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Quarta-feira, 10 de março de 2021 I Série — Número 49
XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)
Sessão Solene da Tomada de Posse de
S. Ex.ª o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa
REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE MARÇO DE 2021
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
S U M Á R I O
O Presidente da Assembleia da República (Eduardo
Ferro Rodrigues) declarou aberta a Sessão Solene às 10 horas, interrompendo-a, em seguida, para receber o Presidente da República eleito (Marcelo Rebelo de Sousa) e entidades convidadas.
Pelas 10 horas e 32 minutos, deu entrada na Sala das Sessões o cortejo em que se integravam o Presidente da
Assembleia da República, o Presidente da República eleito, o Primeiro-Ministro, os Secretários da Mesa da Assembleia da República, o Secretário-Geral da Assembleia da República e a Chefe do Protocolo do Estado.
Na Sala, encontravam-se já Deputados e, na bancada do Governo, os Ministros de Estado, da Economia e da Transição Digital, de Estado e dos Negócios Estrangeiros,
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de Estado e da Presidência e de Estado e das Finanças e o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Encontravam-se também presentes: Na Tribuna A, a Dr.ª Maria Filomena de Aguilar, mulher
do Presidente da Assembleia da República, a Dr.ª Fernanda Tadeu, mulher do Primeiro-Ministro, o antigo Presidente da República Ramalho Eanes e mulher, Dr.ª Manuela Eanes, o antigo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva e o Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa;
Na Tribuna B, o Núncio Apostólico, Decano do Corpo Diplomático, em sua representação;
Na Galeria I, os Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas, a Procuradora-Geral da República, a Provedora de Justiça, o Presidente do CDS-PP e o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa;
Na Galeria III, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, os Chefes dos Estados-Maiores da Força Aérea, do Exército e da Armada e os candidatos às eleições presidenciais de 2021 Ana Gomes, Tiago Mayan Gonçalves e Vitorino Silva;
Na Tribuna D, representantes de órgãos da comunicação social.
Constituiu-se a Mesa, ficando o Presidente da República eleito à direita do Presidente da Assembleia da República, ladeados pelos Secretários da Mesa.
Depois de o Presidente da Assembleia da República ter declarado reaberta a sessão, seguiu-se a leitura, pelo Segundo Secretário da Mesa, Duarte Pacheco, da ata da reunião da Assembleia de Apuramento Geral da Eleição do Presidente da República e, pelo Presidente da República eleito, da declaração de compromisso, prestando juramento sobre o original da Constituição da República Portuguesa, tendo-se registado aplausos.
Entretanto, a Banda da Guarda Nacional Republicana, postada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional.
Após leitura, pela Primeira Secretária da Mesa, Maria da Luz Rosinha, do auto de posse, procederam à respetiva assinatura o Presidente da República eleito e o Presidente da Assembleia da República.
De seguida, proferiram intervenções o Presidente da Assembleia da República e, nos termos constitucionais, o Presidente da República.
Eram 11 horas e 25 minutos quando a sessão foi encerrada, tendo sido, de novo, executado o hino nacional.
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O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Bom dia, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Sr.as e Srs. Convidados, está aberta a Sessão Solene de Tomada de
Posse do Presidente da República.
Eram 10 horas.
Suspende-se, em seguida, a sessão, até iniciarmos a cerimónia que se vai seguir, para recebermos os
convidados e S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, que, como sabem, é também o Presidente da República
eleito.
Retomaremos os nossos trabalhos cerca das 10 horas e 30 minutos.
Está suspensa a sessão.
Eram 10 horas.
Sr. Presidente da República, também Sr. Presidente da República eleito, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e
Srs. Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores, declaro reaberta a sessão.
Eram 10 horas e 32 minutos.
Permitam-me, antes de mais, agradecer a presença de todas e de todos nesta Sessão Solene, na qual,
perante a Assembleia da República, em que reside a soberania popular, toma posse o Presidente da
República eleito.
Esta Sessão e esta Cerimónia acontecem num formato restrito, com a presença de um número muito
reduzido de Deputadas e de Deputados na Sala das Sessões, pois muitos acompanham-nos a partir dos seus
gabinetes, e de um leque reduzido de convidados, embora com a solenidade que um momento como este, a
tomada de posse do Presidente da República, o Presidente de todas as portuguesas e de todos os
portugueses, eleito pelo sufrágio universal e direto do passado dia 24 de janeiro de 2021, justifica.
Minhas Senhoras e Meus Senhores, peço agora ao Segundo Secretário da Mesa, o Sr. Deputado Duarte
Pacheco, o favor de ler a ata da reunião da Assembleia de Apuramento Geral da Eleição do Presidente da
República.
Tem a palavra, Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a ata é do seguinte teor: «No primeiro dia do mês de fevereiro de dois mil e vinte e um, pelas nove horas, em Lisboa, no Palácio
Ratton, sede do Tribunal Constitucional, reuniu, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 105.º a
110.º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de maio, a Assembleia de Apuramento Geral da eleição do Presidente
da República, formada nos termos do disposto no artigo 98.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro. A
Assembleia, constituída pela 1.ª Secção do Tribunal, foi presidida pelo Juiz Conselheiro Presidente Manuel da
Costa Andrade, estando presentes os Juízes Conselheiros José António Teles Pereira, João Pedro Caupers,
Maria de Fátima Mata-Mouros, e intervindo por videoconferência o Juiz Conselheiro José João Abrantes.
Secretariou os trabalhos João Correia, escrivão de direito da 4.ª Secção da Secretaria Judicial do Tribunal
Constitucional, coadjuvado por Norberto Grabulho, escrivão auxiliar.
Aberta a sessão, a Assembleia iniciou o apuramento, analisando primeiro as atas das assembleias de
apuramento distrital e depois as atas das assembleias de apuramento intermédio disponíveis. Verificou-se
estarem em falta as atas de apuramento intermédio da Beira, Cidade do Cabo, Cidade do México,
Joanesburgo, Praga e Riade. No caso da Beira, apurou-se que, devido a catástrofe natural, a votação havia
sido adiada, tendo apenas ocorrido nos dias trinta e trinta e um de janeiro, pelo que o apuramento respetivo
não havia ainda sido concluído.
Verificando-se a existência de discrepâncias relativas ao número total de inscritos no âmbito do
apuramento intermédio de Maputo, foram solicitados esclarecimentos complementares à assembleia de
apuramento respetiva.
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Tendo sido recebidos votos e atas relativos à votação antecipada e que não chegaram atempadamente às
assembleias de voto respetivas, a Assembleia determinou que uns e outras devem ser destruídos, a fim de se
preservar o sigilo da vontade eleitoral que naqueles se pretendeu ver expressa.
A Assembleia suspendeu os trabalhos cerca das treze horas e quinze minutos, agendando a sua
continuação para o dia três de fevereiro, pelas quinze horas, de modo a que os dados em falta pudessem
entretanto ser disponibilizados.
No dia três de fevereiro, pelas quinze horas, foram os trabalhos retomados, sob a presidência do Juiz
Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade e estando presentes os Juízes Conselheiros José António
Teles Pereira, João Pedro Caupers, Maria de Fátima Mata-Mouros e José João Abrantes. Secretariou o
escrivão de direito João Correia, coadjuvado por Norberto Grabulho, escrivão auxiliar.
Tendo-se constatado que as atas de apuramento intermédio inicialmente em falta, com a exceção da
Cidade do México, haviam entretanto sido recebidas, procedeu-se à sua verificação. Tendo a assembleia de
apuramento intermédio de Bruxelas remetido a esta Assembleia uma retificação da ata inicialmente
apresentada, foram os resultados respetivos corrigidos. Foram igualmente corrigidos os resultados relativos ao
apuramento intermédio de Maputo, de acordo com a retificação recebida.
Pelas quinze horas e quarenta e cinco minutos, foram os trabalhos suspensos, de modo a que a ata da
assembleia de apuramento intermédio da Cidade do México pudesse entretanto ser facultada.
Pelas dezassete horas, foram os trabalhos retomados. Verificaram-se os resultados da assembleia de voto
da Cidade do México, entretanto recebidos.
Nos termos do artigo 108.º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de maio, apuraram-se os seguintes
resultados:
Inscritos: dez milhões, oitocentos e quarenta e sete mil, quatrocentos e trinta e quatro eleitores;
Votos brancos: quarenta e sete mil, cento e sessenta e quatro;
Votos nulos: trinta e oito mil e dezoito;
Marisa Isabel dos Santos Matias: cento e sessenta e cinco mil, cento e vinte sete, correspondente a 3,96%;
Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa: dois milhões, quinhentos e trinta e um mil, seiscentos e noventa e
dois, correspondente a 60,67%;
Tiago Pedro de Sousa Mayan Gonçalves: cento e trinta e quatro mil, novecentos e noventa e um,
correspondente a 3,23%;
André Claro Amaral Ventura: quatrocentos e noventa e sete mil, setecentos e quarenta e seis,
correspondente a 11,93%;
Vitorino Francisco da Rocha e Silva: cento e vinte e três mil e trinta e um, correspondente a 2,95%;
João Manuel Peixoto Ferreira: cento e setenta e nove mil, setecentos e sessenta e quatro, correspondente
a 4,31%;
Ana Maria Rosa Martins Gomes: quinhentos e quarenta mil, oitocentos e vinte e três, correspondente a
12,96%;
Votos validamente expressos: quatro milhões, cento e setenta e três mil, cento e setenta e quatro;
Votantes: quatro milhões, duzentos e cinquenta e oito mil, trezentos e cinquenta e seis, correspondente a
39,26%;
Abstenção: seis milhões, quinhentos e oitenta e nove mil e setenta e oito, correspondente a 60,74%.
Verificou-se, assim, que, por ter obtido mais de metade dos votos validamente expressos, foi, nos termos
do n.º 1 do artigo 126.º da Constituição da República Portuguesa, eleito o candidato Marcelo Nuno Duarte
Rebelo de Sousa.
Após o que foram proclamados pelo Presidente do Tribunal os resultados do apuramento geral e, em
conformidade com eles, proclamado eleito Presidente da República o cidadão Marcelo Nuno Duarte Rebelo de
Sousa.
Os trabalhos foram encerrados pelas dezanove horas e quinze minutos.
Para constar se lavrou a presente ata, que, depois de lida e achada conforme, vai ser assinada por todos
os presentes.»
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Muito obrigado, Sr. Deputado Duarte Pacheco.
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Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores, é chegado o momento de o Presidente da
República eleito prestar juramento pela forma prescrita no n.º 3 do artigo 127.º da Constituição da República
Portuguesa.
De pé, o Presidente da República eleito, perante os restantes membros da Mesa e a assistência, de pé,
prestou juramento sobre o original da Constituição da República Portuguesa, lendo a fórmula constitucional, do
seguinte teor: Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender,
cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.
Aplausos, de pé, do PS, do PSD e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
De seguida, a Banda da Guarda Nacional Republicana, postada nos Passos Perdidos, executou o hino
nacional.
O Sr. Presidente da República procederá, agora, à assinatura da declaração de compromisso que acabou
de proferir.
Peço à Primeira Secretária da Mesa, a Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha, o favor de ler o auto de posse.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — O auto de posse é do seguinte teor: «Aos nove dias do mês de março de dois mil e vinte e um, perante a Assembleia da República, para o
efeito reunida na Sala das Sessões do Palácio de São Bento, tomou solenemente posse o Presidente da
República Portuguesa eleito em vinte e quatro de janeiro de dois mil e vinte e um, Professor Doutor Marcelo
Nuno Duarte Rebelo de Sousa.
Depois de lida a ata da Assembleia de Apuramento Geral da Eleição do Presidente da República, o
Professor Doutor Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa prestou juramento solene pela forma prescrita no
número 3 do artigo 127.º da Constituição da República Portuguesa.
Para constar se lavrou o presente auto de posse, que vai ser assinado por Suas Excelências o Presidente
da República e o Presidente da Assembleia da República.»
Neste momento, o Presidente da República eleito e o Presidente da Assembleia da República assinaram o
auto de posse.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal Administrativo e
do Tribunal de Contas, antigos Presidentes da República, Sr.ª Dr.ª Manuela Eanes, Sr.ª e Srs. Ministros de
Estado, Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Sr.ª e Srs. Vice-Presidentes da Assembleia da
República, Sr.as e Srs. Presidentes dos grupos parlamentares, Sr.ª Procuradora-Geral da República, Sr. Chefe
do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Sr.ª Provedora de Justiça, Sr. Presidente do CDS-PP, Srs.
Chefes do Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea, S. Ex.ª o Reverendíssimo Núncio
Apostólico, Decano do Corpo Diplomático, em sua representação, Sr. Presidente da Conferência Episcopal
Portuguesa, Sr.ª e Srs. Candidatos a Presidente da República, Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e
Meus Senhores:
A Assembleia da República reúne-se hoje, dia 9 de março, em Sessão Solene, para testemunhar a tomada
de posse do Presidente da República, em cumprimento do disposto na Constituição.
Este é, sem dúvida, um dos atos mais importantes da nossa democracia, tendo, como intervenientes, num
exemplo perfeito de interdependência, os dois órgãos de soberania que colhem a sua legitimidade no sufrágio
universal e direto.
É o momento em que o Presidente da República eleito se apresenta na Casa da democracia e, perante
esta, toma posse e presta declaração de compromisso, em adesão à Constituição e aos ideais e princípios aí
consagrados, assim dando início ao seu mandato.
É uma cerimónia que deve ser tão pública quanto possível, permitindo ao povo, no qual reside a soberania,
participar na investidura do seu mais alto magistrado.
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A situação pandémica que se vive não admite, infelizmente, que esta cerimónia tenha a dimensão que lhe
é devida, como nas anteriores ocasiões em que, a par do pleno dos 230 titulares deste órgão de soberania e
das mais altas individualidades do Estado português, bem como dos representantes do Corpo Diplomático
acreditado no nosso País, os demais cidadãos fazem questão de comparecer, enchendo as galerias desta
Sala das Sessões.
O formato restrito da cerimónia não lhe retira, contudo, solenidade, significado ou audiência atenta.
É com emoção que a Assembleia da República se reúne hoje com o Presidente da República sob a força
da Constituição.
Excelência, Minhas Senhoras e Meus Senhores: a eleição para o Presidente da República e a campanha
que a antecedeu realizaram-se este ano num quadro de pandemia e foram sujeitas às múltiplas restrições
decorrentes do estado de emergência que ainda vivemos e que nos impõe, a todos, um dever cívico de
recolhimento e cuidados acrescidos.
Não obstante, apresentaram-se a sufrágio vários candidatos, patenteando a maior diversidade ideológica
em ato semelhante, até à data, e que aqui saúdo.
A Vossa Excelência dirijo, a título pessoal e em nome da Assembleia da República, uma saudação especial
pela forma clara e expressiva da sua eleição: à primeira volta e com um significativo acréscimo de votos face
ao resultado de 2016.
Foi um ato que ocorreu na data designada, sem percalços e sem efeito assinalável na propagação do
coronavírus, contrariando os receios mais alarmistas e confirmando a desnecessidade do recurso a
expedientes circunstanciais, que seriam verdadeiras entorses à democracia.
É, sobretudo, em contextos de crise ou em circunstâncias extraordinárias, como aquelas que enfrentamos,
que temos de ser intransigentes na defesa da democracia e exigentes no cumprimento das suas regras e no
respeito pelos direitos fundamentais que a nossa Constituição consagra.
Uma palavra de reconhecimento é aqui também devida às portuguesas e aos portugueses que exerceram
o seu direito de voto, bem como a todos os que tornaram possível este ato eleitoral. Foi uma lição de
cidadania que engrandeceu a democracia portuguesa.
Excelência, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Os cinco anos de mandato de Vossa Excelência foram
repletos de momentos marcantes.
Com a reposição de direitos e garantias que haviam sido retirados na sequência da intervenção da troica e
com o esvaziamento da tensão social e até institucional que existia, Portugal entrou numa trajetória positiva,
superando com êxito a grave crise económica e financeira que até então se vivia e conseguindo mesmo o
primeiro excedente orçamental em democracia.
Também, em termos internacionais, foram assinaláveis os sucessos alcançados nas frentes diplomática,
cultural e desportiva.
Neste particular, não poderia deixar de recordar a eleição de António Guterres como Secretário-Geral das
Nações Unidas, eleição que se deveu às muitas e diversificadas qualidades do candidato, mas, igualmente, ao
prestígio de que beneficiamos enquanto povo e enquanto Nação de matriz universal.
Aplausos do PS e do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.
Portugal recuperou prestígio, tornou-se uma referência e um destino preferencial. E nós retomámos o
orgulho de sermos portugueses. A estes sucessos não foi alheio o prestimoso contributo de Vossa Excelência.
Durante estes anos realizaram-se, em normalidade democrática, eleições legislativas, regionais e
autárquicas, bem como europeias, tendo, em alguns casos, resultado reconfigurações do panorama político,
com o surgimento de novas forças partidárias.
A democracia tornou-se mais diversa e inclusiva, com uma representatividade acrescida, reveladora de um
Portugal com um pleno sentido da liberdade, sem restrições, sem mordaças.
Infelizmente, verificaram-se também alguns acontecimentos particularmente dramáticos que testaram as
nossas capacidades políticas e mesmo éticas, como foram os incêndios devastadores de 2017, que ceifaram
mais de 100 vidas e destruíram casas, empresas, empregos, com repercussões que ainda hoje se fazem
sentir, ou a pandemia da COVID-19 que desde há mais de um ano afeta, de forma persistente e impiedosa,
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toda a população e todos os setores de atividade, com um forte impacto social, económico e financeiro e,
sobretudo, com um custo irreparável em vidas humanas, que ontem ascendia a 16 565.
A estas catástrofes foi, porém, possível evitar somar uma crise política, a qual teria sérias consequências
não só a nível interno, mas também ao nível da imagem externa de Portugal.
O papel moderador que Vossa Excelência desempenhou em ambas as situações — sob grande pressão,
sublinhe-se — foi crucial para garantir estabilidade política e assegurar o regular funcionamento das
instituições.
Duas preocupações permanentes que muito o honram e nos honram.
Excelência, Minhas Senhoras e Meus Senhores: O combate à pandemia é, no curto prazo, a nossa
prioridade, como Vossa Excelência fez questão de frisar na intervenção que proferiu na noite da sua reeleição.
Vencer a pandemia é imprescindível para restituir normalidade à vida familiar e social, devolver as crianças
e os jovens à escola, retomar a atividade económica, recuperar os empregos e superar a crise económica e
social — e cultural, porque, sem cultura, não sobreviveríamos.
O conhecimento entretanto adquirido e a esperança que a vacina veio trazer dão-nos um novo alento e
permitem antever, num futuro não muito longínquo, se não a erradicação do vírus, pelo menos um fim de
muitas das restrições que atualmente vivemos.
Este é um objetivo que só se alcança num esforço conjunto, enquanto comunidade.
Quero aqui sublinhar o contributo da Assembleia da República nesta luta quer autorizando as sucessivas
declarações de estado de emergência — em resposta aos pedidos de Vossa Excelência —, quer fiscalizando
as medidas tomadas pelo Governo para evitar as consequências da pandemia e propondo medidas adicionais
ou alternativas.
Não obstante as normais, e até mesmo desejáveis, divergências e as políticas diferentes preconizadas, há
um reconhecimento pela larga maioria dos agentes políticos do que é essencial e da responsabilidade
histórica que sobre nós impende.
Estou, pois, convicto de que os Deputados, enquanto titulares deste órgão de soberania, mas também
como protagonistas de um serviço essencial do Estado, saberão, tal como até aqui, estar à altura das suas
obrigações e do contributo que lhes é exigido.
Debelada a pandemia, é imperioso assumir a reparação sustentada dos danos causados por esta crise —
na saúde, na economia, na cultura, na educação, na sociedade — e a eliminação das debilidades estruturais
que persistem e limitam o potencial de desenvolvimento do País e que a pandemia tornou ainda mais
evidentes.
Para alcançar esse objetivo têm vindo a ser apresentados e aprovados, após discussão pública, os
instrumentos e os projetos estruturantes entendidos como fundamentais.
Por vezes surgem acusações de que não se discutem os assuntos, as propostas ou os projetos, mas talvez
mais relevante seja a ausência de consequências prática dos debates. Um bom exemplo disso é a discussão
sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa, que leva já 52 anos e que, a cada ano que passa, se torna
mais difícil.
Há um momento em que é necessário dar a discussão por concluída e decidir. É isso que esperam de nós.
Para isso fomos eleitos: para tomar decisões e para resolver os problemas que afetam o País.
A avaliação, essa, far-se-á nas urnas. O que temos de assegurar, e aqui a Assembleia da República terá
um papel essencial, e garantir é a boa utilização dos dinheiros públicos e dos fundos europeus, que a
recuperação prevista não deixe ninguém para trás e que sejam asseguradas mais oportunidades de ascensão
social, sem a qual não há desenvolvimento.
Neste desafio, Portugal conta com a solidariedade e o contributo da União Europeia, que tem tido um papel
fundamental na articulação e na mobilização dos meios necessários para uma resposta europeia comum ao
surto do coronavírus não só na saúde pública, mas também na redução do impacto socioeconómico
devastador desta pandemia. Como País europeu, temos agido de forma concertada e com iniciativa política.
Excelência, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Hoje, quando Portugal assegura novamente a Presidência
do Conselho da União Europeia, quero agradecer a todas as Senhoras Deputadas e a todos os Senhores
Deputados que, nas Comissões Permanentes, têm velado pelo respeito pelos direitos consagrados no Tratado
de Lisboa aos parlamentos nacionais e que tanto se têm empenhado, em condições tão adversas, em
assegurar a realização das ações que nos propusemos efetuar durante o semestre em curso.
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Nestes dois meses de dimensão parlamentar da Presidência portuguesa, a Assembleia da República
recebeu a visita do Colégio de Comissários e levou a cabo várias iniciativas de que singularizo, pelo seu
alcance, duas conferências interparlamentares: sobre a estabilidade e governação económica, organizada
com o Parlamento Europeu e o seu Presidente; e sobre a Política Externa e de Segurança Comum e a Política
Comum de Segurança e Defesa. Com temáticas diferentes, as duas conferências tiveram um propósito
comum: pensar estrategicamente a Europa.
Como bem declara o Tratado de Lisboa, os parlamentos nacionais contribuem ativamente para o bom
funcionamento da União.
A cooperação internacional sempre fez parte integrante da nossa matriz democrática e da nossa política
externa. Neste caso, ela é ainda mais fundamental. Nenhum país sozinho pode vencer ou superar as
consequências da pandemia.
Como lembrou o Papa Francisco, perante um desafio que não conhece fronteiras, não se podem erguer
barreiras. Os muros do nacionalismo e do populismo são impotentes para travar a pandemia.
E como não ter presente o apelo e a advertência feitos por António Guterres, reiterados há duas semanas
perante os nossos Deputados numa conferência, no âmbito da dimensão parlamentar da nossa Presidência do
Conselho da União Europeia, sobre a necessidade absoluta de todos, independentemente do lugar onde
habitam e das respetivas condições económicas, terem acesso à vacinação contra a COVID-19?
Estamos perante um imperativo ético de bem comum e uma exigência de gestão pública, porquanto, como
o mostram as variantes do vírus, nenhum de nós estará a salvo enquanto outros lutam pela vida em condições
de miséria económica, de conflito armado ou tão simplesmente de falta de acesso à saúde pública.
Não nos esqueçamos destas palavras.
Excelência, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Afirmou ainda Vossa Excelência, na noite de 24 de
janeiro, que a sua eleição é a demonstração de repúdio do extremismo por parte dos portugueses.
Estou certo de que assim é, sendo este um assunto que a todos deve preocupar e que exige ação e
resposta determinadas.
Organizações como a Freedom House avisam-nos que a democracia está sob ataque e que a liberdade no
mundo se encontra em declínio há 15 anos consecutivos, sendo que menos de um quinto da população
mundial vive em países totalmente livres.
Nesse período, assistimos ao ressurgimento de movimentos e de ideais de extrema-direita, com
substanciais ganhos mesmo em Estados-Membros da União Europeia de sólidas tradições democráticas. Uma
tendência que preocupa não só governos e forças de segurança de países democráticos, mas também
organizações internacionais ou religiosas.
Nas palavras do Secretário-Geral das Nações Unidas: «Os movimentos de supremacia branca e neonazi
são mais do que ameaças de terrorismo interno — tornam-se ameaças transnacionais que estão a crescer a
cada dia. Precisamos de uma ação coordenada global para derrotar este grave e crescente perigo».
São questionadas a universalidade dos princípios e valores em que assentam as sociedades livres e os
fundamentos da ordem multilateral internacional construída ao longo de décadas.
As raízes deste fenómeno têm terreno interno fértil na polarização política; nos populismos vários; nas
desigualdades que fragilizam a coesão social; nas situações de corrupção, que há que combater com
determinação e eficácia; nos ataques ao Estado de direito; na xenofobia e no racismo, que negam a igualdade,
diversidade e unidade na dignidade, intrínsecas a cada ser humano.
São eles acompanhados de outra dimensão, esta de natureza externa: a promoção do autoritarismo e da
reivindicação da sua pretensa melhor capacidade de resposta aos problemas atuais, recorrendo à
manipulação e à desinformação, potenciadas pelas novas tecnologias e pelo seu imediatismo.
Surgindo por vezes sob a capa de nacional-populismo ou de movimentos inorgânicos, o radicalismo e o
extremismo são, inquestionavelmente, perigos para a democracia, com as dicotomias antissistema, repletas
de respostas falaciosas e impraticáveis, sem adesão à realidade e com difícil relação com a verdade e os
factos.
É um fenómeno que explora, oportunista que é, os receios da população e as dificuldades que os Governos
democráticos têm manifestado na resposta às suas inquietações, que perturbações como a pandemia tendem
a acentuar.
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É um fenómeno que se aproveita do atual afastamento de parte da população em relação às instituições,
aos partidos políticos, às associações ou aos sindicatos tradicionais, que sente, muitas vezes, que estes já
não a representam. É um afastamento da própria política.
Não podemos, por isso, afrouxar os cuidados perante sinais deste perigo. Pelo contrário, devemos redobrar
os esforços na procura de soluções para os problemas e os anseios da população, no sentido de os anular.
Como políticos e como cidadãos que somos, não podemos deixar que aquilo que chega a parecer uma
tendência suicidária de algumas democracias nos afete.
Todos estamos convocados para esta batalha, porque dela depende a nossa sobrevivência enquanto povo
e enquanto Estado soberano.
Porém, não se esgotam nestes tópicos as nossas preocupações. Outras há que merecem a nossa melhor
atenção e, certamente, teremos a oportunidade de sobre elas agir, como sejam as alterações climáticas, a
qualificação da população, a transição digital ou a questão das migrações e do asilo, para não referir uma
questão fundamental, que é a da luta contra as desigualdades.
As mudanças estruturais de Portugal são hoje uma necessidade histórica.
Excelência, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Durante o mandato que Vossa Excelência hoje inicia, o
regime fundado em 25 de Abril ultrapassará, em longevidade, o regime salazarista e celebrará o seu 50.º
aniversário.
Apraz-me, por isso, que, nessas datas marcantes, Portugal tenha, na Presidência da República, um
defensor acérrimo da democracia e dos seus princípios, que respeita o pluralismo e a diferença e que nunca
desiste da justiça social. Há que recordar que este Presidente foi, e é, um constituinte.
Estou certo de que o novo mandato de Vossa Excelência se pautará, como o que acaba de terminar, pelo
mais estrito e imparcial respeito pelos valores e princípios constitucionais, e que manterá, com a Assembleia
da República, as mais cordiais relações institucionais, em total deferência pelo princípio da separação dos
poderes e da interdependência, tendo sempre presente que é no Parlamento que se encontra representada a
sociedade portuguesa, na sua diversidade e pluralidade.
Ao terminar, Sr. Presidente da República, prezado amigo, quero renovar o desejo das maiores felicidades
no exercício das suas funções, com a certeza de que pode contar com a total lealdade institucional da
Assembleia da República e do seu Presidente, pela República, pela democracia, por Portugal.
Aplausos do PS, do PSD e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores, o Sr. Presidente da República vai, agora, usar
da palavra, nos termos constitucionais.
Tem a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional,
do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas, Srs. Presidentes António Ramalho Eanes e
Aníbal Cavaco Silva, Dr.ª Manuela Eanes, Srs. Ministros de Estado, Sr. Presidente da Câmara Municipal de
Lisboa, Sr. Núncio Apostólico, em representação do Corpo Diplomático, Sr. Presidente da Conferência
Episcopal Portuguesa, Sr.ª Procuradora-Geral da República, Sr. Chefe do Estado-Maior-General das Forças
Armadas, Sr.ª Provedora de Justiça, Srs. Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas,
Sr. Presidente do CDS-PP, Sr.ª e Srs. Candidatos presidenciais, Sr.as e Srs. Deputados, Portugueses,
Hoje, como há cinco anos, Portugal é a única razão de ser do compromisso solene que acabo de assumir.
Dizer Portugal é dizer os Portugueses, porque uma Pátria é muito mais do que o lugar onde nascemos e
renascemos, a memória do que fazemos, desfazemos e refazemos, os usos que recebemos e passamos aos
nossos filhos e netos, as instituições que nos moldam e ajudamos a moldar.
Uma Pátria são, acima de tudo, as pessoas e, nela, cada pessoa conta, diversa, diferente, irrepetível.
Portugal são os Portugueses.
São, pois, os Portugueses, todos eles, a única razão de ser do compromisso solene que acabei de assumir,
a começar pelos que mais necessitam: os sem-abrigo; os com teto, mas sem habitação condigna; os da minha
idade, ou mais, que vivem em lares ou em casa, em solidão, ou velados por cuidadores formais ou informais;
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os reformados e pensionistas pobres; os desempregados e trabalhadores em layoff; os trabalhadores e os
empresários precários; as crianças, os jovens, as famílias, os professores e os não-docentes, atropelados em
dois anos letivos; os que salvam vida e saúde; os que os ajudam a salvar; os que perdem vida e saúde; os que
perdem entes queridos, sem uma despedida, na doença e na morte; os que nos deixam, desejando regressar;
os que, em nós, se acolhem e ficam; e mais os que — e são todos —, perto ou muito longe, na Diáspora, nos
Açores, na Madeira, no Continente, nunca desistem de Portugal.
Portugueses, no dia 9 de março de 2016, Portugal vivia já a saída de uma dura crise financeira, económica
e social, mas a divisão entre os que haviam arcado com o Governo em crise e os que se lhe tinham oposto era
total, em ideias, em políticas, em legitimidade para se ser poder, em emoções.
A Europa, liberta da sombra da crise bancária, prometia crescimento e emprego e esperava que Portugal
não mudasse de rumo no reequilíbrio do Orçamento.
O mundo, empolgado pelos ideais da ação climática, da mudança energética, da liberdade de comércio e
do multilateralismo, acreditava que era tempo de ultrapassar fronteiras, de olhar de frente para migrações e
refugiados, de promover direitos humanos, paz e desenvolvimento sustentável.
Mais sonhos e menos medos.
O que se passou depois, sabemo-lo todos: o mundo foi outro, diverso do então esperado, com crescimento
económico, mas com menos ação climática, menos multilateralismo, menos tolerância em relação a migrações
e refugiados, mais guerra comercial, mais xenofobias.
Mais medos, menos sonhos.
A Europa, abalada pela saída do Reino Unido, foi, ainda assim, resistindo e reinventando-se, às vezes só,
nela própria, irrompendo aqui e ali mais medos e definhando, de quando em vez, mais sonhos.
Portugal continuou o caminho das contas públicas equilibradas. Fê-lo, acelerando compensações sociais e
reforçando o setor público, o que, sendo o programa dos novos governantes, se opunha ao rumo dos seus
antecessores.
Sairia do processo de défice excessivo em 16 de junho de 2017, depois de, em 2016 e em 2017, ter
enfrentado situações críticas na banca e na véspera de viver a primeira das duas vagas da tragédia dos
incêndios florestais.
Daria passos importantes no equilíbrio orçamental, na internacionalização, na área do digital, nas
exportações, no turismo, na inovação e nalguma mudança agrícola, sabendo, em vários domínios, aproveitar
caminhos antes desbravados.
Atenuaria suavemente a pobreza e algumas desigualdades sociais.
Reforçaria o seu prestígio e protagonismo externo — nas Nações Unidas, no Eurogrupo, na Organização
Internacional para as Migrações, nas Forças Nacionais Destacadas, nas missões solidárias, como em
Moçambique, na Cultura, na Ciência, no Desporto.
Iria, porém, adiando investimentos ou transformações mais profundas em competitividade empresarial, em
infraestruturas, na Administração Pública, no Serviço Nacional de Saúde e, em parte, na Justiça.
À entrada de 2020, mundo e Europa esperavam por outros ciclos, dependentes das suas lideranças
definidas ou assumidas no ano que terminou.
Portugal, com excedente orçamental e de novo em convergência económica com a Europa, esperava
encarar anos de crescimento duradouro, num ambiente político todavia muito diverso daquele de 2016, mais
fragmentado e mais complexo, conhecendo a chegada ao sistema de novas forças políticas e sociais,
anunciadas desde a Primavera de 2018.
Onde a economia deixava antever tempos mais propícios, a política sugeria tempos menos previsíveis.
Foi então que, há um ano, entre nós, começou a pandemia que não mais deixaria de fustigar tudo e todos.
Um ano demolidor para a vida e a saúde, para o emprego e os rendimentos, para os planos e as realizações,
para as comunidades, para as famílias, para as pessoas, para cada um de nós.
À pandemia na vida e na saúde, juntou-se a pandemia na economia e na sociedade.
O heroísmo deixou de ser coisa de um instante e passou a ser de um ano, quase interminável, mais difícil,
mais estoico, mais valioso. Por isso, é justa a indignação dos sacrificados pelas duas pandemias.
Mas também por isso é parcialmente injusta a recriminação feita a tudo o que não se antecipou, não se
evitou e não se resolveu. Nuns casos, era possível, noutros, não seria.
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Os trucidados pelas pandemias têm o direito de ver o poder existente ao mesmo tempo como tábua de
salvação e como muro das suas legítimas lamentações.
Os responsáveis durante as pandemias só podem assumir tudo — o possível e o impossível — sabendo
que nada nem ninguém pode dar, a quem perdeu o irreparável, o que não tem preço nem tem retorno.
Portugueses, nenhum dos que aqui estivemos no dia 9 de março de 2016 terá antevisto o que é hoje o dia
9 de março de 2021, nem o confinamento lá fora, nem o distanciamento cá dentro, nem a esperança — apesar
de tudo — renovada e imbatível por um futuro melhor.
Pela primeira vez, em democracia, um Presidente da República toma posse durante um estado de
emergência, perante uma Assembleia da República que nunca deixou de funcionar, ao serviço dos
Portugueses. E, por essa determinação, agradeço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a VV. Ex.as, Sr.as e Srs.
Deputados, o exemplo de dedicação à democracia, nunca aceitando calá-la, nunca aceitando suspendê-la,
nunca aceitando fazê-la refém.
Que seja esta a primeira lição do dia de hoje.
Vivemos em democracia, queremos continuar a viver em democracia e, em democracia, combater as mais
graves pandemias. Preferimos a liberdade à opressão, o diálogo ao monólogo, o pluralismo à censura, e
demonstrámo-lo, realizando duas eleições em pandemia, de uma das quais resultou a subida da oposição ao
Governo. Isto é democracia.
Mas queremos, também, melhor democracia, onde a liberdade não seja esvaziada pela pobreza, pela
ignorância, pela dependência ou pela corrupção; onde a inclusão, a tolerância e o respeito por todos os
Portugueses — para além do género, do credo, da cor da pele, das convicções pessoais, políticas e sociais —
não sejam sacrificados ao mito do português puro, da casta iluminada, dos antigos e novos privilegiados.
Queremos uma democracia que seja ética e republicana na limitação dos mandatos; convergência no
regime e alternativa clara na governação; estabilidade sem pântano; justiça com segurança; renovação que
evite rutura; antecipação que impeça decadência; proximidade que impossibilite deslumbramento, arrogância e
abuso do poder. Assegurá-lo é a primeira prioridade do Presidente da República para estes cinco anos.
A segunda lição desta posse em estado de emergência é ainda mais evidente do que a primeira: vivemos
em pandemia sanitária. E, quanto a essa pandemia, que mudou radicalmente a nossa vida, sabemos todos o
que queremos: queremos encurtá-la e não alongá-la; estancar o número dos nossos mortos; baixar a
contaminação; ampliar a vacinação, a testagem e o rastreio, evitar nova exaustão das estruturas de saúde e
dos seus heróis.
Queremos desconfinar com sensatez e sucesso, reduzir o temor, reforçar a confiança, recuperar os
adiamentos nos doentes não COVID, estabilizar o Serviço Nacional Saúde, permitir, de forma duradoura, a
reconstrução da vida das pessoas.
Esta é a segunda prioridade — e a mais imediata— do Presidente da República para os próximos meses,
em espírito da mais ampla unidade possível, num tempo de inevitáveis cansaço e ansiedade.
A terceira missão prioritária do Presidente da República cobre não apenas 2021, mas também os anos que
se seguem. Durante esse tempo, inevitavelmente mais longo, teremos de reconstruir a vida das pessoas, que
é tudo ou quase tudo — emprego, rendimentos, empresas, mas também saúde mental, laços sociais,
vivências e sonhos.
É mais, muito mais do que recuperar, ou seja, regressar a 2019 ou a fevereiro de 2020. E essa é a terceira
lição deste ano. Para isso, queremos manter e aperfeiçoar as medidas para a sobrevivência imediata do tecido
social e do tecido económico e a sua mais rápida reconstrução.
Como queremos usar os fundos europeus? Com clareza estratégica, boa gestão, transparência e eficácia,
na resiliência social, na qualificação, na transição energética, no digital. Mas nunca esquecendo o que a
pandemia desvendou de problemas de fundo — de competitividade económica, de saúde, de solidariedade
social, de sua articulação — ou que convidou a revisitar: reforma administrativa, Justiça e luta contra a
corrupção, o papel das Forças Armadas, forças de segurança, proteção civil, bombeiros, descentralização —
toda aquela que os portugueses quiserem —, instituições de solidariedade social, movimentos associativos,
formas de trabalho.
Só haverá, porém, verdadeira reconstrução se a pobreza se reduzir, se os focos de carência alimentar
extrema desaparecerem, se as desigualdades se esbaterem, se a exclusão diminuir, se a clivagem entre
gerações e entre territórios for superada.
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A coesão social é a quarta missão prioritária do Presidente da República. A pandemia fez ressaltar a
existência de vários Portugais, cada vez mais distantes entre si, todos eles dentro do mesmo Portugal.
Urge reconstruir um só Portugal.
Queremos mais crescimento e, para isso, investimentos, exportações e mercado interno. Queremos, no
entanto, mais do que isso: políticas que corrijam o que a liberdade, a concorrência e o mercado, de per si, não
permitem corrigir e que se agravou, drasticamente, com a pandemia.
Reconstruir a vida das pessoas sem economia a crescer é impossível, mas reconstruí-la só com a
economia, sem corrigir as desigualdades existentes, é reconstruir menos para todos, porque, sobretudo, para
alguns privilegiados.
Uma última lição dos meses que atravessamos é a de que não há ilhas no universo e que nós, Portugal,
somos tudo menos uma ilha. Fraternidade lusófona, integração europeia, relacionamento transatlântico,
estreitamento euro-africano, ibero-americano, aberturas a Oriente, mais solidariedade, multilateralismo,
valorização das organizações internacionais, aposta continuada nas chamadas novas fronteiras — e os
oceanos são-no, desde sempre, para nós —, eis o apelo do futuro, contra o medo do diferente, do diverso, do
complementar.
A quinta missão do Presidente da República é aprofundar a nossa vocação para plataforma entre culturas,
civilizações, oceanos e continentes — simbolizada pela eleição e pela desejável reeleição de António Guterres
e pela abertura a todos os azimutes da Presidência Portuguesa no Conselho da União Europeia—, afirmar a
unidade nacional com a salutar especificidade das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, acalentar a
participação da nossa Diáspora construtora de Portugais fora do território físico, mas dentro do território
espiritual, que é o nosso, valorizar as nossas políticas externa e de defesa e as nossas Forças Armadas.
É, no fundo, afirmar um sempre renovado patriotismo. Um patriotismo das pessoas e não apenas do lugar,
da memória, dos usos, das instituições, um patriotismo do futuro, que os mais jovens assumem como
ninguém, contra ventos e marés, contra pandemias na vida e na saúde, na economia e na sociedade.
Por isso mesmo, eles, jovens, têm pressa. Pressa de ver Portugal mais justo, mais competitivo, mais
intergeracional. Não se satisfazem com as cinco missões nacionais e presidenciais para os próximos cinco
anos nem apenas com as promessas de resposta às suas angústias na educação, no emprego, na habitação,
no projeto de vida.
Esperam mais e mais depressa, para eles e para todos os Portugueses. Desde já, num Portugal desigual e
envelhecido, esperam mais e melhor Serviço Nacional Saúde, peça-chave da nossa democracia social. Num
Portugal pouco competitivo, esperam mais e melhores condições para as empresas usarem em pleno os
fundos europeus, atraírem investimento e enfrentarem, com sucesso, a competição externa cá dentro e lá fora.
Num mundo em aceleração, esperam ainda mais e melhor liderança portuguesa na luta pela ação climática.
Três causas concretas que, independentemente de rótulos, são todas elas nacionais e urgentes.
Portugueses, resta lembrar o óbvio. Sou o mesmo de há cinco anos. Sou o mesmo de ontem, nos mesmos
exatos termos, eleito e reeleito para ser Presidente de todos vós, com independência, espírito de compromisso
e estabilidade, proximidade, afeto, preferência pelos excluídos, honestidade, convergência no essencial,
alternativa entre duas áreas fortes sustentadas e credíveis, rejeição de messianismos presidenciais — no
exercício de poder ou na antecipada nostalgia do termo desse exercício —, respeito pela diferença e pelo
pluralismo na construção da justiça social, orgulho de ser Portugal, de ser Português.
Foi assim, assim será, com qualquer maioria parlamentar, com qualquer Governo, antes e depois das
eleições autárquicas, antes e depois das eleições parlamentares, antes e depois das eleições europeias, antes
e depois dos 50 anos do 25 de Abril em 2024.
Que os próximos cinco anos possam ser mais razão de esperança do que de desilusão é o nosso sonho e
é o nosso propósito.
Um ano decorrido sobre tanto luto, tanto sacrifício, tanta solidão. Temos de acreditar. Vamos acreditar.
Como escrevia Sophia de Mello Breyner: «Apesar das ruínas e da morte,/ Onde sempre acabou cada
ilusão,/ A força dos meus sonhos é tão forte,/ Que de tudo renasce a exaltação/ E nunca as minhas mãos
ficam vazias.»
Nunca as nossas mãos ficarão vazias!
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Aplausos, de pé, do PS, do PSD, do CDS-PP, da Deputada Joacine Katar Moreira e dos membros do
Governo, tendo-se levantado o BE, o PCP, o PAN, o PEV, o CH, o IL e a Deputada não inscrita Cristina
Rodrigues.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Está encerrada a sessão.
Eram 11 horas e 25 minutos.
A Banda da Guarda Nacional Republicana, postada nos Passos Perdidos, executou, de novo, o hino
nacional, tendo a Câmara aplaudido de pé.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.