O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

Sexta-feira, 23 de outubro de 2020 I Série — Número 16

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

REUNIÃOPLENÁRIADE22DEOUTUBRODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Nelson Ricardo Esteves Peralta

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 3

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei

n.os 569 a 573/XIV/2.ª, dos Projetos de Resolução n.os 731 a 740/XIV/2.ª e do Projeto de Deliberação n.º 11/XIV/2.ª.

Foi apreciado o Projeto de Resolução n.º 679/XIV/2.ª (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias) — Propõe a realização de um referendo sobre

a (des)penalização da morte a pedido, tendo-se pronunciado os Deputados Mónica Quintela e Paulo Moniz (PSD), Isabel Alves Moreira (PS), João Cotrim de Figueiredo (IL), Bebiana Cunha (PAN), José Manuel Pureza (BE), José Luís Ferreira (PEV), Telmo Correia (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Bacelar de Vasconcelos (PS).

Foi debatido o Relatório Anual do Provedor de Justiça relativo a 2019, tendo proferido intervenções os Deputados

Página 2

I SÉRIE — NÚMERO 16

2

João Cotrim de Figueiredo (IL), Inês de Sousa Real (PAN), Elza Pais (PS), José Manuel Pureza (BE), Telmo Correia (CDS-PP), Duarte Marques (PSD) e António Filipe (PCP).

Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 35/XIV/1.ª (ALRAM) — Em defesa do direito de audição dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas — Primeira alteração à Lei n.º 40/96, de 31 de agosto. Intervieram os Deputados Sara Madruga da Costa (PSD), Marta Freitas (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP), José Manuel Pureza (BE) e João Oliveira (PCP).

Procedeu-se ao debate, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 36/XIV/1.ª (ALRAM) — Comissões de inquérito das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas —

Primeira alteração à Lei n.º 48/2014, de 28 de julho. Usaram da palavra os Deputados Sara Madruga da Costa (PSD), João Pinho de Almeida (CDS-PP), José Manuel Pureza (BE), Olavo Câmara (PS) e João Oliveira (PCP).

Foi debatido o Relatório Anual de Segurança Interna — 2019, tendo-se pronunciado, além do Ministro da Administração Interna (Eduardo Cabrita), os Deputados João Cotrim de Figueiredo (IL), Nelson Basílio Silva (PAN), Telmo Correia (CDS-PP), Sandra Cunha (BE), André Coelho Lima (PSD), João Oliveira (PCP) e Susana Amador (PS).

O Presidente (António Filipe) encerrou a sessão eram 18 horas e 11 minutos.

Página 3

23 DE OUTUBRO DE 2020

3

O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Srs. Agentes da autoridade, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 3 minutos.

Peço para abrirem as galerias a quem está autorizado a assistir a esta sessão.

Antes de dar início aos nossos trabalhos, peço ao Sr. Secretário Nelson Peralta o favor de dar conta do

expediente.

O Sr. Secretário (Nelson Peralta): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: Projetos de Lei n.os 569/XIV/2.ª (PEV), 570/XIV/2.ª (PSD),

571/XIV/2.ª (BE), 572/XIV/2.ª (PCP) e 573/XIV/2.ª (PSD); Projetos de Resolução n.os 731/XIV/2.ª (PAN),

732/XIV/2.ª (PAR), 733/XIV/2.ª (PSD), 734/XIV/2.ª (PAN), 735/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina

Rodrigues), 736/XIV/2.ª (CDS-PP), 737/XIV/2.ª (CDS-PP), 738/XIV/2.ª (PSD), 739/XIV/2.ª (CH) e 740/XIV/2.ª

(CH); e Projeto de Deliberação n.º 11/XIV/2.ª (PAR).

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Secretário Nelson Peralta. Do primeiro ponto da ordem do dia de hoje consta, correspondendo a uma iniciativa de cidadãos, a

apreciação do Projeto de Resolução n.º 679/XIV/2.ª (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias) — Propõe a realização de um referendo sobre a (des)penalização da morte a pedido.

A abrir o debate, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mónica Quintela, do PSD.

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras vão para o meu grupo parlamentar, que concedeu liberdade de voto nesta matéria. Isto permite-me ser eu própria,

como sempre fui a vida inteira, livre — ou não fosse eu advogada —, com o peso e a responsabilidade que a

liberdade tem de acarretar e que eu nunca enjeitei, nem enjeitarei.

Posto isto, debatemos hoje o projeto de resolução de referendo com vista à consulta popular sobre a

(des)penalização da morte a pedido.

Enquanto Deputados eleitos à Assembleia da República, teremos de decidir se renunciamos ao mandato

de representação que nos foi conferido e endossamos a decisão e a responsabilidade aos portugueses numa

matéria tão complexa como esta ou se damos cumprimento à democracia representativa, constitucionalmente

prevista e para a qual fomos eleitos.

Tudo concorre para que seja a Assembleia da República a decidir esta matéria, desde logo porque os

direitos, liberdades e garantias não são referendáveis e o Parlamento é a sede própria para legislar sobre

direitos fundamentais.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — É inimaginável um referendo, por exemplo, sobre o direito à vida ou sobre a liberdade de constituir família ou o direito ao trabalho.

Porque os direitos humanos são inatos, invioláveis e inalienáveis, estão intrinsecamente ligados ao seu

titular e conferem a dignidade à pessoa humana. E só esta, ou seja, cada um de nós, pode aferir a cada

momento como quer ou pode fazer uso deles.

A isto chama-se liberdade, o valor supremo, a par da vida. Liberdade de escolher, por exemplo, se quer ou

não continuar a suportar um sofrimento inexorável e sem sentido. Há quem queira e quem não queira, ou já

não consegue.

E digo «já não consegue», porque não é só uma questão de vontade; só perante as circunstâncias

concretas é que podemos saber como é que as coisas são e qual é a crua realidade de cada um.

Diz o velho adágio que «pimenta na boca dos outros é refresco», Sr.as e Srs. Deputados. Vale isto dizer

que é fácil opinar sobre as circunstâncias da vida dos outros e o que devem ou não fazer. Mas o conforto das

Página 4

I SÉRIE — NÚMERO 16

4

nossas consciências não pode ter como contraponto o desespero que a imposição da nossa vontade causa ao

outro.

E aqui esbarro, recorrentemente, na ideia de que a minha liberdade termina onde começa a dos outros e

que, estando em causa direitos fundamentais, não tenho o direito de proibir aquilo que faz parte daquele

núcleo desses mesmos direitos que está para além das restrições e compressões necessárias à vida em

sociedade e que, por isso mesmo, é absolutamente inalienável e insuscetível de ingerência por terceiros.

Como dizia Francisco Sá Carneiro, a verdadeira democracia deve respeitar as convicções dos seus

cidadãos e o Estado de direito democrático deve ser o garante dessa sociedade plural, tolerante e humanista,

onde todos possam expressar e viver livremente as suas mais profundas convicções.

Estas questões têm vindo a ser amplamente discutidas nos últimos anos, com argumentos a favor e contra,

motivando defesas aguerridas e apaixonadas e nem sempre com recurso a argumentos racionais, o que não

ajuda a esclarecer os cidadãos, numa matéria que envolve tantas emoções, valores, vivências pessoais e até

a própria religião.

A complexidade e a sensibilidade da matéria em apreço exige ampla e esclarecida discussão e serenidade

na tomada de decisões.

A matéria é difícil sob vários pontos de vista e requer conhecimentos específicos em várias áreas para

poder ser bem enquadrada.

Portugal é uma República laica, pelo que a abordagem tem de ser feita, naturalmente, expurgada de

quaisquer conceções religiosas, sejam elas quais forem, e as decisões têm de ser tomadas em obediência a

uma análise objetivamente racional.

Por isso, a Assembleia da República é a sede própria para ser discutida e trabalhada a matéria referente à

despenalização da morte medicamente assistida, quer enquanto opção de legislação sobre política criminal

quer, e sobretudo, porque a Assembleia da República tem total legitimidade democrática para o fazer. É

composta pelos Deputados eleitos pelos portugueses num sistema de democracia representativa, que espelha

as múltiplas sensibilidades da nossa população.

Tem ainda o acervo coligido no âmbito das anteriores discussões sobre a eutanásia, com audições e

pareceres das várias entidades e personalidades que foram ouvidas, o que é uma mais-valia preciosa.

Por outro lado, na era digital, onde impera a desinformação e a manipulação de opiniões, o referendo

aparece cada vez mais como uma arma de arremesso contra a democracia do que como verdadeiro e

esclarecido instrumento de participação direta.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — E aqui não posso deixar de referir a forma hábil como está formulada a pergunta referendária constante do projeto de resolução e que é suscetível de induzir a resposta.

Julgo também que esta iniciativa de referendo teria um significado diferente se tivesse tido lugar mais cedo,

e não só agora, no decurso dos trabalhos da especialidade, correndo o risco de parecer um expediente

manifestamente dilatório.

Cumpre também referir que os projetos de lei foram aprovados na generalidade e que não houve nenhum

cataclismo ou convulsão, o que mostra que a população conviveu bem com o resultado obtido no Parlamento.

Ademais, numa matéria como esta, considero um erro gravíssimo desresponsabilizar a Assembleia da

República. A decisão tem de ser tomada e assumida pelo Parlamento e a legislação tem de ser elaborada com

o peso da assunção da responsabilidade e inerente prestação de contas aos portugueses, porque vamos

todos estar muito atentos a esta matéria e queremos e precisamos da fiscalização de toda a sociedade à

forma como irão ser executadas as leis aprovadas nesta que é a Casa da democracia.

Hoje, discute-se a iniciativa do referendo, mas deixo uma palavra para a questão material controvertida e

de apreço por todas as pessoas que se têm empenhado ativamente nesta causa. Estou convicta de que todos

estão genuinamente imbuídos do melhor espírito de cidadania e crentes que defendem a melhor solução. Mas

a vida não é preta e branca, não é «sim» ou «não»; é composta por muitas matizes, e é isso que a enriquece e

que compõe o equilíbrio da sociedade.

O ideal é que a legislação seja exemplar e que nunca, mas nunca, ninguém precise de a ela recorrer.

Página 5

23 DE OUTUBRO DE 2020

5

Aplausos de Deputados do PSD, do PS e do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, ainda no tempo do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Moniz.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Deu entrada nesta Assembleia uma petição pública com 95 287 subscritores que pedem que a despenalização da eutanásia, em Portugal, seja

decidida com um referendo.

Foi nesta Assembleia da República aprovado, na generalidade, com 128 votos a favor, 85 contra e 9

abstenções, entre outros diplomas de outros partidos sobre a mesma matéria, o diploma do Partido Socialista.

Este assunto não fazia parte do programa eleitoral posto a sufrágio e ao qual os portugueses deram uma

maioria relativa.

Apesar de já ser longa a discussão sobre este que é um assunto que diz respeito à consciência individual

na sociedade portuguesa, nunca antes tinha sido aprovada nesta Assembleia a questão do direito a morrer de

forma assistida. Pelo contrário, ainda nem passaram dois anos desde que foi chumbada neste Parlamento

uma iniciativa com o mesmo teor.

Todos nós somos Deputados eleitos pelo povo português e todos nós que aqui estamos representamos os

portugueses que, através do seu voto, nos conferiram a legitimidade e a responsabilidade de lhes dar voz.

Confiam que zelemos pelos seus interesses e que nos debatamos constantemente por legislar o que de

melhor pode servir aos vários setores e pilares da sociedade portuguesa.

Contudo, e não ferindo a inquestionável legitimidade da democracia representativa, presente nesta que é a

Casa da democracia, quando os cidadãos não concordam com o que fazemos, manifestam-se e mostram-nos,

também com toda a legitimidade, que o debate deve sair destas quatro paredes através da democracia

participativa e popular.

Foram 95 287 as pessoas que assinaram a petição que nos diz que o povo português também quer

debater e participar diretamente nesta discussão. Muito mal vai uma democracia onde se fecha uma matéria

desta importância e natureza dentro da Assembleia da República.

A sociedade dá sempre sinais e este, em particular, não pode e não deve ser ignorado.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Há uma grande diferença entre democracia e liberdade. A liberdade não deve ser apenas medida pela possibilidade de se poder votar, mas deve ser sobretudo medida pelo âmbito daquilo

sobre o qual não se vota e, neste caso, sobre a possibilidade de não se dar aos portugueses a hipótese de se

pronunciarem.

Votei esta questão como Deputado. Eu tive esse direito, o direito de me pronunciar, o direito de, em plena

liberdade de consciência, poder manifestar-me. O que defendo agora é que, tal como eu o tive, todos os

portugueses tenham a mesma exata oportunidade de manifestar a sua vontade, nesta que é a mais importante

questão de todas as questões.

Há algum receio de que isto aconteça? Do resultado? Se não, então qual é a questão?

Hoje, mais do que nunca, até pelas circunstâncias excecionais que vivemos no País, não devemos ignorar

o que a sociedade portuguesa nos quer dizer.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, concordar com um referendo não se trata de adiar decisões nem de

tirar a legitimidade que este Parlamento indiscutivelmente tem.

Não devemos temer a democracia na forma de participação popular!

Se as 95 000 pessoas que assinaram esta petição se juntassem em manifestação em frente à Assembleia

da República estaríamos perante uma manifestação muito difícil de ignorar.

Dadas as atuais circunstâncias, é desta forma, segura, através dos seus dados, do seu nome e da sua

assinatura, que estas pessoas podem manifestar a sua vontade. E a sua vontade, tal como a minha, e espero

que a de muitos Deputados nesta Câmara, é a de que este assunto seja referendado.

O que nos leva a todos a elogiar a participação popular noutras petições, fazê-las aprovar e achar que esta,

em particular, é uma forma de condicionamento deste Parlamento?

Página 6

I SÉRIE — NÚMERO 16

6

Defendo que seja feito um referendo e que os portugueses se pronunciem, defendo que, nesta matéria tão

sensível, devemos pautar-nos pela oportunidade de pronúncia de todos os que querem entrar neste debate: o

País e os portugueses!

Contudo, não posso deixar de fazer um apelo: o de que, se for aprovada a realização do referendo, como

espero, que a pergunta seja feita de forma clara e objetiva e não sujeita a interpretações. Para uma resposta

«sim» ou «não», deve ser feita uma pergunta de «sim» ou «não».

Que se faça um referendo! Que se oiçam os portugueses! Que se respeite esta vontade de quem nos

elegeu e que agora está a pedir-nos a palavra!

Aplausos de Deputados do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Alves Moreira.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os peticionários. Os peticionários são de uma enorme franqueza. Na Legislatura passada, quando debatemos a

despenalização da eutanásia, não só não propuseram um referendo, como o recusaram. Apresentam-se,

assim, com a legitimidade de uma tática para paralisar o Parlamento. Estão no seu direito.

Os peticionários escrevem que cabe ao Estado garantir e defender a vida e a integridade humana em

quaisquer circunstâncias, em particular nas situações de maior vulnerabilidade, fragilidade, doença e

sofrimento humano. Concordamos em absoluto com a afirmação. É por isso que fizemos um projeto de lei em

que só está em causa a recusa de um dever de viver em circunstâncias extremas, pelo que a atual proteção

da vida de cada um contra a sua própria vontade é, ela sim, uma violência num Estado de direito do século

XXI, tolerante, plural, que respeita e protege quem quer viver como a natureza o ditar até ao último dos seus

dias, mas que respeita quem escolhe o dia da sua morte com a assistência de terceiros, em circunstâncias

delimitadas pelo quadro constitucional.

Aplausos de Deputados do PS e do BE.

É por isso que, ao contrário do que afirmam, a nossa opção de política criminal não representa um corte

violento civilizacional, mas antes o adequar das normas penais a uma correta interpretação do Estado de

direito de hoje, esse que nega a imposição estadual, para mais penal, de uma conceção moral pretensamente

dominante.

Com o devido respeito, no texto da iniciativa popular de referendo faz-se por anular, esquecer, fingir que

não existe a mais importante dimensão da despenalização da morte a pedido.

Essa dimensão chama-se escolha.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Há quem não acredite na autonomia individual e faça por estadualizar a vida de tanta gente que passa por nós. Acontece que cada pessoa que nos pede para poder escolher o

momento da sua morte em caso de doença incurável, por exemplo, sem a desumanidade da lei penal sob a

sua consciência, quer exercer uma escolha.

E é disso que se trata, da certeza de que a escolha é sempre, mas sempre, do doente, indelegável, alguém

que olhamos com enorme respeito, que temos por ser livre e autónomo.

Aplausos de Deputados do PS.

Sim, há muitos requisitos para que a escolha possa ser exercida por exigência de respeito pelos princípios

constitucionais em presença, mas a escolha de pôr fim a um mundo intransmissível de dor é pessoal, é

autónoma, e é por isso que não deixaremos de defender a voz de quem escolhe contra a voz de quem cala

dizendo «tu não existes».

Página 7

23 DE OUTUBRO DE 2020

7

A democracia representativa que aqui está erguida sobre o sacrifício e a morte de tantos tem estado a

sofrer ataques perigosos. A Casa do povo, o Parlamento, a voz plural de todos e de todas, esta Sala, onde os

cidadãos se sentam representados, é apelidada de «corredor», como se de um mundo fechado se tratasse,

um mundo de costas para o povo e não, precisamente, o lugar do povo.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — É contra esse ataque que nos erguemos, porque em tempos de separação populista entre o «nós» e os «eles» reafirmamos a República, erguemos a Constituição, saudamos

o povo aqui presente em cada Deputado e Deputada e sabemos da especial responsabilidade que temos em

não declinar o dever de legislar.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — O dever de legislar sobre uma matéria complexa, que não é simples, que não é de «sim» ou «não», que não é a preto e branco, que nos convoca a operar ponderações serenas

entre direitos fundamentais. Eis o nosso dever, fomos eleitos e eleitas para isso mesmo, a matéria é de

direitos fundamentais e de política criminal e os direitos fundamentais, já o devíamos saber, são

contramaioritários.

Dizer «não» enquanto Deputados e Deputadas é como que uma renúncia ao mandato. Pela nossa parte,

cá estamos, na Casa do povo, no enorme «corredor» do povo, para cumprirmos o nosso dever — o nosso

dever! O nosso dever sobre uma lei que é debatida há anos e anos. Houve poucos debates tão densos, tão

intensos, tão abertos à sociedade civil, nos partidos e aqui, na tal Casa do povo.

Se há matéria que cabe, por excelência, na competência da Assembleia da República é a matéria relativa a

direitos fundamentais, os tais que se impõem contra quaisquer maiorias, pelo que o argumento de que a

despenalização da eutanásia em situações especiais é matéria demasiado sensível para ser decidida pelo

Parlamento é um argumento antidemocrático e apolítico.

Aplausos do PS e do BE.

Já houve tempos em que quiseram atirar para referendo questões ditas sensíveis, à altura, como o amor

entre pessoas de etnia diferente. Porque a maioria negava esse amor.

E o debate? Seria límpido?

Veja-se a pergunta que os peticionários sugerem. É a pergunta de quem quer almejar aquele lugar onde a

discussão racional perde terreno, cedendo perante a oratória do horror, precisamente o que se consegue

evitar na Casa da democracia.

Permitam-me que termine assim: todos recebemos a carta de Luís Marques, um paraplégico há 55 anos,

que percorreu de carro mais de 2000 km para pôr fim à vida, através de suicídio assistido na Suíça.

Concretizou aquilo que lhe foi negado em Portugal, o desejo à autodeterminação.

Na carta, pedia-nos que despenalizássemos a eutanásia para que se pudesse morrer com dignidade em

Portugal. Não chegámos a tempo. Fez a sua escolha na Suíça. Deixou um testemunho pessoal da loucura

insana que foi lutar contra uma lei que via no seu desejo de autodeterminação um crime. Escolheu morrer na

Suíça, rodeado de amor, respeitando, nas suas próprias palavras, todos e todas que não queiram ter essa

escolha.

A escolha de Luís, as escolhas das pessoas que conhecemos e que não divulgamos, a escolha inalienável

sobre a minha morte em circunstâncias pessoalíssimas pode depender de uma consulta popular?

Em nome de quem escolheu, em nome de quem quer escolher, dizemos não, não vos referendamos.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.

Página 8

I SÉRIE — NÚMERO 16

8

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este minuto liberal sobre o referendo à eutanásia é um minuto liberal difícil.

Difícil, porque a discussão sobre este tema nos obriga a encarar a morte, mas nos convoca, ao mesmo

tempo, a proteger a dignidade da vida. Desafia-nos a promover a participação cívica, mas, ao mesmo tempo,

recorda-nos que a consciência não se leva a votos.

A nossa posição e o nosso mandato sobre a eutanásia é clara e conhecida. A Iniciativa Liberal inscreveu

esta matéria no seu programa político. A Iniciativa Liberal apresentou o seu próprio projeto de despenalização

da morte medicamente assistida. A Iniciativa Liberal participa ativamente nos trabalhos de redação final da lei,

insistindo, por exemplo, no acesso efetivo a cuidados paliativos.

É, igualmente, clara a nossa posição sobre as vantagens da participação cívica dos cidadãos na coisa

pública. Queremos mais pessoas envolvidas nas decisões que lhes dizem respeito. Queremos mais discussão

sobre o que é e não é discutível. Queremos mais escrutínio e queremos mais transparência nas decisões.

E, sobretudo, a Iniciativa Liberal quer que este processo legislativo seja sólido, sem brechas e sem

fraquezas. Que produza legislação sólida e ponderada. Ignorar a vontade de quase 100 000 pessoas de

exprimirem a sua opinião criaria isso mesmo: uma brecha e uma fraqueza na legislação que desejamos ver

aprovada.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou concluir, Sr. Presidente. É quando vários direitos e vários princípios colidem que se exige o regresso à essência da política: a

escolha, por mais difícil que ela seja.

A escolha da Iniciativa Liberal é votar a favor da realização do referendo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do Grupo Parlamentar do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, saudamos os peticionários e, pelo respeito à liberdade de expressão, respondemos com toda a franqueza.

Aquando da discussão dos projetos de lei sobre a despenalização da eutanásia, o PAN expressou, de

forma bem clara, a sua posição quanto à realização de um referendo nesta matéria.

Este pedido de realização de um referendo parece-nos que está claramente a ser usado como o último

reduto de quem quer, a todo o custo, travar uma matéria de direito tão fundamental e basilar como o

alargamento da autonomia e da autodeterminação das pessoas. O pedido de referendo que aqui discutimos é

para que cidadãos e cidadãs, eleitores recenseados, sejam chamados a pronunciar-se sobre a seguinte

pergunta: «Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser

punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?»

Sr.as e Srs. Deputados, a forma como esta questão está colocada é, desde logo, muito questionável,

encontra-se imbuída e é intencionalmente indutora de julgamento moral e tem um propósito político muito claro

e que muito nos preocupa: procura retirar da discussão aquilo que é de facto essencial.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — E fá-lo tão somente com o intuito de evitar o debate fundamental que é necessário fazer sem receio, com a profundidade, com a seriedade e com o rigor que esta matéria nos exige

e, sobretudo, sem que se atente contra os direitos de quem se encontra em fim de vida.

Este projeto quer desviar as atenções para outro foco, diferente daquela que deve ser a discussão, por

mais difícil que seja a morte medicamente assistida.

Esta proposta de referendo tem como único propósito real o adiamento da resposta que um Estado

democrático tem de dar a quem vive num sofrimento contínuo, em lenta e sofrida agonia, num estado de vida

agravado pela dependência e degradação física, sobre o qual só ao próprio cabe decidir em primeira instância.

Página 9

23 DE OUTUBRO DE 2020

9

Este é, claramente, um tema que não se resolve por referendo, que exige múltiplos olhares e que, ao

entrecruzar-se com diferentes domínios do pensamento pessoal, profissional, cultural e ideológico, impõe o

esclarecimento e o debate, a auscultação de todos os setores da sociedade, a apresentação, a análise, a

compreensão das diferentes perspetivas, e é esse caminho que se tem feito.

No que diz respeito ao debate nesta Casa, que se iniciou em maio de 2018, já muito caminho se fez e esta

Câmara tem-se pronunciado a seu tempo.

Sr.as e Srs. Deputados, foram aprovados projetos na generalidade, foi constituído um grupo de trabalho

para ouvir uma série de entidades e personalidades.

A morte medicamente assistida não é um homicídio e não é um pedido inconsciente, destituído de uma

profunda reflexão e escolha. Por isso, na nossa perspetiva, a pergunta formulada neste projeto é, antes de

mais, desconhecedora da complexidade desta matéria. Como já referimos, está mais impregnada de um

julgamento moral do que daquilo que são os direitos humanos.

Sr.as e Srs. Deputados, esta pergunta acaba por ser desrespeitadora de todos os cidadãos e familiares que,

hoje e sempre, se vêm debatendo pelo livre exercício do seu direito de opção. É desrespeitadora dos cidadãos

e cidadãs que tiveram de recorrer à morte medicamente assistida fora do País e tiveram de ter capacidade

económica para o fazer.

Sr.as e Srs. Deputados, lamentamos que se coloquem questões desta importância, que requerem um

elevado nível de sensibilidade, da forma como aqui estão a ser colocadas.

Com o quadro legal ainda em vigor não atendemos à dignidade humana, nem reconhecemos a

possibilidade de, em situações excecionais, a pessoa poder decidir sobre as questões mais decisivas e

íntimas da sua vida, a decisão sobre as condições da sua própria morte. E esta é a questão fundamental. O

que, de facto, deve estar nas nossas responsabilidades enquanto eleitas e eleitos neste órgão de soberania?

Os nossos julgamentos morais individuais ou o direito de cada cidadão e cidadã do nosso País? E é por isto

que esta questão não deve ser referendável. Desde logo, pela forma como está escrita, mas também porque

não é justificável a realização de um referendo para decidir sobre uma matéria que não compete às vontades,

sejam elas favoráveis ou desfavoráveis, dos outros sobre um direito individual inalienável.

Esta é a questão central: esta decisão só pode caber às pessoas que, infelizmente, se encontrem nesta

situação, não a nenhum de nós aqui presente, nem a quem lançou esta iniciativa que aqui discutimos.

O PAN continuará ao lado de todos os doentes, de todos os familiares e de todos os profissionais que

esperam que a morte medicamente assistida possa vir a ser possível em Portugal. Por esse motivo,

integrámos no nosso programa eleitoral este mesmo pressuposto, para reafirmar o direito a um fim de vida

digno, tecnicamente apoiado, conscientemente decidido, em situações clinicamente comprovadas como

incapazes de devolver qualquer alívio ao sofrimento da pessoa em causa, nunca ultrapassando aquelas que

são as missivas dos profissionais de saúde, que terão, obviamente, de ser respeitados nos seus

posicionamentos pessoais e profissionais.

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o debate desta iniciativa popular de referendo, cujos promotores aqui presentes cumprimento, tem duas formas de ser feito: uma, é

assumir esta iniciativa pelo seu valor facial; outra, é discutir os propósitos efetivos dos seus promotores.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Comecemos por aqui. A Sr.ª Dr.ª Isilda Pegado, uma das mais destacadas faces do conjunto dos promotores desta iniciativa

popular de referendo, escreveu, no semanário Voz da Verdade, em 9 de fevereiro passado, o seguinte: «A

vida não se referenda. Mas uma lei que atenta contra a vida não pode ser aprovada. E só a força do povo

Página 10

I SÉRIE — NÚMERO 16

10

pode fazer travar tal lei. Para travar a lei, foi preparada uma iniciativa popular de referendo na qual o povo

pede à Assembleia da República que rejeite tais projetos e continue a proteger a vida humana».

Tudo claro, portanto. Os promotores da iniciativa de referendo são, por princípio, contra o referendo que

propõem. Repudiam-no. Mas, num arroubo de sinceridade, dizem que o referendo é um recurso, um

expediente, algo a que recorrem com o único objetivo de barrar o caminho ao Parlamento e travar uma lei que

despenalize a morte assistida. Louve-se-lhes, portanto, a franqueza: sem tibiezas, dizem que não é o respeito

pelo povo que os move, mas sim um propósito puramente instrumental, o de se oporem a uma maioria política

que representa aqui, no Parlamento, a maioria do País, que aprova a despenalização da morte assistida nas

condições e nos casos previstos na lei. Tática política contra a responsabilidade de legislar — é isso e só isso

que aqui nos é trazido hoje.

Acresce, como já foi dito, que a pergunta que é proposta pelos promotores deste hipotético referendo é

capciosa e pouco séria, uma habilidosa via de sentido único para obter a resposta pretendida. De novo,

nenhum debate sério, só habilidade política.

Sobre os propósitos reais desta iniciativa concreta, estamos, pois, conversados. Mas há um segundo

debate a fazer sobre ela: o da validade do referendo para decisões sobre direitos fundamentais. O Bloco de

Esquerda quer ser claro a este respeito: o referendo é um instrumento democrático, mas referendar direitos de

todos é pôr esses direitos nas mãos de alguns, e isso é inaceitável.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Há perguntas que eu quero, com lealdade, colocar hoje, aqui, às Sr.as e Srs. Deputados que, convicta e seriamente, defendem esta proposta de referendo.

Estariam de acordo com um referendo sobre a vossa liberdade de expressão? Apoiariam um referendo

sobre o vosso direito de professar uma religião ou de não professar religião nenhuma? Submeteriam a

referendo o vosso direito de casar com quem querem ter comunhão de vida? Estou certo de que,

razoavelmente, não o fariam, porque a vossa liberdade, a nossa liberdade, não se referenda.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Porque a vossa vida, a nossa vida, não se referenda. Porque as vossas e as nossas decisões sobre a liberdade e sobre as nossas vidas não se referendam.

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

Tivesse o direito de as mulheres votarem sido submetido a referendo quando as sufragistas eram acusadas

de histeria, tivesse o direito de os escravos serem homens livres sido referendado pelos esclavagistas, tivesse

o direito à greve sido referendado quando os patrões atacavam com força bruta as lutas pelo pão e pela

dignidade e essas conquistas inestimáveis, da igual humanidade e da igual dignidade de todas as pessoas,

teriam ficado confiscadas por quem não queria abrir mão do seu poder.

O mesmo se discute aqui hoje.

Deve o direito de um médico ajudar, sem ser condenado a pena de prisão, quem, com uma doença

irreversível e fatal e em condição de sofrimento dilacerante, lhe pede para antecipar a sua morte ser

referendado? Para o Bloco de Esquerda não deve, e por duas razões fundamentais. Primeiro, porque esta não

é uma questão de «sim» ou de «não». Só para alguma leviandade hiperliberal ou para proibicionistas

dogmáticos a despenalização da morte assistida se reduz a um simplista «sim» ou «não». Para a

esmagadoríssima maioria das pessoas, a superficialidade desse absolutismo só pode ser repudiada. E é

precisamente para regularmos o que é complexo e não o que é simples que o povo nos atribuiu, a nós, seus

representantes, a responsabilidade de legislar, ponderando todos os valores e todos os interesses, ouvindo

todo o melhor saber de que a sociedade dispõe a respeito de cada tema e doseando a prudência e a

sabedoria com a determinação na defesa dos direitos de todos.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!

Página 11

23 DE OUTUBRO DE 2020

11

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — A segunda razão de rejeição de um referendo em concreto é, pois, a da assunção plena da responsabilidade do Parlamento em todas as circunstâncias e, sobretudo, quando ela

se revela de maior dificuldade técnica, de maior dificuldade jurídica e de maior dificuldade ética. Só uma lei do

Parlamento pode regular, com rigor e com prudência, com determinação e com sageza, uma situação tão

delicada quanto a da morte assistida, tipificando com precisão o que pode e o que não pode ser

despenalizado, fixando com rigor todos os direitos e todos os deveres das diferentes pessoas envolvidas,

estabelecendo com exatidão todos os mecanismos de controlo de uma aplicação escrupulosa da lei, ou seja,

legislando estritamente dentro da margem de articulação entre os diferentes princípios com acolhimento na

Constituição que são convocados para situações complexas como esta.

Há, da parte de muitos adeptos deste referendo, uma retórica velha de ataque ao Parlamento.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Exatamente!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — É a lengalenga do secretismo dos gabinetes, é a rábula dos Deputados com medo do povo. Conhecemos o argumentário, sabemos de onde vem e a quem pretende

servir. Há mesmo quem se esmere em fazer do antiparlamentarismo dos iluminados o seu argumento. Numa

petição de convocatória de um referendo sobre a despenalização da eutanásia, diferente desta iniciativa

popular de referendo, mas que corre paralela a esta iniciativa popular, aqui, na Assembleia da República, os

peticionários invocam, do alto das suas cátedras, que — e cito — «este Parlamento é integrado por criaturas

maioritariamente vulgares, sem envergadura intelectual nem competência científica, nem idoneidade para

decidir sobre um tema desta dimensão cultural e civilizacional».

Cabe perguntar aos Srs. e Sr.as Deputadas que apoiam o referendo se se reveem neste retrato e se estão

disponíveis para apoiar quem pensa isto de vós.

A resposta a esta estafada retórica de desdém pelo Parlamento é a que está a ser dada por esta

Assembleia, com um processo legislativo que foi seguramente dos mais participados e juridicamente aturados

de que há memória na nossa democracia parlamentar. A acompanhar mais de quatro anos de debate intenso,

em todo o País, do litoral ao interior, envolvendo gente de todas as idades e de todas as condições sociais,

pronunciamentos meticulosos com invulgar difusão mediática de entidades científicas e de ordens

profissionais, tudo a desmentir categoricamente o estafado bordão de que «o povo não foi ouvido», o trabalho

parlamentar ao longo de todo este processo ouviu detalhadamente, em muitos casos mais do que uma vez, as

ordens profissionais, o mundo do Direito, da Medicina e da Bioética e todas as associações, todos os

movimentos cívicos e todas as personalidades individuais que sinalizaram interesse em se pronunciar.

Tinha de ser assim. E desafio cada um dos Srs. Deputados e cada uma das Sr.as Deputadas que defendem

o referendo a mostrar que o Parlamento não tem sido maximamente exigente consigo próprio no processo

legislativo da despenalização da morte assistida. Mais: desafio cada um dos Srs. Deputados e cada uma das

Sr.as Deputadas que defendem legitimamente o referendo a provar que a consulta popular terá garantidamente

a serenidade, o rigor e a exigência na abordagem deste problema que o Parlamento se impôs a si próprio

desde a primeira hora e se continua a impor até à votação final de uma lei.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, escreveu João Semedo: «Um referendo sobre direitos individuais é virar a democracia de pernas para o ar, é virar a democracia contra ela

própria». Esse, Sr.as e Srs. Deputados, é o desafio que temos de enfrentar, hoje e aqui, com lucidez e com

coragem.

Em nome de uma democracia que se leva a sério, em nome da responsabilidade do Parlamento, o Bloco

de Esquerda votará contra esta proposta e empenhar-se-á, como tem feito desde a primeira hora, em que

aprovemos uma lei tão prudente quanto determinada, no respeito pela livre decisão de cada um sobre o seu

fim de vida. É esse o nosso compromisso.

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

Página 12

I SÉRIE — NÚMERO 16

12

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por iniciativa de um conjunto significativo de cidadãos, discutimos hoje uma proposta para a realização de um referendo sobre a

despenalização da morte medicamente assistida.

Como já afirmámos, Os Verdes consideram que esta Assembleia tem todas as condições, tanto do ponto

de vista do enquadramento constitucional quanto da sua legitimidade, para tomar em mãos um processo

legislativo tão complexo e tão sensível como é o da despenalização da morte medicamente assistida.

Por outro lado, consideramos que há matérias que não são referendáveis, que não devem ser objeto de

referendo, desde logo questões que envolvam direitos fundamentais.

Ora, nós estamos exatamente a falar de direitos fundamentais: do direito à dignidade da pessoa humana,

sobre o qual, aliás, assenta todo o nosso edifício jurídico-constitucional, a dignidade de cada ser humano em

concreto e de todos por consequência, o que implica o respeito pela autonomia da vontade individual num

contexto social.

E estamos a falar do direito à vida, que, em bom rigor, não se restringe apenas ao direito à vida, mas inclui

também o direito a decidir como e quando se quer terminá-lo, se se decidir abreviar a vida, uma vez que não

existe o dever ou a obrigação de viver.

Portanto, esta matéria, a nosso ver, não deve ser referendada.

Foi, aliás, com base nestes pressupostos que Os Verdes apresentaram uma iniciativa legislativa para que,

em determinadas circunstâncias e em situações muito específicas e rodeadas de todas as cautelas, se possa

despenalizar a morte medicamente assistida.

Recorde-se, ainda, que o projeto de Os Verdes, à semelhança dos restantes, de outras bancadas

parlamentares, foi já aprovado na generalidade, estando, agora, a decorrer o processo legislativo em sede de

especialidade.

Acresce que nos assaltam sérias e fundadas dúvidas e reservas sobre a real motivação dos promotores

desta iniciativa popular.

O que nos parece é que o que se pretende não é tanto o referendo em si, mas, sim, a inviabilização do

processo legislativo que está a correr. Basta, aliás, atender ao momento em que esta iniciativa é apresentada,

pois surge quando o processo legislativo já está em andamento. Não é por acaso que o momento da sua

dinamização e apresentação surge exatamente quando se tornou percetível que havia condições nesta

Assembleia para o processo legislativo avançar com sucesso. E não deixa de ser curioso que, antes, mesmo

quando, na anterior Legislatura, o assunto foi discutido, não houve a promoção de qualquer referendo.

Ora, estes dados permitem-nos presumir com toda a legitimidade que o referendo agora proposto não

pretende aferir da vontade dos portugueses sobre a morte medicamente assistida, o real objetivo deste

referendo é tão-só o de perturbar ou até impedir o andamento do processo legislativo que está a correr nesta

Assembleia. E nem a falta de discussão serve de argumento, já que poucos processos legislativos terão tido

um debate tão intenso, tanto na anterior Legislatura como agora.

O mesmo se diga relativamente à falta de participação, porque este processo deve ter sido dos mais

participados que correram nesta Assembleia. Basta, de resto, atender ao enorme conjunto de pessoas e

entidades das mais diversas áreas e setores que foram ouvidas no respetivo grupo de trabalho, no âmbito

deste processo. Foram audições, reuniões e audiências que se mostraram muito úteis e que enriqueceram o

debate, dotando os Deputados de mais elementos importantes e, em muitos casos, chamando a atenção para

aspetos que terão necessariamente de ser considerados para termos uma lei equilibrada, capaz de assegurar

o essencial e de garantir o que tem de ser garantido.

E nem mesmo procede o argumento de que os portugueses não conhecem as posições dos vários partidos

sobre o assunto. Na verdade, o assunto não é novo e os portugueses conhecem bem as posições dos vários

partidos, basta atender às posições que assumiram no processo legislativo da anterior Legislatura, onde as

posições dos partidos ficaram mais do que clarificadas.

Em síntese, a nosso ver, a Assembleia da República tem todas as condições para legislar no sentido de

assegurar e de respeitar, com as devidas cautelas e garantias, e só em determinadas situações, muito

Página 13

23 DE OUTUBRO DE 2020

13

concretas e muito bem definidas, como fazem, aliás, Os Verdes na sua proposta, a decisão livre e consciente

de uma pessoa que, estando em sofrimento, face a uma doença grave, sem cura e em situação irremediável,

e sabendo que assim será para o resto da sua vida, de forma livre, expressa e consciente decide antecipar o

fim da sua vida e o fim do seu sofrimento.

A nosso ver, nestes casos, o Estado não pode fingir que não ouve. Não, o Estado deve não só ouvir, mas

também respeitar a sua decisão.

Portanto, com todo o respeito pelos peticionantes, Os Verdes votam contra a realização de um referendo

sobre a despenalização da morte medicamente assistida.

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Telmo Correia, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de sublinhar que o que discutimos hoje é uma iniciativa popular de referendo que, num espaço breve de poucas

semanas, recebeu o apoio de quase 100 000 dos nossos concidadãos. Isso, logo à partida, deveria ser, por

parte desta Câmara, um motivo de respeito para com esses cidadãos e não propriamente, como ouvimos aqui,

um motivo de escárnio ou até de ofensa para com quem se juntou para trazer aqui esta proposta.

Em segundo lugar, gostaria de vos dizer, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que a discussão desta

matéria no dia de hoje, neste momento, já de si diz alguma coisa sobre a forma como este Parlamento está a

discutir o assunto. Discutimos esta questão hoje, a meio da discussão do Orçamento, a meio do folclore das

negociações orçamentais,…

Protestos do Deputado do BE Jorge Costa.

… quando tudo indicaria que deveríamos esperar e discuti-la depois, mais próximo da decisão de

substância sobre esta matéria.

Que fique claro, Sr.as e Srs. Deputados, que o que está aqui em causa hoje não é a questão de fundo.

Sobre a questão de fundo, a nossa posição é claríssima e, que fique claro também, é uma posição em total

liberdade. Nós não temos nenhuma disciplina de voto, o que temos são cinco Deputados que são contra a

eutanásia e que são a favor do referendo. Não temos disciplina de espécie nenhuma nem precisamos de ter.

O que está aqui em causa, repito, não é a questão de fundo. Em relação à questão de fundo, nós somos,

por princípio, contra a eutanásia. E somos contra a eutanásia, porque é um erro, porque é perigosa nos

resultados e porque existe uma alternativa, que são os cuidados paliativos. A alternativa é sempre acabar com

o sofrimento e não pode ser, nunca, acabar com a pessoa que sofre. Esta é a nossa posição sobre a questão

de fundo e, sobre isso, não haverá qualquer dúvida.

O que decidimos hoje, no fundo, é quem decide. Estamos aqui para decidir quem decide. Decidimos nós e

os nossos colegas que não estão aqui, ou seja, a composição desta Sala na sua totalidade, ou damos a

palavra ao povo para que seja ele a decidir? É isto que estamos aqui a decidir hoje e, nessa decisão, não

venham com lições de democracia ou de suposto antiparlamentarismo para quem, como eu, vive este

Parlamento com emoção e o defenderá sempre, em todas as circunstâncias e em todos os momentos.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Não venham com essas lições, porque não vale a pena! A democracia representativa é legítima! O Parlamento tem legitimidade! A democracia direta também pode ser instrumento,

se assim esta Câmara quiser, se assim esta Câmara decidir. É isso que está em causa! É isso que está em

causa! Não levantem fantasmas sobre a democracia, porque não vale a pena!

Ou seja, ou esta Câmara tem a humildade de perceber que pode estar a cometer uma precipitação ou um

erro e pergunta ao povo se ele está de acordo, ou esta Câmara, como aqui vimos hoje, é autossuficiente, está

cheia de si mesma, tem uma certeza absoluta sobre o que vai decidir e, mais, como aqui ouvimos, acha

Página 14

I SÉRIE — NÚMERO 16

14

mesmo, nalguns casos, que esta é uma questão de tal forma elaborada, de tal forma complexa que só

grandes entendidos, como aqueles que grassam por estas bancadas, a podem resolver e que o cidadão

comum, que tem vida, que tem família e que quer proteger a sua vida e a sua família, não é suficientemente

iluminado para a poder compreender. É uma escolha entre arrogância e humildade!

Protestos do Deputado do PEV José Luís Ferreira.

É essa a escolha, entre arrogância e humildade! E há muitas razões que recomendam a humildade nesta

matéria.

Primeiro: esta questão não estava nos programas dos principais partidos, daqueles que foram os mais

votados, e não foi discutida durante a campanha eleitoral. É verdade ou é mentira? É verdade!

Protestos dos Deputados do BE Jorge Costa e José Manuel Pureza.

Tenham um bocadinho de tolerância também, para ouvirem os outros.

Segundo: dizem-nos que a Assembleia está a fazer um processo exemplar, que a Assembleia ouviu tudo o

que tinha de ouvir, que a Assembleia fez as audições que tinha de fazer. É verdade! Só importa que digam

também o resto da verdade. Digam que ouvimos, designadamente, os profissionais de saúde, aqueles que

lidam com esta situação. E o que é que veio aqui dizer a Ordem dos Médicos? Que é contra! O que é que veio

aqui dizer a Ordem dos Enfermeiros? Que é contra! O que é que veio aqui dizer o Conselho Nacional de Ética

para as Ciências da Vida? Que é contra!

Protestos de Deputados do PS e do BE.

Todas as entidades mais relevantes que foram ouvidas disseram que são contra! Isso devia convidar os

Srs. Deputados a alguma humildade, a terem a humildade de pensar que se eles são todos contra, se calhar

têm alguma razão, se calhar vale a pena discutir mais, se calhar vale a pena ouvir o povo, se calhar vale a

pena não ter medo de ouvir o povo.

Também os constitucionalistas, os especialistas em Direito Constitucional — 15 professores ilustres, Srs.

Deputados, não serão todos, mas 15 professores ilustres — disseram que a decisão que a Assembleia se

prepara para tomar é inconstitucional.

Beneficiaríamos, por isso, de uma discussão ampla, para que se percebesse que o que está em causa com

a eutanásia, ao contrário do que aqui foi dito, não é o combate de obstinação terapêutica ou o simples desligar

da máquina, o que está em causa e o que esta Assembleia se prepara para aprovar é a administração de uma

injeção letal ou de um outro meio de causar a morte não só em relação a doentes terminais e em sofrimento,

mas em relação a pessoas que podem ter uma lesão ou uma doença que hoje pode parecer fatal, mas que,

amanhã, a ciência poderá reverter.

É por isso que devemos pensar se não valerá a pena ouvir o povo. A questão é uma questão de fundo, é

uma questão civilizacional, é uma questão de modelo de sociedade, é uma questão que diz respeito a toda a

comunidade, mas também a todos e a cada um dos portugueses, individualmente considerados, e é por isso

que faz sentido.

Protestos da Deputada do PS Maria Antónia de Almeida Santos e do Deputado do PEV José Luís Ferreira.

Quanto ao argumento de que não se pode referendar este tipo de matérias… Srs. Deputados, mas não se

fizeram já referendos sobre outras matérias?! Não se referendou duas vezes o aborto?! Não pediram, muitos

senhores, o segundo referendo sobre o aborto, quando não gostaram do resultado do primeiro?! Só agora é

que não se pode referendar? Descobriram isso agora? Faz algum sentido?

Depois, digo-vos uma coisa: para mim é particularmente chocante que esta decisão seja tomada nas

circunstâncias que vivemos, em plena pandemia, em crise sanitária…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

Página 15

23 DE OUTUBRO DE 2020

15

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente. Como dizia, para mim, é particularmente chocante que esta decisão seja tomada nas circunstâncias que

vivemos, em plena pandemia, em crise sanitária. Quando se vê a exposição dos mais frágeis e dos mais

idosos, aquilo que o Parlamento tem para oferecer é a eutanásia, é a morte a pedido. É uma pulsão de morte

que é um erro.

Devíamos respeitar os cidadãos que querem dar a palavra ao povo e devíamos ter a humildade de não ter

medo de ouvir o povo. Será que têm medo de ouvir o povo?

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Vou mesmo terminar, Sr. Presidente. Sr. Deputado José Manuel Pureza, se, um dia, esta Câmara ou outra quisessem aprovar uma lei que

pusesse em causa irreversivelmente as nossas liberdades e a liberdade de expressão, eu não teria medo de

dar a palavra ao povo,…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — … porque o povo estaria do lado da liberdade, como o povo estará, também neste caso, do lado da vida. Não tenho dúvida nenhuma sobre isso!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP não acompanha a iniciativa de cidadãos para a realização de um referendo sobre a eutanásia.

É sobejamente conhecida a posição do PCP sobre a questão de fundo. O PCP votou contra os projetos de

lei — os quais se encontram em apreciação, em sede de especialidade — que visam legalizar a eutanásia e

manterá essa posição na votação final global do texto que venha a ser aprovado.

Não o faz, como é óbvio, por qualquer razão do foro religioso, com todo o respeito para com todas as

convicções religiosas e para com todas as pessoas que, na base dessas convicções, também se pronunciam

contra a legalização da eutanásia. Também não há, da parte do PCP, qualquer juízo de valor negativo acerca

de quem, baseado na sua reflexão ou experiência individual, defende posição contrária à nossa.

Dissemos, desde a primeira hora em que o debate foi lançado nesta Assembleia, que nunca encararíamos

uma questão tão complexa como esta na base de posições maniqueístas e baseámos a nossa posição numa

reflexão profunda sobre as consequências sociais que podem decorrer da opção legislativa que está em

causa.

Se a questão da eutanásia for encarada estritamente no plano individual, não há como não respeitar a

posição de quem afirma pretender ter o direito de pôr termo à vida perante uma situação-limite. Nenhum de

nós receia morrer, porque todos sabemos que morreremos um dia, mas todos receamos o sofrimento que

pode preceder a morte. É humano e é compreensível que assim seja. Mas o que se discute nesta Assembleia

não é a opção individual de cada um sobre o fim da sua vida, mas a atitude do Estado e da sociedade

relativamente à fase terminal da vida dos seus cidadãos.

Uma sociedade organizada não é uma mera soma de autonomias individuais e não deve o legislador

assumir uma opção sobre a vida e a morte das pessoas sem ter em conta as circunstâncias e as

consequências sociais dessa opção. O que nos inquieta, neste processo legislativo, são as consequências

sociais que dele podem decorrer, pensando sobretudo nas camadas sociais mais fragilizadas, nos mais

idosos, nos mais pobres, nos que têm mais dificuldades no acesso a cuidados de saúde.

Posto isto, porque recusa o PCP a realização de um referendo que até poderia, admitamos, travar este

processo legislativo?

Página 16

I SÉRIE — NÚMERO 16

16

Em primeiro lugar, recusa-o por considerar inequívoco que a matéria em causa incide sobre direitos

fundamentais, seja qual for o ponto de vista por que é abordada. Seja pelo ângulo dos limites do direito à vida,

seja pelo ângulo dos limites à autonomia individual, é de direitos fundamentais que estamos a falar.

Para o PCP, opções legislativas sobre direitos fundamentais não devem ser sujeitas às contingências, ao

maniqueísmo e à simplificação que sempre rodeiam uma consulta referendária.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Tem sido sempre esse o posicionamento do PCP em matéria de referendo, quando estão em causa questões de direitos fundamentais ou de política criminal, e ninguém nos poderá

apontar incoerências ou variação de posições, consoante o referendo possa ou não interessar por razões

taticistas.

Em segundo lugar, mas não menos importante, recusa-o por considerar que esta Assembleia tem toda a

legitimidade para decidir, legitimidade essa que deve ser respeitada.

A questão é difícil — sem dúvida que é! —, mas os Deputados não foram eleitos para decidir apenas sobre

questões fáceis, fazendo recair sobre os eleitores a resposta às questões difíceis.

Vozes do PCP: — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — O exercício do mandato parlamentar, em nome do povo, é um exercício de responsabilidade, que não deve ser alienada num momento em que tenham de ser tomadas decisões difíceis.

Diz-se, por vezes, que a questão é de consciência, mas o que aqui se decide não é a opção de consciência

individual de cada um sobre o que fará ou deixará de fazer caso uma lei seja aprovada. O que está em

apreciação é uma opção legislativa sobre um processo de decisão estadual, que terá certamente implicações

sociais e implicações que se projetam no plano individual, mas que não é uma opção nem um juízo sobre

atitudes individuais.

Quando, em 1998, se aprovou, nesta Assembleia, por acordo negociado, então, entre o PS e o PSD, a

realização de um referendo sobre uma questão que, sendo completamente diferente desta, também envolvia

direitos fundamentais — refiro-me à interrupção voluntária da gravidez —, o PCP votou contra a realização

desse referendo, por considerar que a Assembleia da República tinha não só a legitimidade como o dever de

decidir sobre essa questão, que era de direitos fundamentais.

Mais: o PCP defendeu sempre a legitimidade desta Assembleia para legislar, mesmo contra todos os que

acharam que, tendo havido um referendo, a Assembleia só poderia decidir depois de um novo referendo, o

que só ocorreu depois de nove anos de julgamentos humilhantes de mulheres que interromperam a gravidez.

Aplausos do PCP, do PS e do PEV.

Poderão dizer alguns que seria muito fácil para o PCP, por ser contra a aprovação da lei, remeter a decisão

para o voto popular e acusar os que o recusassem de ter receio do veredicto do povo. Mas o PCP recusa, em

coerência, tais facilidades. O PCP pode discordar das decisões tomadas por maioria nesta Assembleia e pode

até lutar contra elas, mas não questiona a legitimidade desta Assembleia para tomar decisões em nome do

povo que representa.

Por estas razões, votaremos contra a iniciativa de referendo.

Aplausos do PCP, do PS, do BE e do PEV.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Pedro Bacelar de Vasconcelos, do Grupo Parlamentar do PS, para uma intervenção.

Página 17

23 DE OUTUBRO DE 2020

17

O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Preciso de fazer uma prévia declaração de interesses, porque defendo publicamente, desde 1996, aquilo que hoje, nos projetos

apresentados nesta Assembleia, designamos como «morte medicamente assistida» e porque tenho de

confessar que a proposta que nos chega da Comissão de Assuntos Constitucionais — a que já não pertenço e

que aqui não posso representar — envolve uma pergunta, no mínimo, bizarra, sobretudo se ponderarmos que

essa é a pergunta que se propõe dirigir às pessoas, ao povo.

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — Bem lembrado!

O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — É uma pergunta inaceitável, que merece, mais do que um debate político ideológico, mais do que um debate sério, nesta Casa, uma extensa análise literária, que não é nossa

função fazer nem temos tempo para realizar.

Todavia, é fundamental ter em conta aquilo que é proposto como a pergunta que deve ser feita ao povo

português e que, bem ao contrário do que já foi afirmado, manifesta um extraordinário desprezo por esse

povo, que nos cabe defender.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — A nós, sabemo-nos defender muito bem. Este povo ausente, aqui presente por nossa mediação, é que não merece que se lhe dirijam questões deste teor. Leio: «Concorda que

matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em

quaisquer circunstâncias?» É um insulto!

Aplausos do PS, do BE e da Deputada do PSD Mónica Quintela.

A Sr.ª Ana Paula Vitorino (PS): — É uma vergonha!

O Sr. Bacelar de Vasconcelos (PS): — Aliás, o teor e a forma de redação desta pergunta já foram suficientemente desmascarados para vos ocupar mais tempo com essa matéria.

Queria chamar a atenção para o seguinte: esta pergunta não é sobre o desejo de morte. O desejo de morte

é uma coisa humana, exclusivamente humana. O desejo de morte é o problema daqueles para quem estamos

a discutir, desde a última Legislatura, e nesta Legislatura também, com vários projetos, várias propostas de

resposta para a questão dramática, para o sacrifício indizível de quem, sem esperança, sem alternativa, sem

expectativa de qualquer terapia que lhe possa pôr cobro ou amenizar o sofrimento em que vive, deseja, no

íntimo do seu coração, a morte e para quem, no quadro da assistência médica indispensável, se comprova ser

assim e se avalia até que ponto uma exceção para esses casos extremos não será um dever cívico de quem

representa o povo nesta Casa.

Aplausos do PS e do BE.

Esta é a questão de fundo desta pergunta. Esta pergunta nada tem a ver com a situação daqueles para os

quais procuramos uma resposta decente, humanamente digna. Tem a ver com quê? Não tem a ver com isto!

As religiões foram construídas em torno deste desejo de morte e em torno, também, da tentativa de a tornar

desejável — todas elas! É uma questão profunda, antropológica, científica, filosófica, metafísica, teológica, e

querem resolver isto com uma pergunta deste género? Não!

O que pretendem é muito claro: atacar o ato de matar e o seu autor. É colocar a tónica não na vítima,

digamos assim, mas naquele que, por compaixão, por piedade, por sentimentos humanos, se debate, na sua

própria consciência, com o que deve fazer, cuja liberdade de nenhuma forma é limitada por esta Casa, em

nenhum dos projetos que estão em debate na Comissão de Assuntos Constitucionais, em sede de

Página 18

I SÉRIE — NÚMERO 16

18

especialidade. É a indiferença pelo sofrimento alheio e a vontade de apenas apontar o dedo, de tomar como

alvo, repito, aquele que quer «matar outra pessoa».

Reduzir a pergunta a estes termos, acrescentar, no final, aquela que é exatamente a razão de ser desta

Casa e do que estamos a fazer, «em qualquer circunstância», é de uma extrema demagogia e manifesta um

enorme desprezo pelo povo que, de forma expressiva, segundo os peticionários, subscreveu esta petição.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: — Não havendo mais inscrições, vamos entrar no segundo ponto da nossa agenda, do qual consta o debate do Relatório Anual do Provedor de Justiça relativo a 2019.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do IL.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: «A ação do Estado-empregador, do Estado-segurador e do Estado-fisco não pode continuar a consumir quase dois terços de toda

a atividade do Provedor de Justiça» — estas são palavras da Provedora de Justiça, que se podem ler na

introdução do relatório que hoje aqui discutimos.

O tema da fiscalidade, em especial, domina. Há mais queixas sobre temas fiscais do que sobre justiça ou

educação. Há mais do dobro de queixas sobre temas fiscais do que sobre habitação, urbanismo, ambiente e

recursos naturais, juntos.

Estes números esmagadores são um sinal do desespero dos cidadãos perante a prepotência do Estado,

em geral, e da máquina do fisco, em particular, essa máquina implacável e cada vez mais complexa.

Numa audição recente, a Provedora dizia desejar que Portugal fosse um País onde as pessoas se

queixassem sobre a administração pública de bens coletivos e não sobre os seus próprios bens materiais. E

concluiu dizendo que, e cito, «se estas queixas são as queixas maioritárias, é porque a realidade do País que

eu tenho perante mim, que me chega, é a realidade de um País no limiar da sobrevivência».

Já ouvi alguns dizerem que a Iniciativa Liberal fala demasiado destes exemplos de mau funcionamento do

Estado. A esses tenho a dizer o seguinte: enquanto a realidade for a opressão fiscal que este relatório

descreve, enquanto os portugueses viverem o desespero do emaranhado da burocracia, enquanto o Governo

PS não perceber a importância vital de libertar o dia a dia dos portugueses destas grilhetas, continuaremos a

falar destas matérias e a achar que não se está a falar demais, mas sim a falar de menos, daquilo que é o

excesso de poder do Estado sobre os cidadãos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do Grupo Parlamentar do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O relatório que hoje debatemos é uma espécie de estado da Nação em matéria de direitos fundamentais e deverá ser uma bússola

para a nossa ação futura, nomeadamente no quadro do Orçamento do Estado para 2021. Existem, porém,

alguns temas, nomeadamente em três áreas, que gostaríamos de destacar deste relatório.

Desde logo, em matéria ambiental, este relatório alerta-nos para a falta de rigor na avaliação do impacte

ambiental e para o facto de as entidades públicas se limitarem a fazer um controlo formal das atividades

económicas, sem assegurarem, muitas vezes, que os direitos de participação dos cidadãos sejam respeitados.

Segundo a Provedora de Justiça, assegurar esses direitos é ponderar as preocupações dos cidadãos, é

responder às suas objeções, é considerar as suas sugestões. Sem estas componentes, mais não teremos do

que meros expedientes formais que não cumprem a Constituição e a lei, algo para que o PAN tem alertado de

forma reiterada ao longo dos anos e que tem levado a constantes atropelos à legislação ambiental.

Uma outra questão tem a ver com o facto de este relatório nos demonstrar que, em pleno século XXI, o

acesso de cidadãos com mobilidade reduzida aos transportes públicos continua a ser uma miragem para

milhares deles, sendo até referido o caso paradigmático da estação de comboios de Alcântara-Mar.

Isto mostra que, se no Orçamento para 2020, graças ao PAN, se previram obras de melhoria das

acessibilidades no metropolitano de Lisboa, é preciso que essas obras continuem a ser previstas neste

Página 19

23 DE OUTUBRO DE 2020

19

Orçamento para 2021 e sejam alargadas, por exemplo, às estações de comboios ou, sobretudo, aos acessos

a unidades hospitalares ou de outros cuidados de saúde.

Por outro lado, este relatório não esquece também os direitos dos animais, que são direitos fundamentais,

dando-nos importantes luzes sobre o caminho a seguir, que vão ao encontro de preocupações do PAN já aqui

demonstradas.

Um exemplo disso é a questão da sobrelotação dos canis municipais e a existência de animais errantes a

deambular na via pública. Contrariamente ao que muitos gostam de dizer, a culpa não é da lei do não abate. A

culpa, diz-nos a Provedora de Justiça, é da insuficiência de recursos por parte dos municípios e da

insuficiência dos próprios centros de recolha oficial.

A própria DGAV (Direção-Geral de Alimentação e Veterinária) foi alertada pela Sr.ª Provedora para a

necessidade de se construírem mais centros de recolha oficial, de se melhorarem os existentes e de se

fazerem campanhas de sensibilização para uma adoção responsável. Contudo, o que têm feito as instâncias

competentes, como a DGAV, até aqui? Tragédias como a de Santo Tirso mostram-nos, infelizmente, que não

tem havido respostas e que o caminho que deve ser feito é o da criação de estruturas estaduais para a

salvaguarda do bem-estar animal, caminho que há muito é reclamado pelo PAN e que este Orçamento vem

fazer, por exemplo, com a criação da figura do provedor do animal.

Mas, se nesta questão esteve bem, o Orçamento continua a não dar as respostas necessárias para que os

municípios e os centros de recolha oficial possam fazer face às necessidades e aos desafios que se lhes

colocam. Um acréscimo de apenas 2,3 milhões de euros não permite que se dê a resposta necessária. Esta

verba está aquém do necessário, em 84%, e é por isso mesmo que, na especialidade, nos iremos bater por

um aumento deste montante que seja capaz de dar as respostas de que o País precisa nas diferentes

matérias, incluindo na do bem-estar animal, e assim cumprir aquelas que há muito são as recomendações da

Sr.ª Provedora de Justiça.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elza Pais.

A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Setenta anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos e 30 anos após a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Provedoria de Justiça,

esta nobre Instituição Nacional de Direitos Humanos, apresentou à Assembleia da República o relatório da sua

atividade de 2019, como um eficaz instrumento de comunicação entre o Estado e os cidadãos.

Neste ano de pandemia, a realidade aqui retratada poderá parecer muito longínqua, mas deve assumir um

valor ainda mais absoluto para nos convocar, a todos e a todas, a prestar-lhe uma grande atenção. Este

relatório é um instrumento fundamental para que se perceba o funcionamento da nossa Administração Pública

e o acesso aos diversos serviços a que os cidadãos têm direito. Daí a importância da modernização, da

simplificação e da inovação administrativa a que o Governo tem dado absoluta centralidade.

O teor das queixas, em 2019, apresenta a mesma tendência dos últimos anos relativamente aos impostos,

à empregabilidade pública e à segurança social, onde se regista o maior número de pendências. Regista-se

um acentuado acréscimo de queixas: mais 42% nos últimos quatro anos. Tal traduz, em nosso entender, um

maior conhecimento deste mecanismo, uma maior aprendizagem de cidadania e de utilização dos serviços

públicos para fazer face aos direitos individuais de cada pessoa na relação com o Estado.

Contudo, não podemos deixar de registar, pese embora este evoluir das queixas, o esforço relevante da

Provedoria quanto à recuperação das pendências, com uma taxa elevada de arquivamento por resolução, de

57%.

É de salientar ainda, como nota bastante positiva, a diminuição de queixas no que diz respeito aos direitos

das crianças e aos assuntos prisionais — menos 35% — e a centralidade colocada pela Provedoria no

respeito pela dignidade da pessoa em situação de reclusão.

O acompanhamento preventivo de situações onde existem pessoas privadas de liberdade, como é o caso

dos estabelecimentos prisionais, dos centros de instalação temporária e dos centros educativos para menores,

Página 20

I SÉRIE — NÚMERO 16

20

merece uma nota de destaque pela necessidade que os problemas estruturais destas três realidades

continuam a merecer.

É muito importante, por isso, de facto, este trabalho da Provedoria como Mecanismo Nacional de

Prevenção na defesa dos direitos humanos das pessoas refugiadas e imigrantes, onde Portugal, temos de o

sublinhar, se tem afirmado como um exemplo para a comunidade internacional pelas boas práticas que tem

apresentado. Este Mecanismo realizou 45 visitas em 2019, privilegiando sempre o diálogo com as direções

dos locais de detenção, conducente não só à criação de melhores e mais dignas condições de funcionamento,

mas também à construção de novos centros de acolhimento.

Apesar de identificadas algumas dificuldades de funcionamento, que estão bem retratadas no relatório,

também se regista, e é importante que se frise, um esforço enorme para introduzir melhorias e tornar mais

humano o tratamento das pessoas nestes centros de detenção.

A Provedoria identificou ainda zonas de limbo, zonas turvas, onde urge um maior trabalho de informação

junto das pessoas, para que se tornem mais claros os seus direitos e o acesso aos mecanismos de que

Portugal dispõe para os efetivar. Falamos de áreas como os direitos dos estrangeiros e a habitação social.

O relatório refere ainda preocupações crescentes com a cibersegurança e a ciberdemocracia, realidades

que, neste contexto de pandemia, necessitam de uma maior vigilância por parte dos serviços públicos na

garantia dos direitos fundamentais.

Deixo também uma nota muito positiva para as três linhas telefónicas, com uma estabilização dos pedidos

de ajuda na linha das crianças, mas com um aumento significativo na linha para pessoas com deficiência e

para os idosos, que devem merecer atenção acrescida neste momento.

Saliento igualmente que a Provedoria tem participado em muitos projetos internacionais contra a violência e

a discriminação de pessoas LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo), sobre a identidade sexual e

a violência de género, e também sobre os direitos humanos dos migrantes e refugiados e a proteção de

crianças migrantes não acompanhadas.

Uma nota digna de assinalar diz respeito aos registos, sempre muito difíceis, de queixas de assédio no

trabalho, relativamente aos quais existe uma fraca eficácia. Portanto, esta é uma situação que merece alguma

revisão e atenção.

A Provedoria contribui, assim, para o cumprimento do dever estadual de boa governação e para um maior

e mais facilitado acesso dos cidadãos aos direitos fundamentais, neste processo sempre inacabado de

aprofundamento da nossa democracia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que a pior coisa que podemos fazer, na análise dos relatórios anuais da Provedoria de Justiça, é jogar ao ataque ou à defesa em

função da posição em que nos colocamos, ou seja, na oposição ou na maioria governamental.

Há uma coisa que me parece ser evidente, independentemente da posição que ocupemos no xadrez

político: do ponto de vista da relação da Administração com os cidadãos e da defesa dos direitos, os relatórios

da Provedoria de Justiça têm proporcionado, ao longo dos anos, um retrato sempre razoavelmente

contrastante com o discurso oficial que sucessivos Governos e sucessivos titulares de poder político vão

fazendo a respeito da situação do País.

Portanto, os relatórios da Provedoria de Justiça são um documento muito importante justamente nessa

perspetiva de uma avaliação crítica da situação do País, sobretudo em termos do comportamento da

Administração e da afirmação da efetividade dos direitos.

Sabemos bem que o discurso oficial de sucessivos Governos e de sucessivos titulares de poder político é

sempre o de um País cumpridor dos direitos humanos, amigo dos direitos humanos, cuja administração se

baseia no primado da legalidade, que não aceita práticas de arbitrariedade, e por aí vamos.

Entretanto, os relatórios, como este da Provedoria de Justiça, vêm falar-nos de um outro país. Vêm falar-

nos de um país onde, desde logo, no caso do relatório que estamos a analisar, cerca de 36% das 51 000

Página 21

23 DE OUTUBRO DE 2020

21

reclamações dizem respeito à cidadania social dos nossos compatriotas, em que há uma cidadania social que

é, vezes demais, desconsiderada e em que continua a haver, bem o sabemos, tratamentos desumanos,

cruéis, degradantes, não só no sistema prisional mas também em outros contextos, como, por exemplo, nos

centros de instalação temporária junto dos aeroportos, onde cidadãos imigrantes, enfim, no limite, como

aconteceu tragicamente há pouco tempo, são sujeitos a situações como aquela que conduziu um cidadão

concreto à morte.

Portanto, a primeira coisa que queria sublinhar, em nome do Bloco de Esquerda, é que este relatório nos

deve preocupar, a todos e a todas, independentemente da nossa posição partidária, na exata medida em que

nos mostra como continua a haver uma Administração que é, vezes demais, conduzida numa lógica de

prepotência e de alheamento da fragilidade da grande maioria dos cidadãos que com ela se relacionam, uma

Administração que encara frequentemente os cidadãos como um problema e não como gente titular de

direitos, que deve, como tal, ser respeitada.

Do que a Administração Pública precisa, na verdade, à luz deste relatório, em concreto, e dos anteriores, é

de muito mais do que um choque tecnológico, é de um choque de cultura de serviço público, em que os

direitos das pessoas sejam efetivamente respeitados no quotidiano, não com uma atitude de alheamento, de

sobranceria, de desdém, que tantas vezes marca a relação da Administração com os cidadãos.

Segunda nota: este relatório da Provedoria de Justiça aponta para um programa de ação que dê a

conhecer a Provedoria junto de segmentos da população que a conhecem menos bem. Em nome do Bloco de

Esquerda, queria dizer que é muito importante que isso se faça e que se toque, desde logo, em comunidades

ou segmentos da população frequentemente excluídos da cidadania. Creio que cada um saberá identificar

esses mesmos segmentos e que isso é muito importante.

Finalmente, Sr. Presidente, para terminar, deixo uma última nota respeitante à vontade, que louvamos, da

Sr.ª Provedora de Justiça de alterar a rigidez institucional criada, em 1993, para a Provedoria de Justiça, que,

entretanto, foi alargada nas suas competências e criou unidades que se vieram acoplar à «velha» Provedoria

de Justiça, passe a expressão.

Desse ponto de vista, é extremamente importante uma nota que vem no Relatório do Mecanismo Nacional

de Prevenção, justamente no sentido de alterar o estatuto da autonomia e, portanto, de recursos humanos

próprios, com capacidade própria, do Mecanismo Nacional de Prevenção. Isso é absolutamente necessário

para que o trabalho muito meritório do Mecanismo Nacional de Prevenção seja cada vez mais robustecido e

atenda às recomendações que, em sentido concordante, estão a ser feitas por instâncias internacionais e que

deixam o Estado português numa situação crítica a esse respeito.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, concordando até com a ideia de que este relatório deve estar um bocadinho para além da posição político-geográfica em que nos colocamos —

isso é verdade, assim fosse sempre —, gostaria de sublinhar que este relatório deve ser visto enquanto tal, ou

seja, enquanto um relatório de uma instituição que tem ganhado importância e autoridade, e creio que o

relatório é expressão disso mesmo.

Assim, o relatório revela uma avaliação positiva, na minha opinião, daquele que tem sido o papel da

Provedoria. Grande parte dessa análise positiva tem a ver com algo que está antes do relatório e que, na

minha opinião, foi o trabalho relevantíssimo feito a propósito da tragédia dos incêndios de 2017, das

reparações e das indemnizações que se lhes seguiram. De resto, este relatório está, de alguma forma, no

meio, porque é posterior aos incêndios, que muito ocuparam a Provedoria, e é anterior à situação da

pandemia, uma vez que não contempla ainda este ponto e tudo o que está a acontecer.

Este é um relatório que revela um número significativo de solicitações e de queixas. É um relatório que

revela, em alguns casos, que as entidades públicas, quando solicitadas, não responderam às queixas e às

próprias invocações da Sr.ª Provedora de Justiça. E é um relatório que, como foi dito, levanta questões

relevantes, por exemplo, do ponto de vista da cibersegurança, que, acho, deve ser uma preocupação central

Página 22

I SÉRIE — NÚMERO 16

22

para todos nós, mas também — algo que, do meu ponto de vista, é uma contradição — do acolhimento que o

País faz e da qualidade, ou da falta dela, dos centros dedicados à imigração e às pessoas que são vítimas de

um flagelo e que chegam a Portugal, as quais, segundo o Governo, têm todas as condições, mas, segundo o

que nos diz este relatório, não é assim. Aliás, o mesmo se pode dizer da situação das prisões e até da questão

do apoio, da saúde e da alimentação nas prisões, que é particularmente grave e preocupante.

O relatório, no entanto, diz-nos uma coisa muito significativa sobre uma espécie de retrato do País ao

identificar quais são os principais temas e as principais preocupações e a maior parte do volume de queixas

que temos.

Temos três aspetos fundamentais: emprego público, segurança social e atraso nas pensões, que, às

vezes, levam um ou dois anos até serem deferidas — esta situação é muito preocupante, o relatório dá disso

expressão, e deve ser objeto de reflexão — e, em terceiro lugar, a fiscalidade, o abuso da máquina fiscal, o

peso da máquina fiscal sobre os cidadãos.

Portanto, sem querer, obviamente, segmentar esta questão…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado, por favor.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, termino dizendo que a instituição, em si, tem um trabalho meritório, que este relatório é relevante e, olhando para o que ele nos diz, é um instrumento

importante para continuarmos o nosso trabalho.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Marques, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muito do que já aqui foi dito é muito relevante para a análise do relatório da Sr.ª Provedora de Justiça.

É verdade que este relatório merece a importância deste debate pelo poder que tem, até, de monitorizar a

ação do Estado e da Administração Pública, em Portugal. Ao contrário de outros países, este relatório não tem

grandes preocupações com matérias de segurança ou até de abusos das polícias, porque, felizmente,

Portugal não tem tanta quantidade de maus exemplos como outros países, mas é a Provedoria de Justiça que

tem a responsabilidade de avaliar, de verificar, de defender os cidadãos perante a má conduta do Estado, a

ineficiência do Estado e da Administração Pública, um papel que também nos compete, muitas vezes, a nós.

Percebo o apelo do Deputado José Manuel Pureza no sentido de não partidarizar esta questão, de não

levar isto para o campo da acusação entre partidos, ou entre oposição e Governo, mas a verdade, Sr.

Deputado, é que o relatório da Provedoria de Justiça confirma ou desmente muito do que temos aqui dito.

É curioso verificar que foi precisamente em algumas áreas da Administração Pública que, ao longo dos

últimos quatros anos, as queixas mais aumentaram. Não é por acaso — e, Sr.ª Deputada Elza Pais, não é por

maior publicidade do órgão — que há mais queixas: 42% do aumento de queixas, nestes quatro anos, dizem

respeito, sobretudo, aos abusos do Ministério das Finanças, 26% ao Ministério da Administração Interna e

16% à educação. Estes são exemplos claros que confirmam aquilo que muitos aqui têm dito e que a

propaganda oficial tem procurado esconder.

É a olhar para este relatório que verificamos também que toda a gente elogiou a Sr.ª Provedora por ter

desempenhado estas funções com independência, numa posição tão difícil atualmente em Portugal, que é a

de os órgãos independentes desempenharem com total independência a sua missão. É isso que devemos

exigir às instituições!

Outro exemplo muito concreto, que é talvez uma das maiores chagas do nosso sistema judicial, tem a ver

com as prisões. São, de facto, um embaraço para todos nós e há muito a fazer nessa situação.

É de salientar, por exemplo, a conduta da direção-geral responsável pelos centros educativos, que aceitou

as recomendações da Sr.ª Provedora e, de imediato, fez mudanças, ao contrário do SEF (Serviço de

Estrangeiros e Fronteiras) e do que se passa com o acolhimento de imigrantes em Portugal, sobretudo

requerentes de asilo.

É que, se todos temos orgulho na política do Estado de acolhimento de pessoas que procuram refúgio e

asilo em Portugal, devemos sentir-nos verdadeiramente envergonhados pelas condições que são dadas a

Página 23

23 DE OUTUBRO DE 2020

23

muitas destas pessoas. O que acontece nos centros de acolhimento temporário é uma vergonha para todos

nós e devemos unir-nos para combater e para mudar esta situação. É por isso que o SEF, tantas vezes,

fechou os ouvidos ao que disse a Sr.ª Provedora.

Mas, se olharmos para a Administração Pública, vemos também abusos, em grande quantidade, alguns por

prepotência ou incompetência, ou, normalmente, por falta de pessoal, em torno daqueles que são os mais

frágeis de todos nós: os mais velhos, os pensionistas e os reformados. Isto diz muito da falta de condições que

foram dadas à Administração Pública num período vital da nossa democracia.

Não é por acaso, Sr.as e Srs. Deputados, que o aumento exponencial de queixas se verificou nos últimos

quatro anos, pois sempre dissemos que o Estado e o Governo não fizeram acompanhar a retoma económica

começada em 2014 do reforço das competências e das capacidades destes setores.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Defender o relatório e a independência da Sr.ª Provedora é uma

missão fundamental para esta Casa, porque é cada vez mais importante garantir que as instituições cumprem

o seu papel, apesar de, muitas vezes, ao contrário desta, serem coartadas na sua missão por decisões dos

ministérios, do Ministério das Finanças ou do Governo.

É bom que haja quem ainda lute pela independência e pela liberdade em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Relatório Anual da Provedora de Justiça à Assembleia da República é um importante elemento de trabalho para nós. Aliás, é de saudar o

aperfeiçoamento que se tem verificado nos relatórios de atividade do Provedor de Justiça ao longo dos anos,

dotando esta Assembleia de um precioso elemento de trabalho relativamente à sua atividade e também às

razões de queixa dos cidadãos, particularmente perante o funcionamento da Administração Pública.

É de salientar o prestígio crescente deste órgão constitucional — o Provedor de Justiça — ao longo dos

anos, tirando um período, há uns anos, de má memória, em que houve um impasse relativamente à

designação do titular deste órgão do Estado, que foi negativo, obviamente, para a atividade da Provedoria de

Justiça. Mas, recuperada que foi, há uns anos, há vários mandatos, essa situação, verificamos que o Provedor

de Justiça tem vindo a prestigiar a sua função. Prova disso são as incumbências de que vai sendo

encarregado, ainda que para além daquele que seria estritamente o seu próprio estatuto, como aconteceu,

como sabemos e já foi referido, a propósito do incêndio ocorrido em Pedrógão, em 2017, mas também

enquanto entidade com responsabilidades em matéria de direitos humanos. Importa, pois, salientar e enaltecer

o papel crescentemente prestigiado que o Provedor de Justiça tem vindo a assumir.

Este relatório aponta para um crescimento significativo das queixas nos anos que o precederam, em 2018

e 2019, mas esta era uma tendência que já se verificava em anos anteriores. Ao estarmos a discutir este

relatório quase no final de 2020, assalta-nos a seguinte inquietação: estamos a discutir o relatório do Provedor

de Justiça relativamente a um ano típico, o de 2019, num ano atípico, o de 2020. Ora, isto deixa-nos uma

inquietação para a qual não temos, para já, resposta, pois só o relatório relativo a 2020 poderá ser elucidativo

das consequências do período que o País está a atravessar quanto à atividade do Provedor de Justiça e às

reclamações dos cidadãos junto dele. Obviamente, ninguém ignora que o ano de 2020 será muito

problemático desse ponto de vista, mas, ficando este registo da inquietação, o que estamos a apreciar é o ano

2019, em que, ainda assim, já se verificou um acréscimo significativo de queixas apresentadas ao Provedor de

Justiça.

Podemos ver isto sob o ângulo do crescente prestígio do Provedor de Justiça, pois, evidentemente, se não

tivessem a expectativa crescente de que o Provedor de Justiça ajuda a resolver problemas concretos das

pessoas, os cidadãos não recorreriam a ele. Portanto, este aumento do recurso ao Provedor de Justiça

significa um fator de prestígio deste órgão e também de consciência dos cidadãos perante os seus direitos.

Página 24

I SÉRIE — NÚMERO 16

24

No entanto, estamos perante um sinal muito preocupante relativamente à capacidade de a Administração

Pública e alguns dos seus setores decisivos que já aqui foram referidos, como, por exemplo, a segurança

social ou a Autoridade Tributária, darem resposta às justas reclamações dos cidadãos.

Isto tem várias explicações e uma delas, como é evidente, resulta do depauperamento da Administração

Pública em meios humanos, em quadros, em pessoal. Isto é algo que tem vindo a ser denunciado ao longo

dos anos e é uma matéria que tem preocupado o PCP, preocupação essa que tem sido traduzida em

propostas concretas de reforço dos meios humanos em diversas áreas da Administração Pública.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Sabemos que, durante muitos anos, foi feita uma campanha, em Portugal, de que havia funcionários públicos a mais. Os Governos de PSD e CDS levaram à prática uma política de

liquidação de postos de trabalho na Administração Pública, de largas dezenas de milhares de funcionários, e a

recuperação não foi feita nos últimos anos. Isto é um facto!

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Ah!

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir de imediato, Sr. Presidente. Essa recuperação tem de ser feita, porque os cidadãos precisam, efetivamente, de uma Administração

Pública que resolva os seus problemas e que esteja ao seu serviço, o que implica, inequivocamente, mais

meios humanos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Chegámos, assim, ao final do segundo ponto da nossa ordem do dia. Vamos passar ao terceiro ponto, que consiste na apreciação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º

35/XIV/1.ª (ALRAM) — Em defesa do direito de audição dos órgãos de governo próprio das Regiões

Autónomas – Primeira alteração à Lei n.º 40/96, de 31 de agosto.

Para abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A iniciativa em apreço versa sobre uma questão bastante relevante, a da participação dos órgãos de governo próprio das regiões

autónomas no processo legislativo e nos assuntos da República.

Com esta iniciativa, aprovada por unanimidade, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira

pretende alterar os prazos a observar nas audições dos referidos órgãos, por forma a que as mesmas não se

tornem uma formalidade, sem sentido útil, ao arrepio do nosso ordenamento jurídico-constitucional.

Em causa está: alargar de 15 para 20 dias o prazo de consulta da Assembleia Legislativa; alargar de 10

para 15 dias o prazo de consulta do Governo Regional; prever uma dilação do prazo sempre que a

complexidade da matéria o justifique; e estabelecer um prazo mínimo de cinco dias para a pronúncia, em caso

de urgência.

A Assembleia Legislativa propõe ainda que seja estendida ao incumprimento dos prazos a cominação de

inconstitucionalidade ou ilegalidade, consoante a natureza dos atos prevista para a não observância do dever

de audição dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.

Sr.as e Srs. Deputados, o diploma pretende, assim, melhorar e acautelar algumas dificuldades que tiveram

lugar, no passado, no relacionamento entre a Assembleia da República e os órgãos de governo próprio e

evitar situações de violação e desrespeito do dever de audição das Regiões Autónomas como as que já

ocorreram, quando, por exemplo, o Parlamento chegou a pedir parecer às regiões depois de os diplomas já

terem sido, inclusivamente, votados.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Situação mais complexa e vergonhosa, que, certamente, não se

resolve com uma lei, é a do relacionamento entre este Governo da República e os órgãos de governo próprio

Página 25

23 DE OUTUBRO DE 2020

25

da Madeira. O Governo continua a governar de uma forma escandalosamente partidária e a fazer de tudo para

prejudicar a Madeira.

Sr.as e Srs. Deputados, para este Governo vale tudo, mas mesmo tudo, quando está em causa a Madeira,

desde ignorar, adiar, não responder, excluir e discriminar.

Sr.as e Srs. Deputados, o Sr. Primeiro-Ministro já não esconde a ninguém que os madeirenses estão no

último lugar da lista das suas prioridades. Nem mesmo durante a pandemia o Governo respondeu às

solicitações da Madeira: ignorou sistematicamente todos os pedidos de ajuda, recusou-se a conceder à

Madeira uma moratória no PAEF (Programa de Assistência Económica e Financeira), recusou-se a conceder

um aval.

Até à data, Sr.as e Srs. Deputados, a Madeira não recebeu qualquer ajuda direta para fazer face à

pandemia e ainda vai ter de pagar mais 84 milhões de euros — repito, mais 84 milhões de euros —, porque o

Governo não foi capaz de ser solidário com os madeirenses e de conceder um aval ao empréstimo que a

Região vai contrair para responder à crise sanitária.

Sr.as e Srs. Deputados, não vamos desistir de denunciar esta postura e este comportamento inaceitável e

inqualificável do Governo da República para com a Madeira, postura e comportamento esses que tiveram o

seu expoente máximo no plano de recuperação económica de Costa Silva.

Sr.as e Srs. Deputados, como é possível que o Governo não tenha sequer ouvido a Madeira sobre este

plano e que a Região tenha sido forçada a entregar o seu contributo, como qualquer cidadão, na fase de

consulta pública a este programa? Já não bastava, Sr.as e Srs. Deputados, o Governo excluir a Madeira de

todos os planos e de todos os programas nacionais, ainda foi capaz desta enorme desconsideração

institucional.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os madeirenses merecem mais, merecem um Governo da

República mais solidário, mais inclusivo, merecem um Governo que respeite a autonomia e que respeite a

vontade do povo madeirense.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Marta Freitas.

A Sr.ª Marta Freitas (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de alteração da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira visa fortificar e consolidar todo o processo associado

à emissão de parecer por parte dos órgãos da Região Autónoma da Madeira, alargando o prazo de audição a

estes mesmos órgãos para que os seus pareceres possam ser bem fundamentados e adequados,

defendendo, verdadeiramente, os interesses dos madeirenses e porto-santenses, sendo estes cidadãos

ouvidos e considerados, por parte dos órgãos de soberania do Estado português, em todas as matérias que

envolvam os interesses daqueles que residem nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.

Assim, solicita a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira o alargamento de prazos de

auscultação atualmente em vigor para que, desta forma, haja uma qualidade nos trabalhos realizados nos

órgãos regionais.

Sendo esta uma proposta consensual entre os vários grupos parlamentares com assento na Assembleia

Legislativa da Madeira, na discussão desta proposta de alteração, em sede da Assembleia Legislativa, foi

defendido, de forma unânime, que o atual período em vigor para auscultação das Regiões Autónomas é, em

alguns momentos, impraticável, em especial quando se trata de determinadas matérias de maior

complexidade, como aquelas relacionadas com as questões laborais, argumentando os Deputados sentirem

dificuldade no estudo de vários assuntos de forma mais aprofundada, no que respeita aos projetos legislativos

do órgão de poder central.

A consulta por parte dos órgãos de soberania do poder central torna-se forçosa quando se trata de

questões de competência destes mesmos órgãos que abrangem as Regiões Autónomas, bem como em

matérias de interesse específico dessas mesmas regiões na definição das posições do Estado português, no

âmbito do processo legislativo europeu. São, então, imperativas estas audições, consagradas na Constituição

Página 26

I SÉRIE — NÚMERO 16

26

da República Portuguesa, de forma atempada, para que sejam, assim, consideradas adequadas as normas

com aplicações regionais emanadas dos órgãos do poder central.

Como já foi referido, também se prevê nesta proposta que haja a possibilidade de um pedido de

prorrogação do prazo quando a complexidade das matérias assim o exija, podendo, até, este prazo ser

encurtado para um período não inferior a cinco dias quando houver uma urgência fundamentada de um

parecer sobre as propostas legislativas. Pretende-se, assim, reforçar o poder autonómico das Regiões

Autónomas da Madeira e dos Açores perante os órgãos de soberania central, a partir do momento da entrada

em vigor desta solicitada alteração, e que todo este processo regimental e constitucional seja útil na equidade

e qualidade do processo legislativo.

Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera que esta proposta da Assembleia Legislativa

da Região Autónoma da Madeira é uma solicitação justa e que deve ser acolhida, estando o Partido Socialista

ao lado destas mesmas solicitações, e relembra ainda que, no que respeita à Região Autónoma dos Açores, é

já aplicada uma regra especial, prevista no artigo 188.º do Estatuto Político-Administrativo da Região

Autónoma dos Açores, de 20 a 15 dias, consoante a emissão do parecer seja da competência respetiva da

Assembleia Legislativa ou do Governo Regional.

Portanto, é justo que os órgãos do governo próprio da Região Autónoma da Madeira gozem também deste

período para auscultação, transitando, assim, de 15 para 20 dias os pareceres resultantes da Assembleia

Legislativa da Região Autónoma da Madeira e de 10 para 15 dias os do Governo Regional.

Deixo também uma nota sobre a proposta de alteração do artigo 9.º, no sentido de referir a consequência

da não observância do dever de audição ou do incumprimento dos prazos, que nos parece redundante, uma

vez que tal decorre do enquadramento jurídico-constitucional vigente.

Em suma, efetivamente, a presente proposta de lei apresenta todo o mérito de promover e reforçar a

participação efetiva das Regiões Autónomas no processo legislativo da Assembleia da República e do

Governo e merece o apoio do Partido Socialista, deixando estas notas de reflexão e clarificação.

Por fim, deixo uma nota, fruto da intervenção da Deputada Sara Madruga da Costa, que referiu algumas

situações, que, realmente, ocorreram, de prazos não estabelecidos por parte do Governo Regional.

Esperamos que este princípio, hoje discutido, e esta postura democrática, por parte do Partido Socialista,

estejam sempre presentes e sejam uma prática por parte do Governo Regional e da Assembleia Legislativa da

Madeira; esperamos que haja sempre o tempo para auscultar os municípios, que haja sempre, nas medidas,

oportunidade de auscultar todas as entidades intervenientes, todos os parceiros sociais, o que, muitas vezes,

também falha; esperamos que o princípio e o exemplo de hoje estejam também na Assembleia Legislativa da

Madeira e, em especial, que seja essa a postura por parte do Governo Regional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como já foi dito, esta proposta de lei, que nos chega da Região Autónoma da Madeira, faz todo o sentido e tem muito que ver com a

dignidade dos trabalhos parlamentares. Há uma série de trabalhos parlamentares, principalmente aqueles que

se passam nas comissões, que, muitas vezes, não têm respeito pelo espírito com o qual foram criados, e este

é um deles.

A audição das Regiões Autónomas, como, noutros casos, por exemplo, a audição da Associação Nacional

de Municípios Portugueses ou da Associação Nacional de Freguesias, não é um pressuposto burocrático, é

um contributo essencial para o processo legislativo de um País que, na sua Constituição, acolheu um regime

que tem duas Regiões Autónomas. Tem duas Regiões Autónomas e, no contexto dessa autonomia, tem uma

série de responsabilidades que obrigam, por um lado, a que essas regiões se pronunciem em todas as

matérias que lhes possam dizer respeito e, por outro lado, numa lógica de consideração de toda a globalidade

do território nacional nos processos legislativos, a acolher também as opiniões dos órgãos legitimamente

eleitos nas Regiões Autónomas.

Página 27

23 DE OUTUBRO DE 2020

27

Já aqui, no Plenário, não demos um bom exemplo: quando foi feita uma alteração desta lei para uma região

autónoma e não para a outra, claramente, esse foi um processo legislativo errado. Não faz sentido nenhum

que haja regras diferentes para uma região autónoma e para outra.

Do que é que estamos a falar, afinal? Estamos a falar, por exemplo, de pedir um parecer a uma

Assembleia Legislativa de uma região ou a um Governo Regional, num dia, para o receber daí a dois dias. Isto

não é sério do ponto de vista do processo legislativo, porque ou o parecer não é suficientemente pensado e

detalhado ou não é, pura e simplesmente, enviado, já que os órgãos não têm condições para o fazer.

A consideração da importância das autonomias exige-nos esta responsabilidade, neste processo legislativo

em concreto. Assim, o CDS votará favoravelmente as alterações, até porque as considera equilibradas, quer

nas possibilidades de extensão de prazo, quer nas possibilidades de redução de prazo. Achamos que as

possibilidades de redução, por urgência, são equilibradas e achamos que as possibilidades de extensão, por

complexidade, também o são.

Portanto, esta proposta de lei tem todo esse equilíbrio e, mais uma vez, é uma boa forma — e queria

terminar com esta ideia — de nos demonstrar que a Região Autónoma da Madeira é capaz de, com

serenidade, contribuir para a resolução daquilo que podem ser problemas de articulação entre o Governo da

República, o Governo da Região, os órgãos da República e os órgãos da região.

Assim tivesse essa mesma elevação, essa mesma responsabilidade e esse mesmo sentido de Estado o

Governo da República e, certamente, os madeirenses e os porto-santenses não estariam tão prejudicados

como estão neste momento, pelo tratamento absoluta e inaceitavelmente diferenciado que é dado à Região

Autónoma da Madeira.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Manuel Pureza.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois do inicial pingue-pongue entre PS e PSD a respeito das relações entre os órgãos do Governo da República e os órgãos de

governo próprio das Regiões Autónomas, creio que a intervenção feita pelo Sr. Deputado João Almeida coloca

as questões como elas devem ser colocadas.

Concordamos, precisamente, com a maneira como colocou a questão, justamente do ponto de vista da

efetividade de audições.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Exato!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Isto é, podemos ter uma figura meramente formal e que é, digamos, cumprida de uma forma burocrática, sem qualquer efeito útil, ou podemos dar efetiva utilidade a essas

consultas e, portanto, necessariamente, os pareceres têm de ser solicitados com a antecedência que conduza

a isso.

Aliás, o próprio Tribunal Constitucional, em várias ocasiões, mas, pelo menos, em 2006, exarou um

acórdão que, creio, faz doutrina clara a este respeito, se é que ela era necessária. Vou citar, para que se

registe: «Sob pena de esvaziar o direito de audição numa formalidade sem sentido útil, a oportunidade de

pronúncia do titular do direito deve situar-se numa fase do procedimento legislativo adequada à ponderação,

pelo órgão legiferante, do parecer que aquele venha a emitir, com a possibilidade da sua direta incidência nas

opções da legislação projetada. O cabal exercício do direito de audição pressupõe, assim, que, além de um

prazo razoável para o efeito, ele se exerça (ou possa exercer) num momento tal que a sua finalidade

(participação e influência na decisão legislativa) se possa atingir, tendo sempre em conta o objeto possível da

pronúncia.»

É isto, de facto, que temos perante esta iniciativa da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da

Madeira, ou seja, corrigir uma prática parlamentar que tem estado vezes demasiadas viciada por um

entendimento burocrático desta obrigação de audição, que levou, aliás, a sucessivos pedidos de fiscalização

de inconstitucionalidade, por exemplo nas leis do Orçamento de 1999, de 2007, de 2008, nas quais,

justamente, os pareceres foram solicitados perfeitamente a destempo para cumprir uma formalidade e não

para que os pareceres fossem efetivos.

Página 28

I SÉRIE — NÚMERO 16

28

Por isso, e em suma, o Bloco de Esquerda concorda com o sentido destas alterações. Haverá,

eventualmente, lugar para alguma afinação na especialidade, mas cá estaremos para que isso seja feito, pois

as propostas que são feitas merecem a nossa concordância.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, naturalmente, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, começar por dizer que saudamos a Assembleia Legislativa Regional da Madeira

por esta proposta de lei que apresentou à Assembleia da República. Saudamos, particularmente, o conjunto

de contributos que, em concreto, esta proposta de lei dá para que possa resolver-se um problema cuja melhor

solução seria, pura e simplesmente, ser prevenido.

Diria que mais do que resolver problemas de prazos, ou alargá-los, ou encontrar forma para que estes

possam ser cumpridos, julgo que é importante, no funcionamento dos órgãos de soberania, seja a Assembleia

da República ou o Governo, que o respeito pelo direito à audição das Assembleias Legislativas Regionais e

dos Governos Regionais, enquanto órgãos próprios das Regiões Autónomas, seja concretizado como parte

integrante do respeito por qualquer diploma legislativo da República, que tem de ter, naturalmente, essa

consideração.

Portanto, diria mesmo que melhor do que estas soluções propostas pela Assembleia Legislativa Regional

da Madeira só mesmo o cumprimento e o respeito pelo direito de audições das Regiões Autónomas podem

ultrapassar este problema.

Queria também dizer que, na nossa leitura, o que é proposto pela Assembleia Legislativa Regional da

Madeira não nos merece objeção. O alargamento de prazos não justifica nenhuma objeção ou reparo, nem, de

resto, a previsão que se adianta de clarificação, relativamente às possibilidades quer de dilatação dos prazos

quer de encurtamento, ainda que, em relação ao encurtamento dos prazos, haja necessidade, de facto, de

afinar alguma coisa.

Queria apenas chamar a atenção dos Srs. Deputados para um processo que, ainda muito recentemente,

convocou a necessidade de uma audição urgente por parte dos órgãos próprios das Regiões Autónomas, que

foi o processo de declaração do estado de emergência, cujos pedidos de audição aos órgãos das Regiões

Autónomas careceram, naturalmente, de urgência. Diria que nenhum Sr. Deputado, na Assembleia da

República, reconhecerá que um prazo de cinco dias para dar um parecer sobre a declaração do estado de

emergência não será, provavelmente, consentâneo com a urgência daquela matéria. Há naturalmente, desse

ponto de vista, uma questão que poderá ser resolvida legisticamente, porque o regime do estado de sítio e do

estado de emergência consta de uma lei orgânica e uma lei ordinária há que ter em consideração o que dispõe

a lei orgânica relativamente ao estado de exceção.

De qualquer forma, este é apenas um aspeto sobre o qual julgo que há necessidade, de facto, de haver

uma consideração de algum afinamento nesta matéria, não suscitando, naturalmente, nenhuma objeção a esta

exigência feita na proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira de uma

exigência de fundamentação, na declaração do órgão de soberania, do motivo pelo qual é requerida a

urgência no pedido de parecer respetivo.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, diria que, da parte do PCP, acompanhamos, no essencial, esta justa

reivindicação que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira traz à Assembleia da República

com esta proposta de lei. Estamos, naturalmente, disponíveis para contribuir para os melhoramentos que o

texto da lei necessita, para que a lei da República possa ser uma lei da qual resulta uma solução que, não

apenas em relação à Região Autónoma da Madeira, mas também em relação à Região Autónoma dos Açores,

possa ultrapassar os problemas identificados e que já foram referidos em intervenções anteriores.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa, tem a palavra, visto que, evidentemente, ainda dispõe de tempo. Faça favor, Sr.ª Deputada.

Página 29

23 DE OUTUBRO DE 2020

29

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria apenas de lamentar que o PS tenha perdido mais uma oportunidade para se demarcar desta postura, que consideramos

verdadeiramente inadmissível, do Governo da República em relação à Madeira.

O Partido Socialista perdeu, assim, mais uma oportunidade para demonstrar que está do lado da Madeira e

continua sem dizer nada sobre este tratamento discriminatório e sobre a falta de solidariedade do Governo da

República no que diz respeito ao aval, que vai custar a todos os madeirenses mais 84 milhões de euros.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Concluímos, assim, este ponto da ordem de trabalhos. Vamos passar ao quarto ponto, que prevê a discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 36/XIV/1.ª (ALRAM) —

Comissões de inquérito das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas — Primeira alteração à Lei n.º

48/2014, de 28 de julho.

Aguardamos inscrições para não termos de passar ao ponto seguinte sem que haja intervenções.

Pausa.

Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa, estávamos justamente a aguardar a sua intervenção. Tem a

palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A presente iniciativa, também da autoria da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, pretende corrigir uma

desigualdade e eliminar uma diferença de tratamento que não tem qualquer razão de ser.

Em 2014, o Parlamento dotou as comissões parlamentares de inquérito da Assembleia Legislativa da

Região Autónoma dos Açores de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais e não previu o

mesmo para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

Sr.as e Srs. Deputados, na anterior Legislatura, o Parlamento madeirense apresentou ao Parlamento

nacional idêntica proposta que acabou, entretanto, por não ser discutida e que, agora, é retomada nesta

sessão. Chamo, assim, a atenção da Câmara e das Sr.as e dos Srs. Deputados para a importância de

corrigirmos esta desigualdade e de aprovarmos esta iniciativa.

Sr.as e Srs. Deputados, o que está em causa é equiparar o regime jurídico das comissões de inquérito nas

duas Assembleias Legislativas; é atribuir à Madeira os mesmos direitos e poderes previstos para as comissões

de inquérito constituídas nos Açores; é possibilitar o direito à coadjuvação das autoridades judiciárias, dos

órgãos de polícia criminal e das autoridades administrativas nos mesmos termos dos tribunais; é possibilitar a

aplicação da lei processual penal à justificação para a recusa de apresentação de documentos, falta de

comparência, recusa de depoimento ou falta de colaboração considerada relevante; é possibilitar a tipificação

como crime de desobediência qualificada à não apresentação injustificada de documentos, à falta injustificada

de comparência, à recusa injustificada de depoimento ou à falta injustificada de prestação de informação

considerada relevante.

Sr.as e Srs. Deputados, o que está em causa é, acima de tudo, corrigir uma injustiça e transformar a Lei n.º

48/2014 numa lei aplicável às duas Regiões Autónomas, sem qualquer distinção, pondo termo a uma

injustificada discriminação que perdura há seis anos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Presidente foi um dos Deputados, tal como o Sr. Deputado José Manuel Pureza e eu próprio, que trabalhou na revisão deste

regime jurídico dos inquéritos parlamentares. De facto, há matérias, como é referido na proposta de lei e até

Página 30

I SÉRIE — NÚMERO 16

30

na sua exposição de motivos, que são da exclusiva competência da Assembleia da República e, portanto, o

regime dos inquéritos parlamentares foi revisto nesse sentido.

Qual é o problema? A legislação sobre essas comissões de inquérito nas Assembleias Regionais é

remetida para iniciativa legislativa regional. Portanto, há o seguinte problema: não pode haver uma

equiparação entre direitos, e até de poderes, das comissões de inquérito da Assembleia da República com

direitos e poderes das comissões de inquérito das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas porque

estas não podem legislar sobre matéria que é da exclusiva competência da Assembleia da República.

Por exemplo, o caso mais simples será o da questão da desobediência e o de alguém que se recuse a

prestar depoimento numa comissão de inquérito das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas. Tal

não pode ter uma consequência idêntica àquela que terá alguém que se recuse a prestar depoimento numa

comissão de inquérito da Assembleia da República.

Do nosso ponto de vista, o que pretende a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira faz

sentido, porque estas comissões são tanto de inquérito aqui como nas Assembleias Legislativas das Regiões

Autónomas. A Assembleia da República não é instância de recurso das comissões de inquérito das

Assembleias Legislativas das Regiões, para isso tinha de haver, então, essa instância de recurso. Falei

também da questão da desobediência, o que releva da relação com as autoridades criminais para obtenção de

informações e para o relacionamento entre órgãos políticos e jurisdicionais.

Nesse sentido, da parte do CDS-PP, viabilizaremos e votaremos favoravelmente esta proposta de lei.

Achamos que é um contributo para que, também nas Regiões Autónomas, os inquéritos parlamentares sejam

um instrumento fundamental do poder de fiscalização que devem ter todas as Assembleias Legislativas.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É um pouco estranho termos de fazer este debate e esta alteração legislativa, porque, na verdade, não faz sentido e não se percebe a

razão de ser — a não ser por motivos outros que não aqueles que nos cabe aqui discutir — da diferença de

regime jurídico das comissões parlamentares de inquérito levadas a cabo pela Assembleia Legislativa da

Região Autónoma da Madeira e pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.

A lei de 2004 consagrou um conjunto de poderes para as comissões de inquérito na Assembleia Legislativa

da Região Autónoma dos Açores e devia tê-lo feito de igual modo para os órgãos de Governo próprios da

Região Autónoma da Madeira. Assim não foi, errada e inexplicavelmente, do nosso ponto de vista.

Portanto, o que nos é aqui proposto é que haja um equilíbrio, uma igualdade de competências e de

responsabilidades das comissões parlamentares de inquérito nas duas Assembleias, na área, desde logo, de

coadjuvação de autoridades judiciárias, de órgãos de política criminal, de autoridades administrativas e, como

já foi referido pelo Sr. Deputado João Almeida, de criminalização da desobediência, algo que, evidentemente,

tem de estar presente no regime jurídico das comissões parlamentares de inquérito desta Assembleia

Legislativa.

Com toda a franqueza, pensamos que se trata de corrigir um erro que já devia ter sido corrigido há mais

tempo. Ainda bem que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira toma esta iniciativa, porque

permite, justamente, que o Parlamento corrija o que já devia ter acontecido.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Olavo Câmara.

O Sr. Olavo Câmara (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: «Autonomia» — é a forma como classifico a discussão trazida aqui hoje, neste ponto e no ponto anterior, uma vez que estamos precisamente a

discutir um projeto que veio da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que é o

representante máximo do poder autonómico da Região Autónoma da Madeira.

Permitam-me esta classificação do debate, pois, para qualquer ilhéu, qualquer avanço, por mais pequeno

que seja, no aprofundamento da autonomia, é mais uma vitória para o futuro da nossa região e para o futuro

da unidade do nosso País.

Página 31

23 DE OUTUBRO DE 2020

31

Esse avanço que nos traz aqui hoje é, nada mais nada menos, do que o reforço das competências de

fiscalização do primeiro órgão do Governo da Região Autónoma da Madeira, do Parlamento regional, a

exemplo do que já aconteceu na Assembleia da República e na Assembleia Legislativa dos Açores.

A matéria em questão é a mesma que foi discutida em 2014 nesta Casa, e que foi aprovada por todos os

partidos deste Parlamento. Um apoio unânime que fez todo o sentido em 2014, por iniciativa dos Açores, e

que para o Partido Socialista faz sentido que também aconteça para a Madeira no dia de hoje.

O alargamento da Lei n.º 48/2014 mereceu a concordância de todos os partidos na Assembleia Legislativa

da Região Autónoma da Madeira e vai permitir exercer de forma plena as suas competências de fiscalização e

sindicar da melhor forma os atos do Governo Regional e respetiva administração regional.

Sr.as e Srs. Deputados, estamos perante uma materialização do que estava já previsto no Estatuto Político

Administrativo da Região Autónoma da Madeira e na própria Constituição portuguesa, que vem assim atribuir

à Assembleia Legislativa da Madeira as mesmas competências jurídicas e os mesmos poderes na realização

de inquéritos parlamentares, tal como já é feito na Assembleia da República e na Assembleia Legislativa da

Região Autónoma dos Açores.

Sr.as e Srs. Deputados, neste ponto deixo um alerta no sentido de que não basta prever poderes e

competências para os órgãos próprios das Regiões Autónomas, é necessário também materializá-los no

sentido de colocar todas as ferramentas possíveis ao dispor dos mesmos, a exemplo do que esta proposta de

lei vem precisamente fazer.

A autonomia tem de ser cumprida, tem de ser exercida no sentido evolutivo, para responder da melhor

forma aos desafios que as regiões insulares enfrentam todos os dias.

Sr. Presidente, da mesma forma que aqui hoje reforçamos os poderes do Parlamento regional, também

terá de haver uma maior atenção por parte da nossa Casa, da Assembleia da República, em relação aos

diplomas que nos chegam aqui, precisamente dos parlamentos regionais.

Esta proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é a mesma que chegou

em 2017 e que caducou com o fim da anterior Legislatura sem ser posta à votação, uma situação que não

pode voltar a acontecer pelo respeito e trabalho dos parlamentos regionais e pelo respeito por todos aqueles

que nós representamos nesta Casa.

Sr.as e Srs. Deputados, a autonomia tem de ser defendida sempre. Qualquer mau exemplo de utilização da

autonomia nas nossas regiões, concorde-se ou não com o rumo que as regiões estão a seguir ou até mesmo

quando o discurso autonómico é capturado para uma guerrilha político-partidária que em nada serve as

nossas regiões, nunca pode ser desculpa para uma qualquer penalização das Regiões Autónomas ou para o

não aprofundamento da nossa autonomia.

Aplausos do PS.

A autonomia é um regime que tem de continuar a ser aprofundado. A autonomia é um regime que tem de

continuar a ser defendido. A autonomia é o futuro nas nossas mãos.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Olavo Câmara (PS): — O Partido Socialista é um partido autonómico, que construiu a liberdade em 74, criou a autonomia das nossas regiões em 76 e, mais uma vez, hoje, coloca-se ao lado do aprofundamento

da autonomia madeirense. O Partido Socialista é a favor deste diploma da Assembleia Legislativa da Região

Autónoma da Madeira.

Obrigado. É sempre bom defender a autonomia nesta Casa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra agora o Sr. Deputado João Oliveira.

Página 32

I SÉRIE — NÚMERO 16

32

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que agora discutimos visa, de facto, ultrapassar um problema que

é objetivo, um problema de diferenciação no regime legal previsto para o funcionamento das comissões de

inquérito nas duas Regiões Autónomas e que é, de facto, uma diferenciação que não pode encontrar qualquer

tipo de sustentação objetiva.

Esse é um problema que é preciso ultrapassar e parece-nos que, desse ponto de vista, o que é proposto

para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é uma referência, ela própria também objetiva,

da reprodução do regime legal das comissões de inquérito para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma

da Madeira e exatamente das mesmas normas que regulam o regime legal das comissões de inquérito da

Região Autónoma dos Açores.

Portanto, não nos merece nenhuma objeção a consideração desse critério que a Região Autónoma da

Madeira entendeu propor à Assembleia da República e acompanhamos as palavras que já foram aqui

proferidas por outras Sr.as e Srs. Deputados para registar, de facto, a perplexidade de uma situação de

desequilíbrio como esta que existe e que, na nossa perspetiva, é proposto ser superada com um critério que

nos parece objetivo, ainda que esta matéria não seja uma matéria isenta de complexidade e de uma discussão

aprofundada, como, de resto, já foi aqui referido, não apenas no ponto de vista da discussão que tem sido feita

ao longo de anos relativamente ao regime jurídico dos inquéritos parlamentares, mas também na sua

aplicação à Região Autónoma da Madeira.

Aliás, aquando do debate em que se discutiu a proposta da Assembleia Legislativa da Região Autónoma

dos Açores houve, até, a oportunidade de aprofundar, de uma forma relativamente significativa, a aplicação e

o enquadramento constitucional que estava previsto para o funcionamento das comissões de inquérito, quer

na Assembleia da República, quer nas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.

Até a revisitação dessa discussão e dos elementos que dela constam são importantes para que, também

neste processo legislativo, possamos encontrar a solução adequada que ponha fim a este problema de

desequilíbrio insustentável e injustificado da situação em que as comissões de inquérito da Assembleia

Legislativa da Região Autónoma da Madeira funcionam, face àquelas que funcionam na Assembleia

Legislativa da Região Autónoma dos Açores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa.

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria, em primeiro lugar, de começar por referir que a autonomia não se apregoa, a autonomia pratica-se, e pratica-se

diariamente. Por isso, estranho que o Partido Socialista venha agora aqui falar de autonomia quando tem

vindo sistematicamente a ser cúmplice, aqui, nesta Casa, deste Governo da República, quando aqui apoia

também o tratamento discricionário que é dado à Madeira, quando apoia a falta de solidariedade, que aqui já

referimos, para a concessão de um aval que vai custar 84 milhões de euros. Portanto, estranho e lamento que

se venha agora falar de autonomia, da parte de um partido que é cúmplice de um tratamento inadmissível e

discricionário relativamente à Madeira.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem ainda a palavra o Sr. Olavo Câmara.

O Sr. Olavo Câmara (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A minha Colega Sara Madruga da Costa, para além de ser colega nesta Casa, também é colega da região. E o que me deixa mesmo triste é ver

que o PSD continua a não perceber o que é autonomia.

Temos um Governo Regional que é autónomo; temos um Governo Regional com a melhor ferramenta que

podíamos ter nas nossas mãos, que é, precisamente, a autonomia, só precisamos de exercê-la, não

precisamos de uma retórica contra a República. Sei que isso dá dividendos políticos na nossa Região

Autónoma da Madeira e que preferem ter um argumento político em vez de resolverem os problemas das

Página 33

23 DE OUTUBRO DE 2020

33

pessoas, os problemas dos madeirenses. Isso é que é falta de capacidade para utilizar a autonomia que temos

nas nossas mãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Terminamos, assim, o quinto ponto da nossa ordem de trabalhos e vamos passar ao sexto ponto, relativo à apreciação do Relatório Anual de Segurança Interna — 2019.

Inscreveu-se, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr.as e Srs. Deputados: Quando se discutem matérias de segurança interna, parece haver um consenso generalizado…

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, não me leve a mal mas, ao falar da segunda fila, tem de usar máscara.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Essa discussão foi tida aqui, no Plenário, na semana passada, com o Sr. Presidente Ferro Rodrigues e ele não se recordava de essa decisão ter sido tomada em Conferência

de Líderes. Até ordem em contrário... Mas se o Sr. Presidente insiste, vou à tribuna sem problema.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Não estou em condições de confirmar. Até agora, a indicação que tinha era que só se falava sem máscara da primeira fila ou da tribuna.

Sr. Deputado, faça favor, venha à tribuna. Não me leve a mal.

Pausa.

Como, entretanto, o Governo, que já se encontra na Sala, informou a Mesa que pretende abrir o debate,

peço desculpa ao Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo e dou a palavra o Sr. Ministro da Administração

Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Eduardo Cabrita): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo estava presente no exterior do Hemiciclo aguardando que o debate anterior se concluísse, o que

sucedeu de forma mais expedita do que o previsto.

Este debate sobre o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) decorre, pelas circunstâncias do ano

muito singular que vivemos, num tempo diferente. Sabemos que é obrigação do Governo apresentar este

relatório até ao final do mês de março. Porém, a pandemia determinou que, em acordo com a Assembleia da

República, este prazo fosse diferido para o final de junho, data em que o relatório foi apresentado, e está a ser

discutido já no final de outubro de forma diferente daquilo que é habitual. É neste contexto que este debate se

verifica.

Este debate confirma o ano de 2019 como aquele em que Portugal consolidou a sua posição como um dos

países mais seguros e pacíficos do mundo. Pelo segundo ano, Portugal foi considerado o terceiro país mais

seguro do mundo. Isso deve-se muito ao trabalho dos homens e mulheres que servem Portugal nas forças de

segurança. O ano de 2019 foi o segundo ano com valores mais baixos de sempre, quer de criminalidade geral,

quer de criminalidade violenta e grave.

E se quisermos mesmo ter uma visão mais a longo prazo, os anos da anterior Legislatura, entre 2016 e

2019, foram os quatro anos com menores indicadores de registo de práticas criminais desde que existe

Relatório Anual de Segurança Interna. Significa isto que tudo está bem? Não, temos fenómenos que

naturalmente seguimos: o crescimento da violência doméstica reportada é uma prioridade que determina

propostas por parte do Governo; o aumento de fenómenos de burla informática, a atenção relativamente a

fenómenos como a prática de crimes, também por via informática e que estão associados ao bullying e a

novos fenómenos de criminalidade envolvendo jovens, fenómenos de radicalização, de xenofobia, de racismo,

que são absolutamente intoleráveis.

Página 34

I SÉRIE — NÚMERO 16

34

Permitam-me — aliás, exatamente porque fazemos este debate já no final do ano de 2020 — que vos dê

alguns indicadores daquilo que são os resultados preliminares relativamente aos primeiros nove meses já de

2020.

Em 2020, esta circunstância especial que vivemos contribuiu para uma redução da criminalidade geral em

cerca de 10% até ao final de setembro e uma redução da criminalidade violenta e grave em 11,4%. Mas,

novamente, indicadores como o crescimento significativo das burlas informáticas, o crescimento de fenómenos

online ou fenómenos como o da condução sem habilitação legal foram determinantes.

Por outro lado, a redução significativa de fenómenos como o furto em residências, uma tendência de ligeira

redução da violência doméstica, uma redução muito significativa dos crimes de incêndios florestais, um

policiamento de proximidade, o reporte de violência doméstica nas primeiras 72 horas com critérios

uniformizados, o combate ao incêndio rural ou incêndio florestal, a preocupação com a segurança de

proximidade são prioridades, num esforço que é de toda a sociedade portuguesa mas no qual muito devemos

a quem serve Portugal nas forças e serviços de segurança, consolidando a imagem do nosso País como um

dos países mais seguros e pacíficos do mundo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, vou dar início à minha intervenção, que deve entrar diretamente para o top das mais atribuladas desta semana.

Sr.as e Srs. Deputados: Quando se discutem matérias de segurança interna, parece haver um consenso

generalizado de que existe uma manifesta falta de recursos humanos e técnicos para combater a

criminalidade e outros tipos de ameaça à nossa segurança coletiva.

Parece haver consenso, mas só até se ler este Relatório Anual de Segurança Interna. É que o relatório

revela que os efetivos da GNR (Guarda Nacional Republicana), da PSP (Polícia de Segurança Pública), da

Polícia Judiciária, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e da Polícia Marítima diminuíram em 2019 face a

2018, tendo saído quase 1300 elementos e entrado apenas 408.

O relatório também revela que ficou por executar um terço — cerca de 33 milhões de euros — do previsto

na Lei de Programação de Infraestruturas e Equipamentos. Agora, aparece na proposta de lei de Orçamento

do Estado para 2021 um novo aumento de 10 milhões de euros. Se é para não executar, bem podem lá pôr o

aumento que quiserem.

Mas o que este relatório não revela, e devia revelar com destaque, é que o número de baixas por acidente

de trabalho nas forças de segurança é mais de um quinto do total de baixas, só na PSP.

Na última década, foram agredidos, em média, quase três elementos das forças de segurança por dia.

Apesar das piedosas intenções constantes das orientações em matéria de política criminal, o panorama não

está a melhorar, está antes a piorar. Sucedem-se os casos de agressões a forças de segurança, os casos de

resistência violenta a detenções, os casos de apedrejamento ou tiroteio durante ações de fiscalização.

As mulheres e os homens das forças de segurança são a primeira linha da defesa do Estado de direito,

sem o qual uma sociedade que desejamos mais liberal não pode funcionar. Estas mulheres e estes homens

merecem mais respeito e uma liderança que este Governo, pelos vistos, é incapaz de exercer.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Basílio Silva.

O Sr. Nelson Basílio Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A falta de espírito crítico e foco excessivo numa dimensão estatística são os dois problemas de fundo que são evidentes neste

Relatório Anual de Segurança Interna de 2019. Quem o lê, porventura, ficará com a ideia de que Portugal é

um oásis de segurança e que não há grandes mudanças a fazer. Mas essa leitura também poderá levar a crer

que, muitas vezes, a redução da criminalidade se fica a dever à falta de meios e não propriamente à falta de

criminalidade.

Página 35

23 DE OUTUBRO DE 2020

35

Vamos a um exemplo: o crime de corrupção. Se, em 2019, Portugal perdeu pontos no índice internacional

de perceção da corrupção, ficando abaixo da média da União Europeia e ao nível de Espanha, dos Barbados

e do Qatar, se lermos o relatório de 2019 vemos que o número de inquéritos no âmbito do crime de corrupção

diminuiu em 28%. O que justifica esta diminuição e esta contradição?

E o que justifica que, no âmbito das orientações para 2020, se tenha suprimido das ações prioritárias, por

exemplo, o reforço dos mecanismos de monitorização e avaliação dos planos de prevenção de riscos de

corrupção ou a promoção de auditorias financeiras aos processos com maior nível de risco, designadamente

no âmbito da contratação pública?

O que justifica este retrocesso, tendo em conta a situação do País em matéria de corrupção e o aumento

dos riscos neste domínio em virtude da COVID-19?

Quando, ainda esta semana, ouvimos o diretor da PJ (Polícia Judiciária) queixar-se da falta de meios

especializados no combate ao crime de corrupção, não se entende como é que o reforço de meios não está no

âmbito das ações prioritárias.

Mas, no caso dos crimes de maus-tratos contra animais de companhia, a situação é idêntica: vemos uma

diminuição de 5% de denúncias, o que em nada espelha a realidade do País. E, neste caso, mais do que um

problema de falta de meios, temos um problema de excesso de burocracia na denúncia, o que inviabiliza

grandemente o seu avanço para além da informalidade ou do plano das intenções.

Basta lembrar que, há um ano, ouvimos um representante do SEPNA (Serviço de Proteção da Natureza e

do Ambiente) queixar-se de que o facto de as pessoas relatarem na internet alguns casos suspeitos no âmbito

deste crime prejudicava o trabalho das autoridades. Passou um ano e, olhando para as ações prioritárias, tal

como ocorreu no relatório de 2018, continuamos a não ver uma única medida referente à prevenção,

investigação ou punição destes crimes, o que demonstra bem a falta de rasgo e de realismo deste relatório.

Nunca é demais lembrar que, no passado mês de julho, o PAN propôs aqui que os crimes contra animais

de companhia fossem, nos anos de 2020 a 2022, colocados entre os crimes de investigação prioritária, algo

que não só asseguraria uma ação mais contundente da parte das autoridades para com estes crimes como

também iria certamente dar mais realismo aos futuros relatórios. Contudo, tal não vai suceder, porque esta

proposta de elementar bom-senso do PAN foi reprovada com os votos contra de PS, PSD, PCP, CDS-PP,

PEV e CH e a abstenção do IL. Esta votação não só demonstra a falta de rasgo mas, principalmente, deixa

clara a falta de vontade política que existe da parte deste Parlamento para que se assegure o cumprimento do

quadro legal aplicável por si aprovado.

Não basta dar avanços na lei, é preciso concretizar esses avanços na prática.

Sr. Presidente, devo informar que o tempo que usei não foi contabilizado, mas devo ter excedido os 3

minutos em 8 a 15 segundos.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Muito obrigado, Sr. Deputado. Entretanto, por lapso, o tempo foi imputado ao PSD, o que será corrigido, sendo devolvido esse tempo ao PSD.

O Sr. João Oliveira (PCP): — O PSD, de certeza, não subscreve a intervenção!

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: O Sr. Ministro, mais uma vez, vem aqui para nos dizer aquilo que nós sabemos, ou seja, que o País é

um país relativamente seguro e que não temos um problema de segurança comparável com o de outros

países, o que obviamente é um fator de congratulação para todos nós.

No entanto, há algo que nos parece relevante e que o Sr. Ministro não pode — ou não deve — ignorar, que

é isto: essa afirmação não começou a ser feita com este Governo, nem com o Governo que o antecedeu e que

também era do seu partido, começou muito antes. Durante o período até mais difícil que o País viveu, altura

em que governavam o PSD e o CDS-PP, já esta tendência, que era uma tendência decrescente, existia.

Página 36

I SÉRIE — NÚMERO 16

36

O que acontece agora — e isso pode não ser ainda grave, mas é um sinal de alarme — é que, pela

primeira vez, a tendência se inverte, ou seja, pela primeira vez, a nível de criminalidade, não estamos só numa

tendência decrescente, estamos também numa tendência crescente, temos um sinal de inversão de tendência.

Sr. Ministro, aquilo em que vale a pena pensarmos é que, na correspondência entre a criminalidade e o

alarme social, alguns dos tipos de crimes que temos em crescimento são aqueles que mais alarme social

causam. São, por exemplo, os roubos na via pública e os assaltos e os ataques ao património. Estes são

alguns dos crimes que crescem e que são mais relevantes ou mais pesados no sentimento de segurança da

população, representando mais de 80% na comunidade em geral, mas muito centrados em alguns distritos do

País, designadamente Lisboa, Porto, Setúbal, Braga, o que também não é nenhuma novidade.

Por outro lado, e como o CDS sempre tem dito, temos também um fenómeno relevante, do ponto de vista

da segurança interna, que é a existência de cada vez mais crimes cometidos por gente mais nova, ou seja, há

também sinais preocupantes do ponto de vista da delinquência juvenil.

Ora, a delinquência juvenil, a existência de mais roubos e a existência deste tipo de crimes causa, em

alguma medida, um sentimento de insegurança que não devemos ignorar.

Acrescentaria a isto, Sr. Ministro — não é destaque especial neste relatório mas, para nós, é um fator de

preocupação, pelo que, já agora, aproveito a sua presença para referi-lo —, o que tem acontecido e a forma

como o Governo lidou com aquilo que todos sabemos ser hoje uma rota de imigração ilegal para o nosso País

e que o Sr. Ministro, a uma pergunta minha, apelidou de «ridícula», mas que, entretanto, o SEF veio confirmar

ser uma rota. Ora, isso devia ser uma preocupação essencial do Governo.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Vou mesmo concluir, Sr. Presidente. A grande questão aqui, Sr. Ministro, é, perante isto, o que vai fazer o Governo. É que é verdade que as

forças de segurança dão resposta, mas também é verdade que o Sr. Ministro não tem respondido às

promessas que fez às próprias forças de segurança, em meios, em equipamentos, em efetivos, em entradas, e

até em direitos essenciais, como são, por exemplo, os subsídios de turno ou de risco.

A grande pergunta, que carece de resposta, é esta: somos um País seguro, mas vamos continuar a

sacrificar as mulheres e os homens das forças de segurança ou vamos, finalmente, fazer-lhes justiça?

Muito obrigado, Sr. Presidente, pela sua tolerância.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Cunha, do BE.

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Uma primeira nota para dizer que a continuidade da tendência desta criminalidade reduzida em Portugal não pode ofuscar o aumento,

infelizmente, de alguns tipos de criminalidade. Entre estes últimos, o Sr. Ministro já aqui referiu,

nomeadamente, os crimes de burla informática e comunicações, mas eu refiro-me especialmente ao crime de

violência doméstica, que regista 29 498 participações, mais 3015 casos e um aumento de 11,4% face a 2018.

Trata-se do valor mais elevado desde 2010.

Importa referir que, apesar destes aumentos — aumentos num ano e diminuições noutro —, a verdade é

que se verifica uma certa estabilidade nos números da participação da violência doméstica, que se mantém

sempre abaixo das 30 000 participações por ano. Mas esta aparente estabilidade não pode ser encarada

como uma boa notícia, porque significa que continua tudo mais ou menos na mesma e que, na verdade, não

estamos a vencer o combate a este crime absolutamente abjeto.

O crime de violência doméstica continua a corresponder ao segundo maior aumento em termos de

criminalidade participada, ao primeiro aumento na categoria de crimes contra pessoas; a esmagadora maioria

das vítimas continuam a ser mulheres e a esmagadora maioria dos denunciados continuam a ser homens.

E confirmando a marca de género do crime de violência doméstica, o RASI diz-nos que mais de 50% dos

homicídios voluntários consumados acontecerem em contexto conjugal ou parental/familiar e que, das 35

vítimas mortais, 26 ocorreram em contexto conjugal, sendo, mais uma vez, a esmagadora maioria delas

mulheres.

Página 37

23 DE OUTUBRO DE 2020

37

Face a estes dados e à intenção do Governo de prosseguir o alargamento da rede de gabinetes de

atendimento e informação às vítimas de violência doméstica nos DIAP (Departamentos de Investigação e

Ação Penal), o que é referido no RASI, pergunto por que continuamos, há tantos anos, com menos de 60%

dos postos e esquadras equipados com salas de atendimento à vítima e com as respetivas equipas

especializadas, apesar dos vários compromissos já assumidos, aliás, também em sede de Orçamento de

Estado, para a cobertura territorial destes equipamentos e destas equipas especializadas.

Uma segunda nota também para a preocupação com os crimes sexuais, que registaram novamente

aumentos, aumentos sucessivos ano após ano, exigindo muito mais atenção e muito mais coragem no seu

combate. Falo, principalmente, do abuso sexual de crianças, adolescentes e menores dependentes, mas

também de outros crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, nomeadamente a violação. E são

também crimes que carregam, uma vez mais, a marca de género: 95,2% dos arguidos dos crimes de abuso

sexual de crianças são do sexo masculino, 99,3% dos arguidos do crime de violação são do sexo masculino e

91,9% das vítimas de violação são do sexo feminino. São crimes que exigem mais atenção e mais coragem no

seu combate.

Sobre outra matéria, Sr. Ministro, há, no RASI, qualquer coisa que não bate certo. De facto, na página 232

do RASI – 2019, é dito que o ano de 2019 foi aquele em que se verificou maior recrutamento para a GNR,

PSP e SEF, isto é, para as forças e serviços de segurança, mas os quadros expressos, na página 160, dão-

nos conta de uma realidade completamente diferente. Comparativamente com 2018, há menos 740 efetivos da

GNR e menos 340 efetivos da PSP. Sabemos e temos alertado consistentemente para a saída de cada vez

mais elementos por força da idade. Quando é que estes ingressos irão acontecer, fica por esclarecer. O Sr.

Ministro tem dito consistentemente que vão entrar mais elementos, mas não sabemos quando e a tendência

tem sido sempre a da diminuição.

Uma última nota para referir a intenção do Governo de consolidar uma política de migrações baseada nos

princípios da solidariedade e da responsabilidade partilhadas. Sr. Ministro, solidariedade não passa por deter

pessoas que vêm em busca de uma vida melhor, que fogem da fome, da perseguição e da miséria, em

estabelecimentos prisionais e instalações militares. Não é aceitável que Portugal só tenha um centro de

instalação temporária e que os espaços equiparados sejam armazéns de gente amontoada sem quaisquer

condições.

Para quando mais centros de instalação temporária ou outras soluções que garantam o acolhimento destas

pessoas em condições dignas e humanas, pois são pessoas que, na maior parte das vezes, quando estão

devidamente integradas, tanto contribuem para a economia do País?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado André Coelho Lima.

O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a analisar o Relatório Anual de Segurança Interna

relativo ao ano de 2019 praticamente em novembro de 2020. Ou seja, estamos a analisar um relatório sobre o

ano precedente praticamente findo o ano subsequente.

Ora, a prova da não atualidade do que estamos a analisar é que o Sr. Ministro optou, na sua intervenção

inicial, por trazer a este Parlamento os números novos da criminalidade já reportados ao ano presente, ao ano

de 2020, o que por si só demonstra a não atualidade do documento que hoje estamos a analisar.

Sr. Ministro, se é verdade que estivemos em pandemia — todos sabemos isso, esteve Portugal e esteve o

mundo —, é também verdade que até 31 de março tinha de ter sido entregue o RASI neste Parlamento e,

sendo que a declaração do estado de emergência é de meados de março, ele está nas mãos do Governo

desde final de janeiro, sensivelmente.

Sr. Ministro, mais do que isto, é a oportunidade de o atraso na entrega do RASI poder trazer atualidade nas

orientações estratégicas, porque o RASI, além de refletir sobre os dados da criminalidade num dado ano,

apresenta as orientações estratégicas para o ano seguinte, em função dos dados do ano anterior.

Assim, por incrível que pareça, chegamos a junho, recebemos o RASI e não há nenhuma alteração nas

orientações estratégicas para este ano, designadamente em matéria de segurança sanitária. E várias vezes o

Página 38

I SÉRIE — NÚMERO 16

38

PSD tem dito, nos fóruns próprios mas também, e designadamente, nesta Assembleia, que a segurança

sanitária é, nos dias de hoje, o maior temor dos cidadãos, e compreensivelmente pela situação em que todos

estamos envolvidos.

Um relatório anual cuja entrega é a meio do ano está, compreensivelmente, demasiado atrasado e tinha de

prever a circunstância em que o País está envolvido desde março. No entanto, não previu, ou seja, limitou-se

a manter aquilo que já estava no papel e não fez qualquer tipo de atualização, apesar dos vários alertas sobre

isso mesmo.

Mais, Sr. Ministro: o Relatório Anual de Segurança Interna permite-nos ver o índice de execução da Lei de

Programação de Infraestruturas e Equipamentos das Forças e Serviços de Segurança e verificamos que

temos uma execução plurianual, desde 2017, de 62,5%. É quase metade, é manifestamente pouco face àquilo

que foi prometido pelo Governo, e concretamente o ano de 2019 apresenta uma execução de 55,3%. Portanto,

se de cada vez que o Governo propõe a este Parlamento determinada intervenção, em termos de Lei de

Programação, só executar metade, temos de começar a tirar metade do tempo ao Governo, porque é o que

basta para aquilo que efetivamente vai ser executado.

Sr. Ministro, quero dar-lhe nota daquela que é a nossa reflexão sobre os crimes, o catálogo de crimes,

aquilo que nos apresenta o RASI de 2019 e aqueles que nos merecem maior preocupação.

Há um crime que todos consideramos hediondo, que é o da violência doméstica, que cresce de forma

assustadora. Sabemos bem que poderá significar maior número de participações — e que desejavelmente

assim seja! — mas, em todo o caso, um aumento de 10,6% em 2019 face a 2018 e, como disse agora a Sr.ª

Deputada do Bloco de Esquerda, representando 50% do total dos homicídios ocorridos em Portugal, é uma

matéria que tem de nos preocupar, independentemente da classificação em que Portugal esteja, a nível

internacional, em padrões de segurança. Tem de nos preocupar porque é uma questão civilizacional que tem

de nos envolver a todos.

Depois há outros dois crimes que consideramos importante referir neste momento, porque são crimes que

representam novos fatores de criminalidade: por um lado, a cibercriminalidade, cujos fenómenos têm

aumentos exponenciais, e estamos a falar de uma ameaça à vida das pessoas e à sua segurança e

estabilidade que nós nem conhecemos, pois somos atacados sem sabermos que estamos a ser atacados. É

uma realidade nova, é certo, mas a burla informática, por exemplo, tem um crescimento na ordem dos 66,7% e

os crimes informáticos um crescimento na ordem dos 42,7%. São crescimentos enormes para uma nova área

de criminalidade, mas que não é nova no ano de 2019, pois ela já estava presente.

Por último, Sr. Ministro, as rotas de imigração ilegal. Se o Sr. Ministro me permite, quero dar-lhe a

oportunidade de se poder retratar daquilo que disse ao País, na qualidade de Ministro da Administração

Interna, quando classificou como «ridícula» — aliás, foi depois secundado pelo Ministro dos Negócios

Estrangeiros — a existência de rotas de imigração ilegal e, depois, quer a agência europeia Frontex (Agência

Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira), quer o SEF, quer os serviços de informações, nos seus

relatórios, quer — pasme-se! — o próprio Relatório Anual de Segurança Interna que nos entrega o Governo, o

próprio relatório que o Sr. Ministro está a defender, diz que Portugal continua a servir como um ponto de

acesso subsidiário ao espaço europeu, sendo expectável um aumento da imigração ilegal com reflexos diretos

no nosso País.

Sr. Ministro, aquilo que o Sr. Ministro classificou como ridículo está neste relatório que estamos a analisar

como uma preocupação que devemos ter presente e, para além de refletir sobre as matérias que aqui trouxe,

terá, então, a oportunidade de poder retratar-se pela forma como qualificou as rotas de imigração ilegal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Ministro, queria começar por registar com satisfação um dado objetivo que é discutirmos o Relatório Anual de

Segurança Interna de 2019, felizmente, sem o sobressalto que marcou outras discussões de outros relatórios

anuais de segurança interna, particularmente em anos marcados pelos crimes, por exemplo, de roubo de

automóveis e sequestro, o designado carjacking, que suscitou algumas discussões de verdadeiro sobressalto

Página 39

23 DE OUTUBRO DE 2020

39

em alguns relatórios de segurança interna, ou o furto de cobre por todo o País, que gerava um sentimento de

insegurança e intranquilidade nas populações, face ao fenómeno criminoso que se ia verificando de norte a sul

do País, particularmente nas zonas rurais.

Registamos com satisfação, repito, este dado objetivo de não fazermos a discussão deste Relatório Anual

de Segurança Interna debaixo desse sobressalto, não querendo com isto dizer que não há motivos de

preocupação — e já me referirei a eles — mas, sobretudo, sublinhando isto porque consideramos nesta

avaliação que tal resulta, naturalmente, de uma crescente eficácia, de um crescente empenho, que tem

resultados objetivos, das nossas forças e serviços de segurança, do conjunto de meios que são mobilizados

para dar resposta a um conjunto de fenómenos criminais que foram sendo abordados ao longo dos anos, com

alguma profundidade, por parte da Assembleia da República.

Não há uma alteração significativa dos valores globais da criminalidade, mas há, neste Relatório Anual da

Segurança Interna, fenómenos que registam uma tendência para o agravamento, como são os casos do crime

de burla informática e das comunicações, que o Sr. Ministro já referiu, e que regista um aumento de 66%.

Estamos a falar de dados de 2019, mas também já foi referido que, em relação a 2020, há uma particular

preocupação, até porque ainda recentemente houve notícia pública de que, nos crimes de burla informática e

nas comunicações, havia um aumento significativo das denúncias que eram feitas. Portanto, estes dados que

já eram preocupantes em relação a 2019 e correm o risco de se tornarem ainda mais preocupantes em

relação a 2020.

Ora, é preciso que esse elemento seja considerado a fim de serem tomadas as devidas medidas e para

que este fenómeno possa ser encarado com a devida relevância também.

Naturalmente, suscita-nos preocupação o aumento de 10% do crime de violência doméstica, que também

causa preocupações redobradas não apenas por este aumento em relação a 2019 mas pela repercussão que

as decisões que tiveram de ser tomadas para fazer face à situação de epidemia e que, independentemente do

estado de emergência, continuam a exigir, em muitas circunstâncias. O confinamento à habitação de algumas

populações —, como ainda hoje acabámos de verificar relativamente a outros três concelhos —, o

confinamento à habitação de muitas famílias, é, naturalmente, um enquadramento que não é favorável à

diminuição da verificação destas ocorrências, do crime de violência doméstica. E, Sr. Ministro, isto tem de ser

acompanhado de medidas que correspondam à preocupação que este fenómeno significa. Digo isto em

relação a estes dois crimes como pode acontecer em relação a alguns outros.

Queremos também deixar a nossa preocupação com o crime de tráfico de pessoas, designadamente para

exploração laboral. Existem indícios muito sérios e visíveis quanto à gravidade desta questão que não estão a

ter a devida resposta, nem no desmantelamento das redes, nem na proteção das vítimas.

Outro problema incontornável é o da falta de efetivos nas forças e serviços de segurança. A evolução em

2019 mostra que, no conjunto das forças e serviços de segurança — GNR, PSP, SEF, PJ e Polícia Marítima

—, entraram 408 e saíram 1284. Na GNR, o saldo negativo foi de 800 efetivos e na PSP foi de 334. Em 2020,

como se sabe, de resto, até por proposta do PCP, ficou inscrita no Orçamento do Estado uma norma que

visava a integração de 2500 profissionais, mas não se registou uma recuperação de efetivos capaz de

colmatar este défice até este momento, em relação àquele objetivo que ficou inscrito no Orçamento. A PSP e a

GNR têm as maiores responsabilidades no policiamento de proximidade e isso exige efetivos.

O saldo positivo de 114 efetivos na Polícia Judiciária e de 147 no SEF estão, também, muito longe de

corresponder às necessidades mínimas daquelas forças. Um total de efetivos de 1337 na Polícia Judiciária,

1006 no SEF e 522 na Polícia Marítima é inacreditável, se considerarmos as responsabilidades que impendem

sobre estes serviços.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente, deixando ao Sr. Ministro o seguinte repto: não há uma palavra no Relatório Anual de Segurança Interna sobre a situação socioprofissional dos efetivos das

forças e serviços de segurança. Ora, conhecidas que são as razões da desmotivação, designadamente por

falta de incentivos remuneratórios, não haver uma palavra sobre isso no Relatório Anual de Segurança Interna

parece-nos um elemento negativo e gostávamos que o Sr. Ministro nos desse, ainda, alguma resposta sobre

Página 40

I SÉRIE — NÚMERO 16

40

esta matéria, algum esclarecimento e, sobretudo, alguma perspetiva de solução para os problemas que são

sentidos pelos profissionais das forças e serviços de segurança.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Susana Amador.

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Relatório Anual de Segurança Interna, que hoje estamos a apreciar, espelha um caminho

importante. Um caminho de consolidação, um caminho de continuidade da descida sustentada da

criminalidade, um caminho de confiança e um caminho de concretização de muitas das orientações definidas.

Começando pela consolidação, mais uma vez, este relatório estabiliza a imagem de Portugal. Uma imagem

reconhecida, do ponto de vista internacional, como o terceiro País mais seguro e pacífico do mundo, um dado

que revela que o Estado português tem assegurado com competência a legalidade democrática dos direitos

dos cidadãos, à luz do artigo 272.º da Constituição da República Portuguesa.

Espelha também um caminho de confiança, porque tem sido essa a relação que tem sido desenvolvida

entre as forças de segurança e os portugueses.

Por isso, em nome do Grupo Parlamentar do PS, quero deixar uma saudação a todos os homens e a todas

as mulheres que, nas forças de segurança deste País e nos órgãos de polícia criminal, asseguram elevados

níveis de segurança pública e a tranquilidade a que todos nós aspiramos.

Esta tarefa, Sr. Ministro e Sr.as e Srs. Deputados, tornou-se ainda mais difícil, mais delicada e exigente

tendo em conta o estado de pandemia que vivemos e as medidas restritivas adotadas, designadamente

aquando do estado de emergência. Porém, ao acompanharmos essas medidas e a sua execução, revelámos,

e conseguimos verificar, que as forças de segurança, com a devida proporcionalidade e adequação, tiveram,

de facto, uma gestão e de uma execução muito equilibrada neste período tão delicado, e também por isso as

saudamos.

É um caminho de continuidade da descida sustentada da criminalidade geral e violenta, que temos de

avaliar sempre em ciclos longos, porque é assim que se avaliam também as estatísticas do ponto de vista de

matéria criminal. A verdade é que, desde a Lei da Segurança Interna de 2008 até ao ano de 2019, passando,

portanto, vários governos, verificámos que houve uma diminuição de mais de 20% na criminalidade geral e

uma diminuição, durante esse período, de mais de 40% nos crimes violentos e nos crimes graves. Portanto,

como referi, é uma descida sustentada e continuada da criminalidade do nosso País.

Ainda assim, também em 2019, não obstante o aumento de 3% no que diz respeito ao crime violento e

grave, temos o segundo melhor registo desde que há registos neste domínio, portanto, um valor que

queremos, também, assinalar.

Contrariamente àquilo que foi referido pelo PSD, há neste relatório um dado muito importante: há três

crimes que, do ponto de vista das estatísticas, descem, e são esses crimes que também dão à população uma

grande perceção da segurança ou da falta dela. Refiro-me aos homicídios, que diminuíram 19,1%, em relação

ao ano anterior, refiro-me ao furto por carteiristas e ao furto de veículos. Portanto, há três tipologias de crime

em clara diminuição.

Contribuiu para o ligeiro crescimento da criminalidade o aumento da burla informática e comunicações, a

que já nos referimos, bem como da violência doméstica, que cresceu 10,6% e que este grupo parlamentar,

obviamente, acompanha com toda a atenção, porque entendemos que este é um combate de todos, um

combate da Assembleia da República, do Governo, da sociedade, de todas as ONG (organizações não

governamentais), para quebrarmos este ciclo longo e demasiado penoso de perpetuação geracional da

violência de género.

Por isso, acompanhamos de perto a necessidade de concretizarmos em pleno as recomendações da

Comissão Técnica Multidisciplinar, designadamente nas 72 horas após a denúncia, a expansão dos GAV

(Gabinetes de Apoio à Vítima), que estão a acontecer nos departamentos de investigação e ação penal, e

sublinhar que temos dedicados ao combate deste tipo de crime mais de 1100 elementos da PSP e da GNR,

em equipas de proximidade de apoio à vítima.

Página 41

23 DE OUTUBRO DE 2020

41

Concretização foi também um caminho que este relatório espelhou, porque continuamos a apostar,

obviamente, numa segurança interna que exige um reforço dos recursos humanos, materiais e tecnológicos,

para podermos prosseguir de forma eficaz a prevenção e a investigação de todas as formas de crime.

Por isso, no ano de 2019 gostaria de destacar a Lei de Programação de Infraestruturas e Equipamentos

das Forças de Segurança, que, ainda assim, fez um bom caminho com a entrega de mais de 1200 viaturas, 12

300 armas e acessórios e de mais 35 000 equipamentos de proteção individual, portanto um caminho de

reforço de equipamentos para as forças de segurança, o plano plurianual de admissões, que prevê, até 2023,

mais de 10 000 profissionais ao serviço das nossas forças de segurança.

Para concluir, há também uma visão estratégica que perpassa este relatório e que perpassa também a

atividade governamental, porque esta visão estratégica é fundamental, quer na cooperação internacional e

policial ao nível das grandes ameaças globais, quer na preocupação de proximidade com programas que dão

também às pessoas essa perceção de segurança, o que é muito importante. Refiro-me aos programas para os

grupos mais vulneráveis — crianças, idosos e deficientes —, como os programas Estou Aqui! ou Idosos em

Segurança, a par dos contratos locais que têm vindo a aumentar — já temos cerca de 30 contratos com as

autarquias —, envolvendo também o poder local, cada vez mais na proximidade.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Susana Amador (PS): — Para concluir, Sr. Presidente, queria dizer que queremos continuar a prosseguir uma política de solidariedade com os estrangeiros e os refugiados em Portugal e, por isso, neste

primeiro ano de acompanhamento do plano global de migrações, o nosso plano nacional foi o primeiro, aliás, a

ser entregue e já tem 80% das medidas em execução.

Concluindo, a segurança interna é um eixo fundamental do Estado de direito democrático, um Estado em

que a liberdade e a segurança revestem dimensões de dignidade humana e de cidadania. Nunca nos iremos

desviar desses valores, até porque são esses os princípios constitucionais em que forjamos o País livre e

seguro de que nos orgulhamos de ser.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — A Mesa não regista mais inscrições dos grupos parlamentares, pelo que dou a palavra, para concluir este debate, ao Sr. Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A serenidade deste debate prova quanto a segurança é um dos maiores ativos da sociedade portuguesa, um ativo para a coesão

social, um ativo para a promoção do investimento, um ativo para a recuperação da crise.

Partilho muito da visão do Sr. Deputado João Oliveira, que, com a sua experiência parlamentar, bem

comparou os dados deste relatório com o que foram outros que aqui vimos. Porque não há volta a dar para

esta direita tremendista:…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Essa não veio hoje!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … de facto, a evolução positiva tem sido sustentada, mas os quatro melhores anos de sempre, em termos de indicadores de criminalidade registada, foram 2016, 2017,

2018 e 2019, comparando com quaisquer dos anteriores e, por isso, nós passámos de 18.º país mais seguro

do mundo, em 2014, para 3.º em 2019 e 2020.

É preciso fazer mais, sim, no combate à violência doméstica, no combate à xenofobia e ao racismo, na

prevenção das burlas informáticas que continuam a crescer. Neste ano, ano excecional e de pandemia, o que

verificamos é que foi exercida a autoridade de Estado de forma democrática, sem que as forças de segurança

jamais fossem acusadas de abuso de autoridade. Por isso, o plano plurianual de admissões é tão importante:

10 000 novos elementos a recrutar para as forças de segurança até 2023, com as limitações que a pandemia

determina na formação.

Página 42

I SÉRIE — NÚMERO 16

42

Portanto, é preciso fazer justiça, e este Orçamento do Estado para 2020 permitiu pagar já 28 milhões de

euros de retroativos, suplementos que, entre 2011 e 2018, tinham deixado de ser pagos. Por isso, o

Orçamento do Estado para 2021 — cá estaremos para o discutir — prevê um programa especial de habitação

para jovens polícias.

É neste consenso social e nesta valorização do papel único e de tanto que os portugueses devem aos

homens e mulheres que defendem a democracia e a segurança coletiva nas forças de segurança que nós

construímos este futuro, com base no que a solidez do trabalho feito em 2019 e 2020 nos permite.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, estamos a concluir os nossos trabalhos. Queria, entretanto, deixar algumas informações.

Em primeiro lugar, queria lembrar que a sessão plenária de amanhã terá início às 9 horas e 30 minutos, e

não às 10 horas, como acontece na maioria dos casos.

No primeiro ponto da ordem de trabalhos procederemos à discussão das Propostas de Lei n.os 57/XIV/2.ª

(GOV) — Transpõe a Diretiva (UE) 2018/958, relativa a um teste de proporcionalidade a realizar antes da

aprovação de nova regulamentação das profissões e 59/XIV/2.ª (GOV) — Procede à simplificação dos

procedimentos associados ao reconhecimento das qualificações profissionais, transpondo a Diretiva

2005/36/CE.

Do segundo ponto consta a discussão da Proposta de Lei n.º 58/XIV/2.ª (GOV) — Autoriza o Governo a

legislar em matéria relativa à qualificação e à formação dos motoristas de determinados veículos rodoviários

afetos ao transporte de mercadorias e de passageiros, transpondo a Diretiva UE 2018/645.

No terceiro ponto, temos a apreciação do Projeto de Lei n.º 570/XIV/2.ª (PSD) — Imposição transitória da

obrigatoriedade do uso de máscara em espaços públicos.

O quarto ponto será preenchido com a discussão conjunta dos Projetos de Lei n.os 214/XIV/1.ª (Cidadãos)

— Procriação medicamente assistida post mortem, 71/XIV/1.ª (BE) — Alteração ao regime jurídico da

gestação de substituição (sétima alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho), 223/XIV/1.ª (PS) — Sétima

alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, alargando as situações de realização de inseminação post mortem,

231/XIV/1.ª (CDS-PP) — Sétima alteração à Lei nº 32/2006, de 26 de julho, aumentando de três para cinco

ciclos de tratamentos de segunda linha de procriação medicamente assistida, comparticipados pelo Serviço

Nacional de Saúde, 237/XIV/1.ª (BE) — Altera o regime da procriação medicamente assistida, permitindo a

inseminação post mortem para realização de projeto parental claramente estabelecido (sétima alteração à Lei

n.º 32/2006, de 26 de julho), 247/XIV/1.ª (PAN) — Garante o acesso à gestação de substituição, procedendo à

sétima alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (procriação medicamente assistida) e Projeto de Lei n.º

572/XIV/2.ª (PCP) — Determina as circunstâncias em que é permitida a inseminação post mortem e altera a

Lei n.º 32/2006, de 26 de julho relativa à procriação medicamente assistida.

Do quinto ponto consta a apreciação da Conta Geral do Estado.

Dos pontos seguintes constam, sem tempos para apreciação, os seguintes diplomas: o Projeto de Lei n.º

556/XIV/2.ª (PS, PSD, BE, PCP, CDS-PP, PEV e PAN) — Primeira alteração à Lei n.º 103/2019, de 6 de

setembro; o Orçamento da Assembleia da República para 2021; e as Propostas de Resolução n.os 2/XIV/1.ª

(GOV) — Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e a República do Quénia para Eliminar a Dupla

Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e Prevenir a Fraude e a Evasão Fiscal, assinada em

Lisboa, em 10 de julho de 2018, 3/XIV/1.ª (GOV) — Aprova a Convenção para a Criação do Observatório

Square Kilometre Array, assinada em Roma, em 12 de março de 2019, 4/XIV/1.ª (GOV) — Aprova o Acordo

entre a República Portuguesa e a República da Croácia sobre cooperação em matéria de defesa, assinado em

Lisboa, em 10 de julho de 2019, 6/XIV/1.ª (GOV) — Aprova o Protocolo à Convenção sobre o Trabalho

Forçado ou Obrigatório, 1930, adotado pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, na

sua 103.ª sessão, realizada em Genebra, em 11 de junho de 2014, 11/XIV/2.ª (GOV) — Aprova o Acordo entre

a República Portuguesa e os Estados Unidos da América relativo à Partilha de Bens Declarados Perdidos ou

de Bens de Valor Equivalente, assinado em Lisboa, em 17 de dezembro de 2019, e 13/XIV/2.ª (GOV) —

Aprova o Acordo sobre Transporte Aéreo entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos,

relativamente a Curaçao, assinado em Lisboa, em 25 de junho de 2019.

Página 43

23 DE OUTUBRO DE 2020

43

Procederemos ainda às votações regimentais.

Chamo a atenção para o facto de haver votações eletrónicas que, dada a situação que estamos a

atravessar, terão um procedimento específico. Chamo, pois, a atenção dos grupos parlamentares para que se

auto-organizem, por forma a que o processo de votações possa decorrer de acordo com o esquema que foi

distribuído por todos.

Srs. Deputados, muito boa noite a todos.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 11 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×