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Sexta-feira, 11 de dezembro de 2020 I Série — Número 28

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

REUNIÃOPLENÁRIADE10DEDEZEMBRODE 2020

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 7

minutos, após o que procedeu à leitura da mensagem do Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 95/XIV — Aprova medidas especiais de contratação pública e altera o Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado em anexo à Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, e o Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de outubro.

Deu-se conta da entrada na Mesa do Projeto de Lei n.º 594/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 774 a 783/XIV/2.ª.

Foi discutido, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 579/XIV/2.ª (PSD) — Altera o artigo 36.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, de modo a prorrogar o período de admissão de novas entidades ao Regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira ou zona franca da Madeira até 31 de dezembro de 2023, em conformidade com o Regulamento

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(UE) 2020/972 da Comissão, de 2 de julho de 2020, juntamente com o Projeto de Resolução n.º 648/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que adote um conjunto de medidas de combate aos paraísos fiscais e realize uma avaliação de custo-benefício do impacto global económico, social e fiscal da zona franca da Madeira. Usaram da palavra os Deputados Sara Madruga da Costa (PSD), André Silva (PAN), Carlos Pereira (PS), João Cotrim de Figueiredo (IL), José Luís Ferreira (PEV), Duarte Alves (PCP), Mariana Mortágua (BE) e Cecília Meireles (CDS-PP).

Foram discutidos, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 165/XIV/1.ª (BE) — Redução da idade da reforma das pessoas com deficiência e 588/XIV/2.ª (PCP) — Condições de acesso à reforma para as pessoas com deficiência. Intervieram os Deputados José Manuel Pureza (BE), Diana Ferreira (PCP), Bebiana Cunha (PAN), Marta Freitas (PS), Mariana Silva (PEV), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e Helga Correia (PSD).

Foram discutidos, na generalidade, os Projetos de Lei n.os

523/XIV/2.ª (PCP) — Prorroga o prazo para a prova de detenção de cofre pelos detentores de armas de fogo (1.ª alteração à Lei n.º 50/2019, de 24 de julho) e 554/XIV/2.ª (CDS-PP) — Consagra um período extraordinário de entrega voluntária de armas de fogo não manifestadas ou registadas juntamente com o Projeto de Resolução n.º 526/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que interdite a utilização de chumbo nas munições da atividade cinegética e nos campos de tiro. Usaram da palavra os Deputados António Filipe (PCP), Cecília Meireles (CDS-PP), André Silva (PAN), Emília Cerqueira (PSD), Paulo Porto e António Gameiro (PS) e Mariana Mortágua (BE).

Foi apreciado o Projeto de Resolução n.º 693/XIV/2.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que divulgue informação sobre a COVID-19 em contexto escolar e desenvolva um programa de rastreio, tendo proferido intervenções os Deputados Ana Rita Bessa (CDS-PP), João Cotrim de Figueiredo (IL), Maria Joaquina Matos (PS), Alexandra Vieira (BE), Mariana Silva (PEV), Bebiana Cunha (PAN), Maria Gabriela Fonseca (PSD) e Ana Mesquita (PCP).

Foram discutidos, em conjunto, os seguintes projetos de lei (na generalidade) e projeto de resolução:

Projeto de Lei n.º 134/XIV/1.ª (PAN) — Visa a interdição do fabrico, posse, utilização e venda de artefactos que sirvam unicamente para a captura de aves silvestres não sujeitas a exploração cinegética;

Projeto de Lei n.º 215/XIV/1.ª (PAN) — Retira o coelho-bravo das espécies sujeitas a exploração cinegética;

Projeto de Resolução n.º 140/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que institua um regime de moratória temporário para a caça da rola-comum;

Projeto de Lei n.º 158/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça à raposa, exclui esta espécie da lista de espécies cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto;

Projeto de Lei n.º 159/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça ao saca-rabos, exclui esta espécie da lista de espécies cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto;

Projeto de Lei n.º 160/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça ao melro, exclui esta espécie da lista de espécies cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto;

Projeto de Lei n.º 161/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça à gralha-preta, exclui esta espécie da lista de espécies cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto;

Projeto de Lei n.º 162/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça ao gaio, exclui esta espécie da lista de espécies cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto;

Projeto de Lei n.º 163/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça à pega-rabuda e exclui esta espécie da lista de espécies cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto;

Projeto de Lei n.º 586/XIV/2.ª (BE) — Condiciona o exercício da caça a espécies cinegéticas que não se encontrem ameaçadas, ou quase ameaçadas, e que apresentem estatuto de conservação conhecido (oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto);

Projeto de Lei n.º 587/XIV/2.ª (BE) — Interdita a produção, posse, utilização e comercialização dos meios e formas aplicados exclusivamente na captura ou abate de exemplares de espécies não cinegéticas de aves selvagens (terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril). Proferiram intervenções os Deputados Inês de Sousa Real (PAN), Mariana Silva (PEV), Maria Manuel Rola (BE), João Gomes Marques e Emília Cerqueira (PSD), António Filipe (PCP) — que também interpelou a Mesa para, invocando o Regimento, lembrar que não devem intervir seguidamente Deputados do mesmo grupo parlamentar havendo outros inscritos, com o que o Presidente em exercício concordou —, Pedro do Carmo (PS) e Cecília Meireles (CDS-PP).

Foi apreciado o Projeto de Resolução n.º 429/XIV/1.ª (PEV) — Informação aos cidadãos sobre as melhores práticas de utilização corrente de material de proteção individual, como máscaras, viseiras ou luvas, e incentivo à opção por material reutilizável. Usaram da palavra os Deputados Mariana Silva (PEV), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Sara Velez (PS), Rui Cristina (PSD), Moisés Ferreira (BE), Alma Rivera (PCP) e André Silva (PAN).

Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.

Foi anunciada a entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os 592 e 593/XIV/2.ª e 595 e 596/XIV/2.ª.

O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 18 horas e 42 minutos.

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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Sr.as e Srs. Agentes da autoridade.

Vamos dar início à nossa reunião plenária.

Eram 15 horas e 7 minutos.

Do primeiro ponto da ordem do dia consta a leitura da mensagem do Presidente da República sobre a

devolução, sem promulgação, do Decreto da Assembleia da República n.º 95/XIV — Aprova medidas especiais

de contratação pública e altera o Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008,

de 29 de janeiro, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado em anexo à Lei n.º 15/2002, de

22 de fevereiro, e o Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de outubro, a que procedo de seguida:

«1. Dirijo-me a Vossa Excelência nos termos do n.º 1 do artigo 136.º da Constituição, transmitindo a presente

mensagem à Assembleia da República sobre o Decreto n.º 95/XIV.

2. O regime ora proposto visa proceder a uma extensa alteração, nomeadamente ao Código dos Contratos

Públicos e ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com o propósito de simplificar e agilizar

procedimentos, tendo por objetivo central facilitar a contratação financiada por fundos europeus, somando-lhe a

relacionada com a área dos fogos florestais e o setor agroalimentar.

3. É naturalmente compreensível — e até desejável — a necessidade de simplificação e de aperfeiçoamento

de procedimentos em matéria de contratação pública que possam, com rigor, implicar a melhoria das condições

de vida dos portugueses e permitir flexibilizar a atribuição e a alocação dos referidos fundos, num contexto

excecional, como o que atualmente vivemos, e dentro dos prazos muito limitados que estarão previstos nos

respetivos regulamentos.

4. Tal simplificação e aperfeiçoamento supõe, no entanto, como contrapartida, uma atenta preocupação com

o controlo, mesmo se a posteriori, da legalidade e da regularidade dos contratos, exigido pela transparência

administrativa. Concretamente, um mais elaborado tratamento dos efeitos do controlo a posteriori pelo Tribunal

de Contas quanto ao adjudicante e ao adjudicatário e da composição e funções da nova comissão independente

de acompanhamento e fiscalização.

5. Nestes termos, devolvo, sem promulgação, o Decreto n.º 95/XIV, solicitando à Assembleia da República

que pondere:

a. os efeitos quanto ao adjudicante e ao adjudicatário do controlo a posteriori de ilegalidades e de

irregularidades detetadas pelo Tribunal de Contas e, bem assim,

b. a garantia da presidência da comissão independente de acompanhamento e fiscalização por membro

designado pela Assembleia da República, a previsão do alargamento da incompatibilidade de todos os membros

com o desempenho de cargos em parceiros económicos e sociais, e a substanciação adicional do papel da

comissão, em termos de articulação com o Tribunal de Contas e de conhecimento público da sua atividade.»

O Sr. Presidente da República enviou esta mensagem em 5 de dezembro, pelo que a sua leitura foi agendada

para hoje, naquele que é o primeiro Plenário após essa data e a Conferência de Líderes.

Antes de entrarmos no segundo ponto da ordem de trabalhos, a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha vai

fazer o favor de dar conta do expediente.

Faça favor, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Muito boa tarde a todas e a todos. Passo a anunciar que deram entrada na Mesa, e foram admitidos pelo Sr. Presidente, o Projeto de Lei n.º

594/XIV/2.ª (PS), que baixa à 13.ª Comissão, e os Projetos de Resolução n.os 774/XIV/2.ª (BE), que baixa à 1.ª

Comissão, 775/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 9.ª Comissão, 776/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 9.ª Comissão,

777/XIV/2.ª (BE), que baixa à 8.ª Comissão, 778/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), que baixa

à 4.ª Comissão, 779/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 2.ª Comissão, 780/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 9.ª Comissão,

781/XIV/2.ª (PS), que baixa à 8.ª Comissão, 782/XIV/2.ª (PEV), que baixa à 11.ª Comissão, e 783/XIV/2.ª (PEV),

que baixa à 8.ª Comissão.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha.

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Vamos, então, entrar no segundo ponto da ordem do dia, de que consta a discussão, na generalidade, do

Projeto de Lei n.º 579/XIV/2.ª (PSD) — Altera o artigo 36.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, de modo a prorrogar o período de admissão de novas entidades ao Regime

do Centro Internacional de Negócios da Madeira ou zona franca da Madeira até 31 de dezembro de 2023, em

conformidade com o Regulamento (UE) 2020/972 da Comissão, de 2 de julho de 2020, em conjunto com o

Projeto de Resolução n.º 648/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que adote um conjunto de medidas de

combate aos paraísos fiscais e que realize uma avaliação de custo-benefício do impacto global económico,

social e fiscal da zona franca da Madeira.

Para abrir o debate, em nome do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa.

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Existem matérias que, pela sua dimensão e importância, nos devem unir e não dividir. É isso que os portugueses esperam de nós: união e

compromisso, quando estão em causa a criação e a manutenção de emprego e uma perspetiva de futuro de

criação de riqueza, sobretudo numa altura de pandemia. É esse o caso do Centro Internacional de Negócios da

Madeira (CINM), um instrumento extraordinariamente importante para a Madeira mas também para o País.

Quando falamos do CINM, falamos de 6000 trabalhadores, de mais de 1600 empresas, de um quinto da

economia regional da Madeira, de 120 milhões de euros de receita fiscal anual; falamos, Sr.as e Srs. Deputados,

de um centro credível e transparente, de um instrumento valioso para a internacionalização das empresas

portuguesas; falamos do nosso Centro Internacional, do Centro de Portugal, criado e auditado pela União

Europeia.

Sr.as e Srs. Deputados, um momento de grave crise económica e pandémica como o que atravessamos exige

coragem e responsabilidade de cada um de nós, mas em especial do partido que sustenta o Governo, para nos

concentrarmos no essencial em detrimento do acessório.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — É isso que pedimos hoje a todas as Sr.as Deputadas e a todos os Srs. Deputados, em especial aos da bancada do Partido Socialista: que se concentrem no essencial, que saibam

distinguir o que está em causa — a prorrogação do Regime IV — e que evitem intervenções que fomentem o

conflito e a crispação em torno de outras questões relativas ao Regime III.

Sr.as e Srs. Deputados, a nossa iniciativa tem um propósito muito claro e muito simples: aproveitar a janela

de oportunidade concedida, em 2 de julho, pela União Europeia, com vista a mitigar os efeitos da COVID-19 na

Madeira, e permitir a prorrogação dos benefícios fiscais do Regime IV do CINM a partir de 1 de janeiro. Não há

nenhuma razão, Sr.as e Srs. Deputados, não há nenhum fundamento para que esta iniciativa, que apresentámos

no dia 30 de outubro, não seja viabilizada por todos os Deputados e por todos os partidos, em especial pelo

partido que sustenta o Governo e que tem responsabilidades governativas.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Repito: não há nenhuma razão, não há nenhum fundamento para votar contra esta iniciativa. Estamos a falar, Sr.as e Srs. Deputados, de uma alteração cirúrgica ao Estatuto dos

Benefícios Fiscais, autorizada pela União Europeia, no âmbito do Regime IV.

É apenas isto, Sr.as e Srs. Deputados, que está em causa: é a prorrogação, num contexto de pandemia, do

Regime IV, sobre o qual não impende nenhuma investigação da Comissão, e que foi devidamente autorizada

por Bruxelas, em julho; é fazer, Sr.as e Srs. Deputados, aquilo que o Governo da República não fez e que o

Governo espanhol já fez perante as Canárias; é fazer aquilo que, curiosamente, o Governo da República se

compromete fazer hoje, através de uma carta de intenções; é exercer uma competência reservada do

Parlamento, já que qualquer solução em matéria de benefícios fiscais tem de passar forçosamente por esta

Câmara. Prolongar os benefícios fiscais do CINM, Sr.as e Srs. Deputados, é um propósito e um objetivo comum

ao PSD e ao Governo da República. Não há, por isso, Sr.as e Srs. Deputados, nada que impeça o Partido

Socialista de viabilizar, já amanhã, esta solução, que, repito, terá forçosamente de passar pelo Parlamento.

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Esta é também uma oportunidade para esclarecer, de forma séria, a importância do Centro numa região

autónoma dotada de órgãos de Governo próprios, ultraperiférica e fortemente dependente do turismo, um Centro

que alguns, só por manifesto desconhecimento ou má vontade, querem, numa altura de pandemia, pôr em

causa, pedindo estudos de viabilidade, mas que é bastante auditado e fiscalizado, quer pela União Europeia,

quer pelas entidades nacionais, conforme demonstram as recentes notícias. Apesar das diferenças

interpretativas em relação ao Regime III, em momento algum, Sr.as e Srs. Deputados, a Comissão põe em causa

a manutenção e o futuro do Centro. Não é, por isso, Sr.as e Srs. Deputados, de todo honesto insinuar sequer

que as diferenças interpretativas que foram reveladas, nas vésperas da discussão desta iniciativa, por parte da

Comissão — e que são passíveis de recurso — podem beliscar a manutenção do CINM.

Sr.as e Srs. Deputados, como em tudo, não existem sistemas perfeitos. Se houver prevaricadores, os mesmos

terão de ser punidos, mas, obviamente, Sr.as e Srs. Deputados, a existência de alguns prevaricadores não pode

pôr em causa o todo e um instrumento essencial e imprescindível como este para a Madeira e para o País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de resolução do PAN e para participar no debate, tem agora a palavra o Sr. Deputado André Silva.

O Sr. André Silva (PAN): — Boa tarde, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados. O nosso País perde, a cada ano, mais de 1000 milhões de euros para a evasão fiscal, ou seja, 101 € por

cada português. Com este dinheiro, poderíamos pagar 9% dos gastos do País com educação ou o salário anual

de quase 50 000 enfermeiros. O impacto destas perdas no erário público obriga-nos a agir.

Agir significa que Portugal e o nosso Governo têm de se bater, no quadro das organizações internacionais

de que fazem parte, como, por exemplo, a União Europeia ou a OCDE (Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Económico), por mecanismos de combate eficaz ao branqueamento de capitais e aos

fenómenos de fraude, evasão e elisão fiscal assentes em paraísos fiscais, designadamente no sentido da

harmonização fiscal.

É isso que propomos no primeiro ponto do nosso projeto de resolução: um posicionamento forte do

Parlamento no sentido de uma mudança de postura do Governo — nem mais, nem menos. E, se dúvidas houver,

sem lembrar a postura titubeante do Governo quanto ao estranho caso da diretiva CBCR (Country-by-Country

Reporting), deixo a questão de saber que posição teve o nosso País quanto à recente decisão do Conselho da

União de tirar as Ilhas Caimão da lista de paraísos fiscais. O silêncio é grave porque estamos a falar daquele

que, este ano, foi considerado o paraíso fiscal menos transparente do mundo, representando quase 5% de todas

as operações fiscais fraudulentas ocorridas a nível global.

Mas agir significa tomar medidas ao nível interno para travar aquele que é o nosso offshore interno, a zona

franca da Madeira. Estamos a falar de um regime fiscal que, em teoria, deveria contribuir para a criação de

emprego na Madeira, mas que, na prática, conforme afirmou a Comissão Europeia, não só não criou os

empregos prometidos, como, segundo o Procurador Rosário Teixeira, é um foco de corrupção e de

branqueamento de capitais no nosso País, já que é utilizado por estruturas societárias de excessiva

complexidade, estruturas fiduciárias e contas de passagem. Bem sabemos que beneficiaram deste regime

empresas-fantasma ligadas ao BES (Banco Espírito Santo), a Isabel dos Santos ou ao ditador Obiang, o que,

por si só, é autoexplicativo.

Falamos de um regime que não só não contribui para a economia produtiva do País e da Região Autónoma

da Madeira, como trouxe custos elevados ao erário público. Estas borlas fiscais custaram 2,8 mil milhões de

euros em 10 anos, sendo que, ao colocar o PIB (produto interno bruto) da região artificialmente alto, este regime

fiscal significou a perda anual indireta de 1000 milhões de euros em fundos europeus que deveriam ir para a

região. Bastará fazer as contas para perceber que quem perde é o País, é a Madeira e são os portugueses.

O Parlamento não pode continuar a fechar os olhos a esta realidade, tem de agir. Agir, neste momento, é

estudar o regime de forma abrangente, fazendo uma avaliação de custo-benefício do seu impacto económico,

social e fiscal. Isto é tanto mais importante num contexto em que, em 2019, o famoso estudo sobre os benefícios

fiscais deixou de fora este que é um dos benefícios que mais riscos tem e que mais pesa no erário público.

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O PAN apresenta-se neste debate de forma responsável, com uma proposta que visa a realização de um

estudo sobre a zona franca da Madeira, uma proposta que, inclusivamente, em sede de Orçamento do Estado,

foi considerada, pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, como tratando do assunto de forma séria

e integrada. Por isso, esperamos que venha a contar com o voto favorável do Partido Socialista.

O que o PAN quer é uma visão estruturada e responsável da política fiscal. É, no fundo, um tira-teimas quanto

aos impactos destas borlas fiscais.

Apesar de discordarmos da existência deste regime, apresentamos uma proposta de elementar bom senso,

que é um meio-termo entre posições antagónicas, não condicionando a opção pela manutenção ou revogação

do regime, de modo a que se ponderem os prós e os contras para que se possa tomar a melhor decisão.

Resta saber se o Partido Socialista e os demais partidos vão optar por este caminho responsável proposto

pelo PAN ou se irão preferir a lógica de política fiscal em cima do joelho proposta pelo PSD, que, acriticamente

e sem qualquer ponderação técnica ou estudo, quer permitir a entrada de novas empresas-fantasma até 2023

e prolongar este regime que tanto custa ao País até 2027.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Pereira, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde que Portugal constituiu a zona franca da Madeira, há mais de 30 anos, houve sempre duas características que acompanharam a sua evolução,

sendo elas a adaptação aos desafios e a correção de pressupostos e regras sempre que havia desvios dos

objetivos essenciais de criação de riqueza e de emprego e a capacidade negocial do País, em articulação com

a Região Autónoma da Madeira, para serem obtidas as melhores condições de competitividade desta praça,

bem como um contributo insubstituível para o desenvolvimento regional.

Embora possamos sempre considerar que era possível fazer mais e melhor, os resultados de hoje são

incontornáveis e decorrem de estudos recentes, de 2019, feitos pela insuspeita Universidade Católica

Portuguesa, de avaliação do contributo desta estrutura de atração de investimento estrangeiro para Portugal.

As conclusões são as de que a zona franca da Madeira contribuiu com quase 400 milhões de euros para o PIB,

quase 10%, e representa quase 6000 postos de trabalho. Repito: podia ser melhor, mas não é compreensível

que estes dados se considerem negligenciáveis.

Noutro plano, a grande batalha do Centro Internacional de Negócios da Madeira, ao longo dos diferentes

regimes, tem sido a defesa da sua credibilidade. A credibilidade da zona franca da Madeira deve ser medida

não só pela capacidade de atrair empresas, mas também pelas boas práticas de transparência e de fiscalização

que transmitem a confiança necessária aos mercados internacionais. Em nenhuma circunstância um Governo

responsável pode colocar em causa estes atributos, porque, se o fizer, estará a contribuir para a erosão

progressiva do papel destes mecanismos para o desenvolvimento regional. Seria um sinal em sentido contrário

ao desejável e um erro estratégico que pagaríamos caro no futuro.

O reforço da legislação em matéria de prevenção e de combate ao branqueamento de capitais, ou o reforço

das regras que evitem resultados negativos para a generalização de suspeitas quanto à má utilização dos

benefícios fiscais, é essencial para reforçar a imagem de credibilidade e consistência que uma praça desta

natureza deve ter no plano internacional.

A concorrência internacional neste campo é feroz, pelo que a mais-valia do Centro Internacional de Negócios

da Madeira tem de ser reforçada pelo posicionamento transparente e em linha com o direito comunitário,

devendo manter e reforçar as melhores práticas internacionais que permitam ajudar a densificar todo o modelo

de fiscalização e o cumprimento de orientações externas, seja da União Europeia, seja da OCDE, como hoje,

aliás, já sucede.

Há, por isso, nas comunicações recentes da Comissão Europeia coisas boas, mas também coisas más, que

devem ser corrigidas. Por um lado, veio reconhecer a validade da existência de regimes especiais na zona

franca da Madeira e a sua conformidade com a legislação europeia, mas, por outro lado, a Comissão Europeia

apresentou críticas severas à forma como, em alguns casos, está a ser utilizado o regime em vigor,

designadamente no cumprimento dos critérios de criação de emprego.

Se queremos ser autores ativos da sustentabilidade da zona franca da Madeira, não podemos ignorar

ostensivamente estas imposições, que afetam não só o Regime III, mas também o Regime IV. Atuar dessa forma

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seria estar, efetivamente, contra o futuro do CINM e seria estar a aprofundar um caminho de não retorno, em

termos dos insubstituíveis contributos deste mecanismo para a criação de riqueza e de emprego.

Neste quadro, o diploma em análise não só é extemporâneo, porque o Governo da República já comunicou

ao Governo Regional da Madeira a prorrogação até ao dia 31 de dezembro de 2021, tal como fez o Governo

espanhol em relação às Canárias, como é irresponsável, porque ignora de forma perentória um aspeto essencial

do coração da ideia dos auxílios de Estado à zona franca da Madeira, que é o da criação de emprego e o seu

adequado registo.

Se antes do conhecimento público dos resultados da auditoria poderíamos considerar que a prorrogação

pura e simples do Regime IV seria o único aspeto que nos devia nortear, com os factos transmitidos pela

Comissão Europeia e a sua avaliação, ninguém poderá aceitar que a melhor defesa do CINM seria a de deitar

para debaixo do tapete estas imposições, colocando a zona franca da Madeira num confronto interminável com

a suspeição e com a degradação da sua imagem de credibilidade externa.

Não contem connosco para seguir esse caminho.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Centro Internacional de Negócios da Madeira é uma entidade dinâmica, no sentido em que, todos os anos, entram e saem empresas.

Esta possibilidade, aberta pela Comissão Europeia e plasmada no projeto de lei do PSD, de prorrogação por

mais três anos do prazo de aceitação de empresas é de enorme importância para o Centro.

A prorrogação deste prazo possibilita, ainda, que a saída de algumas empresas seja, de facto, compensada

com novas entradas e minimiza as perdas da importante receita fiscal que o Centro gera e que sofreram uma

sensível redução durante a pandemia.

Foi uma pena que esta alteração tivesse sido esquecida durante a discussão do Orçamento do Estado, mas

temos agora a oportunidade de corrigir esse esquecimento.

O Sr. Paulo Neves (PSD): — Muito bem!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Mas também não quero deixar passar esta oportunidade para referir dois aspetos das recentes conclusões da auditoria da Comissão Europeia sobre o desrespeito das regras

nas ajudas estatais à zona franca da Madeira.

Em primeiro lugar, se o Estado português estiver confiante na sua argumentação, deve, de facto, recorrer

desta decisão, porque não seria a primeira vez que a Comissão Europeia perderia um caso relativo a auxílios

de Estado concedidos por um Estado-Membro, no Tribunal de Justiça da União Europeia.

Em segundo lugar, quem efetivamente prevaricou deve sofrer as consequências dessas eventuais infrações

e os compromissos de Portugal face à União Europeia devem ser escrupulosamente cumpridos.

Por último, tendo-se sabido, hoje mesmo, que o Governo pretende introduzir alterações que visam

compatibilizar as regras do Regime IV da zona franca da Madeira com o direito comunitário, e caso se venha a

verificar que a Comissão Europeia tinha razão quanto às conclusões da presente auditoria, era bom que o

Governo desse, desta vez, mostras de maior competência na fixação e na fiscalização dessas mesmas regras.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este agendamento do PSD, quer se queira, quer não, obriga-nos a falar da investigação da Comissão Europeia, que, apesar de ter demorado

muito tempo — diria que demorou décadas —, acabou por fazer as perguntas que se impõem. O que fazem e

o que empregam as empresas na zona franca da Madeira? E, já agora, também perguntamos: qual o seu

contributo para o desenvolvimento da região?

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Se olharmos para os resultados dessa investigação, percebemos aquilo que já todos sabíamos: os postos

de trabalho são contabilizados em dobro, os gestores contam como trabalhadores e os benefícios fiscais são

atribuídos sem qualquer controlo eficaz. É assim que funcionam e é também assim que os centros internacionais

de negócios prosperam. Vale tudo para não pagar impostos.

Agora, o PSD pretende prorrogar esta imoralidade por mais três anos e, ainda por cima, sem qualquer

alteração ao regime legal atual. Não, não concordamos e consideramos que, em vez de prorrogar esse regime,

o que se impõe é recuperar integralmente as ajudas atribuídas ilegalmente. Mas, para isso, o PSD não estará

certamente disponível.

Numa leitura mais global, os paraísos fiscais têm contribuído, e continuam a contribuir, para a imoralidade e

para a injustiça fiscal que vai reinando entre nós. De facto, já todos percebemos para que servem, e a quem

servem, os paraísos fiscais. Servem as grandes fortunas e as grandes empresas, servem para que essas

grandes fortunas não paguem impostos e servem até para que escondam dinheiro.

Ora, a nosso ver, um Estado não pode, nem deve, pactuar com mecanismos que são utilizados para fugir ao

pagamento das obrigações fiscais e para esconder dinheiro, ainda por cima quando os cidadãos que trabalham,

ou trabalharam uma vida inteira, que têm menos rendimentos, que contribuem para a economia e para o

desenvolvimento do País são obrigados a pagar os seus impostos sem dó nem piedade.

Acresce, ainda, que a existência de paraísos fiscais é absolutamente inseparável do agravamento das

desigualdades sociais, da pobreza e da insustentabilidade do modelo económico que se vai instalando no

mundo.

Não é de estranhar, por isso, que Os Verdes tenham sido sempre contra a existência de paraísos fiscais.

Apresentámos, inclusivamente, um diploma, em 2019, que propunha que o Governo tomasse a iniciativa de se

envolver ativamente, junto dos restantes Estados e das organizações internacionais de que faz parte, no sentido

de encontrar soluções com vista à eliminação dos paraísos fiscais.

Foi por proposta de Os Verdes que o Orçamento do Estado para 2021 deixou de fora dos apoios do Estado

as empresas com ligação aos paraísos fiscais. Foi também por proposta de Os Verdes que essas empresas

deixaram de beneficiar da suspensão de tributação de IMI (imposto municipal sobre imóveis) e viram a taxa

agravada em sede de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

Portanto, vamos votar contra a proposta do PSD e vamos votar a favor da proposta do PAN, nos seus dois

números, até porque um dos números é praticamente igual ao que consta da proposta que Os Verdes

apresentaram, recorde-se, há cerca de um ano. Assim, somos mesmo obrigados a votar favoravelmente o n.º 1

da proposta do PAN, já que é praticamente igual à proposta que Os Verdes apresentaram em 2019.

Aplausos de Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PCP. Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Duarte Alves.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois da crise financeira de 2008, muitas foram as vozes que se levantaram contra os paraísos fiscais. Foram abundantes as manifestações de boas

intenções, houve grandes relatórios e ótimas intervenções sobre os paraísos fiscais e o que estes potenciam na

fraude fiscal, no branqueamento de capitais, na criminalidade financeira, no financiamento do crime organizado

e do terrorismo.

Apesar desse aparente consenso, a verdade é que os interesses do grande capital transnacional acabaram

sempre por prevalecer,…

Protestos da Deputada do CDS-PP Cecília Meireles.

… tanto para a União Europeia, como para vários Governos nacionais, incluindo sucessivos Governos

portugueses, para quem a liberdade de ação do capital é o valor supremo a preservar.

Por isso, o PS, o PSD e o CDS rejeitaram as múltiplas iniciativas, nomeadamente as do PCP, no sentido de

combater os paraísos fiscais, assegurar a tributação em Portugal dos lucros que são gerados no País, eliminar

privilégios fiscais para os grandes grupos económicos e «arrumar a casa», extinguindo o offshore da Madeira.

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O que agora é reconhecido pela investigação desenvolvida pela Comissão Europeia é dito há muito tempo

pelo PCP. Cito o que dissemos em 2015: «Contrariamente ao que afirmam os seus defensores, a zona franca

da Madeira não beneficia a economia regional, nem o povo madeirense; beneficia apenas uma elite, nacional e

estrangeira, que a utiliza para fugir ao pagamento de impostos».

Não há, portanto, novidade no que diz agora a Comissão Europeia, que promoveu, durante anos, a existência

deste regime.

Já em 2009, último ano em que temos estatísticas oficiais publicadas, sabíamos que 91% das entidades

registadas na zona franca da Madeira não tinham qualquer trabalhador; sabíamos que o número médio de

trabalhadores por empresa era inferior a um; sabíamos que o valor do IRC (imposto sobre o rendimento das

pessoas coletivas) liquidado, 6 milhões de euros, representava apenas 0,03% dos proveitos declarados.

Ou seja, poucos empregos, pouca receita fiscal,…

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ai é pouca?!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — … pouco ou nenhum investimento realizado na região, para grandes borlas a favor de uma elite financeira que se arroga no direito de não pagar impostos, ao mesmo tempo que quem vive

do seu trabalho ou do seu pequeno negócio é obrigado a cumprir as suas obrigações fiscais.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Muito bem!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — A zona franca da Madeira não trouxe benefícios para o País, nem respostas aos problemas do povo da Madeira. Pelo contrário, contribuiu para inflacionar artificialmente o PIB da região e,

assim, reduzir os fundos comunitários transferidos para a Madeira. Nada justifica, portanto, continuar este

regime, como propõe o PSD.

No Orçamento do Estado para 2021, o PCP apresentou uma proposta no sentido de revogar as normas do

Estatuto dos Benefícios Fiscais, que agora o PSD quer prolongar, relativas à zona franca da Madeira, num

conjunto de outras alterações que permitiram acabar com diversas isenções de impostos, rendimentos que são

gerados em Portugal, particularmente por setores especulativos. Esta proposta, que inseria o fim da zona franca

da Madeira num conjunto de medidas para acabar com benefícios fiscais para fundos de investimento e

sociedades de capital de risco, foi rejeitada pelo PS, pelo PSD, pelo CDS, pelo Iniciativa Liberal e pelo Chega,

o verdadeiro arco do sistema de privilégios e de benesses para os mesmos de sempre. Esta proposta permitiria

uma maior justiça fiscal para que, ao mesmo tempo, pudessem ser desagravados os impostos que incidem

sobre quem vive do seu trabalho, sobre quem tem rendimentos mais baixos e intermédios, sobre as pequenas

empresas, porque essas, sim, contribuem para o investimento e para o emprego.

É por essa política fiscal mais justa que o PCP continuará a bater-se.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O PSD vem propor a revogação do Regime IV aplicável à zona franca da Madeira, que, em larga medida, reproduz uma parte da

estrutura que já vinha do Regime III, o Regime que foi investigado pela Comissão Europeia.

Ambos os regimes fiscais concedem generosos benefícios fiscais, por exemplo em sede de IRC, entre outros,

em troca de uma ficção, que é a de que existe uma contrapartida em termos de criação de emprego ou de

criação de riqueza na Região Autónoma da Madeira. Não é, na verdade, disso que se trata. Na verdade, nunca

foi disso que o regime tratou, nem quando era um offshore financeiro, nem quando evoluiu para as atuais regras.

Não é por razões de criação de emprego ou de riqueza que Isabel dos Santos instalou as suas empresas na

zona franca da Madeira!

O Sr. Jorge Costa (BE): — Bem lembrado!

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A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Não foi para criar empregos ou riqueza que os filhos do ditador Obiang instalaram as suas empresas na zona franca da Madeira! Não foi para criar emprego que futebolistas famosos,

a trabalhar em Espanha, instalaram as suas empresas na zona franca da Madeira! Eles instalaram as suas

empresas naquele lugar porque quiseram fugir às suas obrigações fiscais, porque não quiseram pagar os

impostos que todas as outras empresas têm de pagar legitimamente. Isto é concorrência desleal! Eles instalam

naquele lugar as suas empresas porque querem um regime que facilite o branqueamento de capitais.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Há anos que sabemos que os critérios são contornados, há anos que se sabe e que está provado que os empregos são fictícios e não são criados, há anos que se sabe que a riqueza

não fica na Madeira, mas há grupos parlamentares e Deputados que não querem ver isto. As evidências são

óbvias para quem o queira ver, mas negam, porque, de facto, o que querem é o offshore, o benefício, o privilégio

das empresas que usam e abusam deste regime.

Dissemos, em 2016, que os empregos não estão a ser criados, propusemos critérios para que os empregos

fossem criados, mas aqueles que dizem que querem a zona franca da Madeira para criar empregos chumbaram

o projeto que visava a criação de emprego nesse sítio.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Bem lembrado!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Este regime não beneficia a Madeira, nem a população da Madeira, que continua a ter uma das maiores bolsas de pobreza do País; este regime beneficia as empresas que usam e

abusam dele para não pagar os impostos que têm de pagar nos seus respetivos países.

Esta não é uma questão de direito comunitário, é uma questão de fraude à lei portuguesa.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É disto que se trata no Regime III, mas também no atual Regime. As críticas ao Regime III são aplicáveis ao Regime que está em vigor.

Temos muitas certezas sobre o regime da zona franca da Madeira — sabemos que é um convite ao abuso,

à evasão fiscal e ao branqueamento de capitais —, mas também temos dúvidas, nomeadamente sobre a

capacidade de a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Madeira fazer a fiscalização do offshore. Não é

possível que, ao longo de anos, se estivesse a defraudar este regime sem ter uma autoridade capaz de fiscalizar.

Por isso, em nome da transparência, do rigor e da justiça fiscal, não pode prorrogar-se o regime da Madeira.

Isto parece-nos muito óbvio.

Há uma outra questão que é importante esclarecer. Todos vimos — não podemos negá-lo —, no Orçamento

do Estado, a hesitação dos Deputados do PSD/Madeira na votação da proposta relativa ao Novo Banco. Foi

escrito, na comunicação social, que essa hesitação teria que ver com o facto de o Partido Socialista e de

membros do Governo estarem a tentar convencer o PSD/Madeira a mudar o seu sentido de voto, precisamente

com negociações sobre o regime da zona franca da Madeira.

Por uma questão de transparência, gostaria de perguntar à Sr.ª Deputada do PSD/Madeira Sara Madruga

da Costa, mas também aos Srs. Deputados do PS, o que foi, então, falado. Que negociação estava, de facto,

em causa quando se tentou que os Deputados do PSD/Madeira alterassem o seu sentido de voto, como todos

vimos?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

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A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate sobre a zona franca da Madeira, que não é um paraíso fiscal, vê-se transformado num debate sobre paraísos fiscais, pelo que

convinha distinguirmos alguns aspetos.

Vamos começar pelo princípio e por falar num facto muito óbvio, que é o facto de estarmos no meio de uma

pandemia e de um dos setores económicos mais afetados — senão o mais afetado — por esta pandemia ser o

do turismo. Ora, o turismo é uma atividade económica muito importante para Portugal, mas é mais importante

em algumas regiões do território nacional do que em outras. Acho que não preciso de explicar a nenhum dos

Srs. Deputados o peso que o turismo tem no PIB e na região da Madeira. Também não é difícil compreender

que a região da Madeira está a atravessar dificuldades, como todos nós estamos, mas mais do que outras

regiões de Portugal.

Portanto, a primeira pergunta que me parece óbvia é se, perante estas dificuldades especiais da região da

Madeira causadas pela pandemia, queremos fazer alguma coisa. E, se sim, já percebi que querem criar um

novo problema — porque já não chega haver problemas com o turismo —, acabando com o Centro Internacional

de Negócios. O que está em causa é exatamente o seguinte: se não houver uma prorrogação do atual regime,

pura e simplesmente, a partir de 1 de janeiro de 2021, não podem ser inscritas novas empresas.

Sr.as e Srs. Deputados, sobre esta matéria, se vamos ter uma discussão sobre paraísos fiscais e se vamos

perguntar-nos se é possível, do ponto de vista internacional e mundial, caminharmos para um sistema em que

haja menos paraísos fiscais, ou em que os paraísos fiscais não funcionem, e em que, sobretudo, haja troca de

informações que permitam o combate à criminalidade e ao branqueamento de capitais, estou absolutamente a

favor, mas não estamos aqui a discutir isso. É bom que tenhamos esta noção, porque, por mais que inflamemos

os discursos, que se repita a palavra «borla» e que se diga que estamos a perder muita receita fiscal, se este

regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira acabar, Portugal não vai receber nem mais um euro de

receita fiscal. Muito calmamente, a esmagadora maioria das empresas que lá estão vão para as Canárias, para

a Holanda ou para o Luxemburgo. Do ponto de vista da receita fiscal, Portugal não só não vai receber nem mais

um euro, como também vai perder, provavelmente, estes 120 milhões de euros de receita fiscal. É isto que está

aqui em causa!

O Sr. Paulo Neves (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Tudo o resto — a borla, a receita fiscal que poderíamos ter se o Centro de Negócios acabasse — é uma ficção e, pura e simplesmente, não existe.

Portanto, o que se pergunta aos Srs. Deputados é se pretendem continuar com este regime que os

madeirenses querem e que permite, sim, que haja 6000 postos de trabalho indiretos — é verdade! — e 120

milhões de euros de receita fiscal indireta…

O Sr. Paulo Neves (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … ou se querem que estas empresas vão para outros países, que não são paraísos fiscais mas têm uma fiscalidade competitiva.

Já agora, perguntem-se que tipo de salários se praticam nestes países a que chamam de «paraísos fiscais»,

onde os cidadãos vivem bem melhor do que os portugueses. Se calhar, mais valia apostar na competitividade

fiscal.

Aplausos do Deputado do PSD Paulo Neves.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Panamá!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não é o Panamá!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira, do Grupo Parlamentar do PS.

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O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, queria apenas deixar algumas notas finais. Entre o extremismo mais ou menos solitário, diria, do Bloco de Esquerda, que prefere olhar para a Madeira

em vez de fazer uma análise do que se passa no mundo…

Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.

Em abono da verdade, tenho de dizer-lhe o seguinte, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua: 6000 empregos na

Madeira não são ficcionais, são pessoas de carne e osso. De duas, uma: ou há uma alternativa para essas

pessoas ou, então, parece-me, evidentemente, que essa sua afirmação não é responsável.

Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.

Como estava a dizer, há, então, esse extremismo e há o desconhecimento do PAN, que fala em 1000 milhões

de euros de benefícios fiscais por ano, quando não é isso que se está a passar, pois a média dos últimos cinco

anos não passa os 70 milhões de euros de benefícios fiscais. Portanto, há um desconhecimento profundo sobre

isto, além de não conhecerem que, ainda no ano passado, a Universidade Católica fez um estudo sobre a zona

franca da Madeira e o seu contributo determina que são 400 milhões de euros no PIB, 10% do PIB, que são

6000 empregos e mais de 100 milhões de euros de receitas fiscais. Parece-me evidente que há um

desconhecimento profundo!

Entre estas realidades e a irresponsabilidade do PSD, que acha que é possível atirar para debaixo do tapete

recomendações objetivas da União Europeia, que têm que ver com o que é central e nuclear aos auxílios fiscais,

ou seja, a criação de emprego, está, naturalmente, o PS, que prorroga o que tem de ser prorrogado para manter

o regime e adapta o que tem de ser adaptado para garantir a credibilidade do regime do Centro Internacional de

Negócios da Madeira no plano internacional.

Todos nós que andamos cá sabemos bem o tipo de efeito que tem ignorar completamente o que instituições

internacionais, como a União Europeia ou mesmo a OCDE, impõem para instrumentos desta natureza.

O Sr. Presidente: — Queira fazer o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — É, de facto, uma machadada e um passo atrás no que é essencial conseguir, ou seja, a sua credibilidade.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Paulo Neves.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa.

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não pode valer tudo, sobretudo quando atravessamos uma das piores crises pandémicas dos últimos tempos.

Não é sério, nem tão-pouco justo e aceitável, que se venha agora, numa altura de pandemia, colocar em

causa um instrumento fundamental de uma região ultraperiférica fortemente dependente do turismo, como a

Madeira, que luta há vários meses, sozinha, para fazer face aos efeitos da COVID-19.

Srs. Deputados da extrema-esquerda, as questões ideológicas não podem sobrepor-se à vontade do povo

madeirense e dos seus órgãos de governo próprio, nesta que é uma região ultraperiférica.

Este debate também manifestou um profundo desconhecimento de alguns partidos da extrema-esquerda em

relação ao que é o Centro Internacional de Negócios. O Centro Internacional de Negócios não é um offshore,

não é um paraíso fiscal — e não é o PSD que o diz. Trata-se de um regime fiscal privilegiado com auxílios de

Estado, não está, nem nunca esteve, referenciado nas instâncias internacionais como «paraíso fiscal» e não

consta de nenhuma das listas de territórios ou de regiões qualificadas como tal, quer pela OCDE, quer pelo

GAFI (Grupo de Ação Financeira). Portanto, falar do Centro Internacional de Negócios como paraíso fiscal só

manifesta uma tremenda ignorância.

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Esta mesma tremenda ignorância também ficou patente na intervenção do Sr. Deputado do PAN, que quer

misturar PPP (parcerias público-privadas) com o Centro Internacional de Negócios e que quer fazer depreender

que há um prejuízo para o Estado português, quando não há. Há, sim, benefício, pois se estas empresas não

estivessem no Centro Internacional de Negócios estariam noutras praças concorrentes. Portanto, o prejuízo que

existe para o Estado português é zero. Mas há muitos benefícios para a Madeira, como 6000 postos de trabalho,

que não são ficção, e 120 milhões de euros de receita fiscal.

Também gostaria de dizer que hoje, curiosamente, viemos a descobrir uma nova modalidade constitucional

de prorrogação dos benefícios fiscais, por parte do Governo da República: apresentar uma carta de intenções,

curiosamente no mesmo dia em que se faz esta discussão, e já está o problema resolvido. Ora, Srs. Deputados

do PS, isto não é sério nem justo, pois não podem prorrogar-se benefícios fiscais fora do Parlamento e através

de cartas e de meras intenções.

Portanto, gostaríamos que houvesse unidade e compromisso em torno deste tema essencial. Lançamos um

repto aos Srs. Deputados do Partido Socialista para que viabilizem a nossa iniciativa, que vai ao encontro do

regulamento da União Europeia — não pedimos nada mais além do que a União Europeia já concedeu —, para

que possamos rapidamente iniciar o processo legislativo e a discussão na especialidade e, com isso, dar um

sinal claro aos trabalhadores da Madeira, aos trabalhadores do Centro e aos investidores de que estamos juntos,

de que estamos empenhados em resolver já e não em adiar a resolução deste assunto por tempo indeterminado,

ou seja, estamos determinados em encontrar a melhor solução já em 2020 e não em adiá-la para 2021.

Sr.as e Srs. Deputados, quanto mais cedo iniciarmos o processo legislativo melhor, pois mais tempo teremos

para discutir as melhores soluções para o CINM e mais tempo teremos para discutir eventuais propostas de

alteração que o Partido Socialista queira fazer.

O que pretendemos é encontrar uma solução para o CINM.

Sr.as e Srs. Deputados, não há, neste momento, qualquer razão para adiar aquilo que já podemos fazer esta

semana, que é promulgar o Estatuto dos Benefícios Fiscais, dando, assim, credibilidade e certeza quer aos 6000

trabalhadores, quer aos investidores, quer à Madeira.

É o que a Madeira merece, sobretudo numa altura de pandemia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Passamos, agora, ao terceiro ponto da nossa ordem do dia, com a discussão, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 165/XIV/1.ª (BE) — Redução da idade da reforma das pessoas com

deficiência e 588/XIV/2.ª (PCP) — Condições de acesso à reforma para as pessoas com deficiência.

Tem a palavra, para abrir o debate, o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Recebi, há poucos dias, de Rui Coimbras, Vice-Presidente da Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral, um testemunho

de valentia e de lucidez que quero partilhar convosco. Vinte e seis anos de trabalho, sempre a alto nível, sempre

a mostrar, com esforço redobrado e com qualidade redobrada, que uma deficiência como a paralisia cerebral

não é impeditiva de um desempenho profissional de grande exigência. O seu testemunho terminava referindo-

se aos projetos que hoje aqui debatemos da seguinte forma: «Se esta lei não for aprovada e ficar em vigor a lei

atual, provavelmente mais ano menos ano serei reformado por invalidez. E essa é a maior ofensa que me podem

fazer, porque, durante toda a minha vida, sempre fiz tudo para não ser inválido».

São testemunhos assim, de gente mais qualificada ou menos qualificada, que, apesar da sua deficiência,

tem uma vida de trabalho esforçada — esforçada a dobrar, importa dizer — que motivam o projeto do Bloco de

Esquerda de redução da idade da reforma para as pessoas com deficiência. É uma exigência básica de justiça.

Como é sabido, o Bloco de Esquerda defende a diminuição geral da idade da reforma para os 65 anos, em

rutura com a política de sucessivos aumentos dessa idade que tem vindo a ser seguida. Sendo essa a nossa

orientação geral, é mais que justificado um regime de diferenciação das pessoas com deficiência.

A antecipação da idade da reforma das pessoas com deficiência é uma dessas medidas de discriminação

positiva que se impõe e que muitos outros países já adotaram, como Espanha, em 2003, ou o Brasil, em 2010,

entre muitos outros.

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O dia a dia de um trabalhador ou de uma trabalhadora com deficiência é uma sucessão de tempos de

penosidade física e anímica, indiscutivelmente superior à de quem não tem deficiência. Desde as dificuldades

experimentadas em casa e na organização da vida familiar, passando por todos os obstáculos arquitetónicos e

de comunicação entre a casa e o local de trabalho, com destaque para os transportes, até à frequente

inadaptação do posto de trabalho às exigências próprias da deficiência do trabalhador, tudo se soma num

acréscimo inequívoco de desgaste, face aos trabalhadores sem deficiência. E esse é um fundamento indiscutível

— e mais que suficiente — para a justeza da antecipação da idade da reforma das pessoas com deficiência.

A proposta do Bloco de Esquerda, aprovada por unanimidade no Orçamento para o corrente ano, de acordo

com a qual o Governo estudaria, em 2020, a antecipação da idade da reforma das pessoas com deficiência, não

teve, até agora, qualquer expressão concreta. Para as pessoas com deficiência, esta inação do Governo não é,

de todo, aceitável.

O Bloco de Esquerda não se resigna a esta espera sem decisão à vista e, por isso, vem hoje ao Parlamento

propor que quem tem 55 anos e 20 anos de descontos para a segurança social, 15 dos quais correspondendo

a deficiência igual ou superior a 60%, possa reformar-se sem penalização. Fazemo-lo no Dia Internacional dos

Direitos Humanos, o que dá o sentido certo à nossa iniciativa, porque não é de benesses que hoje aqui tratamos,

mas de direitos fundamentais destas pessoas.

Claro que a idade da reforma é apenas uma dimensão, entre outras, onde se joga o reconhecimento da

dignidade das pessoas com deficiência.

Na sua esmagadora maioria, estas pessoas vivem excluídas por uma sociedade que teima em não se

organizar física, económica e juridicamente para garantir a todos e a todas uma vida independente e digna.

Vergonhosamente, subsistem em Portugal barreiras arquitetónicas e estigmas sociais que atiram as pessoas

com deficiência para um dia a dia de diminuição prática de direitos e de penosidade, agravada no exercício do

trabalho e das tarefas mais triviais.

Há tempo demais que dizemos que isto não pode ser assim. As políticas para as pessoas com deficiência

não podem ser sobras para pessoas que sobram, têm de estar centradas na garantia da efetividade de direitos

de igualdade e de direitos de diferença para quem, aspirando à igualdade que lhes é devida, veja respeitada a

diferença que é a sua condição. E, no horizonte dessa centralidade, tem de estar um horizonte e uma mediação

— o horizonte é a vida independente e a mediação é a discriminação positiva.

O que hoje aqui discutimos é se, reduzindo a idade da reforma das pessoas com deficiência, contribuímos

para combater a economia que mata e a manutenção de tanta gente na condição de sobras. Tenhamos a

coragem e a decência de o fazer.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do Grupo Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: O dia a dia das pessoas com deficiência continua a ser vivido com profundas dificuldades e obstáculos.

Sabemos que foi já feito um longo caminho em muitos aspetos, mas a realidade quotidiana continua a ser

marcada pela limitação e negação de direitos, seja porque é preciso ir mais longe de um ponto de vista legislativo

na salvaguarda dos direitos das pessoas com deficiência, seja porque o que está em lei não é efetivado.

A garantia dos direitos das pessoas com deficiência é inseparável de medidas transversais nas áreas do

emprego, da formação profissional, da proteção social; no acesso à educação, à saúde, aos transportes, a

serviços públicos; na remoção de barreiras arquitetónicas; no acesso à cultura, ao lazer, à informação; entre

tantas outras dimensões sobre as quais o PCP tem intervindo continuadamente há vários anos.

As pessoas com deficiência são dos grupos sociais que mais sofre as violentas consequências do

desemprego e da precariedade no trabalho. O direito ao emprego e ao emprego com direitos são direitos

fundamentais e imprescindíveis na garantia da independência, autonomia e dignidade na vida de cada um.

É fundamental que sejam cumpridas, tanto no setor público como no setor privado, as leis existentes no

âmbito do emprego para as pessoas com deficiência. Mas também é preciso ir mais longe.

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As profundas dificuldades no acesso ao emprego com direitos traduzem-se na limitação e no impedimento

da construção de uma vida autónoma e independente, como se traduzem, também, não raras vezes, numa curta

e frágil carreira contributiva, significando isso uma menor proteção social, incluindo quando atingem o momento

da reforma.

Por isso, falar da reforma das pessoas com deficiência e das pessoas com incapacidade, bem como das

condições de acesso a ela, significa também falar das suas condições de trabalho e do esforço acrescido que

lhes é exigido.

Dentro do universo de pessoas a que nos dirigimos com a proposta que aqui trazemos estão, também,

pessoas que sofreram acidentes de trabalho e que, em consequência, ficaram com uma incapacidade

associada, mas também muitas outras pessoas que têm e que vivem com doenças incapacitantes.

Defendemos que os postos de trabalho devem ser devidamente adaptados e que devem ser assegurados

todos os instrumentos necessários para que os trabalhadores desempenhem as suas funções.

Continuamos a insistir na urgência da eliminação das barreiras arquitetónicas, na garantia de acesso a

transportes públicos e coletivos, bem como de mobilidade nas estações e paragens dos mesmos, e demais

espaços públicos. E é fundamental reforçar a proteção social nas situações de incapacidade para o trabalho.

Não é difícil perceber a dificuldade de todos os dias ir para o trabalho ou regressar a casa circulando em

locais com obstáculos ou tendo de usar transportes públicos que não são acessíveis.

Não é difícil perceber a dificuldade de todos os dias estar a trabalhar sem ter os instrumentos necessários

para exercer as suas funções ou sem ter postos de trabalho adaptados às necessidades.

Não é difícil perceber que estamos a falar de esforços acrescidos que são exigidos a quem já está numa

situação de mais fragilidade, como é o caso das pessoas com deficiência ou com incapacidade.

Sem prejuízo de medidas de fundo e transversais, é necessário responder a questões concretas no imediato,

importando definir condições de acesso à reforma para as pessoas com deficiência, sem penalizações, tendo

em conta necessidades específicas que possam existir.

Por isso, propomos que seja criado um regime específico de acesso à reforma para as pessoas com

deficiência e que esse regime, bem como os critérios associados, sejam definidos em conjunto com as

organizações representativas das pessoas com deficiência.

Sem prejuízo de outros critérios que possam ser considerados, entendemos que importa definir um tempo

de carreira contributiva, um período de incapacidade atestado pela junta médica, bem como deve ser

considerada a penosidade e desgaste das funções exercidas, considerando a deficiência ou incapacidade

existente, não se podendo ignorar a heterogeneidade da deficiência e da incapacidade.

Deixamos este contributo para que possam ser garantidas às pessoas com deficiência condições específicas

de acesso à reforma e para que possam ser elevados os seus direitos.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estas propostas revestem-se de cada vez maior importância na nossa sociedade, não só pelo objeto dos projetos que aqui vêm a discussão, e

que, desde já, saudamos, mas também por toda a dimensão que está subjacente aos mesmos.

Falar de políticas para pessoas com deficiência significa falar da real inclusão e, de facto, nesta matéria ainda

temos muito caminho a trilhar em Portugal.

Recentemente, no dia 3 de dezembro, assinalámos o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência e, hoje,

assinalamos o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Assinalarmos estes dias tem de significar que,

efetivamente, se garantem políticas de inclusão na nossa legislação e que são aplicadas na sua plenitude,

garantindo, então, as respostas às necessidades que todos sabemos existirem.

Sabemos todos que as pessoas com deficiência se encontram em maior risco de exclusão social, quer pelas

sucessivas barreiras — sejam elas físicas, comunicacionais, financeiras, culturais —, quer também pela forma

como a nossa sociedade ainda se relaciona com a deficiência, o que, muitas vezes, atenta contra direitos

fundamentais e que é algo que deve ser combatido sem mais demora.

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O PAN não se tem demitido desse papel. Exemplo disso são as sucessivas propostas que aqui temos trazido

para a efetiva inclusão das pessoas com deficiência.

Ainda recentemente, na discussão do Orçamento do Estado, apresentámos propostas várias, a saber: apoios

financeiros à pessoa com deficiência para criação de negócio; a criação de uma bolsa nacional de profissionais

de tradução e interpretação em língua gestual portuguesa no ensino superior público; a comparticipação de

medicamentos para pessoas com deficiência; a majoração da componente base da prestação social para a

inclusão; apoios para criar a acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida aos vários estabelecimentos.

Estas propostas foram rejeitadas, apesar de, nos debates em que participámos com todos os outros partidos,

todos dizerem que estão verdadeiramente comprometidos com as políticas para a inclusão.

Sobre os projetos aqui apresentados hoje, e que vão ao encontro de um princípio de justiça que,

naturalmente, o PAN acompanha, entendemos que as propostas ora discutidas devem fazer parte de um plano

estratégico de integração da pessoa com deficiência e que, acima de tudo, é fundamental monitorizar e garantir

que a legislação já aprovada é efetivamente aplicada e que os desvios são rapidamente corrigidos sob pena de

estarmos a duplicar a exclusão.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Marta Freitas, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Marta Freitas (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar os partidos por trazerem à discussão plenária uma matéria que vai ao encontro das solicitações das pessoas com

deficiência. Relembro que este é um mês de especial reflexão sobre as medidas que têm sido adotadas até à

data para uma maior inclusão das pessoas com deficiência, muitas vezes, alvo de estigma, o que trava a sua

plena participação na sociedade como os demais cidadãos.

O Partido Socialista tem trilhado caminho, em especial, nestes últimos cinco anos, no sentido de maior

sensibilização para esbater este estigma, bem como para responder às necessidades colocadas pelos familiares

e pelas pessoas com deficiência, dando largos passos para a inclusão, a autonomia e a autodeterminação

destes cidadãos com necessidades especiais e cujo potencial é por vezes subvalorizado. Mas certamente que

este caminho não fica por aqui, havendo o compromisso de continuar este percurso fortalecido com o Partido

Socialista.

Neste sentido, a Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência para estes próximos cinco

anos, que está em consulta pública, ganha espaço e uma extrema importância para definir que caminho

pretendemos percorrer e que prioridades devemos estabelecer.

Nestes últimos anos, também tem sido reforçada a legislação para proteção e inclusão das pessoas com

deficiência. E este tem sido um momento para levantamento do que foi feito, do que pretendemos e do que é

preciso continuar, reforçar ou criar.

Importa relembrar que, a partir desta última Legislatura, houve avanços importantes, que quero aqui reafirmar

e realçar, nomeadamente a prestação social para a inclusão (PSI), que permite uma cobertura de vida das

pessoas com deficiência. Foram também lançados os projetos-piloto do Modelo de Apoio à Vida Independente

(MAVI), que estão a ser alvo de reavaliação visando um modelo definitivo, bem como o seu reforço. Também

foi estabelecida, em 2019, uma quota de acesso ao emprego para as pessoas com deficiência, garantido o

acesso, a todos e a todas, ao direito ao trabalho previsto na Constituição da República Portuguesa, pretendendo-

se, nesta próxima fase, rever esta medida relativa às quotas e reforçar os incentivos às empresas, bem como

criar a agência para a empregabilidade Valor-T, que vem reforçar esta intenção.

Quero também relembrar o apoio que estas empresas têm na adaptação física necessária para garantir a

qualidade de acesso ao trabalho à pessoa com deficiência, retirando barreiras que limitam a inclusão das

pessoas com deficiência.

Estão também assegurados, no Orçamento do Estado para 2021, investimentos para uma maior mobilidade

e mais acessibilidades, quer físicas, quer de informação às pessoas com deficiência, e ainda a criação dos

balcões de inclusão nos centros distritais e municipais.

Quero também dizer que olhar para a inclusão das pessoas com deficiência e para as medidas que a

viabilizam é criar condições e qualidade de vida para todos os cidadãos em qualquer momento das suas vidas,

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seja porque se vive alguma condição temporária ou permanente, seja porque se apoia alguém que nos é

próximo.

Mas, não fugindo ao tema que nos trouxe aqui hoje sobre a reforma antecipada das pessoas com deficiência,

este foi um compromisso que o Governo do Partido Socialista assumiu com elevada responsabilidade, desde a

aprovação do artigo 75.º no Orçamento do Estado para 2020, com a constituição de um grupo de trabalho no

quadro do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, tendo por objetivo proceder ao estudo da

reforma das pessoas com deficiência.

Aliás, como a Sr.ª Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência aqui afirmou, na audição

em sede de comissão, aquando da discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2021, o Governo

está a elaborar um estudo e tem vindo a recolher informação para este efeito. Também tem feito o

acompanhamento e a discussão na Comissão de Políticas de Inclusão das Pessoas com Deficiência, órgão de

cuja composição fazem parte as organizações representativas das pessoas com deficiência, estando prevista

uma reunião deste Conselho Nacional para as Políticas de Solidariedade e Segurança Social ainda no mês de

dezembro, onde este estudo preliminar sobre a reforma antecipada para as pessoas com deficiência será

apresentado.

Quero ainda dizer que a sensibilidade que o PCP demonstra nesta proposta é a sensibilidade que o Governo

também tem tido e que o PS também tem vindo a demonstrar, pelo que nos parece sensato aguardar pela

apresentação deste estudo, para que não haja sobreposição de matérias com o mesmo objeto.

Em relação às demais propostas, parece-nos também importante contabilizar a sustentabilidade do regime

contributivo da segurança social, para a definição de um acesso privilegiado e solidário à reforma antecipada

das pessoas com deficiência.

Srs. Deputados, é importante sublinhar que, em sede de Orçamento do Estado para 2020, foi aprovada uma

proposta que vai garantir precisamente o estudo sobre as reformas antecipadas para as pessoas com

deficiência. É importante que este processo siga o seu caminho e que os seus prazos sejam respeitados, como

estamos a verificar por parte do Governo.

Propostas duplicadas, sobrepostas ou extemporâneas não ajudam à clareza dos processos legislativos.

A defesa da igualdade de direitos das pessoas com deficiência é uma bandeira que é decerto de todos os

grupos parlamentares e que merece um tratamento com toda a dignidade. O Partido Socialista assumiu este

compromisso de forma intransigente. Portanto, é essencial que os partidos aqui presentes o assumam, de igual

modo, com equilíbrio e seriedade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do PEV.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A antecipação da idade da reforma dos trabalhadores com deficiência é tanto mais uma discussão necessária quanto cerca de 18% das pessoas

residentes em Portugal, de acordo com os Censos 2011, manifestam algum tipo de limitação física, intelectual

ou sensorial que as inibem de uma participação nas diversas dimensões da vida e da cidadania em iguais

circunstâncias com as demais.

A criação de condições para a participação e o desenvolvimento de todos os cidadãos nos diferentes

domínios da vida, a inclusão plena das pessoas com deficiência, bem como o pleno reconhecimento e promoção

dos seus direitos, é fundamental ser trabalhado.

Apesar da evolução a que se tem assistido, Os Verdes consideram que há ainda um longo caminho a

percorrer para a concretização efetiva dos direitos das pessoas com deficiência, a promoção da qualidade de

vida e o combate à discriminação.

Relativamente ao desenvolvimento da atividade laboral por parte das pessoas com deficiência, importa ter

presente que isso implica um desgaste físico e emocional diário, incomparavelmente superior ao de

trabalhadores sem deficiência, e que se verifica em todas as rotinas que se realizem na habitação ou no local

de trabalho, nas rotinas diárias com exigências específicas, que representam um desgaste elevado.

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O processo normal de envelhecimento das pessoas com deficiência é, geralmente, mais complexo. Com

efeito, as pessoas com deficiência estão sujeitas a um sobre-esforço para manter uma atividade profissional, o

que afeta o seu envelhecimento, pode trazer patologias e até ter influência na esperança média de vida.

Por isso mesmo, as pessoas com deficiência devem ter direito a gozar a reforma enquanto as suas

incapacidades não estão agravadas ao ponto de impedirem que possam usufruir da mesma com alguma

qualidade de vida.

Neste caso concreto, podemos e devemos olhar para os exemplos internacionais, em que estas

condicionantes foram consideradas na legislação de outros países como a Espanha, a Alemanha e a França,

legislação essa que consagra a antecipação da idade da reforma sem penalização no caso dos trabalhadores

com deficiência, apesar de haver diferenças entre o que ficou estabelecido para cada um dos países em termos

de idade e período de descontos.

É por isto que Os Verdes defendem a redução da idade de reforma para os trabalhadores com deficiência,

por ser uma medida justa, tendo também apresentado um projeto de lei, que será discutido em outro momento,

considerando que esta será, entre outras medidas nas áreas da saúde, do emprego, da educação, da proteção

social, dos transportes e da remoção de barreiras arquitetónicas, uma forma de garantir os direitos das pessoas

com deficiência.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, do CDS-PP.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português trazem-nos hoje à discussão duas iniciativas sobre o relevante tema do acesso

à reforma para as pessoas com deficiência. Quer um quer outro projeto de lei consagram um regime de

antecipação desse acesso à reforma.

Ainda assim, os dois projetos são muito diferentes um do outro. O projeto de lei do Bloco de Esquerda

consagra uma antecipação incondicional do acesso à reforma para quem, tendo mais de 55 anos, tenha 20 anos

de remunerações relevantes para constituição da pensão e, desses 20 anos, 15 tenham sido exercidos com

mais de 15% de incapacidade. Já o projeto de lei do PCP, dando a possibilidade de acesso antecipado ao

mesmo universo de pessoas, abre uma discussão e uma avaliação sobre as condições determinantes desse

acesso antecipado.

Do nosso ponto de vista, faz mais sentido esta opção do que a primeira, de um acesso incondicional. Nesse

sentido, o que temos a dizer é que o que o PCP aqui traz é basicamente o mesmo que trouxe ao Orçamento do

Estado para 2020 — e bem. Aliás, o CDS votou a favor dessa proposta de alteração do PCP ao Orçamento do

Estado para 2020.

Acontece que estamos a 21 dias de essa lei caducar. Portanto, o que quero perguntar ao PCP ou ao PS é o

que é que aconteceu, uma vez que já decorreu todo um ano desde que essa lei foi aprovada, no cumprimento

do artigo 75.º da Lei do Orçamento do Estado para 2020 e que dados podemos ter para avaliar a iniciativa do

PCP.

Como referi, o CDS votou a favor dessa iniciativa. E teve várias outras, durante a Legislatura passada e

durante o ano passado, sobre aquilo que deve ser uma consideração especial pelas pessoas com deficiência.

Acontece que os partidos que, agora, apresentam estas iniciativas chumbaram a maioria das propostas que

o CDS apresentou relativamente a estas pessoas. Pela nossa parte, não faremos o mesmo. Achamos que é

muito importante considerar a especificidade do acesso à reforma das pessoas com deficiência que reúnem

estas condições. Mas, obviamente que isso não pode ser desligado daquilo que é a sustentabilidade de um

sistema que paga pensões a todos os cidadãos. Por isso, parece-nos mais avisado o caminho de estudar as

condições em que esta antecipação pode ser feita do que fazê-lo de forma incondicional.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, a Sr.ª Deputada Helga Correia.

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, no Dia Internacional dos Direitos Humanos, dois projetos de lei sobre a redução da idade da reforma das pessoas com deficiência.

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Importa começar por referir, Sr.as e Srs. Deputados, que o projeto de lei do Bloco de Esquerda, hoje em

discussão, deu entrada na Assembleia da República ainda na anterior Legislatura, precisamente há um ano.

Assim sendo, passou o Orçamento do Estado para 2020 e passou também o Orçamento do Estado para 2021,

por estranho que pareça, só hoje vemos o Bloco de Esquerda preocupado com estas matérias.

Importa ainda dizer, Sr.as e Srs. Deputados, que, a ser aprovado este projeto de lei — e é necessário referi-

lo para que, quem está em casa, perceba do que estamos aqui a falar —, só em 2022, esta resposta chegará

às pessoas. Ora, isto não passa, mais uma vez, de um número político por parte do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Número político é dizer isso! E votar contra!

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Por outro lado, não deixa de ser curioso que o projeto de lei do PCP, que tem genericamente os mesmos propósitos que o projeto de lei do BE, tenha dado entrada seis dias depois,

repito, seis dias depois do fim da discussão do Orçamento do Estado para 2021. Se realmente o PCP estivesse

preocupado com as pessoas com deficiência, teria apresentado essa medida no Orçamento do Estado para

2021 e, hoje, teríamos essa medida aprovada.

Quero ainda deixar aqui uma nota, Srs. Deputados do Partido Comunista Português, porque há uma coisa

que também está a falhar, Srs. Deputados, e que é muito importante que fique aqui mencionado: é que este

projeto de lei não respeita a lei-travão.

Devo ainda dizer que não deixa de ser curioso que esta discussão esteja a ser feita 15 dias depois do fim da

discussão do Orçamento do Estado, porque poderíamos estar com esta situação já resolvida. E estamos a

discutir em cima do joelho,…

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — E sobre as pessoas com deficiência, nada?!

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — … num exercício de «fazer de conta», dois projetos de lei sobre uma matéria da maior relevância para as pessoas portadoras de deficiência e que, tal como referi anteriormente, poderia

estar já a ter efeitos no imediato.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se os partidos proponentes quisessem realmente resolver esta

matéria, ela poderia ter sido resolvida anteriormente, mas hoje assistimos aqui a mais um conjunto de anúncios

por parte do Partido Socialista.

Ora, esta questão ficou consagrada no artigo 75.º da Lei do Orçamento do Estado para 2020, como a Sr.ª

Deputada do Partido Socialista referiu, mas, curioso, foi necessário fazer aqui um número político com os

partidos da esquerda, que apoiaram sempre o Partido Socialista na governação, para o Partido Socialista vir

dizer aquilo que foi feito, ou seja, que estão a fazer um estudo. E, curiosamente, a 21 dias de terminar o prazo

em que o mesmo deveria estar feito, vão preparar-se para anunciar.

Neste momento, a Deputada do PS Marta Freitas acena com a cabeça em sinal negativo.

Sr.ª Deputada, escusa de estar a fazer gestos, a tentar dizer que está resolvido, porque o que vocês vieram

fazer, mais uma vez, foi um número político ao dizer que estão preocupados com as pessoas, mas as pessoas

precisam de apoio, de clareza e de seriedade por parte do Parlamento português.

Protestos do PS.

Para concluir, queria dizer que, no Grupo Parlamentar do PSD — e escusam de ficar nervosos —, não

compactuamos com exercícios de demagogia política.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — E sobre pessoas com deficiência, não diz nada?!

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Srs. Deputados, os partidos da esquerda, no Parlamento, têm estado de costas voltadas para o PS, partido da governação, às quartas e quintas-feiras, mas à sexta-feira votam e

aprovam as medidas. Isso viu-se com a abstenção aquando da votação do último Orçamento do Estado.

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O Sr. José Manuel Pureza (BE): — E sobre pessoas com deficiência?!

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Sr. Deputado, se realmente queriam resolver o problema das pessoas, teriam feito isto no âmbito do Orçamento do Estado para 2021 e não estávamos aqui a discutir esta matéria.

Quero também dizer que, pela nossa parte, as pessoas com deficiência podem estar descansadas que

vamos continuar a colaborar.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Vão votar contra!

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Aliás, o Partido Social Democrata votou favoravelmente o artigo 75.º, o Governo é que não cumpriu com a parte dele e está agora a anunciar que vai apresentar o estudo.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Ah, o estudo…!

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Quero, ainda, dizer que temos bem presentes as dificuldades com que se deparam as pessoas com deficiência e que aguardamos o resultado do estudo que deveria já estar concluído

de forma a fazermos uma discussão séria em sede de comissão parlamentar.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Podem esperar sentados!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, pelo Grupo Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, gostaria de deixar algumas observações sobre a discussão que aqui foi feita.

Sr. Deputado João Almeida, importava aqui esclarecer que, no Orçamento do Estado para 2020, que foi

votado no início do ano, a proposta do PCP era para que se avaliassem as condições de implementação de um

regime especial de acesso à reforma para pessoas com deficiência. Foi isso que ficou inscrito no Orçamento

em conjunto com outras propostas que foram aprovadas.

Esta proposta vai mais longe do que isso.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Eu sei!

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Esta proposta concretiza a criação de um regime com um conjunto de critérios que entendemos que é importante que sejam considerados e admitimos também que haja diferentes

condições de acesso de acordo com a deficiência. Ou seja, se a deficiência for motora terá condições e

características e necessidades diferentes de deficiências sensoriais ou, até, de pessoas, por exemplo, com

doença oncológica ou que sofreram acidentes de trabalho. Todas essas realidades têm de ser naturalmente

consideradas e respondidas de acordo com as necessidades.

Por isso, no projeto de lei que apresentamos, colocamos critérios que devem ser considerados e defendemos

que as organizações representativas das pessoas com deficiência têm de ser efetivamente envolvidas. Sr.ª

Deputada do PS, repito, têm de ser efetivamente envolvidas e consideradas as suas opiniões na elaboração de

um regime de acesso à reforma para as pessoas com deficiência.

E é neste sentido que apresentamos um projeto de lei que abre portas e que trilha um caminho que achamos

ser fundamental para que se avance nesta direção.

Sr.ª Deputada Helga Correia, permita-me dizer que, se a única objeção do PSD em relação ao projeto de lei

do PCP é a entrada em vigor, então, vote a favor do projeto de lei e, na especialidade, tratamos da questão da

sua entrada em vigor, porque o que é fundamental, nesta iniciativa, é a garantia dos direitos das pessoas com

deficiência que ela comporta.

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Portanto, o que importa aqui saber é se o PSD quer acompanhar o PCP nesse caminho, que é fundamental,

de aprofundamento dos direitos das pessoas com deficiência, incluindo no acesso à reforma e considerando as

características e as necessidades deste grupo social e também aquilo que estas pessoas vivem todos os dias,

na deslocação para o trabalho, na sua vida pessoal, na sua vida familiar e, muitas vezes, nos locais de trabalho

que não estão devidamente adaptados à suas necessidades.

Aplausos do PEV.

O Sr. Presidente: — Para concluir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No encerramento deste debate, creio que fica patente que estamos perante uma questão essencial de justiça.

Era importante sublinhar isto porque houve, neste debate, quem se entretivesse, e nos quisesse entreter,

com floreados sobre jogos políticos, manobras, tempos, quem faz, quem não faz. Ora, creio que é importante

concentrarmo-nos naquilo que verdadeiramente é essencial.

A Sr.ª Deputada Helga Correia, do PSD, fez uma intervenção inteira em que não fez uma única alusão àquilo

que é absolutamente essencial e que é a questão da redução da idade da reforma.

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Não é verdade!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Mais: a Sr.ª Deputada Helga Correia teve a capacidade de nos trazer uma intervenção em que coloca a necessidade de isso já ter sido resolvido, mas, agora que pode ser resolvido,

o partido da Sr.ª Deputada Helga Correia, pelos vistos, dispõe-se a votar contra.

A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Helga!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Peço desculpa, Helga Correia, peço muita desculpa pelo engano, mas não estou enganado no argumento e o argumento é que a Sr.ª Deputada Helga Correia veio dizer que já devia

ter sido resolvido, mas, agora que pode resolvido, o partido da Sr.ª Deputada Helga Correia vai, certamente,

votar contra.

Protestos da Deputada do PSD Helga Correia.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, há necessidade de sermos claros nesta matéria: a proposta do Bloco de

Esquerda é clara no que propõe e propõe que quem tem 55 anos de idade, com 20 anos de descontos para a

segurança social, 15 dos quais correspondem a uma incapacidade igual ou superior a 60%, possa ser reformado

sem penalizações.

Volto ao nosso ponto: aquilo que a não aprovação vai significar é a condenação destas pessoas…

A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Não, não!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — … a passarem pela humilhação, diante de si próprias, de serem reformadas por invalidez, quando são pessoas que passam uma vida inteira a trabalhar, com dignidade e com

esforço redobrado.

E os Srs. Deputados e as Sr. as Deputadas, que dizem que isso já podia ter sido resolvido, vão continuar a

perpetuar o regime até agora vigente, vão condenar essas pessoas a passarem pela indignidade de se

considerarem inválidas. Ora, essas pessoas não são inválidas, são pessoas que merecem estima, que merecem

consideração, e que merecem, portanto, ter o direito a serem reformadas aos 55 anos de idade.

Esta é a nossa questão.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao próximo ponto da nossa ordem de trabalhos que consiste na apreciação, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 523/XIV/2.ª (PCP) — Prorroga o prazo para a

prova de detenção de cofre pelos detentores de armas de fogo (1.ª alteração à Lei n.º 50/2019, de 24 de julho),

e 554/XIV/2.ª (CDS-PP) — Consagra um período extraordinário de entrega voluntária de armas de fogo não

manifestadas ou registadas, juntamente com o Projeto de Resolução n.º 526/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao

Governo que interdite a utilização de chumbo nas munições da atividade cinegética e nos campos de tiro.

O primeiro interveniente é o PCP, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: A iniciativa que o PCP traz a este debate é uma iniciativa muito simples, que consideramos relevante e que tem precisamente a ver com o momento que o

País está a atravessar e com as circunstâncias que daí decorrem.

O que acontece é que, no verão de 2019, houve numa alteração à lei das armas — a Lei n.º 50/2019 — que

alterou a lei que já vinha de 2006 e que já tinha tido várias alterações. Essa alteração determinou que quem

tenha uma arma de fogo tenha de dispor de um cofre metálico homologado, segundo uma norma europeia, para

guardar essa arma. Estamos a falar de detentores legais, pessoas que têm armas legalizadas e que têm uma

razão legítima para as terem, mas a lei estabeleceu — e bem — que essas armas devem ser guardadas em

segurança e para isso determinou a obrigatoriedade da existência de um cofre, que corresponda a requisitos

legais, para esse efeito.

Assim, a lei estabeleceu que devia ser feita a prova da detenção desse cofre até ao final do mês de setembro,

até 23 de setembro de 2020. Mas, nos últimos meses, a partir do início da pandemia, passou a ser extremamente

difícil a obtenção destes cofres no mercado. Não são propriamente um bem de consumo corrente, não há muitos

fabricantes, e, portanto, tornou-se muito difícil fazê-lo, se não mesmo impossível, para muitos detentores de

armas que, dentro do prazo legal, quiseram comprar o seu cofre.

Ora, o que acontece é que a coima prevista é de 700 € e parece-nos extremamente injusto, e isto foi alertado

por vários setores de pessoas interessadas, que pelo facto de alguém não conseguir comprar um cofre dentro

do prazo fique sujeito a essa coima.

Portanto, parece-nos perfeitamente justificado que se possa prorrogar esse prazo por alguns meses, pelo

que a proposta que o PCP aqui faz é que esse prazo seja prorrogado até ao próximo mês de julho de 2021,

esperando nós que as circunstâncias que levam a esta proposta já não se verifiquem, que as disposições legais

entrem, efetivamente, em vigor e que, aí, já não haja mais prorrogações.

Trata-se de adaptar a legislação vigente, com uma simples prorrogação, por forma a que as pessoas tenham

tempo de adquirir um cofre que, manifestamente, não tiveram a possibilidade de adquirir dentro do respetivo

prazo.

É isto que o PCP aqui propõe, esperando que haja um consenso, nesta Câmara, para fazer esta adaptação

cirúrgica à nossa legislação de maneira a não dificultar de uma forma injustificada a vida a muitas pessoas.

Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.

O Sr. Presidente: — Começo por cumprimentar as Sr.as e os Srs. Deputados. A próxima intervenção cabe à Sr.ª Deputada Cecília Meireles, para apresentar a iniciativa legislativa do CDS-

PP.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS apresenta hoje numa iniciativa legislativa para prorrogar o prazo de entrega ou legalização de armas.

Esta iniciativa prende-se com o seguinte: a aprovação da Lei n.º 50/2019 previa um período de seis meses,

após a entrada em vigor dessa lei, para que os possuidores de armas de fogo, que não estivessem manifestadas

ou registadas, das duas, uma, ou fizessem a sua entrega voluntária a favor do Estado, sem que houvesse lugar

a procedimento criminal, ou procedessem à legalização, sem procedimento contraordenacional que,

obviamente, implica o pagamento de multas.

O prazo para o cumprimento desta obrigação, este prazo de seis meses, acabou a 22 de março. Ora, a 22

de março, como é do conhecimento geral, nós estávamos já em pandemia. Entretanto, tinha sido determinado

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por despacho que se pudesse proceder à receção das armas em quaisquer instalações ou unidade territorial da

GNR (Guarda Nacional Republicana) ou da PSP (Polícia de Segurança Pública), em qualquer ponto do País.

Quando chegou a pandemia, e face às dificuldades que todos conhecemos do estado de emergência, o que

aconteceu foi que houve uma enorme redução dos locais onde se podia proceder a esta entrega ou a esta

legalização.

Basicamente, ela passou a poder fazer-se apenas no departamento de armas e explosivos da PSP em Lisboa

ou nos núcleos de armas e explosivos dos comandos da PSP.

Resultado? Uma enorme confusão, um pesadelo logístico e o facto de que muitas pessoas que queriam

voluntariamente proceder a esta entrega não o puderam fazer.

O que estamos agora a propor é um período de graça, um período adicional em que, depois destes períodos

de confinamento ou de quase confinamento, se possa fazer a entrega ou a legalização das armas, sem

pagamento de multa.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar a respetiva iniciativa legislativa, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva, do PAN.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O chumbo é um tóxico cumulativo que afeta vários sistemas do corpo e é particularmente prejudicial para as crianças.

As pessoas podem ficar expostas ao chumbo por inalação e por contaminação ambiental. Assim que o

chumbo entra no corpo, é distribuído para órgãos como cérebro, rins, fígado e ossos. O corpo também armazena

chumbo nos dentes e ossos, onde se acumula com o tempo e podendo ser remobilizado no sangue durante a

gravidez, expondo assim o feto e podendo causar aborto espontâneo, nado morto, parto prematuro e baixo peso

ao nascer. Não existe um nível de exposição ao chumbo isento de efeitos prejudiciais.

O Instituto para a Métrica e a Avaliação da Saúde estima que, em 2017, a exposição ao chumbo foi

responsável por mais de um milhão de mortes e 24 milhões de anos de vida saudável perdidos em todo o mundo,

devido aos efeitos de longo prazo na saúde. O mesmo Instituto estima também que, em 2016, a exposição ao

chumbo foi responsável por 63% da deficiência intelectual, 10% da doença cardíaca hipertensa, 5% da doença

isquémica do coração e 6% de AVC (acidente vascular cerebral).

Tendo em consideração os efeitos nefastos do chumbo, Portugal adotou, nos últimos anos, várias medidas

que levaram à progressiva remoção do chumbo de um conjunto de produtos, tais como as gasolinas, as tintas

ou as tubagens de água.

Contudo, a dispersão de chumbo pela caça permanece como uma das formas de introdução de chumbo na

natureza. Existem dados de que se dispersam na natureza entre 150 a 200 toneladas de chumbo por ano,

através da atividade cinegética. Alguns destes chumbos ficam nos animais e outros perdem-se na natureza.

Há́ evidências da ingestão de chumbo, em particular por aves, que as confundem com as pedras que

habitualmente ingerem no processo digestivo. Com a ingestão de chumbo, as aves desenvolvem sintomas de

saturnismo, uma doença letal. Existe ainda o risco de estas aves se integrarem na cadeia alimentar, quer por

predação de outros animais, quer no próprio processo de caça, constituindo um risco para a saúde pública.

Por outro lado, também na atividade dos complexos, carreiras e campos de tiro, a utilização de munições de

chumbo pode causar danos graves ao ambiente, por contaminação dos recursos hídricos e dos solos,

impactando, consequentemente, a flora, a fauna e as pessoas.

Existem já restrições à utilização de munições de chumbo em 23 zonas húmidas definidas em portaria. São

zonas essencialmente incluídas em zona de proteção especial para a conservação da natureza.

Mas isso não é suficiente. Já em 2016, a Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) concluiu que, e

passo a citar, «considerando as possibilidades da praticabilidade da sua execução, uma restrição de todos os

usos de munição de chumbo será a medida mais apropriada para aplicar ao nível da União Europeia».

No contexto europeu, a utilização de munições de chumbo na atividade cinegética foi já totalmente banida

em países como a Holanda, a Dinamarca e a Noruega.

Tendo em conta os efeitos extremamente tóxicos do chumbo, são prioritárias todas as medidas que eliminem

a utilização deste metal com efeitos extremamente nocivos para a saúde pública, fauna e ecossistemas.

Pode ler-se na Lei de Bases Gerais da Caça que esta estabelece os princípios orientadores que devem

nortear a atividade cinegética nas suas diferentes vertentes, com especial ênfase para a conservação do meio

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ambiente. Por isso, está na altura de a atualizar e de acabar com esta incoerência de espalhar chumbo no meio

ambiente e de o introduzir na cadeia alimentar.

O PAN traz, por isso, esta iniciativa à Assembleia da República, que visa interditar a utilização de chumbo

nas munições da atividade cinegética e nos campos de tiro.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, passamos agora à fase do debate e, para uma intervenção, em nome do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vou repartir esta intervenção em duas partes.

De um lado, temos dois projetos de lei, o do CDS e o do PCP, e ambos estão baseados naquilo que, de

facto, é a realidade e que é um problema que quem é possuidor de armas de fogo neste País sente

sobremaneira.

Quanto à proposta do CDS, de prorrogação do prazo, o PSD acha que, de facto, faz todo o sentido, até

porque todos os dados vêm mostrando que a entrega de armas não manifestadas ou ilegais teve um aumento

exponencial de ano para ano, exceto em 2020, porque os constrangimentos que se viveram, por causa da

COVID, acabaram por não permitir que fosse feita a entrega simples que estava pensada.

Da mesma forma, também houve constrangimentos com os cofres, tendo em conta o facto de grande parte

destes cofres, porque tem de ser um modelo muito específico, ser fabricada em Espanha e a fábrica ter

encerrado o seu serviço. Portanto, vimos os portadores de armas com grandes constrangimentos para

adquirirem o cofre e fazer prova dessa aquisição.

Nesse sentido, é necessário que, de facto, se criem as condições para que se possa cumprir, até porque o

não cumprimento não é imputável às partes, mas a circunstâncias que não são controláveis por ninguém, antes,

são fruto do momento que vivemos.

Do outro lado, temos o projeto de resolução do PAN que, folgo em ver, no último parágrafo, no último fôlego,

mostrou o que queria. O que o Sr. Deputado André Silva quer é acabar com a caça e, então, parte de meias-

verdades para construir uma narrativa. Vamos por partes.

Primeiro, quanto ao chumbo nos campos de tiro, lá estão as tais meias-verdades para se dizer uma mentira:

usa-se chumbo, sim, mas, atualmente, ele já é recolhido e reciclado. Portanto, é uma não-verdade e uma não-

questão, mas convém dizer que o chumbo é prejudicial para criar aqui um discurso e uma narrativa.

Depois, relativamente à atividade cinegética e ao uso do chumbo, o Sr. Deputado também vem com as suas

meias-verdades para construir uma narrativa que, na verdade, é uma mentira, e há que dizê-lo. Mas insiste e

persiste, por forma a convencer-nos, e, então, vem com o discurso muito bem preparado dos malefícios do

chumbo, que são incontestáveis. Dizermos que o chumbo foi retirado das tubagens, daqui e dali é incontestável,

mas, depois, surge também a questão das aves e do saturnismo. Claro que omite expressamente, porque lhe

interessa omitir, que o problema do saturnismo nas aves relacionado com a ingestão de chumbo tem a ver com

as aves aquáticas, aquelas para as quais já é proibida a utilização de chumbo. São as tais meias-verdades com

que o PAN sistematicamente gosta de nos brindar.

Mas, depois, o Sr. Deputado vem ainda dizer que já está proibido em alguns países, como a Holanda e a

Dinamarca, esquecendo-se de dizer que se refere também à caça nas zonas húmidas. Aliás, basta pensarmos

na orografia do terreno destes países.

Portanto, cria-se uma narrativa, a partir dela criam-se factos, e não se mente, porque, efetivamente, do que

foi dito conseguimos retirar frases, todas elas, verdadeiras, Sr. Deputado, mas esquece-se de as colocar naquele

que é o contexto real em que são proferidas. Nós compreendemos que isso não interesse ao PAN, que, aliás,

tem um tal desrespeito pela conservação da natureza ligada à atividade cinegética que apresenta estas

propostas vezes sem conta, pouco lhe importando aquilo que pensa o resto do Parlamento. Esta proposta foi,

agora, chumbada, na discussão do Orçamento — como se isso interessasse a quem age apenas por uma

agenda populista e de desrespeito.

É muito fácil vir aqui dizer, sistematicamente, parecendo que são os bons da fita, que os caçadores, aqueles

maus da fita — imaginem! —, até usam chumbo e poluem os nossos territórios. Mas esquecem, nesse discurso,

que foram esses maus da fita, de que tanto falam, que fizeram com que o lince da Malcata tivesse sido

recuperado. Sim, porque foram as espécies cinegéticas que lá colocaram que fizeram com que ele continue a

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existir. E o PAN acha o máximo e considera espetacular dizer «temos aqui a recuperação do lince», mas não

lhe importa usar a verdade toda. Isso é a má-fé intelectual, a que, aliás, já estamos habituados, uma e outra vez.

A falta de seriedade no pensamento e a má-fé intelectual com que nos brinda sistematicamente, para parecer

que é bondoso, é algo que é quase ofensivo para toda a gente que defende o território.

O PSD sempre esteve junto das melhores práticas ambientais, aliás, tem muitos pergaminhos nestas

matérias ao longo dos anos. No entanto, usar dados errados, falseados, deturpados é inadmissível.

Mais: convém acrescentar, porque parece que se esqueceu, que esta questão está a ser objeto de análise e

de estudo na União Europeia, que está a tentar criar um regime para um melhor uso do chumbo. São essas

práticas que Portugal deve seguir e que o PSD defende, como partido responsável que é, com respeito pelo

território e por todos os modos de vida que se inserem no território e não por aqueles que o PAN acha que tem

de impor ao resto do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que indicou à Mesa que será uma intervenção partilhada por dois Srs. Deputados que gerirão o tempo

da maneira que entenderem.

Assim, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Paulo Porto.

O Sr. Paulo Porto (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Lei n.º 50/2019, de 24 de julho, que alterou o regime jurídico das armas e suas munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, introduziu

a obrigatoriedade de os detentores de armas de fogo possuírem, para a guarda das armas, cofre ou armário de

segurança não portáteis, com nível de segurança mínima de acordo com a norma europeia EN 14450 — S1, ou

nível de segurança equivalente.

O mesmo diploma legal, no seu artigo 7.º — Norma transitória, estabelece que os proprietários de armas de

fogo que estejam obrigados a possuir cofre ou armário não portátil devem submeter o comprovativo na

plataforma eletrónica disponibilizada pela PSP, nomeadamente fatura-recibo, ou documento equivalente, ou, no

caso de casa-forte ou fortificada, a verificação das condições de segurança no prazo de um ano após a entrada

em vigor da lei, ou seja, até 23 de setembro de 2020.

O Projeto de Lei n.º 523/XIV/2.ª propõe que o prazo para implementação do referido artigo 7.º — Possuir

cofre — seja prorrogado até 31 de julho de 2021.

Logicamente, os efeitos da pandemia, que tiveram impacto em todos os setores, também afetaram os

estabelecimentos comerciais que se dedicam à comercialização deste tipo de material, os quais estiveram

encerrados durante a vigência do estado de emergência, o que, certamente, afetou a aquisição/disponibilização

dos cofres para este efeito, tendo em conta o aumento da procura, em função da obrigação legal.

Diante desta realidade, é razoável que, em função dos constrangimentos provocados pela pandemia e das

referidas dificuldades na aquisição dos cofres, o prazo de implementação da norma seja prorrogado, sendo

coerente a dilatação do prazo até à data indicada, ou seja, 31 de julho de 2021.

No que tange ao Projeto de Lei n.º 554/XIV/2.ª, ressalte-se que foi definido o dia 22 de março de 2020 como

prazo-limite para entrega de armas não manifestadas, sendo que o primeiro estado de emergência foi decretado

em 18 de março de 2020, ou seja, quatro dias antes da data-limite.

No entanto, considerando a situação pandémica, houve a prorrogação do prazo para entrega das armas até

ao dia 3 de julho de 2020.

Sendo assim, verifica-se que, ao contrário do exposto, não houve qualquer prejuízo para estes cidadãos,

decorrente dos efeitos diretos provocados pela pandemia, houve, sim, um alargamento do prazo para entrega

das armas.

Posto isto, depreende-se que os períodos excecionais de entrega de armas sem repercussão criminal têm

de ser efetivamente excecionais, sob pena de se potenciar a criação de um sentimento de impunidade e de

excessiva tolerância em relação ao cumprimento dos prazos legais, com todos os inconvenientes que isto pode

acarretar para a segurança pública.

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Salienta-se que os dados obtidos pela PSP, até ao dia 3 de julho, apontam para um número de entrega de

armas superior ao registado em 2006, pois, em 2006, foram entregues cerca de 6600 armas e, em 2020, os

dados apontam para mais de 7200 armas recebidas.

Face aos argumentos constantes do projeto de lei em debate e à análise do custo/benefício da adoção desta

iniciativa, em termos securitários, entende-se que o projeto merece ser rejeitado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Gameiro.

O Sr. António Gameiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A minha intervenção justifica-se apenas para sublinhar a oportunidade do projeto de lei do PCP, que, em boa hora, entrou nesta Câmara, pois

vem resolver um problema nacional.

A importação dos cofres foi coartada pela própria COVID, como já foi aqui muito bem sublinhado, e criou

uma dificuldade, uma vez que as nossas forças de autoridade não podem deixar de atuar, nem vão fazê-lo. Mas,

ao mesmo tempo, os cidadãos veem-se constrangidos com o facto de nem sequer aquilo que colocámos na lei

das armas de 2019, a eventual apresentação de recibo ou fatura da compra, poder ser cumprido. Os armeiros,

em Portugal, estão impedidos de o fazer, porque não têm cofres disponíveis, dado que a mãe-fonte, a fábrica,

não os produz.

Nós, enquanto Grupo Parlamentar do PS, gostaríamos, ainda, de chamar a atenção para a hipótese de mais

um ou dois incisos poderem vir a ser alterados em sede de especialidade, para resolver problemas de

interpretação de normativos que têm sido colocados pela PSP, nomeadamente quanto ao n.º 6 do artigo 12.º,

relativamente à atribuição da licença D e E àqueles que são titulares da licença C.

Parece resultar claro que, quem tem a licença C, tem a D, que quem tem a licença D, tem a E, logo, quem

tem a licença C, tem a E, mas a PSP, por qualquer motivo, tem vindo a fazer uma interpretação diferente. Assim,

é preciso aclarar esta matéria de forma definitiva, de modo a dar segurança jurídica a um mercado que tem um

valor, para o PIB, de mais de 800 milhões de euros.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, novamente, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, apresentei o projeto de lei do PCP, mas não me referi, na minha primeira intervenção, porque não era esse o objetivo, às demais iniciativas legislativas que

estão em discussão.

No entanto, queria, ainda, relativamente ao projeto do PCP, referir apenas um aspeto. Não se trata de

resolver o problema de quem não cumpriu ou não quis cumprir, dentro do prazo, com a aquisição do cofre. É

que muitas pessoas, quando o quiseram adquirir, pura e simplesmente, não havia! Não havia cofres, no

mercado, para que as pessoas, dentro do prazo, os pudessem adquirir, de modo a poderem guardar as suas

armas.

O projeto que o CDS apresenta é pertinente. De facto, lembro que, inclusivamente, aquando da lei de 2019,

foi introduzido, até por proposta do PCP, novo período para entrega voluntária de armas que estivessem em

situação ilegal, como, aliás, se tinha feito em 2006, quando foi aprovada a versão original da lei das armas.

Portanto, também faz sentido que se possa abrir um período para a entrega voluntária de armas. Isso é sempre

positivo. Não queremos que haja armas ilegais,…

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Claro!

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O Sr. António Filipe (PCP): — … portanto, faz sentido que quem detenha uma arma ilegal, ou porque a herdou de um familiar que entretanto faleceu ou porque, por qualquer razão, não quer ter a arma, a possa

entregar ao Estado e deixe de a ter, porque isso é algo positivo para todos.

Portanto, entendemos que todas as armas ilegais que possam ser entregues é positivo, pelo que a iniciativa

do CDS terá também a nossa concordância.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Relativamente ao projeto de resolução do PAN, mais uma vez, o PAN usou da nossa benevolência quanto à possibilidade de arrastar iniciativas que não têm rigorosamente nada a ver com

o agendamento.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Que é o caso!

O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, o PAN fica a dever à nossa benevolência a possibilidade de apresentar uma iniciativa legislativa que não tem rigorosamente nada a ver nem com o projeto de lei do PCP,

que suscitou este agendamento, nem com o projeto de lei do CDS, que foi arrastado, o que permitiu que, mais

uma vez,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — … tivéssemos aqui um episódio do discurso de ódio contra a caça, de certa forma camuflado, com «o problema é o chumbo». Não! O problema não é o chumbo, porque relativamente a

isso já foi dito pela Sr.ª Deputada Emília Cerqueira que há medidas que têm vindo a ser tomadas nessa matéria.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, agradeço que conclua.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, então, uma vez que disponho dos 2 minutos finais, voltarei a inscrever-me.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Assim será, Sr. Deputado. Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, em nome do BE, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Acompanharemos os projetos de lei do CDS e do PCP. Entendemos que as suas pretensões são justas.

No caso do PCP, a intenção é resolver um problema prático, que é o do impedimento ao cumprimento da lei.

A lei determina que as armas sejam guardadas em cofres. Ora, se a produção de cofres não está a ser garantida,

ainda mais por razões da pandemia, é obviamente justo que se possa prorrogar esse prazo para que a lei seja

cumprida e, da mesma forma, é também justo que se prolonguem os prazos de forma a que se permita a

legalização de armas. A ilegalidade é sempre uma condição de insegurança.

Para nós, o mais importante, e esse é o pano de fundo que nunca devemos esquecer neste debate, é garantir

que todas as condições e, mais do que isso, diria até, todas as restrições de segurança, no acesso e utilização

de armas de fogo, sejam asseguradas, num país onde ainda encontramos muitas destas armas de fogo em

crimes violentos, nomeadamente em crimes de violência doméstica.

Esse foi um dos propósitos que esteve na origem da lei que visava legalizar e impedir a propagação destas

armas, portanto entendemos que estes projetos de lei visam contribuir para que essa lei possa ser posta em

prática e cumprida, e vamos acompanhá-los, por isso.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma curta intervenção, em nome do PAN, tem a palavra o Sr. Deputado André Silva.

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O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, os Srs. Deputados Emília Cerqueira, do PSD, e António Filipe, do PCP, mais não fizeram do que aquilo a que já estamos habituados em matéria de preservação ambiental e

de direitos dos animais: quanto pior, melhor!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Não, não!

O Sr. André Silva (PAN): — PCP e PSD, sempre de mãos dadas nesta matéria! Independentemente da posição que cada um de nós possa ter relativamente à atividade cinegética, o que

aqui está em causa é a atualização das regras que o setor se recusa a fazer.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, agradeço que termine.

O Sr. André Silva (PAN): — Vou já terminar, Sr. Presidente. Portanto, o setor, que quer meter chumbo em tudo o que mexe, recusa-se a fazer progressos na sua

atividade, que é uma atividade legal, e continua com práticas absolutamente cruéis e lesivas do meio ambiente.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Sr. André Silva (PAN): — Os senhores querem perpetuar a atividade cinegética a qualquer custo e, no século XXI, isso já não é admissível, Srs. Deputados!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra para uma intervenção, em nome do CDS-PP, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, sobre o projeto de lei do CDS, gostaria de dizer o seguinte: percebo a objeção de que não pode haver uma prorrogação atrás de prorrogação,

atrás de prorrogação. Gostava, contudo, de lembrar que, durante o período de pandemia, os locais em que se

pode fazer a entrega das armas foram muito reduzidos por causa dessa pandemia. Portanto, faz sentido que

haja um novo período.

Além disso, como também já foi dito, o objetivo desta legislação é precisamente que não haja armas ilegais.

Portanto, tudo o que seja permitir que as pessoas que herdam uma arma ou que não estavam a par do período

possam fazer a sua legalização parece-me que deve ser bem-vindo.

Naturalmente que a iniciativa apresentada pelo PCP merece também todo o nosso acordo, até porque

estamos a falar de pessoas que queriam cumprir e não puderam porque não tinham acesso aos ditos cofres.

Sobre o projeto de resolução apresentado pelo PAN, esta iniciativa parece um projeto ambiental, mas, na

realidade, é um projeto que tem a ver com a posição do PAN contra a caça.

Vamos ter um debate esta tarde em que poderemos discutir exatamente isso. Agora, se dúvidas houvesse…

Eu acabei de ouvir neste Plenário, o setor da caça, todos os caçadores em Portugal serem descritos como, e

cito, «pessoas que querem meter chumbo em tudo o que mexe».

Nunca cacei na vida, Sr. Deputado, mas acho isto ofensivo. Isto não é maneira de, no Parlamento de Portugal,

se referir a portugueses que têm dignidade, quer os que gostam de caçar quer os que não são caçadores.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Não havendo mais pedidos de palavra, passamos à fase de encerramento, pelo que tem a palavra para o efeito o Sr. Deputado António Filipe, do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, para concluir, gostaria de congratular-me com o sentido geral deste debate e com a possibilidade de virmos a aprovar o que o PCP aqui propôs, que é uma coisa muito simples

e consensual.

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No entanto, não posso deixar de anotar que o Sr. Deputado André Silva beneficiou da nossa benevolência,

que permitiu agendar uma matéria que não tem nada a ver com o agendamento originário, mas, em vez de nos

agradecer, com a arrogância do costume, ainda nos veio atacar.

Risos do Deputado do PSD João Gomes Marques.

Portanto, para a próxima vez teremos de ser menos benevolentes para com a trafulhice parlamentar a que o

PAN nos vem habituando. Teremos de estar atentos. Isto porque, se o PAN aproveita um agendamento, feito

com boa-fé, para depois vir, como se costuma dizer em bom português, à sorrelfa, agendar algo que não tem

rigorosamente nada a ver, apenas para vir aqui com mais uma iniciativa, que é a «não sei quantagésima»

iniciativa só para agredir as pessoas que se dedicam à atividade cinegética, então, quando quiser agendar estas

iniciativas, usará o seu agendamento, e muito bem, estará no seu legítimo direito.

Mas, também estamos no nosso legítimo direito para dizer que a iniciativa do PAN não tem a nossa

concordância. Não objetámos a que ela fosse agendada, mas evidentemente que não terá o nosso apoio,

porque, de facto, não é pela via do proibicionismo encapotado que se resolvem os problemas da regulação da

caça. A caça deve ser regulada, mas não defendemos proibicionismos encapotados como forma de pôr fim à

atividade cinegética no nosso País, desde que ela seja regulada, como tem sido.

Aplausos do PCP e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, termina assim este ponto da nossa ordem de trabalhos.

Passamos ao ponto 5, que consiste na apreciação do Projeto de Resolução n.º 693/XIV/2.ª (CDS-PP) —

Recomenda ao Governo que divulgue informação sobre COVID-19 em contexto escolar e desenvolva um

programa de rastreio.

Tem a palavra, para apresentar esta iniciativa, em nome do Grupo Parlamentar proponente, a Sr.ª Deputada

Ana Rita Bessa.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste ano, cerca de 1,2 milhões de alunos do ensino pré-escolar até ao ensino secundário, a que se somam cerca de 210 mil docentes e não

docentes, distribuídos por cerca de 800 agrupamentos e, por sua vez, cerca de 5000 escolas enfrentam um

cenário inédito, com novas formas de organização e um conjunto de regras e cuidados sanitários para prevenir

e gerir os impactos da COVID-19.

Apesar de todas as medidas cautelares que foram, e bem, colocadas no regresso à escola em regime

presencial, neste tempo de pandemia, é evidente que isso comporta riscos que são assumidos e tem também

tido, obviamente, consequências quer em Portugal quer noutros países.

Estamos agora a terminar o primeiro período, faltam poucos dias, e as comunidades escolares, o público em

geral e o Parlamento só têm acesso a informação sobre estas consequências da pandemia em contexto escolar

de forma avulsa e casuística.

Nenhuma das tutelas, seja a da educação ou a da saúde, informa, de modo regular, por exemplo, mensal,

sobre quantas escolas registaram surtos, quantas turmas foram colocadas em ensino à distância, quantos

alunos, professores ou não docentes estão infetados ou em isolamento.

A informação parcial e não oficial a que vamos tendo acesso, muitas vezes só através da comunicação social,

pode gerar uma perceção errada sobre a segurança do ensino presencial.

Temos tido, no Grupo Parlamentar do CDS e presumo que nos outros grupos parlamentares também, registo

de queixas por parte de encarregados de educação e de professores sobre esta opacidade. Até já nos chegou

à Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto uma petição que, receando pela falta de segurança

nas escolas, pede que os pais possam optar por não ter os filhos no regime presencial e que permaneçam em

ensino à distância, o que, todos sabemos, não é a opção recomendável.

O melhor travão para todos estes alarmismos seria a disponibilização da informação de forma regular e

transparente pelo Ministério da Educação.

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Esta informação é também indispensável para a gestão da pandemia, quer do ponto de vista da saúde

pública, quer do ponto de vista da organização da escola. Sem esta recolha de dados sistematizada não é

possível avaliar a evolução da situação, não é possível compará-la com outros indicadores de contágio

nacionais, não é possível medir a eficácia dos protocolos que estão em vigor nas escolas e, portanto, ir ajustando

o que for necessário ajustar.

Por outro lado, também sabemos que as crianças e os jovens em idade escolar são vetores de contágio e

não são imunes à COVID-19. No passado dia 3 de dezembro, na reunião do Infarmed, constatou-se que, entre

o início de outubro, altura em que, mais ou menos, começou o ano escolar, e o final de novembro, a incidência

de casos por 100 000 habitantes, na faixa etária entre os 10 e os 20 anos, passou de 88 para 734 infetados.

Claro que esta realidade tem de ter reflexo nas escolas e haverá com certeza um número muito grande de

assintomáticos que não são detetados.

Ora, apesar de o Governo ter anunciado, no início de outubro, que iria realizar testes rápidos nas escolas, a

verdade é que estas continuam sem informação sobre o assunto. Nada aconteceu e, nos estabelecimentos

escolares, nos quais convivem várias gerações, os dirigentes escolares perguntam quando serão realizados

estes testes rápidos de antigénio.

A resposta da Direção-Geral da Saúde (DGS) é que, e cito, «dará explicações a seu tempo», sendo «seu»,

presumo, o tempo da DGS e não o tempo da necessidade real das escolas.

Portanto, uma vez que não é possível, nem recomendável, a testagem em massa de toda a comunidade

escolar, acharíamos por bem que fosse levado a cabo um programa de rastreio por amostragem, para controlar

estes surtos.

Assim, resumidamente, o Grupo Parlamentar do CDS vem propor, por um lado, que o Governo divulgue, com

uma base regular, a incidência dos surtos de COVID em escolas e os seus efeitos em termos de turmas, alunos,

docentes e não docentes abrangidos e, por outro lado, que, em conjunto com a Direção-Geral da Saúde,

desenvolva e aplique, de facto, o programa de rastreio por amostragem em caso de surtos, durante todo o ano

letivo ou enquanto durar a pandemia.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Iniciativa Liberal quer dedicar este «minuto liberal» a todas as escolas. Temos, desde sempre, defendido o papel importante da escola

enquanto elevador social. A esse papel acresceu, durante a pandemia, um outro papel não menos importante:

o de viabilizador da gradual retoma da vida profissional de centenas de milhares de portugueses.

O encerramento das escolas para a maior parte dos ciclos de ensino, a partir de março, obrigou as mães e

os pais que trabalham a assegurar, ao mesmo tempo, o seu próprio trabalho e o acompanhamento dos estudos

dos seus filhos. O esforço físico e mental quer de pais quer de alunos, durante esse período de confinamento,

foi tremendo.

Em particular, as crianças e os jovens viram-se privados do contacto com professores, com amigos e de

importantes oportunidades de aprendizagem e socialização. Penso, aliás, que o verdadeiro custo desta privação

está ainda por entender em toda a sua extensão e complexidade.

Por seu turno, a reabertura das escolas, que desde sempre defendemos, constituiu, assim, um regresso de

alunos, pais e professores a algo mais parecido com a normalidade.

Faz parte dessa normalidade possível que este processo de retoma da aprendizagem não sofra retrocessos,

mas tal só será possível se toda a comunidade escolar sentir que está segura do ponto de vista sanitário.

Por isso, apoiaremos este projeto de resolução, apresentado pelo CDS, porque achamos que a realização

de testes por amostragem contribui para um ambiente escolar mais seguro, para que o tal elevador social volte

a funcionar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Grupo Parlamentar do PS, pelo que dou a palavra à Sr.ª Deputada Joaquina Matos.

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A Sr.ª Maria Joaquina Matos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na exposição de motivos deste projeto de resolução apresentado pelo CDS-PP, é referido que as cerca de 5000 escolas nacionais enfrentam

neste ano letivo um cenário inédito, com novas formas de organização e um conjunto de regras e cuidados

sanitários para prevenir e gerir os impactos da COVID 19.

E, sim, Srs. Deputados, é inédito, muito inédito, o cenário que se vive nas escolas, e exigiu muito trabalho na

criação de novas formas de organização e na programação do arranque deste ano letivo.

No âmbito da política gradual de desconfinamento adotada pelo Governo, na construção de uma solução de

equilíbrio para a retoma das atividades económicas, sociais e culturais e salvaguarda da saúde publica, o

presente ano letivo iniciou-se com o objetivo maior de garantir as atividades letivas e não letivas em espaço

escolar, em regime presencial.

Para este novo contexto, em estreita colaboração com o Ministério da Saúde, foi produzido pelo Ministério

da Educação um conjunto de orientações excecionais para a organização e o funcionamento das escolas, que

garantem condições de segurança sanitária e asseguram a criação de um ambiente de confiança, propício para

a ultrapassagem de dificuldades.

Foram definidas estratégias face às incertezas quanto à evolução do vírus, dando prioridade à prevenção da

doença e à minimização dos riscos, através de um conjunto de medidas preventivas, de mecanismos e

procedimentos de deteção precoce de eventuais casos de contágio e eficaz gestão dos mesmos, sempre em

articulação com as autoridades de saúde local e conforme definido nos planos de contingência de cada

estabelecimento escolar.

Em colaboração com a DGS, o Ministério da Educação estabeleceu a orientação para a reorganização dos

espaços escolares, considerando as especificidades de cada contexto local, numa adequação à nova gestão de

rotinas, de materiais e de atividades.

É uma nova rotina pedagógica que se vai construindo, todos os dias, nas escolas, no uso de máscara, no

distanciamento social, nas repetidas limpezas e desinfeção de espaços e materiais, na suspensão de eventos,

de encontros, de reuniões.

A escola, lugar de aprendizagem por excelência, lugar de convívio, de socialização e de alegria, preparou-

se para enfrentar o ataque viral e proteger os seus membros, sobretudo as crianças e os jovens que estão à sua

guarda, e, não tenhamos dúvidas, são hoje os lugares mais seguros e preparados para se ir ajustando aos

desafios da situação, que todos os dias continuamos, ainda, a enfrentar.

Há que reconhecer que, desde a primeira hora, os profissionais de educação, desde os diretores e das suas

equipas ao pessoal docente e não-docente, aos técnicos da área, aos pais e encarregados de educação, com

a colaboração de proximidade das autarquias locais, das juntas de freguesia e das câmaras municipais,

conjugaram esforços para dar resposta aos desafios de conseguir uma «nova normalidade», uma normalidade

que proporcione ambiente para as aprendizagens dos alunos, neste tempo de todas as incertezas e de todas

as dúvidas, que nos deve mobilizar para a reflexão sobre a impressibilidade no mundo e as alterações presentes,

em resumo, sobre a fragilidade humana perante os imprevistos.

Para o trabalho quotidiano do controlo sanitário e do combate à pandemia, é competência da Direção-Geral

da Saúde, nos seus briefings diários, passar a informação atualizada, por concelho, garantindo toda a

transparência e todo o rigor na divulgação dos dados, no sentido de proporcionar à população e, sobretudo, às

entidades responsáveis, nacionais e locais, os meios para se alcançarem as respostas adequadas e eficazes

para a resolução de situações concretas.

Nesta altura, e no que às escolas diz respeito, mais do que criar ruído, lançar desconfianças para a sensação

de uma alegada falta de transparência nos números é proporcionar a criação de um clima de insegurança, de

instabilidade, propício a cavalgar populismos, e o importante, aqui, para garantir o sucesso da escola nas

condições adversas que tivemos, é continuar o combate ao vírus, dentro do trabalho e da responsabilidade das

autoridades competentes, em referência, a Direção-Geral da Saúde.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada Joaquina Matos, também pelo cumprimento escrupuloso do tempo.

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Para uma intervenção, tem agora a palavra, pelo Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Alexandra Vieira.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, passou um período letivo em condições excecionais e difíceis para toda a comunidade educativa, com reflexos nas aprendizagens dos alunos

e das alunas e com efeitos psicológicos em toda a comunidade educativa, que importa ter em conta: turmas

com parte dos alunos em casa, turmas inteiras confinadas, professores e funcionários em isolamento, alunos

que entram em confinamento, regressam e voltam a entrar em confinamento.

Mas o Ministério da Educação nada diz sobre o que verdadeiramente está a acontecer, nomeadamente não

respondendo nem aos diretores, nem às estruturas sindicais, nem aos pais, nem aos grupos parlamentares. Por

parte do Ministério da Educação, tudo está a decorrer com toda a normalidade, pois é isso que nos diz o seu

silêncio.

Porém, verifica-se que não só há muita incompreensão sobre os procedimentos e métodos, que precisavam

de mais informação e uniformização e também de mais meios. Está aberta a porta para a arbitrariedade, como

já tivemos oportunidade de chamar a atenção. Cada diretor faz como entende, fará o melhor que pode com o

pouco que tem, mas sabemos já de casos de sobrecarga de trabalho por parte dos professores das turmas com

alunos em casa. Muitos professores são obrigados a fazer o acompanhamento desses alunos após o seu horário

letivo.

Noutros casos, a solução milagrosa é colocar uma webcam em cada sala de aula, transmitindo pela internet,

mesmo que o professor não concorde — e com razão, dado estarem em causa questões de privacidade, de

direito à proteção da imagem e à proteção de dados. A questão é mesmo a de saber a razão pela qual não há

um sistema de informação organizado sobre a pandemia na rede escolar, com dados objetivos, informações e

orientações.

As últimas informações do Ministério da Educação remontam ao final do ano letivo anterior e, depois disso,

nada mais se ouviu. Será que não há necessidade de corrigir procedimentos e implantar outros? Já agora,

lembramos que há ainda o balanço do ensino à distância do 3.º período.

Sobre o projeto de resolução do CDS, como, por certo, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa sabe, há uma petição

da FENPROF (Federação Nacional dos Professores) sobre esta matéria, a do rastreio a toda a comunidade,

bem como de outros projetos sobre este assunto, nomeadamente do Bloco de Esquerda. No entanto, não temos

nada contra a apresentação do projeto do CDS.

As estruturas sindicais, por seu lado, desde o primeiro momento, têm vindo a chamar a atenção para a

insuficiência e a particularidade de muitas orientações dadas pelo Ministério da Educação, desde o tamanho

das turmas às soluções de colocar tiras a dividir as mesas de dois lugares e ao facto de serem os alunos e as

alunas que fazem a higienização.

Tudo isto acontece porque o Ministério da Educação não quis ouvir nem considerar as abundantes

sugestões. Os professores de grupo de risco, por exemplo, só podem ficar em isolamento com declaração de

risco de 30 dias e, depois disso, estão por sua conta e risco. Os mecanismos de substituição de professores

continuam a ser os mesmos, como se não houvesse pandemia e há longos períodos em que os alunos ficam

sem aulas e, provavelmente, ficarão até ao próximo ano letivo. Não deveria haver uma medida de exceção neste

caso? E sobre a articulação entre o Ministério da Educação e a DGS, reúnem com regularidade? Há

memorandos dessas reuniões? Por exemplo, sabemos mais sobre a transmissão do SARS-CoV-2 na população

pediátrica?

Mas o mais confrangedor ainda é o silêncio do Ministério da Educação e a recusa em reunir com as estruturas

sindicais e a falta de resposta às perguntas.

É nosso entendimento que as escolas são também linhas da frente, que merecem atenção e cuidado,

monitorização constante e, sobretudo, esclarecimentos, informação e atualização das orientações.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Em nome do Partido Ecologista «Os Verdes», tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva para uma intervenção.

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A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O regresso à escola era muito desejado pela comunidade escolar. Não poderia ser de outra forma, porque a escola é um espaço de

aprendizagem, de partilha, de desenvolvimento e, sobretudo, um espaço de liberdade.

Nada substitui as aulas presenciais e, para além dos que ficaram para trás por razões económicas e sociais,

os meses de confinamento e de ausência da escola terão impactos, que ainda não podemos avaliar, ao nível

psicológico ou das dificuldades de aprendizagem, que podem ter ficado mais marcadas.

Ao longo deste primeiro período, assistimos às comunidades escolares a remediar sem assistentes

operacionais, a remediar no apoio aos alunos que se encontram em isolamento, aos alunos que são doentes de

risco e não podem ir às aulas presenciais, a remediar sem os materiais necessários para alunos e professores

nestes dias tão incertos.

E há uma questão que tem preocupado a comunidade escolar e, particularmente, os professores, que disso

têm feito eco por via da FENPROF, que é a caracterização da situação que se vive nas escolas no que diz

respeito à propagação da COVID-19.

Muitos são os elogios à organização das escolas, aos professores, aos assistentes operacionais e muito se

tem ouvido dizer que as escolas são espaços seguros, pelo esforço de todos.

Este não é um elemento pouco importante da estabilidade, da confiança de todos aqueles que, todos os dias,

interagem na escola. E, por isso, a questão que se coloca é se o Governo sabe realmente o que se passa nas

escolas e se tem meios para o saber.

Os Verdes questionaram o Governo na última audição, na Comissão de Educação, em outubro, colocando

as seguintes questões: como é que o Ministério faz esta monitorização?

Informações dispersas que as escolas possam dar às direções regionais e que estas possam transmitir ao

ministério, com critérios de avaliação e com ângulos de abordagem diversificados, são suficientes para uma

aferição rigorosa da avaliação?

Não vê o Governo vantagens na criação de uma plataforma a que as escolas reportem os casos existentes

devidamente tipificados, com critérios claros para fazer o retrato fiel da situação em cada momento?

Trata-se de questões às quais não obtivemos resposta e a que nos referimos novamente na discussão sobre

o relatório do estado de emergência, na última sexta-feira, nesta Assembleia, lamentando que não se

disponibilizem números mais concretos sobre o impacto da pandemia nas escolas, de forma a aferir a

disseminação do vírus em contexto escolar.

Continuamos sem entender como é que um Governo que levanta a bandeira da construção de uma

sociedade digital continua a assobiar para o lado e não seja capaz de construir uma plataforma que garanta a

transparência e a informação, tão necessárias para garantir a segurança tão importante para que as aulas

presenciais decorram sem criar mais ansiedade e medo na comunidade escolar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe à Sr.ª Deputada Bebiana Silva, do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sobre este assunto, gostávamos de lembrar que o PAN requereu uma audição ao Sr. Ministro da Educação no início do ano letivo, precisamente por

considerar que não havia procedimentos securizantes nem clareza na informação, nomeadamente nos dados

referentes às infeções em contexto escolar.

Aqueles que são os dados existentes à data não se revestem de maior preocupação para as autoridades de

saúde, mas os dados também demonstram que as infeções têm crescido entre as pessoas mais jovens. Uma

meta-análise de 32 estudos de prevalência refere que não se pode ainda concluir que a transmissão do SARS-

CoV-2 por crianças é inferior à dos adultos, pelo que entendemos que será irresponsável desvalorizar o papel

disseminador que os mais novos podem ter.

O número de infeções aumentou exponencialmente a partir de outubro, após a reabertura das escolas e a

retoma das atividades económicas. Tem-se constatado um aumento de casos em pessoas entre os 10 e os 20

anos de idade e possivelmente haverá muitos casos assintomáticos não detetados. E aquilo que se tem

verificado nas escolas é que as medidas que têm sido implementadas pelas comunidades educativas têm

permitido acautelar e minimizar o risco e, portanto, voltamos a dizer que é fundamental que as escolas tenham

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garantidos os meios e os recursos necessários para cumprir as medidas sanitárias que se exigem num altura

como esta.

Consideramos também fundamental a questão que o CDS aqui traz, de transparência da informação e

comunicação dos dados, de forma a que a comunidade educativa possa ter maior confiança em relação às

medidas e eficácia das mesmas, assim como na proteção de todos os intervenientes na comunidade educativa.

Entendemos também que a testagem por amostragem, se voluntária, é uma estratégia importante na deteção

de infeções, particularmente em pessoas assintomáticas, adequada a contextos de maior escala, e também

sabemos que as comunidades educativas têm manifestado essa vontade.

Trata-se de uma avaliação preventiva, que permite identificar e atuar em contextos de risco de transmissão

na comunidade, ao mesmo tempo que tranquiliza os agentes educativos. Mas tão ou mais importante para nós

é garantir que os procedimentos e protocolos de referenciação e atuação sejam, de facto, céleres, eficazes e

homogéneos, não desvalorizando o risco de contágio em contexto escolar sem, obviamente, esquecer aquilo

que os especialistas continuam a repetir: que ainda sabemos pouco sobre este vírus.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Também para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Gabriela Fonseca.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Gabriela Fonseca (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS manifesta, nesta iniciativa, um conjunto de preocupações e de recomendações que o PSD acompanha.

Em junho, o PSD questionou o Ministro da Educação se o Governo planeava fazer algum rastreio aos

profissionais da educação, mas, mais uma vez, o silêncio foi a resposta.

O PSD também questionou o Ministério da Saúde sobre o facto de os relatórios da situação, emanados pela

DGS, não conterem informação desagregada por concelho relativamente aos casos confirmados de COVID-19.

A resposta foi a mesma.

A Sr.ª Diretora-Geral da Saúde, quando quantificou o número de casos COVID-19 ou surtos em contexto

escolar, frisou que eram os que lhe tinham sido reportados.

O Secretário de Estado Adjunto e da Saúde já teve que, publicamente, vir retificar números quando se referiu

a casos positivos ou surtos existentes nas escolas.

A informação real, regular e transparente por parte do Ministério da Educação é inexistente e preocupante.

A informação é aquela a que vamos tendo acesso no contacto com as escolas e com os pais. Não existe

articulação entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação.

No fundo, o que este projeto vem recomendar é que o Governo divulgue os dados que supostamente já

recolhe.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria Gabriela Fonseca (PSD): — Mas, ao invés de divulgar os dados desagregados que recolhe na plataforma, e que se tornou em mais uma carga burocrática para as escolas, toda esta informação deve estar

no imenso «cemitério de dados» do Ministério da Educação.

Apesar do agravamento do estado pandémico, em que as escolas não são exceção, pasme-se, Sr.as e Srs.

Deputados, o Ministro da Educação tem-se remetido ao silêncio!

O Sr. Ministro da Educação nunca foi capaz de aparecer e de dirigir à comunidade escolar umas palavras de

estímulo, de confiança, de tranquilidade e até de reconhecimento, quando o evoluir da situação impunha que o

fizesse. É verdade, Sr.as e Srs. Deputados, o Sr. Ministro da Educação parece ter desaparecido em combate,

sem nunca ter dado informações claras, precisas e transparentes à comunidade escolar, o que tem gerado

angústia e insegurança nos alunos, nos pais, nos professores e nos assistentes, com procedimentos díspares

nas tomadas de decisão. Assim não se pode escrutinar as opções tomadas.

A opacidade em que se vive, sem uma informação regular e sistematizada, não tem permitido avaliar a

situação, medir a eficácia dos protocolos existentes nas escolas, nem tem conduzido a tomadas de decisão com

os mesmos critérios.

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Apesar de o Governo ter anunciado a realização de testes rápidos nas escolas, o certo é que eles só se

efetivam no caso de um aluno apresentar sintomas. Há turmas, em diversas escolas, com vários alunos que

testaram positivo para a COVID-19, mas os professores e os assistentes nunca foram testados, bem como os

restantes alunos da turma.

Temos conhecimento de que cada delegado de saúde decide por si, cada um decide por critérios próprios.

O que se tem verificado na Póvoa do Lanhoso ou Vila Verde, por exemplo, não é o mesmo que se verifica

em Braga, Guimarães ou Coimbra. Numa escola com um caso positivo numa turma do 1.º ciclo, essa turma foi

encerrada e numa turma de 15 alunos do ensino profissional com oito casos positivos as aulas presenciais

continuaram para os restantes alunos. Num mesmo concelho, no mesmo nível de ensino, foi encerrada uma

turma com um caso positivo e outras não, e nas mesmas circunstâncias.

Nós entendemos que não queiram encerrar turmas com casos positivos de COVID-19 nos 2.º e 3.º ciclos e

no ensino secundário, porque os prometidos computadores ainda não chegaram a todas as escolas e os alunos

vão para casa sem acesso às aulas à distância.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria Gabriela Fonseca (PSD): — Os alunos, os pais, os dirigentes escolares, os docentes e não docentes, os Deputados e os autarcas, que tudo fazem pelos seus territórios e pelas suas gentes, merecem

mais consideração, e a crise sanitária só pode ser controlada com informação regular, completa, credível e

sistematizada. São estes que, no terreno, fazem a escola acontecer todos os dias.

Infelizmente, no que é da responsabilidade do Governo, centrado na figura do Sr. Ministro, o Governo falhou.

É hora de agir e não de reagir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra, a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP considera que as medidas que contribuam para o reforço das condições de frequência presencial do ensino são importantes, sendo a

informação, transparente e sistematizada, evidentemente, um elemento considerável, podendo contribuir para

reforçar a confiança da comunidade educativa, desde que seja assegurado que não se contribua de algum modo

para visões, nomeadamente visões estigmatizantes, de grupos, de zonas, de regiões, de contextos. E estas

matérias são, como todos temos de compreender, naturalmente sensíveis e merecem reflexão e intervenção

cuidadas.

Considera também o PCP que as autoridades de saúde, mediante os dados científicos disponíveis, devem

tomar todas as medidas úteis e necessárias à salvaguarda e à segurança sanitária das populações, de acordo

com as responsabilidades a que estão acometidas, não devendo a Assembleia da República, de algum modo,

substituir-se ao que à ciência e às autoridades de saúde deve caber, mas também não se demitindo de

acompanhar estas matérias.

Portanto, é evidente que o PCP acompanha as preocupações de saúde de todos aqueles que estão nas

escolas. Consideramos que estas preocupações não podem ser desvalorizadas e devem ser encaradas com a

serenidade necessária e o sentido de contribuir para resolver aquele que, de facto, é um problema.

Se a informação e o conhecimento são importantes para combater a pandemia, não podemos deixar de

aproveitar esta oportunidade, dada pela discussão deste projeto de resolução, para dizer que existem várias

outras medidas fundamentais para garantir a segurança sanitária e que têm de ser implementadas e que até

são da responsabilidade direta do Ministério da Educação. E elas podem intervir, de facto, na origem e na raiz

do problema — e que, aliás, até amanhã serão alvo de reivindicação, entre outras questões, na greve de

professores convocada pela FENPROF, que, desde já, saudamos.

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Algumas das medidas reivindicadas pelos professores são, por exemplo, o caso do urgente reforço do

número de trabalhadores. Esta é uma questão lógica, que muitas vezes o PCP aqui trouxe, até tendo em conta

as necessidades acrescidas de limpeza, desinfeção das salas, espaços comuns e manutenção das escolas.

Outra das reivindicações que trazem os professores amanhã na luta que vão levar a cabo é a existência que

tem de ocorrer em todas as escolas de equipamentos de proteção individual adequados e em número suficiente

para os trabalhadores e alunos. Também a necessidade de promoção da possibilidade do distanciamento físico,

para o que seria fundamental — e todos nós já discutimos isso aqui —, nomeadamente, a redução do número

de alunos por turma. Estas são reivindicações que o PCP acompanhou, com propostas e medidas concretas, a

par de outras que são cruciais para enfrentar a pandemia. Não podemos deixar de falar aqui delas, como o

reforço e a melhoria dos transportes públicos e um grande reforço de trabalhadores, recursos e meios no Serviço

Nacional de Saúde.

O PCP tudo continuará a fazer para que as escolas possam ter todas as condições de segurança sanitária,

para que o ensino presencial possa decorrer de uma forma justa e tranquila, combatendo todo o tipo de

sentimentos de instabilidade e garantindo que, de facto, existe segurança sanitária em todas as escolas do País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Não havendo mais inscrições para intervir neste ponto, tem a palavra, para encerrar o debate, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No final desta discussão, parece haver um consenso, relativamente tranquilo, entre todos os grupos parlamentares, à exceção do Grupo

Parlamentar do Partido Socialista, quanto à importância e necessidade de haver informação transparente no

que respeita aos surtos em escolas.

Se bem percebi da intervenção da Sr.ª Deputada Joaquina Matos, para o PS esta informação, a ser tornada

pública, gera confusão, gera alarmismo, numa espécie de infantilização das comunidades educativas e,

portanto, o ideal é que não haja informação, porque se não houver e, sobretudo, se não perguntarmos, tudo

ficará mais calmo e nós, basicamente, temos é de confiar, suponho, no PS e no bom desempenho do Governo

nesta matéria. Como, de resto, temos de confiar em que haverá um plano de vacinação, e perguntar pouco, até

para não dar muito trabalho, se for essa a preferência.

Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.

No que diz respeito à segunda parte do projeto de resolução do CDS, que tem a ver com um programa de

rastreios, de facto, não ouvi a Sr.ª Deputada falar sobre ele especificamente.

Sobre isto gostaria de dizer o seguinte: foi publicada, no final de outubro, a estratégia nacional para a SARS-

CoV-2, que dizia que, em situações de surto, como, por exemplo, em estabelecimentos de ensino, deveriam ser

utilizados, preferencialmente, testes rápidos de antigénio realizados pelas equipas de saúde pública. Muito bem,

há um plano. No Governo do PS há sempre um plano, mas executar é que é sempre mais complicado! Plano

temos! Mas não temos mais nada, porque o Diretor do Departamento de Qualidade da DGS explicou que não

há com que nos preocuparmos, não há nenhuma desarticulação entre a DGS e as escolas, o que há é uma

operacionalização e implementação progressivas, lentas, das equipas de proximidade junto das escolas e que

tudo será explicado a seu tempo. Portanto, não há um plano, não há execução, mas também não há problema,

porque isto é para fazer devagarinho. Pode ser que até se consiga fazer até ao final do ano letivo! Vamos lá a

ver se temos sorte!

O Sr. Porfírio Silva (PS): — É só demagogia!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Entretanto, esta é uma demagogia secundada pelos diretores escolares — mas, enfim, se calhar estamos todos a ver mal! —, que dizem que até hoje não sabem de nada, que precisam

de esclarecimentos em que circunstâncias serão realizados os testes, quando poderão ser feitos os testes, e

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gostariam muito, diz o Prof. Filipe Lima, que a tutela esclarecesse estas dúvidas no mais curto espaço de tempo

possível, até porque isso tornaria as escolas mais seguras.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, peço-lhe que termine, por favor.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Neste momento está nas mãos dos Srs. Deputados garantir que essa recomendação seja feita ao Governo

e que estas instruções sejam cumpridas sem nenhuma demagogia.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Está terminado este ponto da ordem de trabalhos. Passamos ao ponto sexto, que tem como objeto um conjunto vasto, vastíssimo, de iniciativas legislativas: a

apreciação conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.º 134/XIV/1.ª (PAN) — Visa a interdição do fabrico,

posse, utilização e venda de artefactos que sirvam unicamente para a captura de aves silvestres não sujeitas a

exploração cinegética e 215/XIV/1.ª (PAN) — Retira o coelho-bravo das espécies sujeitas a exploração

cinegética; a discussão do Projeto de Resolução n.º 140/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que institua

um regime de moratória temporário para a caça da rola-comum; e a discussão, na generalidade, dos Projetos

de Lei n.os 158/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça à raposa, exclui esta espécie da lista de espécies cinegéticas e

procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto; 159/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça ao saca-

rabos, exclui esta espécie da lista de espécies cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004,

de 18 de agosto; 160/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça ao melro, exclui esta espécie da lista de espécies

cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto; 161/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a

caça à gralha-preta, exclui esta espécie da lista de espécies cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei

n.º 202/2004, de 18 de agosto; 162/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça ao gaio, exclui esta espécie da lista de

espécies cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto; 163/XIV/1.ª (PEV) —

Proíbe a caça à pega-rabuda e exclui esta espécie da lista de espécies cinegéticas e procede à alteração ao

Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto; 586/XIV/2.ª (BE) — Condiciona o exercício da caça a espécies

cinegéticas que não se encontrem ameaçadas, ou quase ameaçadas, e que apresentem estatuto de

conservação conhecido (oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto) e 587/XIV/2.ª (BE) —

Interdita a produção, posse, utilização e comercialização dos meios e formas aplicados exclusivamente na

captura ou abate de exemplares de espécies não cinegéticas de aves selvagens (terceira alteração ao Decreto-

Lei n.º 140/99, de 24 de abril).

Para apresentar a iniciativa legislativa do Partido Pessoas, Animais e Natureza (PAN), tem a palavra a Sr.ª

Deputada Inês de Sousa Real.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PAN traz hoje à Assembleia três iniciativas que, em nosso entender, visam contribuir para travar o declínio de algumas espécies em Portugal

que correm, efetivamente, um sério risco de desaparecer. Este é um objetivo que nos deve unir a todos,

independentemente do quadrante político ou da posição que possamos ter sobre a atividade cinegética.

São inúmeros os alertas da comunidade científica para o declínio das espécies, seja no nosso País, seja no

resto do planeta, a um ritmo absolutamente avassalador, e as causas são também sobejamente conhecidas. A

própria Conferência para a Biodiversidade Biológica, da ONU, um evento que teve por objetivo aproximar os

diferentes partidos à Convenção sobre a Diversidade Biológica, concluiu que a exploração direta da natureza e

da biodiversidade, onde se inclui a caça, é um dos fatores que tem ameaçado as espécies.

Em Portugal, a captura de aves silvestres não cinegéticas para consumo ou para cativeiro, apesar de ilegal,

é uma realidade. Um recente estudo elaborado pela SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves)

estimou que cerca de 40 000 aves são mortas para serem utilizadas na gastronomia e que 10 000 dessas

mesmas aves são capturadas para cativeiro.

Contrariamente àqueles que têm exaltado a importância cultural e económica que a atividade cinegética

possa assumir no mundo rural ou que não pretendem colocar em causa a sua existência e defendem ainda que

esta atividade deve cingir-se ao abate de espécies com valor gastronómico, para o PAN, o valor que a

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biodiversidade e a vida animal representam não pode ser menosprezado. É por isso mesmo que, existindo um

claro problema na captura ilegal de aves, incluindo de espécies com grande impacto nos ecossistemas,

propomos a interdição do fabrico, posse, utilização e venda de artefactos que sirvam unicamente para caçar

espécies não cinegéticas e cuja prática é ilegal. Não faz qualquer sentido que continuemos a permitir a

manutenção de um sistema e cadeia económica sobre utensílios utilizados para práticas proibidas — reitero,

proibidas — pela atual legislação e que põe assim em causa o compromisso e esforço nacional e internacional

para a conservação da natureza e a sustentabilidade ambiental, sem que nada seja feito.

Por outro lado, não podemos ignorar também o declínio em particular de determinadas espécies, como é o

caso do coelho-bravo, classificada como «em perigo». Para além do valor que esta espécie encerra em si

mesma, não podemos descurar a importância que estas espécies têm para a sobrevivência de outras espécies,

inclusive espécies ameaçadas de extinção, como é o caso do lince ou do lobo ibérico, no nosso País, cujos

projetos de conservação dificilmente poderão vingar se não protegermos todas as espécies deste ecossistema,

incluindo as presas destes predadores.

Propomos, ainda, uma moratória sobre a caça à rola-comum, uma espécie classificada como «vulnerável» e

cuja população se encontra em decréscimo populacional desde 1980, ou seja, há 40 anos, sem que nada seja

feito para travar o seu desaparecimento, acompanhando a tendência de declínio na Europa, algo que é

evidenciado por inúmeros estudos e cujo alerta também já foi dado pela União Europeia. A pressão que existe

sobre estas espécies, aliada a uma ausência de monitorização eficaz, tem representado uma clara ameaça à

sua conservação.

Se queremos garantir a conservação de espécies e reverter a destruição de habitats e da biodiversidade no

nosso País este é o momento de atuar e de unir esforços nesse sentido, com base na opinião e no conhecimento

das organizações e dos especialistas, que têm vindo a alertar para a necessidade urgente de se intervir para se

evitar a sua extinção, colocando de lado os interesses daqueles que têm, de forma absolutamente negacionista,

obstaculizado políticas mais eficazes de recuperação destas espécies.

Se estas três propostas que hoje aqui apresentamos encontrarem qualquer voz de oposição, isso só poderá

significar um apoio à extinção destas espécies e à caça ilegal, o que é manifestamente incompreensível.

Queremos acreditar que esta não é a posição de nenhum dos partidos desta Assembleia ou de nenhum dos

Srs. ou Sr.as Deputados.

Na hora de votar, iremos acompanhar aquele que tem de ser um compromisso, não apenas da sociedade

civil, das organizações não governamentais e da esfera de preocupação das gerações futuras, mas também

uma preocupação e um compromisso político de travar o desaparecimento das espécies e o compromisso de

continuarmos a ter um planeta vivo.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para apresentar as várias iniciativas legislativas do Partido Ecologista «Os Verdes», tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na discussão deste conjunto de propostas, e como primeira nota, Os Verdes consideram que é fundamental proceder a alterações legislativas

no sentido de garantir ou de compatibilizar os vários interesses envolvidos, desde logo a defesa da

biodiversidade, a atividade cinegética, mas também o próprio desenvolvimento regional ou a dinâmica

económica que a atividade cinegética representa, sobretudo nos territórios de baixa densidade.

É, portanto, necessário garantir, sobretudo, a preservação da biodiversidade, mas, ao mesmo tempo, é

necessário não perder de vista um dado importante para a discussão que tem a ver com o facto de a caça

constituir um elemento integrante do mundo rural.

Estamos a falar de um elemento com importância, não só enquanto contributo para o combate ao abandono

do mundo rural, mas também para o próprio equilíbrio ecológico e, em matéria de caça, Os Verdes mantêm a

sua posição.

Sendo os recursos cinegéticos um bem renovável mas finito, impõem-se medidas que garantam e potenciem

a sua preservação, nomeadamente no âmbito de uma política de ordenamento do território, tendo sempre

presente que esse nobre propósito não pode ser procurado unicamente com a exclusão do exercício da caça

por aquelas pessoas que têm menos recursos económicos.

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Na verdade, a responsabilidade que, enquanto humanos, nos é imputada no sentido de valorizar a

biodiversidade, convoca-nos a alargar o horizonte das nossas preocupações às espécies não ameaçadas de

extinção nos nossos dias e a recusar, sem quaisquer reservas, a teoria ou a ideia caduca, e, nos dias de hoje,

desprovida de qualquer sentido, de que tudo o que mexe pode ser caçado.

Por isso mesmo, Os Verdes entendem que a atividade cinegética deve cingir-se ao abate de espécies com

valor gastronómico.

Bem sabemos que, em discussões sobre esta matéria, é, muitas vezes, convocado o argumento do controlo

de populações, mas, no entendimento de Os Verdes, o controlo da população não pode servir de base para

manter a raposa, o saca-rabos, o melro, a gralha-preta, o gaio e a pega-rabuda entre as espécies cinegéticas,

até porque, a haver necessidade de controlo de populações, deve fazer-se sob a vigilância ou a determinação

de órgãos que devem ter como preocupação central a erradicação de ameaças à biodiversidade, desde logo o

Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Se o controlo de população de espécies é

uma responsabilidade do Estado, deve ser o Estado, e só o Estado, a concretizar esse controlo.

Neste contexto, estas iniciativas legislativas que Os Verdes apresentam procuram estabelecer um

mecanismo de proteção adequado para as referidas espécies, até porque estamos em crer que a caça, nunca

por nunca, sobretudo nos dias de hoje, poderá significar atingir um animal pelo simples prazer de o matar.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra para apresentar as iniciativas legislativas do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proteção da biodiversidade é um dos desafios dos nossos tempos. Frequentemente, assistimos à divulgação de novos estudos que já aqui

foram nomeados e que nos preocupam. Estas notícias interpelam-nos a atuar no sentido de procedermos a

alterações que permitam a regeneração da diversidade ameaçada pela atuação humana.

É nesse sentido que foram sendo emitidas diretivas europeias, desde logo a «Habitats» e a «Aves» que

pretendem, precisamente, proteger esta biodiversidade ameaçada.

Ora, Portugal é o quarto país europeu com mais espécies em risco de extinção, segundo a atualização de

2019 da lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais das

espécies ameaçadas. Estamos a falar de 456 espécies identificadas no território nacional em vias de se

extinguirem. Já o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, datado de 2005, identifica 175 espécies nesta

situação.

As causas da destruição da biodiversidade são diversas. Em Portugal temos como um dos principais fatores

a degradação de ecossistemas e habitats causada pelos efeitos da crise climática. A monocultura agrícola e

florestal intensiva e a proliferação de espécies exóticas invasoras têm provocado sérios danos na distribuição e

na abundância de inúmeras espécies. Aliada à destruição de biodiversidade está também a sobre-exploração

de recursos vivos na qual se incluem os utilizados para a caça.

Assim, propomos, entre outras medidas relativamente aos habitats, já anteriormente propostas,

nomeadamente quanto à agricultura intensiva, a utilização da informação científica disponibilizada nacional e

internacionalmente para proteger as espécies em vias de extinção ou ameaçadas e, para tal, propomos que,

enquanto estas espécies não estiverem livres de perigo, elas sejam removidas das listas de espécies que

possam ser caçadas no nosso País para retirar um dos fatores de pressão sobre as populações dessas

espécies.

Ambos os documentos, que propomos usar para fazer o cruzamento sobre a incidência destas espécies, são

redigidos e compilados por cientistas e identificam não só as espécies, mas também as causas que as

pressionam.

Aqui há uma questão relevante para a nossa discussão e reflexão e que convido as Sr.as e Srs. Deputados

a analisar: ao cruzar a lista cinegética nacional com os dados que constam no livro da União Internacional para

a conservação da natureza, a pressão cinegética é referida como fator para todas as espécies «em perigo» que

leva ao declínio e à ameaça da espécie em causa e, relembramos, as categorias e as causas são atribuídas

com base em critérios objetivos, validados pela ciência em ambos os documentos — aliás, neste momento, está

a decorrer uma investigação que levará à atualização do livro português que se espera seja publicado em 2021.

É verdade que existem outras pressões sobre as espécies não só as opções de produção agrícola e florestal,

que já referi, mas também doenças que, como é sabido, têm vindo a atacar, por exemplo, o coelho-bravo.

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Estas questões configuram não só mais do que uma razão para procedermos ao controlo dos fatores de

pressão em que podemos intervir e evitar.

O segundo projeto que temos em discussão nesta tarde pretende, somente, garantir que não existem

instrumentos fabricados apenas para capturar aves selvagens que já não são passíveis de serem apanhadas

legalmente.

Atuar com precaução e em nome da biodiversidade do ambiente, mas também da nossa sobrevivência,

enquanto espécie, exige-nos ouvir os cientistas e garantir que agimos para travar a extinção em massa.

Temos é, Sr.as e Srs. Deputados, de agir já!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — O Grupo Parlamentar do PSD indicou à Mesa que irá proferir uma intervenção partilhada por um Sr. Deputado e uma Sr.ª Deputada.

Inicia essa intervenção o Sr. Deputado João Marques, a quem dou a palavra.

O Sr. João Gomes Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: À boleia de mais um debate sobre o modo como se opera a atividade da caça em Portugal, que, pela enésima vez, se agenda neste Plenário,

alguns dos partidos antiecossistema e antinatureza decidiram, por arrasto, agendar iniciativas que pretendem

proibir o fabrico, a posse, a utilização e a venda de artefactos para captura de espécies não sujeitas a exploração

cinegética.

Essa proibição é apresentada, tal e qual o fazem nas outras iniciativas que pretendem acabar com a caça,

com propostas desgarradas da realidade e do País real, sem conhecer as consequências do que propõem, com

desprezo para o território, pelas populações do interior e pelo ecossistema.

A captura de aves silvestres não cinegéticas em Portugal é ilegal, é proibida e, como tal, qualquer atividade

que não respeite a lei deve ser punida. É assim que deve ser! Fiscalize-se eficazmente, pois o PSD condena

veementemente esta prática.

Mas o PAN e o Bloco de Esquerda, com essas iniciativas, não visam punir quem, por lei, está em

incumprimento; querem proibir o fabrico, a posse e a venda de material que, facilmente, pode ter outra utilização.

Por exemplo, o fabrico e a utilização de redes para colocação em árvores ou arbustos para proteção de culturas

contra fenómenos climáticos, ou mesmo contra o ataque de animais predadores, passaria a estar proibida. Fará

sentido? De facto, se condenamos a sua utilização para a captura de aves silvestres não cinegéticas e

protegidas, aceitamos a sua utilização para fins científicos e/ou de proteção às culturas agrícolas,

nomeadamente quando algumas espécies em excesso populacional se tornam invasoras e causam graves

prejuízos ao setor que alimenta Portugal: a agricultura.

Para os partidos proponentes, a solução apresentada contém uma simplicidade quase confrangedora: é

como se, para impedir o excesso de velocidade dos automóveis nas estradas, se proibisse o seu fabrico e a sua

posse.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, na sequência desta intervenção, a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, também do PSD.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, relativamente às propostas, que agora, numa segunda parte ou numa segunda ronda de um pacote de caça, aqui são apresentadas, quero dizer,

muito rapidamente, o seguinte: o PEV propõe a proibição da caça à raposa, ao saca-rabos, ao melro, ao gaio,

à pega-rabuda; depois, segue-se a proibição da caça ao coelho-bravo, do PAN, e a moratória à rola-comum,

também do PAN; e, depois ainda, como que a cereja no topo do bolo, vem a proposta do Bloco para o que faltar

agora passar a estar incluído, de modo a que nada se esqueça. Tudo isto sob a aparência da conservação da

natureza.

Mais uma vez, usam-se aqui meias-verdades. Muitos dos mitos que se andam a desenvolver, na verdade,

desgarram-se da realidade, e com isto parece querer proteger-se a biodiversidade.

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Folgo em ter ouvido a Sr.ª Deputada do PAN dizer que se trata de proteger a biodiversidade. Sr.ª Deputada,

quanta ignorância da realidade!… A verdade é que o coelho-bravo só existe nas zonas de caça porque os

caçadores têm pugnado pela sua existência. Aliás, o lince da Malcata só existe em zonas de reserva de caça!

Grande contradição aparente! Mas são, precisamente, os caçadores que têm feito algo pela sua existência.

Mais: esta proibição tem em atenção um cenário macro e não tem em atenção o cenário do nosso País.

Primeiro, temos zonas em que, de facto, o coelho-bravo falta, não por causa da caça, mas, sim, por causa de

doença, como a febre hemorrágica. De facto, o que acontece é por questões de saúde, pois temos tido grandes

ataques às populações de coelhos-bravos, e também por causa dos incêndios, que são questões a que os

caçadores são perfeitamente alheios. E, no entanto, temos zonas onde o coelho-bravo é uma autêntica praga.

Mas a análise sobre se a espécie deve ou não ser caçada ou capturada deve ser feita de acordo com a

realidade micro, em cada momento, e não dessa forma cega.

Relativamente aos predadores, porque foi disso que falámos — a raposa, o saca-rabos… —, como os Srs.

Deputados do Partido Ecologista «Os Verdes» deveriam saber, presumo eu, a verdade é que são espécies de

predação generalista. Como é que conseguiremos manter as outras espécies se deixarmos que estas espécies

se reproduzam e cresçam de forma desmesurada, sem qualquer controlo? O controlo das populações é

importante e os Srs. Deputados sabem-no, como se vê, aliás, por esse sorriso através da máscara.

Gostava que o PEV e o PAN se lembrassem de como era o Alentejo antes de haver reservas de caça, porque

é importante saber-se o que eram aqueles territórios abandonados e como estava a biodiversidade antes de

termos feito este esforço com os territórios de caça.

A caça deve ser protegida e controlada pelas melhores práticas e, obviamente, deve ter-se sempre em conta

a biodiversidade e o equilíbrio das espécies.

Relativamente ao Bloco de Esquerda,…

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, vou pedir-lhe que seja breve.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Vou mesmo terminar, Sr. Presidente, com a devida tolerância. O Bloco de Esquerda sabe muito bem que há muitas espécies que não são estudadas e que há espécies

que refere cuja situação em Portugal é meramente marginal, como é o caso da galinhola e de tantas outras. Só

porque não são estudadas, quer-se proibir? Pelo menos assuma-se, de uma vez por todas, e diga-se: «Nós

queremos é acabar com esta atividade e, com isso, abandonar o território».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Este é um debate que tem a sua singularidade. É um debate sobre caça e, depois de, há pouco, ter dado a palavra à Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, dou agora a palavra

ao Sr. Deputado Pedro Raposo do Carmo.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Faça favor, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, no ponto anterior da ordem de trabalhos, intervieram, consecutivamente, dois Deputados do Partido Socialista e agora aconteceu o mesmo com dois Deputados do

PSD. Ora, o Regimento da Assembleia da República não permite isso, Sr. Presidente.

O artigo 78.º do Regimento diz o seguinte: «A palavra é dada pela ordem das inscrições, mas o Presidente

da Assembleia da República promove de modo a que não intervenham seguidamente, havendo outros inscritos,

Deputados do mesmo grupo parlamentar ou membros do Governo.»

Chamava, pois, a atenção para que não se criasse este precedente, pois ele é antirregimental. Se um grupo

parlamentar quer intervir duas vezes, então inscrevam-se dois Deputados, mas falam pela sua ordem.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Com certeza, Sr. Deputado, tem toda a razão. Na verdade, o erro foi meu e assumo essa responsabilidade pessoalmente. Peço a todos que não levem isso demasiado em

conta, apenas em conta, porque, naturalmente, não se continuará a proceder desta forma e não foi criado

qualquer tipo de precedente.

Dou, então, a palavra, com muito gosto, ao Sr. Deputado Pedro Raposo do Carmo.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Sr. Presidente, não sou, naturalmente, predador nem caçador, mas tenho o nome «Raposo».

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projetos de lei que apreciamos hoje, apresentados pelo PEV, pelo

PAN e pelo Bloco de Esquerda pretendem a proibição ou o condicionamento da caça a determinadas espécies,

iniciativas estas que revelam um profundo desconhecimento da realidade, do equilíbrio do ecossistema, da vida

dos homens e das mulheres do campo, do mundo rural.

Do que efetivamente se trata é de mais um ataque ao mundo rural, mundo rural esse do qual, nas suas

diversas expressões, a caça — há muitos anos, quase entregue a si própria, com uma deficitária atenção dos

decisores políticos e dos cidadãos em geral — é parte integrante. Há toda uma realidade que não é menos

importante só porque o número de habitantes é menor, o peso eleitoral é inferior ao da longa faixa urbana do

litoral ou o mediatismo é menos interessante do que uma qualquer ocorrência que exista em meio urbano.

É com sentido de equilíbrio e com sabedoria que se têm desenvolvido vários projetos cinegéticos de

preservação de espécies animais, de repovoamento e desenvolvimento de ofertas turísticas associadas à caça,

que têm trazido sustentabilidade — repito, sustentabilidade! —, ordenamento e futuro a muitos pontos do

território e economias do interior.

Por muito que custe a alguns abonados das calçadas da capital, onde agora se quer construir hortas nos

telhados, isto é uma utopia. Na realidade, há todo um sentido de equilíbrio ambiental, de equilíbrio entre as

espécies animais e de equilíbrio na convivência entre os seres humanos e o meio ambiente que tem estado

presente no espaço rural e nos territórios do interior.

A caça e os caçadores fizeram e fazem parte do mundo rural. São parte importante da memória, do presente

e da estratégia de desenvolvimento local em muitos territórios do mundo rural.

Querer, a partir de Lisboa, decretar leis sem nexo com a realidade do mundo rural é não fazer o essencial e,

permitam-me que vos diga, dedicar energias ao acessório. Senão, vejamos, Sr.as e Srs. Deputados: todos

reconhecemos, com muito orgulho, o sucesso da recuperação da população do lince ibérico no vale do

Guadiana. Só em 2019, a taxa de nascimentos em 13 ninhadas foi de 65 novas crias, mas é preciso dizer que

tal só foi possível porque existe alimento, existe caça, existe coelho-bravo, o seu principal alimento. E sabem

porque é que existe coelho-bravo? Porque os projetos de gestão cinegética e os caçadores os criam, alimentam

e protegem. Se assim não fosse estariam extintos há muito. É, pois, possível ter no vale do Guadiana o habitat

ideal para a recuperação desta espécie, fruto de um ecossistema equilibrado que preserva a biodiversidade.

Realço a ação do município de Mértola e de outras instituições científicas que, em conjunto com institutos

públicos, promovem estudos para o conhecimento da evolução da população de coelho-bravo, bem como da

doença que regularmente o dizima.

É preciso conhecer, inventariar e perceber, com estudos, com base científica, para podermos tomar decisões

que têm influência direta na atividade cinegética.

Sr.as e Srs. Deputados, a caça não consiste apenas no abate de espécies cinegéticas, mas também num

conjunto de medidas que visam a conservação, o fomento e a exploração racional daqueles recursos onde se

inclui o controlo de predadores. Exemplo disso é a caça à raposa — que me é tão querida, como disse o Sr.

Presidente — e ao saca-rabos, espécies predadoras generalistas que, quando o alimento escasseia, costumam

recorrer a áreas humanizadas, indo à procura de animais domésticos. Srs. Deputados, poderia dar dezenas de

exemplos de rebanhos, varas ou manadas que foram alvo destes predadores, com prejuízos elevadíssimos.

A interdição da caça à raposa iria provocar um enorme desequilíbrio do ciclo alimentar, trazendo

preocupantes questões sanitárias, para além de não resultar em nenhum benefício para a espécie que tanto

querem preservar.

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Tal como sucede com as restantes espécies, parece existir aqui um tiro ao alvo a espécies cinegéticas a

eliminar do calendário venatório, sem qualquer fundamento ou conhecimento científico do efetivo populacional

e do seu comportamento.

A caça é hoje parte integrante da estratégia de futuro de muitas regiões do País, de muitos agentes

económicos e de marcas de identidade dos territórios. Deixemos as associações representativas do setor, em

conjunto com o ICNF e outras instituições, decidirem sobre estas matérias. Por isso vos peço: deixem a caça e

os caçadores em paz. O mundo rural agradece.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção em nome do CDS, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje vários projetos sobre caça — do PAN, do PEV e do Bloco de Esquerda — que proíbem determinadas práticas e retiram várias

espécies da lista de espécies cinegéticas, o que é o mesmo que dizer da lista de espécies que se podem caçar.

Antes de abordar os projetos, gostava de falar do verdadeiro objetivo de todos esses projetos, porque acho

que as discussões serão mais francas, honestas e abertas se partirem das verdadeiras intenções. É evidente

que o que estes partidos realmente querem, onde querem chegar, é a proibição da caça. Portanto, se o que

querem discutir é a proibição da caça, vamos ter essa discussão, pois acho que ela enferma de dois vícios, que

passo a explicar.

O primeiro vício é o de uma posição moralista, diria eu, porque os senhores acham que caçar animais é

errado e que isso deve ser proibido.

Protestos do Deputado do BE Jorge Costa.

O Sr. Deputado André Silva, do PAN, descreveu, há dois debates, que a caça é — e cito — «o setor que

quer meter chumbo em tudo o que mexe». Os senhores têm uma posição moral sobre a caça, acham que ela

deve ser proibida e eu, que nunca cacei na vida, acho que os meus gostos, os meus estilos de vida e as minhas

posições morais não têm de se sobrepor à liberdade dos outros. Os senhores têm a posição contrária, que é a

posição moralista, e acham que a caça deve ser proibida. Pois bem, então, façam um projeto a dizer isso mesmo

e vamos discuti-lo. E assumam isso perante os eleitores.

Protestos da Deputada do PAN Inês de Sousa Real.

Os senhores acham que quem caça tem um estilo de vida errado, que deve ser proibido. Façam o favor de

assumir isso perante os eleitores, porque isso, sim, seria honestidade.

Em segundo lugar, para além da posição moralista, há também a posição de desconhecimento. É que os

verdadeiros ambientalistas, aqueles que, de facto, preservam a biodiversidade, o território e o ambiente, são,

precisamente, muitos destes caçadores. Não são as pessoas que andam a gritar isso em slogans no Facebook,

fechadas em apartamentos, são pessoas que transformam estes territórios em ambientes sustentáveis. Quem

permitiu a reintrodução do lince, por exemplo, foram os caçadores. Quem torna este território sustentável, quem

permite a existência da biodiversidade, quem preserva a espécie são, em muitos casos, os caçadores, e é desta

enorme dicotomia entre aqueles que pregam e aqueles que fazem que estes projetos falam.

Estes são projetos de proibição daqueles que, de facto, preservam o meio ambiente e a biodiversidade, pelo

que, obviamente, não merecerão a companhia do CDS. Muito pelo contrário, merecerão a nossa oposição,

precisamente por isto.

Sr.ª Deputada, defenderemos sempre: ponto um, a liberdade; e, ponto dois, a biodiversidade. Estes projetos

ameaçam ambos.

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O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Diz o povo que «não há duas sem três». Depois da Sr.ª Maria Manuel Rola e do Sr. Deputado Pedro Raposo do Carmo, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe Gaião,

do PCP, para uma intervenção.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, de facto, este é um dia dedicado à atividade cinegética, pelo menos tendo em conta o nome de vários Deputados intervenientes. Mas, enfim, isso só tem que ver com a

ligação que todos nós temos à natureza. Sendo o gaio uma ave de grande porte, imaginem o gaião!

Risos.

Mas devo dizer que não é o facto de me chamar «Gaião» que me habilita nem me dá nenhuma qualificação

especial relativamente à participação neste debate.

O que queríamos dizer é que não adotamos uma posição de proibicionismo relativamente à atividade

cinegética. Ela deve ser regulada, deve ter em conta a preservação das espécies e, aliás, fazemos a justiça de

pensar que são precisamente os caçadores os primeiros interessados na preservação das espécies cinegéticas.

Daí defendermos que haja uma regulação, porque há coisas que devem ser tanto mais apertadas quanto for

exigido pela preservação das espécies, mas consideramos que a atividade cinegética é um valor que deve ser

preservado, desde logo porque o País não pode abandonar o mundo rural, e a atividade cinegética é uma parte

integrante do mundo rural que não pode ser esquecida.

Portanto, não podemos lamentar o abandono do interior, lamentar o abandono das áreas florestais e das

áreas rurais e, depois, lamentar também as consequências que decorrem desse abandono e que, muitas vezes,

passam por calamitosos incêndios rurais. Em nome do desenvolvimento equilibrado do nosso País, há que

preservar esta atividade e, evidentemente, ela deve ser regulada.

As diversas iniciativas legislativas em discussão têm, de facto, um vezo proibicionista, e, em alguns casos, a

própria regulação existente já cobre o que é proposto por algumas das iniciativas legislativas, designadamente

para aquelas espécies que, já hoje, não podem ser objeto de caça e para aquelas que podem sê-lo apenas por

um período muito limitado de tempo, tendo em conta, precisamente, a necessidade de preservação das próprias

espécies.

A atividade cinegética de algumas espécies funciona, também, como defesa de outras espécies animais que

são vítimas da predação natural dessas espécies. Estamos a falar, por exemplo, do caso da caça à raposa, que

é uma forma de equilibrar a predação que esta faz, designadamente de aves de capoeira, de galinheiros e de

rebanhos. Obviamente, se não houver caça à raposa, há um desequilíbrio em prejuízo destas espécies que

também são essenciais para a preservação do mundo rural e para a subsistência económica de muitas famílias

que aí habitam.

Isto para dizer que não vamos acompanhar as iniciativas que foram hoje apresentadas, porque, de facto,

colocamo-nos numa posição diferente. Ou seja: sim à regulação da caça, sim a que o ICNF cumpra as suas

atribuições nessa matéria e que permita que as espécies sejam preservadas, mas que respeite uma atividade

que, do nosso ponto de vista, é respeitável e que também dá uma contribuição muito útil para aquilo que é

importante que seja preservado no nosso País.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para o encerramento deste ponto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que estamos a discutir hoje não é, a este tempo, a abolição da atividade cinegética.

Portanto, não vale a pena as Sr.as e os Srs. Deputados virem desvirtuar o debate em torno daquilo que ele

é, pois o que queremos, por um lado, é a regulação das moratórias em relação a algumas espécies em concreto

e, por outro lado, é a proibição da venda de artefactos no nosso País relativamente a atividades absolutamente

ilegais.

Mas há um aspeto a que, inevitavelmente, não nos podemos furtar: o negacionismo presente neste debate,

o que, para nós, é absolutamente assustador, em que ouvimos expressões como «antiecossistema»,

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«antinatureza», «dedicar a energia ao acessório» ou «a ignorância da realidade». Os Srs. Deputados que

defendem que é mito urbano falarmos do declínio destas espécies são os mesmos que, se calhar, também

negam as alterações climáticas.

Sr.as e Srs. Deputados, temos hoje valores naturais que são absolutamente incontornáveis numa sociedade

civilizada. Podem empregar energia a defender o lobby da caça — que passa por uma diversão assente numa

crueldade —, aliás, se quiserem, podemos dedicar-nos a esse debate, mas aquilo de que estamos a falar é de

um declínio de determinadas espécies, que, inclusive, foi reconhecido em estudos científicos. A própria União

Europeia assim o reconhece!

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

Já ouvimos os senhores, noutros debates, procurarem, reiteradamente, reduzir o mundo rural a uma atividade

cruenta. O mundo rural, felizmente, não se esgota nessa crueldade, nem se esgota numa atividade ambiental e

eticamente questionável. É muito mais do que isso!

Antes que os Srs. Deputados venham, mais uma vez, desvirtuar este debate…

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — É moralismo!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Não é uma questão de moralismo!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — É, é!

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — É, sim senhora!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — É uma questão de sensibilidade e de não querermos condicionar a preservação das nossas espécies. No dia em que não houver coelho-bravo para caçar, no dia em que não

houver raposa para caçar, no dia em que não houver qualquer tipo de espécies, aí, Srs. Deputados, estaremos

perante uma inevitabilidade, que é a extinção das espécies.

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Concluo já, Sr. Presidente. Se os Srs. Deputados querem lavar as vossas mãos, quando estamos já a 10 anos do ponto de não retorno…

Se não conduzirmos políticas públicas de respeito pela natureza, isso, sim, é antiecossistema e antinatura.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, terminámos a discussão deste ponto da nossa ordem de trabalhos.

Vamos passar à apreciação do Projeto de Resolução n.º 429/XIV/1.ª (PEV) — Informação aos cidadãos sobre

as melhores práticas de utilização corrente de material de proteção individual, como máscaras, viseiras ou luvas,

e incentivo à opção por material reutilizável.

Para apresentar esta iniciativa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A pandemia COVID-19 veio impor um conjunto bastante alargado de restrições e de alterações àqueles que eram os hábitos diários da generalidade

das pessoas, com vista a prevenir, conter, mitigar e tratar esta doença.

O projeto de resolução que hoje discutimos, que é sobre a informação aos cidadãos relativamente às

melhores práticas de utilização dos materiais de proteção individual, apesar de ter sido trabalhado na primeira

fase da pandemia, em que lidávamos com o desconhecido e com as medidas de proteção que iam surgindo um

pouco incertas, tem hoje redobrada atualidade porque essas medidas de proteção individual foram sendo cada

vez mais ativas.

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Hoje, falamos do uso obrigatório de máscaras, tanto nos espaços fechados, como no exterior, quando não é

possível manter o afastamento recomendado. No entanto, apesar de o uso de máscara fazer parte das rotinas

do dia a dia, assistimos muitas vezes ao mau uso da mesma. E, se todos passámos a usar máscara nas

deslocações, no trabalho, no lazer e até em casa, quando se exige maior precaução com membros da família

mais velhos ou doentes de risco, isso induz outra questão, que é a do adensar dos resíduos, neste caso das

máscaras descartáveis. Ou seja, uma solução de proteção criou um problema.

Para além disso, as pessoas confrontam-se com algumas questões e dúvidas que merecem ser esclarecidas,

como, por exemplo, se as máscaras descartáveis são as que oferecem mais proteção e segurança e se as

máscaras sociais, que têm um tempo de duração mais extenso e que evitam a produção de mais resíduos, têm

semelhante eficácia.

O facto de as máscaras sociais serem mais caras e de haver a necessidade de termos mais do que uma

para diferentes situações faz com que seja necessário fazer um investimento que, muitas vezes, não se

compadece com o orçamento familiar, num tempo em que muitos orçamentos ficam cada vez mais magros.

Foi nesse sentido que Os Verdes propuseram que se considerasse uma verba no Orçamento do Estado para

2021 destinada à distribuição de máscaras sociais gratuitas, passando a mensagem de que estas máscaras são

seguras e que a nossa proteção pode, e deve, ser mais amiga do ambiente.

Tendo em conta o problema ambiental que se está a gerar com a descartabilidade destes materiais de

proteção, deveria haver, na perspetiva do PEV, um incentivo para que os cidadãos optem por materiais

reutilizáveis.

Para o efeito, é preciso que conheçam não apenas como deve ser constituído e construído esse material,

mas também que cuidados devem ter na lavagem do mesmo. Há uma temperatura adequada para serem

lavados? Como se lavam? Como se guardam? Durante quanto tempo devemos usar a máscara? Muitas são as

questões associadas à utilização massiva de máscaras e que também se prendem com o seu uso correto.

O Estado não deve demitir-se de prestar os esclarecimentos devidos e deve lançar campanhas intensas de

informação e esclarecimento aos cidadãos sobre o tipo de material de proteção que pode ser usado, para que

seja eficaz quanto ao objetivo, e sobre a forma correta de utilizar esse material.

Falamos das preocupações que se mantêm relativamente às máscaras, mas poderíamos referir também as

dúvidas que persistem sobre o uso adequado de viseira ou a utilização correta de luvas.

Os Verdes recomendam ao Governo que promova uma intensa campanha de informação e esclarecimento

aos cidadãos que seja incentivadora, sempre que possível, da utilização de material de proteção individual

reutilizável e não descartável; que seja formativa em relação à correta utilização dos materiais de proteção

individual, como máscaras, viseiras ou luvas; e que seja elucidativa quanto às características a que o fabrico de

material de proteção individual deve obedecer.

O projeto que apresentamos é para ser implementado desde já, podendo ter de perdurar bastante mais

tempo, infelizmente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de resolução de Os Verdes recomenda que o Governo promova, e cito, «uma intensa campanha de informação e esclarecimento»

em três dimensões, ou seja, sobre o correto uso de material de proteção, sejam máscaras, viseiras ou luvas,

sobre as características de fabrico a que esse material deve obedecer e incentivando a utilização de material

reciclável e não descartável.

De facto, não há como discordar dos objetivos de uma campanha como esta. A campanha em si teria feito

mais sentido, teria sido mais relevante, se assim se pode dizer, se tivesse ocorrido na altura em que este diploma

foi feito, isto é, em maio, porque, naturalmente, nessa altura, o tema era novidade, havia mais inexperiência na

utilização desse material e não era tão comum nem abrangente ou universal a sua utilização.

Ao dia de hoje, qual é o ponto da situação? Se formos ao site da DGS, vemos que há muito material

disponível, quer informativo, quer formativo, e que há já várias instituições, quer públicas, quer privadas, que

vão buscar esse material e que o utilizam nas suas instituições para benefício de quem as frequenta ou visita.

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Por outro lado, em novembro, o Governo lançou uma campanha — agora até pareço o Partido Socialista a

falar — chamada «Não deixes cair a máscara», exatamente para promover a boa utilização das máscaras. Na

verdade, os objetivos dessa campanha são os mesmos que Os Verdes elencam. Aliás, eu própria me deparei

com essa campanha nas redes sociais e, segundo consta, também foi divulgada em vários media.

Por outro lado, no Orçamento do Estado, o PAN apresentou uma proposta — agora pareço o PAN a falar —

em moldes semelhantes à de Os Verdes, que foi aprovada, e que propõe o reforço da campanha em janeiro de

2021. Se tomarmos como certo — lamento, enfim, ter de dizer isto — que o Orçamento do Estado é cumprido,

essa campanha terá lugar em janeiro de 2021.

Portanto, sendo impossível discordar dos objetivos de Os Verdes, a verdade é que já várias campanhas

foram lançadas e outras já estão previstas no Orçamento do Estado. O que pergunto é: o que é que Os Verdes

querem para além do que já está disposto ou já está anunciado que se vai fazer? Que objetivos não estão já

cumpridos? Qual é exatamente o ponto de novidade do projeto de Os Verdes, para que eu, com muito gosto,

uma vez que até concordo com os seus objetivos, possa votar a favor? É que não encontro motivos para poder

aprová-lo, uma vez que os objetivos pretendidos estão já no terreno.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a Sr.ª Deputada Sara Velez.

A Sr.ª Sara Velez (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, parece que fizemos a intervenção ao mesmo tempo, mas não fizemos.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Não, não fizemos! Ninguém copiou!

A Sr.ª Sara Velez (PS): — Discutimos hoje o projeto de resolução do PEV que recomenda ao Governo a realização de campanhas de informação aos cidadãos sobre as melhores práticas da utilização corrente de

equipamentos de proteção individual, devido à pandemia provocada pelo SARS-CoV-2.

O projeto é datado de maio de 2020, pelo que, no que diz respeito aos considerandos apresentados e à

componente resolutiva, tendo em conta o tempo que já passou de maio até hoje — passaram quase oito meses

que alteraram de forma tão profunda o nosso quotidiano — e a rápida evolução de todas as dimensões que

envolveram esta crise sanitária, algumas considerações do diploma estejam ultrapassadas, não deixando, no

entanto, de terem sido pertinentes na altura e de continuarem a ser aplicáveis neste preciso momento.

Também em maio o Grupo Parlamentar do PS apresentou um projeto de resolução que recomenda ao

Governo a promoção de boas práticas relativamente aos equipamentos de proteção individual para efeitos de

prevenção de contágio da COVID-19. Na altura, chamámos a atenção para a problemática das luvas e das

máscaras gerada pela generalização do seu uso — como é natural, era fortemente recomendado para a defesa

de cada um e de cada uma de nós contra a ameaça da pandemia — e para a necessidade de serem tomadas

medidas quanto às boas práticas da sua correta deposição, assim como recomendámos a escolha de máscaras

reutilizáveis, certificadas pelo CITEVE (Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário), cumprindo as

normas de utilização daquela organização e minimizando, assim, os impactos para a saúde pública e para o

ambiente.

Continuamos, por isso, na mesma senda de considerar essencial e imprescindível que se informem os

portugueses sobre a correta deposição dos equipamentos de proteção individual, designadamente luvas e

máscaras, entre outros, para efeitos de prevenção do contágio e também de proteção dos trabalhadores e das

trabalhadoras que, no seu dia a dia, desempenham uma tarefa de importância vital na recolha e tratamento dos

resíduos.

Sr.as e Srs. Deputados, é, nos dias de hoje, incontestável o impacto que a pandemia teve nas nossas vidas

e todos estes equipamentos já aqui referidos passaram, de alguma forma, a fazer parte do nosso quotidiano. O

projeto de resolução que aqui discutimos propõe, na sua componente resolutiva, realizar campanhas

informativas que incentivem a utilização deste material, incitando, também, ao uso de material que possa ser

reutilizado e não imediatamente descartado.

A este respeito, a Direção-Geral da Saúde tem em curso campanhas de sensibilização para o uso correto de

máscaras e o seu manuseamento, com conselhos e recomendações de boas práticas quanto ao seu uso,

nomeadamente no que diz respeito à indicação de máscaras que devem ser usadas pela população em geral

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— as chamadas «máscaras sociais ou comunitárias» —, certificadas pelo CITEVE, recomendando-se que

obedeçam às orientações que são dadas por este organismo quanto à sua utilização. Estas informações estão,

aliás, disponíveis em vários suportes e são abundantemente difundidas nos meios digitais.

Também o Ministério da Saúde apresentou, no Plano da Saúde para o Outono-Inverno 2020-21, o

compromisso de continuar a promover o reforço destas campanhas de esclarecimento e de comunicação quanto

ao uso correto dos equipamentos de proteção individual, não só para combate às questões relacionadas com a

COVID-19, mas também às outras ameaças sazonais.

Está também neste momento em curso a campanha do Ministério do Ambiente designada «Não deixes cair

a máscara», que se encontra a ser difundida nos diferentes canais de televisão, rádios, imprensa escrita e meios

digitais, com o objetivo de sensibilizar a população para o uso de máscaras reutilizáveis, vulgo máscaras

comunitárias, sensibilizando todos para o enorme impacto ambiental que tem a deposição, mesmo que se faça

de forma correta, de centenas de milhares de máscaras descartáveis que são largadas no lixo, todos os dias,

pelo mundo todo.

Gostaria de referir ainda que, no âmbito da discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado,

aprovámos uma proposta de alteração do PAN e que, naquilo que diz respeito à utilização de publicidade

institucional, aprovámos, já este ano, o tal espaço publicitário institucional que pode ser usado na imprensa

também para difundir campanhas de sensibilização relativamente ao uso de máscaras e de outro tipo de

equipamentos.

Por isso, e para concluir, o Partido Socialista acompanha, de alguma forma, as preocupações e os objetivos

plasmados no projeto de resolução, os quais também defendemos. Da nossa parte, era isto que tínhamos a

dizer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Grupo Parlamentar do PSD. Tem a palavra, para o efeito, o Sr. Deputado Rui Cristina.

O Sr. Rui Cristina (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje o Projeto de Resolução n.º 429/XIV/1.ª, apresentado pelo partido Os Verdes no atual contexto da pandemia por COVID-19, que sustenta

pretender melhorar a informação aos cidadãos sobre as melhores práticas de utilização corrente de material de

proteção individual, como máscaras, viseiras ou luvas.

Para o partido proponente, essa melhoria de informação deve ser assegurada, essencialmente, por via da

realização de uma intensa campanha de informação e esclarecimento da população, muito embora não cuide

de elucidar de que forma ou formas essa campanha deve ser concretizada.

No que se refere aos objetivos, o que a iniciativa pretende é incentivar à utilização de material de proteção

individual reutilizável e não descartável, após uma única utilização. São propósitos naturalmente meritórios e

terão certamente por base uma preocupação com os crescentes custos ambientais que as máscaras

descartáveis estão a implicar.

Convém, a este respeito, ter presente que, ainda há dias, foi o próprio Governo a calcular que, só a partir de

Portugal, essas máscaras não reutilizáveis podem representar mais de 6 t de plásticos a contaminar o meio

ambiente todos os meses, o que, a confirmar-se, não é de todo aceitável. Esta é uma questão relevante, tal

como é relevante saber em que contextos deve ter lugar a utilização das máscaras cirúrgicas descartáveis,

atentas as condições da respetiva eficácia, designadamente em comparação com as máscaras feitas a partir de

algodão ou poliéster.

A verdade é que, sem prejuízo das preocupações ambientais hoje aqui examinadas e explanadas, a questão

de saber quais são as máscaras mais eficazes a bloquear a propagação da COVID-19 pertence não à esfera

do político, mas antes ao domínio da investigação técnica. Convém lembrar também que as evidências

disponíveis mostram que as máscaras não cirúrgicas, comunitárias ou de uso social são menos protetoras que

as máscaras cirúrgicas.

Deve, assim, competir às instituições de investigação científica apurar os diferentes níveis de eficácia das

máscaras e, na sequência dessa evidência científica, às competentes autoridades sanitárias determinar como,

quando e por quem podem ou devem ser utilizadas máscaras com determinadas características, sejam estas

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descartáveis ou reutilizáveis. É que estas decisões devem ter por base não meras e apressadas posições

políticas apriorísticas, mas sim um sólido conhecimento técnico que lhes confira credibilidade e, acima de tudo,

que proteja a saúde pública e defenda os cidadãos.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há muito que o Partido Social Democrata tem vindo a alertar os

portugueses para a necessidade de todos termos um comportamento socialmente responsável no atual contexto

da pandemia, um comportamento que assenta na observância do distanciamento físico entre as pessoas,

principalmente quando se encontrem em espaços fechados ou confinados numa área delimitada, ainda que ao

ar livre, mas um comportamento que não dispensa igualmente a utilização de máscaras de proteção em espaços

públicos fechados ou também ao ar livre, desde que o distanciamento físico entre as pessoas não possa ser

garantido.

Estes são aspetos fundamentais da informação sanitária em contexto pandémico, informação que, para ser

aceite pelas populações, deverá ser verdadeira, credível e coerente. Infelizmente, não foi isso que sucedeu em

Portugal, como bem ilustram os sucessivos ziguezagues governamentais e da Direção-Geral da Saúde, seja em

matéria de utilização de máscaras, seja nas medidas de confinamento, em que os aliados comunistas do

Governo socialista puderam escandalosamente violar as duras regras impostas à generalidade do povo

português.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Rui Cristina (PSD): — Por isso, bem pode o PEV falar de proteção do ambiente, até porque se trata de um partido verde por fora!… Melhor seria, no entanto, se o PEV aconselhasse a casa-mãe a ter algum

respeito pelo confinamento dos portugueses, deixando-se de comícios de rua e de congressos em tempo de

pandemia.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Deputado, já chega! Deixe lá a imaginação…

O Sr. Rui Cristina (PSD): — É que, Srs. Deputados de Os Verdes, as questões ambientais e da saúde não podem resultar de meras conveniências políticas. São questões sérias, são questões que têm a ver com a

proteção da saúde humana e a sustentabilidade ambiental e que, por isso, estão na base do ideário político do

PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Bloco de Esquerda.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando debatemos um projeto de resolução sobre informação e sensibilização da população para as chamadas «máscaras comunitárias» e para

a sua correta utilização, estamos também a debater a necessária comunicação que, neste momento, o Governo

e as autoridades de saúde devem ter com a população.

Efetivamente, houve vários momentos durante esta pandemia em que a comunicação não foi a mais

acertada, não só sobre a utilização de máscaras, mas, aliás, sobre variadíssimos aspetos: logo no início, a

comunicação sobre o que era a doença; também, durante muito tempo, a comunicação sobre como utilizar as

máscaras, etc.; e, já agora que se está a preparar o plano vacinal contra a COVID-19, também aproveito para

dizer que deveria haver, neste momento, uma maior intensificação e uma melhor comunicação com a população.

Por isso, efetivamente, parece-nos que, numa pandemia, é fundamental privilegiar uma boa comunicação

com a população, o que, muitas vezes, tem sido substituído por decretos de obrigatoriedade — aliás, até por

um disparate sobre a obrigatoriedade de utilizar a STAYAWAY COVID, que obrigaria também a que todos nós

tivéssemos de mostrar se temos a aplicação instalada no telemóvel ou não.

Como dizia, muitas vezes, esta comunicação que deve existir tem sido substituída por decretos de

obrigatoriedade, sem que sejam acompanhados da necessária informação e sensibilização. Isso é que está

errado. Aliás, quando debatemos aqui, na Assembleia da República, um projeto de lei sobre a obrigatoriedade

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da utilização de máscara em via pública, nós próprios, no Bloco de Esquerda, propusemos alterações no sentido

de essas medidas serem acompanhadas de campanhas informativas, de sensibilização, que fossem não

punitivas, mas motivadoras da adoção dos comportamentos corretos por parte da população.

Portanto, sendo isso o que está em causa e sendo isso o que é proposto pelo Partido Ecologista «Os

Verdes», só podemos dizer que estamos de acordo. Estamos de acordo, obviamente, que, nesta fase, como em

todas as fases da pandemia, se privilegiem campanhas de informação e de comunicação para a correta

utilização de máscaras, como estamos de acordo que haja essa sensibilização para a utilização das máscaras

comunitárias, reutilizáveis, em detrimento das máscaras descartáveis, que, aliás, a própria Organização Mundial

da Saúde, há poucos dias, disse que devem ser utilizadas pelos profissionais de saúde e pelos doentes mais

vulneráveis, sendo que a população geral deve privilegiar as máscaras reutilizáveis. Estamos de acordo que

deve ser isso que deve acontecer.

Acreditamos também que essa campanha de sensibilização, além da informação que deve conter, deveria

incluir uma outra medida, que também já chegámos a propor, que é a da distribuição gratuita destes

equipamentos de proteção individual, até porque, mesmo sendo reutilizáveis, todos sabemos que têm um limite

e uma validade.

Portanto, se queremos, efetivamente, que as pessoas adotem os comportamentos corretos e utilizem

corretamente estes equipamentos de proteção individual, enquanto Estado e enquanto sociedade, também

devemos dar às pessoas as condições para que tenham acesso a esses equipamentos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção é da Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP. Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O País foi confrontado com a necessidade de adotar novos hábitos e rotinas, em consequência do surto epidémico COVID-19, e toda a

situação colocou desafios e problemas novos, enquanto evidenciava outros, que correspondem às principais

insuficiências estruturais do nosso País.

Desde a primeira hora, o PCP defendeu a necessidade de agir em diversas frentes: em primeiro lugar, no

imprescindível reforço do SNS e na capacitação deste para a resposta clínica que se impõe; também na defesa

dos postos de trabalho e rendimentos, combatendo os aproveitamentos da situação e mitigando o efeito

recessivo da pandemia; e, claro, na adoção de medidas de sensibilização e pedagogia para os comportamentos

a adotar, de forma a alcançar a maior adesão possível às medidas de proteção sanitária.

Como o PCP tem insistido, aquilo de que o País necessita é de medidas que estimulem a proteção individual,

promovam a pedagogia da proteção e assegurem condições de segurança sanitária para que a vida nacional

possa prosseguir nas suas múltiplas dimensões. Ora, o uso de máscaras é uma das medidas a serem adotadas

conjuntamente com a etiqueta respiratória, a lavagem das mãos e o distanciamento físico.

Na ótica da saúde pública, a questão prioritária é a proteção da saúde dos cidadãos e devemos ter disponível,

a cada momento e em cada situação em concreto, o equipamento de proteção individual mais adequado para

alcançar este objetivo. Por isso, tal como defendemos anteriormente a criação de uma campanha nacional de

sensibilização para a correta deposição no lixo de equipamentos de proteção individual, que acabavam muitas

vezes deitados em ecopontos ou nas vias públicas, defendemos que deve existir também uma forte

sensibilização e pedagogia no que toca à correta utilização das máscaras, garantindo que é feita de acordo com

as exigências sanitárias e adequada a qualquer situação, ou seja, contribuindo para a sua correta escolha,

utilização ou mesmo fabrico.

Assim, ao encontro da proposta que Os Verdes aqui nos trazem, entendemos que o Governo deve utilizar

todos os recursos à sua disposição ao nível da informação e do esclarecimento, de modo a responder às dúvidas

que se multiplicam, nomeadamente sobre as tais máscaras não reutilizáveis, as máscaras comunitárias, mas

também sobre a correta utilização de máscaras, viseiras e luvas. Por outro lado, havendo muitas pessoas,

empresas, associações e grupos informais que produzem máscaras do tipo comunitário, importa que esteja

acessível informação sobre as características de fabrico e materiais a que estas devem obedecer.

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Como temos insistido, as medidas e os comportamentos adequados devem ser adotados com as pessoas e

não contra as pessoas, porque nenhuma medida de imposição é mais eficaz do que a sensibilização e o

convencimento. Por isso, e assegurando que em nenhum momento deve haver relaxamento no tipo de máscaras

adequadas, porque a saúde está sempre em primeiro lugar, acompanharemos este projeto de Os Verdes.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, em nome do PAN, tem agora a palavra o Sr. Deputado André Silva.

O Sr. André Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começamos por congratular o Partido Ecologista «Os Verdes» por esta iniciativa. Aliás, no nosso entender, as recomendações inscritas no projeto de

resolução são, além de meritórias, elementares e, por isso, é até, de certa forma, lamentável que tenhamos

chegado ao ponto de a Assembleia da República ter de fazer estas recomendações ao Governo para que

proceda à veiculação de informação básica aos cidadãos, mas aqui estamos.

O PAN já apresentou, por diversas vezes, propostas no sentido de minimizar o uso de máscaras descartáveis

e de assegurar que a sua deposição seja feita de forma responsável, no lixo e não no meio ambiente, tendo,

inclusivamente, feito aprovar, em sede de Orçamento do Estado, uma norma que prevê a implementação de

uma campanha de difusão massiva e eficaz com estes mesmos objetivos que Os Verdes aqui nos trazem.

A poluição por plástico está a aumentar devido à pandemia COVID-19, com o uso de máscaras descartáveis,

luvas e outros equipamentos de proteção individual. As máscaras descartáveis são fabricadas também em

polipropileno, que, na natureza, demora 450 anos a desaparecer, a degradar-se, a compostar-se, e verifica-se

já, em certos países, a descoberta de enormes quantidades de máscaras descartáveis no oceano, conduzindo

a graves danos ambientais e de saúde pública.

As Nações Unidas têm alertado para este problema e pedido aos Estados que tomem medidas para travar a

poluição causada pelas máscaras descartáveis, tratando a gestão de resíduos, incluindo resíduos médicos e

perigosos, como um serviço público essencial e criando legislação para o efeito. Foi já emitida documentação

com vários conselhos sobre a gestão dos resíduos da pandemia por COVID-19, donde se salienta, no caso das

máscaras descartáveis, a defesa de que as mesmas sejam objeto de recolha seletiva e de tratamento dedicado

e adequado, de forma equiparada aos resíduos hospitalares do mesmo tipo.

Portanto, é crucial sensibilizar os cidadãos para o uso de máscaras reutilizáveis e para a sua deposição

adequada.

Não obstante o facto de aquilo que está previsto no projeto de resolução de Os Verdes ter sido já aprovado

no Orçamento do Estado, vamos apoiar, evidentemente, esta iniciativa.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para o encerramento deste ponto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Partido Ecologista «Os Verdes».

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A questão das máscaras reutilizáveis e do uso correto do material de proteção individual foi referida por nós durante a primeira fase da pandemia.

Hoje, apenas retomámos essa questão porque consideramos que, apesar de todas as campanhas que existem

— na minha intervenção, não disse que não existiam —, elas não são suficientes. Continuamos a olhar para o

chão e continuamos a ver máscaras. Continuamos a ver que as pessoas usam as máscaras de forma

desadequada.

Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, lá voltamos nós outra vez, porque já há uns tempos tivemos esta discussão:

no site da DGS há informação, mas, como a pandemia também nos demonstrou, nem toda a gente tem acesso

à internet, pelo que não podemos confiar apenas nos sites e na internet para fazer chegar a informação às

pessoas.

Assim, reforçamos o pedido para que se façam mais campanhas de sensibilização para o bom uso deste

material, para que possamos, de alguma forma, travar a propagação do vírus. É por este motivo que Os Verdes

trazem novamente esta questão a Plenário.

Foi aprovada, em sede de Orçamento do Estado, a proposta do PAN, que esperamos que tenha proveito, no

sentido de o Governo vir realmente a reforçar estas campanhas.

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Como sabemos, estamos perto do Natal — que é uma altura festiva — e, por isso, será necessário reforçar

as campanhas, sobretudo para que as pessoas saibam usar este tipo de material. Não digo que se deva usar o

material de proteção de forma obrigatória, porque, dentro das nossas casas, ninguém nos obriga a fazê-lo, mas,

se calhar, devíamos informar que, usando-o durante as festas, podemos estar a minimizar os riscos de

propagação do vírus.

Sr. Deputado Rui Cristina, nem sei o que dizer da sua intervenção. Imagino que deve ter sido dificílimo

escrevê-la.

Por um lado, o PSD quer ser favorável à proposta de Os Verdes,…

O Sr. Rui Cristina (PSD): — Nunca disse que era favorável!

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — … porque sublinha sempre que tem preocupações ambientais e que, por isso, há todo um caminho que tem vindo a fazer ao longo dos anos. Dizem isto para se convencerem, porque

os senhores, cada vez que se fala de uma questão ambiental, reforçam todo o trabalho que fizeram nessa

matéria!

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente. Por outro lado, o Sr. Deputado do PSD atacou Os Verdes sem necessidade nenhuma. Não percebi e

confesso que vou ficar sem perceber.

Por isso, com este consenso que deu a entender que existe, espero mesmo que o nosso diploma seja

aprovado.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, não terminamos esta sessão sem o Sr. Secretário Nelson Peralta dar conta de algumas informações ao Plenário.

Faça favor, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Nelson Peralta): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, anuncio que esteve presente nesta sessão plenária, através de videoconferência, o Sr. Deputado Sérgio Marques, do PSD, eleito pelo círculo

eleitoral da Madeira. Por outros motivos, também participaram nesta sessão, igualmente através de

videoconferência, as Sr.as Deputadas Sofia Araújo e Palmira Maciel, do PS, e o Sr. Deputado Telmo Correia, do

CDS-PP.

Anuncio, ainda, que deram entrada na Mesa, e foram admitidos pelo Sr. Presidente, os Projetos de Lei n.os

592/XIV/2.ª (CDS-PP), 593/XIV/2.ª (CDS-PP), 595/XIV/2.ª (BE, PAN e PEV) e 596/XIV/2.ª (BE).

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Obrigado, Sr. Secretário Nelson Peralta. O Plenário voltará a reunir amanhã, às 10 horas, com o debate, ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 224.º

do Regimento, com o Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, após o que haverá votações

regimentais.

Agradeço a todas e a todos a vossa colaboração nesta sessão, desejando a continuação de uma boa tarde.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 42 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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