das populações e das autarquias da área afetada no que concerne aos impactos provocados no

ambiente, nomeadamente ao nível da qualidade da água da praia, das consequências na prática balnear e nos

desportos náuticos, do excesso de contentorização no terminal de contentores sul — aliás, paredes-meias

com uma das principais áreas de restauração da cidade de Matosinhos —, dos efeitos do aumento de carga

transitada sobre a mobilidade e a rede viária do concelho, assim como as consequências para o porto de

pesca, são elementos que nos suscitam preocupação.

As legítimas dúvidas e preocupações levantadas pelas populações, que conduziram mesmo a tomadas de

posição autárquicas, incluindo a consideração de, então, não dever haver lugar a nenhuma adjudicação

enquanto não fossem avaliados todos os estudos de impacto relativos a todos os investimentos previstos, de

forma global e cumulativa, bem como a forma negativa como a APDL desenvolveu a fase inicial do projeto,

sem partilhar informação com as autarquias e com as populações, o que, aliás, conduziu à constituição de

uma comissão de acompanhamento do projeto, envolvendo a APDL, representantes das autarquias e

representantes de atividades económicas potencialmente afetadas — e importa lembrar que este mesmo

grupo passou vários meses sem reunir, não havendo informações nem esclarecimentos aquando da

adjudicação da obra do quebra-mar — levaram a que o PCP tivesse questionado, em março, o Governo sobre

o ponto de situação do concurso, sobre os compromissos que haviam sido assumidos pela APDL

relativamente ao acompanhamento deste projeto, bem como sobre o ponto de situação dos estudos de

impacte ambiental e respetiva avaliação relativamente a todos os investimentos previstos, tendo assinalado

que, sem todos os estudos efetuados, não haveria condições para avançar com a obra.

Em agosto deste ano, foi conhecido o estudo de impacte ambiental, do qual destacamos duas observações

que, por nos suscitarem preocupações, vão ao encontro do que já tínhamos assinalado.

Passo a citar: «A localização escolhida para o projeto irá exigir a reformulação parcial do porto de pesca, o

que representa um potencial negativo nesta atividade.» Sobre o porto de pesca de Matosinhos e as condições

de desenvolvimento da atividade de comércio de peixe, o PCP já afirmou que temos assistido a várias

alterações à organização do espaço destinado a estas atividades, alterações à localização dos espaços de

conservação frigorífica do pescado e dos espaços comerciais associados às vendas e à própria

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reconfiguração dos braços de acostagem, sendo necessário garantir que estão a ser tomadas todas as

medidas para defender esta atividade e a sua modernização.

Citando novamente o estudo de impacte ambiental, importa lembrar que «o novo terminal potenciará um

impacte visual negativo na paisagem envolvente, ainda mais significativo que o prolongamento do quebra-mar,

não só pela grandiosidade do projeto, como pela proximidade que este apresenta ao núcleo histórico de

Matosinhos e Leça da Palmeira».

Estes elementos, que vão ao encontro das preocupações que o PCP tem manifestado, merecem,

naturalmente, a nossa preocupação.

Temos considerado, desde sempre, o Porto de Leixões como uma das grandes alavancas do

desenvolvimento económico da região Norte e do País e os investimentos na modernização do porto são bem-

vindos e necessários, tendo em conta que este é o porto mais utilizado para as exportações das empresas da

região. No entanto, as características especiais deste porto, que convive paredes-meias com os núcleos

urbanos de Matosinhos e Leça da Palmeira, têm de garantir um diálogo com a comunidade, para assegurar,

simultaneamente, o desenvolvimento do porto e a melhoria das condições de vida das populações.

Assim, temos insistido na necessidade do envolvimento efetivo e profundo das populações e de todos os

que serão atingidos por estas alterações, devendo as suas preocupações ser consideradas na execução desta

obra.

Por isso mesmo, apresentamos esta iniciativa, para que se assegure a aplicação de todas as medidas

necessárias e recomendadas, nomeadamente no estudo de impacte ambiental já publicado, no sentido da

minimização do impacto desta intervenção, envolvendo todas as partes interessadas e tendo em consideração

as preocupações na concretização deste projeto.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção é do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», pelo que tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes iniciam a sua intervenção saudando os milhares de peticionários que sobrescreveram a petição «Diz Não ao Paredão», que se refere

aos impactos ambientais e socioeconómicos da obra do prolongamento do quebra-mar do Porto de Leixões.

Esta é uma questão que o Partido Ecologista «Os Verdes» tem vindo a seguir, acompanhando as

preocupações da população, das autarquias e dos diversos setores de atividade.

Os Verdes questionam a decisão da APA (Agência Portuguesa do Ambiente) de não ter avançado com os

estudos complementares, através dos quais seria possível conhecer os impactos que a obra terá sobre as

atividades económicas, a prática desportiva, a atividade balnear e turística na envolvência do projeto.

Não foram, até hoje, considerados os impactos globais e cumulativos das três intervenções previstas na

obra de acessibilidades marítimas do Porto de Leixões, apesar de as obras concorrerem para a mesma

finalidade e sendo o ambiente claramente afetado pelos projetos, entre as praias de Matosinhos e a zona do

estuário do rio Leça.

No caso do estudo de impacte ambiental do terminal de contentores as ações de monitorização e

acompanhamento propostas limitam-se à qualidade do ar e ao ruído, não contemplando a monitorização da

qualidade das massas de água.

Ora, Os Verdes insistem na premência de um estudo cumulativo sobre os impactos ambientais e sociais do

conjunto das obras em questão, numa perspetiva de avaliação ambiental estratégica, por forma a aferir, com

rigor e precisão, os impactos globais e respetiva interligação das obras em questão, tanto mais que as suas

fases de execução poderão vir a coincidir. Assim se aferirá se será possível o desenvolvimento das obras do

projeto de modo sustentável e respeitando a pesca, o turismo, as atividades desportivas, a restauração e a

hotelaria.

A Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo prevê a adjudicação da obra de

prolongamento do quebra-mar no último trimestre de 2020, tendo a APDL garantido que a adjudicação só terá

lugar com o título de impacte ambiental das restantes empreitadas, em cumprimento do acordado com a

autarquia de Matosinhos.

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A declaração de impacte ambiental pressupõe um prazo de cinco anos para a avaliação do impacto do

projeto na prática de desportos de ondas nas praias de Matosinhos e Internacional, o que presume que

somente a posteriori sejam definidas medidas em função das conclusões obtidas, não havendo neste

momento lugar a uma previsão sobre possíveis respostas a estes impactos.

Este facto é inadmissível e perverte toda a lógica da utilidade de instrumentos relevantes da política

ambiental, provando-se que, muitas vezes, estes constituem mais um pró-forma do que propriamente uma

base séria para uma tomada de decisão ambientalmente sustentável.

Os Verdes não podem pactuar com esta perversão e, nesse sentido, o projeto de resolução que trazemos

hoje a discussão considera que é urgente que se determine que as obras não avançam sem a realização de

uma avaliação ambiental séria e completa; que sejam tornados públicos os estudos dos impactos do projeto

do prolongamento do quebra-mar sobre a prática de desportos de ondas e sobre o valor económico atual na

praia de Matosinhos e na praia Internacional, tornando possível a definição atempada de medidas ou

alternativas ao projeto, por forma a compatibilizar esta atividade com as restantes atividades existentes; que

seja garantida a monitorização contínua da qualidade da água, no âmbito do acompanhamento ambiental das

áreas afetadas por cada um dos projetos; e, por último, que se assegurem as condições para uma ampla

participação e envolvimento do público interessado na avaliação dos impactos das obras do Porto de Leixões,

aspeto democrático que tem sido frequentemente esquecido, mas que a dimensão desta petição vem

sublinhar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero saudar os peticionários e dizer-vos que a posição da Iniciativa Liberal sobre o tema do paredão é muito simples: é preciso parar as

obras e solicitar a avaliação global do projeto de expansão do Porto de Leixões, nas suas três fases, de forma

conjunta e integrada.

Falta também uma análise da racionalidade económica e o conhecimento dos impactos do novo terminal

de contentores, sem o qual a extensão do quebra-mar não se justifica.

É preciso conhecer os impactos a nível das outras atividades económicas, como o turismo, o comércio e o

imobiliário, além dos impactos a nível de mobilidade, ambiente e malha urbana.

Este novo terminal vem alterar significativamente o enquadramento urbano da tradicional zona de pesca e

restauração de Matosinhos Sul, a qual tem tido bastante sucesso. Para além disso, o paredão em si terá

impactos na praia de Matosinhos e nos areais de Matosinhos, Porto/Foz e Gaia, daí a oposição de várias

associações e grupos ligados aos desportos marítimos, com os quais concordamos.

É imperiosa também a definição estratégica do que se pretende para o Porto de Leixões. Vai ser um porto

de transshipment, um hub ou um feeder? Nas últimas décadas, o Porto de Leixões tem tido sucesso como

feeder, flexível e ágil, e não parece que possa crescer para um hub competitivo, com as limitações de espaço

que existem.

Assim, corre o risco de se transformar em mais um «elefante branco», com o dinheiro dos contribuintes, a

que os Srs. Socialistas tanto nos habituaram, com a agravante de, neste caso, destruírem outras atividades

económicas e, consequentemente, a qualidade de vida dos cidadãos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção será da Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do CDS-PP.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria começar por saudar os peticionários, a sua mobilização e, sobretudo, o facto de terem feito com que esta decisão, que é uma decisão

muito séria, tenha podido ter uma discussão pública e o envolvimento das populações e não ter sido, pura e

simplesmente, tomada nas suas costas, coisa que, creio, durante muito tempo, era o que estava a ser

preparado.

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Nesta matéria, que trata da construção do prolongamento de um quebra-mar exterior no Porto de Leixões,

associado a outras obras no Porto, há dois interesses em causa, e acho que isto deve ser dito às pessoas com

frontalidade porque são, ou podem ser, interesses conflituantes.

O estudo de impacte ambiental diz que a construção do prolongamento do paredão, na sua dimensão

prevista de 300 m, pode mudar de facto, e em permanência, as praias do Porto e de Matosinhos, ou seja,

pode haver nestas praias e, sobretudo, na envolvente marítima relevantes consequências ambientais,

relevantes consequências no uso da praia, porque, por alterar a ondulação, pode tornar impossível a prática

de desportos de ondas nas praias, ou em algumas praias do Porto e de Matosinhos, e quem as conhece

percebe que isto altera radicalmente o uso que lhes é dado. Portanto, uma decisão destas não pode ser

tomada de ânimo leve.

Por outro lado, também é bom que se perceba que o Porto de Leixões precisa, de facto, de investimentos

para receber navios de maiores dimensões e para continuar a ser o Porto mais significativo do noroeste

peninsular em porta-contentores. Se não forem feitos investimentos no Porto de Leixões, ele vai perder

competitividade. Esta também é uma realidade e é bom que estejamos conscientes dela.

A petição que hoje apreciamos permitiu que houvesse ampla discussão pública, que houvesse um grupo

de acompanhamento que envolveu as autarquias, a população e os parceiros económicos e que, é certo, teve

alguns avanços em algumas questões, mas continuou sem responder a uma pergunta essencial: há ou não

alternativa? Continuam sem explicar e a APDL continua sem oferecer garantias de que a única forma de fazer

aquela expansão é através da extensão do molhe em 300 m.

Há uma solução alternativa que muitos têm proposto e que permitiria compatibilizar as necessidades de

competitividade do Porto de Leixões, que são muito importantes, com as praias do Porto e de Matosinhos, que

também são importantes. Essa solução seria a construção de um molhe de dimensão inferior, que não

ultrapassasse os 200 m. Trata-se de uma solução que pode e, como é óbvio, deve ser estudada, antes de se

avançar para a construção do alargamento.

Por isso, concluiria dizendo que concordo com os projetos que propõem a suspensão e a necessidade de

reavaliação do prolongamento do quebra-mar, mas discordo, como se percebeu, de alguns dos fundamentos

com que o fazem.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — É agora a vez de intervir do Sr. Deputado Pedro Sousa, do Partido Socialista.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Sousa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Porto de Leixões é, indiscutivelmente, um dos principais motores económicos do nosso País.

Trata-se de uma infraestrutura portuária que, além de integrar um importante porto de pesca, é a porta de

saída de mercadorias oriundas da pujante região Norte para mais de 180 países.

Com um movimento anual de cerca de 19,5 milhões de toneladas, em 2018, o Porto de Leixões terá

mesmo representado, aproximadamente, 11% do PIB da região Norte e 6% do PIB nacional, implicando cerca

de 20% do emprego no concelho de Matosinhos e 11% na região Norte.

De facto, o Porto de Leixões tem registado um crescimento do número de contentores movimentados e de

procura por parte de navios porta-contentores de maior dimensão, fatores que resultam no importante desafio

da sua modernização, sob pena de perder competitividade.

Aqui chegados, deparamo-nos com o fundamento dos projetos de resolução hoje em debate e a razão pela

qual mais de 6000 cidadãos apresentaram uma petição a este Parlamento.

Apesar de concordarem com a necessidade de modernização do Porto, apresentam-nos um conjunto de

preocupações em relação aos impactes ambientais dos investimentos, preocupações que o Grupo

Parlamentar do Partido Socialista acompanha, saudando, por isso, os peticionantes que nos fizeram chegar os

seus anseios e pensamento crítico.

Já em relação aos projetos de resolução, apraz-me recordar Gandhi, que dizia que «diferendos honestos

são muitas vezes um sinal saudável de progresso».

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Pois bem, infelizmente, não podemos encarar todos os projetos dessa forma, já que, nos seus

considerandos e recomendações, pecam por falta de rigor e assertividade.

Na verdade, se, por um lado, não podemos desvalorizar os impactes ambientais, também não deixa de ser

verdade que grande parte das preocupações manifestadas ficou já dirimida, pois mereceu correspondência na

declaração de impacte ambiental e no parecer da comissão de acompanhamento do projeto do novo terminal

de contentores.

De facto, em relação à obra do quebra-mar, que mereceu «parecer favorável condicionado», é referido que,

e passo a citar, «(…) serão gerados efeitos muito positivos na criação de emprego e dinamização das

atividades económicas (…)», designadamente «(…) no setor dos transportes, restauração, hotelaria, entre

outros (…).»

Também as preocupações relativas ao impacto na prática de desportos de ondas estão vertidas na

declaração de impacte ambiental, tendo a APDL já contratualizado um estudo para caraterizar o valor

económico desses importantes desportos, podendo haver lugar a medidas compensatórias.

No que concerne à qualidade da água balnear, apesar da relativa turbidez na fase de obra, o estudo

concluiu que a mesma não será afetada durante a exploração.

A nível da geomorfologia, é considerado que «são expectáveis impactes positivos (…) nos setores norte e

central e negativos no setor sul, em ambos os casos de magnitude moderada, podendo os impactes negativos

ser minimizados através de reperfilamentos (…)».

Sr.as e Srs. Deputados: É, assim, importante destacar as medidas de minimização dos impactes

ambientais, bem como a previsão dos programas de monitorização, designadamente, a nível da evolução

costeira, do património cultural, da qualidade da água, da macrofauna bentónica e do ambiente sonoro.

Em todo este processo, há que salientar o papel do grupo de acompanhamento, que, a par das reuniões

com a comunidade local, encomendou a instituições de referência internacional um conjunto de estudos

complementares, os quais acabaram por corroborar as conclusões apresentadas.

Há ainda que atender à posição assumida pelo Sr. Ministro das Infraestruturas, que afirmou que houve

«uma aproximação às preocupações manifestadas pela Câmara de Matosinhos» e que só «haverá lugar à

adjudicação da obra do quebra-mar após apreciação da obra do novo terminal de contentores», que, como é

sabido, ainda não tem a avaliação de impacte ambiental concluída, mas que esta deverá contemplar os

impactes cumulativos, conforme estudo de impacte ambiental reformulado.

Sr.as e Srs. Deputados: Devemos pensar global e agir local. Esta é uma matéria que deve implicar máxima

racionalidade na apreciação global e elevado sentido de Estado na decisão. Máxima racionalidade porque

temos de considerar a importância estratégica, económica e social do porto de Leixões; elevado sentido de

Estado para assumir as decisões que acautelem os interesses nacionais, não coloquem em causa a

comparticipação comunitária e contribuam para a recuperação económica nacional.

O trinómio «progresso, proteção ambiental e respeito pela identidade local» deverá ser honrado e

maximizado.

Sr. Presidente, termino, recordando Auguste Comte, quando afirmou que «o progresso é a lei da história da

humanidade e o homem está em constante processo de evolução».

Saibamos construir a história com visão progressista, evoluindo no nosso próprio pensamento, sempre no

estrito respeito pelo bem-estar das gerações vindouras e pela defesa do equilíbrio ambiental, pois, assim,

estaremos também a salvaguardar o futuro da própria humanidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para terminar este ponto da nossa ordem de trabalhos, tem a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Alberto Machado.

O Sr. Alberto Machado (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje uma petição subscrita por mais de 6500 cidadãos, que saúdo, intitulada «Diz Não ao Paredão», a qual realça a importância

económica do Porto de Leixões mas contesta este projeto pela versão parcelar do estudo de impacte

ambiental encomendado e pela falta de resposta a diversas questões de caráter ambiental e económico.

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O projeto de prolongamento do quebra-mar e das novas acessibilidades marítimas é justificado pela APDL

com a necessidade de haver um outro terminal de contentores para navios de maiores dimensões. E sabe-se

que a APA aprovou esta obra com condicionantes, suportada nesse estudo de impacte ambiental que avaliou

apenas uma parte do projeto global e não aprofundou o verdadeiro impacte ambiental que toda a obra terá no

concelho de Matosinhos e nos concelhos adjacentes, bem como na frente de mar.

A primeira questão que se deve colocar é a seguinte: por que razão é que uma obra desta importância e

relevo se encontra dividida a nível dos estudos e projetos? O que é que está a ser escondido? É que os

portugueses já estão, de certa forma, cansados das obras faraónicas do Partido Socialista, que depois se

verifica não estarem suportadas nos devidos estudos e que rapidamente se transformam em «elefantes

brancos». Tal é o caso do aeroporto de Beja, da Parque Escolar, entre muitos outros exemplos que não

queremos ver continuados.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Alberto Machado (PSD): — Para o PSD, este é um modus operandi com o qual não podemos estar de acordo.

Numa leitura atenta do estudo de impacte ambiental, podemos concluir pela falta de previsão e de

avaliação das consequências sobre a qualidade da água e do ar, face ao aumento da poluição previsto.

Conclui-se também que faltam estudos complementares às consequências destas obras nas praias a sul

do molhe, nomeadamente a nível da ondulação e da deposição de areia.

Parece certo que a praia de Matosinhos ficará quase sem ondulação, impedindo a prática de desportos de

ondas, tão importante nesta região. Mas o que acontecerá nas praias do Porto, de Vila Nova de Gaia e de

Espinho? Não se sabe.

Também não foram estudados os impactos na qualidade da água balnear e de que forma esta obra vai

implicar nas condições de segurança dos banhistas.

Estão por avaliar e esclarecer questões a nível das correntes que transportam os resíduos sólidos do rio

Douro e que poderão, com a extensão do paredão, transformar a praia de Matosinhos num depósito de lixo.

Também o LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) aponta para a redução da agitação marítima e

para o aumento da erosão nas praias a sul, o que poderá levar a episódios de galgamento.

Vários especialistas em navegação questionam o comprimento do paredão proposto. Porquê 300 m? Esta

é uma questão para a qual não se vê resposta séria em nenhum dos documentos acessíveis ao público.

Por outro lado, na sempre muito importante vertente económica do Porto de Leixões, fica por esclarecer o

real impacto desta obra no Porto de Leixões, sobretudo em quantos anos permitirá prolongar a competitividade

deste Porto.

As populações não compreendem por que razão o projeto do novo terminal de contentores está tão

escondido. É evidente que o Porto de Leixões precisa de aumentar a sua capacidade de movimentação de

contentores, mas fazer uma obra desta dimensão, sustentando que o futuro está nos navios de 5000 TEU

(twenty-foot equivalent unit), parece não se justificar pelo facto de o Porto de Leixões não ser um porto de

transhipment, onde estes grandes barcos fazem escala. É internacionalmente reconhecido que os grandes

navios porta-contentores servem quase exclusivamente os portos transhipment, cujo hinterland inclui grandes

centros de consumo e zonas industriais de grande dimensão, o que não é o caso.

Se não é o caso, sejam transparentes e respondam: qual é a relação entre esta obra e o projeto do

Governo para a exploração e refinação do lítio?

O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Muito bem!

O Sr. Alberto Machado (PSD): — Não estará esta obra a esconder uma «Galambice»?

Risos de Deputados do PSD.

Também não estão explicadas as consequências do novo terminal do porto de pesca, cuja área de

implantação e de acostagem ficará significativamente reduzida.

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Queremos saber quais os impactos desta obra na frota de pesca e na restauração de Matosinhos, um dos

locais de excelência de comércio de peixe, com um projeto a indiciar a deslocalização do porto de pesca não

se sabendo ainda para onde, quando e, efetivamente, para quê. Este é um rude golpe para o concelho e as

populações de Matosinhos, para a sua vida económica ligada à pesca e à restauração.

Acresce que a obra nunca deveria começar sem que antes se conheça quais são as manobras destes

grandes navios na atracação e largada, estando outros navios no terminal. No mínimo, devia haver um estudo

de simulação, dado que os próprios técnicos da APDL dizem não ser possível realizar tais manobras.

O estudo de impacte ambiental negligenciou, também, a quantidade de rocha a quebrar e a dragar: um

milhão e oitocentos mil metros cúbicos na zona de passagem dos navios.

Realizar esta obra pode significar uma derrapagem brutal de custos, perturbações no funcionamento do

Porto, prolongamento da obra muito para além do prazo, e são mais de 1200 camiões por dia.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir.

O Sr. Alberto Machado (PSD): — Termino já, Sr. Presidente. Vários técnicos ouvidos, no período de discussão pública, pelas organizações e instituições locais apontam

para que a APDL não deve priorizar o prolongamento do quebra-mar antes de garantir, primeiro, a já hoje

necessária reformulação do terminal de contentores, questão fundamental para garantir o retorno do

investimento.

Neste cenário, o PSD entende ser essencial realizar os estudos em falta, para que se possa saber com

clareza e transparência quais os reais impactos ambientais e económicos desta obra.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A Mesa cometeu um lapso, porque não verificou que ainda havia tempo de intervenção para o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, que o quer utilizar, com toda a

legitimidade.

Tem, portanto, de novo, a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, para uma intervenção.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ouvindo atentamente o Sr. Deputado Pedro Sousa, parece-me que as desculpas são várias mas que não existiu um acompanhamento,

apesar de ser de Matosinhos, assim tão concreto relativamente à obra e às alterações aos novos estudos

sobre o Porto.

O grupo de trabalho de acompanhamento não acompanhou assim tanto — até já foi referido que várias

reuniões não existiram — e a transparência não aumentou. Aliás, o próprio Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda solicitou à administração da APDL o estudo de viabilidade económica e este não lhe foi facultado.

Apenas temos um estudo de impacte ambiental do novo terminal de contentores, que já deveria existir e ainda

bem que existe.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira concluir.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — O que este estudo não tem em conta é a quantidade cumulativa de impactos que têm os diferentes estudos de impacte ambiental. Se os somar, não querendo ser demagógica,

talvez tenham mais impacto na paisagem e nos recursos hídricos superficiais do que aquilo que veio dizer há

pouco.

De facto, negar as alterações climáticas não é progressista, é negacionista.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Havendo ainda 6 segundos para o Partido Socialista, o Sr. Deputado Pedro Sousa tem a palavra, para uma rápida intervenção.

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O Sr. Pedro Sousa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria apenas esclarecer o Bloco de Esquerda sobre o facto de, em julho deste ano, ter sido entregue à comissão de acompanhamento e à APA

um estudo reformulado, onde constam todos os impactos cumulativos das três obras.

Pedia, depois, à Mesa que fizesse o favor de fazer chegar este documento a todas as bancadas

parlamentares, principalmente à do Bloco de Esquerda.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito bem, Sr. Deputado, com certeza. Terminamos, agora sim, este ponto da ordem de trabalhos e passamos ao quarto e último ponto, que trata

da apreciação conjunta da Petição n.º 637/XIII/4.ª (Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e

Telecomunicações) — Solicitam que a profissão de carteiro seja qualificada como de desgaste rápido, e do

Projeto de Resolução n.º 657/XIV/2.ª (BE) — Pela regulamentação da atividade de carteiro, com vista à

redução do desgaste resultante do exercício da atividade e à garantia das condições de segurança e saúde no

trabalho.

Para apresentar esta iniciativa legislativa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Bloco de

Esquerda.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: Na semana passada foi celebrado o Dia Mundial dos Correios. Nesse mesmo dia, 9 de outubro, um conjunto de trabalhadores dos

CTT (Correios de Portugal) estiveram concentrados, de forma a reclamar respostas há muito necessárias para

estes profissionais, respostas essas que hoje debatemos.

São estas respostas necessárias que esta petição nos leva a debater e, desde já, saúdo os representantes

dos peticionários e do sindicato aqui presentes.

Sr.as e Srs. Deputados, basta ler o que nos relata a petição para perceber a realidade de que estamos a

falar. Se analisarmos as cargas físicas que são deslocadas pelos carteiros, em média, podemos chegar ao

ponto de, num ano, um carteiro apeado transportar cerca de 7200 kg, percorrendo cerca de 1900 km. Quando

falamos de carteiros motorizados, por exemplo, também existem níveis elevados de carga física, com o

acréscimo de montar e carregar os veículos.

Agora, pensemos no impacto que isto tem na vida de um carteiro que inicia a sua profissão aos 20 anos de

idade e se reforma aos 66 anos de idade.

São anos e anos de trabalho a executar a mesma função, que tem consequências de longo prazo, do ponto

de vista físico. Sabemos que o seu esforço físico é tremendo, bem como as mazelas que deixa no corpo para

sempre. A acrescer a isto, as condições climatéricas adversas que têm de aguentar enquanto fazem o seu

serviço são mais um fator de desgaste e, mais ainda, a pressão psicológica decorrente do contacto diário com

os utentes.

Este ponto tem uma especial relevância numa altura em que os índices de qualidade estão, por anos

consecutivos, abaixo do que é requerido.

O carteiro é, para muitas pessoas no nosso País, um dos únicos pontos de contacto com o Estado ou com

algum tipo de serviço público. É uma função social absolutamente relevante.

Devido à gestão privada dos CTT, nos últimos anos, a organização do trabalho dos carteiros tem sofrido.

As más opções feitas a nível da gestão têm impacto no dia a dia de quem trabalha e de quem lida diariamente

com o descontentamento de tantos utentes, sendo crescente o número de trabalhadores com baixas por

problemas de saúde, não só físicos, mas também psicológicos.

Sr.as e Srs. Deputados, muitas vezes, nesta Câmara, discutimos a temática do desgaste rápido em várias

profissões. Na maior parte das vezes, esse problema chega-nos através de petições dos próprios

trabalhadores. Isto deveria alertar-nos para a dimensão real do problema.

De igual modo, o Bloco de Esquerda tem vindo a alertar para o crescente número de profissões e de

trabalhadores que têm encetado estas lutas para melhorar as condições de quem trabalha em Portugal. Não é

por acaso que cada vez mais profissões, de diferentes setores de atividade, têm pedido o reconhecimento da

sua profissão como de desgaste rápido, como acontece hoje.

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Entendemos, por isso, que é necessário garantir que os trabalhadores desenvolvam a sua atividade em

condições de saúde e de segurança no trabalho. É necessário existir uma regulamentação laboral da sua

atividade que garanta estas condições e, também, as condições de reforma que lhes são devidas, no caso do

desgaste rápido, até antecipada, para além das condições de saúde acrescidas no posto de trabalho.

Sr.as e Srs. Deputados, no caso dos carteiros, esta reivindicação é absolutamente justa. No caso dos CTT,

têm sido os trabalhadores que mais têm sofrido com a gestão privada, que amanhã mesmo debateremos e

que urge reverter. Esta gestão privada tem tido influência tanto no despedimento de trabalhadores como nas

suas condições de trabalho, na organização do trabalho e, também, na própria forma como o serviço cada vez

menos chega aos utentes do nosso País.

É às condições de trabalho dos carteiros a que o Parlamento deve dar reposta e é a isso mesmo que o

Bloco de Esquerda apela no seu projeto.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-nos saudar todos os carteiros, no ativo e na reforma, todos os trabalhadores dos correios e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios

e Telecomunicações aqui presente.

Com a sua resistência, de hoje e de sempre, os trabalhadores dos correios, em particular os carteiros, têm

vindo a ser confrontados com o agravamento das condições de trabalho a um nível insuportável.

Desde que foi iniciado o caminho com vista à privatização da empresa, em 2013, o encerramento de

serviços, a sobrecarga de trabalho, o ataque aos direitos laborais e a quantidade crescente de «giros em

dobra» são múltiplos fatores que contribuem para uma exploração e um desgaste inaceitáveis dos

trabalhadores.

Os trabalhadores e as suas organizações foram alertando para os gravíssimos problemas no

funcionamento do serviço postal e, ao mesmo tempo, para a inaceitável situação que se está a verificar, em

resultado deste modelo de organização que os CTT estão a implantar, agravando a precariedade laboral,

reduzindo postos de trabalho, aumentando os ritmos de trabalho, reduzindo o rendimento dos trabalhadores,

prejudicando os utentes, que recebem o seu correio, por vezes, com vários dias de atraso, e prejudicando as

empresas, que recebem as suas correspondências quase no final do expediente.

Mais recentemente, a administração dos CTT, sob a capa de um pretenso plano de modernização e

investimento, tem vindo a agregar diversos centros de distribuição, fazendo deslocar por conta própria

centenas de trabalhadores para dezenas de quilómetros de distância das suas residências e criando

condições para que a distribuição do correio seja feita ainda mais tarde e degradando ainda mais a já péssima

qualidade de serviço e as péssimas condições de trabalho.

Ouvimos a propaganda em torno da contratação de 800 trabalhadores, no entanto, as contas do primeiro

semestre de 2020 rapidamente desmentiram tal cenário, indicando que tinha havido, de facto, uma redução de

536 trabalhadores num ano.

A situação só não é pior graças à enorme dedicação e esforço dos trabalhadores, que têm levado a cabo

inúmeras ações de luta, reivindicando a admissão de mais trabalhadores e a melhoria das condições, para

acabar com a sobrecarga a que estão sujeitos e para poderem prestar um serviço de melhor qualidade.

A resposta da empresa à epidemia da COVID-19 foi desastrosa. Ao invés de contratar os trabalhadores

necessários para assegurar a operação em condições de segurança, a gestão privada manteve a linha de

redução de trabalhadores, despedindo todos os contratados a prazo, atacando os trabalhadores

condicionados, não renovando contratos com muitos dos agenciados e sobrecarregando brutalmente os

trabalhadores das áreas operacionais, quer nas cargas de trabalho que tiveram de suportar, quer nos riscos

acrescidos que tiveram de assumir.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, o trabalhador não é uma peça descartável e a passagem à reforma não é

álibi para a exploração e a selvajaria. É preciso ouvir os trabalhadores e as suas organizações e dar resposta

concreta aos problemas.

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Nesse sentido, procurando contribuir para esse debate e essa resposta, o PCP apresentou, nesta

Assembleia, o Projeto de Resolução n.º 717/XIV/2.ª, propondo que o Governo tome medidas para a definição

e regulamentação de um regime laboral e de aposentação específico para os carteiros, considerando o

especial risco e penosidade em que executam o trabalho a que estão adstritos, em articulação com as

organizações representativas dos trabalhadores, sem prejuízo de disposições mais favoráveis previstas em

instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

Mas se é verdade o que os trabalhadores dizem, que «a luta continua», também é caso para dizer que este

debate continua, e continua já amanhã. É que temos, amanhã, o agendamento do debate das propostas

legislativas pelo regresso dos CTT à esfera pública, para que a empresa e o Grupo CTT voltem a ter como

referência o serviço público, o serviço às populações, às regiões, à economia e o respeito pelos trabalhadores,

pelos seus direitos e pelas condições de trabalho. São etapas deste mesmo caminho e a gente vai continuar.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são para, em nome de «Os Verdes», saudar os milhares de cidadãos que subscreveram esta petição, bem

como o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações, que a promoveu e

dinamizou, e que solicitam que a profissão de carteiro seja qualificada como profissão de desgaste rápido.

Os peticionantes, no texto que dá corpo à petição, justificam devidamente esta sua reivindicação, cujos

fundamentos assentam sobretudo em três elementos centrais: primeiro, a pressão e o stress que a profissão

de carteiro exige no exercício da sua atividade, decorrente, nomeadamente, da necessidade de cumprir prazos

rigorosos e objetivos, relacionados com o próprio serviço postal em geral, mas também da responsabilidade

que decorre da entrega de notificações judiciais e comunicações de outras entidades públicas, bem como

correspondência que implica o cumprimento de obrigações legais; segundo, o desgaste emocional ou físico

provocado pelo esforço diário de quem tem de puxar, seja a subir, seja a descer, um carrinho de 30 kg,

durante 8 km, em 5 horas, ou de um carteiro que, fazendo o transporte de correio em motociclo, tem de montar

e desmontar o motociclo dezenas e dezenas de vezes todos os dias de trabalho; por fim, mas não menos

importante, os peticionantes evocam as próprias condições de trabalho, já que a prestação de trabalho do

carteiro é, na grande maioria das vezes, desenvolvida no exterior, ficando estes profissionais sujeitos a um

conjunto de adversidades climáticas pouco comuns na generalidade das profissões.

De facto, assim é: faça chuva ou faça sol, os carteiros fazem o seu importante trabalho durante as quatro

estações do ano.

Acresce ainda que estes profissionais têm, muitas vezes, de enfrentar mudanças climáticas bruscas, o que,

associado ao peso do carrinho que têm de transportar durante 5 horas no seu dia de trabalho, provoca e

potencia sérios problemas, nomeadamente de coluna.

Portanto, sem ignorar a necessidade de revisitar outras matérias laborais no sentido de garantir que os

trabalhadores desenvolvam a sua atividade em condições de saúde e segurança no trabalho, importa, a nosso

ver, proceder, desde já, à revisão da regulamentação da profissão de carteiro, por forma a proporcionar

condições que protejam estes trabalhadores, procurando reduzir o desgaste provocado pelo exercício dessa

atividade e garantindo as condições de saúde e segurança no trabalho.

Gostaria de deixar três notas finais, para dizer o seguinte: primeira, que as condições de trabalho dos

carteiros se agravaram muito com a gestão privada dos CTT e que, amanhã, como já aqui foi referido, teremos

oportunidade de reverter essa privatização, assim haja vontade política; segunda, que Os Verdes comungam

integralmente das preocupações e dos propósitos dos peticionantes e acompanham a iniciativa legislativa do

Bloco de Esquerda que também está em discussão; terceira, para lembrar que se a alteração à lei das

petições, «cozinhada» e aprovada pelo PSD e pelo PS, já estivesse em vigor, esta petição, que incide sobre

uma matéria tão importante, não subiria a Plenário, porque não teria as assinaturas suficientes,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem lembrado!

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O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — … o que seria absolutamente lamentável para não dizer outra coisa mais séria.

Aplausos de Deputados do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, cumprimento os peticionários, mais de 5000, e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e

Telecomunicações.

Vou dizer aquilo que já disse várias vezes relativamente a agendamentos da mesma natureza. A questão

das profissões de desgaste rápido analisada individualmente tem um contexto completamente diferente

daquilo que tem de ser uma análise global, com critérios claros e com uma tabela para, àquelas que sejam

profissões consideradas de desgaste rápido, se poder aplicar o mesmo regime, porque ninguém aceita que se

aprove hoje um regime legítimo e provavelmente merecido para os carteiros, depois outro para os tripulantes

de cabine, depois outro para outras profissões de desgaste rápido e que, depois, obviamente, não haja

coerência entre esses regimes jurídicos.

O CDS apresentou, já nesta Legislatura, o Projeto de Lei n.º 234/XIV/1.ª com vista à criação de um grupo

de trabalho que fizesse uma legislação com a definição do que são profissões de desgaste rápido e que

criasse uma tabela. Na altura, o nosso projeto de lei mereceu um consenso quase generalizado, mas mereceu

a rejeição do Partido Socialista com o seguinte argumento: o PS disse, à data, que não valia a pena aprovar o

projeto de lei do CDS, não porque o projeto não tivesse mérito, não porque aquilo para que apontasse não

fosse o caminho certo, mas porque o Governo já o estava a fazer. Este é, normalmente, o argumento que

utiliza para rejeitar iniciativas quando o conteúdo é impossível de ser rejeitado. É dizer: «Não, não, isso está

tudo muito certo, mas o Governo já o está a fazer.»

Acontece que este debate teve lugar em 14 de maio! Passaram todos estes meses e ou o Governo

trabalha muito devagar, ou o Governo não tem respeito pelas pessoas que, efetivamente, trabalham em

profissões de desgaste rápido, ou aquilo que nos foi dito era para enganar quem estava a ouvir o debate.

O que temos de dizer, neste momento, aos carteiros, como dissemos, na altura, aos tripulantes de cabine,

é que, por nós, esta matéria estava resolvida, estava legislada. E, de duas uma: ou se aplicava ou não se

aplicava a cada um dos casos, e aí poderíamos responder por isso.

Aquilo que se vive neste momento é que não é de todo aceitável, e isso só tem um responsável, que é o

Governo, pelo facto de não haver uma legislação clara que permita dar resposta a todas estas situações.

Portanto, estou muito curioso para ver o que é que o Partido Socialista nos vai transmitir sobre o que já

estava quase pronto há cinco meses. O que é que aconteceu agora e em que pé é que estamos?

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Basílio Silva.

O Sr. Nelson Basílio Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, começo por saudar esta iniciativa desencadeada pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e

Telecomunicações, aproveitando para saudar também a resiliência que os trabalhadores dos Correios e os

seus sindicatos têm tido no combate às restrições e limitações de direitos laborais que a administração privada

dos CTT tem levado a cabo nos últimos anos.

Hoje, discutimos a classificação de carteiro como profissão de desgaste rápido. Esta é uma reivindicação

da maior justiça e é uma das mais justas valorizações destes profissionais, que dão um contributo

insubstituível ao País e que cumprem uma verdadeira missão de serviço público debaixo de grandes

dificuldades e com condições laborais muito precárias.

Na crise sanitária nunca pararam. Embora isso seja esquecido, a maioria dos carteiros no nosso País anda

a pé e não para de trabalhar em dias de temporal nem em dias de calor abrasador.

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Em média, carregam 30 kg de correio num giro de 8 km. Fazem-no em 5 horas num dia normal, ou em

muito mais horas em dias de mais correio, como sucede nas épocas festivas, fazem-no depois de entrarem ao

trabalho antes das 7 horas da manhã, por vezes antes do nascer do sol e, no final, ainda têm de prestar

contas do trabalho feito.

Um carteiro com 55 ou 60 anos e com 30 anos de casa utiliza hoje um carrinho para transportar o correio,

mas até há bem poucos anos tal transporte era feito em malas ao ombro, o que tornava a sua missão ainda

mais penosa e desgastante do que é hoje.

Dores de costas, dores musculares, hérnias, varizes, dores nos pés, feridas e bolhas nos pés são alguns

dos problemas de saúde que um carteiro enfrenta diariamente. Estes problemas condicionam em muito a sua

vida familiar, fazem com que o carteiro tenha de ficar sentado ou deitado a descansar no seu tempo livre,

condiciona a sua vida social e familiar aos fins de semana.

Os carteiros merecem uma valorização que não têm tido. Tal como outras profissões, esta deveria ser

classificada como profissão de desgaste rápido, por isso o PAN assume, aqui e agora, o compromisso de

apresentar, em sede de Orçamento do Estado, uma proposta, muito semelhante à do CDS-PP, para a

constituição, no próximo ano, de um grupo de trabalho que identifique todas as profissões de desgaste rápido

e lhes conceda os inerentes direitos, de modo a que os carteiros e outros profissionais vejam valorizados e

que seja reconhecido o esforço que dão ao País todos os dias.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fernanda Velez.

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, os peticionários que se encontram na galeria e, através deles, saúdo também

todos os subscritores desta iniciativa de cidadãos, porque o seu objeto reveste-se de grande importância para

os trabalhadores dado o tema trazido a debate, sublinhando que a participação política dos cidadãos se traduz

no aprofundar da democracia.

Por via desta petição, com mais de 5000 assinaturas, a Direção Nacional do Sindicato Nacional dos

Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações solicita que, para todos os efeitos, a profissão de carteiro

seja qualificada como de desagaste rápido.

Nesse sentido, os peticionários identificam, de forma muito clara, um conjunto de características

necessárias a essa qualificação, tanto no que respeita à pressão e stress como quanto ao desgaste emocional

ou físico e, no fim, no que concerne às condições de trabalho.

A necessidade de qualificar uma determinada profissão como de desgaste rápido é uma situação

recorrente em todas as Legislaturas. De facto, existem diversas iniciativas de cidadãos com este objetivo,

como é o caso de trabalhadores de call center, polícias, pedreiros, tripulantes de cabine e enfermeiros.

Sr.as e Srs. Deputados, o PSD valoriza todas as profissões, reconhece o maior desgaste associado a

algumas delas, bem como a legitimidade de alguns trabalhadores entenderem que a sua profissão deve ser

considerada de desgaste rápido, mas o PSD considera que esta matéria não pode ser tratada apenas no palco

político, há que fazer uma análise cuidada, porque é necessário garantir justiça e equidade entre as diferentes

atividades profissionais e há que fazer também estudos, nomeadamente no que respeita ao impacto

financeiro.

Recordo, como já aqui foi referido, que o CDS-PP apresentou um projeto de lei que tinha como objetivo

criar uma legislação que não uniformizasse o regime especial de antecipação da idade da reforma, porque,

como é óbvio, ainda que se trate de profissões de desgaste rápido, apresentam caraterísticas que as

distinguem e o regime não pode ser igual para todas as que tenham este estatuto, legislação que servisse de

enquadramento, designadamente no acesso ao estatuto de profissão de desgaste rápido.

Essa iniciativa, que o PSD acompanhou e que foi chumbada pelos partidos da esquerda, visava a criação

de um grupo de trabalho multidisciplinar para produzir essa legislação. Registo que o PS votou contra e

justificou o seu sentido de voto alegando que «o Governo já tem em curso um processo idêntico ao que o CDS

propõe, e seria uma redundância.»

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Estranhamos que o Bloco de Esquerda, parceiro de coligação do PS, desconheça a existência desse

processo governamental e que, a reboque da petição em análise, apresente hoje um projeto de resolução,

recomendando ao Governo que proceda à revisão da regulamentação da profissão de carteiro.

Por outro lado, importa referir que a Sr.ª Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social não

respondeu ao pedido de informação que lhe foi colocado pela Comissão de Trabalho e Segurança Social

sobre o objeto desta petição.

Aqui chegados, Sr.as e Srs. Deputados, é caso para perguntar: o processo governamental ou o grupo de

trabalho, como queiramos chamar-lhe, referido pelo PS, existe mesmo? Ou é mais um dos que existe no

papel, mas que vai ficar na gaveta?

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social nada tem a dizer sobre o objeto desta petição?

Sr.as e Srs. Deputados, o PSD reafirma, mais uma vez, que compreende bem as pretensões e as

preocupações dos profissionais que ambicionam que a sua profissão seja qualificada como de desgaste

rápido, mas o PSD também reconhece que é necessário fazer uma avaliação séria e rigorosa e estabelecer

regras exatas para a definição dos padrões das profissões de desgaste rápido a fim de evitar injustiças ou

dualidade de critérios.

Termino, reafirmando, mais uma vez, que o PSD pretende, como é seu hábito, resolver os problemas dos

trabalhadores, mas tratamos as matérias com seriedade e responsabilidade, ao contrário de outros que

insistem em agitar bandeiras nada fazendo de concreto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando José.

O Sr. Fernando José (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações não só por esta iniciativa, mas também pelos

46 anos de luta em prol da defesa dos trabalhadores das telecomunicações, os mais de 5000 peticionários,

bem como saúdo a iniciativa trazida aqui pelo Bloco de Esquerda.

O Partido Socialista compreende as pretensões e as preocupações dos carteiros, que ambicionam que a

sua profissão seja qualificada como de desgaste rápido, como também compreende as pretensões e

preocupações de muitos outros profissionais, como os tripulantes de cabine, os operadores da call center, os

técnicos de eólicas, os enfermeiros, entre outros profissionais que também ambicionam que a sua profissão

seja qualificada como de desgaste rápido.

É neste contexto que o Partido Socialista e o Governo consideram que é necessário estabelecer regras-

padrão para a definição de profissões que devem ser enquadradas como de desgaste rápido, garantindo

justiça e equidade na qualificação das diversas profissões.

O Governo de Portugal tem a decorrer, desde o início do ano, um processo legislativo interno com o intuito

de produzir um diploma que regule as profissões de desgaste rápido — repito, desde o início deste ano.

Este processo está a decorrer em articulação com vários ministérios e com a participação de diversas

entidades conexas e os parceiros sociais, com o propósito de estabelecer um conjunto de regras claras e

objetivas que permitam identificar quais as profissões que devem ser qualificadas como sendo de desgaste

rápido.

Pergunta a direita se de janeiro para cá não será muito tempo. E perguntamos nós: e, em quatro anos, o

que fez o Governo PSD/CDS-PP para resolver este problema?

Vozes do PSD: — Ah!…

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O Sr. Fernando José (PS): — Uma profissão de desgaste rápido deve, antes de mais, ser uma profissão com acesso a medidas efetivas e eficazes de mitigação da penosidade, com incidência sobre as questões de

saúde e segurança no trabalho, permitindo reduzir as condições laborais penosas e os seus impactos

negativos na saúde destes profissionais.

Para o Partido Socialista, a temática da saúde e segurança no trabalho é prioritária e deve ser densificada,

apesar de existir a noção clara de que, em algumas profissões, a mitigação dos riscos é muito difícil, se não

mesmo impossível.

Há, por isso, que potenciar a redução das condições laborais penosas e precaver as implicações

irreversíveis na saúde destes profissionais. Deste modo, consideramos que, até definição das novas regras,

não deve haver a qualificação de profissões de desgaste rápido de forma avulsa.

Iremos continuar a fazer este caminho e por certo que iremos encontrar consenso através de uma solução

que não pode ser avulsa, reitero, mas que deverá estabelecer regras-padrão para a definição das profissões

— e não da profissão — que devem ser enquadradas como de desgaste rápido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Fernando José, a Mesa regista a inscrição do Deputado João Pinho de Almeida para lhe formular pedidos de esclarecimento.

Tem a palavra, para o efeito, Sr. Deputado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, é uma pergunta muito simples, até porque tenho pouco tempo.

O Sr. Deputado diz que há um grupo de trabalho a trabalhar nesta matéria desde o início do ano. Uma vez

que referiu que este grupo de trabalho é multidisciplinar — envolve vários ministérios e envolve parceiros

sociais —, para podermos escrutinar o seu trabalho, a forma como está organizado e os seus objetivos,

solicitava-lhe o despacho que criou esse grupo de trabalho, para podermos saber quem faz parte dele e quais

são os seus objetivos.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado Fernando José, tem a palavra para responder.

O Sr. Fernando José (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, aquilo que disse, e volto a repetir, é que este processo está a decorrer em articulação com vários ministérios.

Ninguém falou em grupo de trabalho.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ah!…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma segunda intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a chegar ao fim deste debate e há uma matéria que creio ser importante aqui abordar.

Mais uma vez, como foi referido por praticamente todos os grupos parlamentares, estamos a debater uma

petição que pede que uma profissão seja considerada de desgaste rápido. Por momentos, quando a Sr.ª

Deputada do PSD Fernanda Velez falou dos estudos, pensei que iria falar dos estudos sobre impacto na

saúde e na vida familiar destes trabalhadores. Já agora, existem estudos destes para muitas outras profissões,

que já discutimos aqui, e durante todos estes anos tanto o PS, como o PSD e o CDS não quiseram dar a estes

trabalhadores a sua justa reivindicação. Mas isso seria pedir demais.

Protestos do PSD.

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Sr. Presidente, termino, dizendo que se fala muito em preocupação. Ouvem-se frases como «temos

preocupação, mas…», «compreendemos, mas…». Pergunto, Srs. Deputados: quais são os partidos que

apresentam propostas nesta matéria?!

Protestos do PSD.

Pela nossa parte, não desistimos destes trabalhadores.

E pergunto também…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Vou concluir, Sr. Presidente. Pergunto: se não querem soluções avulsas, como é que, no entretanto, conseguem continuar a dirigir-se a

estes trabalhadores sem terem uma única resposta que não seja a de «não pode haver soluções avulsas, tem

de haver grupos de trabalho».

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Srs. Deputados, é preciso haver responsabilidade pelas afirmações que aqui se fazem, e isso vale para o PS, para o PSD e para o CDS.

Aplausos do BE.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Está, portanto, encerrado este ponto da nossa ordem de trabalhos e, com ele, a nossa tarde de trabalho.

Antes de dar conta da ordem do dia para a sessão de amanhã, tem a palavra o Sr. Secretário Nelson

Peralta para proceder à leitura de expediente.

Sr. Secretário, tem a palavra.

O Sr. Secretário (Nelson Peralta): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 714/XIV/2.ª (PSD), 715/XIV/2.ª (PSD) e 716/XIV/2.ª

(PEV) e o Projeto de Lei n.º 566/XIV/2.ª (PCP).

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, passo a dar conta da ordem do dia da sessão de amanhã, que terá lugar às 15 horas.

Do primeiro ponto consta a discussão conjunta dos Projetos de Lei n.os 487/XIV/1.ª (PAN) — Aprova o

regime jurídico aplicável à doação de géneros alimentares para fins de solidariedade social e medidas

tendentes ao combate ao desperdício alimentar, 537/XIV/2.ª (PCP) — Consagra medidas de promoção do

escoamento de bens alimentares da pequena agricultura e agricultura familiar e cria um regime público

simplificado para aquisição e distribuição de bens alimentares provenientes da pequena e média agricultura e

pecuária nacional e da agricultura familiar, combatendo o desperdício alimentar e 544/XIV/2.ª (PEV) —

Inquérito nacional sobre o desperdício alimentar em Portugal.

Do segundo ponto consta a discussão conjunta do Projeto de Resolução n.º 638/XIV/2.ª (PEV) — Reversão

da privatização dos CTT – Correios de Portugal, SA, dos Projetos de Lei n.os 517/XIV/2.ª (PCP) — Estabelece

o regime de recuperação do controlo público dos CTT e 520/XIV/2.ª (BE) — Estabelece o regime para a

nacionalização dos CTT e do Projeto de Resolução n.º 242/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que

assegure uma participação determinante do Estado no capital social dos CTT – Correios de Portugal, SA.

O terceiro ponto trata do debate do Projeto de Resolução n.º 572/XIV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo

uma iniciativa mobilizadora de debate interinstitucional e de auscultação pública alargada sobre a aplicação do

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Plano de Recuperação da União Europeia (Next Generation EU), do Acordo de Parceria e do Plano

Estratégico da PAC (PEPAC) 2021-2027, no quadro das consequências da Covid-19.

Do quarto ponto consta a discussão do Projeto de Resolução n.º 298/XIV/1.ª (PSD) — Compromisso de

cooperação para o setor social e solidário.

Finalmente, do quinto ponto da nossa ordem do dia consta a discussão dos Projetos de Lei n.os 64/XIV/1.ª

(PCP) — Garante o cumprimento efetivo dos horários de trabalho e a conciliação do trabalho com a vida

familiar e revoga os mecanismos de adaptabilidade e de banco de horas, nas modalidades grupal e por

regulamentação coletiva (Décima sexta alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do

Trabalho), 65/XIV/1.ª (PCP) — Garante o cumprimento efetivo dos horários de trabalho e a conciliação do

trabalho com a vida familiar e revoga os mecanismos de adaptabilidade individual (Décima sexta alteração à

Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho), 533/XIV/2.ª (BE) — Elimina o banco de

horas grupal e por acordo de grupo, a adaptabilidade individual e grupal e reforça a fiscalização dos horários

de trabalho (Décima sexta alteração ao Código de Trabalho), 534/XIV/2.ª (PAN) — Aprova medidas que

garantam a conciliação do trabalho com a vida familiar e uma maior estabilidade profissional, procedendo para

o efeito à décima sexta alteração ao Código do Trabalho, à décima terceira alteração à Lei Geral do Trabalho

em Funções Públicas, e à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril e 539/XIV/2.ª (IL) —

Restabelece o banco de horas individual (Décima sexta alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro que

aprovou o Código do Trabalho).

Agradeço a todas as Sr.as e Srs. Deputados, em nome da Mesa, a colaboração que deram nesta sessão

longa e desejo a todas e a todos a continuação de um bom dia.

Está, assim, encerrada a nossa sessão.

Eram 20 horas e 27 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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